Matrizes Religiosas

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MATRIZES RELIGIOSAS

Autoria: Taiane Flôres do Nascimento

1ª Edição
Indaial - 2021

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci
Jairo Martins
Marcio Kisner

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2021


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

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xx. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

xxx p.; il.

ISBN xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ISBN Digital xxxxxxxxxxxxxxxx
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xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD xxxxxx
Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS............................................7

CAPÍTULO 2
PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA
NO BRASIL.....................................................................................51

CAPÍTULO 3
A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO
SOCIOCULTURAL..........................................................................97
APRESENTAÇÃO
A disciplina de Matrizes Religiosas surge no momento em que a configuração
do espaço brasileiro passa a ter uma dimensão mais ampla à medida que novas
religiosidades passam a compor e ter visibilidade no território brasileiro. A partir
disto, essa disciplina vai contemplar temáticas dentro da proposta, que contribuem
na formação acadêmica, a fim de levar não apenas conhecimento científico
através das ciências humanas, mas também levantar questionamentos acerca da
atual organização espacial-temporal das religiões no Brasil.

A religiosidade, de um modo geral, remete a questionamentos e resulta


em formação cuja qualidade forma e é formada pela atitude tanto de condução
quanto de recepção. Conhecer as matrizes religiosas contribui com os aspectos
formativos a partir do fenômeno religioso – cuja capacidade, quando desenvolvida,
pode ampliar a reflexão e a ação, com relação aos acontecimentos, formulações,
normativas e significados, sendo mesmo uma ferramenta para um agir social que
venha a transformar as relações pessoais positivamente. A particularidade das
manifestações religiosas, que revelam historicamente as diferentes concepções
de divindade e formas de cultuar, é por vezes antagônica entre elas, contudo de
acordo com a fenomenologia e hermenêutica, esses fatores não são excludentes
quanto ao conhecimento que ele possibilita acesso. É imprescindível a ressalva de
que a disciplina, no entanto, deve se esquivar das análises que direcionem a mera
identificação, oposições ou juízo de valor, pois pretende uma ação transformadora
com os aspectos do fenômeno religioso como um todo no espaço social.

Diante disso, o presente texto está dividido em três partes, contendo


incialmente, a apresentação das quatro maiores matrizes religiosas do Brasil, com
bases nas principais religiosidades, processo de hibridismo e sua relação com o
sincretismo religioso. É importante já assinalar desde o início problematizações
acerca de religiões marginalizadas, como as de origem afro-brasileiras.

Em um segundo momento, o texto vai trazer o pluralismo e diversidade


religiosa ressaltando como a religião é conceituada e contextualizada na literatura
contemporânea, mapeando alguns autores principais sobre a historiografia das
religiões, bem como as consequências de novas dinâmicas que envolvem a
interpretação das manifestações no espaço.

E, por último, será abordada a religiosidade na atual configuração sociocultural


brasileira, ressaltando suas expressões no espaço, dialogando principalmente
com a questão do inter-religioso, que sugere possibilidades e desafios diante de
uma perspectiva sobre as práticas de intolerância, discriminação e violência de
cunho religioso.
Diante da proposta da temática, destaca-se que tanto os conhecimentos
escolares e acadêmicos quanto os aspectos religiosos trazem consigo o
potencial formativo, de tal forma carregado de tendências e influências, que
tanto se complementam quanto conflitam – e por isso mesmo, nesse encontro
e movimentos, aprofundado em um fazer pedagógico responsável, é possível
vislumbrar pessoas críticas e protagonistas de suas histórias conscientes da
importância e contribuição de outras.

Bons estudos!

Professora Taiane Flôres do Nascimento


C APÍTULO 1
AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• conhecer os aspectos estruturantes das diferentes religiosidades a partir de


pressupostos científicos;
• conhecer as formas com as quais a academia tem se apropriado a fim de
produzir saberes acerca da temática;
• analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura,
política, economia e da ciência;
• compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas em diferentes
espaço-tempos e territórios.
MATriZES RELiGioSAS

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Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A constante busca pela história dos imigrantes fez com que muitos aspectos
fossem levados em consideração. Diante das organizações espaciais e também
das transformações que surgiram a partir da fixação territorial, encontra-se diversos
códigos culturais os quais são testemunhados através das suas marcas culturais.
Neste sentido, a religião é uma forma de explicação do mundo e representa uma
configuração ampla e diversificada do conhecimento. Muitas ciências, como a
sociologia e a antropologia, têm despertado interesses em estudos relacionados
à religião, e o aumento gradativo dessa temática ocasionou uma constante busca
sobre conceitos e narrativas que contemplem as matrizes religiosas no Brasil.

As ciências humanas em seu âmbito relacional e com uma visão extremamente


proporcional em diferentes escalas vem para explicar as transformações desses
fenômenos no espaço e sua relação com a sociedade, junto às expressões no
espaço das mesmas para que se possa ter uma dimensão concreta dos fatos.
A diversidade cultural do Brasil tem gerado inúmeros estudos referentes a
grupos étnicos como índios, alemães, italianos, poloneses, japoneses, árabes e
negros. A procura por peculiaridades de cada grupo social remete a descobertas
significativas às ciências. Os estudos referentes à sociedade neste sentido
procuram enfatizar as transformações que estes grupos realizaram no passado,
realizam no presente e se isso poderia implicar no futuro.

Neste capítulo, serão ressaltadas as quatro principais matrizes


religiosas que compõem o Brasil, bem como a questão do hibridismo
cultural juntamente com o mito das três raças, e consequentemente,
uma ênfase nas religiosidades afro-brasileiras que têm despertado
muitas curiosidades dentro da academia.

2 AS PRINCIPAIS RELIGIOSIDADES
NO BRASIL E O MITO DAS TRÊS
RAÇAS
A temática sobre religião, no geral, tem sido discutida em diferentes áreas
do conhecimento, e isso remete a uma gama de interpretações acerca de como o

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MATriZES RELiGioSAS

fenômeno religioso se dá a partir do espaço e suas manifestações envolvendo o


processo de sociabilidade das pessoas. Não se pode esquecer que, atualmente,
o conceito de religião – o que se verá no Capítulo 2 – não é limitado apenas à
fé, mas está intrinsicamente ligado à política, economia e até mesmo em uma
plataforma maior, como a midiática.

Essas “novas” formas de interpretação sobre a religião vem à tona rompendo


paradigmas que não apenas envolvem preceitos, dogmas etc., mas colabora
na sociedade atingindo modificações nas relações sociais. Isso implicaria, mais
tarde, nas próprias discussões e abordagens realizadas pelas ciências humanas,
pois cada uma analisa e traz para si, a experiência, a essência e até mesmo a
hermenêutica das religiões. Neste sentido, apresentar as principais matrizes
religiosas do Brasil é abordar elementos culturais que se distinguem no espaço-
tempo em que as manifestações acontecem.

Neste sentido, reconhecendo a existência de um número considerável


de religiões, entende-se que para dar conta dessa conjuntura precisa-se
compreender a formação da religiosidade brasileira e refletir sobre a diversidade
religiosa a partir da construção histórica do Brasil. E assim, pode-se chegar a um
consenso de que esse processo, de construção da cultura religiosa, se deu por
meio de quatro grandes matrizes: indígena, ocidental, africana e oriental.

Conhecer cada uma no processo de sua inserção ou reconhecimento no


Brasil é uma tarefa importante, pois a partir do que é analisado através de outras
vertentes como a questão de identidade cultural, política e até ambiental, percebe-
se que as interligações de fatos históricos e geográficos são principais condutores
da manifestação religiosa no espaço. Assim, abre-se uma poderosa construção
do que realmente é a religião, não apenas a vendo como um conceito abstrato,
que se remete, principalmente à fé e ao simbólico, mas também um norteamento
das pessoas na construção da própria sociedade.

Ressalta-se, então, que as páginas a seguir não são baseadas em juízo de


valor, mas de considerações históricas e geográficas que apontam determinadas
contribuições de diferentes abordagens, autores e reflexões acerca de como e
quando as principais religiões estiveram/foram evidenciadas no espaço brasileiro,
bem como a importância na construção sociocultural do Brasil. Embora existam
muitas formas de explicação sobre a formação territorial brasileira, considerar a
religião como fator fundador é como ver a história de outro ângulo, talvez mais
aberto e mais questionador que os rotineiros.

A tarefa aqui não é supervalorizar religiosidades, mas demonstrar suas


condições e manifestações no espaço, sendo elas hegemônicas ou não. É
explorar, de maneira científica e coerente, as principais contribuições de cada
uma na atual configuração do espaço do Brasil.
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Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

Diante disso, começa-se uma jornada de contextualizações e números para


que se possa ter a ideia de como as principais religiosidades estão distribuídas nas
grandes regiões brasileiras. Primeiramente, destaca-se que devido à diversidade
de culturas existem quatro grandes matrizes religiosas no Brasil: indígena,
ocidental, oriental e afro-brasileira. Ressaltar cada uma delas, e seu contexto
histórico, pode trazer uma gama de interpretações acerca da espacialização
das mesmas, bem como a construção de espaços sociais que, atualmente, se
constituem em locais sagrados.

Mas afinal, qual é a primeira matriz religiosa brasileira? Não


Mas afinal, qual é
precisa estudar antropologia para saber que a primeira, obviamente, é a primeira matriz
a indígena. Os povos indígenas do território brasileiro, em toda a sua religiosa brasileira?
diversidade e grandiosidade cultural, possuíam e ainda possuem um Indígena.
grande número de religiosidades, pois são muitos povos com costumes
e dialetos diferentes. Nesse sentido, o certo seria não falar em uma religião
indígena, pois existem inúmeras formas de religiosidades quanto há de povos
distintos e os que ainda não são conhecidos.

Para realizar uma intermediação entre os estudos acadêmicos e a


religiosidade dos povos indígenas brasileiros adota-se o termo religião, sem
esquecer que o mesmo não se aplica ao caso estudado em todas as suas
particularidades e nuances, ou seja, não estará contemplando-as em suas
totalidades. Tal identificação não é apenas uma questão de resgate histórico, mas
também de alteridade e reconhecimento da importância dos cultos indígenas,
tanto para esses povos que vêm perdendo traços culturais ao longo dos anos,
como para a formação da religiosidade da sociedade brasileira.

No início, pode-se dizer que a academia negava a existência de uma religião


indígena. Quando chegaram ao Brasil, portugueses e espanhóis tentaram e
conseguiram, com sucesso, catequisar grande parte dos povos originários. Diante
desse fato, percebe-se que desde 1500, a cultura indígena sofre modificações,
sendo que muitas coisas se perderam no passado e que hoje não são mais parte
da marca cultural destes.

A catequização indígena foi realizada por grupos jesuítas de origem


principalmente portuguesa. Pode-se pensar, a priori, que a catequização
teve por objetivo apenas ensinar dogmas cristãos, porém com o tempo, esses
ensinamentos passaram a ser estratégicos, no sentido de apropriação de terras,
recrutamento de mão de obra e até mesmo para futuros combates por domínios
territoriais. O investimento dos padres jesuítas causou uma perda de patrimônio
cultural por parte da população indígena. Os costumes foram perdidos. As danças
foram esquecidas. Os dialetos sumiram e a religiosidade/crença que eles tinham
foi deixada de lado, como se o catolicismo fosse a religião mais importante. A

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MATriZES RELiGioSAS

principal perda através da catequização foi a língua. Os indígenas aprenderam


o português e passaram a evitar conversas em dialetos, para que os europeus
pudessem saber de todas as coisas que falavam como estratégia de controle
sobre os povos.

Diante disso, pode-se dizer que a perda da cultura indígena e morte de


muitos povos se deu pela resistência de sobreviver ao “povo branco” que estava
ali para habitar suas terras e escravizar para prosperar em solo brasileiro.
Somente os índios que se catequizavam estariam a ''salvos'' dos portugueses. A
religiosidade e crença foi altamente modificada com a catequização, se perdendo
muito mais do que o próprio espaço material, mas também um espaço simbólico e
fundamental na constituição do que é ser indígena. Nesse sentido, vale ressaltar
uma consideração de Eliade (1991, p. 14):

[...] a vida do homem moderno está cheia de mitos


semiesquecidos, de hierofanias decadentes, de símbolos
abandonados. A dessacralização incessante do homem
moderno alterou o conteúdo da sua vida espiritual; ela não
rompeu com as matrizes da sua imaginação: todo um refugo
mitológico sobrevive nas zonas mal controladas.

As religiões animistas e ameríndias (termos usados nos dias atuais para


evidenciar as indígenas) passam a representar um número muito pequeno de
praticantes e adeptos, visivelmente decaída desde a guerra guaranítica que se
estendeu por parte do Brasil. Muitos dos povos nativos, além de características
físicas, tiveram que abandonar toda sua crença em divindades que hoje não
conhecemos, e que fazem parte da construção da sociedade brasileira. Muitos
grupos de diferentes ciências humanas, como a Antropologia, Ciências Sociais,
História, Geografia, tentam reconstruir através de projetos acadêmicos e sociais,
parte da cultura, mas o que se vê é a mínima parte do que ficou para trás com o
fenômeno de hibridismo cultural.

Segundo Eliade (1998), desde o princípio do século XX, pesquisadores


etnólogos adotaram o costume de empregar indistintamente os termos xamã,
homem-médico, feiticeiro ou mago, para designar determinados indivíduos
dotados de prestígio mágico-religioso e reconhecidos em todas as “sociedades
primitivas”.

Como as religiões dos índios colocam como seres sobrenaturais e


divinos elementos da natureza, como o Sol, a Lua e as florestas, hoje, não é
possível que sejam retomadas todas as suas características. Como já se sabe,
o desmatamento das florestas, principalmente da Amazônia, onde grande
parte dos povos originários ainda vive em sua cultura de origem, tem perdido
grandes extensões territoriais, acarretando, assim, não apenas o isolamento

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Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

dos mesmos, mas também a perda dos elementos naturais que constituem o
imaginário das crenças indígenas.

Para Eisenberg (2000, p. 61):

Ao perceberem que os índios conferiam autoridade religiosa


ao curandeiro da tribo, os jesuítas tentaram assumir este
papel, e para competir com a autoridade religiosa dos pajés,
começaram a se dedicar ao atendimento médico dos índios e
adaptar os rituais dos sacramentos cristãos aos usos locais.

A própria sobrevivência dos povos originários é proveniente de uma crença


religiosa: os peixes nos rios, as caças nas florestas, o plantio em determinada Lua,
inclusive a cura de enfermidades. Tudo está ligado ao sagrado. E aqui aparece
uma diferença muito grande de outras religiosidades hegemônicas no Brasil: o
espaço sagrado. Para eles, todo espaço habitado é sagrado, a terra, a casa, os
animais, a primeira natureza (não tocada pelo homem) é extremamente sagrada.
Neste sentido, considera-se as palavras de Corrêa (2001, p. 32), que se pode ter
uma noção dessa relação do índio com a natureza, quando ele salienta que:

O espaço vivido é uma experiência contínua, egocêntrica e


social, um espaço de movimento e um espaço-tempo vivido
que se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário. O espaço
vivido é também um campo de representações simbólicas, rico
em simbolismo que vão traduzir em sinais visíveis não só o
projeto vital da sociedade, subsistir, proteger-se, sobreviver,
mas também as suas aspirações, crenças, o mais íntimo de
sua cultura.

Os garimpos, extração de minérios, cortes de árvores e outras atividades


ilegais nessas regiões destruíram e ainda destroem o que restou do espaço
sagrado dos indígenas, ou seja, suas terras são alvo de interesse não apenas
econômico, mas também político, e isso mostra como eles são vulneráveis a
ponto de não conseguirem uma defesa para sobreviver a essas intervenções
do “homem branco”. A natureza é parte de suas religiosidades e toda cultura
fundamentalista indígena parte dela, pois eles acreditam que a terra não é apenas
o lugar onde moram, mas sim um elemento central da religião e da identidade
cultural dos mesmos, ou seja, é o lugar onde descansam os espíritos de seus
ancestrais.

A primeira matriz religiosa, atualmente, é caracterizada por perdas e


memórias esquecidas, e obviamente, a crença religiosa atual é diferente da dos
ancestrais. A cultura de qualquer povo é passada de geração a geração, sendo
por meio de fala, ensinamentos ou até mesmo escritas vindas de pessoas mais
velhas e isso influenciou a marginalização dos povos originários como a maior
religiosidade brasileira. Pois se pensar em termos de legados culturais deixados

13
MATriZES RELiGioSAS

por ancestrais, certamente, sem a invasão de europeus, a religião indígena seria


uma das maiores religiões do Brasil e os índios estariam ocupando espaços
pertencentes a eles mesmos.

Para melhor compreender a história dos povos originários


e a influência ocidental na sua cultura e crença, indicamos o filme
Escolarizando o Mundo, disponível na plataforma Youtube e The
Mission (A Missão) de 1986, dirigido por Roland Joffé, que conta
com o contexto histórico da Guerra Guaranítica, entre meados de
1750 até 1756. Dá ênfase ao povo Guarani, tropas espanholas e
portuguesas no sul do Brasil após a assinatura do Tratado de Madri,
no dia 13 de janeiro de 1750. Os Guaranis da região dos Sete Povos
das Missões não aceitaram deixar suas terras no território do Rio
Grande do Sul para o outro lado do Rio Uruguai.

A segunda matriz religiosa presente no território brasileiro, com base nas


linhas anteriores, é originária da Europa ocidental, pois, ainda que se possa
afirmar a origem geográfica oriental do cristianismo, foi de Portugal e Espanha
que o cristianismo católico veio para o Brasil no processo de colonização.

Foi nos períodos colonial e imperial que o cristianismo, enquanto matriz


religiosa, difundiu em terras brasileiras, por meio das missões jesuíticas e da
devoção às divindades (santos e santas), que é chamado de cristianismo popular.

Para informação, durante todo o período colonial (1500-1822) e imperial


(1822-1889), o catolicismo foi a única religião legalmente aceita, não havendo
liberdade religiosa em nosso país. Nesse período, ou seja, durante quatrocentos
anos, segundo Mariano (2001, p. 127-128):

[...] o Estado regulou com mão de ferro o campo religioso:


estabeleceu o catolicismo como religião oficial, concedeu-lhe
o monopólio religioso, subvencionou-o, reprimiu as crenças e
práticas religiosas de índios e escravos negros e impediu a
entrada das religiões concorrentes, sobretudo a protestante, e
seu livre exercício país.

O cristianismo popular é uma das maiores criações culturais em âmbito


religioso no Brasil, pois se tornou fortemente imposto na maioria das comunidades.
Neste sentido, pessoas com baixo poder aquisitivo, indígenas e negros, colocados

14
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

à margem do sistema político e religioso, deram corpo a sua experiência espiritual


dentro da cultura popular que influencia mais pela conexão do inconsciente e do
emocional do que do racional e do doutrinário.

Como religião hegemônica, o cristianismo é muito forte, principalmente no


Brasil, sendo uma das principais religiões mundiais. É notável que a mesma
não influenciou somente na cultura de povos. O cristianismo foi, durante muitos
séculos, disseminador dos ensinamentos de Jesus de Nazaré dentro do Ocidente e
continua sendo a principal raiz de continuidades entre a cultura ocidental moderna
e a cultura ocidental antiga. Desse modo, pode-se dizer que, geograficamente, é
uma das maiores crenças que transita entre os quatro cantos no mundo todo.

Ressalta-se que o cristianismo é uma religião monoteísta (crê somente em


um Deus), que tem cerca de dois mil anos. Anteriormente, destacou-se que ela
poderia ter sua gênese oriental, pois é nesses meados que a mesma se derivou
do Judaísmo na região do Oriente Médio. Apesar deste detalhe em sua formação,
ela é considerada a mais influente no Ocidente e todas as culturas sofreram ou
sofrem alguma influência de seus preceitos.

Ao contrário das religiões indígenas, o espaço sagrado dessa religião são as


igrejas e santuários, que constituem um número muito grande materializado no
espaço. É o maior número de construções com essa finalidade no Brasil. Aqui,
considera-se que a reflexão sobre o sagrado envolve a consideração do profano,
ou seja, ele se apresenta diferentemente do profano, pois o sagrado relaciona-
se às divindades, e o segundo, a priori, não. O sagrado manifesta-se sempre
como uma realidade de ordem inteiramente diferente da realidade do cotidiano
(ROSENDAHL, 1996).

Reconhece-se que o pensamento religioso das pessoas e sua conjuntura


num mundo carregado de valores religiosos permitem que as mesmas identifiquem
espaços qualitativamente diferentes de outros. A diferença é que espaços
sagrados, como a igreja cristã, é demarcado e muito distinto e isso remete a uma
oposição do que é sagrado e do que não é sagrado (profano). Neste sentido, é
importante conceituar esses dois termos, pois eles fazem parte dos estudos de
religião e são importantes na compreensão das mesmas e suas espacialidades.
Rosendahl (1996, p. 30) define que:

O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva


o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para
um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência. É
por meio de símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado
exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade.
É o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que
possibilita ao homem entrar em contato com a realidade
transcendente chamada de deuses, nas religiões politeístas, e
Deus, na monoteísta.
15
MATriZES RELiGioSAS

Mais além, a autora ainda explica essa relação das pessoas com o espaço
sagrado:

O homem religioso tem necessidade de se movimentar


num mundo sagrado, daí o desejo de participar do ritual de
construção do espaço sagrado. Na realidade, o ritual pelo qual
o homem constrói um espaço sagrado é eficiente na medida em
que ele reproduz a obra dos deuses. E desta forma habita um
mundo ordenado, Cosmos, e não um espaço desconhecido e
não consagrado, o Caos. O fenômeno da construção do espaço
sagrado implica num comportamento religioso de conquista e
ocupação do que não é “nosso”. A estrutura do espaço sagrado
implica também na ideia da repetição da hierofania primordial
que consagra o espaço e, assim transfigura-o, singulariza-o e
isola-o do espaço profano (ROSENDAHL, 1996, p. 30-31).

É importante considerar esses conceitos, uma vez que, diferentemente das


religiões indígenas, a igreja, no geral, incluindo de outras religiões, não é somente
o lugar que reúne os fiéis, mas igualmente o espaço protegido das influências dos
meios profanos que estão além das instalações materiais. Reconhecendo, então,
que o homem conhece o sagrado em espaços diferentes do seu cotidiano e que
as igrejas são os espaços dessas experiências, é possível concluir que o interior
desses lugares proporciona ao homem religioso uma ruptura com o profano.
Dessa forma, as igrejas são elementos fundamentais para o entendimento da
separação entre sagrado e profano. Eliade (1992, p. 29) ressalva:

[...] igreja faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se


encontra. A porta que se abre para o interior da igreja significa,
de fato, uma solução de continuidade. O limiar que separa
os dois espaços indica ao mesmo tempo a distância entre os
dois modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo
tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem
dois mundos – e o lugar paradoxal onde esses dois mundos
se comunicam, onde se pode efetuar a passagem do mundo
profano para o mundo sagrado.

Com a hegemonia do cristianismo, o Brasil passa a ser um território que


dissemina a religiosidade cristã para os povos que estavam chegando para logo
mais, fixar moradia, a exemplo de japoneses, poloneses, italianos, alemães etc.
Pode-se considerar também que, atualmente, a base estruturante e hierarquizada
da sociedade, que dita o que é certo ou errado, está associada às convenções
cristãs, pois a igreja desde sempre foi e é a maior influenciadora dos padrões a qual
as pessoas estão direcionadas. Obviamente, a desconstrução desses padrões tem
sido evidenciada em diferentes movimentos, como a questão do casamento entre
duas pessoas da mesma orientação sexual, pois sabe-se que o casamento entre
orientações sexuais diferentes é uma convenção da igreja católica.

Indo em direção às desconstruções, ressalta-se a terceira matriz religiosa


introduzida no Brasil: a africana. Ela vem para evidenciar a cultura dos negros
16
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

escravizados e a crença nos orixás. É importante ressaltar que matriz Indo em direção às
africana é diferente de afro-brasileira. A primeira traz conhecimentos desconstruções,
tradicionais originários da África, e a segunda, já conta com uma espécie ressalta-se a
de “mistura” de crenças (no terceiro tópico desse texto será discutida terceira matriz
essa questão). religiosa introduzida
no Brasil: a africana.
Em contextos históricos e geográficos, quem trouxe o candomblé
para o Brasil foram os negros escravizados nativos de diferentes lugares da
África. Essa religiosidade tem rituais muito peculiares, porém assemelha-se com
os rituais ameríndios. Eles são realizados ao ritmo de atabaques (instrumento
musical) e cantos em idioma ioruba ou nagô (nativos), que variam conforme o
orixá que está sendo cultuado. As cerimônias do candomblé são realizadas nos
terreiros, que também podem ser casas, mas expressam no nome suas origens –
clareiras na mata que os escravos podiam expressar sua religiosidade.

A historicidade das religiões africanas no Brasil é comumente associada com


a afro-brasileira, mas cabe lembrar que os primeiros escravos foram trazidos em
meados de 1500, não há uma data certa por historiadores. Mas o que é relevante
aqui, é a premissa de que eles foram quase ou mais de 4 milhões, entre homens,
mulheres e crianças, traficados pelos navios negreiros (REIS, 2000), e isso
influenciou fortemente o povoamento do território brasileiro. O Brasil foi o país
da América que mais traficou escravos negros e eles foram utilizados como mão
de obra escrava de diversas construções materiais, como a ferrovia em toda a
extensão territorial, do Norte a Sul.

Há quem diga que a longa permanência do negro no Brasil acabou por


abrasileirá-lo, inclusive a sua religião de origem. De um lado, o negro africano
tornou-se experiente e na tentativa de salvar as próximas gerações de suas famílias
da escravidão, tornou seus filhos crioulos e mestiços, ou mais popularmente
chamados de mulatos, pardos e caboclos. A mestiçagem e hibridismo de cultura
são temas inevitáveis da história do negro no Brasil.

De outro lado, raros são os aspectos da cultura brasileira que não trazem
a marca da cultura africana. O assunto já foi muito tratado por historiadores e
antropólogos, que estudaram a cultura negra, incluindo a origem da família,
a língua, a religião, a música, a dança, a culinária e a arte popular em geral.
Cultura esta que também foi se perdendo ao longo do tempo, porém em termos
simbólicos, ela é mais passível de ser resgatada que dos indígenas. A quarta matriz
religiosa no Brasil
Finalizando sobre as matrizes, a quarta matriz religiosa no Brasil é a oriental, mais
é a oriental, mais especificadamente, o budismo e suas vertentes. Ele especificadamente,
desembarca em solo brasileiro através da imigração de povos orientais, o budismo e suas
vertentes.
principalmente com a chegada dos japoneses. Ele se expande, abrindo

17
MATriZES RELiGioSAS

um leque de religiões orientais que mais tarde se torna muito importante na


construção do espaço religioso brasileiro. Segundo o censo de 2010 do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – são 243.966 praticantes ou adeptos
no Brasil, número este que decresceu do último censo. Eles estão distribuídos em
diferentes vertentes do budismo:

GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DO BUDISMO NO BRASIL

FONTE: Shoji (2004 apud USARSKI, 2008 p. 2)

É importante considerar que pelos dados do IBGE (2010), o budismo no


Brasil tem se renovado, deixando de ser uma religião composta exclusivamente
por descendentes de japoneses, mas também há a possibilidade do ingresso de
outras etnias na religião. No entanto, Usarski (2008 p. 137) considera:

Esse recente declínio do número total de budistas brasileiros


não só contradiz os exageros numéricos comuns na mídia
brasileira, mas também indica que não se deve contar com
a possibilidade de que um número considerável de nipo-
brasileiros que se recusaram a continuar declarando-se
“amarelos” em 2000 agora apareça sob a rubrica “budista não-
amarelo”. A dinâmica negativa no subcampo torna-se ainda
mais clara quando se considera a evolução do segmento budista
de “cor amarela” durante as últimas três décadas. Comparado
aos 149.633 budistas de “cor amarela” registrados em 1970, o

18
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

número daqueles autodenominados de “cor amarela” caiu para


81.345 em 2000, um declínio de 68.288 indivíduos de origem
asiática predispostos a se identificar como adeptos da religião
de seus ancestrais.

Para Usarski (2008), pesquisador sobre a religião budista no Brasil, a queda


está relacionada a diferentes fatores, incluindo a mortalidade de japoneses e a
falta de interesse dos descentes em seguir a religião, procurando interagir com
outras religiões que são mais hegemônicas no Brasil.

Atualmente, o budismo tem sido objeto de estudo de muitas ciências, o que


ocasiona em uma visibilidade maior por parte da população em geral, no entanto,
ainda são estudos incipientes que compõem uma trajetória mais abrangente da
religião. Mesmo assim, o budismo é uma das matrizes religiosas do Brasil, pois o
país tem a maior população japonesa fora do Japão. Isso também influencia muito
a questão do hibridismo cultural que se tem falado ao longo do texto.

E diante da contextualização, é importante considerar o “mito “mito das três


das três raças”, pois ele está intrinsecamente ligado às principais raças”, pois ele está
matrizes religiosas e culturais do Brasil. Ele foi desenvolvido tanto pelo intrinsecamente
antropólogo Darcy Ribeiro como pelo senso comum da população, em ligado às principais
que a cultura e a sociedade brasileiras foram constituídas a partir das matrizes religiosas e
culturais do Brasil.
influências culturais das três raças: europeia, africana e indígena.

IMPORTANTE: Nos dias de hoje, não existe nenhuma sociedade


ou grupo social que não possua a mistura de etnias diferentes. Há
exceções como pouquíssimos grupos indígenas que ainda vivem
isolados na América Latina (o caso de alguns grupos na Amazônia)
ou em algum outro lugar do planeta.

De modo geral, as sociedades contemporâneas são o resultado de um longo


processo de miscigenação de suas populações, cuja intensidade variou ao longo
do tempo e do espaço. Fala-se em senso comum, pois é ele quem divide a espécie
humana entre brancos, negros e amarelos, que, popularmente, são tidos como
"raças" a partir de um traço peculiar – a cor da pele. Todavia, brancos, negros
e amarelos não constituem raças no sentido biológico, mas grupos humanos de
significado sociológico.

19
MATriZES RELiGioSAS

IMPORTANTE: É importante destacar que esse mito não é


compartilhado por diversos críticos, pesquisadores e pela própria
academia científica, pois minimiza a dominação violenta provocada
pela colonização portuguesa sobre os povos indígenas e africanos,
colocando a situação de colonização como um equilíbrio de forças
entre os três povos, o que de historiadores não comprovam.

Alguns estudos utilizaram, entre os séculos XVII e XX, o termo “raça” para
designar as várias classificações de grupos humanos, mas desde que surgiram
os primeiros métodos genéticos para estudar biologicamente as populações
humanas, o termo raça caiu em desuso. Neste sentido, "o mito das três raças"
é criticado por ser considerado uma visão simplista do processo colonizador
brasileiro.

Desse modo, a crença no mito da democracia racial é estruturante do


sentimento de nacionalidade brasileiro, a ponto de atuar uma rara aceitação
valorativa entre as diferentes camadas sociais que formam a sociedade atual.
Para Ladouceur (1992, p. 417):

O Brasil constitui um espaço plurinacional caracterizado por


diversas identidades culturais. Este espaço é dominado
por uma ideologia dominante [sic] com elementos brancos
euroamericanos. O Estado brasileiro constrói sua geografia na
base da territorialidade desigual estabelecida contra as nações
autóctones e a maioria negra.

Na sua pesquisa que pode ser considerada um dos principais estudos da


questão étnico-racial no período, Ladouceur (1992, p. 420) identifica que quase
não há uma representação diferenciada de índios e negros no território brasileiro,
e ele vai mais além ao ressaltar que:

Os índios e negros são desterritorializados e dissolvidos na


identidade nacional enquanto a pertença a um território próprio
é destruída nas representações geográficas. A territorialidade
dos índios e dos negros elabora-se unicamente a partir das
relações inter-étnicas pela conquista do território [...] autóctone
e a conquista do sexo feminino (implícito nos Livros) permitindo
a miscigenação. Encontramos só um mapa que ilustra a
presença territorial das nações autóctones, mas nenhum mapa
ilustrando a territorialidade negra.

20
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

Destaca-se, ainda, as palavras de Ratts (2010, p. 129):

Como dissemos, nossos “antigos” livros didáticos de geografia


do Brasil, tratam de brancos, negros e índios na composição
étnica do país, trazendo fotografias, índices populacionais
e, algumas vezes, mapas. Nesta geografia imaginativa,
considerada não como falsificação, mas como representação,
os índios se situam em aldeias muito distantes dos centros
urbanos, como se seu ambiente próprio se reduzisse a florestas
e matas. São como “orientais” numa terra ocidentalizada. Os
negros são igualmente originários de um distante, vasto e
misterioso território: a África. No Brasil, parte do Novo Mundo,
igualmente exótico, misterioso e distante dos olhos europeus.
Neste imaginário o pais seria, de modo genérico, mais
indígena no Norte e Centro-Oeste, negro ao Nordeste e parte
do Sudeste e branco ao Sul. No entanto, no senso comum
geográfico praticamente não existiria mais índios nas regiões
Nordeste (com exceção do Maranhão), no Sudeste e no Sul.
[...] Este quadro começa a ser revisto pela permanência por
vezes incômoda dos “diferentes” e pelo reconhecimento muitas
vezes tardio que alguns atores sociais hegemônicos fazem das
identidades de grupos subalternos.

É importante considerar que como sociedade pensadora e crítica, estamos


em processo de abertura para o reconhecimento da diversidade étnica, racial
e cultural no país e no mundo, abordando-a nos contextos de desigualdade e
de reparações de situações históricas de subalternidade. A ideia de trazer as
principais matrizes religiosas do Brasil é uma configuração não apenas de uma
parte da história de alguns povos, mas sim de uma visão mais ampla da própria
territorialidade brasileira. Nos gráficos a seguir, pode-se observar um resumo por
regiões, a partir de dados de 2010, a composição religiosa do Brasil, considerando
o mito das três raças.

21
MATriZES RELiGioSAS

GRÁFICO 2 – REGIÃO NORTE

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

GRÁFICO 3 – REGIÃO NORDESTE

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

22
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

GRÁFICO 4 – REGIÃO SUDESTE

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

GRÁFICO 5 – REGIÃO SUL

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

23
MATriZES RELiGioSAS

GRÁFICO 6 – REGIÃO CENTRO-OESTE

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Pode-se visualizar nos gráficos, que em todas as regiões, as porcentagens


de adeptos e praticantes de religiões não hegemônicas (matriz africana e afro-
brasileira, espírita e oriental) são baixas em relação à católica. Mesmo que ela
tenha dados altos e disparados é possível dizer que ela tem sofrido uma gradativa
decadência de adeptos. Isso pode ser resultado das religiões que estão sendo
visibilizadas com a proposta de uma multiculturalidade que o Brasil se desenha.
As relações sociais baseadas nas religiões provocam um aumento importante na
sociabilidade de determinados grupos marginalizados, a exemplo da população
LGTBiQ+. Espaços como terreiros e casas espíritas tendem a ser mais abertos às
expressões desse grupo social subalterno.

Para tratar essas questões – caso haja interesse sobre –


indicamos trabalhos desenvolvidos com a temática da religião e
gênero:

FURTADO, Maria Cristina S.; CALDEIRA, Angela Cristine


Germine Pinto. Cristianismo e Diversidade Sexual: Conflitos
e Mudanças. In: Fazendo Gênero: Diásporas, Diversidades,
Deslocamentos, n. 9, Florianópolis, 2010.

24
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

NASCIMENTO, T. F do. Os terreiros de cultos afro-brasileiros


e de origem africana como espaços possíveis às vivências
travestis e transexuais. 2016. 103 p. Dissertação (Mestrado em
Geografia) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016.

2.1 O PROCESSO DE HIBRIDISMO


RELIGIOSO NO TERRITÓRIO
BRASILEIRO
De modo geral, o hibridismo cultural aconteceu e acontece a partir da
mistura de diferentes culturas. Algumas culturas conseguem adaptar-se a culturas
hegemônicas, como também podem subverter a elas. Um exemplo importante e
que já foi considerado anteriormente é a indígena. O hibridismo no Brasil iniciou
com a chegada de europeus e, consequentemente, eles se sobressaíram em
relação aos nativos, trazendo uma cultura europeia e eurocêntrica. Diante disso,
muitos povos foram convertidos a diferentes realidades, como a catequização,
mas também muitos resistiram a essa mudança de cultura, e foi então que
aconteceu um dos maiores massacres da história brasileira: a morte de milhares
de indígenas nas guerras em posse do território.

Não é novidade essas linhas, porém é importante sempre enfatizar que o


processo de miscigenação não foi algo natural, mas sim imposto por etnias
europeias, principalmente portugueses e espanhóis. Tem-se ao longo da história,
diversas denúncias em forma de contos, livros literários e, inclusive, na mídia,
que destacou importantes obras de autores literários brasileiros que evidenciavam
fatos desses períodos ao meio de eufemismo e romances um tanto duvidosos,
mas que representavam a realidade brasileira. Neste sentido, a literatura passa
a se tornar um instrumento de denúncia e crítica social, porém de uma forma que
poucos compreenderam ao longo dos séculos.

Pode-se citar obras como Memórias de um Sargento de Milícias


(1854), de Manuel Antônio de Almeida, Iracema (1865), de José de
Alencar, Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, dentre outras
importantes obras dos séculos XIX e XX.

25
MATriZES RELiGioSAS

Retomando então a contextualização sobre o hibridismo religioso, considera-


se que o mesmo é resultado do multiculturalismo ou pluralismo cultural (será
discutido nos próximos capítulos), em que caracteriza a sociedade como
heterogênea, enquanto gênero, raça, religião, padrões culturais e até mesmo
“deficiências” em questões identitárias. No entanto, considera-se as palavras de
Miceli (2004 p. XIII):

[...] uma vez que a cultura só existe efetivamente sob a forma


de símbolos, de um conjunto de significantes/significados, de
onde provém sua eficácia própria, a percepção dessa realidade
segunda, propriamente simbólica, que a cultura produz e
inculca, parece indissociável de sua função política. Assim
como não existem puras relações de força, também não há
relações de sentido que não estejam referidas e determinadas
por um sistema de dominação.

Cabe ressaltar que a sociabilidade em todos os seus aspectos, e em todos


os momentos da sua história, justifica a prática religiosa não pelo que está
visivelmente aparente, mas pelo resultado de uma cooperação, intervenção de
todos, que faz parte de um pensamento coletivo, rico em elementos sociais os
quais são objetos de estudos de diferentes ciências humanas. Essa relação
social imbricada no contexto das religiões traz uma gama de interpretações
socioespaciais que podem ultrapassar diversos aspectos. Para isso considera-se
Velho (2001, p. 207):

[...] a sociabilidade em Simmel tem um sentido muito preciso,


mas, se você ficar preso exclusivamente à definição que o
Simmel deu para sociabilidade no início do século XX, pode
perder muita coisa interessante que também é chamada de
sociabilidade, e que acho que está muito mais próxima de uma
discussão sobre interação, cotidiano e costumes. [...] existe
esse nível ou esse conjunto de níveis do dia-a-dia, do cotidiano,
da sociabilidade, que são absolutamente fundamentais e, num
certo nível, são a base da vida social. [...] Na verdade, o dia-a-
dia, o cotidiano, o microssocial, a interação têm esse potencial
enorme que tem sido confirmado na história das ciências
sociais.

O conceito de sociabilidade é evidenciado por George Simmel.


Ver em: SIMMEL, G. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura
ou formal. In: SIMMEL, G. Georg Simmel: Sociologia. Organização
de Evaristo de Moraes Filho. Coordenação de Florestan Fernandes.
São Paulo: Ática, 1983.

26
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

Com as diversas religiões, a sociabilidade é uma forma de vida cotidiana da


sociedade. Não somente elas, mas sem dúvida é um dos maiores fatores que
influenciam a cotidianidade.

O maior hibridismo religioso está relacionado às religiões afro-brasileiras


(último tema deste capítulo), mas adiantando os spoilers, congrega elementos
simbólicos de diversas religiões hegemônicas do Brasil. Tem-se então uma ênfase
maior a ela por considerar que a mesma ainda vive um processo de afirmação e
que isso está diretamente relacionado ao pluralismo cultural. Para adentrar ainda
mais fundo nessa discussão, partilha-se o pensamento de Aragão (2002, p. 49):

Acontece que a fé autêntica não se reduz a uma religião. A


fé autenticamente religiosa prolonga uma fé antropológica
mediante dados transcendentes sobre valores e significações,
oferecidos por um grupo de testemunhas. Enquanto as
tradições religiosas transmitidas como cultura primeiro o
reconhecimento do sagrado como sobrenatural eficaz e
passam depois a adotar valores implícitos nesse sagrado, a fé
religiosa leva a aceitar valores humanos e a reconhecer depois
o sentido sagrado, absoluto.

É importante considerar esse pensamento do autor, pois se analisar todas as


estruturas da atual sociedade, percebe-se que a fé não se reduz a uma religião.
A exemplo disso está o Gráfico 7, que compõe uma comparação de religiões de
matriz africana e afro-brasileiras com as cristãs.

GRÁFICO 7 – RELAÇÃO ENTRE AS RELIGIÕES CATÓLICAS


E DE MATRIZ AFRICANA/AFRO-BRASILEIRAS

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

27
MATriZES RELiGioSAS

O gráfico com os dados de 2010 não conseguem representar a realidade e


tampouco demonstrá-la, pois as vertentes do catolicismo no Brasil ainda ocupam
(e provavelmente sempre irão ocupar) o maior número de adeptos. Ele está aqui
para a visualização de uma realidade que não pode ser comparada. No entanto,
se destacar apenas as religiões não hegemônicas, pode fazer mais sentido a
análise.

Nos próximos gráficos é possível verificar melhor as outras religiosidades no


Brasil:

GRÁFICO 8 – RELAÇÃO DAS RELIGIÕES NÃO HEGEMÔNICAS NO BRASIL

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

O Gráfico 8 mostra a religião espírita com maior número de adeptos e pode-


se explicar esses dados. O senso de 2010 foi o primeiro a considerar a religião das
pessoas e ao responderem para os recenseadores, muitas delas não expressaram
a sua religião de forma exata, ou não sabia onde algumas se encaixavam.

Por definição do IBGE, o agente recenseador é o cargo que


conta com requisito de nível médio, sendo o profissional designado
para coletar as informações dos Censos Demográficos nos
domicílios designados, cumprindo as orientações recebidas por meio
do dispositivo móvel de coleta.

28
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

Há uma relação forte entre a espírita kardecista com as religiões afro-


brasileiras e a diferença entre elas ainda não é reconhecida por parte da
população. É uma forma de camuflar o fenômeno, mas ao mesmo tempo, serve
de estratégia para a resistência e permanência. No próximo senso, provavelmente
esse número de adeptos e praticantes de religiões afros tende a aumentar, não
apenas por essa razão, mas por outros fatores que Nascimento (2014, p. 66)
aponta:

Primeiramente, acredita-se que o maior e principal fator está


ligado a inserção da cultura afro-brasileira no currículo escolar,
pois em 2003, foi promulgada a lei nº 10.639 que alterou a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), passando-se
a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e
médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura
afro-brasileira, onde se ressalta a importância da cultura negra
na formação da sociedade brasileira. [...] O preconceito estaria
diminuindo em função da educação, e isso poderia acarretar
na maior aceitação das religiões afro-brasileiras no Brasil.
Salienta-se também que a partir destes estudos, o sincretismo
religioso passa a ser compreendido e abrem possibilidades
de conhecimentos ligados a estas manifestações ligadas as
religiões de origem afro. Neste sentido, os professores exercem
importante papel no processo da luta contra o preconceito e a
discriminação racial no Brasil.

Ainda exemplificando alguns fatores, a autora destaca mais além que:

O segundo fator estaria ligado à mídia e acesso de


informações. Com o maior número de acessibilidade às redes
de informações das mais variadas formas, como a televisão
e a internet. Assim, a população afro-brasileira passou a
procurar seus direitos, pois houve um chamado muito grande
de associações e movimentos 67 negros não só no país, mas
no mundo todo. Com isso, eles passaram a se integrar em
manifestações que os revelaram direitos e deveres que ainda
não eram reconhecidos, a diversidade de fenômenos culturais
ligados a este grupo social (NASCIMENTO, 2014, p. 66-67).

Possivelmente, esses fatores podem ser agregados à questão da resistência


também. No entanto, essa discussão é mais profunda em ciências como a
Geografia, que propõem uma relação de manifestação do fenômeno no espaço e
suas relações sociais – o que não foge em nada das principais ideias desse texto
em si.

Continuando, o Gráfico 9 apresenta uma comparação talvez esperada nesse


texto, mas que, a priori, pode ser uma indicação de parâmetros de dados da
realidade do Brasil.

29
MATriZES RELiGioSAS

GRÁFICO 9 – RELAÇÃO CATÓLICA X EVANGÉLICA (SEM SUAS VERTENTES)

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Percebe-se através dessa imagem e com os dados especializados, que há


um número muito elevado de adeptos de religiões evangélicas, o que permite nos
apresentar uma outra configuração de religiosidade no Brasil. Sobre isso, conta-
se com a colaboração de Sousa (2017, p. 21), que comenta:

Com o crescimento exponencial dos evangélicos, cresce


também sua área de atuação, seja no campo da ação social ou
na política e embora constitucionalmente for um Estado laico,
o seu povo é extremamente religioso, portanto, é inevitável a
manifestação de influência dos evangélicos no Brasil.

A religião evangélica, que é uma vertente do cristianismo, sob outros


preceitos, tem um aumento gradativo e importante nas últimas décadas. Ela
parte de uma matriz maior, porém tem se tornado uma das crenças que mais
se expande em níveis territoriais, tanto em adeptos quanto de materialização no
espaço. Realmente, é inevitável que ela não seja influente em vários setores, a
exemplo da economia e da política, no entanto, deve-se ressaltar que há diversas
vertentes do evangelho no Brasil, como mostra o Gráfico 10.

30
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

GRÁFICO 10 – VERTENTES EVANGÉLICAS NO BRASIL

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Conforme os dados de 2010, que podem ser maiores no momento, salienta as


vertentes Assembleia de Deus e Batista como as maiores igrejas com praticantes
no Brasil, número este que passará por mudanças no próximo senso, devido à
expansão no espaço. Para Martins (2016, p. 19):

[...] a Assembleia de Deus atualmente é extremamente


difundida no país, tanto as convencionais, amplamente
reconhecidas denominacionalmente, quanto as Assembleias
de Deus independentes que surgem a cada dia e que não
são reconhecidas como tais. Dado esse fato, é muito difícil,
se não impossível, apontar uma doutrina definitiva e certa da
Assembleia de Deus.

As palavras da autora coincidem com os dados do Gráfico 8, pois evidenciam


exatamente a sua fala. Há um forte crescimento dessas religiões, pois em tese,
atingem uma camada menos favorecida da população, pessoa com baixo poder
aquisitivo, que veem nos preceitos e doutrinas, uma forma de modificar suas vidas
pertencendo àquele espaço de sociabilidade.

O hibridismo religioso certamente é uma das temáticas mais interessantes


e complexas como forma de analisar a organização do espaço do Brasil, pois
abarca muitas religiosidades que ainda estão em ascensão, e logo depois de se
fixarem, outras mais irão aparecer, todas provenientes de algumas das quatro
maiores matrizes religiosas. Aqui não aparece suas doutrinas de fato, e nem seus
preceitos, pois é uma tarefa difícil e envolve uma pesquisa muito mais ampla e
específica de cada religião, porém, se destacá-las de uma forma geral, pode-se

31
MATriZES RELiGioSAS

absorver um método dedutivo de como elas se manifestam no espaço e quais as


relações sociais que cada uma influencia na construção da própria sociedade.

Indicamos a leitura da seguinte obra:


TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs). As religiões
no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

2.2 AS RELIGIÕES AFRO-


BRASILEIRAS E O “SINCRETISMO
RELIGIOSO”
Antes de iniciar a última abordagem deste capítulo, é importante considerar
que as religiões afro-brasileiras são consideradas marginais e não homogêneas.
A heterogeneidade das religiões indica que a própria construção do espaço é
totalmente diferenciada, aparecendo singulares manifestações culturais. Umas
das religiões que são totalmente diferenciadas ao manifestar-se no espaço são as
afro-brasileiras e de matriz africana (NASCIMENTO, 2016).

Os espaços que elas constituem são diferenciados e exigem uma


compreensão maior sobre o que é o sagrado e o profano, conceitos estes que
foram revisitados no início deste texto. O processo de aceitação e afirmação
enquanto uma religião legítima teve entrada ainda no século XX, mesmo que ela
já tivesse em meio aos escravos negros nos anos anteriores. Ela abrange um
leque de interpretações acerca do conceito do que é religião. Conforma Souza
(2004, p. 122-123):

A religião é, antes de tudo, uma construção sociocultural.


Portanto, discutir religião é discutir transformações sociais,
relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia; é
adentrar num complexo sistema de trocas simbólicas, de jogos
de interesse, na dinâmica da oferta e da procura; é deparar-se
com um sistema sociocultural permanentemente redesenhado
que permanentemente redesenha as sociedades.

Essa ideia de Souza é interessante para contextualizar a questão das


religiões afro-brasileiras no Brasil, uma vez que elas sofreram e ainda sofrem
transformações culturais relevantes ao longo do processo de “sincretização”. De

32
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

maneira geral, ela é vista por muitos pesquisadores, inclusive por praticantes da
religiosidade, como um “abrancamento” das religiões de matriz africana, como o
Candomblé, por exemplo. Isso se dá pelo fato de ela congregar em sua possível
gênese, preceitos das religiões africanas, ameríndias, espírita e católica, sendo
assim uma mistura de todas. Considera-se que ser “sincrético” pode não ser
uma boa qualificação, especialmente para o senso comum, pois tem um sentido
negativo, que dá a conotação de mistura confusa de elementos diferentes e de
inautenticidade (PREVITALLI, 2013), e ela vai mais além quando exemplifica (p.
22-23):

Sincretismo não é um fenômeno recente, tampouco estritamente


localizado. Fruto da dinâmica da cultura, o sincretismo permite
que se dê sentido àquilo que foi adquirido do outro. É um termo
polêmico, de conotação pejorativa, uma vez que pressupõe
contaminação e inautenticidade, acreditando-se que uma
suposta tradição pura recebera infiltrações de símbolos de
outra tradição aparentemente incompatível.

Esse ponto ainda é muito discutido entre diversos estudiosos da temática


em questão, visto que há quem defenda que ela seja uma religião legítima do
Brasil e que tem sua própria estrutura religiosa, fundamentos e formas de cultos
originais, e por essa razão será utilizado o termo “sincretismo”, entre aspas,
quando relacionado a elas no texto.

O “sincretismo” da umbanda com o catolicismo também se concretiza com


sua relação com outras imagens que são venerados nas duas religiões. Cosme e
Damião são entidades que dividem opiniões quanto a sua origem, mas as festas
e oferendas são semelhantes tanto na umbanda quanto na católica. Ainda que as
crenças sejam diferentes, o objetivo das orações é o mesmo, principalmente no
que se refere à saúde e estudo de crianças.

Dentre as muitas entidades que são recebidas pelos médiuns das correntes
nos inúmeros terreiros de umbanda, citam-se como exemplos os Caboclos e
Pretos Velhos que são considerados as entidades mais cheias de luz espiritual
e sabedoria. Diante disso, pode-se dizer que é através delas que a umbanda se
caracteriza por ser uma religião com forte relação com o meio natural (água, terra,
mata, entre outros), seguindo muitos ensinamentos ligados à natureza.

Essa ligação com a natureza é consequência dos rituais e práticas que


os negros realizavam em matas fechadas. Como exemplo, pode-se citar os
Quilombos, os quais se caracterizavam como refúgios e locais de proteção.
Nesses lugares, eles canalizavam as forças de seus antepassados e, também,
de antigos índios guerreiros como forma de manifestação ao meio sagrado.
Retiravam da vegetação, plantas e ervas capazes de realizar rituais de limpeza
espiritual e também do local onde viviam.

33
MATriZES RELiGioSAS

Esses rituais que reúnem antepassados e espíritos indígenas, juntamente


com santos católicos, atingem a fronteira do sagrado e do profano. Precisam,
assim, de um espaço adequado para acontecer e manter a linha misteriosa
característica dessa manifestação religiosa. A definição de um culto é fornecida
pela fé e integridade dos médiuns que participam da corrente. O mais importante,
neste caso, é a conexão espiritual de cada participante nos rituais.

Desde o início mostra-se alguns dados do censo de 2010, mas o que é


preciso observar, no caso das religiões afro-brasileiras, é que o censo oferece
números subestimados de praticantes e adeptos. Possivelmente, isso se deve às
circunstâncias históricas nas quais essas religiões se constituíram no Brasil e ao
seu caráter “sincrético” que lhe é atribuído. Prandi (2013, p. 16) ressalta:

As religiões afro-brasileiras mais antigas foram formadas no


século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada
no País e a fonte básica de legitimidade social. Para se viver no
Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois, sendo
negro livre, era indispensável antes de mais nada ser católico.
Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões
africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e
se comportavam como tais. Além dos rituais de seu ancestrais,
frequentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo
e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República,
quando o catolicismo perdeu a condição de religião oficial.

Essa ideia de Prandi (2013), um dos principais pesquisadores dessa


temática atualmente, traz fortemente a ideia do sincretismo religioso. O processo
de hibridismo cultural fez com que os negros que no Brasil chegaram, tivessem
confrontos com seus senhores relacionados a sua crença. Nascimento (2014, p.
30) comenta sobre isso:

Nos anos que precedem a abolição da escravatura, não era


permitida a prática de outra religião sem ser a católica. A
população que não se identificava com a mesma, era proibida
de revelar suas crenças, uma vez que o sistema racista e
conservador da época não aceitava. Com isto, muitas pessoas
praticavam a religião umbanda ocultamente, sem expor
manifestações que poderiam comprometer seu convívio social.

No geral, as religiões afro, nesse período de colonização e mais tarde, no


imperial, eram taxadas de crença demoníaca, ou ainda, que cultuavam entidades
demoníacas. Para Silva (2007, p. 23-24), as religiões afro:

[...] foram perseguidas pela Igreja Católica ao longo de quatro


séculos, pelo Estado republicano, sobretudo na primeira metade
do século XX, quando este se valeu de órgãos de repressão
policial e de serviços de controle social e higiene mental, e,
finalmente, pelas elites sociais num misto de desprezo e fascínio

34
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

pelo exotismo que sempre esteve associado às manifestações


culturais dos africanos e seus descendentes no Brasil.

Essa ideia perpassa até os dias de hoje em algumas religiões e crenças,


porém, com as inúmeras pesquisas que têm destacado essas religiosidades no
espaço, abriu-se uma forma de desconstruir mitos que eram atribuídos a elas.
Segundo Previtalli (2013, p. 24), a partir do século XX:

O trânsito religioso proporcionou mudanças no quadro das


religiões brasileiras. O Brasil deixou de ser um país unicamente
católico, pois a concorrência religiosa acarretou o crescimento
dos pentecostais e dos umbandistas, nas classes populares,
e dos espíritas, nas classes médias. Na disputa pelo mercado
de bens simbólicos, a umbanda procurava se firmar na cidade,
e passou a se organizar em federações e associações contra
a perseguição policial, da Igreja Católica e os noticiários
pejorativos dos jornais.

Nesse período, o cenário religioso do Brasil passa a integrar outras


religiosidades que, consequentemente, acabaram caindo no modismo da
sociedade, principalmente da classe média, pois a umbanda já estava sendo
cultuada como uma forma diferenciada daquelas que os negros cultuavam anos
antes. A partir da década de 1950 as perseguições às religiões afro-brasileiras
diminuíram e a umbanda passou a ser seguida por uma parte significativa da
classe média carioca. Na década de 1960, as religiões afro-brasileiras passaram
a ser celebradas pela elite branca (NASCIMENTO, 2014). Bastide (1971, p. 439-
440) argumenta sobre a afirmação da religião umbandista salientando que:

Ora, o sucesso dessa nova seita, a primeira no Rio, em seguida


nos outros Estados do Brasil – Minas, Rio Grande do Sul, São
Paulo, Recife - Prova que ela correspondia à nova mentalidade
do negro mais evoluído, em ascensão social, que compreendia
que a macumba o rebaixava aos olhares dos brancos, mas
que, entretanto não queria abandonar completamente a
tradição africana. Umbanda é uma valorização da macumba
através do espiritismo. E o ingresso de brancos em seu seio,
trazendo com eles restos de leituras mal dirigidas, de filósofos,
de teósofos, de ocultistas, não podia senão ajudar essa
valorização. Pelo menos, em certa medida. Até o momento
no qual a valorização se transforma em traição, na qual a
origem africana de Umbanda é esquecida. Pois existem uma
valorização negra e uma valorização branca que se cruzam,
como veremos, por causa desse duplo contingente de adeptos:
o de cor e o de origem europeia. A luta racial prosseguirá ainda,
sob a forma mais sutil, é verdade, e mais disfarçada.

Bastide, com essas afirmações de 1971, em que o cenário político e


socioeconômico do Brasil já havia sofrido um grande salto, continua coerente
com a situação atual. A luta das religiões afro-brasileiras para se manter diante

35
MATriZES RELiGioSAS

de outras religiões hegemônicas é constante. Em algum momento deste texto


especificou-se que existe um movimento de resistência e permanência de
terreiros de cultos afros no espaço urbano. Isso é uma forte tendência, visto que
esse fato também foi condicionado desde que a religião passa a ser parte de
espaços subalternos. Bastide (1971, p. 72) conta:

[...] diante do modesto altar católico erguido contra o muro


da senzala, à luz tremula das velas os negros podiam dançar
impudentemente suas danças religiosas e tribais. O branco
imaginava que eles dançavam em homenagem à Virgem ou
aos santos; na realidade, a Virgem e os santos não passavam
de disfarces e os passos dos bailados rituais cujo significado
escapava aos senhores, traçavam sobre o chão de terra batida
os mitos dos Orixás ou dos voduns […].

Uma das principais diferenças de algumas religiões é que o espaço sagrado


nas crenças afro pode ser todos os lugares: uma rua, uma mata, um riacho, o mar,
uma pedreira e até mesmo o cemitério.

Questionamento: Há uma desconstrução do que é espaço


profano aqui. O que é espaço profano para as religiões de origem
afro? Será que existe o profano ou ele está imbricado no sagrado?
Sem dúvidas (e com elas também), essa questão exige um
aprofundamento teórico e conceitual da qual ainda não é possível
trazer aqui, mas fica o momento de reflexão.

Retomando para o momento atual, o Gráfico 11 demonstra as religiosidades


afros no Brasil:

36
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

GRÁFICO 11 – RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS NO BRASIL

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Separadas pelas grandes regiões, percebe-se que a umbanda e candomblé,


juntas, lideram em todas elas. Isso se dá pelo fato de os praticantes serem
adeptos tanto de uma quanto de outra, que não as diferenciam de fato. Porém,
sabe-se que elas são diferentes. É um trabalho difícil de contextualização, e isso
fica evidente a cada terreiro que se passa, pois cada um tem um jeito particular
de realizar os cultos. Um dia pode ser culto de umbanda, outro de candomblé,
poucos são os que conseguem trabalhar apenas com um seguimento.

Em segundo lugar, aparece a umbanda com certa expressividade no


gráfico, e isso remete ao “abrancamento”, pois a própria religião umbandista
carrega em si, fundamentos de uma umbanda branca, original e real. Como ela,
possivelmente, é a mais aceita por parte da sociedade, pode ser uma maneira de
evitar a intolerância e preconceito de outras crenças hegemônicas. Além disso
tudo, o espaço do terreiro tende a ser aberto a diferentes expressões de gênero
e sexualidades, ocasionando, assim, uma abertura maior a grupos que ficam às
margens da sociedade heterogênea.

37
MATriZES RELiGioSAS

O livro sugerido apresenta a maior coleção de mitos iorubanos


e afro-americanos já publicada até hoje no Brasil. É um trabalho que
envolveu o autor dez anos de pesquisa bibliográfica sobre a temática:
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo,
Companhia das Letras, 2001.

Sobre o Candomblé, atualmente, ele tem se colocado em destaque, uma


vez que muitos grupos religiosos estão resgatando particularidades da cultura
africana para os cultos originários. Segundo Prandi (1991), no seu processo
de transformação em religião universal, isto é, religião que se oferece para
todos, o candomblé conheceu o que os sociólogos chamam de movimento de
africanização, que implica certas reformas de orientação fortemente intelectual,
como o reaprendizado das línguas africanas esquecidas ao longo de um século, a
recuperação da mitologia dos deuses africanos, que em parte também se perdeu
nesses anos todos de Brasil, e a restauração de cerimoniais africanos. Prandi
(2003, p. 22) ainda destaca:

Um elemento importante do movimento de africanização do


candomblé e sua constituição como religião autônoma inserida
no mercado religioso é o processo de dessincretização, com o
abandono de símbolos, práticas e crenças de origem católica.
É a descatolização do candomblé, que se descentra do
catolicismo e se assume como religião autônoma.

Dessa forma, pode-se dizer que o resgate da cultura está em evidência,


justamente para dar maior valor a uma religião que também perde um pouco
da sua essência dentro do fenômeno do hibridismo cultural. As afro-brasileiras
contornam uma possibilidade muito maior de aceitação do que as de matriz
africana, pois como se viu anteriormente, ela congrega em seus cultos, grande
parte das imagens do catolicismo e parte do espiritismo. Para exemplificar este
fato, se traz a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes no catolicismo, que na
religião umbandista é a mesma entidade denominada Iemanjá. Segue Quadro 1,
que demonstra:

38
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

QUADRO 1 – “SINCRETIZAÇÃO” DAS ENTIDADES DE RELIGIÕES


AFRO-BRASILEIRAS COM AS DA RELIGIÃO CATÓLICA
RELIGIÃO CATÓLICA RELIGIÃO UMBANDA
São Jorge Ogum
Nossa Senhora dos Navegantes Iemanjá
Nossa Senhora da Conceição Oxum
Santa Bárbara Iansã
São Jerônimo Xangô
FONTE: A autora

O sincretismo religioso no geral é objeto de estudo principal de teólogos,


pois abrange uma estrutura de diferentes formas de entendimento sobre as
religiões. De certo modo, essa preocupação tende a aumentar em diferentes
pesquisadores e estudiosos, por exemplo, os geógrafos, que veem na própria
manifestação religiosa no espaço, uma reorganização espacial que confronta
interseccionalidades resultantes da própria constituição da sociedade brasileira.
São temáticas associadas, principalmente, por uma questão socioeconômica e
política. As religiões fazem esse vínculo importante para estabelecer algumas
normas que ajudam na sua disseminação e espacialização.

Considerando todo o contexto histórico e social das principais matrizes


religiosas no Brasil, percebe-se que a própria construção da sociedade foi e é
baseada nos fundamentalismos religiosos. Esse processo recorre diante do
espaço-tempo, possibilitando norteamentos das pessoas em seus cotidianos bem
como uma estrutura social de diferentes sociabilidades. Encerra-se esse primeiro
capítulo com a ideia de conhecimento de diferentes religiosidades, hegemônicas
e não hegemônicas em paralelo à formação territorial brasileira, de uma visão
diferente do habitual.

Para conhecer alguns estudos específicos sobre as matrizes


religiosas e suas vertentes, indicamos o site da Revista de Estudos
da Religião (REVER), do programa de Pós-graduação em Ciência
da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: https://
revistas.pucsp.br/index.php/rever.

39
MATriZES RELiGioSAS

1) Religião e religiosidade muitas vezes são conhecidas por serem


sinônimos. Com base no capítulo, defina o que você entende
sobre os dois termos e faça um paralelo com seus significados.

2) Pensando em termos políticos, econômicos e culturais, qual a


razão da existência de religiões?

3) O que é espaço sagrado e espaço profano? Qual a relação


entre esses conceitos com religiões diferentes (o catolicismo e a
umbanda, por exemplo)?

4) No Brasil, há o “Mito das três raças”, desenvolvido tanto pelo


antropólogo Darcy Ribeiro como pelo senso comum, em que
a cultura e a sociedade brasileiras foram constituídas a partir
das influências culturais das “três raças”: europeia, africana e
indígena. Coloque V para verdadeiro ou F para as falsas nas
alternativas a seguir e justifique as falsas:

a) ( ) De modo geral, as sociedades contemporâneas são o


resultado de um longo processo de miscigenação de suas
populações, cuja intensidade variou ao longo do tempo e do
espaço.
b) ( ) O conceito “miscigenação” pode ser definido como o processo
resultante da mistura a partir de casamentos ou coabitação de
um homem e uma mulher de etnias diferentes.
c) ( ) Na atualidade existem sociedades ou grupo social que não
possua a mistura de etnias diferentes.
d) ( ) O “mito das três raças” é criticado por ser considerado uma
visão simplista e do processo colonizador brasileiro.

5) Analise a imagem a seguir e faça uma reflexão dissertativa acerca


da(o):

a) Intolerância Religiosa
b) Mito das três raças

40
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

FIGURA – INTOLERÊNCIA RELIGIOSA

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/intolerancia-
religiosa.htm>. Acesso em: 19 jan. 2021.

6) O povo brasileiro, é formado por três grandes raças – negra,


branca e indígena – e três culturas – africana, europeia e indígena
americana. Essa formação multirracial e multicultural constituiu,
nas palavras de Darcy Ribeiro, um povo sui generis, singular,
até então inexistente em outras partes. A formação multirracial
e __________ do povo brasileiro acarretou a construção de um
mito, considerado fundador da __________ brasileira: o mito da
democracia __________.

Assinale a alternativa que completa corretamente a frase.

a) ( ) Multicultural, nacionalidade, cultural.


b) ( ) Multicultural, nacionalidade, racial.
c) ( ) Multicultural, democracia, racial.
d) ( ) Multicultural, identidade, cultural.
e) ( ) Multicultural, identidade, racial.

3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O capítulo sobre as principais matrizes religiosas do Brasil abarcou uma
gama de informações de cunho qualitativo que trouxe uma linha narrativa de
interpretação em diferentes áreas do conhecimento científico: história, geografia,
literatura, antropologia, ciências sociais etc. Falar sobre a religiosidade de um
modo geral não é uma tarefa fácil, pois compreende o conjunto de crenças e
práticas sociais relacionadas à noção de sagrado, que só é experienciado e vivido
por cada indivíduo.
41
MATriZES RELiGioSAS

A partir da leitura de textos historiográficos como os referenciados no capítulo,


estas páginas propõem uma reflexão teórico-metodológica sobre o fazer histórico
relacionado aos fatos religiosos. Em um primeiro momento foi proposta uma
revisão do campo historiográfico, sobre as quatro principais matrizes religiosas
do Brasil, descrevendo o caminho que os estudos do campo religioso seguiram
ao longo do tempo até chegar à proposta da história cultural das religiões, para só
posteriormente analisar alguns apontamentos desse campo.

Questionamentos acerca do mito das três raças é uma forma de desconstruir


inúmeras ideias sobre a formação cultural brasileira, podendo ser estendida para
estudos da organização espacial do Brasil.

Deixando de lado o juízo de valor, que é imprescindível nos estudos


de religião, considerando os apontamentos da história cultural é possível
compreender que os próprios significados dos conceitos das religiões variam
de acordo com o binômio espaço/tempo. Essas conclusões estão longe de
determinar que a história das religiões não deve levar em consideração uma
análise comparativa das religiosidades, pelo contrário, os estudos reforçam a
necessidade da comparação quando o historiador se debruça sobre as práticas
religiosas. A comparação enriquece a pesquisa na medida em que permite a
percepção de semelhanças e diferenças entre as práticas religiosas, auxiliando
o historiador a compreender os hibridismos que ocorrem entre essas práticas,
facilitando o trabalho de percepção da construção das representações bem como
das apropriações dessas religiosidades. A partir de estudos que focam o contato
entre povos distintos, os pesquisadores têm procurado esclarecer os códigos de
comunicação que foram construídos ao longo dos discursos.

Fecha-se esse primeiro capítulo com a ideia de conhecimento sobre os


aspectos estruturantes das diferentes religiões a partir de exemplificações diante
do espaço-tempo em que elas aconteceram/acontecem. É possível sair dessas
páginas analisando as tradições religiosas e o campo da cultura intrínsecas às
questões políticas e econômicas.

REFERÊNCIAS
BASTIDE, R. As Religiões Africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia
das interpenetrações de civilizações. Primeiro e segundo volume. São Paulo:
Pioneira: Ed. da Universidade de São Paulo, 1971.

EISENBERG, J. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno.


Encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

42
Capítulo 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS

ELIADE, M. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo:


Martins Fontes, 1998.

ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério


Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 191 p.

ELIADE, M. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Brasileiro


de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.

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MARIANO, R. Análise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil.


Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

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de Conclusão de Curso (Ciência Política Bacharelado), Instituto de Ciência
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NASCIMENTO, T. F. do. Os terreiros de cultos afro-brasileiros e de origem


africana como espaços possíveis às vivências travestis e transexuais. 2016.
103 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, 2016.

NASCIMENTO, T. F. do. Geografia da Religião: as manifestações da umbanda


em Santa Maria/RS. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Geografia
Bacharelado) Curso de Geografia, Universidade Federal de Santa Maria. Santa
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PRANDI, R. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. In: Civitas, Revista


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PRANDI, R. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1991.

43
MATriZES RELiGioSAS

PREVITALLI, I. M. Reflexões sobre hibridismo, sincretismo e tradução no


candomblé angola paulista. Ponto & Vírgula, p. 21-40, 2013.

RATTS, A. Geografia, relações étnico-raciais e educação: a dimensão espacial


das políticas de ação afirmativa no ensino. Terra Livre, São Paulo, v. 1, n. 34, p.
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REIS, J. J. A presença negra: encontros e conflitos. In: Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000.

ROSENDAHL, Z. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro:


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SIMMEL, G. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In:


SIMMEL, G. Georg Simmel: Sociologia. Organização de Evaristo de Moraes
Filho. Coordenação de Florestan Fernandes. São Paulo: Ática, 1983.

SOUSA, A. A. de. O Papel social das Igrejas Evangélicas nas comunidades


locais brasileiras. O caso do Projeto Vida Plena na Cidade de Seropédica,
Estado do Rio de Janeiro. 2017. 72 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) –
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Lisboa,
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USARSKI, F. Declínio do budismo “amarelo” no Brasil. São Paulo, 2008.


Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v20n2/07.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.

VELHO, G. Entrevista com Gilberto Velho. Entrevista concedida a Celso Castro,


Lucia Lippi Oliveira e Marieta de Moraes Ferreira. Estudos históricos, Rio de
Janeiro, n. 28, p. 183-210, 2001.

44
C APÍTULO 2
PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE
RELIGIOSA NO BRASIL

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• conhecer a historiografia das religiões por diferentes autores, relacionando com


as práticas religiosas significantes nos diferentes grupos;
• conhecimento sobre a heterogeneidade religiosa em diferentes aspectos,
principalmente no que se refere à abordagem teórica contemporânea;
• analisar o papel das religiões na estruturação e manutenção das diferentes
culturas e manifestações socioculturais;
• desenvolver leitura crítica sobre diferentes aspectos do conceito de religião e
suas formas de adaptação às novas realidades espaciais.
MATriZES RELiGioSAS

46
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A pluralidade religiosa é um fenômeno espacial que desafia a sociedade
a viver de forma respeitosa com a diversidade. Pode ser considerado um novo
paradigma que abre espaço às diversas cosmovisões religiosas, que por meio do
diálogo e alteridade procura o entendimento, principalmente a tolerância entre os
grupos religiosos.

Nesta perspectiva, ressaltar a dimensão do que é a pluralidade religiosa no


Brasil é dimensionar uma visão abrangente e ao mesmo tempo crítica em relação
à hegemonia e heterogeneidade das religiões. O processo de contextualização
sobre a religião é transcender a limitação que a própria academia instaura.
Isso quer dizer que, a partir de uma visão sociológica, histórica, geográfica, e
principalmente humanista, pretende-se com este capítulo, uma abordagem mais
ampla e coerente, sem juízo de valor acerca não somente do conceitual, mas
também criar uma meta narrativa capaz de suprir o entendimento do que pode
ser considerado religião no espaço-tempo em que o fenômeno religioso acontece.

O impacto que isso ocasiona na visão acadêmica é relevante na própria


construção de novas metodologias em confluência com autores que dimensionam
proposições acerca de como e quando se deve analisar o fenômeno religioso
através da pluralidade, diversidade e também multiculturalidade.

Neste capítulo será ressaltado o conceito de religião em


diferentes abordagens, a pluralidade religiosa e as novas religiões
e o impacto que elas ocasionam no espaço social. Dessa forma,
espera-se que ao final da leitura do texto, desperte questionamentos
e também reflexões sobre a temática.

2 A RELIGIÃO NA LITERATURA
CONTEMPORÂNEA
A diferenciação conceitual dos termos diversidade religiosa e pluralismo
religioso está ligada à realidade religiosa diversificada. O debate sobre a temática
permite entender a condição temporal dos sentidos. Em diferentes áreas do saber,

47
MATriZES RELiGioSAS

a religião e suas divisões, desdobramentos, implicações embasam conceitos que


se debruçam na abrangência cultural e religiosa. Neste sentido, abre-se este
capítulo com a diferenciação. A Unesco (2002, p. 7) considera:

A diversidade cultural [...] refere-se à multiplicidade de formas


pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram
sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro
dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta
não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se
enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade
mediante a variedade das expressões culturais, mas também
através dos diversos modos de criação, produção, difusão,
distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que
sejam os meios e tecnologias empregados.

Pode-se trazer esse conceito para a realidade do texto, que é a diversidade


religiosa. Ela entra como um código cultural imaterial, pois abrange inúmeras
formas como a fé, a manifestação do sagrado e a própria imaterialidade no espaço
social.

Já considerando a questão da pluralidade, Klinger (2010, p. 21) destaca:

O mais interessante, o mais importante, o mais discutido e


também o menos esclarecido mote dessa teologia é seu próprio
conceito-título – o pluralismo. É usado tanto substantiva quanto
adjetivamente. Significa a multiplicidade atual das religiões com
a qual temos de lidar, mas ao mesmo tempo a interpretação
dessa multiplicidade na teologia. Trata-se de sua legitimidade,
não apenas de sua existência real.

O pluralismo religioso em paralelo com o multiculturalismo possui dimensões


comuns para uma análise do reconhecimento e valoração da diversidade em
si mesma e da diversidade religiosa, em específico. Enquanto o pluralismo
religioso parte de uma análise da religião para favorecer a diversidade religiosa,
o multiculturalismo leva em consideração a cultura para reconhecer a diversidade
cultural. Isso é importante na compreensão da atual configuração espacial.
Oliveira (2015, p. 79) ressalta:

O multiculturalismo é a teoria do reconhecimento do outro


e luta contra todas as formas de homogeneização. Como
cultura e religião estão interligados, entende-se também que
multiculturalismo está para o pluralismo religioso como religião
está para a cultura. O pluralismo religioso se entende como
uma forma de resistência ao processo de homogeneização e
universalização por parte de uma determinada religião e chama
a atenção para os aspectos da multiplicidade, da diversidade
e da validade das experiências religiosas de outros povos e
culturas.

48
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Definidos esses conceitos importantes, destaca-se que o principal objetivo


deste tópico do Capítulo 2 é ressaltar o conceito de religião, destacando autores
e pensadores contemporâneos, relacionando com os estudos acadêmicos que
têm partindo de diversas abordagens, tanto dentro das próprias ciências das
religiões, quanto nas demais ciências que trazem o fenômeno religioso enquanto
um fenômeno espacial, passível de análise em diferentes perspectivas. Na visão
acadêmica, o conceito de religião pode ser comum e óbvio, porém, ele traz uma
bagagem muito maior de abrangência do que se imagina. Ele parece simples,
mas quando se aprofunda, logo se depara com inquietações que se estendem por
diversas especificações, principalmente na construção do saber.

Dependendo da ciência que se atrela o conceito, há diferentes perspectivas


teóricas e metodológicas de se analisar o fenômeno religioso. Camurça (2008, p.
61) já destaca:

Desta forma, postulo então, outra perspectiva para as Ciências


da Religião, em que as disciplinas das Ciências Humanas que
as compõem seriam resguardadas no exercício pleno de sua
autonomia teórico-metodológica, em torno de uma área (inter)
disciplinar na qual o interesse comum dessas ciências seria a
religião como tema.

EXTRA EXTRA!! Existem muitas considerações acerca dessa


temática, principalmente por pensadores e estudiosos clássicos,
resumidos com suas ideias a seguir:
• Karl Marx (1818 -1883) faz uma relação da religião com a
alienação.
• Émile Durkheim (1858 – 1917) fala que a sociedade é criadora da
religião.
• Max Weber (1864 – 1920), onde defendia a religião como sistema
sociocultural.
• Sigmund Freud (1856 – 1939), com suas análises dentro da
psicanálise, onde ressalta a religião como uma neurose.
• Mircea Eliade (1907 – 1986) que se baseava no universalismo do
elemento religioso.

49
MATriZES RELiGioSAS

Não é novidade que diversas ciências humanas, como a História, Geografia


e Sociologia caminham lado a lado em estudos acadêmicos, no entanto, para
compreender melhor o processo de interpretação das mesmas sobre religião,
deve-se considerar todas em suas análises. Religião é uma prática social
desde que a Filosofia se torna mãe das ciências. Religião em seu primeiro
conceito adotado por uma abordagem cultural, em poucas e reduzas palavras,
é norteamento do homem no mundo. Resgatando as considerações de Pieper
(2019, p. 8):

Para o senso comum, uma desconfiança em relação ao


conceito religião parece até mesmo desprovida de sentido.
É usual a suspeita com relação à religião. Mas, não sobre o
conceito de religião. Afinal, todos sabemos o que é religião;
todos temos uma resposta pronta para a pergunta sobre o
que é religião. Não possuímos apenas uma resposta teórica,
mas conseguimos identificá-la ao redor, diferenciando religião
de outras esferas sociais, como a política, a economia, a
estética, etc. Alguns se empenham, por exemplo, em mostrar
o caráter opressivo e violento da religião; outros defendem a
radical separação entre política e religião. Ora, para afirmar
uma separação entre essas duas instâncias, é preciso que elas
estejam bem delimitadas. Inclusive os cursos reconhecidos
por instâncias competentes e que se ocupam desse objeto
organizam congressos, conferências, debates sobre esse
tema: a religião.

Nos parece fácil a compreensão, mas quando se relativiza a religião como


sendo uma prática social, a perspectiva predominante muda de direção. Para
iniciar essa experiência, mapeia-se autores importantes na construção dessa
meta narrativa sobre o conceito de religião e suas relações com os sistemas
(social, histórico, político, econômico e cultural) e com eles deve-se criar um
aporte teórico e também metodológico que interliga as abordagens e práxis de
tais. Diante disto, o que pode ser considerado conceito de religião?

Para abrir essa discussão, com base no que se viu no capítulo sobre as
quatro matrizes religiosas no Brasil, pode-se dizer que há muitas metas narrativas
a cerca desse conceito, principalmente quando se fala em religiosidades no plural.
Porém, é imprescindível dividir (com o leitor) aqui, alguns conceitos importantes
como referencial teórico e bibliográfico, começando com as considerações de
Hanegraaff (2017, p. 205):

É possível definir religião, apesar do fato da pesquisa histórica


e empírica detalhada parecer minar qualquer tentativa de fazer
declarações “de aplicação geral”, “universais”, sobre religião
ou fenômenos religiosos – para não mencionar a ideia ainda
mais problemática de transcender o relativismo, formulando
“leis universais” de evolução religiosa, revelando a função
da religião na sociedade humana, ou a descoberta de uma
“unidade transcendente das religiões” (grifo do autor).

50
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

A citação acima traz a ideia de que conceituar religião é muito mais difícil
do que se pensa, considerando as suas pluralidades e diversidades, até porque,
segundo Eliade (1989, p. 20-22):

Um dado religioso revela seu sentido mais


profundo quando é considerado no seu plano de referência
e não quando é reduzido a um dos seus aspectos secundários
ou aos seus contextos [...]. Isto não significa, evidentemente,
que um fenômeno religioso possa ser compreendido fora
de sua ‘história’, isto é, fora dos seus contextos culturais e
socioeconômicos. Um dado religioso ‘puro’, fora da história, é
coisa que não existe, pois não existe um dado humano que não
seja ao mesmo tempo um dado histórico.

Com base nisso, tentar aproximar conceitos e complementar com teorias da


vertente cultural e humanista, talvez ajude em uma compreensão melhor do que
é e como se dá o fenômeno religioso a partir de suas interpretações. No entanto,
vale destacar algumas metas narrativas de autores que dedicaram parte de seus
estudos acadêmicos, analisando as variadas religiões no mundo, contextualizando
principalmente com os momentos históricos, econômicos e também políticos da
sociedade. Ressalta-se a abordagem da tese de Geertz (2008, p. 67), tornada
explícita pelo próprio, em que religião é:

[...] (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer


poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existência geral e (4)
vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente
realistas.

Para o autor, a religião desempenha uma função social, devendo “servir,


tanto para o indivíduo como para um grupo” (GEERTZ, 2008, p. 90). A partir
de suas funções culturais – a saber, modelo da atitude e modelo para a atitude
(grifos do próprio autor) – estabelecem-se, em decorrência, as funções sociais e
psicológicas da religião (GEERTZ, 2008).

Pieper (2019, p. 15) esclarece:

Uma possibilidade de esclarecimento, que considero mais


plausível, nos leva a considerar como a modernidade se
constitui. Um de seus traços que traz profundo impacto
para o entendimento da religião é a organização da vida em
esferas sociais autônomas. Grosso modo, com o advento da
modernidade, o dossel sagrado não se mostra mais como
aquela instância que articula e organiza a vida social. Em seu
lugar, há a lógica da racionalização que, com sua especialização

51
MATriZES RELiGioSAS

e burocratização, conduz à concepção de sociedade a partir


da diferenciação das esferas sociais. Em outras palavras, se
antes da modernidade o sagrado se colocava como agente
regulador, agora surgem esferas especializadas, cada qual
com seu modo de legitimação próprias. Nesse movimento, o
que será chamado de religião deixa de ser referência última
para se tornar uma esfera ao lado de outras.

Bataille (2015) vai trazer uma teoria da religião, considerando que a própria
humanidade criou o mundo profano. Mas antes de continuar, é importante retomar
o conceito do que é Espaço Sagrado e Espaço Profano, para ter compreensão
sobre a teoria da religião que será tratado daqui até a entrada para o próximo
tópico. Incialmente, considera-se uma definição sociológica de profano e sagrado.
Neste sentido, Durkheim (1996, p. 50), ressalta:

Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples


ou complexas, apresentam uma característica comum: elas
supõem uma classificação das coisas reais e ideais que
representam o homem em duas classes, em dois gêneros
opostos, geralmente designados por dois termos distintos que
são bem traduzidos pelas palavras profano e sagrado.

E mais além, ele distingue sagrado e profano:

As coisas sagradas são aquelas isoladas e protegidas pela


proibição; as coisas profanas são aquelas às quais essas
proibições se aplicam e que devem ficar distantes das
primeiras. As crenças religiosas são representações que
expressam a natureza das coisas sagradas e as relações
que essas implicam umas às outras ou entre elas e as cosias
profanas. E, enfim, os ritos são regras de comportamento que
determinam como o homem deve se comportar com as coisas
sagradas (DURKHEIM, 1996, p. 56).

Essa distinção sobre profano e sagrado, interessa aqui. No entanto, deve-


se considerar o espaço sagrado, agora com definições geográficas. Rosendahl
(1996, p. 30-31), então, conceitua:

O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva


o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para
um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência. É
por meio dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado
exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade.
É o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que
possibilita ao homem entrar em contato com a realidade
transcendente chamada deuses, nas religiões politeístas, e
Deus, nas monoteístas. [...] A estrutura do espaço sagrado
implica também a ideia da repetição da hierofania primordial
que consagra o espaço, e assim, transfigura-o singulariza-o e
isola-o do espaço profano.

52
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

E sobre espaço profano, considera-se o entendimento de Eliade (1992, p.


27-28):

A experiência profana, ao contrário [do sagrado] mantém a


homogeneidade e, portanto, a relatividade do espaço. Já não
é possível nenhuma verdadeira orientação, porque o “ponto
fixo” já não goza de um estatuto ontológico único; aparece e
desaparece segundo as necessidades diárias. A bem dizer,
já não há “Mundo”, há apenas fragmentos de um universo
fragmentado, massa amorfa de uma infinidade de “lugares”
mais ou menos neutros onde o homem se move, forçado
pelas obrigações de toda existência integrada numa sociedade
industrial (grifo do autor).

Ainda que não adentre de fato a temática da religião propriamente dita,


esses conceitos sobre sagrado e profano permite ter uma visão ampla sobre as
religiões, e vieram no começo deste capítulo, pois se falará em sagrado e profano
daqui adiante.

Como se viu no capítulo anterior, a priori, esses conceitos definem uma igreja
como espaço sagrado, e o que a circunda, fora dela, como sendo espaço profano,
por exemplo. Analisa também que o homem que se considera religioso, necessita
participar desse ritual que concretiza o espaço como sendo sagrado. Dessa
forma, a institucionalização do espaço sagrado é realizada e fundamentada nos
valores do próprio homem.

Bataille (2015, p. 47) diz que a religião resulta da “busca da intimidade


perdida”. E vai mais além ao relacionar religião e consciência:

A religião, cuja essência é a busca da intimidade perdida,


se resumiu ao esforço da consciência clara que quer ser
inteiramente consciência de si: mas esse esforço é vão, já que
a consciência da intimidade só é possível no nível em que a
consciência não é mais uma operação cujo resultado implica a
duração, ou seja, no nível em que a clareza, que é o efeito da
duração, não é mais nada (BATAILLE, 2015, p. 47).

Percebe-se que a religião está associada à consciência do que o ser humano


quer em relação a sua posição no mundo. No entanto, podemos considerar
também que essa relação pode ter rupturas, pois quando se perde a consciência
de algo, se está fadado à alienação. E isso implica no nível de clareza que se vê
ou se conscientiza de algo. Nem sempre o que está à frente é o que parece ser.
Segundo o autor, assim acontece com a religião. A busca pelas particularidades
perdidas ou ausentes deixou a sociedade fragmentada e susceptível a armadilhas
de representação do que é real ou não. Aqui a consciência já não é mais clara e
distinta. Para Lambert (2012, p.87):

53
MATriZES RELiGioSAS

Uma organização que supõe, no fundamento da realidade


empírica, uma realidade supraempírica (Deus, deuses,
espírito, alma...) com a qual é possível comunicar-se por meios
simbólicos (preces, ritos, meditações, etc.) de modo a procurar
um domínio e uma realização que ultrapassam os limites da
realidade objetiva.

Até aqui, viu-se alguns conceitos sobre como a religião se volta na produção
do espaço, bem como a propõem enquanto fenômeno espacial. A partir daqui se
verá uma meta narrativa voltada para a religião no contexto capitalista, industrial
e político. Acredita-se que desta forma é possível realizar uma contextualização
da historiografia da religião diante dos processos sociais em diferentes espaço-
tempos.

Através disto, inicia-se com Bataille (2015, p. 68), que traz que “a busca
milenar pela intimidade perdida é abandonada pela humanidade produtiva”. A
problematização aqui referida, é sobre os aspectos do crescimento industrial, pois
nesse período histórico “[...] o homem se afasta de si mesmo mais do que nunca”
(BATAILLE, 2015, p. 68).

Ressalta-se, então, que a religião pode ser compreendida como algo político
e capitalista. As ciências sociais se preocupam em traçar linhas narrativas
que embasem a religião como um dos pilares desse dualismo. Mesmo que
ocultamente, a religião pode ser a grande manifestadora da atual configuração da
sociedade; isto com a ajuda de uma rede de interesses e interações advindas de
um processo político e cultural de uma sociedade moderna. Diante disto, segundo
Moreira (2018, p. 4):

Para analisar esse panorama religioso sem precedentes,


novas ferramentas são necessárias tanto em nível conceitual
quanto metodológico. A diversidade religiosa na verdade
obriga os cientistas sociais da religião, bem como os teólogos,
a apresentarem novas abordagens teóricas e métodos de
análise. A transição da diversidade religiosa para o pluralismo
religioso é um dos desafios mais importantes que reformularão
o papel da religião na sociedade contemporânea. Essa
transição obrigará as ciências sociais da religião e da teologia
a reconsiderarem muitas das noções, termos e ferramentas
analíticas que tomam como certas.

Nos livros de História sempre se vê a igreja, ou o cristianismo, em forte


evidência. Isso implica muito o conhecimento sobre como a religião se expandiu
no mundo. Ainda que existam religiões milenares, como o Judaísmo, ou até
mesmo as religiões africanas, o Cristianismo era predominante. Até os dias de
hoje, as cristãs em sua totalidade, são predominantes.

54
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

As ciências sociais vão questionar esses fundamentos e dogmas de uma


forma científica e conceitual. O homem é posto em evidência e grande formatador
dessa configuração religiosa. Assim como no cenário político, a religião é a
principal influenciadora da sociedade moderna. Isso por que ela é quem cria e
dita regras, e a política se apropria das mesmas para se fortalecer diante de uma
sociedade formada e praticante religiosamente.

A ideia de uma religião doutrinadora é conservada mesmo diante do termo


“novo”. Isso por que na realidade, o condicionamento religioso, principalmente
referente ao “estilo de vida, é um, ainda que só um, dos fatores da ética
econômica” (WEBER, 2015, p. 10). Indo mais além sobre essa questão:

A expressão “ética econômica” alude às tendências práticas


à ação que se baseiam no nível psicológico e pragmático das
religiões. [...] A religião nunca determina de modo exclusivo
uma ética econômica. Certamente, uma ética econômica tem
uma grande autonomia a respeito das atitudes do homem
perante o mundo, condicionadas por elementos religiosos ou
outros elementos internos. Determinados fatores geográficos,
históricos e econômicos condicionam muito essa economia
(WEBER, 2015, p. 10).

Obviamente, se pensar que a religião é apenas resultado de uma ética


econômica, estas linhas iriam se reduzir aos estudos de ciência econômica e
política. Mas é importante considerar essa questão de Weber, uma vez que se
depende da sociologia das religiões para compreender a atual configuração das
religiões. Essa alusão que o autor fala é passível de relacionar com o espaço
social. A relação intrínseca entre religião, política e sociedade, dá uma outra
alternativa de como direcionar as análises sobre a prática social religiosa de
determinados grupos, ou a predominância de crenças. E isso pode ser visto, nas
palavras de Weber (2015, p. 12) quando diz que:

Por mais decisivas que sejam as influências sociais, econômicas


e políticas sobre a ética religiosa, em um caso específico,
adquire essencialmente sua peculiaridade a partir de fontes
religiosas e, primordialmente, do sentido de sua pregação
e de sua promessa. Com frequência, essas pregações e
promessas já são reinterpretadas pela geração seguinte.
As reinterpretações adaptam a doutrina às necessidades da
comunidade religiosa. Quando isso ocorre, o comum é que
as doutrinas religiosas sejam adaptadas às necessidades
religiosas.

Weber abre uma gama de análises acerca dessa discussão sobre


interpretações e reinterpretações religiosas. De início, pode-se considerar
que a religião é dialética; primeiro por relacionar o trinômio socio-político-
econômico; segundo porque a ideia dinâmica se refere também às interpretações
simbólicas passadas de geração a geração, remetendo a ideia de religião cultural

55
MATriZES RELiGioSAS

(simbologias, crenças, saberes contínuos, estilo de vida norteado pelas bases


religiosas). Importante dar ênfase às duas ideias, pois considera-se a religião tanto
como parte de uma cultura, como uma prática social que configura e reconfigura
espaços (fechados e abertos) a diferentes expressões paradoxais referentes ao
trinômio socio-político-econômico. É uma maneira inteiramente subjetiva do modo
de agir em grupo e por consequência, seria necessário estudar as condições e os
implicações de tal condicionamento.

Cabe ressaltar, dando continuidade, que o poder religioso se exerce de


um modo perspicaz, pois a pessoa sempre é remetida a sua própria visão das
coisas, mesmo se as práticas aplicadas são codificadas (WILLAIME, 2012). Para
Durkheim (1996, p. 30):

A função da religião é fazer-nos agir, é auxiliar-nos a viver. O


fiel que se comunicou com Deus não é apenas um homem que
vê novas verdades que o descrente ignora; ele é um homem
que pode mais. Ele sente em si mais força seja para suportar
as dificuldades da existência, seja para vencê-las. Ele está
como que elevado acima de sua condição de homem. Acredita
ser salvo do mal sob qualquer forma. O primeiro artigo de toda
a fé é a crença na salvação pela fé.

A influência religiosa na vida das pessoas é muito mais complexa do que se


parece. Ela pode segregar ou incluir grupos sociais subalternos, por exemplo. Em
caráter geral, significa relação social expressiva que altera e ressignifica padrões
normativos de uma sociedade regradora. Para o espaço geográfico, isso é
influente, pois ele se reconfigura de uma forma significativa que dá outro sentido à
organização a seguir. São outras análises, outras metodologias, outros conceitos,
quiçá outros modelos sociais apresentados.

Deve-se considerar Willaime (2012, p. 104) quando pontua:

A religião [...] é voltada para a vida na Terra. Neste sentido,


a ordem social existente é confirmada, pois esses grupos se
socializam em harmonia com os valores dominantes ao mesmo
tempo que expressam certo estranhamento com relação à
sociedade abrangente. Em alguns casos, um grande espaço
é dado à expressão das emoções ou, ao contrário, ao seu
controle racional.

O autor citado denomina a religião considerando a subjetividade, espaço


e relações sociais. Tudo o que as ciências humanas (Geografia, História)
perceberam a partir dos anos 1970 sobre a religião, os sociólogos perceberam
um século antes. Por esse motivo, essa revisitação na Sociologia é fundamental
na construção de um aporte teórico-metodológico sobre a temática dentro desta
compreensão.

56
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Uma definição de religião de longa data é a de Durkheim (1996, p. 65):


“Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas às coisas
sagradas, ou seja, isoladas ou proibidas, crenças e práticas que reúnem todos
aqueles que aderem a tal sistema em uma mesma comunidade moral chamada
Igreja”.

Se considerar esse conceito atualmente, ele não favorece enquanto


um conceito a ser utilizado para explicar ou tentar compreender a religião,
principalmente dentro do atual contexto em que a sociedade se encontra. Ele não
considera a pluralidade das religiões, o que hoje, é a principal instigação para os
estudos sobre a temática. A igreja não é a única “comunidade moral” do sistema
religioso. Ela é sim a materialização do sagrado, mas existem outros espaços que
determinados grupos religiosos configuram e reconhecem como sagrado.

Exemplo concreto de modelo de “comunidade moral” são os terreiros


de cultos afro-brasileiros. Não são considerados igrejas, mas sim, templos,
casas espirituais. Outro exemplo são as igrejas “clandestinas” pentecostais e
neopentecostais, que também podem ser residências. O conceito de religião deve
ser abordado em uma perspectiva mais ampla e que não se limite apenas como
um fator cultural, e é isso que se espera desenvolver a partir dessa obra. Para
isso, reafirma-se as palavras de Filoramo e Prandi (2010, p. 17):

Para escapar do perigo do reducionismo, que priva o objeto


de pesquisa de qualquer especificidade, e também de um
idealismo essencialista, que postula desde o início a “realidade”
de um objeto que a pesquisa terá a obrigação de desvelar
e testemunhar, só resta percorrer uma difícil “terceira via”,
trabalhando com um conceito de religião capaz de levar em
conta tanto os seus aspectos funcionais quanto os específicos.

A religião, atualmente, com maior nitidez, congrega elementos políticos e


econômicos, resultando na relativização de parâmetros que define a necessidade
de uma sociedade institucionalizada por um poder normativo e coercivo, impondo
regras e utilizando a força de forma disciplinadora, porque a vida e cotidianidade
das pessoas decorre do convívio e experienciações. É importante trazer essas
considerações de determinados autores para que seja justificada a melhor forma
de se analisar a religião como fenômeno no espaço, ressaltando sua importância
na construção do ser social.

57
MATriZES RELiGioSAS

Para complementar a leitura sobre a religião no contexto


contemporâneo é interessante você conhecer as obras listadas a
seguir:

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa.


Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões.


Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 191 p.

58
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

WEBER, Max. Sociologia das religiões. São Paulo: Ícone, 2015.

MARX, F. Contribución a la crítica de la filosofía del derecho de Hegel.


In: MARX, K.; ENGELS, F. Sobre la religión. 2. ed. Salamanca:
Sígueme, 1979a.p. 93-106.
MARX, K. Tesis sobre Feuerbach. In: MARX, K.; ENGELS, F. Sobre
la religión. 2. ed. Salamanca: Sígueme, 1979b.p. 159-161.
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
(Trabalho original publicado em 1913).

2.1 CONSEQUÊNCIAS DO
PLURALISMO RELIGIOSO NO BRASIL
Para iniciar este tópico, deve-se considerar que o pluralismo religioso pode
ser compreendido como sendo uma condição observada em sociedades nas
quais não ocorre a hegemonia de uma única religião, ou ainda, onde a hegemonia
religiosa tende a desaparecer. O Brasil se encaixa nessa compreensão, visto que
há grandes matrizes religiosas que compõem o fenômeno religioso no espaço. No
entanto, para Teixeira e Menezes (2013, p. 25):

[…] não há como negar a força do referencial cristão na


sociedade brasileira. Mas já se começa a perceber nele uma
diversificação cada vez mais evidenciada. Junto com essa
multiformidade interna ao campo cristão, verifica-se também
uma pluralização religiosa cada vez maior, com visibilização
crescente.

59
MATriZES RELiGioSAS

Essa condição pode estar associada à democratização das sociedades no


geral, que considera todos os sujeitos religiosos como legítimos. As sociedades
que se tornam democráticas, reconhecem o direito à diferença dos indivíduos
e grupos sociais, sendo os grupos religiosos pertencentes e reconhecidos à
convivência entre as diferentes denominações. Para estes grupos, o diálogo inter-
religioso – que virá no próximo capítulo – surge como uma necessidade e um
desafio ao mesmo tempo. Para Neto (2006, p. 142), pluralismo:

É o modo pelo qual se percebe que cada cultura vê toda a


realidade, mas parcialmente, e que se traduz numa atitude em
prol de que a diversidade seja um espaço de paz e justiça.
Como tal, exige mais que o simples reconhecimento, da
multiplicidade, além da superação do pensamento desejoso de
unidade – que não é concebida como um ideal imperioso e
necessário, pois o pluralismo assume e aceita positivamente a
existência de aspectos irredutíveis na cultura.

Ainda que as Tratar o pluralismo religioso em um país democrático tende a


minorias religiosas ser menos difícil do que em países onde a religiosidade é absoluta e
sejam a base do homogênea, como alguns países do Oriente. Ainda que as minorias
pluralismo religioso religiosas sejam a base do pluralismo religioso no Brasil, elas devem
no Brasil, elas devem
ser consideradas a partir de um resultado da própria condição de
ser consideradas a
partir de um resultado povoamento brasileiro. A ideia é que a diversidade religiosa aparece
da própria condição na medida em que povos europeus e orientais se instalam em território
de povoamento brasileiro. Nesse sentido, resgata-se a síntese de Freyre (1968, p. 36-
brasileiro. 37):

No Brasil, havendo uma mística de abrasileiramento, sob a


forma outras procedências, além de portuguesa, de métodos
ou de técnicas de adaptação do europeu ao trópico americano,
já desenvolvidas com êxito pelo luso brasileiro), há, por outro
lado, uma tradição atuante no sentido de se conservarem, ou
de se desenvolverem, dentro da mística de abrasileiramento,
variações regionais de culturas associadas a predominâncias
étnicas regionalmente diversas: a do ameríndio, na alemão,
em Santa Catarina; a do polonês, no Paraná, a do africano,
na Bahia. Através dessas predominâncias, regionalmente
diversas, de étnica e cultura – ou da tradição delas – vários
Brasis se fazem sentir dentro de um só Brasil, já bastante seguro
de sua singularidade como sistema nacional de convivência,
para temer semelhantes variações. Ao contrário: elas – e mais
a japonesa, a síria, a libanesa, a húngara – são hoje antes
estimadas que lamentadas pelo brasileiro: pelo brasileiro
médio e não apenas pelo superior em inteligência política ou
em saber sociológico. A estrangeiros ilustres que ultimamente
tem visitado o Brasil não vem escapando o fato de ser o nosso
país uma nação ao mesmo tempo uma e plural. Um Brasil, e
ao mesmo tempo, vários Brasis. E em semelhante combinação
parece-lhes haver antes vantagem que desvantagem para
o desenvolvimento, entre nós, de uma cultura pluriregional.

60
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Uma cultura de que Brasília seja a cúpula, reunindo em seu


modo novo, mas não – livre-nos Deus – incaracteristicamente
internacional, de ser a cidade, a expressão do que há na
sociedade e na cultura brasileira, de étnica e regionalmente
diverso, vário, plural.

A constante busca dos imigrantes e migrantes em se manter em uma


região que não é a oriunda de seu povo, acaba por modificar toda sua cultura,
principalmente a religião, no entanto, ainda pode-se dizer que um dos obstáculo à
convivência inter-religiosa continua sendo o fundamentalismo religioso. Giordan e
Pace (2014, p. 1) consideram:

O pluralismo religioso é um conceito-chave para entender o


que está acontecendo em nosso mundo, mesmo que o risco,
como todas as palavras que se tornam populares e modernas,
se torne um guarda-chuva sob o qual reunimos fenômenos
bastante diferentes e heterogêneos, às vezes dificilmente
consistentes uns com os outros. Esse erro que ocorre com
frequência em grande parte da literatura sociológica, é sobrepor
o significado do pluralismo ao de diversidade, como se fossem
sinônimos. [...] não devemos confundir o nível normativo, a
saber, o pluralismo, com o nível descritivo de diversidade
empírica.

Se por um lado, os fenômenos religiosos influenciaram os acontecimentos


históricos no Brasil, por outro lado, esses mesmos fenômenos foram
transformando-se de forma dinâmica pela realidade plural desenhada e vivenciada
no espaço social. Com base nisso, ressalta Negrão (2008, p. 263):

O catolicismo foi, no passado colonial brasileiro, uma religião


obrigatória: os que aqui nasciam o aceitavam por pressuposto
de cidadania, exceto os indígenas, aos quais se exterminava
ou se convertia. Os que aqui não nasciam tinham que adotá-lo,
mesmo que não o compreendessem: os negros escravizados
eram batizados no porto de procedência ou de desembarque.
Já os judeus, sob a pressão de serem perseguidos pelos
inquisidores, de perderem seus bens ou mesmo suas vidas,
preferiram, em geral, tornar-se “cristãos novos”.

Essa descrição do autor sobre as várias etnias sugere que muitos


povos optaram pela religião predominante para não sofrerem represálias ou
discriminação. O caso dos judeus em diferentes localidades do mundo está
ligado à perseguição (muitas vezes com morte), onde viam nas outras religiões
(principalmente no catolicismo), uma maneira de camuflagem aos seus
perseguidores. Muitos deles em solo brasileiro, optaram por se tornarem cristãos,
e abandonaram o judaísmo junto de muitos de seus códigos culturais.

61
MATriZES RELiGioSAS

Essa informação acima é oriunda da história familiar da autora


deste livro, que ao pesquisar a árvore genealógica da família,
descobriu que seus ancestrais eram judeus convertidos da região
dos Açores que se instalaram em Rio Pardo/RS.

Seguindo sobre a diversidade religiosa, Mariano (2003, p. 112) considera


importante:

No caso brasileiro, a ampla liberdade religiosa resultante da


secularização do Estado está na raiz da desmonopolização
religiosa, da formação e expansão do pluralismo religioso e,
por conseqüência, do acirramento da concorrência religiosa.
Isto é, a concessão de liberdade religiosa e a separação
Igreja–Estado romperam definitivamente o monopólio católico,
abrindo caminho para que outros grupos religiosos pudessem
ingressar e se formar no país, disputar e conquistar novos
espaços na sociedade, adquirir legitimidade social e consolidar
sua presença institucional.
Em defesa dessas
páginas, é possível
dizer que essa Este fenômeno não se deu de um dia para o outro, pois a separação
separação resulta Igreja-Estado é algo muito discutido há séculos. Em defesa dessas
principalmente na páginas, é possível dizer que essa separação resulta principalmente na
desmonopolização desmonopolização religiosa, na liberdade e no pluralismo religioso, pois
religiosa, na ainda, segundo Mariano (2003, p. 115):
liberdade e no
pluralismo religioso.
Numa situação de monopólio, em contraste, a diversidade de
produtos e serviços religiosos tende a ser mais limitada, na
medida em que uma única religião tem menor capacidade de
diversificar sua oferta de bens de salvação – sem comprometer
sua mensagem e seus propósitos – para atender, satisfatória
e concomitantemente, à heterogeneidade dos interesses e
preferências religiosos dos mais distintos grupos sociais de
uma sociedade complexa e pluralista.

O Brasil, atualmente, vive o ápice de liberdade religiosa, ou seja, as religiões


nunca foram tão livres como nessa atual configuração social. Tal liberdade
acarreta o processo de pluralidade religiosa com tendência a ser independente de
qualquer monopólio religioso. Considerando o cenário de uma sociedade plural,
as pessoas ou grupos sociais são abertos para manifestar suas crenças sem
precisar esconder ou camuflar sua identidade religiosa.

62
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Em contrapartida, também vive uma intensa polarização de religiosidades


não hegemônicas que vivem às margens da população, ou seja, estão
principalmente localizadas nas regiões mais periféricas, tendendo a resgatar
uma população subalterna que não se encaixa na hegemonia normativa, o que
ocasiona desigualdades em relação a visibilidade das mesmas. Para Teixeira e
Menezes (2013, p. 122):

O tempo atual é marcado por um pluralismo religioso


intransponível e irrevogável, que tende a se ampliar nos próximos
anos. Não há porque seguir mantendo posicionamentos
teóricos e práticos que reduzem a diversidade religiosa. O
desafio mais fundamental está em buscar compreender esse
pluralismo como valor.

A pluralidade religiosa brasileira, que se apresentou e se apresenta de


forma mais sólida nas últimas décadas, é também um campo em debate, onde
a intolerância religiosa se apresenta de contorno violento especialmente contra
religiões de matriz africana e afro-brasileiras, já que as mesmas não mais aceitam
se esconder ou se camuflarem, pois a liberdade religiosa é um direito constitucional.

No entanto, grupos não cristãos, dentro de uma hegemonia cristã, ainda


são vistos como implicados ou como possíveis pessoas a serem convertidas,
especialmente por grupos pentecostais em ascensão no cenário religioso. Ribeiro
(2014, p. 38) assinala para o fato de que:

A dinâmica da globalização e de pluralismo por que passa


a sociedade contemporânea afetou vários segmentos da
sociedade, e de forma especial a religião. Os fundamentalismos,
por exemplo, encontram-se diante de um desafio: dialogar com
outros grupos e rever conceitos que já não fazem mais sentido
no contexto atual. Para as práticas religiosas, assim como
para as análises científicas sobre a religião, a comunicação
dialógica se faz necessária e o alargamento das fronteiras
é imprescindível. Dificilmente haverá espaço na sociedade
para interpretações singulares e herméticas, que privilegiam
determinadas tradições.

Por isso, atesta-se que o pluralismo religioso apresenta como exigência o


diálogo entre as variadas tradições e culturas religiosas, resultando então, no
alargamento das fronteiras (no sentido de barreiras religiosas). Isso tem sido
debatido constantemente dentro da academia, principalmente com o objetivo
dentro das relações sociais. Conclui-se, então, que a pluralidade religiosa
é resultado da diversidade e liberdade religiosa que se vivencia no Brasil.
A hegemonia religiosa, que uma vez era (e continua sendo em partes) do
catolicismo, está diminuindo. Gabatz (2014, p. 513) afirma que o reconhecimento
do “pluralismo representa a democratização do campo religioso, em que todos
os sujeitos são reconhecidos como legítimos em suas reivindicações, desde que
respeitados os seus princípios éticos”.
63
MATriZES RELiGioSAS

A pluralidade representa essa democratização do campo religioso, em que


todos as pessoas são reconhecidas como legítimas em suas reivindicações,
desde que respeitados os seus princípios éticos. Para Hall (2000, p. 7) também
existe um risco, pois:

As velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram


o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui
visto como um sujeito unificado. A assim chamada crise de
identidade é vista como um processo mais amplo de mudança,
que está deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo
social.

Seguindo essa linha de raciocínio, a própria pluralidade religiosa aponta para


uma sociedade democrática e plural. Ao assinalar para uma sociedade plural,
cidadã, democrática, o pluralismo religioso aposta em processos de autonomia
e de emancipação das pessoas, o que se pode definir também como sendo uma
consequência do fenômeno.

Faz-se então, um comparativo de 2000 e 2010, considerando apenas a


religião católica apostólica (romana e brasileira, gráficos 1 e 2, respectivamente),
que ainda consegue se tornar a principal matriz religiosa no Brasil:

GRÁFICO 1 – GRANDES REGIÕES E RELIGIÃO CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA


NOS ANOS 2000 E 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

64
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

GRÁFICO 2 – GRANDES REGIÕES E RELIGIÃO CATÓLICA APOSTÓLICA BRASILEIRA


NOS ANOS 2000 E 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Nota-se no Gráfico 1, que em uma década, houve decrescente número de


adeptos na região Sudeste. Essa região em específico sofre influência de grandes
cidades como São Paulo e Rio de Janeiro (as quais a compõem junto do Espírito
Santo e Minas Gerais, o Sudeste), que concentra a maior parte de imigrantes
(fixos e transitórios) no Brasil. É também influenciada por ter uma diversidade
étnica muito grande em relação as outras regiões. A questão da população
transitória segue o fluxo de acessibilidade para outros estados, pois a fronteira
garante essa entrada e saída com maior facilidade.

Já no Gráfico 2 percebe-se que o número total de adeptos da apostólica


brasileira é bem inferior à apostólica romana, isso pode ser pelo fato de a
população praticante não as diferenciarem totalmente – acontece o mesmo
com outras vertentes das afros e cristã no geral. Houve um aumento na região
nordeste, e isso por ser explicado pela maior acessibilidade de informações já que
a mesma, é uma região considerada afastada das grandes metrópoles do Brasil.

O multiculturalismo resulta no acréscimo gradual de religiões heterogêneas,


e isso imbrica o decréscimo das hegemônicas. Não se pode comparar a católica
com a budista, por exemplo, no entanto é importante evidenciar essas diferenças,
na medida em que a própria pluralidade das religiões permite que elas estejam ali,
ocupando um espaço social dentro de muitos processos de sociabilidade, ou seja,
elas fazem parte do espaço religioso brasileiro. Para Gomes e Souza (2013, p. 4):

Na modernidade a expansão do pluralismo religioso origina-se

65
MATriZES RELiGioSAS

em decorrência do secularismo e a laicização do estado. Se o


estado é laico o pluralismo religioso será aceito na sociedade
sem restrição, nessa sociedade haverá abertura para escolha
sem interferências externas, pois o secularismo visa um
estado democrático e livre. Neste aspecto não existe mais um
monopólio religioso, mas uma abertura a um novo paradigma
que valoriza a pluralidade religiosa e a liberdade do indivíduo.

A liberdade das pessoas em relação a sua crença é um processo que requer


muita informação e isso ainda está acontecendo, principalmente nas regiões
periféricas do espaço. Nesse sentido, ainda pode-se considerar o que Prandi
(1997, p. 68) escreve a seguir:

A diferenciação [...] se dá também nos espaços físicos das


grandes cidades, que cada vez mais separam pobres e ricos,
nativos e migrantes, com bairros fortificados de classe média
separados das etnias marginalizadas e “perigosas”, como se
uma mesma cidade comportasse vários mundos e civilizações.

Prandi (1997) sempre defendeu a pluralidade religiosa, especialmente as


que envolvem o “sincretismo”. No entanto, atualmente, pensar a diversidade com
certeza não pode se limitar que as mesmas não produzem espaços sociais. Existe
uma romantização da pluralidade, onde diversas etnias vieram, se instalaram e
foi a partir daí que começou o processo de hibridismo cultural. Essa ideia acaba
sendo refutada quando se percebe que ao longo da colonização, a mestiçagem
acontece de diversas formas, incluindo violência sexual, conversão de e para
culturas hegemônicas com a justificativa de pena de morte, submissão de trabalho
escravo etc. Já se ressaltou isso no capítulo anterior, porém é “óbvio” que precisa
ser reforçado a cada ponto em que se fala de pluralidade, principalmente no Brasil.

Retomando, então, Negrão (2008, p. 266) destaca e sintetiza:

A herança do catolicismo colonial e imperial foi, contudo, de


certa forma preservada, apesar das profundas transformações
republicanas. Não obstante a cessação da obrigatoriedade, a
maioria dos brasileiros, apesar de ter continuado a se declarar
católica, continuou a sê-lo de maneira formal e superficial: sem
frequência às missas, avessa aos sacramentos, apegada às
devoções e às rezas. Além disso, muitos dos descendentes
de negros e índios criaram cultos sincréticos, em que o
catolicismo coexiste com crenças e práticas que lhe são
estranhas, como o candomblé baiano (e outros cultos afro-
brasileiros assemelhados) e as pajelanças do norte e nordeste
do Brasil. Já no Império, começaram a se introduzir grupos
protestantes históricos, como os batistas, os presbiterianos, os
congregacionais, os metodistas, que, embora não numerosos,
tiveram alguma influência no sistema educacional ao longo do
período republicano. Mas é apenas a partir do fim da primeira
década do século passado que começam a introduzir-se

66
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

no cenário religioso brasileiro os protestantes pentecostais


que, pelo seu crescimento intenso e presença marcante,
passam a alterá-lo substancialmente, sobretudo, nas regiões
metropolitanas do país.

O autor concretiza em sua sintetização, aspectos relevantes nessa discussão,


porém sem enfatizar as subalternidades que ocorreram durante o processo
(NEGRÃO, 2008). A principal consequência desse pluralismo religioso, sem
dúvida, está ligada à marginalização e também resistência de algumas religiões no
espaço. A expansão e domínio de territorialidades também é uma consequência,
no que tange outras religiões que têm um crescimento desproporcional em relação
às outras. É sobre isso que o próximo tópico irá tratar, pois não apenas elas se
manifestam no espaço, mas também o dinamizam em diferentes formas, incluindo
função e estrutura, impactando não só a organização espacial, mas também na
economia, política e sociabilidade entre grupos sociais.

Nessa perspectiva, existem muitas discussões sobre a questão


de gênero e subversão, que por enquanto não serão abordadas.
Salientando que é importante e fundamental discussões a partir
dessas vertentes, pois é emergente e compreende uma gama de
interpretações acerca da temática. No entanto, para o leitor que
quiser aprofundar esse tema, indicamos algumas leituras:

SOUZA, Sandra Duarte de. (org.) Gênero e Religião no Brasil:


Ensaios Feministas. 2007. São Bernardo do Campo: Editora da
Umesp. 167 p.

LIMA, Rita. Lourdes de. Diversidade, identidade de gênero e


religião: algumas reflexões. Revista em Pauta, n. 28, 165-182, 2011.

67
MATriZES RELiGioSAS

BANDINI, C. Gênero e poder na Igreja Universal do Reino De


Deus. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da
Religião da PUC Minas, 13(39), Belo Horizonte, 2015, p. 1410-1426.

ALENCAR, G. F.; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: uma


superação da discriminação racial, de classe e de gênero? Estudos
de Religião 30(2), São Paulo-SP, Universidade Metodista de São
Paulo, 2016, pp. 95-112

2.2 SURGIMENTO DE NOVAS


RELIGIÕES E SEUS IMPACTOS

Para iniciar este último tópico, é importante ressaltar que será


abordado um novo conceito, o de novo movimento religioso (NRM),
que supõe em resumidas linhas, termo geral para definir diferentes
comunidades religiosas ou grupos espirituais com origens modernas,
que tem um lugar periférico dentro da principal cultura religiosa de
uma nação. Os NRM podem ser visto como “novo” na origem ou em
parte de uma religião mais ampla, no caso de serem diferentes das
denominações pré-existentes e hegemônicas.

Estudos religiosos contextualizam o surgimento de NRM na modernidade,


observando-o como o resultado de uma solução diante dos processos modernos
de secularização, globalização, fragmentação e individualização. Alguns desses
novos movimentos religiosos lidam com os desafios colocados pelo mundo
moderno ao envolver o individualismo onde outros buscam meios de coesão
coletiva.

Apesar da constante imposição sobre as religiões predominantes, deve-


se ressaltar a importância do que é chamado de “novos movimentos religiosos”
(WILLAIME, 2012). Novos elementos que qualificam a nova realidade da
configuração da sociedade em relação as suas práticas religiosas – mas seriam
novos? Podemos afirmar que esses fenômenos não estavam espacializados?
São realmente um campo religioso? São questionamentos realizados por quem

68
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

se “atreve” a ir mais afundo sobre a temática. Em tempos onde a informação


chega em segundos até a uma população mais remota, devemos considerar que
as redes informativas são as grandes influenciadoras para unir grupos sociais e
visibilizar esses “novos movimentos religiosos”.

Sobre isso, ressalta Willaime (2012, p. 103) quando introduz:

Podemos distinguir algumas características importantes


desses novos movimentos religiosos. Eles são frequentemente
muito modernos no que diz respeito à sua organização e
suas técnicas de divulgação. A experiência ali, valorizada: os
indivíduos são convidados a aderir a um corpo de doutrinas,
e não a experimentar uma forma de sabedoria que lhes traria
supostamente certo bem-estar.

Apesar de ainda não existir um critério ou conjunto de critérios para descrever


um grupo como novo movimento religioso, o uso do termo exige normalmente
que o grupo tenha uma origem prescrita e seja ao mesmo tempo diferente das
religiões existentes. Nesse sentido, pode-se considerar duas perspectivas sobre o
que seria essas religiões existentes: a primeira seria uma abordagem mais restrita
que sugere diferenças em religiões existentes. A diferença aplica-se à fé que,
apesar de poder ser vista como parte de uma religião existente, encontra rejeição
dessa mesma religião por não partilhar o mesmo credo básico, ou se autodeclara
como separada da religião existente ou até como a única fé correta. A outra
perspectiva está ligada ao que se considerada uma proposta de expansão do
critério de diferença, considerando que os movimentos religiosos quando tirados
do seu contexto cultural tradicional, surgem em novos locais, com de formas e
preceitos modificados.

Segundo o IBGE (2010, p. 91):

[...] o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no


Brasil, revelando uma maior pluralidade nas áreas mais
urbanizadas e populosas do País. A proporção de católicos
seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas
anteriores, embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo,
consolidou-se o crescimento da parcela da população que se
declarou evangélica. Os dados censitários indicam também
o aumento do total de pessoas que professam a religião
espírita, dos que se declararam sem religião, ainda que em
ritmo inferior ao da década anterior e do conjunto pertencente
a outras religiosidades.

Os novos movimentos religiosos parecem não partilhar necessariamente um


conjunto de características particulares, mas têm sido atribuídos à hegemonia da
cultura religiosa dominante. É atribuído a eles também, a existência de um espaço
relativamente concorrido dentro da sociedade como um todo. O que não deixa

69
MATriZES RELiGioSAS

de ser real, pois algumas religiões “novas” têm vindo fortemente e recrutando o
máximo de adeptos possíveis, fixando-se rapidamente no espaço. Dessa forma,
é possível que os novos movimentos religiosos variem em termos de liderança,
autoridade, conceito sobre família e até mesmo de gênero e outras formas, como
estrutura organizacional. É por esse motivo que essas variações colocaram
um desafio aos pesquisadores da temática nas tentativas de formular critérios
abrangentes e também específicos para classificar esses novos movimentos
religiosos.

Mariano (2011, p. 239) faz uma ressalva sobre isso, quando diz que:

A partir da estrondosa emergência de grupos religiosos na


esfera pública stricto sensu e do crescimento vertiginoso
de novos movimentos religiosos e de religiões mágicas e
fundamentalistas em quase todas as regiões do planeta nas
últimas décadas, a teoria da secularização – teoria colada
à da modernização e até o fim dos anos 1960 hegemônica
e praticamente inconteste nas Ciências Sociais – tornou-
se objeto de acirrada controvérsia na sociologia da religião.
Desde então, perdeu a aura de asserção quase autoevidente e
assumiu uma posição defensiva.

Os novos estudos religiosos são um estudo interdisciplinar de novos


movimentos religiosos que surgiram em meados de 1970, juntamente com a
revolução de diferentes ciências, a exemplo da geográfica, que implementou
em seus estudos humanos, a crítica aos métodos quantitativos de se analisar a
sociedade, pois eles não dariam conta da totalidade de códigos e símbolos sociais
que se encontram nas relações socioespaciais. Um deles é a questão da religião,
que não se pode mensurar em números exatos (aproxima-se e estima-se segundo
o IBGE), e que as relações de fé, doutrinação e valores são signos que competem
a uma cultura imaterial. Na lista de Novos Movimentos Religiosos há grupos
originados nas grandes religiões, há grupos de matriz oriental e de matriz indígena
e africana. Pode-se observar que há nestes grupos um grande sincretismo, sendo
esta uma característica comum a muitos deles (MARTINS, 2017). Neste sentido,
pode-se considerar que a identidade religiosa contemporânea não é herdada, mas
uma construção individual “a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à
sua disposição” (HERVIEU-LÉGER, 2008).

A questão difícil de responder é: por que surgem os novos


movimentos religiosos?

70
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Bem, essa é uma tarefa difícil de colocar nessas linhas, mas pode-se ter uma
compreensão nas palavras de Prandi (1991, p. 34):

As mais díspares religiões, assim, surgem nas biografias dos


adeptos como alternativas que se podem pôr de lado facilmente,
que se podem abandonar a uma primeira experiência de
insatisfação ou desafeto, a uma mínima decepção. São
inesgotáveis as possibilidades de opção, intensa a competição
entre elas, fraca a sua capacidade de dar a última palavra. A
religião de hoje é a religião da mudança rápida, da lealdade
pequena, do compromisso descartável.

Certamente, nas considerações de Prandi, ele deixa algumas pistas de como


prosseguir nessa análise que é intrínseca e ponderada. Primeiramente, pode-
se dizer que todo e qualquer novo movimento religioso surge nas fragilidades
deixadas pelas religiões existentes ou hegemônicas. O surgimento do novo
é uma declaração da carência das respostas que as igrejas institucionalizadas
têm fornecido e que não conseguem atender às expectativas dos adeptos. Outra
questão a ser levada em conta é que nas democracias ocidentais, a relativização
das mensagens religiosas, a autonomia individual em relação às opções
religiosas, aliada à liberdade de culto, facilita sobretudo, o surgimento de líderes
espirituais com novas mensagens ou novas revelações, que possam fazer mais
sentido diante das condições espaciais em que os adeptos estão inseridos.

Mas afinal, quem são os novos movimentos religiosos? De modo Mas afinal, quem
geral, podemos destacar quatro grandes grupos que representam a são os novos
movimentos
maioria dos Novos Movimentos Religiosos, apontados por Guerriero
religiosos?
(2005, p. 37-55), que são:

a) Grupos oriundos de igrejas cristãs tradicionais.


b) Grupos sincréticos.
c) Grupos orientais.
d) Grupos esotéricos ou da Nova Era.

Não é fácil definir um novo movimento religioso, porém a partir da distribuição


de Guerriero (2005) pode-se trazer alguns exemplos para cada grupo proposto
pelo autor. Neste sentido, parte-se:

• Grupo oriundo das igrejas cristãs tradicionais

Pode-se colocar nesse grupo, as igrejas neopentecostais, pois elas são


oriundas da crença cristã e que hoje é uma vertente bem diferente daquela a qual
saiu. A expressão Terceira Onda do Pentecostalismo designa a terceira onda do
movimento pentecostal. É um movimento dentro do cristianismo que surgiu em
meados dos anos 1970 e 1980. Para Gonçalves e Pedra (2017, p. 76):

71
MATriZES RELiGioSAS

A terceira onda, denominada neopentecostal, é representada


pelas igrejas que surgiram na segunda metade dos anos de
1970. Foi um movimento que garantiu forte visibilidade e se
fortaleceu nas décadas posteriores. São consideradas igrejas
neopentecostais a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada
em 1977 no Rio de Janeiro; a Igreja Internacional da Graça
de Deus, fundada em 1980 também no Rio de Janeiro; a
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, fundada em 1976
em Goiás; a Igreja Renascer em Cristo, fundada em 1986 em
São Paulo; e a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada em
1998 em São Paulo. Trata-se de igrejas fundadas por pastores
brasileiros, constituindo essas as principais denominações
neopentecostais no Brasil.

O crescimento da vertente neopentecostal está associado ao engajamento


e trabalho de evangelização desempenhado principalmente por adeptos que
procuram disseminar a crença através de panfletos, abordagens em vias públicas
para explicar sobre como a religiosidade é, e convidar as pessoas, bem como o
trabalho solidário em comunidades periféricas. Destaca-se então, Mafra (2001, p.
43-44), que caracteriza:

Ao contrário da ênfase assembleiana na autonomia e


personalidade do pastor e na criação de uma rede de pequenas
comunidades morais ligadas o lugar, o pastor da Universal é
visto principalmente como um funcionário de uma instituição
que tem um papel fundamental em termos escatológicos, isto
é, na consumação do tempo e da história. Esses pastores, bem
como os “obreiros” e “obreiras”, são selecionados segundo seu
carisma e seu dom de oratória, num reconhecimento da graça
dada ao indivíduo, mas que só ganhará valor se aceita pela
lógica institucional.

Sem submergir necessariamente sua peculiaridade religiosa, as igrejas


neopentecostais revelam-se, entre as pentecostais, as mais oblíquas a
acomodarem-se à sociedade abrangente e a seus valores, interesses e práticas.
Neste sentido, seus cultos basearem-se na oferta individualizada de serviços
mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas
de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de
resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade. Essas
promessas são atrativas a grande parte da população marginalizada, pois elas
tendem a fixar-se em espaços onde essas variantes costumam a ser dinâmicas e
conturbadas (MARIANO, 2004).

Já que aqui neste tópico fala-se sobre a religião neopentecostal, podemos


abrir um parêntese para abordar as pentecostais como um todo, pois elas também
podem ser consideradas como um novo movimento religioso em relação às
grandes matrizes. Valoriza-se, então, nos gráficos 3, 4, 5, 6 e 7, uma visão muito
mais objetiva dessa religião e suas vertentes no Brasil.

72
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

GRÁFICO 3 – REGIÃO NORTE NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

GRÁFICO 4 – REGIÃO NORDESTE NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

73
MATriZES RELiGioSAS

GRÁFICO 5 – REGIÃO SUDESTE NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

GRÁFICO 6 – REGIÃO SUL NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

74
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

GRÁFICO 7 – REGIÃO CENTRO-OESTE NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Considerando os gráficos, o crescimento pentecostal se mostrou de modo


desigual, com algumas igrejas experimentando um surpreendente crescimento e
outras até perdendo fiéis. A Assembleia de Deus se apresenta destacadamente
como a maior igreja evangélico-pentecostal com o maior número de adeptos em
todas as regiões, seguida de longe pela Congregação Cristã do Brasil com o
segundo maior número de autodeclarados. Isso mostra como as religiões cristãs
evangélicas tendem a ter o maior número de vertentes distribuídas em diferentes
cantos do espaço brasileiro. Essa projeção provavelmente já é muito maior neste
ano presente, uma vez que elas estão em constante crescimento não apenas de
fiéis, mas material também. As igrejas pentecostais têm uma visibilidade muito
maior do que as outras minorias, e isso é uma influência para recrutar pessoas.
Elas se tornam mais acessíveis, pois estão fixadas nas comunidades periféricas e
regiões centrais, e em grandes centros urbanos.

• Grupos sincréticos

Estes grupos se caracterizam por uma subversão com as grandes matrizes


religiosas instituídas e buscam alternativas para expressarem sua fé, bem como
a religiosidade no geral. Embora possa até mesmo ser um agir inconsciente,
eles se apropriam de elementos constantes em várias religiões, misturando-os e
apresentando um novo significado. Pode-se até confundir com as religiões afro-
brasileiras, mas aqui existe um diferencial: não há um preceito, dogma, mas sim
uma mistura de vários cultos para o momento. A exemplo disso, pode-se citar
o Santo Daime, que segundo Higuet (2001), o grupo tem esse nome derivado

75
MATriZES RELiGioSAS

do fato de os nativos pedirem o chá alucinógeno em forma de prece: "Dai-me


o chá, dai-me luz, dai-me amor, dai-me força, dai-me saúde". Nestes grupos,
a valorização e interação com a natureza é o principal fundamento, visto que
mesmos dependem quase que exclusivamente dos alimentos que a floresta
fornece para a sobrevivência do grupo. A consciência ecológica é parte efetiva da
vida no grupo e a floresta na sua totalidade se torna uma divindade.

• Grupos orientais

Como o próprio nome do grupo diz, trata-se das novas religiões orientais
trazidas ao Brasil pelos imigrantes, principalmente os japoneses. Dentre elas
destacam-se Igreja Messiânica Mundial e a Seicho-No-Ie. No ano de 2010, a
religião Messiânica (Gráfico 8) aparece no censo, pois há uma expressividade
considerável de adeptos no território brasileiro.

GRÁFICO 8 – RELIGIÕES ORIENTAIS NO BRASIL NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Esses grupos religiosos ainda são ofuscados por mais que estejam integrando
a heterogeneidade religiosa. O gráfico demonstra a disposição numérica das
religiões orientais no Brasil em relação à matriz oriental predominante que é o
Budismo. Ainda que sejam novas, elas também sofrem com a invisibilidade no
espaço, principalmente no urbano, porém têm tido um aumento gradativo de
adeptos e participantes na última década.

• Grupos esotéricos ou da Nova Era

76
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

São muitos os grupos que se encaixam nesta possível categoria. A priori,


muitos deles procuram passar uma ideia de que não se constituem em uma
religião, por não possuírem doutrinas definidas. O Gráfico 9 mostra as tradições
esotéricas nas grandes regiões, em uma população total de 38.507 auto
declarantes.

GRÁFICO 9 – TRADIÇÕES ESOTÉRICAS NAS GRANDES REGIÕES NO ANO DE 2010

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

Dessa forma, muitos fiéis de outras religiões acabam frequentando cultos


esotéricos sem terem consciência da abrangência do que realmente é transmitido
como ensinamento. Para Martins (2017, p. 15):

Estes grupos caracterizam-se pelo relativismo no tocante à


salvação, pois advogam que existem várias maneiras de se
achegar à iluminação completa e que todas elas são válidas.
Há uma grande ênfase no emocional, em uma religiosidade
que se expressa através dos sentimentos, intuições e
meditações místicas que venham proporcionar um sentimento
de paz espiritual. É uma religiosidade que apela muito para o
subjetivo. Muitos destes grupos disponibilizam espaços para
práticas esotéricas que visam o desenvolvimento pessoal e a
felicidade do cliente/adepto.

No Brasil, há uma ligação muito forte dos grupos esotéricos com questões de
terapias alternativas. Essa linha terapêutica é construída por saberes “místicos”
que têm por objetivo a expansão de consciência. Dentro da psicologia há uma
vertente de estudos sobre essa temática, que debate principalmente o uso dessas
técnicas no tratamento de pessoas com depressão, ansiedade, bem como para o
desenvolvimento pessoal.
77
MATriZES RELiGioSAS

O acelerado crescimento do número e da diversidade de grupos religiosos, de


doutrinas, de filosofias, de novas religiões e de novas religiosidades, nas últimas
décadas, tem sido um fenômeno bastante significativo. Neste sentido, a principal
consequência disso é a pluralidade religiosa. Mesmo que em um número muito
menor que as matrizes hegemônicas e suas vertentes, essas religiões se tornam
parte da composição territorial e plural da organização socioespacial. Isso por que
a partir do momento em que elas criam espaços de sociabilidades, desestruturam
toda a hegemonia majoritária. É redundante de se pensar? Sim. No entanto, as
vezes o óbvio ainda não é “tão óbvio” quanto parece.

Acredita-se que uma grande parte da população do Brasil ainda não


consegue diferenciar determinadas crenças e isso prejudica de certa forma
a validação e afirmação de outras religiosidades que estão se destacando em
determinado espaço-tempo. O fenômeno religioso é proporcional à cultura
híbrida e isso transforma o espaço habitado e social em uma desconfiguração
de tradições, tornando os saberes populares uma forma ímpar de se reconhecer
enquanto sujeito social e religioso.

1) Faça a correspondência corretamente:

(1) Estado laico


(2) Estado religioso
(3) Estado ateu

( ) Pode ocorrer de forma orgânica ou subjetiva.


( ) Rejeita todos os credos em favor da “não crença”.
( ) É também conhecido como Estado Secular.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:


a) ( ) 1, 2, 3.
b) ( ) 1, 3, 2.
c) ( ) 2, 1, 3.
d) ( ) 2, 3, 1.

2) Analise o gráfico e assinale a resposta correta:

78
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

GRÁFICO – RELIGIÕES CATÓLICA E EVANGÉLICA

FONTE: Adaptado de IBGE (2010)

a) ( ) Em 2010, as religiões evangélicas tiveram um decréscimo de


adeptos em relação ao ano 2000.
b) ( ) Em 2000 e 2010, a religião católica se manteve com os
mesmos dados.
c) ( ) As religiões evangélicas aumentaram o número de adeptos
entre os anos de 2000-2010.
d) ( ) Comparando as duas religiões é possível dizer que as
evangélicas tiveram acréscimo de adeptos, porque a católica
perdeu praticantes entre os anos de 2000 e 2010.

3) Com base nas minorias religiosas, assinale a resposta correta:

a) ( ) Ainda que as minorias religiosas sejam a base do pluralismo


religioso no Brasil, elas devem ser consideradas a partir de um
resultado da própria condição de povoamento brasileiro.
b) ( ) Não se deve considerar a pluralidade religiosa no que tange
às religiões afro-brasileiras, neopentecostais e messiânicas.
c) ( ) As minorias religiosas não devem ser aceitas dentro da
validação da diversidade religiosa.
d) ( ) O espaço religioso do Brasil é apenas formado pelas quatro
grandes matrizes religiosas, sem suas vertentes minoritárias.

79
MATriZES RELiGioSAS

4) Leia o texto a seguir:

“O Estado Brasileiro é laico. Isso significa que ele não deve ter, e não
tem religião. Tem, sim, o dever de garantir a liberdade religiosa.
Diz o artigo 5º, inciso VI, da Constituição: “É inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias.” A liberdade religiosa é um dos
direitos fundamentais da humanidade, como afirma a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da qual somos signatários. [...]
Invadir terreiros de umbanda e candomblé, que, além de locais
sagrados de culto, são também guardiães da memória de povos
arrancados da África e escravizados no Brasil; desrespeitar a
espiritualidade dos povos indígenas, ou tentar impor a eles a
visão de que sua religião é falsa; agredir os ciganos devido à sua
etnia ou crença, mesmo motivo que os levou ao quase extermínio
na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial: tudo isto é
intolerância, é discriminação contra religiões. É o contrário do que
pretende o Programa Nacional dos Direitos Humanos.”

FONTE: JUNIOR, José Rezende. Diversidade religiosa e


direitos humanos. Disponível em: http://www.mestreirineu.org/
diversidade.htm. Acesso em: 16 fev. 2021.

São muitos os casos noticiados acerca do desrespeito às


religiões, principalmente às afrodescendentes. Como defende,
porém, o artigo 5º da Constituição e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o Brasil é um país em que há um cenário de
pluralidade religiosa. Algo que defende essa pluralidade e garante
o reconhecimento legal da sociedade das diversas instituições e
grupos religiosos é o:

a) ( ) Ecumenismo.
b) ( ) Pluralismo religioso.
c) ( ) Sincretismo religioso.
d) ( ) Ceticismo.

5) Sobre o conceito de religião, pode-se afirmar:

a) ( ) Refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas


dos grupos e sociedades encontram sua expressão.
b) ( ) É a teoria do reconhecimento do outro e luta contra todas as
formas de homogeneização.

80
Capítulo 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL

c) ( ) Definida como um conjunto de crenças e práticas sociais


relacionadas com a noção de sagrado.
d) ( ) São um sistema solidário de crenças e de práticas relativas
às coisas sagradas, ou seja, isoladas ou proibidas, crenças e
práticas que reúnem todos aqueles que aderem a tal sistema em
uma mesma comunidade moral chamada Igreja.

3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Para dar finalidade a este capítulo, espera-se, sobretudo, que deve haver
o respeito em relação às minorias religiosas, levando-se em conta que estas
são subestimadas, desassistidas e, acima de tudo, que suas crenças possuem
o mesmo valor que qualquer outra religião abrange, independentemente de sua
matriz. Nesse sentido, deve-se agenciar a quebra de paradigmas, a aceitação
das diversas religiões e o reconhecimento do princípio de laicidade aderido pelo
Estado brasileiro, perante o combate das desigualdades e garantia, efetiva, dos
direitos constitucionais.

As hermenêuticas das religiões estão diante de debates para as readaptações


de aceitação e diálogo com o diferente. A priori, a violência e os fundamentalismos
não são tolerados em tempos de pluralismo religioso. Isso por que a realidade
social é predominante nesse quesito. Cabe discutir a razão da intolerância e seus
desdobramentos: discriminação, perseguição, fundamentalismo e violência, que
existem em meio às religiões no Brasil, configurando-se tais realidades como
desafios de convivência entre elas.

Por fim, salienta-se que é necessária a perspectiva que busca entender


a religião a partir de si mesma, ou ainda, tratar a religião como tendo origem e
função distintivamente religiosa, ou seja, examinar a religião em “escala religiosa”.
Em outros termos, reconhece-se a religião como esfera social com aspectos
peculiares e que, portanto, exigiria aproximação própria, buscando captar aspectos
distintivos dessa esfera em relação às demais. As relações de sociabilidade
entram nessa perspectiva, pois ao mesmo tempo em que a religião tem uma
origem e principalmente uma função, considera-se ela parte da construção do ser
social e no próprio espaço social que acontece o fenômeno.

81
MATriZES RELiGioSAS

REFERÊNCIAS
ALENCAR, G. F.; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: uma superação da
discriminação racial, de classe e de gênero? Estudos de Religião 30(2), São
Paulo-SP, Universidade Metodista de São Paulo, 2016, p. 95-112.

BATAILLE, G. Teoria da religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

BANDINI, C. Gênero e poder na Igreja Universal do Reino De Deus. Horizonte -


Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião da PUC Minas, 13(39),
Belo Horizonte, 2015, p. 1410-1426.

CAMURÇA, M. Ciências sociais e ciências da religião. São Paulo: Paulinas,


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DURKHEIM, É. As formas elementares da vida religiosa. Trad. de Paulo


Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério


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84
C APÍTULO 3
A RELIGIOSIDADE NA ATUAL
CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• conhecer como a religiosidade pode influenciar a estrutura de organização


espacial da sociedade, principalmente relacionada à construção de espaços de
sociabilidade;
• refletir como acontece a manifestação do transcendente nos espaços sagrados
que também podem ser em espaços públicos;
• debater, problematizar e posicionar-se aos discursos e práticas de intolerância,
discriminação e violência de cunho religioso;
• argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos.
MATriZES RELiGioSAS

86
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Para isso, é
Para iniciar o capítulo de fechamento desta obra é importante
importante
destacar e retomar algumas considerações para que se possa criar considerar que essas
e recriar um elo que permita o desenvolvimento da crítica construtiva manifestações e
acerca das matrizes religiosas e suas diversas discussões que envolvem expressões estão
seu leque de temáticas. O principal objetivo deste capítulo é atrelar os em constante
conhecimentos dos capítulos anteriores com a atual expressão das movimento, ou seja,
as religiões seguem
religiões no contexto social em que vivemos e vivenciamos. Para isso,
se modificando e
é importante considerar que essas manifestações e expressões estão dinamizando seus
em constante movimento, ou seja, as religiões seguem se modificando e aspectos relacionais.
dinamizando seus aspectos relacionais.

Essas mudanças seguem as contextualizações políticas, econômicas e


culturais da sociedade, então, após o término desta obra, é possível que haja muito
mais considerações acerca da temática proposta em diferentes contribuições
dentro das ciências sociais e humanas.

A história do desenvolvimento das religiões em geral, como se viu


anteriormente, ocorre paralelamente com as transformações sociais, e, de certa
forma, as religiões acabam surgindo como resposta às indigências do espaço-
tempo em que está inserida. Apesar de, por muitos anos, o cristianismo brasileiro
ter uma grande dependência europeia, pois estes foram responsáveis pela
grande parte dos dogmas, trazendo consigo seus ideais, aos poucos, os cristãos
brasileiros foram criando uma autonomia, não só doutrinária, mas também,
cultural. No entanto, as outras religiões como o protestantismo, espíritas, afro-
brasileiras também ganham um destaque importante nessa construção, pois na
medida em que crescem suas porcentagens em todas as unidades territoriais do
Brasil, criam-se também manifestações expressivas no espaço. Essas expressões
garantem que as religiões se solidifiquem, fazendo com que a sociedade passe
a ter ampla visão (contraditória ou não) sobre as contribuições das práticas
estabelecidas naquele espaço.

Então, pode-se dizer que com a maior união de adeptos foi necessária
a criação das instituições religiosas, que são criadas como um modo de
manifestação da fé e por necessidades de ganhar espaço. Por muito tempo,
apenas manifestações foram centralizadas e restritas, mas com o fenômeno da
multiculturalidade, esses espaços começaram a se abrir e possuir caráter não
apenas religioso, mas também uma forma de resistência as religiões hegemônicas.

87
MATriZES RELiGioSAS

2 EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS
DE RELIGIOSIDADES
Quando falamos em expressões contemporâneas de religiosidades, logo nos
vem algo muito subjetivo, mas que pode conter inúmeras formas de interpretação,
incluindo questões espaciais, sociais e culturais. Apesar da subjetividade ser
resultado de experiências individuais, também é produzida pelas coletivas e
institucionais. Dessa maneira, atrelar o fenômeno religioso à atual configuração
da sociedade, nos parece conduzir um referencial importante no processo de
conhecimento, principalmente relacionado às diferentes possibilidades de analisar
e ter um conhecimento mais amplo sobre as matrizes religiosas.

Partindo desse princípio, essas expressões de religiosidades atualmente estão


atreladas à manifestação no espaço, principalmente no que tange à perspectiva
simbólica individual. Léger (2005, p. 41) esclarece que “esta concepção religiosa
de uma fé pessoal é uma peça mestra do universo de representações de que a
figura moderna do indivíduo, sujeito autônomo que governa a sua própria vida,
emergiu progressivamente”.

Pensemos que, no atual momento, mais do que em qualquer outro período


da história da sociedade, a própria religião se caracteriza por um pluralismo
cultural, pluralidades estas que muitas vezes se tornam intrigantes, na medida em
que fogem dos referenciais estabelecidos. Há uma enorme diversidade religiosa
e expressões culturais que podem ser desconhecidas por grande parte de nós.
Muitos cultos derivados de outras religiosidades também influenciam a criação de
grupos sociais fora dos padrões em que estamos imbricados.

É importante destacar isso, pois falamos sobre subjetividade e ela está


intrinsicamente relacionada com a busca das pessoas por algo sobrenatural e
que seja consistente ao mesmo tempo. Essa explosão de diversidades religiosas
justifica a atual organização socioespacial em que estamos configurando, como
sendo uma “era das religiões”, isso porque elas são essencialmente fundamentais
nos dias de hoje, competindo inclusive dentro de interesses econômicos e
políticos.

88
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

As religiões sempre estiveram presentes na formação


socioeconômica da sociedade, porém não de uma forma tão
concorrida e exposta quanto atualmente. Apesar de Max Weber –
autor que vimos no Capítulo 2 – atribuir às crenças e valores religiosos
um papel importante na conduta dos indivíduos em sociedade, ele
também defendeu a tese de que a religião protestante exerceu uma
poderosa influência no surgimento do modo de produção capitalista.

Se quiser saber mais sobre o assunto, sugerimos a leitura da


obra:

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.


São Paulo: Companhia das letras, 2005.
Ela está disponível na versão PDF em: http://www.
ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/
arquivos/File/materiais/2014/sociologia/A_Etica_Protestante_e_o_
Espirito_do_Capitalismo_Max_Weber_-_Flavio_Pierucci.pdf.

89
MATriZES RELiGioSAS

Considerando então, que na medida em que nada é permanente, nada é


estável, os valores, principalmente religiosos, são ligeiramente substituídos por
outros. Diante de muitas multiplicidades e de influências tão conflitantes e, às
vezes, adversas, as pessoas vivenciam e escolhem a forma de expressar os seus
anseios espirituais, numa busca pessoal de sentido espiritual, como ser único, à
procura de sua identidade religiosa. Para isso, salienta Wolff (2015, p. 85), quando
ele explica que:

Uma das expressões da característica plural dos nossos


tempos é a diversidade de correntes de espiritualidade que
emergem constantemente tanto no interior das tradições
religiosas históricas quanto à sua margem. A atual sociedade é
de pouca religião e de muita espiritualidade. As novas formas
de crer são fluidas, sem a preocupação de formular doutrinas,
ritos e mediações que lhe deem estabilidade. Isso gera crise
nas convicções, nos valores, nas posturas e nas doutrinas que
sustentam o ato de crer. E apresentam a exigência de revisão,
ressignificação e redimensionamento do ato de fé tradicional.

Trazendo os novos movimentos religiosos para esse debate – os quais vimos


no capítulo anterior – percebe-se que ainda há uma resistência muito grande
das religiões hegemônicas no que se refere às “novas religiões” – entre aspas,
pois sabemos que muitas delas já estão há mais de um século fazendo parte
da sociedade, no entanto, foram invisibilizadas pelas predominantes. Religiões
como a protestante, de uma forma geral, ganha maior destaque na produção do
espaço, pois ela veio com força questionando e quebrando paradigmas cristãos.
O protestantismo e suas vertentes pode ser considerado um dos maiores
movimentos religiosos que teve no Brasil nas duas últimas décadas. Isso quer
dizer que apesar de se constituir em uma crença “nova”, tem uma estrutura de
adequação em qualquer lugar do espaço, conseguindo, então, recrutar um
número considerável de adeptos.

O crescimento gradativo das religiões não hegemônicas pode ser uma forma
de permanência na pluralidade do espaço – a tendência é de que sejam marginais
e isso explicaria o recrutamento menos “em massa”, a exemplo das religiões afro-
brasileiras.

A expressividade dessas religiões de origem afro são limitadas aos terreiros/


casas/centros de cultos, pois o “diferente” é questionado por quem não a cultua.
No entanto, o espaço sagrado é considerado todo lugar que tenha natureza.
Ainda que um de seus preceitos estejam fundamentados em rituais que envolvam
elementos como água, fogo, ar, terra, mata, os ritos dificilmente aparecem fora
das quatro paredes. Há exceções como as festas e procissões nas praias e rios.

Uma das manifestações religiosas mais tradicionais, que junta religiões


diferentes, está ligada à divindade Nossa Senhora dos Navegantes ou Iemanjá.
90
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

A data de 2 de fevereiro é simbolicamente associada a esta imagem, tanto pela


igreja católica quanto para as religiões de origem afro. Católicos e afro-religiosos
se unem para celebrar o dia de uma das divindades mais conhecida no Brasil.
Ainda que haja o “sincretismo”, a forma de expressar a fé e devoção é totalmente
diferente. As representações advindas das religiosidades diversas fazem com que
o incomum passe a ser visto como algo notório, tendo como construção, o próprio
conhecimento da cultura popular. Nossa Senhora dos Navegantes/Iemanjá é uma
das figuras mais populares do Brasil, sendo inclusive uma das maiores tradições
religiosas nos quatro cantos do território brasileiro.

Considerando essas expressões, Schechner (2003, p. 27) destaca:

A performance cultural não é gratuita. São expressões


artísticas, rituais ou cotidianas marcadas pelo limite de
tempo e espaço, regras e programa organizado, atuação dos
atores e participação de uma plateia. Performances afirmam
identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam corpos,
contam histórias.

Schechner (2003) alerta a percepção para a existência de diferentes divisões


que se relacionam na composição da performance, afirmando que é preciso
examinar o fenômeno em si e suas inter-relações sociais e políticas. E essa
expressão cultural que une católicos e afro-religiosos é o resultado da própria
multiculturalidade, pois Souza (2007, p 31) ressalva:

Na diáspora forçada, fugindo à coisificação imposta pela


escravização, os africanos e afrodescendentes costuraram e
teceram identidades e, a partir da memória, reorganizaram suas
vidas desenhando novas configurações culturais advindas da
sua situação em terras estrangeiras. Enfaticamente, no campo
da música, da dança e de religiosidade, as tradições culturais
permaneceram como espaços privilegiados de memória e
de recriação, o que faz das performances um dos elementos
significativos na transmissão, circulação e reconfiguração da
memória dos afrodescendentes.

A maioria das relações religiosas que envolvem mais de uma cultura está
ligada com a história do povoamento do Brasil e perpassa por uma série de
adaptações não apenas culturais, mas também econômicas e políticas ao longo
dos anos. E essa ideia de que a maioria dos novos movimentos religiosos se
resultem no “sincretismo”, é mais uma forma de tentar homogeneizar a estrutura
religiosa.

Pode-se trazer também o exemplo do próprio catolicismo popular, que se


tornou uma matriz religiosa potente por diversos motivos, dentre eles, alguns
citados nas palavras de Wernet (1995, p. 41-42), que podem ser atribuídos até os
dias de hoje:

91
MATriZES RELiGioSAS

Elementos típicos desse catolicismo popular foram: linguagem e


estilo dos sermões acessíveis ao povo; uma profunda devoção
mariana; o cultivo e a promoção de formas tradicionais de
religiosidade como romarias e festas populares; a presença de
elementos externos emocionais e sentimentais de religiosidade;
cerimônias pomposas e edificantes, que tocavam o coração e
a alma e não apenas a razão; a valorização da experiência, da
simplicidade e da sabedoria em oposição a religião sofisticada
e intelectualizada dos filósofos e teólogos e o amor e a estima
do povo simples e camponês.

Essa forma de expressão do catolicismo permite que a tradição do mesmo


seja fixada e com enorme importância no espaço social religioso. Apesar de
Wernet (1995) trazer essas análises na década de 1990, e considerando todas
as manifestações de “novas” religiões, ainda é possível afirmar que o catolicismo
é presente em todas as unidades territoriais, sendo fortemente influenciado pela
própria cultura popular que é destaque brasileira.

Outra expressão importante a considerar são as manifestações religiosas do


espiritismo. Sobre isso, Ribeiro (2012, p. 24) enfatiza:

Muito embora a doutrina não tenha sofrido muita influência


externa, pode-se dizer com certeza que ela influenciou
várias das outras correntes religiosas no Brasil. Por tratar
do sobrenatural e explicar as manifestações dos espíritos,
essa religião se alinhou bastante com as crenças populares
brasileiras, servindo como ponto de apoio para várias
dissidências religiosas.

Interessante observar que as manifestações do espiritismo são


fundamentadas em explicar algumas questões que sempre estiveram no
imaginário popular, como forças sobrenaturais, espíritos, incluindo a própria
manifestação de pessoas que faleceram e que ainda deixariam recados de como
estão no novo plano, aos seus entes queridos.

De certa forma, pode-se dizer que as religiões em geral perpassam uma


experiência religiosa marcadamente utópica em seu aspecto religioso teológico
prático, pois estão sempre preocupadas com o que ainda está por vir, ou seja, ela
parece preparar as pessoas para o futuro.

Abrindo espaço para falar sobre experiências religiosas, é importante


considerar as expressões em espaços públicos. Existem muitos lugares religiosos
que são patrimônios culturais no Brasil. Isso é uma expressão que vai além
da questão imaterial e abstrata, tornando-se apoio material na construção da
sociabilidade religiosa. A maioria das igrejas católicas são patrimônios materiais
culturais de uma matriz religiosa predominante. Assim, como existem terreiros

92
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

de cultos afros que são patrimônios culturais de determinadas regiões onde a


religiosidade afro se destaca.

Pensando por esse lado, Camargo (2002) afirma que os testemunhos


contidos no monumento histórico enquanto patrimônio cultural estão repletos de
valor simbólico. E ele vai mais além quando fala que:

O valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é


decorrente da importância que lhes atribui a memória coletiva.
E é esta memória que nos impele a desvendar o seu significado
histórico-social, refazendo o passado em relação ao presente,
e a inventar o patrimônio dentro dos limites possíveis,
estabelecidos pelo conhecimento (CAMARGO, 2002, p. 30-
31).

Nesse sentido, a noção de materialidade verificada através dos monumentos


históricos religiosos, sobretudo em suas expressões edificadas, transformou-se
numa das formas do patrimônio arquitetônico. Além disso, esse tipo de patrimônio
está diretamente relacionado a conceitos de territorialidade e temporalidade, na
medida em que a sociedade define o que será eleito e legitimado dependendo do
tempo e lugar em que se situa (SOUZA, 2011).

Vamos ver a seguir, imagens de alguns patrimônios religiosos mais


expressivos no Brasil e suas datas de construção, respectivamente.

FIGURA 1 – IGREJA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO


– VILA VELHA (ES) – DATADA EM 1535

FONTE: <https://secult.es.gov.br/Media/secult/Importacao/
Noticias/1450371045-rosarioa.JPG>. Acesso em: 10 jun. 2021.

93
MATriZES RELiGioSAS

FIGURA 2 – IGREJA MATRIZ DOS SANTOS COSME E DAMIÃO


– IGARASSU (PE) – INÍCIO DA CONSTRUÇÃO EM 1535

FONTE: <https://www.roteirospe.com/wp-content/uploads/2017/05/
principal-4-1024x576.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

FIGURA 3 – IGREJA NOSSA SENHORA SANTANA, ILHÉUS (BA) – 1537

FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/legacy/2016/12/28/
igreja-nossa-senhora-santana-ilheus.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

94
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

FIGURA 4 – IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO, RIO DE JANEIRO (RJ) – 1590

FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/
legacy/2016/12/28/igreja-do-carmo-rj.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

FIGURA 5 – TERREIRO CASA BRANCA DO ENGENHO


VELHO - SALVADOR (BA) – DATADO DE 1830

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1636>. Acesso em: 10 jun. 2021.

95
MATriZES RELiGioSAS

FIGURA 6 – IGREJA EVANGÉLICA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO (RJ) – 1914

FONTE: <https://www.temploshistoricos.info/evangelica-
fluminense>. Acesso em: 10 jun. 2021.

FIGURA 7 – IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, GASPAR (SC) – 1986

FONTE: <https://turismo.gaspar.sc.gov.br/o-que-fazer/item/igreja-adventista-do-setimo-
dia-de-gaspar#:~:text=A%20Igreja%20Adventista%20do%20S%C3%A9timo,do%20
Gaspar%20Alto%2C%20em%20Gaspar>. Acesso em: 10 jun. 2021.

96
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

Essas são as principais e mais antigas igrejas e templos em funcionamento


até os dias de hoje registrados no Brasil. Existem muito mais, no entanto, as
imagens e locais são limitados e não se encontram com facilidade. Para isso,
lista-se algumas que não há fotos, mas que também são importantes patrimônios
religiosos com suas datas fundadoras:

• Terreiro do senhor Nicanor, Rio de Janeiro (RJ) – 1890.


• Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) – 1904.
• Congregação Cristã no Brasil (CCB) – 1910.
• Igreja Missão de Fé Apostólica - 1911, mais tarde (1918) conhecida como
Assembleia de Deus.

A ideia de expressão contemporânea das religiões também congrega locais


sagrados de peregrinação. Esses lugares, ainda, transcendem as quatro paredes,
como cidades que são consideradas espaços sagrados na sua totalidade. Pode-
se denominá-las como sendo cidades religiosas, pois sua expressividade vem
através do turismo religioso. Vejamos as principais brasileiras a seguir.

FIGURA 8 – CATEDRAL BASÍLICA NOSSA SENHORA APARECIDA

FONTE: <http://blog.ibrturismo.com.br/wp-content/uploads/2017/06/Santu%C3%A1rio-
Nacional-de-Nossa-Senhora-Aparecida-1024x678.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

97
MATriZES RELiGioSAS

A Catedral Basílica Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição


Aparecida, também conhecida como Santuário Nacional de Nossa Senhora
Aparecida, é um templo religioso católico localizado no município de Aparecida
(SP). É o maior templo católico do Brasil e o segundo maior do mundo. Essa
cidade turística religiosa recebe milhões de pessoas todos os anos, principalmente
na data de 12 de outubro. Além de tudo, Nossa Senhora Aparecida é a padroeira
do Brasil, o que faz com que todo município se torne um espaço amplamente
sagrado.

FIGURA 9 – MEMORIAL PADRE CÍCERO, JUAZEIRO DO NORTE (CE)

FONTE: <https://badalo.com.br/wp-content/uploads/2018/10/
IMG_6807.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

O município de Juazeiro do Norte (CE) é conhecido devido à figura de Padre


Cícero, e é considerado um dos três maiores centros de religiosidade popular do
Brasil, junto a Aparecida (SP) e Nova Trento (SC), esta última veremos a seguir.

O memorial de Padre Cícero contém toda a vida da figura popular, bem como
a história da cidade. Além dele, ainda há o Museu Vivo do Padre Cícero, que
conta com esculturas de cera; e Museu Padre Cícero, que foi a casa onde ele
residiu por vários anos antes de sua morte. Com isso, o município todo acaba
sendo considerado uma cidade religiosa.

98
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

FIGURA 10 – SANTUÁRIO DE SANTA PAULINA, NOVA TRENTO (SC)

FONTE: <https://santuariosantapaulina.org.br/wp-content/uploads/2019/01/
Santu%C3%A1rio-Santa-Paulina-.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

Após a canonização de Madre Paulina, primeira santa brasileira, o município


de Nova Trento (SC) ficou reconhecido como uma cidade religiosa. Apesar de
apresentar cerca de 15 mil habitantes (IBGE, 2019), o município do oeste do
estado de Santa Catarina tem se destacado como ponto turístico religioso desde
2006, quando foi inaugurado o santuário.

Os números de visitantes aumentam gradativamente fazendo com que outros


pontos da cidade se tornem parte do turismo religioso, como o Morro da Cruz, que
é uma trilha com vista panorâmica, tornando-se uma caminhada de peregrinação.
Também conta com o Santuário de Nossa Senhora do Bom Socorro, que é o
destino final da trilha e outros locais de visita ao longo do trajeto.

Apesar de não estar na lista oficial de templos/monumentos, a Basílica


de Nossa Senhora Medianeira (Figura 10), também tem sido destaque na
manifestação religiosa católica no Brasil.

99
MATriZES RELiGioSAS

FIGURA 11 – BASÍLICA DE NOSSA SENHORA MEDIANEIRA, SANTA MARIA (RS)

FONTE: <https://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-s/0f/20/1b/
ff/basilica-nossa-senhora.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021.

Localizado no município de Santa Maria (RS), o Santuário da Medianeira,


como é popularmente conhecido, recebe números incontáveis de fiéis devotos
à Nossa Senhora Medianeira a cada ano. É uma das maiores manifestações
religiosas no espaço do Rio Grande do Sul, e tem sido percebida, inclusive, fora do
país. No entanto, não é somente o espaço sagrado da basílica que é importante.
Todo o profano em volta se torna religioso, pois a Romaria que acontece todos os
anos no segundo domingo de novembro, conta com a procissão que tem início na
área central do município, e logo após, uma programação de missas e celebrações
religiosas (o qual a basílica não comporta todos, e há um revezamento de fiéis
que se aglomeram no lado de fora), ainda acontece a tradicional festa da romaria,
que traz inúmeros comércios relacionados à santa. Essa movimentação é muito
expressiva na região do interior do Rio Grande do Sul, pois o dia de Romaria é
planejado durante o ano todo pelos santa-marienses e quem vêm de municípios
limítrofes.

Outro exemplo de evento religioso que podemos destacar é o Congresso


Internacional de Missões dos Gideões Missionários da Última Hora, que acontece
em Balneário Camboriú (SC) – local sede –, que é considerado o maior congresso
missionário protestante pentecostal do Brasil. Este congresso tem por objetivo
principal, a divulgação do evangelho de Cristo em território brasileiro e no mundo.
Uma das características desse evento é a duração de cerca de 10 dias, onde
as pessoas se envolvem em inúmeros cultos diários, com a presença de cantos,
palestras e atividades religiosas no intuito de levar a Obra de Deus para milhares
de pessoas.

100
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

É importante considerar essas expressões religiosas, mas também não


podemos esquecer que a maioria delas é ligada às religiões predominantes.
Manifestações protestantes, afro-religiosas, espíritas, dentre outras, são limitadas
e acontecem em espaços muito menores (praças, áreas de lazer, bairros locais) e
não têm um número muito grande de pessoas. No entanto, elas são maiores em
número de vezes em que acontecem. Por exemplo, um culto protestante pode
acontecer em uma área de lazer de um bairro, pelo menos umas quatro vezes
durante um mês. Ele pode não ser expressivo ao conhecimento nacional, mas é
expressivo para as pessoas que residem onde ele acontece.

Essas pequenas e, às vezes, não notáveis manifestações são as que mais


ganham força no sentido local, e acabam se ramificando em escala pequena
até que uma rede de aparições se cria e interliga espaços religiosos uns com os
outros.

Outro exemplo que podemos utilizar nesse entendimento são as


comemorações da Nossa Senhora dos Navegantes, a qual já vimos anteriormente,
mas que ganha expressividade por acontecer em quase todas as regiões
litorâneas do país, e apesar de não ser de uma exclusiva de uma matriz religiosa,
cria essa manifestação em rede que liga diferentes crenças.

Dessa forma, além da pluralidade e diversidade, a constante Dessa forma, além


fragmentação religiosa é resultado da dinâmica socioespacial da pluralidade
contemporânea. Considera-se que, a partir do século XX, o campo e diversidade,
religioso tem sofrido transformações e reordenam-se diferentes formas a constante
de expressão religiosa, sejam elas institucionais ou não, tradicionais/ fragmentação
religiosa é resultado
hegemônicas e novas, permanentes ou temporárias, fundamentalistas
da dinâmica
ou performáticas. Esse contexto em que vivemos – da multiculturalidade socioespacial
– não apresenta um limite de diversidade, e o fenômeno religioso contemporânea.
acompanha na mesma proporção.

Moreira e Oliveira (2008) defendem que a globalização trouxe transformações


duradouras para o campo religioso. Resumindo as considerações acerca das
transformações feitas pelos autores, tem-se:

• Religião e ordem global se interpenetram: as religiões tanto sofrem os


efeitos como têm sido fatores importantes do fenômeno da globalização.
Elas influem e são influenciadas por outras culturas distintas.
• Aproximação de fronteiras entre sistemas simbólicos: a visualização do
outro, do exótico e do diferente não está mais distante, podendo haver
convivência, como um espaço aberto a todos.
• Hibridismo nas práticas religiosas: uma mescla ou combinação eventual
de universos simbólicos distintos.

101
MATriZES RELiGioSAS

• Pluralidade religiosa: as ofertas simbólicas são as mais diversificadas.


• Desenvolvimento de identidades particulares e subalternas: os
regionalismos, nacionalismos e fundamentalismos são um meio de
preservação da identidade diante de uma acirrada competição, da
dominação e da dependência cultural da hegemonia.
• As religiões, de modo geral, se tornaram um elemento flutuante: tradições
religiosas foram liberadas de seus contextos de origem.
• Religião da escolha de cada pessoa: perda da autoridade vinculante das
instituições religiosas e a maior autonomia das pessoas na procura de
seus próprios seguimentos religiosos.
• Deslocamento do campo religioso: outras instituições assumem funções
das igrejas no campo cultural, principalmente a mídia e a política.
• Disputa pela interpretação ou afirmação: as lutas pela legitimação entre
os diversos seguimentos religiosos devem expandir.
• Conflito de apropriação das próprias religiões: devido ao grande número
de informações, pela era informacional que estamos passando, a maioria
não consegue chegar a um acordo sobre o que pode e não pode ser
absorvido.

A emergência da sociedade, em geral, abriu a possibilidade


A emergência
para diversas alternativas e pertencimentos religiosos. As velhas
da sociedade,
em geral, abriu a tradições dão lugar a uma cultura religiosa menos intolerante, e a
possibilidade para autoridade sobre sentidos e códigos simbólicos está cada vez mais
diversas alternativas difícil. Neste sentido, “o esforço das instituições para assegurar uma
e pertencimentos identidade uniforme parece ir a contrapelo de uma tendência sincrética
religiosos. predominante que busca o intercâmbio entre símbolos pertencentes
a diversos sistemas religiosos” (STEIL, 2008, p. 8). O fenômeno da
globalização, ao mesmo tempo que aproximou sistemas religiosos, produziu
também a comercialização do campo religioso e as tentativas de resistência com o
renascimento do fundamentalismo. A constante luta por mais adeptos e as novas
demandas institucionais fizeram com que muitas religiões aderissem à dialética
da concorrência de mercado. As incertezas geradas pelo que é novo, por outro
lado, reforçaram normativas e atitudes de intolerância em relação à diversidade.

Existem diversas formas de expressões religiosas no espaço e


uma delas é dentro da escola. Nesse sentido, sugere-se a leitura de
um texto interessante sobre a temática:
ROCHA, M. Z. B. Expressões religiosas em escolas públicas:
representações sociais ou ideologia?. Revista Acta Scientiarum
Education, Maringá, Paraná, v. 38, n. 3, p. 231-246, 2016.

102
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

1) Neste momento não apenas de reflexão sobre as expressões


religiosas atuais, seria importante você conhecer outras
além destas que partilhamos no texto. Para isso, descreva
uma manifestação religiosa que você conhece ou que tenha
pesquisado e analise os seguintes aspectos a seguir:

a) Características da manifestação (qual religião pertence, local,


escala).
b) Se possível, anexe uma foto do fenômeno.
c) Função social que ele exerce na sociedade.

3 TECNOLOGIA E RELIGIÃO: BREVE


CONTEXTUALIZAÇÃO
Partindo do pressuposto de que a religião sempre foi vista como algo
tradicional, rústico e inalterado, fadado às inúmeras páginas de seus livros
sagrados, história oral e cultura passada de geração em geração etc., é quase
impossível pensar no binômio religião-tecnologia. No entanto, essa característica
clássica está mudando no campo religioso, pois a sociedade está cada vez
mais conectada com as mídias sociais, forçando com que as religiões estejam
acompanhando essa evolução do cotidiano.

Diante do meio técnico-científico-informacional sugerido por Santos (2008),


no qual estamos inseridos, a produção de conceitos e interpretações acerca da
temática proposta é incontável. No entanto, as perspectivas do emprego dessa
temática é o que nos faz realizar um mapeamento do que podemos utilizar no
entendimento das múltiplas relações religiosas no espaço.

As discussões que alavancam o destaque para o diálogo inter-religioso não


está apenas em livros, mas toma conta de um espaço midiático, que propõe o
mesmo a acontecer via ciberespaço. Ou seja, a ação pode ser realizada diante
de diferentes contextos e localidades, pois não precisa ser exatamente em um
espaço físico.

Uma das possibilidades das manifestações religiosas está, então, no que se


pode chamar de tecnologia espiritual, ou ainda, igreja on-line (SPADARO, 2013).
Para introduzir melhor essa visão, Sbardelloto destaca (2011, p. 47):

103
MATriZES RELiGioSAS

Vemos hoje um deslocamento das práticas de fé ao ambiente


online, a partir de lógicas midiáticas, complexificando o
fenômeno religioso e as processualidades comunicacionais. A
religião, especialmente a católica, em sua necessidade de dar
a conhecer as suas verdades sobre o mundo, se apropria dos
dispositivos comunicacionais digitais ao seu alcance, através
de suas várias possibilidades, para transmitir sua mensagem
de fé. Dessa forma, as pessoas passam a encontrar uma oferta
da fé não apenas nas igrejas de pedra, nos padres de carne
e osso e nos rituais palpáveis, mas também na religiosidade
disponível em bits e pixels. Formam-se novas modalidades de
percepção e de expressão do sagrado em novos ambientes de
culto. Manifesta-se, assim, uma nova forma de hierofania, uma
nova forma de revelação e manifestação do sagrado, agora
midiatizada: midiohierofanias que lançam a religião para novos
patamares de existência.

Existem muitas manifestações religiosas em programas de televisão,


principalmente em canais abertos. A ideia é levar as experiências religiosas para
o mais afastado lugar, recrutando fiéis não apenas locais, mas também de outros
lugares fora do original. Sobre isso, Sbardelloto (2011, p. 5) sugere:

[...] até mesmo a religião constrói e gera sentido ao fiel também


por meio de processos sociais que ocorrem dentro do fenômeno
da midiatização. A religião também passa a existir nessa nova
cultura, tentando, aos poucos, remodelar suas estruturas
para as novas processualidades midiáticas, reconstruindo
e ressignificando práticas religiosas tradicionais de acordo
com os protocoles da internet. Ou seja, em uma sociedade
em midiatização, o religioso já não pode ser explicado nem
entendido sem se levar em conta o papel da mídia.

De modo geral, a mídia – canais de televisão, programas de rádio e internet


– tem dedicado parte de sua grade de horários a programas e discussões
relacionados com a religião. Como já se sabe, a religião continuamente foi uma
das temáticas privilegiadas nas ciências sociais e humanas, notando-se um
interesse em compreender a religião como um fenômeno social no âmbito dos
estudos a respeito da sociedade.

Os principais pensadores das ciências sociais, Marx, Weber e Durkheim,


dedicaram muito tempo de estudos ao tema, incluindo aí algumas de suas
obras clássicas, as quais foram apresentadas nesse texto. Os diversos
caminhos trilhados por esses estudos, no entanto, parecem trazer como objeto
a preocupação em estudar a religião como uma prática social, ou um espaço
de relações sociais, ou até mesmo campo específico de saberes populares, de
maneira que suas relações com outros aspectos da sociedade são levadas em
consideração no sentido de se pensar a relação com outras dinâmicas sociais
objetivadas no sentido de intersecções com a política, a economia, identidades
ou vínculos com a sociabilidade. Obviamente, nenhum desses autores trouxe

104
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

a religião nas mídias (espaço-tempo é a justifica), e essa temática é considera


emergente na atualidade. Para Martino (2014, p. 84):

A desvinculação da “sociologia da religião” dos estudos de


caráter religioso parece ter sido fundamental para a emergência
de uma área de “mídia e religião” na medida em que a inclusão
de outras instâncias, no caso a comunicação, passa a ser
possível e desejável na constituição de formas específicas de
ação religiosa.

Cabe ressaltar que, no geral, as religiões cristãs têm se transformado em


função da mídia, pois a sua abrangência de “telespectadores” é muito maior do
que dentro de um espaço físico. Como os canais de comunicação fazem a notícia
chegar em qualquer lugar em segundos, aliar-se à tecnologia nos dias de hoje é
praticamente uma obrigação. Para Martins e Rivero (2019, p. 13):

O entendimento é de que a internet também é um espaço


de comunhão que chama a comunidade religiosa a ser mais
unida e ligada. As redes sociais, auxiliadas pela fluidez
e espaços interativos, atuam como agentes da circulação
dos discursos; para a religião, tornam-se protagonistas no
processo de interação e circulação do campo religioso. As
redes sociais, enquanto um sistema digital interconectado, são
micro-manifestações desse campo religioso. As igrejas cristãs
se adaptaram às mídias, começando pelas eletrônicas, como
rádio e televisão, e depois migraram para as digitais, com a
internet e suas redes sociais, sobretudo Facebook e YouTube,
como estratégia de evangelização, pois é possível alcançar um
número maior de pessoas.

A aproximação da religião com novas tecnologias está ampliando a forma


com que as pessoas acessam, ensinam ou compartilham seu modo de vida
religioso. Hoje, por exemplo, é possível carregar a bíblia em um aparelho
smartphone, ter acesso a inúmeros aplicativos de estudos religiosos e diferentes
recursos para auxiliar no entendimento do mesmo. A íntima ligação entre religião
e tecnologia (principalmente, a internet) atinge diretamente a forma como as
pessoas aprendem e disseminam a sua religião, compartilhando conhecimentos,
experiências com pessoas de qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, a
tecnologia ajuda a aprimorar qualquer forma de transmissão de mensagens,
conteúdo ou informações para outras pessoas, e facilita especialmente a
comunicação de longa distância e em massa.

Tendo a capacidade de conectar e construir relações de sociabilidade,


a tecnologia é uma ferramenta importante para o crescimento de qualquer
seguimento religioso. Ainda que muitos líderes de religiões hegemônicas sejam
resistentes a essa nova era digital, é notável que a maioria das congregações
religiosas que recorrem à tecnologia estão tendo maior visibilidade, resultando na
maior disseminação de seus preceitos para a sociedade no geral.
105
MATriZES RELiGioSAS

Ela não é apenas uma forma de alcance por mais adeptos, mas também
auxilia na interação com seus fiéis, estimulando a participação, aprendizado e
compartilhamento de múltiplas experiências. Em tempos de pandemia, onde o
distanciamento social se faz presente e possivelmente continuará fazendo parte
do cotidiano, a tecnologia ajuda na aproximação de pessoas, principalmente
quando envolve a fé, independentemente de sua crença religiosa.

A rede que se forma através da comunicação em massa é poderosa e eficaz


na própria construção do espaço virtual – pois o mesmo tende a ser dinâmico e
multirrelacional, podendo abranger intersecções culturais, políticas e até mesmo
econômicas.

Exemplificando essa prática, podemos ter como referência a religião católica.


Uma igreja que marca presença no mundo digital, tem envolvimento em tempo
real com a vida das pessoas, e ao invés de esperar que elas venham ao seu
encontro, as leva simultaneamente para “dentro” de seus espaços religiosos.
As pessoas tendo acesso às informações sobre atividades, eventos e recursos
disponíveis, ajuda a elevar o perfil de adeptos, bem como mostra a expressividade
e representatividade da igreja em maiores escalas.

As mídias sociais, principalmente, são ótimos canais para as igrejas


compartilharem sua cultura, suas histórias e momentos de manifestação de fé,
o que resulta em interação, engajamento e desperta interesse em diferentes
gerações, que é o caso dos jovens, pois eles têm maior cotidiano virtual se
comparado a todas as faixas etárias.

Com isso, podemos dizer que a mobilidade das religiões no ciberespaço é


uma forma inteligente de manifestação e expressão contemporânea. O processo
de inserção ainda é tímido, porém bastante eficaz quando bem organizado pelas
entidades, e isso permite uma prática não apenas social, mas também funcional
das mesmas.

Observa-se em termos panorâmicos, que a tendência em adotar a tecnologia


como objeto principal de comunicação entre religião e sociedade é uma realidade
emergente e imposta pela atual configuração socioespacial, tendo como base
o uso de ferramentas tecnológicas que podem se ajustar à vida cotidiana do
adepto. Um exemplo disso são os cultos on-line, onde um líder religioso pode
realizar várias vezes ao dia, para contemplar as pessoas que não podem em
determinados horários. Talvez isso não seria possível se o culto fosse presencial.
Há uma flexibilidade que permite esses planejamentos e com isso a adaptação
seja algo permanente para cada pessoa.

106
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

Para refletir:
Considerando o momento atual que estamos vivendo, é
possível que a identidade religiosa das matrizes originais possa ser
preservada mesmo que elas se aliem à era digital?
De certa forma, isso é uma visão muito particular de cada um,
pois as experiências nunca são iguais e possivelmente as respostas
para esse questionamento serão extremamente singulares.
Lembrando que, ao mesmo tempo em que a tecnologia avança,
muitas coisas vão se perdendo com o tempo. Isso vale para a cultura
e também seus códigos culturais.

4 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Quando iniciamos esta obra, falamos sobre as principais matrizes religiosas
no Brasil, detalhamos com dados os adeptos e comparamos umas com as outras,
destacamos o conceito de religião em diferentes perspectivas em referências
contemporâneas, incluímos no debate, questões sobre a pluralidade cultural e
religiosa presente no território brasileiro. Tudo isso forma uma boa base teórica e
também metodológica para a discussão fundamental que tem se destacado nos
dias de hoje: o diálogo inter-religioso.

Pensamos em possibilidades e desafios por conta dos inúmeros


questionamentos acerca da temática, o que pressupõe que nesta seção,
busquemos mais um compreendimento sobre como isso é apresentado em forma
de objeto de estudo, bem como a posicionalidade das pessoas no que tange à
diversidade.

Partindo então do pressuposto de que a sociedade é o resultado da uma


herança genética e cultura histórica (BORGES, 2010), podemos acrescentar que
também é resultado de vivências e relações sociais.

Para Borges (2010, p. 40):

A religião enquadra-se na experiência radical de dependência,


implicando, portanto, na sua compreensão estrita, um núcleo
com dois polos: um polo objetivo, constituído pela presença

107
MATriZES RELiGioSAS

de uma realidade superior de que se depende, e um polo


subjetivo, que consiste na atitude de reconhecimento dessa
realidade por parte do homem.

Apesar de o conceito de religião apresentar limitações em virtude da sua


complexidade e multiplicidade de formas e conteúdos historicamente construídos
nos diversos grupos sociais espalhados pelo mundo, com essa definição de
Borges (2010), abre-se então, uma discussão pertinente e fundamental na
atualidade: a convivência com o que é diferente. Grosso modo, é a partir disso
que surgem os diálogos inter-religiosos. Teixeira (2002, p. 156) comenta:

O grande, difícil e arriscado desafio do diálogo inter-religioso


consiste em apontar e demonstrar a possibilidade de um
horizonte de conversação alternativa; de indicar que a violência
religiosa não faz parte da essência da religião, mas constitui
um desvio ou traição do dinamismo mais profundo que anima a
relação do ser humano com o Absoluto.

O principal desafio está relacionado com a história das religiões, em que


elas se detêm nos conflitos como a hostilidade, o fanatismo, agressões e ódio. As
perseguições religiosas foram e ainda são significativas no Brasil, e em diversos
casos, as atitudes de extremismo e exclusão apoiaram-se em sentimentos
enraizados de superioridade, arrogância identitária e pretensão exclusiva de
verdade, que impossibilitam qualquer exercício de fraternidade mútua. Em
função disso, Teixeira (2002, p. 156) extrai que “em razão e sua inserção
histórica, as religiões podem, contrariando a sua motivação original, exercer uma
“instrumentalização do sagrado” em favor da afirmação de seu poder particular
com respeito aos outros”.

Considerando o contexto, significado e gênese do diálogo inter-religioso,


acrescenta Teixeira (2017, p. 2):

Na década de 80 pode-se registrar um evento que foi


paradigmático para o diálogo inter-religioso. Trata-se da
Jornada Mundial de Oração pela Paz, realizada na cidade de
Assis (Itália), em 1986, sob a iniciativa do papa João Paulo II.
Reuniram-se em Assis inúmeros cristãos das tradições católico-
romana, ortodoxa e protestante, budistas, judeus, muçulmanos
e representantes das religiões tradicionais da África e América.
Este evento significou uma novidade no campo da experiência
inter-religiosa, uma iniciativa histórica de grande alcance,
e que até hoje setores do vaticano não conseguem digerir
com facilidade. A unidade das religiões estava agora sendo
construída e firmada em torno da oração em favor da paz.

A Jornada Mundial de Oração pela Paz passa a ser um marco tanto temporal
quanto material do diálogo inter-religioso. A partir deste evento, uma série de

108
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

outros encontros inter-religiosos vêm ocorrendo em todo o mundo, com o intuito


de sinalizar a força das práticas comuns e das experiências espirituais partilhadas.
Fica mais evidente do que nunca, que as pessoas passam de uma consciência
cósmica, imersa no cosmos, a uma consciência reflexiva, de uma consciência
submersa no grupo e no coletivo a uma consciência de identidade individual
(BORGES, 2010).

As variantes que definem o diálogo inter-religioso são constituídas a partir


das relações sociais diante do espaço-tempo em que a sociedade está inserida.
No entanto, ela continua tendo um propósito: respeito recíproco entre todas as
religiões. Isso é visto como um desafio e ao mesmo tempo uma possibilidade que
resultaria na anulação “total” dos conflitos que se estendem até os dias de hoje.

Entendendo que a questão do inter-religioso é um desafio porque o diferente


sempre traz incertezas e receios, também faz com que as tradições hegemônicas
religiosas sejam questionadas desestabilizando as verdades, dogmas, normativas
estabelecidas, ocasionando a tendência de sempre afirmar sua identidade em um
processo contínuo de construção. Nesse sentido, retoma-se as palavras de Wolff
(2015, p. 85), que nos explica:

Vivemos em uma sociedade eminentemente plural em todas


as suas expressões socioculturais e religiosas. Por um lado,
essa pluralidade é expressão da riqueza do espírito humano e
de seus múltiplos valores. Possibilita ampliação dos horizontes
da existência individual e coletiva, progressos que qualificam o
ato de viver, superação de carências e de males que afligem
a humanidade. Por outro lado, a realidade plural apresenta
também desafios para a manutenção do sentido de totalidade
do real, do conjunto da vida humana e social. Tal desafio faz-se
sentir, sobretudo, onde imperam tendências de subjetivismo,
individualismo e pragmatismo na condução da existência, o
que implica fragmentação na compreensão da realidade, das
relações e das experiências.

Considerando toda história da sociedade, em nenhum momento


histórico anterior, as religiões se viram tão vizinhas umas às outras, devendo
reciprocamente se reconhecerem e se respeitarem. Consequentemente, a cada
seguimento religioso é imposta a inevitável tarefa de integrar em sua respectiva
autocompreensão às demais manifestações religiosas. Diante disso, Wolff (2015,
p. 90-91) destaca:

O encontro entre as religiões é o encontro entre seus


significados espirituais para a vida das pessoas. As religiões
precisam encontrar-se naquilo que realmente conta para os
crentes. Nisso está o desafio para as religiões promoverem,
juntas, o espírito humano e alargarem seu universo simbólico.
Isso se dá pela observação dos valores, direitos e obrigações

109
MATriZES RELiGioSAS

que sustentam sua dignidade, como a justiça, a solidariedade,


a amizade, a paz. É preciso fazer da afirmação religiosa uma
afirmação apaixonada do ser humano.

Entendendo que ainda há uma certa alusão de que as religiões hegemônicas


dominam o espaço religioso, os padrões normativos que regem a estrutura da
sociedade são voltados a elas. As afirmações religiosas das heterogêneas são
compostas por construções de espacialidades múltiplas que definem os seus
limites enquanto dogmas. O diálogo inter-religioso pode quebrar essas barreiras
que impedem as religiões subalternas de produzirem não apenas espaços
religiosos, mas também um espaço de sociabilidade entre grupos diversos.

Miranda (1997, p. 34) comenta que:

Limitando-nos ao cristianismo, observamos que a questão


posta pelas outras religiões eclodiu diversamente, ao longo
dos séculos, na consciência cristã. De um juízo duro e negativo
com relação às religiões «pagãs» passou-se a uma maior
preocupação com o indivíduo pertencente a outra tradição
religiosa, sobretudo no que dizia respeito à sua salvação
(grifos do autor).

Apesar da citação acima ser da década anterior, ela ainda se torna pertinente
para o entendimento multifacetário do diálogo e as religiões. Ele não fala,
especificamente, em fragmentação, porém o fenômeno religioso nos dias de
hoje tem sofrido constantes influências de um hibridismo cultural acentuado. A
preocupação da “salvação do outro” é o começo de uma interação em religiões e
o que determina maior diálogo é a questão de “ver o diferente”.

Para que haja um início de sociabilidade entre seguimentos religiosos, Sousa


(2020, p. 243) destaca:

[...] é necessária uma apresentação primeiro da espiritualidade


e só depois da religião, uma religião que seja capaz realmente
de “religar” o imanente com o transcendente e que valorize o
clima de liberdade, de diversidade religiosa e de abertura ao
pluralismo cultural, ao diálogo inter-religioso, portanto, uma
prática religiosa que não esteja presa ao peso da instituição, da
estrutura e da hierarquia, muito embora não deva ser à revelia
dessas.

Valorizar a liberdade, a diversidade religiosa, a pluralidade cultural, são


variáveis fundamentais para que o diálogo inter-religioso passe a ser uma
consequência social. Dessa forma, a função social da religião se reitera como
sendo uma prática social que transcende o imaginário subjetivo. Devemos
considerar também, que vivemos em uma sociedade impregnada nas ações
de consumo e globalizada, o que especifica que a mesma se torne alienada na

110
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

própria construção do seu cotidiano. Nesse sentido, é importante deixar claro que
o intuito do diálogo inter-religioso, em termos teológicos, segundo Miranda (1997,
p. 34), consiste:

[...] em determinar o fundamento mesmo de sua existência,


que não pode ser apenas de ordem extrínseca ou funcional,
enquanto favorece a paz no mundo. Devemos, portanto buscar
o solo comum a todas as religiões, que seja de caráter intrínseco
e substantivo, e que demonstre ser o diálogo, ou o respeito e
acolhimento do outro, não apenas uma postura política ou de
boa educação, mas a atitude correta e necessária. Além disso,
a colaboração das religiões pela paz, pela justiça ou pela vida,
porá, mais cedo ou mais tarde, a questão sobre Deus e sua
ação no ser humano (grifos do autor).

Já comentamos que o ser religioso é constituído de suas experiências e


vivências cotidianas, e isso pode ser a base comum do diálogo inter-religioso,
pois parte da própria estrutura do ser humano, ou seja, como de um ser aberto
para uma realidade que o transcende. Pode-se dizer que estas estruturas se
farão atuante e presentes no ser humano diversamente, conforme os diferentes
contextos sócio-culturais-religiosos, em que estão integrados. Wolff (2015, p. 92)
discute:

Tanto o conteúdo quanto a linguagem da religião são objetos do


diálogo entre as diferentes tradições religiosas e, não raro, são
motivos de tensões e conflitos. Mas podem ser também vias de
encontro entre as religiões à medida que possibilitam sintonias
das espiritualidades que sustentam cada expressão religiosa.
A espiritualidade aponta para uma superabundância de sentido
que provoca as religiões para uma atitude de acolhida mútua
no horizonte do Mistério que se revela para além de cada uma
delas. Na dimensão espiritual as religiões se encontram. Daí a
necessidade de as religiões colocarem seus conteúdos, seus
símbolos e suas linguagens religiosas à disposição umas das
outras, num intercâmbio espiritual crítico que lhes possibilite
crescerem, juntas, na compreensão da Verdade sobre o Deus
que as ampara e fundamenta.

Nesta perspectiva de diálogo, não se trata de afirmar que uma experiência


espiritual ou uma religião que a possibilita é “mais” verdadeira que as outras, mas
sim considerar que em um mundo multirreligioso e multicultural, assim como os
princípios e dogmas religiosos não são únicos, também a interação sociedade-
religião se dá de modo diferente em cada contexto espacial.

Diante disso, um dos desafios está em construir uma cultura comum que
reúna não só a riqueza dos diversos valores sociais, mas também as múltiplas
inspirações religiosas desses valores, não numa mesclagem indistinta, mas numa
unidade estruturada e diferenciada que respeite a identidade de cada elemento
(AMALADOSS, 1996).
111
MATriZES RELiGioSAS

A ideia é de que o diálogo inter-religioso ocorra entre fiéis que estão


enraizados e que tenham assumido o compromisso com sua própria fé,
porém igualmente disponíveis ao aprendizado com a diferença. Em nível mais
existencialista, compartilhar o diálogo é disponibilizar-se a entrar em uma
conversação de diferentes temas (no caso, diferenças religiosas), o que significa
viver uma experiência de fronteira ou experiência transcendente. Amaladoss
(1996, p. 15) considera que o diálogo inter-religioso se trata de desenvolver uma:

[...] cultura pluralista que seria, ao mesmo tempo, uma e


muitas, uma variedade na unidade, tendo as várias religiões
o direito à auto-expressão, respeitando-se umas às outras e
lutando juntos pelo estabelecimento de uma dimensão comum
para sua cultura comum. Somente o diálogo religioso sincero
e autêntico, que já foi além da mera tolerância e coexistência
pacífica, pode fazer isso.

É um dos objetivos do diálogo inter-religioso, então, traduzir a riqueza de


um novo aprendizado ou ainda, traduzir os elementos culturais de um novo
aprendizado, conduzindo que a relação com a diferença e a alteridade significa que
pode haver a apropriação de outras possibilidades e a abertura de transformação
entre as religiões.

Em resumo, o diálogo inter-religioso envolve uma reunião entre participantes


de diferentes tradições religiosas e acontece em diversos níveis ou formas.
Independentemente da maneira em que se consolida, a prática do diálogo traduz
um espírito de abertura, hospitalidade e cuidado, ou seja, o diálogo refere-se a um
caráter particular de ação. O esquema a seguir pode ser a base de como funciona
a dinâmica do diálogo inter-religioso:

FIGURA 12 – DINÂMICA BASE DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

FONTE: A autora
112
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

A função do intérprete é fundamental para que o diálogo inter-religioso garanta


o alcance dos objetivos propostos. Neste sentido, enfatizar sua competência é
uma forma de garantir que todas as características e traduções sobre a religião
em que se propõem seja condizente ao que é real. Mas ele também tem a tarefa
de achar o melhor entendimento de determinadas “falas” para todos os presentes.
É dele a responsabilidade de todos os integrantes da conversação entenderem o
processo pelo qual estão ali reunidos.

A partir daqui, há importantes consequências para o diálogo inter-religioso.


Este diálogo congrega um espaço em um grupo de pessoas, suas crenças
distintas, já estão ligadas entre si. Apesar da diferença das suas pertenças
e costumes religiosos, essas pessoas já se encontram em sociabilidade umas
com as outras, embora se mantenha entre elas uma distinção de nível religioso,
independente de hierarquias.

Dupuis (2002, p. 69) destaca:

No presente contexto do pluralismo religioso, o diálogo inter-


religioso tornou-se de primordial importância para a vida do
mundo. Para que este diálogo possa ser frutuoso é necessário
que os cristãos tenham uma avaliação positiva das outras
tradições religiosas. Impõe-se acrescentar que, na actual
situação do mundo, o diálogo se torna ainda mais imperativo.
Os recentes acontecimentos que sacudiram o mundo, e que
continuam a perturbá-lo tão profundamente, são disso prova
chocante. O mundo parece incapaz de manter a paz entre
os povos: por outro lado, as religiões, que deveriam ser um
elemento conducente à paz universal, foram as mais das
vezes utilizadas ao longo da história para promover conflitos e
guerras entre os povos.

Dupuis, em 2002, parecia prever que quase duas décadas após seu artigo
publicado, o diálogo inter-religioso ainda seria uma das principais contribuições
em nível mundial para a harmonia religiosa. Neste sentido, é imprescindível dizer
que para garantir a paz no mundo, é necessário um diálogo inter-religioso aberto,
teologicamente fundado em uma avaliação positiva das tradições religiosas. Não
se pode negar que através dos séculos o cristianismo manteve, repetidamente,
uma avaliação negativa das outras religiões, levando a atitudes igualmente
negativas a respeito dos seus fiéis. O autor vai mais além quando fala que:

O mundo pluri-étnico, pluricultural e pluri-religioso do nosso


tempo, requer, de todas as partes, um «salto de qualidade»
proporcional à situação, se desejamos fruir de relações mútuas
positivas e abertas, caracterizadas pelo diálogo e colaboração
entre os povos, as culturas e as religiões do mundo. Nada
menos que uma verdadeira conversão das pessoas e grupos
religiosos será suficiente para levar à paz entre as religiões,
sem a qual - como foi recordado atrás - não pode haver paz
entre os povos (DUPUIS, 2002, p. 71, grifos do autor).
113
MATriZES RELiGioSAS

A principal exigência do diálogo inter-religioso, é o acolhimento sem restrições


dos outros na sua diferença, ou seja, sem ser baseado na sua identidade. O
desafio, mas também o ponto alto dessa ação, consiste nesse acolhimento dos
outros nas suas diferenças. A experiência do outro é levada em consideração sem
ser vista como algo errado, mas sim uma forma diferente de manifestar sua fé.

Diante de tudo, ainda ressaltamos que a própria tradição de diversas


religiões traz em seu núcleo a separação das demais religiões, não somente no
cristianismo, mas em várias outras religiões. Por mais que o diálogo inter-religioso
seja fundamental e vem aumentando gradativamente no mundo, não é preciso
que as comunidades religiosas abdiquem de suas características, as quais as
fazem específicas e distintas perante as outras. Não é necessário um sincretismo
absoluto das religiões para haver o diálogo, pois o que se busca, na realidade, é
a harmonia religiosa e diminuição da intolerância e preconceito com as culturas
diferentes.

Partindo da premissa da função do diálogo inter-religioso,


devemos nos questionar se é possível, e até que ponto, partilhar
fés religiosas diferentes, fazendo da sua vivência cada uma delas
e vivendo-as em simultâneo na sua própria vida religiosa. Isso seria
possível? Vale a reflexão.

BORGES, Anselmo. Religião e diálogo inter-religioso.


Coimbra – Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.

114
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

Prolongando um pouco mais este tópico, podemos acrescentar algumas


considerações acerca do preconceito e da intolerância religiosa que são
características presentes no Brasil. Isso é resultado da pluralidade cultural, no
entanto, mesmo com a ideia de culturas diferentes, estas duas ações continuam e
continuarão sendo uma das maiores causas de discussão, não apenas na mídia,
mas dentro da própria academia.

Para que fique claro, é interessante diferenciar preconceito de intolerância.


Em resumo, preconceito é caracterizado como qualquer opinião ou sentimento
concebido sem uma análise crítica. Já a intolerância pode ser definida ou entendida
como sendo a recusa de determinado pensamento, ação ou da convivência com
determinados grupos sociais, incluindo os religiosos e culturais.

Nesse sentido, trazendo para nossa realidade de estudos, reafirmamos que


religião é uma prática social, e evidenciamos ainda mais com as palavras de
Oliveira (1995, p. 117):

Desde as antigas civilizações, percebe-se o culto ao


sobrenatural como algo muito importante, mostrando que
o espírito de religiosidade acompanha o homem desde os
primórdios. Cada povo tem sua cultura própria, tem o culto
ao sobrenatural como motivo de estabilidade social e de
obediência às normas sociais. As religiões, as liturgias variam,
mas o aspecto religioso é bem evidente. O homem procura algo
sobrenatural que lhe transmita paz de espírito e segurança; A
religião sempre desempenha função social indispensável.

Se a religião é indispensável na construção do ser social, ela é uma prática


que constrói a sociedade em diferentes escalas. O maior discurso das religiões, no
geral, considera a sociedade livre e voluntária, e nenhuma pessoa nasce dentro
de alguma religiosidade, ela torna-se religiosa da religião que mais se identifica,
ou seja, nenhuma pessoa está subordinada por natureza a nenhuma crença.
Sendo assim, práticas sociais tendem a ter rizomas nem sempre favoráveis
na construção social, e um dos elementos resultantes dessa rizomática cadeia
social está o preconceito e intolerância religiosa. Tendemos a olhar com certa
“discriminação” o diferente, e por isso que essas duas práticas são resultantes de
uma construção social, igual ao machismo, homofobia, xenofobia etc.

Considerando a intolerância religiosa, podemos pensar que cada religião,


quanto mais fragmentada, menor a chance de ela sofrer por conta de algum
tipo de preconceito, pois essa fragmentação as enfraquece, deixando aberto um
diálogo entre o que foi fragmentado.

Combater a intolerância religiosa nos dias atuais tem sido uma tarefa
constante e persistente. Apesar de haver medidas intervencionistas para essas

115
MATriZES RELiGioSAS

práticas – como na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art. 18,
que contempla a liberdade religiosa e o direito da transmissão da fé – ainda é
muito incipiente e necessita de uma visão maior por parte da sociedade. O Código
Penal brasileiro, por exemplo, em seu art. 208, garante punição àquele que ferir
os direitos à liberdade de crença de outrem, mas nem sempre as pessoas vítimas
de intolerância religiosa sabem desse direito, principalmente as comunidades
marginais que são adeptas às religiões não hegemônicas.

Com o acesso à informação mais rápida, como a internet, isso tem mudado
e alcançado importantes índices de combate a essas práticas, via mídia e redes
sociais. As leis passaram a se espalhar entre as comunidades religiosas, no
entanto, ainda não se conhece exatamente o poder de harmonia que essas ações
podem resultar sendo concretizadas, pois mesmo que as vítimas da intolerância
religiosa também encontrem amparo na Lei 9.459/1997, que altera o art. 1º e 20
da Lei 7.716/1989 e define o crime de intolerância religiosa, essas medidas nem
sempre são tomadas por inúmeros motivos, entre eles, as religiões hegemônicas
que se consideram detentoras da verdade e impõem-se sobre outras com
característica egocêntrica.

Diante da liberdade de expressão religiosa, a própria existência da prática da


intolerância é considerada uma raiz do preconceito – as duas estão intrinsicamente
relacionadas – e ela vem em diferentes formas, sendo elas as verbais, físicas
e psicológicas. A própria marginalização e localizações periféricas podem ser
formas de resistência diante dessas práticas. Um exemplo muito comum são as
religiões de origem afro no geral, que estão às margens da sociedade no geral,
algumas por ser um mecanismo de resistência e permanência das mesmas
no espaço. Aquele velho ditado popular: o que não é visto, não é lembrado. E
vale para outras religiões que seguem esses parâmetros de invisibilidade para
continuarem existindo espacialmente, diante de opressões, violência, preconceito,
intolerância surgidas por outros grupos religiosos.

Essas religiões subjacentes tendem a ter maior índice de intolerância


religiosa, pois a própria construção da sua manifestação espacial pode ter
sido resultante deste processo. E voltamos a questão sobre algumas crenças
“relativamente novas” aos olhos da sociedade. Seriam elas, novas ou apenas
invisibilizadas e mal compreendidas diante do espaço-tempo em que o fenômeno
religioso entra em evidência? Essa é uma questão que pode ser compreendida
quando nós mesmos olhamos para nosso espaço particular e aumentamos
nosso questionamento acerca do nosso lugar de vivência. É uma tarefa particular
analisar isso dentro do nosso pensamento empírico e crítico, pois é assim que
percebemos a realidade das religiões diferentes e passamos a considerar as
manifestações iguais, sem intervir de forma negativa e considerando legítimas
todas as possibilidades culturais que nos é mostrada no espaço.

116
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

1) A partir do texto sobre o diálogo inter-religioso, quais funções


você acredita que ele possa exercer sobre a sociedade nos dias
atuais?

2) Marx, Weber, Durkheim, Eliade são pensadores sobre a sociologia


das religiões. A abordagem que não está dentro de suas obras é:

a) ( ) Religião e sociabilidade.
b) ( ) Cultura e religião.
c) ( ) Religião e tecnologia.
d) ( ) Novos movimentos religiosos e diálogo inter-religioso.

3) Quais são os três maiores centros religiosos populares do Brasil?

a) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Memorial Padre


Cícero (CE) e Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS).
b) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Memorial Padre
Cícero (CE) e Santuário de Santa Paulina (SC).
c) ( ) Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS), Igreja matriz dos
santos Cosme e Damião (PE) e Igreja Nossa Senhora Santana
(BA).
d) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Igreja matriz dos
santos Cosme e Damião (PE) e Igreja Nossa Senhora Santana
(BA).
e) ( ) Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS), Igreja matriz dos
santos Cosme e Damião (PE) e Memorial Padre Cícero (CE).

4) Sobre as expressões religiosas contemporâneas é correto afirmar


que:

a) ( ) Estão atreladas à manifestação no espaço.


b) ( ) Não estão relacionadas ao processo de povoamento do
Brasil.
c) ( ) Tem como função a aproximação da religião e pessoas na
pandemia.
d) ( ) Estão relacionadas ao meio técnico-científico-informacional.
e) ( ) Não estão integradas à organização espacial atual.

5) Com base no texto, o conhecimento religioso se insere no


campo das práticas sociais, entre outros saberes, principalmente
o popular. Nesse sentido, ele se torna muito próximo do

117
MATriZES RELiGioSAS

conhecimento teológico, que por sua vez se estabeleceu


historicamente como estudo sistemático dos aspectos das
experiências religiosas. A principal diferença entre conhecimento
religioso e o conhecimento teológico está na:

a) ( ) Criticidade.
b) ( ) Autenticidade.
c) ( ) Autoridade.
d) ( ) Epistemologia.
e) ( ) Historicidade.

6) As religiões têm grande preocupação em trabalhar o ecumenismo


e o diálogo inter-religioso. Em relação a esses conceitos, é
correto afirmar:

a) ( ) O ecumenismo é a busca do convencimento das religiões


através do confronto; o diálogo inter-religioso é a soberania de
algumas igrejas cristãs.
b) ( ) O ecumenismo é a busca da unidade entre as igrejas cristãs;
o diálogo inter-religioso é o processo de entendimento mútuo no
qual estão envolvidas outras religiões.
c) ( ) O ecumenismo é a convergência entre as religiões; o diálogo
inter-religioso é a revelação das religiões.
d) ( ) O ecumenismo é o processo de entendimento mútuo no qual
estão envolvidas todas as religiões; o diálogo inter-religioso é a
vivência dogmática de uma religião.
e) ( ) O ecumenismo é a busca pela hegemonia das religiões
cristãs; o diálogo inter-religioso é uma prática que não envolve
mais de uma religião.

7) Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o autor faz


uma relação de uma sociedade que vai se desligando da religião
e o efeito na economia. A autoria dessa obra é de:

a) ( ) Bertrand Russel.
b) ( ) Max Weber.
c) ( ) Émile Durkheim.
d) ( ) Karl Marx.
e) ( ) Mircea Eliade

118
Capítulo 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL

8) Sobre religião e tecnologia é correto afirmar que:

a) ( ) A aproximação da religião com novas tecnologias está


ampliando a forma com que as pessoas acessam, ensinam ou
compartilham seu modo de vida religioso.
b) ( ) A íntima ligação entre religião e tecnologia não atinge
diretamente a forma como as pessoas aprendem e disseminam
sobre a sua religião, compartilhando conhecimentos, experiências
com pessoas de qualquer lugar do mundo.
c) ( ) A rede que se forma através da comunicação em massa não
se torna eficaz do espaço virtual.
d) ( ) Religião, tecnologia e diálogo inter-religioso não são temas
emergentes na atualidade.
e) ( ) O binômio religião-tecnologia sempre foi discutido dentro da
sociologia das religiões.

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Interessante observar que as manifestações das religiões em um contexto
geral acabam por delimitarem uma forma expressiva que transcende muitas outras
religiosidades. Esse processo de absorção de elementos religiosos pressupõe que
no Brasil, dificilmente, iremos ver uma matriz religiosa original, pois mesmo que
não seja perceptível, até as religiões hegemônicas sofrem influência das culturas
dominadas ao longo do tempo.

Por mais que seja um processo sutil e extremamente lento, ele existe. Pode
levar mais de uma geração para a “transformação”. E isso imbrica muito de como
as pessoas cultuam e manifestam suas crenças no espaço. Ao término desse
trabalho, provavelmente já aparecerá outras formas de expressão religiosa em
algum lugar que ainda não poderemos identificar, no entanto, somos capazes
de colocar nossos “óculos acadêmicos e científicos” para conhecer o máximo de
conteúdo sobre essas expressões.

Em relação ao que chamamos de diálogo inter-religioso, podemos acrescentar


que em tese, ele é uma possível ferramenta social para barrar o preconceito
religioso, pois havendo um consenso de que todas as religiões são verdadeiras,
a própria construção de sociabilidade entre grupos sociais diversos passa a ser
a grande chave de significação do que é viver em sociedade de fato. O resultado
desses diálogos tende a ser pacifista e harmonioso, e como a religião é a principal
formadora de seres sociais (ou pelo menos a primeira), e que estrutura normativas

119
MATriZES RELiGioSAS

para a estrutura social, é possível acreditar que as comunidades passem a viver


respeitando a cultura, crença e até mesmo ideologias uma das outras.

Ao término destas páginas, espera-se que elas tenham contribuído para uma
visão sistêmica, que seja capaz de debater, problematizar e posicionar-se aos
discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso,
considerando principalmente, a heterogeneidade religiosa do Brasil.

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