Santo Agostinho X Tomas de Aquino

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Santo Agostinho

Santo Agostinho no se preocupava em traar fronteiras entre a f e a razo. Para ele, o processo do conhecimento a razo ajudar ao homem a alcanar a f e a f orientar e iluminar a razo; sendo assim, contribui para esclarecer os contedos da f. Deste modo, no traa fronteiras entre os contedos da revelao crist e as verdades acessveis ao pensamento racional. Para Santo Agostinho, o homem uma alma racional que se serve de um corpo mortal e terrestre; expressa assim o seu conceito antropolgico bsico. Distingue, na alma, dois aspectos: a razo inferior e a razo superior. A razo inferior tem por objecto o conhecimento da realidade sensvel e mutvel: a cincia, conhecimento que permite cobrir as nossas necessidades. A razo superior tem por objecto a sabedoria, isto , o conhecimento das idias, do inteligvel, para se elevar at Deus. Nesta razo superior d-se a iluminao de Deus. O problema da liberdade est relacionado com a reflexo sobre o mal, a sua natureza e a sua origem. Santo Agostinho, maniqueu na sua juventude (os maniqueus postulam a existncia de dois princpios activos, o bem e o mal), aceita a explicao de Plotino, para quem o mal a ausncia de bem, uma privao, uma carncia. E ao no ser alguma coisa positiva, no pode atribuir-se a Deus.

O Pensamento: A Gnosiologia (TEORIA DA NATUREZA)


Agostinho considera a filosofia praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual s o cristianismo pode dar uma soluo integral. Todo o seu interesse central est portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os mais importantes e os mais imediatos para a soluo integral do problema da vida. O problema gnosiolgico profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo acadmico mediante o iluminismo platnico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da prpria existncia espiritual; da tira uma verdade superior, imutvel, condio e origem de toda verdade particular. Embora desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensvel em relao ao conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, so fontes de conhecimento. E como para a viso sensvel alm do olho e da coisa, necessria a luz fsica, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessria uma luz espiritual. Esta vem de Deus, a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual so transferidas as idias platnicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idias, as espcies, os princpios formais das coisas, e so os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades eternas e as idias das coisas reais por meio da luz intelectual a ns participada pelo Verbo de Deus. Como se v, a transformao do inatismo, da reminiscncia platnica, em sentido testa e cristo. Permanece, porm, a caracterstica fundamental, que distingue a TEORIA platnica da aristotlica e tomista, pois, segundo a gnosiologia platnica-agostiniana, no bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as foras naturais do esprito, mas mister uma particular e direta iluminao de Deus.

A Metafsica
Em relao com esta gnosiologia, e dependente dela, a existncia de Deus provada, fundamentalmente, a priori , enquanto no esprito humano haveria uma presena particular de Deus. Ao lado desta prova a priori , no nega Agostinho as provas a posteriori da existncia de Deus, em especial a que se afirma sobre a mudana e a imperfeio de todas as coisas. Quanto natureza de Deus, Agostinho possui uma noo exata, ortodoxa, crist: Deus poder racional infinito, eterno, imutvel, simples, esprito, pessoa, conscincia, o que era excludo pelo platonismo. Deus ainda ser, saber, amor. Quanto, enfim, s relaes com o mundo, Deus concebido exatamente como livre criador. No pensamento clssico grego, tnhamos um dualismo metafsico; no pensamento cristo - agostiniano - temos ainda um dualismo, porm moral, pelo pecado dos espritos livres, insurgidos orgulhosamente contra Deus e, portanto,

preferindo o mundo a Deus. No cristianismo, o mal , metafisicamente, negao, privao; moralmente, porm, tem uma realidade na vontade m, aberrante de Deus. O problema que Agostinho tratou, em especial, o das relaes entre Deus e o tempo. Deus no no tempo, o qual uma criatura de Deus: o tempo comea com a criao. Antes da criao no h tempo, dependendo o tempo da existncia de coisas que vem-a-ser e so, portanto, criadas. Tambm a psicologia agostiniana harmonizou-se com o seu platonismo cristo. Por certo, o corpo no mau por natureza, porquanto a matria no pode ser essencialmente m, sendo criada por Deus, que fez boas todas as coisas. Mas a unio do corpo com a alma , de certo modo, extrnseca, acidental: alma e corpo no formam aquela unidade metafsica, substancial, como na concepo aristotlico-tomista, em virtude da doutrina da forma e da matria. A alma nasce com o indivduo humano e, absolutamente, uma especfica criatura divina, como todas as demais. Entretanto, Agostinho fica indeciso entre o criacionismo e o traducionismo, isto , se a alma criada diretamente por Deus, ou provm da alma dos pais. Certo que a alma imortal, pela sua simplicidade. Agostinho, pois, distingue, platonicamente, a alma em vegetativa, sensitiva e intelectiva, mas afirma que elas so fundidas em uma substncia humana. A inteligncia divina em intelecto intuitivo e razo discursiva; e atribuda a primazia vontade. No homem a vontade amor, no animal instinto, nos seres inferiores cego apetite. Quanto cosmologia, pouco temos a dizer. Como j mais acima se salientou, a natureza no entra nos interesses filosficos de Agostinho, preso pelos problemas ticos, religiosos, Deus e a alma. Mencionaremos a sua famosa doutrina dos germes especficos dos seres - rationes seminales . Deus, a princpio, criou alguns seres j completamente realizados; de outros criou as causas que, mais tarde, desenvolvendo-se, deram origem s existncias dos seres especficos. Esta concepo nada tem que ver com o moderno evolucionismo , como alguns erroneamente pensaram, porquanto Agostinho admite a imutabilidade das espcies, negada pelo moderno evolucionismo.

A Moral
Evidentemente, a moral agostiniana testa e crist e, logo, transcendente e asctica. Nota caracterstica da sua moral o voluntarismo, a saber, a primazia do prtico, da ao - prpria do pensamento latino - , contrariamente ao primado do teortico, do conhecimento - prprio do pensamento grego. A vontade no determinada pelo intelecto, mas precede-o. No obstante, Agostinho tem tambm atitudes teorticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim ltimo das criaturas, possudo por um ato de inteligncia. A virtude no uma ordem de razo, hbito conforme razo, como dizia Aristteles, mas uma ordem do amor. Entretanto a vontade livre, e pode querer o mal, pois um ser limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se considerar no causa eficiente, mas deficiente da sua ao viciosa, porquanto o mal no tem realidade metafsica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem, porquanto a criatura, no podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a dilacerao da sua natureza. A frmula agostiniana em torno da liberdade em Ado - antes do pecado original - : poder no pecar ; depois do pecado original : no poder no pecar ; nos bem-aventurados ser: no poder pecar . A vontade humana, portanto, j impotente sem a graa. O problema da graa - que tanto preocupa Agostinho - tem, alm de um interesse teolgico, tambm um interesse filosfico, porquanto se trata de conciliar a causalidade absoluta de Deus com o livre arbtrio do homem. Como sabido, Agostinho, para salvar o primeiro elemento, tende a descurar o segundo. Quanto famlia , Agostinho, como Paulo apstolo, considera o celibato superior ao matrimnio; se o mundo terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da passagem do tempo para a eternidade. Quanto poltica , ele tem uma concepo negativa da funo estatal; se no houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado seria intil. Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e no natural. Nem a escravido de direito natural, mas conseqncia do pecado original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela no pode ser superada naturalmente, racionalmente,

porquanto a natureza humana j corrompida; pode ser superada sobrenaturalmente, asceticamente, mediante a conformao crist de quem escravo e a caridade de quem amo.

O Mal
Agostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal - de que d uma vasta e viva fenomenologia. Foi tambm longamente desviado pela soluo dualista dos maniqueus, que lhe impediu o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida moral. A soluo deste problema por ele achada foi a sua libertao e a sua grande descoberta filosfico-teolgica, e marca uma diferena fundamental entre o pensamento grego e o pensamento cristo. Antes de tudo, nega a realidade metafsica do mal. O mal no ser, mas privao de ser, como a obscuridade ausncia de luz. Tal privao imprescindvel em todo ser que no seja Deus, enquanto criado, limitado. Destarte explicado o assim chamado mal metafsico , que no verdadeiro mal, porquanto no tira aos seres o lhes devido por natureza. Quanto ao mal fsico , que atinge tambm a perfeio natural dos seres, Agostinho procura justific-lo mediante um velho argumento, digamos assim, esttico: o contraste dos seres contribuiria para a harmonia do conjunto. Mas esta a parte menos afortunada da doutrina agostiniana do mal. Quanto ao mal moral, finalmente existe realmente a m vontade que livremente faz o mal; ela, porm, no causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal no-ser. Este no-ser pode unicamente provir do homem, livre e limitado, e no de Deus, que puro ser e produz unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo pecado original e atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, fsico e moral, alm de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus. Como se v, o mal fsico tem, deste modo, uma outra explicao mais profunda. Remediou este mal moral a redeno de Cristo, HomemDeus, que restituiu humanidade os dons sobrenaturais e a possibilidade do bem moral; mas deixou permanecer o sofrimento, conseqncia do pecado, como meio de purificao e expiao. E a explicao ltima de tudo isso - do mal moral e de suas conseqncias - estaria no fato de que mais glorioso para Deus tirar o bem do mal, do que no permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o mal , fundamentalmente, privao de bem (de ser); este bem pode ser no devido (mal metafsico) ou devido (mal fsico e moral) a uma determinada natureza; se o bem devido nasce o verdadeiro problema do mal; a soluo deste problema esttica para o mal fsico, moral (pecado original e Redeno) para o mal moral (e fsico).

A Histria
Como notrio, Agostinho trata do problema da histria na Cidade de Deus , e resolve-o ainda com os conceitos de criao, de pecado original e de Redeno. A Cidade de Deus representa, talvez, o maior monumento da antigidade crist e, certamente, a obra prima de Agostinho. Nesta obra contida a metafsica original do cristianismo, que uma viso orgnica e inteligvel da histria humana. O conceito de criao indispensvel para o conceito de providncia, que o governo divino do mundo; este conceito de providncia , por sua vez, necessrio, a fim de que a histria seja suscetvel de racionalidade. O conceito de providncia era impossvel no pensamento clssico, por causa do basilar dualismo metafsico. Entretanto, para entender realmente, plenamente, o plano da histria, mister a Redeno, graas aos quais explicado o enigma da existncia do mal no mundo e a sua funo. Cristo tornara-se o centro sobrenatural da histria: o seu reino, a cidade de Deus , representada pelo povo de Israel antes da sua vinda sobre a terra, e pela Igreja depois de seu advento. Contra este cidade se ergue a cidade terrena , mundana, satnica, que ser absolutamente separada e eternamente punida nos fins dos tempos. Agostinho distingue em trs grandes sees a histria antes de Cristo. A primeira concerne histria das duas cidades , aps o pecado original, at que ficaram confundidas em um nico caos humano, e chega at a Abrao, poca em que comeou a separao. Na Segunda descreve Agostinho a histria da cidade de Deus , recolhida e configurada em Israel, de Abrao at Cristo. A terceira retoma, em separado, a narrativa do ponto em que comea a histria da Cidade de Deus separada, isto , desde Abrao, para tratar paralela e separadamente da Cidade do mundo, que culmina no imprio romano. Esta histria, pois, fragmentria e dividida, onde parece que Satans e o mal tm o seu reino, representa, no fundo, uma

unidade e um progresso. o progresso para Cristo, sempre mais claramente, conscientemente e divinamente esperado e profetizado em Israel; e profetizado tambm, a seu modo, pelos povos pagos, que, consciente ou inconscientemente, lhe preparavam diretamente o caminho. Depois de Cristo cessa a diviso poltica entre as duas cidades ; elas se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a diferena, porm, de que j no mais unio catica, mas configurada na unidade da Igreja. Esta no limitada por nenhuma diviso poltica, mas supera todas as sociedades polticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens com Deus. A Igreja, pois, acessvel, invisivelmente, tambm s almas de boa vontade que, exteriormente, dela no podem participar. A Igreja transcende, ainda, os confins do mundo terreno, alm do qual est a ptria verdadeira. Entretanto, visto que todos, predestinados e mpios, se encontram empiricamente confundidos na Igreja - ainda que s na unidade dialtica das duas cidades , para o triunfo da Cidade de Deus - a diviso definitiva, eterna, absoluta, justssima, realizar-se- nos fins dos tempos, depois da morte, depois do juzo universal, no paraso e no inferno. uma grande viso unitria da histria, no uma viso filosfica, mas teolgica: uma teologia, no uma filosofia da histria.

Toms de Aquino
O Pensamento: A Gnosiologia (TEORIA DA NATUREZA)
A gnosiologia tomista - diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotlica - emprica e racional, sem inatismos e iluminaes divinas. O conhecimento humano tem dois momentos, sensvel e intelectual, e o segundo pressupe o primeiro. O conhecimento sensvel do objeto, que est fora de ns, realiza-se mediante a assim chamada espcie sensvel . Esta a impresso, a imagem, a forma do objeto material na alma, isto , o objeto sem a matria: como a impresso do sinete na cera, sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho, sem a materialidade do ouro. O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensvel, mas transcende-o. O intelecto v em a natureza das coisas - intus legit - mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espcie sensvel - que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem a matria - o inteligvel, o universal, a essncia das coisas contida apenas implicitamente, potencialmente. Para que tal inteligvel se torne explcito, atual, preciso extra-lo, abstra-lo, isto , desindividualiz-lo das condies materiais. Tem-se, deste modo, a espcie inteligvel , representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas. Pelo fato de que o inteligvel contido apenas potencialmente no sensvel, mister um intelecto agente que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligvel do fantasma ou representao sensvel. Este intelecto agente como que uma luz espiritual da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensvel para conhec-lo; no entanto, absolutamente desprovido de contedo ideal, sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano. E, ademais, uma faculdade da alma individual, e no noa advm de fora, como pretendiam ainda i iluminismo agostiniano e o pantesmo averrosta. O intelecto que propriamente entende o inteligvel, a essncia, a idia, feita explcita, desindividualizada pelo intelecto agente, o intelecto passivo , a que pertencem as operaes racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as cincias at filosofia. Como no conhecimento sensvel, a coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espcie sensvel, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento intelectual, mediante a espcie inteligvel, entre o objeto conhecido e o sujeito que conhece. Compreendendo as coisas, o esprito se torna todas as coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes todas as coisas, compreendendo-lhes as essncias, as formas.

preciso claramente salientar que, na filosofia de Toms de Aquino, a espcie inteligvel no a coisa entendida, quer dizer, a representao da coisa (id quod intelligitur) , pois, neste caso, conheceramos no as coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando, destarte, no fenomenismo. Mas, a espcie inteligvel o meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (, logo, id quo intelligitur ). E isto corresponde perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos garante conhecermos coisas e no idias; mas as coisas podem ser conhecidas apenas atravs das espcies e das imagens, e no podem entrar fisicamente no nosso crebro. O conceito tomista de verdade perfeitamente harmonizado com esta concepo realista do mundo, e justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade lgica no est nas coisas e nem sequer no mero intelecto, mas na adequao entre a coisa e o intelecto: veritas est adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequao possvel pela semelhana entre o intelecto e as coisas, que contm um elemento inteligvel, a essncia, a forma, a idia. O sinal pelo qual a verdade se manifesta nossa mente, a evidncia; e, visto que muitos conhecimentos nossos no so evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros quando levados evidncia mediante a demonstrao. Todos os conhecimentos sensveis so evidentes, intuitivos, e, por conseqncia, todos os conhecimentos sensveis so, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos nada mais so que falsas interpretaes dos dados sensveis, devidas ao intelecto. Pelo contrrio, no campo intelectual, poucos so os nossos conhecimentos evidentes. So certamente evidentes os princpios primeiros (identidade, contradio, etc.). Os conhecimentos no evidentes so reconduzidos evidncia mediante a demonstrao, como j dissemos. neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro, consistindo em uma falsa passagem na demonstrao, e levando, destarte, discrepncia entre o intelecto e as coisas. A demonstrao um processo dedutivo, isto , uma passagem necessria do universal para o particular. No entanto, os universais, os conceitos, as idias, no so inatas na mente humana, como pretendia o agostinianismo, e nem sequer so inatas suas relaes lgicas, mas se tiram fundamentalmente da experincia, mediante a induo, que colhe a essncia das coisas. A cincia tem como objeto esta essncia das coisas, universal e necessria.

A Metafsica
A metafsica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafsica geral - ou ontologia - tem como objeto o ser em geral e as atribuies e leis relativas. A metafsica especial estuda o ser em suas grandes especificaes: Deus, o esprito, o mundo. Da temos a teologia racional - assim chamada, para distinguila da teologia revelada; a psicologia racional (racional, porquanto filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia emprica, que cincia experimental); a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza em suas causas primeiras, ao passo que a cincia experimental estuda a natureza em suas causas segundas). O princpio bsico da ontologia tomista a especificao do ser em potncia e ato. Ato significa realidade, perfeio; potncia quer dizer no-realidade, imperfeio. No significa, porm, irrealidade absoluta, mas imperfeio relativa de mente e capacidade de conseguir uma determinada perfeio, capacidade de concretizar-se. Tal passagem da potncia ao ato o vir-a-ser , que depende do ser que ato puro; este no muda e faz com que tudo exista e venha-a-ser. Ope-se ao ato puro a potncia pura que, de per si, naturalmente irreal, nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se matria.

A Natureza
Uma determinao, especificao do princpio de potncia e ato, vlida para toda a realidade, o princpio da matria e de forma. Este princpio vale unicamente para a realidade material, para o mundo fsico, e interessa portanto especialmente cosmologia tomista. A matria no absoluto, no-ente; , porm, irreal sem a forma, pela qual determinada, como a potncia determinada, como a potncia determinada pelo ato. necessria para a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real

(substncia ). A forma a essncia das coisas (gua, ouro, vidro) e universal. A individuao, a concretizao da forma, essncia, em vrios indivduos, que s realmente existem (esta gua, este ouro, este vidro), depende da matria, que portanto representa o princpio de individuao no mundo fsico. Resume claramente Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na filosofia de Aristteles e Toms de Aquino, toda substncia corprea um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma absolutamente indeterminada ( a matria ), outra ativa e determinante ( a forma )" . Alm destas duas causas constitutivas (matria e forma), os seres materiais tm outras duas causas: a causa eficiente e a causa final. A causa eficiente a que faz surgir um determinado ser na realidade, a que realiza o snolo , a saber, a sntese daquela determinada matria com a forma que a especifica. A causa final o fim para que opera a causa eficiente; esta causa final que determina a ordem observada no universo. Em concluso: todo ser material existe pelo concurso de quatro causas - material , formal , eficiente , final ; estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do universo fsico.

O Esprito
Quando a forma princpio da vida, que uma atividade cuja origem est dentro do ser, chama-se alma . Portanto, tm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se move). Entretanto, a psicologia racional , que diz respeito ao homem, interessa apenas a alma racional. Alm de desempenhar as funes da alma vegetativa e sensitiva, a alma racional entende e quer, pois segundo Toms de Aquino, existe uma forma s e, por conseguinte, uma alma s em cada indivduo; e a alma superior cumpre as funes da alma inferior, como a mais contm o menos. No homem existe uma alma espiritual - unida com o corpo, mas transcendendo-o - porquanto alm das atividades vegetativa e sensitiva, que so materiais, se manifestam nele tambm atividades espirituais, como o ato do intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva orientada para entidades imateriais, como os conceitos; e, por conseqncia, esta atividade tem que depender de um princpio imaterial, espiritual, que precisamente a alma racional. Assim, a vontade humana livre, indeterminada - ao passo que o mundo material regido por leis necessrias. E, portanto, a vontade no pode ser seno a faculdade de um princpio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto , espiritual, no composta de partes e, por conseguinte, imortal. Como a alma espiritual transcende a vida do corpo depois da morte deste, isto , imortal, assim transcende a origem material do corpo e criada imediatamente por Deus, com relao ao respectivo corpo j formado, que a individualiza. Mas, diversamente do dualismo platnico-agostiniano, Toms sustenta que a alma, espiritual embora, unida substancialmente ao corpo material, de que a forma. Desse modo o corpo no pode existir sem a alma, nem viver, e tambm a alma, por sua vez, ainda que imortal, no tem uma vida plena sem o corpo, que o seu instrumento indispensvel.

Deus
Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem da doutrina fundamental da potncia e do ato, mediante a doutrina da matria e da forma, assim a teologia racional tomista depende - e mais intimamente ainda - da doutrina da potncia e do ato. Contrariamente doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuio, Toms sustenta que Deus no conhecido por intuio, mas cognoscvel unicamente por demonstrao; entretanto esta demonstrao slida e racional, no recorre a argumentaes a priori , mas unicamente a posteriori , partindo da experincia, que sem Deus seria contraditria. As provas tomistas da experincia de Deus so cinco: mas todas tm em comum a caracterstica de se firmar em evidncia (sensvel e racional), para proceder demonstrao, como a lgica exige. E a

primeira dessas provas - que fundamental e como que norma para as outras - baseia-se diretamente na doutrina da potncia e do ato. "Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidncia so igualmente incontestveis: uma experincia sensvel, que pode ser a constatao do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeio das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicao do princpio de causalidade, que suspende o movimento ao imvel, as causas segundas causa primeira, o contingente ao necessrio, o imperfeito ao perfeito, a ordem inteligncia ordenadora". Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a existncia de Deus, ainda mais limitado o conhecimento que temos da essncia divina, como sendo a que transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus no (teologia negativa), entretanto conhecemos tambm algo de positivo em torno da natureza de Deus, graas precisamente famosa doutrina da analogia. Esta doutrina solidamente baseada no fato de que o conhecimento certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve Ter semelhana com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a Deus as perfeies criadas positivas, tirando, porm, as imperfeies, isto , toda limitao e toda potencialidade. O que conhecemos a respeito de Deus , portanto, um conjunto de negaes e de analogias; e no falso, mas apenas incompleto. Quanto ao problemas das relaes entre Deus e o mundo, resolvido com base no conceito de criao, que consiste numa produo do mundo por parte de Deus, total, livre e do nada.

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