2012 Pesquisa Na Universidade - Mosaico de Vivencias

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Maria Aparecida Santana Camargo

Vaneza Cauduro Peranzoni


Aristeu Castilhos da Rocha
Vânia Maria Oliveira de Freitas
(organizadores)

PESQUISA
NA
UNIVERSIDADE:
~osc:tíco ote vívêv\'cíc:ts c:tcc:totê~ícc:ts

Cruz Alta - RS
2012
~
IJIVICRUZ
UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA

2012, Universidade de Cruz Alta


Campus Universitário Dr. Ulisses Guimarães
Rodovia Municipal Iacob Della Méa, Krn 5.6
Distrito Parada Benito - CEP 98.020-290
Caixa Postal 858 - Fone/Fax: (55) 3321-1500
http://www.unicruz.edu.br - Cruz Alta/RS.

Projeto gráfico: Danclar Jesus Rossato


Capa: Maria Aparecida Santana Camargo
Arte final capa: Danclar Jesus Rossato
Preparação dos originais: Mariane Camargo D'Oliveira
Revisão geral: Maria Aparecida Santana Camargo e Vaneza Cauduro Peranzoni
Impressão: Pallotti - Santa Maria - RS

P474 Pesquisa na Universidade: mosaico de vivências acadêmicas/


Organização de Maria Aparecida Santana Camargo, [et.al], - Cruz
Alta: UNICRUZ, 2012.
327p.; 14x21cm

Inclui bibliografia
Capa de Maria Aparecida Santana Camargo

ISBN: 978-85-87661-31-9

l.Educação Interdisciplinar 2.Pesquisa L Camargo, Maria


Aparecida Santana (org.) lI. Peranzoni, Vaneza Cauduro (org.)
m. Rocha, Aristeu Castilhos (org.) IV.Freitas, Vânia MaFÍa Oliveira· ,
de (org.) V. título

CDU 378(816.5)
Catalogação na Fonte: Paulo Cesar de Lima Gonçalves Junior- CRBlO/2018

São reservados todos os direitos. É proibida a duplicação, reprodução


ou tradução em outras línguas desse volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou meios (mecãnico, eletrônico, fotocópia,
gravação ou outros), sem a permissão expressa da editoria.
São de exclusiva responsabilidade de seus autores, as opiniões e conceitos
emitidos nos trabalhos.

Tiragem:
300 exemplares
sUMÁRIO

_ RESENTAÇAo 11
Antonio Escandiel de Souza

~ITR.ODUçAO •.......•..................•...•........................................ 21
_ faria Aparecida Santana Camargo,
aneza Cauduro Peranzoni,
Axisteu Castilhos da Rocha e
TâniaMaria Oliveira de Freitas

PRIMEIRA PARTE
Contextualização Histórica e Cultural de Cruz Alta

:L ALTA 190 ANOS DE HISTÓRIA: UM OLHAR


RE O PASSADO ATRAVÉSDOS PERÍÓDICOS
PARTIDO REPUBLICANO (1897-1900)
O~ AL "CRUZALTENSE" (1928) 27
"éni« Maria Oliveira de Freitas e
7sr.efânia da Rosa Esmério
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ",,-osaleo de vLvêwoLas acadê""Lcas

A DANÇA NO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA:


ASPECTOS DE SUA TRAJETÓRIA NO
PROCESSO CULTURAL (1960-2011) 49
Carmen Anita Hoffmann

TRAJETÓRIA DE MÚSICA E POESIA:


UM RESGATE FOTOGRÁFICO DA COXILHA
NATIVISTA EM IMAGENS MARCANTES
DA HISTÓRIA DO FESTIVAL 61
Fabiana Iser e Margarete Ludwig

SEGUNDA PARTE
Diversidade Inclusiva

HISTÓRIA E CULTURA AFRO- BRASILEIRA:


A LEI 10.639/2003 COMO UM CAMINHO NO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE 87
Aristeu Castilhos da Rocha

GIEEH- GRUPO INTERDISCIPLINAR DE


ESTUDOS DO ENVELHECIMENTO
HUMANO DA UNI CRUZ: TECENDO OS FIOS
ENTRE O ENVELHECIMENTO E A
EDUCAÇÃO EM UMA SOCIEDADE
(PÓS) MODERNA 103
Solange Beatriz Billig Garces,
Dinara Hansen,
Marília de Rosso Krug,
Maria Aparecida Santana Camargo e
Fátima Terezinha Lopes da Costa

6
PESQUISA NA UNNERSIDADE: ""'-os~lco ele vlvê"",l~s ~co"ê"",-lcos

A UNIVERSIDADE E O NÚCLEO DE APOIO AO


ESTUDANTE: UM ESPAÇO DE ACESSIBILIDADE 125
Vaneza Cauduro Peranzoni e
Fátima Terezinha Lopes da Costa

PROGRAMA DE PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO


O COMPORTAMENTO BULLYING
(AÇÃO E VITIMIZAÇÃO) NAS ESCOLAS 143
Fátima Terezinha Lopes da Costa,
Maria Aparecida Santana Camargo,
Bianca Bueno Nascimento,
Karine Bueno Nascimento e
Crislei Juliana Wonzniak Rodrigues

TERCEIRA PARTE
Formação de Professores

MEMORIAS DA EDUCAÇÃO:
HISTORIA DA UNI CRUZ 163
Aristeu Castilhos da Rocha e
Vânia Maria Oliveira de Freitas

HERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO 183


Vanessa Steigleder Neubauer,
Tiago Anderson Brutti e
Odete Teresa Sutili Capelesso

7
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: i'1A.D'O'OO ele v,vê,,,úo, ocoelê""",co,

o CURSO DE PEDAGOGIA COMO


ESPAÇO DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DE SABERES 197
Aline Aparecida Cezar Costa,
Berenice Geschwind Basso e
Angelita Hentges

LICENCIADOS EM DANÇA PELA


UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA:
UM DIAGNÓSTICO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL ... 217
Rubiane Palkenberg Zancan e
Tiago dos Santos

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
HISTÓRIA NA UNI CRUZ:
SABERES, INTERDISCIPLINARIDADE E DESAFIOS 233
Aristeu Castilhos da Rocha e
Rodrigo de Araújo Maidana

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS:


.'
O REAL X O LEGAL NOS ANOS INICIAIS
EM ESCOLAS PÚBLICAS DE CRUZ ALTA 255
Maria Christina Schettert Moraes,
Maria Aparecida Santana Camargo,
Lauren Darold Brum, Maria Elisa Gehrke e
Renata da Silva Dessbesel

8
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: w.osoÚ:o de v'vev·úos ocod.i:w.ú:>s

PLANETA ÁGUA: UMA LIÇÃO INTERDISCIPLINAR


ENTRE MATEMÁTICA, CIÊNCIAS E CIDADANIA 267
Maria Christina Schettett Morees,
Maria Amélia de Mello Silva e
Ditce Maria Teixeire Paz

REFLEXÕES SOBRE JOGOS E


BRINQUEDOS NA INFÃNCIA 281
Vaneza Cauduro Peranzoni,
Betenice Geschwind Basso,
Márcia Cristina Gomes Rodrigues e
Leandra Costa da Costa

QUARTA PARTE
Literatura, Cinema e Educação

INTERTEXTUALIDADE E CINEMA:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO
EDUCACIONAL 301
Antonio Escandiel de Souza,
Cristiane Marangon e
Dalila Batista Nonnenmacher

LEITURAS INTERTEXTUAIS: A LITERATURA


E O CINEMA COMO POSSIBILIDADE
INTERDISCIPLINAR 313
Carla Rosane da Silva Tavares

9
PESQUISA NA UNNERSIDADE: YlAOS!:li.cO d.e v~vêvJ:-~o.:; o.co.d.~\t·..._~~;5

APRESENTAÇÃO

"Pesquisa na Universidade: mosaico de vivências acadê-


micas" reúne trabalhos acadêmicos de pesquisadores da Uni-
versidade de Cruz Alta e de outras universidades. A obra, inici-
ativa do Centro de Ciências Humanas e Comunicação - CCHC
-, traz relatos e reflexões de atividades realizadas no contexto
acadêmico, cuja abordagem privilegia os aspectos culturais e
interdisciplinares, e suas implicações para a educação, perpas-
sando, obviamente, pela questão da formação de professores.
Iniciando a primeira parte, "Contextualização histórica
e cultural de Cruz Alta", Vânia Maria Oliveira de Freitas e
Estefânia da Rosa Esmério, por meio do texto intitulado " Cruz
Alta 190 anos de História: um olhar sobre o passado através
dos periódicos do Partido Republicano (1897-1900) e o Jornal
"Cruzaltense", afirmam que a História é responsável por man-
ter a memória nas sociedades. Nesse sentido, segundo as auto-
ras, valorizar a memória e a cultura é preservá-Ia, e o levanta-
mento de dados em periódicos do "Orgam do Partido Repu-
blicano de Cruz Alta" possibilitou compreender o comporta-
mento da sociedade moldado aos ideais republicanos. Os im-
pressos enfatizam questões como a urbanização, ou seja, ideias
de progresso frente à nova ordem. Ao se tratar de um jornal de
caráter político é evidente o intrincado jogo relacionado ao
i: er local. A pesquisa histórica documental exige um olhar
- ico embasado em um suporte teórico e metodológico. As
TaS enfatizam que a pesquisa proporcionou a compreen-

11
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: Vl<.Osalco ele vlvê""clas acaelê"",lcas

são dos aspectos sociais, políticos e culturais de nossa história,


porém não consideram o trabalho concluído. Os dados levan-
tados possibilitaram entender como ocorreram as questões de
ordem política envolvendo o Partido Republicano em Cruz Alta.
Carmem Anita Hoffmann, ao abordar "A dança no mu-
nicípio de Cruz Alta: aspectos de sua trajetória no processo cul-
tural (1960-2011)", focaliza uma questão do nosso tempo: a
continuada reconstituição das funções e dos significados, ilu-
minando e esclarecendo como o papel da dança é histórica,
cultural e socialmente construído no município de Cruz Alta.
O texto apresenta um estudo que teve como objetivo verificar a
história, o significado e as relações da dança com a sociedade.
Investigou-se a opinião de pessoas envolvidas direta e indireta-
mente com esta expressão artística, sobre os acontecimentos
que vivenciaram no período delimitado pelo estudo, através da
história oral, e ao longo da sua organização cotejada por uma
revisão bibliográfica, que exigiu reflexões para ensaiar formu-
lações ou justificar propostas.
Em "Trajetória de música e poesia: um resgate fotográfi-
co da Coxilha Nativista em imagens marcantes da História do
Festival", Fabiana Iser e Margarete Ludwig discutem a impor-
tância da fotografia no resgate da memória e no reforço da iden-
tidade cultural gaúcha. O tema é abordado através da recupe-
ração do processo de produção da mostra fotográfica 'Trajetó-
ria de Música e Poesia', realizada pelo curso de Comunicação
Social da Universidade de Cruz Alta, cujas fotografias, expostas
em diferentes momentos e ambiências, retratam o contexto his-
tórico da Coxilha Nativista de Cruz Alta, um dos maiores festi-
vais do gênero no Rio Grande do Sul. A pesquisa de informa-
ções e, posteriormente de imagens que expressassem a riqueza
e a importância desse evento para a cultura regional resultou
em doze quadros da mostra, destacando diferentes momentos
vivenciados a cada nova edição da Coxilha Nativista por artis-
tas e público. Buscar na fotografia os elementos de resgate de

12
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: Vl<osaécoele vivê""",s aca!U~.úc?s

uma trajetória importante como a desse festival torna-se, de


acordo com as autoras, ainda mais relevante em uma socieda-
de em que a imagem tem papel fundamental. Sendo assim, as
contribuições deste trabalho não se restringem ao contexto da
Coxilha Nativista, mas através dela chegam ao reforço da cul-
tura regional, pelo resgate de imagens que rememoram a his-
tória e o legado do evento.
Abrindo a segunda parte, "Diversidade inclusiva",Aristeu
Castilhos da Rocha em "História e Cultura Afro-Brasileira: a lei
10.639/2003 como um caminho no processo de formação do-
cente", relata que o texto nasceu das leituras, discussões,
vivências em atividades de assessorias aos professores da rede
pública desenvolvidas pelos Cursos de História e Pedagogia e
da necessidade de propor um projeto de pesquisa que abarcas-
se as questões da História e Cultura Afro-Brasileira tanto de
ponto de vista do conhecimento do tema, quanto da urgência
de sua inserção nos programas relativos aos processos inicial e
continuado de formação de professores. Acreditando no papel
da academia e da escola básica como importante lócus de difu-
são cultural, apresentam-se informações, aportes teóricos re-
colhidos ao revisitar autores e fontes legais e, de certa forma,
inquietações recorrentes, dos professores a respeitos desta
temática.
No texto "GIEEH - Grupo Interdisciplinar de Estudos
do Envelhecimento Humano da Unicruz: tecendo os fios entre
o envelhecimento e a educação em uma sociedade (pós) mo-
derna", Solange Beatriz Billig Garces, Dinara Hansen, Marília
de Rosso Krug, Maria Aparecida Santana Camargo e Fátima
Terezinha Lopes da Costa discutem o processo de envelheci-
mento humano e sua relação com a educação e a sociedade. O
objetivo é mostrar que a educação contemporânea apresenta
diversos desafios sociais que precisam ser dialogados e escan-
carados para serem compreendidos e vivenciados. Dentre esses
esafios encontra-se o processo do envelhecimento, como uma

13
PESQU1SA NA UNIVERSIDADE: "'-OSOLeO ~e vlvêwolos oco~ê",-lcos

nova questão social que precisa ser ponto de reflexão na educa-


ção. Se o envelhecimento humano é um fato crescente na soci-
edade mundial e brasileira precisa ser conhecido, debatido e
exposto na esfera pública, para que seja possível uma (com)
vivência intergeracional, baseada no respeito e no reconheci-
mento.
"A Universidade e o Núcleo de Apoio ao Estudante: um
espaço de acessibilidade", texto de Vaneza Cauduro Peranzoni
e Fátima Terezinha Lopes da Costa, enfoca a problemática edu-
cacional e social referente à inclusão nas universidades. As au-
toras afirmam que a UNICRUZ, enquanto Instituição de Ensi-
no Superior, envolve-se em um processo que não nasce de um
dia para o outro, mas que, como uma grande obra de arte que
passa por diferentes fases, estrutura-se em estudos, discussões
e projetos de pesquisa e extensão que se efetivam por meio de
professores, funcionários e alunos da Instituição, preocupados
com os aspectos fundamentais de um futuro próximo com mais
educação, dignidade e, principalmente, inclusão.
Na sequência, Fátima Terezinha Lopes da Costa, Maria
Aparecida Santana Camargo, Bianca Bueno Nascimento, Karine
Bueno Nascimento e Crislei Iuliana Wonzniak Rodrigues, em
"Programa de prevenção e intervenção no comportamento
Bullying (ação e vitimização) nas escolas", descrevem uma pes-
quisa que vem sendo desenvolvida em quatro escolas da rede ,
pública, a qual tem como objetivo diagnosticar a existência de
Bullying e, em caso de ser constatada a ação, desenvolver um
programa de intervenção no combate/redução à tal ação. Prevê
ainda monitorar, avaliar e analisar a evolução do problema nas
escolas em questão e criar referências para os alunos que preci-
sam de apoio e proteção (agressores e vítimas) para que de-
nunciem as violências sofridas ou testemunhadas. Fortalecer
ações anti-bullyingjá existentes nas escolas e/ou organizar ações
caso não existam nas escolas é também um dos objetivos desta
pesquisa. A população alvo do estudo são alunos entre 11 e 16

14
anos, do 5° ao 8° ano de escolas municipais e estaduais locali-
zadas no centro e na periferia do município de Cruz Alta-RS,
bem como professores e familiares.
Dando início à terceira parte, "Formação de professores",
Aristeu Castilhos da Rocha e Vânia Maria Oliveira de Freitas,
em "Memórias da Educação: História da Unicruz", relatam um
processo investigativo contextualizado, reflexivo e
interdisciplinar da trajetória histórica da UNI CRUZ no âmbi-
to da Educação Brasileira, o qual visa elucidar o significado de
sua inserção para o desenvolvimento local e regional. Nessa pers-
pectiva a ideia é proporcionar aos alunos e professores do cur-
so de História, atividades compartilhadas de investigação que
permitam a reconstituição da trajetória da UNI CRUZ como
instituição formadora de profissionais dos diferentes campos
do saber, bem como a sua contribuição para a transformação
positiva da realidade. Nesse sentido a pesquisa proporciona aos
ujeitos envolvidos, momentos capazes de propiciar o exercí-
cio do diálogo, a partilha de ideias e experiências, a escolha de
métodos e procedimentos, a análise reflexiva e teorizada dos
dados bem como de expressar os resultados da pesquisa. Cabe
ressaltar que as atividades são desenvolvidas a partir de refle-
xões, teorização, e dinamização de metodologias alternativas
que assegurem a qualificação da prática de pesquisa em Educa-
ção e História.
Em "Hermenêutica e Educação", Vanessa Steigleder
- -eubauer, Tiago Anderson Brutti e Odete Teresa Sutili Capelesso
estabelecem uma reflexão a respeito da linguagem, da compre-
ão, da interpretação e da consciência histórica. Trata-se não
-' mas, sobretudo, de um esforço compreensivo a propósito
o pensamento de Gadamer sobre as estruturas de compreen-
são e interpretação. É no horizonte de uma compreensão
ermenêutica que os autores se propõem ai pensar a educação,
reconhecendo a complexidade da condição humana e a preca-
iedade de qualquer iniciativa destinada a descrever uma tota-

15
PESQUlSA NA UNIVERSIDADE: VlWsaico oIe vivêv\'cLas acaolê",,-icas

lidade OU toda a singularidade das coisas e eventos que, a cada


vez no curso do tempo, nos afetam.
"O Curso de Pedagogia como espaço de (re)significação
de saberes", de Aline Aparecida Cezar Costa, Berenice Geschwind
Basso e Angelita Hentges, relata uma pesquisa que teve como
objetivo investigar e compreender como o Curso de Pedagogia
da UNI CRUZ contribuiu para a (re)significação de concepções
das acadêmicas formandas do ano de 2006. Conforme as auto-
ras, a educação, enquanto prática emancipatória, é cada vez mais
necessária para a mudança do paradigma social em que nos
encontramos. Essa construção, dentro da escola, tem no pro-
fessor o mediador desse processo. Para possibilitar que os alu-
nos se tornem sujeitos críticos, reflexivos, questionadores, au-
tônomos, o professor, interventor dessa ação, deve sentir-se tam-
bém, como sujeito de sua história. A base da discussão teórica
fundamenta-se na discussão sobre a educação e aprendizagem
como prática pedagógica enquanto processo de socialização que
faz parte da vida dos seres humanos, considerando um novo
paradigma na formação de professores para superar a crise da
educação. Metodologicamente, a fim de compreender os
referenciais que o Curso de Pedagogia assume, a pesquisa bus-
cou analisar o Projeto Político Pedagógico do mesmo, a partir
da sua Matriz Epistemológica. Fez-se, ainda, um
questionamento junto a seis alunas concluintes, através do qual ,
as mesmas opinaram sobre suas concepções de ser humano, de
cidadania, de ética, de autonomia e o processo de formação.
Nesse sentido, o estudo constitui-se numa análise qualitativa
das respostas a partir do referencial teórico construído.
Rubiane Falkenberg Zancan e Tiago dos Santos, em "Li-
cenciados em Dança pela Universidade de Cruz Alta: um diag-
nóstico sobre o perfil profissional", apresentam o resultado de
uma pesquisa realizada durante o ano de 2010. O objetivo prin-
cipal foi investigar o perfil profissional dos egressos do Curso
de Licenciatura em Dança da Universidade de Cruz Alta

16
(UNICRUZ). Para tanto, foi necessário, conforme os autores,
localizar os egressos, verificar seus espaços de atuação e anali-
sar a relação da Licenciatura em Dança com o campo profissi-
onal no qual estão inseridos. Cõmo instrumento de pesquisa
foi utilizado um questionário, que foi organizado a partir dos
objetivos do estudo. Durante o período de 1998 até a realiza-
ção da investigação, formaram-se no Curso de Licenciatura em
Dança da Universidade de Cruz Alta cinquenta e duas pessoas.
Responderam ao questionário 26,92% do público total da pes-
quisa. O texto mostra que o egresso de Licenciatura em Dança
da UNI CRUZ está atuante no mercado de trabalho que com-
preende sua área de conhecimento.
O texto "Formação de Professores de História na Unicruz:
saberes, interdisciplinaridade e desafios", de Aristeu Castilhos
da Rocha e Rodrigo de Araújo Maidana, socializa reflexões so-
bre um projeto desenvolvido e, para tanto, os autores reforçam
a ideia de que as práticas culturais desenvolvidas no âmbito do
Curso de História podem e devem se constituir em laboratóri-
os de formação humana e profissional. Segundo eles, a forma-
ção de professores, além de ser uma demanda da sociedade que
busca o desenvolvimento pleno, deve ocupar lugar estratégico
nas Instituições de Educação Superior. A prática social desen-
volvida pelas mesmas deve garantir espaços e ações inclusivas,
éticas, humanizadoras e democráticas que sejam capazes de con-
templar necessidades regionais e as diversidades.
Maria Christina Schettert Moraes, Maria Aparecida
Santana Camargo, Lauren Darold Brum, Maria Elisa Gehrke e
Renata da Silva Dessbesel, em "Ensino Fundamental de nove
anos: o real x o legal nos anos iniciais em escola públicas de
Cruz Alta", refletem sobre como deve se desenvolver o trabalho
pedagógico nos primeiros anos do Ensino Fundamental, já que
os alunos estão ingressando na Educação Básica com uma ida-
de na qual o lúdico, o brincar e o concreto são de extrema im-
portância para o desenvolvimento de suas potencialidades. Nes-

17
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ",,"osaLeo ~e vLvê",úas aca~ê",,"Lens

sa perspectiva, as autoras desenvolveram uma pesquisa nas es-


colas públicas da rede estadual da cidade de Cruz Alta, tendo
como objetivo conhecer o que está sendo feito nas mesmas,
para que haja adequação à nova realidade da Educação Básica
de nove anos. Os sujeitos da pesquisa foram os professores dos
primeiros anos do Ensino Fundamental que atuam nas escolas
escolhidas, bem como os supervisores pedagógicos destas es-
colas. O estudo buscou responder a seguinte questão: Qual a
concepção dos professores sobre a proposta pedagógica a ser
desenvolvida nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Neste
sentido, as autoras entendem que o projeto político pedagógi-
co da escola deve estabelecer alguns indicadores a serem segui-
dos, na busca de uma educação de qualidade, onde exista res-
peito à idade cronológica dos educandos e ao seu ritmo de
aprendizagem.
"Planeta água: uma lição interdisciplinar entre matemá-
tica, ciências e cidadania", de Maria Christina Schettert Moraes,
Maria Amélia de Mello Silva e Dirce Maria Teixeira Paz, busca
mostrar a importância da utilização da interdisciplinaridade
associada a um tema de suma importância nos dias atuais: a
necessidade do uso consciente, racional e ético da água. Trata-
se da descrição de uma atividade realizada no I Curso de Práti-
cas Socioculturais Interdisciplinares - Meio Ambiente e
Sustentabilidade, promovido pela UNICRUZ, durante o XIII,
Seminário Internacional de Educação no Mercosul, na qual par-
ticiparam professores da Educação Básica da região, interessa-
dos em (re)pensar suas práticas pedagógicas, visto viver-se num
momento onde existe a busca de uma aproximação entre con-
teúdos fragmentados entre si e o cotidiano do aluno tornando
a sala de aula um ambiente de aprendizagem prazeroso. Foram
propostas atividades onde professores de Ciências ou Biologia
trabalhassem a importância da água na vida cotidiana, onde
professores de Química trabalhassem os componentes quími-
cos da água e suas relações e transformações e onde professores

18
PESQUISA NA UNNERSIDADE: ""-050'00 ele vévê""úos ococtêw.écos

de Matemática interagissem com dados quantitativos de con-


tas de água e desenvolvessem um trabalho usando a Estatística.
As autoras acreditam que,ao desenvolver propostas de traba-
lhos interdisciplinares, o educador sente-se mais seguro para
inovar, as ideias são discutidas em conjunto e o grupo se enri-
quece com a construção de um conhecimento significativo.
Encerrando a terceira parte, o texto "Reflexões sobre jo-
gos e brinquedos na infância", de Vaneza Cauduro Peranzoni,
Berenice Geschwind Basso, Márcia Cristina Gomes Rodrigues
e Leandra Costa da Costa apresentam uma reflexão sobre o jogo,
o brinquedo e a brincadeira e sua importância dentro do con-
texto educativo. Junto a esta reflexão, discutem-se como estes
elementos são vistos em diferentes épocas e por diferentes au-
tores. Na concepção das autoras, os jogos permitem assegurar
a ligação do indivíduo às satisfações imediatas, que são neces-
árias ao desenvolvimento intrínseco do ser humano. Segundo
elas, com os jogos, o indivíduo pode se desenvolver como um
odo, trabalhando não só o seu sistema motor, como também
seu aspecto cognitivo e afetivo, na construção de seu real co-
nhecimento.
Ao iniciar a quarta parte, temos o texto de Antonio Es-
candiel de Souza, Cristiane Marangon e Dalila Batista Nonnen-
acher - "Intertextualidade e cinema: considerações sobre o
- ntexto educacional". Nele os autores buscam distinguir e
analisar a ocorrência de contos de fadas, presentes de forma
- ertextual, na contextura narrativa da versão cinematográfi-
Os irmãos Grimm", dirigido por Terry Gilliam. Para com-
rar a recorrência de aspectos intertextuais, realizou-se uma
quisa qualitativa de cunho bibliográfico e análise do
exto no campo da literatura infanto-juvenil e do uso de
uções cinematográficas no contexto educacional. A
ex:tualidade encontra-se presente além da prática literá-
a vez que quando se assiste a um filme, acaba-se por
associá -10 a outras leituras ou relatos ouvidos anteriormente.

19
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: "",saLco ~e VLvêl/l,CLasaca~êVl<.Lcas

É fundamental, portanto, de acordo com os autores, que o re-


ceptor apresente um razoável conhecimento literário, pois só
assim poderá perceber quando se alude à determinada obra.
Encerrando o livro, encontramos o texto de Cada Rosane
da Silva Tavares, "Leituras intertextuais: a literatura e o cinema
como possibilidade interdisciplinar". Em suas reflexões, a au-
tora argumenta que Literatura e cinema apresentam-se como
propostas interessantes para o estudo interdisciplinar e que, res-
peitadas as tessituras de cada uma, a aproximação da obra lite-
rária da película cinematográfica representa uma oportunida-
de a mais de fruição da arte, de aprofundamento do olhar, por
meio de "lentes" diferentes, divergentes ou convergentes, bem
como de estratégia enriquecedora do processo ensino-apren-
dizagem. Cada enfatiza ainda, que a leitura intertextual litera-
tura X cinema possibilita o alargamento da compreensão de
duas manifestações artísticas, que, através de signos distintos,
trazem uma nova perspectiva interpretativa. Nesse sentido, o
texto propõe uma análise comparativa entre o romance A festa
do bode (2001), do peruano Mário Vargas Llosa, e sua versão
cinematográfica (2006), sob a direção de Luis Llosa.
É com imensa satisfação que parabenizo a iniciativa dos
docentes do Centro de Ciências Humanas e Comunicação -
CCHC - que organizaram esta obra. Agradeço também aos
autores, cujas contribuições tornaram possível a concretização ,
deste livro, possibilitando ao leitor momentos de reflexão so-
bre questões teórico-práticas e interdisciplinares que envolvem
o contexto educacional.

Antonio Escandie1 de Souza


Diretor do Centro de Ciências Humanas e Comunicação
Universidade de Cruz Alta

20
PESQUISA NA UNNERSIDADE: V\\.DsaÍ<:ode vivê""'Las acadêw.Í<:as

INTRODUÇÃO

A presente publicação é uma iniciativa do Grupo de Pes-


quisa em Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP) do Cen-
tro de Ciências Humanas e Comunicação (CCHC) da Univer-
sidade de Cruz Alta (UNICRUZ). O GPEHP foi constituído no
ano de 2002, através do Curso de Pedagogia, com o propósito
de fomentar, aprofundar e socializar pesquisas desenvolvidas
no âmbito da interdisciplinaridade, produzidas por um grupo
de professores e acadêmicos dos diversos cursos que compõem
as licenciaturas na Instituição.
A denominação de GPEHP foi escolhida por uma razão:
a de definir um eixo abrangente que representasse a perspecti-
va de análise crítica interdisciplinar seguida por todos os pes-
quisadores integrantes do Grupo. Desde então, segundo con-
senso de seus integrantes, o enfoque tem sido os estudos
interdisciplinares e em equipe. Certificado pela Instituição e
registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico - CNPq, dando continuidade às ações que o
caracterizam, o Grupo vive um momento importante, pois co-
memora dez anos de sua formação e consolidação.
Nesse sentido, esta coletânea tem por objetivo resgatar e
registrar parte da trajetória, do histórico e do desempenho do

21
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ",os.'eo de v'vê",ú.s .c.dê""e.s

Grupo e apresentá-lo à comunidade acadêmica. Através de en-


contros mensais e, a partir de um levantamento documental
das reuniões, atas, relatórios e o que tem sido realizado até o
momento, constatamos a significativa produção interdisciplinar
dos pesquisadores.
É relevante ressaltar que essa produção deu origem a vá-
rias publicações, de caráter local, regional e além fronteiras.
Buscando temas fundamentais no cenário educacional do mun-
do contemporâneo, tanto no âmbito do ensino, como na pes-
quisa e extensão, o Grupo estrutura-se através de três Linhas
de Pesquisa assim distribuídas: Cultura, Educação e Sociedade;
Educação Inclusiva e Pedagogia; e Políticas Públicas e Forma-
ção de Professores. Investigar, analisar e contribuir para a edu-
cação popular, inclusiva, emancipatória e de jovens e adultos,
são algumas das palavras-chave que constituem tais Linhas de
Pesquisa.
É nesta ótica que o GPEHP possui vários projetos de pes-
quisa e extensão em andamento e se envolve em grande parte
dos eventos científicos da Instituição. As produções construídas
veem se destacando no aprofundamento interdisciplinar de te-
mas que se complementam, consolidando o que nos ensina
Morin, ao conceber o todo em cada parte que compõe o todo.
Nessas circunstâncias e olhando para trás, vendo a cami-
nhada já percorrida, percebemos a relevância da atuação do,
Grupo no contexto universitário e comunitário. Sendo assim,
a identidade do GPEHP vem sendo construída através da refle-
xão sobre o contexto atual e aproxima, gradativamente, aque-
les que comungam da ideia de fortalecimento de ações em fa-
vor da construção de um trabalho coletivo, ações estas, que ca-
minham para a compreensão crítica da responsabilidade assu-
mida com a qualidade do ensino na Instituição Superior.
Pesquisa na Universidade: mosaico de vivêncies acadê-
micas reúne 17 (dezessete) estudos afetos a diferentes temáticas,
alguns resultantes de Projetos de Iniciação Científica desenvol-

22
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: "-<-oso'cod.e v,vê",úos ococU",i.cos

"dos nos últimos anos, por professores e acadêmicos dos Cur-


integrantes do CCHC da UNI CRUZ. A iniciativa chamou a
renção de colegas pertencentes a outros Centros, os quais vie-
se agregar, pois, além de algumas atividades de pesquisa
balhadas interdisciplinarmente, tínhamos um ponto forte
comum: a formação de professores.
Inicialmente lançamos a ideia de organização do livro e
ontamente os colegas foram manifestando o interesse de
_ublicizar suas experiências. A acolhida gerou uma grande ex-
~tiva, comprovada através do número significativo de arti-
= s enviados.
Quanto à composição deste livro, os textos que o inte-
_ am representam a pujança dos estudos e pesquisas em inú-
eras searas do conhecimento, estando divididos em 4 (qua-
zro partes, as quais representam uma parcela das preocupa-
em diferentes áreas de pesquisa.
Na primeira parte, intitulada "Contextualização Histoti-
e Cultural de Cruz Alta", há 3 (três) textos sobre interessan-
- pesquisas referentes à história e à cultura do "lugar", a partir
- ótica de profissionais que realizaram seus estudos tendo o
mal, a fotografia e o corpo como fontes primorosas de inves-
"ação.
Na segunda parte, denominada "Diversidade Inclusiva",
autores demonstram afinidade teórica e comprometimento
fi temáticas capazes de originar ações afirmativas no âmbito
.: Instituição. Nesta perspectiva, a história e cultura afro-bra-
eira, a questão dos idosos, os alunos com dificuldades de
.:.~ rendizagem e portadores de necessidades especiais e o
ullying, veem se constituindo em vertentes férteis para a pes-
_ . a, bem como espaços-tempo de construção de cidadania.
A terceira parte, ''Formação de Professores", expõe uma
ampla e densa gama de trabalhos, que abarcam desde a Histó-
" da Educação, da Hermenêutica, a Formação de Professores,
é o âmbito dos Cursos de Dança, História e Pedagogia. Den-

23
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""'-osa,eo cAev,vê"úas acacAê""'-,e~s

tro da amplitude dos estudos apresentados neste espaço, está


incluída interessante iniciativa dos professores dos Cursos de
Matemática, Química e Ciências Biológicas.
A quarta e última parte, "Literatura, Cinema e Educa-
ção", engloba estudos referentes às manifestações culturais que
tomam a literatura e a arte cinematográfica como objetos de
pesqUIsa.
Certamente, a ideia de organizar este livro foi para dar
visibilidade a um conjunto de estudos que evidenciam o atual
estado das investigações realizadas pelo viés da interdis-
ciplinaridade, bem como o comprometimento e rigor científi-
co de seus autores.

Os organiza dores

24
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: Vl<Osaí.coele vlvê"""ú:<sacaelê""lcas

HERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO

Vanessa Steigleder Neubauer'


Tiago Anderson Brutti'
Odete Teresa Sutili Capelesso"

Caracterizados pela linguagem e aparentemente inde-


terminados em suas ações e pensamentos, os humanos pen-
sam sua própria condição e comunicam com os outros o mun-
do que de modo similar percebem e discernem em suas nuances.
É a linguagem que nos permite compreender, contudo
ela não deve, na compreensão de Gadamer, ser considerada
como análoga a um instrumento ou a uma ferramenta. A lin-
guagem, na compreensão do filósofo, "não é somente um, den-
tre os muitos dotes atribuídos ao homem que está no mundo,
mas serve de base absoluta para que os homens tenham mun-
do': ou seja, "nela se representa mundo" (2008, p. 571).
O ser da linguagem, para o filósofo, também é caracteri-
zado pela ausência de um eu. Nesse sentido, não haveria de se
confirmar a hipótese de que alguém pudesse ter falado uma
língua que ninguém mais compreendesse, pois falar significa,

I Professora na UNI CRUZ, membro da equipe pedagógica da Prefeitura de Cruz


Alta e doutoranda em Filosofia na UNISINOS. E-mail: [email protected].
Professor do Curso de Direito da UNI CRUZ e doutorando em Educação nas
Ciências na UNIJUÍ. E-mail: [email protected].
3 Professora da rede estadual, membro da equipe pedagógica da Prefeitura de
Cruz Alta e mestre em Letras na UPE E-mail: [email protected].

183
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: Vl<Dsaieo ele vivêVI.Cias aeaelêVl<ieas

antes de tudo, falar a alguém. O ser da linguagem não pertence,


pois, à esfera do eu, mas à esfera do nós:

Para o homem, o mundo está aí como mundo numa forma


como não está para qualquer outro ser vivo que esteja no
mundo. Mas esse estar-aí do mundo é constituído pela lin-
guagem [...] Não só o mundo é mundo quando vem à lin-
guagem, como a própria linguagem só tem sua verdadeira
existência no fato de que nela se representa o mundo. A ori-
ginária humanidade da linguagem significa, portanto, ao
mesmo tempo, o originário caráter de linguagem do estar-
no-mundo do homem (2008, p. 572).

O caráter da linguagem, na compreensão de Gadamer, é


tão inerente ao pensar das coisas que se torna uma abstração
pensar o sistema das verdades como um sistema prévio de pos-
sibilidades de ser a que se deveriam subordinar signos que um
sujeito emprega quando lança mão deles. A linguagem (da pa-
lavra) não é um signo de que se lança mão, tampouco é um
signo de que alguém faça uso para somente fazer distinções
entre as coisas, mas sim passa a ser a possibilidade de entendi-
mento das coisas e do mundo; não é uma coisa existente que se
recebe e se carrega com a idealidade do significado, para com
isso tornar visível outro ente. O filósofo considera que a
idealidade do significado está na própria palavra. Ela já é sem-
pre significado. Isso significa que a palavra precede toda expe-
riência dos entes e se acrescenta exteriormente à experiência já
feita, submetendo-a a si. A experiência não é inicialmente des-
provida de palavras e nem vai se tornando posteriormente ob-
jeto de reflexão em virtude da designação. Entende-se que, an-
tes, pertence à própria experiência o fato de ela buscar e encon-
trar as palavras que a expressem, na proximidade da palavra
certa, isto é, a palavra-que realmente pertença à coisa de modo
que ela própria venha-à-fala. Portanto, a palavra pertence de
tal modo à própria coisa que não é atribuída posteriormente à
coisa como signo (2008, p. 539).
184
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: Vl<os~lco c;e vlvêV\.Cl~s ~c~c;êVl<lc~s

o caráter próprio da linguagem, para Gadamer, é uma


forma de realização do compreender. Em outros termos, "o ser
que pode ser compreendido é linguagem" (2008, p. 612). O ca-
ráter da linguagem é funcionar como medium, ou seja, media-
ção do acordo entre as partes, sendo a linguagem um meio en-
tre eu e o mundo, mas ambos em sua forma originária, tendo
esse meio como um acontecimento finito, frente à mediação
dialética do conceito (p. 612).
A linguagem representa, de acordo com o filósofo, o ras-
tro da finitude, não só porque existe uma infinidade de diver-
sas estruturações humanas de linguagem, mas porque toda lín-
gua está em constante formação e desenvolvimento, tanto mais
quando mais trouxer na fala a sua experiência de mundo. Tra-
ta-se do meio da linguagem, a partir do qual se desenvolve toda
a nossa experiência de mundo e, em particular, a experiência
hermenêutica (2008, p. 590).
O intérprete, para Gadamer, não sabe que carrega para
dentro de sua interpretação tanto a si mesmo quanto seus pró-
prios conceitos. A formulação, na linguagem, é tão inerente à
opinião do intérprete que em nenhum caso se torna objetiva
para ele. Sobretudo, percebe-se que esse estado de coisas aca-
bou sendo desvirtuado por teorias de linguagem inadequadas.
Uma teoria instrumentalista dos signos, que compreende as
palavras e os conceitos como instrumentos disponíveis ou que
se devem pôr à disposição, fica aquém do fenômeno
hermenêutico. O intérprete não se serve das palavras e dos con-
ceitos como o artesão que apanha e deixa de lado suas ferra-
mentas. A questão está em que precisamos, antes, reconhecer
que toda compreensão está intimamente entretecida por con-
ceitos e refutar qualquer teoria que se negue a aceitar a unidade
interna de palavra e coisa (2008, p. 521/2).
A linguagem, na compreensão do filósofo, é algo dife-
rente de um mero sistema de signos para designar o conjunto
dos objetos. A palavra não é apenas signo. Basta ponderar a

185
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: "'-D'OLw de vivê"""" ococU""ico,

possibilidade extrema e contrária de uma linguagem puramente


artificial para reconhecer, nessa teoria arcaica da linguagem,
certa porção de razão. A palavra mostra certa vinculação com
aquilo que é "reproduzido", uma pertença ao ser do que é re-
produzido (2008, p. 538).
De acordo com Gadamer, o modo de ser especulativo da
linguagem mostra com isso seu significado ontológico univer-
sal. O que vem à fala é, naturalmente, algo diferente da própria
palavra falada. Mas a palavra só é palavra em virtude do que
nela vem à fala. Só se faz presente em seu próprio ser sensível
para subsumir-se no que é dito. Inversamente, também o que
vem à fala não é algo dado de antemão e desprovido de fala,
mas recebe, na palavra, sua própria determinação (2008, p. 613).
Narrativas sobre o passado vem sendo constantemente
recompostas pelos humanos, no encalço de possíveis verdades,
ainda que frágeis e intersubjetivamente constituídas. Expres-
sam-se tais verdades como gestos de compreensão cujos senti-
dos indiciam possíveis veredas, mais ou menos razoáveis, ao
longo dos acontecimentos que sinalizam nossas vivências e ex-
periências caracterizadas pela historicidade e pela finitude.
O historiador Tucídides, a propósito da possibilidade
de narrar rigorosamente os acontecimentos tal como eles de
fato houvessem acontecido, no contexto da guerra do
Peloponeso (431-404 a.C.), afirma que:

[...] foi difícil recordar com precisão rigorosa os que eu mes-


mo ouvi ou os que me foram transmitidos por várias fontes.
Tais discursos, portanto, são reproduzidos com as palavras
que, no meu entendimento, os oradores deveriam ter usado,
considerando os respectivos assuntos e os sentimentos mais
pertinentes à ocasião em que foram pronunciados embora
eu tenha aderido tão estritamente quanto possível ao sentido
geral do que havia sido dito. Quanto aos fatos da guerra con-
siderei meu dever relatá-Ias, não como apurados através de
um testemunho casual, nem como me parecia provável, mas
somente após investigar cada detalhe com o maior rigor pos-

186
PESQUISA NA UNNERSIDADE: ""OSOLCO cte vLvê",úos OCOctê""LCOS

sível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo participei,


seja naqueles a respeito dos quais obtive informações de ter-
ceiros. O empenho em apurar os fatos se constitui numa tarefa
laboriosa, pois os testemunhos oculares de vários eventos nem
sempre faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coi-
sas, mas, variavam de acordo com suas simpatias por um lado
ou por outro, ou de acordo com suas memórias (1982, p. 28).

o novelista Leão Tolstoi, no que se refere ao cenário cul-


tural e político europeu nos quinze primeiros anos do século
XIX,entende que nessa época milhões de homens se movimen-
.ravam pelo território europeu deixando suas ocupações habi-
tuais e promovendo em suas andanças, entre outras ações, o
saque de bens e o extermínio de indivíduos. Se em alguns mo-
mentos glorificavam e exultavam por conta de suas vitórias,
em outros se desesperavam com o que promoviam ou lhes acon-
ecia. Tolstoi, ao questionar qual teria sido a causa de seme-
ante fenômeno, explicita uma forte crítica ao reducionismo
om o qual se contavam histórias sobre esses acontecimentos:

Os historiadores respondem a esta pergunta expondo-nos os


atos e os discursos de uma dezena de homens reunida num
edifício da cidade de Paris, e dão a esses atos e discursos o
nome de 'revolução'. Depois oferecem-nos a biografia, em
todos os seus pormenores, de Napoleão e de várias outras
personalidades simpáticas ou hostis para com essa revolu-
ção, referindo-nos as influências que exercem uns sobre os
outros, para nos dizerem em seguida: eis aqui a causa desse
movimento, e ali as suas leis (2009, p. 1008/9).

Referindo-se aos humanos oprimidos, mas dispostos a


tar contra o fascismo na primeira metade do século passado,
um momento histórico controvertido caracterizado pela ad-
issão de um discurso eugênico que para muitos negou a dig-
.dade de um lugar ou mesmo a continuidade da vida, o filó-
- fo Walter Benjamin afirma que o espanto com o qual vinha
do percebido o mundo em sua época não se explicava na
187
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: l'>I.O<oico ele vivê""cio< ocoelê",,-ico<

origem de um saber, a menos que esse saber fosse o reconheci-


mento de que a concepção de história donde advinha tal es-
panto era insustentável. Em sua avaliação não haveria docu-
mento de cultura que também não pudesse ser considerado
documento de barbárie' .
Tais compreensões a respeito do passado humano, enun-
ciadas por pensadores que, diferenças à parte, vinham carrega-
dos de suas próprias tradições, mas que nem por isso perma-
neciam integralmente em conformidade com elas, parecem em
comum reconhecer os limites de qualquer iniciativa destinada
a elucidar plenamente seja o que for que possa estar sendo ou
ter acontecido no mundo humano. Essas indiciações de mun-
do, em seus tempos, espaços e singularidades, assumem de an-
temão a convicção segundo a qual de fato selecionamos
motivadamente os rastros com os quais constituímos nossos
próprios enredos narrativos.
Em uma compreensão que consideramos similar,
Gadamer entende que a consciência histórica está ligada à cons-
ciência da historicidade de tudo aquilo que consideramos pre-
sente e ao reconhecimento da relatividade de qualquer opinião.
O filósofo destacou que a consciência histórica difere na
modernidade do modo pelo qual anteriormente o passado se
apresentava a um povo ou a uma época. Essa consciência mo-
derna passou a questionar com mais intensidade uma tradição
fechada sobre si mesma e a reconhecer a possibilidade de uma
múltipla relatividade de pontos de vista (1998, p. 17/8).
"Ter senso histórico': afirma Gadamer, implica "superar
de modo conseqüente a ingenuidade natural que nos leva a jul-
gar o passado pelas medidas supostamente evidentes de nossa
vida atual, adotando a perspectiva de nossas instituições, de
nossos valores e verdades adquiridos" (1998, p. 17). Em outros
termos, "a consciência histórica já não escuta beatificamente a

4 Teses VII e VIII sobre o conceito de história.

188
-
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""DsaleD c(e vlvêv,úas aeac!ê""lcas

VOZ que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a mesma,


recoloca-a no contexto em que se originou, a fim de ver o sig-
nificado e o valor relativos que lhe são próprios" (p. 17).
Gadamer propugna que o conhecimento histórico não
deveria pretender simplesmente explicar um fenômeno con-
creto como caso particular de uma regra geral. Deveria preten-
der, isso sim, mesmo que utilizando conhecimentos gerais, com-
preender um fenômeno histórico em sua singularidade, em sua
unicidade. Nas palavras do filósofo: "O que interessa ao conhe-
cimento histórico não é saber como os homens, os povos, os
Estados, se desenvolvem em geral, mas, ao contrário, como este
homem, este povo, este Estado, veio a ser o que é, como todas essas
coisas puderam acontecer e encontrar-se aí" (1998, p. 23/4).
O filósofo Aloísio Ruedell escreve que importantes dis-
cussões filosóficas visam, atualmente, superar um pensamento
ontológico ao reconhecer que não existe um pronto mundo
objetivo simplesmente disponível que estivesse no aguardo de
uma possível inteligência investigativa que o viesse detectar.
Ruedell comenta, a propósito das considerações apresentadas
por Paul Ricoeur em Interpretação e ideologias, que se a filoso-
fia é um constante exercício de transcender o imediatamente
dado, o texto é, por sua vez, uma mediação para o possível. Por
essa razão, leitura e elaboração dinamizariam a mente humana
conduzindo-a da imediatidade fática ao mundo das possibili-
dades que a sustenta e compreende (2003, p. 239).
A compreensão humana, afirma Ricoeur, está ligada aos
sinais de humanidade depositados nas obras de cultura. O filó-
sofo questiona, mais para reforçar seu argumento, o que se sa-
beria do amor, do ódio e dos sentimentos éticos se não fossem
referidos à linguagem e articulados pela literatura. Justamente
o que parecia mais contrário à subjetividade, a textura do tex-
to, agora aparece como o próprio medium, indispensável, em
que o sujeito humano compreende a si mesmo (1990, p. 58).

189
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: IMOSOLCOd.e vLvê""cLos ocOd.êIMLcOS

o texto passa a ser, nos marcos dessa compreensão, mais


que um caso particular de comunicação inter-humana, mas o
próprio paradigma do distanciamento na comunicação (1990,
p. 44). Ou seja, o distanciamento no texto não constitui sim-
plesmente um problema para a interpretação, mas justamente
uma condição da interpretação. Nas palavras de Ricoeur: "a
interpretação é a réplica desse distanciamento fundamental
constituído pela objetivação do homem em suas obras de dis-
curso, comparáveis à sua objetivação nos produtos de seu tra-
balho e de sua arte" (p. 52).
A escrita, na compreensão do filósofo, torna o texto au-
tônomo em relação à intenção do autor, ou seja, o que o texto
significa não coincide mais com aquilo que o autor quis dizer.
Com isso, significação verbal e significação mental tem, a par-
tir da escrita, destinos diferentes. O texto deve, segundo Ricoeur,
poder "descontextualizar-se de maneira a deixar-se
recontextualizar numa nova situação" (1990, p. 53), justamen-
te o que acontece no ato de ler.
Ricoeur entende que, a propósito da interpretação de tex-
to, "o que deve ser interpretado [... ] é uma proposição de mun-
do, de um mundo tal como posso habitá-lo para nele projetar
um de meus possíveis mais próprios" (1990, p. 56). Trata-se da
noção de "mundo do texto". Para o filósofo, tanto a ficção como
a poesia visam ao ser, mas não mais sob o modo do ser-dado e
sim sob a maneira do poder-ser:

Sendo assim, a realidade quotidiana se metamorfoseia em


favor daquilo que poderíamos chamar de variações imagina-
tivas que a literatura opera sobre o real [...] A ficção é o cami-
nho privilegiado da descrição da realidade, e a linguagem
poética é aquela que, por excelência, opera o que Aristóteles,
refletindo sobre a tragédia, chamava de a mimesis da realida-
de. A tragédia, com efeito, só imita a realidade, porque a re-
cria através de um mythos, de uma "fábula", que atinge sua
mais profunda essência (p. 57).

190
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""os~í.co cieVLvêYlú~s ~c~ciê""Lc~s

o texto, na compreensão de Ricoeur, é uma mediação


pela qual nos compreendemos a nós mesmos (1990, p. 57).
Compreender é compreender-se diante do texto. Não se trata
de impor ao texto sua própria capacidade finita de compreen-
der, mas de expor-se ao texto e receber dele um si mais amplo,
que seria a proposição de existência respondendo, da maneira
mais apropriada possível, à proposição de mundo (p. 58).
Tais notas a respeito da linguagem, da consciência histó-
rica e da interpretação de texto reconhecem que a linguagem é
constitutiva do humano, no sentido de ser o medium universal
em que se realiza a própria compreensão. Ou seja, reconhecem
que a linguagem é a forma de realização da compreensão e da
interpretação, temas que passamos a discutir no próximo tópi-
co.

()onlpreensão e Interpretação

Gadamer escreve que os costumes de linguagem e de pen-


samento que se formam para o indivíduo, na comunicação
circundante diante da tradição histórica, exercem função pri-
mordial para a hermenêutica. É a consciência crítica que deve
acompanhar o filosofar responsável, colocando os costumes de
linguagem e de pensamento que se formam para o indivíduo
na comunicação com seu mundo circundante diante do fórum
da tradição histórica, da qual todos fazem parte (2007b, p. 33).
O filósofo afirma que a importância da "coisa/obra" re-
pousa também no fato de que ela nos interpela e, inclusive, ex-
põe o homem diante de si mesmo em sua existência determi-
nada moralmente. As "coisas/obras" servem para nos interpe-
lar; os objetos naturais, ao contrário, não estão aí para isso. A
"coisa" proporciona esse encontro do homem consigo mesmo
em um contexto intencional, mas que o homem encontre a si
mesmo na "coisa" não é para ele a confirmação procedente de
algo diferente de si mesmo (2007a, p. 93/4).

191
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""-OSOLCOele vLvê",úos ocoelê",,-í.eos

Na concepção do filósofo, o círculo hermenêutico do tod


e das partes é central para a fundamentação da hermenêutica,
O conceito do todo só pode ser compreendido relativamente..
Assim, a totalidade de sentido que deve ser compreendido na
história e na tradição jamais se refere ao sentido todo da histó-
ria. A tradição histórica deve ser pensada como objeto de com-
preensão histórica ou filosófica. A finitude do compreender é o
modo pelo qual a realidade, a resistência, o absurdo e o incom-
preensível alcançam validez. Quem leva a sério a finitude, deve
levar também a sério a realidade da história (2007a, p. 22).
O modo como experimentamos uns aos outros, como
experimentamos as tradições históricas, as ocorrências natu-
rais de nossa existência e de nosso mundo, forma um universo
hermenêutico, e nele, antes que encerrados em barreiras
estam os abertos ao mundo. Gadamer escreve que compreen-
der não implica auxílio de processos interpretativos. É uma "re-
alização da vida", "ser no mundo", "estar no mundo", pois te-
mos todos capacidade de compreender (2007c, p. 498 ). Assim)
o problema hermenêutico não é um problema de domínio da
língua ou do método, mas de um acordo conjunto sobre um
assunto que se organiza no medium da linguagem (p. 499).
Na perspectiva do autor, ganhar um horizonte significa
"ouvir a voz da coisa", deixar interpelar-se por ela, aprender a
ver para além do que está muito próximo, deslocar-se, fazer a
abstração de si mesmo, representar-nos numa situação dife-
rente; é no sentir desse deslocar, desse projetar-se, que nos tor-
namos conscientes da alteridade e passamos a compreender.
Na experiência do projetar-se é que se tem a possibilidade de
buscar a auto consciência, seja no confronto, seja na concor-
dância dos projetos-prévios, num movimento de entregar-se
ao jogo e dele sairmos modificados (2007a, p. 403).
A interpretação, para o filósofo, começa com conceitos
prévios, que vão sendo substituídos por outros mais adequa-
dos, num movimento de se reprojetar, que perfaz o movimen-

192
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: "M>saico ti.e vLvê"-CLOS acati.b .••.icos

to do sentido de compreender e interpretar. Mas as antecipa-


ções somente podem ser confirmadas nas coisas. Ainda, o que
se apresenta aqui como projeto prévio é o conteúdo que cons-
titui nossa pré-compreensão, com a qual interpretamos (2007b,
p.356/7).
Gadamer entende que os fenômenos da linguagem e da
compreensão se manifestam como um modelo universal do
"ser" e do "conhecimento", o que permite determinar de uma
maneira mais aproximada o sentido da verdade que está em
jogo na compreensão. Já reconhecemos que as palavras pelas
quais uma coisa chega à linguagem são, elas mesmas, um acon-
tecer especulativo. O que nelas se diz é aquilo em que consiste
sua verdade, não uma opinião qualquer encerrada na impo-
tência do particularismo subjetivo. Por isso, para o autor, com-
preender o que alguém diz não é produto de empatia, que adi-
vinha a vida psíquica do falante, mas é a compreensão da situ-
ação e do contexto, que completam o falar até alcançar uma
totalidade de sentido; essa relação está conferida não àquele
que fala, mas ao que foi expresso (2008, p. 629/30).
A compreensão, para o filósofo, é um jogo, não no senti-
do de que aquele que compreende se coloque como jogador,
que domina as regras, abstendo-se de tomar uma posição que
o ligue às pretensões que lhe são colocadas. Mas, para ele, aquele
que compreende já está sempre incluído num acontecimento,
em virtude do qual aquilo que possui sentido acaba se impon-
do. A compreensão nunca está livre de preconceitos, adverte o
autor, embora a vontade do nosso conhecimento deva sempre
buscar escapar de todos os nossos preconceitos. O pensamento
de Gadamer mostra que a certeza proporcionada pelo uso dos
métodos científicos não é suficiente para garantir a verdade
(2008, p. 631).
Gadamer entende que a compreensão acontece sem a
necessidade imediata de assumir uma interpretação manifesta,
pois também nesses casos de compreensão deve ser possível a

193
PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""-Ds~lcD ~e vlvêv\'clDS DCD~ê",,-lcDS

interpretação. Mas isso significa apenas que a interpretação está


potencialmente contida na compreensão. Ela leva a compreen-
são simplesmente à sua demonstração expressa. Pensar a inter-
pretação e a compreensão nos permite destruir a falsa
romantização da imediatez que muitos artistas e conhecedores
cultivaram e cultivam sob o signo da estética do gênio. É certo
que a interpretação não pretende pôr-se no lugar da obra in-
terpretada. Esta não pretende, por exemplo, atrair para si a aten-
ção pela força poética de sua própria expressão. Ao contrário,
ela está tomada de uma acidentalidade fundamental. Isso vale
para a palavra interpretadora, como também para a interpre-
tação reprodutiva. Na perspectiva do autor, a palavra
interpretadora tem sempre algo de acidental, na medida em
que se encontra motivada pela pergunta hermenêutica, não
somente no sentido de preocupações pedagógicas a que se li-
mitou a interpretação na época do Aufk1arung, mas também
porque a compreensão é sempre um verdadeiro acontecer (2008,
p.517/8).
E, no entanto, a linguagem do intérprete é, ao mesmo
tempo, a manifestação abrangente do caráter de linguagem
como tal, que inclui todas as formas de uso da linguagem e
formulações de linguagem. Na compreensão de Gadamer, a
unidade interna entre compreensão e interpretação se confir-
ma precisamente no fato de que, frente ao texto dado, a inter-
pretação, que desenvolve as implicações de sentido de um texto
e as torna expressas pela linguagem, parece uma nova criação,
mas não afirma uma existência própria ao lado da compreen-
são. Já apontamos que os conceitos da interpretação se suspen-
dem quando a compreensão se realizou, porque estavam desti-
nados a desaparecer. Isso significa que não são meios arbitrári-
os, de que se lança mão e em seguida deixam -se de lado, mas
elementos que formam parte da articulação interna da coisa.
Pode-se dizer também que não é enquanto tal que a palavra
interpretadora se faz presente, como acontece com qualquer

194
PESQUISA NA UNNERSIDADE: "",osaLco ele vLvê"'cLas acaelê"",Lcas

outra palavra em que se realiza o pensar. Enquanto realização


da compreensão, ela é a atualidade da consciência da história
efectual e, como tal, é especulativa, ou seja, é inconcebível se-
gundo seu próprio ser e, no entanto, devolve a imagem que se
lhe oferece (2008, p. 611).
O fato de a essência da tradição se caracterizar por seu
caráter de linguagem adquire seu pleno significado herrne-
nêutico quando a tradição se torna externalização ou
objetivação do pensar. A consciência que se compreende libe-
rada de sua dependência da transmissão oral, segundo Gadamer,
traz ao presente as notícias do passado, porém voltada imedia-
tamente para a tradição constituída nas experiências. Nesse sen-
tido, ganha uma possibilidade autêntica de avançar os limites e
ampliar seu horizonte, enriquecendo assim seu próprio mun-
do com uma dimensão de profundidade. A questão está em
voltar novamente a si mesmo e, assim, entender e reconhecer-
se sujeito historicizado (2007a, p. 504).
Falar de tradição no horizonte que Gadamer nos aponta
em sua obra é retomar alguns conceitos alicerçados no passa-
do. É pensar também na esfera de sentido que esses conceitos
enunciam no presente. A tradição se converte numa parte do
próprio mundo e, assim, o que ela nos comunica pode chegar
imediatamente à linguagem. Portanto, quando uma tradição
escrita chega a nós, não só conhecemos algo individual, mas
reconhecemos nela uma humanidade passada em sua relação
universal. Por isso, nossa compreensão fica tão insegura e frag-
mentada naquelas culturas das quais não possuímos nenhuma
tradição de linguagem (2007a, p. 505).
O fato é que os humanos aparentemente compreendem
ou vem sendo capazes de, por assim dizer, ler e atribuir senti-
dos às nervuras ou contexturas que percebem ou produzem a
propósito de si e do mundo ao qual se prendem inape-
lavelmente. Historicamente dispostos à sociabilidade, os hu-
manos, contudo, não estreiam prontos e também não alcan-
çam de uma só vez ou de uma vez por todas a extensão inteira
de suas habilidades e potencialidades.

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PESQUISA NA UNIVERSIDADE: ""'-oso'"o ~e vLvê"'-CLOS OCO~ê""'-LC05

Deste modo, a tradição hermenêutica nos permite pen-


sar a educação como cenário destinado a estimular a pluralidade
de interpretações, o exercício da imaginação e a discussão de
proposições e sentidos com os quais viemos, entre os huma-
nos, historicamente, justificando reciprocamente nosso mun-
do comum ou normativo e também nossos projetos de futuro
para a humanidade.

Referências

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traduzidas por Paulo Rudi Schneider e M. Luiza de Carvalho
Armando.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: Traços funda-
mentais de uma hermenêutíca filosófica. Petrópolis: Vozes,
2008.
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pectiva. Petrópolis: Vozes, 2007a.


____ Hermenêutica
o em retrospectiva 11: A virada
hermenêutica. Petrópolis: Vozes, 2007b.
__ Hermenêutica em retrospectiva III: Hermenêutica
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RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro:
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RUEDELL, Aloísio. O mundo do texto e o mundo possível: o


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Ensino: possibilidades e desafios. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.
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