A Princesa e A Rainha - Os Negros e Os Verdes - George R. R. Martin
A Princesa e A Rainha - Os Negros e Os Verdes - George R. R. Martin
A Princesa e A Rainha - Os Negros e Os Verdes - George R. R. Martin
ou,
Os Negros e os Verdes
Sendo uma história das Causas, Origens, Batalhas e Traições do Mais Trágico
Derramamento de Sangue conhecido como Dança dos Dragões, conforme
estabelecido pelo Arquimeistre Gyldayn da Cidadela de Vilavelha.
A Dança dos Dragões é o nome florido dado à briga mortífera e selvagem pelo
Trono de Ferro de Westeros, lutada entre dois ramos rivais da Casa Targaryen durante os
anos 129 a 131 AL. Caracterizar os feitos sombrios, turbulentos e sangrentos deste período
como uma “dança” parece grotescamente inapropriado. Sem dúvida a frase originou-se com
algum cantor. “A Morte dos Dragões” seria muito mais adequado, mas tradição e tempo
marcaram o uso mais poético nas páginas da história, então nós devemos dançar com o resto.
Existiram dois principais reivindicantes do Trono de Ferro após a morte do Rei
Viserys I Targaryen: sua filha Rhaenyra, a única criança sobrevivente de seu primeiro
casamento, e Aegon, seu filho mais velho com sua segunda esposa. Em meio ao caos e
carnificina trazidos por suas rivalidades, outros aspirantes a reis colocaram também suas
pretensões, andando como saltimbancos em um palco por uma quinzena ou uma virada de
lua, apenas para caírem tão rapidamente como se ergueram.
A Dança dividiu os Sete Reinos em dois, enquanto senhores, cavaleiros e
camponeses se declaravam para um lado ou outro e tomavam armas contra si mesmos. Até a
própria Casa Targaryen se dividiu, quando os amigos, família, e filhos de cada um dos
reivindicadores se enredaram na luta. Ao longo dos dois anos de contenda, os grandes
senhores de Westeros, juntos de seus vassalos, cavaleiros e camponeses, sofreram uma
terrível consequência. Embora a dinastia tenha sobrevivido, ao fim da luta o poder
Targaryen diminuíra muito, e os últimos dragões do mundo reduziram drasticamente em
número.
A Dança foi uma guerra diferente de qualquer outra travada na longa história
dos Sete Reinos. Apesar de exércitos terem marchado e se encontrado em batalhas ferozes, a
maioria da chacina ocorreu na água, e… principalmente… no ar, enquanto dragão lutou com
dragão com dentes, garras e fogo. Foi uma guerra marcada também por subterfúgio,
assassinato e traição, uma guerra travada em sombras e degraus, aposentos do conselho e
pátios dos castelos com facas, mentiras e veneno.
Fermentando por tempos, o conflito veio à tona no terceiro dia da terceira lua de
129 AL, quando o Rei Viserys I Targaryen, doente e de cama, fechou seus olhos para um
cochilo na Fortaleza Vermelha de Porto Real, e morreu sem acordar. Seu corpo foi
descoberto por um servente na hora do morcego, quando era tradição do rei tomar um copo
de hipocraz. O servente correu para informar a Rainha Alicent, cujos aposentos estavam no
piso abaixo dos do rei.
O servente entregou seus pesares diretamente à rainha, e apenas para ela, sem
causar alarme; a morte do rei fora antecipada por certo tempo, e a Rainha Alicent e seus
partidários, os chamados Verdes, tomaram conta de instruir todos os guardas e serventes de
Viserys sobre o que fazer quando o dia chegasse.
A Rainha Alicent foi de prontidão ao aposento do rei, acompanhada de Sor
Criston Cole, Senhor Comandante da Guarda Real. Ao confirmarem que Viserys estava
morto, Sua Graça ordenou que seu aposento fosse fechado e colocado sob guarda. O servente
que encontrara o corpo do rei foi levado em custódia, para ter certeza de que ele não
espalhasse a notícia. Sor Criston retornou para a Torre da Espada Branca e enviou seus
irmãos da Guarda Real para convocarem os membros do pequeno conselho do rei. Era a hora
da coruja.
Então como agora, a Irmandade Juramentada da Guarda Real consistia de sete
cavaleiros, homens de lealdades provadas e proezas incontestáveis que juraram solenemente
dedicar suas vidas para defender o rei e sua família. Somente cinco das capas brancas
estavam em Porto Real no momento da morte de Viserys; o próprio Sor Criston, Sor Arryk
Cargyll, Sor Rickard Thorne, Sor Steffon Darklyn, e Sor Willis Fell. Sor Erryk Cargyll
(gêmeo de Sor Arryk) e Sor Lorent Marbrand, com a Princesa Rhaenyra em Pedra do
Dragão, permaneceram ignorantes e não envolvidos enquanto seus irmãos levantavam os
membros do pequeno conselho de suas camas.
Aglomerados nos aposentos da rainha enquanto o corpo de seu senhor esposo
esfriava acima estavam a própria Rainha Alicent; seu pai Sor Otto Hightower, Mão do Rei;
Sor Criston Cole, Senhor Comandante da Guarda Real; Grande Meistre Orwyle; Lorde
Lyman Beesbury, mestre da moeda, um homem de oitenta anos; Sor Tyland Lannister,
mestre dos navios, irmão do Senhor de Rochedo Casterly; Larys Strong, chamado de Larys
Pé Torto, Senhor de Harrenhal, mestre dos sussurros; e Lorde Jasper Wylde, chamado de
Bastão de Ferro, mestre das leis.
Grande Meistre Orwyle começou o enquanto revisando as tarefas e os
procedimentos usuais necessários perante a morte de um rei. Ele disse, “Septão Eustace deve
ser convocado para realizar os últimos ritos e rezar pela alma do rei. Um corvo deve ser
enviado a Pedra do Dragão imediatamente para informar a Princesa Rhaenyra do
falecimento de seu pai. Talvez Sua Graça a rainha cuidaria de escrever a mensagem, para
amenizar estas más notícias com algumas palavras de condolência? Os sinos sempre são
tocados para anunciar a morte de um rei, alguém deve dar conta disto, e é claro nós devemos
começar a fazer nossas preparações para a coração da Rainha Rhaenyra...”
Sor Otto Hightower o cortou. “Tudo isto deve esperar,” ele declarou, “até que a
questão da sucessão seja resolvida.” Como Mão do Rei, ele tinha permissão para falar com a
voz do rei, até mesmo para sentar no Trono de Ferro na ausência do rei. Viserys lhe
concedeu autoridade para governar os Sete Reinos, e “até tal hora em que nosso novo rei seja
coroado”, esta regra continuaria.
“Até que nossa rainha seja coroada,” Lorde Beesbury disse, em um tom atrevido.
“Rei,” insistiu a Rainha Alicent. “O Trono de Ferro por direito deve passar para
o filho legítimo mais velho de Sua Graça.”
A discussão que se seguiu continuou até o amanhecer. Lorde Beesbury falou a
favor da Princesa Rhaenyra. O antigo mestre da moeda, que servira Rei Viserys durante seu
reinado inteiro, e seu pai Jaehaerys, o Velho Rei, antes dele, lembrou ao conselho de que
Rhaenyra era mais velha do que seus irmãos e tinha mais sangue Targaryen, de que o
falecido rei escolhera-a como sua sucessora, de que ele repetidamente recusou-se a alterar a
sucessão apesar das súplicas da Rainha Alicent e seus Verdes, de que centenas de senhores e
cavaleiros com terra se submeteram à princesa em 105 AL, e juraram votos solenes para
defender seus direitos.
Mas estas palavras caíram em ouvidos feitos de pedra. Sor Tyland comentou
que muitos dos senhores que haviam jurado defender os direitos da Princesa Rhaenyra
estavam mortos há algum tempo. “Já se passaram 24 anos” ele disse “Eu mesmo fiz esse
juramento. Era uma criança na época”. O Mestre das Leis citou o Grande Conselho de 101 e o
fato de o Velho Rei ter escolhido Baelon ao invés de Rhaenys em 92; depois discursou um
tempo sobre Aegon, o Conquistador, e suas irmãs, e a sagrada tradição ândala na qual os
direitos sempre pertenciam ao filho primogênito em detrimento dos de uma mera filha. Sor
Otto lembrou-lhes que o marido de Rhaenyra não era ninguém mais ninguém menos do que
o Príncipe Daemon, e “nós todos sabemos a natureza dele. Não se enganem, se Rhaenyra se
sentar no Trono de Ferro, será Daemon quem governará, um Rei Consorte mais cruel e
implacável do que Maegor jamais foi. Minha própria cabeça será a primeira a ser cortada, eu
não duvido, mas a de sua rainha, minha filha, virá em seguida.”
A Rainha Alicent fez eco ao seu discurso. “Nem pouparão meus filhos,” ela
declarou. “Aegon e seus irmãos são filhos legítimos do rei, com pretensões melhores ao trono
do que a de seu bando de bastardos. Daemon achará um pretexto para executá-los. Até
mesmo Helaena e seus pequenos. Um daqueles Strong arrancou o olho de Aemond, não
esqueçam. Ele era um garoto, sim, mas o garoto é pai do homem, e bastardos são monstros
por natureza.
Sor Criston também falou. Se a princesa reinasse, Jacaerys Velaryon viria
depois dela. “Que os Sete salvem este reino se um bastardo se sentar no Trono de Ferro.” Ele
falou de forma arbitrária sobre a infâmia de Rhaenyra com seu marido. “Eles transformarão
a Fortaleza Vermelha num bordel. Nenhuma filha estará a salvo, nenhuma esposa. Nem
mesmo os garotos… nós sabemos o que Laenor foi.”
Não está registrado que Lorde Larys Strong discursou durante este debate, mas
isso não era incomum. O Mestre dos Sussurros tratava suas palavras como um avarento
trata suas moedas e preferia sempre ouvir ao invés de falar.
Mas Sor Criston Cole forçou Lorde Beesebury de volta ao seu assento e cortou sua garganta
com uma adaga.
Nenhum corvo voou naquela noite. Nenhum sino tocou. Os servos que
souberam da morte do rei foram mandados para as masmorras. A Sor Criston Cole foi dada
a tarefa de levar em custódia os Negros que estivessem na corte, todos os lordes e cavaleiros
que poderiam estar inclinados a apoiar a Princesa Rhaenyra. “Não use de violência, a menos
que eles resistam,” ordenou Sor Otto Hightower.
“Os homens que dobrarem os joelhos e jurarem lealdade ao Rei Aegon não
sofrerão nenhum dano em nossas mãos.”
Lorde Larys Strong, Mestre dos Sussurros, então falou pela primeira e única vez
naquela noite. “Vamos ser os primeiros a jurar,” ele disse, “para que não haja traidores aqui
entre nós,” Puxando a adaga, o Pé Torto riscou sua palma. “Um juramento de sangue”, ele
incitou, “para unir todos nós, irmãos até a morte.” E assim cada um dos conspiradores cortou
suas palmas, e apertaram as mãos uns dos outros, jurando irmandade. A Rainha Alicent,
sozinha entre eles, foi dispensada do juramento por ser mulher.
A madrugada foi rompida sobre a cidade antes que a Rainha Alicent despachasse
a Guarda Real para trazer seus filhos ao conselho. O Príncipe Daeron, o mais delicado de
suas crianças, chorou pela morte do pai. O caolho Príncipe Aemond, de dezenove, foi
encontrado no arsenal, vestindo placa peitoral e armadura para seus exercícios matinais nos
jardins do castelo. “Aegon é rei”, ele perguntou a Sor Willis Fell, “ou deveremos nos curvar
e beijar a boceta da puta velha?” A Princesa Helaena estava tomando o desjejum com seus
filhos quando a Guarda Real chegou a ela… mas quando perguntada sobre o paradeiro do
Príncipe Aegon, seu irmão e marido, disse apenas, “Ele não está em minha cama, podem
estar certos. Fiquem livres para procurar sob os lençóis.”
O Príncipe Aegon estava com uma amante quando foi encontrado. A princípio,
o príncipe se recusou a fazer parte dos planos de sua mãe. “Minha irmã é a herdeira, não eu”,
ele disse. “Que tipo de irmão rouba o direito de nascença da irmã?” Apenas quando Sor
Criston o convenceu de que a princesa provavelmente executaria a ele e a seus irmãos é que
Aegon hesitou. “Enquanto qualquer herdeiro Targaryen legítimo viver, nenhum Strong terá
esperança de se sentar no Trono de Ferro,” Cole disse. “Rhaenyra não terá escolha além de
cortar suas cabeças se quiser que seus bastardos reinem depois dela.” E foi isso, e apenas isso,
que persuadiu Aegon a aceitar a coroa que o Pequeno Conselho lhe oferecia.
Sor Tyland Lannister foi nomeado Mestre da Moeda no lugar do falecido Lorde
Beesbury, e agiu imediatamente para dividir o tesouro real. O ouro da coroa foi espalhado
em quatro partes. Uma delas foi depositada no Banco de Ferro de Braavos para sua
segurança, outra enviada para Rochedo Casterly, a terceira para Vilavelha. A riqueza
restante seria usada para subornos e presentes, e para contratar mercenários se preciso. Para
ocupar o lugar de Sor Tyland como Mestre dos Navios, Sor Otto olhou para as Ilhas de
Ferro, despachando um corvo para Dalton Greyjoy, o Kraken Vermelho, o ousado e
sanguinário sexagenário Senhor Ceifeiro de Pyke, oferecendo a ele um convite para que
ocupasse um lugar no Pequeno Conselho em troca de sua aliança.
O maior perigo repousava em Ponta Tempestade, sendo que a Casa Baratheon sempre fora
firme em apoiar as pretensões da Princesa Rhaenys e seus filhos. Contudo, com a morte do
velho Lorde Boremund, seu filho Borros se mostrou mais agressivo que seu pai, e até mesmo
os menores nobres das Terras da Tempestade seguiriam sua liderança. “Então precisamos
que ele se assuma em favor do nosso rei”, a Rainha Alicent declarou. Para isso, ela enviou
seu segundo filho.
Assim, não foi um corvo que voou para Ponta Tempestade naquele dia, mas
Vhagar, o maior e mais velho dos dragões de Westeros. Em suas costas estava o Príncipe
Aemond Targaryen, com uma safira no lugar de seu olho perdido.
“Você oferecerá se casar com uma das filhas de Lorde Baratheon”, disse seu avô
Sor Otto antes que ele voasse. “Qualquer uma das quatro. Corteje-a e case com ela, e Lorde
Borros declarará as Terras da Tempestade a favor de seu irmão. Falhe…”
“Eu não vou falhar,” o Príncipe Aemond vociferou. “Aegon terá Ponta
Tempestade e eu terei essa garota.”
Enquanto isso, preparativos apressados eram feitos para a coroação. O Poço dos
Dragões foi escolhido para ser o lugar. Sob sua poderosa cúpula caberiam oitocentas pessoas,
e suas poderosas paredes e telhado, e seus portões de bronze impediriam que traidores
tentassem impedir a cerimônia.
No dia marcado, Sor Criston Cole colocou a coroa de ferro e rubi de Aegon, o
Conquistador, sobre a cabeça do filho mais velho do Rei Viserys I e da Rainha Alicent,
proclamando-o Aegon da Casa Targaryen, Segundo do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos
Roinares e dos Primeiros Homens, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território.
Sua mãe, a Rainha Alicent, amada pelos plebeus, colocou sua coroa sobre a
cabeça de sua filha Helaena, irmã e esposa de Aegon. Após beijá-la nas bochechas, a mãe se
ajoelhou diante da filha e disse “Minha rainha.”
Com o Alto Septão em Vilavelha, muito velho e frágil para viajar a Porto Real,
ficou a cargo do Septão Eustace a tarefa de ungir Aegon com os sete óleos e abençoá-lo em
nome dos Sete. E alguns dos presentes, mais observadores do que os outros, devem ter
notado que haviam quatro mantos brancos com o novo rei, e não cinco como antes. Aegon II
sofrera suas primeiras deserções na noite anterior quando Sor Steffon Darklyn da Guarda
Real fugira da cidade com seu escudeiro, dois criados e quatro homens de armas. Sob o
manto da escuridão, eles fizeram seu caminho por um portão traseiro onde um barco de
pescador os aguardava para levá-los a Pedra do Dragão. Levavam consigo uma coroa
roubada: de ouro amarelo e com sete gemas de diferentes cores. Essa havia sido a coroa do
Rei Viserys, a mesma do Velho Rei Jaehaerys antes dele. Quando o Príncipe Aegon decidira
usar a coroa de ferro e rubi de seu homônimo, o Conquistador, a Rainha Alicent ordenara
que a coroa de Viserys fosse trancada, mas o servo em quem confiara a havia traído.
Quando o bebê finalmente saiu, provou que realmente era um monstro: uma
garota nascida morta, torcida e mal formada, com um buraco no peito onde devia haver o
coração e uma hirsuta cauda cheia de escamas. A garota morta recebeu o nome de Visenya,
segundo a vontade da Princesa Rhaenyra no dia seguinte, quando o leite de papoula
amenizara parte de sua dor. “Era minha única filha e eles a mataram. Roubaram minha coroa
e mataram minha filha, e terão de responder por isso.”
Contra tudo isso, as vantagens de Rhaenyra eram poucas. Alguns dos lordes
mais velhos poderiam se lembrar dos votos que haviam feito à Princesa de Pedra do Dragão,
nomeando-a herdeira de seu pai. Houvera um tempo em que ela fora amada pelos nobres e
plebeus, quando a chamavam de Deleite do Reino. Muitos jovens senhores e nobres
cavaleiros haviam procurado seu favor… mas quantos ainda lutariam por ela, agora que era
uma mulher casada, seu corpo envelhecido e engrossado por seis partos, era uma questão que
não podia responder. Apesar de seu meio-irmão ter saqueado o tesouro de seu pai, a princesa
tinha à sua disposição a riqueza da Casa Velaryon, e a frota da Serpente do Mar lhe garantia
superioridade nos oceanos. E seu marido, o Príncipe Daemon, tinha mais experiência como
guerreiro do que todos os seus inimigos combinados. E por último, mas não menos
importante, Rhaenyra tinha seus dragões.
“Nós temos mais,” disse a Princesa Rhaenys, a Rainha Que Nunca Foi, que era
uma domadora de dragões a mais tempo que todos eles. “E os nossos são maiores e mais
fortes, exceto por Vhagar. Dragões se desenvolvem mais em Pedra do Dragão.” Ela declarou
para o conselho. O Rei Aegon tinha Sunfyre. Uma fera esplêndida, mas jovem. Aemond
Caolho montava Vhagar, e o perigo representado pela montaria da Rainha Visenya não
podia ser desconsiderado. A Rainha Helaena montava Dreamfyre, o dragão-fêmea que já
carregara Rhaena, irmã do Velho Rei, acima das nuvens. O dragão do Príncipe Daeron era
Tessarion, com asas negras e cobalto e com sua crista, barriga e garras reluzentes como
cobre. “Isso faz com que sejam quatro dragões a lutar do lado deles”, disse Rhaenys. Os
gêmeos da Rainha Helaena tinham seus próprios dragões, mas não eram mais do que
filhotes; o filho caçula do usurpador, Maelor, era dono de apenas um ovo.
Além disso, seis outros dragões moravam nas cavernas esfumaçadas do Monte
dos Dragões acima do castelo. Eram Silverwing, o dragão da Boa Rainha Alysanne;
Seasmoke, a fera cinza-pálido que fora o orgulho e paixão de Sor Laenor Velaryon; o antigo
Vermithor, sem mestre desde a morte do Rei Jaehaerys. E atrás da montanha habitavam três
dragões selvagens, nunca montados ou reivindicados por ninguém. Os plebeus os haviam
batizado de Sheepstealer, Grey Ghost e o Cannibal. “Achem montadores para Silverwing,
Vermithor e Seasmoke e nós teremos nove dragões contra os quatro de Aegon. Se alguém
domar os selvagens, teremos doze, mesmo sem Stormcloud,” pontuou a Princesa Rhaenys.
“É assim que venceremos essa guerra.”
“Não vai chegar a esse ponto,” Celtigar insistiu. “O Usurpador não terá escolha além de
enviar seus próprios dragões contra os nossos. Os nossos nove certamente vencerão os seus
quatro.”
“Mas a que custo?” perguntou a Princesa Rhaenyra. “Meus filhos montariam três desses
dragões, devo lembrar-lhe. E não seriam nove contra quatro. Eu não estarei forte o suficiente
para voar por um tempo. E quem irá montar Silverwing, Vermithor e Seasmoke, meu
senhor? Eu não penso assim. Serão cinco contra quatro, e um desses quatro será Vhagar. Não
há vantagem.”
O Príncipe Daemon tinha boas razões para acreditar que a Donzela do Vale
ficaria do lado deles também. Aegon certamente buscaria o suporte de Pyke, ele ponderou;
apenas as Ilhas de Ferro poderiam se opôr às forças da Casa Velaryon no mar. Mas os
nascidos no ferro eram notavelmente inconstantes, e Dalton Greyjoy amava sangue e
batalha; ele poderia facilmente ser persuadido a apoiar a princesa.
O Norte era muito remoto para ter muita importância na luta, o conselho
julgou; até que os Stark reunissem seus vassalos e marchassem para o sul, a guerra podia
muito bem ter acabado. De modo que restavam os senhores do rio, um punhado de
guerreiros ferozes governados, pelo menos em teoria, pela Casa Tully de Correrrio.
“Nós temos amigos nas Terras Fluviais,” o príncipe disse, “embora ainda não se atrevam a
mostrar suas cores. Nós precisamos de um lugar para reuní-los, um ponto de apoio no
continente grande o suficiente para abrigar um exército, e forte o suficiente para enfrentar
não importa quais sejam as forças que o usurpador jogue contra nós.” Ele mostrou aos lordes
no mapa. “Aqui. Harrenhal.”
Então falou o filho mais velho da rainha, Jacaerys. “Nós devíamos carregar as
mensagens,” ele disse. “Dragões ganharão os lordes mais fácil do que os corvos.” Seu irmão
Lucerys concordou, insistindo que ele e Jace eram homens, ou tão perto disso que nem fazia
diferença. “Nossos tios nos chamam de Strong, e declaram que nós somos bastardos, mas
quando os lordes nos virem montados em dragões saberão que tais acusações são mentiras.
Apenas Targaryen montam dragões.” Até o jovem Joffrey concordou, oferecendo-se para
montar seu dragão Tyraxes e acompanhar seus irmãos.
A Princesa Rhaenyra proibiu; Joff tinha apenas doze. Mas Jacaerys tinha
quinze, Lucerys catorze; rapazes fortes e robustos, habilidosos nas armas e que já haviam
servido como escudeiros. “Se vocês forem, será como mensageiros e não cavaleiros,” ela
disse a eles. “Não devem tomar parte de nenhuma luta.” E apenas quando ambos os garotos
fizeram votos solenes em cima de uma cópia da Estrela de Sete Pontas que Sua Graça
consentiu em enviá-los. Ficou decidido que Jace, o mais velho dos dois, se encarregaria da
tarefa mais perigosa, voando primeiro ao Ninho para tratar com a Senhora do Vale; então
pra Porto Branco a fim de conquistar Lorde Manderly, e por último para Winterfell se
encontrar com Lorde Stark. A missão de Luke seria mais curta e segura; ele voaria a Ponta
Tempestade, onde se esperava que Lorde Borros Baratheon lhe daria calorosas boas vindas.
Uma coroação apressada foi feita no dia seguinte. A chegada de Sor Steffon
Darklyn, há pouco membro da Guarda Real de Aegon, foi ocasião de muita comemoração
em Pedra do Dragão, em especial quando se soube que ele e seus companheiros lealistas
(“vira casacas”, Sor Otto os declarou, oferecendo recompensas por suas capturas) haviam
trazido a coroa roubada do Rei Jaehaerys, o Conciliador. Trezentos espectadores viram o
Príncipe Daemon Targaryen colocar a coroa do Velho Rei sobre a cabeça de sua esposa,
proclamando-a Rhaenyra da Casa Targaryen, Primeira de Seu Nome, Rainha dos Ândalos,
dos Roinares e dos Primeiros Homens. O príncipe reivindicou para si o título de Protetor do
Território, e Rhaenyra nomeou seu filho primogênito, Jacaerys, Príncipe de Pedra do Dragão
e herdeiro do Trono de Ferro.
Seu primeiro ato como rainha foi declarar Sor Otto Hightower e a Rainha
Alicent traidores e rebeldes. “Quanto a meus meio-irmãos, e minha doce irmã Helaena,” ela
anunciou, “eles tem sido influenciados pelos conselhos de homens vis. Deixe-os vir a Pedra
do Dragão, dobrarem os joelhos e me pedirem perdão, e eu alegremente pouparei suas vidas e
os colocarei novamente em meu coração, porque eles são do meu sangue e ninguém, seja
homem ou mulher, é tão maldito quanto um assassino de parentes.”
Aegon não teria dado ouvidos a isso. O Septão Eustace nos diz que Sua Graça acusou o
Grande Meistre de deslealdade e falou em jogá-lo numa cela negra “com seus amigos
Negros”. Mas quando as duas rainhas - sua mãe, Rainha Alicent, e sua esposa, Rainha
Helaena - se pronunciaram a favor da proposta de Orwyle, o rei cedeu com relutância. Então
o Grande Meistre Orwyle foi despachado para cruzar a Baía da Água Negra sob uma
bandeira de paz, liderando um séquito que incluía Sor Arryk Cargyll da Guarda Real e Sor
Gwayne Hightower dos mantos dourados, junto com um punhado de escribas e septões.
Rhaenyra ouviu esses termos num silêncio pétreo, e então perguntou a Orwyle
se ele se lembrava do pai dela, o Rei Viserys. “Claro, Sua Graça,” o meistre respondeu.
“Talvez você possa nos dizer quem ele nomeou como sua herdeira e sucessora,” a rainha
disse, com a coroa dele sobre a cabeça. “Você, Sua Graça,” Orwyle replicou. E Rhaenyra
assentiu e disse, “Com sua própria boca você admite que sou sua rainha por direito. Por quê
você serve ao meu meio-irmão, o pretendente? Diga ao meu meio-irmão que eu terei meu
trono, ou terei sua cabeça,” ela disse, mandando os enviados de volta.
Aegon II, vinte e dois anos, era rápido em sua raiva e lento em perdoar. A recusa
de Rhaenyra em aceitar o seu governo o enfureceu. “Eu ofereci a ela uma paz honrada, e a
puta me estapeou a face,” ele declarou. “O que acontecer agora é responsabilidade dela.”
Se a viagem de seu irmão realmente tivesse sido “mais curta e mais segura”,
muito derramamento de sangue e sofrimento teriam sido evitados.
O Estranho tinha outros planos. Porque certamente foi sua mão pavorosa que
esteve por trás do acaso que juntou os dois príncipes em Ponta Tempestade, quando o dragão
Arrax voou para dentro da segurança dos jardins do castelo, apenas para encontrar Aemond
Targaryen ali antes dele.
O poderoso dragão do Príncipe Aemond, Vhagar, sentiu a presença do outro
primeiro. Os guardas percorrendo as muralhas do castelo agarraram suas lanças em terror
repentino quando o dragão acordou, com um rugido que fez estremecer os alicerces do
Desafio de Durran. Até mesmo Arrax fraquejou diante desse som, nos informam, e Luke
teve de se esforçar para fazê-lo pousar.
“Olhe para essa criatura triste, meu senhor,” gritou o Príncipe Aemond. “O
pequeno Luke Strong, o bastardo.” Para Luke, ele disse, “Você está molhado, bastardo. Isso
foi a chuva ou você se mijou de medo?”
Todas as testemunhas concordam com o que Lorde Borros disse e fez. Sem ser
um homem de palavras escritas, ele deu a carta da rainha nas mãos de seu meistre, que
quebrou o selo e sussurrou seu conteúdo nos ouvidos de seu mestre. O rosto de Borros se
tornou uma carranca. Ele afagou sua barba, fez uma careta para Lucerys Velaryon e disse, “E
se eu acatar às solicitações de sua mãe, com qual de minhas filhas você se casará, garoto?” Ele
fez um gesto abarcando as quatro garotas. “Escolha uma.” O Príncipe Lucerys pôde apenas
corar. “Meu senhor, eu não sou livre para me casar,” ele replicou. “Estou prometido à minha
prima Rhaena.”
“Considerei bastante,” disse Lorde Borros. “Vai pra casa, filhote, e diz pra
cadela da sua mãe que o Senhor de Ponta Tempestade não é um cachorro que ela pode
convocar com um assobio quando precisa lutar contra seus inimigos.” E o Príncipe Lucerys
deu meia volta para deixar o Salão Circular.
O Príncipe Lucerys se lembrou da promessa feita à sua mãe. “Eu não lutarei com
você. Vim aqui como um enviado, e não como cavaleiro.”
“Você veio aqui como um covarde e traidor,” disse o Príncipe Aemond. “E eu
terei sua vida, Strong.”
No que Lorde Borros se ergueu com inquietação. “Não aqui,” ele resmungou.
“Ele veio como um enviado. Não quero sangue sob meu teto.” Então seus guardas se
colocaram entre os príncipes e escoltaram Lucerys Velaryon do Salão Circular, de volta ao
jardim do castelo onde seu dragão, Arrax, se debruçava sob a chuva, aguardando-o.
Arrax caiu, quebrado, para ser engolido pelas águas revoltas da baía. Sua cabeça
e pescoço emergiram nos penhascos abaixo de Ponta Tempestade três dias depois, servindo
de banquete para caranguejos e aves marinhas. O cadáver do Príncipe Lucerys teve o o
mesmo fim.
A Torre da Mão era menos segura. Os dois homens subiram pelas paredes,
evitando os lanceiros postados nas portas da torre. Os quartos de Sor Otto não interessavam
a eles. Ao invés disso, eles escorregaram para as câmaras de sua filha, um piso abaixo. A
Rainha Alicent se mudara para lá depois da morte do Rei Viserys, quando seu filho Aegon se
mudara para a Fortaleza de Maegor com sua nova rainha. Uma vez lá dentro, Queijo
amarrou e amordaçou a Rainha Viúva enquanto Sangue estrangulava sua dama de
companhia. Então eles se instalaram e aguardaram, porque sabiam que era costume da
Rainha Helaena trazer suas crianças para ver a avó todas as noites antes de dormir.
“Grite e todos morrem,” Sangue disse para Sua Graça. A Rainha Helaena
manteve a calma, obedecendo. “Quem são vocês?” ela perguntou aos dois. “Credores,” disse
Queijo. “Olho por olho, filho por filho. Nós apenas queremos um para igualar as coisas. Não
vamos ferir os demais, nem um fio de cabelo. Qual deles quer perder, Vossa Graça?”
Quando entendeu o que ele queria dizer, a Rainha Healena implorou aos
homens que a matassem ao invés disso. “Uma esposa não é um filho,” disse Sangue. “Terá
de ser um garoto.”
Queijo avisou a rainha para escolher logo, antes que Sangue ficasse irritado e estuprasse a
garotinha. “Escolha,” ele disse, “ou nós mataremos todos.” De joelhos, implorando, Helaena
disse o nome do caçula, Maelor. Talvez ela pensasse que o garoto era jovem demais pra
entender, ou talvez fosse porque Jaehaerys era o primogênito do Rei Aegon e seu herdeiro,
próximo na linha de sucessão do Trono de Ferro. “Ouviu isso, garoto?” Queijo sussurrou
para Maelor. “Sua mamãe quer você morto”. Então ele deu um sorriso largo para Sangue, e o
enorme espadachim assassinou o Príncipe Jaehaerys, decepando a cabeça do garoto de um
único golpe. A rainha começou a gritar.
A Queda de Harrenhal para o Príncipe Daemon trouxe um grande choque para Sua Graça.
Até aquele momento, Aegon II acreditara que a causa de sua irmã era sem esperanças.
Harrenhal deixara Sua Graça se sentindo vulnerável pela primeira vez. Derrotas
subsequentes no Moinho Flamejante e na Pedra Solitária foram novos golpes, e fizeram o rei
perceber que a situação era mais perigosa do que imaginara. Seus medos se aprofundaram
quando corvos retornaram da Campina, onde os Verdes acreditavam estar mais fortes. A
Casa Hightower e Vilavelha estavam solidamente nas mãos do Rei Aegon, e Sua Graça
tinha a Árvore também… mas por todo lugar no sul, outros lordes se declaravam por
Rhaenyra, entre eles Lorde Costayne de Três Torres, Lorde Mullendore de Terras Altas,
Lorde Tarly de Monte Chifre, Lorde Rowan de Bosquedouro e Lorde Grimm de Escudo
Cinzento.
A demora incomodava o jovem rei. Aegon II perdera sua pouca paciência com as
tergiversações do avô. Apesar de sua mãe, a Rainha Viúva Alicent, ter falado em defesa de
Sor Otto, Sua Graça fez ouvidos surdos aos seus pedidos. Convocando Sor Otto à sala do
trono, ele arrancou a corrente de seu cargo de seu pescoço e a atirou para Sor Criston Cole.
“Minha nova Mão é uma manopla de aço,” ele alardeou. “Pararemos de escrever cartas.” Sor
Criston não perdeu tempo e demonstrou sua impetuosidade. “Não deve pedir o apoio de seus
lordes como um mendigo pedindo esmolas,” ele disse a Aegon. “Você é o rei de direito de
Westeros, e todos que negam isso são traidores. Chegou a hora de eles aprenderem o preço
da traição.”
O Mestre dos Sussurros do Rei Aegon, Larys Strong, o Pé Torto, depositou uma
lista com os lordes que haviam se reunido em Pedra do Dragão para assistir à coroação da
Rainha Rhaenyra e se sentar no Conselho Negro. Lordes Celtigar e Velaryon tinham suas
sedes em ilhas; e como Aegon II não tinha força no mar, estavam além de sua fúria. Os
lordes Negros cujas terras estavam no continente, no entanto, não contavam com tal
proteção.
Valdocaso caiu rapidamente, pêga de surpresa pelas forças do rei, a cidade foi
saqueada, os navios no porto incendiados e Lorde Darklyn decapitado. Pouso de Gralhas foi
o objetivo seguinte de Sor Criston. Avisado de que eles vinham, Lorde Staunton fechou seus
portões e desafiou os atacantes. Dentro de suas muralhas, o lorde pôde apenas assistir
enquanto seus campos, bosques e vilas eram queimados, e suas ovelhas, gado e plebeus
passados na espada. Quando as provisões dentro do castelo começaram a diminuir, ele
despachou um corvo a Pedra do Dragão, pedindo por ajuda.
Nove dias após o pedido de ajuda de Lorde Staunton, o som de asas coriáceas foi
ouvido através do oceano, e o dragão Meleys surgiu sobre Pouso de Gralhas. Era chamado de
Rainha Vermelha devido às escamas escarlate que o cobriam. A membrana de suas asas era
rosada, sua crista, chifres e garras da cor do cobre. Em suas costas, em aço e cobre, reluzente
como o sol, estava Rhaenys Targaryen, a Rainha Que Nunca Foi.
Sor Criston não se consternou. A Mão de Aegon esperava por isso, contava com
isso. Tambores foram tocados ao seu comando, e arqueiros dispararam, os de arco longo e os
besteiros, enchendo o ar de flechas e dardos. Perfuradores escorpião eram usados, os mesmos
que haviam derrubado Meraxes em Dorne outrora. Meleys foi golpeado, as flechas apenas
serviram para deixá-lo mais furioso. Ele baixou, cuspindo fogo pra direita e esquerda.
Cavaleiros foram queimados em suas selas, e seus cabelos crisparam e seus arreios pegaram
fogo. Homens de armas largaram suas lanças e se dispersaram. Alguns tentaram se esconder
atrás de seus escudos, mas carvalho ou aço não podiam fazer frente à respiração de dragão.
Sor Criston, sentado em seu cavalo branco, gritava, “Mirem no montador,” apesar da fumaça
e das chamas. Meleys rugiu, fumaça saindo de suas narinas, um garanhão se contorcendo em
sua mandíbula sendo envolto pelas chamas.
Aqueles que estavam mais próximos dos dragões não viveram para contar o
ocorrido. Os que estavam mais distantes não podiam ver, por causa do fogo e da fumaça.
Passaram-se horas antes que os fogos se apagassem. Mas, das cinzas, apenas Vhagar se
ergueu ileso. Meleys estava morto, quebrado pela queda e rasgado em pedaços pelo chão. E
Sunfyre, a esplêndida fera dourada, tinha uma asa meio arrancada de seu corpo, enquanto
que sua montaria real sofrera com costelas quebradas, um quadril fraturado e queimara
metade do corpo. Seu braço direito sofrera mais. O fogo de dragão queimara tão intenso que
a armadura do rei derretera até a carne.
Centenas fugiram de Porto Real depois disso, até que a Rainha Viúva Alicent
ordenou que os portões da cidade fossem fechados e lacrados.
O Rei Aegon II não morreu, embora suas queimaduras causassem tanta dor que
alguns digam que ele pediu pela morte. Carregado de volta a Porto Real numa liteira fechada
para esconder a extensão de seus ferimentos, Sua Graça não pode sair da cama pelo resto do
ano. Septões oraram por ele, meistres o trataram com poções e leite de papoula, mas Aegon
dormia nove horas de cada dez, ficando acordado apenas para ingerir algum alimento antes
de dormir de novo. A ninguém foi permitido atrapalhar seu descanso, a não ser a Rainha
Viúva e sua Mão, Sor Criston Cole. Sua esposa não tentou visitá-lo, tão perdida estava
Helaena em sua própria dor e loucura.
O dragão do rei, Sunfyre, muito feroz e pesado para ser movido, e incapaz de
voar devido à sua asa ferida, ficou nos campos em frente a Pouso de Gralhas, rastejando nas
cinzas como um enorme verme dourado. Nos primeiros dias, se alimentou apenas das
carcaças da matança. Quando elas acabaram, os homens de Sor Criston deixados para
guardá-lo providenciaram ovelhas e bezerros.
“Você deverá governar o reino agora, enquanto seu irmão não está forte o
suficiente para colocar a coroa novamente,” a Mão do Rei disse ao Príncipe Aemond. E Sor
Criston nem precisou dizer duas vezes. O caolho Aemond, assassino de parentes, tomou a
coroa de ferro e rubi de Aegon, o Conquistador. “Fica bem melhor em mim do que jamais
ficou nele,” o príncipe declarou. Aemond não assumiu o título de rei, mas nomeou a si
mesmo Protetor do Território e Príncipe Regente. Sor Criston Cole continuou como Mão do
Rei.
Foi Jace que se destacou nesse momento, no fim do ano de 129 AL. Primeiro ele
trouxe de volta o Senhor das Marés, nomeando-o Mão da Rainha. Juntos, ele e Lorde Corlys
começaram a planejar o ataque a Porto Real.
A Casa Targaryen governara Pedra do Dragão por mais de duzentos anos, desde
que Lorde Aenar Targaryen chegara ali com seus dragões. Apesar de sempre ter sido
mantido o costume de casar irmão com irmã e primo com prima, sangue jovem é quente, e
não era desconhecido que os homens da Casa saíam para procurar por prazeres entre as filhas
(e até as viúvas) entre seus súditos, os plebeus que viviam nas vilas abaixo do Monte do
Dragão, agricultores ou pescadores. De fato, até o reinado do Rei Jaehaerys e da Boa Rainha
Alysanne, a lei arcaica do direito da primeira noite prevalecera em Pedra do Dragão, como o
fez em toda Westeros, consistindo no direito de um senhor em ir para a cama com qualquer
donzela em sua noite de núpcias.
E Seasmoke, que uma vez carregara Laenor Velaryon, aceitou em seu dorso um
garoto de quinze anos chamado Addam de Hull, cujas origens se tornaram objeto de disputa
entre os historiadores atuais. Não muito tempo depois de Addam de Hull ter mostrado seu
valor ao montar Seasmoke, Lorde Corlys pediu à Rainha Rhaenyra que removesse a
bastardia dele e de seu irmão. Quando o Príncipe Jacaerys adicionou sua voz ao pedido, a
rainha aquisceu. Addam de Hull, semente de dragão e bastardo, se tornou Addam Velaryon,
herdeiro de Derivamarca.
O maior e mais velho dos dragões selvagens era o Cannibal, assim batizado
porque era conhecido que se alimentava das carcaças de dragões mortos e baixava sobre as
incubadoras de ovos de Pedra do Dragão para devorar seus semelhantes recém-chocados e os
ovos. Pretensos domadores fizeram tentativas de domá-lo; seus ossos se amontoaram no
covil dele.
Nenhuma das sementes de dragão foi tola o suficiente para perturbar o Cannibal
(se alguém foi, não voltou para contar a história). Alguns procuraram Grey Ghost, mas não
puderam encontrá-lo pois ele era uma criatura esquiva. Sheepstealer provou ser mais fácil de
encontrar, mas continuava sendo uma fera má e de mau temperamento, que matou mais
sementes do que os três “dragões de castelo” juntos. Um que esperou domá-lo (depois que
sua busca por Grey Ghost provou ser infrutífera) foi Alyn de Hul. Sheepstealer não teria
deixado nada dele. Quando tropeçou do covil do dragão com o manto em chamas, apenas a
ação rápida de seu irmão salvou sua vida. Seasmoke afugentou o dragão selvagem e Addam
usou seu próprio manto para apagar as chamas. Alyn Velaryon carregaria as cicatrizes do
encontro em suas costas e pernas pelo resto de sua longa vida. Ainda se considerava
afortunado, por ter sobrevivido. Muitas das outras sementes que tentaram montar
Sheepstealer acabaram em seu estômago ao invés disso.
Desse modo o Príncipe Jacaerys alcançou seu objetivo. Por todas as mortes e
dores que causara, mulheres que tornara viúvas, homens queimados que carregariam suas
cicatrizes até o dia em que morressem, quatro novos domadores de dragão haviam sido
encontrados. Perto do fim do ano 129 AC, o príncipe se preparava para voar contra Porto
Real. A data que escolheu para o ataque foi a primeira lua cheia do ano novo.
Os planos dos homens são brincadeiras para os deuses. Pois enquanto Jace
traçava seus planos, uma nova ameaça surgia do leste. Os esquemas de Otto Hightower
começavam a dar resultados; num encontro em Tyrosh, o Alto Conselho de Triarcas aceitara
sua oferta de aliança. Noventa navios de guerra partiram dos Degraus sob os estandartes das
Três Filhas, voltando seus remos para a Goela… e como numa oportunidade dada pelos
deuses, a coca pentoshi Gay Abandon, carregando os dois príncipes Targaryen, velejou bem
para a armadilha. Os navios que escoltavam a coca foram afundados ou tomados, e o Gay
Abandon capturado.
O irmão mais novo de Aegon, Príncipe Viserys, não tivera como escapar da
coca. Garoto esperto, ele escondeu seu ovo de dragão e se disfarçou com roupas manchadas
de sal, fingindo ser um garoto qualquer no navio, mas um dos outros garotos o dedurou e ele
se tornou um cativo. Foi um capitão tyroshino quem primeiro percebeu o que tinha nas
mãos, mas o almirante da frota, Sharako Lohar de Lys, não aproveitaria muito o seu prêmio.
Quando o Príncipe Jacaerys desceu sobre a linha de galés lisenas nas costas de
Vermax, uma chuva de lanças e flechas subiu para encontrá-lo, Aqueles marinheiros já
haviam encarado dragões antes quando enfrentaram o Príncipe Daemon nos Degraus.
Ninguém poderia criticar sua coragem; eles estavam preparados para encarar fogo de dragão
com as armas que tivessem em mãos. “Matem o domador e o dragão irá embora,” seus
capitães e comandantes lhes haviam dito. Um navio pegou fogo, e então outro. Ainda assim,
os homens das Cidades Livres lutaram… até que alguém gritou, eles olharam para ver mais
asas surgindo do Monte dos Dragões vindo em sua direção. Uma coisa era encarar um
dragão, outra era encarar cinco. Com Silverwing, Sheepstealer, Seasmoke e Vermithor
descendo sobre eles, os homens das Três Filhas sentiram a coragem abandoná-los. A linha de
navios se rompeu e os navios começaram a virar para fugir um depois do outro. Os dragões
desciam como raios, cuspindo bolas de fogo, azuis e laranjas, vermelhas e douradas, cada
uma mais brilhante que a outra. Navio após navio explodiu em chamas ou foi consumido por
elas. Homens gritando pulavam no oceano, envoltos em chamas. Grandes colunas de fumaça
negra subiam da água. Tudo parecia perdido… tudo estava perdido… até Vermax voar baixo
demais e desabar no oceano.
Há muitas versões sobre como e porque o dragão caiu. Alguns dizem que um
arqueiro acertou um ferrolho negro em seu olho, mas essa versão parece muito parecida com
a história do fim de Meraxes, muito tempo antes em Dorne. Outros relatam que um
marinheiro na gávea de uma galé mirana jogou uma âncora em Vermax enquanto ele descia.
Um de seus pinos teria se prendido entre duas escamas, ficando bem preso devido ao peso e à
própria velocidade do dragão. O marinheiro havia atado a outra ponta da corrente no navio,
cujo peso ao afundar causara um longo rasgo na barriga do dragão. O rugido de raiva do
dragão foi ouvido na Cidade das Especiarias, acima do clangor da batalha. Seu vôo teve um
fim violento, Vermax desceu esfumaçado e gritando, arranhando a água. Sobreviventes
dizem que ele lutou para subir, apenas para bater a cabeça numa galé em chamas. A madeira
rachou, o mastro veio abaixo e o dragão, se debatendo, foi enrolado no cordame. Quando o
navio afundou, Vermax afundou junto.
Dizem que Jacaerys Velaryon subiu livre e se agarrou a um dos destroços
fumegantes por alguns momentos, até que um besteiro num navio mirano próximo começou
a disparar nele. O príncipe foi atingido uma vez, e de novo. Outros besteiros começaram a
atirar. Finalmente um dardo atravessou-lhe o pescoço, e Jace afundou no oceano.
O dragão era Tessarion, a Rainha Azul, cor de cobalto e cobre. Em suas costas
estava o filho mais jovem da Rainha Alicent, Daeron Targaryen de quinze anos, escudeiro de
Lorde Ormund.
Uma decisão similar havia sido tomada do outro lado da baía, no coração de
Aemond Targaryen, que reinava em nome do irmão enquanto este estava prostrado.
Desdenhoso de sua meia-irmã Rhaenyra, Aemond Caolho achava que a grande ameaça era
seu tio, o Príncipe Daemon, e o grande exército que ele reunira em Harrenhal. Convocando
seus vassalos e conselho, o príncipe anunciou suas intenções de levar batalha ao seu tio e
punir os senhores do rio rebeldes.
Não podiam detê-lo, já que até que Aegon II levantasse da cama, a regência e
governo eram de Aemond. Fiel à sua decisão, o príncipe atravessava o Portão dos Deuses
dentro de quinze dias, à frente de uma tropa de quatro mil homens.
Entre os mortos estava Walys Mooton, Lorde de Lagoa da Donzela. Quando seu
corpo foi encontrado uma quinzeta depois por seu irmão, Manfryd, nada restava além de
carne esturricada e uma armadura derretida sob vermes rastejantes. No entanto, em nenhum
lugar desse campo de cinzas, coalhado com os corpos dos bravos homens e carcaças
queimadas de uma centenas de cavalos, Lorde Manfryd encontrou o dragão do Rei Aegon.
Sunfyre havia ido embora. Também não haviam rastos, que teriam sido deixados se o dragão
houvesse se arrastado. Sunfyre, o Dourado, estava voando novamente, ao que parecia… mas
para onde, nenhum homem vivo poderia dizer.
Enquanto isso, o Príncipe Daemon Targaryen também voava, ele nas costas de
Caraxes e ia em direção ao sul. Voando em torno das praias ocidentais do Olho de Deus,
longe da linha de marcha de Sor Criston, ele evitou o exército inimigo e cruzou a Baía da
Água Negra, então voltou pro leste, seguindo rio abaixo em direção a Porto Real. E em Pedra
do Dragão, Rhaenyra vestiu um traje reluzente de escamas pretas, montou em Syrax, e voou
como uma tempestade chicoteando as águas da Baía da Água Negra. Sobre a cidade, a rainha
e o príncipe consorte se encontraram, rodeando a alta Colina de Aegon.
A visão deles incitou o terror nas ruas da cidade, porque os plebeus não tardaram
a perceber que o ataque que tanto temiam estava prestes a acontecer. O Príncipe Aemond e
Sor Criston deixaram a cidade sem defesas quando marcharam para tomar Harrenhal… e o
assassino de parentes levara Vhagar, aquela fera temível, deixando apenas Dreamfyre e um
punhado de dragões recém-chocados para se opôr aos dragões da rainha. Os dragões jovens
nunca haviam sido montados, e a domadora de Dreamfyre, Rainha Helaena, era uma mulher
quebrada; a cidade estava sem dragões.
Milhares de plebeus fluíam para fora dos portões da cidade, carregando suas
crianças e pertences terrenos nas costas, para procurar a segurança dos campos. Outros
cavaram poços e túneis em seus casebres, buracos úmidos e escuros, onde esperavam se
esconder enquanto a cidade ardia. Tumultos romperam na Baixada das Pulgas. Quando os
marinheiros dos navios da Serpente do Mar foram vistos a leste da Baía da Água Negra,
atravessando o rio, os sinos de cada septo da cidade tocaram, e turbas surgiram, saqueando ao
bel prazer. Dezenas morreram antes que os mantos dourados pudessem restabelecer a ordem.
Com o Lorde Protetor e a Mão do Rei ausentes, e próprio Rei Aegon queimado,
acamado, e perdido em sonhos de papoula, coube a sua mãe, a Rainha Viúva, ficar a cargo
das defesas da cidade. A Rainha Alicent aceitou o desafio, fechou os portões da cidade e do
castelo, enviou os mantos dourados para as muralhas, e despachou cavaleiros em montarias
rápidas para achar o Príncipe Aemond e trazê-lo de volta.
Ela também ordenou ao Grande Meistre Orwyle que enviasse corvos a “todos os
seus lordes leais”, chamando-os para a defesa de seu verdadeiro rel. Quando Orwyle se
apressou para seus aposentos, porém, ele encontrou quatro mantos dourados esperando por
ele. Um homem abafou seus gritos enquanto os outros o espancaram e amarraram. Com um
saco sobre a cabeça, ele foi escoltado para as celas negras. Os cavaleiros da Rainha Alicent
não passaram dos portões, onde mais mantos dourados os levaram em custódia. Sem Sua
Graça saber, os sete capitães comandando os portões, escolhidos por sua fidelidade ao Rei
Aegon, haviam sido aprisionados ou mortos no momento em que Caraxes aparecera nos céus
sobre a Fortaleza Vermelha… porque as bases da Patrulha da Cidade continuavam adorando
Daemon Targaryen, que os comandara no passado.
O irmão da rainha, Sor Gwayne Hightower, segundo no comando dos mantos dourados,
correu para os estábulos para dar o aviso; ele foi detido, desarmado e arrastado diante de seu
comandante, Luthor Largent. Quando Hightower o acusou de ser um vira casaca, Sor Luthor
riu. “Daemon nos deu essas casacas,” ele disse, “e elas são douradas não importa para onde se
vire.” Ele então atravessou a barriga de Sor Gwayne com sua espada e ordenou que os
portões da cidade fossem abertos para os homens dos navios da Serpente do Mar que
desembarcavam.
Apesar de toda a força alardeada de suas muralhas, Porto Real caiu em menos de
um dia. Uma luta curta e sangrenta foi travada no Portão do Rio, quando treze cavaleiros
Hightower e uma centena de homens de armas se chocou contra os mantos dourados e se
estendeu por quase oito horas dentro e fora da cidade, mas seus heróicos atos foram em vão,
porque os demais soldados de Rhaenyra entravam pelos outros portões sem serem
molestados. A visão dos dragões de Rhaenyra nos céus tomou o coração dos lealistas de
Aegon, que se esconderam, fugiram ou dobraram o joelho.
Após ver que a resistência seria vã, a Rainha Viúva Alicent surgiu da Fortaleza
de Maegor com seu pai, Sor Otto Hightower, Sor Tyland Lannister, e Lorde Jasper Wylde, o
Bastão de Ferro. (Lorde Larys Strong não estava com eles. O mestre dos sussuros dera um
jeito de desaparecer.) A Rainha Alicent tentou negociar com a enteada. “Vamos convocar
um Grande Conselho, como fez o Velho Rei nos dias antigos,” disse a Rainha Viúva,
“depositemos a questão da sucessão diante dos lordes do reino.” Mas a Rainha Rhaenyra
rejeitou a proposta com desprezo. “Ambas sabemos o que esse conselho decidiria.” Então ela
fez sua oferta à madrasta: se render, ou queimar.
Preso entre dois inimigos, Lefford hesitou em se mover contra qualquer um, por
medo de acabar com um deles em sua retaguarda. Ao invés disso, ele virou as costas para o
lago, e enviou corvos ao Príncipe Aemond em Harrenhal, pedindo sua ajuda. Dezenas de
corvos voaram, mas nenhum chegou ao príncipe; Red Robb Rivers, dito melhor arqueiro em
toda Westeros, derrubou a todos.
Mais homens dos rios apareceram no dia seguinte, liderados por Sor Garibald
Grey, Lorde Jon Charlton, e pelo novo Lorde de Corvarbor, Benjicot Blackwood, de onze
anos. Com seus números aumentados pelas tropas frescas, os homens da rainha decidiram
que era hora de atacar. “Melhor dar um fim a esses leões antes que os dragões cheguem,”
disse Roddy, o Ruin.
Atacado por três lados, os homens do oeste foram empurrados para trás, passo a
passo, para dentro das águas do Olho de Deus. Centenas morreram assim, cortados enquanto
lutavam nos juncos; mais centenas morreram quando tentaram fugir. Quando a noite caiu,
dois mil homens estavam mortos, entre os mais notáveis incluía Lorde Frey, Lorde Lefford,
Lorde Bigglestone, Lorde Charlton, Lorde Swyft, Lorde Reyne, Sor Clarent Crakehall e Sor
Tyler Hill, Bastardo de Lannisporto. O exército Lannister foi despedaçado e massacrado,
mas o jovem Lorde de Corvarbor chorou quando viu que custara montes de cadáveres. As
perdas mais pesadas haviam sido dos Lobos de Inverno, que haviam implorado pela honra de
liderar o ataque e levado sua carga cinco vezes contra as fileiras de lanças Lannister. Mais de
dois terços dos homens que haviam cavalgado para o sul com Lorde Dustin estavam mortos
ou feridos.
Sor Criston chamou aquilo de loucura. “Um contra seis é uma batalha de tolos,
meu príncipe.” ele declarou. Que marchassem para o sul, ele insistiu de novo, e juntassem
suas forças às de Lorde Hightower. O Príncipe Aemond poderia se reunir com seu irmão, o
Príncipe Daeron, e seu dragão. O Rei Aegon escapara do alcance de Rhaenyra, disso eles
sabiam, e claramente poderia recuperar Sunfyre e se juntar aos irmãos. E talvez seus amigos
dentro da cidade poderiam dar um jeito de libertar a Rainha Helaena também, e ela poderia
trazer Dreamfyre para a batalha. Quatro dragões poderiam vencer seis, se um dos quatro
fosse Vhagar.
O Príncipe Aemond se recusou àquilo que considerava um “caminho covarde.”
Nem Aegon e nem seu irmão Aemond haviam sido muito amados pelo povo, e
muitos portorealenses deram boas-vindas quando a rainha retornou… mas ódio e amor são
duas faces da mesma moeda, e quando as cabeças frescas começaram a aparecer sobre as
estacas acima dos portões da cidade, acompanhadas de mais impostos, a moeda virou. A
garota que uma vez eles aplaudiram como Deleite do Reino se tornara uma gananciosa e
vingativa mulher, os homens diziam, uma rainha cruel como nenhum rei fora antes dela.
Eles chamavam Rhaenyra de “Rei Maegor com tetas”, e por cem anos depois “Tetas de
Maegor” foi um palavrão comum entre os portorealenses.
Com a cidade, o castelo e o trono sob seu poder, defendida por não menos do que
seis dragões, Rhaenyra se sentiu segura o suficiente para mandar chamar seus filhos. Uma
dezena de navios velejou de Pedra do Dragão, carregando as aias da rainha e seu filho,
Aegon, o Jovem. Rhaenyra fez do garoto seu copeiro, para que não saísse de junto dela.
Outra frota partiu de Vila Gaivota com o Príncipe Joffrey, o último dos três filhos da rainha
com Laenor Velaryon, junto com seu dragão, Tyraxes. Sua Graça começou a planejar uma
suntuosa cerimônia para declarar Joffrey formalmente como Príncipe de Pedra do Dragão e
herdeiro do Trono de Ferro.
Na plenitude de sua vitória, Rhaenyra não fazia ideia de como eram poucos os
dias que lhe restavam. E ainda toda vez que ela se sentava no Trono de Ferro, as lâminas
cruéis derramavam sangue fresco de suas mãos e pernas, um sinal que todos podiam ler.
Para além das muralhas da cidade, continuava-se lutando nos Sete Reinos. Nas
Terras Fluviais, Sor Criston Cole abandonara Harrenhal, marchando para o sul através da
praia ocidental do Olho de Deus, com 3.600 homens atrás de si (morte, doença e deserção
havia diminuído as fileiras que outrora partiram de Porto Real). O Príncipe Aemond já havia
partido, voando em Vhagar. Não mais preso ao castelo ou exército, o príncipe caolho estava
livre para voar para onde quisesse. Essa era o tipo de guerra que Aegon, o Conquistador, e
suas irmãs haviam travado outrora, lutando com fogo de dragão, com Vhagar descendo pelo
céu outonal de vez em quanto para trazer destruição às terras, vilas e castelos dos senhores
dos rios. A Casa Darry foi a primeira a conhecer a fúria do príncipe. Os homens que faziam
a colheita foram queimados ou fugiram com as plantações em chamas, e o Castelo Darry foi
consumido num turbilhão de fogo. A Senhora Darry e sua jovem criança sobreviveram ao se
abrigar nos porões sob a fortaleza, mas o senhor seu marido e seu herdeiro morreram na
batalha, juntos com um bando de espadas juramentadas e arqueiros. Três dias depois, foi a
Cidade de Lorde Harroway que virou fumaça. Lordes Mill, Blackbuble, Buckle, Claypool,
Swynford, Spiderwood… a fúria de Vhagar foi sentida por todo lado, até que metade das
Terras Fluviais estivessem em chamas.
Sor Criston Cole também enfrentou o fogo. Quando trouxe seus homens ao sul
das Terras Fluviais, encontrou chamas diante e atrás de si. Toda vila ao qual chegou estava
incendiada e abandonada. Sua coluna se moveu através de florestas de árvores mortas que
haviam sido florestas verdes alguns dias antes, mas os senhores dos rios estavam
incendiando tudo em torno de sua linha de marcha. Em cada riacho, açude e vila, ele
encontrou morte; cavalos mortos, vacas mortas, homens mortos, apodrecendo e fedendo,
poluindo as águas. Por todo lado, seus batedores se deparavam com cadáveres vestidos em
armaduras e sentados, uma grotesca paródia de banquete. Cadeiras sorridentes sob elmos
esfumaçados e carne verde apodrecendo sobre os ossos.
Tudo isso era apenas uma preparação, para que os Lordes do Tridentes reunissem suas
forças. Quando Sor Criston deixou o lago para trás de si, riscando a terra rumo à Água
Negra, ele os encontrou esperando no topo de um monte rochoso; três cavaleiros montados
com armaduras, muitos besteiros, trezentos arqueiros, três mil soldados das Terras Fluviais
com lanças, centenas de nortenhos brandindo machados, malhos, maças com espinhos, e
espadas ancestrais. Sobre suas cabeças voavam os estandartes da Rainha Rhaenyra.
A batalha que se seguiu foi tão unilateral quanto qualquer outra na Dança. Lorde
Roderick Dustin levou o chifre de guerra aos lábios ordenando a carga, e os homens da
rainha desceram o morro gritando, liderados pelos Winter Wolves em seus desgrenhados
cavalos nortenhos e cavaleiros em seus corcéis de batalha. Quando Sor Criston foi derrubado
e caiu morto no chão, os homens que o haviam seguido de Harrenhal perderam a coragem.
Eles quebraram e fugiram, jogando os escudos no chão quando corriam. Os inimigos foram
atrás, destroçando-os às centenas.
“O que é um voto para perjuros?” A Rainha Rhaenyra exigiu saber. “Seus votos
não os impediram quando quiseram tomar meu trono.”
O Príncipe Daemon fez eco às dúvidas da rainha. Dando perdões aos rebeldes e
traidores, ela apenas estaria plantando as sementes para novas rebeliões, ele insistiu. “A
guerra vai terminar quando as cabeças dos traidores estiverem montadas em estacas sobre o
Portão do Rei, e não antes.” Aegon II seria encontrado a seu tempo, “se escondendo sob
alguma pedra,” mas eles deveriam e iriam levar a guerra a Aemond e Daeron. Os Lannister e
Baratheon seriam destruídos também, então suas terras e castelos poderiam ser dados àqueles
que provaram ser mais leais. Dar Ponta Tempestade a Ulf White e Rochedo Casterly a
Hugh Hammer foi o que o príncipe propôs… para horror da Serpente do Mar. “Metade dos
lordes de Westeros se virarão contra nós se formos tão cruéis a ponto de destruir duas Casas
nobres e antigas”, Lorde Corlys disse.
Ficou para a rainha decidir entre seu consorte e sua Mão. Rhaenyra optou seguir
um caminho intermediário. Ela mandaria enviados para Ponta Tempestade e Rochedo
Casterly, oferecendo “termos razoáveis” e perdões… depois de ter posto um fim nos dois
irmãos do usurpador que estavam em campo contra ela. “Uma vez que estiverem mortos, o
resto dobrará o joelho. Mate os dragões deles, para que eu possa colocar suas cabeças sobre as
muralhas do meu salão do trono. Deixe que os homens vejam-nos pelos anos que vierem,
eles então saberão o preço da traição.”
Porto Real não deveria ser deixada indefesa, isso era certeza. A Rainha Rhaenyra
permaneceria na cidade com Syrax, e seus filhos, Aegon e Joffrey, eram pessoas que não
poderiam ser colocadas em risco. Joffrey, que não totalmente com treze anos, estava ansioso
para se mostrar um guerreiro, mas quando sua mãe lhe disse que Tyraxes era necessário para
que sua mãe mantivesse a Fortaleza Vermelha no caso de um ataque, o garoto jurou
solenemente fazê-lo. Addam Velaryon, herdeiro da Serpente do Mar, também permaneceria
com Seasmoke. Três dragões deveriam ser suficientes para defender Porto Real; o resto iria
para a batalha. O próprio Príncipe Daemon iria com Caraxes para o Tridente, junto com a
garota Nettles e Sheepstealer, para encontrar o Príncipe Aemond e Vhagar, e colocar um fim
neles. Ulf White e Hard Hugh voariam a Tumbleton, cerca de cinquenta léguas a sudoeste
de Porto Real, a última grande fortaleza lealista entre Lorde Hightower e a cidade, para
auxiliar na defesa da cidade e do castelo, e destruir o Príncipe Daeron e Tessarion.
O Príncipe Daemon e a pequena morena chamada Nettles caçaram Aemond
Caolho por bastante tempo, sem sucesso. Eles fizeram sua base em Lagoa da Donzela, a
convite de Lorde Manfryd Mooton, que vivia aterrorizado com a perspectiva de Vhagar
atacando sua cidade. Ao invés disso, o Príncipe Aemond atacou Stonyhead, nos sopés das
Montanhas da Lua; em Sweetwillow no Ramo Verde e Sallydance no Ramo Vermelho; ele
reduziu a Ponte do Arqueiro a cinzas, queimou Old Ferry e Crone’s Mill, destruiu a sede em
Bechester, sempre sumindo nos céus antes que seus caçadores chegassem. Vhagar nunca
demorava, nem costumava haver sobreviventes por onde o dragão passava.
Como nenhum dos dois sabia ler ou escrever, nós nunca saberemos o que levou
os Dois Traidores (como a história os tornou conhecidos) a fazer o que fizeram. Da Batalha
de Tumbleton nós sabemos muito mais, no entanto. Seis mil dos homens da rainha se
alinharam para encarar Lorde Hightower em campo, e lutaram bravamente por um tempo,
mas uma chuva de flechas dos arqueiros de Lorde Ormund os fez esmorecer e diminuiram
suas fileiras, e uma poderosa carga de seus cavalos pesados os quebrou, enviando os
sobreviventes correndo de volta às muralhas da cidade. Quando muitos dos sobreviventes
estavam à salvo dentro dos portões, Roddy, o Ruin, e seus Winter Wolves saíram por um
portão traseiro e fizeram uma surtida, berrando brados nortenhos e varrendo o flanco
esquerdo dos atacantes. No caos que se instalou, os nortenhos lutaram, apesar de enfrentar
dez vezes o seu número do exército de Lorde Ormund Hightower, sentado em seu cavalo de
guerra sob o estandarte do dragão dourado do Rei Aegon e de Vilavelha e Hightower. Como
os cantores dizem, Lorde Roderick era sangue dos pés à cabeça quando avançou, com o
escudo rachado e o elmo quebrado, mas tão bêbado da batalha que nem sentia suas feridas.
Sor Bryndon Hightower, primo do Lorde Ormund, se interpôs entre o nortenho e seu
suserano, decepando o braço do escudo de Roddy com um terrível golpe de seu machado… e
ainda assim o selvagem Lorde de Vila Acidentada lutou, matando Sor Bryndon e Lorde
Ormund antes de morrer. Os estandartes de Lorde Ormund foram derrubados, e o povo da
cidade se animou, vendo a maré da batalha mudar. Até a aparição de Tessarion sobre o
campo não os coagiu, jpa que eles sabiam que possuíam dois dragões ao seu lado… mas
quando Vermithor e Silverwing subiram aos céus e despejaram suas chamas sobre
Tumbleton, o ânimo se transformou em gritos.
Tumbleton foi queimada: lojas, casas, septos, pessoas, tudo. Homens caíram
queimando dos portões e ameias, ou tropeçaram gritando pelas ruas como tochas vivas. Os
Dois Traidores flagelaram a cidade com labaredas de fogo de um lado a outro. O saque que
se seguiu foi o mais selvagem da história de Westeros. Tumbleton, antes uma próspera
cidade comercial, estava reduzida a cinzas e brasas, e nunca foi reconstruída. Milhares
queimaram, e muitos morreram afogados enquanto tentavam atravessar o rio. Alguns dizem
que esses foram os sortudos, já que nenhuma misericórdia foi dada aos sobreviventes. Os
homens de Lorde Footly baixaram as espadas e se renderam, apenas para serem amarrados e
decapitados. As mulheres que sobreviveram ao fogo foram estupradas repetidamente, mesmo
jovens garotas de oito e dez anos. Velhos e garotos foram passados na espada, enquanto que
os dragões se alimentavam das retorcidas carcaças de suas vítimas.
Foi nessa época que uma avariada coca mercante chamada Nessaria chegou ao
porto de Pedra do Dragão para fazer reparos e conseguir provisões. Estava voltando de
Pentos para a Velha Volantis quando uma tempestade a apanhou, dizia sua tripulação… mas
a essa história de um comum perigo no mar, os volantinos acrescentaram uma nota estranha.
Quando Nessaria atingiu o lado ocidental, o Monte do Dragão surgiu diante deles, enorme
contra o sol poente… e os marinheiros vieram dois dragões lutando, seus rugidos ecoando nas
falésias negras e nas montanhas esfumaçadas do leste. Em toda taverna, pousada e bordel ao
longo da orla a história foi dita, recontada e aumentada, até que todo homem em Pedra do
Dragão a tivesse ouvido.
Dragões eram uma maravilha para os homens da Velha Volantis; a visão de dois
em batalha era algo que os homens do Nessaria jamais esqueceriam. Os nascidos e criados
em Pedra do Dragão tinham crescido com tais bestas… mas ainda assim a história animada
dos marinheiros os interessou. Na manhã seguinte, alguns pescadores entraram em seus
barcos para percorrer o entorno do Monte do Dragão, e retornara para contar a visão dos
restos queimados e quebrados de um dragão na base da montanha. Pela cor de suas asas e
escamas, a carcaça era de Grey Ghost. O dragão havia sido deixado em dois pedaços, e tinha
sido destruído e parcialmente devorado.
Seis dragões permaneciam em Porto Real, mas apenas um dentro das muralhas
da Fortaleza Vermelha; o dragão pessoal da rainha, Syrax. Um estábulo na ala externa havia
sido esvaziado de cavalos e dado para seu uso. Correntes pesadas a atavam ao chão. Embora
insuficientes para impedir que saísse do estábulo para o pátio, não permitiam que ela voasse
sem sua cavaleira. Syrax há muito se acostumara com as cadeias; bem alimentado, não
caçava há anos.
Lorde Bartimos Celtigar achava que não. “Bastardos são traiçoeiros por
natureza,” ele disse. “Está no sangue deles. Traição vem tão facilmente aos nascidos
bastardos quanto a lealdade aos nascidos legítimos.” Ele insistiu que Sua Graça devia
prender os dois domadores bastardos imediatamente, antes que eles se juntassem ao inimigo
com seus dragões. Outros fizeram eco à sua opinião, entre os quais Sor Luthor Largent,
comandante de sua Patrulha da Cidade, e Sor Lorent Marbrand, Senhor Comandante da
Guarda da Rainha. Até os dois homens de Porto Branco, o terrível Sor Medrick Manderly e
seu esperto e corpulento irmão, Sor Torrhen, insistiram para que a rainha desconfiasse.
“Melhor não se arriscar,” Sor Torrhen disse. “Se o inimigo ganhar mais dois dragões,
estamos perdidos.”
Apenas Lorde Corlys falou em defesa das sementes, declarando que Sor Addam
e seu irmão, Alyn, eram “verdadeiros Velaryon”, herdeiros legítimos de Derivamarca. E
sobre a garota, podia ser suja e feia, mas mostrara valentia na Batalha da Goela. “Assim
como os Dois Traidores,” rebateu Lorde Celtigar.
A Rainha Rhaenyra ordenou que Sor Luthor Largent comandasse vinte mantos
dourados ao Poço dos Dragões e prendesse Sor Addam Velaryon. E assim traição gerou mais
traição, arruinando a rainha. Quando Sor Luthor Largent e seus mantos dourados
cavalgaram para o topo da Colina de Rhaenys com o mandado da rainha, as portas do Poço
se abriram e Seasmoke abriu suas asas cinza-pálido e voou, fumaça subindo de suas narinas.
Sor Addam Velaryon havia sido avisado a tempo de escapar. Frustrado e furioso, Sor Luthor
retornou para a Fortaleza Vermelha, onde irrompeu dentro da Torre da Mão e colocou as
mãos ásperas sobre o velho Lorde Corlys, acusando-o de traição. E o velho não negou.
Amarrado e espancado, mas ainda em silêncio, ele foi levado às masmorras e jogado numa
cela negra à espera de seu julgamento e execução.
Raramente outra vila ou cidade na história dos Sete Reinos fôra sujeita a um
saque tão crue ou selvagem como o de Tumbleton após as Traições. O Príncipe Daeron
estava enojado com tudo o que vira e ordenou que Sor Hobert Hightower pusesse um fim
àquilo, mas os esforços de Hightower provaram ser tão inúteis quanto o próprio homem.
A longas léguas para o norte, num castelo com vista para a Baía dos
Caranguejos, outro lorde se encontrava à caminho do fio da espada. De Porto Real viera um
corvo trazendo uma mensagem da rainha a Manfryd Mooton, Senhor de Lagoa da Donzela:
ele deveria entregar a cabeça da garota bastarda Nettles, que diziam ter tomado o Príncipe
Daemon como amante e que, por isso, havia sido considerada culpada pela rainha de alta
traição. “O senhor meu marido não deve sofrer nenhum dano, o Príncipe Daemon da Casa
Targaryen,” Sua Graça ordenou. “Envie-o de volta a mim quando a ação estiver feita, porque
temos necessidade urgente dele.”
Meistre Norren, guardião das Crônicas de Lagoa da Donzela, diz que quando
seu senhor leu a carta da rainha ficou tão abalado que perdeu a voz. E sua voz não retornou
até que tomou três copos de vinho. Então Lorde Mooton buscou o capitão de sua guarda, seu
irmão e seu campeão, Sor Florian Greysteel. Ordenou ao mestre que ficasse também. Assim,
ele leu para eles a carta da rainha e buscou seu conselho.
“A garota é apenas uma criança, apesar de suas traições,” disse Sor Florian,
aquele velho cavaleiro, cinzento, grisalho e severo. “O Velho Rei jamais pediria isso, nem
nenhum homem honrado.”
“Estes são momentos sujos,” disse Lorde Mooton, “e é uma decisão suja a que
essa rainha me pede. A garota é uma convidada sob meu teto. Se eu obedecer, Lagoa da
Donzela poderá ficar amaldiçoada. Se eu me recusar, poderemos ser condenados e
destruídos.”
Ao que seu irmão respondeu, “Pode ser que sejamos destruídos não importa a
decisão que tomemos. O príncipe gosta de sua garota morena, e seu dragão está próximo.
Um lorde sábio mataria os dois, para que o príncipe não queime Lagoa da Donzela em sua
fúria.”
“A rainha proibiu que ele sofresse qualquer dano,” lembrou-lhes Lorde Mooton,
“e matar dois convidados em suas camas é duas vezes mais sujo do que matar um. Eu seria
duas vezes amaldiçoado.” Então suspirou e disse: “Eu nunca deveria ter lido essa carta.”
No que respondeu Meistre Norren, dizendo, “Talvez você não tenha feito.”
O que foi dito depois é desconhecido. Tudo o que sabemos é que o meistre, um
homem jovem de vinte e dois anos, encontrou o Príncipe Daemon e a garota Nettles em sua
ceia noturna, e mostrou a carta da rainha. Após lê-la, o Príncipe Daemon disse, “Palavras de
uma rainha, trabalho de uma vadia.” Então desembainhou sua espada e perguntou se os
homens de Lorde Mooton estavam esperando do lado de fora da porta para tomá-los cativos.
Quando foi dito que o meistre viera sozinho em segredo, o Príncipe Daemon guardou sua
espada, dizendo, “Você é um mau meistre, mas um bom homem,” e o deixou ir, ordenando
que o meistre “não dissesse nenhuma palavra daquilo ao lorde até o dia seguinte.”
Como o príncipe e sua garota bastarda gastaram sua última noite embaixo do
teto de Lorde Mooton não é lembrado, mas eles apareceram juntos no jardim quando a
aurora arrebentou, e o Príncipe Daemon ajudou Nettles a montar Sheepstealer pela última
vez. Era costume dela alimentá-lo todos os dias antes de voar; dragões se mostravam mais
manuseáveis por seus domadores quando saciados. Naquela manhã ela o alimentou com um
carneiro negro, o maior em Lagoa da Donzela, tendo cortado ela mesma a garganta do
carneiro. Seus arreios estavam manchados de sangue quando ela montou seu dragão, Meistre
Norren recorda, e “suas bochechas estavam manchadas de lágrimas.” Nenhuma palavra foi
dita entre homem e amante, mas quando Sheepstealer bateu suas asas marrons e despencou
para o céu da alvorada, Caraxes ergueu a cabeça e deu um grito que rachou cada janela na
Torre de Jonquil. No alto sobre a cidade, Nettles virou seu dragão rumo à Baía dos
Caranguejos, e sumiu nas brumas da manhã, nunca mais sendo vista de novo em nenhuma
corte ou castelo.
Daemon Targaryen retornou ao castelo pelo tempo suficiente de quebrar seu
jejum com Lorde Mooton. “Essa será a última vez que você me verá,” ele disse ao seu
anfitrião. “Agradeço por sua hospitalidade. Deixe que todo seu território fique sabendo que
eu voei para Harrenhal. Se meu sobrinho Aemond desejar me enfrentar, vai me encontrar lá,
sozinho.”
Assim, o Príncipe Daemon deixou Lagoa da Donzela pela última vez. Quando
ele se foi, Meistre Norren foi ao seu senhor para dizer, “Tome a corrente de meu pescoço e
amarre minhas mãos com ela. Você precisa me entregar para a rainha. Quando eu dei o aviso
a uma traidora e permiti que escapasse, me tornei traidor também.” Lorde Mooton recusou.
“Mantenha sua corrente,” disse seu senhor. “Todos somos traidores aqui.” E naquela noite,
os estandartes da Rainha Rhaenyra que balançavam sobre os portões de Lagoa da Donzela
foram retirados, e os dragões dourados do Rei Aegon II colocados em seu lugar.
No décimo quarto dia da vigília do príncipe, uma sombra surgiu sobre o castelo,
mais negra do que qualquer nuvem. Todos os pássaros no bosque sagrado voaram de susto, e
um vento quente chicoteou as folhas caídas por todo o pátio. Vhagar viera afinal, e em suas
costas montava o caolho Príncipe Aemond Targaryen, trajando uma armadura negra como a
noite e raiada de dourado.
Ele não viera sozinho. Alys Rivers voava com ele, seu longo cabelo preto fluindo
atrás dela, sua barriga inchada com uma criança. O Príncipe Aemond circulou duas vezes
sobre as torres de Harrenhal, então trouxe Vhagar para baixo no pátio externo, com Caraxes
uma centena de metros à distância. Os dragões olharam malignamente um para o outro, e
Caraxes abriu as asas e assobiou, chamas atravessando seus dentes.
O príncipe ajudou sua mulher a descer das costas de Vhagar, e então virou=se
para o tio. “Tio, ouvi que estava procurando por nós.”
“Apenas por você,” Daemon replicou. “Quem lhe disse onde me encontrar?”
“Minha senhora,” Aemond respondeu. “Ela viu você numa nuvem de tempestade, num lago
de montanha ao anoitecer, no fogo em que cozinhamos nossa ceia. Ela vê muito e ainda
mais, minha Alys. Você foi tolo em vir sozinho.”
“Se eu não estivesse sozinho, você não teria vindo,” disse Daemon.
“Aí está você, e aqui estou eu. Você viveu por tempo demais, tio.”
“Nisso concordamos,” Daemon replicou. Então o velho príncipe fez Caraxes
dobrar o pescoço e subiu com firmeza em suas costas, enquanto que o jovem príncipe beijou
sua mulher e saltou levemente para Vhagar, tendo o cuidado de prender as quatro cadeias
curtas entre correia e sela. Daemon deixou suas próprias correntes balançando. Caraxes
assobiou de novo, enchendo o ar de chamas, e Vhagar respondeu com um rugido. Como se
fossem um, os dois dragões se lançaram ao céu.
O ataque foi tão súbito quanto o raio. Caraxes mergulhou sobre Vhagar com um
grito estridente que foi ouvido a uma dúzia de quilômetros de distância, envolto pelo brilho
do sol no lado cego do Príncipe Aemond. O Wyrm Vermelho bateu no dragão mais velho
com força terrível. Seus rugidos ecoaram sobre o Olho de Deus enquanto os dois lutavam e
se rasgavam, escuros contra o céu vermelho. Tão brilhantes eram suas chamas que os
pescadores lá embaixo temeram que as nuvens tivessem pegado fogo. Atracados, os dragões
caíram em direção ao lago. As mandíbulas do Wyrm Vermelho fechadas na garganta de
Vhagar, seus dentes negros afundando na carne do dragão maior. As garras de Vhagar
abriam a barriga do outro e seus dentes arrancaram uma asa, Caraxes mordeu mais fundo,
não se preocupando com as feridas ou com o lago que se aproximava rapidamente.
E foi então que, segundo os contos, o Príncipe Daemon passou uma perna por
cima da sela e saltou de um dragão para outro. Na mão, ele tinha a Irmã Negra, a espada da
Rainha Visenya. Aemond Caolho o olhou aterrorizado, lutando contra as correntes que o
prendiam à cela, e Daemon arrancou o elmo de seu sobrinho e enterrou a espada em seu olho
cego, tão fundo que a lâmina atravessou sua garganta. Meio segundo depois, os dragões
atingiram a água, erguendo uma onda tão alta que, segundo dizem, foi maior em altura do
que a Torre da Pira do Rei.
O Príncipe Daemon morreu também, não duvidamos. Seus restos nunca foram
encontrados, mas há correntes estranhas nesse lago, e peixes famintos também. Os cantores
dizem que o velho príncipe sobreviveu à queda e depois fez seu caminho de volta à garota
Nettles, para passar o resto de seus dias ao seu lado. Contos para histórias charmosas, mas
pobres em conteúdo.
De volta à Porto Real, a Rainha Rhaenyra se encontrava cada vez mais isolada a
cada nova traição. O suspeito vira-casaca Addam Velaryon fugira voando antes que ela
pudesse lhe impôr a questão. Ao ordenar a prisão de Addam Velaryon, ela não apenas
perdera um dragão e um domador, mas sua Mão da Rainha também… e da metade do
exército que velejara de Pedra do Dragão para manter o Trono de Ferro, sendo jurados à
Casa Velaryon. Quando se tornou conhecido que Lorde Corlys apodrecia numa masmorra
sob a Fortaleza Vermelha, eles começaram a abandonar a causa dela às centenas. Alguns
fizeram seu caminho para a Praça do Sapateiro, juntando-se à multidão que se reunira ali,
enquanto outros deslizaram para os portões e muralhas, tentando fazer seu caminho de volta
à Derivamarca. Nem os que haviam permanecido podiam ser considerado confiáveis.
Naquele mesmo dia, não muito depois do pôr-do-sol, outro horror visitou a corte
da rainha. Helaena Targaryen, irmã, esposa e rainha do Rei Aegon II e mãe de seus filhos, se
atirou da janela da Fortaleza de Maegor apenas para morrer empalada sobre as lanças de ferro
que cercavam o fosso seco em volta. Ela tinha vinte e um anos.
Na madrugada, um conto escuro era relatado nas ruas e avenidas de Porto Real,
nas pousadas, bordéis e lojas de panelas, até nos septos sagrados. A Rainha Helaena fora
assassinada, os sussurros diziam, e seus filhos antes dela. O Príncipe Daeron e seus dragões
logo estariam nos portões, e com eles o fim do reinado de Rhaenyra. A velha rainha
determinara que sua jovem meia irmã não deveria viver para saborear sua queda, então
enviara Sor Luthor Largent para agarrar Helaena com suas mãos enormes e ásperas e jogá-la
da janela para as lanças abaixo.
Na Praça do Sapateiro, os sons da revolta podiam ser ouvidos por todo o canto.
A Patrulha da Cidade veio em peso, quinhentos homens vestidos de cota de malha preta,
elmos de aço e longas capas douradas, armados com espadas pequenas, lanças e porretes com
espinhos. Fizeram sua formação no lado sul da praça, atrás de uma parede de escudos e
lanças. À sua frente cavalgava Sor Luthor Largent num cavalo de combate, uma longa espada
em sua mão. A mera visão dele era suficiente para enviar centenas fluindo de volta aos becos,
travessas e ruas laterais. Centenas fugiram quando Sor Luthor ordenou que os mantos
dourados avançassem.
Dez mil ficaram, contudo. A multidão era tanta que muitos que poderiam ter fugido
alegremente simplesmente não puderam, empurrados e pisoteados pelos outros. Outros
avançaram de braços dados, e começaram a gritar e amaldiçoar, enquanto as lanças
avançavam ao ritmo de um tambor. “Abram caminho, tolos sangrentos,” rugiu Sor Luthor.
“Vão pra casa. Nenhum mal lhes acontecerá. Vão pra casa!”
Alguns dizem que o primeiro homem a morrer era um padeiro, que gemeu de
surpresa quando a ponta de uma lança espetou sua carne e ele viu seu avental se tornar
vermelho. Outros alegam que foi uma garotinha, atropelada pelo corcel de guerra de Sor
Luthor. Uma pedra veio voando da multidão, atingindo um lanceiro na têmpora. Maldições e
gritos foram ouvidos, paus, pedras e penicos choveram do topo dos prédios, um arqueiro do
outro lado da praça começou a perder seus eixos. Uma tocha foi jogada num vigia, e rápido o
manto dourado estava queimando.
Durante essa longa noite, o caos dominou mais de metade da cidade, enquanto
estranhos senhores e reis tentavam se apossar do resto. Um cavaleiro andante chamado Sor
Perkin, a Pulga, coroou seu próprio escudeiro, Trystane, um adolescente de dezesseis anos,
declarando que ele era um filho ilegítimo do falecido Rei Viserys. Qualquer cavaleiro pode
sagrar outro cavaleiro, e quando Sor Perkin começou a fazê-lo com cada mercenário, ladrão e
açougueiro que passou para o lado do estandarte esfarrapado de Trystane, homens e garotos
apareceram às centenas para se oferecer à sua causa.
Pela madrugada, incêndios eram vistos por toda a cidade, a Praça do Sapateiro
transbordava de cadáveres, e bandos de foras-da-lei percorriam a Baixada das Pulgas,
invadindo lojas e casas e colocando as mãos ásperas em qualquer pessoa honesta que
encontravam. Os mantos dourados sobreviventes haviam se retirado para seus quartéis,
enquanto cavaleiros de sarjeta, reis pantomimeiros e profetas loucos governavam as ruas.
Como se fossem baratas, os piores entre esses fugiram diante da luz para seus esconderijos e
adegas com intenção de dormir, dividir o saque e lavar o sangue das mãos. Os mantos
dourados do Velho Portão e do Portão do Dragão fizeram uma surtida sob o comando de
seus capitães, Sor Balon Byrch e Sor Garth, o Leporino, e ao meio dia haviam conseguido
restaurar a aparência de ordem nas ruas ao norte e oeste da Colina de Rhaenys. Sor Medrick
Manderly, liderando uma centena de homens de Porto Branco, fez o mesmo com a área
nordeste da Colina de Aegon, sob o Portão de Aço.
Ao cair da noite, Rhaenyra se viu atingida por todos os lados, seu reino em
ruínas. Ela se enfureceu ao descobrir que Lagoa da Donzela passara para o lado do inimigo,
que aquela garota Nettles escapara, que seu amado marido a traíra, e ela tremeu quando Lady
Mysaria a alertou da escuridão que viria, e que aquela noite seria pior do que a anterior. Ao
amanhecer, uma centena de homens comparecera à sua sala do trono, mas um a um eles
fugiram.
Aegon, o Jovem, não saía do lado da mãe e raramente falava uma palavra. O
Príncipe Joffrey, de treze anos, colocou sua armadura de escudeiro e implorou à rainha que o
deixasse cavalgar ao Poço dos Dragões e montar Tyraxes. “Eu quero lutar por você, mãe,
como meus irmãos fizeram. Deixe-me provar que sou tão valente quanto eles eram.” Suas
palavras apenas aprofundaram a decisão de Rhaenyra, no entanto. “Bravos eles eram, e
mortos eles estão, os dois. Meus doces meninos.” E mais uma vez, Sua Graça proibiu o
príncipe de deixar o castelo.
Com o pôr do sol, os vermes de Porto Real emergiram mais uma vez de seus
buracos de rato, esconderijos e adegas, em números ainda maiores do que os da noite
anterior.
Depois de ter passado uma hora, o Portão do Rei e o Portão do Leão estavam
abertos também. Os homens de manto dourado do primeiro haviam fugido, enquanto os
“leões” no outro haviam jogado com a turba. Três dos sete portões de Porto Real estavam
abertos para os inimigos de Rhaenyra.
De dez mil gargantas um grito subiu. “Matá-los! Matá-los!” E como uma fera
hedionda com dez mil pernas, as ovelhas do Pastor começaram a se mover, empurrando,
brandindo suas tochas, empunhando espadas, facas e outros, armas brutas, andando e
correndo pelas ruas e avenidas para o Poço dos Dragões. Alguns pensaram melhor e fugiram
para casa, mas para cada homem que partiu, três outros apareceram para se juntar a esses
assassinos de dragão. A tempo de alcançar a Colina de Rhaenys, seus números haviam
dobrado.
No topo da Alta Colina de Aegon, do outro lado da cidade, a Rainha assistia o
desenrolar do ataque com seus filhos e os membros de sua corte. A noite estava nublada e
escura, as tochas eram tão numerosas que era como se todas as estrelas tivessem descido do
céu para invadir o Poço dos Dragões. Tão logo recebera a notícia de que a turba enraivecida
se pusera em marcha, Rhaenyra enviara cavaleiros a Sor Balon no Velho Portão e a Sor
Garth no Portão do Dragão, ordenando-os que dispersassem a multidão e defendessem os
dragões reais… mas qcom a cidade em tal turbulência, ela estava longe de estar certa de que
os mensageiros conseguiriam chegar aos seus destinos. E mesmo que conseguissem, os
mantos dourados leais que haviam restado eram poucos demais para se ter qualquer
esperança de sucesso. Quando o Príncipe Joffrey pediu à sua mãe que o deixasse partir com
os seus cavaleiros e os de Porto Branco, a rainha recusou. “Se eles tomarem aquela colina,
essa será a próxima, “ela disse. “Precisaremos de toda espada que tivermos para defender o
castelo.”
“Ou os dragões vão matá-los,” sua mãe disse, imóvel. “Deixe-os queimar. O
reino não sentirá falta deles.”
A rainha não acreditava nisso. “Eles são vermes. Bêbados, tolos e ratos de
sarjeta. Ao sentirem o gosto do fogo de dragão, eles vão correr.
Foi apenas aí que os que assistiam no teto ouviram Syrax rugir que veio a
notícia de que o príncipe tinha escapado. “Não,” ouviram a rainha dizer, “Eu proibí, eu
proibí,” mas enquanto ela falava, seu dragão voou sobre o jardim, empoleirou-se durante
meio segundo sobre as ameias do castelo, e então se lançou para a noite com o filho da rainha
agarrado em suas costas, a espada na mão. “Atrás dele,” Rhaenyra gritou, “todos vocês, cada
homem, cada menino, a cavalo, vão atrás dele. Tragam-no de volta, tragam-no de volta, ele
não sabe. Meu filho, meu doce, meu filo…”
Não vamos fingir ter qualquer compreensão sobre o vínculo entre o domador e o dragão;
cabeças mais sábias ponderam sobre esse mistério há séculos. O que sabemos, no entanto, é
que dragões não são cavalos para serem montados por qualquer homem que puser uma sela
em suas costas. Syrax era o dragão da rainha. Ele jamais conhecera outro montador. Sendo o
Príncipe Joffrey conhecido dele por sua visão e cheiro, sua presença familiar desatando as
correntes não o alarmou, e o príncipe não percebeu que ele não o queria como domador. Em
sua ânsia de partir antes que pudesse ser detido, o príncipe montara em Syrax sem cela ou
chicote. Sua intenção, nos presumimos, era ou voar em Syrax para a batalha ou, mais
provavelmente, cruzar a cidade até o Poço dos Dragões e seu dragão, Tyraxes. Talvez ele
também quisesse libertar os outros dragões do poço.
Joffrey nunca alcançou a Colina de Rhaenys. Uma vez no ar, Syrax se retorceu
embaixo dele, lutando para se livrar do passageiro desconhecido. E, abaixo, pedras, lanças e
flechas voaram a ele das mãos dos revoltosos, enlouquecendo o dragão ainda mais. Duzentos
pés acima da Baixada das Pulgas, o Príncipe Joffrey escorregou das costas do dragão e
mergulhou para o chão.
E enquanto seu sangue corria pela travessa da Baixada das Pulgas, outra batalha
se desenrolava ao redor do Poço dos Dragões acima, no topo da Colina de Rhaenys.
Morghul, está escrito, foi morto pelo Cavaleiro Ardente, um grande e bruto
homem numa armadura pesada que irrompeu através das chamas do dragão com a lança nas
mãos, enfiando-a no olho da fera repetidamente enquanto o fogo derretia a placa de aço de
seu peito e devorava a carne.
O Tyraxes do Príncipe Joffrey recuou para o seu covil, dizem, tostando tantos
pretendentes a assassinos de dragão que vieram atrás dele que a entrada logo ficou bloqueada
com seus cadáveres. Mas lembre que cada uma dessas grutas artificiais possuía duas
entradas, uma em frente às areias do poço, a outra aberta para a colina, e logo os revoltosos
irromperam pela “porta de trás”, uivando através da fumaça com espadas, lanças e
machados. Quando Tyraxes se virou, suas correntes o derrubaram, e ele fatalmente se
enredou numa teia de aço que limitou seus movimentos. Meia dúzia de homens (e uma
mulher) mais tarde afirmavam ter dado o golpe final no dragão.
O último dos quatro dragões do poço não morreu facilmente. A lenda diz que
Dreamfyre se livrou de duas de suas correntes quando a Rainha Helaena morreu. Os
restantes ele arrancava agora, quebrando os apoios das paredes quando a multidão correu
para ele, depois mergulhando entre eles com dentes e garras, rasgando homens ao meio e
partindo seus membros, enquanto soltava suas terríveis chamas. Quando os outros caíram
sobre ele, o dragão voou, circulando o interior do Poço dos Dragões e atacando os homens
embaixo. Tyraxes, Shrykos e Morghul mataram dezenas, não há dúvida, mas Dreamfyre
matou mais do que os três juntos.
O Assalto ao Poço dos Dragões estava completo. Quatro dos dragões Targaryen
estavam mortos, embora a um custo hediondo. No entanto, o próprio dragão da rainha
permanecia vivo e livre… e quando os sobreviventes queimados e sangrando da carnificina
no poço saíram cambaleando das ruínas fumegantes, Syrax desceu sobre eles.
Desacorrentado e sem ninguém sobre ele, Syrax podia ter facilmente voado para
longe da loucora. O céu era dele. Ele podia ter retornado à Fortaleza Vermelha, ou saído da
cidade rumo à Pedra do Dragão. Foi o barulho e o fogo que o atraíram para a Colina de
Rhaenys, os rugidos e gritos dos dragões morrendo, o cheiro de carne queimada? Não
podemos saber, não mais do que sabemos do porque Syrax escolheu descer sobre a multidão,
rasgando-o com unhas e dentes e devorando dúzias, quando ele podia simplesmente fazer
chover fogo de cima, porque dos céus nenhum homem poderia tê-lo ferido. Nós podemos
apenas reportar o que aconteceu.
Os Dois Traidores também queriam um rei… mas Daeron Targaryen não era o
rei que queriam. “Precisamos de um homem forte para nos liderar, não um garoto,” desejou
Hard Hugh Hammer. “O trono deveria ser meu.” Quando Bold Jon Roxton exigiu saber que
direito ele teria para se proclamar rei, Lorde Hammer respondeu, “O mesmo direito que o
Conquistador. Um dragão.” E realmente, com Vhagar morto, o maior e mais velho dragão
vivo em toda Westeros era Vermithor, uma vez montaria do Velho Rei e agora de Hard
Hugh, o bastardo. Vermithor tinha o triplo do tamanho de Tessarion, o dragão do Príncipe
Daeron. Nenhum homen que já os vira juntos podia duvidar que Vermithor era a fera mais
temível.
A ambição de Hammer era imprópria para alguém de tão baixo nascimento, mas
o bastardo inegavelmente possuía algum sangue Targaryen e havia provado seu valor e força
em batalha e mão-aberta para os que o seguiram, mostrando o tipo de generosidade que atrai
homens como um cadáver atrai moscas. Eram os piores tipos de homem, para ser sincero:
mercenários, cavaleiros ladrões e esse tipo de ralé, homens de sangue impuro e nascimento
incerto que amavam a batalha porque se serviam do saque e viviam de rapina e pilhagem.
“Qualquer homem pode ser assassinado,” declarou Sor Hobert Hightower, “mas
e os dragões?” Devido às turbulências em Porto Real, Sor Tyler Norcross disse que
Tessarion sozinho deveria ser o suficiente para que eles retomassem o Trono de Ferro. Lorde
Peake que a vitória seria mais certa se eles tivessem Vermithor e Silverwing. Marq Ambrose
sugeriu que eles deveriam tomar a cidade primeiro, e então lidar com White e Hammer
depois que a vitória tivesse sido assegurada, mas Richard Rodden insistiu que esse caminho
era desonroso. “Não podemos pedir a esses homens que derramem seu sangue conosco e
depois matá-los.” Bold John Roxton resolveu a disputa. “Vamos matar os bastardos agora,”
ele disse. “Depois disso, os mais corajosos entre nós reivindicarão os dragões e voarão para a
batalha.” Nenhum homem no porão duvidou de que Roxton estava falando de si mesmo.
Homens podem fazer seus planos e esquemas, mas eles devem rezar também,
porque nenhum plano feito pelo homem já resistiu aos caprichos dos deuses acima. Dois dias
depois, no mesmo dia que os Caltrops planejavam atacar, Tumbleton acordou no meio da
noite em gritos e berros. Fora das muralhas da cidade, os campos estavam queimando.
Colunas de cavaleiros em armaduras jorravam do norte e do oeste, causando um abate, as
nuvens chovendo flechas e um dragão estava descendo sobre eles, terrível e feroz.
O dragão era Seasmoke, seu domador era Sor Addam Velaryon, determinado a
provar que nem todos os bastardos eram traidores. Existiria modo melhor de fazê-lo do que
retomar Tumbleton dos Dois Traidores, cuja traição o havia manchado? Cantores dizem que
Sor Addam voara de Porto Real para o Olho de Deus, onde pousara na sagrada Ilha das Faces
e tomara o conselho dos Homens Verdes. O estudioso deve se limitar aos fatos confirmados,
e é conhecido que Sor Addam voou longe e rápido, descendo em castelos grandes e pequenos
cujos lordes eram leais à rainha, para reunir um exército.
Muitas batalhas e escaramuças haviam sido travadas nas terras regadas pelo
Tridente, e eram escassas as fortalezas e vilas que não haviam pago sua dívida de sangue…
mas Addam Velaryon foi implacável, simplista nas palavras e determinado, e os senhores do
rio conheciam muito e mais dos horrores que haviam ocorrido na caída Tumbleton. Quando
Sor Addam estava pronto para atacar Tumbleton, possuía cerca de quatro mil homens com
ele.
Apesar das tentativas feitas para acordar Ulf White de seu sono embriagado, ele
revelou-se impossível de despertar. Infame, rolou para baixo de uma mesa e roncou durante
toda a batalha. Hard Hugh Hammer foi mais rápido a responder. Meio vestido, ele correu
para o pátio abaixo, pedindo por seu martelo, armadura e um cavalo, para que pudesse
cavalgar para fora e montar Vermithor. Seus homens correram para obedecer, mesmo
quando Seasmoke incendiou os estábulos. Mas Lorde Jon Roxton também estava no pátio.
Quando vislumbrou Hard Hugh, Roxton viu sua chance, e disse, “Lorde
Hammer, minhas condolências.” Hammer virou-se, carrancudo. “Pelo quê?”, ele perguntou.
“Você morreu na batalha,” respondeu Bold Jon, sacando a Fazedora de Órfãos e enterrando-a
fundo na barriga de Hammer, antes de abrir o bastardo da virilha à garganta.
Uma dúzia de homens de Hard Hugh chegou correndo a tempo de vê-lo morrer.
Até mesmo uma lâmina de aço valiriano como a Fazedora de Órfãos era de pouca serventia
numa situação de dez para um. Bold Jon Roxton assassinou três antes de ser morto. Dizem
que ele morreu quando seu pé escorregou num amontoado de entranhas de Hugh Hammer,
mas tal detalhe é irônico demais para ser verdade.
Três versões conflitantes existem sobre a maneira como morreu o Príncipe
Daeron Targaryen. A mais conhecida diz que o príncipe tropeçou por seu pavilhão com as
roupas em chamas, apenas para ser golpeado pelo mercenário mirano Black Trombo, que
esmagara seu rosto com balançar de sua maça. Essa versão era a preferida de Black Trombo,
que a repetia por toda parte. A segunda versão é mais ou menos a mesma coisa, salvo que o
príncipe foi vítima de uma espada ao invés de maça, e seu assassino não era Black Trombo,
mas um desconhecido homem de armas que não percebera quem tinha matado. Na terceira
alternativa, o bravo garoto conhecido como Daeron, o Ousado, nada fizera antes de morrer
quando seu pavilhão em chamas desabou sobre ele.
Nos céus acima, Addam Velaryon pôde ver a batalha se transformar num
tumulto abaixo dele. Dois de seus três inimigos domadores estavam mortos, mas ele não
tinha como saber disso. Ele podia, sem dúvida, ver os dragões inimigos. Desacorrentados,
eles eram mantidos além das muralhas da cidade, livres para voar e caçar como quisessem;
Silverwing e Vermithor enrolados um sobre o outro nos campos ao sul de Tumbleton,
enquanto Tessarion dormia e se alimentava no acampamento do Príncipe Daeron a oeste da
cidade, a menos de cem metros de seu pavilhão.
Uma vez a Rainha Azul sumiu num banco de nuvens apenas para reaparecer,
um instante depois, mergulhando atrás de Seasmoke por trás para lançar em sua cauda um
jorro de chamas cobalto. Enquanto isso, Seasmoke se enrolou, torceu e girou. Num instante
eles estaria sobre seu inimigo, e de repente ele poderia girar nos céus e vir por trás dele. Cada
vez mais alto os dragões voaram, e centenas assistiram dos telhados de Tumbleton. Um
desses depois disse que o vôo de Tessarion e Seasmoke parecia mais uma dança de
acasamento do que uma batalha. Talvez tenha sido.
Já com cem anos e grande como os dois outros dragões postos juntos, o dragão
cor de bronze com asas enormes abriu vôo furioso, com sangue esfumaçando de uma dúzia
de feridas. Sem domador, ele não sabia quem era amigo ou inimigo, então despejou sua fúria
em todos, cuspindo fogo para a direita e esquerda, se voltando com selvageria para qualquer
homem que ousasse virar uma lança em sua direção. Um cavaleiro tentou fugir diante dele,
apenas para Vermithor fechar sua mandíbula em torno dele, assim como ao cavalo que
galopava adiante. Os Lordes Piper e Deddings, postados numa elevação com seus escudeiros,
servos e espadas juradas, foram queimados quando a Fúria Bronze reparou neles. Num
instante depois, Seasmoke caiu sobre ele.
Essa não foi uma dança, mas uma luta até a morte. Vermithor não havia voado
mais do que vinte pés sobre a batalha quando Seasmoke se lançou sobre ele de cima, jogando-
o aos gritos na lama. Homens e garotos fugiram aterrorizados ou foram esmagados quando
os dois dragõe rolaram- rasgando-se. Caudas estalaram e asas bateram no ar, mas as bestas
estavam tão engalfinhadas que não conseguiam se libertar. Benjicot Blackwood assistiu à
luta do alto de seu cavalo, a cinquenta metros dali. O tamanho e peso de Vermithor eram
demais para Seasmoke conter, Lorde Blackwood disse alguns anos depois, ele claramente iria
torcer o dragão cinza-fumaça em pedaços… se Tessarion não tivesse caído dos céus naquele
momento e se juntado à luta.
Quem pode conhecer o coração de um dragão? Foi a simples sede de sangue que
fez a Rainha Azul atacar? O dragão veio ajudar um dos combatentes? Se sim, qual? Alguns
dizem que os vínculos entre o dragão e seu domador são tão intensos que ele passa a partilhar
os amores e ódios de seu mestre. Mas quem era aliado ali, e quem era inimigo? Poderia um
dragão sem domador reconhecer quem era amigo ou inimigo?
Oito dos treze Caltrops jaziam mortos, entre eles Lorde Own Fossoway, Marq
Ambrose e Bold Jon Roxton. Richard Rodden tomara uma flechada no pescoço e morreria no
dia seguinte. Quatro dos conspiradores restavam, entre eles Sor Hobert Hightower e Lorde
Unwin Peake. E apesar de Hard Hugh Hammer estar morto, e seus sonhos de reinado com
ele, o secondo Traidor restava. Ulf White havia acordado de seu sono bêbado e se vira como
o último domador de dragões, e possuidor do último dragão.
“Hammer está morto, e seu garoto também,” ele supostamente teria dito a Lorde
Peake. “Tudo o que resta sou eu.” Quando Lorde Peake perguntou a ele quais eram suas
intenções, White respondeu, “Nós marcharemos, exatamente como você queria. Você toma
a cidade, e eu tomarei o trono sangrento, que tal isso?”
A História tem pouco a dizer sobre Sor Hobert Hightower, mas nenhum
homem pode questionar como morreu. Em vez de trair seus companheiros Caltrops, ele
deixou o escudeiro encher seu copo, esvaziou-o e pediu por mais. Tendo visto Hightower
beber, Ulf, o Bêbado, fez jus ao seu nome, entornando três copos até começar a bocejar. O
veneno no vinho foi gentil. Quando Lorde Ulf começou a dormir para nunca acordar, Sor
Hobert se pôs de pé e tentou vomitar, mas era tarde demais. Seu coração parou dentro de
uma hora.
Depois, Lorde Unwin Peake ofereceu mil dragões dourados a qualquer cavaleiro
de nobre nascimento que pudesse reivindicar Silverwing. Três homens atenderam. Quando
o primeiro teve seu braço decepado e o segundo morreu queimado, o terceiro homem
reconsiderou. A essa altura, o exército de Peake, os remanescentes do grande exército que o
Príncipe Daeron e Lorde Ormund Hightower haviam liderado por todo o trajeto desde
Vilavelha, estava caindo aos pedaços enquanto desertores fugiam de Tumbleton com todo o
saque que podiam carregar. Curvando-se à derrota, Lorde Unwin convocou seus senhores e
sargentos e ordenou uma retirada. Acusado de ser vira-casaca, Addam Velaryon, nascido
Addam de Hull, salvara Porto Real dos inimigos da rainha… ao custo de sua própria vida.
No entanto, a rainha nada sabia de seu valor. A fuga de Rhaenyra de Porto Real
fôra coalhada de dificuldade. Em Rosby, ela encontrou os portões do castelo fechados para
ela. O castelão do jovem Lorde Stokeworth ofereceu sua hospitalidade a ela, mas apenas por
uma noite. Metade dos mantos dourados desertou na estrada, e seu acampamento foi atacado
por foras-da-lei numa noite. Embora seus cavaleiros tenham repelido os atacantes, Sor Balon
Byrch foi derrubado por uma flecha, e Sor Lyonel Bentley, um jovem cavaleiro da Guarda da
Rainha, sofreu um golpe na cabeça que rachou seu elmo. Ele morreu delirando no dia
seguinte. A rainha seguiu rumo a Valdocaso.
A Rainha Rhaenyra não tinha ouro e nem navios. Quando enviara Lorde Corlys
para as masmorras, perdera sua frota, e ela deixara Porto Real temendo pela vida, sem levar
nem uma moeda. Desesperada e com medo, Sua Graça foi ficando cada vez mais pálida e
abatida. Ela não conseguia dormir e não comia. Seu sofrimento não a permitira ser afastada
do Príncipe Aegon, seu último filho vivo; dia e noite, o garoto permaneceu ao seu lado,
“como uma pequena sombra pálida.”
Rhaenyra foi forçada a vender sua coroa em busca de dinheiro para comprar sua
passagem num navio mercante bravosiano, o Violande. Sor Harrold Darke insistiu que ela
buscasse refúgio com a Senhora Arryn no Vale, enquanto Sor Medrick Manderly tentava
persuadí-la a acompanhá-lo junto de seu irmão, Sor Torrhen, de volta a Porto Branco, mas
Sua Graça recusou a ambos. Ela foi inflexível em seu retorno à Pedra do Dragão. Lá ela
encontraria ovos de dragão, disse aos lealistas; ela precisava conseguir outro dragão, ou tudo
estaria perdido.
Sua escolta, de quarenta homens, era comandada por Sor Alfred Broome, um
dos homens deixados para trás quando Rhaenyra lançara seu ataque sobre Porto Real.
Broome era o mais velho dos cavaleiros de Pedra do Dragão, tendo se juntado à guarnição
durante o reinado do Velho Rei. Como tal, ele esperava ser nomeado castelão quando
Rhaenyra reunira forças para capturar o Trono de Ferro… mas a postura taciturna de Sor
Alfred e seus modos azedos não haviam inspirado afeição e nem confiança, então a rainha o
preterira em favor do mais afável Sor Robert Quince.
O garoto, a rainha e suas aias foram levados na ponta das lanças através dos
portões de Pedra do Dragão para o pátio do castelo. Lá, eles se viram frente a frente com um
homem morto e um dragão moribundo.
As escamas de Sunfyre ainda brilhavam como ouro batido à luz do sol, mas com
ele esparramado na pedra valiriana fundida do pátio, era fácil ver que era uma coisa
quebrada, ele que havia sido o mais magnífico dragão jamais voaria de novo pelos céus de
Westeros. A asa quase arrancada de seu corpo por Meleys se projetava num ângulo estranho,
enquanto que cicatrizes recentes ao longo de seu corpo ainda soltavam fumaça e sangravam
quando ele se movia. Sunfyre se enrolou numa bola quando a rainha e sua comitiva surgiram
diante dele. Quando ele se moveu e ergueu a cabeça, enormes ferimentos eram visíveis em
seu pescoço, onde um outro dragão havia arrancado pedaços de sua carne. Em sua barriga
havia lugares onde crostas tinham substituído as escamas, e onde deveria haver o olho direito
restava apenas um buraco vazio com uma crosta de sangue negro.
Você deve se perguntar, assim como Rhaenyra certamente fez, como aquilo
havia acontecido.
Nós agora sabemos muito e mais do que a rainha não sabia. Foi Lorde Larys
Strong, o Pé Torto, que dera fuga ao rei e suas crianças para fora da cidade quando os dragões
da rainha haviam sido vistos pela primeira vez nos céus acima de Porto Real. Para não passar
pelos portões de Porto Real, onde eles poderiam ser vistos e lembrados, Lorde Larys os levou
através de uma passagem secreta de Maegor, o Cruel, do qual apenas ele tinha conhecimento.
Foi Lorde Larys quem decidiu que os fugitivos deveriam partir para lugares
diferentes também, para que mesmo que um de seus lugares-destino fossem futuramente
tomados, os outros permaneceriam livres. Sor Rickard Thorne recebeu ordens de entregar o
Príncipe Maelor, de dois anos, a Lorde Hightower. A Princesa Jaehaera, uma menina doce e
simples de apenas seis anos, ficou a cargo de Sor Willis Fell, que jurou levá-la em segurança
à Ponta Tempestade. Nenhum dos dois sabia para onde o outro iria, então não poderiam se
trair, caso capturados.
E apenas o próprio Larys sabia que o rei, despido de sua elegância e vestido com
um manto de pescador manchado de sal, havia sido escondido entre uma carga de bacalhau
numa esquife de pesca sob os cuidados de um cavaleiro bastardo com parentes em pedra do
Dragão. Uma vez que percebesse que o rei havia fugido, o Pé Torto supôs, a rainha mandaria
homens atrás dele… mas um barco não deixa rastros por sobre as ondas, e uns poucos
caçadores jamais iriam pensar em procurar por Aegon na própria ilha de sua irmã, à sombra
de sua fortaleza.
E assim Aegon poderia ter passado o resto de seus dias, escondido e inofensivo,
embotando suas dores com vinho e escondendo suas cicatrizes de queimaduras sob um
manto pesado, se Sunfyre não tivesse feito seu caminho até Pedra do Dragão. Podemos
perguntar o que o levou até o Monte do Dragão, porque muitos perguntam. Teria o dragão
ferido, com sua asa quebrada meio-curada, sido atraído por algum instinto primal a retornar
para seu local de nascimento, a esfumaçada montanha de onde ele surgira de seu ovo? Ou de
algum modo ele teria sentido a presença do Rei Aegon na ilha, através de longas léguas e
oceanos tormentosos, e voado para lá para se juntar ao seu domador? Alguns vão longe o
suficiente para dizer que Sunfyre sentiu uma necessidade desesperada de Aegon. Mas que
homem pode presumir conhecer o coração de um dragão?
A rainha levara seus melhores homens com ela para Porto Real. Em sua ilha,
protegidos pelos navios da Serpente do Mar e altas muralhas valirianas, Pedra do Dragão
parecia inatacável, e a guarnição que Sua Graça deixara para defendê-la era pequena,
composta em grande parte de homens a quem ela não teria dado melhor uso: anciões ou
garotos verdes, os lentos, aleijados e os que se recuperavam de ferimentos, homens de
lealdade duvidosa, homens suspeitos de covardia. No comando ela deixara Sor Robert
Quince, um homem envelhecido e gordo.
Quince foi um firme apoiador da rainha, todos concordam, mas alguns homens
abaixo dele eram menos leais, abrigando ressentimentos e rancores por erros antigos reais ou
imaginados. Proeminente entre eles era Sor Alfred Broome. Broome provara estar mais do
que disposto a trair sua rainha em troca da promessa de um senhorio, terras e ouro assim que
Aegon II retomasse o trono. Seu longo serviço na guarnição permitira que ele soubesse dizer
aos homens do rei os pontos fracos e fortes de Pedra do Dragão, quais guardas poderiam ser
subornados ou conquistados, e quais deveriam ser presos ou mortos.
Assim aconteceu que, quando o Rei Aegon II desceu sobre o pico esfumaçado do
Monte do Dragão, esperando fazer uma entrada triunfal num castelo seguramente nas mãos
de seus homens, com os lealistas da rainha mortos ou capturados, para encontrá-lo subiu
Baela Targaryen, filha do Príncipe Daemon com a Senhora Laena, e tão destemida quanto
seu pai.
Moondancer era um dragão, verde pálido, com chifres, crista e asas de pérola.
Além de suas grandes asas, ela não era maior do que um cavalo de batalha, e pesava menos.
Era muito rápida, no entanto, e Sunfyre, embora muito maior, ainda lutava com uma asa
mal formada, e mantinha as feridas frescas feitas por Grey Ghost.
O Rei Aegon saltara da sela quando os dragões estavam a vinte pés do chão, quebrando
ambas as pernas. A Senhora Baela ficara com Moondancer durante toda a queda. Queimada
e maltratada, a garota encontrou forças para se livrar de suas correntes enquanto seu dragão
se enrolava nos estertores finais da morte. Quando Alfre Broome desembainhou a espada
para matá-la, Martson Waters tomou a lâmina de sua mão. Tom Tangletongue a mandou
para o meistre.
Assim que o Rei Aegon II conquistou a sede ancestral da Casa Targaryen, mas o
preço pago por isso foi terrível. Sunfyre nunca iria voar de novo. Ele permanecera no pátio
onde havia caído, se alimentando da carcaça de Moondancer e depois de ovelhas abatidas
para ele pela guarnição. E Aegon II viveu o resto de sua vida com muita dor… embora à sua
honra, dessa vez Sua Graça tenha recusado leite de papoula. “Não devo percorrer essa
estrada de novo,” ele disse. Não muito depois, quando o rei estava no grande salão do
Tambor de Pedra, suas pernas quebradas amarradas e imobilizadas com talas, os primeiros
corvos da Rainha Rhaenyra chegaram de Valdocaso. Quando Aegon soube que sua meia-
irmã estava retornando no Violande, ele ordenou que Sor Alfred Broome preparasse “uma
recepção adequada” para ela.
Tudo isso é conhecido por nós agora. De nada disso a rainha estava ciente
quando ela desembarcou na armadilha de seu irmão.
Rhaenyra riu quando contemplou a ruína de Sunfyre, o Dourado. “De quem é
esse trabalho?” ela disse. “Nós devemos agradecê-lo.”
“Estou feliz em ver que se lembra disso,” Rhaenyra disse. “Parece que somos
seus prisioneiros… mas não pense que nos manterá por muito tempo. Meus senhores leais
irão me encontrar.”
“Se te procurarem nos sete infernos, talvez,” o Rei declarou, e seus homens
tiraram Rhaenyra dos braços do filho. Alguns dizem que foi Sor Alfred Broome que a tomou
pelo braço, outros afirmam que foram os dois Toms, Tanglebeard o pai e Tangletongue o
filho. Sor Marston Waters ficou de testemunha, posto num manto branco, porque o Rei
Aegon o nomeara para sua Guarda Real por seu valor.
No entanto, nem Waters nem nenhum dos outros cavaleiros e lordes presentes
no pátio disseram uma palavra de protesto quando o Rei Aegon II entregou sua meia-irmã ao
seu dragão. Sunfyre, dizem, não parecia ter qualquer interesse na oferta a princípio, até
Broome ter picado o peito da rainha com sua adaga. O cheiro de sangue despertou o dragão,
que farejou Sua Graça, e então a banhou em uma explosão de chamas, tão de repente que o
manto de Sor Alfred pegou fogo quando ele saltou para longe. Rhaenyra Targaryen teve
tempo de erguer a cabeça para o céu gritar uma última maldição contra seu meio-irmão antes
que as mandíbulas de Sunfyre se fechassem sobre ela, arrancando-lhe o braço e o ombro.
Sor Alfred Broome argumentou para matar o Príncipe Aegon também, mas o
Rei Aegon proibiu isso. De apenas dez anos, o garoto poderia ter valor como refém, ele
declarou. Apesar de sua meia-irmã estar morta, ela continuava tendo apoiadores em campo
com quem Sua Graça precisaria lidar antes de ter esperanças de se sentar no Trono de Ferro
novamente.
Quando seu pesar passou, o Rei Aegon II convocou seus lealistas e fez planos
para se retorno à Porto Real, para reclamar o Trono de Ferro e se reunir novamente com a
senhora sua mãe, a Rainha Viúva, que finalmente emergira triunfante sobre sua grande rival,
mesmo que apenas por sobreviver a ela. “Rhaenyra nunca foi uma rainha,” o rei declarou,
insistindo que dali por diante, nas crônicas e relatos da corte, sua meia irmã fosse tratada
apenas como “princesa”, o título de rainha sendo reservado apenas para sua mãe Alicent e
sua falecida esposa e irmã Helaena, as “verdadeiras rainhas”. E assim foi decretado.
No entanto, o triunfo de Aegon seria tão curto quanto agridoce. Rhaenyra estava
morta, mas sua causa não morrera com ela, e novos exércitos Negros se puseram em marcha,
mesmo quando o rei retornou à Fortaleza Vermelha. Aegon II iria se sentar no Trono de
Ferro novamente, mas ele nunca se recuperaria de seus ferimentos, e nem saberia mais o que
era alegria ou paz. Sua restauração perduraria por mais apenas meio ano.
O relato de como o Segundo Aegon caiu e foi sucedido pelo Terceiro é um conto
para outro momento, no entanto. A guerra pelo trono iria continuar, mas a rivalidade que
começara em um baile da corte quando a princesa vestira-se de negro e a rainha de verde
chegou ao seu fim vermelho, e com isso se conclui essa parte de nossa história.
*Em 111 DC, um grande torneio foi realizado em Porto Real no quinto
aniversário do casamento do rei com a Rainha Alicent. No banquete de abertura, a rainha
vestira um vestido verde, enquanto a princesa vestira-se dramaticamente no vermelho e
preto Targaryen. O acontecimento foi notado, e desde então tornou-se tradição referir-se a
“Verdes” e “Negros” ao falar dos partidários da rainha e dos partidários da princesa,
respectivamente. No próprio torneio, os pretos se deram melhor quando Sor Criston Cole,
em nome da Princesa Rhaenyra, tirou todos os campeões da rainha de suas montarias,
incluindo dois dos primos dela e o irmão mais novo dela, Sor Gwayne Hightower.