Fundamentos Do Direito Administrativo

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FUNDAMENTOS DO

DIREITO ADMINISTRATIVO
Autora: Giovana Izidoro Guedes Salomão Romano

Dados Pessoais

Nome:__________________________________________________________

Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: ___________________

Endereço:______________________________________________________

Cidade: _____________________________________ UF:________________

CEP: ________________ Telefone:__________________________________

E-mail:_________________________________________________________

Programa de Pós-Graduação EAD

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI


Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro
Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000
INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-
9090 - www.uniasselvipos.com.br
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli
Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa
Prof. Ivan Tesck

Equipe Pedagógica do IBAM: Prof. Heraldo da Costa Reis


Profa. Márcia Costa Alves da Silva
Profa. Tereza Cristina Baratta

Revisão de Conteúdo: Prof. Marcus Alonso Ribeiro Neves

Revisão Gramatical: Sandra Pottmeier

Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2016
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

342.06
R759f Romano; Giovana Izidoro Guedes Salomão

Fundamentos do direito administrativo / Giovana Izidoro Guedes


Salomão Romano: UNIASSELVI - PÓS, 2016.
127 p. : il.

ISBN 978-85-69910-09-1

1.Direito administrativo.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
PARCERIA ENTRE
IBAM E UNIASSELVI
No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo,
observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência
das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz
à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de
um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas.

A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos


servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar
condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de
controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental.

Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de


gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação
e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas
qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI.

Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que


queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o
cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em
Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI.
A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho
profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários.

A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior,


aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para
o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para
enriquecer o cenário que se quer alcançar.

O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada


de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação;
e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a
articular-se com ele como cidadãos.

Paulo Timm
Superintendente Geral do Instituto
Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

Prof. Carlos Fabiano Fistarol


Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância
Grupo UNIASSELVI
Giovana Izidoro Guedes Salomão Romano

Mestre em Direito Público, Especialista


em Direito Empresarial. Advogada consultora no
âmbito de Licitações e Contratos da Administração,
Consórcios Públicos e Arbitragem. Membro do Instituto
dos Advogados Brasileiros IAB desde 2012. Professora
no programa In Company da Fundação Getúlio Vargas
FGV, Professora convidada do Instituto Brasileiro
de Administração Municipal - IBAM, professora de
programas de graduação e pós-graduação e de
diversos cursos no Estado do Rio de Janeiro.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Introdução ao Direito Administrativo Moderno ................9

CAPÍTULO 2
Princípios que informam a Administração Pública........... 37

CAPÍTULO 3
Estrutura Administrativa..................................................... 61

CAPÍTULO 4
Atividade Administrativa......................................................101
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

O Direito é uno, mas para fins didáticos é dividido em público e privado. O Direito
Administrativo, como disciplina autônoma, dotada de um sistema próprio de princípios
de normas é um ramo do direito público destinado ao estudo da função administrativa
e toda estrutura orgânica que compõe a Administração pública.

A disciplina Fundamentos do Direito Administrativo objetiva fornecer um


instrumental para compreensão do Direito Administrativo como ramo do direito
público que tem objeto próprio, porém não ilhéu, e sim relacionado aos outros
ramos do direito e interpretado à luz da Constituição.

No primeiro capítulo apresenta-se a disciplina, sua origem, dentro de uma


perspectiva crítica, e sua constitucionalização.

No segundo capítulo estudamos os princípios que informam e fundamentam a


disciplina forjando o alicerce sobre o qual desenvolveremos os capítulos seguintes.

No terceiro capítulo conhecemos a estrutura orgânica da Administração


Pública, os agentes, órgãos e entidades que a compõe e compreendemos as
relações de vinculação e subordinação que organizam este complexo sistema.

No último capítulo estudamos as funções tipicamente administrativas, o grau


de vinculação e discricionariedade com que estas funções podem ser exercidas e
as possibilidades de controle destas atividades.

A autora.
C APÍTULO 1

Introdução ao Direito
Administrativo Moderno

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender o Direito Administrativo como ramo do direito público que tem


objeto próprio, porém interpretado à luz da Constituição.

� Refletir sobre o direito administrativo e a capacidade de relacioná-lo com outras


disciplinas, em especial o direito constitucional.
Fundamentos do Direito Administrativo

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Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

Contextualização
O Direito Administrativo como disciplina autônoma, dotada de um sistema
próprio de princípios de normas é uma criação contemporânea ao Estado de
Direito, tem origem atribuída à uma Lei francesa e seus primeiros passos para
tornar-se um ramo autônomo do Direito se deu a partir da jurisprudência do
conselho de estado francês apesar de existirem relatos da existência de regras
próprias do direito administrativo nas civilizações antigas.

O desenvolvimento desta disciplina sempre foi paralelo ao Direito


constitucional, porém foi o movimento de constitucionalização do Direito que,
submetendo toda atividade administrativa ao filtro constitucional, superou
paradigmas estabelecendo uma nova perspectiva do Direito Administrativo e
condicionando-o à realização dos Direitos Fundamentais.

Para entender os efeitos da constitucionalização é essencial a compreensão


da distinção entre o conceito de interesse público primário e secundário, bem
como do regime jurídico de direito público.

Por fim, a constitucionalização acarreta o fenômeno da personalização


administrativa na busca pela efetivação dos Direitos Fundamentais.

Esses são os assuntos a serem tratados no presente capítulo. Serão


destacadas a importância da constitucionalização e seus principais efeitos no
Direito Administrativo na atualidade.

Origem

Podemos identificar a existência de normas disciplinadoras da Relação do
Estado com os administrados nas mais antigas civilizações, é sabido, por exemplo,
que em Roma as grandes tinturarias utilizavam amoníaco para clarear os tecidos.
O amoníaco era fabricado a partir da urina e para tal dispunham recipientes nas
calçadas, mediante aval do Prefeito pretoriano, que funcionavam como banheiros
públicos. Ou seja, os tintureiros precisavam de uma autorização administrativa,
ato administrativo unilateral discricionário e precário, figura comum no Direito
Administrativo hodierno. Porém, ainda que normas disciplinadoras da relação do
Estado com os administrados sejam conhecidas de tão longa data, não se pode
afirmar que o Direito Administrativo exista desde então, isto porque uma disciplina
requer mais que a existência de normas esparsas sobre a matéria, carece de um
sistema autônomo com princípios informativos próprios o que só ocorreu com o
advento do Estado de Direito como bem descreve Mello (1968, p. 61):

11
Fundamentos do Direito Administrativo

O Direito Administrativo constitui disciplina própria do Estado


Moderno, ou melhor, do chamado Estado de Direito, porque
só então se cogitou de normas delimitadoras do Estado Poder
e da sua ação, estabelecendo balizas às prerrogativas dos
governantes, nas suas relações recíprocas, e, outrossim, nas
relações com os governados.

O Direito O Direito Administrativo como disciplina autônoma é uma criação


Administrativo relativamente recente, atribui-se seu “nascimento” à edição de uma
como disciplina Lei francesa, denominada 28 pluvioso do Ano VIII, que equivale ao
autônoma é ano de 1800 no calendário gregoriano, que adotamos hoje. Esta Lei
uma criação organizava e limitava a Administração Pública na sua atuação, ou seja,
relativamente
estabelecia a burocracia estatal, subordinando a atuação do Estado ao
recente, atribui-se
seu “nascimento” primado da Lei na sua relação com os administrados, aqui entendidos
à edição de uma como o povo em geral. A França emergia, por força da revolução de
Lei francesa, 1792, do regime da Monarquia Absoluta dentro do qual a atuação do
denominada 28 Estado era fundada na vontade do soberano que não estava sob a
pluvioso do Ano contenda da Lei.
VIII.
O chamado “Antigo Regime” foi corrente na Europa nos séculos XVI e XVII,
tratava-se do sistema de governo principalmente caracterizado pelo absolutismo
monárquico, no qual o Rei exercia o poder impondo sua vontade absoluta tanto
na elaboração quanto na aplicação das leis, apartado de qualquer processo
democrático. O início do fim deste sistema de governo na Europa é marcado
justamente pela Revolução Francesa que afastou do poder a monarquia absolutista. 

28 pluvioso VIII não é o nome da Lei e, sim, a data em que ela


foi publicada. Ao instituir a república, a França adotou o chamado
“Calendário Republicano” tendo 1792 como ano I da República, neste
calendário o ano era dividido em 12 meses de 30 dias cada um cujos
nomes correspondiam aos fenômenos naturais na região tais como
Brumário (mês das brumas – outubro/novembro), Frimário (mês do
gelo – novembro/dezembro), Nivoso (mês da neve – (dezembro/
janeiro) e Pluvioso (mês das chuvas – janeiro/fevereiro). O calendário
Gregorianos que conhecemos e adotamos até hoje foi restaurado na
França em 1805 por Napoleão.

Apoiados no princípio da separação dos poderes e motivados pela


desconfiança que nutriam pelos juízes do regime monárquico os constituintes
franceses exacerbaram a separação dos poderes no artigo 52 do 22 frimário,

12
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

Ano VIII (constituição francesa de 13 de dezembro de 1799), criando um órgão,


chamado Conselho de Estado, encarregado de decidir, com força de coisa julgada,
as dificuldades que se apresentassem em matéria administrativa, instituindo
assim a dualidade de jurisdição.

Como as normas existentes até então estavam destinadas a Foi o conjunto


de decisões do
disciplinar a relação entre particulares, entre os indivíduos, foi o
Conselho de
conjunto de decisões do Conselho de Estado Francês que desenvolveu Estado Francês
o chamado Direito Administrativo, consubstanciando princípios que que desenvolveu
expressavam um regime exorbitante do regime comum até então o chamado Direito
conhecido, pois não se tratava mais de contenda entre particulares, mas Administrativo,
da relação do Poder Público com os administrados, agindo o primeiro, consubstanciando
princípios que
em nome do interesse de todos os administrados. A jurisprudência deste
expressavam um
órgão estabeleceu princípios informativos do Direito Administrativo regime exorbitante
que estudamos até hoje, perfeitamente assimilados pelo nosso regime do regime
jurídico como o princípio da supremacia do interesse público e a comum até então
insindicabilidade do mérito administrativo pelo poder judiciário. conhecido.

Para compreender melhor o papel das decisões exaradas


pelo Conselho de Estado Francês no desenvolvimento do Direito
Administrativo se faz necessário explicar um dos fundamentos de
sua criação, qual seja, o princípio da separação de poderes.

Não se trata de tema oriundo da Revolução Francesa de 1792, podemos


notar já na obra de Platão “A República” a preocupação em subdividir as funções
do Estado para que não se concentrasse nas mãos de apenas uma pessoa,
desde então a partição do poder do Estado foi objeto de estudo de renomados
pensadores dentre os quais destacamos Aristóteles, aproximadamente 330 anos
antes de Cristo, em sua obra “A Política” vislumbrava as decisões do Estado por
três órgãos diferentes que representariam os poderes Deliberativo, Judiciário
e Executivo. Locke, no final do século XVII, no “Segundo Tratado sobre o
Governo Civil” considerou os poderes Legislativo, Executivo e Federativo sendo
o poder Legislativo superior aos outros dois. Mas foi de fato Montesquieu que,
em 1748 no “O Espírito das Leis”, inseriu o poder judiciário entre os poderes
fundamentais do Estado desenhando o modelo tripartido que se expressa hoje
em grande parte da estrutura dos governos democráticos ocidentais, inclusive na
nossa Constituição em seu artigo 2º como se vê transcrito: Art. 2º - São Poderes
da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário (BRASIL, 1988).

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Fundamentos do Direito Administrativo

O poder político é uno e indivisível, porém exercido harmonicamente por


órgãos com funções distintas autônomas e independentes que constituem
os chamados Poderes do Estado, sendo estes o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário. O que seria esta independência e harmonia dos poderes? Como bem
explica Silva (2014, p. 112):

A independência dos poderes significa: (a) que a investidura


e a permanência das pessoas num órgão do governo não
dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que,
no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não
precisam os titulares consultar os outros nem necessitam
de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos
serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições
constitucionais e legais; [...] A harmonia entre os poderes
verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato
recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que
mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar
que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder
nem a sua independência são absolutas. Há interferências,
que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e
contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do
bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o
demando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados.  

Por que dizemos que o Conselho de Estado Francês seria um exagero desta
independência dos poderes? Porque exclui da apreciação judicial as demandas
de matéria administrativa, criando um órgão específico para decidir tais questões
ampliando assim a independência do Executivo.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

MAIOLINO, Zecchin. Unicidade e Dualidade de Jurisdição:


o Contencioso Administrativo. Revista Eletrônica de Direito do
Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº.
33, janeiro/fevereiro/março de 2013. Disponível em: <http://www.
direitodoestado.com/revista/REDE-33-JANEIRO-2013-EURICO-
MAIOLINO.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2016.

Sistema Administrativo é o regime adotado pelo Estado para o controle de atos


administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público nas diversas
esferas e em todos Poderes. São dois os cernes do sistema administrativo, o

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Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

de origem inglesa, chamado de sistema uno de jurisdição no qual compete ao


judiciário decidir com caráter de definitividade e o de origem francesa no qual se
verifica a dualidade de jurisdição, uma vez que compete ao conselho de estado as
decisões das demandas de matéria administrativa e não ao judiciário.

NOTAS SOBRE O SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

O Sistema Administrativo é o regime adotado pelo Estado para o


controle de atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo
Poder Público nas diversas esferas e em todos Poderes.

I. Sistema inglês ou de unicidade de jurisdição: é aquele em que


todos litígios (administrativos ou exclusivamente privados) podem
ser levados ao Poder Judiciário, único que dispõe de competência
para dizer o direito aplicável aos casos litigiosos, de forma definitiva,
com força chamada de coisa julgada. Esse sistema não implica na
vedação à existência de solução de litígios em âmbito administrativo;
o que se assegura é que qualquer litígio, de qualquer natureza, ainda
que já tenha sido iniciado ou concluído na esfera administrativa,
pode, sem restrições, ser levado à apreciação do Judiciário.
Também não impede a realização do controle de legalidade dos
atos administrativos pela própria Administração Pública que os tenha
editado, bem como a anulação destes em caso de constatação
de existência de vício. Essa competência, a rigor, não traduz uma
faculdade, mas um verdadeiro dever da Administração (poder-dever
de autotutela administrativa).

II. Sistema francês, de dualidade de jurisdição ou sistema do


contencioso administrativo: é aquele em que se veda o conhecimento
pelo Poder Judiciário de atos de Administração Pública, ficando estes
sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo,
formada por tribunais de índole administrativa. Há, portanto, uma
dualidade de jurisdição: a jurisdição administrativa (tribunais
de natureza administrativa, com plena jurisdição em matéria
administrativa) e a jurisdição comum (órgãos do Poder Judiciário,
com competência de resolver os demais litígios).

III. Sistema brasileiro: o Brasil adotou o chamado sistema inglês


(de jurisdição única ou de controle judicial), em que todos os litígios
são resolvidos definitivamente pelo Poder Judiciário. O princípio
da inafastabilidade como garantia individual, ostentando status

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Fundamentos do Direito Administrativo

de cláusula pétrea constitucional, encontra-se expresso no inciso


XXXV do art. 5º da CF, no qual, por força desse dispositivo, “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”. Isto não significa retirar da Administração Pública o poder de
controlar os seus próprios atos; há órgãos de índole administrativa
com competência específica, que decidem litígios da mesma
natureza. A diferença é que as decisões dos órgãos administrativos
não são dotadas da força e da definitividade próprias das decisões
do Judiciário (não fazem coisa julgada em sentido próprio, ficando
sujeitas à revisão do Poder Judiciário, sempre mediante provocação).

Fonte: Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.


php?pagina=artigos&id=4084>. Acesso em: 28 mar. 2016.

No Brasil o direito
No Brasil o direito administrativo começa a se desenvolver apenas
administrativo
começa a se em 1851 com a criação da cátedra da matéria nas universidades de
desenvolver São Paulo e Recife e só tem a primeira obra publicada sobre o assunto
apenas em 1851 em 1857 em Recife, intitulada Elementos de Direito Administrativo
com a criação da brasileiro comparado com o Direito francês, segundo o método de
cátedra da matéria Pradier-Fodéré, de autoria do Doutor Vicente Pereira do Rego.
nas universidades
de São Paulo e
Recife e só tem Os fatos são estes, mas a interpretação dada aos referidos
a primeira obra fatos não estaria um tanto romanceada? De uma hora para outra
publicada sobre o o antigo regime seria rompido e as práticas perpetradas por séculos
assunto em 1857. inteiramente substituídas por um novo sistema de resolução de conflitos
com a Administração, absolutamente despido dos vícios de autoridade
tão incorporados ao sistema? Em resposta a tais questionamentos,
A associação da
gênese do direito Binenbojm (2006, p. 11) diz:
administrativo
ao advento do A associação da gênese do direito administrativo ao advento
Estado de direito do Estado de direito e do princípio da separação dos poderes
e do princípio da na França pós-revolucionária caracteriza erro histórico e
reprodução acrítica de um discurso de embotamento da
separação dos
realidade repetido por sucessivas gerações [...].
poderes na França O Direito Administrativo não surgiu da submissão do Estado
pós-revolucionária à vontade heterônoma do legislador. Antes, pelo contrário, a
caracteriza formulação de novos princípios gerais e novas regras jurídicas
erro histórico pelo Conseil d`État, que tornaram viáveis soluções diversas
e reprodução das que resultariam da aplicação mecanicista do direito civil
acrítica de um aos casos envolvendo a Administração Pública, só foi possível
discurso de em virtude da postura ativista e insubmissa daquele órgão
embotamento da administrativo à vontade do Parlamento.
realidade repetido [...]
por sucessivas O surgimento do direito administrativo, e de suas categorias
jurídicas peculiares (supremacia do interesse público,
gerações.
16
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

prerrogativas da Administração, discricionariedade, insindica-


bilidade do mérito administrativo, dentre outras), representou
antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas
administrativas do antigo Regime que a sua superação.
A juridicização embrionária da Administração Pública não
logrou subordiná-la ao direito; ao revés, serviu-lhe apenas de
revestimento e aparato retórico para sua perpetuação fora da
esfera de controle dos cidadãos.

Traduzido do Francês, Conseil d`État significa Conselho


de Estado, trata-se de órgão criado na França em 1799 com
competência para examinar julgamentos de conflitos de causas em
que a administração é parte; auxiliar na redação de projetos de leis,
nas ordenanças e decretos do próprio Conselho e na interpretação
de textos administrativos.

É a mais alta corte do sistema administrativo francês possuindo


um duplo papel: em termos legais é a última instância competente
para decidir os litígios relativos a atos de governo (Estado, município,
província etc.) e em termos de elaboração de projetos de lei, portarias
e determinados decretos, tem um papel consultivo para o Parlamento
e o Governo emitindo pareceres.

Neste cenário torna-


Neste cenário torna-se mais relevante a ideia de constitucionalização -se mais relevante a
do direito administrativo como meio de submeter este regime ideia de constitucio-
exorbitante, arraigado na prepotência do poder do Estado, aos preceitos nalização do direito
fundamentais. administrativo como
meio de submeter
O Direito Administrativo é então alcançado pelo paradigma este regime exor-
bitante, arraigado
constitucional, uma nova leitura de seus preceitos será feita, agora
na prepotência do
com a lente da constituição. É o fenômeno da constitucionalização poder do Estado,
abarcando o Direito Administrativo. aos preceitos funda-
mentais.

Direito Administrativo, sua


ConstitucionalizaçãoeCondicionamento
Pelos Direitos Fundamentais

17
Fundamentos do Direito Administrativo

Como ensina Di Pietro (2012, p. 4) “o desenvolvimento do direito adminis-


trativo nunca se afastou do direito constitucional [...]. É na constituição que se
encontram os fundamentos de seus principais institutos”.

Podemos falar em constitucionalização do direito administrativo sob


dois aspectos, em primeiro temos a ideia de continência, acima citada, nesta
concepção a constitucionalização constitui-se no fato dos principais institutos de
direito administrativo estarem disciplinados na Carta Magna.

Nesse sentido a constitucionalização do direito administrativo não é uma


inovação, a Carta de 1934 já trazia regras sobre vários temas, como as contidas
nos artigos 113, 17 (desapropriação), 113, 33 (mandado de segurança), 168 à
173 (servidores públicos), 171 (responsabilidade civil do estado), o que foi
significativamente ampliado na CRFB/88 com um capítulo inteiramente dedicado
à Administração Pública.
O segundo aspecto,
este sim recente O segundo aspecto, este sim recente e inovador é a
e inovador é a constitucionalização de valores e princípios que passam a submeter
constitucionalização a atuação do Estado seja na função administrativa, legislativa ou
de valores e jurisdicional, na explicação de Schmidt (2003, p. 51) “as decisões
princípios que
constitucionais fundamentais são, a um só tempo, os valores básicos
passam a submeter
a atuação do Estado do Direito Administrativo”.
seja na função
administrativa, Nas palavras de Di Pietro (2012), ao considerar o movimento de
legislativa ou constitucionalização do direito administrativo no contexto internacional
jurisdicional. desde a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949:

O direito brasileiro, evidentemente, seguiu a mesma evolução,


chegando à fase atual, caracterizada pela valorização dos
direitos fundamentais e pela atribuição, aos princípios e
valores previstos na Constituição, de papel de orientador das
três funções do Estado (DI PIETRO, 2012, p. 7).

Neste sentido Barroso (2012, p. 32, grifos nossos) explica:

A idéia de constitucionalização do direito aqui explorada está


associada a um efeito expansivo das normas constitucionais,
cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força
normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins
públicos e os comportamentos contemplados nos
princípios e regras da Constituição passam a condicionar
a validade e o sentido de todas as normas do direito
infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização
repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e

18
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

notadamente nas suas relações com os particulares. Porém,


mais original ainda: repercute, também, nas relações entre
particulares. Veja-se como este processo, combinado
com outras noções tradicionais, interfere com as esferas
anteriormente referidas. Relativamente ao Legislativo, a
constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou
liberdade de conformação na elaboração das leis em geral
e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para
realização de direitos e programas constitucionais. No
tocante à Administração Pública, além de igualmente (i)
limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres
de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade
para a prática de atos de aplicação direta e imediata da
Constituição, independentemente da interposição do
legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve
de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele
desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii)
condiciona a interpretação de todas as normas do sistema.
Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua
autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de
contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a
valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.

Nas palavras de Binembojm (2006, p. 69):

A passagem da Constituição para o centro do ordenamento


jurídico representa a grande força motriz da mudança de
paradigmas do direito administrativo na atualidade. A supremacia
da Lei Maior propicia a impregnação da atividade administrativa
pelos princípios e regras naquela previstos, ensejando uma
releitura dos institutos e estruturas da disciplina pela ótica
constitucional.

DIREITO ADMINISTRATIVO

Na quadra presente, três conjuntos de circunstâncias


devem ser considerados no âmbito da constitucionalização do
Direito Administrativo no Brasil: a) a existência de uma vasta
quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da
Administração Pública; b) a sequência de transformações sofridas
pelo Estado brasileiro nos últimos anos; c) a influência dos princípios
constitucionais sobre as categorias do direito administrativo. Todas
elas se somam para a configuração do modelo atual, no qual diversos
paradigmas estão sendo repensados ou superados.

19
Fundamentos do Direito Administrativo

[...] A Constituição brasileira de 1988 discorre amplamente sobre


a Administração Pública, com censurável grau de detalhamento e
contendo um verdadeiro estatuto dos servidores públicos. Nada obstante,
contém algumas virtudes, como a dissociação da função administrativa
da atividade de governo e a enunciação expressa de princípios setoriais
do Direito Administrativo [...]. A Emenda Constitucional nº 19, de
04.06.1998, acrescentou ao elenco o princípio da eficiência. A propósito,
a tensão entre a eficiência, de um lado, e a legitimidade democrática, de
outro, é uma das marcas da Administração Pública na atualidade.

De parte isso, deve-se assinalar que o perfil constitucional do Estado


brasileiro, nos domínios administrativo e econômico, foi alterado por um
conjunto amplo de reformas econômicas, levadas a efeito por emendas
e por legislação infraconstitucional, e que podem ser agrupadas em três
categorias: a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro,
a flexibilização de monopólios estatais e a desestatização. Tais
transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação
do Poder Público, tanto no que diz respeito à prestação de serviços
públicos como à exploração de atividades econômicas. A diminuição
expressiva da atuação empreendedora do Estado transferiu sua
responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos
serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que
exigem regime especial. Foi nesse contexto que surgiram as agências
reguladoras, via institucional pela qual se consumou a mutação do papel
do Estado em relação à ordem econômica.

Por fim, mais decisivo do que tudo para a constitucionalização do


Direito Administrativo foi a incidência no seu domínio dos princípios
constitucionais — não apenas os específicos, mas sobretudo os de
caráter geral, que se irradiam por todo o sistema jurídico. Também
aqui, a partir da centralidade da dignidade humana e da preservação
dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das relações entre
Administração e administrado, com a superação ou reformulação de
paradigmas tradicionais.

Fonte: Barroso (2006, p. 58).

Nestes termos a constitucionalização do Direito Administrativo condiciona


o exercício da atividade administrativa aos direitos fundamentais, é como se
toda função administrativa do Estado fosse filtrada pela Constituição, passando
a ser contrária a legalidade qualquer atuação incompatível com os princípios,

20
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

Nestes termos a
direitos e garantias fundamentais. Estando a Constituição no centro do constitucionali-
ordenamento jurídico, toda interpretação jurídica passa a ser também zação do Direito
interpretação constitucional. Administrativo
condiciona o exer-
cício da atividade
Nenhuma peça do ordenamento pode colidir com princípios e
administrativa aos
valores constitucionais, estando todo e qualquer intérprete de todo direitos fundamen-
ramo do Direito submetido a esta “filtragem constitucional” da qual não tais, é como se
se poderá afastar também o Direito Administrativo. toda função admi-
nistrativa do Estado
fosse filtrada pela
Constituição, pas-
sando a ser con-
trária a legalidade
qualquer atuação
incompatível com
os princípios,
direitos e garantias
fundamentais.

Nenhuma peça
do ordenamento
pode colidir com
princípios e valores
constitucionais.

Sobre o tema “filtragem constitucional” recomenda-se para


consulta a obra:

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional, Porto


Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1999.


Na visão de Barroso (2006, p. 49) a toda interpretação aplicar-se-á a
Constituição seja direta ou indiretamente:

a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma


norma do próprio texto constitucional. Por exemplo: o pedido
de reconhecimento de uma imunidade tributária (CF, art. 150,
VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio
ilícito (CF, art. 5º, LVI);

b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma


norma infraconstitucional, por duas razões:

21
Fundamentos do Direito Administrativo

(i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se


ela é compatível com a Constituição, porque se não for, não
deverá fazê-la incidir. Esta operação está sempre presente no
raciocínio do operador do Direito, ainda que não seja por ele
explicitada; (ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar
seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.
O agente público
deve trabalhar para A constitucionalização opera de forma prática sobre a
realizar a vontade atividade administrativa? Sim, inegavelmente o agente público está
constitucionalmente
irremediavelmente submetido à Constituição, a tradicional expressão
estabelecida.
“o administrador só pode fazer o que a lei permite” foi substituída pela
O controle ideia de que ao administrador só cabe agir em acordo com as diretrizes
judicial dos atos constitucionais, ou seja, deve trabalhar para realizar a vontade
administrativos constitucionalmente estabelecida. Claro que está submetido à lei, mas
se amplia esta interpretada sob a luz constitucional.
consideravelmente
na medida em
Qual a consequência desta nova perspectiva constitucional para
que o conceito
de legalidade é controle dos atos administrativos? É fácil identificar que o controle
ampliado. judicial dos atos administrativos se amplia consideravelmente na
medida em que o conceito de legalidade é ampliado. Além da legalidade
Uma conduta pode estrita é legítimo ao judiciário apreciar se determinada conduta, ainda
estar objetivamente que prevista em lei, foi operada em conformidade com os princípios e
descrita em lei e valores expressos ou implícitos na Constituição.
ser empregada

para atender a
fins pessoais Não estamos aqui legitimando o controle judicial do mérito
absolutamente administrativo, isso seria ofender o princípio da separação e harmonia
dissociados do dos poderes anteriormente estudados, e sim, compreendendo que
interesse público. a legalidade transborda a letra fria da lei. Uma conduta pode estar
objetivamente descrita em lei e ser empregada para atender a fins
pessoais absolutamente dissociados do interesse público.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 635)


o denominado mérito administrativo pode ser explicado nas
seguintes palavras:

Em vista o exato Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que


atendimento da efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para
que o administrador, segundo critérios de conveniência
finalidade legal, ante
e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções
a impossibilidade de
admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o
ser objetivamente exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade
identificada qual de ser objetivamente identificada qual delas seria a única
delas seria a única adequada.
adequada.
22
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

 
No entendimento de Seabra Fagundes (1951, p. 3-5):

O mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo,


concernente ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob
critérios comparativos. Ao ângulo do merecimento, não
se diz se o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não o que
devia ser, que é bom ou mau, que é pior ou melhor do que
outro. E por isso é que os administrativistas o conceituam,
uniformemente, como o aspecto do ato administrativo
relativo à conveniência, à oportunidade, à utilidade intrínseca
do ato, à sua justiça, à fidelidade aos princípios de boa
gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos,
inspiradores da atividade estatal.

Conceitos típicos
do regime jurídico
De que forma a constitucionalização opera sobre os clássicos de direito público
pilares do direito administrativo, em especial o princípio da supremacia considerados
do interesse público? De fato, é outro aspecto que precisa ser absolutos e
mencionado em relação à consequência prática da constitucionalização irremediáveis são
reinterpretados
do direito administrativo. Conceitos típicos do regime jurídico de direito
sob a ótica
público considerados absolutos e irremediáveis são reinterpretados sob constitucional.
a ótica constitucional.

Barroso (2006, p. 59) destaca, dentre os paradigmas do direito administrativo


superados ou reformulados pela constitucionalização:

a) a redefinição da ideia de supremacia do interesse público


sobre o interesse privado. [...]

b) a vinculação do administrador à Constituição e não apenas


à lei ordinária.
Supera-se, aqui, a idéia restrita de vinculação positiva do
administrador à lei, na leitura convencional do princípio da
legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo
que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador
pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição
e independentemente, em muitos casos, de qualquer
manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade
transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade
ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade,
compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa
ordem.

c) a possibilidade de controle judicial do mérito do ato


administrativo.
O conhecimento convencional em matéria de controle
jurisdicional do ato administrativo limitava a cognição dos juízes
e tribunais aos aspectos da legalidade do ato (competência,
forma e finalidade) e não do seu mérito (motivo e objeto), aí
23
Fundamentos do Direito Administrativo

incluídas a conveniência e oportunidade de sua prática. Já não


se passa mais assim. Não apenas os princípios constitucionais
gerais já mencionados, mas também os específicos,
como moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade-
proporcionalidade permitem o controle da discricionariedade
administrativa (observando-se, naturalmente, a contenção e a
prudência, para que não se substitua a discricionariedade do
administrador pela do juiz).

Para compreender este redimensionamento é necessário ter uma visão do
que seja o chamado regime jurídico de direito público bem como distinguir as
noções de interesse público primário e secundário.

Atividade de Estudos:

1) Sabedor de que os fins públicos e os comportamentos


contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a
condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito
infraconstitucional no qual inclui-se o direito administrativo, a
Administração Pública passa a ter discricionariedade limitada por
estes princípios e regras que passam a impor a ela deveres de
atuação e a fundamentar a validade dos atos por ela praticados
independentemente de normas infraconstitucionais.

Assim, a vedação à prática do nepotismo, consagrado na Súmula


Vinculante n° 13, decorrendo da própria Constituição Federal,
que, ao impor a observância dos princípios insculpidos no art.
37, caput, especialmente do princípio da moralidade, proíbe a
nomeação de parentes para o exercício de cargos em comissão
e funções em confiança para ser aplicável no âmbito do Poder
Executivo exigiria a edição de lei formal?
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Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

Regime Jurídico de Direito Público


Na concepção de Bastos (2001, p. 26) o direito em si seria “o conjunto
de normas e princípios que regem a atividade do Estado, a relação deste com
os particulares, assim como o atuar recíproco dos cidadãos, e de que o direito
administrativo é um dos ramos do direito público interno [...]” nesta lógica o regime
de direito privado seria destinado à disciplinar o atuar recíproco entre os cidadãos
e o direito público as atividades do Estado e a relação deste com os particulares. A
doutrina, classicamente divide, por assim dizer, o Direito em dois grandes ramos, a
saber, o público e o privado, mas tal separação é simples e efetivamente para fins
didáticos, pois o Direito é uno. Simplificando
podemos falar
Simplificando podemos falar em regime de direito público quando em regime de
tratar-se da atuação do Estado ou da sua relação com os particulares, direito público
mas sempre agindo na qualidade de Estado. quando tratar-se
da atuação do
Estado ou da sua
Destacamos os conceitos de Di Pietro (2006, p. 61): relação com os
particulares, mas
A expressão regime jurídico administrativo é sempre agindo
reservada tão-somente para abranger o conjunto na qualidade de
de traços, de conotações que tipificam o Direito
Estado.
Administrativo, colocando a Administração Pública
numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-
administrativa.
Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo
resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e
sujeições.

Para Justen Filho (2008, p. 48):

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de


normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades
e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta
ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais,
caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela
vinculação à satisfação de determinados fins.

E ainda a conceituação de Mello (2015, p. 55):

O regime de direito público resulta da caracterização normativa


de determinados interesses como pertinentes à sociedade e não
aos particulares considerados em sua individuada singularidade.
Juridicamente esta caracterização consiste, no Direito
Administrativo, segundo nosso modo de ver, na atribuição de uma
disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente se delineia
25
Fundamentos do Direito Administrativo

em função da consagração de dois princípios: a) supremacia


A atuação da do interesse público sobre o privado; b) indisponibilidade, pela
Administração, dos interesses públicos.
Administração
Pública, agindo
nesta qualidade, Dos conceitos acima transcritos podemos concluir que a atuação
atrai prerrogativas, da Administração Pública, agindo nesta qualidade, atrai prerrogativas,
características características que colocam a Administração em situação privilegiada,
que colocam a
porém com a mesma força se impõe o condicionamento do uso
Administração
em situação destas prerrogativas à satisfação dos fins e obediência aos princípios
privilegiada, porém que limitam a atuação. Afinal, se não obedecidos os princípios
com a mesma constitucionais ou desviada da finalidade pública a atuação é irregular
força se impõe o e os atos passíveis de anulação.
condicionamento
do uso destas
Podemos exemplificar prerrogativas características do regime
prerrogativas à
satisfação dos jurídico de direito público? Sim, os atos praticados pela Administração
fins e obediência gozam de presunção de legitimidade, legalidade e veracidade, assim,
aos princípios que ao particular que for prejudicado por um ato da Administração é
limitam a atuação. que caberá o dever de provar que tal ato contraria a lei ou que não
são verdadeiros os fatos que o justificam. Em consequência desta
prerrogativa o ato da Administração produzirá seus efeitos normalmente até que
seja declarada a nulidade. Outra prerrogativa característica da Administração é a
possibilidade de alterar unilateralmente os contratos administrativos nos limites
permitidos pela lei (Lei 8666/93 Artigos 58, I e 65). Outro exemplo significativo é
o Poder de Polícia, poder-dever que tem a Administração de limitar, condicionar e
restringir bens, direitos e liberdades individuais em atenção ao interesse público, o
qual é dividido em primário e secundário.

Interesse Público Primário e


Secundário
Depreende-se do ponto anterior que a delimitação do significado de “interesse
público” é primordial para a compreensão do regime jurídico administrativo, afinal
sua realização é o objetivo da atuação da Administração e o que justifica as
prerrogativas que a Lei à ela atribui.
Em vista o exato
atendimento da
O interesse público é o interesse de todos, não a soma de
finalidade legal, ante
a impossibilidade de interesses individuais próprios de cada indivíduo e, sim, o interesse do
ser objetivamente conjunto social. Não podemos compreender o interesse público como
identificada qual inteiramente oposto ao interesse de cada um, afinal se o todo é formado
delas seria a única por indivíduos, o interesse deste todo não pode ser completamente
adequada. divergente do interesse de cada um. Exemplificando esta colocação
podemos citar a desapropriação do imóvel de um indivíduo para a
construção de uma via expressa que fará a ligação entre duas zonas da cidade, é

26
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

obvio que o direito de propriedade do indivíduo foi superado pelo interesse público,
mas não se pode dizer que aquele indivíduo não será atendido pela efetivação da
obra pública.
Interesse público
(i) primário — isto
Nas palavras de Mello (2015, p. 60):
é, o interesse
da sociedade,
O interesse do todo, do conjunto social, nada
sintetizado em
mais é que a dimensão pública dos interesses
individuais, ou seja, dos interesses de cada valores como
indivíduo enquanto partícipe da sociedade justiça, segurança
(entificada juridicamente no Estado). e bem-estar social.

O interesse público é então o interesse do todo social e esta sociedade é


entificada pelo Estado. Essa afirmativa pode levar à uma conclusão equivocada,
de que todo interesse do Estado é um interesse público.

Entificada é o mesmo que personificada.

Para não cair nesta redundância é que se faz necessário distinguir o interesse
público primário e o secundário.

Segundo Barroso (2004, p. 59-60) é possível distinguir interesse público


primário e secundário da seguinte forma:

Em relação a este tema, deve-se fazer, em primeiro lugar, a


distinção necessária entre interesse público (i) primário —
isto é, o interesse da sociedade, sintetizado em valores como
justiça, segurança e bem-estar social — e (ii) secundário, que
é o interesse da pessoa jurídica de direito público (União,
Estados e Municípios), identificando-se com o interesse da
Fazenda Pública, isto é, do erário. Pois bem: o interesse
público secundário jamais desfrutará de uma supremacia a
priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos
entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder
à ponderação desses interesses, à vista dos O interesse
elementos normativos e fáticos relevantes para o
individual do Estado
caso concreto.
como pessoa
jurídica é o que
Não há dúvida que o Estado é pessoa jurídica e como tal possui chamamos de
interesses que são próprios, individuais, estes não se confundem com interesse público
o interesse público propriamente dito. O interesse individual do Estado secundário.
como pessoa jurídica é o que chamamos de interesse público secundário
e o interesse público primário é o que se atribui ao todo social.

27
Fundamentos do Direito Administrativo

Torres e Baltar Neto (2012, p. 45) conceituam:

A posição de supremacia entre o Poder Público e o


administrado é vista sobre novo prisma. A doutrina moderna
diferencia o interesse público primário, representado pelo
interesse da sociedade, materializada pela proteção ao
ambiente democrático e aos direitos fundamentais, do
interesse público secundário, representado pelo interesse da
máquina administrativa, enquanto pessoa ou órgão.

Se o interesse público primário ainda resguarda primazia, em


relação aos interesses individuais, é também verdade que hoje,
colisões entre o interesse do particular e o interesse público
secundário (interesse da máquina administrativa, enquanto
pessoa detentora de direitos e deveres), são solucionadas de
acordo com os princípios, as normas e os elementos fáticos
concretos, por vezes privilegiando o indivíduo, em detrimento
da Administração.

Tal distinção traz a necessária conclusão de que o interesse público
secundário só é legítimo quando compatível com o interesse público primário.

BATISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo.


Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público


ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito
administrativo. Revista de Direito Administrativo, 239:1, 2005.

Como poderíamos determinar o que é interesse público primário? Quem delimita


esse universo é a Constituição e a partir dela, as leis. Realizar concretamente os
preceitos constitucionais é realizar o interesse público primário. Exemplificando: em
decorrência de uma obra pública determinado indivíduo teve considerável prejuízo
material, o Estado, defendendo seu patrimônio, pretende pagar a menor indenização
possível. É obvio que tal conduta do Estado se divorcia do interesse público primário
(o Estado deve se responsabilizar pelos danos que causar a terceiros, CRFB/88 artigo
37, §6º.) em benefício do interesse público secundário (proteção do patrimônio do ente
federativo) que neste caso não pode ser considerado legítimo.

O objetivo da administração é a realização concreta do interesse público

28
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

primário constitucionalmente estabelecido, podemos afirmar que a atividade


administrativa, portanto seria a realização concreta dos direitos fundamentais, o que
é denominado de personalização do Direito Administrativo.

A Personalização do Direito
Administrativo Realizar
concretamente
os preceitos
A personalização do Direito Administrativo é um fenômeno constitucionais é
decorrente diretamente da Constitucionalização, e do Estado realizar o interesse
Democrático de Direito que consiste na efetivação de medidas para público primário.
realização concreta dos direitos fundamentais constitucionalmente
estabelecidos, bem como efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo Justen Filho (2008, p. 47):

A personalização do direito administrativo propicia reconhecer


que a administração pública não é um valor em si mesma.
Também aqui a diretriz primeira é a democracia e o respeito
aos direitos fundamentais. A atividade administrativa do Estado
tem de nortear-se pela realização desses valores, inclusive
(e especialmente) quando se trata de interesses de minorias.
Não se admite que os titulares do poder político legitimem suas
decisões invocando meramente a “conveniência” do interesse
público e produzindo, concretamente, o sacrifício do valor
fundamental (direitos fundamentais das minorias, por exemplo).
O núcleo do direito administrativo não é o poder (e suas
conveniências), mas a realização dos direitos fundamentais.
Qualquer invocação genérica ao “interesse público” deve ser
repudiada como incompatível com o Estado Democrático de
Direito.

O interesse público é indisponível à administração que deve agir para efetivá-


lo, como bem diz Medauar (2010, p. 134):

Segundo tal princípio, é vedado à autoridade administrativa


deixar de tomar providências ou retardar providências que
são relevantes ao atendimento do interesse público, em
virtude de qualquer outro motivo. Por exemplo: desatende ao
princípio a autoridade que deixar de apurar a responsabilidade
por irregularidade de que tem ciência; desatente ao princípio
a autoridade que deixar de cobrar débitos com a Fazenda
Pública.

A efetivação de medidas concretas para realização dos direitos fundamentais é

29
Fundamentos do Direito Administrativo

uma obrigação da Administração, assim sua inércia diante da necessidade também é


inadmissível, seria abuso de poder por omissão.

Atividade de Estudos:

1) Considerando a personalização do direito administrativo como a


realização concreta dos direitos fundamentais, consequência do
fenômeno da constitucionalização, e os direitos fundamentais
como caracterizadores do interesse público primário. Que
serviços públicos você identifica como atividades administrativas
voltadas à realização concreta de direitos fundamentais descritos
no artigo 5º. da Constituição Federal?
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A efetivação de
medidas concretas
Algumas Considerações
para realização
O direito administrativo nasce junto com a noção de Estado de
dos direitos
fundamentais é Direito, se o Estado está submetido à lei, sua atuação prática também
uma obrigação da precisa estar. O direito administrativo então se desenvolve a partir desta
Administração. máxima e se consagra como disciplina autônoma com um conjunto
harmônico de princípios e normas, estabelecido sobre pilares como a
supremacia do interesse público, legalidade estrita e impossibilidade de revisão
judicial do mérito administrativo.

O fenômeno da constitucionalização alcança o direito administrativo

30
Capítulo 1 Introdução ao Direito Administrativo Moderno

mergulhando-o na perspectiva constitucional o que supera ou recondiciona


os paradigmas até então absolutos, condicionando o exercício da atividade
administrativa aos direitos fundamentais.
Os princípios que informam a atividade administrativa estão, portanto,
expressos e implícitos na Constituição como será visto no próximo capítulo.

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista da Escola
Nacional de Magistratura (ENM). Brasília Ano 1 – nº 2, p. 26-72, out. 2006.

_______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional


brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I. n. 6, 2004.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2001.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos


Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2016.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito


administrativo: reflexos sob o princípio da legalidade e a discricionariedade
administrativa. Atualidades Jurídicas – Revista do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 83-106, jan./jun. 2012.

JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Editora


Saraiva. São Paulo, 2008. p. 48.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010. p. 134.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed.
Editora Malheiros. São Paulo, 2015, p. 55; p 635.

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito


administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1968, v. I, p. 61.

31
Fundamentos do Direito Administrativo

SEABRA FAGUNDES, Miguel. Conceito de mérito no Direito Administrativo.


Revista de Direito Administrativo, v. 23, janeiro/março, Rio de Janeiro, 1951. p.
3-5
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 112.

SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard: La teoría general del Derecho Administrativo


como sistema, Marcial Pons/Instituto Nacional de Administración Pública,
Madrid, 2003, p.51.

TORRES, Ronny Charles Lopes de; BALTAR NETO, Fernando Baltar. Direito
Administrativo. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 45.

32
C APÍTULO 2
Princípios que Informam
a Administração Pública

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer as proposições setoriais que se colocam na raiz dos institutos


administrativos, legitimando-os.

� Compreender a aplicação prática destes fundamentos.


Fundamentos do Direito Administrativo

34
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

Contextualização
Princípios são normas que servem de interpretação das regras jurídicas,
apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos aplicadores da lei. Os
princípios têm como função eliminar as lacunas, oferecendo coerência e harmonia
para o ordenamento jurídico.

São muitos os critérios para definir um princípio, para fins didáticos tratamos dos
princípios constitucionais da Administração Pública expressos na Constituição de 1988.

Considerando o que foi estudado no capítulo 1, analisamos os conceitos


de legitimidade e a possibilidade de estabilizar um ato ilegal ou inconstitucional
ponderando com a proteção à confiança legítima.

Introdução ao Estudo dos Princípios


Em âmbito científico o significado de princípio está associado aos
São os princípios
fins de cada ramo da ciência. São os princípios que conferem solidez,
que conferem
direção, disciplina e clareza de objetivos para estas ciências. solidez, direção,
disciplina e clareza
Na ciência jurídica os princípios têm a mesma função, Figueiredo de objetivos para
(2001, p. 38) define princípios como: “[...] normas gerais, abstratas, estas ciências.
não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais
todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado
Democrático de Direito, em sentido material deve respeito”.

No dizer de Carrazza (1997, p. 31):

Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou


explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição
de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso
mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a
aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.

Para Lucon (1999, p. 92):

[...] nas ciências jurídicas, os princípios tem a grande


responsabilidade de organizar o sistema e atuar como elo
de ligação de todo o conhecimento jurídico com finalidade
de atingir resultados eleitos; por isso, são também normas
jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente
superior as ‘normas comuns’.

35
Fundamentos do Direito Administrativo

No conceito de Harger (2001, p. 16) princípios são:

[...] normas positivadas ou implícitas no ordenamento jurídico,


com um grau de generalidade e abstração elevado e que,
em virtude disso, não possuem hipóteses de aplicação pré-
determinadas, embora exerçam um papel de preponderância
em relação às demais regras, que não podem contrariá-
los, por serem as vigas mestras do ordenamento jurídico
e representarem os valores positivados fundamentais da
sociedade.

Segundo Lopes (1999, p. 55) princípio seria o:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce


dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir
a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere à tônica e lhe dá sentido harmônico.

Apenas com a Contudo, não foi sempre que os princípios ocuparam lugar de
superação do destaque no Direito, apenas com a superação do jusnaturalismo
jusnaturalismo e e do positivismo os princípios foram levados ao centro do Direito,
do positivismo osincorporados de forma implícita ou expressa aos textos constitucionais,
princípios foram
reconhecidos como norma e valorizados. Surge, então, uma nova
levados ao centro
do Direito. interpretação constitucional, cabendo ao intérprete a aplicação dos
princípios mediante ponderação entre os fatos e as normas buscando
solução justa para o caso concreto como você verá explicado a seguir:

II. PÓS- POSITIVISMO E A ASCENSÃO DOS PRINCÍPIOS

O jusnaturalismo moderno, que começou a formar-se a partir do


século XVI, dominou por largo período a filosofia do Direito. A crença
no direito natural – isto é, na existência de valores e de pretensões
humanas legítimas que não decorrem de uma norma emanada do
Estado – foi um dos trunfos ideológicos da burguesia e o combustível
das revoluções liberais. Ao longo do século XIX, com o advento do
Estado liberal, a consolidação dos ideais constitucionais em textos
escritos e o êxito do movimento de codificação, o jusnaturalismo
chega ao seu apogeu e, paradoxalmente, tem início a sua superação
histórica. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural é
empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do
final século XIX1.

36
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

O positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada


no poder do conhecimento científico. Sua importação para o Direito
resultou no positivismo jurídico, na pretensão de criar-se uma ciência
jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A
busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e
não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores
transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter
imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como todas as demais,
deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da
realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de
posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve
travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça2.

Sem embargo da resistência filosófica de outros movimentos


influentes nas primeiras décadas do século XX3, a decadência do
positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo
na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos
e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade
vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais
acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a
obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim
da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico
indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente
formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais
aceitação no pensamento esclarecido4.

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso O pós-positivismo
político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo é a designação
e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função provisória e gené-
rica de um ideário
social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação
difuso, no qual se
provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a incluem a definição
definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos das relações entre
da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos valores, princípios
direitos fundamentais5, edificada sobre o fundamento da dignidade e regras, aspectos
humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita da chamada nova
hermenêutica
ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela
constitucional, e a
ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente teoria dos direitos
de reaproximação entre Direito e Ética. fundamentais

Gradativamente, diversas formulações antes dispersas ganham


unidade e consistência, ao mesmo tempo em que se desenvolve o
esforço teórico que procura transformar o avanço filosófico em
instrumental técnico-jurídico aplicável aos problemas concretos.
O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos
37
Fundamentos do Direito Administrativo

fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se


deve agregar o da transformação social e o da emancipação – deve
ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores,
sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a vida das
pessoas. Trata-se de transpor a fronteira da reflexão filosófica,
ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial e, indo
mais além, produzir efeitos positivos sobre a realidade.

1 Bobbio, Matteucci e Pasquino, Dicionário de política, 1986, p.


659; Ana Paula de Barcellos, As relações da filosofia do direito
com a experiência jurídica. Uma visão dos séculos XVIII, XIX e
XX. Algumas questões atuais, Revista Forense 351/10; e Viviane
Nunes Araújo Lima, A saga do zangão: uma visão sobre o direito
natural, 2000, p. 181.

2 V. Norberto Bobbio, O positivismo jurídico, 1995, p. 223-4, e


também Michael Löwy, Ideologias e ciência social – elementos
para uma análise marxista, 1996, p. 40: “O positivismo, que
se apresenta como ciência livre de juízos de valor, neutra,
rigorosamente científica, (...) acaba tendo uma função política e
ideológica”.

3 Como por exemplo, a jurisprudência dos interesses, iniciada por


Ihering, e o movimento pelo direito livre, no qual se destacou
Ehrlich.

4 Carlos Santiago Nino, Etica y derechos humanos, 1989, p. 3 e


ss.; e Ricardo Lobo Torres, Os direitos humanos e a tributação –
imunidades e isonomia, 1995, p. 6 e ss..

5 Sobre o tema, vejam-se: Antônio Augusto Cançado Trindade,


A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos, 1991; Ingo Wolfgang Sarlet,
A eficácia dos direitos fundamentais, 1998; Flávia Piovesan,
Temas de direitos humanos, 1998; Ricardo Lobo Torres (org.),
Teoria dos direitos fundamentais, 1999; Willis Santiago Guerra
Filho, Processo constitucional e direitos fundamentais, 1999;
e Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo
Gustavo Gonet Branco, Hermenêutica constitucional e direitos
fundamentais, 2000.

Fonte: Barroso e Barcellos (2010, p. 8-10).

38
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

É certo que o Direito se compõe de normas jurídicas, ou como bem coloca


Kelsen (1998, p.11):

[...] na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é


o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que
são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta
humana só o é na medida em que é determinada nas normas
jurídicas como pressuposto ou consequência, ou - por outras
palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas
jurídicas.

Normas são mandamentos, ordens que emanam do Estado e dirigem-se
aos indivíduos seja de maneira positiva, para que façam, ou negativa, para que
deixem de fazer alguma coisa. Reale (1974, p. 108), ao referir-se aos tipos de
normas coloca que:

[...] reconhecer que as normas jurídicas, sejam elas


enunciativas de formas de ação ou comportamento,
ou de formas de organização e garantia das ações ou
comportamentos, não são modelos estáticos e isolados, mas
sim modelos dinâmicos que se implicam e se correlacionam,
dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes
e outras subordinadas, umas primárias e outras secundárias,
umas principais e outras subsidiárias ou Assim, o Direito
complementares, segundo ângulos e perspectivas
é composto por
que se refletem  nas diferenças de qualificação
verbal.
normas e as
normas podem

ser divididas em
Assim, o Direito é composto por normas e as normas podem ser duas categorias,
divididas em duas categorias, as regras e os princípios. Conforme você as regras e os
verá a seguir: princípios.

PRINCÍPIOS E REGRAS

Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios


tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a
crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética,
sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática
moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e
as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas
grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Antes de uma
elaboração mais sofisticada da teoria dos princípios, a distinção entre
eles fundava-se, sobretudo, no critério da generalidade.

39
Fundamentos do Direito Administrativo

Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com


Normalmente, as
regras contêm incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem.
relato mais objetivo, Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre
com incidência uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas
restrita às situações as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição.
específicas às quais Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções
se dirigem. Já os
distintas dentro do ordenamento.
princípios têm maior
teor de abstração
e incidem sobre Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma
uma pluralidade de distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio
situações. a se tornar um dos pilares da moderna dogmática constitucional,
indispensável para a superação do positivismo legalista, onde
as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser
encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável
a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e
de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel
central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo
às concepções de Ronald Dworkin aos desenvolvimentos a ela
dados por Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores
dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento
convencional na matéria.

Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de


determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de
situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve
incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os
fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação
de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a
matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito
entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. Princípios, por
sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam
a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por
vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os
princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando
direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar
mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir
o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante
concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na
medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema
tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas
por outras normas ou por situações de fato.

40
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

Pois bem: ultrapassada a fase de um certo deslumbramento com a


redescoberta dos princípios como elementos normativos, o pensamento
jurídico tem se dedicado à elaboração teórica das dificuldades que
sua interpretação e aplicação oferecem, tanto na determinação de
seu conteúdo quanto no de sua eficácia. A ênfase que se tem dado
à teoria dos princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e de
apresentar problemas ainda irresolvidos. O modelo tradicional, como já
mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras.
É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia
em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais
as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica –
previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua
flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto.

É de proveito aprofundar o tema da distinção entre princípios


e regras, especialmente no que diz respeito às potencialidades que
oferecem para a atuação do intérprete constitucional. Sem embargo
da multiplicidade de concepções na matéria, há pelo menos um
consenso sobre o qual trabalha a doutrina em geral: princípios e regras
desfrutam igualmente do status de norma jurídica e integram, sem
hierarquia, o sistema referencial do intérprete. Dos múltiplos critérios
distintivos possíveis, três deles são aqui destacados: (i) o conteúdo; (ii)
a estrutura normativa; (iii) as particularidades da aplicação.

Quanto ao conteúdo, destacam-se os princípios como normas que


identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados.
Trazem em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão
política. Isonomia, moralidade, eficiência são valores. Justiça social,
desenvolvimento nacional, redução das desigualdades regionais são
fins públicos. Já as regras limitam-se a traçar uma conduta. A questão
relativa a valores ou a fins públicos não vem explicitada na norma
porque já foi decidida pelo legislador, e não transferida ao intérprete.
Daí ser possível afirmar-se que regras são descritivas de conduta, ao
passo que princípios são valorativos ou finalísticos.

Com relação à estrutura normativa, tem-se que o relato


de uma regra específica os atos a serem praticados para seu
cumprimento adequado. Embora a atividade do intérprete jamais
possa ser qualificada como mecânica – pois a ele cabe dar o toque
de humanidade que liga o texto à vida real –, a aplicação de uma
regra normalmente não envolverá um processo de racionalização
mais sofisticado. Se ocorre o fato previsto em abstrato, produz-se
o efeito concreto prescrito. Já os princípios indicam fins, estados

41
Fundamentos do Direito Administrativo

ideais a serem alcançados. Como a norma não detalha a conduta a


ser seguida para sua realização, a atividade do intérprete será mais
complexa, pois a ele caberá definir a ação a tomar.

Pode ocorrer ainda, em relação aos princípios, uma dificuldade


adicional: o fim a ser atingido ou o estado ideal a ser transformado
em realidade pode não ser objetivamente determinado, envolvendo
uma integração subjetiva por parte do intérprete. Um princípio tem um
sentido e alcance mínimos, um núcleo essencial, no qual se equiparam
às regras. A partir de determinado ponto, no entanto, ingressa-se em
um espaço de indeterminação, no qual a demarcação de seu conteúdo
estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete. Um
exemplo é fornecido pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Além de não explicitar os comportamentos necessários para realizar a
dignidade humana – esta, portanto, é a primeira dificuldade: descobrir
os comportamentos – poderá haver controvérsia sobre o que significa
a própria dignidade a partir de um determinado conteúdo essencial,
conforme o ponto de observação do intérprete.

Quanto ao modo ou particularidades de sua aplicação, a doutrina


que se desenvolveu sobre as premissas teóricas de Dworkin e Alexy
traça a distinção entre princípios e regras na forma já registrada acima
e que se reproduz sumariamente, para fins de encadeamento do
raciocínio. Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma
de tudo ou nada (“all or nothing”). Se os fatos nela previstos ocorrerem,
a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo seus
efeitos. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de
fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica
ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se dá, predominantemente,
mediante subsunção. Princípios contêm, normalmente, uma maior
carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante,
e indicam uma determinada direção a seguir. Ocorre que, em uma
ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões,
valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão
de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica
do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser
posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-
se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância.
À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer
escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos
inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o
direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito
de propriedade e a sua função social. A aplicação dos princípios se dá,
predominantemente, mediante ponderação.
42
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

É certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação


do esquema tudo ou nada aos princípios como a possibilidade de
também as regras serem ponderadas. Isso porque, como visto,
determinados princípios – como o princípio da dignidade da
pessoa humana e outros – apresentam um núcleo de sentido ao
qual se atribui natureza de regra, aplicável biunivocamente. Por
outro lado, há situações em que uma regra, perfeitamente válida
em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em
determinado ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a adoção
do comportamento descrito pela regra violará gravemente o próprio
fim que ela busca alcançar. Esses são fenômenos de percepção
recente, que começam a despertar o interesse da doutrina, inclusive
e sobretudo por seu grande alcance prático.

Princípios – e, com crescente adesão na doutrina, também


as regras – são ponderados, à vista do caso concreto. E, na
determinação de seu sentido e na escolha dos comportamentos
que realizarão os fins previstos, deverá o intérprete demonstrar o
fundamento racional que legitima sua atuação.

Fonte: Barroso e Barcellos (2010, p. 10-14).


O que diferencia os princípios das regras? A resposta pode ser dada com
enfoque em vários aspectos dos quais destacamos quatro:

1º. Analisando a importância das categorias de normas, os princípios são


considerados como fundamentos dos ramos do direito o que coloca as regras em
uma posição de subordinação em relação a eles.

2º. Considerando o nível de abstração, as regras se referem à uma situação


específica, enquanto os princípios podem ser aplicados em várias situações, são
mais abrangentes, ou seja, possuem maior nível de abstração.

3º. Tomando-se a aplicação dos princípios e regras aos casos concretos, é


correto afirmar que as regras possuem aplicação imediata e os princípios seriam
aplicados pelas regras, salvo nas hipóteses de conflito ou ausência de regras.

4º. Por fim, ocorrendo conflito de normas (antinomias), sendo um conflito de


regras, uma delas será extinta ou revogada, havendo a mesma situação entre
princípios, este conflito é considerado apenas aparente e os princípios devem ser
harmonizados.
43
Fundamentos do Direito Administrativo

Podemos depre- Podemos depreender das características acima analisadas que os


ender das carac- princípios possuem um grau de abstração maior que as regras, contudo
terísticas acima os próprios princípios possuem diferentes níveis de abstração, o que
analisadas que os nos leva a um outro rol classificatório extraído dos ensinamentos de
princípios possuem Moreira Neto (2006, p. 73), a saber: “Princípios fundamentais, gerais,
um grau de abstra-
gerais do direito público, gerais do direito administrativo e setoriais
ção maior que as
regras, contudo os do direito administrativo”. Percebe-se do próprio rol classificatório
próprios princípios que saímos do mais abrangente para o de menor abstração. A seguir
possuem diferentes vamos entender a classificação dos princípios. Veja:
níveis de abstração.
a) Princípios fundamentais: Seriam aqueles previstos, explícita
Princípios fundamen- ou implicitamente, no Título I da Constituição Federal (artigos 1º a
tais: Seriam aqueles 4º) dentre os quais Moreira Neto (2006), destaca como de especial
previstos, explícita
relevância para o Direito Administrativo, os princípios da segurança
ou implicitamente, no
Título I da Constitui- jurídica, republicano, democrático, da cidadania, da dignidade da
ção Federal. pessoa humana e da participação.

Princípios gerais: São b) Princípios gerais: São aqueles aplicáveis a todos os ramos
aqueles aplicáveis e institutos do Direito, contendo proposições básicas aplicáveis à
a todos os ramos e integralidade do sistema jurídico tais como o princípio da legalidade, da
institutos do Direito. legitimidade, da igualdade e da publicidade, dentre outros.

Princípios gerais
c) Princípios gerais de Direito Público: Em razão da
de Direito Público:
Em razão da predominância do interesse público, são as normas mais relevantes do
predominância do Direito Público, referem-se ao regramento jurídico da ação do Estado
interesse público, e seus delegados no cumprimento dos mandamentos constitucionais
são as normas mais a seu cargo, tais como o da indisponibilidade do interesse público e
relevantes do Direito motivação, dentre outros.
Público.
d) Princípios gerais de Direito Administrativo: Ainda que não
Princípios gerais de
Direito Administrativo: sejam exclusivos deste ramo do direito são as normas básicas
Ainda que não sejam que regem a atividade da administração pública, dentre os quais
exclusivos deste destacam-se os princípios da finalidade, impessoalidade, moralidade
ramo do direito são administrativa, discricionariedade, consensualidade, razoabilidade,
as normas básicas proporcionalidade, executoriedade, continuidade e especialidade.
que regem a ativida-
de da administração
pública. e) Princípios setoriais de Direito Administrativo: São os
princípios informativos específicos do Direito Administrativo aplicáveis,
primordialmente, a determinado ramo do Direito Administrativo, assim
como os princípios relativos à licitação, aos serviços públicos e ao processo
administrativo.

Neste ponto nos deparamos com outro grande desafio doutrinário da atualidade

44
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

que seria definir que normas são consideradas princípios já que os critérios Princípios
de definição são inúmeros resultando em verdadeira “banalização dos setoriais de Direito
princípios”, por vezes, norma sem o devido grau de abstração pode ser Administrativo:
considerada um princípio na interpretação de um doutrinador que assim São os princípios
a classificou para realçar seu valor. Assim, deparamo-nos com inúmeros informativos
específicos do
princípios gerais do Direito Administrativo. Para nortear nosso estudo
Direito Administrativo
vamos nos ater àqueles expressamente enumerados na Constituição aplicáveis,
Federal que serão pormenorizados no tópico a seguir. primordialmente,
a determinado
ramo do Direito
Princípios Constitucionais do Administrativo.

Direito Administrativo
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem um capítulo
dedicado à Administração Pública e traz no caput do seu artigo inaugural, Artigo
37, um rol expresso de princípios como abaixo se transcreve:

Art. 37. A administração pública direta e


A administração
indireta de qualquer dos Poderes da União,
pública direta e
dos Estados, do Distrito Federal e dos
indireta de qualquer
Municípios obedecerá aos princípios de
dos Poderes da
legalidade, impessoalidade, moralidade,
União, dos Estados,
publicidade e eficiência [...]. 
do Distrito Federal
e dos Municípios
Algumas considerações sobre o citado artigo são importantes. obedecerá aos prin-
Em primeiro, a própria Constituição ao estabelecer os princípios gerais cípios de legalida-
da Administração Pública define o alcance destes princípios deixando de, impessoalidade,
claro que não adota um conceito restrito de Administração Pública, moralidade, publici-
dade e eficiência.
reconhecendo que a Administração não se limita ao poder executivo.

Assim, os princípios submetem a Administração em todos os poderes políticos


(qualquer dos Poderes), em qualquer esfera federativa (da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios), tanto os órgãos e agentes diretamente
integrados aos entes federativos (A administração pública direta) quanto as
entidades à eles vinculadas (A administração pública indireta - Autarquias,
Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista).

Em segundo o princípio da eficiência só foi introduzido pela emenda


constitucional número 19 de 04 de junho de 1998, que modificou o regime e
dispôs sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes
políticos. O cotejo da emenda 19, chamada de “reforma administrativa”, evidencia
várias medidas com escopo de conferir maior eficiência à Administração Pública.

45
Fundamentos do Direito Administrativo

Em terceiro, o rol descrito não é taxativo e, sim exemplificativo, outros


princípios se depreendem do texto constitucional estejam eles expressos ou
implícitos, a exemplo dos princípios da isonomia, da supremacia do interesse
público, da proporcionalidade, da finalidade, e da motivação. Para fins didáticos
cuidaremos do estudo dos princípios expressos.

Princípio da Legalidade

O Princípio da legalidade é fundamento basilar do Estado democrático


de direito, se a premissa do Estado de Direito é a submissão do Estado à lei, a
atividade material do Estado destinada a realização dos interesses públicos e toda
estrutura orgânica envolvida nesta prestação deve estar igualmente submetida à
lei com o objetivo de combater o poder arbitrário do Estado.

Ao conceituar princípio da legalidade o significado atribuído


ao vocábulo “lei” é referente a todos os atos normativos primários
que tenham o mesmo nível de eficácia da lei ordinária tal como as
medidas provisórias, resoluções e decretos legislativos. Não se
refere aos atos infralegais, pois estes não podem conferir direitos ou
impor obrigações.

O Princípio da legalidade constitui tanto limite a atuação do Poder


O Princípio da
Público, na medida em que este só poderá atuar com base na lei, quanto
legalidade constitui
tanto limite a uma garantia aos administrados, visto que só é devido a estes cumprir
atuação do Poder as exigências do Estado se estiverem previstas na lei, se assim não
Público quanto estiverem de acordo com a lei serão inválidas e, portanto, estarão sujeitas
uma garantia aos ao controle administrativo, judicial e legislativo nos limites da Constituição.
administrados.
Como ensina Di Pietro (2016, p. 95):

A observância do referido preceito constitucional” - art. 5º, inciso


II, da Constituição Federal – “é garantida por meio de outro
direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV,
em decorrência do qual” a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”, ainda que a mesma
decorra de ato da Administração. E a Constituição ainda prevê
outros remédios específicos contra a ilegalidade administrativa,
como a ação popular, o hábeas corpus, o hábeas data, o
mandado de segurança e o mandado de injunção; tudo isto sem
falar no controle pelo Legislativo, diretamente ou com auxílio do

46
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

Tribunal de Contas, e no controle da própria Administração.



Segundo o princípio da legalidade, o administrador não está Segundo o
guiado pela sua própria vontade na consecução do interesse público, princípio da
ou seja, tem que agir segundo a lei, só podendo fazer aquilo que a lei legalidade, o
expressamente autoriza. É o que se depreende do clássico conceito de administrador não
Meirelles (2016, p. 94): está guiado pela
sua própria vontade
na consecução do
A legalidade, como princípio de administração
(CF, art. 37, caput), significa que o administrador interesse público,
público está, em toda a sua atividade funcional, ou seja, tem que
sujeito aos mandamentos da lei e às exigências agir segundo a lei,
do bem comum, e deles não se pode afastar ou só podendo fazer
desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor- aquilo que a lei
se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, expressamente
conforme o caso. autoriza.

Uma simplificação deste princípio seria a comparação com a autonomia da
vontade em âmbito privado, enquanto no campo do direito público a atividade
administrativa deve estar baseada numa relação de subordinação com a lei, no
campo do direito privado a atividade desenvolvida pelos particulares deve estar
baseada na não contradição com a lei, ou seja, podem fazer tudo que sua vontade
mandar desde que não contrarie a lei.

Contudo o princípio da legalidade não é absoluto, apesar de


Contudo o
raríssimas, é possível vislumbrar restrições em caráter excepcional,
princípio da
como acontece nas hipóteses do artigo 62, caput  e Parágrafo Único, legalidade não é
CF (Medida Provisória), artigo 136, CF (Estado de Defesa) e dos absoluto, apesar
artigos 137 a 139 (Estado de Sítio). Explica Mello (2015, p. 78): de raríssimas, é
possível vislumbrar
Isso sucede em hipóteses nas quais a Constituição restrições
faculta ao Presidente da República que adote em caráter
procedências incomuns e proceda na conformidade excepcional.
delas para enfrentar contingências anômalas,
excepcionais, exigentes de atuação sumamente expedita, ou
eventos gravíssimos que requerem a atuação particularmente
enérgica.

Em resumo pode-se dizer que o Princípio da Legalidade sob a perspectiva


da Administração Pública, embasado e positivado pela atual Constituição da
República, que aqui foi trazido à baila, tem importância capital no universo jurídico e
na Administração Pública e merece especial observação. Sua inobservância por parte
dos gestores públicos pode levar a invalidade ou a anulação dos atos administrativos
pelas vias judiciais ou da própria administração.

Seus fundamentos principais são o da limitação dos atos da Administração
Pública aos dispositivos legais, objetivando-se, também, o controle contra atos
47
Fundamentos do Direito Administrativo

que venham a se mostrar abusivos em desfavor dos administrados.

Esse princípio, ao inverso do que dar-se para os particulares, significa que


a Gestão Pública não pode transgredir as barreiras legais, devendo limitar-se ao
que ali foi disposto, sendo-lhe proibida a prática de tudo aquilo que não estiver
positivado, ressalvadas as hipóteses elencadas na Lei Maior.

Há, contudo, hipóteses em que a sua aplicação e eficácia ficam


temporariamente restringidas visando resolver situações excepcionais.

Princípio da Impessoalidade
O significado do princípio está contido na palavra que o nomeia,
impessoalidade significa impossibilidade de ser pessoal, pois a atividade
O significado do
princípio está administrativa deve ser descontaminada de qualquer pessoalidade, seja
contido na palavra do administrador que precisa exercer sua atividade visando o interesse
que o nomeia, público e não o seu próprio interesse, seja do administrado que não deve
impessoalidade ser discriminado ou favorecido pelas suas características pessoais de
significa afinidade ou desafeto com os administradores, discriminações gratuitas
impossibilidade
que não se justifiquem em razão do interesse coletivo, caracterizam
de ser pessoal.
abuso de poder e desvio de finalidade, que são espécies do gênero
ilegalidade.

São inúmeros os mecanismos estabelecidos pela constituição e pela lei para


garantir a impessoalidade na atividade administrativa. Podemos exemplificar.

Para garantir a impessoalidade na investidura de servidores e contratação de


empregados a Constituição estabeleceu a regra meritocrática do concurso público
em seu artigo 37, II.

Art. 37. II - a investidura em cargo ou emprego público depende


de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade
do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração

Assegurando a impessoalidade na contratação de serviços ou aquisição de
bens a Constituição Federal em seu artigo 37, XXI estabeleceu a regra da licitação.

Art. 37. XXI - ressalvados os casos especificados na legislação,


as obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
48
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica


indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O texto constitucional, no artigo 100 também assegurou a impessoalidade na
liquidação de seus débitos estabelecendo um critério objetivo para o pagamento
dos mesmos.

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas


Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos
créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de
pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais
abertos para este fim.

Deve-se destacar que o interesse público a que se destina a atividade


administrativa ao qual se refere o princípio da impessoalidade é o interesse
público primário, como bem nos lembra Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006,
p. 94) “Neste caso enfatiza-se a natureza jurídica ficta da personalização do
Estado que, por isso, jamais deve atuar em seu exclusivo benefício, mas sempre
no da sociedade”. Portanto, a finalidade precípua da Administração Pública é a
realização dos interesses da coletividade.

Princípio da Moralidade
O administrador público deve agir com honestidade, probidade, decoro e boa-
fé, em absoluta consonância com os valores éticos, contudo a moralidade que se
exige do administrador difere da moralidade que se espera do “homem médio”,
pois a conduta moral que se espera do homem em geral decorre dos valores da
sociedade, já a conduta moral que se espera do agente público decorre do regime
legal, como se depreende da definição de Mello (2015, p.115):

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração


haverá de proceder em relação aos administrados com
sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer compor-
tamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira
a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por
parte dos cidadãos.

O Homem médio é um ser “ideal”, aqui não se trata de


altura, peso, raça, cor, ou condição sócioeconômica. O Homem
Médio é considerado uma pessoa mediana que serve para comparar
as condutas e as características das pessoas.

49
Fundamentos do Direito Administrativo

Lhaneza é a característica ou particularidade do que é ilhano;


que apresenta afabilidade; que expressa sinceridade. É sinônimo de
abertura, franqueza, lisura, e o contrário de fingimento, afetação.

Nas palavras de Rangel Junior (2001, p.62):

Moralidade institucional é o conjunto de mecanismos que a


Constituição oferece, para evitar que a subjetividade, individual,
e a objetividade, coletiva, sejam arbitrárias, uma em relação
à outra, no âmbito das coletividades organizacionalmente
estruturadas para o desempenho legítimo de determinadas
funções, na ordem social e política.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do


perfil constitucional do estado social e democrático de direito.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização
Jurídica, ano I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em: <http://www.
direitopublico.com.br>.

O conceito de moralidade e sua relevância no estudo do Direito administrativo


não são propriamente uma novidade, no ano de 1921 o francês Maurice Hauriou,
em sua obra Précis de Droit Administratifc, com o fim de embasar o controle
efetuado pelo conselho de Estado sobre os atos administrativos, já tratava da
questão, como explica Nunes (2005, p. 201) da seguinte maneira:

Hauriou desenvolveu tese audaciosa e avançada para a


época segundo a qual a legalidade dos atos administrativos
é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei, mas a
conformidade desses atos aos princípios basilares da ‘boa
administração’, determinante necessária de qualquer decisão,
é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder,
cujo campo de aplicação pertence ao recurso denominado de
‘moralidade administrativa.

Com esta mesma raiz é o pensamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro
sobre o princípio da moralidade administrativa como se destaca:

[...] a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada


à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as

50
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos


para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade
estaria na intenção do agente (DI PIETRO, 2016, p. 80).

Contudo, Moreira Neto (1992, p. 32) adverte que não se pode exigir
Assim é forçoso
da moralidade a mesma precisão que se exige da legalidade, senão concluir que o
vejamos: ato administrativo
quando ofender
precisão que se exige da legalidade não tem o princípio da
cabimento quando se trata de moralidade, pois, de moralidade, ainda
outra forma, se estaria subsumindo um ao outro que plenamente
princípio, tornando ocioso falar-se em moral compatível com
administrativa (MOREIRA NETO, 1992, p. 32).
os requisitos de
legalidade estará
O ato imoral distorce os fundamentos e diretrizes constitucionais eivado de vício
e contraria o dever de probidade. Assim é forçoso concluir que o ato e, portanto, será
administrativo quando ofender o princípio da moralidade, ainda que ilegal, devendo ser
anulado.
plenamente compatível com os requisitos de legalidade estará eivado de
vício e, portanto, será ilegal, devendo ser anulado.

Princípio da Publicidade
O sentido do princípio não se confunde com publicação e, sim,
a Administração
com a ideia de que a Administração tem o dever da transparência, seja tem o dever da
divulgando os atos por ela praticados, seja fornecendo informações transparência
armazenadas em seus bancos de dados, quando solicitadas. Publicação
é um requisito de validade de alguns atos administrativos, afinal, nem todos os
atos administrativos precisam ser publicados para serem válidos, atos de mero
expediente com alcance interno dispensam a publicação e nem por isso agridem
o princípio da publicidade.

Destaca-se do texto constitucional:

Art. 5º
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
[...]
art. 37
[...]

51
Fundamentos do Direito Administrativo

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário


na administração pública direta e indireta, regulando
especialmente: 
[...]  
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a
informações sobre atos de governo, observado o disposto no
Depreende-se dos
art. 5º, X e XXXIII;
artigos destacados
que o referido
princípio não é Depreende-se dos artigos destacados que o referido princípio não
absoluto, admitindo é absoluto, admitindo exceções, por exemplo, na hipótese de atos cujo
exceçõe. sigilo seja imprescindível à segurança nacional.

Sem publicidade Qual a importância do princípio da publicidade no cotejo de


não há possibilidade princípios da Administração Pública? É fácil identificar a importância
de controle dos atos de tal fundamento, pois sem publicidade não há possibilidade de
administrativos. controle dos atos administrativos, assim a publicidade atua de forma
repressiva, permitindo o controle dos atos que sejam ilegais bem
como preventivamente na medida em que os agentes públicos sabem que
suas condutas estão acessíveis e, portanto, passiveis de controle.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. O PRINCÍPIO DA PUBLI-


CIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO. Revista Eletrônica de
Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito
Público, nº. 19, julho/agosto/setembro, 2009. Disponível em: <http://
www.direitodoEstado.com.br/rede.asp>.

Princípio da Eficiência
Segundo o princípio da eficiência a Administração Pública deve
Administração deve
perseguir o aperfeiçoamento de sua atividade. Seja na prestação
manter a qualidade
da atividade e a dos serviços públicos, exercício da atividade de polícia, de fomento
racionalidade de ou até mesmo de intervenção, a Administração deve manter a
gastos. qualidade da atividade e a racionalidade de gastos.

Como já vimos, o princípio em estudo foi introduzido no rol do caput do artigo


37 da Constituição pela emenda constitucional 19/98, contudo Hely Lopes Meirelles
(2016, p.116) já incluía o dever de eficiência dentre os deveres do administrador:

52
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público


de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e
rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função
administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada
apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o
serviço público e satisfatório atendimento das necessidades
da comunidade e de seus membros. Esse dever de eficiência,
bem lembrado por Carvalho Simas, corresponde ao dever
de ‘boa administração’ da doutrina italiana, o que já se acha
consagrado, entre nós, pela Reforma Administrativa Federal do
Dec.-Lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo
ao controle de resultado (arts. 13 e 25,V), fortalece o sistema
de mérito (art. 25, VIII), sujeita a Administração indireta a
surpevisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art.
26, III) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor
comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 114) apresenta dois aspectos deste
princípio:

[...] o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois


aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de
atuação do agente público, do qual se espera o melhor
desempenho possível de suas atribuições, para lograr
os melhores resultados; e em relação ao
modo de organizar, estruturar, disciplinar a É certo também
Administração Pública, também com o mesmo que nem sempre
objetivo de alcançar os melhores resultados na os administrado-
prestação do serviço público. res atingirão os
objetivos traçados,
entretanto, estão
É certo também que nem sempre os administradores atingirão
obrigados a se
os objetivos traçados, entretanto, estão obrigados a se conduzir conduzir buscando
buscando alcançá-los, revendo procedimentos e métodos que se alcançá-los, reven-
mostrem inadequados ou aptos ao alcance dos fins visados. Como do procedimentos
ensina Rodrigues (2006, p. 105): e métodos que se
mostrem inade-
A eficiência da administração representa a quados ou aptos
aplicação de procedimentos a partir da lei, ao alcance dos fins
que possam ter o máximo de resultados e visados.
encontra íntima relação com o princípio da
proporcionalidade, representando um instrumento de controle
e adequação dos meios aos fins. A eficiência, assim, revela-
se pela razoabilidade do método, pela proibição
do excesso e pela proporcionalidade no agir da O interesse
administração. individual do Estado
como pessoa
jurídica é o que
Assim, o princípio se mostra como elemento normativo que impõe
chamamos de
ao agente público uma atuação voltada à utilização mais racional interesse público
dos recursos disponíveis, precedida de planejamento e organização, secundário.

53
Fundamentos do Direito Administrativo

objetivando o alcance de melhores resultados institucionais, sem se descuidar da


finalidade essencial da Administração Pública, que é o atendimento ao interesse
público primário.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. O princípio da eficiência


no direito administrativo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador,
CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho-agosto, 2002.
Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>.

Atividade de Estudo:

1) Correlacione, os princípios da legalidade e publicidade da


Administração Pública com o Estado de Direito.
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LegalidadeeLegitimidadeAdministrativa
Legalidade e legitimidade possuem significados próprios, legal é a conduta,
ou atividade administrativa praticada com respeito à lei, ao direito positivado,
enquanto a legitima é aquela socialmente aceita.

Uma definição extraída do dicionário de política nos dá uma ideia do valor


representado por cada vocábulo:

Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas


vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade,
costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do
poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal:
54
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada


juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido
de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo
é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder
arbitrário.

Contudo no Estado Democrático de Direito, a Legalidade se aproxima


Contudo no Estado
da Legitimidade, a atividade administrativa não pode ser baseada
Democrático de
puramente na lei em sentido formal devendo estar também em acordo com Direito, a Legalidade
os valores basilares do Estado brasileiro, com os direitos fundamentais se aproxima da
que passam a ser condicionantes a atuação da Administração. Legitimidade,
a atividade
À medida em que Direito e Moral tornam-se mais e mais administrativa não
pode ser baseada
inseparáveis um do outro, legitimidade e moralidade também se unem
puramente na
na formação e consecução das atividades da Administração Pública, lei em sentido
aproximando o princípio da legalidade do conceito moderno daquilo formal devendo
que é tido por legítimo, ou seja, correto sob o ponto de vista da lei e estar também em
socialmente aceito. Seria correto dizer que o conceito de legalidade acordo com os
modulado sob o prisma constitucional exige que a atuação da valores basilares do
Estado brasileiro,
Administração Pública para ser considerada legal precisa ser praticada
com os direitos
em conformidade com a lei e o Direito. fundamentais
que passam a ser
Assim, uma conduta praticada objetivamente em conformidade condicionantes
com a lei, poderia ser invalidada se praticada em desacordo com os a atuação da
valores e princípios expressos ou implícitos na constituição. Administração.

Contudo o contrário seria possível? Ou seja, a manutenção de uma


ilegalidade poderia ser considerada compatível com os princípios que informam
a Administração Pública? O princípio estudado a seguir responde esta indagação.

A Proteção à Confiança Legítima no


Direito Administrativo
Para compreendermos a dimensão e efeito do princípio da proteção à
confiança legítima no âmbito da Administração pública, é essencial a delimitação
do significado deste princípio.

O princípio da proteção à confiança, apesar de atualmente ter conteúdo


autônomo, se relaciona intensamente com os princípios da segurança jurídica e
boa-fé como bem explica Couto e Silva (2008):

Por vezes encontramos, em obras contemporâneas de Direito


Público, referências a <<boa fé>>, <<segurança jurídica>>,
<<proteção à confiança>> como se fossem conceitos
intercambiáveis ou expressões sinônimas. Não é assim ou não 55
Fundamentos do Direito Administrativo

é mais assim. Por certo, boa fé, segurança jurídica e proteção


à confiança são idéias que pertencem à mesma constelação de
valores. Contudo, no curso do tempo, foram se particularizando
e ganhando nuances que de algum modo as diferenciam, sem
que, no entanto, umas se afastem completamente das outras.

O princípio da boa-fé, de grande relevância em matéria contratual, pode ser
explicado em sentido objetivo, quando as partes contratantes se comportam da
maneira esperada para aquela situação jurídica e em sentido subjetivo, quando a
intensão dos contratantes está em conformidade com a ordem jurídica.

Vale destacar que há uma aproximação entre os conceitos do princípio da


confiança e da boa-fé se considerada esta em sua acepção objetiva. O traço
distintivo, como coloca Maffini (2006) seria que na boa-fé, a reciprocidade figuraria
como indispensável, enquanto na confiança, o ato administrativo, em regra, dada
sua imperatividade, deve ser mantido independente da apuração das intenções
do administrado destinatário do ato.

Em relação ao princípio da segurança jurídica destaca-se o ensinamento de


Canotilho (2000, p. 256):

O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo


(abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode
formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito
poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas
incidentes sobre os seus direito, posições ou relações jurídicas
alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses
actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas
normas se ligam os efeitos jurídico previstos e prescritos no
ordenamento.

O princípio da proteção da confiança decorre das regras que balizam o
Estado de Direito, ainda nas lições de Canotilho (2000, p. 257):

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e


conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso,
desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica
Se um ato admi- e da protecção da confiança como elementos constitutivos do
Estado de Direito.
nistrativo, aparen-
temente legítimo,
é perpetrado pela Segundo o princípio da confiança, se um ato administrativo,
Administração aparentemente legítimo, é perpetrado pela Administração Pública,
Pública, gerando, gerando, no administrado a expectativa de continuidade, dada a
no administrado manutenção das condições nas quais surgiu, o ato deve ser estabilizado,
a expectativa de
ainda que tenha por fundamento lei inconstitucional ou ato normativo
continuidade, o ato
deve ser estabili- ilegal, ou seja, legítima era a expectativa do administrado, como bem
zado. coloca Maurer (2001, p. 68):

56
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

A proteção da confiança parte da perspectiva do cidadão. Ela


exige a proteção da confiança do cidadão que contou, e dispôs
em conformidade com isso, com a existência de determinadas
regulações estatais e outras medidas estatais.
Aspectos,
procedimental,
Podemos então destacar os relevantes aspectos, procedimental, compensatório
compensatório e material do princípio da proteção à confiança para e material
a função administrativa, senão vejamos: aspecto procedimental da do princípio
confiança acarreta a necessidade de uma atividade administrativa da proteção
processualizada que garanta a participação do administrado; aspecto à confiança
necessidade de
compensatório diz respeito ao direito de reparação do administrado
uma atividade
pelos prejuízos provocados pela frustação das expectativas administrativa
legitimamente depositadas na atuação do Estado; aspecto material, diz processualizada
respeito a manutenção dos atos praticados pela administração pública. direito de
reparação do
Por fim, salienta-se que a proteção à confiança não se opõe à legalidade administrado
manutenção dos
devendo ser com ela ponderada como explica Maffini (2006, p. 223):
atos praticados
pela administração
A legalidade administrativa não pode ser
pública.
considerada como um óbice à incidência do princípio
da proteção substancial da confiança, mesmo quando se trata
de preservação de condutas – ou seus efeitos – inválidas. Isso
porque, as noções de Estado de Direito e de segurança jurídica
não estão sob mas sobre ou ao lado do princípio da legalidade,
impondo-se a ponderação entre a legalidade e a segurança
jurídica para que, em alguns casos, essa ceda à proteção da
confiança com a estabilidade das relações jurídicas, ainda
que inválidas. Ademais, o fundamento material da legalidade
consiste justamente na busca por segurança jurídica, não
se apresentando, pois, num fim em si mesmo. Dessa forma,
sempre que a legalidade implicar em consequências que
se contraponham ao seu próprio fim material, qual seja,
a segurança jurídica, terá de ser ponderada com outros
valores, como é o caso da proteção substancial da confiança,
ensejando tal ponderação a possibilidade de preservação de
atos ou efeitos decorrentes de comportamentos inválidos.

Pode-se concluir que a legalidade administrativa não pode ser considerada
como um óbice à incidência do princípio da proteção substancial da confiança.

57
Fundamentos do Direito Administrativo

Atividade de Estudos:

1) O ato de ascensão de um funcionário da Empresa Brasileira de


Correios e Telégrafos - ECT. foi aprovado pelo Tribunal de Contas da
União há mais de 10 pode ser objeto de revisão pelo próprio TCU?
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Algumas Considerações
O Direito Administrativo, como disciplina, tem solidez, direção e clareza de
objetivos conferida pelos princípios.

Contudo, foi somente no pós-positivismo, que os princípios passaram a


ter lugar de destaque, incorporados de forma implícita ou expressa aos textos
constitucionais, reconhecidos como norma e valorizados. Assim, o sistema
jurídico é composto por normas, que podem ser regras ou princípios, estes com
um grau de abstração maior que as regras.

Dada a diversidade de critérios para determinar os princípios estudamos


aqueles selecionados pelo constituinte e expressos no caput do artigo 37 da
CRFB/88 como regedores da Administração pública e toda sua Atividade e, portanto,
chamados de princípios constitucionais expressos do Direito Administrativo.

Outro conceito essencial ao Direito Administrativo sob a luz da constituição é


o de legitimidade segundo o qual a atividade administrativa não pode ser baseada
puramente na lei em sentido formal devendo estar também em acordo com os
direitos fundamentais.

Por fim, esta perspectiva constitucional é tão presente no Direito


Administrativo que a própria legalidade estrita pode contrariar o sistema jurídico,
58
Capítulo 2 Princípios que informam a Administração
Pública

afinal, se um ato administrativo, aparentemente legítimo, é perpetrado pela


Administração Pública, gerando, no administrado a expectativa de continuidade,
dada a manutenção das condições nas quais surgiu, o ato deve ser estabilizado,
ainda que tenha por fundamento lei inconstitucional ou ato normativo ilegal, é o
que entende por princípio da proteção a confiança legítima.

Referências
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história:
A nova Interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro.
2003.In: SILVA, Virgílio Afonso (org.) Interpretação Constitucional. São Paulo:
Malheiros Editores, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 25 mar. 2016.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra:


Livraria Almedina, 2000, p. 256.

CARRAZZA, Antonio Roque. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 31.

COUTO e SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à


Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de
Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei
do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2, abril/
maio/junho, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso
em: 29 mar. 2016.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 95, 114.

DICIONÁRIO de Política, v. 2. 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998, p. 674.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev. atual. e


ampl. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 38.

HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo.


Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 16.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São
Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 11.
59
Fundamentos do Direito Administrativo

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Garantia de acesso à justiça: assistência


judiciária e seu perfil constitucional. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.).
Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 55.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento partidário das


partes. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantias constitucionais do
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MAFFINI, Rafael. Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito


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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32.


edição, São Paulo: Malheiros, 2015, p. 78, p.115.

MOREIRA NETO, Diogo de figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte


geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.73- 94.

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NUNES, Silvério Carvalho. Legalidade Justa e Moralidade Administrativa.


Belo Horizonte: Decálogo Editora, 2005, p. 201.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2. ed. –


Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014. 

RANGEL JUNIOR, Hamilton. Princípio da Moralidade Institucional. São Paulo:


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REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 2. ed. São Paulo. Bushatsky,


1974, p. 108.

RODRIGUES, M. T. M. Princípio da eficiência em matéria tributária. In: MARTINS,


Ives Gandra da Silva (Coord.). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais e
Centro de Extensão Universitária, 2006, p.105.

60
C APÍTULO 3
Estrutura Administrativa

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Reconhecer os elementos orgânicos da Administração Pública;

� Identificar os sujeitos que, regidos pelos princípios fundamentais da


Administração, serão os agentes da atividade administrativa.
Fundamentos do Direito Administrativo

62
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Contextualização
A estrutura federativa pressupõe a existência de entes federativos, pessoas
jurídicas de direito público interno que compõe a federação. Com o objetivo de
desempenhar a função estatal de administração estes entes federativos dispõem
de uma estrutura orgânica composta de órgãos, agentes e entidades.

As entidades administrativas que são as autarquias, fundações, empresas


públicas e sociedades de economia mista, possuem autonomia sem perder a
vinculação com o ente federativo que as constituiu, compõem a administração
pública indireta.

Com o objetivo de prestar os serviços públicos de sua titularidade, os entes


federativos podem delegar tal prestação às pessoas jurídicas de direito privado que
não integram a Administração Pública, que são as concessionárias e permissionárias.

Por fim, algumas atividades de interesse público não privativas do estado
podem ser desempenhadas por entidades privadas com ou sem fins lucrativos
que integram os chamados terceiro e quarto setores.

Pessoas Políticas

Desde de a instauração da República em 1889, o Brasil adota o federalismo
como forma de estado inspirado no modelo norte-americano.

FEDERALISMO NORTE- AMERICANO

As treze colônias britânicas da América ao se tornarem


independentes, estabeleceram um pacto de colaboração para se
protegerem das ameaças da antiga metrópole. Todavia, neste pacto havia
o direito de secessão (direito de retirada), que os tornava fragilizados.

Para solucionar esse problema, os Estados estabeleceram uma


forma federativa de estado em que não se permitiria mais o direito de
secessão. Assim, os Estados cederam parte da sua soberania para
um órgão central, formando os Estados Unidos da América.
Este federalismo estadunidense é chamado de modelo dual,
suas características podem ser descritas da seguinte forma: governo
central e governos estaduais, fruto da união de Estados autônomos;
divisão de poderes entre governo local e federal; supremacia do

63
Fundamentos do Direito Administrativo

poder nacional em detrimento dos poderes locais; reconhecimento


de mecanismos de execução das leis.

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/MqC8WQ>. Acesso em: 20 abr. 2016.

No Brasil o federalismo, apesar de inspirado no modelo norte-americano, não


seguiu o mesmo movimento para sua formação, ou seja, não resultou da agregação
de Estados que, cedendo parte de sua soberania em favor de um poder central,
formaram um Estado Soberano, não foi resultado da aglutinação de Estados e, sim, de
um processo de desagregação do Império, transformando as províncias em Estados.
 
O federalismo se caracteriza principalmente pela descentralização política,
pois os entes da federação possuem autonomia; por uma constituição rígida como
base jurídica, as competências dos entes da federação estão estabelecidas numa
constituição rígida; pela inexistência do direito de secessão, não se admite o direito de
retirada de algum ente da federação; pela soberania do Estado Federal e pela auto-
organização dos estados-membros através da elaboração das constituições estaduais.

Federação é uma forma de estado na qual duas ou mais ordens jurídicas


incidem simultaneamente sobre o mesmo território sem que se possa falar em
hierarquia entre elas, e sim, em campos diferentes de atuação.

Extraímos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada


pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito [...].

Artigo 18. A organização político-administrativa da


República Federativa do Brasil compreende a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição.

Podemos concluir destes dispositivos constitucionais que o Brasil adotou


a forma federativa e tem como elementos constitutivos, ou seja, como pessoas
políticas que a compõe sem possibilidade de desagregação: a União, os Estados-
membros, os Municípios e o Distrito Federal, todos autônomos.

As pessoas políticas têm personalidade jurídica de direito público interno,


possuem autonomia financeira, administrativa e política, assentadas na capacidade
de auto-organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação.

64
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

a) Autoadministração - É a capacidade de executar com autonomia as atividades


administrativas segundo a competência conferida pela Constituição, como
exemplificado abaixo:

CRFB/88 Artigo 30. Compete aos Municípios:


[...]
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial;

b) Autolegislação - É a capacidade de editar normas jurídicas sobre as matérias


de sua competência legislativa como exemplificado abaixo:

CRFB/88
Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
[...]

Artigo 30. Compete aos Municípios:


I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber;

c) Auto-organização – deriva da competência reconhecida pela Constituição


Federal de elaboração pelos Estados das Constituições estaduais e pelos
Municípios e Distrito Federal de elaboração das suas respectivas Leis
orgânicas, como se depreende dos artigos destacados abaixo:

Artigo 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas


Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição.
[...]
Artigo 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em
dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada
por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado [...].

Artigo 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios,


reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da
Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição.

d) Autogoverno - é a capacidade de escolha, pelos eleitores, dos representantes


para exercício do poder executivo e legislativo federal, estadual, distrital e municipal.

Devemos ressaltar que os territórios não são entes da federação e, sim,


65
Fundamentos do Direito Administrativo

integrantes da União, decorrem da descentralização administrativo-territorial da


União, apesar de possuírem personalidade jurídica não tem autonomia política.
É certo que desde 1988 não existem territórios no Brasil uma vez que Roraima
e Amapá foram transformados em Estados e Fernando de Noronha incorporado
ao Estado de Pernambuco conforme disposto nos artigos 14 e 15 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, contudo a Constituição não veda a criação
de novos territórios como se depreende dos parágrafos 2º. e 3º. do artigo 18.

CRFB/88
Artigo18.
§ 2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação,
transformação em Estado ou reintegração ao Estado de
origem serão reguladas em lei complementar.
§ 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se
ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem
novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da
população diretamente interessada, através de plebiscito, e do
Congresso Nacional, por lei complementar.

ADCT
Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são
transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais
limites geográficos.
Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de
Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de
Pernambuco.

Assim, como já visto a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,


todos autônomos nos termos da Constituição (CF/88, art. 18, caput), integram a
federação, compõem a organização político administrativa. Mas o que se entende
por Administração Pública?

Administração Pública é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados


para executar atividades administrativas em todos os entes federativos (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como a própria atividade de administração
desempenhada no âmbito dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).

Segundo Di Pietro (2016, p. 82) o conceito de Administração Pública pode


ser compreendido em sentido objetivo ou subjetivo e ainda em sentido amplo e
estrito como transcrito:

Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais


comumente a expressão Administração Pública:

a) Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir


Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de
pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função
administrativa do Estado.

66
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

b) Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração


pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata
que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito
público, para a consecução dos interesses coletivos.

Administração Pública também pode ser compreendia em


sentido amplo ou em sentido estrito:

a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente


considerada, compreende tanto os órgãos governamentais,
supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe
traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também
os órgãos administrativos, subordinados, dependentes
(Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe
executar os planos governamentais; ainda em sentido
amplo, porém objetivamente considerada, a Administração
Pública compreende a função política, que traça as diretrizes
governamentais e a função administrativa, que as executa;

b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende,


sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos
e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa,
excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no
segundo, a função política.

Administração Pública em sentido subjetivo refere-se aos elementos


orgânicos que compõem a estrutura administrativa de todos os entes federativos.
São os órgãos, agentes e entidades administrativas (autarquias, fundações,
empresas públicas e sociedades de economia mista) que estudaremos a seguir.

Órgãos

A função administrativa agrega uma infinidade de atividades que exigem
competências, para que sejam desempenhadas com eficiência e efetividade,
sendo distribuídas tanto por especialidade como por territorialidade. Estes centros
de competência com funções definidas e agentes para desempenhá-las são os
órgãos, que Meirelles (2016, p. 71-72) bem definiu:

São centros de competência instituídos para o desempenho


de funções estatais, através de  seus agentes, cuja atuação
é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. São unidades
de ação com atribuições específicas na organização estatal.
Cada órgão, como centro de competência governamental
ou administrativa, tem necessariamente funções, cargos e
agentes.

Órgão Público é, portanto, uma unidade de atuação - criada por lei, com
funções definidas e integrada por agentes públicos - que compõe a estrutura da
administração para tornar efetiva a vontade do Estado.

67
Fundamentos do Direito Administrativo

São exemplos de órgãos públicos: O Tribunal de Justiça Estadual, o Ministério


Público Federal, a Secretaria de Educação Municipal, a Presidência da República,
o Ministério da Fazenda.

Sendo o órgão uma unidade de atuação, como acima dito, são desprovidos
de personalidade jurídica, a vontade por eles manifestada através dos seus
agentes, não é propriamente do órgão, deve ser atribuída, imputada, à pessoa
jurídica que ele integra. Exemplificando, suponha que um enfermeiro do posto de
saúde, ao aplicar uma vacina causou lesão ao paciente, o paciente deve buscar a
reparação do dano junto ao Município, que é a pessoa jurídica a qual o posto de
saúde (órgão) e consequentemente o enfermeiro (agente) estão integrados.

Esta é a expressão da chamada “teoria do órgão” ou “teoria da imputação


volitiva” do alemão Otto Gierke (1841-1921) que, comparando a estrutura político
administrativa do Estado ao corpo humano desenvolveu a ideia de que cada
repartição estatal funciona como uma parte do todo, semelhante aos órgãos do
corpo humano.

Como órgãos não têm personalidade jurídica, não têm capacidade processual,
contudo, em situações específicas poderão figurar como parte, ou seja, terão a
chamada “personalidade judiciária”, reconhecida doutrinária e jurisprudencialmente
a possibilidade de órgãos independentes - aqueles representativos de poderes
ou funções estatais independentes-, com função determinada pela Constituição
Federal, defenderem tais prerrogativas em juízo desde que a demanda não
tenha fundamento puramente patrimonial. Exemplificando: Caso a Câmara dos
Vereadores do Rio de Janeiro usurpe competência própria da Chefia do Executivo
Municipal, estes órgãos poderão, em juízo, defender suas prerrogativas. Serão
partes no processo judicial a Prefeitura e a Câmara Municipal, que terão, neste
caso, capacidade processual, apesar de ser o Município do Rio de Janeiro o único
e real detentor de personalidade jurídica.

A jurisprudência confirma o acima exposto sobre capacidade judiciária dos


órgãos de envergadura constitucional. Veja:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.


MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE
CONTAS DO EXECUTIVO MUNICIPAL.
POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO-PROVIDO.

1. Cuida-se de recurso em mandado de segurança interposto


pela Câmara Municipal de Entre Rios contra acórdão proferido em
sede de mandado de segurança assim sumulado (fl. 64):
68
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

“Mandado de Segurança. Direito Constitucional. Processo


Civil. Câmara Municipal. Capacidade Judiciária. Legitimidade para
Propositura de Mandamus. Requisição de Contas do Executivo
Municipal pelo Ministério Público. Legalidade.

1. A Câmara Municipal tem capacidade processual para


impetrar writ com escopo de defender suas prerrogativas.

2. O artigo 31, § 3º, da Constituição não pode ser interpretado


de forma a vedar a fiscalização do Ministério Público.

3. O ordenamento constitucional assegura ao Parquet plenos


poderes para investigar o respeito aos direitos insculpidos na Carta
Política.

4. A Administração Pública é regida pelo Princípio da Publicidade,


não podendo se furtar ao controle popular.

5. Ordem denegada.”

A recorrente pugna pela reforma do julgado ao pálio de


argumentação assim sintetizada: a) é ilegal, inconstitucional e abusiva
a requisição, pelo Ministério Público, dos documentos relativos aos
autos de prestação de contas do executivo municipal durante o
prazo de acesso dos contribuintes nos termos do artigo 31, § 3º, da
Constituição Federal; b) só detém legitimidade para ter acesso às
contas o contribuinte do município, sujeito passivo tributário assim
definido no artigo 156 da Constituição Federal; c) o mandamus não
se voltou contra o acesso do MP às contas do chefe do Executivo
Municipal mas, sim, a retirada do original da Sede Legislativa durante
o prazo de sessenta dias, o que implica redução do direito subjetivo
dos contribuintes.

2. O Ministério Público detém amplos poderes de investigação


podendo, inclusive, requisitar informações de órgãos públicos na
forma estabelecida pelos artigos 129, II e VI, da Constituição Federal
e artigo 26, I, da Lei 8.625/98. In casu, inexiste direito líquido e certo do
impetrante a ser amparado na via mandamental.

3. Recurso ordinário não-provido.

Fonte: Brasil (2006, p. 256, grifos nossos).

69
Fundamentos do Direito Administrativo

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Personalidade Judiciária


de Órgãos Públicos. Revista da EMERJ, v.5, n.19, 2002, p. 162.
Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br.

Para os conflitos entre órgãos comuns da Administração, a solução deve


ter caráter interno e ser processada pelos órgãos a que são subordinados, em
observância ao princípio da hierarquia administrativa.

Segundo Meirelles (2016) os órgãos públicos podem ser classificados


levando-se em consideração a posição que ocupam na estrutura hierárquica
estatal, a sua composição e forma de atuação.

Quanto à posição estatal os órgãos podem ser independentes, autônomos,


superiores ou subalternos:

a) Independentes - são os chamados constitucionais, representativos dos


Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e das funções de controle externo,
não possuem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, só sujeitos aos
controles constitucionais de um Poder pelo outro; exercem precipuamente
as funções outorgadas diretamente pela Constituição, desempenhadas por
agentes políticos, segundo normas especiais e regimentais. Na estrutura de
um Estado-membro seriam a governadoria, a assembleia legislativa, o Tribunal
de Justiça, O Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público Estadual.

b) Autônomos - sujeitos hierárquica e funcionalmente aos órgãos independentes,


são subdivisões destes, tem atribuição precípua de controlar, planejar,
coordenar. Com autonomia técnica, administrativa e financeira assim como os
Ministérios e as Secretarias Estaduais e Municipais de Governo.

c) Superiores - sujeitos hierárquica e funcionalmente aos órgãos autônomos, são


subdivisões destes, tendo como atribuição precípua decisões na área técnico-
administrativa. Com autonomia técnica e administrativa, e não autonomia
financeira tais como o Conselho Monetário Nacional a Secretaria da Receita
Federal.

d) Subalternos - sujeitos hierárquica e funcionalmente aos órgãos superiores,

70
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

têm como atribuição precípua a execução. Não possuem autonomia técnica,


nem financeira assim como são desprovidos de poder decisório cabendo aos
mesmos apenas o cumprimento de ordens. Assim como o almoxarifado da
Secretaria do Ministério da Fazenda e as portarias dos prédios públicos.

Quanto à estrutura os órgãos podem ser simples ou compostos:

a) Simples, também chamados de unitários - conjunto indivisível de atribuições,


uma unidade mínima, um só centro de competência sem nenhum outro órgão
incrustrado nele.

b) Compostos – são justamente aqueles que possuem outros órgãos incrustrados


seja para desempenhar a função principal ou funções auxiliares. É um órgão
maior, formado por um conjunto de órgãos, comportando divisibilidade. A
Secretaria de Educação de um determinado município é composta por várias
unidades escolares, por exemplo.

Cada órgão simples pode atuar de forma singular ou colegiada:

a) Singulares - ou de representação unitária – a vontade do órgão é exteriorizada


pelo ato do seu dirigente, ainda que o órgão seja integrado por vários agentes,
a vontade manifestada pelo órgão é aquela que emana de ato do seu dirigente.

b) Colegiados - ou de representação plúrima – a vontade exteriorizada pelo


órgão e aquela proveniente de deliberação do corpo colegiado que integra o
órgão, é resultado de votação majoritária da vontade de seus titulares assim
como ocorre nos Conselhos de Contribuintes.

Ficou claro por tudo que foi dito sobre os órgãos que um dos elementos
indispensáveis são as pessoas físicas que efetivamente materializam as
competências de cada órgão, são os agentes públicos que passaremos a estudar.

Agentes
Podem ser definidos como qualquer pessoa física que desempenhe função
pública, a qualquer título e sob vínculo de qualquer natureza, porém quando o
agente público tiver poder decisório será denominado de autoridade administrativa.

A Lei de Improbidade Administrativa, 8.429 de 1992, em seu artigo 2º. traz a


seguinte definição:

Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele

71
Fundamentos do Direito Administrativo

que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração,


por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer
outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo
anterior.

Segundo Meirelles (2016, p. 79 a 86), os agentes podem ser divididos em


políticos, administrativos, honoríficos, delegados e credenciados:

a) Agentes políticos - São aqueles que atuam com plena liberdade funcional,
desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades
próprias, exercem funções governamentais e judiciais, são assim considerados
os Chefes do Executivo federal, estadual e municipal; os Ministros de Estado
e Secretários de Governo, os parlamentares, os membros do Judiciário, do
Ministério público e Tribunal de Contas, e ainda os representantes diplomáticos.

b) Agentes administrativos - Constituem o maior contingente na Adminis-


tração, são eles os servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e
comissionados, os empregados públicos e os temporários na forma do artigo
37, IX da CRFB/88.

c) Agentes honoríficos - Cuja vinculação é transitória, a título de colaboração


cívica, sem caráter empregatício. Não são servidores públicos, apenas
exercem momentaneamente função pública tais como os Mesários, jurados e
membro dos Conselhos Tutelares.

d) Agentes delegados - São particulares que recebem a incumbência de exercer


determinada atividade, obra ou serviço público em nome próprio, por sua conta
e risco, sob fiscalização do Poder Público. Também não são considerados
servidores públicos, mas sujeitam-se a responsabilidade civil objetiva e podem
ser considerados autoridades administrativas para efeito de mandado de
segurança. São eles os concessionários, permissionários e autorizatários de
serviços públicos por exemplo.

e) Agentes credenciados - São os que recebem a incumbência da adminis-


tração de representá-la em determinado ato ou praticar certa atividade
específica mediante remuneração do Poder Público credenciante, em razão do
seu conhecimento técnico.

Podemos acrescentar às categorias de agentes estabelecidas por Meirelles


(2016) os militares, que segundo Di Pietro (2016, p. 659), “são pessoas físicas
que prestam serviços às Forças Armadas e às Políticas Militares e Corpos de
Bombeiros Militares dos Estados, sob regime jurídico estabelecido por lei própria”.

Concluímos, então, que agente é um termo de significado bem amplo,


72
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

serve para designar todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura, vínculo, mandato, cargo, emprego ou função, seja nos órgãos
da Administração direta, seja nas Entidades da Administração indireta, chamadas
de pessoas administrativas, ou ainda nas concessionárias, permissionárias e
autorizatárias de serviço público. São estas pessoas jurídicas que integram a
administração indireta que estudaremos a seguir.

Pessoas Administrativas
São as entidades administrativas, pessoas jurídicas de direito público ou
privado, criadas por lei ou autorização legal que integram a administração pública
indireta em âmbito federal, estadual, distrital ou municipal.

Esta definição exige especificar a diferença entre criação por lei e por autorização
legal bem como a compreensão do que seja administração pública indireta.

Quando dizemos que uma entidade é criada por lei, significa que a
personalidade jurídica nasce com a vigência da lei, não sendo necessário nenhum
outro ato para que a pessoa jurídica passe a existir, já a criação por autorização
legal é justamente a necessidade da prática de algum outro ato, a partir da lei,
para que a pessoa jurídica passe a existir.

É sabido que a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade,


assim, a criação de uma entidade administrativa exige mandamento legal, ou seja,
uma lei criando ou autorizando a criação como determinado na Constituição Federal:

CRFB/88
Artigo 37
XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e
autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de
economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar,
neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a
criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso
anterior, assim como a participação de qualquer delas em
empresa privada;

Uma fundação por exemplo, para existir, exige a inscrição no Registro Civil
das Pessoas Jurídicas, assim, a Lei não é suficiente para que a pessoa jurídica
exista, é necessária a devida inscrição, contudo, a Administração só poderá criar
uma fundação, inscrevendo-a no Registro Civil das Pessoas Jurídicas se antes for
editada uma Lei autorizando tal criação. A personalidade jurídica das autarquias,
por sua vez, passa a existir com a vigência da lei específica.

73
Fundamentos do Direito Administrativo

As Leis abaixo exemplificam bem esta distinção:



LEI Nº 7.668, DE 22 DE AGOSTO DE 1988.
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a
Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da
Cultura, com sede e foro no distrito Federal, com a finalidade
de promover a preservação dos valores culturais, sociais e
econômicos decorrentes da influência negra na formação da
sociedade brasileira.
LEI Nº 12.154, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2009.
DA CRIAÇÃO DA AUTARQUIA
Art. 1o Fica criada a Superintendência Nacional de Previdência
Complementar - PREVIC, autarquia de natureza especial,
dotada de autonomia administrativa e financeira e patrimônio
próprio, vinculada ao Ministério da Previdência Social, com
sede e foro no Distrito Federal e atuação em todo o território
nacional.
Parágrafo único.  A Previc atuará como entidade de fiscalização
e de supervisão das atividades das entidades fechadas de
previdência complementar e de execução das políticas para o
regime de previdência complementar operado pelas entidades
fechadas de previdência complementar, observadas as
disposições constitucionais e legais aplicáveis.
Art. 2º A Fundação Cultural Palmares - FCP poderá atuar, em
todo o território nacional, diretamente ou mediante convênios
ou contrato com Estados, Municípios e entidades públicas ou
privadas, cabendo-lhe:
I - promover e apoiar eventos relacionados com os seus
objetivos, inclusive visando à interação cultural, social,
econômica e política do negro no contexto social do país;
II - promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com
entidades internacionais, através do Ministério das Relações
Exteriores, para a realização de pesquisas, estudos e eventos
relativos à história e à cultura dos povos negros.

Outro conceito essencial é o de Administração Pública Direta e Indireta, para


construirmos esta noção partiremos de uma referência legal, o Decreto Lei 200 de
1967 que preceitua no artigo transcrito:

Art. 4° A Administração Federal compreende:


I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços
integrados na estrutura administrativa da Presidência da
República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes
categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) Fundações públicas.
Parágrafo único. As entidades compreendidas na Adminis-
tração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de

74
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

competência estiver enquadrada em sua principal atividade.

O Decreto supracitado é um ato que normatiza a administração pública


federal, mas pelo princípio da simetria ou do paralelismo das formas os Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios também seguem essa orientação,
organizando sua estrutura em direta e indireta, sempre por lei, seja criando órgãos
e entidades, ou autorizando a criação de entidades.

A definição de Administração Direta fornecida pelo inciso I do artigo acima


destacado precisa ser interpretada de forma mais ampla, para abranger todos
os entes federativos e o âmbito dos três poderes, assim poderíamos dizer que
Administração Direta, se constitui de todos os órgãos de função administrativa
diretamente integrados às pessoas políticas no âmbito dos poderes executivo,
legislativo e judiciário.

A Administração indireta compreende as entidades administrativas


vinculadas, não subordinadas, ao ente federativo no âmbito do ministério (em
âmbito federal) ou secretaria (em âmbito estadual e municipal) da sua área de
concentração. Por exemplo, a PETROBRAS, é uma sociedade de economia mista
que integra a estrutura da administração indireta federal e está vinculada a União
no âmbito do Ministério de Minas e Energia como dispõe o artigo 61 da Lei nº
9.478, de 6 de agosto de 1997. O DETRAN, Departamento Estadual de Trânsito
de São Paulo, é uma autarquia que integra a estrutura da Administração Pública
indireta estadual e vincula-se ao Estado de São Paulo no âmbito da Secretaria
Estadual de Planejamento e Desenvolvimento Regional segundo os artigos 1º. e
2º. a Lei Complementar Estadual nº 1.195, de 17 de Janeiro de 2013.

A criação destas entidades que compõem a Administração indireta obedece


aos Princípios da reserva legal que se traduz na competência da lei para criar
ou autorizar a criação das entidades, alcançando inclusive as subsidiárias das
empresas públicas e sociedades de economia mista como verificado no inciso
XX do artigo 37 da CRFB/88 acima transcrito. E do princípio da especialidade,
segundo o qual cada entidade deve ser criada para o desempenho de uma
atividade específica definida por lei, a finalidade da entidade será consignada em
lei (criadora ou autorizativa), de forma especifica, não mudando enquanto não
mudar a lei.

Esta consignação em lei é essencial ao controle exercido pela administração


direta, em razão da relação horizontal de vinculação, denominado de controle
finalístico. Se diz finalístico porque tem correlação com a finalidade da entidade,
como não existe subordinação das pessoas administrativas ao ente federativo que
às instituiu o controle possível é de verificação do cumprimento do programa geral
do Governo determinado em lei, não tendo fundamento hierárquico. Tal controle, no

75
Fundamentos do Direito Administrativo

entanto, pode ser exercido de ofício, ou seja, sem provocação externa, em razão da
autotutela administrativa, ou por provocação, ou seja, por terceiros que
Princípios da
reserva legal solicitam à administração o exame de seus atos por meio de recursos
competência da administrativos.
lei para criar ou
autorizar a criação Tal controle pode ser político, institucional, administrativo ou
das entidades financeiro:
princípio da
especialidade cada
entidade deve a) Político: poder de nomeação e exoneração de seus dirigentes
ser criada para pela autoridade administrativa competente do ministério ou secretaria
o desempenho ao qual se vincula a entidade;
de uma atividade
específica definida b) Institucional: verificação do cumprimento dos objetivos para os
por lei.
quais foi criada;

c) Administrativo: fiscalização dos agentes e rotinas administrativas;

d) Financeiro: fiscaliza os setores financeiro e contábil.

Fica claro que a Administração possui, como alternativa organizacional,


além da divisão interna em órgãos, a criação de pessoas jurídicas vinculadas
genericamente denominadas de entidades, pessoas administrativas, que serão
criadas por lei ou autorização legal, podendo revestir-se de formas diversas.

Quais são as categorias compreendidas na definição de pessoas


administrativas? São as autarquias (inclusive as associações públicas), fundações,
empresas públicas e sociedades de economia mista que passaremos a detalhar.

Autarquias
A palavra utilizada para denominar tal entidade “Autarquia” se origina do termo
grego αuταρχία, que em síntese significa, comandar a si mesmo, não é um termo
privativo do Direito Administrativo, é também utilizado no campo da economia e
filosofia, porém, sempre com o sentido de algo que exerce poder sobre si mesmo.
No âmbito da Administração Pública que é o escopo desta análise destacamos a
definição dada pelo Decreto Lei 200/67:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:


I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública,
que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada.

76
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

São entes administrativos federais, estaduais, distritais ou municipais (depende


do ente político que a criou), ou seja, podem estar vinculadas à União, aos Estados ,
aos municípios ou ao Distrito Federal, com personalidade jurídica de direito público
interno (art. 41, IV do Código Civil), criadas por lei (artigo 37, XIX CF), com atribuições
típicas de Estado (polícia administrativa de intervenção na propriedade privada e
ordem econômica, intervenção na ordem social e fomento público), não lucrativas,
que requeiram especialização podendo ter finalidade assistencial, previdenciária,
educacional, cultural, profissional, administrativa e fiscalizatória dentre outras.

O artigo 41 do Código Civil, acima citado, ao enumerar as pessoas jurídicas


de direito público diz:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:


I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Depreende-se do dispositivo legal que as associações públicas se incluem
na categoria autarquia, são, portanto, um tipo de autarquia plurifederativa, ou
seja, uma autarquia que se vincula a mais de um ente federativo nos termos da
Lei 11.107 de 06 de abril de 2005.

ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS

O art. 241 da Constituição Federal, com redação alterada


pela Emenda Constitucional no. 19 de 1998 estabelece que os
entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios
disciplinarão, por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios
de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão
associada de serviços públicos, bem como a transferência total
ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.

A Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005, que dispõe sobre normas


gerais de contratação de consórcios em seu artigo 1º estabelece
normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de
objetivos de interesse comum e determina no parágrafo primeiro que
o consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica
de direito privado.

77
Fundamentos do Direito Administrativo

A lei dos consórcios públicos deu nova redação ao Código


Civil acrescentando ao inciso IV, do seu art. 41, que estabelece as
autarquias como pessoas jurídicas de direito público, as associações
públicas. Assim, ao formar uma associação pública, estará sendo
criada uma nova autarquia, ou seja, as associações públicas são
consideradas autarquias, porém estarão vinculadas a tantos quantos
forem os entes federativos consorciados, a criação se dará nos
termos do artigo sexto e a dotação orçamentária será feita na forma
do contrato de rateio como se extrai dos artigos abaixo transcritos:

Lei 11.107/05
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem
consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse
comum e dá outras providências.
[...] ,
§ 1o O consórcio público constituirá associação pública ou
pessoa jurídica de direito privado.
Art. 6o O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I – de direito público, no caso de constituir associação pública,
mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de
intenções;
Art. 8o Os entes consorciados somente entregarão recursos ao
consórcio público mediante contrato de rateio.

Fonte: A autora.


As autarquias, fiéis a ideia de entidade com comando próprio, possuem
autonomia gerencial, administrativa e financeira, com dotação orçamentária
própria e patrimônio próprio (artigo 165, parágrafo 5º. CRFB/88). Contudo, esta
autonomia não é absoluta e, sim, relativa nos limites da lei que a instituiu, pois
encontram-se vinculadas à Administração Direta que as criou e submetidas ao
princípio de controle finalístico ou tutela administrativa.

Dada a personalidade de Direito público seus bens são considerados


bens públicos de uso especial afetados ao serviço prestado e, portanto,
dotados das prerrogativas previstas no Código Civil, art. 98 ao 103, tais como
impenhorabilidade, imprescritibilidade e indisponibilidade.

No tocante à responsabilidade civil das autarquias, aplica-se a regra contida


no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal que fixa a responsabilidade
civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público pelos atos praticados por
seus agentes quando estiverem agindo na qualidade de agente público. Como
as autarquias são pessoas jurídicas de direito público serão responsabilizadas
objetivamente pelos danos decorrentes dos atos dos seus agentes.

78
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Responsabilidade Objetiva: É assim denominada porque não


há a necessidade da prova da culpa, bastando a existência do dano,
da conduta e do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a ação do
agente. A responsabilidade está calcada no risco assumido pelo
lesante, em razão de sua atividade.


Ainda em razão de serem pessoas jurídicas de direito público são
destinatárias de prerrogativas próprias do regime jurídico de direito público, sejam
elas de ordem processual, uma vez que são Fazenda Pública para todos os
efeitos ou tributária, esta última representada pelo parágrafo 2º do artigo 150 da
CRFB/88 que estende a imunidade recíproca relativa aos impostos às autarquias
e fundações no que diz respeito aos bens, renda e patrimônio relacionados as
suas atividades fim.

A FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO

A expressão Fazenda Pública é utilizada, para representar a


feição patrimonial das pessoas jurídicas de direito público interno,
mormente quando observadas sob sua atuação judicial (PEREIRA,
2003, p. 5). Na mesma linha, temos que “na qualidade de autora ou
ré nas ações em que é parte, a Administração recebe o nome de
Fazenda Pública, sob o enfoque dos ônus patrimoniais da ação.”
(MEDAUAR, 2012, p.435).

Nesta toada, pelo que se denota da leitura do novel diploma


processual civil, o legislador optou por manter a titulação de Fazenda
Pública quando se refere à Administração em juízo.

Com inspiração no princípio da supremacia do interesse público,


a Fazenda goza de prerrogativas quando parte na relação processual.
“Sua feição é única: não é a projeção de uma pessoa formal, mas
de todas as pessoas naturais amalgamadas.” (PEREIRA, 2003. p.
25) O interesse é público, e não simplesmente interesse do Estado.
Contudo, esse status não pode significar a imposição desarrazoada
de dificuldades para a outra parte litigante, residindo na própria lei os
limites da atuação em juízo da Fazenda Pública.

79
Fundamentos do Direito Administrativo

Sob esse enfoque – de sopesar as garantias para a defesa do


interesse público e a isonomia entre as partes litigantes -, devem ser
analisados os dispositivos aplicados à atuação judicial da Fazenda
Pública previstos no Novo Código de Processo Civil.

Em primeiro plano, numa homenagem à celeridade processual,


sem descuidar de um prazo diferenciado, o novo estatuto dispõe
que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas
respectivas autarquias e fundações gozarão de prazo em dobro para
a manifestação em juízo, conforme disposição expressa do artigo 183.

Bom lembrar que a redação do artigo correspondente do Código
de Processo Civil de 1973, ainda vigente, traz o prazo em quádruplo
para contestar e em dobro para recorrer. Houve, portanto, uma
padronização e diminuição do prazo para contestar.

Ainda neste ponto, pela redação do §2ª do art. 183 do Novo


CPC, não será efetuada em dobro a contagem, nos casos em que
a lei estabelecer prazo específico para o ente público, como ocorre,
por exemplo, com os trinta dias previstos para impugnar a execução
de título judicial ou para embargar a execução extrajudicial de que
tratam respectivamente os artigos 535 e 910.

O dispositivo deve ser interpretado, portanto, no sentido de que


tão somente os prazos apresentados de forma geral para os demais
jurisdicionais serão computados em dobro para o ente público.

Num outro ponto, temos as disposições previstas nos artigos


534 e 535 (Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a
Exigibilidade de Obrigações de Pagar Quantia Certa pela Fazenda
Pública) e no artigo 910 (Execução Contra a Fazenda Pública).
De plano, podemos afirmar que não haverá alteração substancial
na sensação de morosidade para a satisfação do crédito – e nem
poderia assim dispor a legislação infraconstitucional -, diante do
comando do artigo 100 da Constituição Federal.

Portanto, quanto à demora no recebimento dos créditos havidos


para com o Estado, pouco ou quase nada mudará, na medida em que
o credor executivo da Fazenda Pública continuará a mercê da ordem
dos precatórios, isso quando o crédito não justificar a requisição de
pequeno valor de que trata o inciso II, §3º, do art. 535 do Novo CPC.

Interessante apontar, no tocante à execução de título judicial

80
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

contra a Fazenda Pública, que o ente público poderá arguir a


inexigibilidade do título caso seja o mesmo fundado em lei ou
ato normativo considerado inconstitucional ou incompatível com a
Constituição pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
ou difuso. A decisão da Suprema Corte, em tal hipótese, deve ser
precedente ao trânsito em julgado da decisão exequenda, nos termos
do §7º do artigo 535 do novo texto. Caso seja proferida após, caberia
tão somente uma ação rescisória.

No caso de ter sido proferida a decisão pela Suprema Corte


antes do trânsito em julgado, de acordo com Novo CPC, o título é
inexigível, mesmo que tal fato não tenha sido observado na decisão
e nas hipóteses que não tenho sido arguida incidentalmente a
inconstitucionalidade no feito que originou o título.

O dispositivo previsto no §5º do artigo 535 do Novo Código


de Processo Civil traz interessante debate oriundo da evolução da
jurisprudência na análise do artigo correspondente do CPC de 1973
(artigo 741), sobretudo porque o atual diploma avança ao positivar
a possibilidade da arguição de inexigibilidade mesmo quando o
Supremo Tribunal Federal tenha se manifestado no âmbito do
controle difuso.

Outra modificação importante, diz respeito à remessa necessária


prevista no artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015, no que se
refere às sentenças proferidas contra a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de
direito público, assim como nas que julgar procedentes, no todo ou em
parte, os embargos à execução fiscal.

O recurso de ofício ou duplo grau de jurisdição é mais


uma prerrogativa processual (ARAÚJO, 2010, p. 1288) da Fazenda
Pública. Nesse passo, devemos comparar a alteração com o
dispositivo correspondente no Código de Processo Civil de 1973,
qual seja, o artigo 473.

Quanto ao tema, o novo código diminui consideravelmente


as possibilidades da remessa necessária, de forma que apenas
as sentenças de maior vulto serão atingidas pelo duplo grau de
jurisdição obrigatório. Enquanto no diploma de 1973 os §§3º e 4º do
artigo 475 limitavam a remessa oficial ao valor certo e não excedente
a 60 (sessenta) salários mínimos, o novo Código de Processo Civil
limita ainda mais.

81
Fundamentos do Direito Administrativo

A partir da entrada em vigor do Novo CPC, não haverá remessa


oficial quando a condenação ou o proveito econômico obtido na
causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos no âmbito federal, de 500 (quinhentos) salários-mínimos
no âmbito estadual, bem como para os Municípios que constituam
capitais dos Estados e, por fim, de 100 (cem) salários-mínimos para
os demais Municípios. (Vide §3º do artigo 496 do Novo CPC).

Ainda neste artigo, o novo CPC dispõe no §4º do artigo 496,


que também não haverá duplo grau de jurisdição obrigatório quando
a decisão for calçada em súmula de tribunal superior, acórdãos do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em
recursos repetitivos, em entendimento vinculante do próprio ente
público, em resoluções de demandas repetitivas ou de assunção de
competência, ampliando consideravelmente as hipóteses negativas
para a remessa oficial.

Aqui um parêntese para mencionar que as resoluções de


demandas repetitivas e a assunção de competência do artigo, essa
última para os casos que envolverem relevante questão de direito
sem repetição em múltiplos processos, são mudanças firmadas no
sentido da celeridade.

Nesse tocante, com fulcro na busca pela celeridade processual,


serão evitados recursos desnecessários, permitindo a concentração
do esforço dos tribunais superiores nas questões mais importantes.
Portanto, tais alterações são, em primeira análise, alvissareiras.

Fonte: Souza (s.d., p. 2-3).

Destacamos ainda que os agentes em exercício nas autarquias são


servidores públicos estatutários regidos pelo regime jurídico próprio instituído no
âmbito de cada ente federativo, em âmbito federal, por exemplo são regidos pela
Lei 8112 de 1990, independente do ente federativo a que se vincula a entidade
autárquica incidem os dispositivos constitucionais relativos à matéria (CRFB/88
artigo 37 ao 40).

O Regime jurídico de direito público também impõe sujeições tais como a


obrigatoriedade de licitação prévia (CRFB/88 artigo 37, XXI) e controle pelo
Tribunal de Contas (CRFB/88 artigo 71, II).

82
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Prosseguindo a análise da definição legal de autarquia expressa no


I do artigo 4º. Do Decreto Lei 200/67 identificamos a expressão “gestão
administrativa e financeira descentralizada”. Qual o significado de tal
expressão? A descentralização, assim como a desconcentração é uma técnica de
descongestionamento administrativo definida por Di Pietro (2016, p. 517) como
sendo:

[...] a distribuição de competências de uma para outra pessoa,


física ou jurídica. Difere da desconcentração pelo fato de
ser esta uma distribuição interna de competências, ou seja,
uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa
jurídica; sabe-se que a Administração Pública é organizada
hierarquicamente, como se fosse uma pirâmide em cujo ápice se
situa o Chefe do Poder Executivo. As atribuições administrativas
são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia,
criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre
uns e outros. Isso é feito para descongestionar, desconcentrar,
tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu
mais adequado e racional desempenho. A desconcentração
liga-se à hierarquia. A descentralização supõe a existência
de, pelo menos, duas pessoas, entre as quais se repartem as
competências.

Mello (2015, p. 155) distingue as duas técnicas de descongestionamento


administrativo denominadas de descentralização e desconcentração da seguinte
maneira:
[...] descentralização e desconcentração são conceitos
claramente distintos. A descentralização pressupõe pessoas
jurídicas diversas: aquela que originariamente tem ou teria
titulação sobre certa atividade e aqueloutra ou aqueloutras às
quais foi atribuído o desempenho das atividades em causa.
A desconcentração está sempre referida a uma só pessoa,
pois cogita-se da distribuição de competências na intimidade
dela, mantendo-se, pois, o liame unificador da hierarquia.
Pela descentralização rompe-se uma unidade personalizada
e não há vínculo hierárquico entre a Administração Central
e a pessoa estatal descentralizada. Assim a segunda não é
subordinada à primeira. O que passa a existir, na relação entre
ambas, é um poder chamado controle.

As atividades destinadas a realização concreta, direta e imediata do
interesse público podem ser realizadas de forma centralizada, pelos órgãos da
Administração Pública direta, ou descentralizada, por terceiros, pessoas distintas
daquela que é a titular da atividade. Descentralizar significa tirar do centro, tirar
a execução da Administração Direta para terceiros que se encontrem dentro da
Administração (entidades da Administração indireta) ou fora dela (concessionárias,
permissionárias e autorizatárias).

83
Fundamentos do Direito Administrativo

A atribuição da atividade a esta pessoa distinta da titular é que se chama


descentralização e pode ser feita por outorga ou delegação:

• Por outorga, transfere-se a titularidade e a execução da atividade administrativa


determinada para pessoa distinta do seu titular, desde que o outorgado integre a
estrutura da Administração Pública indireta, com personalidade jurídica de Direito
Público e o ato de outorga seja materializado por lei. Assim, podemos concluir
que só é possível esta modalidade de descentralização por outorga para as
Autarquias e para as Fundações Públicas que tenham personalidade jurídica
de direito público e a outorga é feita, em geral pela própria lei que cria ou
autoriza a criação da entidade quando define sua área de atuação e atividade
específica a ser desempenhada.

• Por delegação, transfere-se a execução da atividade administrativa


determinada para outra pessoa, distinta do seu titular, seja integrante da
administração Pública ou um particular, terceiro estranho a Administração
como as concessionárias, permissionárias e autorizatárias.

Ressalte-se que a descentralização para particulares sempre será por
delegação, pois a titularidade jamais deixa de ser da Administração na figura do
titular da atividade, assim como a descentralização para Empresa Pública e para a
Sociedade de Economia Mista, pois, ainda que integrem a Administração Indireta,
são pessoas jurídicas de direito privado.

A natureza da atividade outorgada à autarquia lhe dará uma classificação


quanto ao objeto, ou seja, existem diferentes categorias de autarquias em função
da atividade que desempenham, por exemplo, o INSS – Instituto Nacional do
Seguro Social é uma autarquia previdenciária, a UFRJ – Universidade Federal do
Rio de Janeiro é uma autarquia cultural, os conselhos profissionais são autarquias
corporativas, a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações é uma autarquia
de controle. São inúmeras as possibilidades de classificação quanto ao objeto.

Também é possível categorizar as autarquias pelo seu regime jurídico,


geral ou especial e pelo nível federativo, ou seja, em razão do ente federativo
que instituiu a autarquia, podendo ser federal, estadual, municipal ou distrital. Por
exemplo, o INSS, acima citado é uma autarquia federal, pois foi instituída pela
União e encontra-se vinculada ao Ministério da Previdência Social.

As autarquias de controle, aquelas destinadas a controlar as entidades que


prestam serviço público ou atuam na área econômica por força de concessões e
permissões, possuem um regime jurídico diferenciado, são autarquias de regime
especial denominadas de agências reguladoras que passaremos a estudar.

84
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Agências Reguladoras
São autarquias de regime especial, encarregadas do exercício
São autarquias de
do poder normativo técnico e fiscalizatório (poder de polícia) sobre a regime especial
prestação de serviços públicos e exploração das atividades econômicas independência
de interesse público, dispondo sobre concessão, permissão, contratos administrativa
administrativos e tarifas, como se fosse a própria pessoa política (União, autonomia
Estado, DF e município). econômico-
financeira poder
normativo técnico
São exemplos de agências com previsão constitucional a ANATEL autonomia
(Agência Nacional de Telecomunicações) e ANP (Agência Nacional de decisória.
Petróleo) respectivamente mencionadas nos artigos art. 21, inciso XI
e 177, § 2º, III. São outros exemplos de agências reguladoras: ANEEL - Lei nº
9.427/96; ANATEL – Lei nº 9.472/97; ANP – Lei nº 9.478/97; ANVISA – Lei nº
9.782/99; ANS – Lei nº 9.961/2000; ANA - Lei nº 9.984/2000.

Não existe qualquer controvérsia acerca da natureza jurídica das agências


reguladoras, tratam-se de autarquias de regime especial. São assim chamadas
porque o regime jurídico a elas aplicável difere sensivelmente do regime das
autarquias de regime comum já estudadas.

O que caracteriza o chamado “regime especial” destas autarquias? Para Di


Pietro (2016, p.577) “é a maior autonomia em relação à Administração Direta, a
estabilidade de seus dirigentes garantida pelo exercício de um mandato fixo e o
caráter final de suas decisões”.

A lei que as institui, confere privilégios específicos e aumenta sua autonomia


comparativamente com as autarquias comuns. Em especial a autonomia
administrativa, financeira, poder normativo técnico, e poder decisório.

O fato de seus dirigentes serem nomeados por prazo determinado, este


denominado de mandato administrativo, e possuírem estabilidade durante o
período referente a este mandato, confere às agências reguladoras independência
administrativa, afinal seus dirigentes não poderão ser exonerados livremente pela
autoridade da Administração Direta.

A autonomia econômico-financeira também é ampliada porque além da


dotação orçamentária proveniente do ente federativo que as instituiu, as agências
reguladoras também contam com receitas próprias em razão da cobrança de taxa
ensejada pelo exercício do poder de polícia fiscalizador.

O poder normativo técnico refere-se à competência para editar normas técnicas


complementares de caráter geral. É o poder e dever de produzir resoluções de caráter
técnico sobre o serviço ou atividade que fiscaliza e regula.

85
Fundamentos do Direito Administrativo

A autonomia decisória refere-se ao fato de não ser reconhecida a possibilidade


das decisões de natureza técnica das agências reguladoras serem revistas pelo
Ministro/Secretário do Ministério/ Secretaria ao qual se encontra vinculada a
agência. Exemplificando, uma decisão técnica da ANATEL não poderia ser revista
pelo Ministro de Telecomunicações, assim pode-se dizer que o esgotamento da
via administrativa, no caso das decisões de natureza técnica, ocorre no âmbito da
própria agencia reguladora.

Atividade de Estudos:

1) Antônio, vítima em acidente automobilístico, foi atendido em um


hospital, autarquia vinculada ao Município de Mar Azul e, por
imperícia do médico que o assistiu, teve amputado um terço de
sua perna direita. Nessa situação hipotética, o Município de Mar
Azul responde pelo dano causado a Antônio?
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Fundações
Assim como as autarquias podem ser descritas como a personificação de
um serviço, as fundações são a personificação de um patrimônio aplicado a uma
finalidade social e representam pessoas jurídicas de caráter muito peculiar, e
consistem em complexos de bens (universitates bonorum) dedicados à construção
de certos fins e para esse efeito dotados de personalidade.
86
Capítulo 3 Estrutura Administrativa


De fato, são entidades bem peculiares, a começar pela possibilidade de
serem instituídas tanto no universo privado quanto público. Assim temos três tipos
de fundações a saber:

1) Fundações privadas, que são instituídas por particulares, sejam pessoas


físicas ou jurídicas, reguladas pelos dispositivos do Código Civil Brasileiro,
em seus artigos 62 a 69 e da Lei nº 6.515/73. Não integram a estrutura da
Administração Pública.

2) Fundações Públicas, que são as instituídas e mantidas pelo poder público


e integram a estrutura da Administração Pública. Contudo, estas podem ter
personalidade jurídica de direito público ou privado dividindo-se assim em:

2.a – Fundações Públicas de direito público, espécies do gênero autarquia,


chamadas fundações autárquicas e, portanto com o mesmo regime jurídico
das autarquias;

2.b – Fundações Públicas de direito privado, que possuem regime jurídico


hibrido, diferindo do regime das autarquias no que se refere a personalidade
jurídica, por ser de direito privado; criação, por autorização legal; atividade,
que deverá ser definida em lei complementar conforme artigo 37, XIX da
CRFB/88; bens, que em consequência da personalidade jurídica também
serão privados; ausência de prerrogativas processuais; pessoal regido pela
CLT, apesar de contratados mediante concurso público e o foro que em
caso de justiça comum será sempre da justiça estadual, seja a fundação
pública de direito privado federal, estadual, distrital ou municipal.

É este também o entendimento do Supremo Tribunal Federal como se


depreende das ementas abaixo:

De tudo se conclui que o ordenamento jurídico brasileiro


contempla três espécies do gênero fundação: aquelas
tipicamente privadas, melhor dito, particulares, por não
registrar qualquer participação, em sua criação, do Poder
Público, regidas exclusivamente pelo Código Civil Brasileiro;
aquelas criadas pelo Poder Público e que consignam, no ato
de sua instituição, personalidade jurídica de direito público;
e, finalmente, aquelas que, criadas pelo Poder Público, são
instituídas, todavia, como pessoas jurídicas de direito privado
(...). Essas duas últimas espécies – as fundações com
personalidade jurídica de direito público criadas pelo Estado,
e as fundações com personalidade jurídica de direito privado,
também criados pelo Estado, agora mediante lei e antes por
autorização legislativa, compõem o sub-gênero dito “fundações
públicas”, submetendo-se, ambas aos controles públicos, e
integrando, ambas, a Administração Pública Indireta. O que as

87
Fundamentos do Direito Administrativo

distingue entre si é que as fundações de direto público nada


mais são que autarquias travestidas em forma fundacional.
Por essa razão os servidores são considerados servidores
públicos civis, aplicando-se-lhes, por exemplo, a norma do art.
39 da Constituição Federal. Já a fundação de direito privado
instituída pelo Poder Público – também fundação pública – é
privada, mas não é particular (STF. Agravo no RE n° 219.900-
1/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 04.06.2002).

Apesar das divergências doutrinárias, podem ser visualizadas


no Brasil três tipos de fundações: as privadas, as públicas com
regime de direito privado e as públicas propriamente ditas.
Afirma que, entre as espécies citadas, a única que prescinde
de lei para sua criação é a estritamente privada, sendo vedado
ao Estado a criação de fundações dessa modalidade (STF.
MS nº 24. 427 – 5/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau,
30.08.2006).

A classificação aqui adotada resulta da discussão doutrinária que se tem
travado desde a Constituição de 1988, até então havia a compreensão pacífica
que as fundações instituídas pelo poder público teriam personalidade jurídica de
direito privado, em decorrência do que dispunha o artigo 4º., IV do Decreto Lei
200 de 1967. Em razão do tratamento dado pela Constituição de 1988 a estas
entidades suscitou-se dúvida sobre a natureza jurídica das fundações públicas,
ainda que sejam diversos os pensamentos a corrente hoje dominante, defende a
existência de dois tipos de fundações públicas como acima demostrado.

PAES, José Eduardo Sabo. Fundação pública instituída pelo


Poder Público com personalidade jurídica de direito privado. R.
Art. Minist. Públ. Dist. Fed. Terit., Brasília, n.4, p. 97-128, 2010.


As entidades cujos regimes jurídicos analisamos até aqui, autarquias e
fundações, podem ainda receber a qualificação de agências executivas como
passaremos a ver.

Agências Executivas

É tão somente uma qualificação conferida às entidades preexistentes,
autarquias ou fundações, que, após o cumprimento de requisitos legais, celebram
contrato de gestão com a pessoa política que a criou, se comprometendo
a otimizar recursos, reduzir custos e aperfeiçoar a prestação de serviços,

88
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

e assim obter maior autonomia e ainda benefícios tais como: receber mais
recursos, pessoal, maquinário, privilégios quando das licitações e contratos
administrativos, como se depreende dos dispositivos transcritos a seguir:

Lei 9649/98
Artigo 51. O Poder Executivo poderá qualificar como Agência
Executiva a autarquia ou fundação que tenha cumprido os
seguintes requisitos:
I  -  ter um plano estratégico de reestruturação e de
desenvolvimento institucional em andamento;
II - ter celebrado Contrato de Gestão com o respectivo
Ministério supervisor.
§ 1o A qualificação como Agência Executiva será feita em ato
do Presidente da República.
§ 2o O Poder Executivo editará medidas de organização
administrativa específicas para as Agências Executivas,
visando assegurar a sua autonomia de gestão, bem como a
disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros para
o cumprimento dos objetivos e metas definidos nos Contratos
de Gestão.

Artigo 52. Os planos estratégicos de reestruturação e de


desenvolvimento institucional definirão diretrizes, políticas
e medidas voltadas para a racionalização de estruturas e do
quadro de servidores, a revisão dos processos de trabalho, o
desenvolvimento dos recursos humanos e o fortalecimento da
identidade institucional da Agência Executiva.
§ 1o Os Contratos de Gestão das Agências Executivas
serão celebrados com periodicidade mínima de um ano e
estabelecerão os objetivos, metas e respectivos indicadores
de desempenho da entidade, bem como os recursos
necessários e os critérios e instrumentos para a avaliação do
seu cumprimento.
§ 2o O Poder Executivo definirá os critérios e procedimentos
para a elaboração e o acompanhamento dos Contratos de
Gestão e dos programas estratégicos de reestruturação e de
desenvolvimento institucional das Agências Executivas.

Portanto, as autarquias e fundações públicas responsáveis por atividades e


serviços exclusivos do Estado são chamadas agências executivas.

Empresas Públicas e Sociedades de


Economia Mista
As Empresas Públicas e as Sociedades de economia mista se apresentam
como alternativas para a Administração quando for necessário o desempenho de
atividade de natureza econômica ou a prestação de serviços públicos capazes de
gerar lucro ao prestador, são entidades da administração pública, porém revestidas

89
Fundamentos do Direito Administrativo

de forma empresarial o que lhes confere características muito particulares.

Sobre estas entidades destacamos alguns dispositivos constitucionais e


legais. As definições legais estão no Decreto Lei 200 de 1967:

DL 200/67
Artigo 5º
II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade
jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital
exclusivo da União, criado por lei para a exploração de
atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer
por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa
podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em
direito.
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a
exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua
maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

Na Constituição Federal, os dispositivos que se referem especificamente


ao regime das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista não se
encontram no capítulo referente à Administração Pública e, sim, no capítulo
dedicado à ordem econômica, a análise dos dispositivos abaixo destacados
esclarece esta localização no texto constitucional:

CRFB/88
Artigo 173
Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos
em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que
explorem atividade econômica de produção ou comercialização
de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e
pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e
alienações, observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de
administração e fiscal, com a participação de acionistas
minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a
responsabilidade dos administradores.
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia
mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos
às do setor privado.
§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com
o Estado e a sociedade.
90
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à


dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos
dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade
desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza,
nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e
contra a economia popular.

Conclui-se que são pessoas jurídicas de direito privado, criadas por


autorização legal destinadas a prestar serviço público ou explorar atividade
econômica, neste último caso apenas quando imperativo para a segurança
nacional ou de relevante interesse coletivo.

Dada a natureza privatística do exercício de suas atividades seu quadro de


pessoal é composto de empregados públicos celetistas, mas que se submetem
ao princípio da obrigatoriedade do concurso público, tem seus atos e contratos
submetidos ao regime jurídico predominantemente privado, aplicando-se as leis
civis e comerciais nos contratos relacionados à atividade-fim.

Sobre a obrigatoriedade de licitação, est só alcança os contratos relacionados


a atividade-meio como a compra de material de escritório, obras, serviços de
informática, por exemplo, não alcançando os contratos relacionados à atividade
fim da entidade.

Sendo pessoas jurídicas de direito privado seus bens são considerados


bens privados e, portanto, livres de qualquer prerrogativa, contudo, sendo os bens
afetados diretamente ao serviço público serão impenhoráveis e imprescritíveis para o
cumprimento do princípio da continuidade do serviço público.

A natureza da atividade desempenhada pela entidade também interfere no


tipo de responsabilidade que lhe alcança, pois, quando prestadoras de serviço
público aplica-se o artigo 37, § 6º da CRFB/88 que impõe a responsabilidade
civil objetiva já tratada em ponto anterior; quando exploradoras de atividade
econômica, aplica-se em regra Código Civil, art. 186 a 188, e 927 e seguintes -
responsabilidade civil objetiva ou subjetiva.

Por integrarem a estrutura da Administração Pública indireta submetem-se


ao controle pelo Tribunal de Contas (CRFB/88 artigo 71, II).

Deve-se atenção aos princípios que informam a ordem econômica para


compreender o regime jurídico destas entidades. Segundo, o artigo 170 da
Constituição Federal, a ordem econômica é fundada na livre iniciativa e deve
observar o princípio da livre concorrência, como as Empresas Públicas e as
Sociedades de Economia Mista têm natureza empresarial, não podem ser
destinatárias das prerrogativas próprias do regime jurídico de direito público,
91
Fundamentos do Direito Administrativo

pois seria uma clara ofensa aos fundamentos e princípios destacados. Assim,
as entidades se submetem ao regime jurídico próprio das empresas privadas
com algumas sujeições de direito público como, por exemplo, a necessidade
de promover concurso público para contratação de pessoal e a submissão ao
controle pelos Tribunais de Contas entre outras.

Não são, portanto, destinatárias das prerrogativas processuais e tributárias,


contudo, no caso de serviço público monopolizado, dada a inexistência de ameaça
ao mercado ou risco de abuso do poder econômico, podem desfrutar de tais
prerrogativas submetendo-se ao mesmo regime das autarquias. É o que ocorre
com a Empresa de Correios que, tem natureza de Empresa Pública, mas por
prestar serviço público monopolizado está submetida ao regime autárquico, sendo
destinatária das prerrogativas próprias do regime jurídico de direito público como
se destaca da ementa de decisão do Supremo Tribunal Federal:

STF - AÇÃO CÍVEL ORIGINAÁRIA ACO 803 SÃO PAULO


0004028-06.2005.0.01.0000 (STF)

Data de publicação: 27/09/2011

Ementa: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA - EMPRESA


BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT)
- TRIBUTO INSTITUÍDO POR LEI ESTADUAL (IPVA) -
PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA PRERROGATIVA
CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
RECÍPROCA - CONFLITO DE INTERESSES ENTRE A
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS E
O ESTADO DE SÃO PAULO - LITÍGIO QUE SE SUBMETE,
POR EFEITO DE POTENCIAL LESÃO AO PRINCÍPIO
FEDERATIVO, À ESFERA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HARMONIA E
EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS
ESTADOS-MEMBROS E A UNIÃO FEDERAL, INCLUSIVE
ENTRE AQUELES E EMPRESAS GOVERNAMENTAIS,
COMO A ECT, INCUMBIDAS DE EXECUTAR SERVIÇOS
QUE A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
DEFERIU, SOB RESERVA DE MONOPÓLIO, À UNIÃO
FEDERAL - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO - CONSEQÜENTE
EXTENSÃO, A ESSA EMPRESA PÚBLICA, EM MATÉRIA DE
IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA
NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA
(CF, ART. 150, VI, “a”) - O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-
JURÍDICO DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL, QUE
TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO
POSTULADO DA FEDERAÇÃO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
DA ECT, EM FACE DO IPVA, QUANTO AOS VEÍCULOS
NECESSÁRIOS ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO
DESEMPENHO DO ENCARGO, QUE, A ELA OUTORGADO,
FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO

92
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

FEDERAL - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL - PRETENSÃO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL
DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL - SITUAÇÃO
DE POTENCIALIDADE DANOSA - PEDIDO ACOLHIDO -
DECISÃO DO RELATOR REFERENDADA PELO PLENÁRIO
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista aqui estudadas,


com suas peculiaridades, se apresentam fundamentalmente como uma alternativa
organizacional da Administração Pública, são verdadeiros instrumentos de
atuação do Estado e, ainda que revestidas de forma empresarial e sob regime
predominantemente privado, buscam a realização material do interesse público.

Outra alternativa da Administração para prestação de serviços públicos é a


delegação às particulares, por meio de ato ou contrato administrativo que você
verá a seguir.

Concessionárias e Permissionárias
A lei atribui ao estado um rol de atividades materiais que devem ser
executadas, algumas destas atividades representam verdadeiras utilidades de
fruição contínua pelas pessoas denominadas de serviços públicos, na definição
de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 139) serviço público é:

[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para


que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades
coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente de direito
público.

Depreende-se do conceito que:

a) A competência para prestação dos serviços públicos decorre da lei;

b) que os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo Estado, o que
significa dizer, por meio dos órgãos da Administração Direta ou das entidades da
administração indireta, ou podem ser prestados indiretamente, ou seja, por meio
de terceiros que não integram a estrutura orgânica da Administração Pública;

c) Ainda que os serviços públicos sejam prestados por particulares em


colaboração com o poder público não estarão submetidos ao regime jurídico
totalmente privado.

A Lei, ao atribuir determinado serviço a um ente federativo, está determinando

93
Fundamentos do Direito Administrativo

a titularidade, ou seja, está definindo quem possui competência para prestar,


regulamentar, delegar (quando possível), e fiscalizar a prestação do serviço.

A Constituição Federal atribui à união, estados e municípios a titularidade de


vários serviços como se verifica dos dispositivos destacados com nossos grifos:

Art. 21. Compete à União:


X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o
aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação
com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura
aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre
portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham
os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas


Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição.
§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante
concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma
da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua
regulamentação.

Art. 30. Compete aos Municípios:


V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União
e do Estado, programas de educação infantil e de ensino
fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União
e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

A leitura atenta dos artigos supra confirma a segunda afirmativa extraída do


conceito de serviço público, qual seja, que pode ser prestado diretamente pelo
titular ou delegado a terceiros, o que se confirma no artigo 175 da Constituição
federal de 1988:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente


ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos.

94
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Conclui-se que o ente federativo titular de um serviço público pode, quando


autorizado pela lei, delegar a prestação a um particular por meio de concessão
ou permissão. Maria Sylvia Zanella de Pietro (2015, p. 336) define concessão em
sentido amplo como sendo:

O contrato administrativo pelo qual a Administração confere


ao particular a execução remunerada de serviço público,
obra pública ou de serviço de que a Administração seja
a usuária direta ou indireta, ou lhe cede o uso de bem
público, para que o explore pelo prazo e nas condições
regulamentares e contratuais.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 725-726), diz que concessão de


serviço público é:

o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de


um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome
próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e
alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob
garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro,
remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral
e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos
usuários do serviço.

A lei geral de concessão, Lei 8987 de 1995, assim define concessão e


permissão:

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


II - concessão de serviço público: a delegação de sua
prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na
modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de
empresas que demonstre capacidade para seu desempenho,
por sua conta e risco e por prazo determinado;
III - concessão de serviço público precedida da execução
de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação,
reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de
interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua
realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento
da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a
exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título
precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos,
feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que
demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta
e risco.

Também a Lei 11.107 de 2004 define duas modalidades de concessão: 

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de


concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.
95
Fundamentos do Direito Administrativo

§ 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços


públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de
13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à
tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
§ 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação
de serviços de que a Administração Pública seja a usuária
direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens.

Concessão é portanto, um contrato administrativo pelo qual o poder público


delega a prestação de um serviço público precedida ou não de obra pública, ao
particular, pessoa jurídica ou consórcio de empresa, preexistente, com capacidade
técnica e financeira para suportar o objeto delegado.

Várias são as modalidades de concessão em razão do objeto delegado,


podemos identificar dos dispositivos acima destacados a concessão de serviço
público, a concessão de serviço precedida de obra, a concessão patrocinada e a
concessão administrativa.

Os concessionários são então, os particulares, pessoas jurídicas ou


consórcios de empresas que mediante delegação contratual de seu titular tornam-
se competentes para prestação de serviços públicos, cabendo-lhes prestar o
serviço adequadamente nos termos da lei e do contrato.

Já os permissionários, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, também


são particulares a quem o poder público delega a prestação de serviços públicos,
mas neste caso, por meio de um contrato de adesão, o que em termos práticos
não difere da concessão.

Assim, concessionários e permissionários são particulares em colaboração com


o poder público.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

ARAGÃO, Alexandre Santos de. O conceito de serviços públicos


no direito constitucional brasileiro. Revista Eletrônica de Direito
Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito
Público, no. 17, fevereiro/março/abril, 2009. Disponível em: <http://
www.direitodoestado.com.br/redae.asp>.

96
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Terceiro e Quarto Setor


Considerando que o primeiro setor seja o Estado e o segundo setor o
mercado, expressão “terceiro setor” define o conjunto de entidades da sociedade
civil de fins públicos e sem objetivo de lucro.

Setor que coexiste com o primeiro e com o segundo setor, sem com eles
confundir-se, difere do Estado porque as entidades que o compõem são de
natureza privada, apesar de dedicadas à consecução de fins públicos, e do
mercado, porque não visa ao lucro nem ao proveito pessoal de seus atores.

Algumas das organizações que integram o chamado terceiro setor não são
novas como, por exemplo, as Santas Casas de Misericórdia, as obras sociais,
as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao
sistema sindical (SESI, SESC, SENAI, SENAC, dentre outras).

A estas somaram-se as Organizações Não Governamentais – ONGs fazendo


do terceiro setor uma realidade complexa e multiforme.

Na década de 1990, no bojo da Reforma do Estado, o terceiro setor foi enfim


valorizado e reconhecido como um instrumento importante na redução do núcleo
do próprio aparelho do Estado com a edição da Lei 9637 de 1998 e da Lei 9790
de 1999, que passavam a qualificar entidades do terceiro setor como Organização
Social -OS e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP.

Organização Social, é a qualificação que pode ser concedida pelo


Poder Executivo às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
destinadas ao exercício de atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica,
ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente,
à cultura ou à saúde, conforme estabelecido na Lei n.o 9.637 de 1998. Já a
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público resulta da qualificação dada
pelo poder público nos termos da Lei Federal 9.790, de março de 1999, que exige
uma série de disposições estatutárias e organizacionais para que uma entidade
possa ser qualificada como OSCIP.

Hodiernamente uma nova categoria de entidade empresarial tem tomado


força. São as entidades privadas que, apesar de terem fins lucrativos, buscam o
desenvolvimento social e ambientel. É chamado de quarto setor, muito parecido
com as entidades do terceiro setor, porém com fins lucrativos.

É uma categoria de empresas que são movidas por lucro, mas cujo  objeto
está relacionado ao desenvolvimento social/ambiental. Sua natureza empresarial

97
Fundamentos do Direito Administrativo

permite o crescimento e atração de investimento. O surgimento e crescimento


deste novo setor propõe transformação e melhoria social/ambiental de forma
sustentável.

Algumas Considerações
As pessoas políticas, entes federativos que compõem a federação, têm
personalidade jurídica de direito público interno, possuem autonomia financeira,
administrativa e política, assentadas na capacidade de auto-organização,
autogoverno, autoadministração e autolegislação e, portanto, não se confundem
com a Administração pública que consiste no conjunto de agentes, órgãos e
entidades designados para executar atividades administrativas em todos os entes
federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como a própria
atividade de administração desempenhada no âmbito dos três poderes (executivo,
legislativo e judiciário).

Para fins didáticos divide-se a Administração Pública em direta, que


compreende os órgãos diretamente integrados a um ente federativo e indireta,
composta de pessoas administrativas criadas para o desempenho de atividades
específicas e mantendo com o ente federativo instituidor uma relação horizontal
de vinculação.

A função administrativa abarca as atividades de polícia, fomento, intervenção


e serviço público. Para o eficiente desempenho de tais atividades o Estado
conta com a colaboração de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, distintas
da administração, com capacidade técnica e financeira de prestar o serviço
de forma adequada por meio de delegação do poder público denominadas de
concessionárias e permissionárias.

Por fim, a partir do movimento de reforma do Estado intensificou-se a


participação da sociedade civil organizada em fundações e associações sem fins
lucrativos, chamado de terceiro setor, para efetivar as atividades de interesse público
não privativas do Estado e desenvolveram-se mecanismos legais para organizar
esta colaboração. Atualmente vivenciamos a ebulição do quarto setor que, composto
por entidades com fins lucrativos, busca o desenvolvimento social e ambiental.

98
Capítulo 3 Estrutura Administrativa

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 25 mar. 2016.

BRASIL. Recurso em Mandado de Segurança n. 21.419. Diário Oficial da


União, Poder Judiciário, Brasília-DF, 17 ago. 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo:
Atlas, 2016, p. 336.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo:
Malheiros, 2016.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, páginas 725 – 726.

SACCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da dministração pública.


Revista da Administração Pública, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas,
43(2) 347 a 369, mar/abr, 2009. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rap/v43n2/
v43n2a04.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016.

SOUZA, Fábio Jeremias de. O novo código de processo civil e a fazenda


pública. p. 2 e 3. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/o-novo-codigo-
de-processo-civil-e-a-fazenda-publica-por-fabio-jeremias-de-souza/>. Acesso em:
20 abr. 2016.

99
Fundamentos do Direito Administrativo

100
C APÍTULO 4
Atividade Administrativa

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer e compreender a função administrativa a ser desempenhada


pelos sujeitos estudados no capítulo anterior.

� Conectar o conteúdo da disciplina com a realidade fática atual do país.


Fundamentos do Direito Administrativo

102
Capítulo 4 Atividade Administrativa

Contextualização
Nos nossos estudos até aqui, percorremos um longo caminho pelo Direito
Administrativo, desde sua origem até a sua constitucionalização e condicionamento
pelos direitos fundamentais.

Analisamos o regime jurídico de direito público, os conceitos de interesse


público primário e secundário, personalização do Direito Administrativo.
Estudamos seus princípios básicos ou setoriais, as ideias de legalidade e
legitimidade administrativa.

Entendemos a estrutura organizacional da Administração Pública e seus


elementos orgânicos. Pessoas políticas, órgãos, agentes, pessoas administrativas,
inclusive as agências reguladoras e executivas, bem como os terceiros em
colaboração, concessionários e permissionários.

Todo esse cotejo, nos dá o instrumental necessário para, identificando as


atividades próprias da Administração, controlar seus atos a fim de garantir a
efetivação dos direitos fundamentais.

Serviço Público, Polícia, Fomento e


Intervenção
Já vimos em capítulos anteriores que a expressão “Administração Pública”
pode ser compreendida em sentido subjetivo e objetivo. Subjetivamente refere-se
à estrutura orgânica e, portanto, aos sujeitos, pessoas jurídicas, órgãos e agentes
que desempenham função administrativa no âmbito dos três poderes e em todas
as esferas federativas.

Objetivamente administração pública diz respeito à própria atividade


administrativa, em grande parte atribuída ao poder executivo. Nosso desafio
neste ponto do estudo é identificar o conteúdo desta atividade, o que pode ser
considerado como atividade administrativa?

O primeiro critério para definir o conteúdo da atividade considerada


administrativa seria o residual, ou seja, excetuando-se a atividade de legislar e a de
prestar jurisdição, o resíduo seria atividade administrativa. Este critério negativo,
no qual o que realmente se identifica é o que não é atividade administrativa, além
de causar uma imensa imprecisão conceitual deriva de uma estrutura há muito
ultrapassada, fundada na ideia de que o governante teria todo poder, excluindo-se
as atividades de legislar e a função jurisdicional de contornos bem definidos, todo

103
Fundamentos do Direito Administrativo

resto seria de competência, poder e responsabilidade do governante e não difere


a atividade administrativa da de governo.

Atividade Na busca de um critério positivo, no qual se identifica o que é


administrativa atividade administrativa propriamente dita, chegou-se a um núcleo
propriamente de atividades essencialmente administrativas que exclui os atos de
dita compreende governo e, compreende as atividades de serviço público, polícia,
as atividades de
fomento e intervenção.
serviço público,
polícia, fomento e
intervenção. Este rol não é uma unanimidade na doutrina, mas é a classificação
filiada pela maioria dos doutrinadores pátrios. Como explica Di Pietro
(2016, p. 87):

Nesse sentido, a Administração Pública abrange o fomento, a


polícia administrativa e o serviço público. Alguns autores falam
em intervenção como a quarta modalidade, enquanto outros a
consideram como espécie de fomento.

Há quem inclua a regulação como outro tipo de função


administrativa. É o caso de Marçal Justen Filho (2005:447),
para quem a regulação econômico-social “consiste na
atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta
dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e
sistemático, para implementar as políticas de governo”. [...] Na
realidade, a regulação envolve uma parcela de cada uma das
funções administrativas (polícia administrativa, intervenção
e fomento), como, aliás, decorre do próprio ensinamento de
Marçal Justen Filho (2005: 448-452). Nessas outras funções
administrativas, também estão presentes a função normativa e
a função de controle.

A despeito da polêmica, passaremos ao estudo das atividades consideradas
propriamente administrativas considerando a intervenção no domínio econômico
individualizada, assim como o serviço público, polícia administrativa e fomento.

Serviços Públicos
Nem toda atividade exercida pelo Estado é serviço público, para ser assim
considerada a atividade estatal deve atender alguns pressupostos,
Comodidade ou quais sejam:
utilidade prestada
a toda sociedade
• Pressuposto material: deve ser uma comodidade ou utilidade
de forma contínua
sob um regime prestada a toda sociedade de forma contínua, sua prestação não é
totalmente ou estanque, não tem início, meio e fim, ele é contínuo;
predominantemente
de direito público. • Pressuposto formal: a prestação do serviço se dá sob um

104
Capítulo 4 Atividade Administrativa

regime totalmente ou predominantemente de direito público, mesmo quando


prestado por um particular;
• Pressuposto subjetivo: diz respeito à titularidade, o serviço público requer
uma vinculação orgânica com o Estado, que é quem deve promover a sua
prestação, seja direta ou indiretamente, assim o particular só poderá prestar
um serviço público por delegação da Administração ou com permissivo legal.

Assim, apresenta-se o conceito de serviço público elaborado por Mello (2015,


p. 698):

[...] é toda atividade de oferecimento de utilidade ou


comodidade material fruível diretamente pelos administrados,
prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob
um regime de direito público, portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais
instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver
definido como próprios no sistema normativo.

A lei 8.987 de 1995, que trata da concessão e permissão dos serviços


públicos, elenca os princípios que balizam a prestação dos serviços públicos:

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação


de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários,
conforme estabelecido nesta Lei, nas normas
Princípios que bali-
pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1 Serviço adequado é o que satisfaz as
o zam a prestação dos
condições de regularidade, continuidade, serviços públicos
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, regularidade, conti-
cortesia na sua prestação e modicidade das nuidade, eficiência,
tarifas. segurança, atuali-
§ 2o A atualidade compreende a modernidade dade, generalidade,
das técnicas, do equipamento e das instalações cortesia na sua pres-
e a sua conservação, bem como a melhoria e tação e modicidade
expansão do serviço. das tarifas.
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do
serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após
prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das
instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da
coletividade.

Depreende-se do artigo transcrito, com nossos grifos, os seguintes princípios


inerentes à prestação de serviços públicos:

• Princípio da generalidade ou universalidade - Os serviços não podem


ser direcionados a determinadas camadas da população. O serviço público
precisa ser destinado a todas as pessoas, ou pelo menos a maior quantidade

105
Fundamentos do Direito Administrativo

de pessoas possível.

• Princípio da modicidade das tarifas - Os serviços devem ser prestados com


tarifas módicas, suportáveis, para que a tarifa não constitua uma forma de
restringir o acesso aos serviços, ou seja, também constitui uma garantia de
generalidade.

• Princípio da atualidade - A prestação do serviço público deve ser adaptada


às técnicas mais modernas e atuais.

• Princípio da cortesia – Diz respeito ao tratamento dispensado aos usuários


na prestação do serviço que deve ser com respeito e urbanidade.

• Princípio da continuidade - O serviço deve ser prestado de forma


ininterrupta. Contudo, a continuidade admite exceções, como no caso de
greve, de exceção de contrato não cumprido (quando não há pagamento por
parte do usuário) e em situação de emergência.

• Princípio da Isonomia - O serviço público deve ser prestado a todos de


forma igualitária, sem distinção dos usuários. No entanto, deve também se
observar a isonomia material, tratando desigualmente os desiguais na medida
de suas desigualdades. Sendo possível a distinguir categoria de usuários,
como ocorre, por exemplo, no fornecimento de energia elétrica, as tarifas são
diferenciadas para usuários residenciais, comerciais e industriais.

Os serviços públicos podem ser classificados considerando-se vários aspectos


como a titularidade, a divisibilidade na fruição e a possibilidade de delegação:

• Quanto à titularidade o serviço pode ser atribuído pela Lei à um ente federativo
ou a todos, assim, os serviços podem ser federais (artigo 21 CRFB/88), estaduais
(artigo 25 CRFB/88), municipais (artigo 30 CRFB/88), ou comuns a todos os
entes federativos (artigo 23 CRFB/88). São de titularidade do distrito federal, os
serviços atribuídos aos estados e municípios, a titularidade não é simplesmente
a competência para prestar o serviço, ela engloba ainda as competências de
regulamentar, fiscalizar e delegar, quando possível, a prestação do serviço.

• Quanto a divisibilidade dos serviços eles podem ser considerados, individuais


ou gerais, coletivos.

–– Os individuais, são uti singuli, ou seja, utilizáveis individualmente, são


serviços divisíveis e, por este motivo, podem ser remunerados diretamente
pelo usuário na medida utilizada. Como exemplo, podemos citar o
fornecimento de água, energia elétrica, telefonia.

106
Capítulo 4 Atividade Administrativa

–– Os gerais, são uti universi, indivisíveis, impossível aferir individualmente a


porção utilizada do serviço, não é possível mensurar a utilização individual
e por este motivo não podem ser remunerados diretamente, assim serão
mantidos pelo erário pela arrecadação de impostos. Como exemplo,
podemos citar a segurança pública, defesa nacional, limpeza pública,
iluminação pública.

• Quanto à delegabilidade dos serviços públicos, atendendo aos ensinamentos


de Mello (2015, p. 702), os serviços podem ser:

–– Exclusivos indelegáveis: prestados sempre de forma direta pelo titular,


como o serviço postal, segurança pública, organização judiciária.

–– Exclusivos delegáveis: são aqueles que o estado pode prestar diretamente


ou de forma indireta, mediante delegação a particulares, como ocorre nos
serviços de telefonia, fornecimento de água, gás e energia elétrica.

–– Exclusivos de delegação obrigatória: que não podem ser prestados


unicamente pelo estado que além de prestar diretamente é obrigado a
delegar, são dessa natureza os serviços de televisão e rádio, o objetivo
deste mandamento constitucional é manter um sistema plural e democrático.

CRFB/88
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar
concessão, permissão e autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o
princípio da complementaridade dos sistemas privado, público
e estatal.
§ 1º O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64,
§ 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.
§ 2º A não renovação da concessão ou permissão dependerá
de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso
Nacional, em votação nominal.
§ 3º O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos
legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos
parágrafos anteriores.
§ 4º O cancelamento da concessão ou permissão, antes de
vencido o prazo, depende de decisão judicial.
§ 5º O prazo da concessão ou permissão será de dez anos
para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.

–– Serviços públicos não exclusivos: são aqueles que o estado tem o dever
de prestar gratuita e diretamente, mas que o particular também pode prestar
por iniciativa própria, sem delegação, como saúde, educação e previdência.
No caso da prestação pelo particular caberá ao estado autorizar e fiscalizar.
Esses serviços não exclusivos não são serviços públicos propriamente ditos,
o STF chama de serviços de utilidade pública. São serviços de interesse
público prestados pelos particulares. Portanto, um hospital privado segue
107
Fundamentos do Direito Administrativo

a reparação do regime do direito civil, e não está submetido à regra do art.


37 §6º. São também chamados de serviços públicos impróprios. Os demais
serviços, exclusivos, são os serviços públicos próprios.

A delegação dos serviços por outorga, concessão e permissão já foram
estudadas no capítulo anterior.

Polícia Administrativa
O poder de polícia tem por objetivo assegurar o bem-estar geral, usando de
ordens, proibições e apreensões para impedir o exercício antissocial dos direitos
individuais, o uso abusivo da propriedade, ou a prática de atividades prejudiciais
à coletividade. O poder de polícia, ou o exercício da polícia administrativa se
manifesta em norma, ordem, fiscalização e punição, exercida pelo conjunto de
órgão e serviços públicos incumbidos de fiscalizar, controlar e deter as atividades
individuais que se revelem contrárias à higiene, à saúde, à moralidade, ao
sossego, ao conforto público e até mesmo à ética urbana.

Sendo o exercício do poder de polícia fato gerador de taxa, a lei tributária se


ocupou de conceituá-lo (artigo 78, do Código Tributário Nacional, 1966):

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da


administração pública que, limitando ou disciplinando direito,
interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança,
à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção
e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público,
à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos.

Polícia Depreende-se do conceito supra que polícia administrativa
administrativa busca organizar a convivência social a partir da restrição de direitos e
busca organizar a liberdades absolutas em favor do interesse geral. Compatibilizando,
convivência social a assim, o exercício dos direitos individuais ao bem-estar coletivo.
partir da restrição de
direitos e liberdades
Meirelles (2016, p.152) assim define: “Poder de Polícia é a
absolutas em favor
do interesse geral. faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e
restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em
benefício da coletividade ou do próprio Estado”.

São constitucionalmente conferidos aos indivíduos vários direitos


relacionados com o uso, gozo e disposição da propriedade e com o exercício
da liberdade, como ocorre, por exemplo, nos incisos IV, XIII, XV e XXII do artigo
5º, da Constituição Federal. Contudo não são absolutos, o exercício desses
108
Capítulo 4 Atividade Administrativa

direitos deve ser compatível com o interesse público e bem-estar da sociedade


na medida em que a fruição de um direito individual não pode ferir o direito de
outros indivíduos, nem o interesse coletivo que goza de superioridade. Cabendo,
então, à Administração Pública interferir na dimensão dos direitos do indivíduo em
particular limitando as liberdades individuais em prol da coletividade.

Torna-se necessário então, que exista uma atividade em seguimento a


própria consagração dos direitos individuais, consistente na adaptação, no ajuste
desses direitos para uma utilização tida por ótima. E essa atividade é cumprida,
em primeiro momento, pelo Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de traçar
os contornos, autorizando a lei a inserir certas restrições sem que com isto fira a
Constituição (1988), já que o exercício dessa atividade decorre da própria vontade
constitucional, enquanto a efetivação destas restrições incumbe à administração.
Tal como nos ensina Moreira Neto (2006, p. 396):

Diogo de Figueiredo nos acrescenta ainda com suas sábias


palavras: “... poder de polícia é exercido pelo Estado enquanto
legislador, pois apenas por lei se pode limitar e condicionar
liberdades e direitos, enquanto que a função de polícia, como
a aplicação da lei, é exercida pelo Estado como administrador.

Uma das funções da Administração Pública é aplicar as leis de ofício aos
casos concretos. O Poder Legislativo edita as leis decorrentes do poder de polícia,
condicionando a conduta dos indivíduos no exercício do direito de propriedade e de
liberdade. A Administração, em virtude de sua supremacia geral, fiscaliza a conduta
dos indivíduos em face dessas leis que é o próprio fundamento do poder de polícia.

Em razão desta supremacia os atos decorrentes do poder de polícia possuem


alguns atributos ou prerrogativas, quais sejam:

a) Autoexecutoriedade - A Administração impõe diretamente as medidas


ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade
antissocial que ela visa obstar sem necessidade de manifestação de outro
poder, por exemplo, não há necessidade de uma ordem judicial para que a
administração faça a apreensão de mercadorias impróprias para o consumo
no curso de uma fiscalização sanitária. Contudo, alguns atos de polícia que
interferem diretamente na esfera patrimonial do administrado constituem
exceção a este atributo, é o caso das multas de polícia que podem ser
impostas e cobradas pela administração, mas só podem ser executadas
judicialmente.

b) Imperatividade e coercibilidade - A imperatividade é um atributo próprio


dos atos administrativos segundo o qual o ato deve ser obedecido pelo
destinatário independentemente da sua vontade. Da imperatividade decorre
a coercibilidade para o cumprimento ou execução do ato, ou seja, o
109
Fundamentos do Direito Administrativo

descumprimento do ato sujeita o particular à força impositiva própria do Poder


Público.

c) Discricionariedade – O poder de polícia é essencialmente discricionário,


pois seria impossível que o legislador pudesse prever todas as hipóteses
não havendo impedimento de ser vinculado como ocorre por exemplo na
fiscalização de trânsito.

Não se pode ainda confundir a polícia administrativa, com a polícia judiciária,


nas palavras de Mello (2015, p.859):

O que efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia


Judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir
ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se pré-
ordena a responsabilização dos violadores da ordem jurídica.

Ou seja, enquanto a atividade de polícia administrativa restringe o exercício


de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento como direitos dos
particulares, isolados ou em grupo; a polícia judiciária visa impedir o exercício de
atividades ilícitas, vedadas pelo ordenamento.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Serviço Público e Poder de


Polícia: concessão e delegação. Revista Eletrônica de Direito do
Estado, Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, no. 07, julho/
agosto/setembro, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.
com.br>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Fomento
A atividade de fomento é assentada na ideia de administração pública
consensual, diferente das outras atividades estatais, não há imperatividade no
fomento, ninguém se submete compulsoriamente aos os instrumentos jurídicos
de incentivo, apenas mediante adesão do particular é que a Administração passa
a ter qualquer poder de exigir conduta ou punir infração daquele que se submete
ao fomento público.

Na atividade de fomento ocorre a uma indução, por meio de atividade concreta


direta e imediata, por parte do Estado, agente fomentador, para os particulares,
110
Capítulo 4 Atividade Administrativa

que serão os agentes fomentados, agirem da forma esperada com o Fomento ocorre a
objetivo de realizar o interesse público. Segundo Moreira Neto (2006, uma indução, por
p.524): meio de atividade
concreta direta e
Pode-se conceituar fomento público como a função imediata, por parte
administrativa através da qual o Estado ou seus do Estado, agente
delegados estimulam ou incentivam, direta, imediata fomentador, para
e concretamente, a iniciativa dos administrados os particulares, que
ou de outras entidades, públicas e privadas, para serão os agentes
que estas desempenhem ou estimulem, por seu fomentados, agirem
turno, as atividades que a lei haja considerado de
da forma esperada
interesse público para o desenvolvimento integral e
harmonioso da sociedade. com o objetivo de
realizar o interesse

público
O fomento pode se dar nos diferentes planos de realização
das políticas públicas eleitas pelo Estado como o social, econômico
e institucional, dentre outros, e pode se dar através de inúmeras ofertas de
incentivos, seja pela motivação psicológica, concessão de títulos honoríficos,
vantagens econômicas reais, ou auxílios econômicos tais como operações
financeiras, condições favoráveis, subvenções, apoio ao desenvolvimento
científico e tecnológico, prazos dilatados para pagamento de empréstimos, dentre
outros. Mas sempre balizado pelos ditames Constitucionais.

Intervenção
Assim como em todos os temas referentes à atividade da administração
pública a intervenção, seja no domínio econômico, seja na ordem social decorre dos
comandos constitucionais em uma tentativa de concretizá-los.

A ordem econômica pode ser definida como o conjunto de


A ordem econômica
normas constitucionais que definem os objetivos de um modelo para
pode ser definida
a economia bem como as possibilidades de intervenção do Estado como o conjunto
nessa área. São dois os elementos que se destacam neste conceito: de normas
o conjunto de normas constitucionais que estabelecem o modelo constitucionais
econômico e os meios de intervenção estatal na economia. Moreira que definem os
Neto (2006, p. 474) assim observa: objetivos de um
modelo para a
O Ordenamento Econômico é um conceito dúplice: economia bem como
ao mesmo tempo em que designa o conjunto de as possibilidades
funções do Estado voltadas a disciplinar, através de intervenção do
de regimes administrativos especiais, certas Estado nessa área.
riquezas, as atividades financeiras e a intervir
nos processos econômicos, refere-se também à situação de
equilíbrio que deve reinar nos processos próprios da economia
de mercado.

111
Fundamentos do Direito Administrativo

No que se refere à ordem econômica destacamos inicialmente o artigo 170 que


inaugura o capítulo I – Dos Princípios Gerais da Ordem Econômica, do Título VII -
Da Ordem Econômica e Financeira da CRFB/88:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício
de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em
lei.

Já no caput identificam-se os fundamentos - valorização do trabalho humano
e livre iniciativa - e a finalidade - assegurar a todos uma existência digna, conforme
os ditames da justiça social - da ordem econômica.

Depreende-se também do dispositivo destacado que um conjunto de


princípios constitucionais que apontam a direção dada à ordem econômica, quais
sejam: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade;
livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das
desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido
para as empresas de pequeno porte constituídas, sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.

Os princípios devem ser interpretados segundo o sistema constitucional,


que tem como norte a função social, assim como devem fundamentar qualquer
tipo de intervenção estatal nesta seara, ou seja, a atuação do Estado na área
econômica só se legitima para proteger esses princípios e tem suas formas e
limites igualmente definidos na Constituição da República de 1988.

Segundo o art. 173, só pode o Estado diretamente explorar atividade


econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, definidos em lei. Ainda o art. 174 prevê a atuação
do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma
da lei, mediante o exercício de funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
112
Capítulo 4 Atividade Administrativa

sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O
que evidencia o caráter excepcional e suplementar da atuação do Poder Público.

Gasparini (2006, p. 751) conceitua intervenção do Estado no domínio


econômico como:

[...] todo ato ou medida legal que restringe, condiciona ou


suprime a iniciativa privada em dada área econômica, em
benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social,
assegurados os direitos e garantias individuais.

Monopólio, repressão ao abuso econômico, controle de abastecimento


e tabelamento de preços são as principais medidas interventivas que o Estado
pode adotar para garantir a efetividade dos princípios elencados no artigo 170 da
CRFB/88 sanando vícios na ordem econômica.

Monopólio é configurado pela exclusividade na prestação de certa atividade


ou fornecimento de determinado bem ou, como define Gasparini (2006, p. 754):

Em termos econômicos é a abolição da concorrência. Em


termos jurídicos, é a supressão de uma atividade do regime da
livre iniciativa, imposta pelo Estado, em benefício do interesse
coletivo.

Assim, o monopólio só é lícito quando praticado pelo estado nas hipóteses
previstas na constituição, o monopólio público fora das previsões expressas
na constituição assim como o monopólio privado são inaceitáveis, verdadeira
distorção do mercado e atentatório aos princípios fundamentais da livre iniciativa
e livre concorrência.

O art. 177 da Constituição Federal estabelece como monopólio da União a


pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos
fluidos; a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; a importação e
exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas
nos incisos anteriores; o transporte marítimo do petróleo bruto de origem
nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural
de qualquer origem; a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

O art. 173, §4º da Constituição Federal, por sua vez, determina que lei
estabeleça mecanismos para reprimir o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros.

113
Fundamentos do Direito Administrativo

A Lei 12.529 de A Lei 12.529 de 30 de dezembro de 2011 dispõe sobre a


30 de dezembro prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica,
de 2011 dispõe além de estruturar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência,
sobre a prevenção
composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE,
e repressão às
infrações contra a autarquia federal, e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico
ordem econômica. do Ministério da Fazenda.

Em seu artigo 36 a Lei 12.529/11 elenca quatro espécies de infração à ordem


econômica: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência
ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar
arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva a posição dominante.

Como exemplo de espécies mais comuns de abuso do poder econômico que


devem ser combatidos, apresentam-se o truste (pressão de empresas maiores
sobre as menores para comandar a política de preços) e o cartel (acordo de
empresas do mesmo setor, que se organizam entre si para controlar aspectos
comuns à sua atividade).
Lei de prevenção
e repressão às
infrações contra a Orientada pelos ditames constitucionais da livre iniciativa, livre
ordem econômica concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores
estabelece as e repressão ao abuso do poder econômico e tendo a coletividade como
penalidades e os titular dos bens jurídicos protegidos, a lei de prevenção e repressão às
procedimentos infrações contra a ordem econômica estabelece as penalidades e os
administrativos para
procedimentos administrativos para apuração e punição destas infrações.
apuração e punição
destas infrações.
De competência exclusiva da União, o controle de abastecimento,
previsto na Lei Delegada nº 4/62, confere mecanismos para assegurar a
livre distribuição de produtos essenciais ao consumo da população a preços
compatíveis. Nessas situações, é possível a contratação direta dos produtos
necessários, pois constitui hipótese de dispensa de licitação quando a União
tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o
abastecimento (art. 24, IV da Lei 8666/93).

Os preços correspondem aos valores pecuniários pagos pelos bens e


serviços apresentados no mercado. Podem ser preços privados (estabelecidos
pelas leis do mercado), preços semiprivados (estabelecido pelo Estado, mas
influenciado pelas leis de concorrência) ou preços públicos (tarifas públicas
estabelecidas pelo Estado).

O tabelamento consiste na excepcional fixação e controle de preços privados


pelo Poder Público, visando garantir a proteção dos consumidores na aquisição
de bens e serviços por valores mais compatíveis com a realidade econômica.

114
Capítulo 4 Atividade Administrativa

A importância de compreender a ordem econômica reside nas várias atuações


do Poder Público neste campo que afetam as Leis do mercado e os direitos
individuais. Como sua atividade é excepcional, as normas devem ser interpretadas
restritivamente, conforme determinam os preceitos de hermenêutica. O
ordenamento jurídico, como visto, prevê uma atividade vinculada na aplicação
de atos de intervenção pelo Estado e sempre condicionada pelo princípio da
dignidade da pessoa humana.

Hermenêutica e interpretação não são termos sinônimos.


Nas palavras de Carlos Maximiliano (1996, p.1), interpretação é a
aplicação da hermenêutica e a hermenêutica é a teoria científica da
arte de interpretar, é a ciência que, abstratamente, apresenta à ação
interpretativa, os métodos e processos que devem ser observados
pelo intérprete.

Atividade de Estudos:

1) Diante de tudo que já se estudou e da sua capacidade de


pesquisar acerca dos temas tratados, seria possível a delegação
da atividade de polícia administrativa?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

Vinculação e Discricionariedade
dos Atos Administrativos e seus
Mecanismos de Controle
Várias são as classificações dos atos administrativos, mas quanto ao grau de

115
Fundamentos do Direito Administrativo

regramento, ou seja, ao quanto o ato está descrito em lei os atos administrativos


são tradicionalmente classificados como vinculados ou discricionários.

Para Meirelles (2016, p.138-139) “Atos vinculados ou regrados são aqueles


para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização”,
ao passo que “discricionários são os que a Administração pode praticar com
liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência,
de sua oportunidade e de seu modo de realização”.

Tem todos os Os atos vinculados são aqueles que tem todos os elementos
elementos e e condições para sua prática plenamente delineados em lei. A
condições para sua Administração não possui qualquer margem de liberdade de decisão,
prática plenamente visto que o legislador pré-definiu a única conduta possível do
delineados em lei.
administrador diante da situação, sem deixar-lhe margem de escolha.
Podemos tomar como exemplo, a licença urbanística, na qual a Administração,
faculta ao interessado o exercício de uma atividade, qual seja, a construção
em área urbana, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos
requisitos legais exigidos. Uma vez verificado o cumprimento dos requisitos legais
a Administração não pode negar a licença, não cabe mais qualquer análise sobre a
conveniência e oportunidade.

Prática de atos A doutrina, em referência Meirelles (2016, p. 139), define o poder


administrativos discricionário como o direito disponibilizado à Administração, de modo
com liberdade na explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com
escolha da sua liberdade na escolha da sua conveniência, oportunidade ou conteúdo.
conveniência, Isto não quer dizer que o administrador possa agir com ampla
oportunidade ou
liberdade de ação, tendo em vista que o ato administrativo é composto
conteúdo.
de pressupostos que vinculam, até certo ponto, a conduta do agente
especialmente no que concerne à competência, finalidade e forma.

Medauar (2010) entende que a margem de liberdade sobre a


Possibilidade de es-
qual se assenta a possibilidade de escolha corresponde à noção de
colha corresponde
à noção de mérito mérito administrativo, ou do juízo de conveniência e oportunidade da
administrativo. escolha no atendimento do interesse público, juízo esse efetuado pela
autoridade, a qual se conferiu o poder discricionário.

O exercício do poder discricionário tem levado a autoridade pública a


acertos e desacertos ao longo tempo, mormente porque é exercido por seres
humanos falíveis, e, porque não dizer, alguns venais. Mas é na motivação do ato
administrativo discricionário que tem a garantia de controle da discricionariedade na
medida em que a exposição dos motivos determinantes do ato praticado deve estar
autorizada pela lei e pelos fatos, mantendo uma correlação lógica entre ato e fato.

116
Capítulo 4 Atividade Administrativa

Segundo Di Pietro (2016, p. 256), o alcance, da discricionariedade se dá


em três sentidos:

a) quando a lei expressamente a confere à Administração,


como ocorre no caso da norma que permite a remoção ex
officio do funcionário, a critério da Administração, para atender
a conveniência do serviço;

b) quando a lei é omissa, porque não lhe é possivel prever


todas as situações supervenientes ao momento de sua
promulgação, hipótese em que a autoridade deverá incidir de
acordo com os princípios extraídos do ordenamento jurídico;

c) quando a lei prevê determinada competência, mas não


estabelece a conduta a ser adotada; exemplos dessa hipótese
encontram-se em matéria de poder de polícia, em que é
impossível à lei traçar todas as condutas possíveis diante
de lesão ou ameaça de lesão à vida, à segurança pública, à
saúde.
Discricionariedade
De todo modo, a discricionariedade, nada tem a ver com liberdade não são escolhas
puramente
de escolha do conteúdo, destinatário, conveniência a que se destinará
subjetivas, mas de
o ato, não é um campo de livre escolha pelo agente, como bem ensina fundamentação
Binenbojm (2008, p. 39) “não são escolhas puramente subjetivas, mas dos atos e políticas
de fundamentação dos atos e políticas públicas adotados, dentro dos públicas adotados,
parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição e pela lei”. dentro dos
parâmetros jurídicos
estabelecidos pela
Estes parâmetros são justamente os ditames constitucionais, o
Constituição e pela
exercício da discricionariedade está irremediavelmente vinculada aos lei.
direitos fundamentais, Canotilho (2000, p. 400) assim explica:

Quanto mais tênue for a vinculação da administração à


lei [...], tanto mais forte é a sua vinculação imediata pelos
direitos, liberdades e garantias. Assim, os direitos, liberdades
e garantias constituem, desde logo, medidas de valoração
decisivas quando a administração tem de densificar conceitos
indeterminados [...]. Da mesma forma, quando a administração
pratica actos no exercício de um poder discricionário, ela está
obrigada a actuar em conformidade com os direitos, liberdades
e garantias. Aqui, dada a frouxa pré-determinação da lei, estes
direitos surgem como parâmetros imediatos de vinculação
do poder discricionário da administração. Desta forma, a
violação da lei constitucional, sobretudo a violação das
normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades
e garantias pode originar invalidade de actos administrativos.

Para Di Pietro (2016, p. 258) “a discricionariedade é a própria lei; aquela
só existe nos espaços deixados por esta, nesses espaços, a atuação livre da
Administração é previamente legitimada pelo legislador”. Assim, apesar de se

117
Fundamentos do Direito Administrativo

Deverá manter sua perquirir a aplicação sempre que possível do princípio da supremacia
conduta dentro do interesse público nos atos estatais, o agente não pode agir
dos princípios arbitrariamente, por entender ser o melhor para a sociedade. Ao
que regem a contrário, deverá manter sua conduta dentro dos princípios que regem
administração a administração pública, presentes no artigo 37, caput da carta magna.
pública
Como elucida Carvalho (2005, p. 252):

O simples fato de o ato se voltar ao atendimento da


finalidade da lei não o resguardará, necessariamente, com
manto da legitimidade. Contrariamente, é possível que o ato
praticado esteja formalmente voltado para o atendimento da
finalidade legal, mas que, no caso concreto, não represente –
indubitavelmente - o melhor caminho que poderia ser seguido
pela Administração.

Binenbojm (2008, p. 39) afirma que a discricionariedade não é “nem uma
liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle judicial”,
ou seja, a Administração Pública não pode, encoberta com a prerrogativa da
“discricionariedade”, praticar atos que não atendem àquele objetivo maior
perseguido, que é o interesse público, e acabe agindo mediante interesses
particulares, sendo esta distorção controlável judicial e administrativamente.

Poder Judiciário, O Poder Judiciário, no exercício do controle externo da


exerce controle Administração, que se dá no âmbito das ações judiciais, exerce controle
de legalidade, de legalidade, não cabendo-lhe analisar o mérito administrativo sob
não cabendo-lhe
pena de ofender o princípio da separação dos poderes, como já visto
analisar o mérito
administrativo. no capítulo 1. Neste sentido afirma Cretela Junior (1998, p. 336):

No exame da legalidade, cumpre ao Poder Judiciário


examinar o ato administrativo sob todos os aspectos, a partir
do nascimento, passando depois por todos os elementos
integrantes, sem descuidar, entretanto, de aprofundar a
investigação e perscrutar-lhe as entranhas, ou seja, a finalidade
visada. [...] inteiramente livre para examinar a legalidade do
ato administrativo, está impedido o Poder Judiciário de entrar
na indagação do mérito, que fica totalmente fora do seu
policiamento.

Contudo, a impossibilidade de adentrar ao mérito administrativo não priva o
judiciário da análise de legitimidade do ato administrativo tendo como aliados os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade como preceitua Di Pietro (2016, p. 201):

A irrazoabilidade, basicamente, corresponde à falta de


proporcionalidade, de correlação ou de adequação entre os
meios e os fins, diante dos fatos (motivos) ensejadores da
decisão administrativa. O princípio tem grande aplicação no
direito francês, no direito argentino, no direito espanhol, onde,
com frequência, o Judiciário anula atos administrativos que
contrariem o princípio da razoabilidade, precisamente pela
118
Capítulo 4 Atividade Administrativa

inexistência daqueles requisitos. A matéria é particularmente


relevante quando se trata de sanções disciplinares ou de
medidas de polícia, umas e outras excessivas ou sem qualquer
correlação com os fins visados pelo ordenamento jurídico.

Assim, o Poder Judiciário vai aos poucos solidificando o real alcance do


poder discricionário, cotejando-o com os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, traçando contornos quanto à influência das provas na O controle
decisão final. administrativo da
discricionariedade
O controle administrativo da discricionariedade se dá no âmbito se dá no âmbito
dos processos administrativos que estudaremos a seguir. dos processos
administrativos.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do Direito


Administrativo: um inventário e avanços e retrocessos. Revista Eletrônica
sobre reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de
Direito Público, no. 13, março/abril/ maio, 2008. Disponível em: <http://
www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Processos Administrativos
O controle dos atos administrativos, quanto à natureza do Quanto à
controlador será legislativo, judicial ou administrativo. localização do órgão
controlador interno
e externo.
Quanto à localização do órgão controlador em relação ao ato
controlado, o controle pode ser interno - realizado pela entidade ou
Controle dos atos
órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria
administrativos.
Administração. Ex: controle da Corregedoria sobre os atos dos
serventuários de justiça - ou externo - realizado por órgãos estranhos
à Administração responsável pelo ato controlado. Ex: auditoria do Aspecto
controlado pode
Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do
ser a legalidade
Executivo. ou o mérito.

O aspecto controlado pode ser a legalidade - verifica-se a


Quanto à iniciativa
conformação do ato ou do procedimento administrativo com as normas pode ser de ofício;
legais que o regem, se os mesmos atendem aos princípios que ou deflagrado por
informam a administração e ainda se são razoáveis e proporcionais; terceiros.
- ou o mérito - visa à comprovação da eficiência, do resultado, da
119
Fundamentos do Direito Administrativo

Controle adminis- conveniência ou oportunidade do ato controlado.


trativo pode ser
definido como o Quanto à iniciativa, o controle pode ser deflagrado pela própria
conjunto de atos Administração Pública, de ofício; ou deflagrado por terceiros.
de fiscalização,
correção e medidas
O controle administrativo pode ser definido como o conjunto de
repressivas, pratica-
dos pela Administra- atos de fiscalização, correção e medidas repressivas, praticados pela
ção Pública dos três Administração Pública dos três poderes, para o fim de confirmar, rever
poderes ou alterar condutas administrativas, tendo em vista os aspectos de
legalidade, legitimidade, razoabilidade e proporcionalidade, oportunidade
Controle e conveniência da Administração. Seja hierárquico ou finalístico.
hierárquico resulta
automaticamente
do escalonamento • O controle hierárquico é decorrente do poder hierárquico,
vertical dos órgãos do princípio da hierarquia (orgânica), da subordinação; resulta
e agentes. automaticamente do escalonamento vertical dos órgãos e agentes.
Pressupõe as faculdades de supervisão, coordenação, orientação,
Controle
fiscalização, aprovação, revisão e avocação das atividades controladas,
finalístico sugere
vinculação dos bem como os meios corretivos dos agentes responsáveis.
entes federativos
com os entes • Já o controle finalístico é um princípio do controle da
administrativos. Administração Indireta, aquele que os Ministérios (em âmbito federal)
e Secretarias de Governo (em âmbito estadual e municipal) exercem
Para suscitar o
sobre as pessoas da Administração Indireta limitado aos termos da
controle adminis-
trativo dos atos ad- lei que o estabelece. Sugere vinculação dos entes federativos com os
ministrativos é que entes administrativos, e não subordinação.
existem os recursos
administrativos. O controle administrativo sobre seus próprios atos, quanto aos
aspectos controlados atende tanto a legalidade e legitimidade quanto
Conjunto de o mérito administrativo, e quanto a iniciativa, pode ser de ofício ou a
medidas jurídicas e pedido.
materiais praticadas
com certa ordem
Para suscitar o controle administrativo dos atos administrativos
cronologica,
necessárias ao é que existem os recursos administrativos que são meios formais,
registro dos atos previstos em diversas leis, de controle administrativo, através
da Administração dos quais o interessado inconformado postula, junto a órgãos da
Pública, ao controle Administração superiores, a revisão de determinado ato administrativo
do comportamento de órgãos inferiores, lesivos ou não a direito próprio, visando à
dos administrados e
reforma de determinada conduta, por ilegalidade, inoportunidade ou
de seus servidores.
inconveniência e deflagrando, portanto, os processos administrativos.

Segundo Gasparini (2006, p. 857), podem ser conceituados, em sentido


amplo como:

120
Capítulo 4 Atividade Administrativa

o conjunto de medidas jurídicas e materiais praticadas com


certa ordem cronologica, necessárias ao registro dos atos
da Administração Pública, ao controle do comportamento
dos administrados e de seus servidores, a compatibilizar, no
exercício do poder de polícia, os interesses público e privado,
a punir seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias
administrativas e a outorgar direitos a terceiros.

Desse conceito extrai-se que o processo administrativo tem sua importância
tanto do ponto de vista da Administração Pública, que registra seus atos e a eles
dá publicidade, quanto para o Cidadão, que tem assegurado um mecanismo ora
de peticionar àquela entidade, ora de responder por um fato ou ato jurídico que
contra si foi acometido.

Cada ente federativo tem legitimidade para estabelecer as regras


Cada ente
referentes aos processos administrativos. A União editou a Lei 9784/99 federativo tem
que estabelece as regras de regência dos processos administrativos em legitimidade para
âmbito federal que não tenham regramento próprio, ou seja, essa lei tem estabelecer as
caráter genérico e subsidiário, sendo aplicadas apenas nos casos em que regras referentes
não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou, aos processos
administrativos.
em havendo, seja aplicável para complementar as regras especiais, é a
Lei que tomaremos por base para o estudo dos processos administrativos.

Segundo a Lei de referência, os processos administrativos se orientam


pelos princípios da legalidade objetiva, oficialidade, informalismo, publicidade,
gratuidade, ampla defesa e contraditório, devido processo legal e todos os
princípios gerais da administração já estudados.

• O princípio da legalidade objetiva é tido como o de maior importância


no Direito Administrativo, pois é o que assegura que somente os atos que
estão postos em lei serão formalmente executados pela Administração, é o
que “só permite a instauração do processo administrativo com base na lei
e para preservá-la” (GASPARINI, 2005, p. 859). Ao revés, poderá ocorrer
a invalidação do processo administrativo, caso haja o desrespeito a esse
princípio constitucional.

• O princípio da oficialidade concede de forma exclusiva à Administração a


atribuição de conduzir o andamento do processo administrativo, como bem
assegura o entendimento doutrinário, “cabe à Administração, e somente a
ela, a movimentação do processo administrativo, ainda que instaurado por
provocação particular, e adotar tudo o que for necessário e adequado à sua
instrução” (GASPARINI, 2006, p. 860).

• Segundo o princípio do informalismo, o processo administrativo, diferente


do judicial e sem deixar de cumprir méritos legalistas, desfaz-se de uma
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Fundamentos do Direito Administrativo

concepção arraigada em purismos formalistas e toma para si uma acepção


mais informal, caracterizando-se pela flexibilidade.

• O princípio da publicidade é aquele que ora exige, ora permite a publicação


de todos os atos do processo administrativo, mais que isso, que garante a
transparência da atividade administrativa. Contudo, poderá haver processo
administrativo que, em face do seu conteúdo, recebem o crivo do segredo
de justiça, de forma que talvez não todos, mas alguns atos praticados não
poderão ser publicados, consoante se depreende da leitura do art. 5º, XXXIII,
LX, da Constituição Federal de 1988 in verbis:

XXXIII - todos têm o direito a receber dos órgãos públicos


informações de interesse particular, ou de interesse coletivo
ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;

• Segundo o princípio da gratuidade os processos administrativos, por


derivarem do direito de petição aos órgãos públicos (CRFB, art 5º. XXXIV, a),
são gratuitos, assim a exigência do depósito prévio para a interposição de
recurso administrativo seria inconstitucional. Destacamos a seguinte decisão:

Ementa: [...] A exigência de depósito ou arrolamento prévio de


bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso
administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para
consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito
de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao
princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de depósito
ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na
prática, em determinadas situações, em supressão do direito de
recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio
da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 -
posteriormente convertida na Lei 70.235/72. (ADI 1976, Relator
Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, 28.3.2007, DJ de
18.5.2007)

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante 21


que diz ser  inconstitucional a  exigência de depósito ou arrolamento prévios de
dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

• O princípio da ampla defesa se expressa no dever da administração de


reconhecer ao acusado o direito de saber que está e por que está sendo
processado, de ter vista dos autos do processo administrativo, de apresentação
de sua defesa preliminar, de indicação e produção de provas que entender
necessárias à sua defesa, de ter advogado que o assista, ainda que a falta de
122
Capítulo 4 Atividade Administrativa

um advogado não invalide o processo, de conhecer previamente das diligências


a serem realizadas e dos atos instrutórios, para que possa acompanhá-los,
de fazer reperguntas, de oferecer defesa final e recorrer. A ampla defesa é
princípio que também se dirige ao legislador, porque este deve ter em mente,
na elaboração das leis infraconstitucionais, que está obrigado a velar para que
todo acusado tenha defensor, que possa ter pleno conhecimento da acusação
que pesa contra sua pessoa, das provas que a alicerçam e da possibilidade de
contrariá-las com outras. Só assim esse princípio estará resguardado, cabendo
ao legislador não o olvidar na edição de nenhuma lei que regulamente qualquer
atividade ligada à apuração de infrações administrativas bem como na aplicação
de penalidades sejam elas disciplinares ou de polícia.

• O princípio do contraditório, que também norteia o processo administrativo,


exige que a cada fase do processo as partes tenham iguais oportunidades de
apresentar suas alegações e provas, seria o mesmo que dizer que a cada ato
produzido por uma das partes caberá igual direito da outra, de a ele se opor ou
de lhe dar sua versão ou mesmo a interpretação jurídica que lhe pareça correta.
Daí resulta o caráter dialético do processo, que caminha através de constantes
contrariedades a serem sintetizadas no ato final da conclusão do procedimento.

• Por fim, o princípio do devido processo legal, é o princípio que impõe a


impossibilidade de abstenção de certas condutas formais e obrigatórias
para garantia dos acusados contra os arbítrios da Administração Pública,
assegurando-lhes a observância do rito procedimental estabelecido em lei, o
qual, conforme já ressaltado, foi previsto pelo legislador para lhes assegurar a
plena defesa. Desta forma, o devido processo legal é aquele em que todas as
formalidades são observadas.

Tendo em vista os diferentes interesses no âmbito da Administração Pública,


o objeto de interesse do processo administrativo dependerá do assunto a ser-
lhe tratado na relação com o ente público e o particular, e vice-versa, ou apenas
que seja puramente de interesse intrínseco da própria Administração, como
ocorre quando da abertura de um processo administrativo disciplinar. De forma
exemplificativa, Gasparini (2006, p. 861), apresenta-nos uma relação considerável
de possibilidades de objetos ou assuntos a serem tratados em um processo
administrativo, senão vejamos:

Pode tratar da padronização de um bem, cuidar da


investigação de um fato, visar a aplicação de uma pena,
objetivar uma decisão, encerrar uma denúncia, consubstanciar
uma sugestão, exigir um tributo, comprovar o exercício do
poder de polícia, visar a apuração de certos fatos e a indicação
dos respectivos autores. Estes temas, a exemplo de outros,
podem ser objeto do processo administrativo. O objeto é,
portanto, o tema versado no processo administrativo e esse
pode ser qualquer um.

123
Fundamentos do Direito Administrativo

  Assim, conforme apresentado no fragmento anterior, o objeto do processo


administrativo tanto poderá ser assunto de interesse estritamente voltado aos
entes públicos, em sede da Administração, como aquele cujo interesse maior
é do particular, que peticiona junto à entidade pública com fins a que lhe seja
assegurado o gozo de um direito que entende devido.

Tal qual todo e qualquer processo, o processo administrativo também


se apresenta de forma ordenada, e de maneira a levar-se em consideração o
aspecto cronológico na consecução de seus atos – são as fases do processo.
Deste modo, o processo administrativo apresenta as seguintes fases: instauração,
instrução, relatório e decisão, sendo, então, imprescindível a obediência a essa
ordem, quando da propositura do processo administrativo.

• A fase de instauração corresponde ao início do processo administrativo que


poderá ser deflagrado de ofício pela própria Administração ou a pedido do
interessado, este valendo-se de um recurso administrativo deflagrador. Na
instauração são apresentados os fatos e a indicação do direito que se deseja
pleitear no processo, quando assim o requer.

• Seguindo a fase de instauração se dá a fase de instrução na qual ocorre


a produção de provas, como forma de elucidação dos fatos narrados na
primeira fase. As provas podem ser por meio de depoimento da parte, oitiva
de testemunhas, inspeções, perícias, juntada de documentos; pode ocorrer,
também, o colhimento de informações, laudos e pareceres que irão ajudar na
decisão.

• Finda a instrução, a autoridade que acompanhou a instrução, quando for


diversa daquela competente para decidir, fará a elaboração de um relatório
com a síntese de tudo o que foi apurado no processo administrativo e
uma sugestão de decisão, esta não vinculante, ou seja, não obstante sua
importância, o relatório não vincula a decisão no processo, ou seja, pode
haver decisão diferente da sugestão apresentada no relatório, mas sempre
fundamentada.

• A última fase do processo é a apresentação da decisão por parte da


autoridade competente a despeito do objeto do processo. Que era, afinal,
o objetivo da instauração do próprio processo administrativo, dando fim a
situação de conflito e reestabelecendo a harmonia social.

Observou-se que o processo administrativo se baseia na verticalização da


administração, contudo o superior hierárquico, ainda que tenha suas prerrogativas
discricionárias, está submetido aos limites de ordem legal e constitucional.

124
Capítulo 4 Atividade Administrativa

A tendência atual, aponta no sentido de uma jurisdicionalização cada vez maior


dos poderes do administrador, em especial os punitivos, o que impõe a adoção
de procedimentos formais e obrigatórios, com observância do rito legalmente
estabelecido, e ampla garantia de defesa, assim, os processos administrativos se
apresentam como uma forma de elidir o arbítrio da Administração.

Para complementar seus estudos, acesse o artigo:

CAVALCANTI, Eugênia Giovanna Simões Inácio. A Importância


do Processo Administrativo no Estado Democrático de Direito.
Revista Eletrônica sobre reforma do Estado (RERE), Salvador,
Instituto Brasileiro de Direito Público, no. 27, setembro/outubro/
novembro, 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/
revista/RERE - 27 - SETEMBRO - 2011 - EUGENIA CAVALCANTI -
pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Atividade de Estudos:

1) Em um determinado procedimento disciplinar, a comissão


processante, tendo em vista diversos elogios funcionais quanto
à postura de retidão e responsabilidade do acusado, agente
militar, e de tudo que foi apurado no processo, elaborou relatório
sugerindo a permanência do agente na Corporação. A autoridade
superior, com competência para decidir, aplicou a penalidade de
demissão sem motivar a referida decisão. Com base em tudo
que se estudou sobre processo administrativo, suas fases e os
princípios que o informam, a decisão deve prosperar?
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Fundamentos do Direito Administrativo

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Algumas Considerações
Na busca de um critério positivo, no qual se identifica o que é atividade
administrativa propriamente dita, chegou-se a um núcleo de atividades
essencialmente administrativa, adotada pela maioria dos doutrinadores pátrios,
que exclui os atos de governo e, compreende as atividades de serviço público,
polícia, fomento e intervenção.

Toda atividade administrativa pressupõe a prática de atos administrativos que


podem estar totalmente descritos na Lei, atos vinculados, ou podem guardar um
grau menor de vinculação, conferindo-se ao administrador poderes para liberdade
na escolha da sua conveniência, oportunidade ou conteúdo.

Contudo, esta discricionariedade não se confunde com arbitrariedade não é


um campo de livre escolha pelo agente, a opção feita pelo agente deve estar
sempre fundamentada nas políticas públicas adotados, dentro dos parâmetros
jurídicos estabelecidos pela Constituição e pela lei, ou seja, o exercício da
discricionariedade está irremediavelmente vinculado aos direitos fundamentais.

Se assim não for, os atos abusivos serão objeto de controle tanto judicial,
quanto administrativo, neste último caso, no âmbito dos processos administrativos.

Referências
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos
fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed., rev. e atual. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 25 mar. 2016.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra:


Livraria Almedina, 2000, p.400.

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Capítulo 4 Atividade Administrativa

CARVALHO, Jorge Cruz de. Controle jurisdicional e discricionariedade


administrativa. Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Mossoró - v. 1, n.1,
p. 247 – 256–jul/dez., 2005.

CRETELA JUNIOR, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo. 3. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.336.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 11. ed. São, Paulo: Saraiva,


2006, p. 751.

MAXIMILIANI, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 16. ed., Rio de


Janeiro: Forense, 1996, p.1. 

MEDAUAR, Odete – Direito Administrativo Moderno. 14. ed. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2010, p. 130.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 152.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, parte


introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
396, 474, 523, 524.

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