Texto Principal - Trovadorismo - Clarice Zamonaro Cortez

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Época medieval:

cantigas trovadorescas
- líricas e satíricas

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar
Fer11audo Pessoa

NATUREZA DOS MAIS ANTIGOS TEXTOS LITERÁRIOS


Os mais antigos textos literários são de natureza poética. A Literatura Portuguesa
arrebatou para a História antes do fim do século XII e o passo inicial deve-se à poesia
que, pela sua sensibilidade, teve a virtude de abrir as literaturas e também provocar e
caracterizar os vários movimentos literários.
A mais antiga composição literária portuguesa data do ano de 1198 (presumivel-
mente), uma cantiga de amor escrita pelo trovador Paai Soares de Taveirós, dedicada
a Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha), amante do rei D. Sancho I. Essa época pode ser
considerada exclusivamente poética até o ano de 1340, no reinado de D. Dinis. De
acordo com os historiadores, essa manifestação poética ocorrida na Península Ibérica
recebeu forte influência do movimento lírico do sul da França, especificamente, da
Provença (a poesia provençal), também do Minnesang na Alemanha, dos trovadores
do norte da Itália e da poesia dos árabes da Andaluzia.
As origens do movimento lírico da Galiza e do norte de Porn1gal podem ser ex-
plicadas, portanto, pela extensão dessas manifestações poéticas espalhadas pela Eu-
ropa. A poesia produzida no norte de Portugal (Entre-Douro-e-Minho), porém, não
foi fmto somente dessas culturas, mas teve um estímulo interior muito acentuado,
considerando que as virtudes musicais e poéticas dessa população são muito anterio-
res a todos os movimentos poéticos da época do feudalismo.
De acordo com Spina (1961, p. 13).

Estas qualidades inatas dos galegos e dos lusitanos do norte vêm acusadas
pelos conhecedores da região: desde antes de Cristo, com Diodoro Sículo;
Esttabão Silio Itálico, S. Jerônimo, S. Maninho Dtuniense, o próprio Santo
LITERATURA Agostinho, referem-se às virtudes artísticas destes povos, especialmente para
PORTUGUESA a dança e a poesia.[ ...]
Ora, a penetração e o conhecimento da poesia provençal nestas plagas só têm
o condão de disciplinar à vocação poética dos galego-portugueses, transmitin-
do-lhes a sugestão de um mecenatismo oficial, um paradigma de vida galante
propício para o florescimento da poesia e um conjunto de nom1as para a ela-
boração poética.

A POESIA ÚRICA PENINSULAR E A INFLUÊNCIA DA CORRENTE PROVEN-


ÇAL. A HEGEMONIA DA ÚNGUA GALEGO- PORTUGUESA
As romarias, as danças primaveris tradicionais, a saudade provocada pela ausência
dos namorados nas forças do rei na luta travada para expulsar para o Sul os muçulma-
nos, o ciúme, o mar e tantos outros temas levavam, principalmente, as moças a cantar
cantigas. O campo, as fontes, as praias e os bailes eram cenários ideais para entoar
cantos saudosos e organizar danças para saudar a primavera. Desse modo, criara-se
indiscutivelmente na alma do povo da região da Galiza e das terras de Entre-Douro-e-
Minho um sentimentalismo originado de uma poesia espontânea, intensamente afeti-
va, caracterizada por um romance a dois de amores puros e consentidos. Algumas das
cantigas são denominadas paralelísticas, por serem constituídas por duas séries de
estrofes paralelas e remontam a um antiquíssimo passado, muito anterior à fundação
da nacionalidade portuguesa (1143). Tudo isso atesta a tradição lírica peninsular, o
lirismo tradicional, autóctone e genuíno.
A Provença (no sudoeste da França), a partir do século XI, foi o berço dum en-
cantador lirismo - o lirismo provençal - que concebia o amor como um culto, quase
uma religião, com os seus direitos e leis que formavam como que um código de amor.
Apresentava três características:
• A supremacia da mulher.
• O amor à margem do casamento.
• O fingimento de amor.
Esse código amoroso constituiu a fonte de todo o lirismo europeu dos séculos
posteriores, pois alguns trovadores levaram-no a toda à parte, viajando por cortes de
reis e senhores feudais.
~...-... . . . . . . w O lirismo provençal (com a vinda de colonos, com o casamento dos príncipes,
L
• com as romarias, etc.) não tardou a invadir toda a Península, tendo sido grande a sua
•E
·T influência em Portugal e na Galiza. Portanto, não só a própria língua adotou nume-
<!{.
@ rosos provençalismos, como também até os trovadores passaram a imitar as cantigas
s
provençais, embora as adaptando a formas já existentes. Por um lado, por seu liris-
mo tradicional a alma do povo estava preparada para receber a poesia provençal e,
por outro, a própria língua galaica-portuguesa, pela riqueza e melodia, era preferida
pelos trovadores portugueses e galegos. Dessa forma, foi notável a hegemonia da Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
língua na lírica peninsular. satíricos

Quais foram as principais causas da difusão do lirismo provençal na


Galiza e em Portugal?
A arte poética da Provença difundiu-se mais acenntadamente na Península Ibérica.
Entre as principais causas dessa difusão, podemos mencionar:
• As visitas dos trovadores e jograis às cortes estrangeiras e aos palacetes dos
ricos-homens.
• As romarias e as peregrinações a Santiago de Compostela, um dos principais
centros de peregrinação de toda a cristandade, para onde os romeiros de toda
a Europa se dirigiam.
• Os guerreiros que partiam para as Cruzadas, dentre eles a presença de canto-
res que viviam na Península.
• Os casamentos entre príncipes e princesas que traziam os trovadores para a
corte.
• A vinda dos prelados franceses para as Sés das cidades reconquistadas pelos
mouros.
• A colonização para o repovoamento dos territórios devastados.

Em Portugal, de modo particular, além das causas anteriormente citadas, desta-


cam-se as que influenciaram a difusão da arte poética da Provença:
• A vinda de colonos e cruzadas.
• O casamento de D. Sancho I com D. Dulce, princesa ligada à corte da Provença.
• A permanência de D. Afonso III em França, durante treze anos, e a implantação
de costumes requintados na corte.
• A influência exercida sobre D. Dinis pelo seu educador de origem francesa e o
casamento com uma princesa de Aragão, em cuja corte a poesia provençal era
grandemente estimada.

São três os gêneros da poesia medieval:


• Cantigas de amor (lirismo amoroso masculino) ;
• Cantigas de amigo (lirismo amoroso feminino);
• Cantigas de escárnio e de maldizer (sátira)

A denominação cantiga (ou canções, ou ainda cantares) se justifica pelo acompa-


nhamento de instrumentos musicais e de grupos de cantores e dançarinas.
LITERATURA ÉPOCA MEDIEVAL: PERÍODO DOS TROVADORES (1200-1385)
PORTUGUESA
Antes de iniciarmos o estudo da Poesia Trovadoresca, lancemos um breve olhar
ao ambiente cultural, aspectos culturais e políticos sociais da Idade Média.
Considerada popularmente uma época de trevas, de anarquia, de opressão polí-
tica, de fanatismo religioso, muitos se insurgiram contra a tirania da Igreja que, de
forma absoluta, impunha o seu poder espiritual e a conhecida "barbárie feudal".
O espírito místico do Cristianismo e as misérias sofridas pelo mundo romano
geraram a lenda do "milênio", período de mil anos em que todos, vivos e mártires,
haveriam de gozar as delícias do reino de Deus. Essa justiça implicava o fim do mun-
do que se aproximava repleto de dores e flagelos, crença de pessoas fracas e supers-
ticiosas que esperam ansiosamente por essa tragicidade. Os mortos ressuscitariam
e os vivos estariam sujeitos ao juízo final, em que se faria justiça. Os bons poderiam
ser recompensados e os maus castigados com severidade ao sofrimento do inferno.
Não podemos deixar de registrar a grande ignorância de todas as classes sociais,
salvo raras exceções. Até entre os eclesiásticos esse dia foi esperado, considerando
o analfabetismo existente na época.
No segundo período da Idade Média, século XI, a sociedade cristã entra numa
acentuada evolução. A Escolástica sobrevive ainda, mas ganha uma outra força no
século XIII, com São Tomás de Aquino (1225-1274) 1 e Roger Bacon (1214-1294). 2

Do século IV ao IX, a língua falada era o latim, modificando-se e enriquecendo-se


de novos termos, tornando-se mais flexível e analítica. As frases começam a ser liga-
das através de preposições e perde a rigidez do latim falado em Roma, porque co-
meça a perder os casos gramaticais. Já o latim vulgar não se identificava com a língua
escrita falada pela Igreja - o baixo latim - e, de uma região para a outra, havia uma
grande variação de uso. Dos diversos falares latinos nasceram as novas línguas - as
línguas romanas ou neolatinas - menos sintéticas. As declinações desapareceram e
houve uma transformação sintática.
Conclui-se que essa época foi muito importante na formação da Civilização Oci-
dental, marcada pelos seguintes aspectos:

~............ _
L

•E l Pertenceu à Ordem dos Dominicanos, considerado o mais sábio dos santos. Estudou e en-
·T sinou questões filosóficas e teológicas. Seu maior mérito foi a síntese do crisrianismo com a
<!{.
@ visão aristotélica do mundo. Autor de duas "Summae", sistematizou o conhecimento teológico
s e filosófico de sua época: são elas a "Summa Theologiae" e a "Summa Contra Gentiles", dentre
outras obras importantes.
2 Pertenceu à Ordem dos Dominicanos, dedicou-se a estudos nos quais introduziu a observação
da natureza e a experimentação como fundamentos do conhecimento natural. Bacon promoveu
uma defesa de seus pontos de vista, publicando a obra Speculum astronomiae, dentre outras.
• Novas classes sociais foram criadas, como o proletariado, acompanhado de Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
novas formas de trabalho e outras concepções religiosas. satíricos

• Formaram-se novas nacionalidades e a Europa reconstimiu-se adquirindo es-


tabilidade, quando as guerras germânicas e as árabes terminaram.
• Os dois poderes - Igreja e Império - travam uma luta constante, embora se
unam por ocasião da guerra contra os sarracenos, com o apoio e a aliança
com as Cruzadas.
• A mundividência do homem medieval assenta na realidade do mundo divino,
no teocentrismo. O mundo terreno não é mais que um símbolo do mun-
do divino, mais que uma passagem obrigatória para alcançar a verdadeira
felicidade.
• As obras de Platão, Aristóteles, Cícero, Sêneca, Virgilio e Ovídio são esmda-
das, integradas e adaptadas a nova mentalidade cristã, e todos os valores cul-
mrais de inspiração clássica são subordinados a finalidades éticas e religiosas.
• O estudo da Teologia ocupa o primeiro lugar - o ideal de vida do homem me-
dieval torna-se essencialmente teocêntrico - tudo se converge para Deus.
Todos os valores culmrais se direcionam à ética e à religião.
• Os centros de cultura medieval passam a ser os conventos. Os mosteiros
transformam-se em escolas e centros de difusão desta culmra, que tem gran-
de importância na formação da língua portuguesa, como na prosa literária.
As obras são traduzidas e redigidas nos conventos. São documentos valiosos
para o conhecimento da mentalidade e dos interesses do homem medieval.

Considerando os aspectos elencados acima, fica evidente que o trabalho dos


monges copistas foi extraordinário. Quer no campo artístico, quer como impulsio-
nadores do saber, permitindo-nos conhecer a realidade da Idade Média. Eles são os
únicos testemunhos dos acontecimentos desses primeiros anos da nacionalidade
portuguesa.
Concluímos também que a Idade Média não é a época obscura que tantos defen-
dem, mas uma ponte entre a Antiguidade e a Idade Moderna. A figura de Deus, o
Homem e o Mundo continuam a ser problematizados. Foi sim, uma época de guerra
e de grandes expedições empreendidas pelos senhores feudais peninsulares e pelas
Cruzadas a Terra Santa, consagrando o poder e o presúgio da classe aristocrática.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que se afirma o regime feudal, instaura-se um
novo ideal - o da cavalaria - e todos lutam pela causa de Cristo. Os cavaleiros das
Cruzadas servem a Deus (a civilização cristã) e a Pátria, ao mesmo tempo.
LITERATURA SÉCULOS XI A XIV - TÍPICOS CARACTERES FEUDAIS.
PORTUGUESA
Havia uma profunda ligação de dependência de homem para homem: relação en-
tre os senhores (proprietários das terras) e os servos (que não eram proprietários,
mas estavam presos a ela) . Assim:
• Aos servos: competia trabalhar;
• À nobreza feudal: competia defender a sociedade;
• À Igreja: orar pela sociedade;

Os senhores eram autoridades absolutas, detinham os direitos de justiça suprema.


Acima deles havia os iufauções (nobres de alta linhagem) e os.fidalgos (cavaleiros
e escudeiros), que formavam uma pequena nobreza de homens de annas. Numa po-
sição mais alta ainda, os ricos homeus exerciam um donúnio administrativo, militar
e judicial num distrito chamado "terra" e cuja ação estava sempre limitada pela ação
do rei.
A Igreja Católica, única instituição centralizada, ditava as normas de comporta-
mento social na época, fazendo com que as leis obedecessem aos cosnunes e à "
vontade de Deus". O clero possuía grande importância no mundo feudal, cumprindo
um papel específico na religião, de formação social, moral e ideológica. Muito rico,
dominava a religiosidade total do povo e era definido pela hierarquia da Igreja. Sub-
dividia-se em alto e baixo3; regular e secular4. Suas terras eram isentas dos impostos.
A agricultura era base da economia portuguesa. Cada grupo tinha os seus códigos
de comportamento, deveres e direitos bem diferenciados, mas todos se relacionavam
nesse nível de dependência vassálica. Essa organização social em pirâmide é reitera-
da pelo espírito teocêntrico: a visão de Deus como ser absoluto, capaz de ditar as
normas sociais, o comportamento individual, de estabelecer o limite entre o bem e
o mal, acaba por determinar também toda uma concepção servil em que o homem
nasce para obedecer ou mesmo para seguir o caminho deternúnado pelo Ser absolu-
to, previamente.
A explicação dos atos humanos por forças ocultas era a consequência da ignorân-
cia científica. Areligiosidade era intensa, as igrejas eram lotadas e havia santuários nas
~............ _ cidades e no campo. O amor e a humildade deveriam ser essências do cristianismo.
L
• O analfabetismo era geral; ensinava-se a ler e a escrever a gramática do latim. Os
•E
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@
s
3 O Alto Clero é formado por membros da nobreza feudal e se opõe ao baixo clero.
4 O clero regular constitui-se de todos aqueles consagrados da Igreja. Seguem as regras de uma
determinada ordem religiosa, possuem a sua própria hierarquia e títulos específicos. Distingue-
se do clero secular, composto por sacerdotes que atuarn junto aos leigos.
poucos que aprendiam a escrever aproximavam a linguagem escrita da linguagem Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
falada. Os conhecimentos eram transmitidos por via oral: as tradições populares, os satíricos

sermões e os provérbios populares tinham um papel importante na fonnação dos


indivíduos. A língua portuguesa converteu-se em língua oficial, a partir do reinado de
D. Dinis (1279-1325).
As classes civis agrupavam-se nos grandes centros, onde se mantinham as transa-
ções e as indústrias rudimentares do tempo. Nos pequenos burgos (pequenas cida-
des, povoações) os fugitivos das invasões dos mouros encontravam abrigo. Muitos
passaram, assim, dedicar-se a atividades comerciais, como os mercadores, homens
livres que se agrupavam em núcleos e passaram a chamarem-se burgueses.
Quanto ao povo (os servos), havia uma espécie de classe média - a dos proprie-
tários rnrais, constin1ída por guerreiros cristãos, livres, não mouros, que os árabes
permitiam que eles ficassem depois da invasão da Península. Estes eram cl1amados
de "cavaleiros vilãos" e não estavam sujeitos a qualquer senhor e não pagavam ao rei
outro imposto senão a estadia nas fileiras do exército durante determinada época do
ano, quando iam para o fossado ou o ferido (as guerras).
Finalmente, havia a classe dos não proprietários, que cultivavam a terra, vestiam-
se de um pano tosco de lã, o burel, ou de linho, o bragal. Viviam em condições precá-
rias e sem direitos políticos, sujeitos aos grandes impostos e obrigações.
A literan1ra era oral e divulgada por jograis recitadores, cantores e músicos
que perambulavam pelas feiras, castelos e aldeias. Estes também obedeciam a certa
hierarquia:
• trovador (fr. troubadour, do verbo trouver = achar) - homem culto, com-
positor da melodia e dos versos das cantigas que deveriam ser executadas,
cantadas e dançadas;
• jogral (joglat; do provençal): a.tor mímico, músico; divulgava as composições;
• segrel (segrier, do provençal):de origem humilde, era o músico profissional
que recebia o soldo (do latim nummu solidu = moeda inteira, não fracionada;
uma gratificação) pelo seu trabalho;
• menestrel (fr. ménestrel = aquele que serve) - era contratado por um nobre
e vivia no palácio do amo, em vez de andar de terra em terra como era norma
dos jograis.
• soldadeiras (de soldo) = cantadeira e dançarina que acompanhava os jograis
nas suas andanças por castelos e palácios, a troco de um ordenado à maneira
de soldo. De moral duvidosa, as soldadeiras eram, geralmente, mais conhe-
cidas pelo seu comportamento licencioso do que pela qualidade das suas re-
presentações artísticas. No fim da vida, algumas se refugiavam nos conventos.
LITERATURA A CULTURA DA PROVENÇA
PORTUGUESA
Designa-se Provença, toda a civilização do Languedócio que está compreendida
entre o Mediterrâneo e o Maciço Central, os Pirineus e a fronteira italiana (sul da
França). Brotou nessa região uma poesia lírica cuja importância é indiscutível como
fonte de todo o lirismo europeu dos séculos posteriores. O século XII é considerado
o século de ouro da literatura medieval na França, século por excelência do grande
renascimento medieval. Todo o desenvolvimento da filosofia, da literan1ra e do pen-
samento artístico da França, no período que decorre entre 1150 e 1200, deve-se à
cultura da Provença. Portanto, essa importante região francesa, de solo fértil, que já
dividia as propriedades de maneira racional, possuía uma civilização superior, rica e
civilizada.
Foi no século anterior, denominado "o século das gêneses", que surgem as can-
ções de gesta e a primeira poesia lírica; a primeira ogiva nas construções (crnzamento
de dois arcos que se cortam), o primeiro vitral, o primeiro drama litúrgico, o primei-
ro torneio cavaleiresco - todos se constituem criações autenticamente francesas. O
texto lírico mais conhecido desse período é a Chanson de Roland, possivelmente, de
autoria de Turold e divulgada pelo trovador Guilherme IX, duque da Aquitânia.
Nascem as duas literaturas: a épica (canções de gesta) e a lírica, constituídas re-
finadas e pressupondo um período anterior de elaboração, cujas raízes estão ainda
por determinar.
A produção literária do Norte forma-se de cantigas compostas pelos trouveres5,
celebrando o espírito heróico e guerreiro da sociedade aristocrática, cujo tema era
a luta. Possuidoras do perfil épico das canções de gesta desempenhavam um papel
acessório, de mero alívio dos heróis cansados de matar. Diversifica-se da produção
poética localizada no Sul - sentimental, cortês, elegante, refinado, transformando a
mulher no santuário de sua inspiração.
Compostas pelos troubadours6, as cantigas líricas privilegiam a mulher, que pos-
sui um papel importantíssimo. No sul da França7, ela encontrou condições favoráveis
para ter uma existência elevada. Herdava, possuía bens próprios e, depois de casada,
podia dispor deles sem o consentimento do marido. Essa igualdade jurídica teve u ma
~. . . . .... _
L

•E
·T 5 Do Francês trouver (achar). No Norte da França significava que os poetas deveriam ser capazes
<!{. de compor, achar sua canção ou cantiga.
@
s 6 Do Provençal, trovadores. A palavra refere-se aos poetas completos que compunham letra e
música das cantigas, acompanhando-as com instrumentos musicais.
7 Surgiu nas cortes, em fins do século XI, na França meridional. Conceito europeu de mitos
e etiquetas para enaltecer o amor, gerando vários gêneros de literatura medieval, incluindo o
romance. Espécie de contradição entre o desejo erótico e a realização espiritual.
influência decisiva na cultura trovadoresca. Os trovadores privilegiavam a mulher ca- Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
sada (a domina, dona ou senhora), dedicando-lhes o seu amor, colocando-se numa satíricos

posição de servos, sempre lhes pedindo um favor. A mulher solteira (a donzela) não
atingira essa plenitude moral (e também física) e dependia do pai para tudo.
Os trovadores foram mais longe: denunciaram abertamente nas suas canções a
incompatibilidade entre o amor e o casamento e, assim, essa poesia, aparentemente
inofensiva, pôs pela primeira vez em julgamento um problema social, que tem pre-
ocupado a consciência da Europa moderna. Aparentemente imoral, a negação do
casamento explica-se justamente porque o amor conjugal se apresenta ao espírito
do trovador como um negócio, sem liberdade, diferentemente do conceito do amor
cortês8 , cuja tendência era a plenitude e o infinito. Atitudes que hoje nos afigurariam
estranhas e até imorais, eram consideradas naturais ao tempo.
Essa concepção audaciosa, pela qual a mulher era livre para dispor de seus bens
e dar o seu amor a quem quisesse, configurava uma tendência revolucionária, que
brigava francamente com a doutrina oficial da Igreja. O Cristianismo, através do culto
à Maria, também elevou a condição social da mulher, fazendo-a, teoricamente, igual
ao homem.
O amor trovadoresco é, portanto, um fingimento, um produto da inteligência e
da imaginação do que propriamente da sensibilidade: amour courtois9, como dizem
os franceses, mas que apresenta, por vezes, os tormentos do grande e verdadeiro
amor. Os termos cuidar e cossirar (considerar) traduzem bem o trabalho interior e o
enlevo do poeta na adoração da sua dona. Fingia-se enamorado pela dona ou senhor,
mas amava a sua amiga (namorada) - esse dualismo é uma das mais fones caracterís-
ticas do homem medieval. Todas essas características também serão encontradas no
lirismo trovadoresco galaico-português.

A POESIA LÍRICA
No estudo da poesia lírica a questão da hegemonia e da importância do galego-
português deve ser lembrada. O período histórico compreende entre os fins do século
XII, com o provável aparecimento dos primeiros documentos escritos, não literários,
e 1434, ano que Fernão Lopes foi nomeado pelo rei D. Duarte cronista-mor do reino.
Todas as produções literárias devem ser vistas e integradas num contexto peninsular.

8 Surgiu nas cortes, em fins do século XI, na França meridional. Conceito europeu de mitos
e etiquetas para enaltecer o amor, gerando vários gêneros de literatura medieval, incluindo o
romance. Espécie de contradição enrre o desejo erótico e a reala.ação espiritual.
9 Amor intelectualizado. Disciplina nobre e idealii.adora.
LITERATURA Assim, o galego-português, língua falada aquém e além do rio Minho até a fronteira
PORTUGUESA
do rio Tejo, foi o idioma usado por toda a Península e deu expressão a uma lírica de
amor surpreendente pela forma apaixonada e saudosa do homem pormguês, como
demonstram os versos repletos de lirismo escritos por D. Sancho I:

Ai eu, coitada, como vivo


en gran cuidado por meu amigo
que ei alongado! Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!10

O idioma falado e adotado no Noroeste da Península Ibérica tornou-se, portanto,


a língua literária de toda a Península até o ano de 1350. Segundo alguns historia-
dores, tal aceitação da língua demonstra que já existia um lirismo autóctone, que
passava das romarias e cortes, através dos jograis e músicos ambulantes. Vale lembrar
também que, na Galiza, o sanmário de São Tiago recebia peregrinos e crnzados de-
votos e crentes no poder do santo. Vinham de todos os reinos cristãos peninsulares e
da França, seguiam o caminho francês que, de Bordeaux11 (cidade francesa), levava a
Compostela. A defesa do cristianismo era o principal motivo dessa longa jornada, bem
como o desejo de expulsão dos sarracenos (conhecidos como infiéis) da Península.
Podemos concluir que na Europa medieval há dois mundos culturais, que vivem
lado a lado, mas separados: uma cultura erudita, internacional, eclesiástica, cuja lín-
gua é o latim; e uma atura em latim vulgar, acessível aos iletrados, em sentido popu-
lar. O galego-português impõe-se, constituindo-se a única língua na lírica peninsular.

A ORIGEM DAS CANTIGAS TROVADORESCAS


A problemática
Muito se tem discutido sobre a origem dos cantares primitivos com a "revolucio-
nária concepção de amor", segundo Natália Correia (p. 16) . Mas se recuarmos no
tempo, antes de Cristo, já encontramos o sentimento amoroso na alma da poetisa
grega Safo, exprimindo-se de forma serena, singela e bela, o seu amor pelo amigo:

Deixa-te estar frente a mim, anúgo,

~............ _
E desvenda a meus ofüos todo o teu encanto.

L

•E
·T
<!{.
@
s 10 Ai, triste de mim, como vivo/ preocupada com o meu namorado/ que se encontra ausente!
O meu namorado demora-se muita na Guarda! Tradução livre.
11 D esde o século XVIII, a cidade de Bordeaux é rica em história, cultura, artes, música e le-
gendários vinhos. Desde a Idade Media, a cidade ficou conhecida como um vibrante centro de
comércio, indústria e negócios.
Esse mesmo sentimento transborda nos textos, mais tarde, nas cantigas medievais. Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
Escrever textos com tal temática era uma atitude ousada que desafiava o clero e os satíricos

valores tradicionais. Essa arte era desacreditada, por ser arte popular, de caráter sub-
jetivo e individualista. Daí as questões que permanecem até os dias atuais:
Como apareceram essas composições? Que interferências teria havido?
Para respondê-las, abordaremos as teses explicativas, de forma resumida.

Tese arábica
De acordo com Lapa (1973) os estudos arabísticos revelaram na cultura dos ára-
bes certas afinidades com alguns caracteres da civilização cristã medieval. A poesia
trovadoresca podia ter sido influenciada pela poesia arábico-andaluza, que tinha dois
tipos de composição estrófica: a moashaha, muaxaha ou muaxá era uma criação de
Mocaddam, que viveu entre os anos de 840 e 920 e o zéjel, de caráter mais simples
e popular.
Na primeira modalidade a forma estrófica apresentava-se com o esquema aa/bba/
aa ccca/aa/dda/aa [... ] e terminava, geralmente, por uma catja, conjunto de versos à
maneira da cantiga de amor e que resumia toda a canção, segundo Lapa (1973, p. 46):

Vai-se meu corachon de mib


ai, Rab, si se me tornarádd?
tan mal meu doler li-1-habib
enfermo yed, quando sanardd?12

O tom, de caráter feminista, identifica-se com a cantiga de amigo, com as queixas da


donzela sempre enan1orada e saudosa, reclamando a dor da saudade provocada pela
ausência do amado. A outra modalidade denominada Zéjel, apresenta o mesmo tipo de
estrofe da modalidade anterior, possuindo, porém, um caráter mais popular. Existe a hi-
pótese de que o lirismo galaico-português tenha se originado dessa segunda modalidade.
De acordo com Lapa (1973, p. 47), essa primeira tese tem pouco fundamento,
porque a poesia andaluza era erótica e obscena, contrariamente à poesia galego-
portuguesa. O zéjel tinha feição política (ausente nas cantigas galego-pom1guesas)
e panegírica característica encontrada nas cantigas de amor, momento em que o
trovador louva as qualidades físicas e morais da senhora. Quanto à estrutura, a po-
esia árabe não possui ligação estrófica, principal traço diferenciador das cantigas
galego-portuguesas.

12 Vai-se o meu coração de mim/ Ai, Senhora, se me retornará?/ A minha dor é tão triste, meu
querido/ Sinto-me doente, quando retornará? - Tradução livre.
LITERATURA Tese latino-medieval
PORTUGUESA
As origens do trovadorismo devem ser buscadas no latim medieval e na sua mé-
trica, segundo Lapa (1973, p. 66), o que comprova que o lirismo trovadoresco possui
caráter literário, fruto da cultura latina: "[ ... ] natural seria procurar na literatura que
exprimia essa civilização dos séculos XI e XII, a literatura latino-medieval, as origens
da poesia trovadoresca".
Entende-se, assim, que a tradição da cultura clássica não se perdeu na Idade Mé-
dia. Pelo contrário, houve uma continuidade entre os dois mundos (o clássico e o
medieval). E se o latim aparece modificado nas composições poéticas, prova que era
vivido e sentido, filtrado por outros homens, possuidores de outra alma e uma nova
cultura.
Historicamente, a grande imagem de Roma estava sempre presente ao homem
medieval, que se esforçava na imitação das suas instituições e do seu trabalho anís-
tico. Nas universidades existentes nessa época, em toda a Europa, foram criadas ca-
deiras de latim medieval. Ainda hoje, várias universidades, as alemãs, principalmente,
são centros ricos de erudição e pesquisa médio-latinística.

Tese Litúrgica
Essa terceira tese complementa a anterior. Defendida por Lapa (1973, p.78) , que
afirma ser na liturgia que o estudioso deve ir buscar as origens da poesia trovadores-
ca. De acordo com o crítico, a cantiga de amigo parece ser uma perfeita imitação do
canto antifônico~ da Igreja. Há uma hipótese que estranha o fato de os trovadores
buscarem (ou se inspirarem) no ritmo e na música dos cantos religiosos, porque
faziam uso de uma linguagem profana e amorosa. A tese litúrgica, assim chamada,
porque pretende derivar o lirismo trovadoresco das formas da poesia da igreja cris-
tã. Devemos considerar, conn1do que a Igreja era um espaço do canto e da música
instrumental. Cerimônias de enterros e outras manifestações profanas realizavam-se
no espaço sagrado das igrejas, onde se comia, bebia e falava-se em voz alta, a ponto
de os reis começarem a condenar essas práticas, nas ordenações, e os clérigos, nos
próprios atos litúrgicos.
~............ _ A tese em questão estabelece, assim, uma ponte de ligação entre a poesia culta da
L
• Igreja e os meios populares de cultura, familiarizados com as cerimônias litúrgicas e
•E
·T muito influenciados por elas. Houve, assim, uma modalidade da tese latino-medieval
<!{.
@
s

13 Anáfona ou canto antifônico é uma resposta cantada, em canto gregoriano, a um Salmo, ou


a outra pane da liturgia, como as Vésperas ou um.a Missa pelo celebrante, ao qual respondem
alternadamente duas metades do coro.
e uma outra com a teoria folclórica, configurando que no decorrer do processo de Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
assimilação e transformação desse lirismo pelo povo, a música religiosa já continha satíricos

elementos populares.
De acordo com Lapa (1973, p. 82) vários temas encontrados nas cantigas trovado-
rescas são provenientes de rituais litúrgicos, principalmente, nos festejos da Ressur-
reição, da Páscoa. Do mesmo modo, as formas rítmicas também explicam e justificam
as origens do lirismo romântico. por elas. Houve, assim, uma modalidade da tese
latino-medieval e uma outra com a teoria folclórica, configurando que no decorrer do
processo de assimilação e transformação desse lirismo pelo povo, a música religiosa
já continha elementos populares.
De acordo com Lapa (1973, p. 82) vários temas encontrados nas cantigas trovado-
rescas são provenientes de rituais litúrgicos, principalmente, nos festejos da Ressur-
reição, da Páscoa. Do mesmo modo, as formas rítnúcas também explicam e justificam
as origens do lirismo romântico.

Tese Folclórica
Semelhante à tese arábica, essa quarta tese é um produto do Romantismo, porque
se baseia na ideia romântica da criação popular. Exemplo disso é a influência das
festas da primavera ou festas de Maio, em honra a Vênus, que ocorreram na antigui-
dade Clássica e que influenciaram a lírica provençal. Gaston Paris, em 1891 e 1892
formalizou essa tese, ao analisar o livro "As origens da poesia lírica na França da Idade
Média", de Alfred Jeanroy e comprovou que as cantigas de amor trazem vestígios da
festa pagã do mês de maio, quando jovens buscavam flores e ramos para enfeitar car-
ros e adornarem-se, cantando e dançando em roda, celebrando o amor e a primavera.
Tais canções, segundo Lapa (1973, p. 56) , teriam "imprimido à poesia cortês oca-
ráter libertino do seu amor, e os festivos refrões da Priniavera ter-se-iam como cristali-
zado no começo da canção". Essa tese, portanto, explica o caráter popular do lirismo
galego-português, pelas suas concepções filológicas e pelos resíduos românticos da
ideia de "povo ignorante, mas criador" (LAPA, 1973, p. 57) .

Tese etnográfica
Essa tese defende a idéia de que as cantigas trovadorescas devem ser estudadas
sob a perspectiva geral e pluridimensional, a partir de um entrelaçar das várias in-
fluências e teses que discutem sua origem. Audrey Bell, em sua obra Da Poesia Me-
dieval Portuguesa (1947), afirma que a cadência paralelística das cantigas de amigo
galego-portuguesas se deve ao ritmo que a jovem imprimia aos trabalhos caseiros,
embalando o irmão mais jovem, fiando o linho ou lavando a roupa na fonte. Esse
LITERATURA ritmo teria influenciado as cantigas de amigo, porque a donzela trabalhava cantando,
PORTUGUESA
como ainda ocorre hoje, nos trabalhos do campo.
Do mesmo modo, Menendez y Pelayo14 defende a tese etnográfica, questionando
sobre as raízes desse lirismo, justificando-o com o seu fundo étnico comum aos povos
da Península Ibérica ou de algum povo característico da Galiza. O lirismo galego-
português possui um caráter mais popular do que o provençal, apresentando certo
fundo de melancolia vaga, misteriosa e de devaneio. Segundo a crítica, tais caracterís-
ticas podem ser consideradas um complexo fenômeno trovadoresco.
Nesse sentido, uma tese só não bastaria para explicá-lo e para se entender o seu apa-
recimento. Para tanto, deve-se inserir o lirismo galego-português no contexto de uma so-
ciedade teocrática, que poderia sentir-se prejudicada por um ideal que canalizava a fervo-
rosa religiosidade medieval para um verdadeiro culto prestado à mulher, revelado numa
série de cantares profanos em que o amor é cantado de uma fonna, às vezes, patética.
A origem desses cantares trovadorescos deve ser vista num entrelaçar de várias
influências e de várias teses, numa conjunn1ra, ou melhor, numa perspectiva geral e
pluridin1ensional.
De acordo com Lapa (1973) um fato pode ser considerado certo:

o esquema versificatório e o elemento musical forma tirados da arte litúrgica,


que continham, ao que parece, sugestões da arte popular; o fundo de ideias
e sentimentos é um produto da civilização do tempo: cristianismo, cavalaria,
tradição das culturas antigas e criação dos trovadores (IAPA, 1973, p. 92).

É o que veremos a seguir.

A PROVENÇA - SITUAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL E CULTURAL


A Provença, do latim, província, nome criado pelo imperador Augusto, é uma
região do sul da França, um condado que, a partir do século XI, foi o "berço" de uma
poesia lírica masculina e que inspira o despontar do lirismo europeu nos séculos
subseqüentes. Os provençais, assim como os povos peninsulares, também sentiram a
força e a crueldade dos árabes, que avançavam e devastavam todo o Ocidente.

~............ _
O feudalismo foi um meio muito eficaz contra os invasores árabes, a que ficavam

L
• expostas às populações mais pobres e indefesas. A cristandade não estava só amea-
•E çada pelos mouros, porque também os eslavos e dinamarqueses representavam tam-
·T
<!{. bém uma ameaça. O cavaleiro annado e o castelo fortificado do senhor feudal eram
@
s

14 Marcelino Menendez Y Pelayo (1856-1912) foi polígrafo, crítico literário e erudito espa-
nhol. Recolheu toda poesia espanhola da Idade Média ao Renascimento.
os principais meios de defesa. A cavalaria surge como uma bênção, não deLxando, Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
porém, de ser guerreira e combativa, ao proteger a pátria dos infiéis. Desse contexto, satíricos

surge uma poesia épica, que canta e exalta a coragem e a luta desses heróis - são as
canções de gestau.
No none da França floresce uma literatura de exaltação nacional e mística. Os
trovadores cantam e irnonalizam os feitos heróicos de cavaleiros que panem para
defender a pátria e a causa de Cristo, criando epopéias onde celebram a coragem, a
honra, a determinação, o heroísmo desses homens bravos que ficaram imonalizados
na alma dos povos. Exemplo disso é a Canção de Rolando (La Chanson de Roland),
poema épico escrito em francês antigo, no século XI, muito influente na época, ins-
pirando a composição de outras obras sobre o tema (a chamada "Matéria de França")
por toda a Europa.
O poema narra o fim heróico do conde Rolando, sobrinho de Carlos Magno, que
morre junto a seus homens na batalha de Roncesvales contra os árabes. A base histó-
rica do poema é uma batalha real, travada entre a retaguarda do exército de Carlos
Magno, sob o comando de Rolando, que abandonava a Península Ibérica e um grupo
de espanhois bascos que a chacinou. Embora histórico, o acontecimento é retratado
sem fidelidade histórica: os autores do massacre passaram de bascos a muçulmanos,
e tanto essa alteração como o tom geral do poema explica-se pelo contexto das Cru-
zadas e da Reconquista Cristã da Península, que se viveu no século XI.
Um trecho da Canção de Rolando exemplifica o tom épico, heróico e majestoso,
que percorre todo o poema:

''La morte de la Belle Aude" (A morte d e Aida, a bela)

O Imperador voltou de Espanha e chega a Aix, o mellior lugar da França. Diri-


ge-se para o palácio, entrou na sala. Eis que se aproxima dele Aida, uma bela
donzela. Ela diz ao rei: ·onde está o capitão Rolando que me jurou tomar para
esposa?' Carlos sente 'dor e pena, chora e puxa a barba branca:' - Irmã, tu me
perguntas por um morto. Eu farei uma troca preciosa. Quero falar de Luís,
não posso dizer melhor. 'É meu filho e ele continuará o meu caminho·. Aida
responde: '- O que dizes é estranho para mim. Não agrada a Deus, nem aos
santos, nem aos anjos, que eu continue viva depois de Rolando'. Ela perde a
cor e cai aos pés de Carlos Magno, morre em seguida. Deus tenha piedade de
sua alma! Os barões franceses choram e têm pena dela!
(Canção de Rolando 16, 268, versos 3705 a 3722, p . 110).
(CANÇÃO, 1988, p. 110).

15 D o francês, chamons de geste, ou canções de feitos heróicos. São poemas épicos que datam
dos fins do século XI e início do século XII e narram
16 A Canção de Rolando. Tradução Lígia Vassalo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
LITERATURA A guerra, porém, começa a esmorecer e outros interesses renascem e no sul des-
PORTUGUESA
ponta um novo ideal amoroso. Uma elite de nobres e clérigos procura nas letras
outras distrações que tivessem mais a ver com as suas almas sensíveis e líricas. No
século XI desperta o espírito cortês, cria-se um universo novo de sonho e fantasia,
que faz nascer uma literamra popular, que se tornou artística e penetrou nas cortes
senhoriais e reais.
Esse lirismo é divulgado em toda a Europa: é o renascer dessas canções líricas nas
populações românicas, incluindo-se Pom1gal. O cavaleiro já não combate mais pelo
seu Deus e nem pelo seu senhor, mas pela sua dama. Nasce, então, a arte dos trova-
dores, sutil e apaixonada. A arte do amor cortês, o amor puro que leva à virmde, à
perfeição, à razão de existir. Impõe deveres, num rimai à maneira da estrnmra feudal:
assim como o vassalo deve vassalagem e obediência ao seu senhor, do mesmo modo,
o trovador deve obediência à sua dama - ela é a suserana e ele o seu vassalo.
O amor vive da admiração recíproca. Ele admira na senhora as virmdes morais, a
dignidade e a fidelidade, um amor quase idólatra, saudoso, tormrado de um fatalismo
passional. Tudo contribuiu para o surgimento desse hino amoroso: o clima ameno,
a terra fértil, o contato sempre com o mediterrâneo e a sua abermra para todas as
civilizações que por lá passavam. As pessoas eram alegres, a paisagem verdejante com
horizontes a perder de vista.
A mulher, por sua vez, começa a ser reabilitada pelo cristianismo. No regime feu-
dal, vai ser exaltada, endeusada, principalmente no sul da Provença. Diferentemente
o que ocorreu na Grécia e em Roma, no paganismo, quando era desprezada e consi-
derada como um animal.
O trovador vê no amor de sua dona uma fonte de enobrecimento da alma. É atra-
vés da beleza feminina (considerada um testemunho de Deus na terra) que o amante
atinge o amor supremo. Para não atingirem a honra da mulher, os trovadores usavam
de uma linguagem muitas vezes hermética, a que chamavam "trobar clus", ou seja,
fazer versos fechados. Para se aproximarem de sua dama, à maneira do vassalo para
com o seu senhor, o trovador tinha que seguir certo rimai:
1) Suspirante oufrenhedor: atitude de suspirar;
~ . . . . ...... _ 2) Suplicante ou precador: atimde de pronunciar algumas palavras à senhora,
L
• pedindo-lhe atenção para a sua pessoa e correspondência ao seu amor.
•E
·T 3) Namorado ou entendedor: fase em que podia olhar para ela e a correspondên-
<!{.
@ cia era quase completa.
s
4) Amante ou drudo: o último estágio do rimai, quando o trovador era corres-
pondido, não só espiritualmente, mas também fisicamente. Na cantiga de amor
portuguesa, era raro chegar a esse grau, porque se o marido descobrisse, uma
desgraça poderia ocorrer. Portanto, o amor deveria ser a arte pela arte, puro, Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
platônico. satíricos

Nesse sentido, mesmo o trovador provençal não deveria nunca revelar o nome da
senhora e sim, respeitar o senha{ (o pseudônimo) para não ferir a honra e o nome
da mui11er amada. Sendo assim, além do ritual, ele deveria respeitar os seguintes
aspectos: Ser humilde e paciente (a vassalagem amorosa); prestar obediência e sujei-
ção absoluta à sua senhora; prometer servi-la e honrá-la até a morte; não esquecer
o senha[, requisito essencial no código de amor cortês e ter em atenção a mesura
(virtude suprema), a mais preciosa das qualidades.
Quanto à estética desses cantares, a mulher era sempre a mais bela de todas e por
ela o trovador tudo desprezava, aspirando até a morte. As palavras /remosa (bela, for-
mosa), prez (caráter, dignidade) e talhada (belo corpo, bela aparência) fazem parte
dos versos das cantigas provençais e, consequentemente, das galego-portuguesas.
A invocação à natureza leva o trovador a falar nas frores de Maio (flores de maio) e
no tempo da /rol (no tempo da flor), na primavera e nas aves como mensageiras da
paixão, para refletir ou contrastar com o estado de alma enamorada. Vale lembrar que
esta corrente provençal influenciou a lírica peninsular.

O LIRISMO GALEGO-PORTUGUÊS
Ao esn1dar-se a literatura trovadoresca, é comum estabelecer os limites cronoló-
gicos, tanto na datação dos primeiros documentos, como também na determinação
de suas últimas expressões. Todavia, no que se refere à poesia galego-pom1guesa,
estabelecer datas para o surgimento e o fim deste lirismo é um problema destacado
por vários críticos, em que há divergências significativas, ao mesmo tempo em que
revelam as opções metodológicas de cada estudo. Logo, devido a essas diferentes
perspectivas, é preferível apontar algumas datas a estabelecer limites precisos.
De acordo com Vieira (1992, p. 27), o prin1eiro texto que se pode datar com "certa
segurança" é o sirventês político de Johan Soarez de Pávia contra o rei de Navarra,
Ora faz ost'o senhor de Navarra, para a qual se aceita como provável a data de 1196.
Este trovador era um nobre pom1guês, feudatário do rei de Aragão e Catalunha, que
teria vivido, por volta de 1196, na corte de Barcelona. Acredita-se ainda que tivesse
escrito mais seis cantigas de amor, antes de 1196, mas que estão ausentes no códice.
Do mesmo modo, a famosa Cantiga de Guarvaia (também conhecida como "Can-
tiga da Ribeirinha") tem sido considerada como a mais antiga composição. Nesta pers-
pectiva, os estudos de Carolina Michaelis (apud VIEIRA, 1992, p. 27), admitindo a au-
toria do trovador Pai Soares de Taveirós, propõem que o poema tenha sido composto
LITERATURA antes de 1200, talvez em 1198, ou mesmo 1189. Por sua vez, como discorre Vieira
PORTUGUESA
(1992, p. 27), Pizzomsso17, (1963) opta por atribuir a autoria desta cantiga a Martim
Soares, devido sua localização no grupo de poemas no Cancioneiro da Ajuda e por
questões formais internas. Logo, esse exemplar teria sido composto alguns anos mais
tarde, porque a atividade desse poeta se situa, provavelmente, entre 1230 e 1270.
Segundo Tavani (1988, p. 41) , a maior parte do patrimônio poético galego-portu-
guês pertence ao século XIII e à primeira metade do século XIV. Apenas um texto pode
ser situado no século XII, como é o caso da cantiga de escárnio já mencionada por
Vieira (1992). Assim, com datas aproximadamente delimitadas, a dificuldade reside
na gênese dos tipos de cantigas presentes nos Cancioneiros das Bibliotecas da Ajuda,
Nacional de Lisboa e do Vaticano, em que se distinguem três gêneros principais - can-
tigas de amor, cantiga de amigo e cantigas de escárnio e maldizer - , e também gê-
neros menores, como a pastore/a, o pranto a alba, entre outros pouco representados.
Neste âmbito, a cantiga de amor, de inspiração provençal, seria uma das manifes-
tações periféricas da canso (canção) occitânica, pois reproduz bastante fielmente essa
ideologia, apesar de o substrato social ser completamente diferente. As cantigas de
escárnio e 1naldize,- formam, por outro lado, um gênero pouco homogêneo, mas que
se vincula também aos gêneros provençais correspondentes. Enquanto que a cantiga
de amigo é urna cantiga de mulher, porém, bastante diferente das outras canções
de mulher da poesia medieval em língua vulgar. Isso fez com que, devido sua "origi-
nalidade" no que se refere à personagem, ao ambientes e seu aspecto dialogado, se
formulasse uma tese que atribui uma origem popular à cantiga de amigo.
Segundo Lapa (1973), esta distinção não é arbitrária, o que faz com que esses
gêneros interpenetrem-se na literatura galego-portuguesa, levando a encontrar nas
primeiras cantigas de amo,- resquícios da repetição paralelística e nas cantigas de
amigo algo que lembre a doutrina do amor cortês. Para este crítico, estes dois gêne-
ros têm ainda natureza totalmente diversa. Portanto, considera que é falso o processo
seguido por alguns romanistas ao forjar uma genealogia dos gêneros, considerando
a cantiga de amor o ponto de partida da cantiga de amigo. Do mesmo modo, re-
conhece um "pálido eco" do lirismo provençal no galego-português; enquanto que

~............ _ outros autores atribuem analogias literais, ou quase, em nível de microestmturas,


L
• entre poetas galego-portugueses e trovadores occitanos.
•E
·T Assim, é preciso considerar duas correntes poéticas fundamentais, ao examinar-
<!{.
@ mos as origens do lirismo galego-português, como evidenciam diversos estudiosos
s

17 Obra citada: PIZZORUSSO , V B., Le Poesie di Martin Soares. Bologna: [s.n.], 1963. p.
25-28; 59-64.
deste lirismo18: uma que denuncia o influxo estrangeiro de além Pireneus, em que Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
sofre influência da poesia trovadoresca provençal, constituída em sua totalidade nas satíricos

cantigas de amor; e outra com raízes na terra, o elemento autóctone que manifesta
caráter popular e feminino, representada, essencialmente, pela cantiga de amigo
paralelística. Nesse sentido, verifica-se que alguns têm se inclinado para uma ou ou-
tra linha interpretativa, conforme a intenção seja de enfatizar as características que a
lírica galego-portuguesa compartilha com o lirismo provençal ou ainda marcar a sua
individualidade, por meio do caráter específico das cantigas de amigo, vistas como
manifestações de uma identidade nacional. Para tanto, busca-se neste estudo traçar
um percurso pela vertente autóctone e pelo lirismo provençal, rendo em vista suas
implicações para o trovadorismo galego-português.

AS CANTIGAS DE AMOR
Definição
De origem provençal, essas cantigas refletem um estilo de vida diferente: cons-
tin1em um retrato da vida feudal da corte, expressando um meio culto, refinado e
muito comprometido com o convencionalismo da vida palaciana e a cultura clássica.
O trovador apresenta a confissão de sua experiência passional diante de uma mu-
lher inacessível aos seus sentimentos e apelos amorosos, porque pertencia à classe
social superior e era casada. O sentimento amoroso posiciona-se no plano da espiri-
tualidade e de contemplação platônica, mas, segundo Moisés (1977, p. 25):

(... ] ·estranham-se-lhe no mais fundo dos sentidos: o impulso erótico situado


na raiz das súplicas transubstancia-se, purifica-se, sublima-se·. Tudo se passa
de acordo o autor, "como se o trovador ·fingisse·, disfarçando-se com o véu do
espirimalismo, obediente às regras de conveniência social e da moda literária
vinda da Provença·[ ...].

As cantigas de amor galego-portuguesas são mais espontâneas, mais sentidas, mais


autênticas, identificando-se com a alma romântica e saudosa, com o gosto de estar
triste, configurando certo caráter melancólico do homem peninsular. Na verdade, o
que se imitou das cantigas provençais foi a fonna poética e o respeito ao formalismo
do amor cortês. Nessa modalidade poética é raro aparecer elementos da natureza,
ou o espaço geográfico como cenário. É a coita de antor (a dor, o sofrimento amo-
roso) que domina a alma do eu-lírico de tal maneira que não há lugar para o espaço
exterior.

18 Lapa (1973), Vieira (1992), Tavani (1988, 2002), Lopes e Saraiva (1996).
LITERATURA Classificação e Estrutura
PORTUGUESA
As cantigas de amor recebem a seguinte classificação:
• Cantigas de mestria (ou maestria) consideradas as mais perfeitas. Os versos
possuem sete a dez sílabas métricas e o número de estrofes raramente passava
de três ou quatro.
• Canti2as de refrão (ou estribilho): no final de cada estrofe, repetia-se um ou
mais versos, tornando-a mais espontânea, natural, lírica e menos artificial.

Quanto à estrutura das composições:


• Tema configura-se sempre com o geral, independentemente da forma como é
tratado. O amor? A saudade? O ciúme? A morte? Deus? A violência?
• Assunto é o conteúdo, é a fomia como se vai desenvolver o tema. Pode ser
traduzido numa frase, resumindo tudo o que o sujeito-lírico foi expressando
ao longo do texto. Por exemplo, o tema do amor pode ser abordado através
da separação dos amantes, de uma forma atormentada, desesperada, que pode
levar à loucura, como nas cantigas de amor galego-portuguesas.

Recursos Estilísticos são os recursos que o trovador recorre para expressar


melhor o que pensa e sente. Criam a matéria poética, são eles que nos envolvem
emocionalmente na interioridade do sujeito-lírico. Sem eles, o poeta pode cair num
discurso vazio, apático, indiferente. Por exemplo, um simples artigo definido pode
remeter o leitor a algo muito preciso, ou alguém que já conhecemos: "E, pois que
o Deus assi o quis,/ Mais os meus olhos por alguen/ choran e cegan, quando alguen
non veen."19
Outros recursos estilísticos, tais como a adjetivação, que pode ser binária, ter-
nária ou múltipla também caracteriza e descreve melhor o objeto referido, como
por exemplo, os adjetivos "trist' e coitada" (triste e sofrida) utilizados pelo trovador
para se referir à dor e a saudade sentidas na ausência do namorado. As figuras retó-
ricas ou figuras de estilo , como a metáfora, a hipérbole, a repetição, a comparação,
a sinestesia, entre outras, também são recursos utilizados nas cantigas de amor para
~............ _ nos fazer sentir e compreender melhor uma realidade.
L

•E
·T
<!{.
@
s

19 E, pois Deus assim o quis, / Mas os meus olhos por alguém.../ choram e cegam, quando não
veem alguém. Tradução livre.
Temática das cantigas de amor Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
O trovador vê o amor cortês como uma força espiritual e mística em oposição satíricos

ao amor erótico. A mesura, o respeito pela senhora, leva-o a esquecer-se dele pró-
prio. Sendo assim, ele se humilha, apaga-se, temendo fazer mal à sua dona. É o
amor puro, desinteressado, cuja finalidade é aperfeiçoar-se moralmente. É o amor-
adoração que se satisfaz numa idolatração, veneração pela sua senhora. Só assim, ele
cresceria em espiritualidade e em grandeza de alma.
Na maior parte das vezes, porém, o trovador sofre com a não correspondência
amorosa da senhora, levando-o ao desejo de morrer por amor. Dirige-se, nesse
caso, à senhora nwna apóstrofe plena de carga afetiva, atitude de humildade e súpli-
ca, num queixume, espécie de grito de dor o desconcerto de sua alma o desejo de
morrer. É o gosto de viver triste, o comprazimento na dor, características constantes
na estética das cantigas de amor. Mesmo a saudade da mulher amada poderia levar o
trovador à morte, como nos versos de Bernal de Bonaval: '14 dona que eu amo e tenho
por senhor / amostrade-me-a, Deus, se vos en prazer for, / se non dade-rni a morte!"
E Deus está sempre presente na alma do trovador como o único que pode ajudá-
lo na sua dor de amor, fnno da extrema religiosidade existente e do platonismo, que
molda as almas, num amor espiritual.
O tema da separação também é comum nas cantigas de amor. A separação, tema
recorrente nas cantigas leva o trovador à loucura. Nesse caso, ele confessa que não
poderá viver sem ela, na certeza de ensandecer, como comprovam os versos de João
Garcia de Guilhade:

Amigos, non poss· eu negar


a gran coita que d ' amor hei,
ca me vejo sandeu andar,
e com sandece o direi:
os oll10s verdes que eu vi
me fazem ora andar assi.

O eu-lírico dirige-se aos amigos, numa confissão afetiva e reveladora de que o


sofrimento amoroso resultou de ter visto os "olhos verdes" da senhora. A partir
desse dia, age e anda como um louco (ca me vejo sandeu andar), perdido na beleza
daqueles olhos.
Antes de analisarmos uma cantiga de amor, vale observar alguns artifícios po-
éticos que se encontram na Poética Fragmentária da Arte de Trovar. Segundo a
Poética, as estrofes tinham o nome de coblas ou cobras e o seu número ficava ao
critério do trovador: "Os trobadores poden fazer as cantigas ou de quatro ou de sys
LITERATURA ou de oyto ou de mays, se quiseren'12º.
PORTUGUESA
As estrofes podiam ser: mússonas, quando têm a mesma rima; singulares, quan-
do apresentavam rimas diferentes e doblas ou pareadas, quando cada grupo de
duas copias tinha a mesma rima. O perfil da cantiga denominava-se talho e os versos,
palavras. As cantigas galego-pom1guesas não têm mais do que três ou quatro copias,
excetuando-se as paralelísticas. Cada copia podia apresentar um número variável de
versos, sendo que o número máximo de versos era de dez e o mínimo, de dois.
Além do refrão, outros recursos poéticos também podem ser observados: a finda,
espécie de conclusão, constituía-se de uma copia (estrofe) de menor extensão - de um
a quatro versos - que rematava tudo quanto se tinha dito. Complementava a cantiga,
geralmente, a de mestria. A ata.finda constitui-se num processo de ligação de coplas,
feita pela continuação da frase na copia seguinte. Feita pelas partículas como e, ca,
pois, quando, pero, que, entre outras. Poderiam ser empregadas tanto nas cantigas de
mestria, como nas de refrão. O enjambement ou transporte consiste em completar no
verso seguinte o sentido do verso anterior, processo que se tornou corrente na poesia,
até a atualidade. Há ainda o recurso do dobre, ou repetição sin1écrica da mesma palavra
de rima duas ou mais vezes, de preferência no primeiro e último verso e do mozdobr-
re, repetição da mesma palavra, mas variando-a de fonna, no corpo das copias.
Os demais recursos serão estudados nas cantigas de antigo.

Exemplo de cantiga de amor (leitura e análise)

Como morreu quen nunca ben


ouve da ren que mais amor
e de quen viu quanto receou
d'ela e foi morto por em
ai, mha senhor, assi moir' eu!
Como morreu quen foi amar
quen lhe nunca quis bem fazer
e de quen lhe fez Deus veer

~............ _ de que foi morto com pesar,

L
• ai, mha senhor, assi moir' eu!
•E
·T
<!{.
@ Como home que ensandeceu,
s

20 Os trovadores podem fazer as cantigas de quatro, ou de seis ou de oico ou de mais, se quise-


rem. Tradução livre.
senhor, com gran pesar que viu, Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
e non foi ledo, nem domliu satíricos

depois, mha senhor, e moireu,


ai, mha senhor, assi moir' eu!

Como morreu quen amou tal


dona que lhe nunca fez bem,
e quen a viu levar a quen
a non valia, em a val,
ai, mha senhor, assi moir ' eu!
Paai Soares de Taveiroos
(CA 35, CBN 122)

A análise desta composição constituirá, a princípio, um modelo, sugestões de


análise.
1) Quanto ao tema: a não correspondência amorosa, o fatalismo de amor.
2) Quanto ao assunto: o sujeito-lírico compara-se a alguém que morreu de amor
porque a sua senhora ("senhor") nunca o amou: "nunca ben/ ouve da renque
mais amou", e, assim, também ele morre.
3) Logo no primeiro verso, na primeira estrofe, o trovador compara-se a alguém
que nunca foi correspondido no amor e nunca teve bem nenhum da parte
dela. Observa-se um sentido trágico, sugerido pelo uso do polissú1deto: e de
quen viu quanto receou / e foi mono por en (repetição expressiva da conjun-
ção coordenativa), ideia reforçada pela gradação ascendente, quando o eu-
lírico revela que nunca ben/ouve; receou d' ela e foi morto por en (nunca
teve nenhum bem da pane dela, sentiu medo dela e foi mono por isso) . Toda
essa tensão termina no refrão, numa queixa dolorosa, que nos é dada pela
interjeição ai mha senhor, assi moir' eu!

Na segunda estrofe ou copia a tensão aumenta através do paralelismo (quen


nunca ben [ ... ] / quen foi amar [... ], numa obsessão de onde parece não conseguir
sair. O eu-lírico insiste e continua a comparar-se a alguém (quen) que nunca corres-
pondeu ao seu amor. Insiste no polissíndeto, numa progressão dramática, desdo-
brando a mesma ideia. A repetição do pronome indefinido "quen" sugere a obsessão
e confunde-se com esse alguém que morreu de amor por alguém que "nunca quis
ben fazer" (nunca quis fazer o bem) . Percebe-se uma atmosfera tensa, através da
LITERATURA aliteração dos sons nasais em "en", acentuando-se a dramatiddade da realidade do
PORTUGUESA
sujeito-lírico. AB rimas auxiliam na revelação do trágico, à maneira de um presságio.
Na terceira estro fe ou copia o eu-lírico dirige-se à amada e compara-se a um
"liome" que "ensandeceu" (que enlouqueceu) com a tristeza que viu e, a panir, daí,
não foi mais feliz e nem dormiu (faz uso do pretérito perfeito para recriar sua dor pas-
sada). Reforça o trágico novamente no uso do polissíndeto e na gradação , além do
que as aliterações dos sons nasais adensam mais a angústia do eu-lírico, aproximando-
º das consequências dramáticas daquele fatalismo de amor: depois, mha senhor, e
moireu. Identifica-se a seguir, com essa desgraça e confessa com dor no refrão: "aí,
mnha senho1; assi moir' eu".
Na quarta e última estrofe , há uma retomada do paralelismo (Corno moireu
quen amou tal / dona que lhe nunca fez ben) nos dois primeiros versos. Atinge a sua
angústia, numa paixão avassaladora e, ao repetir o polissíndeto revela o maior drama
daquele "home" - a senhora o deixou por outro que não a merecia (a non valia) e nem
a merece (non val). A aliteração em v, sugerindo o movimento de panida, juntamen-
te com o uso do imperfeito (a non valia) dá-nos o caráter durativo da ação, sugerindo
a intensidade desse absurdo. Termina numa queixa, que ecoa e se perde na alma da
sua senhor: ai, mnha senhor, assi mofr' eu!
Quanto à forma, essa cantiga de amor possui quatro estrofes (copias) de versos
octossílabos agudos, dispostos segundo o esquema rimático: abbaC, acompanhados
de refrão.

AS CANTIGAS DE AMIGO
O emissor nas Cantigas de Amigo é a mulher, por isso dizemos que o "eu-lírico" é
feminino. Na verdade, também nas Cantigas de Amigo o autor é um homem, mas que
se faz passar pela mulher que namora ou pela qual tem interesse. A mulher continua
sendo como na cantiga de amor, o agente e o tema da poesia lírica trovadoresca.
Nessas cantigas, a mulher, geralmente penencente a uma camada social mais popu-
lar e menos culta, lamenta a ausência do "amigo 21" que está longe ou não se apresen-
tou no tempo esperado ou para o encontro combinado entre dois. O tom é de confi-

~............ _ dência à mãe ou as amigas ou a algum elemento da namreza (ramo, flor, árvore, lago,

L
• um pássaro, entre outros) . Em muitas composições, a água (ondas, mar, lago, fonte)
•E
·T assume uma fone conotação erótica, metaforicamente, uma vez que o relacionamento
<!{.
@ entre os namorados era ou deveria vir a ser íntimo.
s

21 A palavra amigo pode ser traduzida por namorado, sempre está ausente, por ter ido combater
os mouros nas trincheiras (no ferido ou fossado).
Quase sempre, as Cantigas de Amigo apresentam uma elaboração estética diferen- Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
te, em consequência de sua origem popular. Seus compositores não são nobres im- satíricos

ponantes, suas letras, têm menor riqueza vocabular e costumeiramente utilizam para-
lelismos e/ou refrões , bem como outros recursos que auxiliam no "prolongamento"
da canção, com a estruturação musical tornando-se mais acessível ao autor. Analisadas
sob o ponto de vista temático, as Cantigas de Amigo apresentam razoável variedade
graças às diferenças sin1ações descritas ou abordadas.
Quanto a um possível valor histórico, documental, também o saldo é significativa-
mente positivo, pelo registro de vivências cotidianas, de usos e relações caracterizado-
ras, ao menos em parte, da sociedade da época. Outros aspectos, ainda, a contribuir
para o aumento desse valor documental, é a existência de vários modelos de cantigas
relacionados com sin1ações ou acontecimentos, como a alva ou alba (matutina), bai-
/ia (para a dança), romaria (fato religioso), marinha (referência ao mar), mal-maridada
(crise conjugal), pastoreia (relativa ao campo, pastoreio), serena (noturna), barcarola
(paisagem marítima).
Dentre as variedades temáticas, as bailias exemplificarão a nossa leitura.
O canto e a dança, desde o paganismo, ligavam-se aos atos do culto e das diversões
populares. As mulheres, especialmente, solteiras, acompanhadas ou não de instm-
mentos ou apenas com o auxilio da própria voz, cantavam e dançavam em dias festivos.
Na Galiza, especialmente, na cidade de Santiago de Compostela (centro de devoção
do mundo inteiro), depois da descoberta do corpo de Sant'Iago, em honra do santo
eram entoados cantos, numa atitude de intensa fé, a princípio em latim, depois mes-
clados com outras palavras, chegando ao romanço. É atribuída a influência dos cantos
austeros e solenes, os quais, mais tarde, fizeram parte da poética galego-porn1guesa e
da dança. Essas manifestações ocorriam sofriam a influência da igreja compostelana, as
quais, transigindo com as revelações de caráter religioso, ficaram gravadas na memória
do povo, transformando-as em cenas populares.
Na Idade Média, as mulheres reuniam-se nos adros das igrejas, ou em lugares públi-
cos, organizavam bailes de roda, cantando versos amorosos em coro. A Igreja, apesar
de inúmeros esforços, não conseguiu acabar com as danças profanas, preferindo as-
similá-las nos cultos, permitindo que os cantos em honra aos santos fossem entoados
pelas mulheres, principalmente depois da descoberta do corpo de São Tiago, fato que
tornou a cidade de Compostela o maior centro de devoção de todo o mundo. Deste
modo, as mulheres passaram a desempenhar um importante papel como intérpretes
no canto e na dança, em festividades religiosas ou profanas.
Nunes (1928, p. 125) registra que
LITERATURA [...] é de se presumir que nesse cortejo feminino figurassem as mais distintas
PORTUGUESA pelo nascimento e, sobretudo, pela habilidade em cantar e bailar. E já então
algumas haveria de certo que, exímias nas duas anes, fizessem disto profissão,
exercendo o seu ofício em público, cantando e bailando ao som do pandeiro.

Em Portugal, o gosto de cantar e dançar das moças estendeu-se aos monarcas


como D. Afonso VII e D. Fernando, além das senhoras da corte que presidiam as
cerimônias. Entre os passatempos do rei, a caça e a dança eram muito comuns "por
ocasião dos jogos e estas que ordenava por desenfadamento, de dia e de noite andava
dançando por aqui mui grande espaço", fato referido por Fernão Lopes, na Crônica
de D. Pedro, rei que nutria verdadeira paixão pela coreografia. Quando D. Pedro
chegava de viagem, os que vinham recebê-lo traziam os mestres de danças e o rei saía
dançando com eles até o paço. Relata-nos assim a crônica:

Jazia d-rei em lisboa ua noite na cama e nom füe vünha sono pêra dormir e
fez levantar os moços e quantos dormiam no paaço e mandou chamar Joham
Mateus e Lourenço Pallos que trouxessem as trombas de prata e fez acender
tochas e meteo-se pella villa em dança com os outros. As gentes que domliam
saíam aas janelas veer que festa era aquella ou porque se fazia; e quando virom
daquella guisa d-rei, tomarom prazer de o veer assi ledo. E andou d-rei assi
gram parte da noite e tornou-se ao paaço em dança ... (CRÔNICAS, s.d., p. 48).

No Ocidente da Península Ibérica já havia se desenvolvido uma poesia de inspira-


ção folclórica ligada a terra e ao contato da vida campesina com o mar. Na Provença,
existia uma poesia mais culta e elaborada de onde surgiram as cantigas de amor
que, segundo Lapa (1973, p. 136) "são poesias de visíveis tons retóricos". Em outras
palavras, no que se refere à poesia medieval portuguesa, o que originariamente per-
tenceu as mais longínquas tradições medievais, situam-se os cant~res de amigo e sua
variedade temática.
De caráter autóctone, essas cantigas sofreram, ainda que em maior número, as
variações de forma e conteúdo, conforme o contato cultural com os elementos pro-
vençais. Os elementos exteriores foram facilmente assimilados, levando-se em con-
sideração o fato de que a data estipulada para a primeira cantiga galego-portuguesa,

~............ _
1189, a Cantiga da Ribeirinha, aproxima-se da formação da nacionalidade portuguesa

L
• reconhecida pelo Papa Alexandre Ill, em 1179, desvinculando o Condado Portucalen-
•E se (MATTOSO, 1933, p. 54) dos domínios do reino de Castela. Esse acontecimento
·T
<!{. histórico representa a compreensão da proximidade cultural, ou o acesso cultural
@
s entre os reinos do Ocidente com a Provença.
De acordo com Nunes (1928), as bailias são originárias da Provença e vêm acom-
panhadas de movimentos coreográficos. São composições paralelísticas, de inspiração
tradicional e folclórica, cuja estrutura pressupõe a existência de um grupo de moças Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
em diferentes funções: uma delas, dotada de melhor voz, a cantadeira, entoa as satíricos

principais copias e as demais, em coro, modulam o refrão. O número de figurantes


deveria corresponder ao de estrofes, cada uma das meninas era encarregada de uma
estrofe, e todas se reuniam para cantar o estribilho. Os temas eram sempre alegres e
festivos.
O contexto do qual se refere este estudo incorpora a tradição clássica greco-latina
que havia sido refundida na cultura que abrange os vários períodos da Idade Média.
Essa transmissão cultural, plurivalente devido às reelaborações que sofre, recebeu
significativa contribuição representada pelos progressos do conhecimento patrístico
e pelo trabalho classificador dos enciclopedistas da tardia época medieval.
Toda a simbologia existente na poética medieval foi transfigurada pela referência
alegorizante herdada da tradição religiosa, da prática e da utilização da alegoria, do
súnbolo e do símile para destacar sentimentos e ideais religiosos. Somente a partir do
século Xlll com a participação dos enciclopedistas, que a realidade natural e humana
sofre a laicização, porém, ainda não totahnente desvencilhada dos substratos éticos e
morais de longos séculos de tradição religiosa.
No estudo do secular lirismo amoroso, o sim.bolismo alegórico desempenha um
imponante papel, embora permaneça a idéia horaciana da poesia como fonte de de-
leite e instrução. Na poética medieval, o simbolismo ou o estudo da alegoria possui a
propriedade de sugerir disfarçadamente os aspectos mundanos da natureza humana
que poderiam ser censurados, se expressados de outro modo. É evidente que esse
simbolismo poético, unido ao substrato da ética e da moral, revelava a influência do
procedimento alegórico utilizado principalmente com finalidade religiosa, apresen-
tando uma verdade divinamente inspirada. Daí os substratos mitológicos clássicos se
convertam em figuras históricas da época, sancionadas pelo sistema religioso.
Trata-se de uma complexa rede de conhecin1entos relativos à nanueza e à época
da permanência da lírica amorosa peninsular. No caso da cantiga de amigo, torna-se
ainda mais problemático, ao ser considerada uma produção autóctone, originária de
tempos imemoriais da tradicional oralidade popular como a mais genuína e autêntica
forma de expressão poética.
A partir da imensa carga plurissêmica (muitos significados) que define esse simbo-
lismo de raízes arcaicas, originárias na imaginação popular, percebe-se que os moti-
vos e as imagens que emanam do texto poético convenem-se nos elementos comuns
que a comunidade impõe na expressão poética penencente à tradição peninsular
autóctone da cantiga de amigo. Esse fato não deve subestimar a provável influência
literária herdada da poética e da filosofia da ética amorosa dos trovadores provençais.
LITERATURA Levando-se em consideração os conceitos acima, o clérigo Airas Nunes de Santia-
PORTUGUESA
go foi um dos mais significativos compositores de bailadas, representando o cotidia-
no das mulheres que viveram na Península durante o século XIII.
São comuns os cenários rurais e domésticos, as romarias, os locais como a fonte,
os rios, as praias e árvores floridas com moças dançando. As meninas podiam sair
de casa quando aconteciam as romarias, ou as festas da Primavera, significando pre-
ciosos momentos de liberdade. Nesses dias de festa , mostravam o seu potencial de
sedução, por meio dos cantos e da dança, deixando transparecer as formas de seu
corpo, a fim de chamar a atenção do amigo, tal como nos atesta Pimpão (1947, p.
106) "Pressente-se nela o desejo da moça de atrair o namorado, não só pela sua arte
coreográfica, mas ainda pela graça do seu corpo [... ]".
O amor, a prin1avera e a religião fazem parte de um rin1al de dança feminina, que
remonta às antigas festas pagãs, realizadas durante o mês de Maio, também chamadas
de festas primaveris. As bailadas geralmente aconteciam sob as árvores floridas, re-
portando-nos à idéia de fecundidade, quando a flor precede ao fruto e, dessa forma,
a menina que dança sob as flores demonstra estar pronta para o amor.
Os ritos folclóricos das procissões do mês de maio ou celebrações da Primavera
remontam à Antigüidade Clássica. Sandro Botticelli (1444/5-151O) , pintor florentino
do Quattrocento retratou o tema, numa das mais famosas de suas telas A Prirnavera
(1482). No jardim de Vênus, assistimos a uma metamorfose visual própria das narra-
ções de Ovídio, referindo-se à ninfa Clóris convertida em Flora, imagem que, como
indica a rica decoração de seu vestido e a sua touca de flores, anuncia o início da
primavera.
A dança das Graças (livres e soltas com suas vestin1entas transparentes) simboliza
o circuito da generosidade, tal qual a entendeu Sêneca (De Beneficiis, I, 3, 2-7) e,
posteriormente, Alberti em seu Tratado sobre a pintura. Nesse bailado observamos
o gesto das mãos, colocadas palma com palma para sugerir um encontro (ausência de
conflito) , formando no conjunto uma ilustração de beleza e paixão.
No século XV, o tema do jardim e do solo semeado de flores das mais diversas es-
pécies liga-se diretamente à série de imagens criadas nas escolas de pinn1ra em todo

~............ _ o Ocidente e a célebre tela de Botticelli vincula-se aos cortejos de maio em Florença.
L
• Há registro, na poesia italiana, de um coro de jovens andando pelas ruas da cidade,
•E
·T agitando ramos floridos ao vento e conduzindo um carro que leva o Amor, o deus da
<!{.
@ festa. Esse Amor tinha o caráter de ligar-se às estações do ano, participando do grande
s
ciclo da vida e da morte, além de praticar o jogo da sedução, enquanto ele estivesse
presente.
A Igreja primitiva condenava esses cortejos de maio, mas não conseguia desviar
das multidões o gosto pela representação e pela chegada da estação mais bela do ano, Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
concordando em colocar no interior do templo, algumas representações concorren- satíricos

tes. Do mesmo modo, a poesia antiga faz referências a canteiros floridos, ao tema
das rosas e à sua fragilidade, comparada com a efemeridade da juventude. A cena
que nos oferece Airas Nunes na canúga Bailemos nós já todas três, ai amigas, é um
quadro representativo da natureza e da vida social aliada às situações sentimentais
da donzela:

Bailemos nós já todas três, ai amigas,


so aquestas avelaneiras frolidas
e quen for velida, como nós, velidas,
se amig'amar,
verrá bailar.

Três meninas numa dança de roda sob árvores floridas, repetindo-se o rito, que
atualiza o mito. Explorando a simbologia de algumas palavras da cantiga, temos apre-
sença da aveleira florida. Na tradição clássica, as suas raízes possuíam um significado
nústico pelo seu forte poder de fertilização; acreditava-se na sorte que poderia trazer
aos apaixonados. A beleza do quadro lírico se completa com a beleza das meninas (e
quen for velida, como nós, velídas,/ e quen for louçana, como nós, [ouçanas) que,
no estribilho, repetem o convite às amigas e às irmanas sob a influência do encanta-
mento dos ramos floridos, celebrando o Amor.
A graciosa cena reitera o costume já mencionado - com a presença ou não dos
rapazes, eram as meninas que organizavam o baile. De mãos dadas entre si, enquanto
fazem a roda, vão cantando versos, geralmente quadras seguidas de refrão, cujo canto
acompanham com movimentos lentos ou mais agitados do corpo, confonne o ritmo
da cantiga. No texto em questão, o convite é feito pelas amigas entre si, velidas, lou-
çanas e desejosas de conquistar e amar o amigo. O convite é reiterado nas demais
estrofes (Bailemos nós já todas três, ai irmanas,) para que a dança seja praticada
sob os ramos floridos das avelaneiras (so aqueste ramo destas avelanas; so aqueste
ramos frolido bailemos) ,
Nas bailias, quando a menina não aparece sozinha, o número das amigas, ge-
ralmente, chega a três, dançando juntas sob as aveleiras em flor. Tanto na narrativa
mitológica quanto na pintura, simbolicamente, esse número lembra as Três Graças,
as três irmãs, filhas de Júpiter e Vênus, que representam a alegria, a beleza e a moci-
dade. Tal como no texto poético, graça, formosura e amor lembram a célebre tela de
Botticelli A Primavera.
As cantigas de bailadas propiciavam certa liberdade à menina, que se encontrava
distante da vigilância proibitiva da mãe, e dessa forma, entusiasmava-se com a idéia
LITERATURA de poder ver ou rever o amigo. Na cantiga de D. Dinis Ma madre velída,/ vou-m'a la
PORTUGUESA
bailia/ do amor, a donzela comunica à mãe sua intenção de ir ao baile, na casa do
amigo: Vou-m'a la bailada/ que fazem en casa/ do amor; Que Jazem en casa / do
que eu muit' amava,! do amor. Lá poderia exibir sua beleza (Do que eu ben queria;
/ chamar-m' am garrida / do amor), mesmo sem a aprovação da mãe. Depreende-se
que a idéia de liberdade estava acima da autoridade materna, uma vez que o verbo
ir, no presente (vou-rn' a la bailía / [... ] Vou-m' a la bailada), demonstra a firme
decisão de panicipar dos bailes.
Na cantiga - Bailad'oj', aí filha, que prazer vejades,/ ant'o voss'amígo, que vós
muit'amades, de autoria de Airas Nunes de Santiago, a menina é intimada pela mãe a
dançar para o amigo, contradizendo as leis morais ligadas ao matriarcado medieval e
surpreendendo a filha. Embora houvesse cena liberdade no relacionamento entre mãe
e filha, era comum a mãe impedir a filha de ver o amigo, quanto mais dançar para ele.
No diálogo em questão, há uma clara insistência da mãe para que a moça demons-
tre a sua ane coreográfica ao namorado, repetindo-se na forma de um paralelismo
semântico, ao longo das quadras: - Bailad'oj, aí filha, que prazer vejades,/-Rogo-vos,
ai filha, por Deus, que baílades/ -Por Deus, ai mha filha, fazed'a bailada/ -Bailade
oj', ai filha, por Sancta Maria. O clima já não é de alegria como na cantiga anterior,
porque a mãe roga por Deus e por Maria que a menina dance. O tom da resposta é
de submissão, concordando "desta vez" (d'aquesta vergada), porém, argumentando
com a mãe que "pouco vos interessa que ele viva" (de viver e/ pouco tomades perfia).
A natureza está representada na romãzeira, na terceira quadra da cantiga, segundo
verso: ant'o voss'arnigo de so a mi/granada. A romã simboliza fecundidade, abun-
dância e apelo sexual, que, desde os povos mais antigos, incorpora o amor e o casa-
mento. Na Antiguidade Clássica era conhecida como originária do sangue de Dionísio
(deus da fertilidade). Afrodite e Hera consideravam-na fruto sagrado, tornando-se o
símbolo do casamento. Presente também na pinn1ra, na tela Proserpina (1874), de
Rossetti (pintor italiano pré-rafaelita). Outros artistas também a interpretaram como
o súnbolo da ressurreição de Cristo.
Retomando a cantiga de Airas Nunes, a presença da romãzeira sugere sedução e

~............ _ conquista do amigo, reiterada nas expressões prazer vejades (v. 1), que ben pare-
L
• cedes (v. 8) e fazed'a bailada (v. 13), revelando a preocupação da mãe com a vida
•E
·T amorosa da filha: ant'o voss'amigo, que vós muit'amades (v. 2). Completa-se, assim,
<!{.
@ o quadro lírico em que a dança e a natureza unem-se e harmonizam-se diante do
s
amor da menina que deseja se casar.
Verdadeiros quadros líricos, as bailias apresentam sugestões da natureza e da vida
social aliadas às situações sentimentais.
A POESIA SATÍRICA: CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
Analisadas do ponto de vista linguístico, histórico-social e ainda literário, as satíricos

cantigas do gênero satírico têm valor inapreciável. Até 1896, era o capín1lo menos
estudado da poesia trovadoresca, por duas razões fundamentais: as palavras eram
menos legíveis e muitas dessas composições contêm expressões de baixo calão, obs-
cenidades que dificilmente poderiam ser publicadas, por razões de decoro, muito
discutíveis, aliás. Vencendo estes obstáculos, foi à professora Carolina Michaelis de
Vasconcelos, que iniciou investigações para esclarecer as dificuldades sobre esse
gênero poético.
A ilustre pesquisadora e filóloga sacrificaram, por amor à ciência, o seu pudor
de mulher, para descer à "cloaca moral, que é tantas vezes o encarno galego-portu-
guês". Há duas hipóteses quanto à origem dessas cantigas:
• Originárias de PortUgal ou
• Derivadas do sirventês - poema cantado no Sul da França.

De qualquer modo, a zombaria e outros tipos de ataques pessoais coincidem


com o gosto do povo portUguês, pois são encontrados textos satíricos, desde o
século XIII.
Pelo que respeita à forma, o sirventês em nada difere das cantigas portuguesas, e
até o nome parece indicar que a sua estrutura seguia servilmente a melodia de uma
canção. O tema era diferente, de caráter mais objetivo e refletia opiniões e os sen-
timentos do trovador sobre as pessoas e a vida social. Daí, necessariamente, o seu
caráter moral e satírico. O gênero admitia três classes fundamentais, que represen-
tam outras tantas atirudes do trovador perante a vida: o sirventês moral ou religioso,
o político e o pessoal. Na primeira categoria entram as queixas sobre a decadência
da cavalaria, as sátiras contra as mulheres e os ataques à corrupção do clero. Na
segunda categoria, o rrovador explora e comenta veementemente os sucessos do
tempo: a lura dos reis com os senhores feudais, as covardias e as manobras militares
e religiosas do Norte contra o Sul.
O sirventês pessoal ataca certos aspectos da vida íntima ou profissional, ridi-
cularizando as pessoas, seus vícios e defeitos. São colocados alguns apelidos, tais
como: Nuno Porco, Golparro ("raposão"), Airas Corpancho, Coxas Caentes e outros.
Surgiram as expressões: "fazer jogo", "escarnir", "escarnecer", "desdizer", "chufar"
( = caçoar) , "travar palavras", entre outras. Considerando o número expressivo de
sinônimos que expressavam o maldizer, numa época em que a língua ainda não
havia atingido uma riqueza lexical. Estabelece-se, assim, a diferença teórica entre a
cantiga de escárnio e a de maldizer.
LITERATURA Na primeira categoria, o trovador "escarnecia" de alguém per palavras cubertas
PORTUGUESA
que ajam dous entendimentos pera lhe lo non entende ren ligeiramente. n Eram
impessoais, de crítica velada e indireta. O efeito estilístico que predomina é, natu-
ralmente, a ironia. Na segunda, o trovador atacava diretamente, a descoberto, de-
clarando os nomes, os defeitos e os vícios das pessoas: son aquelas que fazem os
trobadores mais descubertamente: en elas entram palavras que queren dizer mal e
nom tem outro entendimento senom aquele que queren dizer cbaâmente. 23 Nessas
cantigas a pessoa satirizada é nomeada. Ferem diretamente, sem subterfúgios, nem
artifícios; a linguagem utilizada é baixa, vil e bruta. É o reverso, o contrário do amor
cortês, nobre e sublime das cantigas de amor.
A temática desenvolvida foi a seguinte:
a) Sátira política e reli~iosa:
• a covardia de cavaleiros cristãos frente ao perigo dos mouros - queixas contra
a decadência da cavalaria;
• a corrupção e os desmandos do clero;

As composições questionavam a covardia dos cavaleiros cristãos, perante o recuo


das tropas cristãs, cavaleiros e ricos-homens que, covardemente, fugiram perante o
ímpeto e a braveza dos árabes na Espanha. Foram as composições de D. Afonso X, rei
de Leão e Castela, que melhor expressam a crítica, uma vez que o rei viu (vi) o modo
como os cristãos chegaram ao reino:

Vi cotefes orpelados
estar mui espantados,
e gentes trosquiados
corriam-nos a redor
tinham-nos mal afincados
que perdiam na cor.

Há outras cantigas em que o trovador, numa critica direta, retrata esse medo dos
cristãos, a descoberto, mostrando a covardia de certos cavaleiros que, ao verem os
mouros, fugiam do campo de batalha como desenores.
~............ _
L

•E
·T
<!{.
@
s 22 " ... por palavras cobertas que tenham dois entendimentos (sentidos) para que não o entenda
prontamente". Ou seja, a crítica era feita indiretamente.
23 " ... são aquelas que os trovadores fazem mais descobertamente: nelas entram palavras que
querem dizer mal e não têm outro entendimento senão aquele que querem dizer rasteiramente".
Ou seja, a crítica era feita diretamente.
b) Sátira social e moral: Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricas e
• crítica contra as mulheres; satíricos

• os amores duvidosos entre fidalgos e plebéias;


• a ambição e o falso estilo de vida dos infanções - decadência da nobreza;
• o desconceno, o sem sentido do mundo - a decadência da sociedade;
• reflexões sobre a moral e os bons costumes;
• as pretensões de poetas pobres e humildes e até de jograis imitarem os
trovadores

As lutas políticas do fim do reinado de D. Sancho 1, de Afonso II e D. Sancho II


atuaram no desenvolvimento da poesia de gênero satírico. Os trovadores criticaram
duramente a traição dos políticos para ficarem nas boas graças do rei e da Igreja.
Os textos foram escritos sob o rigor da ironia, sem piedade, quando a cormpção
vinha do clero e da fidalguia militar. Acusava-se essencialmente o poder eclesiástico
de forçar as consciências e de, inclusivamente, abusar, de servirem-se do poder para
excomungar todos os que foram leais ao reinado de D. Sancho II, destituído do tro-
no, traiçoeiramente, pelo seu irmão, D. Afonso III, o Bolonhês.
Quanto ao amor das cantigas anteriores Qírico-amorosas), os trovadores parodia-
vam o amor cortês, principalmente, o seu convencionalismo, ironizando-o:

Ora começa o meu mal


de que já não temia ren
e cuidava que m'ia ben,
e todo se tomou en mal
[ .. .]

E já dormia todo meu


sono e já non era foi
e podia fazer ma prol,
mais lo poder, já non é meu.
[ .. .]

Repare-se que ele andava bem sem o amor e, de repente, tudo mudou para mal;
antes podia dormir, podia "fazer as prol" (andar à vontade), mas n1do acabou. Perdeu
todo o seu poder, já nada está em suas mãos, "mais lo poder, já non é meu" (mas o
poder já não é meu) - o amor havia lhe pregado uma peça, fê-lo apaixonar-se por
outra senhora (senhor).
Depreende-se que a arte trovadoresca era mais aristocrática. Não podemos nos
esquecer que a culntra era do mundo do clero; os nobres poderiam ter acesso a ela,
mas nunca aos plebeus. Os jograis eram os aedos ou rapsodos do trovador: andavam
LITERATURA de terra em terra, por cortes de reis, castelos de fidalgos, conventos abastados, por
PORTUGUESA
ruas e ruelas, praças, feiras e romarias, tocando na cítara ou no violão, cantando e
divulgando a obra dos trovadores. Quando se aventuravam a "trovar" era motivo de
escândalo; eram ridicularizados, insultados, chegando a provocar a ira de seus pa-
trões ou a expulsão da corte.
Da mesma forma, o mundo em desconcerto está expresso nas cantigas que refle-
tem sobre a moral e os cosnunes da época. Há ironias sobre o fato de dizer a verdade,
ou sobre a pouca sorte dos bons e verdadeiros que são injustiçados, chegando-se à
conclusão de que a sorte favorece quem mente (o "mentireiro"), ou ainda refletem
sobre as mudanças da vida para pior, cl1egando à conclusão que mais vale morrer,
porque não vê mais prazer em nada. Esse tema será retomado mais tarde pelo poeta
Luís de Camões.
Finalmente, as reflexões e críticas recaíram sobre a nobreza decadente, espe-
cialmente os infanções. Desde os fins do século XII, os trovadores queixavam-se da
transformação social e do empobrecimento da nobreza, em virmde das guerras e das
ostentações exageradas. Os nobres viviam na penúria e muitos não tinham mais o
que comer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maioria dos manuais de história da literamra, geralmente, não trata do perí-
odo poético que vai de 1350 a 1450, a que se convencionou chamar de "Período
Galego-Castelhano", período de transição, muito limitado, considerado um prolon-
gamento e, ao mesmo tempo, o início da decadência da grande escola trovadoresca
galego-portuguesa.
Após a morte de D. Dinis, o rei trovador, em 1325, a poesia portuguesa arrasta
ainda uma vida confusa, até que se extingue em meados do século XIV. O gênio lite-
rário do povo galego-português abranda e quase termina, exatamente, no momento
em que se afirma a intensa vitalidade da nação porn1guesa.
Por que a poesia teria sido "deserdada", justamente no momento em que adquiri-
ra fortes razões para ficar e continuar?
~............ _ Explica-se este fato, por três motivos distintos:
L
• • Decadência e fim do mecenatismo dos reis D. Afonso X e D. Dinis - reis
•E
·T porn1gueses que mantinham os jograis, segréis e menestréis na Corte. Essa
<!{.
@ proteção durou cento e cinqüenta anos; mortos os mecenas, o entusiasmo e o
s
desejo de competir sofreram uma queda efetiva.
• Mudança de vida comum - Porn1gal começou a expandir-se e a revelar um
vigoroso espírito mercantil. A ane era palaciana e não condizia com a nova
realidade. Portanto, o novo sentido para a vida, voltado para uma realidade Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
concreta não favorecia o trabalho da imaginação. Era a imposição do cálculo satíricos

frio e material da vida.


• Os conflitos entre Portugal e Espanha - fizeram com que a língua portu-
guesa passasse a ser o único meio de expressão. Além disso, as delicadezas da
fonética do português iam se tornando cada vez mais difíceis para o castelha-
no. Cada nação procurou formas próprias de expressão, abandonando o que
era feito em comum, até aquela data. Apesar disso foi, merecidamente, grande
o prestígio da escola galego-portuguesa, tão profunda e duradoura a sua in-
fluência, que o seu espírito persistiu até fins do século XV e a sua língua até o
início do século XVI.

No século XIII ultrapassa-se a fase da literamra oral, conforme estudamos acima.


Muitas cantigas dos trovadores foram recolhidas por colecionadores apaixonados,
copiadas em folhas de pergaminho e reunidas em cadernos, que se tornaram grandes
coletâneas, mais tarde, denominadas Cancioneiros Trovadorescos:
Cancioneiro da Ajuda - conservado na Biblioteca do Paço da Ajuda. É o mais
antigo dos cancioneiros e contém, na sua maioria, cantigas de amor, que datam do
século XIII ao primeiro quartel do século XIV.
Cancioneiro da Vaticana - descoberto em Roma, no reinado de D. João III, na
Biblioteca do Vaticano. Contém 1205 cantigas em que estão incluídas as de autoria de
D. Dinis. Uma verdadeira cópia do original que se perdeu.
Cancioneiro da Biblioteca Nacional - conhecido também por Cancioneiro de
Colocci-Brancutti, intelectual italiano que o adquiriu e depois o vendeu ao governo
pom1guês, em 1924. Cópia fiel do original, em papel de linho, que se supõe do
século XVI. Possui 1647 composições poéticas, considerado o mais rico de todos os
cancioneiros.
Cantigas de Santa Maria - de autoria de Afonso X, o Sábio, somam-se 426 com-
posições acompanhadas das partimras musicais.
Os Cancioneiros constituem um valiosíssimo documento histórico, linguístico e
literário do medievalismo português. As tradições, os costumes, as idéias, as preocu-
pações e o modo de viver dessa época refletem-se nas composições dos diferentes
trovadores. Daí o seu grande valor aos estudos linguísticos, históricos e sociais da
Idade Média, desde a primeira composição, que data do reinado de D. Afonso lll
(1189-1250) ao reinado pós D. Dinis, de 1325 a 1350.
LITERATURA
PORTUGUESA

A Canção de Rolando. Tradução de Lígia Vassalo. Rio de Janeiro: Livraria Francisco


Alves, 1988.

BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. Literatura portuguesa medieval. Lisboa:


Universidade Aberta, 1990.

CORREIA, Natália. Cantares trovadorescos Galego-Portugueses. Lisboa: Estampa,


[19--].

CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES. Seleção, Introdução e notas de Maria Ema Tarracha


Ferreira. Lisboa: Ulisseia, [19--].

LAPA, Manuel Rodrigues. Lições de Literatura Portuguesa: época medieval. 8. ed.


Coimbra: Coimbra Editora, 1973.

MATTOSO, José. História de Portugal. A Monarquia Feudal. Lisboa: Estampa, 1993.


V. 2.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 1977.

NUNES, José Joaquim. Cantigas d' Amigo dos trovadores galego-portugueses.


Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928.

PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa. História da Literatura Portuguesa. Lisboa:


Quadrante, 1947.

~............ _ PIZZORUSSO, V. Bertolucci. Cantigas de Santa Maria. ln: LANCIANI, Giulia; TAVANI,
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• Giuseppe. Dicionário de Literatura galego-portuguesa. 2. ed. Tradução de José C.
•E
·T Barreiros e Artur Guerra. Lisboa: Caminho, 1993.
<!{.
@
s
_ _ _. Le poesie di Martin Soares. Bologna: [s.n.], 1963. p. 25-28; 59-64.
SPINA, Segismundo. Presença ela Literatura Portuguesa: era medieval. 6. ed. São Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
Paulo; Rio de Janeiro: DIFEL, 1961. satíricos

TAVANI, Giuseppe. Ensaios portugueses: Filologia e Linguística. Lisboa: Imprensa


Nacional; Casa da Moeda, 1988.

VIEIRA, Yara Frateschi. A poesia lírica galego-portuguesa. ln: MOISÉS, Massaud. A


Literatura Portuguesa em perspectiva. São Paulo: Atlas, 1992.

Proposta de Atividade
,.
• ..
Para você refletir e testar todas as infonnaçôes acima, sugerimos os seguintes textos para
exercitar a leitura e análise:

TEXTO 1
Ben sabia eu, mia senhor,
que, pois m'eu de vós partisse,
que nunc'aveeria sabor
de ren, pois vos eu non visse,
porque vós sodes a melhor
dona de que nunca oísse
omenfalar,
ca o vosso boõ semelhar
sei que par
nunca lh'ome pod'achar.

E, pois que o Deus assl quis,


que eu sôo tan alongado
de vós, mui ben seede fis
que nunca eu sen cuidado
en viverei, ca já Paris
d 'amor foi tan coitado
nen Tristan;
nunca sofreram tal afam,
nen nanam
quantos som, nen seeram.

Que farei eu, pois que non vir


o mui bom parecer vosso?
Ca o mal que vos foi ferir
aquel' é meu e non vosso,
e por ende per ren partir
de vos muit'amar non posso,
LITERATURA nen farei,
PORTUGUESA
ante ben sei ca molrerel
se non ei
vós, que sempre i amei.
(D. Afonso X-CBN 411)

VOCABUIÁRIO: partisse: afastasse; mmc'aveerta sabor/de ren: nunca nada me daria pra-
zer; oísse: ouvisse; omem: homem, alguém; boõ semelbar: beleza; boa aparência; o: pronome
que se refere ao verso seguinte; seedefis: sede certa, sede firme; Paris: Páris - príncipe troiano
que raptou Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, originando a guerra de Tróia (Lê-se
Paris, palavra aguda, para rimar comfis); Trtstan: herói de tuna lenda céltica (lenda de Tristão
e Isolda) com que se Introduziu na literatura um novo tema: a fataUdade da paixão; am: o
mesmo que bão, têm; seeram: serão, existirão; ende: daí; per ren: de modo nenhum; partir:
deixar de; ca: que; motreret: morrerei; non et vós: não tenho vós.

TEXTO 2

Levad', amigo, que dormlde'las manhãas frias:


tôdalas aves do mundo d'amor dlzian:
leda m'and'eu.

Levad', amigo, que donulde'las frias manhãas:


tôdalas aves do mundo d 'amor cantavan:
leda m'and'eu.

Tôdalas aves do mundo d'amor dizian,


do meu amor e do voss'en ment'avlan:
leda m'and'eu.

Tôdalas aves do mundo d 'amor cantavan;


do meu amor e do voss'enmentavan:
leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'en ment'avlan;


vós lhi tolhestes os ramos em que sllan:
leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'i enmentavan;


vós lhl tolhestes os ramos en que pousavan:
leda m'and'eu.

~............ _ Vós lhl toll1estes os ramos en que sllan

L
• e lhls secastes as fontes en que bevian:
leda m'and'eu.
•E
·T
<!{.
@ Vós lhl toll1estes os ramos en que pousavan
s e lhis secastes as fontes use banhavan:
leda m'and'eu (!\'uno Fernandes Torneol- CV 242)

VOCABUIÁRIO: Levad': levantai-vos; tôdalas: todas as; dormtde': dormides, dormis;


leda: alegre; en rnent'avtan: tinham no pensamento; enmentavan: recordavam nos seus gor- Época medieval: cantigas
trovadorescos - líricos e
jeios; tolbestes: tirastes; sttan: estavam pousadas; bevtan: bebiam.
satíricos

TEXTO 3

Ai dona fea! Foste-vos qu eixar


porque vos nunca louv'en meu trobar
mais ora quero fazer un cantar
en qu e vos loarel toda via
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia !

Ai dona fea! Se Deus me perdon!


e pois havedes tan gran coraçon
que vos eu loe en esta razoo,
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nun ca vos eu loel


En meu trobar, pero multo trobel;
Mais ora já un bon cantar farei
En que vos loarel toda via;
E direi-vos como loarei:
Dona fea, velha e sandia!
(João Garcia de Gutlbade - CV 1097)

VOCABUIÁRIO: dona Jea: dona, senhora feia; louv', en: louve, elogie no; trobar: trovar,
fazer versos, trovas; mais ora: mas agora; ttn cantar: uma cantiga; um canto; loaret toda vta:
louvarei para sempre, inteiramente; sandia: louca; loaçon: louvação; louvor.

ROTEIRO DE LEITURA:
a) Traduzir os textos para o português atual.
b) Analisar quanto ao taU10 (a fom1a, o perfil da cantiga, a metrificação dos versos, as rin1as).
c) Quanto ao tema e assunto.
d) Quanto às características das cantigas.
e) Classificar quanto ao assunto, justificar e exemplificar com os versos do texto.
f) Elaborar um parágrafo conclusivo/interpretativo.

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