Fundamentos Humanismo

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MATRIZES DO

PENSAMENTO IV:
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIAL E
HUMANISTA
Fundamentos da
psicologia humanista
Renata Carolina Rêgo Pinto de Oliveira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer o Zeitgeist de desenvolvimento da psicologia humanista.


> Descrever os fundamentos filosóficos da psicologia humanista.
> Apontar as abordagens de base humanista no Brasil.

Introdução
Para entender o surgimento da psicologia humanista, é preciso saber que esta
teve fortes influências das teorias fenomenológico-existenciais e que surgiu
como uma reação ao positivismo e à visão determinista ou mecanicista da
natureza humana, visão esta que foi muito difundida até meados do século XIX.
Assim, a psicologia humanista veio trazer uma forma diferente de olhar para
o homem, enxergando-o para além do seu comportamento observável, per-
cebendo sua subjetividade e suas potencialidades humanas.
Neste capítulo, você vai estudar como se deu o desenvolvimento da psi-
cologia humanista, quais foram suas principais influências teóricas e quais as
abordagens de base humanista existentes no Brasil — abordagens estas que
trouxeram o olhar sensível às vivências humanas subjetivas e consideraram
as capacidades e potencialidades humanas.
2 Fundamentos da psicologia humanista

Contexto histórico sobre o desenvolvimento


da psicologia humanista
Considerado um dos mais importantes nomes da psicologia humanista,
Abraham Maslow, juntamente com outros psicólogos da época, fundaram a
Associação Americana de Psicologia Humanista, no ano de 1961, e um ano após,
Maslow publicou sua obra Toward a Psychology of Being, oportunidade em
que apresentou a psicologia humanista como “a terceira força da psicologia”.
A psicologia humanista é considerada a terceira força porque vem logo
após a psicanálise (primeira força) e o behaviorismo (segunda força). Sabe-se
que ambas as correntes teóricas tiveram e têm sua importância para a ciência
psicológica, não se tratando, portanto, de uma se sobrepor à outra. No entanto,
sabemos também que tanto a psicanálise quanto o behaviorismo têm visões
de homem mais pessimistas e não levaram em consideração o estudo das
potencialidades humanas, sua realização e seu crescimento pessoal.
Nesse sentido, Cavalcanti (1994) corrobora essa ideia, ratificando que as
psicoterapias de base humanista surgiram para combater o suposto intelectua-
lismo da teoria psicanalítica, bem como o mecanicismo da teoria behaviorista,
trazendo uma visão global do homem e ressaltando a vivência das emoções.
O estudo da subjetividade humana — fortemente influenciada pela fe-
nomenologia — é outra característica das teorias existenciais humanistas e
surgiu como uma contraposição às ideias positivistas da época, justamente
porque o positivismo tem uma visão objetiva do mundo, onde tudo deve ser
testado, replicado e mensurado experimentalmente; tem um conhecimento
científico neutro despojado de subjetividade.
Assim, as teorias existenciais humanistas vêm propor o contrário; elas
propõem e valorizam o que é relativo, a subjetividade, descartando totalmente
a verdade absoluta. Consideram que cada indivíduo é único e singular, tem
vivências e significados diferentes, é um ser consciente e comporta-se de
maneira intencional.
Observe a Figura 1, que trata de um dos conceitos mais importantes da
teoria humanista — a realização pessoal. Esse conceito foi desenvolvido por
Abraham Maslow em sua teoria das necessidades humanas básicas. Assim, a
imagem é autoexplicativa e representa a síntese dessa teoria, que trouxe para
a psicologia a importância do estudo do crescimento e da realização pessoal.
Fundamentos da psicologia humanista 3

Satisfação fora Satisfação no


do trabalho trabalho

·· Educação
·· Trabalho desafiante

·· ··
Religião Diversidade e autonomia
Passatempos Autorrealização Participação nas decisões
Crescimento pessoal Crescimento pessoal

·· Aprovação da família ·· Reconhecimento


Estima
··
Responsabilidade

·
Aprovação dos amigos
Reconhecimento da comunidade Orgulho e reconhecimento

··
Promoções

··
Família

··
Amigos Amizade dos colegas
Sociais
·
Grupos sociais Interação com clientes
Comunidade Chefe amigável

·· Liberdade
·· Trabalho seguro

··
Segurança da violência
Segurança
·
Ausência de poluição Remuneração e benefícios
Permanência no emprego

··
Ausência de guerras
Comida
·· Horário de trabalho

··
Água
Fisiológicas
·
Intervalo de descanso
Sexo
Conforto físico
Sono e repouso

Figura 1. Breve explanação da pirâmide das necessidades de Maslow — um dos principais


teóricos humanistas — que trouxe a importância do estudo do crescimento e da realização
pessoal.
Fonte: Adaptada de Abraham... (2014).

No contexto de desenvolvimento da psicologia humanista, esta passa a


ser alvo de críticas com relação aos seus fundamentos teóricos. Boris (1987)
menciona que a falta de consistência teórica das psicoterapias humanistas se
deu porque os autores da própria abordagem enfatizarem demais a experiência
e deixarem a teorização em segundo plano. Assim, em nome da “experiência”
e da “vivência”, essas psicoterapias passam a ser acusadas de terem como
metodologia meramente a subjetividade e a intuição.
Sobre essas más interpretações a respeito dos fundamentos teórico-me-
todológicos das psicoterapias de base humanista, Cavalcanti (1994) afirma,
inclusive, que os encontros latino-americanos da abordagem centrada na
pessoa (ACP) têm refletido essa preocupação, visto que têm sido considerados
um espaço de reflexão, produção e troca acerca de seus fundamentos teóricos
entre profissionais da área.
Tais preocupações com os fundamentos teórico-filosóficos das psicotera-
pias de base humanista são bem recentes e estão sendo tratadas por autores
atuais, os quais estão indo em busca dessa consistência teórica, justamente
para se defenderem das acusações de inconsistência e para desenvolverem
seu trabalho de maneira competente.
4 Fundamentos da psicologia humanista

Destarte, a procura de uma fundamentação para tais psicoterapias, tem


achado seu caminho no existencialismo, na fenomenologia, na filosofia de
Martin Buber, Friedrich Nietzsche, Maurice Merleau-Ponty, Soren Kierkegaard,
entre outros.

Para desenvolver uma boa prática profissional, é preciso um amplo


estudo e preparo teórico, conhecendo bem a base que sustenta
sua abordagem profissional. No caso das psicoterapias de base humanista,
é imprescindível ter forte respaldo teórico-filosófico-metodológico, o qual
se encontra na fenomenologia, no existencialismo e em outras importantes
filosofias, como a de Buber, Merleau-Ponty, etc.

Assim, percebe-se que o contexto de desenvolvimento da psicologia hu-


manista se dá por fortes influências teóricas que vão a caminho de uma
psicologia mais subjetiva, levando em consideração aspectos humanos até
então não contemplados pelo positivismo da época.

Fundamentos filosóficos da psicologia


humanista
A fenomenologia e o existencialismo são as principais linhas de pensamento
nas quais se embasam as psicoterapias de base humanista. Ter conhecimento
detalhado de cada uma dessas teorias é imprescindível para compreender-
mos melhor como se deu a origem e a implementação das psicoterapias
humanistas na psicologia.
A fenomenologia de Husserl veio propor o contrário do positivismo pregado
no século XVIII. Uma vez que essa época era marcada pelas ideias mecani-
cistas e atomicistas, embasadas no método objetivo e experimental, que
acreditava somente ser possível compreender o ser humano e o mundo de
maneira simples e objetiva a partir daquilo que era observável, controlado e
mensurado; as ideias fenomenológicas de Franz Brentano e Edmund Husserl
vieram propor o estudo da subjetividade humana, valorizando o que é relativo
e descartando totalmente a verdade absoluta.
Franz Brentano, fundador da Psicologia do Ato, estudou o ato psíquico
(processos mentais e psicológicos, como ver, sentir, imaginar, etc.) por meio
dos métodos empíricos da observação. Brentano defende que a realidade está
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na consciência de cada um, ou seja, na maneira subjetiva como cada pessoa


vê o mundo e atribui significado aos atos psíquicos (fenômeno psíquico).
Husserl, aluno de Brentano, por sua vez, aprofundou as ideias do seu
professor dando ênfase ao fenômeno psíquico, fundando a fenomenologia.
Para Husserl, a fenomenologia é uma ciência descritiva da realidade, de seus
objetos e fatos, de como estes se apresentam à consciência de quem os ex-
periencia. Ou seja, a ideia dessa linha de pensamento pretende estudar como
as coisas se apresentam na nossa consciência. É caracterizada uma ciência
eidética, pois propõe o estudo da essência das coisas, isto é, propõe conhecer
o objeto tal qual ele é, conhecer o fenômeno em sua subjetividade, tal qual
se ele mostra. Para isso, Husserl criou o método da redução fenomenológica,
ou epoché, que seria justamente a suspensão de qualquer valor, crença ou
conceito prévio para se permitir conhecer a coisa em si mesma.
No entanto, com o existencialismo, surgem também questionamentos a
respeito dessa completa redução de valores e preconceitos imposta pela
fenomenologia. O existencialismo afirma que ninguém está totalmente livre
de seus valores e crenças, uma vez que a consciência é constituída por in-
fluências constantes do mundo, isto é, da sociedade, da cultura. Dessa forma,
o homem deixa de ser algo que existe por si só e passa a estabelecer uma
relação dialética homem-mundo. Isto é, o existencialismo surge como uma
corrente filosófica na qual o homem é visto como ser-no-mundo, passando
a ser valorizado como um indivíduo que possui sua própria subjetividade,
liberdade e responsabilidade diante de suas escolhas.
Os principais pensadores existencialistas são: Soren Kierkegaard, Friedrich
Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Martin Buber. Kierkegaard,
considerado o pioneiro do existencialismo, discorre sobre três estágios da
existência humana, os quais, segundo ele, são essenciais para se chegar a
uma realização plena. São eles:

1. estágio estético (no qual o homem está buscando sentido para sua
existência, agindo por meio de impulsos e entregando-se a todos os
prazeres e sensações);
2. estágio ético (no qual o homem se depara com uma existência vazia e
com uma angústia decorrente de uma tomada de consciência no que
diz respeito aos valores morais da sociedade; e passa a ser livre, mas
nos limites estabelecidos pela sociedade);
3. estágio espiritual (quando o homem se depara com sua existência
plena e consegue chegar a uma realização pessoal por meio da fé).
6 Fundamentos da psicologia humanista

Nesse sentido, a felicidade consiste em conseguir articular os três estágios


sem que nenhum pese mais do que o outro.
Para Friedrich Nietzsche, o homem não precisa ter uma fé religiosa e
metafísica para se tornar realizado e pleno, uma vez que para ele o homem
é capaz de suprir a si mesmo. Nesse sentido, Nietzsche contestou a moral e
discorreu sobre o quanto a ciência aliena as pessoas, no sentido de que não
existe o conceito do bem e do mal, pois isso limitava as pessoas. Para ele, o
homem só se torna livre quando deixa de seguir normas morais da religião
ou sociedade e passa a seguir suas próprias regras e valores, tornando-se
assim um super-homem.
Tal conceito de além-homem ou super-homem diz respeito a uma supe-
ração, a uma satisfação do homem por meio da transvalorização dos valores
e da vontade de poder. Ou seja, essa teoria afirma que o homem é capaz de
superar, de satisfazer e de suprir a si mesmo, que este se torna dono de si
a partir do momento em que faz uma modificação e uma inversão de todos
os seus valores e a partir do momento em que é impulsionado a mudar por
meio da vontade de poder.
Em tese, o homem torna-se esse super-homem a partir do momento em
que ele ultrapassa essas ideias e conceitos impostos pelos valores morais,
quando deixa para trás os valores e as opiniões de terceiros, para de seguir
certos valores impostos pela sociedade ou pela igreja e passa a pensar e
agir mais de acordo com o que ele realmente acredita. Assim, para o autor,
o super-homem é aquele que consegue suprir a si mesmo, que segue suas
próprias regras e está acima de tudo e de todos.
Martin Heidegger se preocupou com a questão do SER e o NÃO-SER, SER
e ENTE. Para ele, somos o que somos, não somos aquilo que não somos, mas
podemos vir a ser aquilo que não somos, justamente porque ele acredita na
possibilidade de mudança do homem. Nesse sentido, somos um constante
vir-a-ser, pois somos indefiníveis. Além disso, ele afirma que o problema do
homem é o esquecimento do ser e o foco no ter. Nesse contexto, surgem os
conceitos SER (essência do homem) e ENTE (coisas, objetos). Assim, somente
o homem existe, as outras coisas são. Heidegger também reconhece a possi-
bilidade da morte como algo que vem dar sentido à vida, uma vez que quando
o homem se depara com a iminência da morte e da angústia, ele começa a
se preocupar com o SER.
Martin Buber, por sua vez, trouxe as relações EU-TU e EU-ISSO referindo-se
a duas atitudes que o homem pode ter diante o mundo. Para ele, devemos ter
momentos de EU-TU como também de EU-ISSO. Na atitude EU-TU, a pessoa
entra na relação deixando-se impactar, atravessar pela presença viva do outro,
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é uma relação mais próxima e intensa. Já a atitude EU-ISSO diz respeito a um


distanciamento, afastamento, é uma relação rasa e racional. Vale ressaltar
que o outro da relação pode ser tanto uma pessoa, como uma situação, uma
obra de arte, um objeto ou um ente qualquer.
Jean-Paul Sartre vem trazer a ideia de que a existência precede a essência,
no sentido de que o homem primeiro existe, surge no mundo e só depois se
define, se descobre e adquire conhecimentos a respeito da sua própria essên-
cia. Ou seja, o homem não é nada mais do que aquilo que se projeta ser. Dessa
forma, o homem é aquilo que faz de sua vida, não havendo nada além dele
mesmo e da sua vontade. Para Sartre, não existe determinismo, são as nossas
escolhas que determinam nosso destino. Nesse contexto, o homem é livre
para fazer suas escolhas, mas essa liberdade faz dele plenamente responsável
por elas. As ideias de Sartre se contrapõem às de Kierkgaard no sentido de
que para Sartre não existe plenitude do ser, pois o ser nasce um nada e vai
se modificando e se preenchendo, nunca ficando totalmente satisfeito. Para
ele, é impossível o homem ser totalmente realizado em absolutamente tudo.
A filosofia Marleau-Ponty menciona o conceito de “carne”, no sentido
de intercorporeidade. O autor defende a ideia de que o sujeito é visto de
forma intrínseca ao mundo, isto é, não é mais visto como coisa separada,
mas faz parte da mesma contextura carnal, abolindo, assim, a ideia de uma
psicoterapia dicotomizada.

Para saber mais sobre as influências da fenomenologia e do exis-


tencialismo na psicologia humanista, leia o artigo “Fenomenologia,
psicoterapia e psicologia humanista”, de Adriano Holanda.

A partir do exposto, pode-se perceber as principais ideias e fundamentos


filosóficos que constituem a base da psicologia humanista, isto é, trata-se
das fundamentais e imprescindíveis influências teórico-filosóficas que deram
suporte e propiciaram o surgimento da terceira força da psicologia.
8 Fundamentos da psicologia humanista

Psicoterapias de base humanista no Brasil


A linha de pensamento humanista propõe a valorização do homem, acredi-
tando na sua potencialidade positiva. Isto é, os humanistas acreditam em um
potencial humano que o impulsiona ao crescimento e à atualização. Nesse
sentido, as pessoas têm nelas mesmas a capacidade para o crescimento, a
mudança e o desenvolvimento pessoal. O ponto em comum entre a doutrina
existencialista e a humanista é que justamente ambas reconhecem o homem
como centro de valores que está em constante movimento e na busca de
superar a si mesmo.
Diante dessa linha de pensamento, existem as abordagens terapêuticas, as
quais são: abordagem centrada na pessoa (ACP), de Carl Rogers, a gestalt-te-
rapia, de Friederich Perls, a logoterapia, de Viktor Emil Frankl, e o psicodrama,
de Jacob Levi Moreno. Tais psicoterapias são fenomenológico-existenciais-
-humanistas e não possuem um corpo teórico único, ou seja, são constituídas
pela mistura das três linhas de pensamento. No entanto, a logoterapia é mais
existencial, enquanto a gestalt-terapia é mais fenomenológica e a ACP mais
humanista, por exemplo.
Todas essas abordagens têm uma perspectiva de homem como um ser
consciente, autônomo, afetivo e repleto de emoções próprias. Sendo assim,
os terapeutas fenomenológico-existenciais constroem uma relação autêntica
com o cliente, demonstrando empatia, compreensão e aceitação. A terapia
não se trata de dar orientações e interpretações prontas para o cliente, mas
de permitir que ele, com suas próprias potencialidades e capacidade para o
crescimento, busque encontrar seu próprio caminho e suas próprias decisões.

Abordagem centrada na pessoa (ACP)


A abordagem centrada na pessoa é uma influência ao conhecimento da pes-
soa enquanto ser livre e dotado de decisões de sua própria existência, bem
como ao aprofundamento da psicologia e da psicoterapia. Nesta abordagem,
não há preocupação com o diagnóstico, pois considera-se que este limita as
pessoas, no sentido de que o cliente se prende ao diagnóstico e isso impede
o seu desenvolvimento. Sendo assim, a ACP não se pauta em diagnosticar,
mas em trabalhar em cima do que o sujeito traz para a terapia.
Um conceito importante nesta abordagem é o de tendência atualizante,
muito relacionado ao de tendência formativa. Este último trata da tendência
que a natureza tem de se formar. Aquele se refere à ideia de que o homem
pode se formar e se atualizar, defendendo essa tendência natural que temos
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de nos modificar, de crescer e desenvolver independentemente do que esteja


acontecendo (sofrimento, culpa, dor, etc.), pois é uma capacidade inata.
No entanto, mesmo que esta seja uma capacidade inerente ao ser humano,
são necessárias relações humanas positivas e favoráveis para que a tendência
atualizante esteja mais ativa. Vale salientar que o que essa tendência busca
atingir é aquilo que o sujeito considera enriquecedor — isto é, algo bem
subjetivo.
A forma como o sujeito atribui sentido às suas vivências também está
diretamente relacionada à sua tendência atualizante naquele momento. Se
esta estiver baixa/inativa, ele tende a atribuir sentidos negativos às coisas.
A noção do “eu”, por sua vez, se refere ao autoconceito, uma percepção em
construção constante que o sujeito tem de si, sempre em processo, em mo-
vimento. Assim, é necessária uma congruência da noção do eu, visto que esta
determina a eficácia e a ineficácia da tendência atualizante do eu.
Outro conceito importante é o de liberdade experiencial, a liberdade de
ser, sentir e pensar o que quiser; é a liberdade do sujeito conhecer e elaborar
suas experiências e sentimentos como ele os entende. Assim, compreende-se
que a liberdade não é algo que o ser humano tem, mas algo que ele é.

Gestalt-terapia
A gestalt-terapia foi embasada na psicologia da gestalt e na fenomenologia.
É o estudo da percepção humana, e sua característica principal é que ela é
incisiva, confronta o cliente. Ela trabalha a percepção, mas no sentido de
como o homem percebe o mundo ao seu redor.
Seu fundador foi Frederick Perls, médico psiquiatra de origem judaica que
considerava o todo maior do que a soma das partes e desenvolveu o conceito
de figura e fundo. Isso significa dizer que existem elementos na nossa vida
em que damos maior ênfase (figura) e outras ficam no fundo. A ideia é que
possamos equilibrar, trazer o que estava no fundo e vice-versa. O que está
mais importante na vida do indivíduo é o que ele está figurando. Geralmente,
quando figuramos algo, não conseguimos enxergar o que está no fundo. Assim,
a ideia é justamente ampliar nosso olhar e nossa perspectiva.
Além disso, o autor fala sobre viver conforme as expectativas e percepções
próprias, e não atender às expectativas dos outros. Nesse sentido, Perls
(1976, epígrafe) afirma: “Eu faço as minhas coisas, você faz as suas. Não estou
neste mundo para satisfazer suas expectativas e você não está neste mundo
para viver conforme as minhas. Você é você. Eu sou eu. E se, por acaso, nos
encontrarmos, será maravilhoso. Se não, não há nada a fazer”.
10 Fundamentos da psicologia humanista

“Fronteira de contato” é outro conceito relevante para a teoria de Perls e


se refere ao ponto de encontro ou afastamento entre o self e o outro. Uma vez
que a gestalt está centrada no conceito de contato, fala-se muito em “fechar
a gestalt”, quando o processo foi adiante e não ficou nada em aberto. Quando
fica algo em aberto, isto é, quando as gestalts não se fecham, é porque ocorreu
um bloqueio em uma das fases do ciclo.
Nesse contexto, têm-se os seguintes bloqueios de contato: fixação, intro-
jeção e projeção, bem como os seguintes fatores de cura: fluidez, mobilização
e consciência. O bloqueio da fixação é quando o indivíduo se apega excessi-
vamente a pessoas, ideias ou coisas, temendo surpresas diante do novo. Ou
seja, é quando o sujeito se sente incapaz de explorar situações novas, com
medo de correr riscos, permanecendo assim, fixado em coisas e emoções.
A introjeção é quando o indivíduo obedece e aceita opiniões arbitrárias,
normas e valores que pertencem aos outros, engolindo coisas dos outros
sem conseguir defender seus valores, direitos e opiniões por medo de sua
própria agressividade (receio de estar sendo agressivo, machucar o outro)
ou por medo da agressividade dos outros. A projeção, por sua vez, é quando
o sujeito atribui ao outro coisas que ele não gosta em si próprio, atribuindo
também ao outro a responsabilidade por seus fracassos. Esse sujeito des-
confia de todo mundo como sendo seu inimigo e gosta que os outros façam
as coisas em seu lugar.
No que diz respeito aos fatores de cura, a fluidez se trata do processo
pelo qual o sujeito se movimenta, se localiza no tempo e no espaço, deixando
posições antigas e renovando-se; mais solto e espontâneo, com vontade de
criar e recriar sua própria vida. A mobilização é o processo pelo qual sente
a necessidade de mudar, de exigir seus direitos, de separar suas coisas das
dos outros, de sair da rotina, expressar seus sentimentos exatamente como
se sente e não ter medo de ser diferente. Por fim, a consciência é o processo
pelo qual se dá conta de si mesmo da maneira mais clara e reflexiva.

Logoterapia
A logoterapia — a terapia através do sentido da vida — trouxe a proposta de
humanização das psicoterapias, pois estas, em geral, acreditam que o ser
humano é determinado, condicionado pelo meio ou impulsionado, mas não
consciente e livre para assumir a responsabilidade pela vida. A logoterapia
trouxe a proposta de que o ser humano é livre e responsável pelas suas
escolhas (FRANKL, 2010).
Fundamentos da psicologia humanista 11

A cosmovisão fundamental dessa teoria diz respeito ao sentido para a


vida, conceito este que postula a ideia de que a vida sempre tem um sentido,
mesmo em meio ao sofrimento. Partindo desse posto, vale ressaltar o conceito
de transitoriedade da vida, o qual afirma que como o sentido sempre pode
mudar no decorrer da vida, é muito mais importante buscar o sentido em
um momento específico do que buscar o sentido da vida como um todo, de
forma ampla (FRANKL, 2020).

Psicodrama
O psicodrama de Jacob Levi Moreno se origina a partir do teatro, da psicologia e
da sociologia. Assim, tem como núcleo e base a dramatização, isto é, o processo
terapêutico aqui vai para além da fala convencional entre paciente-terapeuta;
há, aqui, cenas de teatralidade, expressões corporais e improvisação — as-
pectos fundamentais para o sucesso da terapia (ROJAS-BERMÚDEZ, 2016).
Assim, importantes conceitos nesse tipo de abordagem são os de egos-
-auxiliares, protagonista ou paciente, cenário, diretor ou terapeuta e audi-
tório. Cada figura desempenha sua função e cada uma é primordial para o
bom desenvolvimento da sessão. Esta, por sua vez, também é dividida em
etapas, em que temos: aquecimento, dramatização e comentários ou análise
(ROJAS-BERMÚDEZ, 2016).
A ideia principal dessa abordagem é considerar o tratamento do indivíduo
em grupos e com métodos de ação. É uma psicoterapia direta, se baseia no
“aqui e agora” e possui enfoques individual e grupal, ambos de suma impor-
tância dentro do contexto terapêutico (ROJAS-BERMÚDEZ, 2016).

Para se aprofundar no estudo da abordagem do psicodrama, leia o


livro Introdução ao Psicodrama, do autor Jaime G. Rojas-Bermúdez.

O conteúdo exposto ao longo do capítulo proporciona a oportunidade de


aprender sobre como se deu o contexto de desenvolvimento e surgimento
da psicologia humanista, levando em consideração todo contexto histórico,
bem como quais são as influências teórico-filosóficas basilares dessa nova
corrente teórica e quais as abordagens psicológicas que se desenvolveram
a partir de então. O estudo desses tópicos é imprescindível para a aquisição
de conhecimento nesta disciplina.
12 Fundamentos da psicologia humanista

Referências
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30 maio 2014. Disponível em: https://www.go2web.com.br/pt-BR/blog/abraham-
-maslow-e-a-psicologia-humanista-nos-dias-de-hoje.html. Acesso em: 23 jan. 2022.
BORIS, G. D. J. B. Uma reflexão acerca da consistência teórica das psicoterapias huma-
nistas. Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 5, n. 1, p. 69–75, jan./jun. 1987. Disponível em:
https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/10884. Acesso em: 23 jan. 2022.
CAVALCANTI, V. S. M. Fundamentos filosóficos das psicoterapias de base humanista.
Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 11–12, n. 1–2, p. 111–123, jan./dez. 1993–1994. Disponível
em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/10998. Acesso em: 23 jan. 2022.
FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis:
Vozes, 2020. 140 p.
FRANKL, V. E. O que não está escrito nos meus livros. São Paulo: É Realizações, 2010. 184 p.
PERLS, F. S. Gestalt terapia explicada. São Paulo: Summus, 1976. 376 p.
ROJAS-BERMÚDEZ, J. G. Introdução ao psicodrama. São Paulo: Ágora, 2016. 168 p.

Leituras recomendadas
CURY, V. E. Psicoterapia centrada na pessoa: evolução das formulações sobre a relação
terapeuta-cliente. Orientadora: Therezinha Moreira Leite. 1988. Dissertação (Mestrado
em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
DREYFUS, H. L.; WRATHALL, M. A. (org.). Fenomenologia e existencialismo. São Paulo:
Loyola, 2012. 544 p.
HOLANDA, A. Fenomenologia, psicoterapia e psicologia humanista. Estudos de Psico-
logia, Campinas, v. 14, n. 2, p. 33–46, ago. 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
estpsi/a/gBqGJPm3TPshYVnNQm43jsK/?lang=pt. Acesso em: 23 jan. 2022.
LIMA, B. F. Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológico-exis-
tenciais. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 28–38, jan./jun. 2008.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
-68672008000100006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 23 jan. 2022.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975. 496 p.
PERLS, F. S.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 2. ed. São Paulo: Summus,
1998. 270 p.
RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 8. ed. São Paulo: Summus, 2012. 208 p.

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