Métodos de Avaliação Do Comportamento Adaptativo em Pessoas Com Deficiência Intelectual - Uma Revisão de Literatura
Métodos de Avaliação Do Comportamento Adaptativo em Pessoas Com Deficiência Intelectual - Uma Revisão de Literatura
Métodos de Avaliação Do Comportamento Adaptativo em Pessoas Com Deficiência Intelectual - Uma Revisão de Literatura
Resumo
Os déficits cognitivos e adaptativos podem interferir no desenvolvimento da au-
tonomia e da independência de pessoas com deficiência intelectual. Desta forma,
identifica-se a necessidade de avaliar o comportamento adaptativo em pessoas nessa
condição, a fim de ajustar o planejamento, a implementação e avaliação de programas
de intervenção às necessidades desse público. Assim, o presente estudo teve como
objetivo analisar os métodos de avaliação do comportamento adaptativo, empregados
junto à população de pessoas com deficiência intelectual. Trata-se de uma pesquisa de
cunho quali-quantitativo, do tipo bibliográfica. Os dados foram coletados por meio
do banco de dados da CAPES, da Dynamed e UptoDate. Os dados foram analisados,
quantitativo e qualitativamente. Os resultados apontaram uma prevalência de utili-
zação de instrumentos padronizados, com destaque para a Escala do Comportamen-
to Adaptativo – Vineland. O contexto predominante neste método de avaliação foi
o clínico, sendo a finalidade de maior incidência, a correlação do comportamento
adaptativo com um fator externo. Já para os instrumentos não padronizados, o con-
texto com maior incidência foi o educacional. Nesse método, a observação direta tem
sido amplamente empregada. Quase todos os domínios do comportamento adapta-
tivo têm sido avaliados nos estudos, contudo, há uma evidência maior em aspectos
relativos ao domínio social.
Palavras-chave: Deficiência Intelectual; Comportamento Adaptativo; Educação
Especial.
* Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.
** Professora doutora da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.
Abstract
Cognitive and adaptive deficits may compromise the autonomy and independence
development of people with intellectual disabilities. Thus, there is a need to evaluate
the adaptive behavior of these people, so intervention programs can be planned and
implemented. Therefore the present study aimed to analyze the adaptive behavior‘s
assessment methods used in people with intellectual disabilities. This is a survey of
qualitative and quantitative nature of the documentary type. Data were collected
through the database of CAPES, and the Dynamed UptoDate. For data analysis
we used descriptive statistics. The results showed a preference for standardized ins-
truments, highlighting the scale of adaptive behavior - Vineland. However, some
researchers chose to use standardized instruments, the most used direct observation.
Generally, it was concluded that standardized instruments of the type scale are mostly
used by researchers to evaluate the adaptive behavior of this population.
Keywords: Intellectual Disabilities; Adaptive Behavior; Special Education.
Introdução
Aproximadamente 3% da população mundial apresenta deficiência intelec-
tual (MATSON et al., 2012) e no Brasil, a ocorrência desta deficiência é de 1,36%
(IBGE, 2010). A deficiência intelectual (DI) é caracterizada por déficits nas habili-
dades cognitivas e adaptativas (BELVA, 2011; FREITAS; RODRIGUES, 2007; EI-
SENHOWER; BAKER; BLACHER, 2007). Apesar de muitas condições genéticas
serem conhecidas por desencadear a deficiência intelectual, existem, também, fatores
sociais e culturais que podem agravar a deficiência (CHENG; CHEN, 2010).
Pessoas com DI possuem uma disfunção cognitiva, dificultando, assim, o seu
ajustamento social (FREITAS; ROFRIGUES, 2007). Tal fato demonstra a impor-
tância de desenvolver pesquisas relacionadas ao comportamento adaptativo, pois este
é composto por uma série de habilidades necessárias para atingir a independência na
vida diária e proporcionar o auto ajuste às situações estressantes interpessoais (GAL;
HARDAL-NASSER; ENGEL-YEGER, 2011; BELVA, 2011).
O comportamento adaptativo (CA) pode ser definido como uma constelação
de habilidades que permite as pessoas a se adaptarem efetivamente, nas atividades
diárias, em casa, na escola, no trabalho e na comunidade (OAKLAND; HARRISON,
2008), ou, ainda, ser entendido como uma coleção de habilidades conceituais, sociais
e práticas, as quais as pessoas apreendem e utilizam no seu cotidiano (AAIDD, 2010,
p. 15). Déficits nessas habilidades podem limitar a independência dessas pessoas.
Dentro deste contexto, ressalta-se a relevância de aprofundar o conhecimento
sobre o tema, pois, as pessoas com DI, geralmente, apresentam déficits no CA, difi-
Método
O presente estudo, de cunho quanti-qualitativo, caracteriza-se como uma
pesquisa bibliográfica, pois foram utilizados estudos publicados em periódicos de
domínio público. Segundo Marconi e Lakatos (2008), a pesquisa bibliográfica carac-
teriza-se por utilizar publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas
que estão disponíveis publicamente. Os artigos selecionados estão disponibilizados
nos bancos de dados pertencentes ao Portal de Periódicos da CAPES, disponível em
<http://www.periodicos.capes.gov.br>, onde são encontradas bases de dados de diver-
sas áreas do conhecimento. O acesso a essas bases está vinculado ao acervo gratuito e
privado, sendo este último geralmente financiado por universidades.
Para um melhor refinamento da busca, foram selecionadas vinte e duas bases
de dados deste portal (Scielo, Science Direct, Cinahl, BMJ, Biomed, DOAJ, JAMA,
Lilacs, Scopus, Science, Web of Science, Psyarticles (APA), New England Journal, Sport
Discuss, Journals Ovid Full, Cambridge, Cell Press, Highwire Press, ASP, GALE, ERIC
e BVS), além destas bases vinculadas ao Portal de Periódicos CAPES, foram consul-
tadas Dynamed e UptoDate. A seleção deste corpo de busca é devido à abrangência
do tema deste estudo. Foram utilizadas bases de dados vinculadas à área de conheci-
mento da Medicina Geral, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Educação,
Neurologia e Saúde Coletiva, pois todas essas áreas estão relacionadas ao estudo do
comportamento adaptativo.
O processo envolveu a escolha dos descritores, visando identificar os métodos
de avaliação do comportamento adaptativo comumente mais utilizados em estudos
relativos à Deficiência Intelectual. Assim, a busca envolveu o cruzamento de duas
palavras-chave; “adaptative behavior AND intellectual disability”.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de outubro e dezembro de 2012
e percorreu as seguintes etapas:
a) Acesso ao Portal de periódicos da Capes. Para obter o acervo bibliográfico
do estudo, selecionou-se o item “busca avançada” na opção “buscar assunto”. Em
seguida, foram selecionadas 11 bases de dados, realizando, assim, uma busca simul-
tânea nessas bases, utilizando o cruzamento de descritores “adaptative behavior AND
intellectual disability”. Posteriormente, realizou-se a busca nas 11 bases de dados res-
tantes, inteirando o total de 22 bases. A partir desse levantamento inicial, foi possível
extrair dados referentes aos métodos utilizados para avaliar o comportamento adap-
tativo de pessoas com deficiência intelectual.
b) Exclusão dos artigos que tinham como objetivo central a validação e con-
fiabilidade e teste-reteste.
c) Tabulação dos dados para visualizar as informações obtidas por meio das ba-
ses de dados do Portal de Periódicos Capes, juntamente com a Dynamed e UptoDate.
Em seguida, foi realizada uma análise quantitativa descritiva.
d) Os artigos foram subdivididos em três grupos: A. formas de avaliação não
padronizadas e não validadas; B. instrumentos de avaliação validados e padronizados;
C. avaliação combinada (enquadraram-se nesta categoria os artigos que adotaram
mais de um método associado para avaliar o comportamento adaptativo).
e)
Inferiram-se os contextos e as finalidades dos estudos com base nos
objetivos e resultados destes.
Resultados
Mediante os filtros de busca apresentados na seção correspondente à descrição
dos métodos, obteve-se um total de 89 estudos, desses, 60 referiam especificamente
a avaliação do CA em pessoas com DI. O restante referia-se as habilidades sociais,
a qual está inserida em um dos domínios (social) do CA. A partir das análises dos
achados, chegou-se às formas de avaliação do comportamento adaptativo exibidos na
Figura 1. Foram encontrados seis tipos de avaliação, tanto em aspectos quantitativos
como qualitativos.
VABS 20 10 1 0
QABS 1 0 0 0
CSST 1 0 0 0
ABS 1 0 0 0
ICAP 4 4 1 1
CBCL 0 3 0 0
DABS 1 0 0 0
MESSIER 2 0 0 0
SIB-R 1 0 0 0
ABAS 1 1 0 0
AEPS 1 0 0 0
Observação Direta 1 5 0 0
Observação Indireta 2 1 0 0
Entrevista 0 1 0 0
Cenário Comportamental 0 1 0 0
Quadro 1. Relação dos métodos de avaliação do comportamento adaptativo e os contextos onde tais métodos
foram empregados. Fonte: Elaborado pelas autoras.
Instrumento Finalidades
Correlações com as habilidades adaptativas (12);
Delineamento das habilidades adaptativas (7);
VABS
Planejamento de intervenções (6); Diagnóstico (4);
Elegibilidade para programas sociais (2).
Delineamento de habilidades adaptativas (1).
QABS
Correlações com as habilidades adaptativas (1).
CSST
Elegibilidade para programas sociais (3); Correlações
com as habilidades adaptativas (3); Planejamento para
intervenções (2), Desenvolvimento de instrumento (1) e
ABS diagnóstico (1).
Continuação Quadro 3
Discussão
A partir do reconhecimento da importância do comportamento adaptativo
para o diagnóstico da deficiência intelectual, pela Associação Americana de Deficiên-
cia Intelectual e Desenvolvimento (AAIDD), o assunto tornou-se foco de pesquisas
e discussões. Atualmente, existem mais de 200 escalas que mensuram o CA (SCHA-
LOCK, 1999), com diversas finalidades, além de outras técnicas utilizadas ao longo
da história. Podem ser utilizadas como medidas de saúde, diagnóstico, servir como
instrumentos de pesquisa, avaliação de programas educacionais e avaliação clínica.
A escolha de uma ou mais técnicas de avaliação do CA dependerá do ambiente
(contexto) e da finalidade pretendida. No caso desta revisão, optou-se por estudar
as formas mais usadas para avaliar o CA em pessoas com DI. Isto é necessário, pois
o tema, aqui abordado, está sendo amplamente discutido, em termos de conceito,
avaliação para diagnóstico, implementação e avaliação de programas educacionais,
entre outros.
É importante ressaltar algumas questões potencialmente limitantes do estudo.
Uma diz respeito à circunscrição do estudo ao Portal de Periódicos CAPES, que pode
não ter sido suficiente para alcançar algumas formas de avaliação. Outro aspecto
refere-se ao uso de um único idioma: o inglês. Possivelmente existam outros estudos
relevantes publicados em idiomas distintos.
Ao se contrastar a Figura 1, observa-se a predominância dos instrumentos
padronizados para avaliação do CA. Apenas um desses instrumentos padronizados, o
VABS, encontra-se adaptado para a realidade brasileira. Tal fato demonstra a neces-
sidade de concentrar esforços para que haja adaptação para o contexto brasileiro. No
entanto, primeiramente, há necessidade de apontar quais instrumentos são mais ade-
quados à realidade brasileira e, posteriormente, adaptá-lo, ou mesmo construir e vali-
dar instrumentos específicos e concernentes à cultura brasileira. Há essa preocupação,
pois, em outros países, existe a tradução de outros instrumentos encontrados neste
estudo, além do VABS, como o ABAS da versão de Taiwan (CHOU, et al., 2011).
No Grupo A, ressalta-se a predominância da forma de observação direta (Figu-
ra 2). Tal técnica permite uma situação real do comportamento, possibilitando uma
veracidade do dado. Entretanto, é um processo difícil de ser conduzido de forma
confiável, pois se deve considerar o problema da interferência do pesquisador (obser-
vador) no comportamento do observado (MARCONI; LAKATOS, 2008). Alguns
pesquisadores recrutam mais de um observador para garantir a fidedignidade e a
confiabilidade dos dados, como nos estudos de Vonderen; Swart; Didden, (2010);
Totsika et al., (2010); Eisenhower, Baker, Blacher (2007); Jones et al., (1999); Hanley
et al., (1998) e Horner, (1980), todos empregaram a relação inter-observadores. É
válido ressaltar que a maioria dos estudos citados acima empregou tanto a observação
direta como o instrumento avaliativo.
A forma não padronizada (observação indireta) é pertinente em pesquisas que
desenvolvem programas de treinamento de habilidades. O estudo realizado por Van
Vonderen (no prelo) utiliza-se de vídeos para analisar os comportamentos que preci-
sam ser trabalhados (VONDEREN; SWART; DIDDEN, 2010).
Já o grupo B, demonstrado na Figura 3, observa-se a predominância do VABS,
este foi utilizado por ser um instrumento capaz de mensurar o nível do funciona-
mento adaptativo de maneira mais simples e direta (DUIJN et al., 2010), por ser
fidedigno com boas condições psicométricas de confiabilidade (BELVA; MATSON,
2013; BELVA et al., 2012; DI NUOVO; BUONO, 2010; MATSON et al., 2003) e
por ser amplamente utilizado nos Estados Unidos da América (EUA) para diferenciar
crianças pré-escolares com deficiência, além de avaliar a eficácia de programas de
educação especial (VONDEREN; SWART; DIDDEN, 2010).
É importante ressaltar que os instrumentos de avaliação como testes ou escalas
têm inserções e finalidades bem definidas e não devem substituir as avaliações não
padronizadas (PAIXÃO JR; REICHENHEIM, 2005), como o caso das formas de
avaliação encontradas. As avaliações não padronizadas permitem maior flexibilidade,
além de mensurar respostas não esperadas e insensíveis aos instrumentos padroni-
zados. No entanto, as medidas padronizadas oferecem vantagens de serem menos
suscetíveis a vieses e permitem estabelecer uma linha de base bem definida.
Contudo, pode-se dizer que, em ambos os grupos, encontram-se técnicas de
boa qualidade quando mensuradas apropriadamente. Observa-se que, apesar de pou-
co empregado, os métodos combinados, neste estudo, também são eficazes para ga-
rantir a confiabilidade e permitem um cruzamento de dados obtidos, como apontado
por Leonir (2006).
Foi possível constatar que o CA tem sido avaliado predominantemente no
contexto clínico em relação aos demais contextos, educacional, familiar e de lazer, de-
vido ao fato dos estudiosos pertencerem, principalmente, à área da saúde. Destaca-se
o fato de que o CA está intimamente relacionado ao campo da Psicologia, exigindo
que a maioria dos instrumentos padronizados sejam aplicados por profissionais com
a correspondente formação.
Obtiveram-se diversas finalidades, no entanto, as correlações entre as habili-
dades adaptativas com um fator externo ocorreram com maior predominância. Os
estudos abordavam uma correlação das habilidades adaptativas com o mercado de
trabalho (SU, et al., 2008), fatores emocionais (DIDDEN, et al., 2009; LA MAFA et
al., 2009) e com transtornos mentais (HEALY, 2011; SEYNHAEVE; GROSBOIS;
DIONNE, 2008; DI NUOVO; BUONO, 2007; MATSON, et al., 2006). Tal fato
pode ser devido à expansão de pesquisas em doenças mentais e a deficiência intelec-
tual, juntamente com os esforços das pesquisas da neurociência (VENTURA, 2010).
Conclusão
Este estudo destaca as formas de avaliações do comportamento adaptativo na
deficiência intelectual, utilizadas pelos pesquisadores. Neste contexto, nota-se que a
maioria dos estudos adota os instrumentos padronizados e validados, com destaque
para o Vineland Adaptive Behavior Scales (VABS). Contudo, alguns estudos em me-
nor escala optaram por utilizar, além dos instrumentos, outras formas de avaliação,
como observação direta e indireta do comportamento, análise de fichas/relatórios,
entrevista e cenário comportamental. Dentre os contextos inferidos (clínico, educa-
cional, familiar e lazer), houve preferência pelo clínico nos instrumentos padroniza-
dos e educacional para o não padronizado, e a finalidade de maior ocorrência, em am-
bos os métodos, foi nas correlações das habilidades adaptativas com um fator externo.
Mediante o que foi apresentado, é possível inferir que há uma preferência pe-
los instrumentos padronizados e validados em relação às outras formas de avaliação
do comportamento adaptativo e o contexto com maior exploração é o clínico.
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Correspondência
Elizângela Fernandes Ferreira – Universidade Federal de São Carlos. José Timoteo da Silva, Santo Antônio.
CEP: 36570-000 – Viçosa, Minas Gerais, Brasil.
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