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RESUMO
Este artigo é fruto da discussão de um grupo de estudos, coordenado pelos autores, que esta
vinculado ao grupo de pesquisa: Educação, Cultura e Subjetividades. Pretende compreender,
refletir e dissertar sobre a formação docente, a partir da utilização de conceitos presentes na
teoria de alguns autores franceses que compõe a denominada filosofia da diferença.
Trabalhando com conceitos que referendam a formação enquanto movimentos de linhas e de
territorializações, com a produção de subjetividades que constituem o professor. Assim, o
texto busca traçar construções teóricas a partir da literatura referendada, perpassando pelo
entendimento das multiplicidades, da diferença, dos pensamentos nômades, trabalha o
conceito de rizoma, desejo e de formação. Tendo como aporte metodológico a pesquisa
bibliográfica. Portanto, neste sentido, a formação do professor se dá através dos movimentos,
das trocas entre a produção da vida e de suas materialidades. Desenhar, percorrer, cartografar
estas linhas e possibilidades, especialmente aquelas que formam o professor, é o que pretende
este artigo.
ABSTRACT
This article is the result of the discussion of a study group, coordinated by the authors, which
is linked to the research group: Education, culture and subjectivity. The aim understand, to
reflect and to speak about teacher education, from the use of concepts in theory of some
French writers who compose the so-called difference´s philosophy. Working with concepts
that endorse the formation of lines and movements while the territorializations, with the
production of subjectivities that make up the teacher. Thus, it attempts to draw theoretical
constructs from the literature referenced, passing through the understanding of multiplicity,
difference, thoughts of nomads, worked on the concept of rhizome, desire and training. With
the methodological contributions to literature. So in this sense, the teacher training is through
the movements, the trade between the production of life and its materiality. Draw, travel,
mapping these new routes and possibilities, even those that formed the teacher, is what
intendt his article.
1. INTRODUÇÃO
[...] olhar outros olhares, outros sujeitos que compõem o cenário escolar: as
cozinheiras, as serventes, os porteiros, os pais, além de nossos clássicos
personagens (professores e alunos). As trajetórias discentes dos docentes [...]
a sala de aula com suas múltiplas possibilidades de relações; a escola como
um espaço educativo que transcende a própria sala de aula [...] o cotidiano
extra-escolar como componente fundamental para compreender o cotidiano.
Refazendo assim o lugar conceitual do próprio lócus-escola,
desconstituindo-o do caráter universal e atemporal (MOLL, 1995, p. 10).
O presente artigo busca focar a formação de professores sob os olhos do que hoje se
intitula filosofia da diferença. O conceito de diferença há algum tempo vem sendo utilizado e
desenvolvido na área educacional, sempre de forma a abarcar variados conceitos. Neste texto,
propormos pensar sobre a diferença como componente do processo de construção das
materialidades subjetivas, e da produção da própria vida.
A formação de professores assim entendida, pode ser pensada a partir da máxima
Grega: “Converte-te no que tu és”. Converter-se no que se é, é buscar expandir as
singularidades e as diferenças que produzem a vida docente. Significa vencer-se, superar-se,
pois, como nos aponta Nietzsche: “Nós, que somos homens do conhecimento, não
conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos [...]” (2009, PRÓLOGO).
Para construir-se professor tem-se que ir além das formações didáticas e pedagógicas,
e caçar-se a si mesmo. Um professor precisa constituir um processo contínuo, de inusitados
Torna-se uma tarefa muito difícil pensar a formação docente, sem passar pela
discussão e pelo entendimento das multiplicidades e suas singularizações. O ponto de partida
para trabalhar os conceitos que cercam a formação docente passa por essa ideia. Os conceitos
de multiplicidades e singularidade, assim como os diversos aspectos que envolvem o seu
entendimento, exigem uma crítica à ideia cartesiana e platônica de um sujeito essencializado.
Tal construção vem nos instituindo como sujeitos e muito especialmente, como
professores. Os saberes são crias de uma modernidade cientificista e linearizada que
estratifica o conhecimento, coloca-os em segmentos e progressão linear, despossibilitando a
compreensão imanente do pensamento e de sua criação.
Já não nos cabe perguntamos o que determinada coisa é, mas com quais outras ela se
encontrou, com quais ela fez acontecimentos, por quais classificações e enquadramentos se
territorializou ou se desterritorializou, e como fez para chegar ao modelo de saber, de ensino e
de formação docente que vislumbramos.
Somos compostos por devires, um conjunto deles, o quanto até nós mesmos não
podemos prever. Fazem-se movimentos por devires, por ações, por saltos e rupturas, e são
esses devires que nos lançam a buscarmos o novo, o diferente, o estranho, aquilo que ainda
não habitamos, através dos nossos conceitos e convicções afixados. Ao olharmos estas
misturas entenderemos o sentido que os mesmos representam em nosso contexto plural.
diferença e seus inúmeros entornos, na medida em que, deve envolver as variedades em torno
dos saberes, os conhecimentos prévios, e as diferentes formas de compreendê-lo.
Assim, as diferenças vêm nos inquietar, nos instigar a misturarmo-nos com o
desconhecido, com o não vivido, para que possamos produzir algo novo, singular, nossa
própria diferença, ou seja, nossas singularidades acima de nossas próprias cabeças. Ocorre,
então, um religare entre diferenças, e não a anulação ou a acumulação destas. A criação, esse
encontro entre diferenças, pode ser o processo de ensino, e consequentemente o de formação.
Aqui caberá atentarmos a preservação da liberdade potencial, que faz o uso das diferenças
como uma importante ferramenta nos processos de descobertas e criação de novos saberes.
A ideia de conhecimento, saber, educação, formação, está diretamente ligada à ideia de
movimento e potencialização da vida. A partir dessa perspectiva, nos valemos do conceito de
rizoma, para propor outro olhar sobre a construção dos saberes-formadores.
O “rizoma” constitui-se de conexões que relacionam os mais variados conceitos,
fazendo com que haja diferentes encontros de sentidos no processo experimental de
construção do conhecimento. A realização de todo processo de formação docente, pode-se ver
na perspectiva rizomática. A geração e a ocorrência de episódios, em tempos e espaços
indefinidos, esses impulsionados pelas potencialidades que vão surgindo, e se desenvolvendo
ao longo das relações entre os diferentes personagens, que podem vir a entrar em contato nos
mais variados processos analisados. Como nos diz Deleuze; Guattari “[...] qualquer ponto de um
rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que
fixam um ponto, uma ordem” (1995, p.15).
Assim, é comum nos referirmos à palavra “conceito”, pensando apenas na
possibilidade de verdade, agregando a esse, critérios de definição, que, ao contrário do
“rizoma”, torna o saber estático. O conceito não se articula com a verdade, mas com a
experimentação, com as possibilidades, sendo assim, a ferramenta de ação do pensamento. Ou
ainda mais, um processo de criação.
Se pensarmos o professor como um artista que desperta os mais variados devires em si
e em seus alunos, e age na vida criando como qualquer outro artista, o seu objeto de trabalho e
movimento é o conceito. No processo educacional, o conceito não servirá como rótulo que
classifica signos, ou elementos que compõe teorias, mas como ponte sólida entre o aprender, e
a facilitação que esse recurso propiciará aos membros envolvidos nessa relação.
O conceito é múltiplo na sua composição, ele pode ser criado à luz de vários
conhecimentos, em relação ao mesmo objeto de estudo. A expansão que pode abranger o
conceito é ilimitada, o mesmo pode se encontrar, ou mesmo se completar a partir da ideia de
outros conhecimentos, gerando assim uma cadeia infinita de saberes a respeito do tema
proposto, sem se quer ser uma cópia de outro conceito anteriormente firmado.
A criação é sempre experiência e nomadismo. O nomadismo, movimento maquínico
do inconsciente molecular, livre e incessante na sua capacidade de desejar, não para de mudar
de território, de velocidades e de verdades. Os movimentos que o nomadismo tende a
desconstruir agindo no que está estabelecido, junto com a sua eficácia em fazer brotar
multiplicidades, configura o que Deleuze chama de conhecimento nômade. O conhecimento,
ou pensamento nômade tem como sua potência o movimento em sua capacidade de gerar
desterritorializações e reterritorializações constantes. Nesse sentido, não existe noções, ideias,
mas sim práticas, e modos de vidas, que podem conseguir através das suas ações perpassar as
estruturas postas e serem ainda resistentes a elas.
O nomadismo está além da concepção de um conceito, pois o mesmo constitui um
universo plural, uma forma clara de devir, de heterogêneos, que se encontrarão sempre em
oposição ao estático, ao rotulado, ao inatingível.
A percepção da ideia maquínica que Deleuze nos anuncia, constitui um campo
potente, desde uma vez que seu alcance se dá através do desejo. O desejo produz-se na
imanência. Poderemos identificar no decorrer deste pensamento, que existem a formação de
novos territórios, conhecimentos inusitados, e os outros do conhecimento.
A efetiva abertura as diversas configurações dos possíveis e as múltiplas formas de
existências, são fatores que conceituam o espaço liso, e neste os interesses comungam com a
vida potente, com o aprimoramento das práticas que nos atravessam. Cabe a nós professores
criarmos através das nossas ações esses espaços, transformando territórios duros em espaços
de passagens, dando fluidez a construção dos saberes.
O nomadismo se dá através dos encontros exercidos nos espaços em suas
possibilidades, em feixes de linhas, cruzamentos em que se fazem núpcias às intensidades, as
Revista e-curriculum, São Paulo, v.7 n.2 AGOSTO 2011
http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Pós-graduação Educação: Currículo
Revista e-curriculum ISSN: 1809-3876
afecções, articuladas à propagação do pensamento. A escola pode ser este lugar, ela instaura
através das diferenças pluriversos potentes.
A educação se caracteriza por essa pulsação constante, essa vontade de estar sempre
em movimento, fazendo com que respiremos novos ares essenciais à vida potencial,
necessários para continuarmos caminhado por territórios ainda não conhecidos.
Podemos pensar as subjetividades nesse contexto, como sendo a construção de
materialidades, de signos de nossas variadas impressões, experimentações pessoais e
singulares com diversos territórios e as relações existentes entre os mais variados campos da
vida. Assim, agem como fatores ativos na constituição dos diversos processos de
subjetivações que podem habitar variados corpos.
O processo de formação docente compreende a construção cotidiana e “menor” das
diversas ações que passam a compor e constituir as práticas educacionais, lembrando que, o
termo menor aqui empregado, busca referendar a ideia de micro-revoluções concernentes a
formação docente, de intensidades e sensibilidades, nada tendo relação com o sentido de
inferioridade. Ou seja, são as experimentações e suas expressividades que formam o
professor, um professor ensina e aprende o que vive. E ao viver, estabelece relações entre si e
os outros, que vai tanto tatuando marcas como singularizando suas ações.
As subjetividades produzidas nas materialidades da existência singular e coletivizadas
na cultura, vão se compondo, misturando com nossas emoções, nossos sentimentos,
produzindo pensamentos, ideias, conceitos que são forças.
Essas forças movem a ação docente. São elas que dizem da prática cotidiana. São
conjuntos, levas de forças, que se constituem em determinadas práticas. A docência é a ação
experimentada destas forças. Pensar as subjetividades dos professores implica em pensar estes
diferentes movimentos, sem desconsiderar o revezamento, no campo da imanência entre
conceitos, práticas, experimentações, construções, encontros, mortes e fertilizações.
[...] ao desejo nada mais falta, ele preenche-se de si próprio e erige seu
campo de imanência. O prazer é a afecção de uma pessoa ou de um sujeito, é
o único meio para uma pessoa "se encontrar" no processo do desejo que a
transborda; os prazeres, mesmo os mais artificiais, são reterritorializações.
(DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 17-18)
Temos desejos em nós, em nossos diversos corpos. Os nossos desejos são forças, que
nos impulsionam em muitas direções. O desejo dentro do processo educacional é potência,
uma intensidade que se movimenta entre espaços cotidianos, fazendo com que essa força se
transforme em ação, produzindo nossas escolhas, preferências, conceitos, opiniões, formas de
viver e de estar no mundo.
Estudar o desejo dentro do processo de formação docente é estudar os corpos, as
pessoalidades, mas também os inúmeros fatores que os fazem existir, a sociedade em que
vivemos, a cultura local, global, em processo de movimentos e rizoma.
Portanto é um mapa, uma cartografia, trata-se do desenvolvimento de uma geografia,
de uma análise de linhas, que revelam as práticas de professores.
A própria concepção do desejo é o exemplo claro da existência da ideia do rizoma,
como também do seu uso. Todo esse processo desenvolvido em transe, com as mais variadas,
improváveis e magníficas ideias se completando, e se desterritorializando a todo o tempo.
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre
as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,
unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como
tecido a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para
sacudir e desenraizar o verbo ser. Entre as coisas não designa uma correlação
localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção
perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho
sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no
meio. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, CAPA DO LIVRO)
São por estes caminhos que pensamos a formação docente. Uma educação que
considere de maneira diversa e sensível as rotas e cruzamentos que o saber proporciona, que
se materializa na formação de condutas e ações, e através desta influi e participa de maneira
decisiva na constituição da escola, e dos processos de aprendizagem.
A modernidade iluminista produz o discurso da unicidade associado à cientificidade e
a normalidade, alinhados com os conceitos da epistemologia da representação. As diferenças
e as multiplicidades enquadram-se nesta lógica. O cotidiano por outro lado, torna-se cada vez
mais múltiplo, de tal forma que nos sentimos impelidos a rever nossos conceitos, partindo
justamente destas multiplicidades e das diferenças emergidas das afecções que as distintas
culturas que nos habitam produzem em nossa sociedade.
Não se constitui educação pela unicidade. O processo de educar é coletivo e
participativo, exige interação de saberes, criação e desconstrução de conceitos, descoberta de
novas imagens e fixação de outras, possibilitando no ato da produção de singularidades
coletivas, o enraizamento de conceitos primários necessários para a preservação das relações:
“Educação é encontro de singularidades” (GALLO, 2008, p. 1).
O olhar da escola, enquanto instituição da modernidade e tendo como função o
disciplinamento e o controle, propaga modelos, homogeiniza ideias e padrões identitários que
não suportam as diferenças e os ilimitados encontros presentes no espaço escolar. Mais que
isso, a escola moderna é constituída pelas práticas de saberes que desviam os olhares do outro
e focam o olhar em um eu essencializado e sedentarizado na lógica cartesiana do sujeito. A
formação docente passa, necessariamente, pela consideração e construção do (s) outro (s) em
cada professor, por suas diferentes linhas e pela diversidade que a sociedade na
contemporaneidade pede. È no abandono do eu e no acolhimento das diversidades outradas
que o professor pode buscar uma formação docente em harmonia com a ideia do Conhece-te a
ti mesmo.
O pensamento da representação determinou que o território da formação fosse o eu. O
eu forma sua identidade limitadora amparado por práticas discursivas. Temos que atentar que
as práticas discursivas não são formadoras de discursos, mas necessitam de um conjunto de
esquemas, de construções pedagógicas, de articulações de signos e significados para
exercerem poder de formação. O poder para existir, necessita de um saber, mais ainda,
necessita de um saber e uma ação que funcione.
Educar significa lançar convites aos outros; mas o que cada um fará – e se
fará – com estes convites, foge ao controle daquele que educa. Para educar,
portanto, é necessário ter o desprendimento daquele que não deseja
discípulos, que mostra caminhos, mas que não espera e muito menos
controla os caminhos que os outros seguem. E mais: que tenha ainda a
humildade de mudar seus próprios caminhos por aquilo que também recebe
dos outros (GALLO, 2008, p. 15).
REFERÊNCIAS
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 3. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. 120p.
GALLO, S. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. In:
Anais do II Congresso Internacional Cotidiano: Diálogos sobre Diálogos. Universidade
Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2008. p.1- 16.
MOLL, J. Pensar o processo de pesquisa hoje. In: Grifos: revista de divulgação cientifica e
cultural, Chapecó, n. 2, ago. 1995. p. 9-16.
NIETZSCHE, F. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras,
2009. 176p.
Submetido: 15.2.2011
Aceito: 11.8.2011