A Princesa e A Rainha - Os Negros e Os Verdes - George R. R. Martin

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A Princesa e a Rainha,

ou,
Os Negros e os Verdes

Sendo uma história das Causas, Origens, Batalhas e Traições do Mais Trágico
Derramamento de Sangue conhecido como Dança dos Dragões, conforme
estabelecido pelo Arquimeistre Gyldayn da Cidadela de Vilavelha.

A Dança dos Dragões é o nome florido dado à briga mortífera e selvagem pelo
Trono de Ferro de Westeros, lutada entre dois ramos rivais da Casa Targaryen durante os
anos 129 a 131 AL. Caracterizar os feitos sombrios, turbulentos e sangrentos deste período
como uma “dança” parece grotescamente inapropriado. Sem dúvida a frase originou-se com
algum cantor. “A Morte dos Dragões” seria muito mais adequado, mas tradição e tempo
marcaram o uso mais poético nas páginas da história, então nós devemos dançar com o resto.
Existiram dois principais reivindicantes do Trono de Ferro após a morte do Rei
Viserys I Targaryen: sua filha Rhaenyra, a única criança sobrevivente de seu primeiro
casamento, e Aegon, seu filho mais velho com sua segunda esposa. Em meio ao caos e
carnificina trazidos por suas rivalidades, outros aspirantes a reis colocaram também suas
pretensões, andando como saltimbancos em um palco por uma quinzena ou uma virada de
lua, apenas para caírem tão rapidamente como se ergueram.
A Dança dividiu os Sete Reinos em dois, enquanto senhores, cavaleiros e
camponeses se declaravam para um lado ou outro e tomavam armas contra si mesmos. Até a
própria Casa Targaryen se dividiu, quando os amigos, família, e filhos de cada um dos
reivindicadores se enredaram na luta. Ao longo dos dois anos de contenda, os grandes
senhores de Westeros, juntos de seus vassalos, cavaleiros e camponeses, sofreram uma
terrível consequência. Embora a dinastia tenha sobrevivido, ao fim da luta o poder
Targaryen diminuíra muito, e os últimos dragões do mundo reduziram drasticamente em
número.
A Dança foi uma guerra diferente de qualquer outra travada na longa história
dos Sete Reinos. Apesar de exércitos terem marchado e se encontrado em batalhas ferozes, a
maioria da chacina ocorreu na água, e… principalmente… no ar, enquanto dragão lutou com
dragão com dentes, garras e fogo. Foi uma guerra marcada também por subterfúgio,
assassinato e traição, uma guerra travada em sombras e degraus, aposentos do conselho e
pátios dos castelos com facas, mentiras e veneno.
Fermentando por tempos, o conflito veio à tona no terceiro dia da terceira lua de
129 AL, quando o Rei Viserys I Targaryen, doente e de cama, fechou seus olhos para um
cochilo na Fortaleza Vermelha de Porto Real, e morreu sem acordar. Seu corpo foi
descoberto por um servente na hora do morcego, quando era tradição do rei tomar um copo
de hipocraz. O servente correu para informar a Rainha Alicent, cujos aposentos estavam no
piso abaixo dos do rei.
O servente entregou seus pesares diretamente à rainha, e apenas para ela, sem
causar alarme; a morte do rei fora antecipada por certo tempo, e a Rainha Alicent e seus
partidários, os chamados Verdes, tomaram conta de instruir todos os guardas e serventes de
Viserys sobre o que fazer quando o dia chegasse.
A Rainha Alicent foi de prontidão ao aposento do rei, acompanhada de Sor
Criston Cole, Senhor Comandante da Guarda Real. Ao confirmarem que Viserys estava
morto, Sua Graça ordenou que seu aposento fosse fechado e colocado sob guarda. O servente
que encontrara o corpo do rei foi levado em custódia, para ter certeza de que ele não
espalhasse a notícia. Sor Criston retornou para a Torre da Espada Branca e enviou seus
irmãos da Guarda Real para convocarem os membros do pequeno conselho do rei. Era a hora
da coruja.
Então como agora, a Irmandade Juramentada da Guarda Real consistia de sete
cavaleiros, homens de lealdades provadas e proezas incontestáveis que juraram solenemente
dedicar suas vidas para defender o rei e sua família. Somente cinco das capas brancas
estavam em Porto Real no momento da morte de Viserys; o próprio Sor Criston, Sor Arryk
Cargyll, Sor Rickard Thorne, Sor Steffon Darklyn, e Sor Willis Fell. Sor Erryk Cargyll
(gêmeo de Sor Arryk) e Sor Lorent Marbrand, com a Princesa Rhaenyra em Pedra do
Dragão, permaneceram ignorantes e não envolvidos enquanto seus irmãos levantavam os
membros do pequeno conselho de suas camas.
Aglomerados nos aposentos da rainha enquanto o corpo de seu senhor esposo
esfriava acima estavam a própria Rainha Alicent; seu pai Sor Otto Hightower, Mão do Rei;
Sor Criston Cole, Senhor Comandante da Guarda Real; Grande Meistre Orwyle; Lorde
Lyman Beesbury, mestre da moeda, um homem de oitenta anos; Sor Tyland Lannister,
mestre dos navios, irmão do Senhor de Rochedo Casterly; Larys Strong, chamado de Larys
Pé Torto, Senhor de Harrenhal, mestre dos sussurros; e Lorde Jasper Wylde, chamado de
Bastão de Ferro, mestre das leis.
Grande Meistre Orwyle começou o enquanto revisando as tarefas e os
procedimentos usuais necessários perante a morte de um rei. Ele disse, “Septão Eustace deve
ser convocado para realizar os últimos ritos e rezar pela alma do rei. Um corvo deve ser
enviado a Pedra do Dragão imediatamente para informar a Princesa Rhaenyra do
falecimento de seu pai. Talvez Sua Graça a rainha cuidaria de escrever a mensagem, para
amenizar estas más notícias com algumas palavras de condolência? Os sinos sempre são
tocados para anunciar a morte de um rei, alguém deve dar conta disto, e é claro nós devemos
começar a fazer nossas preparações para a coração da Rainha Rhaenyra...”
Sor Otto Hightower o cortou. “Tudo isto deve esperar,” ele declarou, “até que a
questão da sucessão seja resolvida.” Como Mão do Rei, ele tinha permissão para falar com a
voz do rei, até mesmo para sentar no Trono de Ferro na ausência do rei. Viserys lhe
concedeu autoridade para governar os Sete Reinos, e “até tal hora em que nosso novo rei seja
coroado”, esta regra continuaria.
“Até que nossa rainha seja coroada,” Lorde Beesbury disse, em um tom atrevido.
“Rei,” insistiu a Rainha Alicent. “O Trono de Ferro por direito deve passar para
o filho legítimo mais velho de Sua Graça.”
A discussão que se seguiu continuou até o amanhecer. Lorde Beesbury falou a
favor da Princesa Rhaenyra. O antigo mestre da moeda, que servira Rei Viserys durante seu
reinado inteiro, e seu pai Jaehaerys, o Velho Rei, antes dele, lembrou ao conselho de que
Rhaenyra era mais velha do que seus irmãos e tinha mais sangue Targaryen, de que o
falecido rei escolhera-a como sua sucessora, de que ele repetidamente recusou-se a alterar a
sucessão apesar das súplicas da Rainha Alicent e seus Verdes, de que centenas de senhores e
cavaleiros com terra se submeteram à princesa em 105 AL, e juraram votos solenes para
defender seus direitos.
Mas estas palavras caíram em ouvidos feitos de pedra. Sor Tyland comentou
que muitos dos senhores que haviam jurado defender os direitos da Princesa Rhaenyra
estavam mortos há algum tempo. “Já se passaram 24 anos” ele disse “Eu mesmo fiz esse
juramento. Era uma criança na época”. O Mestre das Leis citou o Grande Conselho de 101 e o
fato de o Velho Rei ter escolhido Baelon ao invés de Rhaenys em 92; depois discursou um
tempo sobre Aegon, o Conquistador, e suas irmãs, e a sagrada tradição ândala na qual os
direitos sempre pertenciam ao filho primogênito em detrimento dos de uma mera filha. Sor
Otto lembrou-lhes que o marido de Rhaenyra não era ninguém mais ninguém menos do que
o Príncipe Daemon, e “nós todos sabemos a natureza dele. Não se enganem, se Rhaenyra se
sentar no Trono de Ferro, será Daemon quem governará, um Rei Consorte mais cruel e
implacável do que Maegor jamais foi. Minha própria cabeça será a primeira a ser cortada, eu
não duvido, mas a de sua rainha, minha filha, virá em seguida.”
A Rainha Alicent fez eco ao seu discurso. “Nem pouparão meus filhos,” ela
declarou. “Aegon e seus irmãos são filhos legítimos do rei, com pretensões melhores ao trono
do que a de seu bando de bastardos. Daemon achará um pretexto para executá-los. Até
mesmo Helaena e seus pequenos. Um daqueles Strong arrancou o olho de Aemond, não
esqueçam. Ele era um garoto, sim, mas o garoto é pai do homem, e bastardos são monstros
por natureza.
Sor Criston também falou. Se a princesa reinasse, Jacaerys Velaryon viria
depois dela. “Que os Sete salvem este reino se um bastardo se sentar no Trono de Ferro.” Ele
falou de forma arbitrária sobre a infâmia de Rhaenyra com seu marido. “Eles transformarão
a Fortaleza Vermelha num bordel. Nenhuma filha estará a salvo, nenhuma esposa. Nem
mesmo os garotos… nós sabemos o que Laenor foi.”

Não está registrado que Lorde Larys Strong discursou durante este debate, mas
isso não era incomum. O Mestre dos Sussurros tratava suas palavras como um avarento
trata suas moedas e preferia sempre ouvir ao invés de falar.

“Se nós fizermos isso,” o Grande Meistre Orwyle advertiu o conselho,


“certamente deve levar à guerra. A princesa não vai aceitar humildemente ser posta de lado,
e ela tem dragões.”

“E amigos,” Lorde Beesbury declarou. “Homens de honra, que nunca esquecerão


os votos que fizeram a ela e a seu pai. Eu sou um homem velho, mas não tão velho a ponto
de ficar aqui sentado enquanto pessoas como vocês planejam roubar sua coroa.”

E dizendo isso, levantou-se para sair.

Mas Sor Criston Cole forçou Lorde Beesebury de volta ao seu assento e cortou sua garganta
com uma adaga.

E assim o primeiro sangue derramado na Dança dos Dragões pertenceu a Lorde


Lyman Beesbury, Mestre da Moeda e Lorde Tesoureiro dos Sete Reinos. Nenhuma outra
discordância foi ouvida após a morte de Lorde Beesbury. O resto da noite foi gasta com o
planejamento para a coroação do novo rei (que deveria ser rápida, todos concordaram), e na
composição de uma lista dos possíveis aliados e potenciais inimigos caso a Princesa
Rhaenyra se recusasse a aceitar a coroação do Rei Aegon. Com a princesa confinada em
Pedra do Dragão em trabalho de parto, os Verdes da Rainha Alicent estavam em grande
vantagem; quanto maior o tempo que Rhaenyra permanecesse ignorante acerca da morte do
rei, mais lentamente ela reagiria.

“Talvez ela morra no parto”, a Rainha Alicent disse.

Nenhum corvo voou naquela noite. Nenhum sino tocou. Os servos que
souberam da morte do rei foram mandados para as masmorras. A Sor Criston Cole foi dada
a tarefa de levar em custódia os Negros que estivessem na corte, todos os lordes e cavaleiros
que poderiam estar inclinados a apoiar a Princesa Rhaenyra. “Não use de violência, a menos
que eles resistam,” ordenou Sor Otto Hightower.

“Os homens que dobrarem os joelhos e jurarem lealdade ao Rei Aegon não
sofrerão nenhum dano em nossas mãos.”

“E os que não o fizerem?” perguntou Grande Meistre Orwyle.

“Serão traidores”, disse Bastão de Ferro, “e deverão sofrer morte de traidor.”

Lorde Larys Strong, Mestre dos Sussurros, então falou pela primeira e única vez
naquela noite. “Vamos ser os primeiros a jurar,” ele disse, “para que não haja traidores aqui
entre nós,” Puxando a adaga, o Pé Torto riscou sua palma. “Um juramento de sangue”, ele
incitou, “para unir todos nós, irmãos até a morte.” E assim cada um dos conspiradores cortou
suas palmas, e apertaram as mãos uns dos outros, jurando irmandade. A Rainha Alicent,
sozinha entre eles, foi dispensada do juramento por ser mulher.

A madrugada foi rompida sobre a cidade antes que a Rainha Alicent despachasse
a Guarda Real para trazer seus filhos ao conselho. O Príncipe Daeron, o mais delicado de
suas crianças, chorou pela morte do pai. O caolho Príncipe Aemond, de dezenove, foi
encontrado no arsenal, vestindo placa peitoral e armadura para seus exercícios matinais nos
jardins do castelo. “Aegon é rei”, ele perguntou a Sor Willis Fell, “ou deveremos nos curvar
e beijar a boceta da puta velha?” A Princesa Helaena estava tomando o desjejum com seus
filhos quando a Guarda Real chegou a ela… mas quando perguntada sobre o paradeiro do
Príncipe Aegon, seu irmão e marido, disse apenas, “Ele não está em minha cama, podem
estar certos. Fiquem livres para procurar sob os lençóis.”

O Príncipe Aegon estava com uma amante quando foi encontrado. A princípio,
o príncipe se recusou a fazer parte dos planos de sua mãe. “Minha irmã é a herdeira, não eu”,
ele disse. “Que tipo de irmão rouba o direito de nascença da irmã?” Apenas quando Sor
Criston o convenceu de que a princesa provavelmente executaria a ele e a seus irmãos é que
Aegon hesitou. “Enquanto qualquer herdeiro Targaryen legítimo viver, nenhum Strong terá
esperança de se sentar no Trono de Ferro,” Cole disse. “Rhaenyra não terá escolha além de
cortar suas cabeças se quiser que seus bastardos reinem depois dela.” E foi isso, e apenas isso,
que persuadiu Aegon a aceitar a coroa que o Pequeno Conselho lhe oferecia.

Sor Tyland Lannister foi nomeado Mestre da Moeda no lugar do falecido Lorde
Beesbury, e agiu imediatamente para dividir o tesouro real. O ouro da coroa foi espalhado
em quatro partes. Uma delas foi depositada no Banco de Ferro de Braavos para sua
segurança, outra enviada para Rochedo Casterly, a terceira para Vilavelha. A riqueza
restante seria usada para subornos e presentes, e para contratar mercenários se preciso. Para
ocupar o lugar de Sor Tyland como Mestre dos Navios, Sor Otto olhou para as Ilhas de
Ferro, despachando um corvo para Dalton Greyjoy, o Kraken Vermelho, o ousado e
sanguinário sexagenário Senhor Ceifeiro de Pyke, oferecendo a ele um convite para que
ocupasse um lugar no Pequeno Conselho em troca de sua aliança.

Passou-se um dia, depois outro. Nem septões ou irmãs silenciosas foram


chamadas para a câmara privada onde o corpo do Rei Viserys estava, inchado e podre.
Nenhum sino tocou. Corvos voaram, mas não para Pedra do Dragão. Ao invés disso, foram
para Vilavelha, Rochedo Casterly, Correrrio, Jardim de Cima e para muitos outros lordes e
cavaleiros a quem a Rainha Alicent achou que seriam simpáticos à causa do filho.

Os anais do Grande Conselho de 101 foram trazidos e examinados, e notou-se


que a maior parte dos lordes falou por Viserys, e outros por Rhaneys, Laena ou Laenor. Os
lordes reunidos favoreceram o herdeiro masculino em detrimento da feminina numa
proporção de vinte para um, mas houve dissidentes, e essas mesmas Casas eram as mais
prováveis de apoiar a Princesa Rhaenyra caso ela partisse para a guerra. A princesa teria a
Serpente do Mar e suas frotas, Sor Otto sentenciou, e também os senhores do Mar Estreito:
Lordes Bar Emmon, Massey, Celtigar e Crabb, talvez até mesmo a Estrela da Tarde de
Tarth. Todas eram casas menores, menos os Velaryon. Os nortenhos eram uma maior
preocupação: Winterfell falara por Rhaenys em Harrenhal, assim como alguns vassalos de
Lorde Stark, Dustin de Vila Acidentada e Manderly de Porto Branco. Nem a Casa Arryn
poderia ser invocada, porque o Ninho da Água era atualmente governado por uma mulher,
Senhora Jeyne, a Donzela do Vale, cujos próprios direitos poderiam ser postos em questão se
a Princesa Rhaenyra fosse posta de lado.

O maior perigo repousava em Ponta Tempestade, sendo que a Casa Baratheon sempre fora
firme em apoiar as pretensões da Princesa Rhaenys e seus filhos. Contudo, com a morte do
velho Lorde Boremund, seu filho Borros se mostrou mais agressivo que seu pai, e até mesmo
os menores nobres das Terras da Tempestade seguiriam sua liderança. “Então precisamos
que ele se assuma em favor do nosso rei”, a Rainha Alicent declarou. Para isso, ela enviou
seu segundo filho.

Assim, não foi um corvo que voou para Ponta Tempestade naquele dia, mas
Vhagar, o maior e mais velho dos dragões de Westeros. Em suas costas estava o Príncipe
Aemond Targaryen, com uma safira no lugar de seu olho perdido.

“Você oferecerá se casar com uma das filhas de Lorde Baratheon”, disse seu avô
Sor Otto antes que ele voasse. “Qualquer uma das quatro. Corteje-a e case com ela, e Lorde
Borros declarará as Terras da Tempestade a favor de seu irmão. Falhe…”

“Eu não vou falhar,” o Príncipe Aemond vociferou. “Aegon terá Ponta
Tempestade e eu terei essa garota.”

Ao mesmo tempo em que o Príncipe Aemond partia, o fedor de morte que


exalava da câmara do rei boiava por toda a Fortaleza de Maegor, e muitos boatos e fofocas se
espalhavam pela corte e pelo castelo. As masmorras abaixo da Fortaleza Vermelha estavam
cheias com os homens suspeitos de deslealdade e até o Alto Septão ficou admirado com
tantos desaparecimentos e enviou uma carta do Septo Estrelado de Vilavelha perguntando
por alguns dos desaparecidos. Sor Otto, um homem metódico como sempre ao servir como
Mão, queria mais tempo para se preparar, mas a Rainha Alicent sabia que não podia mais
adiar. O Príncipe Aegon tinha se cansado do segredo. “Sou um rei ou não?” ele perguntara à
mãe. “Se eu sou rei, então me coroem.”

Os sinos tocaram no décimo dia da terceira lua de 129DC, anunciando o fim de


um reinado. O Grande Meistre Orwyle foi finalmente autorizado a enviar seus corvos, e as
aves negras voaram às centenas, espalhando a palavra da ascensão de Aegon para todos os
cantos do reino. As irmãs silenciosas foram chamadas para preparar o cadáver para a pira, e
cavaleiros montados em cavalos pálidos para espalhar ao povo de Porto Real, chorando, “O
Rei Viserys está morto, longa vida ao Rei Aegon.” Ouviram os gritos, alguns lamentavam e
outros aplaudiram, mas a maioria dos plebeus ficou em silêncio, confusa e cautelosa, e de vez
em quando uma voz gritou, “Vida longa à rainha.”

Enquanto isso, preparativos apressados eram feitos para a coroação. O Poço dos
Dragões foi escolhido para ser o lugar. Sob sua poderosa cúpula caberiam oitocentas pessoas,
e suas poderosas paredes e telhado, e seus portões de bronze impediriam que traidores
tentassem impedir a cerimônia.

No dia marcado, Sor Criston Cole colocou a coroa de ferro e rubi de Aegon, o
Conquistador, sobre a cabeça do filho mais velho do Rei Viserys I e da Rainha Alicent,
proclamando-o Aegon da Casa Targaryen, Segundo do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos
Roinares e dos Primeiros Homens, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território.

Sua mãe, a Rainha Alicent, amada pelos plebeus, colocou sua coroa sobre a
cabeça de sua filha Helaena, irmã e esposa de Aegon. Após beijá-la nas bochechas, a mãe se
ajoelhou diante da filha e disse “Minha rainha.”

Com o Alto Septão em Vilavelha, muito velho e frágil para viajar a Porto Real,
ficou a cargo do Septão Eustace a tarefa de ungir Aegon com os sete óleos e abençoá-lo em
nome dos Sete. E alguns dos presentes, mais observadores do que os outros, devem ter
notado que haviam quatro mantos brancos com o novo rei, e não cinco como antes. Aegon II
sofrera suas primeiras deserções na noite anterior quando Sor Steffon Darklyn da Guarda
Real fugira da cidade com seu escudeiro, dois criados e quatro homens de armas. Sob o
manto da escuridão, eles fizeram seu caminho por um portão traseiro onde um barco de
pescador os aguardava para levá-los a Pedra do Dragão. Levavam consigo uma coroa
roubada: de ouro amarelo e com sete gemas de diferentes cores. Essa havia sido a coroa do
Rei Viserys, a mesma do Velho Rei Jaehaerys antes dele. Quando o Príncipe Aegon decidira
usar a coroa de ferro e rubi de seu homônimo, o Conquistador, a Rainha Alicent ordenara
que a coroa de Viserys fosse trancada, mas o servo em quem confiara a havia traído.

Após a coroação, os membros restantes da Guarda Real escoltaram Aegon à sua


montaria, uma esplêndida criatura com escamas douradas reluzentes e asas de membranas
rosa-pálido. Sunfyre fora o nome dado a esse dragão da aurora dourada. Munkun nos conta
que o rei voou três vezes ao redor da cidade antes de pousar no interior das muralhas da
Fortaleza Vermelha. Sor Arryk Cargyll levou Sua Graça até a Sala do Trono, onde Aegon II
subiu os degraus até o Trono de Ferro diante de um milhar de lordes e cavaleiros.
Exclamações varreram o aposento.

Em Pedra do Dragão, nenhuma exclamação era ouvida. Ao invés disso, gritos


ecoavam pelos saguões e escadarias da Torre do Dragão Marinho, abaixo dos aposentos onde
Rhaenyra Targaryen se esticava e tremia em seu terceiro dia de trabalho de parto. A criança
não estava prevista até outra volta de lua, mas as notícias vindas de Porto Real haviam
deixado a princesa numa fúria negra, e sua ira parecia ter acelerado o nascimento, assim
como o bebê dentro dela parecia furioso também, e lutava para sair. A princesa gritou
maldições durante todo o parto, invocando a ira dos deuses sobre seus meio-irmãos e a mãe
deles, a rainha, e descreveu os tormentos que ela os faria passar antes de matá-los. Ela
amaldiçoou a criança dentro de si também. “Saia,” ela gritou, arranhando sua barriga inchada
enquanto seu meistre e sua parteira tentavam contê-la. “Monstro, monstro, saia, saia,
SAIA!”

Quando o bebê finalmente saiu, provou que realmente era um monstro: uma
garota nascida morta, torcida e mal formada, com um buraco no peito onde devia haver o
coração e uma hirsuta cauda cheia de escamas. A garota morta recebeu o nome de Visenya,
segundo a vontade da Princesa Rhaenyra no dia seguinte, quando o leite de papoula
amenizara parte de sua dor. “Era minha única filha e eles a mataram. Roubaram minha coroa
e mataram minha filha, e terão de responder por isso.”

E assim a dança começou, quando a princesa convocou seu próprio conselho. O


Conselho Negro, para se opôr ao Conselho Verde de Porto Real. A própria Rhaenyra o
presidiu, com seu tio e marido, o Príncipe Daemon. Seus três filhos estavam presentes com
ela, embora nenhum tivesse atingido a maioridade (Jace tinha quinze, Luke catorze, Joffrey
doze). Dois membros da Guarda Real também se mantiveram com eles: Sor Erryk Cargyll,
gêmeo de Sor Arryk, e o homem do oeste, Sor Lorent Marbrand. Trinta cavaleiros, uma
centena de besteiros e três centenas de homens de armas compunham o restante da guarnição
de Pedra do Dragão. Aquilo era considerado suficiente para proteger uma fortaleza daquele
porte. “Como instrumento de conquista, todavia, nossos exércitos deixam a desejar,”
comentou amargamente o Príncipe Daemon.

Uma dúzia de senhores menores, vassalos de Pedra do Dragão, sentaram-se no


Conselho Negro também: Celtigar da Ilha da Garra, Staunton de Pouso das Gralhas, Massey
de Stonedance, Bar Emmon de Ponta Aguda, e Darklyn de Valdocaso entre eles. Mas o lorde
mais poderoso entre eles era Corlys Velaryon de Derivamarca. Embora a Serpente do Mar
tivesse envelhecido, ele costumava dizer que estava agarrado à vida “como um marinheiro se
afogando agarrava os destroços de um navio afundando. Talvez os Sete tenham me
preservado para este última batalha.” Com Lorde Corlys vinha a Princesa Rhaenys, de
cinquenta e cinco anos, seu rosto magro e alinhado, o cabelo prateado raiado de branco, mas
ainda forte e corajosa como se tivesse apenas vinte e dois - uma mulher conhecida entre os
plebeus como “A Rainha Que Nunca Foi”.

Aqueles que se sentavam no Conselho Negro se consideravam lealistas, mas


sabiam que para o Rei Aegon II eram traidores. Cada um já tinha sido convocado a Porto
Real para jurar lealdade ao novo rei. Suas forças combinadas não poderiam dar conta
daquelas que apenas os Hightower podiam pôr em campo. Os Verdes de Aegon haviam
aproveitado suas vantagens ao máximo. Vilavelha, Porto Real e Lannisporto eram as
maiores e as mais ricas cidades do reino; todas as três mantidas pelos Verdes. Todo símbolo
de legitimidade estava com Aegon. Ele se sentava no Trono de Ferro. Ele vivia na Fortaleza
Vermelha. Ele usava a coroa do Conquistador, portava a espada do Conquistador e fora
ungido por um septão da Fé diante dos olhos de dezenas de milhares. Grande Meistre
Orwyle se sentava em seus conselhos, e o Senhor Comandante da Guarda Real o coroara. E
ele era homem, o que o tornava rei de direito e Rhaenyra uma usurpadora aos olhos de
muitos.

Contra tudo isso, as vantagens de Rhaenyra eram poucas. Alguns dos lordes
mais velhos poderiam se lembrar dos votos que haviam feito à Princesa de Pedra do Dragão,
nomeando-a herdeira de seu pai. Houvera um tempo em que ela fora amada pelos nobres e
plebeus, quando a chamavam de Deleite do Reino. Muitos jovens senhores e nobres
cavaleiros haviam procurado seu favor… mas quantos ainda lutariam por ela, agora que era
uma mulher casada, seu corpo envelhecido e engrossado por seis partos, era uma questão que
não podia responder. Apesar de seu meio-irmão ter saqueado o tesouro de seu pai, a princesa
tinha à sua disposição a riqueza da Casa Velaryon, e a frota da Serpente do Mar lhe garantia
superioridade nos oceanos. E seu marido, o Príncipe Daemon, tinha mais experiência como
guerreiro do que todos os seus inimigos combinados. E por último, mas não menos
importante, Rhaenyra tinha seus dragões.

“Assim como Aegon,” lembrou Lorde Staunton.

“Nós temos mais,” disse a Princesa Rhaenys, a Rainha Que Nunca Foi, que era
uma domadora de dragões a mais tempo que todos eles. “E os nossos são maiores e mais
fortes, exceto por Vhagar. Dragões se desenvolvem mais em Pedra do Dragão.” Ela declarou
para o conselho. O Rei Aegon tinha Sunfyre. Uma fera esplêndida, mas jovem. Aemond
Caolho montava Vhagar, e o perigo representado pela montaria da Rainha Visenya não
podia ser desconsiderado. A Rainha Helaena montava Dreamfyre, o dragão-fêmea que já
carregara Rhaena, irmã do Velho Rei, acima das nuvens. O dragão do Príncipe Daeron era
Tessarion, com asas negras e cobalto e com sua crista, barriga e garras reluzentes como
cobre. “Isso faz com que sejam quatro dragões a lutar do lado deles”, disse Rhaenys. Os
gêmeos da Rainha Helaena tinham seus próprios dragões, mas não eram mais do que
filhotes; o filho caçula do usurpador, Maelor, era dono de apenas um ovo.

Contra isso, o Príncipe Daemon tinha Caraxes e a Princesa Rhaenyra, Syrax,


duas feras enormes e formidáveis. Caraxes era especialmente aterrorizante, e não estranho
ao sangue e fogo após os Degraus. Os três filhos de Rhaenyra com Laenor Velaryon também
tinham seus dragões; Vermax, Arrax e Tyraxes se desenvolviam e ficavam maiores a cada
ano que passava. Aegon, o Jovem, o mais velho dos dois filhos de Rhaenyra com o Príncipe
Daemon, montava o jovem dragão Stormcloud, mas ainda não o havia montado; seu irmão
mais jovem, Viserys, mantinha apenas um ovo. O dragão-fêmea de Rhaenys, Meleys, a
Rainha Vermelha, crescera preguiçoso, mas era aterrorizante quando despertado. As gêmeas
do Príncipe Daemon com Laena Velaryon também tinham dragões. O dragão de Baela, o
esbelto e verde-pálido Moondancer, crescia tão rápido que logo seria capaz de aguentar a
garota em suas costas… e apesar do ovo de sua irmã Rhaena ter eclodido numa coisa
quebrada que morrera horas depois, Syrax recentemente produzira outra ninhada. Um
desses ovos havia sido dado a Rhaena, e dizia-se que a garota dormia com ele toda noite, e
orava por um dragão para combinar com o de sua irmã.

Além disso, seis outros dragões moravam nas cavernas esfumaçadas do Monte
dos Dragões acima do castelo. Eram Silverwing, o dragão da Boa Rainha Alysanne;
Seasmoke, a fera cinza-pálido que fora o orgulho e paixão de Sor Laenor Velaryon; o antigo
Vermithor, sem mestre desde a morte do Rei Jaehaerys. E atrás da montanha habitavam três
dragões selvagens, nunca montados ou reivindicados por ninguém. Os plebeus os haviam
batizado de Sheepstealer, Grey Ghost e o Cannibal. “Achem montadores para Silverwing,
Vermithor e Seasmoke e nós teremos nove dragões contra os quatro de Aegon. Se alguém
domar os selvagens, teremos doze, mesmo sem Stormcloud,” pontuou a Princesa Rhaenys.
“É assim que venceremos essa guerra.”

Lordes Celtigar e Staunton concordaram. Aegon, o Conquistador, e suas irmãs


provaram que cavaleiros e exércitos não são páreo para o fogo dos dragões. Celtigar incitou a
princesa a voar contra Porto Real imediatamente, e reduzir a cidade a cinzas e ossos. “E de
que isso nos serviria, meu senhor?” perguntou-lhe a Serpente do Mar. “Nós queremos
governar a cidade, não queimá-la até o chão.”

“Não vai chegar a esse ponto,” Celtigar insistiu. “O Usurpador não terá escolha além de
enviar seus próprios dragões contra os nossos. Os nossos nove certamente vencerão os seus
quatro.”

“Mas a que custo?” perguntou a Princesa Rhaenyra. “Meus filhos montariam três desses
dragões, devo lembrar-lhe. E não seriam nove contra quatro. Eu não estarei forte o suficiente
para voar por um tempo. E quem irá montar Silverwing, Vermithor e Seasmoke, meu
senhor? Eu não penso assim. Serão cinco contra quatro, e um desses quatro será Vhagar. Não
há vantagem.”

Surpreendentemente, o Príncipe Daemon concordou com sua esposa. “Nos


Degraus, meus inimigos aprenderam a correr e se esconder quando viam as asas de Caraxes
ou ouviam seu rugido… mas eles não tinham seus próprios dragões. Não é uma coisa fácil
para um homem se tornar um matador de dragões. Mas dragões podem matar dragões, e vão.
Qualquer meistre que tenha estudado a história de Valíria pode te dizer isso. Eu não jogarei
nossos dragões contra os do usurpador a menos que não tenha outra escolha. Há outros
caminhos que podemos seguir, caminhos melhores.” Então o príncipe expôs suas estratégias
para o Conselho Negro. Rhaenyra deveria ter sua própria coroação também, para responder à
de Aegon. Depois, eles deveriam enviar seus corvos, incitando os lordes do Sete Reinos a
declarar seu apoio à sua verdadeira rainha.
“Devemos lutar essa guerra com palavras antes de irmos à batalha,” o príncipe
declarou. Os senhores das Grandes Casas são a chave para a vitória, Daemon insistia; seus
vassalos o seguiriam para o lado que eles fossem. Aegon, o Usurpador, tinha o apoio dos
Lannister de Rochedo Casterly, e Lorde Tyrell de Jardim de Cima era um bebê chorão cuja
mãe, atuando como regente, parecia mais disposta a se declarar por seus vassalos mais
poderosos, os Hightower… mas os demais grandes senhores do reino não haviam escolhido
um lado.

“Ponta Tempestade ficará conosco,” a Princesa Rhaenys declarou. Ela mesma


possuía sangue Baratheon pelo lado de sua mãe, e Lorde Boremund sempre fora um de seus
mais leais amigos.

O Príncipe Daemon tinha boas razões para acreditar que a Donzela do Vale
ficaria do lado deles também. Aegon certamente buscaria o suporte de Pyke, ele ponderou;
apenas as Ilhas de Ferro poderiam se opôr às forças da Casa Velaryon no mar. Mas os
nascidos no ferro eram notavelmente inconstantes, e Dalton Greyjoy amava sangue e
batalha; ele poderia facilmente ser persuadido a apoiar a princesa.

O Norte era muito remoto para ter muita importância na luta, o conselho
julgou; até que os Stark reunissem seus vassalos e marchassem para o sul, a guerra podia
muito bem ter acabado. De modo que restavam os senhores do rio, um punhado de
guerreiros ferozes governados, pelo menos em teoria, pela Casa Tully de Correrrio.

“Nós temos amigos nas Terras Fluviais,” o príncipe disse, “embora ainda não se atrevam a
mostrar suas cores. Nós precisamos de um lugar para reuní-los, um ponto de apoio no
continente grande o suficiente para abrigar um exército, e forte o suficiente para enfrentar
não importa quais sejam as forças que o usurpador jogue contra nós.” Ele mostrou aos lordes
no mapa. “Aqui. Harrenhal.”

E então ficou decidido. O Príncipe Daemon lideraria o assalto a Harrenhal,


montando Caraxes. A Princesa Rhaenyra permaneceria em Pedra do Dragão até ter
recuperado suas forças. A frota Velaryon fecharia a Goela, partindo de Pedra do Dragão e
Derivamarca para impedir que navios entrassem ou saíssem da Baía da Água Negra. “Não
podemos tomar Porto Real de assalto,” disse o Príncipe Daemon, “não mais do que nossos
inimigos tem esperança de poder capturar Pedra do Dragão. Mas Aegon é um garoto verde, e
garotos verdes são facilmente provocados. Talvez possamos instigá-lo a um ataque rápido.”
A Serpente do Mar comandaria a frota, enquanto a Princesa Rhaenys voaria ao redor para
impedir que dragões atacassem os navios. Enquanto isso, corvos voariam a Correrrio, ao
Ninho, Pyke e Ponta Tempestade para ganhar o apoio desses lordes.

Então falou o filho mais velho da rainha, Jacaerys. “Nós devíamos carregar as
mensagens,” ele disse. “Dragões ganharão os lordes mais fácil do que os corvos.” Seu irmão
Lucerys concordou, insistindo que ele e Jace eram homens, ou tão perto disso que nem fazia
diferença. “Nossos tios nos chamam de Strong, e declaram que nós somos bastardos, mas
quando os lordes nos virem montados em dragões saberão que tais acusações são mentiras.
Apenas Targaryen montam dragões.” Até o jovem Joffrey concordou, oferecendo-se para
montar seu dragão Tyraxes e acompanhar seus irmãos.

A Princesa Rhaenyra proibiu; Joff tinha apenas doze. Mas Jacaerys tinha
quinze, Lucerys catorze; rapazes fortes e robustos, habilidosos nas armas e que já haviam
servido como escudeiros. “Se vocês forem, será como mensageiros e não cavaleiros,” ela
disse a eles. “Não devem tomar parte de nenhuma luta.” E apenas quando ambos os garotos
fizeram votos solenes em cima de uma cópia da Estrela de Sete Pontas que Sua Graça
consentiu em enviá-los. Ficou decidido que Jace, o mais velho dos dois, se encarregaria da
tarefa mais perigosa, voando primeiro ao Ninho para tratar com a Senhora do Vale; então
pra Porto Branco a fim de conquistar Lorde Manderly, e por último para Winterfell se
encontrar com Lorde Stark. A missão de Luke seria mais curta e segura; ele voaria a Ponta
Tempestade, onde se esperava que Lorde Borros Baratheon lhe daria calorosas boas vindas.

Uma coroação apressada foi feita no dia seguinte. A chegada de Sor Steffon
Darklyn, há pouco membro da Guarda Real de Aegon, foi ocasião de muita comemoração
em Pedra do Dragão, em especial quando se soube que ele e seus companheiros lealistas
(“vira casacas”, Sor Otto os declarou, oferecendo recompensas por suas capturas) haviam
trazido a coroa roubada do Rei Jaehaerys, o Conciliador. Trezentos espectadores viram o
Príncipe Daemon Targaryen colocar a coroa do Velho Rei sobre a cabeça de sua esposa,
proclamando-a Rhaenyra da Casa Targaryen, Primeira de Seu Nome, Rainha dos Ândalos,
dos Roinares e dos Primeiros Homens. O príncipe reivindicou para si o título de Protetor do
Território, e Rhaenyra nomeou seu filho primogênito, Jacaerys, Príncipe de Pedra do Dragão
e herdeiro do Trono de Ferro.

Seu primeiro ato como rainha foi declarar Sor Otto Hightower e a Rainha
Alicent traidores e rebeldes. “Quanto a meus meio-irmãos, e minha doce irmã Helaena,” ela
anunciou, “eles tem sido influenciados pelos conselhos de homens vis. Deixe-os vir a Pedra
do Dragão, dobrarem os joelhos e me pedirem perdão, e eu alegremente pouparei suas vidas e
os colocarei novamente em meu coração, porque eles são do meu sangue e ninguém, seja
homem ou mulher, é tão maldito quanto um assassino de parentes.”

A notícia da coroação de Rhaenyra chegou à Fortaleza Vermelha no dia


seguinte, para grande desgosto de Aegon II. “Minha meia-irmã e meu tio são culpados de
alta traição,” o jovem rei declarou. “Eu os quero desonrados, eu os quero presos, e eu os quero
mortos.”

Os mais moderados do Conselho Verde pediram por parlamentação. “Temos de


fazer a princesa ver que sua causa não tem esperanças,” disse o Grande Meistre Orwyle.
“Um irmão não deve entrar em guerra contra a irmã. Envie-me a ela para que possamos
conversar e chegar a um acordo amigável.”

Aegon não teria dado ouvidos a isso. O Septão Eustace nos diz que Sua Graça acusou o
Grande Meistre de deslealdade e falou em jogá-lo numa cela negra “com seus amigos
Negros”. Mas quando as duas rainhas - sua mãe, Rainha Alicent, e sua esposa, Rainha
Helaena - se pronunciaram a favor da proposta de Orwyle, o rei cedeu com relutância. Então
o Grande Meistre Orwyle foi despachado para cruzar a Baía da Água Negra sob uma
bandeira de paz, liderando um séquito que incluía Sor Arryk Cargyll da Guarda Real e Sor
Gwayne Hightower dos mantos dourados, junto com um punhado de escribas e septões.

Os termos oferecidos pelo rei eram generosos. Se a princesa o tivesse


reconhecido como rei e jurado obediência ao Trono de Ferro, Aegon II a teria confirmado
como Senhora de Pedra do Dragão, e a ilha e o castelo teriam passado ao seu filho, Jacaerys,
após a morte dela. Seu segundo filho, Lucerys, seria reconhecido como legítimo herdeiro de
Derivamarca e das terras e domínios da Casa Velaryon; seus filhos com o Príncipe Daemon,
Aegon, o Jovem, e Viserys, teriam lugares de honra na corte: o mais velho como escudeiro
do rei e o mais jovem como copeiro. Perdões foram oferecidos aos lordes e cavaleiros que
conspiraram com Rhaenyra contra o verdadeiro rei.

Rhaenyra ouviu esses termos num silêncio pétreo, e então perguntou a Orwyle
se ele se lembrava do pai dela, o Rei Viserys. “Claro, Sua Graça,” o meistre respondeu.
“Talvez você possa nos dizer quem ele nomeou como sua herdeira e sucessora,” a rainha
disse, com a coroa dele sobre a cabeça. “Você, Sua Graça,” Orwyle replicou. E Rhaenyra
assentiu e disse, “Com sua própria boca você admite que sou sua rainha por direito. Por quê
você serve ao meu meio-irmão, o pretendente? Diga ao meu meio-irmão que eu terei meu
trono, ou terei sua cabeça,” ela disse, mandando os enviados de volta.

Aegon II, vinte e dois anos, era rápido em sua raiva e lento em perdoar. A recusa
de Rhaenyra em aceitar o seu governo o enfureceu. “Eu ofereci a ela uma paz honrada, e a
puta me estapeou a face,” ele declarou. “O que acontecer agora é responsabilidade dela.”

E quando ele falou, a Dança começou. Em Derivamarca, os navios da Serpente


do Mar partiram do Casco e da Vila das Especiarias para fechar a Goela, esganando o
comércio que ia e vinha para Porto Real. Logo depois, Jacaerys Velaryon voou para o Norte
em seu dragão, Vermax, e seu irmão Lucerys para o sul em Arrax, enquanto o Príncipe
Daemon se dirigia em Caraxes para o Tridente.

Harrenhal já provara ser vulnerável a partir do ar, quando Aegon, o Dragão, o


conquistara. O velho castelão, Sor Simon Strong, foi rápido em baixar suas bandeiras
quando Caraxes pousou no topo da Torre da Pira do Rei. Junto com o castelo, o Príncipe
Daemon também conseguiu a considerável riqueza da Casa Strong e uma dúzia de reféns
valiosos, entre os quais Sor Simon e seus netos.

Enquanto isso, o Príncipe Jacaerys voou para o norte em seu dragão, se


encontrando com a Donzela Arryn do Vale, Lorde Manderly de Porto Branco, Lorde Borrel
e Lorde Sunderland da Grande Irmã, e Cregan Stark de Winterfell. Tão charmoso era o
príncipe, e tão temível era seu dragão, que cada um dos lordes que visitou jurou seu apoio à
sua mãe.

Se a viagem de seu irmão realmente tivesse sido “mais curta e mais segura”,
muito derramamento de sangue e sofrimento teriam sido evitados.

A tragédia que vitimou Lucerys Velaryon em Ponta Tempestade não foi


planejada, nisso todas as fontes concordam. As primeiras batalhas da Dança dos Dragões
foram travadas com penas e corvos, com ameaças e promessas, decretos e lisonjas. Poucos
sabiam do assassinato de Lorde Beesbury no Conselho Verde; muitos acreditavam que seu
senhorio estava definhando em alguma masmorra. Enquanto muitos rostos familiares não
eram mais vistos na corte, e nenhuma cabeça havia aparecido sobre os portões do castelo,
muitos ainda tinham a esperança de que a questão sucessória poderia ser resolvida de forma
pacífica.

O Estranho tinha outros planos. Porque certamente foi sua mão pavorosa que
esteve por trás do acaso que juntou os dois príncipes em Ponta Tempestade, quando o dragão
Arrax voou para dentro da segurança dos jardins do castelo, apenas para encontrar Aemond
Targaryen ali antes dele.
O poderoso dragão do Príncipe Aemond, Vhagar, sentiu a presença do outro
primeiro. Os guardas percorrendo as muralhas do castelo agarraram suas lanças em terror
repentino quando o dragão acordou, com um rugido que fez estremecer os alicerces do
Desafio de Durran. Até mesmo Arrax fraquejou diante desse som, nos informam, e Luke
teve de se esforçar para fazê-lo pousar.

Relâmpagos surgiram no Leste e uma chuva pesada começou a cair quando


Lucerys desmontou de seu dragão, a mensagem de sua mãe apertada na mão. Ele claramente
sabia o que a presença de Vhagar significava, de modo que não foi surpresa quando Aemond
Targaryen o confrontou no Salão Circular, diante dos olhos de Lorde Borros, suas quatro
filhas, septão, meistre e dois cavaleiros, guardas e servos.

“Olhe para essa criatura triste, meu senhor,” gritou o Príncipe Aemond. “O
pequeno Luke Strong, o bastardo.” Para Luke, ele disse, “Você está molhado, bastardo. Isso
foi a chuva ou você se mijou de medo?”

Lucerys Velaryon se dirigiu apenas a Lorde Baratheon. “Lorde Borros, eu tenho


uma mensagem para você de minha mãe, a rainha.”

“A puta de Pedra do Dragão, ele quis dizer.” O Príncipe Aemond se adiantou, e


fez menção de arrancar a carta das mãos de Lucerys, mas Lorde Borros ladrou uma ordem e
seus cavaleiros interviram, separando os dois príncipes. Um levou a carta de Rhaenyra para o
estrado, onde o lorde se sentava no velho trono dos Reis da Tempestade.

Nenhum homem pode verdadeiramente saber o que Borros Baratheon sentiu


naquele momento. Os relatos dos que estavam lá diferem muito uns dos outros. Alguns
dizem que o lorde tinha a face vermelha de vergonha, como um homem que fora pego pela
esposa no leito da amante. Outros declaram que Borros parecia estar deliciado com o
momento, sua vaidade satisfeita tendo um rei e uma rainha procurando seu apoio.

Todas as testemunhas concordam com o que Lorde Borros disse e fez. Sem ser
um homem de palavras escritas, ele deu a carta da rainha nas mãos de seu meistre, que
quebrou o selo e sussurrou seu conteúdo nos ouvidos de seu mestre. O rosto de Borros se
tornou uma carranca. Ele afagou sua barba, fez uma careta para Lucerys Velaryon e disse, “E
se eu acatar às solicitações de sua mãe, com qual de minhas filhas você se casará, garoto?” Ele
fez um gesto abarcando as quatro garotas. “Escolha uma.” O Príncipe Lucerys pôde apenas
corar. “Meu senhor, eu não sou livre para me casar,” ele replicou. “Estou prometido à minha
prima Rhaena.”

“Considerei bastante,” disse Lorde Borros. “Vai pra casa, filhote, e diz pra
cadela da sua mãe que o Senhor de Ponta Tempestade não é um cachorro que ela pode
convocar com um assobio quando precisa lutar contra seus inimigos.” E o Príncipe Lucerys
deu meia volta para deixar o Salão Circular.

Mas o Príncipe Aemond desembainhou sua espada e disse, “Espere, Strong!”

O Príncipe Lucerys se lembrou da promessa feita à sua mãe. “Eu não lutarei com
você. Vim aqui como um enviado, e não como cavaleiro.”
“Você veio aqui como um covarde e traidor,” disse o Príncipe Aemond. “E eu
terei sua vida, Strong.”

No que Lorde Borros se ergueu com inquietação. “Não aqui,” ele resmungou.
“Ele veio como um enviado. Não quero sangue sob meu teto.” Então seus guardas se
colocaram entre os príncipes e escoltaram Lucerys Velaryon do Salão Circular, de volta ao
jardim do castelo onde seu dragão, Arrax, se debruçava sob a chuva, aguardando-o.

A boca de Aemond Targaryen estava torcida de fúria, e ele se dirigiu novamente


a Lorde Borros, pedindo sua licença. O Senhor de Ponta Tempestade encolheu os ombros e
disse. “Não cabe a mim interferir no que não acontece sob meu teto.” E seus cavaleiros se
puseram de lado quando o Príncipe Aemond correu para as portas.

Lá fora, a tempestade piorara. Trovões sacudiam o castelo, a chuva torrencial, e


de tempos em tempos um relâmpago-azul cruzava os céus. Era um tempo ruim para voar, até
mesmo para um dragão, e Arrax lutava para permanecer no ar quando o Príncipe Aemond
montou Vhagar e partiu atrás dele. Se os céus estivessem calmos, o Príncipe Lucerys poderia
ter fugido de seu perseguigor, já que Arrax era mais jovem e mais leve… mas o dia era negro,
e os dois dragões se encontrarem sobre a Baía dos Naufrágios. Observadores nas muralhas do
castelo viram labaredas de fogo distantes, e ouviram um grito cortar os trovões. Quando as
duas feras se atracaram, relâmpagos crepitaram ao redor delas. Vhagar era cinco vezes maior
do que seu oponente, um sobrevivente endurecido de uma centena de batalhas. Se houvesse
uma luta, não poderia ter durado muito.

Arrax caiu, quebrado, para ser engolido pelas águas revoltas da baía. Sua cabeça
e pescoço emergiram nos penhascos abaixo de Ponta Tempestade três dias depois, servindo
de banquete para caranguejos e aves marinhas. O cadáver do Príncipe Lucerys teve o o
mesmo fim.

E, com a morte dele, a guerra de corvos, enviados, e pactos matrimoniais acabou,


e a guerra de fogo e sangue surgiu no horizonte.

Em Pedra do Dragão, a Rainha Rhaenyra desmoronou quando lhe contaram


sobre a morte de Luke. O irmão mais jovem de Luke, Joffrey (Jace ainda estava em sua
missão no Norte) fez um terrível juramento de vingança contra o Príncipe Aemond e Lorde
Borros. Só a intervenção da Serpente do Mar e da Princesa Rhaenys impediu o garoto de
montar seu dragão e partir. Enquanto o Conselho Negro se reunia para considerar um
contra-ataque, um corvo chegou de Harrenhal. “Olho por olho, filho por filho,” escrevia o
Príncipe Daemon. “Lucerys será vingado.”

Em sua juventude, o rosto e risada de Daemon Targaryen eram conhecidos por


cada batedor de carteira, prostituta e apostador na Baixada das Pulgas. O príncipe ainda
tinha amigos no submundo de Porto Real, e seguidores entre os mantos dourados.
Desconhecido do Rei Aegon, da Mão e da Rainha Viúva, ele tinha aliados na corte também,
mesmo no Conselho Verde… e um outro intermediário, um amigo especial que ele confiava
inteiramente, que conhecia as adegas e os ninhos de rato nas sombras sob a Fortaleza
Vermelha assim como o próprio Daemon conhecera, e se movia facilmente pelas sombras da
cidade. Foi a esse estranho pálido que ele se dirigiu dessa vez, por meios secretos, para
colocar uma terrível vingança em movimento.
Em meio aos ensopados da Baixada das Pulgas, o Príncipe Daemon encontrou
seus instrumentos adequados. Um tinha sido sargento na Patrulha da Cidade; grande e
brutal, e perdera seu manto dourado por espancar uma prostituta até a morte numa fúria
bêbada. O outro era um caçador de ratos da Fortaleza Vermelha. Seus verdadeiros nomes se
perderam na história. Eles são lembrados como Sangue e Queijo.

As portas escondidas e túneis secretos que Maegor, o Cruel, construíra eram


familiares para o caçador de ratos assim como eram para os ratos que caçava. Usando uma
passagem escondida, Quejo levou Sangue ao coração do castelo, sem serem vistos por
nenhum guarda. Alguns dizem que sua presa era o próprio rei, mas Aegon era acompanhado
por sua Guarda Real para onde quer que fosse, e até mesmo Queijo sabia que nenhum
caminho dentro ou fora da Fortaleza de Maegor os pouparia das estacas de ferro sobre o fosso
seco.

A Torre da Mão era menos segura. Os dois homens subiram pelas paredes,
evitando os lanceiros postados nas portas da torre. Os quartos de Sor Otto não interessavam
a eles. Ao invés disso, eles escorregaram para as câmaras de sua filha, um piso abaixo. A
Rainha Alicent se mudara para lá depois da morte do Rei Viserys, quando seu filho Aegon se
mudara para a Fortaleza de Maegor com sua nova rainha. Uma vez lá dentro, Queijo
amarrou e amordaçou a Rainha Viúva enquanto Sangue estrangulava sua dama de
companhia. Então eles se instalaram e aguardaram, porque sabiam que era costume da
Rainha Helaena trazer suas crianças para ver a avó todas as noites antes de dormir.

Ignorante do perigo, a rainha apareceu com o crepúsculo caindo sobre o castelo,


acompanhada de suas três crianças. Jaehaerys e Jaehaera tinham seis, Maelor, dois. Ao
entrarem nos aposentos, Helaena segurava suas mãozinhas e chamava pela mãe. Sangue
barrou a porta e matou os guarda-costas da rainha, enquanto Queijo surgia e apanhava
Maelor.

“Grite e todos morrem,” Sangue disse para Sua Graça. A Rainha Helaena
manteve a calma, obedecendo. “Quem são vocês?” ela perguntou aos dois. “Credores,” disse
Queijo. “Olho por olho, filho por filho. Nós apenas queremos um para igualar as coisas. Não
vamos ferir os demais, nem um fio de cabelo. Qual deles quer perder, Vossa Graça?”

Quando entendeu o que ele queria dizer, a Rainha Healena implorou aos
homens que a matassem ao invés disso. “Uma esposa não é um filho,” disse Sangue. “Terá
de ser um garoto.”

Queijo avisou a rainha para escolher logo, antes que Sangue ficasse irritado e estuprasse a
garotinha. “Escolha,” ele disse, “ou nós mataremos todos.” De joelhos, implorando, Helaena
disse o nome do caçula, Maelor. Talvez ela pensasse que o garoto era jovem demais pra
entender, ou talvez fosse porque Jaehaerys era o primogênito do Rei Aegon e seu herdeiro,
próximo na linha de sucessão do Trono de Ferro. “Ouviu isso, garoto?” Queijo sussurrou
para Maelor. “Sua mamãe quer você morto”. Então ele deu um sorriso largo para Sangue, e o
enorme espadachim assassinou o Príncipe Jaehaerys, decepando a cabeça do garoto de um
único golpe. A rainha começou a gritar.

É estranho dizer, mas o caçador de ratos e o carniceiro cumpriram a promessa


feita. Eles não feriram a Rainha Helaena ou suas crianças sobreviventes, mas fugiram com a
cabeça do príncipe na mão.
Embora Sangue e Queijo tivessem poupado sua vida, não podemos dizer que a
Rainha Helaena sobreviveu àquele fatídico dia. Depois ela não comia, não tomava banho e
não deixava seus aposentos, e não podia mais olhar para seu filho Maelor, depois de tê-lo
escolhido para morrer. O rei não teve escolha além de tirar o garoto dela e deixá-lo a cargo de
sua mãe, a Rainha Viúva Alicent, para criá-lo como se fosse seu. Aegon e sua esposa
passaram a dormir separados depois daquilo, e a Rainha Helaena afundou na depressão e na
loucura, enquanto que o rei se enfurecia, ficava bêbado e tornava a se enfurecer.

À partir daí o derramamento de sangue começou de verdade.

A Queda de Harrenhal para o Príncipe Daemon trouxe um grande choque para Sua Graça.
Até aquele momento, Aegon II acreditara que a causa de sua irmã era sem esperanças.
Harrenhal deixara Sua Graça se sentindo vulnerável pela primeira vez. Derrotas
subsequentes no Moinho Flamejante e na Pedra Solitária foram novos golpes, e fizeram o rei
perceber que a situação era mais perigosa do que imaginara. Seus medos se aprofundaram
quando corvos retornaram da Campina, onde os Verdes acreditavam estar mais fortes. A
Casa Hightower e Vilavelha estavam solidamente nas mãos do Rei Aegon, e Sua Graça
tinha a Árvore também… mas por todo lugar no sul, outros lordes se declaravam por
Rhaenyra, entre eles Lorde Costayne de Três Torres, Lorde Mullendore de Terras Altas,
Lorde Tarly de Monte Chifre, Lorde Rowan de Bosquedouro e Lorde Grimm de Escudo
Cinzento.

Outros golpes seguiram: o Vale, Porto Branco, Winterfell. Os Blackwood e


outros senhores do rio se juntaram aos estandartes do Príncipe Daemon em Harrenhal. A
frota da Serpente do Mar fechara a Baía da Água Negra, e toda manhã o Rei Aegon era
visitado por mercadores que choramingavam. Sua Graça não tinha outra resposta para suas
queixas, atrás de outro copo de vinho forte. “Faça algo,” ele exigiu de Sor Otto. A Mão lhe
assegurou de que algo estava sendo feito; ele tinha um plano para romper o bloqueio
Velaryon. Um dos pilares de apoio de Rhaenyra era seu marido, o Príncipe Daemon, mas
isso também era uma fraqueza. O príncipe fizera mais inimigos do que amigos durante o
curso de suas aventuras. Sor Otto Hightower, que estava entre os primeiros desses inimigos,
se dirigira ao outro lado do Mar Estreito, a outros dos inimigos do príncipe, o Reino das Três
Filhas, na esperança de persuadí-los a se mover contra a Serpente do Mar.

A demora incomodava o jovem rei. Aegon II perdera sua pouca paciência com as
tergiversações do avô. Apesar de sua mãe, a Rainha Viúva Alicent, ter falado em defesa de
Sor Otto, Sua Graça fez ouvidos surdos aos seus pedidos. Convocando Sor Otto à sala do
trono, ele arrancou a corrente de seu cargo de seu pescoço e a atirou para Sor Criston Cole.
“Minha nova Mão é uma manopla de aço,” ele alardeou. “Pararemos de escrever cartas.” Sor
Criston não perdeu tempo e demonstrou sua impetuosidade. “Não deve pedir o apoio de seus
lordes como um mendigo pedindo esmolas,” ele disse a Aegon. “Você é o rei de direito de
Westeros, e todos que negam isso são traidores. Chegou a hora de eles aprenderem o preço
da traição.”

O Mestre dos Sussurros do Rei Aegon, Larys Strong, o Pé Torto, depositou uma
lista com os lordes que haviam se reunido em Pedra do Dragão para assistir à coroação da
Rainha Rhaenyra e se sentar no Conselho Negro. Lordes Celtigar e Velaryon tinham suas
sedes em ilhas; e como Aegon II não tinha força no mar, estavam além de sua fúria. Os
lordes Negros cujas terras estavam no continente, no entanto, não contavam com tal
proteção.

Valdocaso caiu rapidamente, pêga de surpresa pelas forças do rei, a cidade foi
saqueada, os navios no porto incendiados e Lorde Darklyn decapitado. Pouso de Gralhas foi
o objetivo seguinte de Sor Criston. Avisado de que eles vinham, Lorde Staunton fechou seus
portões e desafiou os atacantes. Dentro de suas muralhas, o lorde pôde apenas assistir
enquanto seus campos, bosques e vilas eram queimados, e suas ovelhas, gado e plebeus
passados na espada. Quando as provisões dentro do castelo começaram a diminuir, ele
despachou um corvo a Pedra do Dragão, pedindo por ajuda.

Nove dias após o pedido de ajuda de Lorde Staunton, o som de asas coriáceas foi
ouvido através do oceano, e o dragão Meleys surgiu sobre Pouso de Gralhas. Era chamado de
Rainha Vermelha devido às escamas escarlate que o cobriam. A membrana de suas asas era
rosada, sua crista, chifres e garras da cor do cobre. Em suas costas, em aço e cobre, reluzente
como o sol, estava Rhaenys Targaryen, a Rainha Que Nunca Foi.

Sor Criston não se consternou. A Mão de Aegon esperava por isso, contava com
isso. Tambores foram tocados ao seu comando, e arqueiros dispararam, os de arco longo e os
besteiros, enchendo o ar de flechas e dardos. Perfuradores escorpião eram usados, os mesmos
que haviam derrubado Meraxes em Dorne outrora. Meleys foi golpeado, as flechas apenas
serviram para deixá-lo mais furioso. Ele baixou, cuspindo fogo pra direita e esquerda.
Cavaleiros foram queimados em suas selas, e seus cabelos crisparam e seus arreios pegaram
fogo. Homens de armas largaram suas lanças e se dispersaram. Alguns tentaram se esconder
atrás de seus escudos, mas carvalho ou aço não podiam fazer frente à respiração de dragão.
Sor Criston, sentado em seu cavalo branco, gritava, “Mirem no montador,” apesar da fumaça
e das chamas. Meleys rugiu, fumaça saindo de suas narinas, um garanhão se contorcendo em
sua mandíbula sendo envolto pelas chamas.

Em seguida veio um rugido em resposta. Dois contornos de asas apareceram: o


rei montado sobre Sunfyre, o Dourado, e seu irmão Aemond sobre Vhagar. Criston Cole
instalara sua armadilha e Rhaenys mordera a isca. Agora os dentes se fechavam sobre ela.

A Princesa Rhaenys não fez nenhuma tentativa de fugir. Com um grito de


alegria e o estalar de seu chicote, ela virou Meleys na direção de seus inimigos. Contra
Vhagar sozinho ela poderia ter tido alguma chance, porque a Rainha Vermelha era astuta e
antiga, e não estranha à batalha. Contra Vhagar e Sunfyre juntos, a tragédia era certa. Os
dragões se encontraram violentamente a mil pés acima do campo de batalha, com bolas de
fogo explodindo e se espalhando, tão brilhantes que os homens juraram haver vários sóis no
céu. A boca carmesim de Meleys se fechou ao redor do pescoço dourado de Sunfyre por um
momento, até Vhagar cair sobre os dois vindo de cima. Todas as três feras vieram girando
até o chão. Eles bateram com tanta força que as pedras caíram das ameias de Pouso de
Gralhas a centenas de metros de distância.

Aqueles que estavam mais próximos dos dragões não viveram para contar o
ocorrido. Os que estavam mais distantes não podiam ver, por causa do fogo e da fumaça.
Passaram-se horas antes que os fogos se apagassem. Mas, das cinzas, apenas Vhagar se
ergueu ileso. Meleys estava morto, quebrado pela queda e rasgado em pedaços pelo chão. E
Sunfyre, a esplêndida fera dourada, tinha uma asa meio arrancada de seu corpo, enquanto
que sua montaria real sofrera com costelas quebradas, um quadril fraturado e queimara
metade do corpo. Seu braço direito sofrera mais. O fogo de dragão queimara tão intenso que
a armadura do rei derretera até a carne.

Um corpo que se admitiu ser o de Rhaenys Targaryen foi posteriormente


achado sob a carcaça de seu dragão, mas estava tão enegrecido que não se podia afirmar que
era ela. A amada filha da Senhora Jocelyn Baratheon e do Príncipe Aemon Targaryen, fiel
esposa de Lorde Corlys Velaryon, mãe e avó, a Rainha Que Nunca Foi vivera
destemidamente, e morreu em meio ao fogo e sangue. Ela tinha cinquenta e cinco anos.

Oitocentos cavaleiros, escudeiros e homens comuns perderam a vida naquele


dia. Outra centena pereceu não muito depois, quando o Príncipe Aemond e Sor Criston Cole
tomaram Pouso de Gralhas e passaram a guarnição na espada. A cabeça de Lorde Staunton
foi levada para Porto Real e colocada sobre o Velho Portão… mas foi a cabeça do dragão
Meleys, trazida para a cidade numa carroça, que deixou a multidão de plebeus em silêncio.

Centenas fugiram de Porto Real depois disso, até que a Rainha Viúva Alicent
ordenou que os portões da cidade fossem fechados e lacrados.

O Rei Aegon II não morreu, embora suas queimaduras causassem tanta dor que
alguns digam que ele pediu pela morte. Carregado de volta a Porto Real numa liteira fechada
para esconder a extensão de seus ferimentos, Sua Graça não pode sair da cama pelo resto do
ano. Septões oraram por ele, meistres o trataram com poções e leite de papoula, mas Aegon
dormia nove horas de cada dez, ficando acordado apenas para ingerir algum alimento antes
de dormir de novo. A ninguém foi permitido atrapalhar seu descanso, a não ser a Rainha
Viúva e sua Mão, Sor Criston Cole. Sua esposa não tentou visitá-lo, tão perdida estava
Helaena em sua própria dor e loucura.

O dragão do rei, Sunfyre, muito feroz e pesado para ser movido, e incapaz de
voar devido à sua asa ferida, ficou nos campos em frente a Pouso de Gralhas, rastejando nas
cinzas como um enorme verme dourado. Nos primeiros dias, se alimentou apenas das
carcaças da matança. Quando elas acabaram, os homens de Sor Criston deixados para
guardá-lo providenciaram ovelhas e bezerros.

“Você deverá governar o reino agora, enquanto seu irmão não está forte o
suficiente para colocar a coroa novamente,” a Mão do Rei disse ao Príncipe Aemond. E Sor
Criston nem precisou dizer duas vezes. O caolho Aemond, assassino de parentes, tomou a
coroa de ferro e rubi de Aegon, o Conquistador. “Fica bem melhor em mim do que jamais
ficou nele,” o príncipe declarou. Aemond não assumiu o título de rei, mas nomeou a si
mesmo Protetor do Território e Príncipe Regente. Sor Criston Cole continuou como Mão do
Rei.

Enquanto isso, as sementes que a viagem de Jacaerys Velaryon ao norte plantara


começaram a dar frutos, e homens foram sendo reunidos em Porto Branco, Winterfell, Vila
Acidentada, Grande Irmã, Vila Gaivota e nos Portões da Lua. Eles deveriam juntar suas
forças às dos senhores do rio reunidos em Harrenhal com o Príncipe Daemon, e até mesmo
as poderosas muralhas de Porto Real poderiam não resistir a eles, Sor Criston alertou o novo
Príncipe Regente.

Extremamente confiante em seu poder como guerreiro e na força de seu dragão


Vhagar, Aemond estava ansioso para dar batalha ao inimigo. “A puta de Pedra do Dragão
não é ameaça,” ele disse. “Não mais do que Rowan e os traidores na Campina. O perigo é
meu tio. Uma vez que Daemon esteja morto, todos esses tolos abandonarão os estandartes de
nossa irmã, fugirão para seus castelos e não nos causarão mais problemas.”

A leste da Baía da Água Negra, a Rainha Rhaenyra também passava por um


mau momento. A morte de seu filho Lucerys havia sido um golpe esmagador para uma
mulher que acabara de sair de uma gravidez, trabalho de parto e o parto em si. Quando
chegou a Pedra do Dragão a notícia de que a Princesa Rhaenys caíra, palavras raivosas foram
trocadas entre a rainha e Lorde Velaryon, que a culpava pela morte da esposa. “Devia ter
sido você,” a Serpente do Mar gritou para Sua Graça. “Staunton chamou você, você enviou
minha esposa para lá e proibiu que seus filhos a acompanhassem!” Porque, como todo o
castelo sabia, os príncipes Jace e Joff estavam ansiosos para voar com a Princesa Rhaenys a
Pouso de Gralhas com seus próprios dragões.

Foi Jace que se destacou nesse momento, no fim do ano de 129 AL. Primeiro ele
trouxe de volta o Senhor das Marés, nomeando-o Mão da Rainha. Juntos, ele e Lorde Corlys
começaram a planejar o ataque a Porto Real.

Consciente da promessa que fizera à Donzela do Vale, Jace enviou o Príncipe


Joffrey à Vila Gaivota com Tyraxes. Munkun sugere que o desejo de Jace de manter o irmão
longe da batalha foi fundamental nessa decisão. Isso não foi bem aceito por Joffrey, que
estava determinado a mostrar seu valor em batalha. Apenas quando lhe disseram que estava
sendo enviado para proteger o Vale contra os dragões do Rei Aegon que ele consentiu em ir,
de má vontade. Rhaena, a filha de treze anos do Príncipe Daemon com Laena Velaryon, foi
escolhida para acompanhá-lo. Conhecida como Rhaena de Pentos, devido à cidade em que
nascera, ela não era uma montadora de dragões, seu filho morrera apenas alguns dias depois
do ovo chocar. No entanto, ela levara seus três ovos de dragão ao Vale, e orava para que
chocassem.

O Príncipe de Pedra do Dragão também se preocupou com a segurança de seus meio-irmãos,


Aegon, o Jovem, e Viserys, com nove e sete anos, respectivamente. O pai deles, o Príncipe
Daemon, fizera muitos amigos na Cidade Livre de Pentos durante suas visitas lá, então
Jacaerys decidiu enviá-los para lá do Mar Estreito ao príncipe daquela cidade, que concordara
em adotar os garotos até que Rhaenyra estivesse segura no Trono de Ferro. Nos últimos dias
de 129 AC, os jovens príncipes embarcaram na coca Gay Abandon - Aegon com Stormcloud,
Viserys com seu ovo - para velejar rumo a Essos. A Serpente do Mar enviou sete de seus
navios de guerra para escoltá-los, se assegurando de que chegariam a Pentos em segurança.

Com Sunfyre ferido e incapaz de voar próximo a Pouso de Gralhas, e Tessarion


com o Príncipe Daeron em Vilavelha, apenas dois dragões adultos restavam para defender
Porto Real… e a montadora de Dreamfyre, Rainha Helaena, gastava seus dias em escuridão,
chorando, e claramente não oferecia perigo. Sobrava apenas Vhagar. Nenhum dragão vivo
poderia se equiparar a Vhagar em tamanho e ferocidade, mas Jace acreditava que se Vermax,
Syrax e Caraxes juntos atacassem Porto Real, até mesmo “aquela velha cadela brava” não
poderia lhes fazer frente. Entretanto, tal era a reputação de Vhagar que o príncipe hesitou,
considerando como poderia conseguir mais dragões para seu ataque.

A Casa Targaryen governara Pedra do Dragão por mais de duzentos anos, desde
que Lorde Aenar Targaryen chegara ali com seus dragões. Apesar de sempre ter sido
mantido o costume de casar irmão com irmã e primo com prima, sangue jovem é quente, e
não era desconhecido que os homens da Casa saíam para procurar por prazeres entre as filhas
(e até as viúvas) entre seus súditos, os plebeus que viviam nas vilas abaixo do Monte do
Dragão, agricultores ou pescadores. De fato, até o reinado do Rei Jaehaerys e da Boa Rainha
Alysanne, a lei arcaica do direito da primeira noite prevalecera em Pedra do Dragão, como o
fez em toda Westeros, consistindo no direito de um senhor em ir para a cama com qualquer
donzela em sua noite de núpcias.

Embora esse costume provocasse muito ressentimento em outros lugares dos


Sete Reinos, entre homens ciumentos que não entendiam a honra que lhes era concedida,
esses sentimentos eram silenciosos em Pedra do Dragão, onde os Targaryen eram
considerados seres mais próximos dos deuses do que quaisquer outros. Ali, noivas eram
abençoadas e suas noites de núpcias, invejadas, e as crianças nascidas nessas uniões eram
mais estimadas do que as outras, porque os Lordes de Pedra do Dragão frequentemente
celebravam os nascimentos com pródigos presentes de ouro, seda e terras para a mãe. Esses
bastardos felizes eram chamados de “nascidos da semente de dragão”, mas o tempo os tornou
conhecidos apenas como “sementes.” Mesmo depois do direito da primeira noite ter sido
abolido, alguns Targaryen continuaram a flertar com as filhas dos agregados e viúvas dos
pescadores, de modo que as sementes e os filhos das sementes eram abundantes em Pedra do
Dragão.

O Príncipe Jacaerys precisava de mais montadores de dragão, e de mais dragões,


e foi a esses nascidos da semente de dragão que ele apelou, prometendo que qualquer homem
que pudesse domar um dragão receberia terras, riquezas e seria tornado cavaleiro. Seus filhos
seriam enobrecidos, suas filhas casariam com lordes, e ele mesmo teria a honra de lutar ao
lado do Príncipe de Pedra do Dragão contra o pretendente Aegon II Targaryen e seus
traiçoeiros aliados.

Nem todos os que atenderam ao chamado do príncipe eram sementes, nem


mesmo filhos ou netos de sementes. Um punhado dos próprios cavaleiros da rainha se
ofereceram para domar os dragões, entre eles o Senhor Comandante da Guarda da Rainha,
Sor Steffon Darklyn, junto com escudeiros, criados, marinheiros, homens de armas, atores, e
duas criadas. Dragões não são cavalos. Eles não aceitam facilmente homens em seus dorsos,
e quando irritados ou ameaçados, eles atacam. Dezesseis homens perderam a vida durante a
tentativa de serem montadores de dragão. Três vezes esse número saiu queimado ou
mutilado. Steffon Darklyn foi queimado e morreu tentando montar o dragão Seasmoke.
Lorde Gormon Massey sofreu o mesmo destino quando se aproximou de Vermithor. Um
homem chamado Silver Denys, cujos cabelos e olhos deram crédito às suas alegações de ser
filho bastardo do Rei Maegor, o Cruel, teve um braço arrancado por Sheepstealer. Enquanto
seus filhos se esforçavam para fechar o ferimento, o Cannibal desceu sobre eles, afugentou
Sheepstealer e devorou tanto o pai quanto os filhos.

Seasmoke, Vermithor e Silverwing estavam acostumados com os homens e


eram tolerantes à sua presença. Tendo sido montados uma vez, eram mais propensos a
aceitar um novo mestre. Vermithor, o dragão do Velho Rei, dobrou o pescoço a um bastardo
de ferreiro, um enorme homem chamado Hugh, o Martelo, ou apenas Hard Hugh, enquanto
que um homem de armas de cabelos esbranquiçados chamado Ulf, o Branco (por seus
cabelos), ou Ulf, o Beberrão (por seu vício), montava Silverwing, o amado dragão da Boa
Rainha Alysanne.

E Seasmoke, que uma vez carregara Laenor Velaryon, aceitou em seu dorso um
garoto de quinze anos chamado Addam de Hull, cujas origens se tornaram objeto de disputa
entre os historiadores atuais. Não muito tempo depois de Addam de Hull ter mostrado seu
valor ao montar Seasmoke, Lorde Corlys pediu à Rainha Rhaenyra que removesse a
bastardia dele e de seu irmão. Quando o Príncipe Jacaerys adicionou sua voz ao pedido, a
rainha aquisceu. Addam de Hull, semente de dragão e bastardo, se tornou Addam Velaryon,
herdeiro de Derivamarca.

Os três dragões selvagens de Pedra do Dragão seriam mais difíceis de


reivindicar do que aqueles que já haviam sido anteriormente pilotados, mas ainda assim
fizeram tentativas. Sheepstealer, um notavelmente feio dragão “marrom-lama” chocado
quando o Velho Rei ainda era jovem, tomara gosto por carne de carneiro, descendo sobre os
rebanhos de Derivamarca até Guaquevai. Ele raramente feria os pastores, a menos que
tentassem impedí-lo, mas era conhecido que cães-pastores viraram sua refeição
ocasionalmente. Grey Ghost habitava uma fumacenta abertura no alto de um morro na parte
oriental do Monte dos Dragões, preferia peixe, e era mais frequentemente visto voando
baixo por sobre o Mar Estreito, caçando nas águas. Uma fera cinza-pálida da cor da manhã,
era um dragão tímido que evitara os homens e suas atividades por anos.

O maior e mais velho dos dragões selvagens era o Cannibal, assim batizado
porque era conhecido que se alimentava das carcaças de dragões mortos e baixava sobre as
incubadoras de ovos de Pedra do Dragão para devorar seus semelhantes recém-chocados e os
ovos. Pretensos domadores fizeram tentativas de domá-lo; seus ossos se amontoaram no
covil dele.

Nenhuma das sementes de dragão foi tola o suficiente para perturbar o Cannibal
(se alguém foi, não voltou para contar a história). Alguns procuraram Grey Ghost, mas não
puderam encontrá-lo pois ele era uma criatura esquiva. Sheepstealer provou ser mais fácil de
encontrar, mas continuava sendo uma fera má e de mau temperamento, que matou mais
sementes do que os três “dragões de castelo” juntos. Um que esperou domá-lo (depois que
sua busca por Grey Ghost provou ser infrutífera) foi Alyn de Hul. Sheepstealer não teria
deixado nada dele. Quando tropeçou do covil do dragão com o manto em chamas, apenas a
ação rápida de seu irmão salvou sua vida. Seasmoke afugentou o dragão selvagem e Addam
usou seu próprio manto para apagar as chamas. Alyn Velaryon carregaria as cicatrizes do
encontro em suas costas e pernas pelo resto de sua longa vida. Ainda se considerava
afortunado, por ter sobrevivido. Muitas das outras sementes que tentaram montar
Sheepstealer acabaram em seu estômago ao invés disso.

No fim, o dragão marrom foi subjugado pela astúcia e persistência de uma


“garotinha marrom” de dezesseis anos chamada Netty, que entregava a ele uma ovelha
recentemente abatida toda manhã, até Sheepstealer aprender a aceitá-la e esperar por ela.
Tinha cabelos pretos, olhos castanhos, de pele morena, magra, de boca suja, imunda, e sem
medo… e a primeira e última montadora do dragão Sheepstealer,

Desse modo o Príncipe Jacaerys alcançou seu objetivo. Por todas as mortes e
dores que causara, mulheres que tornara viúvas, homens queimados que carregariam suas
cicatrizes até o dia em que morressem, quatro novos domadores de dragão haviam sido
encontrados. Perto do fim do ano 129 AC, o príncipe se preparava para voar contra Porto
Real. A data que escolheu para o ataque foi a primeira lua cheia do ano novo.

Os planos dos homens são brincadeiras para os deuses. Pois enquanto Jace
traçava seus planos, uma nova ameaça surgia do leste. Os esquemas de Otto Hightower
começavam a dar resultados; num encontro em Tyrosh, o Alto Conselho de Triarcas aceitara
sua oferta de aliança. Noventa navios de guerra partiram dos Degraus sob os estandartes das
Três Filhas, voltando seus remos para a Goela… e como numa oportunidade dada pelos
deuses, a coca pentoshi Gay Abandon, carregando os dois príncipes Targaryen, velejou bem
para a armadilha. Os navios que escoltavam a coca foram afundados ou tomados, e o Gay
Abandon capturado.

A notícia chegou a Pedra do Dragão apenas quando o Príncipe Aegon pousou


desesperado, agarrado no pescoço de Stormcloud. O garoto estava pálido de terror, tremendo
como uma folha e cheirando a mijo. Com apenas nove anos, nunca tinha voado antes… e
nunca voaria de novo, porque Stormcloud estava terrivelmente ferido, com tocos de flechas
brotando da barriga e uma flecha escorpião atravessando o pescoço. Ele morreu dentro de
uma hora assobiando com seu sangue quente jorrando negro e esfumaçando de suas feridas.

O irmão mais novo de Aegon, Príncipe Viserys, não tivera como escapar da
coca. Garoto esperto, ele escondeu seu ovo de dragão e se disfarçou com roupas manchadas
de sal, fingindo ser um garoto qualquer no navio, mas um dos outros garotos o dedurou e ele
se tornou um cativo. Foi um capitão tyroshino quem primeiro percebeu o que tinha nas
mãos, mas o almirante da frota, Sharako Lohar de Lys, não aproveitaria muito o seu prêmio.

Quando o Príncipe Jacaerys desceu sobre a linha de galés lisenas nas costas de
Vermax, uma chuva de lanças e flechas subiu para encontrá-lo, Aqueles marinheiros já
haviam encarado dragões antes quando enfrentaram o Príncipe Daemon nos Degraus.
Ninguém poderia criticar sua coragem; eles estavam preparados para encarar fogo de dragão
com as armas que tivessem em mãos. “Matem o domador e o dragão irá embora,” seus
capitães e comandantes lhes haviam dito. Um navio pegou fogo, e então outro. Ainda assim,
os homens das Cidades Livres lutaram… até que alguém gritou, eles olharam para ver mais
asas surgindo do Monte dos Dragões vindo em sua direção. Uma coisa era encarar um
dragão, outra era encarar cinco. Com Silverwing, Sheepstealer, Seasmoke e Vermithor
descendo sobre eles, os homens das Três Filhas sentiram a coragem abandoná-los. A linha de
navios se rompeu e os navios começaram a virar para fugir um depois do outro. Os dragões
desciam como raios, cuspindo bolas de fogo, azuis e laranjas, vermelhas e douradas, cada
uma mais brilhante que a outra. Navio após navio explodiu em chamas ou foi consumido por
elas. Homens gritando pulavam no oceano, envoltos em chamas. Grandes colunas de fumaça
negra subiam da água. Tudo parecia perdido… tudo estava perdido… até Vermax voar baixo
demais e desabar no oceano.

Há muitas versões sobre como e porque o dragão caiu. Alguns dizem que um
arqueiro acertou um ferrolho negro em seu olho, mas essa versão parece muito parecida com
a história do fim de Meraxes, muito tempo antes em Dorne. Outros relatam que um
marinheiro na gávea de uma galé mirana jogou uma âncora em Vermax enquanto ele descia.
Um de seus pinos teria se prendido entre duas escamas, ficando bem preso devido ao peso e à
própria velocidade do dragão. O marinheiro havia atado a outra ponta da corrente no navio,
cujo peso ao afundar causara um longo rasgo na barriga do dragão. O rugido de raiva do
dragão foi ouvido na Cidade das Especiarias, acima do clangor da batalha. Seu vôo teve um
fim violento, Vermax desceu esfumaçado e gritando, arranhando a água. Sobreviventes
dizem que ele lutou para subir, apenas para bater a cabeça numa galé em chamas. A madeira
rachou, o mastro veio abaixo e o dragão, se debatendo, foi enrolado no cordame. Quando o
navio afundou, Vermax afundou junto.
Dizem que Jacaerys Velaryon subiu livre e se agarrou a um dos destroços
fumegantes por alguns momentos, até que um besteiro num navio mirano próximo começou
a disparar nele. O príncipe foi atingido uma vez, e de novo. Outros besteiros começaram a
atirar. Finalmente um dardo atravessou-lhe o pescoço, e Jace afundou no oceano.

A Batalha na Goela foi travada noite adentro ao norte e ao sul de Pedra do


Dragão, e permanece como a mais sangrenta batalha marítima de toda a história. Dos
noventa navios combinados de Myr, Lys e Tyrosh sob o comando de Sharako Lohar, apenas
vinte e oito sobreviveram para mancar para casa.

Embora os atacantes tenham contornado Pedra do Dragão, sem dúvida


acreditando que a antiga fortaleza Targaryen era forte demais para ser tomada de assalto,
partiram com fúria para Derivamarca. A Cidade das Especiarias foi brutalmente saqueada,
os corpos de homens, mulheres e crianças massacrados nas ruas e deixados para as gaivotas,
ratos e corvos, os prédios incendiados. A cidade nunca foi reconstruída. Maré Alta foi
passada na tocha também. Todos os tesouros que a Serpente do Mar trouxera do leste foram
consumidos pelo fogo, seus servos abatidos enquanto tentavam fugir das chamas. A frota
Velaryon perdeu cerca de um terço de sua força. Milhares morreram. Mas nenhuma dessas
perdas foi tão sentida quando a de Jacaerys Velaryon, Príncipe de Pedra do Dragão e
herdeiro do Trono de Ferro.

Uma quinzena depois, na Campina, Ormund Hightower se via cercado entre


dois exércitos. Thaddeus Rowan, Senhor de Bosquedouro, e Tom Flowers, Bastardo de
Ponteamarga, o flanqueavam vindos do nordeste com uma grande tropa de cavaleiros
montados, enquanto que Sor Alan Beesbury, Lorde Alan Tarly e Lorde Owen Costayne
haviam juntado seu poder para bloquear seu caminho de retirada pra Vilavelha. Quando seus
exércitos se fecharam sobre ele nas margens do Vinhomel, atacando-o pela frente e por trás
ao mesmo tempo, Lorde Hightower viu suas linhas desmoronarem. A derrota parecia
iminente… até que uma sombra cruzou o campo de batalha, e um terrível rugido ressoou
sobre as cabeças deles, cortando o som de metal batendo em metal. Um dragão chegara.

O dragão era Tessarion, a Rainha Azul, cor de cobalto e cobre. Em suas costas
estava o filho mais jovem da Rainha Alicent, Daeron Targaryen de quinze anos, escudeiro de
Lorde Ormund.

A chegada do Príncipe Daeron e seu dragão mudou os rumos da batalha. Agora


eram os homens de Lorde Ormund que atacavam, gritando maldições para seus inimigos
enquanto os homens da rainha fugiam. No fim do dia, Lorde Rowan se retirara para o norte
com o que restava de sua tropa, Tom Flowers jazia morto e queimado entre os juncos, os dois
Alans haviam sido tomados como cativos, e Lorde Costayne estava morrendo lentamente de
uma ferida causada pela lâmina negra de Bold Jon Roxton, a Fazedora de Órfãos. Com os
lobos e corvos devorando os cadáveres massacrados, Lorde Hightower banqueteou o Príncipe
Daeron com auroque e vinho forte, e o sagrou cavaleiro com sua antiga espada de aço
valiriano, Vigilance, nomeando-o “Sor Daeron, o Ousado.” O príncipe modestamente
respondeu, “Meu senhor é bondoso em dizer, mas a vitória foi de Tessarion.”

Em Pedra do Dragão, um ar de desânimo e derrota tomou a corte negra quando


o desastre no Vinhomel se tornou conhecido. Lorde Bar Emmon chegou ao ponto de sugerir
que era hora de dobrar os joelhos a Aegon II. A rainha nunca faria isso, contudo. Apenas os
deuses realmente conhecem o coração dos homens, e as mulheres são ainda mais estranhas.
Quebrada pela perda de um filho, Rhaenyra Targaryen parecia próxima a se recuperar antes
da morte do segundo. A morte de Jace a havia endurecido, consumido seus medos, deixando
apenas sua fúria e seu ódio. Ainda possuindo mais dragões do que seu meio-irmão, Sua
Graça agora estava decidida a usá-los, não importava o custo. Faria chover fogo e morte
sobre Aegon e todos os que o apoiavam, ela dissera ao Conselho Negro, e o arrancaria do
Trono de Ferro ou morreria tentando.

Uma decisão similar havia sido tomada do outro lado da baía, no coração de
Aemond Targaryen, que reinava em nome do irmão enquanto este estava prostrado.
Desdenhoso de sua meia-irmã Rhaenyra, Aemond Caolho achava que a grande ameaça era
seu tio, o Príncipe Daemon, e o grande exército que ele reunira em Harrenhal. Convocando
seus vassalos e conselho, o príncipe anunciou suas intenções de levar batalha ao seu tio e
punir os senhores do rio rebeldes.

Nem todos os membros do Conselho Verde apoiaram o ataque ousado do


príncipe. Aemond contou com o apoio de Sor Criston Cole, a Mão, e de Sor Tyland
Lannister, mas o Grande Meistre Orwyle rogou a ele para que enviasse uma carta a Ponta
Tempestade e juntasse as forças da Casa Baratheon às suas antes de proceder, e Bastão de
Ferro, Lorde Jasper Wylde, disse que ele podia convocar Lorde Hightower e o Príncipe
Daeron do sul, com base em “dois dragões são melhores do que um”. A Rainha Viúva
também pediu precaução, insistindo com o filho para que esperasse até que seu irmão, o rei, e
Sunfyre estivessem curados, para que pudessem se juntar ao ataque.

O Príncipe Aemond não gostava de atrasos, no entanto. Não precisava de seus


irmãos ou seus dragões, ele declarou; Aegon estava muito ferido, e Daeron era muito jovem.
Caraxes podia ser uma fera temível, selvagem e astuciosa, e testada em batalha… mas
Vhagar era mais velho, forte, e duas vezes maior. Septão Eustace nos diz que o assassino de
parentes estava determinado a alcançar a vitória; e não tinha a mínima vontade de dividir a
glória com seus irmãos ou com qualquer outro.

Não podiam detê-lo, já que até que Aegon II levantasse da cama, a regência e
governo eram de Aemond. Fiel à sua decisão, o príncipe atravessava o Portão dos Deuses
dentro de quinze dias, à frente de uma tropa de quatro mil homens.

Daemon Targaryen era muito velho e experiente na batalha para se sentar


tranquilo e se deixar ser encurralado dentro de suas muralhas, mesmo sendo as poderosas
muralhas de Harrenhal. O príncipe ainda tinha amigos em Porto Real, e notícias dos planos
de seu sobrinho chegaram a ele antes mesmo que Aemond marchasse. Quando lhe disseram
que Aemond e Sor Criston Cole haviam deixado Porto Real, dizem que o Príncipe Daemon
riu e bradou, “Demorou demais”, porque ele já havia antecipado há muito esse momento.
Um bando de corvos voou das torres retorcidas de Harrenhal.

Em outro lugar no reino, Lorde Walys Mooton liderou uma centena de


cavaleiros de Lagoa da Donzela e se juntou aos meio-selvagens Crabbs e Brunes de Baía dos
Caranguejos, e Celtigar da Ilha da Garra. Através de bosques de pinheiros e colinas cobertas
de névoa eles se apressaram, até Pouso de Gralhas, onde sua aparição repentina pegou a
guarnição de surpresa. Após retomar o castelo, Lorde Mooton liderou bravos homens ao
campo de cinzas a oeste do castelo, para matar o dragão Sunfyre.

Os pretensos assassinos de dragão facilmente abateram o grupo de guardas que


fora deixado para trás para alimentar, servir e proteger o dragão, mas Sunfyre sozinho
provou ser mais formidável do que se esperava. Dragões são criaturas desajeitadas no chão, e
sua asa ferida o tornava um enorme verme dourado incapaz de voar. Os atacantes esperavam
encontrar uma fera agonizante. Ao invés disso, eles o encontraram dormindo, mas o bater
das espadas e trotar dos cavalos logo o despertaram, e a primeira lança que o espetou o
deixou furioso. Pegajoso de lama, se retorcendo entre os ossos de incontáveis ovelhas,
Sunfyre se contorcia e enrolava como uma serpente, sua cauda chicoteando, enviando jorros
de chamas douradas em seus atacantes enquanto lutava para voar. Três vezes ele tentou, e
três vezes caiu de volta no chão. Os homens de Mooton o enxameavam com espadas, lanças
e machados, causando muitos ferimentos… no entanto cada golpe parecia enfurecê-lo ainda
mais. Morreram três vezes mais homens do que os que sobreviveram e fugiram.

Entre os mortos estava Walys Mooton, Lorde de Lagoa da Donzela. Quando seu
corpo foi encontrado uma quinzeta depois por seu irmão, Manfryd, nada restava além de
carne esturricada e uma armadura derretida sob vermes rastejantes. No entanto, em nenhum
lugar desse campo de cinzas, coalhado com os corpos dos bravos homens e carcaças
queimadas de uma centenas de cavalos, Lorde Manfryd encontrou o dragão do Rei Aegon.
Sunfyre havia ido embora. Também não haviam rastos, que teriam sido deixados se o dragão
houvesse se arrastado. Sunfyre, o Dourado, estava voando novamente, ao que parecia… mas
para onde, nenhum homem vivo poderia dizer.

Enquanto isso, o Príncipe Daemon Targaryen também voava, ele nas costas de
Caraxes e ia em direção ao sul. Voando em torno das praias ocidentais do Olho de Deus,
longe da linha de marcha de Sor Criston, ele evitou o exército inimigo e cruzou a Baía da
Água Negra, então voltou pro leste, seguindo rio abaixo em direção a Porto Real. E em Pedra
do Dragão, Rhaenyra vestiu um traje reluzente de escamas pretas, montou em Syrax, e voou
como uma tempestade chicoteando as águas da Baía da Água Negra. Sobre a cidade, a rainha
e o príncipe consorte se encontraram, rodeando a alta Colina de Aegon.

A visão deles incitou o terror nas ruas da cidade, porque os plebeus não tardaram
a perceber que o ataque que tanto temiam estava prestes a acontecer. O Príncipe Aemond e
Sor Criston deixaram a cidade sem defesas quando marcharam para tomar Harrenhal… e o
assassino de parentes levara Vhagar, aquela fera temível, deixando apenas Dreamfyre e um
punhado de dragões recém-chocados para se opôr aos dragões da rainha. Os dragões jovens
nunca haviam sido montados, e a domadora de Dreamfyre, Rainha Helaena, era uma mulher
quebrada; a cidade estava sem dragões.

Milhares de plebeus fluíam para fora dos portões da cidade, carregando suas
crianças e pertences terrenos nas costas, para procurar a segurança dos campos. Outros
cavaram poços e túneis em seus casebres, buracos úmidos e escuros, onde esperavam se
esconder enquanto a cidade ardia. Tumultos romperam na Baixada das Pulgas. Quando os
marinheiros dos navios da Serpente do Mar foram vistos a leste da Baía da Água Negra,
atravessando o rio, os sinos de cada septo da cidade tocaram, e turbas surgiram, saqueando ao
bel prazer. Dezenas morreram antes que os mantos dourados pudessem restabelecer a ordem.

Com o Lorde Protetor e a Mão do Rei ausentes, e próprio Rei Aegon queimado,
acamado, e perdido em sonhos de papoula, coube a sua mãe, a Rainha Viúva, ficar a cargo
das defesas da cidade. A Rainha Alicent aceitou o desafio, fechou os portões da cidade e do
castelo, enviou os mantos dourados para as muralhas, e despachou cavaleiros em montarias
rápidas para achar o Príncipe Aemond e trazê-lo de volta.
Ela também ordenou ao Grande Meistre Orwyle que enviasse corvos a “todos os
seus lordes leais”, chamando-os para a defesa de seu verdadeiro rel. Quando Orwyle se
apressou para seus aposentos, porém, ele encontrou quatro mantos dourados esperando por
ele. Um homem abafou seus gritos enquanto os outros o espancaram e amarraram. Com um
saco sobre a cabeça, ele foi escoltado para as celas negras. Os cavaleiros da Rainha Alicent
não passaram dos portões, onde mais mantos dourados os levaram em custódia. Sem Sua
Graça saber, os sete capitães comandando os portões, escolhidos por sua fidelidade ao Rei
Aegon, haviam sido aprisionados ou mortos no momento em que Caraxes aparecera nos céus
sobre a Fortaleza Vermelha… porque as bases da Patrulha da Cidade continuavam adorando
Daemon Targaryen, que os comandara no passado.

O irmão da rainha, Sor Gwayne Hightower, segundo no comando dos mantos dourados,
correu para os estábulos para dar o aviso; ele foi detido, desarmado e arrastado diante de seu
comandante, Luthor Largent. Quando Hightower o acusou de ser um vira casaca, Sor Luthor
riu. “Daemon nos deu essas casacas,” ele disse, “e elas são douradas não importa para onde se
vire.” Ele então atravessou a barriga de Sor Gwayne com sua espada e ordenou que os
portões da cidade fossem abertos para os homens dos navios da Serpente do Mar que
desembarcavam.

Apesar de toda a força alardeada de suas muralhas, Porto Real caiu em menos de
um dia. Uma luta curta e sangrenta foi travada no Portão do Rio, quando treze cavaleiros
Hightower e uma centena de homens de armas se chocou contra os mantos dourados e se
estendeu por quase oito horas dentro e fora da cidade, mas seus heróicos atos foram em vão,
porque os demais soldados de Rhaenyra entravam pelos outros portões sem serem
molestados. A visão dos dragões de Rhaenyra nos céus tomou o coração dos lealistas de
Aegon, que se esconderam, fugiram ou dobraram o joelho.

Um por um, os dragões fizeram seu pouso. Sheepstealer pousou no topo da


Colina de Visenya, Silverwing e Vermithor na Colina de Rhaenys, fora do Poço dos
Dragões. O Príncipe Daemon circulou as torres da Fortaleza Vermelha antes de pousar no
pátio interior. Apenas quando era certo que os defensores não ofereciam perigo, ele fez sinal
para que sua esposa, a rainha, pousasse com Syrax. Addam Velaryon continuou no ar,
voando em Seasmoke em torno das muralhas, a batida de asas do dragão avisando que
qualquer desafio seria recebido com fogo.

Após ver que a resistência seria vã, a Rainha Viúva Alicent surgiu da Fortaleza
de Maegor com seu pai, Sor Otto Hightower, Sor Tyland Lannister, e Lorde Jasper Wylde, o
Bastão de Ferro. (Lorde Larys Strong não estava com eles. O mestre dos sussuros dera um
jeito de desaparecer.) A Rainha Alicent tentou negociar com a enteada. “Vamos convocar
um Grande Conselho, como fez o Velho Rei nos dias antigos,” disse a Rainha Viúva,
“depositemos a questão da sucessão diante dos lordes do reino.” Mas a Rainha Rhaenyra
rejeitou a proposta com desprezo. “Ambas sabemos o que esse conselho decidiria.” Então ela
fez sua oferta à madrasta: se render, ou queimar.

Curvando a cabeça, derrotada, a Rainha Alicent entregou as chaves do castelo e


ordenou aos seus cavaleiros e homens de armas que baixassem as espadas. “A cidade é sua,
princesa,” relatam que ela disse, “mas não a manterá por muito tempo. Os ratos brincam
quando o gato está longe, mas logo meu filho Aemond retornará com fogo e sangue.”
Mas o triunfo de Rhaenyra estava longe de ser completo. Seus homens
encontraram a esposa de seu rival, a louca Rainha Helaena, trancada em seu quarto de
dormir… mas quando eles arrombaram as portas dos aposentos do rei, descobriram apenas
“sua cama, vazia, e seu penico, cheio.” O Rei Aegon II havia fugido. O mesmo haviam feito
seus filhos, a Princesa Jaehaera de seis anos e o Príncipe Maelor de dois anos, junto com os
cavaleiros Willis Fell e Rickard Thorne da Guarda Real. Nem mesmo a Rainha Viúva
parecia saber para onde eles tinham ido, e Luthor Largent jurou que não haviam passado
pelos portões da cidade.

Não houve maneira de tirar o espírito do Trono de Ferro, contudo. Nem a


Rainha Rhaenyra dormiu enquanto não reivindicou o assento de seu pai. Então as tochas
foram acesas no salão do trono, e a rainha subiu os degraus de ferro e se sentou no lugar que
o Rei Viserys havia se sentado antes dela, e o Velho Rei antes dele, e Maegor, e Aenys e
Aegon, o Conquistador, nos dias antigos. Com a face severa, ainda de armadura, decretou
que todo homem e toda mulher na Fortaleza Vermelha deveriam ser trazidos para se ajoelhar
diante dela, pedir por seu perdão e jurar suas vidas, espadas e honra à sua rainha.

A cerimônia levou toda a noite. Já amanhecera quando Rhaenyra Targaryen se


levantou e desceu. “E enquanto o senhor seu marido, o Príncipe Daemon, a escoltou pelo
hall, cortes foram vistos nas pernas de Sua Graça e na palma de sua mão esquerda. Gotas de
sangue mancharam o chão quando ela passou, e homens sábios se entreolharam, embora
ninguém ousasse falar a verdade em voz alta: “o Trono de Ferro a rejeitou, e seus dias sobre
ele seriam poucos.”

Tudo isso aconteceu enquanto o Príncipe Aemond e Sor Criston Cole


avançavam sobre as Terras Fluviais. Após dezenove dias de marcha, eles alcançaram
Harrenhal… e encontraram os portões do castelo abertos; o Príncipe Daemon e seus homens
haviam partido.

O Príncipe Aemond mantivera-se em Vhagar com a coluna principal o tempo todo,


pensando que seu tio poderia tentar atacá-los com Caraxes. Ele chegou em Harrenhal um dia
depois de Cole, e celebrou a noite numa grande vitória; Daemon e sua “escória dos rios”
haviam fugido diante de sua fúria, Aemond proclamou. Admirou-se então, quando a notícia
da queda de Porto Real o alcançou, o príncipe se sentiu três vezes tolo. Sua fúria foi terrível
de se contemplar.

A oeste de Harrenhal, continuava-se lutando nas Terras Fluviais com as tropas


Lannister que se arrastavam adiante. A idade e doença de seu comandante, Lorde Lefford,
haviam atrasado sua marcha a um rastejar, e quando estavam próximos das praias ocidentais
do Olho de Deus, encontraram um exército atravessando seu caminho.

Roddy, o Ruin, e seus Lobos de Inverno haviam se juntado a Forrest Frey,


Senhor da Travessia, e Red Robb Rivers, conhecido como Arqueiro de Corvarbor. Os
nortenhos eram dois mil, Frey comandava duzentos cavaleiros e três vezes o número de
soldados a pé, Rivers trouxera trezentos arqueiros para a batalha. Quando o exaurido Lorde
Lefford parou para enfrentar o inimigo à sua frente, mais inimigos apareceram do sul, onde
Longleaf, Lionslayer, e um raivoso bando de sobreviventes de batalhas antigas se juntaram
sob as bandeiras dos Lordes Bigglestone, Chambers e Perryn.

Preso entre dois inimigos, Lefford hesitou em se mover contra qualquer um, por
medo de acabar com um deles em sua retaguarda. Ao invés disso, ele virou as costas para o
lago, e enviou corvos ao Príncipe Aemond em Harrenhal, pedindo sua ajuda. Dezenas de
corvos voaram, mas nenhum chegou ao príncipe; Red Robb Rivers, dito melhor arqueiro em
toda Westeros, derrubou a todos.

Mais homens dos rios apareceram no dia seguinte, liderados por Sor Garibald
Grey, Lorde Jon Charlton, e pelo novo Lorde de Corvarbor, Benjicot Blackwood, de onze
anos. Com seus números aumentados pelas tropas frescas, os homens da rainha decidiram
que era hora de atacar. “Melhor dar um fim a esses leões antes que os dragões cheguem,”
disse Roddy, o Ruin.

A mais sangrenta batalha em terra da Dança dos Dragões começou no dia


seguinte ao nascer do sol. Os anais da Cidadela a tratam por Batalha de Lakeshore, mas os
homens que viveram para contá-la a chamam de Comida de Peixe.

Atacado por três lados, os homens do oeste foram empurrados para trás, passo a
passo, para dentro das águas do Olho de Deus. Centenas morreram assim, cortados enquanto
lutavam nos juncos; mais centenas morreram quando tentaram fugir. Quando a noite caiu,
dois mil homens estavam mortos, entre os mais notáveis incluía Lorde Frey, Lorde Lefford,
Lorde Bigglestone, Lorde Charlton, Lorde Swyft, Lorde Reyne, Sor Clarent Crakehall e Sor
Tyler Hill, Bastardo de Lannisporto. O exército Lannister foi despedaçado e massacrado,
mas o jovem Lorde de Corvarbor chorou quando viu que custara montes de cadáveres. As
perdas mais pesadas haviam sido dos Lobos de Inverno, que haviam implorado pela honra de
liderar o ataque e levado sua carga cinco vezes contra as fileiras de lanças Lannister. Mais de
dois terços dos homens que haviam cavalgado para o sul com Lorde Dustin estavam mortos
ou feridos.

Em Harrenhal, Aemond Targaryen e Criston Cole debatiam o melhor jeito de


responder aos ataques da rainha. Embora a sede do Harren Negro fosse poderosa demais para
ser tomada de assalto, e os senhores do rio não se atrevessem a sitiá-lo por medo de Vhagar,
os homens do rei estavam com falta de alimentos e forragem, e as perdas de homens e
cavalos ocorriam por fome e doenças. Apenas campos enegrecidos e vilas queimadas
restavam à vista das sólidas muralhas, e os grupos enviados em busca de provisões não
retornaram. Sor Criston insistia numa retirada para o sul, onde o apoio a Aegon era mais
forte, mas o príncipe recusou dizendo que “Apenas um covarde fugiria de traidores.” A perda
de Porto Real e do Trono de Ferro o haviam enraivecido, e quando a notícia da Comida de
Peixe chegaram a Harrenhal, o Lorde Protetor quase estrangulou o escudeiro que trouxera a
notícia. Apenas a interferência de Alys Rivers, sua amante, foi capaz de salvar a vida do
rapaz. O Príncipe estava inclinado a atacar imediatamente Porto Real. Nenhum dos dragões
da rainha era páreo para Vhagar, ele insistia.

Sor Criston chamou aquilo de loucura. “Um contra seis é uma batalha de tolos,
meu príncipe.” ele declarou. Que marchassem para o sul, ele insistiu de novo, e juntassem
suas forças às de Lorde Hightower. O Príncipe Aemond poderia se reunir com seu irmão, o
Príncipe Daeron, e seu dragão. O Rei Aegon escapara do alcance de Rhaenyra, disso eles
sabiam, e claramente poderia recuperar Sunfyre e se juntar aos irmãos. E talvez seus amigos
dentro da cidade poderiam dar um jeito de libertar a Rainha Helaena também, e ela poderia
trazer Dreamfyre para a batalha. Quatro dragões poderiam vencer seis, se um dos quatro
fosse Vhagar.
O Príncipe Aemond se recusou àquilo que considerava um “caminho covarde.”

Sor Criston o Príncipe Aemond então decidiram seguir caminhos separados.


Cole tomaria o comando do exército e o lideraria ao sul para se juntar a Ormund Hightower
e ao Príncipe Daeron, mas o Príncipe Regente não os acompanharia. Ao invés disso, ele
lutaria sua própria guerra, fazendo chover fogo sobre os traidores. Cedo ou tarde, “a rainha
vadia” enviaria um dragão ou dois para detê-lo, e Vhagar os destruiria. “Ela não se atreveria
a enviar todos os seus dragões,” insistia Aemond. “Isso deixaria Porto Real nua e vulnerável.
Também não arriscaria Syrax, ou seus filhos restantes. Rhaenyra pode chamar a si mesma de
rainha, mas tem atributos de mulher, um coração fraco e os medos de uma mãe.”

E assim o Fazedor de Reis e o assassino de parentes partiram, cada um rumo ao


próprio destino, enquanto Rhaenyra, na Fortaleza Vermelha, recompensava seus amigos e
infringia pesadas punições àqueles que haviam servido seu meio-irmão.

Grandes recompensas foram oferecidas por informações que levassem à captura


do “usurpador que se auto intitulava Aegon II”, sua filha Jaehaera, seu filho Maelor, os
“falsos cavaleiros” Willis Fell e Rickard Thorne, e Larys Strong, o Pé Torto. Quando isso
falhou em produzir os resultados desejados, Sua Graça enviou caçadores e “inquisidores de
cavaleiros” para buscar “traidores e vilões” que haviam escapado dela, e punir qualquer
homem que os estivesse ajudando.

A Rainha Alicent foi acorrentada no pulso e no tornozelo com algemas


douradas, mas a enteada poupou sua vida “por causa de nosso pai, que amou você um dia.” O
pai dela teve menos sorte. Sor Otto Hightower, que servira a três reis como Mão, foi o
primeiro traidor a ser decapitado. Bastão de Ferro o seguiu para o cepo, ainda insistindo que
pela lei o filho do rei deveria vir antes de uma filha. Sor Tyland Lannister foi dado aos
torturadores ao invés disso, na esperança de recuperar algo do tesouro da coroa.

Nem Aegon e nem seu irmão Aemond haviam sido muito amados pelo povo, e
muitos portorealenses deram boas-vindas quando a rainha retornou… mas ódio e amor são
duas faces da mesma moeda, e quando as cabeças frescas começaram a aparecer sobre as
estacas acima dos portões da cidade, acompanhadas de mais impostos, a moeda virou. A
garota que uma vez eles aplaudiram como Deleite do Reino se tornara uma gananciosa e
vingativa mulher, os homens diziam, uma rainha cruel como nenhum rei fora antes dela.
Eles chamavam Rhaenyra de “Rei Maegor com tetas”, e por cem anos depois “Tetas de
Maegor” foi um palavrão comum entre os portorealenses.

Com a cidade, o castelo e o trono sob seu poder, defendida por não menos do que
seis dragões, Rhaenyra se sentiu segura o suficiente para mandar chamar seus filhos. Uma
dezena de navios velejou de Pedra do Dragão, carregando as aias da rainha e seu filho,
Aegon, o Jovem. Rhaenyra fez do garoto seu copeiro, para que não saísse de junto dela.
Outra frota partiu de Vila Gaivota com o Príncipe Joffrey, o último dos três filhos da rainha
com Laenor Velaryon, junto com seu dragão, Tyraxes. Sua Graça começou a planejar uma
suntuosa cerimônia para declarar Joffrey formalmente como Príncipe de Pedra do Dragão e
herdeiro do Trono de Ferro.

Na plenitude de sua vitória, Rhaenyra não fazia ideia de como eram poucos os
dias que lhe restavam. E ainda toda vez que ela se sentava no Trono de Ferro, as lâminas
cruéis derramavam sangue fresco de suas mãos e pernas, um sinal que todos podiam ler.
Para além das muralhas da cidade, continuava-se lutando nos Sete Reinos. Nas
Terras Fluviais, Sor Criston Cole abandonara Harrenhal, marchando para o sul através da
praia ocidental do Olho de Deus, com 3.600 homens atrás de si (morte, doença e deserção
havia diminuído as fileiras que outrora partiram de Porto Real). O Príncipe Aemond já havia
partido, voando em Vhagar. Não mais preso ao castelo ou exército, o príncipe caolho estava
livre para voar para onde quisesse. Essa era o tipo de guerra que Aegon, o Conquistador, e
suas irmãs haviam travado outrora, lutando com fogo de dragão, com Vhagar descendo pelo
céu outonal de vez em quanto para trazer destruição às terras, vilas e castelos dos senhores
dos rios. A Casa Darry foi a primeira a conhecer a fúria do príncipe. Os homens que faziam
a colheita foram queimados ou fugiram com as plantações em chamas, e o Castelo Darry foi
consumido num turbilhão de fogo. A Senhora Darry e sua jovem criança sobreviveram ao se
abrigar nos porões sob a fortaleza, mas o senhor seu marido e seu herdeiro morreram na
batalha, juntos com um bando de espadas juramentadas e arqueiros. Três dias depois, foi a
Cidade de Lorde Harroway que virou fumaça. Lordes Mill, Blackbuble, Buckle, Claypool,
Swynford, Spiderwood… a fúria de Vhagar foi sentida por todo lado, até que metade das
Terras Fluviais estivessem em chamas.

Sor Criston Cole também enfrentou o fogo. Quando trouxe seus homens ao sul
das Terras Fluviais, encontrou chamas diante e atrás de si. Toda vila ao qual chegou estava
incendiada e abandonada. Sua coluna se moveu através de florestas de árvores mortas que
haviam sido florestas verdes alguns dias antes, mas os senhores dos rios estavam
incendiando tudo em torno de sua linha de marcha. Em cada riacho, açude e vila, ele
encontrou morte; cavalos mortos, vacas mortas, homens mortos, apodrecendo e fedendo,
poluindo as águas. Por todo lado, seus batedores se deparavam com cadáveres vestidos em
armaduras e sentados, uma grotesca paródia de banquete. Cadeiras sorridentes sob elmos
esfumaçados e carne verde apodrecendo sobre os ossos.

A quatro dias de Harrenhal, os ataques começaram. Arqueiros escondidos entre


as árvores, escolhendo batedores afastados e abatendo-os com flechas. Homens morriam.
Homens eram deixados para trás na retaguarda e não tornavam a serem vistos. Homens
fugiam, abandonando seus escudos e lanças para se esconder nos bosques. Homens passaram
para o lado do inimigo. Na vila de Crossed Elms, outro banquete de cadáveres havia sido
montado. Acostumados com tais visões, os batedores de Criston fizeram uma careta e
contornaram, sem prestar atenção nos mortos apodrecendo… até que os cadáveres saltaram
em cima deles. Uma dúzia morreu antes que percebessem o estrategema que havia sido
montado.

Tudo isso era apenas uma preparação, para que os Lordes do Tridentes reunissem suas
forças. Quando Sor Criston deixou o lago para trás de si, riscando a terra rumo à Água
Negra, ele os encontrou esperando no topo de um monte rochoso; três cavaleiros montados
com armaduras, muitos besteiros, trezentos arqueiros, três mil soldados das Terras Fluviais
com lanças, centenas de nortenhos brandindo machados, malhos, maças com espinhos, e
espadas ancestrais. Sobre suas cabeças voavam os estandartes da Rainha Rhaenyra.

A batalha que se seguiu foi tão unilateral quanto qualquer outra na Dança. Lorde
Roderick Dustin levou o chifre de guerra aos lábios ordenando a carga, e os homens da
rainha desceram o morro gritando, liderados pelos Winter Wolves em seus desgrenhados
cavalos nortenhos e cavaleiros em seus corcéis de batalha. Quando Sor Criston foi derrubado
e caiu morto no chão, os homens que o haviam seguido de Harrenhal perderam a coragem.
Eles quebraram e fugiram, jogando os escudos no chão quando corriam. Os inimigos foram
atrás, destroçando-os às centenas.

No Dia da Donzela de 130 AL, a Cidadela de Vilavelha enviou trezentos corvos


brancos para avisar a chegada do inverno, mas era o alto verão para a Rainha Rhaenyra
Targaryen. A despeito do desafeto dos portorealenses, a cidade e a coroa eram dela. Para lá
do Mar Estreito, os Reino das Três Filhas se despedaçava. As ondas pertenciam à Casa
Velaryon. Apesar das neves terem fechado os caminhos através das Montanhas da Lua, a
Donzela do Vale provara o valor de sua palavra, enviando homens pelo mar para se juntar ao
exército da rainha. Outras frotas trouxeram guerreiros de Porto Branco, liderados pelos
próprios filhos de Lorde Manderly, Medrick e Torrhen. Por todo lado, o poder da Rainha
Rhaenyra inchou e o do Rei Aegon diminuiu.

Contudo, não se pode considerar vencida uma guerra enquanto inimigos


permanecerem sem ser conquistados. O Fazedor de Reis, Sor Criston Cole, havia sido
derrubado, mas em algum lugar do reino, Aegon II, o rei que ele fizera, se encontrava vivo e
livre. A filha de Aegon, Jaehaera, também estava na mesma situação. Larys Strong, o
Pédeclava, o mais enigmático e astucioso membro do Conselho Verde, sumira. Ponta
Tempestade ainda era mantida por Lorde Borros, que não era amigo da rainha. Os Lannister
também podiam ser contados entre os inimigos de Rhaenyra, apesar de que, com morte de
Lorde Jason e do fato de a cavalaria do oeste ter sido assassinada ou despedaçada, Rochedo
Casterly estar em considerável desordem.

O Príncipe Aemond trazia terror ao Tridente, derramando chuva de fogo e


morte sobre as Terras Fluviais, para então sumir, apenas para atacar novamente no dia
seguinte a quinze léguas de distante. As chamas de Vhagar haviam reduzido Old Willom e
White Willom a cinzas, e Hogg Hall se tornara pedra enegrecida. Em Merrydown Dell,
trinta homens e trezetas ovelhas haviam morrido pelo fogo do dragão. O assassino de
parentes então retornou inesperadamente a Harrenhal, onde queimou toda estrutura de
madeira do castelo. Seis cavaleiros e duas vezes o número de homens em armas pereceram
tentando matar seu dragão. Quando a notícia desses ataques se espalhou, outros lordes
olharam para o céu com medo, ponderando se seriam os próximos. Lorde Mooton de Lagoa
da Donzela, Senhora Darklyn de Valdocaso e Lorde Blackwood de Corvarbor enviaram
mensagens urgentes à rainha, implorando-a para que enviasse seus dragões a fim de defender
seus domínios.

Entretanto, a maior ameaça ao reinado de Rhaenyra não era Aemond Caolho,


mas seu irmão caçula, o Príncipe Daeron, o Ousado, e o grande exército liderado por Lorde
Ormund Hightower.

O exército de Hightower havia cruzado o Mander, e estava avançando


lentamente para Porto Real, esmagando os partidários da rainha que tentavam impedí-lo
aqui e ali, além de forçar os lordes que dobravam o joelho a juntar suas forças às dele.
Voando Tessarion à frente da coluna, o Príncipe Daeron provara ser um inestimável olheiro.
avisando Lorde Ormund dos movimentos inimigos e a localização de suas trincheiras.
Frequentemente, os homens da rainha simplesmente quebravam ao ver o primeiro vislumbre
das asas da Rainha Azul, temendo o fogo do dragão.

Ciente de todas essas ameaças, a Mão da Rainha Rhaenyra, o velho Lorde


Corlys Velaryon, sugeriu à Sua Graça que era tempo de negociar. Ele insistiu que a rainha
oferecesse perdões aos Lordes Baratheon, Hightower e Lannister se eles dobrassem os
joelhos, jurassem lealdade e oferecessem reféns ao Trono de Ferro. A Serpente do Mar
propôs deixar que a Fé se encarregasse da Rainha Alicent e da Rainha Helaena, e elas talvez
pudessem passar o resto dos dias em meditação e orações. A filha de Helaena, Jaehaera,
poderia se tornar sua protegida, e casar com o Príncipe Aegon, o Jovem, no devido tempo,
juntando os dois ramos da Casa Targaryen novamente.

“E meus meio-irmãos?” Rhaenyra questionou, quando a Serpente do Mar expôs


seus planos para ela. “E o falso rei Aegon, e o assassino de parentes Aemond? Deverei lhes
oferecer perdões também, àqueles que roubaram meu trono e assassinaram meus filhos?”

“Poupe-os, e os envie para a Muralha,” respondeu Lorde Corlys. “Deixe-os


vestir o negro e viver suas vidas como homens da Patrulha da Noite, sujeitos a votos
sagrados.”

“O que é um voto para perjuros?” A Rainha Rhaenyra exigiu saber. “Seus votos
não os impediram quando quiseram tomar meu trono.”

O Príncipe Daemon fez eco às dúvidas da rainha. Dando perdões aos rebeldes e
traidores, ela apenas estaria plantando as sementes para novas rebeliões, ele insistiu. “A
guerra vai terminar quando as cabeças dos traidores estiverem montadas em estacas sobre o
Portão do Rei, e não antes.” Aegon II seria encontrado a seu tempo, “se escondendo sob
alguma pedra,” mas eles deveriam e iriam levar a guerra a Aemond e Daeron. Os Lannister e
Baratheon seriam destruídos também, então suas terras e castelos poderiam ser dados àqueles
que provaram ser mais leais. Dar Ponta Tempestade a Ulf White e Rochedo Casterly a
Hugh Hammer foi o que o príncipe propôs… para horror da Serpente do Mar. “Metade dos
lordes de Westeros se virarão contra nós se formos tão cruéis a ponto de destruir duas Casas
nobres e antigas”, Lorde Corlys disse.

Ficou para a rainha decidir entre seu consorte e sua Mão. Rhaenyra optou seguir
um caminho intermediário. Ela mandaria enviados para Ponta Tempestade e Rochedo
Casterly, oferecendo “termos razoáveis” e perdões… depois de ter posto um fim nos dois
irmãos do usurpador que estavam em campo contra ela. “Uma vez que estiverem mortos, o
resto dobrará o joelho. Mate os dragões deles, para que eu possa colocar suas cabeças sobre as
muralhas do meu salão do trono. Deixe que os homens vejam-nos pelos anos que vierem,
eles então saberão o preço da traição.”

Porto Real não deveria ser deixada indefesa, isso era certeza. A Rainha Rhaenyra
permaneceria na cidade com Syrax, e seus filhos, Aegon e Joffrey, eram pessoas que não
poderiam ser colocadas em risco. Joffrey, que não totalmente com treze anos, estava ansioso
para se mostrar um guerreiro, mas quando sua mãe lhe disse que Tyraxes era necessário para
que sua mãe mantivesse a Fortaleza Vermelha no caso de um ataque, o garoto jurou
solenemente fazê-lo. Addam Velaryon, herdeiro da Serpente do Mar, também permaneceria
com Seasmoke. Três dragões deveriam ser suficientes para defender Porto Real; o resto iria
para a batalha. O próprio Príncipe Daemon iria com Caraxes para o Tridente, junto com a
garota Nettles e Sheepstealer, para encontrar o Príncipe Aemond e Vhagar, e colocar um fim
neles. Ulf White e Hard Hugh voariam a Tumbleton, cerca de cinquenta léguas a sudoeste
de Porto Real, a última grande fortaleza lealista entre Lorde Hightower e a cidade, para
auxiliar na defesa da cidade e do castelo, e destruir o Príncipe Daeron e Tessarion.
O Príncipe Daemon e a pequena morena chamada Nettles caçaram Aemond
Caolho por bastante tempo, sem sucesso. Eles fizeram sua base em Lagoa da Donzela, a
convite de Lorde Manfryd Mooton, que vivia aterrorizado com a perspectiva de Vhagar
atacando sua cidade. Ao invés disso, o Príncipe Aemond atacou Stonyhead, nos sopés das
Montanhas da Lua; em Sweetwillow no Ramo Verde e Sallydance no Ramo Vermelho; ele
reduziu a Ponte do Arqueiro a cinzas, queimou Old Ferry e Crone’s Mill, destruiu a sede em
Bechester, sempre sumindo nos céus antes que seus caçadores chegassem. Vhagar nunca
demorava, nem costumava haver sobreviventes por onde o dragão passava.

A cada amanhecer, Caraxes e Sheepstealer voavam de Lagoa da Donzela,


voando alto sobre as Terras Fluviais em círculos cada vez maiores na esperança de ver
Vhagar abaixo deles… apenas para voltarem derrotados ao entardecer. Lorde Mooton ousou
sugerir que os dois deveriam se dividir nas buscas, já que assim cobririam o dobro do terreno.
O Príncipe Daemon recusou. Vhagar era o último dos três dragões que vieram com Aegon, o
Conquistador, e as irmãs para Westeros, ele lembrou ao lorde. Embora mais lento do que era
um século antes, ele crescera quase tanto quando o Terror Negro de outrora. Seu fogo era tão
quente que derretia as rochas a nada. Nem Caraxes ou Sheepstealer podiam se equiparar à
sua ferocidade. Apenas juntos eles podiam ter esperança de fazer jus a ele. E então ele passou
a ficar com a garota Nettles ao seu lado, dia e noite, no céu e no castelo.

Enquanto isso, no sul, a batalha chegou a Tumbleton, uma florescente cidade


comercial no Mander. O castelo acima da cidade era robusto, mas pequeno, guarnecido por
não mais do que quarenta homens, mas milhares haviam chegado de Ponteamarga,
Mesalonga, e de regiões mais ao sul. A chegada de uma grande força de senhores do rio
inchou ainda mais seus números, e aumentou sua determinação. Dizem que as forças
reunidas da Rainha Rhaenyra chegavam a nove mil. Os homens da rainha estavam em
desvantagem númerica diante de Lorde Hightower. Sem nenhuma dúvida, a chegada dos
dragões Vermithor e Silverwing com seus montadores foi bem-vinda pelos defensores de
Tumbleton. Pouco eles poderiam saber sobre os horrores que os aguardavam.

O como, quando e porque aquilo que ficou conhecido como Traições de


Tumbleton aconteceu permanece como algo de muita disputa, e a verdade sobre muito do
que houve nunca será descoberto. Conta-se que muitos dos que inundaram a cidade, fugindo
dos exército de Lorde Hightower, eram, na verdade, seus homens, enviados antes para se
infiltrar nas fileiras inimigas. Essa traição teria contado pouco, se Sor Ulf White e Sor Hugh
Hammer não tivessem escolhido justo aquele momento para mudar sua lealdade.

Como nenhum dos dois sabia ler ou escrever, nós nunca saberemos o que levou
os Dois Traidores (como a história os tornou conhecidos) a fazer o que fizeram. Da Batalha
de Tumbleton nós sabemos muito mais, no entanto. Seis mil dos homens da rainha se
alinharam para encarar Lorde Hightower em campo, e lutaram bravamente por um tempo,
mas uma chuva de flechas dos arqueiros de Lorde Ormund os fez esmorecer e diminuiram
suas fileiras, e uma poderosa carga de seus cavalos pesados os quebrou, enviando os
sobreviventes correndo de volta às muralhas da cidade. Quando muitos dos sobreviventes
estavam à salvo dentro dos portões, Roddy, o Ruin, e seus Winter Wolves saíram por um
portão traseiro e fizeram uma surtida, berrando brados nortenhos e varrendo o flanco
esquerdo dos atacantes. No caos que se instalou, os nortenhos lutaram, apesar de enfrentar
dez vezes o seu número do exército de Lorde Ormund Hightower, sentado em seu cavalo de
guerra sob o estandarte do dragão dourado do Rei Aegon e de Vilavelha e Hightower. Como
os cantores dizem, Lorde Roderick era sangue dos pés à cabeça quando avançou, com o
escudo rachado e o elmo quebrado, mas tão bêbado da batalha que nem sentia suas feridas.
Sor Bryndon Hightower, primo do Lorde Ormund, se interpôs entre o nortenho e seu
suserano, decepando o braço do escudo de Roddy com um terrível golpe de seu machado… e
ainda assim o selvagem Lorde de Vila Acidentada lutou, matando Sor Bryndon e Lorde
Ormund antes de morrer. Os estandartes de Lorde Ormund foram derrubados, e o povo da
cidade se animou, vendo a maré da batalha mudar. Até a aparição de Tessarion sobre o
campo não os coagiu, jpa que eles sabiam que possuíam dois dragões ao seu lado… mas
quando Vermithor e Silverwing subiram aos céus e despejaram suas chamas sobre
Tumbleton, o ânimo se transformou em gritos.

Tumbleton foi queimada: lojas, casas, septos, pessoas, tudo. Homens caíram
queimando dos portões e ameias, ou tropeçaram gritando pelas ruas como tochas vivas. Os
Dois Traidores flagelaram a cidade com labaredas de fogo de um lado a outro. O saque que
se seguiu foi o mais selvagem da história de Westeros. Tumbleton, antes uma próspera
cidade comercial, estava reduzida a cinzas e brasas, e nunca foi reconstruída. Milhares
queimaram, e muitos morreram afogados enquanto tentavam atravessar o rio. Alguns dizem
que esses foram os sortudos, já que nenhuma misericórdia foi dada aos sobreviventes. Os
homens de Lorde Footly baixaram as espadas e se renderam, apenas para serem amarrados e
decapitados. As mulheres que sobreviveram ao fogo foram estupradas repetidamente, mesmo
jovens garotas de oito e dez anos. Velhos e garotos foram passados na espada, enquanto que
os dragões se alimentavam das retorcidas carcaças de suas vítimas.

Foi nessa época que uma avariada coca mercante chamada Nessaria chegou ao
porto de Pedra do Dragão para fazer reparos e conseguir provisões. Estava voltando de
Pentos para a Velha Volantis quando uma tempestade a apanhou, dizia sua tripulação… mas
a essa história de um comum perigo no mar, os volantinos acrescentaram uma nota estranha.
Quando Nessaria atingiu o lado ocidental, o Monte do Dragão surgiu diante deles, enorme
contra o sol poente… e os marinheiros vieram dois dragões lutando, seus rugidos ecoando nas
falésias negras e nas montanhas esfumaçadas do leste. Em toda taverna, pousada e bordel ao
longo da orla a história foi dita, recontada e aumentada, até que todo homem em Pedra do
Dragão a tivesse ouvido.

Dragões eram uma maravilha para os homens da Velha Volantis; a visão de dois
em batalha era algo que os homens do Nessaria jamais esqueceriam. Os nascidos e criados
em Pedra do Dragão tinham crescido com tais bestas… mas ainda assim a história animada
dos marinheiros os interessou. Na manhã seguinte, alguns pescadores entraram em seus
barcos para percorrer o entorno do Monte do Dragão, e retornara para contar a visão dos
restos queimados e quebrados de um dragão na base da montanha. Pela cor de suas asas e
escamas, a carcaça era de Grey Ghost. O dragão havia sido deixado em dois pedaços, e tinha
sido destruído e parcialmente devorado.

Ao ouvir essas notícias, Sor Robert Quince, o amável e notavelmente obeso


cavaleiro que a rainha deixara como castelão de Pedra do Dragão ao partir, foi rápido em
dizer que o Cannibal era o assassino. Muitos concordaram, já que o Cannibal era conhecido
por atacar dragões menores no passado, embora raramente com tanta selvageria. Alguns
entre os pescadores, temerosos de que a fera se voltasse contra eles na próxima vez,
insistiram que Sor Quince despachasse cavaleiros ao covil da fera para pôr um fim nela, mas
o castelão se recusou. “Se não lhe causarmos problemas, o Cannibal não nos trará
problemas,” ele declarou. Para se certificar disso, ele proibiu a pesca na face leste do Monte
do Dragão onde o corpo do dragão estava apodrecendo.
Enquanto isso, na praia ocidental da Baía da Água Negra, notícias de batalha e
traição em Tumbleton chegavam em Porto Real. Dizem que a Rainha Viúva Alicent riu
quando ficou sabendo. “Tudo o que plantaram, agora deverão colher,” ela declarou. No
Trono de Ferro, a Rainha Rhaenyra ficou pálida e débil, e ordenou que os portões da cidade
fossem fechados e bloqueados; doravante, a ninguém mais serioa permitido entrar ou sair de
Porto Real. “Não terei vira-casacas entrando na minha cidade para abrir meus portões a
rebeldes,” ela anunciou. O exército de Lorde Ormund poderia estar do lado de fora das
muralhas no dia seguinte ou no outro; os traidores montados em dragões poderiam chegar
antes disso.

Essa probabilidade excitou o Príncipe Joffrey. “Deixe-os vir,” o garoto


anunciou. “Eu os encontrarei em Tyraxes.” A fala alarmou sua mãe. “Você não vai,” ela
declarou. “Ainda é muito jovem pra lutar.” Ainda assim, ela permitiu que o garoto ficasse no
Conselho Negro enquanto discutiam a melhor maneira de lidar com a aproximação inimiga.

Seis dragões permaneciam em Porto Real, mas apenas um dentro das muralhas
da Fortaleza Vermelha; o dragão pessoal da rainha, Syrax. Um estábulo na ala externa havia
sido esvaziado de cavalos e dado para seu uso. Correntes pesadas a atavam ao chão. Embora
insuficientes para impedir que saísse do estábulo para o pátio, não permitiam que ela voasse
sem sua cavaleira. Syrax há muito se acostumara com as cadeias; bem alimentado, não
caçava há anos.

Os outros dragões estavam mantidos no Poço dos Dragões, a estrutura colossal


que o Rei Maegor, o Cruel, construíra com esse propósito. Abaixo de sua grande cúpula, a
Colina de Rhaenys fora escavada num grande círculo. Portas de ferro fechavam essas
cavernas artificiais em ambas as extremidades, as portas internas na direção das areias do
Poço, as externas abrindo para a colina. Caraxes, Vermithor, Silverwing e Sheepstealer
haviam estado lá antes de partir para a batalha. Cinco dragões permaneciam: Tyraxes, do
Príncipe Joffrey, o cinza-pálido Seasmoke de Addam Velaryon, os jovens dragões Morghul e
Shrykos, dados à Princessa Jaehaera (fugida) e seu gêmeo, Príncipe Jaehaerys (morto)... e
Dreamfyre, amado pela Rainha Helaena. Era costume que pelo menos um domador
permanecesse no poço, estando pronto para voar em defesa da cidade em caso de necessidade.
Como a Rainha Rhaenyra preferia manter os filhos ao seu lado, o dever coubera a Addam
Velaryon.

Mas agora vozes no Conselho Negro se erguiam para questionar a lealdade de


Sor Addam. As sementes de dragão Ulf White e Hugh Hammer haviam se juntado ao
inimigo… mas eram os únicos traidores no meio deles? E Addam de Hull e a garota Nettles?
Haviam nascido bastardos também. Poderiam confiar neles?

Lorde Bartimos Celtigar achava que não. “Bastardos são traiçoeiros por
natureza,” ele disse. “Está no sangue deles. Traição vem tão facilmente aos nascidos
bastardos quanto a lealdade aos nascidos legítimos.” Ele insistiu que Sua Graça devia
prender os dois domadores bastardos imediatamente, antes que eles se juntassem ao inimigo
com seus dragões. Outros fizeram eco à sua opinião, entre os quais Sor Luthor Largent,
comandante de sua Patrulha da Cidade, e Sor Lorent Marbrand, Senhor Comandante da
Guarda da Rainha. Até os dois homens de Porto Branco, o terrível Sor Medrick Manderly e
seu esperto e corpulento irmão, Sor Torrhen, insistiram para que a rainha desconfiasse.
“Melhor não se arriscar,” Sor Torrhen disse. “Se o inimigo ganhar mais dois dragões,
estamos perdidos.”

Apenas Lorde Corlys falou em defesa das sementes, declarando que Sor Addam
e seu irmão, Alyn, eram “verdadeiros Velaryon”, herdeiros legítimos de Derivamarca. E
sobre a garota, podia ser suja e feia, mas mostrara valentia na Batalha da Goela. “Assim
como os Dois Traidores,” rebateu Lorde Celtigar.

Os exaltados protestos da Mão foram em vão. Todos os medos e suspeitas da


rainha haviam despertado. Ela fora traída tantas vezes, por tantos, que era rápida em esperar
o pior de qualquer um. Traição não a surpreendia mais. Ela esperava por isso, mesmo dos
que mais amava.

A Rainha Rhaenyra ordenou que Sor Luthor Largent comandasse vinte mantos
dourados ao Poço dos Dragões e prendesse Sor Addam Velaryon. E assim traição gerou mais
traição, arruinando a rainha. Quando Sor Luthor Largent e seus mantos dourados
cavalgaram para o topo da Colina de Rhaenys com o mandado da rainha, as portas do Poço
se abriram e Seasmoke abriu suas asas cinza-pálido e voou, fumaça subindo de suas narinas.
Sor Addam Velaryon havia sido avisado a tempo de escapar. Frustrado e furioso, Sor Luthor
retornou para a Fortaleza Vermelha, onde irrompeu dentro da Torre da Mão e colocou as
mãos ásperas sobre o velho Lorde Corlys, acusando-o de traição. E o velho não negou.
Amarrado e espancado, mas ainda em silêncio, ele foi levado às masmorras e jogado numa
cela negra à espera de seu julgamento e execução.

E as histórias sobre a matança em Tumbleton se espalharam pela cidade… e com


elas, o terror. Porto Real seria a próxima, corria de boca em bocca. Dragão lutaria com
dragão, e nessa hora a cidade certamente queimaria. Temendo os inimigos que estavam à
caminho, centenas tentaram fugir, apenas para serem mandados de volta pelos mantos
dourados. Trancados dentro das muralhas da cidade, alguns buscaram abrigo em porões
profundos contra a tempestade que temiam estar por vir, enquanto outros se voltaram para
orações, para a bebida e aos prazeres encontrados entre as coxas de uma mulher. Com o cair
da noite, as tavernas da cidade, bordéis e septos estavam a ponto de rebentar com homens e
mulheres em busca de consolo ou abrigo contra o horror que poderia vir.

Um tipo diferente de caos reinava em Tumbleton, a seis léguas a sudoeste.


Enquanto Porto Real se acovardava de terror, os inimigos que eles temiam ainda não haviam
dado um passo para fora da cidade, porque os lealistas do Rei Aegon se encontravam sem
líder, atingidos por divisão, conflito e dúvida. Ormund Hightower jazia morto, junto com
seu primo, Sor Bryndon, o mais famoso cavaleiro de Vilavelha. Seus filhos haviam ficado na
Torralta, a milhares de léguas para trás, e eram garotos verdes. E apesar de Lorde Ormund
ter nomeado Daeron Targaryen como “Daeron, o Ousado”, e elogiado sua coragem em
batalha, o príncipe ainda era um garoto. O mais jovem dos irmãos do Rei Aegon, havia
crescido sob a sombra dos irmãos mais velhos, e havia sido mais comandado do que
comandara. O Hightower mais velho que sobrara com o exército era Sor Hobert, outro dos
primos de Lorde Ormund, até então apenas chefe do comboio de bagagem. Um homem “tão
forte quanto lento”, Hobert Hightower vivera sessenta anos sem se distinguir, e no entanto
agora presumia-se que ele tomaria o comando do exército devido ao seu parentesco com a
Rainha Alicent.

Raramente outra vila ou cidade na história dos Sete Reinos fôra sujeita a um
saque tão crue ou selvagem como o de Tumbleton após as Traições. O Príncipe Daeron
estava enojado com tudo o que vira e ordenou que Sor Hobert Hightower pusesse um fim
àquilo, mas os esforços de Hightower provaram ser tão inúteis quanto o próprio homem.

Os piores crimes foram aqueles cometidos pelos Dois Traidores, os domadores


Hugh Hammer e Ulf White. Sor Ulf entregou-se à babida, mergulhando em vinho e carne.
Aqueles que não conseguiram agradá-lo foram entregues para alimentar seu dragão. O título
de cavaleiro que a Rainha Rhaenyra lhe havia dado não era suficiente. Nem ele se satisfez
quando o Príncipe Daemon o nomeou Senhor de Ponteamarga. White tinha um prêmio
maior em mente: ele desejava nada menos do que tomar Jardim de Cima, declarando que os
Tyrell não haviam tomado parte na Dança, de modo que deviam ser tratados como traidores.

As ambições de Sor Ulf poderiam ser consideradas modestas quando


comparadas às de seu companheiro vira casaca, Hugh Hammer. Filho de um ferreiro
comum, Hammer era um homem enorme, com mãos tão fortes que diziam ser capazes de
entortar barras de aço nos torques. Apesar de não ter sido treinado na arte da guerra, seu
tamanho e força o tornavam um inimigo temível. Sua arma preferida era um martelo de
guerra com o qual ele se lançava ao esmagamento, matando a pancadas. Na batalha ele
montava Vermithor, outrora montaria do próprio Velho Rei; de todos os dragões em
Westeros, apenas Vhagar era mais velho ou maior. Por todas essas razões, Lorde Hammer
(como ele se proclamava agora) começava a sonhar com uma coroa. “Porque ser um lorde
quando você pode ser um rei?”, ele dizia aos homens que começavam a se reunir em torno
dele.

Nenhum dos Dois Traidores parecia ansioso a ajudar o Príncipe Daeron a


pressionar um ataque a Porto Real. Eles tinham um grande exército, e três dragões de apoio,
embora a rainha também tivesse três dragões (o melhor que sabiam), e teria cinco quando o
Príncipe Daemon retornasse com Nettles. Lorde Peake preferiu adiar qualquer avanço até
que Lorde Baratheon pudesse trazer seu poder de Ponta Tempestade para se juntar a eles,
enquanto Sor Hobert desejava retornar à Campina para reabastecer seus suprimentos que
minguavam rapidamente. Nenhum deles parecia se preocupar com seu exército parecer estar
diminuindo a cada dia, derretendo como o orvalho da manhã à medida que mais e mais
homens desertavam, fugindo para suas casas e colheitas com toda a pilhagem que podiam
carregar.

A longas léguas para o norte, num castelo com vista para a Baía dos
Caranguejos, outro lorde se encontrava à caminho do fio da espada. De Porto Real viera um
corvo trazendo uma mensagem da rainha a Manfryd Mooton, Senhor de Lagoa da Donzela:
ele deveria entregar a cabeça da garota bastarda Nettles, que diziam ter tomado o Príncipe
Daemon como amante e que, por isso, havia sido considerada culpada pela rainha de alta
traição. “O senhor meu marido não deve sofrer nenhum dano, o Príncipe Daemon da Casa
Targaryen,” Sua Graça ordenou. “Envie-o de volta a mim quando a ação estiver feita, porque
temos necessidade urgente dele.”

Meistre Norren, guardião das Crônicas de Lagoa da Donzela, diz que quando
seu senhor leu a carta da rainha ficou tão abalado que perdeu a voz. E sua voz não retornou
até que tomou três copos de vinho. Então Lorde Mooton buscou o capitão de sua guarda, seu
irmão e seu campeão, Sor Florian Greysteel. Ordenou ao mestre que ficasse também. Assim,
ele leu para eles a carta da rainha e buscou seu conselho.

“A coisa pode ser facilmente feita,” disse o capitão da guarda. “O príncipe


dorme ao lado dela, mas está velho. Três homens devem ser suficientes para subjugá-lo e
impedir sua interferência, mas eu enviaria seis para ter certeza. O meu senhor deseja que isso
seja feito esta noite?”

“Seis homens ou dezesseis, ele continua sendo Daemon Targaryen,” o irmão de


Lorde Mooton objetou. “Um sonífero em seu vinho da noite seria um caminho mais sábio.
Deixe-a acordar e encontrá-la morta.”

“A garota é apenas uma criança, apesar de suas traições,” disse Sor Florian,
aquele velho cavaleiro, cinzento, grisalho e severo. “O Velho Rei jamais pediria isso, nem
nenhum homem honrado.”

“Estes são momentos sujos,” disse Lorde Mooton, “e é uma decisão suja a que
essa rainha me pede. A garota é uma convidada sob meu teto. Se eu obedecer, Lagoa da
Donzela poderá ficar amaldiçoada. Se eu me recusar, poderemos ser condenados e
destruídos.”

Ao que seu irmão respondeu, “Pode ser que sejamos destruídos não importa a
decisão que tomemos. O príncipe gosta de sua garota morena, e seu dragão está próximo.
Um lorde sábio mataria os dois, para que o príncipe não queime Lagoa da Donzela em sua
fúria.”

“A rainha proibiu que ele sofresse qualquer dano,” lembrou-lhes Lorde Mooton,
“e matar dois convidados em suas camas é duas vezes mais sujo do que matar um. Eu seria
duas vezes amaldiçoado.” Então suspirou e disse: “Eu nunca deveria ter lido essa carta.”

No que respondeu Meistre Norren, dizendo, “Talvez você não tenha feito.”

O que foi dito depois é desconhecido. Tudo o que sabemos é que o meistre, um
homem jovem de vinte e dois anos, encontrou o Príncipe Daemon e a garota Nettles em sua
ceia noturna, e mostrou a carta da rainha. Após lê-la, o Príncipe Daemon disse, “Palavras de
uma rainha, trabalho de uma vadia.” Então desembainhou sua espada e perguntou se os
homens de Lorde Mooton estavam esperando do lado de fora da porta para tomá-los cativos.
Quando foi dito que o meistre viera sozinho em segredo, o Príncipe Daemon guardou sua
espada, dizendo, “Você é um mau meistre, mas um bom homem,” e o deixou ir, ordenando
que o meistre “não dissesse nenhuma palavra daquilo ao lorde até o dia seguinte.”

Como o príncipe e sua garota bastarda gastaram sua última noite embaixo do
teto de Lorde Mooton não é lembrado, mas eles apareceram juntos no jardim quando a
aurora arrebentou, e o Príncipe Daemon ajudou Nettles a montar Sheepstealer pela última
vez. Era costume dela alimentá-lo todos os dias antes de voar; dragões se mostravam mais
manuseáveis por seus domadores quando saciados. Naquela manhã ela o alimentou com um
carneiro negro, o maior em Lagoa da Donzela, tendo cortado ela mesma a garganta do
carneiro. Seus arreios estavam manchados de sangue quando ela montou seu dragão, Meistre
Norren recorda, e “suas bochechas estavam manchadas de lágrimas.” Nenhuma palavra foi
dita entre homem e amante, mas quando Sheepstealer bateu suas asas marrons e despencou
para o céu da alvorada, Caraxes ergueu a cabeça e deu um grito que rachou cada janela na
Torre de Jonquil. No alto sobre a cidade, Nettles virou seu dragão rumo à Baía dos
Caranguejos, e sumiu nas brumas da manhã, nunca mais sendo vista de novo em nenhuma
corte ou castelo.
Daemon Targaryen retornou ao castelo pelo tempo suficiente de quebrar seu
jejum com Lorde Mooton. “Essa será a última vez que você me verá,” ele disse ao seu
anfitrião. “Agradeço por sua hospitalidade. Deixe que todo seu território fique sabendo que
eu voei para Harrenhal. Se meu sobrinho Aemond desejar me enfrentar, vai me encontrar lá,
sozinho.”

Assim, o Príncipe Daemon deixou Lagoa da Donzela pela última vez. Quando
ele se foi, Meistre Norren foi ao seu senhor para dizer, “Tome a corrente de meu pescoço e
amarre minhas mãos com ela. Você precisa me entregar para a rainha. Quando eu dei o aviso
a uma traidora e permiti que escapasse, me tornei traidor também.” Lorde Mooton recusou.
“Mantenha sua corrente,” disse seu senhor. “Todos somos traidores aqui.” E naquela noite,
os estandartes da Rainha Rhaenyra que balançavam sobre os portões de Lagoa da Donzela
foram retirados, e os dragões dourados do Rei Aegon II colocados em seu lugar.

Nenhum estandarte voava sobre as torres enegrecidas e fortalezas arruinadas de


Harrenhal quando o Príncipe Daemon desceu dos céus para tomar o castelo para seu uso.
Uns poucos posseiros haviam achado abrigo nas abóbadas e celas subterrênas do castelo, mas
o som das asas de Caraxes os mandaram embora. Quando o último deles havia partido,
Daemon Targaryen percorreu os salões cavernosos da sede de Harren sozinho, com
nenhuma companhia além da do seu dragão. Toda noite, no crepúsculo, ele golpeou a árvore
coração no bosque sagrado para marcar a passagem de outro dia. Treze marcas ainda são
visíveis no represeiro; velhas feridas, profundas e escuras, mas os lordes que já governaram
Harrenhal desde a época de Daemon dizem que eles sangram toda primavera.

No décimo quarto dia da vigília do príncipe, uma sombra surgiu sobre o castelo,
mais negra do que qualquer nuvem. Todos os pássaros no bosque sagrado voaram de susto, e
um vento quente chicoteou as folhas caídas por todo o pátio. Vhagar viera afinal, e em suas
costas montava o caolho Príncipe Aemond Targaryen, trajando uma armadura negra como a
noite e raiada de dourado.

Ele não viera sozinho. Alys Rivers voava com ele, seu longo cabelo preto fluindo
atrás dela, sua barriga inchada com uma criança. O Príncipe Aemond circulou duas vezes
sobre as torres de Harrenhal, então trouxe Vhagar para baixo no pátio externo, com Caraxes
uma centena de metros à distância. Os dragões olharam malignamente um para o outro, e
Caraxes abriu as asas e assobiou, chamas atravessando seus dentes.

O príncipe ajudou sua mulher a descer das costas de Vhagar, e então virou=se
para o tio. “Tio, ouvi que estava procurando por nós.”

“Apenas por você,” Daemon replicou. “Quem lhe disse onde me encontrar?”

“Minha senhora,” Aemond respondeu. “Ela viu você numa nuvem de tempestade, num lago
de montanha ao anoitecer, no fogo em que cozinhamos nossa ceia. Ela vê muito e ainda
mais, minha Alys. Você foi tolo em vir sozinho.”

“Se eu não estivesse sozinho, você não teria vindo,” disse Daemon.

“Aí está você, e aqui estou eu. Você viveu por tempo demais, tio.”
“Nisso concordamos,” Daemon replicou. Então o velho príncipe fez Caraxes
dobrar o pescoço e subiu com firmeza em suas costas, enquanto que o jovem príncipe beijou
sua mulher e saltou levemente para Vhagar, tendo o cuidado de prender as quatro cadeias
curtas entre correia e sela. Daemon deixou suas próprias correntes balançando. Caraxes
assobiou de novo, enchendo o ar de chamas, e Vhagar respondeu com um rugido. Como se
fossem um, os dois dragões se lançaram ao céu.

O Príncipe Daemon guiou Caraxes para cima rapidamente, açoitando-o com um


chicote de ponta de aço até desaparecer num monte de nuvens. Vhagar, mais velho e muito
maior, era também mais lento, pesado devido ao tamanho, e subiu mais devagar, fazendo
círculos cada vez maiores até levar seu piloto acima das águas do Olho de Deus. Era tarde, o
sol estava perto de nascer, e o lago estava calmo, sua superfície brilhando como folha de
cobre batido. Para cima e para cima ele subiu, procurando por Caraxes enquanto Alys Ryvers
assistia do topo da Torre da Pira do Rei em Harrenhal.

O ataque foi tão súbito quanto o raio. Caraxes mergulhou sobre Vhagar com um
grito estridente que foi ouvido a uma dúzia de quilômetros de distância, envolto pelo brilho
do sol no lado cego do Príncipe Aemond. O Wyrm Vermelho bateu no dragão mais velho
com força terrível. Seus rugidos ecoaram sobre o Olho de Deus enquanto os dois lutavam e
se rasgavam, escuros contra o céu vermelho. Tão brilhantes eram suas chamas que os
pescadores lá embaixo temeram que as nuvens tivessem pegado fogo. Atracados, os dragões
caíram em direção ao lago. As mandíbulas do Wyrm Vermelho fechadas na garganta de
Vhagar, seus dentes negros afundando na carne do dragão maior. As garras de Vhagar
abriam a barriga do outro e seus dentes arrancaram uma asa, Caraxes mordeu mais fundo,
não se preocupando com as feridas ou com o lago que se aproximava rapidamente.

E foi então que, segundo os contos, o Príncipe Daemon passou uma perna por
cima da sela e saltou de um dragão para outro. Na mão, ele tinha a Irmã Negra, a espada da
Rainha Visenya. Aemond Caolho o olhou aterrorizado, lutando contra as correntes que o
prendiam à cela, e Daemon arrancou o elmo de seu sobrinho e enterrou a espada em seu olho
cego, tão fundo que a lâmina atravessou sua garganta. Meio segundo depois, os dragões
atingiram a água, erguendo uma onda tão alta que, segundo dizem, foi maior em altura do
que a Torre da Pira do Rei.

Nem homem e nem dragão poderiam sobreviver a tal impacto, disseram os


pescadores. E nem o fizeram. Caraxes sobreviveu o suficiente para rastejar de volta à terra.
Com uma asa arrancada, eviscerado e com as águas fervendo ao seu redor, o Wyrm
Vermelho encontrou forças para se arrastar à praia, morrendo junto às muralhas de
Harrenhal. A carcaça de Vhagar afundou no lago, o sangue quente de sua ferida na garganta
fazendo a água ferver em sua última morada. Quando foi encontrado alguns anos mais tarde,
após o fim da Dança dos Dragões, os ossos do Príncipe Aemond continuavam acorrentados
ao seu torso, com a Irmã Negra atravessada em sua cavidade ocular.

O Príncipe Daemon morreu também, não duvidamos. Seus restos nunca foram
encontrados, mas há correntes estranhas nesse lago, e peixes famintos também. Os cantores
dizem que o velho príncipe sobreviveu à queda e depois fez seu caminho de volta à garota
Nettles, para passar o resto de seus dias ao seu lado. Contos para histórias charmosas, mas
pobres em conteúdo.

Foi no vigésimo-segundo dia da quinta lua do ano de 130 AL quando os dragões


dançaram e morreram sobre o Olho de Deus. Daemon Targaryen tinha quarenta e nove anos
quando morreu; o Príncipe Aemond só tinha vinte. Vhagar, o maior dos dragões Targaryen
desde o falecido Balerion, o Terror Negro, contara cento e oitenta e um anos sobre a terra.
Assim morria a última criatura viva dos dias de Aegon, o Conquistador, e noite e escuridão
engoliam a sede amaldiçoada de Harren. Entretanto, tão poucos estavam presentes para
presenciar a última batalha do Príncipe Daemon que a notícia demoraria um pouco a se
espalhar.

De volta à Porto Real, a Rainha Rhaenyra se encontrava cada vez mais isolada a
cada nova traição. O suspeito vira-casaca Addam Velaryon fugira voando antes que ela
pudesse lhe impôr a questão. Ao ordenar a prisão de Addam Velaryon, ela não apenas
perdera um dragão e um domador, mas sua Mão da Rainha também… e da metade do
exército que velejara de Pedra do Dragão para manter o Trono de Ferro, sendo jurados à
Casa Velaryon. Quando se tornou conhecido que Lorde Corlys apodrecia numa masmorra
sob a Fortaleza Vermelha, eles começaram a abandonar a causa dela às centenas. Alguns
fizeram seu caminho para a Praça do Sapateiro, juntando-se à multidão que se reunira ali,
enquanto outros deslizaram para os portões e muralhas, tentando fazer seu caminho de volta
à Derivamarca. Nem os que haviam permanecido podiam ser considerado confiáveis.

Naquele mesmo dia, não muito depois do pôr-do-sol, outro horror visitou a corte
da rainha. Helaena Targaryen, irmã, esposa e rainha do Rei Aegon II e mãe de seus filhos, se
atirou da janela da Fortaleza de Maegor apenas para morrer empalada sobre as lanças de ferro
que cercavam o fosso seco em volta. Ela tinha vinte e um anos.

Na madrugada, um conto escuro era relatado nas ruas e avenidas de Porto Real,
nas pousadas, bordéis e lojas de panelas, até nos septos sagrados. A Rainha Helaena fora
assassinada, os sussurros diziam, e seus filhos antes dela. O Príncipe Daeron e seus dragões
logo estariam nos portões, e com eles o fim do reinado de Rhaenyra. A velha rainha
determinara que sua jovem meia irmã não deveria viver para saborear sua queda, então
enviara Sor Luthor Largent para agarrar Helaena com suas mãos enormes e ásperas e jogá-la
da janela para as lanças abaixo.

O rumor do “assassinato” da Rainha Helaena logo estava nos lábios de metade


de Porto Real. Foi espetacular o modo como a cidade se voltou para sua outrora amada
rainha. Rhaenyra era odiada; Helaena fôra amada. Nem os plebeus da cidade haviam
esquecido o cruel assassinato do Príncipe Jaehaerys por Sangue e Queijo. O fim de Helaena
tivera um meio mais misericordioso; uma das lanças atravessara sua garganta e ela morrera
sem emitir um som. No momento de sua morte, do outro lado da cidade, no topo da Colina
de Rhaenys, seu dragão Dreamfyre dera um rugido que balançara o Poço dos Dragões,
quebrando duas das correntes que o atavam. Quando a Rainha Alicent ficou sabendo da
morte da filha, rasgou as vestes e pronunciou uma maldição horrível contra sua rival.

Floresceu uma sangrenta revolta em Porto Real naquela noite.

Os tumultos começaram entre os becos e travessas da Baixada das Pulgas. com


homens e mulheres saindo de bares, buracos de rato e lojas de panelas às centenas, furiosos,
bêbados e com medo. Dali, os revoltosos se espalharam pela cidade, clamando justiça pelos
príncipes mortos e sua mãe assassinada. Carroças e gôndolas foram tombados, lojas
saqueadas, casas defraudadas e depois incendiadas. Os mantos dourados que tentaram
sufocar os tumultos foram atacados e espancados violentamente. Ninguém foi poupado, nem
os de alto ou os de baixo nascimento. Lordes foram bombardeados com lixo, cavaleiros
empurrados de suas celas. A Senhora Darla Deddlings viu seu irmão Davos ser apunhalado
no olho quando tentou defendê-la de três cavalariços bêbados que queriam estuprá-la.
Marinheiros incapazes de retornar ao seus navios atacaram o Portão do Rio e travaram uma
batalha campal contra a Patrulha da Cidade. Foi preciso Sor Luthor Largent e quatrocentas
lanças para dispersá-los. Nesse ponto, metade do portão havia sido deixado em pedaços, e
cem homens estavam mortos ou morrendo, um quarto deles sendo mantos dourados.

Na Praça do Sapateiro, os sons da revolta podiam ser ouvidos por todo o canto.
A Patrulha da Cidade veio em peso, quinhentos homens vestidos de cota de malha preta,
elmos de aço e longas capas douradas, armados com espadas pequenas, lanças e porretes com
espinhos. Fizeram sua formação no lado sul da praça, atrás de uma parede de escudos e
lanças. À sua frente cavalgava Sor Luthor Largent num cavalo de combate, uma longa espada
em sua mão. A mera visão dele era suficiente para enviar centenas fluindo de volta aos becos,
travessas e ruas laterais. Centenas fugiram quando Sor Luthor ordenou que os mantos
dourados avançassem.

Dez mil ficaram, contudo. A multidão era tanta que muitos que poderiam ter fugido
alegremente simplesmente não puderam, empurrados e pisoteados pelos outros. Outros
avançaram de braços dados, e começaram a gritar e amaldiçoar, enquanto as lanças
avançavam ao ritmo de um tambor. “Abram caminho, tolos sangrentos,” rugiu Sor Luthor.
“Vão pra casa. Nenhum mal lhes acontecerá. Vão pra casa!”

Alguns dizem que o primeiro homem a morrer era um padeiro, que gemeu de
surpresa quando a ponta de uma lança espetou sua carne e ele viu seu avental se tornar
vermelho. Outros alegam que foi uma garotinha, atropelada pelo corcel de guerra de Sor
Luthor. Uma pedra veio voando da multidão, atingindo um lanceiro na têmpora. Maldições e
gritos foram ouvidos, paus, pedras e penicos choveram do topo dos prédios, um arqueiro do
outro lado da praça começou a perder seus eixos. Uma tocha foi jogada num vigia, e rápido o
manto dourado estava queimando.

Os mantos dourados eram homens grandes, fortes, disciplinados, bem armados


e com boas armaduras. Durante vinte metros ou mais sua parede de escudos aguentou, e eles
fatiaram uma estrada sangrenta no meio da multidão. Mas eles eram apenas quinhentos, e
dezenas de milhares de revoltosos haviam se reunido. Um vigia caiu, depois outro. De
repente, plebeus foram atravessando por entre as lacunas na linha, atacando com facas,
pedras, até mesmo com os dentes, enxameando sobre a Patrulha da Cidade e seus flancos,
atacando de trás, arremessando telhas de telhados e varandas.

A batalha se tornou um tumulto, e o tumulto se tornou um massacre. Cercados


por todos os lados, os mantos dourados se viram cercados e esmagados, sem espaço para
empunhar suas armas. Muitos morreram na ponta de suas próprias espadas. Outros foram
feitos em pedaços, chutados até a morte, pisoteados, cortados em pedaços com enxadões e
cutelos de açougueiro. Nem mesmo o temível Sor Luthor Largent foi capaz de escapar à
carnificina. Com a espada arrancada das mãos, Largent foi empurrado da cela, apunhalado na
barriga e espancado até a morte com um paralelepípedo, seu elmo e cabeça tão esmagados
que só seu tamanho tornou possível o reconhecimento de seu cadáver quando as caçambas de
cadáveres vieram no dia seguinte.

Durante essa longa noite, o caos dominou mais de metade da cidade, enquanto
estranhos senhores e reis tentavam se apossar do resto. Um cavaleiro andante chamado Sor
Perkin, a Pulga, coroou seu próprio escudeiro, Trystane, um adolescente de dezesseis anos,
declarando que ele era um filho ilegítimo do falecido Rei Viserys. Qualquer cavaleiro pode
sagrar outro cavaleiro, e quando Sor Perkin começou a fazê-lo com cada mercenário, ladrão e
açougueiro que passou para o lado do estandarte esfarrapado de Trystane, homens e garotos
apareceram às centenas para se oferecer à sua causa.

Pela madrugada, incêndios eram vistos por toda a cidade, a Praça do Sapateiro
transbordava de cadáveres, e bandos de foras-da-lei percorriam a Baixada das Pulgas,
invadindo lojas e casas e colocando as mãos ásperas em qualquer pessoa honesta que
encontravam. Os mantos dourados sobreviventes haviam se retirado para seus quartéis,
enquanto cavaleiros de sarjeta, reis pantomimeiros e profetas loucos governavam as ruas.
Como se fossem baratas, os piores entre esses fugiram diante da luz para seus esconderijos e
adegas com intenção de dormir, dividir o saque e lavar o sangue das mãos. Os mantos
dourados do Velho Portão e do Portão do Dragão fizeram uma surtida sob o comando de
seus capitães, Sor Balon Byrch e Sor Garth, o Leporino, e ao meio dia haviam conseguido
restaurar a aparência de ordem nas ruas ao norte e oeste da Colina de Rhaenys. Sor Medrick
Manderly, liderando uma centena de homens de Porto Branco, fez o mesmo com a área
nordeste da Colina de Aegon, sob o Portão de Aço.

O resto de Porto Real permanecia no caos. Quando Sor Torrhen Manderly


liderou seus nortenhos para o Gancho, ele encontrou a Praça do Peixeiro e o Caminho do Rio
sob o comando dos cavaleiros de sarjeta de Sor Perkin. No Portão do Rio, o “Rei” Trystane
erguera seu estandarte sobre as ameias, enquanto os corpos de seu capitão e de três de seus
sargentos pendiam da guarita. O que restava da guarnição do “Portão da Lama” estava com
Sor Perkin. Sor Torrhen perdeu um quarto de seus homens lutando para voltar à Fortaleza
Vermelha… escapando ligeiramente se comparado a Sor Lorent Marbrand, que liderara uma
centena de cavaleiros e homens de armas para a Baixada das Pulgas. Dezesseis retornaram.
Sor Lorent, Senhor Comandante da Guarda Real, não estava entre eles.

Ao cair da noite, Rhaenyra se viu atingida por todos os lados, seu reino em
ruínas. Ela se enfureceu ao descobrir que Lagoa da Donzela passara para o lado do inimigo,
que aquela garota Nettles escapara, que seu amado marido a traíra, e ela tremeu quando Lady
Mysaria a alertou da escuridão que viria, e que aquela noite seria pior do que a anterior. Ao
amanhecer, uma centena de homens comparecera à sua sala do trono, mas um a um eles
fugiram.

Sua Graça oscilou da fúria ao desespero, e de volta à fúria, se agarrando tão


desesperadamente ao Trono de Ferro que ambas as suas mãos estavam ensanguentadas ao
pôr-do-sol. Ela deu ordens aos mantos dourados através de Sor Balon Byrch, capitão do
Portão de Ferro, enviou corvos a Winterfell e ao Ninho, pedindo mais ajuda, fez um decreto
de proscrição elaborado contra os Mooton de Lagoa da Donzela, e nomeou o jovem Sor
Glendon Goode como comandante de sua Guarda da Rainha. (Apesar de ter apenas vinte
anos, e de ser membro das Espadas Brancas a menos de uma virada de lua, Goode havia se
distinguido durante a batalha na Baixada das Pulgas mais cedo naquele dia. Foi ele quem
trouxera o corpo de Sor Lorent, impedindo que os revoltosos o conspurcassem.)

Aegon, o Jovem, não saía do lado da mãe e raramente falava uma palavra. O
Príncipe Joffrey, de treze anos, colocou sua armadura de escudeiro e implorou à rainha que o
deixasse cavalgar ao Poço dos Dragões e montar Tyraxes. “Eu quero lutar por você, mãe,
como meus irmãos fizeram. Deixe-me provar que sou tão valente quanto eles eram.” Suas
palavras apenas aprofundaram a decisão de Rhaenyra, no entanto. “Bravos eles eram, e
mortos eles estão, os dois. Meus doces meninos.” E mais uma vez, Sua Graça proibiu o
príncipe de deixar o castelo.

Com o pôr do sol, os vermes de Porto Real emergiram mais uma vez de seus
buracos de rato, esconderijos e adegas, em números ainda maiores do que os da noite
anterior.

No Portão do Rio, Sor Perkin divertiu-se com seus cavaleiros de sarjeta


roubando comida e liderando-os abaixo da zona ribeirinha, saqueando cais, armazéns, e
qualquer navio que não tivesse sido posto no mar. Apesar de Porto Real ter muralhas
maciças e torres altas, elas haviam sido projetadas para repelir ataques vindos de fora, não de
dentro das muralhas. A guarnição do Portão dos Deuses estava especialmente fraca, com seu
capitão e um terço de seu número tendo morrido com Sor Luthor Largent na Praça do
Sapateiro. Os que ficaram, muitos feridos, foram facilmente sobrepujados pelas hordas de
Sor Perkin.

Depois de ter passado uma hora, o Portão do Rei e o Portão do Leão estavam
abertos também. Os homens de manto dourado do primeiro haviam fugido, enquanto os
“leões” no outro haviam jogado com a turba. Três dos sete portões de Porto Real estavam
abertos para os inimigos de Rhaenyra.

A mais terrível ameaça ao reinado da rainha provou estar dentro da cidade, no


entanto. Pela madrugada, outra multidão se reuniu na Praça do Sapateiro, duas vezes maior e
três vezes mais temível do que a da noite anterior. Como a rainha que eles tanto
desprezavam, a multidão estava olhando para o céu com medo, temendo que os dragões do
Rei Aegon pudessem chegar antes que a noite acabasse seguidos de um exército. Eles não
acreditavam que a rainha pudesse protegê-los.

Quando um louco e maneta profeta chamado Pastor começou a pregar contra os


dragões, não apenas aqueles que vinham atacá-los, mas todos os dragões, a turba, meio
enlouquecida, escutou. “Quando os dragões vierem,” ele gritou, “sua carne vai queimar e
empolar e se tornar cinzas. Suas esposas irão dançar em vestes de fogo, gritando enquanto
queimam, obscenas e nuas debaixo das chamas. E vocês verão suas crianças chorando,
chorando enquanto sua carne rosada cai negra e crepitante de seus ossos. Orações não
deterão sua fúria, não mais do que lágrimas resfriam o fogo dos dragões. Apenas sangue pode
fazer isso. Seu sangue, meu sangue, o sangue deles.” Então ele ergueu o coto de seu braço
direito e apontou para a Colina de Rhaenys acima dele, o Poço dos Dragões negro contra as
estrelas. “Ali os demônios habitam, ali em cima. Essa é a cidade deles. Se quiserem fazê-la
sua, primeiro devem destruí-los! Se quiserem se limpar dos pecados, primeiro devem se
banhar em sangue de dragão! Porque apenas sangue pode apagar os fogos do inferno!”

De dez mil gargantas um grito subiu. “Matá-los! Matá-los!” E como uma fera
hedionda com dez mil pernas, as ovelhas do Pastor começaram a se mover, empurrando,
brandindo suas tochas, empunhando espadas, facas e outros, armas brutas, andando e
correndo pelas ruas e avenidas para o Poço dos Dragões. Alguns pensaram melhor e fugiram
para casa, mas para cada homem que partiu, três outros apareceram para se juntar a esses
assassinos de dragão. A tempo de alcançar a Colina de Rhaenys, seus números haviam
dobrado.
No topo da Alta Colina de Aegon, do outro lado da cidade, a Rainha assistia o
desenrolar do ataque com seus filhos e os membros de sua corte. A noite estava nublada e
escura, as tochas eram tão numerosas que era como se todas as estrelas tivessem descido do
céu para invadir o Poço dos Dragões. Tão logo recebera a notícia de que a turba enraivecida
se pusera em marcha, Rhaenyra enviara cavaleiros a Sor Balon no Velho Portão e a Sor
Garth no Portão do Dragão, ordenando-os que dispersassem a multidão e defendessem os
dragões reais… mas qcom a cidade em tal turbulência, ela estava longe de estar certa de que
os mensageiros conseguiriam chegar aos seus destinos. E mesmo que conseguissem, os
mantos dourados leais que haviam restado eram poucos demais para se ter qualquer
esperança de sucesso. Quando o Príncipe Joffrey pediu à sua mãe que o deixasse partir com
os seus cavaleiros e os de Porto Branco, a rainha recusou. “Se eles tomarem aquela colina,
essa será a próxima, “ela disse. “Precisaremos de toda espada que tivermos para defender o
castelo.”

“Eles vão matar os dragões,” disse o Príncipe Joffrey, angustiado.

“Ou os dragões vão matá-los,” sua mãe disse, imóvel. “Deixe-os queimar. O
reino não sentirá falta deles.”

“Mãe, e se eles matarem Tyraxes?” o jovem príncipe disse.

A rainha não acreditava nisso. “Eles são vermes. Bêbados, tolos e ratos de
sarjeta. Ao sentirem o gosto do fogo de dragão, eles vão correr.

No que o bobo da corte, Cogumelo, se ergueu, dizendo, “Bêbados eles podem


ser, mas homens bêbados não conhecem o medo. Tolos, também, mas um tolo pode matar
um rei. Ratos, isso também, mas mil ratos podem derrubar um urso. Eu vi isso acontecer
uma vez, lá na Baixada das Pulgas.” Sua Graça se voltou para o parapeito.

Foi apenas aí que os que assistiam no teto ouviram Syrax rugir que veio a
notícia de que o príncipe tinha escapado. “Não,” ouviram a rainha dizer, “Eu proibí, eu
proibí,” mas enquanto ela falava, seu dragão voou sobre o jardim, empoleirou-se durante
meio segundo sobre as ameias do castelo, e então se lançou para a noite com o filho da rainha
agarrado em suas costas, a espada na mão. “Atrás dele,” Rhaenyra gritou, “todos vocês, cada
homem, cada menino, a cavalo, vão atrás dele. Tragam-no de volta, tragam-no de volta, ele
não sabe. Meu filho, meu doce, meu filo…”

Mas era tarde demais.

Não vamos fingir ter qualquer compreensão sobre o vínculo entre o domador e o dragão;
cabeças mais sábias ponderam sobre esse mistério há séculos. O que sabemos, no entanto, é
que dragões não são cavalos para serem montados por qualquer homem que puser uma sela
em suas costas. Syrax era o dragão da rainha. Ele jamais conhecera outro montador. Sendo o
Príncipe Joffrey conhecido dele por sua visão e cheiro, sua presença familiar desatando as
correntes não o alarmou, e o príncipe não percebeu que ele não o queria como domador. Em
sua ânsia de partir antes que pudesse ser detido, o príncipe montara em Syrax sem cela ou
chicote. Sua intenção, nos presumimos, era ou voar em Syrax para a batalha ou, mais
provavelmente, cruzar a cidade até o Poço dos Dragões e seu dragão, Tyraxes. Talvez ele
também quisesse libertar os outros dragões do poço.
Joffrey nunca alcançou a Colina de Rhaenys. Uma vez no ar, Syrax se retorceu
embaixo dele, lutando para se livrar do passageiro desconhecido. E, abaixo, pedras, lanças e
flechas voaram a ele das mãos dos revoltosos, enlouquecendo o dragão ainda mais. Duzentos
pés acima da Baixada das Pulgas, o Príncipe Joffrey escorregou das costas do dragão e
mergulhou para o chão.

Próximo ao entrecruzar de cinco alamedas, o príncipe caiu para seu final


sangrento. Ele bateu primeiro sobre um telhado íngreme inclinado antes de cair sobre outro a
quarenta pés abaixo entre uma chuva de telhas quebradas. Sabemos que a queda quebrou sua
coluna, os cacos de telha choveram sobre ele como adagas e sua própria espada deslizou de
sua mão e lhe atravessou a barriga. Na Baixada das Pulgas, homens ainda falam da filha de
um fabricante de velas que embalou o príncipe em seus braços e lhe deu conforto enquanto
ele morria, mas há mais lenda do que história no conto. “Mãe, me perdoe,” Joffrey
supostamente teria dito com seu último suspiro… e os homens ainda discutem se ele estaria
falando com sua mãe, a rainha, ou com a Mãe do céu.

Assim pereceu Joffrey Velaryon, Príncipe de Pedra do Dragão e herdeiro do


Trono de Ferro, o último dos filhos de Rhaenyra com Laenor Velaryon… ou o último de seus
bastardos com Sor Harwin Strong, dependendo em qual verdade se decida acreditar.

E enquanto seu sangue corria pela travessa da Baixada das Pulgas, outra batalha
se desenrolava ao redor do Poço dos Dragões acima, no topo da Colina de Rhaenys.

Cogumelo não estava errado: multidões de ratos famintos podem derrubar


touros, ursos e leões quando há número suficiente deles. Não importa quantos o touro ou
urso possam matar, sempre há mais, mordendo as grandes pernas da fera, agarrando sua
barriga, subindo em suas costas. Assim aconteceu naquela noite. Esses ratos humanos
estavam armados com lanças, machados, porretes com espinhos e meia centena de outros
tipos de armas, incluindo arcos e bestas.

Mantos dourados do Portão do Dragão, obedientes à ordem da rainha, jorraram


de seus quartéis para defender a colina, mas se viram incapazes de atravessar a turba e
recuaram, enquanto que o mensageiro que fora ao Velho Portão nunca chegou. O Poço dos
Dragões possuía sua própria guarnição, mas eles eram poucos em número e logo foram
esmagados e assassinados quando a multidão irrompeu pelas portas (os imponentes portões
principais, revestidos de bronze e ferro, eram fortes demais para atacar, mas a construção
tinha um punhado de entradas menores) e vieram escalando pelas janelas.

Talvez os atacantes esperassem encontrar os dragões enquanto dormiam, mas o


barulho do ataque tornou isso impossível. Todos os que sobreviveram para contar falaram
dos berros e gritos, o cheiro de sangue no ar, a fragmentação das portas de ferro e carvalho
sob golpes de inúmeros machados. “Raramente tantos homens correram tão ansiosamente
para suas próprias piras funerárias,” Grande Meistre Munkun escreveu depois, “mas a
loucura estava com eles.” Havia quatro dragões no Poço dos Dragões. No momento em que
o primeiro dos atacantes surgiu sobre as areias, os quatro se ergueram, despertos e furiosos.

Os relatos não chegam a um consenso sobre quantos homens e mulheres


morreram naquela noite sob a cúpula do Poço dos Dragões: duzentos ou dois mil, seja como
for. Para cada homem que morreu, dez sofreram queimaduras e sobreviveram. Trancados no
poço, guardados pelas muralhas e cúpula e presos por pesadas correntes, os dragões não
podiam voar ou usar suas asas para evitar os ataques e derrubar os inimigos. Ao invés disso,
eles lutaram com chifres, garras e dentes, transformando-se dessa forma em touros num
poço cheio de ratos da Baixada das Pulgas… mas esses touros podiam respirar fogo. O Poço
dos Dragões se tornou um inferno flamejante onde homens queimando cambaleavam através
da fumaça e gritavam, a carne descamando de seus ossos enegrecidos, mas para cada homem
que morreu, dez outros apareceram, gritando que os dragões precisavam morrer. Um a um,
eles o fizeram.

Shrykos foi o primeiro dragão a sucumbir, assassinado por um lenhados


conhecido como Hobb, o Lenhador, que saltou para o pescoço dele e desceu seu machado em
seu crânio enquanto a fera rugia e balançava, tentando jogá-lo longe. Hobb deu sete golpes
com as pernas travadas em torno do pescoço do dragão, e a cada vez que seu machado desceu
ele rugiu o nome de um dos Sete. Foi o sétimo golpe, o golpe do Estranho, que matou o
dragão, destruindo escamas e ossos até o cérebro da fera.

Morghul, está escrito, foi morto pelo Cavaleiro Ardente, um grande e bruto
homem numa armadura pesada que irrompeu através das chamas do dragão com a lança nas
mãos, enfiando-a no olho da fera repetidamente enquanto o fogo derretia a placa de aço de
seu peito e devorava a carne.

O Tyraxes do Príncipe Joffrey recuou para o seu covil, dizem, tostando tantos
pretendentes a assassinos de dragão que vieram atrás dele que a entrada logo ficou bloqueada
com seus cadáveres. Mas lembre que cada uma dessas grutas artificiais possuía duas
entradas, uma em frente às areias do poço, a outra aberta para a colina, e logo os revoltosos
irromperam pela “porta de trás”, uivando através da fumaça com espadas, lanças e
machados. Quando Tyraxes se virou, suas correntes o derrubaram, e ele fatalmente se
enredou numa teia de aço que limitou seus movimentos. Meia dúzia de homens (e uma
mulher) mais tarde afirmavam ter dado o golpe final no dragão.

O último dos quatro dragões do poço não morreu facilmente. A lenda diz que
Dreamfyre se livrou de duas de suas correntes quando a Rainha Helaena morreu. Os
restantes ele arrancava agora, quebrando os apoios das paredes quando a multidão correu
para ele, depois mergulhando entre eles com dentes e garras, rasgando homens ao meio e
partindo seus membros, enquanto soltava suas terríveis chamas. Quando os outros caíram
sobre ele, o dragão voou, circulando o interior do Poço dos Dragões e atacando os homens
embaixo. Tyraxes, Shrykos e Morghul mataram dezenas, não há dúvida, mas Dreamfyre
matou mais do que os três juntos.

Centenas fugiram aterrorizados de suas chamas… mas centenas mais, bêbados,


loucos ou possuídos pela própria coragem do Guerreiro, irromperam para atacá-lo. Até
mesmo do ápice do domo, o dragão estava ao alcance dos arqueiros e besteiros, e flechas e
dardos voavam na direção de Dreamfyre não importa para onde ele se virasse, lançadas de
tão perto que algumas chegaram a atravessar suas escamas. Sempre que ela pousava, os
homens a atacavam, levando-a de volta para o ar. Duas vezes o dragão voou até os grandes
portões de bronze do Poço dos Dragões, apenas para encontrá-los fechados e defendidos por
fileiras de lanças.

Incapaz de fugir, Dreamfyre voltou a atacar, mordendo seus torturadores entre


as areias do poço onde jaziam montes de corpos carbonizados, e o próprio ar estava cheio de
fumaça e cheiro de carne queimada, mas ainda assim as lanças voaram. O fim veio quando
uma das flechas acertou um dos olhos do dragão. Meio cego, e enlouquecido por uma dúzia
ferimentos menores, Dreamfyre abriu suas asas e voou para cima, em direção à grande
cúpula numa última esperança de fugir para o céu aberto. Já enfraquecido pelos jatos de fogo
de dragão, o domo rachou com a força do impacto, e um momento depois metade daquilo
veio abaixo, esmagando tanto o dragão quanto seus assassinos sob toneladas de pedra britada
e entulho.

O Assalto ao Poço dos Dragões estava completo. Quatro dos dragões Targaryen
estavam mortos, embora a um custo hediondo. No entanto, o próprio dragão da rainha
permanecia vivo e livre… e quando os sobreviventes queimados e sangrando da carnificina
no poço saíram cambaleando das ruínas fumegantes, Syrax desceu sobre eles.

Mil gritos ecoaram pela cidade, se misturando ao rugido do dragão. No topo da


Colina de Rhaenys, o Poço dos Dragões usava uma coroa de fogo amarelo, queimando tão
brilhante que parecia o sol nascente. Até mesmo a rainha estremeceu enquanto observava, as
lágrimas brilhando em seu rosto. Muitos dos companheiros da rainha no telhado fugiram,
temendo que os incêndios logo engolissem a cidade inteira, até mesmo a Fortaleza Vermelha
no alto da Alta Colina de Aegon. Outros foram ao septo do castelo para orar por libertação.
Rhaenyra, por sua vez, passou os braços ao redor do seu último filho vivo, Aegon, o Jovem,
apertando-o com força contra o peito. E ela não o soltou… até que Syrax caiu.

Desacorrentado e sem ninguém sobre ele, Syrax podia ter facilmente voado para
longe da loucora. O céu era dele. Ele podia ter retornado à Fortaleza Vermelha, ou saído da
cidade rumo à Pedra do Dragão. Foi o barulho e o fogo que o atraíram para a Colina de
Rhaenys, os rugidos e gritos dos dragões morrendo, o cheiro de carne queimada? Não
podemos saber, não mais do que sabemos do porque Syrax escolheu descer sobre a multidão,
rasgando-o com unhas e dentes e devorando dúzias, quando ele podia simplesmente fazer
chover fogo de cima, porque dos céus nenhum homem poderia tê-lo ferido. Nós podemos
apenas reportar o que aconteceu.

Muitos contos conflitantes relatam a morte do dragão da rainha. Alguns


creditam Hobb, o Lenhador, e seu machado, embora isso seja quase que certamente um erro.
Poderia o mesmo homem realmente matar dois dragões na mesma noite e do mesmo jeito?
Alguns falam de um lanceiro anônimo, “um gigante encharcado de sangue” que saltou da
cúpula quebrada do Poço dos Dragões para as costas do dragão. Outros falam como um
cavaleiro chamado Sor Warrick Wheaton decepou a asas de Syrax com uma espada de aço
valiriano. Um arqueiro chamado Bean reivindicou a morte depois, gabando-se regado em
vinho em uma taverna, até que um dos lealistas da rainha se cansou e cortou sua língua fora.
A versão verdadeira ninguém nunca vai saber, exceto que Tyrax morreu naquela noite.

A perda dupla de seu dragão e filho deixaram Rhaenyra Targaryen pálida e


inconsolável. Ela se retirou para seus aposentos enquanto seus conselheiros conferenciavam.
Porto Real estava perdida, todos concordavam; eles precisavam abandonar a cidade.
Relutantemente, Sua Graça foi persuadida a partir no dia seguinte, ao amanhecer. Com o
Portão da Lama nas mãos de seus inimigos, e todos os navios ao longo do rio queimados ou
afundados, Rhaenyra e um pequeno bando de seguidores escorregaram através do Portão do
Dragão, com intenção de fazer seu caminho pela costa até Valdocaso. Com ela, cavalgavam
os irmãos Manderly, quatro sobreviventes da Guarda da Rainha, Sor Balon Byrch e vinte
mantos dourados, quatro das aias da rainha e seu último filho sobrevivente, Aegon, o Jovem.

Muito e mais estava acontecendo em Tumbleton também, e é para lá que


devemos voltar o nosso olhar. Com as notícias da agitação em Porto Real chegando ao
exército do Príncipe Daeron, muitos jovens lordes estavam ansiosos para avançar sobre a
cidade de uma vez. Chefiavam-nos Sor Jon Roxton, Sor Roger Corn e Lorde Unwin Peake…
mas Sor Hobert Hightower aconselhou cautela, e os Dois Traidores se recusaram a apoiar
qualquer ataque a menos que suas exigências fossem atendidas. Ulf White, devemos
relembrar, desejava o grande castelo de Jardim de Cima com todas as suas terras e
rendimentos, enquanto Hugh Hammer queria nada menos do que uma coroa para si.

Esses conflitos efervesceram quando Tumbleton ficou sabendo (tardiamente) da


morte de Aemond Targaryen em Harrenhal. Não se vira e nem ouvira falar do Rei Aegon II
desde a queda de Porto Real para sua meia-irmã, Rhaenyra, e ali muitos temiam que a rainha
tivesse colocado um fim na vida do irmão secretamente, ocultando o cadáver para não ser
acusada de assassinato de parentes. Com seu irmão Aemond assassinado também, os Verdes
se encontravam sem rem e sem liderança. O Príncipe Daeron era o próximo na linha de
sucessão. Lorde Peake declarou que o garoto deveria ser proclamado Príncipe de Pedra do
Dragão logo; outros, acreditando estar Aegon II morto, desejavam coroá-lo rei.

Os Dois Traidores também queriam um rei… mas Daeron Targaryen não era o
rei que queriam. “Precisamos de um homem forte para nos liderar, não um garoto,” desejou
Hard Hugh Hammer. “O trono deveria ser meu.” Quando Bold Jon Roxton exigiu saber que
direito ele teria para se proclamar rei, Lorde Hammer respondeu, “O mesmo direito que o
Conquistador. Um dragão.” E realmente, com Vhagar morto, o maior e mais velho dragão
vivo em toda Westeros era Vermithor, uma vez montaria do Velho Rei e agora de Hard
Hugh, o bastardo. Vermithor tinha o triplo do tamanho de Tessarion, o dragão do Príncipe
Daeron. Nenhum homen que já os vira juntos podia duvidar que Vermithor era a fera mais
temível.

A ambição de Hammer era imprópria para alguém de tão baixo nascimento, mas
o bastardo inegavelmente possuía algum sangue Targaryen e havia provado seu valor e força
em batalha e mão-aberta para os que o seguiram, mostrando o tipo de generosidade que atrai
homens como um cadáver atrai moscas. Eram os piores tipos de homem, para ser sincero:
mercenários, cavaleiros ladrões e esse tipo de ralé, homens de sangue impuro e nascimento
incerto que amavam a batalha porque se serviam do saque e viviam de rapina e pilhagem.

Os senhores e cavaleiros de Vilavelha e da Campina estavam ofendidos pela


arrogância da reivindicação do Traidor, ninguém mais do que o Príncipe Daeron Targaryen,
que ficou tão irado a ponto de jogar um copo de vinho na cara de Hard Hugh. Enquanto
Lorde White reclamava do desperdício de um bom vinho, Lorde Hammer disse, “Crianças
deviam boas maneiras enquanto homens adultos estão falando. Eu acho que seu pai não te
bateu o suficiente. Tome cuidado para que outros homens não corrijam essa falta.” Os Dois
Traidores saíram juntos e começaram a fazer planos para a coroação de Hammer. Quando o
viram no dia seguinte, Hard Hugh estava usando uma coroa de aço negro, para a fúria do
Príncipe Daeron e de seus cavaleiros e senhores bem nascidos.

Um desses, Sor Roger Corne, teve a ousadia de derrubar a coroa da cabeça de


Hammer. “Uma coroa não faz de um homem um rei,” ele disse. “Você deveria usar uma
ferradura na cabeça, ferreiro.” Foi algo tolo a se fazer. Lorde Hugh não gostou. Ao seu
comando, seus homens forçaram Sor Roger para o chão, onde o bastardo do ferreiro pregou
não uma mas três ferraduras no crânio do cavaleiro. Quando os amigos de Corne tentaram
intervir, punhais e espadas foram desembainhados, deixando três homens mortos e uma
dúzia de feridos.

Isso foi mais do que os senhores lealistas do Príncipe Daeron estavam


preparados pra sofrer. Lorde Unwin Peake e um relutante Hobert Hightower convocaram
outros onze senhores e cavaleiros com terras para um conselho secreto no porão de uma
pousada de Tumbleton para discutir o que deveria ser feito para conter a arrogância dos
domadores ilegítimos. Os conspiradores concordaram que seria coisa simples dispôr de
White, que andava bebendo demais frequentemente e nunca demonstrara qualquer destreza
com as armas. Hammer representava um perigo maior, porque dia após dia ele se mostrava
cercado de bajuladores, seguidoras de acampamento e mercenários ansiosos por seu favor.
Seria pouco efetivo matar White e deixar Hammer vivo, Lorde Peake pontuou; Hard Hugh
precisava morrer primeiro. Longos e altos foram os argumentos sob o signo dos Bloody
Caltrops, enquanto os senhores discutiam como isso poderia ser melhor realizado.

“Qualquer homem pode ser assassinado,” declarou Sor Hobert Hightower, “mas
e os dragões?” Devido às turbulências em Porto Real, Sor Tyler Norcross disse que
Tessarion sozinho deveria ser o suficiente para que eles retomassem o Trono de Ferro. Lorde
Peake que a vitória seria mais certa se eles tivessem Vermithor e Silverwing. Marq Ambrose
sugeriu que eles deveriam tomar a cidade primeiro, e então lidar com White e Hammer
depois que a vitória tivesse sido assegurada, mas Richard Rodden insistiu que esse caminho
era desonroso. “Não podemos pedir a esses homens que derramem seu sangue conosco e
depois matá-los.” Bold John Roxton resolveu a disputa. “Vamos matar os bastardos agora,”
ele disse. “Depois disso, os mais corajosos entre nós reivindicarão os dragões e voarão para a
batalha.” Nenhum homem no porão duvidou de que Roxton estava falando de si mesmo.

Embora o Príncipe Daeron não estivesse presente no conselho, os Caltrops


(como os conspiradores se tornaram conhecidos) foram contrários a prosseguir sem seu
consentimento e benção. Owen Fossoway, Senhor de Solar de Cidra, foi despachado sob a
escuridão da noite para acordar o príncipe e trazê-lo ao porão, onde os conspiradores lhe
informaram de seus planos. E o príncipe, outrora gentil, não hesitou quando Lorde Unwin
Peake lhe apresentou os mandados para a execução de Hard Hugh Hammer e Ulf White, e
os selou com seu símbolo pessoal.

Homens podem fazer seus planos e esquemas, mas eles devem rezar também,
porque nenhum plano feito pelo homem já resistiu aos caprichos dos deuses acima. Dois dias
depois, no mesmo dia que os Caltrops planejavam atacar, Tumbleton acordou no meio da
noite em gritos e berros. Fora das muralhas da cidade, os campos estavam queimando.
Colunas de cavaleiros em armaduras jorravam do norte e do oeste, causando um abate, as
nuvens chovendo flechas e um dragão estava descendo sobre eles, terrível e feroz.

Assim começou a Segunda Batalha de Tumbleton.

O dragão era Seasmoke, seu domador era Sor Addam Velaryon, determinado a
provar que nem todos os bastardos eram traidores. Existiria modo melhor de fazê-lo do que
retomar Tumbleton dos Dois Traidores, cuja traição o havia manchado? Cantores dizem que
Sor Addam voara de Porto Real para o Olho de Deus, onde pousara na sagrada Ilha das Faces
e tomara o conselho dos Homens Verdes. O estudioso deve se limitar aos fatos confirmados,
e é conhecido que Sor Addam voou longe e rápido, descendo em castelos grandes e pequenos
cujos lordes eram leais à rainha, para reunir um exército.

Muitas batalhas e escaramuças haviam sido travadas nas terras regadas pelo
Tridente, e eram escassas as fortalezas e vilas que não haviam pago sua dívida de sangue…
mas Addam Velaryon foi implacável, simplista nas palavras e determinado, e os senhores do
rio conheciam muito e mais dos horrores que haviam ocorrido na caída Tumbleton. Quando
Sor Addam estava pronto para atacar Tumbleton, possuía cerca de quatro mil homens com
ele.

O grande exército acampado sob as muralhas de Tumbleton superava os


atacantes, mas eles estavam há muito tempo no mesmo lugar. Sua disciplina afrouxada, e a
doença enraizara; a morte de Lorde Ormund Hightower os deixara sem líder, e os lordes que
desejavam o comando estavam em desacordo uns com os outros. Tão intensos eram suas
rivalidades e conflitos que eles haviam esquecido seus inimigos verdadeiros. O ataque
noturno de Sor Addam os pegara completamente desprevenidos. Antes que os homens do
exército do Príncipe Daeron ao menos soubessem que estavam numa batalha, os inimigos
estavam entre eles, golpeando-os através de suas tendas enquanto eles punham as selas nos
cavalos, lutavam para vestir suas armaduras e afivelavam os cintos da espada.

O mais devastador de tudo era o dragão. Seasmoke descia de novo, e depois de


novo, soprando fogo. Uma centena de tendas logo estavam em chamas, até mesmo os
esplêndidos pavilhões de seda de Sor Hobert Hightower, Lorde Unwin Peake, e o do próprio
Príncipe Daeron. Nem mesmo a cidade de Tumbleton foi poupada. Suas lojas, casas e septos
não atingidas durante a primeira batalha foram engolidas pelo fogo de dragão.

Daeron Targaryen estava dormindo em sua tenda quando o ataque começou.


Ulf White estava dentro de Tumbleton, dormindo profndamente após uma noite de
bebedeira numa pousada chamada Bawdy Badger que ele tomara para si. Hard Hugh
Hammer estava dentro das muralhas da cidade também, na cama com a viúva de um
cavaleiro que fora morto durante a primeira batalha. Os três dragões se encontravam fora da
cidade, nos campos além dos acampamentos.

Apesar das tentativas feitas para acordar Ulf White de seu sono embriagado, ele
revelou-se impossível de despertar. Infame, rolou para baixo de uma mesa e roncou durante
toda a batalha. Hard Hugh Hammer foi mais rápido a responder. Meio vestido, ele correu
para o pátio abaixo, pedindo por seu martelo, armadura e um cavalo, para que pudesse
cavalgar para fora e montar Vermithor. Seus homens correram para obedecer, mesmo
quando Seasmoke incendiou os estábulos. Mas Lorde Jon Roxton também estava no pátio.

Quando vislumbrou Hard Hugh, Roxton viu sua chance, e disse, “Lorde
Hammer, minhas condolências.” Hammer virou-se, carrancudo. “Pelo quê?”, ele perguntou.
“Você morreu na batalha,” respondeu Bold Jon, sacando a Fazedora de Órfãos e enterrando-a
fundo na barriga de Hammer, antes de abrir o bastardo da virilha à garganta.

Uma dúzia de homens de Hard Hugh chegou correndo a tempo de vê-lo morrer.
Até mesmo uma lâmina de aço valiriano como a Fazedora de Órfãos era de pouca serventia
numa situação de dez para um. Bold Jon Roxton assassinou três antes de ser morto. Dizem
que ele morreu quando seu pé escorregou num amontoado de entranhas de Hugh Hammer,
mas tal detalhe é irônico demais para ser verdade.
Três versões conflitantes existem sobre a maneira como morreu o Príncipe
Daeron Targaryen. A mais conhecida diz que o príncipe tropeçou por seu pavilhão com as
roupas em chamas, apenas para ser golpeado pelo mercenário mirano Black Trombo, que
esmagara seu rosto com balançar de sua maça. Essa versão era a preferida de Black Trombo,
que a repetia por toda parte. A segunda versão é mais ou menos a mesma coisa, salvo que o
príncipe foi vítima de uma espada ao invés de maça, e seu assassino não era Black Trombo,
mas um desconhecido homem de armas que não percebera quem tinha matado. Na terceira
alternativa, o bravo garoto conhecido como Daeron, o Ousado, nada fizera antes de morrer
quando seu pavilhão em chamas desabou sobre ele.

Nos céus acima, Addam Velaryon pôde ver a batalha se transformar num
tumulto abaixo dele. Dois de seus três inimigos domadores estavam mortos, mas ele não
tinha como saber disso. Ele podia, sem dúvida, ver os dragões inimigos. Desacorrentados,
eles eram mantidos além das muralhas da cidade, livres para voar e caçar como quisessem;
Silverwing e Vermithor enrolados um sobre o outro nos campos ao sul de Tumbleton,
enquanto Tessarion dormia e se alimentava no acampamento do Príncipe Daeron a oeste da
cidade, a menos de cem metros de seu pavilhão.

Os dragões são criaturas de fogo e sangue, e os três despertaram quando a


batalha floresceu em torno deles. Um besteiro disparou um dardo em Silverwing, dizem, e
dois punhados de cavaleiros montados se fecharam em torno de Vermithor com espadas,
lanças e machados, esperando liquidar a fera enquanto ela estava meio sonolenta no chão.
Eles pagaram por essa tolice com suas vidas. Em outra parte do campo, Tessarion se lançou
ao ar, gritando e cuspindo fogo, e Addam Verlaryon virou Seasmoke para encontrá-lo.

Escamas de dragão são em grande parte (mas não totalmente) impermeáveis às


chamas; elas protegem a carne mais vulnerável e a musculatura embaixo. À medida que o
dragão envelhece, as escamas crescem e engrossar, fornecendo ainda mais proteção, assim
como suas chamas queimam mais quentes e ferozes (enquanto as chamas de um filhote
podiam incendiar palha, as chamas de Balerion ou Vhagar em sua plenitude podiam derreter
aço e pedra.) Quando dois dragões se encontram em combate mortal, por conta disso,
costumam empregar outras armas além de fogo: garras negras como aço, longas como
espadas e afiadas como navalhas, mandíbulas tão poderosas que podem até mesmo mastigar
através da armadura de um cavaleiro, caudas como chicotes cujo bater era conhecido por
esmagar carroças, quebrar a espinha de corcéis pesados e enviar homens voando a cinquenta
pés de altura.

A batalha entre Tessarion e Seasmoke foi diferente.

A História chama a contenda entreo Rei Aegon II e sua irmã Rhaenyra de


Dança dos Dragões, mas apenas em Tumbleton os dragões realmente dançaram. Tessarion e
Seasmoke eram dragões jovens, mais ágeis no ar do que seus irmãos mais velhos haviam
sido. Repetidas vezes eles se lançaram um ao outro, apenas para se encarar e depois recuar no
último instante. Voando como águias, inclinando-se como falcões, eles circularam, estalando
e rugindo, cuspindo fogo, mas nunca perto.

Uma vez a Rainha Azul sumiu num banco de nuvens apenas para reaparecer,
um instante depois, mergulhando atrás de Seasmoke por trás para lançar em sua cauda um
jorro de chamas cobalto. Enquanto isso, Seasmoke se enrolou, torceu e girou. Num instante
eles estaria sobre seu inimigo, e de repente ele poderia girar nos céus e vir por trás dele. Cada
vez mais alto os dragões voaram, e centenas assistiram dos telhados de Tumbleton. Um
desses depois disse que o vôo de Tessarion e Seasmoke parecia mais uma dança de
acasamento do que uma batalha. Talvez tenha sido.

A dança terminou quando Vermithor subiu rugindo para o céu.

Já com cem anos e grande como os dois outros dragões postos juntos, o dragão
cor de bronze com asas enormes abriu vôo furioso, com sangue esfumaçando de uma dúzia
de feridas. Sem domador, ele não sabia quem era amigo ou inimigo, então despejou sua fúria
em todos, cuspindo fogo para a direita e esquerda, se voltando com selvageria para qualquer
homem que ousasse virar uma lança em sua direção. Um cavaleiro tentou fugir diante dele,
apenas para Vermithor fechar sua mandíbula em torno dele, assim como ao cavalo que
galopava adiante. Os Lordes Piper e Deddings, postados numa elevação com seus escudeiros,
servos e espadas juradas, foram queimados quando a Fúria Bronze reparou neles. Num
instante depois, Seasmoke caiu sobre ele.

Sozinho entre os quatro dragões no campo naquele dia, Seasmoke tinha um


domador. Sor Addam Velaryon viera provar sua lealdade e destruir os Dois Traidores e seus
dragões, e tinha um deles lá embaixo, atacando os homens que haviam se juntado a ele para
lutar. Ele deve ter sentido que era seu dever protegê-los, embora devesse saber em seu
coração que Seasmoke não era páreo para o dragão mais velhos

Essa não foi uma dança, mas uma luta até a morte. Vermithor não havia voado
mais do que vinte pés sobre a batalha quando Seasmoke se lançou sobre ele de cima, jogando-
o aos gritos na lama. Homens e garotos fugiram aterrorizados ou foram esmagados quando
os dois dragõe rolaram- rasgando-se. Caudas estalaram e asas bateram no ar, mas as bestas
estavam tão engalfinhadas que não conseguiam se libertar. Benjicot Blackwood assistiu à
luta do alto de seu cavalo, a cinquenta metros dali. O tamanho e peso de Vermithor eram
demais para Seasmoke conter, Lorde Blackwood disse alguns anos depois, ele claramente iria
torcer o dragão cinza-fumaça em pedaços… se Tessarion não tivesse caído dos céus naquele
momento e se juntado à luta.

Quem pode conhecer o coração de um dragão? Foi a simples sede de sangue que
fez a Rainha Azul atacar? O dragão veio ajudar um dos combatentes? Se sim, qual? Alguns
dizem que os vínculos entre o dragão e seu domador são tão intensos que ele passa a partilhar
os amores e ódios de seu mestre. Mas quem era aliado ali, e quem era inimigo? Poderia um
dragão sem domador reconhecer quem era amigo ou inimigo?

Talvez nunca saibamos as respostas para essas perguntas. Todas a histórias


contam que os dragões lutaram entre a lama, sangue e fumaça na Segunda Batalha de
Tumbleton. Seasmoke foi o primeiro a morrer, quando Vermithor fechou os dentes em seu
pescoço e arrancou sua cabeça. Depois disso o dragão cor de bronze tentou voar com seu
prêmio agarrado nas mandíbulas, mas suas asas destroçadas não puderam aguentar seu peso.
Depois de um momento, ele caiu e morreu. Tessarion, a Rainha Azul, sobreviveu até o
entardecer. Três vezes ele tentou se lançar aos céus, e três vezes falhou. Ao fim da tarde ele
parecia estar agonizando, então Lorde Blackwood chamou seu melhor arqueiro, um homem
conhecido como Billy Burley, que se posicionou a cem metros (além do alcance dos fogos do
dragão moribundo) e acertou três flechas em seu olho enquanto ele jazia desamparado de dor.
Ao anoitecer, o combate estava terminado. Embora os senhores do rio tivessem
perdido menos do que cem homens, enquanto que mais de mil dos homens de Vilavelha e da
Campina haviam perecido, não poderiam contar a Segunda Batalha de Tumbleton como
uma vitória completa, já que eles haviam falhado em tomar a cidade. As muralhas de
Tumbleton ainda estavam intactas, e uma vez que os homens do rei haviam recuado para o
interior das mesmas, as forças da rainha não tinham como fazer uma brecha, já que não
possuíam equipamentos de cerco ou dragões. Mesmo assim, eles causaram grande matança
entre seus confusos e desorganizados inimigos, incendiaram suas tendas, queimaram ou
capturaram a maior parte de suas carroças, forragens e suprimentos, fugiram com três
quartos de seus cavalos, mataram seu príncipe e puseram um fim em dois dos dragões do rei.

Na manhã após a batalha, os conquistadores de Tumbleton olharam para além


das muralhas da cidade apenas para ver que seus que seus inimigos haviam desaparecidos.
Os cadáveres estavam espalhados por todo lado, entre eles as carcaças de três dragões.
Apenas um restava: Silverwing, a montaria da Boa Rainha Alysanne durante os dias antigos,
havia voado quando a carnificina começara, circulando o campo de batalha por horas,
subindo nos ventos quentes que vinham do campo embaixo. Apenas depois do anoitecer ele
desceu, para pousar entre seus primos assassinados. Depois, os cantores diriam como ele
ergueu a asa de Vermithor três vezes com seu nariz, como se quisesse fazê-lo voar
novamente, mas isso é provavelmente apenas fábula. O sol nascente iria encontrá-lo voando
com indiferença sonre o campo, se alimentandos dos restos queimados de cavalos, homens e
bois.

Oito dos treze Caltrops jaziam mortos, entre eles Lorde Own Fossoway, Marq
Ambrose e Bold Jon Roxton. Richard Rodden tomara uma flechada no pescoço e morreria no
dia seguinte. Quatro dos conspiradores restavam, entre eles Sor Hobert Hightower e Lorde
Unwin Peake. E apesar de Hard Hugh Hammer estar morto, e seus sonhos de reinado com
ele, o secondo Traidor restava. Ulf White havia acordado de seu sono bêbado e se vira como
o último domador de dragões, e possuidor do último dragão.

“Hammer está morto, e seu garoto também,” ele supostamente teria dito a Lorde
Peake. “Tudo o que resta sou eu.” Quando Lorde Peake perguntou a ele quais eram suas
intenções, White respondeu, “Nós marcharemos, exatamente como você queria. Você toma
a cidade, e eu tomarei o trono sangrento, que tal isso?”

Na manhã seguinte, Sor Hobert Hightower o chamou para traçar os detalhes do


assalto deles a Porto Real. Ele trouxe consigo dois cascos de vinho como presente, um dornês
vermelho e um dourado da Árvore. Apesar de Ulf, o Bêbado, nunca ter provado um vinho
que não gostasse, era conhecido sua preferência por sabores doces. Sem dúvida, Sor Hobert
tinha intenção de saborear o vermelho azedo enquanto Lorde Ulf vertia o dourado da
Árvore. No entanto, algo nas maneiras de Hightower - ele estava suando, gaguejando e
demasiado caloroso, o escudeiro que o servia testemunhou depois - haviam levantado as
suspeitas de White. Cauteloso, ele ordenou que o dornês vermelho fosse posto de lado, e
insistiu que Sor Hobert compartilhasse o dourado da árvore com ele.

A História tem pouco a dizer sobre Sor Hobert Hightower, mas nenhum
homem pode questionar como morreu. Em vez de trair seus companheiros Caltrops, ele
deixou o escudeiro encher seu copo, esvaziou-o e pediu por mais. Tendo visto Hightower
beber, Ulf, o Bêbado, fez jus ao seu nome, entornando três copos até começar a bocejar. O
veneno no vinho foi gentil. Quando Lorde Ulf começou a dormir para nunca acordar, Sor
Hobert se pôs de pé e tentou vomitar, mas era tarde demais. Seu coração parou dentro de
uma hora.

Depois, Lorde Unwin Peake ofereceu mil dragões dourados a qualquer cavaleiro
de nobre nascimento que pudesse reivindicar Silverwing. Três homens atenderam. Quando
o primeiro teve seu braço decepado e o segundo morreu queimado, o terceiro homem
reconsiderou. A essa altura, o exército de Peake, os remanescentes do grande exército que o
Príncipe Daeron e Lorde Ormund Hightower haviam liderado por todo o trajeto desde
Vilavelha, estava caindo aos pedaços enquanto desertores fugiam de Tumbleton com todo o
saque que podiam carregar. Curvando-se à derrota, Lorde Unwin convocou seus senhores e
sargentos e ordenou uma retirada. Acusado de ser vira-casaca, Addam Velaryon, nascido
Addam de Hull, salvara Porto Real dos inimigos da rainha… ao custo de sua própria vida.

No entanto, a rainha nada sabia de seu valor. A fuga de Rhaenyra de Porto Real
fôra coalhada de dificuldade. Em Rosby, ela encontrou os portões do castelo fechados para
ela. O castelão do jovem Lorde Stokeworth ofereceu sua hospitalidade a ela, mas apenas por
uma noite. Metade dos mantos dourados desertou na estrada, e seu acampamento foi atacado
por foras-da-lei numa noite. Embora seus cavaleiros tenham repelido os atacantes, Sor Balon
Byrch foi derrubado por uma flecha, e Sor Lyonel Bentley, um jovem cavaleiro da Guarda da
Rainha, sofreu um golpe na cabeça que rachou seu elmo. Ele morreu delirando no dia
seguinte. A rainha seguiu rumo a Valdocaso.

A Casa Darklyn estava entre os mais fortes defensores de Rhaenyra, mas o


custo de sua lealdade tinha sido elevado. Apenas a intercessão de Sor Harrold Darke
persuadiu a Senhora Meredyth Darklyn a permitir a rainha dentro de suas muralhas (os
Darkes eram parentes distantes dos Darklyn, e Sor Harrold servira como escudeiro ao
falecido Sor Steffon), e apenas sob a condição de que ela não ficaria muito.

A Rainha Rhaenyra não tinha ouro e nem navios. Quando enviara Lorde Corlys
para as masmorras, perdera sua frota, e ela deixara Porto Real temendo pela vida, sem levar
nem uma moeda. Desesperada e com medo, Sua Graça foi ficando cada vez mais pálida e
abatida. Ela não conseguia dormir e não comia. Seu sofrimento não a permitira ser afastada
do Príncipe Aegon, seu último filho vivo; dia e noite, o garoto permaneceu ao seu lado,
“como uma pequena sombra pálida.”

Rhaenyra foi forçada a vender sua coroa em busca de dinheiro para comprar sua
passagem num navio mercante bravosiano, o Violande. Sor Harrold Darke insistiu que ela
buscasse refúgio com a Senhora Arryn no Vale, enquanto Sor Medrick Manderly tentava
persuadí-la a acompanhá-lo junto de seu irmão, Sor Torrhen, de volta a Porto Branco, mas
Sua Graça recusou a ambos. Ela foi inflexível em seu retorno à Pedra do Dragão. Lá ela
encontraria ovos de dragão, disse aos lealistas; ela precisava conseguir outro dragão, ou tudo
estaria perdido.

Ventos fortes empurraram o Violande para mais perto das praias de


Derivamarca do que a rainha teria desejado, e três vezes ela passou à distância de um aceno
dos navios de guerra da Serpente do Mar, mas Rhaenyra teve o cuidado de se manter bem
fora de vista. Finalmente o navio bravosiano entrou no porto abaixo do Monte do Dragão ao
entardecer. A rainha enviou um corvo para avisar da sua vinda, e encontrou uma escolta
esperando por ela quando desembarcou com seu filho Aegon, suas auias e três cavaleiros de
sua Guarda da Rainha, tudo o que restara de sua comitiva.
Estava chovendo quando a comitiva da rainha desembarcou, e dificilmente um
rosto poderia ser visto no porto. Até mesmo os bordéis das docas pareciam escuros e
desertos, mas Sua Graça não se deu conta. Doente no corpo e no espírito, quebrada pela
traição, Rhaenyra Targaryen desejava apenas retornar para sua sede, onde imaginava que ela
e o filho estariam seguros. Mal sabia a rainha que estava prestes a sofrer sua última e pior
traição.

Sua escolta, de quarenta homens, era comandada por Sor Alfred Broome, um
dos homens deixados para trás quando Rhaenyra lançara seu ataque sobre Porto Real.
Broome era o mais velho dos cavaleiros de Pedra do Dragão, tendo se juntado à guarnição
durante o reinado do Velho Rei. Como tal, ele esperava ser nomeado castelão quando
Rhaenyra reunira forças para capturar o Trono de Ferro… mas a postura taciturna de Sor
Alfred e seus modos azedos não haviam inspirado afeição e nem confiança, então a rainha o
preterira em favor do mais afável Sor Robert Quince.

Quando Rhaenyra perguntou porque Sor Robert não viera pessoalmente


encontrara, Sor Alfred respondeu que a rainha veria “nosso gordo amigo” no castelo. E ela o
fez… embora o cadáver carbonizado de Quince estivesse irreconhecível quando o
alcançaram, balançando sobre as ameias do portão frontal ao lado do intendente, mestre de
armas e capitão dos guardas de Pedra do Dragão. Apenas o tamanho o tornava reconhecido,
porque Sor Robert era enormemente gordo.

Dizem que o sangue sumiu do rosto da rainha quando ela contemplou os


cadáveres, mas o jovem Príncipe Aegon foi o primeiro a perceber o que significavam. “Mãe,
fugir!” ele gritou, mas era tarde. Os homens de Sor Alfred caíram sobre os protetores da
rainha. Um machado decepou a cabeça de Sor Harrold Darke antes que sua espada pudesse
sair da bainha, e Sor Adrian Redford foi apunhalado nas costas por uma lança. Apenas Sor
Loreth Lansdale se moveu rápido o suficiente para dar um golpe em defesa da rainha,
derrubando os dois primeiros homens que avançaram na sua direção antes de ser
assassinado. Morria assim o último membro da Guarda da Rainha. Quando o Príncipe
Aegon pegou a espada de Sor Harrold, Sor Alfred derrubou a lâmina com desprezo.

O garoto, a rainha e suas aias foram levados na ponta das lanças através dos
portões de Pedra do Dragão para o pátio do castelo. Lá, eles se viram frente a frente com um
homem morto e um dragão moribundo.

As escamas de Sunfyre ainda brilhavam como ouro batido à luz do sol, mas com
ele esparramado na pedra valiriana fundida do pátio, era fácil ver que era uma coisa
quebrada, ele que havia sido o mais magnífico dragão jamais voaria de novo pelos céus de
Westeros. A asa quase arrancada de seu corpo por Meleys se projetava num ângulo estranho,
enquanto que cicatrizes recentes ao longo de seu corpo ainda soltavam fumaça e sangravam
quando ele se movia. Sunfyre se enrolou numa bola quando a rainha e sua comitiva surgiram
diante dele. Quando ele se moveu e ergueu a cabeça, enormes ferimentos eram visíveis em
seu pescoço, onde um outro dragão havia arrancado pedaços de sua carne. Em sua barriga
havia lugares onde crostas tinham substituído as escamas, e onde deveria haver o olho direito
restava apenas um buraco vazio com uma crosta de sangue negro.

Você deve se perguntar, assim como Rhaenyra certamente fez, como aquilo
havia acontecido.
Nós agora sabemos muito e mais do que a rainha não sabia. Foi Lorde Larys
Strong, o Pé Torto, que dera fuga ao rei e suas crianças para fora da cidade quando os dragões
da rainha haviam sido vistos pela primeira vez nos céus acima de Porto Real. Para não passar
pelos portões de Porto Real, onde eles poderiam ser vistos e lembrados, Lorde Larys os levou
através de uma passagem secreta de Maegor, o Cruel, do qual apenas ele tinha conhecimento.

Foi Lorde Larys quem decidiu que os fugitivos deveriam partir para lugares
diferentes também, para que mesmo que um de seus lugares-destino fossem futuramente
tomados, os outros permaneceriam livres. Sor Rickard Thorne recebeu ordens de entregar o
Príncipe Maelor, de dois anos, a Lorde Hightower. A Princesa Jaehaera, uma menina doce e
simples de apenas seis anos, ficou a cargo de Sor Willis Fell, que jurou levá-la em segurança
à Ponta Tempestade. Nenhum dos dois sabia para onde o outro iria, então não poderiam se
trair, caso capturados.

E apenas o próprio Larys sabia que o rei, despido de sua elegância e vestido com
um manto de pescador manchado de sal, havia sido escondido entre uma carga de bacalhau
numa esquife de pesca sob os cuidados de um cavaleiro bastardo com parentes em pedra do
Dragão. Uma vez que percebesse que o rei havia fugido, o Pé Torto supôs, a rainha mandaria
homens atrás dele… mas um barco não deixa rastros por sobre as ondas, e uns poucos
caçadores jamais iriam pensar em procurar por Aegon na própria ilha de sua irmã, à sombra
de sua fortaleza.

E assim Aegon poderia ter passado o resto de seus dias, escondido e inofensivo,
embotando suas dores com vinho e escondendo suas cicatrizes de queimaduras sob um
manto pesado, se Sunfyre não tivesse feito seu caminho até Pedra do Dragão. Podemos
perguntar o que o levou até o Monte do Dragão, porque muitos perguntam. Teria o dragão
ferido, com sua asa quebrada meio-curada, sido atraído por algum instinto primal a retornar
para seu local de nascimento, a esfumaçada montanha de onde ele surgira de seu ovo? Ou de
algum modo ele teria sentido a presença do Rei Aegon na ilha, através de longas léguas e
oceanos tormentosos, e voado para lá para se juntar ao seu domador? Alguns vão longe o
suficiente para dizer que Sunfyre sentiu uma necessidade desesperada de Aegon. Mas que
homem pode presumir conhecer o coração de um dragão?

Após o ataque malfadado de Lorde Walys Mootn tê-lo espantado do campo de


cinzas e ossos na região de Pouso de Gralhas, a história perde Sunfyre de vista por mais que
meio ano. (Certos relatos ditos em salões dos Crabbs e Brunes sugerem que o dragão pode ter
tomado refúgio em escuros bosques de pinheiros e cavernas da Crackclaw Point por algum
desse tempo.) Apesar de sua asa quebrada ter se curado o suficiente para ele voar, havia
consertado num ângulo feio, e se tornado fraca. Sunfyre não podia subir muito, não
conseguia ficar no ar por muito tempo, e precisava lutar para voar até mesmo em curtas
distâncias. Mas, de alguma forma ele atravessara as águas da Baía da Água Negra… pois fôra
Sunfyre que os marinheiros do Nessaria haviam visto atacando Grey Ghost. Sor Robert
Quince havia culpado o Cannibal… mas Tom Tangletongue, um gago que ouvira mais do
que tinha dito, manejara os volantinos com cerveja, tomando nota de todas as vezes que eles
mencionaram as escamas douradas do atacante. O Cannibal, como ele bem sabia, era negro
como carvão. E então os Dois Toms e seus “primos” (uma meia verdade, pois só Sor
Marston compartilhava seu sangue, sendo bastardo da irmã de Tom Tanglebeard com um
cavaleiro que tomara sua virgindade) partiu em seu pequeno barco para procurar o assassino
de Grey Ghost.
O rei queimado e o dragão mutilado encontraram um novo propósito um no
outro. De um covil escondido as encostas orientais do Monte dos Dragões, Aegon se
aventurava a cada dia ao amenhcer, retornando aos céus novamente desde Pouso de Gralhas,
enquanto os Dois Toms e seu primo Marston Waters retornavam ao outro lado da ilha para
procurar outros homens que pudessem ajudá-los a tomar o castelo. Mesmo em Pedra do
Dragão, há muito sede de fortaleza da Rainha Rhanyra, eles encontraram muitos homens
que não gostavam da rainha por razões boas ou ruins. Alguns sentiam faltas de irmãos, filhos
e pais, assassinados durante a Busca das Sementes ou a Batalha da Goela, alguns esperavam
por pilhagem ou vantagens, enquanto outros acreditavam que um filho deveria vir antes de
uma filha, dando a Aegon a melhor reivindicação.

A rainha levara seus melhores homens com ela para Porto Real. Em sua ilha,
protegidos pelos navios da Serpente do Mar e altas muralhas valirianas, Pedra do Dragão
parecia inatacável, e a guarnição que Sua Graça deixara para defendê-la era pequena,
composta em grande parte de homens a quem ela não teria dado melhor uso: anciões ou
garotos verdes, os lentos, aleijados e os que se recuperavam de ferimentos, homens de
lealdade duvidosa, homens suspeitos de covardia. No comando ela deixara Sor Robert
Quince, um homem envelhecido e gordo.

Quince foi um firme apoiador da rainha, todos concordam, mas alguns homens
abaixo dele eram menos leais, abrigando ressentimentos e rancores por erros antigos reais ou
imaginados. Proeminente entre eles era Sor Alfred Broome. Broome provara estar mais do
que disposto a trair sua rainha em troca da promessa de um senhorio, terras e ouro assim que
Aegon II retomasse o trono. Seu longo serviço na guarnição permitira que ele soubesse dizer
aos homens do rei os pontos fracos e fortes de Pedra do Dragão, quais guardas poderiam ser
subornados ou conquistados, e quais deveriam ser presos ou mortos.

Quando chegou, a Queda de Pedra do Dragão levou menos de uma hora.


Homens corrompidos por Broome abriram uma poterna lateral na hora dos fantasmas para
que Sor Marston Waters, Tom Tangletongue e seus homens pudessem entrar no castelo sem
serem vistos. Enquanto um bando tomou o arsenal e outro levou os guardas leais e o mestre
de Pedra do Dragão sob custódia, Sor Marston surpreendeu Meistre Hunnimore em seu
viveiro, então nenhuma palavra do ataque poderia escapar por corvo. O próprio Sor Alfred
liderou os homens que irromperam na câmara do castelão e surpreenderam Sor Robert
Quince. Como Quince lutou para se levantar da cama, Broome cravou uma lança em sua
grande e pálida barriga, com tanta força que a lança atravessou Sor Robert, além do seu
colchão de penas, indo tocar o chão.

Apenas um aspecto do plano deu errado. Quando Tom Tangletongue e seus


rufiões golpearam as portas da câmara da Senhora Baela para torná-la sua prisioneira, a
garota fugiu pela janela, descendo através de telhados e muros até alcançar o pátio. Os
homens do rei haviam tido o cuidado de enviar guardas para tomar os estábulos onde os
dragões do castelo eram mantidos, mas Baela crescera em Pedra do Dragão, e conhecia
caminhos que eles não tinham conhecimento. Quando seus perseguidores a alcançaram, ela
já havia desacorrentado Moondancer e posto uma sela sobre ela.

Assim aconteceu que, quando o Rei Aegon II desceu sobre o pico esfumaçado do
Monte do Dragão, esperando fazer uma entrada triunfal num castelo seguramente nas mãos
de seus homens, com os lealistas da rainha mortos ou capturados, para encontrá-lo subiu
Baela Targaryen, filha do Príncipe Daemon com a Senhora Laena, e tão destemida quanto
seu pai.

Moondancer era um dragão, verde pálido, com chifres, crista e asas de pérola.
Além de suas grandes asas, ela não era maior do que um cavalo de batalha, e pesava menos.
Era muito rápida, no entanto, e Sunfyre, embora muito maior, ainda lutava com uma asa
mal formada, e mantinha as feridas frescas feitas por Grey Ghost.

Eles se encontraram entre a escuridão que vem antes da alvorada, iluminando as


sombras do céu com seus fogos. Moondancer desviou das chamas de Sunfyre, desviou de
suas mandíbulas, passou por entre as garras que tentaram agarrá-lo, e então deu a volta e
atacou o dragão maior de cima, abrindo uma longa e esfumaçada ferida em suas costas e
rasgando sua asa machucada. Observadores abaixo dizem que Sunfyre balançou bêbado no
ar, lutando para permanecer voando, enquanto Moondancer virou e veio de trás dele,
cuspindo fogo. Sunfyre respondeu com um jorro de fogo dourado tão brilhante que iluminou
o pátio abaixo como um segundo sol, uma explosão que atingiu Moondancer nos olhos. O
jovem dragão ficou cego naquele instante, e ainda assim voou sobre o outro, se
engalfinhando com Sunfyre com garras e asas. Quando os dois caíram, Moondancer atingiu
o pescoço de Sunfyre repetidamente, arrancando bocados de carne, enquanto o dragão mais
velho afundava suas garras em sua barriga. Cercado de fogo e fumaça, cego e sangrando, as
asas de Moondancer bateram desesperadamente enquanto ela tentavam fugir, mas seus
esforços só atrasaram a queda deles.

Os observadores no pátio correram para a segurança quando os dragões caíram


nas rochas duras, ainda lutando. No chão, a rapidez de Moondancer se mostrou de pouco uso
contra o tamanho e peso de Sunfyre. O dragão verde logo ficou imóvel. O dragão dourado
gritou sua vitória e tentou voar de novo, apenas para desabar no chão com sangue quente
vertendo de seus ferimentos.

O Rei Aegon saltara da sela quando os dragões estavam a vinte pés do chão, quebrando
ambas as pernas. A Senhora Baela ficara com Moondancer durante toda a queda. Queimada
e maltratada, a garota encontrou forças para se livrar de suas correntes enquanto seu dragão
se enrolava nos estertores finais da morte. Quando Alfre Broome desembainhou a espada
para matá-la, Martson Waters tomou a lâmina de sua mão. Tom Tangletongue a mandou
para o meistre.

Assim que o Rei Aegon II conquistou a sede ancestral da Casa Targaryen, mas o
preço pago por isso foi terrível. Sunfyre nunca iria voar de novo. Ele permanecera no pátio
onde havia caído, se alimentando da carcaça de Moondancer e depois de ovelhas abatidas
para ele pela guarnição. E Aegon II viveu o resto de sua vida com muita dor… embora à sua
honra, dessa vez Sua Graça tenha recusado leite de papoula. “Não devo percorrer essa
estrada de novo,” ele disse. Não muito depois, quando o rei estava no grande salão do
Tambor de Pedra, suas pernas quebradas amarradas e imobilizadas com talas, os primeiros
corvos da Rainha Rhaenyra chegaram de Valdocaso. Quando Aegon soube que sua meia-
irmã estava retornando no Violande, ele ordenou que Sor Alfred Broome preparasse “uma
recepção adequada” para ela.

Tudo isso é conhecido por nós agora. De nada disso a rainha estava ciente
quando ela desembarcou na armadilha de seu irmão.
Rhaenyra riu quando contemplou a ruína de Sunfyre, o Dourado. “De quem é
esse trabalho?” ela disse. “Nós devemos agradecê-lo.”

“Irmã”, o Rei chamou de baixo de uma varanda. Incapaz de andar ou mesmo de


ficar em pé, ele havia sido carregado em uma cadeira. O quadril quebrado em Pouso de
Gralhas havia deixado Aegon dobrado e retorcido, e suas feições outrora bonitas haviam
inchado por causa do leite de papoula, e cicatrizes de queimaduras cobriam seu corpo. No
entanto Rhaenyra o conhecia, e disse, “Querido irmão. Tive esperanças de que estivesse
morto.”

“Depois de você,” Aegon respondeu. “Você é a mais velha.”

“Estou feliz em ver que se lembra disso,” Rhaenyra disse. “Parece que somos
seus prisioneiros… mas não pense que nos manterá por muito tempo. Meus senhores leais
irão me encontrar.”

“Se te procurarem nos sete infernos, talvez,” o Rei declarou, e seus homens
tiraram Rhaenyra dos braços do filho. Alguns dizem que foi Sor Alfred Broome que a tomou
pelo braço, outros afirmam que foram os dois Toms, Tanglebeard o pai e Tangletongue o
filho. Sor Marston Waters ficou de testemunha, posto num manto branco, porque o Rei
Aegon o nomeara para sua Guarda Real por seu valor.

No entanto, nem Waters nem nenhum dos outros cavaleiros e lordes presentes
no pátio disseram uma palavra de protesto quando o Rei Aegon II entregou sua meia-irmã ao
seu dragão. Sunfyre, dizem, não parecia ter qualquer interesse na oferta a princípio, até
Broome ter picado o peito da rainha com sua adaga. O cheiro de sangue despertou o dragão,
que farejou Sua Graça, e então a banhou em uma explosão de chamas, tão de repente que o
manto de Sor Alfred pegou fogo quando ele saltou para longe. Rhaenyra Targaryen teve
tempo de erguer a cabeça para o céu gritar uma última maldição contra seu meio-irmão antes
que as mandíbulas de Sunfyre se fechassem sobre ela, arrancando-lhe o braço e o ombro.

O dragão dourado devorou a rainha em seis mordidas, deixando apenas sua


perna esquerda abaixo da canela “para o Estranho.” O filho da rainha assistiu aterrorizado,
incapaz de se mover. Rhaenyra Targaryen, o Deleite do Reino e Rainha de Meio-Ano,
passou desse véu de lágrimas no vigésimo segundo dia da décima lua de 130 AL. Ela tinha
trinta e três anos de idade.

Sor Alfred Broome argumentou para matar o Príncipe Aegon também, mas o
Rei Aegon proibiu isso. De apenas dez anos, o garoto poderia ter valor como refém, ele
declarou. Apesar de sua meia-irmã estar morta, ela continuava tendo apoiadores em campo
com quem Sua Graça precisaria lidar antes de ter esperanças de se sentar no Trono de Ferro
novamente.

Então o Príncipe Aegon foi algemado no pescoço, pulsos e tornozelos, e levado


para as masmorras abaixo de Pedra do Dragão. As últimas aias da rainha, tendo alto
nascimento, ganharam celas na Torre do Dragão Marinho, aguardando resgate. “O tempo de
se esconder acabou,” declarou o Rei Aegon II. “Deixe os corvos voarem para o reino saber
que a pretendente está morte, e que seu verdadeiro rei está vindo para reclamar o trono do
pai.” No entanto, mesmo os verdadeiros reis podem encontrar algumas coisas que são mais
facilmente proclamadas do que realizadas.
Nos dias que se seguiram à morte de sua meia-irmã, o rei ainda se agarrava à
esperança de que Sunfyre poderia reunir forças para voar de novo. Em vez disso, o dragão
apenas parecia ficar cada vez mais fraco, e logo as feridas em seu pescoço começaram a feder.
Até mesmo a fumaça que ele exalava fedia, e no final ele não se alimentava mais. No nono
dia da décima segunda lua de 130 AL, o magnífico dragão dourado que fôra a glória de Aegon
morria no pátio de Pedra do Dragão, onde havia caído. Sua Graça chorou.

Quando seu pesar passou, o Rei Aegon II convocou seus lealistas e fez planos
para se retorno à Porto Real, para reclamar o Trono de Ferro e se reunir novamente com a
senhora sua mãe, a Rainha Viúva, que finalmente emergira triunfante sobre sua grande rival,
mesmo que apenas por sobreviver a ela. “Rhaenyra nunca foi uma rainha,” o rei declarou,
insistindo que dali por diante, nas crônicas e relatos da corte, sua meia irmã fosse tratada
apenas como “princesa”, o título de rainha sendo reservado apenas para sua mãe Alicent e
sua falecida esposa e irmã Helaena, as “verdadeiras rainhas”. E assim foi decretado.

No entanto, o triunfo de Aegon seria tão curto quanto agridoce. Rhaenyra estava
morta, mas sua causa não morrera com ela, e novos exércitos Negros se puseram em marcha,
mesmo quando o rei retornou à Fortaleza Vermelha. Aegon II iria se sentar no Trono de
Ferro novamente, mas ele nunca se recuperaria de seus ferimentos, e nem saberia mais o que
era alegria ou paz. Sua restauração perduraria por mais apenas meio ano.
O relato de como o Segundo Aegon caiu e foi sucedido pelo Terceiro é um conto
para outro momento, no entanto. A guerra pelo trono iria continuar, mas a rivalidade que
começara em um baile da corte quando a princesa vestira-se de negro e a rainha de verde
chegou ao seu fim vermelho, e com isso se conclui essa parte de nossa história.
*Em 111 DC, um grande torneio foi realizado em Porto Real no quinto
aniversário do casamento do rei com a Rainha Alicent. No banquete de abertura, a rainha
vestira um vestido verde, enquanto a princesa vestira-se dramaticamente no vermelho e
preto Targaryen. O acontecimento foi notado, e desde então tornou-se tradição referir-se a
“Verdes” e “Negros” ao falar dos partidários da rainha e dos partidários da princesa,
respectivamente. No próprio torneio, os pretos se deram melhor quando Sor Criston Cole,
em nome da Princesa Rhaenyra, tirou todos os campeões da rainha de suas montarias,
incluindo dois dos primos dela e o irmão mais novo dela, Sor Gwayne Hightower.

Tradução amadora de “The Princess and the Queen”, de George R.


R. Martin.

Publicado na Grã-Bretanha como um conto do livro “Dangerous


Women” pela HarperVoyager 2013 - copyright © 2013 by George R. R. Martin.
Todos os direitos reservados.

Traduzido para fins de entretenimento.

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