Direitos Reais

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DIREITOS REAIS

Autoria: Fernando Henrique Becker Silva

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Camila Roczanski
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Bárbara Pricila Franz
Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Priscilla Camargo


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

SI586d

Silva, Fernando Henrique Becker


Direitos reais. / Fernando Henrique Becker Silva – Indaial:
UNIASSELVI, 2018.

200 p.; il.

ISBN 978-85-53158-35-5

1.Direito civil – Brasil. 2.Direitos reais – Brasil. II. Centro Universi-


tário Leonardo Da Vinci.

CDD 346.8104
Fernando Henrique Becker Silva

Advogado; Bacharel em Direito pela


Universidade Regional de Blumenau - FURB (2001),
com habilitação em Direito Empresarial e Ambiental;
Professor de Direito Processual Civil e de Direito
Empresarial em níveis de graduação e pós-graduação;
Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil;
Especialista em Direito Civil (2005); Legum Magister (LLM)
Internacional em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio
Vargas/Rio, com extensão na University of California,
Irvine (UCI); Secretário Geral da OAB Subseção de
Blumenau (gestão 2016/2018; Autor dos livros históricos
“Fraternidade” (2002), “Zur Friedenspalme” (2005) e “A
história da Subseção da OAB de Blumenau” (2017),
e dos romances “O aprendiz de cavaleiro” (2007),
“Carapaná e o povo sem sono” (2007), “O segredo
do meu avô” (2009) e “A terrível morte do adido
do consulado português” (2011).
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................07

CAPÍTULO 1
Introdução aos Direitos Reais...................................................09

CAPÍTULO 2
Posse..............................................................................................35

CAPÍTULO 3
Propriedade..................................................................................69

CAPÍTULO 4
Direitos de Vizinhança............................................................... 111

CAPÍTULO 5
Condomínio..................................................................................137

CAPÍTULO 6
Direitos Reais Sobre Coisas Alheias.......................................163
APRESENTAÇÃO
O presente livro trata dos Direitos Reais, também conhecido por Direito das
Coisas, que é o ramo do Direito Privado que compõe um conjunto de normas
que tem por objetivo regular os direitos (poder) atribuídos às pessoas sobre bens
corpóreos, móveis ou imóveis, e de conteúdo econômico.

No primeiro capítulo, estudamos o conceito de Direitos Reais, suas


principais  caraterísticas – legalidade, taxatividade, publicidade, eficácia erga
omnes, aderência, sequela, preferência e elasticidade – sua classificação, as
obrigações propter rem, nos atendo, ainda, à relação jurídica de Direito Real,
comparando-o com o Direito Pessoal (ou Obrigacional).

No segundo capítulo, o objeto do nosso estudo é a posse, em que confrontamos


as teorias de Friedrich Carl von Savigny e de Rudolf Von Ihering. Tratamos da
natureza jurídica da posse, falamos sobre sua função social e o direito de moradia,
composse, detenção, e estudamos as classificações da posse (direta ou indireta,
pro indiviso ou pro diviso, justa ou injusta, de boa-fé ou de má-fé).

O terceiro capítulo é dedicado ao estudo da propriedade, considerando sua


evolução desde o Código Civil de 1916 até os dias atuais, sob a perspectiva
constitucional. Tratamos dos seus quatro atributos (gozar, reaver, usar e dispor da
coisa), os modos de aquisição (originária e derivada) da coisa móvel e imóvel e as
formas de perda da propriedade.

No quarto e quinto capítulos, vemos os direitos de vizinhança e a utilização


anormal da propriedade, e o condomínio, suas espécies e particularidades,
respectivamente.

Encerramos o livro no sexto capítulo, tratando sobre os direitos reais sobre


coisas alheias, quando estudamos os direitos reais de garantia (hipoteca, penhor,
anticrese e alienação fiduciária), os de uso ou fruição (enfiteuse, usufruto,
uso, habitação, servidão predial e superfície), e os direitos reais de aquisição
(compromisso de compra e venda).

Bons estudos!
C APÍTULO 1
Introdução aos Direitos Reais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Entender a relação entre Direito Real e Direito das Coisas.

� Compreender o conceito de Direito Real.

� Reconhecer as características fundamentais dos direitos reais.

� Saber as diferenças entre direitos reais e direitos pessoais.

� Conhecer a classificação dos direitos reais (sobre bens próprios e sobre coisas
alheias).

� Saber quais as características das obrigações propter rem.


DIREITOS REAIS

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Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Contextualização
Dentro da estrutura do Código Civil de 2002, cujo Projeto de Lei era
(pasmem!) de 1975, o Direito das Coisas é um dos cinco livros que compõem
sua Parte Especial, juntamente com o do Direito das Obrigações, Direito da
Empresa, Direito de Família e um denominado “Livro Complementar”, que reúne
as disposições finais e transitórias da Lei nº 10.405/2002.

A relevância – além da curiosidade – de datar o projeto de lei é propor uma


reflexão sobre o contexto no qual ele foi desenhado (em meio à ditadura militar),
entender que ele deve ter sido remodelado à luz da Constituição Federal de 1988,
testemunhou os impactos econômicos da Queda do Muro de Berlim (1989) e do
processo de globalização que caracterizou os anos 1990, até ser inaugurado no
início do século XXI, quando a internet ainda engatinhava.

Será que a relação entre o homem e as coisas mudou durante este período?
Será, por exemplo, que o conceito de “função social de propriedade” atualmente
ainda é o mesmo que se concebeu durante o Poder Constituinte de 1987/1988?
Em 1975, cogitava-se a “função social da posse”?

Enfim, o Código Civil de 2002 é um diploma legal capaz de dar todas as
respostas para as questões que envolvem posse e propriedade no mundo de hoje?
Como interpretar o Código Civil – especialmente o Direito das Coisas – com o
novo Código de Processo Civil, que dá impulso, dentre várias outras novidades, ao
movimento de desjudicialização (ou terceirização da Justiça), com a resolução de
determinados conflitos fora do Poder Judiciário (vide a possibilidade da usucapião
extrajudicial) e que passa a regrar, por exemplo, os litígios coletivos pela posse de
imóveis (art. 565, CPC/2015)? Como se comportarão os institutos dos direitos reais
com outras inovações legislativas, como a Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017,
que trata da regularização fundiária rural e urbana e altera dezenas de outras leis –
entre elas, o Estatuto da Cidade e a Lei de Registros Públicos?

Compreender os elementos que compõem os Direitos Reais é essencial
para que possamos acompanhar essa evolução para, a partir daí, conhecer as
ferramentas para suas garantias.

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DIREITOS REAIS

Conceito de Direitos Reais


De início, é importante estabelecer que “Direitos Reais” e “Direitos das Coisas”
são considerados pela maioria dos autores como sinônimos, tendo o Código Civil
de 2002 (assim como o fizera o de 1916) optado pela expressão “Direito das
Coisas”, considerando, quiçá, sua maior abrangência, uma vez que, para alguns
doutrinadores, o instituto da “posse” não é considerado um direito real (sendo,
inclusive, tratado em título diverso dos direitos reais dentro do Código Civil) e,
portanto, não poderia o Livro III, da Parte Especial, denominar-se “Direitos Reais”.

Aqueles que advogam tratarem-se de institutos distintos fundam-se


justamente no fato de a posse não ser considerada um direito real, daí porque o
Direito Real seria uma espécie do gênero Direito das Coisas.

Dentre os autores que defendem a possibilidade de utilização indiferente de


tais terminologias está Silvio de Salvo Venosa:

O vocábulo reais decorre de res, rei, que significa coisa. Desse


modo, nada obsta que se denomine indiferentemente este
compartimento do Direito Civil sob uma ou outra denominação.
No entanto, como vimos, coisa possui conotação mais
propriamente subjetiva. Os direitos reais cuidam de um ramo
objetivo da ciência jurídica. Sob tal prisma, nada impede que
se utilize das duas expressões, consagradas pela doutrina
nacional e estrangeira (2008, p. 20).

De toda a sorte, segundo o escol de Washington de Barros Monteiro: “o direito


real pode, de tal arte, ser conceituado como a relação jurídica em virtude da qual
o titular pode retirar da coisa, de modo exclusivo e contra todos, as utilidades que
ela é capaz de produzir” (MONTEIRO, 1975, p. 11).

Tratando por “Direito das Coisas”, o autor do primeiro Código Civil brasileiro,
Clóvis Beviláqua, o conceitua como: “O complexo de normas reguladoras das
relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.
Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é
possível exercer o poder de domínio” (BEVILÁQUA, 1961, p. 11).

Para Silvio Rodrigues, Direito das Coisas “[...] é o conjunto das normas que
regulam as relações jurídicas entre os homens, em face das coisas corpóreas,
capazes de satisfazer às suas necessidades e suscetíveis de apropriação”
(RODRIGUES, 2009, p. 3).

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Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Já para Arnaldo Rizzardo, Direito das Coisas: “[...] é o ramo do saber O ramo do Direito
humano e das normatizações que trata da regulamentação do poder Privado que compõe
um conjunto
do homem sobre os bens e das formas de disciplinar a sua utilização
de normas que
econômica” (RIZZARDO, 2011, p. 1). tem por objetivo
regular os direitos
Partindo dos pontos em comum dos conceitos acima transcritos (poder) atribuídos
– “norma”, “poder”, “homem” e “coisa” – podemos, então, propor a pessoas sobre
o conceito de Direitos Reais, ou Direito das Coisas, como o ramo bens corpóreos,
móveis ou imóveis,
do Direito Privado que compõe um conjunto de normas que tem por
e de conteúdo
objetivo regular os direitos (poder) atribuídos a pessoas sobre bens econômico.
corpóreos, móveis ou imóveis, e de conteúdo econômico.

Traz-se, porque oportuno, que ao Direito Real interessam


apenas as coisas materiais suscetíveis de valor econômico, melhor Ao Direito Real
interessam apenas
dizendo, as coisas passíveis de apropriação (e, por conseguinte, de
as coisas materiais
comercialização) e das quais se extrai algum proveito econômico. Já suscetíveis de valor
os bens não passíveis de apropriação, seja porque inesgotáveis ou econômico
abundantes na natureza – como os oceanos, os rios, o vento, a luz
solar etc. – não interessam ao Direito Real.

Atividade de Estudos:

1) Vimos que o Direito Real é o ramo do direito que compõe um


conjunto de normas que tem por objetivo regular os direitos
(poder) atribuídos a pessoas sobre bens corpóreos, móveis ou
imóveis, e de conteúdo econômico. Responda: bens incorpóreos
(por exemplo, a propriedade intelectual) podem ser objeto dos
direitos reais?
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DIREITOS REAIS

Características Fundamentais dos


Direitos Reais
Se você se propuser a pesquisar as obras que tratam do Direito das Coisas,
perceberá que cada doutrinador procura apresentar seus próprios róis de
caraterísticas (alguns os tratam como “princípios”), sendo que diversos deles são
comuns a vários autores.

Segundo Arruda Alvim (2000, p. 103-106), os direitos reais apresentam seis


características, a saber, legalidade (ou tipicidade), taxatividade, publicidade,
eficácia erga omnes, aderência (ou inerência) e sequela.

Maria Helena Diniz (2009, p. 20), por sua vez, apresenta sua relação, que
denomina “caracteres jurídicos” do Direito Real:

(a) oponibilidade erga omnes;


(b) seu titular possui direito de sequela e de preferência;
(c) adere imediatamente ao bem corpóreo e incorpóreo,
sujeitando-o, de modo direto, ao titular;
(d) obedece ao numerus clausus, pois é estabelecido pelo
Código Civil e leis posteriores, não podendo ser criado por livre
pactuação;
(e) é passível de abandono;
(f) é suscetível de posse; e
(g) a usucapião é um de seus meios aquisitivos.

Partamos para o estudo de algumas dessas caraterísticas


fundamentais dos Direitos Reais, além de outras desatacadas por outros
estudiosos e que se revelam importantes.

Taxatividade
Pela característica da taxatividade, os direitos reais são numerus clausus,
um rol taxativo (e não exemplificativo), não se admitindo a criação, por convenção
entre as partes, de um novo direito real, devendo-se escolher apenas um daqueles
tipos reais previstos no Código Civil.

O imortal Pontes de Miranda ensina que:

Os direitos reais são em número limitado, fechado (numerus


clausus). No encontro entre o 'direito romano e o germânico,
enriqueceu-se o direito moderno de direitos reais, mas, em vez
de admitir a possibilidade de se dar eficácia real a qualquer
vínculo (mediante a Gewere), manteve o sistema do numerus

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Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

clausus. Houve tentativa de conciliação, ou de síntese com o


direito territorial prussiano, por meio do registro dos negócios
jurídicos obrigacionais; porém isso rasparia, por bem dizer, a
dicotomia dos direitos em pessoais e reais, ao mesmo tempo
em que transplantaria para o só plano da eficácia o critério
distintivo. As dificuldades, que surgiram, seriam enormes, e
algumas inafastáveis (PONTES DE MIRANDA, 1971, p. 59).

Se você leu com atenção o ensinamento de Pontes de Miranda,


apontado como “imortal” (embora falecido em 1979) porque fora
membro da Academia Brasileira de Letras, deve ter notado a menção
que ele faz a uma tal de “Gewere”.

Mas do que se trata a “Gewere”?

Segundo ensina Nelson Nery Júnior:

Instituto do direito germânico distinto da posse


(possessio) e desconhecido dos romanos, a Gewere era
a investidura justa (recht Gewere) que fazia de alguém
na posse da coisa (de início somente móvel, mas depois
imóvel também), independentemente da apreensão
física (corpus) ou intenção de possuir (animus), fazendo
com que se criasse uma aparência (presunção) de
que o investido fosse realmente o possuidor (princípio
da publicidade). Exemplo: posse do herdeiro. Não se
limitava a afirmar que o investido era o titular do direito,
porquanto a Gewere também tinha função legitimadora
dos negócios jurídicos que o investido celebrava com
terceiros de boa-fé, que com ele contratavam sob essa
aparência, constituindo-se em situação jurídica que
independia da existência do verdadeiro direito material
(NERY, 2003, p. 261).

Portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, não é possível atribuir status de


direito real a qualquer espécie de vínculo possível entre o homem e a coisa (como
a germânica Gewere ou à própria posse – afinal, como já dito, inexiste consenso
entre os doutrinadores acerca na efetiva natureza jurídica da posse), mas tão
somente àqueles expressamente previstos no artigo 1.225, do Código Civil:

Art. 1.225. São direitos reais:


I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;

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DIREITOS REAIS

IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese;
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;
XII - a concessão de direito real de uso; e 
XIII - a laje.        

Deste rol exaustivo, merecem atenção especial a “concessão de direito real


de uso” e a “laje”, ambos direitos reais incluídos recentemente pela Lei nº 13.465,
de 11 de julho de 2017, que, dentre outros assuntos, dispôs sobre a regularização
fundiária rural e urbana. Houve, ainda, durante determinado lapso temporal –
enquanto vigeu a Medida Provisória nº 700/2015, “os direitos oriundos da imissão
provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal,
aos Municípios ou às suas entidades delegadas e respectiva cessão e promessa
de cessão”, mas que, por perda da eficácia da MP, deixaram de existir.

Não obstante o princípio da taxatividade, já se vêm admitidas novas


modalidades de direitos reais não previstas neste rol exaustivo do art. 1225, do
Código Civil, ou, ao menos, uma releitura destes, por exemplo, o “time sharing”,
também conhecido como multipropriedade ou regime de aproveitamento por
turno, recentemente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça como um
sistema que “detém forte liame com o instituto da propriedade”:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE
IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA
DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO
EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO
ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO.
PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PROVIDO.
1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária,
conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de
condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o
aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé,
apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo,
assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante
certo período do ano.
2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os
direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter
feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com
o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão,
como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive
num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem
a liberdade contratual diante da preponderância da tipicidade
dos direitos reais e do sistema de numerus clausus.
3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se

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Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real,


especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos
direitos reais inscritos no art. 1.225.
4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil
anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência
à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além
disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o
novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de
aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel,
detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração
ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos
multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo.
5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente
codificada, possui natureza jurídica de direito real,
harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do
rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário,
no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento
espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de
terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do
bem objeto de constrição.
6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel
submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que
a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão
de direitos em que figurou como cessionária.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1546165/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe
6/9/2016)

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a multipropriedade


imobiliária como um instituto de natureza jurídica de direito real, ainda que não
expressamente apontado no rol do artigo 1.225, do Código Civil.

Você já ouviu falar em “time sharing”?

Enquanto a modalidade tradicional de propriedade, em que uma


pessoa exclusivamente ou várias em condomínio usam, gozam e
usufruem simultaneamente determinado bem imóvel, no time sharing
várias pessoas exercem, em espaços de tempo alternados, os
direitos individuais de forma exclusiva, numa espécie de rodízio. Isto
é, há uma pluralidade de direitos individuais sobre o mesmo objeto.

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DIREITOS REAIS

Segundo Gustavo Tepedino (1993, p. 1), pode-se entender a


multipropriedade como uma “relação jurídica de aproveitamento
econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas
de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu
turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”.

Trata-se de uma formatação de negócio diferente, não


necessariamente nova (no Brasil, os primeiros empreendimentos
surgiram por volta dos anos 1980), que ainda não se enquadra
em nenhum modelo dos institutos jurídicos, mas cujo potencial
econômico não pode ser ignorado pelos tribunais pátrios.

Em tempos de negócios disruptivos – vide a Uber (empresa de transporte


que não tem nenhum veículo) ou o Airbnb (empresa de hospedagem que não
é proprietária de nenhum imóvel) – a característica da taxatividade e o princípio
da imutabilidade dos Direitos Reais haverão de ser relativizados, sob pena de o
Direito não acompanhar a evolução da economia e das novas possibilidades de
relação jurídica entre homens e coisas.

Tipicidade
Diferentemente dos direitos obrigacionais, em que são livremente permitidos
a criação, o surgimento, a formação e formatação de contratos não previstos
dentre aqueles sugeridos no LIVRO I, TÍTULO VI (“Dos contratos em espécie”),
do Código Civil, uma das caraterísticas dos Direitos Reais é a tipicidade, que
significa dizer que somente a lei poderá criar direitos reais. Como resume Arnoldo
Wald (1962, p. 23-24):

Os direitos reais, criando dever jurídico para terceiros, só


existem quando definidos pela lei e dentro do figurino legal,
pois não seria admissível que as partes contratantes pudessem
estabelecer deveres jurídicos para terceiros sem permissão
específica da lei. Assim, os direitos reais só podem existir nos
casos em que forem expressamente previstos pela lei.

Assim, por exemplo, a pretensão do credor de registrar uma dívida existente


contra o proprietário de um imóvel, porém ainda não exigível, às margens da
escritura do bem a fim de gerar direito de preferência ou, de alguma forma,
gravá-lo em ônus não poderia ser admitida porquanto ofenderia o princípio, ou
característica, da tipicidade dos direitos reais.

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Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Atividade de Estudos:

1) Partindo do exemplo citado, responda: a averbação premonitória


prevista no artigo 828, do CPC/2015 (“O exequente poderá
obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com
identificação das partes e do valor da causa, para fins de
averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros
bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade”), pode ser
considerada um direito real? Justifique.
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Em suma, de acordo com o princípio da tipicidade, somente poderão


ingressar no registro de imóveis os direitos e os títulos aptos ao ato que se
pretende realizar, os quais devem estar devida e expressamente previstos em lei,
em razão da sua natureza.

Oponibilidade Erga Omnes


A próxima característica, a oponibilidade erga omnes, é o poder conferido
ao titular do direito real (e também a posse) de defendê-lo(a) contra todos aqueles
que o(a) ameacem, ao passo que, contrariu sensu, é obrigação de todos respeitar
o direito real e a posse alheios.

Sobre esta característica, também chamada de absolutismo, Sílvio de


Salvo Venosa (2003. p. 168) discorre: 

Existem direitos que não se assentam sobre a relação jurídica


perfeitamente delineada, ao menos no nascedouro. A relação
desses direitos com os respectivos titulares é absoluta, porque
assim estabelece a ordem jurídica, prescindindo de qualquer
relação com outro sujeito. Essa é a razão pela qual são referidos

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DIREITOS REAIS

como erga omnes os direitos reais, perante todos, em face de


todos, não no sentido de que podem ser impostos a qualquer
pessoa, mas no sentido de que podem ser opostos ou apostos
perante quem os ameace ou deles se aproprie. Essa relação
de oposição ou aposição do direito real é característica sua,
mas não integra a respectiva origem ditada pelo ordenador
jurídico. Assim o direito do proprietário de reivindicar a coisa de
quem quer que ela se aproprie justifica-se, bastando provar ser
proprietário. O titular do direito real, portanto, impõe-se perante
o terceiro, porque na realidade opõe ou apõe seu direito de
forma absoluta. Em apertada síntese, podemos dizer que o
absolutismo do direito real materializa-se em seu exercício. É
elemento estranho à sua origem. Daí por que o detentor da
coisa deve restituir o bem ao dono, pouco importando que
o tenha adquirido de boa ou má-fé, por ser esse aspecto
irrelevante ao proprietário. Ele tem direito à coisa porque é
dono, apenas isso. Basta provar a propriedade. Nesse aspecto
reside o absolutismo do direito real. 

Questão que tem merecido atenção dos tribunais é se é condição para a


oponibilidade erga omnes a publicidade do direito real.

Exemplo: a teor do artigo 1.227, do Código Civil de 2002, somente se


consideram transmitidos e adquiridos os direitos reais com o registro do
título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis. Assim, a característica da
oponibilidade erga omnes estaria ou não condicionada, para a obtenção de tal
eficácia jurídica, ao registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis,
dando a necessária publicidade ao ato? Sobre esta pergunta, em específico, o
Superior Tribunal de Justiça já assentou que

[...] no sistema legal brasileiro, os instrumentos translativos


de direitos de propriedade imóvel, por exemplo, a dação em
pagamento em questão enquanto não registrados, produzem
efeitos, tão-somente, pessoais ou obrigacionais, ou seja, são
oponíveis apenas entre as partes. Para que tenham efeito erga
omnes  (para todas as pessoas), faz-se necessário o registro
no Ofício de Imóveis. Isto porque, revestido da publicidade
que lhe é inerente, o assentamento imobiliário torna os
dados registrados conhecidos de terceiros (artigos 530, I,
do CC/16 atual artigo 1.245 da Lei 10.406/2002 e artigos 129,
9º, e 167  da Lei 6.015/73 LRP). (STJ - REsp: 734162 PR
2005/0038127-0, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI,
Data de Julgamento: 12/12/2006, T4 - QUARTA TURMA, Data
de Publicação: DJ 27/08/2007 p. 261.)

Na verdade, a necessidade do registro como condição da oponibilidade erga


omnes dependerá conforme exigir o direito real específico.

20
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

A jurisprudência tem entendido, por exemplo, que nos contratos de


garantias fiduciárias instituídas em cédulas bancárias é indispensável sejam eles
registrados junto ao Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor,
a fim de constituir a propriedade fiduciária, não se tratando de mera publicidade,
mas de conferir-lhe efeito erga omnes. (TJ-CE - AI: 06205145820158060000 CE
0620514-58.2015.8.06.0000, Relator: SÉRGIA MARIA MENDONÇA MIRANDA, 6ª
Câmara Cível, Data de Publicação: 1/7/2015)

Publicidade
A lei estabelece
E por falar em publicidade, como visto acima, a lei estabelece que os direitos
que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por reais sobre imóveis
constituídos, ou
atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro
transmitidos por
de Imóveis dos referidos títulos. Segundo Caio Mário da Silva Pereira atos entre vivos,
(2002, p. 380), o: só se adquirem
com o registro no
[...] chamado formalismo de publicidade não Cartório de Registro
alcança a celebração do ato, porém, diz respeito de Imóveis dos
à técnica de sua publicação. Consequentemente, referidos títulos.
a preterição dela não pode atingir a validade do
negócio jurídico, mas afeta a sua oponibilidade a
quem dele não tenha participado.

Isso quer dizer que enquanto não publicizado, o direito real não gera efeito
perante terceiros. Porém, acresça-se, conforme sua natureza jurídica, sequer
pode ser considerado perfectibilizado o ato. Como didaticamente explicam
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2013, p. 364):

O negócio jurídico ainda não registrado produz apenas um


direito obrigacional – o outorgante é obrigado a transferir a
propriedade (obrigação de dar). Exemplificando: o contrato
de compra e venda instrumentalizado em escritura pública –
solenidade essencial quando o imóvel tem valor superior a
trinta salários mínimos (art. 108 do CC) – é apenas um título.
Atendidos os requisitos do art. 104 do Código Civil, no campo
da validade do negócio jurídico obrigacional, avançamos para
a eficácia real do negócio jurídico, que demanda o registro.
Ele completará a operação iniciada com o contrato, perfazendo
verdadeiro ato complexo de formação progressiva no qual o
modo de transmissão sempre ficará condicionado à prévia
existência do título (art. 1.227 do CC).

Aliás, a condição de publicidade não é novidade, já sendo, à época do Código


Civil de 1916, requisito essencial do direito real (“Art. 676. Os direitos reais sobre
imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos só se adquirem depois

21
DIREITOS REAIS

da transcrição ou da inscrição, no registro de imóveis, dos referidos títulos [arts.


530, n I, e 856], salvo os casos expressos neste Código.”)

Sobre ela, o já citado professor Arnoldo Wald (1962, p. 136) já destacava


que não é apenas a propriedade que depende de registro:

Não é a propriedade o único direito que depende do Registro


de Imóveis; o mesmo ocorre em relação aos outros direitos
reais sobre bens imóveis. Então, para valer contra todos -
eficácia erga omnes - o atributo da publicidade constitui
elemento absolutamente indispensável para o perfeito
estabelecimento da natureza real do direito, e a publicidade
exigida no nosso sistema jurídico é aquela conferida pelo
registro do título no Registro Imobiliário.

Pelo princípio da publicidade, pois, a constituição, a transmissão e a


extinção dos direitos reais sobre imóveis só se operam mediante a sua inscrição
no respectivo registro imobiliário, vez que esse ato gera publicidade e dá
garantia e oponibilidade erga omnes. Até mesmo porque o sistema registral
brasileiro é baseado na literalidade material dos atos, cuja higidez deve servir
justamente para conferir fidedignidade, ciência, segurança, eficiência e, por via
de consequência, eficácia erga omnes.

Sequela
Consequência direta da oponibilidade erga omnes, a característica
A característica da da sequela significa o poder que tem o titular do direito real de buscar,
sequela significa
reaver, reivindicar a coisa de quem quer que injustamente a possua ou
o poder que tem o
titular do direito real detenha (Art. 1.228, CC/2002. O proprietário tem a faculdade de usar,
de buscar, reaver, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
reivindicar a coisa que injustamente a possua ou detenha.). Na lição de Silvio Venosa
de quem quer que (2006, p. 6):
injustamente a
possua ou detenha O direito de sequela é corolário do caráter absoluto do direito
real, seu titular pode perseguir, ir buscar o objeto de seu direito
com quem quer esteja. [...] Consequência do direito de sequela
é o fato de o direito real ser necessariamente individualizado.
O objeto do direito real deve ser individualizado no seu
nascedouro, pois doutro modo não há como exercer o direito
de sequela. Nos direitos obrigacionais, a prestação pode ter
por objeto coisas apenas determináveis pelo gênero, qualidade
e quantidade, coisas fungíveis.

Assim, é possível a busca pela tutela possessória contra qualquer pessoa


que possua injustamente o bem, bastando que se demonstre que sua posse não
encontra nenhuma razão jurídica legítima para existir.

22
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Aderência
Outra importante característica dos direitos reais é a chamada aderência
(inerência ou ambulatoriedade), que significa dizer que o ônus real que recai
sobre determinado bem o acompanhará, incidindo sobre ele ainda que ocorra
a transmissão de sua propriedade e independentemente de quem tenha a sua
posse de fato. Notadamente os direitos reais de garantia sobre coisas alheias
(penhor, anticrese e hipoteca), uma vez vinculada à coisa, as acompanhará
independentemente de quem tem sua posse de fato. Daí porque se diz de uma
obrigação ambulatória.

A título de exemplificação, tratando-se de um direito real, a hipoteca


constitui direito absoluto oposto contra todos (erga omnes) e adere ao imóvel,
permanecendo incólume na hipótese de transferência, aderência essa que
se caracteriza em dois aspectos, a ambulatoriedade e direito de sequela. Ela
desaparecerá apenas na hipótese de substituição da garantia ou na quitação por
ela garantida.

A mesma caraterística (aderência) vincula as obrigações propter rem, como


acontece nas cotas condominiais, conforme veremos em momento oportuno.

Preferência
Caraterística inerente aos direitos reais sobre coisas alheias de garantia
(como nos casos de penhor, hipoteca e anticrese), a preferência significa a
primazia que detém o credor ou titular de direito real de garantia sobre os demais
credores (inclusive os de natureza trabalhista).

Essa prevalência consiste na prioridade dos direitos reais sobre os direitos


de crédito e sobre os direitos reais constituídos posteriormente quando total ou
parcialmente incompatíveis com o anterior.

Desta forma, os demais credores poderão disputar preferência no tocante a


eventuais sobras do pagamento preferencial regularmente inscrito em primeiro lugar.

O fato de recair sobre determinado bem imóvel uma hipoteca não o impede,
por exemplo, de ser penhorado em execução trabalhista; neste caso, o credor
hipotecário (preferencial) poderá escolher entre o direito de preferência sobre
o saldo credor apurado em leilão, o direito de sub-rogação da hipoteca sobre o
preço ou o direito à manutenção da hipoteca perante o adquirente. Contudo, vale
a ressalva, o crédito trabalhista somente precede o crédito com direito real de
garantia nas hipóteses de insolvência civil ou falência do devedor.
23
DIREITOS REAIS

Elasticidade
Abordemos, ainda, a característica da elasticidade (ou desmembramento),
que é a possibilidade de o titular do direito real de propriedade de desmembrar
as faculdades que lhe competem (uso, gozo, fruição e disposição) e atribuir
algumas delas a terceiros, mantendo para si a propriedade.

Exemplo clássico da elasticidade do direito real é o instituto do usufruto,


que segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 479) se caracteriza

(...) pelo desmembramento, em face do princípio da elasticidade,


dos poderes inerentes ao domínio: de um lado fica com o nu-
proprietário o direito à substância da coisa, a prerrogativa
de dispor dela, e a expectativa de recuperar a propriedade
plena pelo fenômeno da consolidação, tendo em vista que
o usufruto é sempre temporário; de outro lado, passam para
as mãos do usufrutuário os direitos de uso e gozo dos quais
transitoriamente se torna titular (GONÇALVES, 2012, p. 479).

Logo, considerando que o art. 1.228, CC/2002, confere ao proprietário


o direito de usar, gozar e dispor da coisa, pela caraterística da elasticidade, ou
desmembramento, por lei ou por contrato o proprietário poderá desmembrar esse
conjunto de direitos e ceder alguns deles, conforme a finalidade, a terceiros.

Agora que vimos algumas das principais características dos direitos reais,
partamos para o estudo de sua classificação.

A Relação Jurídica de Direito Real


Uma maneira de estudar a relação jurídica de Direito Real é antepará-lo ao
Direito Pessoal, ou Direito Obrigacional (ainda que existam doutrinadores, chamados
“monistas”, que negam haver distinção entre direitos reais e direitos pessoais).

No Direito Pessoal existe uma relação entre duas ou mais pessoas, que
têm entre si uma obrigação que as vincula (mesmo que esta obrigação esteja
relacionada a determinado bem, como ocorre nas obrigações de dar, ainda assim
será uma relação de direito pessoal). Trata-se de uma relação inter partes, ou seja,
uma obrigação que só existe entre os sujeitos ativo e passivo, pessoas certas e
determinadas, recaindo sobre o devedor não simplesmente o dever de respeitar
o direito de crédito, mas especialmente a obrigação a uma prestação. O objeto
dos direitos pessoais, portanto, será sempre o comportamento do devedor,
sendo o único interesse do credor que o devedor satisfaça a prestação, objeto
da relação obrigacional.

24
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Já o Direito Real, como visto, trata do poder de uma pessoa sobre


determinada coisa, podendo esta usufruí-lo com exclusividade e opor este seu
poder erga omnes.

Erga omnes é um termo jurídico em latim que significa que uma


norma ou decisão terá efeito vinculante, ou seja, valerá para todos.
Por exemplo, a coisa julgada erga omnes vale contra todos, e não só
para as partes em litígio.

Fonte: Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/


exibir/899/Erga-omnes>. Acesso em: 20 maio 2018.

Enquanto no Direito Pessoal existem os elementos sujeito ativo, sujeito


passivo e a obrigação, no Direito Real, seus elementos são o sujeito, a coisa e o
poder do sujeito sobre a coisa.

E, como também visto alhures, enquanto o direito real é limitado (numerus


clausus), não permitindo a criação de novas figuras que não aquelas previstas
na lei, o direito obrigacional é ilimitado, podendo resultar da livre vontade,
conveniência e criatividade das partes (numerus apertus).

Outra diferença substancial entre os dois é que enquanto os direitos


obrigacionais são temporários, ou transitórios, extinguindo-se tão logo cumprido ou
satisfeita a obrigação, os direitos reais são permanentes, enquanto existir a coisa.

Prudente uma derradeira e oportuna observação, associada a uma assertiva


que será feita adiante, de que o contrato de promessa de compra e venda é,
excepcionalmente, ao mesmo tempo uma relação contratual (obrigacional) com
efeitos de direito real:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE


SENTENÇA ARBITRAL. PEDIDO DE PENHORA DE DIREITO
REAL SOBRE IMÓVEL. CONTRATO DE COMPROMISSO
DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO EM CARTÓRIO.
DIREITO DE NATUREZA PESSOAL.
1. O compromisso de compra e venda não levado à averbação
à margem do registro imobiliário competente reveste-se de
natureza de direito pessoal, sem qualquer eficácia real.
2. Não registrado o contrato de compromisso de compra e
venda, conforme admitido pelo próprio agravante/exequente,
a avença produz eficácia apenas entre as partes, não sendo

25
DIREITOS REAIS

possível o deferimento do pedido de penhora do direito


real. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, PORÉM
DESPROVIDO. (TJ-GO - AI: 02450473120168090000, Relator:
DES. JEOVA SARDINHA DE MORAES, Data de Julgamento:
22/11/2016, 6ª CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2158
de 29/11/2016.)

Como se pode ver, é condição para este contrato ter força de direito real, ou
seja, ser oponível erga omnes, sua averbação à margem do registro imobiliário,
sob pena de ser um mero direito pessoal subjacente.

Classificação dos Direitos Reais


Os direitos reais podem ser divididos entre direito real sobre coisa própria
(“jus in re propria”), ou direito real ilimitado, que se resume na propriedade em
si – o mais importante e completo direito real – e os direitos reais sobre coisa
alheia (“jus in re aliena”), ou direitos reais limitados, que, como o próprio nome
já diz, trata-se de determinados direitos concedidos pelo proprietário, através
da característica do desmembramento (elasticidade), a terceiros para que estes
possam usá-la ou tê-la como sua, em decorrência de lei ou de contrato, conforme
determinada finalidade.

Os direitos reais sobre coisa alheia se subdividem em:

a) Direito real de fruição ou de gozo, que diz respeito ao desmembramento


em relação ao direito de gozo ou de fruição da coisa. São eles a
enfiteuse  (arts. 678 a 694, CC/2002), servidões prediais  (arts. 695 a
712), usufruto (arts. 713 a 741), uso (arts. 742 a 745), habitação (arts.
746 a 748) e rendas constituídas sobre imóveis (arts. 749 a 754).

b) Direito real de garantia, presta-se a garantir a satisfação de uma


obrigação do proprietário perante terceiro, dizendo, portanto, respeito ao
desmembramento em relação ao direito de dispor da coisa. Cumprida a
obrigação, cessa o direito real. Pode ser a hipoteca, penhor e anticrese.

c) Direito real à aquisição, que se presta a viabilizar, de forma segura,


a futura aquisição da coisa pelo terceiro. O contrato de promessa de
compra e venda, por exemplo, é o instrumento hábil a conferir direito
real à aquisição do imóvel ao promitente comprador. No entanto,
conforme cediço, a mera averbação deste contrato na matrícula do
imóvel não é suficiente para transferir a propriedade, pois, nesse caso,
há somente o direito real à aquisição do imóvel, nos termos do art.
1.417, do CC/2002.

26
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

Trata-se o contrato de promessa de compra e venda, excepcionalmente, de


uma relação contratual com efeitos de direito real.

Vale destaque o fato de que, nos termos do art. 25, da Lei no 6.766/1979:
“São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de
cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados,
confiram direito real oponível a terceiros” (vide Súmula 166, STF).

Atividade de Estudos:

1) De acordo com a finalidade, a alienação fiduciária em garantia é


um direito real de garantia ou à aquisição? Justifique.
___________________________________________________
___________________________________________________
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___________________________________________________
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___________________________________________________

Como se vê, um dos efeitos da promessa de compra e venda é permitir a


aquisição forçada por adjudicação compulsória ou ação de outorga de escritura,
com destaque para a Súmula 239 do STJ, que traz que “o direito à adjudicação
compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no
cartório de imóveis”.

Obrigações Propter Rem (Ob Rem


ou In Rem)
A obrigação propter
Porquanto se trate de uma obrigação real (e não pessoal), a obrigação rem é aquela que
recai sobre uma
propter rem – também chamada de ob rem  ou  in rem – decorre da
pessoa pelo simples
titularidade de um direito real, impondo a satisfação de determinada fato de esta ser a
prestação relativa à própria coisa. Em outras palavras, a obrigação propter proprietária titular de
rem é aquela que recai sobre uma pessoa pelo simples fato de esta ser a um direito real sobre
proprietária titular de um direito real sobre determinado bem. determinado bem.

27
DIREITOS REAIS

A terminologia, explica Sílvio de Salvo Venosa, “bem explica o conteúdo


dessa obrigação: propter, como preposição, quer dizer ‘em razão de’, ‘em vista
de’. A preposição ob significa ‘diante de’, ‘por causa de’. Trata-se, pois, de uma
obrigação relacionada com a coisa” (VENOSA, 2012, p. 38).

Isso quer dizer que a pessoa, ao adquirir determinado bem, acaba assumindo
as obrigações anteriores à sua aquisição, mas que recaíam sobre o bem,
permanecendo a ele vinculadas por se tratarem de obrigações propter rem.

Segundo o conceito de Carlos Roberto Gonçalves, “Obrigação propter rem


é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe
em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de
determinada coisa” (GONÇALVES, 2017, p. 35).

Antes de buscar assimilar o conceito através de exemplos de obrigações desta


natureza, pertinente trazer que a doutrina apresenta algumas características das
obrigações propter rem. Para Maria Helena Diniz, por exemplo, elas seriam três:

1º) vinculação a um direito real, ou seja, a determinada coisa


de que o devedor é proprietário ou possuidor;
2º) possibilidade de exoneração do devedor pelo abandono do
direito real, renunciando o direito sobre a coisa;
3º) transmissibilidade por meio de negócios jurídicos, caso em
que a obrigação recairá sobre o adquirente. P. ex.: se alguém
adquirir, por herança, uma quota de condomínio, será sobre o
novo condômino que incidirá a obrigação de contribuir para as
despesas de conservação da coisa (DINIZ, 2014, p. 29).

A obrigação, pois, segue o bem, passando do antigo proprietário (vendedor,


cedente, ou qualquer outra denominação que o valha, conforme a natureza
jurídica da transação que transfere o domínio) para o novo (comprador,
cessionário, adquirente, adjudicante, arrematante etc.) a obrigação de satisfazer
a obrigação propter rem.

É justamente a Aliás, é justamente a “ambulatoriedade” a característica


“ambulatoriedade” da obrigação propter rem que permite acompanhar a coisa
a característica da independentemente da alteração na titularidade do bem.
obrigação propter
rem que permite
acompanhar a coisa E, como visto, se o proprietário renuncia o direito sobre a coisa,
independentemente somente assim ele se exonerará da obrigação. Como exemplos de
da alteração na obrigação de natureza propter rem, Carlos Roberto Gonçalves enumera:
titularidade do bem.
Embora o Código Civil não tenha isolado e disciplinado essa
modalidade de obrigação, pode ela ser identificada em vários
dispositivos esparsos e em diversas situações, como, por
exemplo: na obrigação imposta ao condômino de concorrer

28
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

para as despesas de conservação da coisa comum (CC, art.


1.315); na do condômino, no condomínio em edificações,
de não alterar a fachada do prédio (CC, art. 1.336, III); na
obrigação que tem o dono da coisa perdida de recompensar
e indenizar o descobridor (CC, art. 1.234); na dos donos de
imóveis confinantes, de concorrerem para as despesas de
construção e conservação de tapumes divisórios (CC, art.
1.297, § 1º) ou de demarcação entre os prédios (CC, art.
1.297); na obrigação de dar caução pelo dano iminente (dano
infecto) quando o prédio vizinho estiver ameaçado de ruína
(CC, art. 1.280); na obrigação de indenizar benfeitorias (CC,
art. 1.219) etc. (GONÇALVES, 2017, p. 36).

Outros exemplos de obrigações propter rem, ou seja, que aderem ao título


de domínio, são os deveres associados às Áreas de Preservação Permanente
– APPs, independentemente de quem tenha sido o causador da degradação
ambiental (AgInt no AREsp 1031389/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 27/03/2018); os impostos
incidentes sobre o patrimônio, como o Imposto sobre a Propriedade Territorial
Rural – ITR ou o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU;
a obrigação de demarcar, averbar e restaurar a área de reserva legal do
proprietário rural (REsp 1276114/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 11/10/2016) e as despesas condominiais,
independentemente do uso e de sua titularidade (AgInt no REsp 1688721/DF,
Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
20/02/2018, DJe 26/02/2018), entre outros.

Aliás, decorre da natureza propter rem das dívidas condominiais a


responsabilidade do arrematante por dívidas condominiais anteriores à
arrematação (AgInt no REsp 1532631/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017),
e justamente por conta deste caráter que é possível, na execução por débitos
condominiais, a penhora da unidade autônoma devedora, não prevalecendo
contra o condomínio cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade em
contratos celebrados com terceiros (REsp 1499170/SP, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 13/09/2016).

Por outro lado, as obrigações de pagar por serviço de natureza essencial, tais
como água, esgoto e energia elétrica, não têm caráter propter rem, mas pessoal,
de modo que elas são responsabilidade do usuário – e não do proprietário do
imóvel – que efetivamente utiliza do serviço. (AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel.
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 2/2/
2017, DJe 15/2/2017.)

29
DIREITOS REAIS

Há aqueles, ainda, que advogam que, dentre os casos concretos em que as


obrigações propter rem se aplicam, está a obrigação do adquirente de um bem
hipotecado de saldar a dívida que a este onera se quiser liberá-lo. O Tribunal
Regional Federal da 4.ª Região já decidiu que “A hipoteca é direito real, obrigação
propter rem, acompanhando o imóvel, não sendo mais exigível do devedor
originário” (TRF EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº
2009.70.99.001079-4/PR, RELATOR: Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, j.
em 6 de junho de 2012).

Algumas Considerações
A importância de se saber a natureza de uma obrigação – se pessoal ou se
real (in casu, propter rem) – é saber definir de quem é a responsabilidade pela sua
satisfação, se a obrigação é da pessoa ou recai sobre a coisa (e, por conseguinte,
é de quem adquire a coisa).

Superado este primeiro capítulo, é essencial que tenha ficado suficientemente


claro para você:

• Que Direitos Reais, ou Direito das Coisas, é o ramo do Direito Privado


que compõe um conjunto de normas que tem por objetivo regular os
direitos (poder) atribuídos a pessoas sobre bens corpóreos, móveis ou
imóveis, e de conteúdo econômico;

• Que ao Direito Real interessam apenas as coisas materiais suscetíveis


de valor econômico;

• Que os Direitos Reais apresentam algumas importantes características,


legalidade (ou tipicidade), taxatividade, publicidade, eficácia erga omnes,
aderência (ou inerência) e sequela;

• Que pela característica da taxatividade, os direitos reais são numerus


clausus, um rol taxativo, não se admitindo a criação, por convenção
entre as partes, de um novo direito real, devendo-se escolher apenas um
daqueles tipos reais previstos no Código Civil;

• Que tipicidade significa dizer que somente a lei poderá criar direitos reais;

• Que oponibilidade erga omnes é o poder conferido ao titular do direito real (e


também a posse) de defendê-lo(a) contra todos aqueles que o(a) ameace;

30
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

• Que pela publicidade, os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou


transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no
Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos;

• Que sequela significa o poder que tem o titular do direito real de buscar,
reaver, reivindicar a coisa de quem quer que injustamente a possua ou
detenha;

• Que aderência significa dizer que o ônus real que recai sobre determinado
bem o acompanhará, incidindo sobre ele ainda que ocorra a transmissão de
sua propriedade e independentemente de quem tenha a sua posse de fato;

• Que existem outras características, como a preferência, que é a primazia


que detém o credor ou titular de direito real de garantia sobre os demais
credores, e a elasticidade, que é que é a possibilidade de o titular do
direito real de propriedade de desmembrar as faculdades que lhe
competem (uso, gozo, fruição e disposição) e atribuir algumas delas a
terceiros, mantendo para si a propriedade;

• Que enquanto o direito obrigacional é ilimitado, podendo resultar da livre


da vontade, conveniência e criatividade das partes (numerus apertus),
o direito real é limitado (numerus clausus), não permitindo a criação de
novas figuras que não aquelas previstas na lei;

• Que enquanto os direitos obrigacionais são temporários, ou transitórios,


extinguindo-se tão logo cumprido/satisfeita a obrigação, os direitos reais
são permanentes, enquanto existir a coisa;

• Que os direitos reais sobre coisa alheia se subdividem em direito real de


fruição ou de gozo, que diz respeito ao desmembramento em relação ao
direito de gozo ou de fruição da coisa, direito real de garantia, presta-se
a garantir a satisfação de uma obrigação do proprietário perante terceiro,
dizendo, portanto, respeito ao desmembramento em relação ao direito
de dispor da coisa, e direito real à aquisição, que se presta a viabilizar,
de forma segura, a futura aquisição da coisa pelo terceiro;

• Que a obrigação propter rem (ob rem ou in rem) decorre da titularidade de


um direito real, impondo a satisfação de determinada prestação relativa à
própria coisa

31
DIREITOS REAIS

Referências
ALVIM, Arruda. Confronto entre Situação de Direito Real e de Direito
Obrigacional. Prevalência da Primeira, Prévia e Legitimamente Constituída
– Salvo Lei Expressa em Contrário. Parecer publicado na Revista de Direito
Privado. V. 1, janeiro/março de 2000. São Paulo: RT, 2000, págs. 103/106.

BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1276114/MG, Rel. Ministro OG


FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 4 out. 2016, DJe 11 out. 2016.

_______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel.


Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 2 fev.
2017, DJe 15 fev. 2017.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 734162 PR 2005/0038127-0,


Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI, Data de Julgamento: 12 dez. 2006, T4
- QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 27 ago. 2007.

_______. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1031389/SP, Rel.


Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13
mar. 2018, DJe 27 mar. 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1532631/SP, Rel.


Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13
jun. 2017, DJe 23 jun. 2017.

_______. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1688721/DF, Rel.


Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20
fev. 2018, DJe 26 fev. 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1499170/SP, Rel. Ministro


HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23 ago. 2016, DJe 13 set.
2016.

_______. Tribunal de Justiça de Goiás. AI: 02450473120168090000, Relator:


DES. JEOVA SARDINHA DE MORAES, Data de Julgamento: 22 nov. 2016, 6A
CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2158 de 29 nov. 2016.

32
Capítulo 1 Introdução aos Direitos Reais

_______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. APL:


00037627520128080011, Relator: JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA
GAMA, Data de Julgamento: 16 dez. 2014, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 27 jan. 2015.

_______. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. TRF EMBARGOS DE


DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.70.99.001079-4/PR, RELATOR:
Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, j. em 6 jun. 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. I, 19. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24. v. São Paulo:
Saraiva, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil –


direitos reais. V. 5, 9. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 5: direito das coisas 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 14. edição. 3. v. São


Paulo: Saraiva, 1975.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte especial. 3. ed. Rio


de Janeiro: Borsoi, 1971.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva,
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TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria
geral dos contratos. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

33
DIREITOS REAIS

______. Direito civil: direitos reais. V. 5, 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.20.

______. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003.

WALD, Arnold. Direito civil brasileiro: Direito das Coisas. V. 3. Rio de Janeiro:
Lux, 1962.

34
C APÍTULO 2
Posse

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer as teorias sobre a posse e sua natureza jurídica.

� Compreender o princípio da função social da posse.

� Compreender o que podem ser objeto da posse.

� Saber diferenciar posse direta de indireta.

� Entender o que são composse pro indiviso e pro diviso e suas repercussões.

� Distinguir posse de boa-fé de má-fé e suas repercussões.

� Discernir posse justa de posse injusta.

� Aprender as formas de aquisição originária e derivada da posse.

� Conhecer as hipóteses de perda da posse.

� Saber os efeitos da posse.


DIREITOS REAIS

36
Capítulo 2 Posse

Contextualização
Deixado de fora do rol numerus clausus dos direitos reais, porém dentro
do Livro Direito das Coisas, a posse é um dos institutos de Direito Civil mais
controvertidos doutrinariamente, no Brasil e no exterior, e isso há vários séculos,
desde as teorias modernas que a fundam (a de Savigny e a de Ihering) até sobre
a sua natureza jurídica (se fato, se direito, um exercício ou a mistura de todos),
cuja discussão perdura até os dias atuais.

Compreender o conceito, as características e as repercussões da posse


é essencial para discernir as ações petitórias das ações possessórias, que
reclamam, cada qual, uma solução processual distinta.

Também será através da análise do tipo de posse que se reconhecerá ou


não (e, se reconhecendo, qual o tipo) o direito à usucapião; se o possuidor fará jus
aos frutos ou a retenção às benfeitorias, ou ainda se confere ao agredido a tutela
possessória que o assegure, dentre várias outras situações enfrentadas pelos
tribunais brasileiros todos os dias.

O instituto da posse, de toda a sorte, acaba sendo intrínseco às mais variadas


áreas do Direito, como o Civil, o Imobiliário, o Empresarial etc.

Daí a relevância do seu estudo e da sua compreensão, para que possamos


dominar as ferramentas para suas garantias.

Teorias e Definição da Posse


Não tem como iniciar qualquer conversa sobre o tema “posse” sem antes citar
o nome de dois grandes juristas alemães que desenvolveram as duas principais
teorias sobre o assunto, Friedrich Carl von SAVIGNY (1779-1861) e Rudolf
Von IHERING (1818-1892). Eles criaram, respetivamente, as Teorias Subjetiva e
Objetiva da posse.

37
DIREITOS REAIS

Para entendê-las e distingui-las, é importante antes conhecer os dois


elementos constitutivos da posse, o corpus e o animus. Segundo explica Maria
Helena Diniz:

São elementos constitutivos da posse: a) o corpus, exterioridade


da propriedade, que consiste no estado normal das coisas, sob
o qual desempenham a função econômica de servir e pelo
qual o homem distingue quem possui e quem não possui; e
b) o animus, que já está incluído no corpus, indicando o modo
como o proprietário age em face do bem de que é possuidor.
Com isso o corpus é o único elemento visível e suscetível
de comprovação, estando vinculado ao animus, do qual é
manifestação externa (DINIZ, 2003, p. 751-752).

Para Savigny, autor da Teoria Subjetiva, para restar caraterizada a posse


seria necessária a presença conjunta destes dois elementos, o corpus e o animus.

O primeiro elemento, o corpus, se revelaria através do poder físico sobre a


coisa, sua detenção material ou da possibilidade desta detenção.

O segundo elemento, o animus, seria a intenção – daí seu caráter subjetivo


– do possuidor de deter esta coisa ou ocupá-la como se fosse sua; seria o desejo
de ter a coisa como sua.

Para Savigny, se faltar esta vontade interior, esta intenção de proprietário


(animus domini), existirá simples detenção e não a posse da coisa.

A grande dificuldade de se aplicar a Teoria Subjetiva é justamente a de


se demonstrar, de se comprovar, a vontade de possuir para si (animus domini)
daquele que esteja no poder físico sobre a coisa, para diferenciar o possuidor do
mero detentor.

Já para a Teoria Objetiva (ou “Teoria Simplificada da Posse”), de Ihering,


a posse se caracteriza de forma objetiva, com a simples exteriorização da
propriedade (corpus). Dá-se o nome de objetiva a esta teoria justamente porque
se dispensa a demonstração desta intenção de ser dono (animus domini). Em
apertadíssima síntese: se tem a coisa consigo, tem a posse. Flávio Tartuce ensina
sobre a Teoria Objetiva:

[...] Teoria objetiva ou objetivista - Teve como principal expoente


Rudolf von Ihering, sendo certo que para a constituição da
posse basta que a pessoa disponha fisicamente da coisa,
ou que tenha a mera possibilidade de exercer esse contato.
Esta corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse
apenas um elemento, o corpus, como elemento material e
único fator visível e suscetível de comprovação. O 'corpus' é
formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa,

38
Capítulo 2 Posse

agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Para


esta teoria, dentro do conceito de 'corpus' está uma intenção,
não o 'animus' de ser proprietário, mas de explorar a coisa com
fins econômicos [...] (TARTUCE, 2012, p. 26).

A Teoria Objetiva foi a adotada pelo Código Civil de 2002, no


seu artigo 1.196 (e, antes dele, o art. 485, do CC/1916): “Art. 1.196. A Teoria Objetiva
foi a adotada pelo
Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno
Código Civil de 2002
ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).

Rudolf von Ihering é também autor de um clássico da literatura


jurídica ocidental, escrito em 1872, chamado A Luta Pelo Direito (no
original Der Kampf ums Recht).

Nesta obra, Ihering defende que a paz – seja ela social,


individual e/ou entre as nações – seria o fim último do homem, e
que a paz somente poderá ser obtida através da luta. O jurisconsulto
alemão também apresenta uma bela metáfora sobre o símbolo da
Justiça: “[...] a Justiça sustenta numa das mãos a balança e que pesa
o Direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A
espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a
impotência do Direito”.

Diante destas duas importantes teorias, podemos perceber a dificuldade


que é conceituar posse, considerando a existência dos elementos constitutivos, o
corpus e o animus.

Paradoxalmente, nosso Código Civil não traz um conceito definitivo de


posse, limitando-se a conceituar o possuidor como “todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL,
2002), no já citado artigo 1.196.

Aliás, apesar de o Código Civil não adotar a teoria de Savigny, não ignorou o
elemento animus. Tanto que o artigo 1.198 traz a figura do detentor, que é aquele
que detém o corpus, fazendo-o, contudo, “em nome [do verdadeiro possuidor] e
em cumprimento de ordens ou instruções suas” (BRASIL, 2002), ou seja, que não
detém o animus.

39
DIREITOS REAIS

Buscando um conceito para posse e permeando as duas teorias, Maria


Helena Diniz, primeiro fulcrada sobre a Teoria Subjetiva, propõe que “posse
é poder imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a
intenção de tê-lo para si e defendê-lo contra a agressão de quem quer que seja”
(DINIZ, 2011, p. 57), para, em seguida e agora assentada na Teoria de Ihering,
estabelecer que posse “[...] é a exteriorização do domínio, ou seja, a relação
exterior intencional, existente, normalmente, entre o proprietário e sua coisa”
(DINIZ, 2011, p. 57).

Silvio Rodrigues, por sua vez, define posse como: “[...] a) condição de fato da
utilização econômica da propriedade; b) o direito de possuir faz parte do conteúdo
do direito de propriedade; c) a posse é um meio de defesa da propriedade; d) a
posse é uma rota que leva à propriedade” (RODRIGUES, 2009, p. 20).

Por sinal, tanto se dissocia o corpus do animus para a definição de posse no


Direito Civil pátrio que os requisitos para a usucapião são o exercício do corpus
por alguém, de forma mansa e pacífica e durante determinado lapso temporal,
como se proprietário fosse, ou seja, desde que presente também o animus. Assim,
o mero detentor (aquele que não tenha o animus) jamais fará jus à usucapião,
como será caso do simples locatário, comodatário ou reles depositário.

Ainda sobre o elemento animus, e por falar da usucapião, Nelson Luiz Pinto
(1987, p. 101) identifica-o como:

[...] requisito psíquico é essencial, porque é o que permite o


animus rem sibi habendi, excluindo todo contato físico com a
coisa que não se faça acompanhar dele, como é o caso do
detentor, já que lhe falta vontade de ter a coisa para si. O
mesmo se diga com relação ao locatário, ao usufrutuário e ao
credor pignoratício, que possuem a coisa com base num título
que os obriga à restituição da mesma.
Embora seja importante, a nosso ver, o elemento assim
chamado psíquico, quer-nos parecer que não se constitua
efetivamente em traço característico, mas mera decorrência
da causa da posse. Portanto, com razão Orlando Gomes e
Lenine Nequetem, quando asseveram que para caracterizar-
se o animus domini não basta somente a vontade (do contrário,
admitir-se-ia, assim, para o ladrão que sabe que a coisa não
lhe pertence), sendo o elemento característico e identificador
da posse ad usucapiem, a causa possessionis, ou, o título em
virtude do qual se exerce a posse. Logo, se a posse se funda
em contrato, não há que se falar em animus rem sibi habendi,
salvo se houver, posteriormente, inversão da causa de possuir.

Por sinal, tem-se dado o nome de “posse qualificada” à soma do corpus com
o animus domini para fins de aferição dos requisitos da usucapião.

40
Capítulo 2 Posse

Para provar a relevância do assunto, dê uma olhada na questão


que caiu em concurso público. Veja se consegue respondê-la:

(Banca: FUNRIO. Instituição: INSS; Ano: 2014) A teoria da


posse, adotada pelo Código Civil Brasileiro, denomina-se:

a) Teoria subjetiva de Savigny.


b) Teoria fazendária de Caio Mário da Silva Pereira.
c) Teoria privatista.
d) Teoria objetiva de Ihering.
e) Teoria patrimonialista.

Natureza da Posse
Questão de grande controvérsia teórica é a natureza jurídica da posse: se se
trata de um fato ou de um direito, e, sendo um direito, se direito real ou pessoal.
Há, ainda, uma terceira corrente, que a concebe como sendo, concomitantemente,
um fato e um direito.

Explicando qual a relevância desta discussão – se se trata a posse de um


direito, de um fato ou de ambos –, Álvaro Borges de Oliveira e Marcos Leandro
Maciel, em artigo intitulado A natureza jurídica da posse: um estudo conforme
suas quatro dimensões, assentam que:

Uma resposta simples a estes questionamentos seria porque


a posse surte efeitos. Surtindo efeitos jurídicos, estes devem
ser regulados de acordo com a natureza jurídica da posse. Daí
a relevância e a complexidade de se caracterizar a natureza
jurídica da posse.
Ao se detectar a natureza jurídica da posse, as análises dos
efeitos se tornam mais compreensíveis, a exemplo da natureza
jurídica, advinda de um direito real e de um fato jurídico,
pois para a primeira, nem todos os efeitos são abrangidos,
porém para a segunda, todos os efeitos se tornam relevantes
(OLIVEIRA; MACIEL, 2008).

Maria Helena Diniz dá-se ao trabalho de enumerar aqueles estudiosos que


defendem cada uma das três correntes: para Windscheid, Trabucchi, Van Wetter
e Cujacius, posse é um fato; para Savigny, Lafayette, Domat, Wodon, Ribas,
Laurent e Pothier, posse é um fato e um direito; já para Ihering, Teixeira de
Freitas, Coglioto, Demolombe, Stahl, Ortolan e Putcha, posse é um direito.

41
DIREITOS REAIS

Ainda segundo a doutrinadora, por encontrar na posse todos os caracteres


do direito real, “Para a maioria de nossos civilistas [a posse] é um direito real
devido ao seu exercício direto, sua oponibilidade erga omnes e sua incidência em
objeto obrigatoriamente determinado” (DINIZ, 2011, p. 52). Por sinal, dentre as
correntes, Sacha Calmon Navarro Coêlho lembra que:

O Código Civil, independentemente de algumas disposições em


contrário, tomou partido claro ao lado de Ihering contra Savigny
na querela sobre a natureza jurídica da posse”, corroborando
a tese de tratar-se, em nosso ordenamento jurídico, a posse
como um direito, ainda que, ressalva o tributarista, “[...] em
certas passagens adote as instituições de Savigny, vê na
posse a externalização da propriedade (COELHO, 2006, p.
391) (grifo nosso).
Prevalece , na
doutrina brasileira a Prevalece, assim, na doutrina brasileira a orientação de que
orientação de que a a posse tem natureza jurídica de um direito real (ainda que não
posse tem natureza formalmente arrolada como tal, mas que acaba surtindo os mesmos
jurídica de um direito efeitos e se submetendo aos mesmos preceitos dos direitos reais
real.
estudados no capítulo anterior).

Função Social da Posse e o Direito


de Moradia
Diferentemente do que acontece com a propriedade que, ao longo da segunda
metade do século XX, deixou de ter um caráter exclusivamente individualista e
passou também a exercer uma função social – inclusive com previsão expressa
na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XXIII –, “a propriedade atenderá à
sua função social” (BRASIL, 1988) – a função social da posse é tratada apenas
de forma implícita no nosso ordenamento jurídico, sendo possível identificá-la, por
exemplo, na usucapião imobiliária que está prevista nos artigos 1.238, parágrafo
único, 1.239, 1.240 e 1242, parágrafo único, todos do Código Civil de 2002, além
do artigo 10, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).

O direito de moradia, por sua vez, foi inserido dentre os direitos fundamentais
sociais na Constituição Federal de 1988 dentro do capítulo II, incluído no caput do
artigo 6º pela EC nº 26/2002:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,


o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).

42
Capítulo 2 Posse

A questão é que não se pode ignorar que o espectro social brasileiro não
permite ser a propriedade vista apenas sob o ponto de vista econômico, alheio
aos anseios e necessidades de todo um contingente de hipossuficientes que, por
diversas razões, vivem à margem da formalidade que caracteriza a propriedade.
Seria hipocrisia (e até mesmo imoral) ignorar, por exemplo, a situação jurídica dos
imóveis localizados em favelas ou em loteamentos clandestinos, deixando seus
moradores desassistidos juridicamente.

Como bem observa Eluiz Antônio Ribeiro Mendes e Bispo, em artigo


na internet intitulado O fenômeno possessório à luz dos princípios e direitos
fundamentais: breves anotações sobre a função social da posse:

[...] ambas as teorias [a de Savigny e a de Ihering] foram


cunhadas sob a égide do ideário liberal e individualista, no qual
o fundamental era o acúmulo de riquezas sob a lógica do ter
em prejuízo do ser. Com efeito, elas não são mais capazes de
explicar o fenômeno possessório à luz do paradigma do Estado
Democrático de Direito, além de que estão completamente
separadas da realidade do Brasil, como nação de escassos
recursos e enormes conflitos fundiários.
A densidade dos princípios e direitos fundamentais na vida
privada do homem passou a direcioná-lo, enquanto parte de
um todo, na busca incessante pela solidariedade e pelo bem
comum. Ou seja, fazendo-se passar as relações privadas pelo
filtro constitucional, é de se concluir que todo e qualquer direito
subjetivo haverá de ser reconstruído sob o molde da função
social. E, em sendo a posse um direito subjetivo, como fato
social de enorme repercussão para a edificação da cidadania e
das necessidades básicas do ser humano, haverá de atender
à sua função social, tal qual o fazem a propriedade, a família,
os contratos etc. (BISPO, 2008, s.p.).

Isso significa dizer que a posse, assim como a propriedade, atualmente


afasta a patrimonialidade do instituto para avançar em direção à função social,
tendo por objetivo dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Como sintetizam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

[...] a função social da posse é uma abordagem diferenciada da


função social da propriedade, na qual não apenas se sanciona
a conduta ilegítima de um proprietário que não é solidário
perante a coletividade, mas se estimula o direito à moradia
como direito fundamental de índole existencial, à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana” (...) “pois o acesso à
posse é um instrumento de redução de desigualdades sociais
e justiça distributiva (ROSENVALD, 2007, p. 49).

43
DIREITOS REAIS

O desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo acrescenta:

A densidade axiológica da posse, mormente em uma


sociedade que oscila entre a pobreza e a miséria e que adota
como modelo tradicional para a aquisição de bens a compra
e venda e o direito hereditário, a posse deve ser respeitada
pelos operadores do direito como uma situação jurídica
eficaz a permitir o acesso à utilização dos bens de raiz, fato
visceralmente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1.º, II,
CRFB) e ao direito constitucionalmente assegurado à moradia
(art.  6.º  da CRFB). Importa, por assim dizer, que ao lado do
direito de propriedade, se reconheça a importância social e
econômica do instituto (MELO, 2010, p. 23).

Nossos tribunais já vêm fazendo eco à teoria da função social da posse


para fins de dar efetividade ao direito de moradia constitucionalmente previsto,
reexaminando o conceito de propriedade e de sua função social, para fins de
avaliar qual a “melhor posse”, ou seja, aquela que melhor atende à função social
do objeto de litígio.

No julgamento da Apelação Cível n.º 7976392009, do Tribunal de Justiça da


Bahia, por exemplo, a Relatora Maria do Socorro Barreto Santiago destacou que

[...] mesmo reconhecendo que o direito do proprietário


antecede a questão da posse, não há necessariamente uma
hierarquia do que privilegie esse ou aquele. A melhor posse,
então, deverá ser reconhecida preferencialmente com assento
na função social do bem litigioso, característica que hoje não
se exige apenas do exercício do domínio, mas também da
posse (BRASIL, 2009).

E não se trata de uma decisão isolada. Em ação de reintegração de posse,


em que perscrutou sobre qual seria a melhor posse no caso em apreço, o
Desembargador Alfeu Machado destacou que o direito à moradia é um sucedâneo
da função social da posse:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL.


REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DO
ART.  927 DO CPC. NÃO PREENCHIDOS. CONDIÇÃO
DE POSSUIDOR. NÃO COMPROVADA. ESBULHO. NÃO
COMPROVADO. ART. 333,  I, DO CPC. FUNÇÃO SOCIAL
DA POSSE. MELHOR POSSE. PROVA ORAL. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. [...]
Diante da nova visão constitucional da posse, a função social
da propriedade é extensiva à posse, na qual se prestigia
o direito à moradia como direito fundamental de índole
existencial, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana
(BRASIL, 2014).

44
Capítulo 2 Posse

A função social da posse, por certo, não é absoluta. Deverá o julgador, no


caso concreto, sopesar os valores envolvidos:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE


POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL -
PAR. LEGITIMIDADE DA CEF. CONSTITUCIONALIDADE DO
ART.  9º  DA LEI Nº  10.188/2001. ESBULHO POSSESSÓRIO
CONFIGURADO. 1 - O art. 9º  da Lei nº  10.188/2001 afasta
a discussão sobre a possibilidade de defesa da posse
com base em alegação de domínio ao permitir o manejo
de ação de reintegração na posse pelo arrendador (CEF)
nas hipóteses de inadimplemento no arrendamento. 2 - O
Programa de Arrendamento Residencial - PAR, instituído
pela Medida Provisória nº  1.823/99 e edições posteriores,
convertida, finalmente, na Lei nº  10.188/2001, tem por
escopo promover o acesso da população de baixa renda à
moradia. A continuidade do referido programa depende
da observância das cláusulas contratuais e do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, não sendo possível
invocar, como justificativa para o descumprimento do
pactuado, a função social da posse, o direito à moradia,
a dignidade da pessoa humana e a condição financeira do
ocupante do imóvel. O art. 9º da Lei nº 10.188/01 não viola
preceitos constitucionais, mas sim, ao contrário, busca conferir-
lhes efetividade. 3 - Consoante o art. 9º da Lei no 10.188/2001,
na hipótese de inadimplemento no arrendamento, findo o prazo
da notificação ou interpelação, sem pagamento dos encargos
em atraso, fica configurado o esbulho possessório, que autoriza
o arrendador a propor a competente ação de reintegração de
posse. 4 - Apelo desprovido (BRASIL, 2014).

Neste caso, como se viu, a função social da posse não pode servir de
justificativa para relevar o descumprimento contratual por parte do comprador
inadimplente, vez que o sucesso ou o fracasso de programas de habitação ou
de moradia popular depende da segurança jurídica, observância das cláusulas
contratuais e do equilíbrio econômico-financeiro de todos os participantes.

Objeto da Posse
Conforme já visto, o art. 1.196, CC, estabelece que “Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).

Logo, seriam suscetíveis de posse as coisas passíveis de propriedade, assim


como os direitos desmembráveis da propriedade.

45
DIREITOS REAIS

Quanto às coisas corpóreas, não há dúvidas de elas serem objeto de posse,


salvo, é claro, as que estão fora do comércio (como o ar, as águas do oceano etc.).

Há, no entanto, grande controvérsia entre os doutrinadores sobre a


possibilidade de coisas incorpóreas serem ou não serem objeto de posse.

Para Maria Helena Diniz (2009, p. 44), por exemplo, todas as coisas
passíveis de propriedade, mesmo as incorpóreas, podem ser objeto de posse,
“pois na nossa legislação civil não está a posse limitada aos bens corpóreos”.
Ainda segundo a autora, são objeto da posse:

[além das coisas corpóreas] b) Coisas acessórias se puderem


ser destacadas da principal sem alteração de sua substância.
c) Coisas coletivas.
d) Direitos reais de fruição: uso, usufruto, habitação e servidão
(há dúvida quanto à enfiteuse).
e) Direitos reais de garantia: penhor, anticrese, excluída a
hipoteca;
f) Direitos pessoais patrimoniais ou de crédito [como os do
locatário, comodatário etc.] (DINIZ, 2009, p. 49).

Quanto à possibilidade da posse de bens incorpóreos, com ela concorda Silvio


Salvo Venosa, que conclui que “também se protege a posse de bens imateriais
quando suscetíveis de uso e apropriação, como ocorre com a marca comercial e os
símbolos que a acompanham” (VENOSA, 2003, p. 60). Em sentido contrário, Fábio
Ulhoa Coelho entende que apenas os bens corpóreos são objeto de posse.

Só bens corpóreos podem ser objeto de posse; os incorpóreos,


não. Os bens intelectuais, como a patente de invenção, o
registro de marca ou a obra literária, são objetos do direito
de propriedade titulado pelo inventor, empresário ou autor,
respectivamente. Mas não cabe falar em posse nesses casos,
em razão da imaterialidade do bem em referência. Considera-
se que podem ser possuídos unicamente os bens suscetíveis
de apreensão material (COELHO, 2012, p. 25).

O Tribunal de Justiça de São Paulo – não sem antes consignar da


possibilidade do exercício de posse apenas sobre coisas, mas não
sobre (quaisquer) bens – decidiu, fazendo menção à Súmula STJ n. 228 (“É
inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”), que o título
de estabelecimento não é objeto da posse:

TÍTULO DE ESTABELECIMENTO "Cantina Gaivota"


Despejo do autor, empresário individual, do imóvel comercial.
Superveniente abertura de restaurante pela locadora-
ré no mesmo ponto comercial e com o mesmo título de
estabelecimento. Defesa pautada na precedente posse do
título de estabelecimento. Improcedência. Bem não passível
de posse. Exercício de posse exclusivamente sobre coisas,

46
Capítulo 2 Posse

(objeto material valorável) excluindo-se desse conceito o título


de estabelecimento (bem incorpóreo, de natureza abstrata),
interpretação dos arts. 1.196 e ss. do Código Civil e orientação
da Súmula n. 228 do STJ. Inibitória procedente. Apelação
improvida.
[...]
Tal como o nome empresarial, o título de estabelecimento é bem
incorpóreo, de natureza abstrata, e, por isso, não conta com
tutela possessória. Inadmitindo apreensão material (posse),
não é suscetível de aquisição pela usucapião (BRASIL, 2014).

Vale um breve parêntese para ver a distinção entre bem e coisa lançada no
corpo deste julgado, ao parafrasearem Orlando Gomes:

[...] coisa é espécie do gênero ‘bem’, e bem engloba a


possibilidade de constituição de direitos sem expressão
econômica, enquanto coisa refere-se às utilidades patrimoniais,
sendo sempre corpórea (BRASIL, 2014).

Em outras palavras, todas as coisas são bens com utilidades patrimoniais;


já bens sem utilidades patrimoniais não são considerados coisas e, portanto, não
podem ser objeto da posse.

Desdobramento da Posse
Em regra, o proprietário do bem detém a posse, reunindo em si as duas
modalidades de posse – a direta e a indireta –, admitindo a lei que ele transfira
parte dela a outrem mediante um fenômeno chamado desdobramento da posse.

O fenômeno do desdobramento da posse ocorre quando, por uma relação


jurídica (contrato de locação, depósito, comodato etc.), o proprietário transfere a
terceiro o poder de fato sobre a coisa, surgindo assim as figuras do “possuidor
direto” (terceiro) e do “possuidor indireto” (proprietário).

O possuidor direto será quem tem o poder físico, corpóreo, imediato sobre a coisa.

Já o possuidor indireto é quem cede o uso do bem, devendo respeitar a


posse do direto enquanto perdura a relação jurídica que ensejou a cessão. Como
explica Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 20):

A relação possessória, no caso, desdobra-se. O proprietário


exerce a posse indireta, como consequência de seu domínio.
O locatário, por exemplo, exerce a posse direta por concessão
do locador. Uma não anula a outra. Ambas coexistem no tempo
e no espaço e são posses jurídicas (jus possidendi), não
autônomas, pois implicam o exercício de efetivo direito sobre
a coisa.

47
DIREITOS REAIS

Num contrato de locação, por exemplo, o senhorio será o possuidor indireto, ao


passo que o inquilino será o direto. O mesmo acontecendo no contrato de depósito,
sendo o depositante e depositário os possuidores indireto e direto, respectivamente.
O artigo 1.197, do Código Civil, prevê o desdobramento da posse:

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu


poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou
real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo
o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto
(BRASIL, 2002).

Como o próprio texto de lei destaca, trata-se de um fenômeno provisório,


temporário, o que significa dizer que finda a relação jurídica que ensejou o
desmembramento, o possuidor direto devolverá ao indireto a posse da coisa.

Outra observação pertinente, também extraída do texto de lei, é a possibilidade


de o possuidor direto valer-se da tutela possessória contra o próprio possuidor
indireto. Por exemplo, acaso sofra esbulho ou turbação do locador, o locatário
poderá aforar ação de reintegração ou manutenção de posse contra aquele.

Composse
O Código Civil admite, ainda, o fenômeno da composse, que é quando há
exercício atinente aos atos possessórios por dois ou mais possuidores, sem
prejuízo dos demais compossuidores. No Código Civil de 2002, a composse é
regida pelo artigo 1.199:

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa,


poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios,
contando que não excluam os dos outros compossuidores
(BRASIL, 2002).

Dentre as modalidades de composse existentes, podemos destacar as (a)


composse simples (ou pro indiviso), que é quando não se está determinado
qual a parcela que compete a cada pessoa que possua o bem, tendo cada uma
parte ideal; (b) composse pro diviso, quando, embora não exista uma divisão
de direito, é possível verificar uma repartição de fato sobre o imóvel, uma vez
que os compossuidores exercem a posse sobre fração determinada do todo.

Existiria, ainda, uma terceira modalidade, chamada composse de mão


comum, existente no direito alemão (Gesammthand), que se dá em face da
situação hereditária, mas que no Brasil se equivale à situação de condomínio
prevista no parágrafo único do artigo 1.791, CC (“Até a partilha, o direito dos co-
herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-
se-á pelas normas relativas ao condomínio”) (BRASIL, 2002).
48
Capítulo 2 Posse

Merece destaque o poder de cada compossuidor para defender a coisa em


sua integralidade e individualmente, dado o caráter pro indiviso do bem. 

Da mesma forma, o ato proibitório do exercício de posse, emanado de um


compossuidor, em relação ao outro, caracteriza esbulho, remediável pela tutela
possessória:

Perante terceiros (relações externas), os compossuidores


procedem como se fossem um único sujeito. Cada um pode
defender a posse do todo, ainda que individualmente. Entre
si (relações internas), a cada um é assegurada a utilização
da coisa, contanto que não exclua o direito dos demais. Disto
discorre que cada um dos compossuidores tem legitimidade
para ajuizar ação possessória contra atos ilícitos de terceiros,
assim como contra os demais compossuidores (PELUZO,
2012, s.p.).

Por derradeiro, vale destacar que sendo vários os possuidores de uma só


gleba de terra, sem posse localizada individualmente (composse pro indiviso),
só em conjunto poderão os compossuidores exercer a pretensão de usucapir
o imóvel. Ou seja, a aquisição dominial deve beneficiar a todos e não pode um
só deles, individualmente, promover a ação de usucapião, salvo, é claro, ser
hipótese de composse pro diviso.

Detenção
Nos termos do art. 1.198, do Código Civil,

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em


relação de dependência para com outro, conserva a posse em
nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do
modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à
outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário
(BRASIL, 2002).

Para o conceito de detenção, faz-se mister lembrar o animus domini destacado


na Teoria Subjetiva de Savigny, ou seja, se a pessoa que detém o corpus está
nesta condição com animus domini, ou seja, como se dono fosse, ou se apenas
conservando a posse em nome de outrem (via de regra, o proprietário e/
O instituto da
ou possuidor) e em cumprimento de ordens ou instruções suas. detenção, é pautado
na subordinação
O instituto da detenção, portanto, é pautado na subordinação e dependência
e dependência do detentor ao verdadeiro proprietário ou possuidor, do detentor
como um longa manus seu, e está sujeito à cessação dos seus efeitos ao verdadeiro
proprietário ou
mediante a vontade do subordinante.
possuidor

49
DIREITOS REAIS

Exemplos de meros detentores são os chacreiros ou caseiros, subordinados


aos verdadeiros proprietários. Como destaca Luciano de Camargo Penteado
(2012, p. 584):

A posse não se confunde com a detenção e a tença. A posse


consiste no exercício em nome próprio de um poder do
domínio; a detenção consiste numa de suas modalidades, no
exercício em nome alheio. Por conta disso, nestas situações,
o detentor é também denominado de serventuário de posse,
sendo sua situação jurídica marcada por esta dependência em
relação ao possuidor efetivo. O detentor pode, ainda que em
nome alheio, defender a posse contra ameaças ou agressões,
mas não tem em seu favor as ações interditais. A detenção
distingue-se da posse direta porque nesta o poder é próprio
e naquela o poder é alheio. (...) O detentor, em nome alheio,
pode exercer o desforço imediato ou a legítima defesa de
posse alheia, nos limites de sua relação de subordinação, mas
não tem ação possessória ou qualquer outro efeito da posse,
por não ser possuidor.

Ou seja, o detentor não passa de um mero gestor da posse.

E, diferentemente do que acontece com o possuidor direto, não lhe assiste o


direito de invocar, em nome próprio, as ações possessórias.

Vale o destaque que, em se tratando de bens públicos, porquanto não


é possível a exteriorização de nenhum dos atributos da propriedade ante a
impossibilidade de se transmudar em domínio por serem insuscetíveis de serem
usucapidos, a ocupação sempre será considerada simples detenção, e jamais ato
de posse (BRASIL, 2015).

Classificação da Posse
Dentre as várias propostas de classificação da posse apresentadas pelos
doutrinadores, optamos, pela reconhecida didática, por aquela proposta por Maria
Helena Diniz (2011, p. 63): (a) quanto à extensão da garantia possessória (direta
ou indireta); (b) quanto à simultaneidade do exercício da posse (pro diviso ou pro
indiviso); (c) quanto aos vícios objetivos (posse justa ou injusta; e, neste último
caso, violenta, clandestina ou precária); (d) quanto à subjetividade (de boa-fé ou
de má-fé); (e) quanto aos seus efeitos ad interdicta ou ad usucapionem; (f) quanto
à sua idade (velha ou nova); e (g) quanto à atividade laborativa (produtiva ou
improdutiva).

50
Capítulo 2 Posse

a) Quanto à extensão da garantia possessória

Como visto, quando tratamos de desdobramento da posse, a posse poderá


ser direta ou indireta:

• Posse direta – é quem tem o poder físico, corpóreo, imediato sobre a


coisa. É a posse do comodatário, do locatário, do depositário.

• Posse indireta – é aquela que o proprietário conserva quando se desfaz,


temporariamente, de um dos direitos elementares do domínio, cedendo o
uso do bem a terceiro a si juridicamente vinculado.

b) Quanto à simultaneidade do exercício da posse

Também como já estudado, a posse pode ser simultaneamente exercida por


duas ou mais pessoas, naquilo que se denomina composse:

• pro indiviso, que é quando, na composse, não se está determinado qual


a parcela que compete a cada pessoa que possua o bem, tendo cada
uma parte ideal; e

• pro diviso, quando, embora não exista uma divisão de direito, é


possível verificar uma repartição de fato sobre o imóvel, uma vez que os
compossuidores exercem a posse sobre fração determinada do todo.

c) Quanto aos vícios objetivos

Pela própria redação do art. 1.200, do CC/2002, já é possível estabelecer


a diferença dos tipos de posse pelos critérios objetivos: posse justa ou posse
injust; Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária
(BRASIL, 2002).

Como bem destaca Silvio Salvo Venosa, "a justiça ou a injustiça [da posse]
é conceito de exame objetivo. Não se confunde com a posse de boa-fé ou de
má-fé, que exigem exame subjetivo" (VENOSA, 2003, p. 70).

Ou seja, objetivamente analisando o caso concreto, é possível distinguir


uma posse injusta (em que há violência, clandestinidade ou precariedade) da
posse justa, em que não houve quaisquer desses vícios.

51
DIREITOS REAIS

Sobre a relevância prática de se diferenciar uma posse justa de uma injusta,


Humberto Theodoro Júnior explica que:

[...] a diferenciação entre posse justa e injusta interessa


diretamente à tutela interdital, ou seja, ao direito ou não de
valer-se o possuidor da proteção dos interditos possessórios.
Disso decorre que a posse viciada ou injusta: a) não conduz,
ordinariamente, à usucapião; b) não autoriza proteção interdita;
e c) pode ser elidida, quando invocada em defesa manifestada
em ação reivindicatória (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 113).

Isso significa dizer que, na prática, a posse injusta não gera direito,
ordinariamente, à usucapião; que o possuidor injusto não pode se valer de
ação possessória para defender atentados à posse injusta e que réu em ação
reivindicatória (que tenha por causa de pedir o domínio do imóvel do autor) não
pode arguir a posse injusta como matéria de defesa.

Será, pois, violenta a posse obtida mediante força física ou grave ameaça.

Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2009, p. 57) exemplificam como


violenta a posse feita por ”Integrantes de um movimento popular [que] invadem
violentamente, removendo e destruindo obstáculos, uma propriedade rural que
está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo sua função social”.

Sobre clandestinidade, Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 22) explica que:

Clandestina é a posse que se adquire por via de um processo


de ocultamento (clam), em relação àquele contra quem é
praticado o apossamento. Contrapõe-se-lhe a que é tomada
e exercida pública e abertamente. A clandestinidade é defeito
relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em recuperar a
coisa possuída clam, não obstante ostentar-se às escâncaras
em relação aos demais.

A expressão “clam”, mencionada por Caio Mário, é a raiz latina que significa
“em segredo”, “de forma oculta”. Portanto, clandestina será a posse obtida às
escondidas, de forma oculta, sem que ninguém tenha conhecimento.

Imagine uma hipótese em que um determinado imóvel foi objeto de contrato


de financiamento habitacional e, após a caracterização da inadimplência do
mutuário e a execução extrajudicial da dívida, o bem foi adjudicado à Caixa
Econômica Federal. Ao tentar imitir-se na posse, porém, a CEF deparou-se com
um terceiro ocupando o imóvel, que não é o mutuário original, e que alega, em
sua defesa, a configuração dos requisitos para a usucapião. Nesta situação,

52
Capítulo 2 Posse

É clandestina a posse exercida por estranhos sobre imóvel


hipotecado à CEF, às escondidas de tal credora, quando ela
litigava contra os mutuários para excutir a garantia, e que
gerou, em favor da instituição financeira, a adjudicação do
bem. A ocupação assim exercida não induz posse (art. 1208
do CC), e muito menos demonstra a posse ad usucapionem
(BRASIL, 2011).

Por fim, quanto à precariedade, é quando o possuidor direto se compromete


a devolver a coisa após determinado tempo e, abusando da confiança do
possuidor indireto, deixa de fazê-lo.

Sobre a precariedade da posse, o desembargador do Tribunal de Justiça de


São Paulo Benedito Silvério Ribeiro observa que:

Como vista no referente à posse precária, inexiste o ânimo,


porque a precariedade nunca cessa e jamais produzirá efeitos
jurídicos àquele que a mantém em nome de terceiro detentio
alieno nomine -, como no caso do locatário, do depositário, do
comodatário, do agregado, do abegão, do arrendatário, etc. O
conhecimento do domínio faz com que a posse seja exercida
sem animus domini. Enfim, não tem posse ad usucapionem,
por faltar o animus domini, aquelas pessoas jungidas por um
contrato e ainda quando tenham ciência do exercício da posse
para terceiro (RIBEIRO, 1992, p. 639-640).

Como bem destacado pelo doutrinador, a posse precária jamais se


convalesce em posse justa, nem pelo decurso do tempo, afinal, nos termos do
artigo 1.208, do CC/200, “não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância” (BRASIL, 2002).

É, por exemplo, precária a posse exercida através de permissão de uso e


não restituída após solicitada pelo legítimo proprietário.

d) Quanto à subjetividade

Quanto ao critério subjetividade, a posse poderá ser de boa-fé ou de má-fé:

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício,


ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a
presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a
lei expressamente não admite esta presunção (BRASIL, 2002).

Será de boa-fé quando o possuidor ou ignora os vícios e obstáculos que lhe


impedem a aquisição da coisa ou quando tem um justo título que fundamenta a
sua posse (contrato de promessa de compra e venda, por exemplo).

53
DIREITOS REAIS

Por outro lado, como explica Sílvio de Salvo Venosa, a boa-fé cessa "no
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora
que possui indevidamente" VENOSA, 2003, p. 74-75).

Porquanto violenta, clandestina ou precária, sugere-se que a posse injusta


seja de má-fé, afinal, é conhecedor dos vícios que contaminam sua posse, de
modo que, a teor do art. 1.216, CC/2002, "O possuidor de má-fé responde por
todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou
de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé" (BRASIL, 2002),
e do art. 1.216, da mesma lei, "O possuidor de má-fé responde pela perda, ou
deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se
teriam dado, estando ela na posse do reivindicante" (BRASIL, 2002).

Isso significa que, além de sujeitar-se a uma condenação ao pagamento, por


exemplo, ao proprietário do valor de 1% (um por cento) sobre o valor do imóvel a
cada mês de ocupação (a título de “taxa de fruição”, como se verifica em alguns
julgados), poderá ter que pagar o débito do IPTU referente ao período em que
ocupou o imóvel.

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pesquisa jurisprudencial e responda: no caso de


rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, em que
hipóteses é devida a “taxa de fruição pela ocupação do imóvel”?
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

De toda a forma, mesmo que de má-fé, ao possuidor serão ressarcidas


somente as benfeitorias necessárias (art. 1.220, CC/2002), isto é, aquelas que
têm por finalidade conservar o bem ou evitar que se deteriore, mas não o serão
as úteis nem as voluptuárias. E quando duas pessoas, aparentemente de boa-fé,
apresentam justo título?

54
Capítulo 2 Posse

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE.


MESMO IMÓVEL. VENDA PARA DOIS COMPRADORES.
JUSTOS TÍTULOS E BOA-FÉ. MELHOR TÍTULO.
EXERCÍCIO DA POSSE DE FATO. SUCUMBÊNCIA.
SENTENÇA REFORMADA. [...] Quando o mesmo imóvel é
negociado para dois compradores, e estes desconhecem o
vício ou obstáculo que impede a propriedade sobre o bem, há
que se decidir a questão possessória pela preponderância dos
requisitos legais. In casu, um dos títulos ostenta maior rigor
formal, uma vez que contém a assinatura autenticada dos
negociantes e de duas testemunhas e a melhor posse restou
caracterizada pelo exercício de fato desta, sobrepondo-se à
posse meramente jurídica (BRASIL, 2015).

A resposta, como visto, será daquele que, aos olhos do julgador apresentar
“melhor título”.

e) Quanto à idade da posse

Quanto ao aspecto temporal da posse, ela pode ser posse nova ou posse
velha, conforme tenha seu início ocorrido há menos de ano e dia ou há mais de
um ano e um dia, respectivamente.

É importante a ressalva feita por Carlos Roberto Gonçalves para que não se
confunda “posse nova” com “força nova” ou “posse velha” com “força velha”, ou
seja, há quanto tempo existe o atentado à posse, vez que se saber se se trata
de força nova ou velha tem relevância prática quando do ajuizamento da ação
possessória – se nova, correrá pelo rito especial; se velha, pelo rito comum:

Não se deve confundir posse nova com ação de força nova,


nem posse velha com ação de força velha. Classifica-se a
posse em nova ou velha quanto à sua idade. Todavia, para
saber se a ação é de força nova ou velha, leva-se em conta o
tempo decorrido desde a ocorrência da turbação ou do esbulho
(GONÇALVES, 2006, p. 62).

f) Quanto aos efeitos

Em relação aos possíveis efeitos ad interdicta ou ad usucapionem,


Benedito Silvério Ribeiro (apud Renato Lopes de Paiva Relator, relator nos autos

55
DIREITOS REAIS

do AI n.º 8938005 PR, do Tribunal de Justiça do Paraná) distingue-os:

O jus possidendi consiste no direito de posse


apoiado no domínio, enquanto o jus possessionis
significa o direito fundado no próprio fato da posse. 
A proteção interdital abarca muitas vezes a posse injusta. 
A posse para interditos (possessio ad interdicta), que
é defendida pelas ações possessórias (manutentórias,
reintegratórias e interditos proibitórios), implica tempo menor
de duração (posse nova, de até ano e dia, e posse velha, de
mais de ano e dia). A proteção da posse ad interdicta está
prevista no art. 1210 do novo Código Civil. 
De outro lado, para que caracterize a prescrição aquisitiva, ou
simplesmente usucapião, torna-se necessária a convergência
de vários requisitos (res habilis, titulus, fides, tempus e
possessio) (BRASIL, 2012).

Como se vê, a posse ad interdicta é a posse que pode ser defendida através
dos interditos possessórios (ação de reintegração de posse, manutenção de
posse e interditos proibitórios), ações previstas nos artigos 554/568, do Código
de Processo Civil, sob o fundamento de direito material previsto no artigo no
1.210, do Código Civil: “Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse
em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser molestado” (BRASIL, 2002).

Digno de nota que, diferente da posição defendida por Ribeiro (“A proteção
interdital abarca muitas vezes a posse injusta...”), há julgados no sentido de que
a posse violenta, clandestina ou precária, por se revelar de má-fé e injusta, não
autoriza a tutela ad interdicta (BRASIL, 2004).

Já a posse ad usucapionem tem por efeito, obedecidos os requisitos legais,


dar origem ao direito à usucapião.

Aquisição da Posse
De início, oportuno destacar que, diferentemente da propriedade de bem
imóvel, a rigor lei não exige título formal translativo da posse, de modo que a sua
aquisição, quanto à forma, é livre, exigindo-se, apenas, que ela não seja viciada
por violência, clandestinidade ou precariedade. (BRASIL, 2000).

De toda a forma, nossos doutrinadores costumam classificar as formas de


aquisição de posse em originária e derivada.

56
Capítulo 2 Posse

Arnaldo Rizzardo (2003, p. 59) esclarece que a aquisição originária da posse


se realiza pelo exercício de um poder de fato sobre uma coisa, ao passo que a
derivada pressupõe a translatividade, ou seja, deverá haver um transmitente que
perderá a posse, e um adquirente que, em consequência, a adquirirá.

Assim, enquanto no modo originário não existe o consentimento de possuidor


precedente, no derivado a posse será transferida mediante a alienação da coisa.

A aquisição de posse está, precipuamente, prevista nos artigos 1.204 e


1.205 do Código Civil. Verbis:

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se


torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:


I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do


possuidor com os mesmos caracteres (BRASIL, 2002).

A modalidade de aquisição original é o exercício da posse, a apropriação


unilateral, de uma pessoa sobre uma coisa abandonada ou sem dono.

Já a aquisição derivada pode se dar de três formas: pela tradição, pelo


constituto possessório ou pela acessão. O doutrinador Silvio Rodrigues (2009,
s.p.) explica o que é tradição:

A tradição é a entrega da coisa do alienante ao alienatário,


com ânimo de lhe transferir o domínio. Trata-se de maneira de
aquisição da propriedade móvel, que complementa o contrato.
Já, por mais de uma vez, acentuei que entre nós o contrato
não basta para transferir o domínio, sendo necessário que o
ato de vontade, externado no contrato, se complete com outra
solenidade. Tal solenidade complementar é a tradição, se se
tratar de bem móvel, ou a transcrição no Registro Imobiliário,
se de bem imóvel. [...]
Como o contrato gera apenas um direito pessoal entre as
partes - o que ocorre, por exemplo, na compra e venda –, a
tradição tem o condão de transformar o direito do alienatário
de pessoal em real. Pois, através dela, o adquirente se torna
proprietário.

A tradição, pois, nada mais é do que a transferência da posse de um


possuidor para outro possuidor.

57
DIREITOS REAIS

Existem três espécies de tradição: a efetiva (ou material), simbólica (ou


ficta) e a consensual.

A efetiva é quando a coisa é materialmente transferida de um para o outro,


aperfeiçoando-se com a posse da coisa em si.

Será simbólica quando não é real, ou seja, quando a coisa não passa
material e imediatamente das mãos de alguém para de outrem, mas se dá
mediante um ato, um gesto ou um documento. A entrega das chaves de um
apartamento, por exemplo.

**A tradição consensual decorre da vontade e se divide em traditio brevi


manu e traditio longa manu. Na traditio brevi manu, alguém que já possuía
a coisa em nome alheio passa a possui-la como próprio. Exemplo é credor
pignoratício que detém a posse do bem empenhado, e o toma para si como forma
de pagamento. Já a traditio longa manu é quando a coisa é posta à disposição do
adquirente, mas impossível de ser entregue manualmente, sem que o adquirente
“ponha a mão” na coisa, por conta de sua grandeza, por exemplo, como uma
grande máquina ou uma fazenda.

Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 39) bem explica essas três espécies
de tradição:

Afora a tradição real, no pressuposto da transposição ou


remoção da coisa, e sua passagem de mão a mão – de manu
in manum translatio possessionis – conhece o direito a tradição
simbólica, a tradicio longa manu, e ainda a traditio brevi manu.
Basta ao possuidor de uma casa fazer a entrega de suas
chaves a outrem para que se considere transmitida a posse do
próprio imóvel (tradição simbólica).
Não é necessário, igualmente, e às vezes nem é possível
mesmo, que o adquirente ponha a mão na própria coisa, como
uma fazenda de grande extensão, que não pode percorrer
inteira, para considerar-se imitido na sua posse. Contentava-se
o direito romano com a sua exibição – in conspectu posita – e
também o direito moderno satisfaz-se em que seja colocada
à disposição do accipiens. Se ninguém a detém, efetua-se a
tradição de longa mão – traditio longa manu.

Importante consignar que, nos termos dos artigos 1.226, CC (“Art. 1.226.
Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos
por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição” [BRASIL, 2002]) e 1267
(“Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios
jurídicos antes da tradição.” [BRASIL, 2002]) do Código Civil, a transmissão da

58
Capítulo 2 Posse

propriedade de bens móveis se dá pela forma derivada, pela tradição, que pode


ser real,  simbólica  ou  ficta. Todavia, há exceções na lei em que a aquisição do
domínio dos móveis depende de registro especial, como no caso da aquisição dos
veículos automotores e barcos.

A segunda modalidade de aquisição derivada é o constituto possessório


– havendo quem a interprete como uma das modalidades de tradição ficta – cujo
conceito, segundo Washington de Barros Monteiro (1999, s.p.), é:

[...] o ato pelo qual aquele que possuía em seu nome passa
a possuir em nome de outrem. Por exemplo, o proprietário
aliena sua casa, mas nela permanece como representante do
adquirente. Pelo constituto possessório, a posse desdobra-
se em duas faces: o possuidor antigo, que tinha posse plena
e unificada, se converte em possuidor direto, enquanto o
novo proprietário se investe na posse indireta, em virtude da
convenção.

É quando o proprietário aliena a coisa, porém permanece na posse (direta)


da coisa, enquanto o adquirente assume a sua posse indireta.

A chamada “cláusula constituti” não se presume, devendo as partes deixá-la


expressa no instrumento. Está prevista no art. 1.267, parágrafo único, do CC/2002:

Art. 1267. A propriedade das coisas não se transfere pelos


negócios jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o
transmitente continua a possuir pelo constituto possessório;
quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa,
que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente
já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.
(BRASIL, 2002)

Por fim, existe a acessão, que é modalidade de aquisição derivada da posse


pela sua continuidade, somando-se o tempo do atual possuidor com o dos seus
antecessores. A acessão abrange a sucessão e a união:

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse


do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua
posse à do antecessor, para os efeitos legais (BRASIL, 2002).

Será acessão por sucessão quando a transmissão da posse se der a título


universal, característica da sucessão causa mortis. É o herdeiro que continua a
posse exercida pelo de cujus.

Será acessão por união quando a transmissão se der a título de sucessão


singular, como em caso de doação, compra e venda, legado etc.

59
DIREITOS REAIS

Aliás, através da soma das posses é possível reivindicar a propriedade pela


usucapião.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2007, p. 88-89) vão além, propondo


uma distinção dos modos de aquisição da posse, entre natural e civil, esta última
decorrente de um contrato válido:

Certamente, haverá uma distinção entre as aquisições das


posses civil e natural. A posse natural surge ex novo, em razão
do apossamento, caracterizado como a tomada de controle
material da coisa por parte de uma pessoa, que de forma
pública e reiterada pratica atos materiais que demonstram a
sujeição do bem ao titular [...].
A posse civil ou jurídica, é aquela que se transmite ou se
adquire pelo título. A obtenção da posse civil é condicionada à
satisfação dos requisitos de validade do negócio jurídico: agente
capaz, objeto lícito, possível e forma prescrita ou não defesa
em lei (artigo 104 CC). Essa modalidade de posse é adquirida
por força de relação jurídica, sem necessidade de apreensão
material da coisa. Ou seja: quem adquire a propriedade ou um
direito dela decorrente (v.g. locação, usufruto) recebe a posse
civil em conjunto, por investir-se de faculdades de uso e gozo
da coisa.

Perda da Posse da Coisa


O Código Civil de 1916 enumerava as hipóteses de perda da posse:

Art. 520. Perde-se a posse das coisas:


I - Pelo abandono.
II - Pela tradição.
III - Pela perda, ou destruição delas, ou por serem postas fora
de comércio.
IV - Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do
possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em
tempo competente.
V - Pelo constituto possessório.
Parágrafo único. Perde-se a posse dos direitos, em se tornando
impossível exercê-los, ou não se exercendo por tempo, que
baste para prescreverem (BRASIL, 1916).

O Código de 2002, no entanto, deixou de elencar as hipóteses, limitando-se


a estabelecer que perde a posse o possuidor que perde o poder sobre o bem “Art.
1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o
poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.

60
Capítulo 2 Posse

No entanto, partindo-se da premissa de que a posse é a exteriorização do


domínio e que o possuidor é aquele que exerce algum dos poderes do proprietário,
podemos propor que a posse pode ser perdida também através das modalidades
da perda da propriedade elencadas no art. 1.275: 

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código,


perde-se a propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação (BRASIL, 2002).

A perda da posse, como se vê, poderá ocorrer por ato voluntário do


possuidor (por exemplo, abandono, constituto possessório ou tradição) ou contra
a sua vontade (perecimento da coisa, por esbulho ou desapropriação da coisa).

Digno de nota que, nos termos do artigo 1.224, do Código Civil, “Só se
considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando,
tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é
violentamente repelido” (BRASIL, 2002), a posse pode ser recuperada mediante
ação de reintegração de posse.

Atividade de Estudos:

1) E por falar em esbulho, você sabe dizer a diferença entre ações


possessórias e ações petitórias?
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Efeitos da Posse
Dentre os principais efeitos da posse, o primeiro a ser destacado é a garantia
do possuidor legítimo de que não seja incomodado, que a sua posse seja
respeitada, nos termos do art. 1.210, caput: “Art. 1.210. O possuidor tem direito a

61
DIREITOS REAIS

ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado


de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado (BRASIL, 2002).

Daí decorre o primeiro efeito da posse, que é o direito ao uso de interditos


possessórios (ação de reintegração de posse, manutenção de posse ou interdito
proibitório) para rechaçar qualquer modalidade de moléstia.

Um segundo efeito, quiçá um subefeito deste primeiro, é o direito do possuidor à


defesa direta da posse, que pode ser exercida mediante legítima defesa da posse
ou por desforço imediato, conforme previsto no art. 1.210, § 1.º. Verbis: “§ 1o O
possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria
força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além
do indispensável à manutenção, ou restituição da posse (BRASIL, 2002).

A diferença entre desforço imediato e legítima defesa da posse é que, no


primeiro caso, a posse já foi perdida, é a defesa contra o esbulho (privação) da
posse, ao passo que no segundo, ela ainda é ameaçada, tratando-se da defesa
contra a turbação (restrição) da posse. Esse direito à autotutela, excepcional, é
temporário, é válido apenas durante curto lapso temporal:

[...] o exercício do desforço pessoal, enquanto autotutela da


posse admitida em caráter excepcional pela lei, somente é
possível de ser exercido por aquele que exercia a posse sobre
a coisa e dela se viu privado, devendo, ainda, ser praticado
sem demora, em sequência imediata à agressão. (TJ-RJ -
APL: 02901992820138190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 45
VARA CÍVEL, Relator: HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES,
Data de Julgamento: 19/02/2015, QUINTA CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 23/02/2015.)

Outro efeito da posse é o de percepção de frutos (fructuum perceptivo), que


varia conforme tratar-se de possuidor de boa-fé ou de má-fé:

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela


durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que
cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas
as despesas da produção e custeio; devem ser também
restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos


colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua,
deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de
má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio (BRASIL,
2002).

62
Capítulo 2 Posse

Ou seja, a lei pune o dolo do possuidor de má-fé, que responderá por


todos os prejuízos que causou pelos frutos colhidos e percebidos, bem como
por aqueles que, por sua culpa, deixou de perceber. Ainda que a lei preveja que
seja ressarcido pelas despesas da produção, o possuidor de má-fé não fará jus a
qualquer fruto.

Versando sobre os frutos, o art. 1.215, CC distingue-os em naturais (que


surgem em virtude da força orgânica da natureza, como frutos ou crias de reses),
industriais (que decorrem da atividade humana); e civis (que são o resultado, o
rendimento decorrente da utilização da coisa por outrem que não o proprietário/
possuidor, como alugueres ou arrendamento): “Art. 1.215. Os frutos naturais e
industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis
reputam-se percebidos dia por dia” (BRASIL, 2002).

Um outro efeito da posse está previsto nos artigos 1.219 a 1.222, CC que
versam sobre a indenização das benfeitorias, da mesma forma distinguindo os
possuidores de boa-fé dos de má-fé:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização


das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às
voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o
puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de
retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as


benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção
pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e


só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda
existirem.

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias


ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor
atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo
valor atual (BRASIL, 2002).

A regra é simples: se possuidor de boa-fé, ser-lhe-ão indenizadas todas as


benfeitorias (as necessárias, as úteis e até as voluptuárias); se de má-fé, apenas
as benfeitorias necessárias, ou seja, as que têm por fim conservar o bem ou evitar
que se deteriore.

Em contrapartida aos benefícios representados pelo ressarcimento pelas


benfeitorias, outro efeito da posse é a responsabilidade do possuidor pela perda
ou deteriorização da coisa, se de boa-fé ou se de má-fé.

63
DIREITOS REAIS

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou


deterioração da coisa, a que não der causa.
Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou
deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar
que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do
reivindicante. (BRASIL, 2002)

Um derradeiro efeito da posse é, preenchidos os requisitos previstos na lei,


conforme a espécie, gerar o direito à usucapião, que será objeto de estudo em
momento oportuno.

Algumas Considerações
Após estudarmos este capítulo sobre posse, é importante que você saiba que:

• A Teoria Objetiva, criada por Ihering, é a adotada pelo Código Civil


Brasileiro.

• Segundo a Teoria Objetiva, para a constituição da posse basta que você


disponha fisicamente da coisa, ou que tenha a mera possibilidade de
exercer esse contato físico, independentemente de sua intenção de ser
dono.

• Ainda que não formalmente arrolada como tal, mas que acaba surtindo
os mesmos efeitos e se submetendo aos mesmos preceitos, prevalece
na doutrina brasileira a orientação de que a posse tem natureza jurídica
de um direito real.

• Os tribunais brasileiros têm adotado a teoria da função social (que não


é absoluto) da posse para fins de dar efetividade ao direito de moradia
constitucionalmente previsto, para fins de avaliar qual é a posse que
melhor atende à função social do objeto de litígio.

• Há divergências doutrinárias sobre a possibilidade de bens incorpóreos


serem passíveis de posse.

• A posse pode se desmembrar em direta (poder físico, corpóreo, imediato


sobre a coisa) e indireta.

• Composse é quando há exercício atinente aos atos possessórios por


dois ou mais possuidores, sem prejuízo dos demais compossuidores.

• A composse pode ser pro indiviso ou pro diviso.

64
Capítulo 2 Posse

• Diferente da posse, a detenção é pautada na subordinação e dependência


do detentor ao verdadeiro proprietário ou possuidor da coisa.

• A posse pode ser classificada como justa ou injusta, sendo justa quando
não for violenta, clandestina ou precária.

• A posse pode ser de boa-fé ou de má-fé.

• Tradição é o nome que se dá à transferência da posse de um possuidor


para outro possuidor;

• A tradição pode ser a efetiva, simbólica ou consensual.

• A perda da posse poderá ocorrer por ato voluntário do possuidor (por


exemplo, abandono, constituto possessório ou tradição) ou contra a sua
vontade (perecimento da coisa, por esbulho ou desapropriação da coisa).

• Dentre os efeitos da posse estão o direito ao uso de interditos


possessórios (ação de reintegração de posse, manutenção de posse
ou interdito proibitório) para rechaçar qualquer modalidade de moléstia,
inclusive desforço imediato, além da percepção de frutos.

Referências
BISPO, Eluiz Antônio Ribeiro Mendes e. O fenômeno possessório à luz dos
princípios e direitos fundamentais: breves anotações sobre a função social da
posse. Publicado em 24/6/2008. Disponível em: <http://www.daniloborgesadvogados.
com.br/artigos/11_Artigo-Eluiz1.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2018.

BRASIL. Código civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <http://


www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018.

______. Código civil, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018.

______. Tribunal de Justiça da Bahia. APL: 7976392009 BA 79763-9/2009,


Relator: MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO, Data de Julgamento:
06/10/2009, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)

_______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AC: 94259 SC 1998.009425-


9, Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 26/09/2004, Segunda Câmara
de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. 98.009425-9, da Capital.

65
DIREITOS REAIS

_______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. APC: 20101210048184 DF


0004760-38.2010.8.07.0012, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento:
08/01/2014, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 13/01/2014. P. 66.

_______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. APC: 20140111135515,


Relator: TEÓFILO CAETANO, Data de Julgamento: 04/11/2015, 1ª Turma Cível,
Data de Publicação: Publicado no DJE: 25/11/2015. P. 197.

_______. Tribunal de Justiça do Paraná. 8938005 PR 893800-5 (Acórdão), Relator:


Renato Lopes de Paiva, Data de Julgamento: 17/10/2012, 18ª Câmara Cível.

_______. Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. 5ª Turma Especializada,


AC 200951010111567, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO
MENDES, E-DJF2R 25.2.2014).

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: direito das coisas, direito autoral.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 26. ed.
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MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V. 3. 35. ed. São


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OLIVEIRA, Álvaro Borges de; MACIEL, Marcos Leandro. A natureza


jurídica da posse: um estudo conforme suas quatro dimensões. Publicado
em 20 de maio de 2008. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/

66
Capítulo 2 Posse

dePeso/16,MI60950,71043-A+natureza+juridica+da+posse+um+estudo+conform
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PELUZO, Cezar (Org.). Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Editora
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PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo:


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PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil: direitos reais. V. 4.


21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

PINTO, Nélson Luiz. Ação de usucapião. 2. edição. São Paulo: Ed. Revista dos
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RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. São Paulo: Editora


Saraiva, 1992.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. São Paulo: Forense, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.

TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. São Paulo:
Método, 2012.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V. III. 42.


ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010. 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

67
DIREITOS REAIS

68
C APÍTULO 3
Propriedade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Entender a diferença entre propriedade e domínio.


Reconhecer o direito fundamental de propriedade como garantia de liberdade e,



também, como um direito social ao mínimo existencial, confrontado ao princípio
da reserva do possível.

Identificar e entender os atributos da propriedade: usar, gozar, dispor e



reivindicar a coisa.

Compreender a evolução do direito de propriedade sob a perspectiva de sua



função social.

Conhecer os modos de aquisição da propriedade de imóvel originária (usucapião



e acessão) e derivada (inter vivos e causa mortis) e suas peculiaridades.

Entender os modos de perda da propriedade.


Conhecer os modos de aquisição da propriedade de coisa móvel.


Saber o que é propriedade resolúvel e ad tempus.


Entender o que é propriedade aparente e propriedade fiduciária.



DIREITOS REAIS

70
Capítulo 3 Propriedade

Contextualização
Desde 1789, quando os “representantes do povo francês, reunidos em
Assembleia Nacional”, reconheceram e declararam, dentre os direitos do
homem e do cidadão, que a propriedade era um direito inviolável e sagrado, e
que ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública
legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização,
o Direito de Propriedade tem sido um dos institutos mais importantes do Direito
Privado no mundo ocidental – e não seria diferente no Brasil –, por ser um dos
pilares da economia de mercado.

Compreender suas caraterísticas e suas dimensões é essencial para que


o instrumentalista do Direito possa raciocinar sobre os potenciais litígios que
envolvem a propriedade.

Com a evolução da economia e das formas de organização e de distribuição


de riqueza – perceba que o Código Civil de 2002 foi concebido ainda sob uma
perspectiva de um país predominantemente rural (Projeto de Lei nº 634/1975),
ainda em processo de urbanização e industrialização – é importantíssimo que
tenhamos bem estruturado como se organiza e se rege o direito de propriedade,
para que possamos ao menos prever como se desenrolarão as questões
dominiais multitudinárias nos grandes centros urbanos daqui por diante, ou como
o Direito resolverá questões como a propriedade de coisa adquirida e transmitida
por blockchain, por exemplo.

Numa tradução literal, “corrente de bloco”, o blockchain é uma


tecnologia que registra vários tipos de transações e possui seus
registros espalhados por vários computadores, protegidos por uma
forte camada de criptografia. Através desta tecnologia, alcança-se
um novo patamar de segurança nos negócios realizados na internet,
como as criptomoedas, por exemplo.

Daí, dentre vários outros motivos, a relevância de se estudar o direito de


propriedade.

71
DIREITOS REAIS

Propriedade e Domínio
Revela-se uma boa estratégia iniciar o presente estudo a partir da distinção
entre “propriedade” e “domínio”.

Tidos por sinônimos enquanto da vigência do Código Civil revogado, tratam-se


propriedade e domínio de institutos distintos, mormente a partir do Código de 2002.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias (2006, p. 178-179) os distinguem:

[...] o domínio é instrumentalizado pelo direito de propriedade.


Ele consiste na titularidade do bem. Aquele se refere ao
conteúdo interno da propriedade. O domínio, como vínculo real
entre o titular e a coisa, é absoluto. Mas a propriedade é relativa,
posto intersubjetiva e orientada à funcionalização do bem pela
imposição de deveres positivos e negativos de seu titular
perante a coletividade. Um existe em decorrência do outro.
Cuida-se de conceitos complementares e comunicantes que
precisam ser apartados, pois em várias situações o proprietário
– detentor da titularidade formal – não será aquele que exerce
o domínio (v.g. usucapião antes do registro; promessa de
compra e venda após a quitação). Veremos adiante que a
propriedade recebe função social, não o domínio em si.
Enquanto as faculdades de uso, gozo e disposição compõem
o domínio – com possibilidade de desmembramento –, a
pretensão reivindicatória emerge da lesão ao direito subjetivo
de propriedade e traduz o conteúdo jurídico do direito subjetivo.
Ou seja, reivindicar consiste justamente na possibilidade de o
proprietário sancionar aquele que possui injustificadamente
a coisa, por ter violado o dever genérico de abstenção,
prestação negativa que serve de objeto à relação jurídica com
a coletividade.

Se a pessoa detiver Assim, se a pessoa detiver os quatro atributos da propriedade


os quatro atributos – os poderes de usar, gozar, alienar e reivindicar a coisa (que serão
da propriedade, mas
estudados a fundo adiante) –, mas não a titularidade do bem, terá
não a titularidade do
bem, terá apenas o apenas o domínio da coisa. O domínio, portanto, é uma relação material
domínio da coisa. de submissão direta da coisa ao seu dono.

Vale lembrar que transferência da propriedade de bem imóvel no ordenamento


jurídico dá-se apenas mediante o registro do título translativo no competente
Registro de Imóveis; da mesma forma, não basta o exercício da posse sobre
a coisa, tampouco a sentença que reconheça o domínio, sendo imprescindível
o registro desta no competente Ofício de Registro para a efetiva prova da
titularidade e, por conseguinte, aquisição da propriedade do imóvel. Somente
quando efetuado este registro é que o titular do domínio terá reconhecida, perante
a coletividade, a propriedade. A propriedade, portanto, é uma relação entre titular
e coletividade.

72
Capítulo 3 Propriedade

Essa distinção entre domínio e propriedade é o que San Tiago Dantas (1979,
p. 93) propunha de dividir a propriedade em estrutura interna e estrutura externa:

Devemos distinguir no direito de propriedade a estrutura interna


da estrutura externa. A primeira abrange os poderes que o
titular do direito pode exercer sobre a coisa, e a segunda as
relações entre o proprietário e os terceiros. A estrutura interna
apresenta-se como poder complexo e exclusivo do proprietário
sobre a coisa, abrangendo o uso, o gozo e a disposição. A
estrutura externa importa o direito de exigir a abstenção dos
terceiros em relação ao objeto de propriedade do titular.

O domínio, portanto, é o poder material exercido sobre o bem, ou seja, é a


relação entre titular e coisa (relação jurídica vertical; a tal “estrutura interna” de
Dantas), ao passo que propriedade é a relação entre o titular e a coletividade
(relação jurídica horizontal; a “estrutura externa”), que terá o dever geral de
abstenção, de respeitar o exercício do poder econômico do titular sobre a coisa.

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial e responda: que


é ação publiciana? Qual a diferença entre ação publiciana e ação
reivindicatória?
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
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Direito Fundamental de Propriedade


como Garantia de Liberdade
Ainda que a dimensão do direito de propriedade tenha sofrido significativo
reexame nas últimas décadas, conforme veremos adiante, alterando seu caráter
eminentemente patrimonialista para um enfoque social e coletivo, não se pode
olvidar que, antes de mais nada, a propriedade privada constitui um direito

73
DIREITOS REAIS

constitucionalmente assegurado e garantido, salpicado em diversos artigos da


Constituição Federal. Verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
[...]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
[...]
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei,
desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora
para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu
desenvolvimento;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
II – propriedade privada;
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de
reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei,
desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.

Conforme destacam Ives Gandra da Silva Martins e Cláudia Fonseca Morato


Pavan (2006, p. 317; 324; 325), o direito de propriedade revela-se uma garantia
de liberdade no sentido em que, tratando-se de um direito fundamental de primeira
geração, exige uma posição absenteísta do Estado, ou seja, um não intervir, e, ao
mesmo tempo, um dever de proteção por parte do Estado:

O direito de propriedade é classificado pela doutrina


constitucional como direito fundamental de primeira geração.
[...]
De fato, os direitos fundamentais, como o é o direito de
propriedade, envolvem duas dimensões, uma objetiva e outra,
subjetiva.
Os direitos fundamentais de primeira geração, quais sejam,
os direitos fundamentais do constitucionalismo liberal, eram
visualizados apenas sob a ótica subjetiva. A preocupação, à
época, era identificar quais pretensões o indivíduo poderia
exigir do Estado em razão de um direito positivado na ordem
jurídica.

74
Capítulo 3 Propriedade

A faceta subjetiva dos direitos fundamentais não perdeu sua


importância e, até hoje, constitui instrumento indispensável de
controle dos detentores do poder. Mas a doutrina contemporânea
desvendou nova faceta dos direitos fundamentais, trata-se da
dimensão objetiva de tais direitos.
De acordo com Daniel Sarmento, a dimensão objetiva dos
direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que “tais
direitos, além de imporem certas prestações aos poderes
estatais, consagram também os valores mais importantes em
uma comunidade política, constituindo, como afirmou Konrad
Hesse, ´as bases da ordem jurídica da coletividade´”.
Assim, os direitos fundamentais para além de serem limites
para o Estado, convertem-se em guia para a sua atuação. A
posição absenteísta do Estado não mais satisfaz aos anseios
sociais. Não basta que os poderes públicos se abstenham
de violar tais direitos, exige-se deles a proteção ativa contra
agressões e ameaças provindas de terceiros.
[...]
Em verdade, na sua concepção tradicional, os direitos
fundamentais são direitos de defesa, destinados a proteger
determinadas posições particulares da intervenção do Poder
Público. Contêm, assim, definições de uma competência
negativa do Poder Público, que fica obrigado a respeitar o
núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado.
Ocorre que a garantia de liberdade do indivíduo só é exitosa se
a sociedade for também livre. E, como aduz o E. Min. Gilmar
Ferreira Mendes, “uma sociedade livre pressupõe a liberdade
dos indivíduos e dos cidadãos, aptos a decidir sobre as questões
de seu interesse e responsáveis pelas questões centrais de
interesse da comunidade. Essas características condicionam
e tipificam, segundo Hesse, a estrutura e a função dos direitos
fundamentais. Eles asseguram não apenas direitos subjetivos,
mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e
democrática”.
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais permite
identificar que a função desses direitos não é apenas de
direitos de defesa, mas que também ensejam um dever de
proteção do Estado.
Sob o enfoque objetivo, os direitos fundamentais
apresentam um aspecto de direito à prestação Direito de
positiva, cobrando a adoção de providências, quer propriedade,
materiais, quer jurídicas, de resguardo dos bens portanto, assegura
protegidos. ao proprietário a
liberdade de usar,
O direito de propriedade, portanto, assegura ao proprietário a gozar e dispor da
coisa, garantida
liberdade de usar, gozar e dispor da coisa, garantida pelo não agir do
pelo não agir
Estado e na defesa, pelo próprio Estado através da invocação da tutela do Estado e na
jurisdicional, contra terceiros que eventualmente não respeitem o livre defesa, pelo próprio
exercício do poder econômico do titular sobre a coisa. Estado através da
invocação da tutela
jurisdicional, contra
terceiros.

75
DIREITOS REAIS

Direito Fundamental à Propriedade


como Acesso ao Mínimo Existencial
Na mesma proporção que o Estado deve garantir a liberdade de uso e
gozo da propriedade pelo seu titular (direito fundamental de primeira geração),
respeitados os limites da lei e observada sua função social, a mesma Constituição
Federal também garante uma série de direitos sociais (direitos fundamentais
de segunda geração ou “direitos fundamentais prestacionais”) indispensáveis à
dignidade da pessoa humana, e, como um deles, também pode a propriedade
(direito de moradia) ser interpretada.

Helano Márcio Vieira Rangel e Jacilene Vieira da Silva (2009, p. 66), em


artigo intitulado O direito fundamental à moradia como mínimo existencial, e a
sua efetivação à luz do Estatuto da Cidade, ao explicarem a teoria do “Estatuto
Jurídico do Patrimônio Mínimo”, desenvolvida pelo ministro do Superior Tribunal
Federal, Luiz Edson Fachin, que pretende assegurar ao indivíduo o mínimo
existencial como forma de garantir-lhe a sua dignidade, ou, melhor dizendo,
defende que o ordenamento jurídico deve garantir um mínimo de patrimônio aos
indivíduos, destacam:

O cerne da teoria do Estatuto do Patrimônio Mínimo é


construído a partir do pressuposto básico de que todos
devem ter um patrimônio mínimo como parcela essencial.
Esse patrimônio deve ser protegido contra a influência e a
intervenção de quem quer que seja, porque afetada para o
atendimento das necessidades básicas da pessoa humana.
Com isso, funcionaliza-se o patrimônio (ou ao menos parte
dele), colocando-o como meio de alcance de dignidade de seu
titular.
A garantia do patrimônio mínimo atua como uma forma de
defesa do Estado em um contexto de regime capitalista no
qual se assenta o país, onde um mínimo de acúmulo de capital
contribui significativamente para o desenvolvimento de uma
vida digna.
A teoria do Estatuto do Patrimônio Mínimo aplicada ao direito
à moradia, constitucionalmente consignado no art. 6º da
Constituição Federal de 1988, pressupõe que a moradia do ser
humano, onde ele habita com a sua família, deve ser protegida.

O direito fundamental à propriedade como forma de alcançar o mínimo


existencial, mediante uma prestação (um fazer) do Estado, está atrelado ao
princípio da reserva do possível, ou seja, a satisfação de determinados direitos
fundamentais fica subordinada à existência de recursos públicos disponíveis à
atuação do Estado.

76
Capítulo 3 Propriedade

É possível exigir do Estado que promova a desapropriação para fins de


reforma agrária, de modo a garantir o acesso de trabalhadores sem-terra ao seu
pedaço de chão, assegurando-lhes o mínimo existencial? Até que ponto pode o
Estado se escusar de sua obrigação constitucional de prover direitos sociais sob
o argumento de que não dispõe de recursos públicos disponíveis para fazê-lo?
É adequado o Poder Judiciário imiscuir-se nas atribuições do Poder Executivo e
determinar o aporte de recursos públicos em determinadas áreas (em prejuízo de
outras)? Trata-se de um assunto bastante polêmico!

De toda a forma, o direito fundamental à propriedade (moradia) como forma


de acesso ao mínimo existencial pode ser vislumbrado, ao menos, no plano
legislativo: o Código Civil de 2002, por exemplo, reduziu significativamente os
prazos para a configuração da usucapião ordinária e extraordinária, buscando-se
democratizar o acesso à propriedade. Da mesma forma, representam avanços
legislativos significativos no sentido de garantir o mínimo existencial à população
de baixa renda a usucapião coletiva, rural e urbana ou, ainda, legitimação de
posse, instrumento de uso exclusivo para fins de regularização fundiária, prevista
na Lei nº 13.465/2017.

Vale ainda, porque oportuno, estabelecer que o direito fundamental à moradia


e ao mínimo existencial não pode servir, por exemplo, para relevar ou justificar
inadimplência em programa de financiamento habitacional e garantir ao devedor
inadimplente uma moradia. Neste sentido:

Imissão de Posse – Apelante adquiriu imóvel mediante


financiamento com a CEF, proprietária fiduciária –
Inadimplemento do financiamento levou à consolidação
da propriedade com a CEF e venda do imóvel ao Apelado
– Eventuais irregularidades na relação com a CEF ou da
arrematação são estranhas ao objeto desta Ação (súm. nº
5 TJSP) – Direito fundamental à moradia e ao mínimo
existencial não são absolutos e devem ser compatibilizados
com exercício regular do direito de propriedade – Recurso
improvido. (BRASIL, 2017, s.p., grifo nosso)

Por outro lado, eventual supremacia do direito fundamental da propriedade


individual contra o coletivo pode ser redimensionada, obviamente observadas as
peculiaridades do caso concreto, à luz da busca pelo mínimo existencial:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INSTITUIÇÃO


FINANCEIRA. ABANDONO DO IMÓVEL APÓS ADJUDICAÇÃO
DO BEM. POSSE MANSA E PACÍFICA. FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE. TRANSMUTAÇÃO DA POSSE. LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL. LETRA 'A ' DO INCISO I DO ART. 18 DA LEI
6.024/74. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL POR
USUCAPIÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1) A aquisição da
propriedade por prescrição aquisitiva, nos termos dos artigos

77
DIREITOS REAIS

183 da Constituição Federal e 1.240 do Código Civil, visa o


favorecimento do possuidor que, durante longo período, ocupou
o imóvel e deu a ele função social e econômica mais relevante
do que o próprio titular da propriedade. 2) Perde a propriedade
do imóvel a instituição financeira que, mesmo após promover
a execução hipotecária e a adjudicação do bem em face do
inadimplemento do financiamento, mantém-se inerte por mais
de 10 anos, não se opondo à posse mansa e pacífica exercida
pela parte então devedora, que nele reside e lhe confere função
social. 3) Tratando-se de conflito multitudinário, o direito
fundamental à moradia, o qual decorre do princípio da
dignidade humana (mínimo existencial), clama por leitura
diferenciada do direito de propriedade, sobretudo quando
evidente o abandono da coisa e a carência de legitimação
do seu titular pela ausência de destinação social do bem.
Doutrina especializada. 4) Resta configurada a existência
de abuso de direito, a ser combatido pelo postulado da
supressio, na hipótese em que, a despeito do longo prazo de
abandono, o titular do bem vem a molestar a legítima posse
exercida por quem a ele conferiu função social. 5) Ademais,
a posse, inicialmente precária, decorrente do inadimplemento
do contrato de financiamento, transforma-se com a inércia
do credor, passando o seu titular a ostentar animus domini.
[...] 10) A indisponibilidade é atribuída apenas ao devedor e a
suspensão se refere tão somente aos prazos prescricionais das
obrigações da liquidanda. A prescrição aquisitiva fica afastada,
pois, dessa regra, seja pela ausência de previsão legal, seja
pela natureza do direito a usucapião. 11) Tratando-se de direito
real decorrente do decurso do tempo, a usucapião, em verdade,
se caracteriza como um fato jurídico. O autor, na condição de
possuidor, é pessoa alheia ao campo obrigacional do falido
e exerce a alegada posse independentemente da pessoa do
proprietário, de suas qualidades ou de sua solvência. 12) No
campo da falência, que possui regime jurídico semelhante,
prevalece o entendimento de que a aquisição do domínio,
via usucapião, não é vedada e muito menos suspensa.
Doutrina especializada. 13) Recurso desprovido. ACORDA
a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata
e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado,
à unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso
(BRASIL, 2018, s.p., grifo nosso).

Neste acórdão, colhe-se lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson


Rosenvald, que, por suas vezes, se valeram de Dyrceu Cintra Júnior:

A ponderação de direitos fundamentais é inevitável. Não há


garantias constitucionais absolutas e, sim, uma verdadeira
tensão, que apenas será resolvida no caso concreto pela
aferição do princípio de maior peso ou dimensão na hipótese
suscitada perante o Poder Judiciário. No conflito entre a
propriedade – de caráter patrimonial e de ordem privada – e
o direito de acesso à moradia e à subsistência, de caráter
extrapatrimonial e de ordem pública, prevalecerá este último,

78
Capítulo 3 Propriedade

caso sobejem evidente o abandono da coisa e a carência de


legitimação do seu titular pela ausência de destinação social
do bem, posto irrecusáveis os pressupostos assinalados nos
arts. 1º, III; 3º, III e IV; 5º; e 6º da Lei Maior.

O mínimo existencial, portanto, pode ser assegurado pelo Estado em


situações peculiares de conflito entre a propriedade (ordem privada) e o direito
de acesso à moradia e à subsistência, obviamente mediante prévia e justa
indenização àquele que teve ofendido o direito de propriedade.

Função Social da Propriedade Imóvel


Durante grande parte do século XX, o direito de propriedade imóvel
foi compreendido sob um ponto de vista quase unicamente patrimonial, ou
econômico, exercido de forma individual, absoluta e ilimitada, herança do ideário
“inviolável e sagrado” constante na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, e também do Código Civil Francês, de 1804, que teve grande
influência sobre o nosso Código Civil de 1916.

No entanto, no correr do século passado, o direito de propriedade sofreu uma


intensa revisão, passando a ser interpretado sob uma nova perspectiva, agora
também social e ambiental, prestando-se a Constituição Federal de 1988 como
um marco definidor:

Art. 5.º [...]


XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá à sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,
mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados
os casos previstos nesta Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade
competente poderá usar de propriedade particular, assegurada
ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; [...]
(BRASIL, 1988, s.p.).

Como destacou a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi, no


julgamento do REsp 1.616.038/RS:

Sob as influências do constitucionalismo moderno, o Direito


Civil sofreu uma denominada “despatrimonialização”, a qual
significou a superação do  individualismo exacerbado e da
“patrimonialização como um fim em si mesmo”, sendo o direito
privado de propriedade, a partir de então, também o vetor
da proteção da pessoa e de sua existência digna, conforme
preceito inscrito no art. 1º. III, da CF⁄88.

79
DIREITOS REAIS

Por esse motivo, o direito de propriedade já contém em


si delimitações a seu exercício, relacionadas, entre outras,
aos demais direitos de propriedade, dizendo-se que a relação
de domínio, agora, possui uma  configuração complexa –
em tensão com outros direitos igualmente consagrados no
ordenamento jurídico. (BRASIL, 2016, s.p.).

Gustavo Tepedino, Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, citados


neste julgado, assentam que o direito de propriedade passou a ser cotejado como
garantia fundamental de proteção da propriedade privada, porém vinculado às
suas finalidades econômicas e sociais, naquilo que chamam de “aspecto funcional”
da propriedade, o que redefiniu o núcleo de poderes do proprietário. Ou seja, o
direito de propriedade, sob a ótica constitucional (e mesmo civilista) moderna,
passou a atender à sua função social, não consistindo mais, como antigamente,
em um direito individual, absoluto e ilimitado.

Prova disso é o artigo 1.228, do Código Civil de 2002, que consagra o princípio
da função social da propriedade como limitador aos poderes do proprietário:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e


dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha.
§ 1.º  O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais
e de modo que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2.º São defesos os atos que não trazem ao proprietário
qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem.
§ 3.º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos
de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública
ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de
perigo público iminente.
§ 4.º  O proprietário também pode ser privado da coisa
se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na
posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de
considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
§ 5.º  No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a
sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores (BRASIL, 2002, s.p., grifo nosso).

Como se vê, a propriedade deverá ser usada pelo proprietário com o fim de
assegurar o bem-estar da sociedade, de modo que se pode afirmar que a sua
função social não constitui apenas simples limitação ao direito de propriedade do
titular, mas, agora, a sua própria razão de ser.

80
Capítulo 3 Propriedade

Assim, se antes a propriedade era um direito complexo, absoluto, perpétuo


e exclusivo do proprietário, agora ele não pode mais ser considerado árbitro
absoluto das escolhas relativas à utilização do bem, estando sujeito não apenas
aos limites da lei (direito de vizinhança; código de posturas etc.), mas também
à observância das funções econômicas, sociais e ambientais (respeito à flora,
fauna, belezas naturais, equilíbrio ecológico e ao patrimônio histórico e artístico,
evitando-se a poluição do ar e das águas) da propriedade.

Quando a Constituição Federal prevê que “é garantido o direito de


propriedade” (art. 5.º, XXII), enquanto que “a propriedade atenderá à sua função
social” (art. 5.º, XXIII), a interpretação que deve ser dada é que ninguém será
despojado de direitos de seu patrimônio, para atendimento do bem comum, sem
justa indenização.

É o caso, por exemplo, de desapropriação para fins de reforma agrária,


previsto no art. 184, da Constituição Federal:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse


social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa
indenização e títulos da dívida agrária, com cláusula de
preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte
anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização
será definida em lei.

Atributos da Propriedade
Segundo dicção do art. 1.228, do Código Civil, “O proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Tratam-se, pois, de quatro os atributos da propriedade: (i) gozar ou fruir


a coisa (ius fruendi); (ii) reaver a coisa (ius vindicatio); (iii) usar a coisa (ius
utendi); e (iv) dispor da coisa (ius disponendi).

Gozar ou fruir a coisa significa o poder de retirar ou perceber os frutos


(naturais, industriais e/ou civis), bem como aproveitar economicamente os
produtos da coisa. A diferença entre frutos e produtos é que frutos são os
acessórios retirados da coisa sem que lhe diminua a quantidade ou altere a
natureza, ao passo que produtos são frações da coisa que, retirados, signifiquem
diminuição da coisa.

81
DIREITOS REAIS

O direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a


possua ou detenha é exercido, pelo proprietário, através de ação dominial
(como a reivindicatória), fundada no jus possidendi, que é o direito à posse,
decorrente do direito de propriedade (e não no jus possessioni, que é o direito
de posse, defendido via ação possessória).

Usar a coisa significa, observados os  limites legais e a função social e


socioambiental da propriedade, o direito conferido ao proprietário de utilizar
(ou mesmo de não utilizar) a coisa. Como traz Fabrício Zamprogna Matiello
(2003, p. 764), o direito de usar “consiste [...] na faculdade de utilização da coisa
como melhor convier ao titular, retirando dela todas as vantagens que puder
propiciar [...]”.

Por fim, dispor da coisa é o poder de transferir a coisa, gravá-la de


ônus e aliená-la a outrem a qualquer título. Em outras palavras, é o poder de
praticar atos como vender a coisa, doá-la, cedê-la, testá-la (no sentido de pôr em
testamento), oferecê-la em hipoteca, aliená-la fiduciariamente etc. A disposição
pode ser material, quando são atos físicos que importam em perda da propriedade,
e jurídica, quando são atos de alienação ou constituição de ônus reais.

Conforme veremos nos capítulos seguintes, estes atributos da propriedade


podem ser fracionados e transferidos, apenas alguns deles, a terceiros.

De toda forma, já podemos concluir que quando a pessoa tem os quatro


atributos, ela possui a propriedade plena da coisa. Por outro lado, a teor do art.
1.196, do Código Civil (“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”), se uma
pessoa possui algum dos atributos, ela é considerada possuidora. Logo, todo
proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário. 

Modos de Aquisição da Propriedade


Classifica-se o modo de aquisição de propriedade em originária (quando
não existe qualquer espécie de relação com o titular anterior, inexistindo relação
jurídica de transmissão) ou derivada (quando há relação jurídica de transmissão
com o titular anterior).

Dentre as modalidades de aquisição originária, temos a usucapião e a


acessão natural. Já dentre as modalidades de aquisição derivada existem
as causa mortis e as inter vivos, não se olvidando que “Os direitos reais sobre
imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o
registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos” (art. 1.227).

82
Capítulo 3 Propriedade

Antes de adentrar no estudo de cada uma das espécies de aquisição de bem


imóvel previstas na lei, pertinente a ressalva do art. 1.245, do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o


registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante
continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria,
a decretação de invalidade do registro, e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono
do imóvel.

A transmissão da propriedade de bem imóvel só se perfectibiliza com o registro


do título translativo no competente Registro de Imóveis. Até isso acontecer, será
considerado dono aquele em cujo nome constar o imóvel no Registro de Imóveis.

Aquisição Derivada
A aquisição derivada, como visto, caracteriza-se pela existência de uma
relação jurídica do novo proprietário com o antecessor: o comprador com o
vendedor; o doador com o donatário; o sucessor com o de cujus.

Diferentemente do que ocorre com a aquisição original, que será estudada


logo a seguir, a aquisição derivada é resultado da autonomia das partes (relação
inter vivos) ou decorrente de lei (causa mortis), transferindo-se a propriedade
de uma pessoa para outra, exigindo a lei, para tanto, certas formalidades e
solenidades, como o recolhimento dos impostos e a análise, pelo registrador, dos
aspectos formal e material.

Uma característica da aquisição derivada é que o adquirente receberá Adquirente


receberá a coisa
a coisa com os mesmos atributos, restrições e qualidades que sujeitavam/
com os mesmos
beneficiavam o proprietário anterior. Por exemplo, se alguém compra atributos, restrições
um imóvel serviente (que oferece servidão a outro imóvel, chamado e qualidades
dominante), manterá tal ônus; se herda um imóvel hipotecado, sujeitar- que sujeitavam/
se-á a tal condição, e assim por diante. Da mesma forma, a regra é que beneficiavam o
receberá o imóvel com os bônus que gozava o antigo proprietário. proprietário anterior

Tal fenômeno não ocorre com a aquisição originária, o que significa dizer que
eventuais ônus que recaiam sobre o imóvel adquirido (débitos tributários, hipoteca
etc.) não sujeitam o adquirente.

A aquisição derivada operacionalizar-se-á através do registro do título


aquisitivo (escritura pública de compra e venda, promessa de compra e venda,
cessão de direitos, doação ou de permuta, carta de adjudicação ou de arrematação
do imóvel, formal de partilha ou testamento homologado etc.).
83
DIREITOS REAIS

Aquisição Originária
Como se viu, será originária a aquisição da propriedade se não houve
qualquer espécie de relação jurídica entre o adquirente e o antigo proprietário ou,
ainda, se sequer o terreno apropriado existia.

São formas de aquisição originária a usucapião e a acessão, que é gênero


cujas espécies são a aluvião, avulsão, álveo abandonado, formação de ilhas,
construções e plantações.

a) Da usucapião

A usucapião constitui meio de aquisição originária da propriedade pela posse


continuada, durante certo decurso de tempo, desde que observados os requisitos
da lei, quais sejam: (i) posse mansa, pacífica e ininterrupta, (ii) decurso do prazo
legalmente previsto e (iii) animus domini.

Conforme a modalidade de usucapião – se extraordinária, ordinária,


constitucional rural, constitucional urbano, se especial urbano coletivo –, a
quantidade e/ou características destes requisitos poderão variar:

• Usucapião Extraordinária

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção,


nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a
propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual
servirá de título para o registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-
se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel
a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de
caráter produtivo.

• Usucapião Ordinária

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele


que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o
possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste
artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com
base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverevm
estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de
interesse social e econômico.

84
Capítulo 3 Propriedade

• Usucapião Constitucional Rural 

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural


ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos,
sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho
ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião (BRASIL, 1988, s.p.).

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural


ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade
(BRASIL, 2002, s.p.).

• Usucapião Constitucional Urbano 

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos
ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do
estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
(BRASIL, 1988, s.p.).

Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana


de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua,
de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já
resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de
até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos
ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do
estado civil.
§ 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez (BRASIL,
2002, s.p.).
85
DIREITOS REAIS

• Usucapião Especial Urbano Coletivo 

Art. 10.  Os núcleos urbanos informais existentes sem


oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo
número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta
metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem
usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural (Redação
dada pela Lei nº 13.465, de 2017).
§ 1o  O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido
por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor,
contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será
declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título
para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno
a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno
que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os
condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por,
no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução
de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos
presentes, obrigando também os demais, discordantes ou
ausentes (BRASIL, 2001, s.p.).

Para facilitar nosso estudo, elaboramos um quadro-resumo:

Quadro 1 - Resumo das espécies de usucapião


PRAZO (ANOS) REQUISITOS
* independe de justo título e de boa-fé
Usucapião Extraordinária
**será 10 anos se utilizar como moradia
(art. 1.238, CC) 15* ou 10**
ou obras de caráter produtivo

Usucapião Ordinária
(art. 1.242, CC)
10 Justo título + boa-fé

Usucapião
Área de até 50 hectares + produtiva +
Constitucional Rural 
5 não ser proprietário de outro imóvel,
(art. 191, CF/88; 1.239,
rural ou urbano
CC/2002)
Usucapião
Constitucional Urbano 
Área de até 250m² + moradia + não ser
(art. 183, CF/88; 9.ª,
5 proprietário de outro imóvel, rural ou
Lei 10.257/2001; 1.240
urbano
CC/2002)

Área total dividida pelo número de


Usucapião Especial
possuidores seja menor que 250m²/
Urbano Coletivo  5
possuidor + possuidores não sejam
(art. 10, Lei 10.257/2001)
proprietários de outro imóvel
Fonte: O autor.

86
Capítulo 3 Propriedade

Existe ainda uma modalidade de usucapião, introduzida pela Lei nº


12.424/2011, que inseriu o art. 1.240-A, no Código Civil de 2002, e que prevê o
prazo de dois anos para a usucapião especial urbana por abandono do lar
conjugal, também chamada de usucapião familiar. Verbis:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos


ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com
exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e
cinquenta metros quadrados), cuja propriedade divida com ex-
cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural. 
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez. 

Um dos requisitos mais relevantes sob o ponto de vista jurídico da posse ad


usucapionem é o animus domini, ou seja, o exercício da posse da coisa como se
sua fosse. Sobre requisito, Lenine Nequete (1981, p. 121) explica:
 
[...] por definição, é o ‘animus domini’ a vontade (ainda que
de má-fé) de possuir alguém como se fosse dono, donde o
dizer-se que existe mesmo no ladrão, que sabe que a coisa
lhe pertence. Mas [...] entende-se que para caracterizá-lo não
basta aquela vontade: é preciso que ela resulte da ‘causa
possessionis’, isto é, do título em virtude do qual se exerce a
posse: de modo que se esta foi iniciada por uma ocupação,
pacífica ou violenta, pouco importa, haverá o ânimo; se, ao
contrário, originou-se de um contrato, como o de locação, por
exemplo, que implica no reconhecimento do direito dominial de
outrem, não se pode reconhecê-lo.

Daí porque um inquilino, ainda que inadimplente ou não cobrado pelo


senhorio, jamais poderá pleitear em seu favor o reconhecimento da prescrição
aquisitiva, porque não exerceu a posse como se proprietário fosse (ainda que
seja possível a discussão que, a partir de um determinado momento, ele deixe de
exercer a posse como locatário e passe a fazê-lo com animus domini). O mesmo
se pode dizer a respeito do caseiro, do comodatário etc.

A respeito do exercício do tempo de exercício da posse mansa, pacífica


e ininterrupta do pretendente, o art. 1.243, do Código Civil, é explícito sobre a
possibilidade de o possuidor somar ao seu tempo de posse o tempo dos seus
antecessores, desde que tenham as características que autorizam a usucapião
(mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini).

Isso significa dizer que aquele inquilino inadimplente lá de cima poderá


transferir sua posse a terceiro, sem a anuência do proprietário, sendo que o terceiro
não poderá somar sua posse com a do antecessor, por conta da caraterística da

87
DIREITOS REAIS

posse. “Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos
antigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art.
1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242,
com justo título e de boa-fé”.

Tratando-se a posse ad usucapionem aquela exercida de forma mansa e


pacífica, ou seja, sem oposição por parte de ninguém, José Carlos de Moraes
Salles (1992, p. 27) explica que esta oposição deve traduzir “[...] medidas efetivas
e concretas, identificáveis na área judicial, visando a quebrar a continuidade da
posse, opondo à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o
exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse”.

Ou seja, a oposição deve ser expressamente manifestada, porém através de


medidas juridicamente efetivas.

Por exemplo, o ajuizamento de ação possessória – mesmo que julgada


improcedente – tem o condão de desqualificar a posse como mansa e pacífica, eis
que se traduziu em medida efetiva visando interromper o fluxo do prazo de usucapião.

Nossos tribunais, no entanto, já se manifestaram no sentido de que a simples


notificação extrajudicial não é suficiente para caracterizar a oposição, exigindo-se
para tanto, de fato, medidas concretas, efetivas e objetivas:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – REQUISITOS –


POSSE MANSA E PACÍFICA – CARACTERIZADA – AUSÊNCIA
DE OPOSIÇÃO À POSSE DO BEM – NOTIFICAÇÃO
EXTRAJUDICIAL – INSUFICIENTE PARA CARACTERIZAR
A OPOSIÇÃO – CLANDESTINIDADE – NÃO CONFIGURADA
– RECORRIDOS TINHAM CONHECIMENTO DA OCUPAÇÃO
– RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Em se
tratando de usucapião extraordinária, deve ser comprovada
a posse mansa e pacífica do bem usucapiendo, bem como
durante o lapso temporal previsto em lei. A oposição hábil a
descaracterizar a posse mansa e pacífica deve ir além do mero
inconformismo, não sendo possível considerar o mero envio de
notificação extrajudicial como medida efetiva a descontinuar a
posse (BRASIL, 2017, s.p.).

Uma novidade introduzida pelo novo Código de Processo Civil (Lei no


13.105/15) foi a criação, conforme seu artigo 1.071, de um procedimento
administrativo extrajudicial para a usucapião de bens imóveis, enquanto, antes
dele, o reconhecimento do direito à usucapião reclamava declaração judicial.

Pela usucapião extrajudicial, cujas diretrizes são estabelecidas pelo


Provimento do Conselho Nacional de Justiça nº 65, de 14 de dezembro de 2017,
“é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado

88
Capítulo 3 Propriedade

pelo requerente – representado por advogado ou por defensor público, nos


termos do disposto no art. 216-A da LRP –, que será processado diretamente no
ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel
usucapiendo” (BRASIL, 2017, s.p.).

Seu procedimento está estabelecido no mencionado art. 216-A, da Lei no


6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), aditado pela Lei nº 13.465/2017:

Art. 216-A.  Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o


pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será
processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis
da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a
requerimento do interessado, representado por advogado,
instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de
posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso
e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei
no  13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);                   
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional
legalmente habilitado, com prova de anotação de
responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização
profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados
na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis
confinantes;                         
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da
situação do imóvel e do domicílio do requerente;                   
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem
a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais
como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem
sobre o imóvel.    
§ 1o O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o
prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.              
§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos
titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do
imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o
titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente
ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar
consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio
como concordância.              
§ 3o  O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao
Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por
intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo
correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em
15 (quinze) dias, sobre o pedido.                      
§ 4o  O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação
de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a
ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão
se manifestar em 15 (quinze) dias.       
§ 5o Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão
ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro
de imóveis.         
§ 6o Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo,
sem pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e

89
DIREITOS REAIS

achando-se em ordem a documentação, o oficial de registro


de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições
apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for
o caso.                 
§ 7o Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o
procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.                     
§ 8o Ao final das diligências, se a documentação não estiver em
ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9o A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento
de ação de usucapião. 
§ 10.  Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião, apresentado por qualquer um dos
titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula
dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por
algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis
remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação
do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para
adequá-la ao procedimento comum.                          
§ 11.  No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de
condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares
de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na
matrícula dos imóveis confinantes e bastará a notificação do
síndico para se manifestar na forma do § 2o deste artigo.           
§ 12.  Se o imóvel confinante contiver um condomínio edilício,
bastará a notificação do síndico para o efeito do § 2o deste
artigo, dispensada a notificação de todos os condôminos.               
§ 13.  Para efeito do § 2o deste artigo, caso não seja encontrado o
notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal
fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua
notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em
jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada
um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.                 
§ 14.  Regulamento do órgão jurisdicional competente para a
correição das serventias poderá autorizar a publicação do edital
em meio eletrônico, caso em que ficará dispensada a publicação
em jornais de grande circulação.               
§ 15.  No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de
que trata o inciso IV do caput deste artigo, a posse e os demais
dados necessários poderão ser comprovados em procedimento
de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial,
que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5o do art. 381 e
ao rito previsto nos arts. 382 e 383 da Lei no 13.105, de 16 março
de 2015 (Código de Processo Civil) (BRASIL, 1973, s.p.).

Referido dispositivo merece dois destaques: o primeiro é que eventual


rejeição do pedido extrajudicial não faz coisa julgada, permitindo o ajuizamento
da ação de usucapião (§ 9.º); o segundo é que, havendo impugnação do pedido
de reconhecimento extrajudicial, o processo será remetido para a Justiça Comum,
onde tramitará pelo procedimento comum.

90
Capítulo 3 Propriedade

Atividade de Estudos:

1) Pode o herdeiro pleitear, em face do espólio, usucapião de imóvel


objeto de herança?
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

b) Acessão

Resumidamente falando, acessão é um modo de aquisição originário da


propriedade imobiliária, mediante a união física da coisa acessória à principal.
Em outras palavras, consiste no dono da coisa principal adquirir a propriedade de
outra coisa, que é acessória, ou pertença à principal.

Existem cinco modalidades de acessão: Art. 1.248. A acessão pode dar-se:


I - por formação de ilhas; II - por aluvião; III - por avulsão; IV - por abandono de
álveo; V - por plantações ou construções (BRASIL, 2002).

Costuma-se, para fins de classificação, dividir a acessão em três grupos: os


naturais (aluvião, avulsão, álveo abandonado e ilhas), industriais (construção) e
mistos (sementeira e plantações).

• Formação de ilhas

Sobre a formação de ilhas, traz o artigo 1.249, CC/2002:

Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou


particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros,
observadas as regras seguintes:
I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos
sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as
margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir
o álveo em duas partes iguais;
II - as que se formarem entre a referida linha e uma das
margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos
fronteiros desse mesmo lado;
III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço
do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à
custa dos quais se constituíram. (BRASIL, 2002, s.p.).

91
DIREITOS REAIS

Vê-se que o dispositivo trata apenas de ilhas fluviais (em rios), surgidas do
acúmulo paulatino de areia, de cascalho e materiais levados pela correnteza, ou
rebaixamento de águas, deixando a descoberto e a seco uma parte do fundo ou
do leito (DINIZ, 2005).

A regra, como se vê, é simples: se a ilha se formar no meio do rio, pertencerá


aos proprietários ribeirinhos de ambas as margens, na proporção de suas
testadas, metade x metade; se entre o meio do rio e a margem, ao respectivo
ribeirinho, na proporção de sua testada.

Sobre as ilhas, também o Código de Águas (Decreto Lei nº 24.643/1934), em


seus artigos 23 a 25, versa:

Art. 23. As ilhas ou ilhotas, que se formarem no álveo de uma


corrente, pertencem ao domínio público, no caso das águas
públicas, e ao domínio particular, no caso das águas comuns
ou particulares.
§ 1º Se a corrente servir de divisa entre diversos proprietários
e elas estiverem no meio da corrente, pertencem a todos esses
proprietários, na proporção de suas testadas até a linha que
dividir o álveo em duas partes iguais.
§ 2º As que estiverem situadas entre esta linha e uma das
margens pertencem, apenas, ao proprietário ou proprietários
desta margem.
Art. 24. As ilhas ou ilhotas, que se formarem, pelo
desdobramento de um novo braço de corrente, pertencem aos
proprietários dos terrenos, à custa dos quais se formaram.
Parágrafo único. Se a corrente, porém, é navegável ou
flutuável, eles poderão entrar para o domínio público, mediante
prévia indenização.
Art. 25. As ilhas ou ilhotas, quando de domínio público,
consideram-se coisas patrimoniais, salvo se estiverem
destinadas ao uso comum (BRASIL, 1934, s.p.).

Ou seja, segundo o Código de Águas, as ilhas podem ser do domínio


público ou do domínio particular, dependendo da natureza da água: se a ilha
surgir em águas públicas, será considerada bem público; se a ilha se formar em
águas particulares, será bem particular. Os rios navegáveis, como se vê, são
considerados águas públicas. Logo, a regra do art. 1.249, do Código Civil, aplica-
se apenas a águas particulares.

• Aluvião

Segundo definição legal, aluvião são “acréscimos formados, sucessiva e


imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das
correntes, ou pelo desvio das águas destas” (art. 1.250, CC/2002).

92
Capítulo 3 Propriedade

Conforme Cézar Fiuza (2004, p. 740), aluvião "é o depósito paulatino de


materiais às margens dos rios. As margens, com isso, aumentam de tamanho,
adquirindo o dono das terras ribeirinhas a propriedade do acréscimo, por aluvião".

Nos termos do já citado art. 1.250, o terreno aluvial pertencerá aos donos
dos terrenos marginais, sem indenização. Se, contudo, se formar em frente de
prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada
de cada um sobre a antiga margem.

• Avulsão

Já avulsão se dá quando “por força natural violenta, uma porção de terra se


destacar de um prédio e se juntar a outro” (art. 1.251, CC/2002).

Pedro Nunes (1956, p. 137) conceitua avulsão: "Deslocação súbita, por


força natural violenta, de massa de terra de um prédio, que desaparece nas
águas ou se agrega ou se superpõe à de outro. É um dos modos de acessão".

Segundo o art. 1.251, o dono do prédio ao qual se juntou a porção de terra


desprendida do outro, adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono
do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

A teor do parágrafo único deste artigo 1.251, “Recusando-se ao pagamento


de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá
aquiescer a que se remova a parte acrescida”.

• Álveo Abandonado

Outra modalidade de acessão, a álveo, conforme definição prevista no art.


9º do Decreto no 24.643/1934 (Código das Águas), "é a superfície que as águas
cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto". O art. 26,
do mesmo diploma legal, traz:

Art. 26. O álveo abandonado da corrente pública pertence aos


proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham
direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde
as águas abrigarem novo curso.
Parágrafo único. Retornando o rio ao seu antigo leito, o
abandonado volta aos seus antigos donos, salvo a hipótese
do artigo seguinte, a não ser que esses donos indenizem ao
Estado (BRASIL, 1934, s.p.).

Ou seja, o leito do rio pode ser “abandonado” por várias razões, seja porque
o rio seca ou se desvia naturalmente, ou, ainda, porque muda a sua direção de
forma artificial. Trata-se, enfim, o álveo abandonado do “leito velho” do rio.

93
DIREITOS REAIS

Conforme o álveo abandonado decorra de razões naturais (seca ou desvio


sem a intervenção humana) ou artificiais, a lei estabelece regras distintas.

Como destaca Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 186), a regra geral "[...] é
que o álveo abandonado (alveus derelictus), particular ou público, pertence aos
proprietários ribeirinhos das duas margens, na proporção das testadas até o meio
do álveo (art. 1.252; antigo, art. 544). Cuida-se de situação em que o curso de
água seca ou se desvia”.

Estabelecendo, mais adiante (2006, p. 187), que “ocorrendo desvio da


corrente de água, os proprietários das terras por onde as águas naturalmente
abrem novo curso não têm direito à indenização, idêntica solução do Direito
Romano. Trata-se de caso fortuito”.

Vale assentar que, a teor art. 27, do Código de Águas (BRASIL, 1934), na
hipótese de álveo abandonado decorrer de mudança da corrente por utilidade
pública, o álveo abandonado pertencerá à autoridade pública expropriante:
“Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o prédio ocupado pelo
novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa a pertencer ao
expropriante para que se compense da despesa feita”. Neste sentido:

ÁGUAS. CÓDIGO (DECRETO Nº 24.643/34). RIO. MUDANÇA


DA CORRENTE (ÁLVEO ABANDONADO). INDENIZAÇÃO
PRÉVIA (DESNECESSIDADE, NO CASO). PROPRIEDADE
(PÚBLICA).
1. De uso comum do povo, o rio é bem público (Cód. Civil, art.
66, I).
2. No caso de mudança da corrente pública pela força das águas
ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo disposto no
art. 26 do Cód. de Águas.
3. Mas, no caso de mudança da corrente pública por obra do
homem, o leito velho, ou o álveo abandonado pertence ao órgão
público (atribui-se “a propriedade do leito velho a entidade que,
autorizada por lei, abriu para o rio um leito novo"). Cód. de
Águas, art. 27.
4. Em tal caso de desvio artificial do leito, a acessão independe
do prévio pagamento de eventuais indenizações. Conforme o
acórdão estadual, "Não é premissa dessa aquisição que o poder
público indenize previamente o proprietário do novo álveo".
5. Recurso especial pela alínea a (alegação de ofensa aos arts.
26 e 27), de que a 3ª Turma não conheceu (BRASIL, 2000, s.p.).

• Construções e plantações

Por fim, as últimas modalidades de acessão são a construção ou a plantação,


que se presume tenham sido feitas pelo próprio proprietário e à sua custa aquelas
existentes sobre o terreno, até que se prove o contrário (art. 1.253, CC/2002).

94
Capítulo 3 Propriedade

As regras sobre a aquisição da propriedade por se semear, plantar ou edificar


sobre terreno alheio estão estabelecidas nos artigos 1.254 e 1.255 (BRASIL, 2002):

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno


próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a
propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além
de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.
Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno
alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas
e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé,
plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver
acordo.

A regra prevista no parágrafo único merece uma atenção especial: se de


boa-fé, alguém semear, plantar ou edificar sobre terreno alheio e esta construção
ou plantação tiver valor consideravelmente maior do que o do próprio terreno, ele
adquirirá a propriedade do solo mediante indenização ao dono.

Sobre este dispositivo, Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barbosa e Maria


Celina Bodin de Moraes (2011, p. 550-551) assentam:

Nestes termos, entretanto, a aplicação irrestrita da disciplina


da acessão poderá contrastar, diversas vezes, com os
interesses econômicos ou sociais de manutenção da plantação
ou construção, a exemplo do interesse dos adquirentes
(terceiros de boa-fé) de unidades autônomas da construção
superveniente.
Por este motivo, a doutrina antecipou-se ao CC para sustentar
que, em algumas hipóteses, o solo se caracteriza como
bem acessório, diante da importância econômica dos seus
melhoramentos [...].
A situação encontra-se prevista no par. ún., segundo o qual se
o valor da obra ou plantação exceder o do solo, o construtor
ou plantador de boa-fé adquirirá a propriedade deste, pagando
indenização ao seu proprietário.
Inverte-se, assim, o princípio “superficies solo cedit”.
A solução homenageia a utilidade social e econômica da obra
ou construção e, assim, contempla o princípio constitucional da
função social da propriedade.
Na mesma linha, Paulo Nader oferece a seguinte contribuição
para a compreensão desse dispositivo legal [...], “verbis”:
Importante inovação foi trazida pelo parágrafo único do
art. 1255 do Código Civil, ao admitir a principalidade da plantação
e construção, desde que "exceder consideravelmente o valor
do terreno", estando  de boa-fé quem plantou ou edificou,
garantido ao proprietário do imóvel o direito à indenização.
Na hipótese, quem adquire a propriedade plena é quem plantou
ou construiu com recursos próprios.
Observe-se que o dispositivo legal não abriu exceção ao
princípio "acessorium cedit principalli", apenas interpretou o
que, na espécie, deve ser considerado principal.

95
DIREITOS REAIS

Logo, nas hipóteses em que o valor da construção ou a plantação exceder


consideravelmente o valor do terreno, inverte-se a relação principal x acessório,
tornando-se aquele que plantou ou construiu sobre terreno alheio seu novo
proprietário.

Note-se que o aspecto subjetivo – se de boa-fé, se de má-fé – será essencial


para a aferição do melhor desfecho legal:

Art. 1.256. Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o


proprietário as sementes, plantas e construções, devendo
ressarcir o valor das acessões.
Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o
trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e
sem impugnação sua.
Art. 1.257. O disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso
de não pertencerem as sementes, plantas ou materiais a quem
de boa-fé os empregou em solo alheio.
Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou
materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização
devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.
Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio,
invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte
deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do
solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte,
e responde por indenização que represente, também, o valor
da área perdida e a desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos
previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a
propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção
à vigésima parte deste e o valor da construção exceder
consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a
porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo
alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade
da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que
abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o
da área perdida e o da desvalorização da área remanescente;
se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu,
pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em
dobro (BRASIL, 2002, s.p.).

Se ambas as partes atuarem de má-fé (e se considerará de má-fé o


proprietário que presenciar o trabalho e não o impugnar), o proprietário da terra
adquirirá as sementes, as plantas e/ou as construções, e indenizará aquele que
semeou, plantou ou construiu, se este for proprietário das sementes, plantas ou
materiais. Da mesma forma, se de boa-fé alguém construir em solo alheio em
proporção não superior a 1/20 do terreno invadido, adquirirá a propriedade da
parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte e indenizará
o proprietário prejudicado; se de má-fé o construtor, pagará em décuplo (ou seja,
em dez vezes) as perdas e danos, adquirirá a propriedade da parte invadida.

96
Capítulo 3 Propriedade

Se, porém, a parte invadida exceder a 1/20 do imóvel invadido, o construtor


de má-fé é obrigado a demolir o que construiu, pagando ao proprietário do imóvel
invadido as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.

Modos de Aquisição da Propriedade


Móvel
As regras para a aquisição da propriedade de bem móvel diferem das de
bem imóvel, podendo ocorrer por usucapião, ocupação, achado do tesouro,
tradição, especificação, confusão, comissão ou adjunção. Vejamos:

a) Da usucapião

Nos termos do artigo 1.260, do Código Civil, “Aquele que possuir coisa móvel
como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-
fé, adquirir-lhe-á a propriedade” (BRASIL, 2002, s.p.), sendo que, para independer
de justo título ou boa-fé, o prazo pode ser prolongado para cinco anos.

Aplicam-se à prescrição aquisitiva de bem móvel as regras dos artigos 1.243


e 1.244, ou seja, é possível acrescer-se ao tempo do possuidor o do antecedente
e interrompe-se o prazo prescricional qualquer medida concreta, efetiva e objetiva
que signifique resistência à posse.

b) Da ocupação

Pelo art. 1.263, “Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe
adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei”. Em outras
palavras, é tornar-se proprietário de coisa móvel sem dono (res nullius), ou de
coisa abandonada (res derelicta), ou seja, cuja propriedade alguém renunciou.

Vale observar que a situação deste art. 1.263 deverá ser interpretada
juntamente com a do artigo 1.233, do Código Civil (“Quem quer que ache coisa
alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor”), que versa sobre
coisa perdida (não passível de aquisição por ocupação), que é diferente de coisa
abandonada (passível de aquisição por ocupação).

c) Do achado de tesouro

A lei dá o nome de tesouro a “depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de


cujo dono não haja memória”, que, uma vez encontrado por alguém autorizado,
“será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro
casualmente” (art. 1.264, CC/2002).
97
DIREITOS REAIS

Se, no entanto, for achado pelo próprio dono do prédio, por alguém por ele
ordenado ou autorizado, pertencerá integralmente a ele.

d) Da tradição

É cediço que o simples contrato de compra e venda não transfere a


propriedade, exigindo-se, no caso do bem imóvel, o registro da transferência do
direito real de propriedade e, ex vi do art. 1.267, CC/2002, a sua tradição, em se
tratando de bem móvel:

Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos


negócios jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o
transmitente continua a possuir pelo constituto possessório;
quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que
se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já
está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.

Portanto, o domínio dos bens móveis se transfere mediante simples


tradição, ou seja, através da efetiva entrega de material da coisa feita pelo
alienante ao adquirente, presumindo-se proprietário aquele que detém a sua
posse direta. James Eduardo Oliveira (2010, p. 1144) explica que:

Assim como a propriedade dos bens imóveis não se transfere pela simples
convenção, reclamando o registro do título que a incorpora no ofício imobiliário
(CC, art. 1.245), a propriedade dos bens móveis também não se transfere
pelo simples acordo de vontades, reclamando a efetiva tradição do bem móvel
negociado. A convenção, ou seja, o negócio jurídico entabulado com vistas à
transferência do bem móvel gera apenas vínculos obrigacionais entre as partes.
Somente a tradição, que consiste na efetiva entrega do bem móvel negociado,
tem vigor jurídico para transferir-lhe a propriedade.

Isso significa que, ainda que tenham as partes celebrado contrato de compra
e venda, enquanto não realizada a tradição, não poderá, por exemplo, opor o
comprador embargos de terceiro. Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL.


AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO C/C LIMINAR -
INTERLOCUTÓRIO DE INDEFERIMENTO NA ORIGEM.
AQUISIÇÃO DE LANCHA. TRADIÇÃO DO BEM
MÓVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. POSSE NÃO
DEMONSTRADA. - Em se tratando de negócio jurídico de
compra e venda de lancha, deve o autor, para a obtenção de
tutela provisória via embargos de terceiros (CPC, art. 1.051),
comprovar a posse de boa-fé sobre o bem móvel, em especial a
data da sua efetiva tradição. DECISÃO MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO (BRASIL, 2016).

98
Capítulo 3 Propriedade

O artigo 1.268 resguarda os direitos do adquirente de boa-fé, que adquire


o bem em circunstâncias tais que o alienante, que não seja proprietário, se
afigurar seu dono; enquanto seu §2º é cristalino quando traz que “Não transfere
a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico (contrato de
compra e venda, de cessão, doação etc.) nulo”.

e) Da especificação

Na lição de Washington de Barros Monteiro, citado por Maria Helena Diniz (1995,
p. 457), especificação “é o modo de adquirir a propriedade mediante transformação de
coisa móvel em espécie nova, em virtude do trabalho ou da indústria do especificador,
desde que não seja possível reduzi-la à sua forma primitiva”.

Trata-se, pois, de obtenção de uma espécie nova em função do trabalho


humano empregado, resultado da sua criatividade.

Imagine, por exemplo, alguém se valer de peças fornecidas por outrem e


inventar uma máquina. De quem será esta invenção? Os artigos 1.269, 1.270 e
1.271, do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p.), trazem a solução:

Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte


alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se
puder restituir à forma anterior.
Art. 1.270. Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir
à forma precedente, será do especificador de boa-fé a espécie
nova.
§ 1o Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se
a espécie nova se obteve de má-fé, pertencerá ao dono da
matéria-prima.
§ 2o Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela,
da escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em
relação à matéria-prima, a espécie nova será do especificador,
se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima.
Art. 1.271. Aos prejudicados, nas hipóteses dos arts. 1.269
e 1.270, se ressarcirá o dano que sofrerem, menos ao
especificador de má-fé, no caso do § 1o do artigo antecedente,
quando irredutível a especificação.

Assim, salvo alguma regra oriunda da relação jurídica existente entre o dono
da matéria-prima e o especificador (este sendo empregado daquele, ou havendo
entre ambos um contrato de produção da coisa nova, cujos regramentos são
próprios), uma vez configurado o instituto da especificação, a propriedade será do
especificador, que deverá indenizar o fornecedor da matéria-prima.

99
DIREITOS REAIS

f) Da Confusão, da “Comistão” e da Adjunção

Segundo o art. 1.272, do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p.):

Art. 1.272. As coisas pertencentes a diversos donos,


confundidas, misturadas ou adjuntadas sem o consentimento
deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível separá-las
sem deterioração.
§ 1o Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo
dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada
um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que
entrou para a mistura ou agregado.
§ 2o Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono
sê-lo-á do todo, indenizando os outros.

Tem-se por confusão a mistura de duas ou mais coisas líquidas; comistão, a


mistura de duas ou mais coisas secas ou sólidas; e adjunção a justaposição de
uma coisa móvel a outra.

Você deve estar estranhando porque usamos a expressão “comistão”


enquanto o Código Civil fala em “comissão”. Na verdade, existe um projeto de lei
em trâmite no Congresso Nacional (PL nº 5160/05), que pretende a substituição
da expressão “comissão” por “comistão” no Código Civil de 2002, por se tratar,
segundo o autor do projeto, de que a expressão adotada pelo legislador se trata
de um erro grosseiro, não guardando conexão com o instituto.

Se coisas pertencentes a proprietários diferentes, por alguma circunstância


acabam se misturando, sem culpa ou má-fé de nenhuma das partes, a regra é
que a propriedade individual persiste, se possível a sua separação. Se, porém,
houve má-fé, a solução será oportunizar à parte inocente optar entre adquirir a
propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe
for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado: “Art.
1.273. Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte
caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu,
abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso
em que será indenizado” (BRASIL, 2002, s.p.).

A mesma regra valerá na hipótese de mistura entre coisas de natureza


diversa (líquida, seca ou sólida) que, juntas, dão forma a uma espécie nova (art.
1.274, CC/2002).

100
Capítulo 3 Propriedade

Modos de Perda da Propriedade


Sobre as formas de perda da propriedade, de bem móvel ou imóvel, o art.
1.275 do CC traz a seguinte relação:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código,


perde-se a propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da
perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro
do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de
Imóveis (BRASIL, 2002, s.p.).

Como se vê, o artigo 1.275 não traz um rol taxativo, mas meramente
exemplificativo, podendo existir outras formas de perda da propriedade além das
cinco mencionadas.

Por exemplo, a adjudicação, a arrematação em leilão e a alienação por


iniciativa particular em processo de execução ou cumprimento de sentença, ou,
ainda o casamento pela comunhão universal, hipótese em que o proprietário
automaticamente perderá 50% da propriedade para seu cônjuge.

Outra forma de perda da propriedade é a propriedade resolúvel, prevista no


artigo 1.359, do Código Civil, que estudaremos adiante.

Sobre as hipóteses do supratranscrito art. 1.275, do Código Civil, na


alienação ocorre a transferência voluntária da coisa de forma onerosa ou gratuita;
já renúncia é o ato unilateral do proprietário que declara formalmente seu desejo
de não ter mais o direito de propriedade; o abandono, por sua vez, é o ato pelo
qual o proprietário se desfaz do bem; o perecimento trata-se de hipótese da
perda das qualidades essenciais e do valor econômico do bem; e, finalmente,
a desapropriação é modo originário de aquisição e perda da propriedade
imobiliária, por interesse social ou utilidade pública. Especificamente sobre o
abandono do bem, estabelece o art. 1.276:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com


a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que
se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado,
como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do
Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas
circunscrições.

101
DIREITOS REAIS

§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas


circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e
passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer
que ele se localize.
§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se
refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais (BRASIL, 2002, s.p.).

Esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 84):

Não basta para o abandono que o sujeito deixe de exercer


continuamente atos de posse. O fato de alguém não ocupar
continuamente um imóvel de veraneio, ou não usar diariamente
um automóvel, não caracteriza abandono. No abandono,
o agente não mantém o desejo de dispor da coisa. É ato
voluntário. É desinteresse do titular. Cumpre que o sujeito
seja capaz, pois o abandono equivale a ato de renúncia e que
seja espontâneo, sem vício de vontade. [...] Para os imóveis, o
abandono caracteriza-se pela ausência do sujeito, que não se
utiliza da coisa e manifesta seu desejo de ali não retornar [...]
A mera ausência temporária não significa abandono. Os fatos
circundantes da ausência do sujeito devem ser examinados.

Há que distinguir, por conveniência jurídica, abandono (causa de perda


da propriedade) de ausência (que não é causa da perda da propriedade).
Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1003305/
DF (BRASIL, 2010, s.p.):

A caracterização da posse nem sempre se dá pelo contato


físico com a coisa, muitas vezes prescindindo de exteriorização
material, bastando a existência de um poder de fato sobre
o bem. Nesse contexto, há de se distinguir o abandono da
ausência, seja ela eventual ou habitual. No abandono, o
possuidor abdica de sua situação jurídica, desligando-se
da coisa com a intenção de se privar definitivamente de sua
disponibilidade física e de não mais exercer sobre ela atos
possessórios. Na mera ausência, o possuidor perde apenas
transitoriamente o contato físico com a coisa, mas mantém a
relação de fato com o bem e a vontade de exercer a posse.

A diferença, portanto, é que na ausência há a perda transitória do contato


com a coisa, sem ânimo de dispensar a coisa, de decliná-la. O caso concreto é
que dirá quando ocorrerá o abandono e quando se dará a mera ausência.

102
Capítulo 3 Propriedade

Propriedade Resolúvel e Ad Tempus


Também chamada de propriedade “ad tempus” ou revogável, a propriedade
resolúvel está prevista no artigo 1.359, do Código Civil: “Resolvida a propriedade
pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também
resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em
cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a
possua ou detenha”.

Vê-se que a propriedade pode ser resolvida, ou seja, a propriedade será


devolvida ao antigo proprietário se implementada a condição ou com o advento
do termo.

É o que explica Arnaldo Rizzardo (2007, p. 457): “Efeitos da Resolução


da Propriedade. Dir-se-á que a propriedade é condicional. Extingue-se com o
advento da condição ou do termo, quando volverá ao antigo proprietário, ou vai
para a pessoa preterida na preferência da aquisição”.

A condição (art. 121, CC/2002), sabe-se, se trata de evento futuro e incerto


que condiciona o início dos efeitos do negócio jurídico; diferente de termo (art.
122), que é evento futuro e certo que condiciona o início dos efeitos.
propriedade
resolúvel é aquela
Assim, propriedade resolúvel é aquela em cujo título de aquisição em cujo título de
do bem haja previsão de cláusula que subordina a resolução da aquisição do bem
propriedade a um evento futuro, certo ou incerto. haja previsão
de cláusula
Por exemplo, se o negócio jurídico que ensejou a transferência de que subordina
a resolução da
propriedade do bem prevê que a doação do imóvel resolver-se-á na
propriedade a um
hipótese de o donatário vir a se casar, ou a falecer antes do doador, evento futuro, certo
trata-se de propriedade resolúvel. ou incerto.

Além da condição ou termo (hipóteses decorrentes da vontade das partes),


o Código Civil admite a resolução da propriedade por outras causas. Um exemplo
é a cláusula resolutiva expressa em contrato de compra e venda em caso de
inadimplência do comprador.

103
DIREITOS REAIS

O art. 1.360, do Código Civil, estabelece a regra da hipótese de transferência


da propriedade por título anterior à causa da resolução: “Se a propriedade se
resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por
título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à
pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade
se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor”. Sobre este dispositivo,
Arnaldo Rizzardo (2007, s.p.) explica que:

O certo é que o texto legal quer significar que, em virtude


da resolução da condição ou do advento do termo, todos os
direitos reais concedidos a terceiros não podem subsistir,
podendo o antigo proprietário agir contra esses terceiros
sem a necessidade de qualquer ação preliminar rescisória
ou de nulidade, porque o seu direito já é líquido em face da
resolução do domínio.

Assim, acaso terceiro tenha adquirido a coisa por título anterior à resolução,
o proprietário original terá ação apenas contra aquele cuja propriedade se
resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

Propriedade Aparente
É sabido, pelo menos por aqueles que têm formação jurídica, que deterá a
propriedade de direito de um imóvel aquele que tiver um documento aceito como
um título de propriedade imobiliária, como (i) escritura pública de compra e venda,
promessa de compra e venda, cessão de direitos, doação ou de permuta, (ii)
carta de adjudicação do imóvel; (iii) carta de arrematação do imóvel em leilão; (iv)
procuração em causa própria; (v) formal de partilha; (vi) testamento homologado;
(vii) sentença judicial declarando a propriedade do imóvel (resultado, por exemplo,
de ação de usucapião ou de adjudicação compulsória); ou (viii) registro de
aquisição do imóvel emitido pelo Oficial de Registro de Imóveis em procedimento
extrajudicial de usucapião, desde que tal título seja devidamente registrado na
matrícula imobiliária do imóvel.

Ocorre que, por diversos fatores ou circunstâncias (como desconhecimento da


lei, falta de dinheiro para providenciar o registro etc.), as pessoas deixam de realizar
este ato indispensável à perfectibilização da transferência da propriedade, exercendo,
contudo, a posse do imóvel como se proprietário, de fato e de direito, fossem.

Trata-se da propriedade aparente, ou non domino, que é o exercício da


propriedade de fato do imóvel, oriunda da crença e do comportamento de que o
imóvel de fato lhe pertença. É o mero domínio sobre a coisa. Segundo Orlando
Gomes (2012, p. 260):

104
Capítulo 3 Propriedade

Para haver propriedade aparente, é preciso que o suposto


proprietário esteja na convicção de que o bem realmente
lhe pertence e o seu comportamento seja de tal ordem que
qualquer pessoa se engane.
O princípio da boa-fé nada tem de especial. O adquirente deve
estar convencido de que houve a propriedade do verdadeiro
dono ou que adquiriu por direito incontestável como no caso de
sucessão hereditária. A boa-fé, no caso, sana o erro cometido.
A putatividade no adimplemento introduz essa ordem de
ideias na definição daqueles a quem se deve pagar. É válido,
reconhece o art. 309 do CCB de 2002, o pagamento feito de
boa-fé ao credor putativo, ainda que depois reste provado não
ser o credor.
O erro deve ser comum e invencível. Necessário, em primeiro
lugar, que a aparência iluda qualquer pessoa, devendo ser de
tal ordem, que todos se enganem. O proprietário há de ser tido
como tal por toda a gente. [...]

A relevância jurídica da propriedade aparente, além do óbvio efeito da


legitimidade para interpor embargos de terceiro, é que a constitui caso clássico
de justo título, quando somado à boa-fé dos adquirentes, para fins de usucapião.

Propriedade Fiduciária
A propriedade fiduciária, prevista nos arts. 1.361 a 1.368, do CC, nada mais é
do que um direito real que se destina a garantir uma relação obrigacional, a partir
do registro do título no Cartório de Títulos e Documentos. Trata-se de propriedade
resolúvel, transferindo o devedor a propriedade do bem ao credor, resolvendo-se
então em favor do devedor quando há o adimplemento da obrigação:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de


coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia,
transfere ao credor.
§ 1o  Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do
contrato, celebrado por instrumento público ou particular,
que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos
do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na
repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a
anotação no certificado de registro.
§ 2o  Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o
desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor
direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna
eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade
fiduciária.

O desdobramento natural da propriedade fiduciária, como se vê, é o retorno


do bem à propriedade do devedor com a quitação da obrigação.

105
DIREITOS REAIS

Se, no entanto, não for paga a dívida, prevê o artigo 1.364, CC: “Vencida a
dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente,
a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas
de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor”.

Trata-se de um direito real sobre coisa alheia de garantia, que será


pormenorizado no Capítulo 6.

Atividade de Estudos:

1) Vimos, acima, que propriedade aparente é o exercício


da propriedade de fato do imóvel, oriunda da crença e do
comportamento de que o imóvel de fato lhe pertença. Faça uma
pesquisa jurisprudencial e responda: é válida a venda de um bem
feita pelo proprietário aparente?
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Algumas Considerações
Vencido este capítulo, em que estudamos sobre propriedade, é essencial
que você saia daqui sabendo que:

• Se a pessoa detiver os quatro atributos da propriedade, mas não a


titularidade do bem, terá apenas o domínio da coisa; e que somente
quando efetuado este registro do título do domínio no competente
Registro de imóveis é que terá reconhecida, perante a coletividade, a
propriedade. A propriedade, portanto, é uma relação entre titular e
coletividade.

• O direito de propriedade assegura ao proprietário a liberdade de usar,


gozar e dispor da coisa, garantida pelo não agir do Estado e na defesa,
pelo próprio Estado através da invocação da tutela jurisdicional, contra
terceiros que eventualmente não respeitem o livre exercício do poder
econômico do titular sobre a coisa.
106
Capítulo 3 Propriedade

• O direito fundamental à propriedade como forma de alcançar o mínimo


existencial, mediante uma prestação (um fazer) do Estado, está atrelado
ao princípio da reserva do possível.

• No correr do século passado, o direito de propriedade sofreu uma intensa


revisão, passando a ser interpretado sob uma nova perspectiva, agora
também social e ambiental.

• A propriedade deve ser usada pelo proprietário com o fim de assegurar o


bem-estar da sociedade, de modo que se pode afirmar que a sua função
social não constitui apenas simples limitação ao direito de propriedade
do titular, mas a sua própria razão de ser.

• Os atributos da propriedade, gozar ou fruir a coisa significam o


poder de retirar ou perceber os frutos (naturais, industriais e/ou civis),
bem como aproveitar economicamente os produtos da coisa, o direito
de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a possua
ou detenha é exercido, pelo proprietário, através de ação dominial
(como a reivindicatória), usar a coisa significa o direito conferido ao
proprietário de utilizar (ou mesmo de não utilizar) a coisa, retirando
dela todas as vantagens que puder propiciar, e dispor da coisa é o
poder de transferir a coisa, gravá-la de ônus e aliená-la a outrem a
qualquer título.

• A aquisição de propriedade pode ser originária (quando não existe


qualquer espécie de relação com o titular anterior, inexistindo relação
jurídica de transmissão) ou derivada (quando há relação jurídica de
transmissão com o titular anterior).

• Derivada é resultado da autonomia das partes (relação inter vivos) ou


decorrente de lei (causa mortis), transferindo-se a propriedade de uma
pessoa para outra, exigindo a lei, para tanto, certas formalidades e
solenidades.

• Originária pode ser a usucapião e a acessão, que é gênero cujas


espécies são a aluvião, avulsão, álveo abandonado, formação de ilhas,
construções e plantações.

• O titular poderá perder a propriedade pela adjudicação, a arrematação


em leilão e a alienação por iniciativa particular em processo de execução
ou cumprimento de sentença, pelo casamento pela comunhão universal,
pela propriedade resolúvel, por alienação, renúncia, abandono, por
perecimento da coisa ou por desapropriação.

107
DIREITOS REAIS

• A aquisição da propriedade de bem móvel pode ocorrer por usucapião,


ocupação, achado do tesouro, tradição, especificação, confusão,
comistão ou adjunção.

• Propriedade resolúvel é aquela em cujo título de aquisição do bem haja


previsão de cláusula que subordina a resolução da propriedade a um
evento futuro, certo ou incerto.

• Propriedade aparente, ou non domino, é o exercício da propriedade de


fato do imóvel, oriunda da crença e do comportamento de que o imóvel
de fato lhe pertença; é o mero domínio sobre a coisa.

• Propriedade fiduciária é um direito real que se destina a garantir uma


relação obrigacional.

Referências
BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. APL: 00107612520158080048,
Relator: JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Data de Julgamento:
05/06/2018, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/06/2018.

______. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. MS 0360247-


80.2008.8.12.0001, Relator: Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges, Data de
Julgamento: 12/06/2017, Mutirão - Câmara Cível II - Provimento n. 391/2017.

______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento


20160010103 Capital 2016.001010-3, Relator: Henry Petry Junior, Data de
Julgamento: 14/03/2016, Quinta Câmara de Direito Civil.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. APL: 10055087120158260037 SP


1005508-71.2015.8.26.0037, Relator: Luiz Antonio Costa, Data de Julgamento:
12/01/2017, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/01/2017.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1003305/DF, Rel. Ministra NANCY


ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 24/11/2010.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 20762 SP 1992/0007812-5, Relator:


Ministro
NILSON NAVES, Data de Julgamento: 15/02/2000, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJ 07/08/2000 p. 103 RSTJ vol. 143 p. 233 RT v. 783.

108
Capítulo 3 Propriedade

DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. v. 3. Rio de Janeiro, 1979.

DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito das coisas. v. 4, São Paulo:


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FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 8. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
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GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. São Paulo: Forense, 2012.

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fundamental de propriedade. Atendimento à função social. Requisitos para
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processo administrativo. Cabimento de mandado de segurança. RIPE – Revista
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RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 3. ed. São Paulo: Forense, 2007.

SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São


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109
DIREITOS REAIS

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina.


Código Civil interpretado conforme a Constituição da República - Direito de
empresa e direito das coisas. V. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2008.

______. Direito civil: direitos reais. v. 5, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

110
C APÍTULO 4
Direitos de Vizinhança

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Compreender o direito de vizinhança como restrições legais ao livre exercício



dos poderes inerentes à propriedade.

Identificar as regras decorrentes do uso anormal da propriedade.


Entender os dispositivos que versam sobre as árvores limítrofes.


Entender e diferenciar a passagem forçada de servidão de passagem.


Conhecer as hipóteses em que é assegurado o direito de passagem de cabos e



tubulações, bem como de águas correntes (inclusive por aquedutos) através de
imóveis vizinhos.

Identificar as regras que versam sobre a demarcação (intervalos, muros, cercas



e os tapumes divisórios) entre os dois prédios.

Saber as limitações ao direito de construir decorrentes do direito de vizinhança.



DIREITOS REAIS

112
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

Contextualização
Depois de termos estudado o direito de propriedade – que, sob a ótica civilista
e constitucional moderna, deve atender à sua função social, não consistindo mais,
como era no passado, em um direito absoluto e ilimitado –, chegou o momento
de conhecer as regras do direito de vizinhança, previstas nas Seções I a VII, do
Capítulo V, do Título III, do Livro III, do Código Civil Brasileiro.

O ininterrupto processo de urbanização do país, somado ao crescimento


(muitas vezes desordenado) e o condensamento das cidades, faz com que
conflitos entre vizinhos sejam cada vez mais comuns e potencializados, sendo
importante conhecer a forma como o ordenamento jurídico regula estas relações
e, por conseguinte, compreender qual a melhor forma, dentro do direito material e
processual, para resolver estes conflitos.

Direito de Vizinhança e a Utilização


Anormal da Propriedade
Conforme visto no capítulo anterior, o direito de propriedade não é
absoluto, já que deve atender à sua função social e ao objetivo do bem comum,
experimentando assim restrições de várias ordens, dentre as quais aquelas
estabelecidas no direito de vizinhança, estampadas a partir do artigo 1.277, do
Código Civil:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o


direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança,
ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela
utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-
se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas
as normas que distribuem as edificações em zonas, e os
limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança
(BRASIL, 2002, s.p.).

Vê-se aqui limitações ao direito de propriedade previstas no direito de


vizinhança, que consistem em restrições legais ao livre exercício dos poderes
inerentes à propriedade em benefício da coexistência social e do bem-estar
individual, em prol da convivência harmoniosa entre titulares de direitos entre
prédios vizinhos.

Isso significa dizer que posso fazer uso do meu imóvel até o limite de gerar
prejuízo ou risco de prejuízo à segurança, ao sossego e à saúde dos prédios
vizinhos e daqueles que o habitam.

113
DIREITOS REAIS

Para saber até onde se pode ir, deve-se levar em consideração uma série de
fatores, como a natureza da utilização do imóvel, a localização do prédio, as normas
de zoneamento, além dos limites ordinários de tolerância, que farão com que estes
limites de utilização se estreitem ou se expandam, conforme veremos a seguir.

Segundo ensina Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho (2002, p. 158), em


artigo intitulado O Direito de Vizinhança no Novo Código Civil:

O direito de vizinhança é o ramo do direito civil que se


ocupa dos conflitos de interesses causados pelas recíprocas
interferências entre propriedades imóveis próximas. Não há
necessidade, como se sabe, de serem as propriedades imóveis
contíguas; basta serem próximas para que possa ter lugar a
interferência, que será, então, coibida pelas normas protetoras
dos direitos de vizinhança.

Assim, os direitos de vizinhança têm por finalidade regulamentar, por meio da


lei, os próprios limites do direito de propriedade em relação aos demais direitos de
propriedade potencialmente em conflito.

As restrições decorrentes do direito de vizinhança emergem justamente


da necessidade de conciliar o exercício do direito de proprietários de imóveis
confrontantes (ou que, por sua distância, possam causar ou sofrer interferência
uns dos outros), para fins de coibir seu uso nocivo e anormal, ou seja, que
possam produzir incômodos, distúrbios ou prejuízos uns aos outros. Silvio de
Salvo Venosa (2010, p. 294) traz alguns exemplos deste uso nocivo:

Odores insuportáveis, gases perigosos, ruídos excessivos,


comportamentos que atentem contra a moral e os bons
costumes, manutenção de animais em local impróprio ou
inadequado, construções perigosas ou perniciosas à vizinhança
e à coletividade, atividades inconvenientes ou insalubres na
região, poluição de águas etc., apenas a riqueza casuística e
o bom-senso do juiz podem concluir. Eis a preocupação dos
direitos de vizinhança: distinguir os limites do bom e do mau
direito de vizinhança do tolerável e do intolerável, por vezes
separados por linha demais tênue.

Limitando o direito de propriedade, a fim de evitar conflitos entre os


proprietários de prédios contíguos, as regras do direito de vizinhança constituem
obrigações propter rem, ou seja, os direitos e obrigações advêm da própria coisa,
pelo simples fato de serem vizinhos.

Sobre os três valores a serem protegidos do mau uso da propriedade –


a segurança, o sossego e a saúde –, explicam Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald (2015, p. 544-545):

114
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

a) segurança: atos que possam comprometer a solidez e a


estabilidade material do prédio e a incolumidade pessoal de
seus moradores. Deve ser afastado qualquer perigo pessoal
ou patrimonial. v. g., instalação de indústria de inflamáveis e
explosivos;
b) sossego: no estágio atual da sociedade pós-moderna, é bem
jurídico inestimável, componente dos direitos da personalidade,
intrinsecamente conectado ao direito à privacidade. Não pode
ser conceituado como a completa ausência de ruídos, mas a
possibilidade de afastar ruídos excessivos que comprometam
a incolumidade da pessoa. É o direito dos moradores a um
estado de relativa tranquilidade, na qual bailes, algazarras,
animais e vibrações intensas provenientes acarretam enorme
desgaste à paz do ser humano.
[...]
c) saúde: concerne ao estado da pessoa cujas funções
biológicas estão normais. A salubridade física ou psíquica pode
ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos, mediante
agentes físicos, químicos e biológicos, como na emissão de
gases tóxicos, poluição de águas e matadouros. Não é raro
que as reiteradas ofensas ao sossego impliquem atentado à
saúde física e psíquica da pessoa.

O acima transcrito artigo 1.277, do Código Civil, quando assegura ao


proprietário ou possuidor de imóvel perturbado pelo uso nocivo do imóvel vizinho,
consagra a teoria do uso normal da propriedade, criada por Rudolf von Ihering
no século XIX, que busca estabelecer as muitas vezes tênue linha entre as
interferências lícitas e ilícitas da utilização de um imóvel, os limites do bom e do
mau direito de vizinhança, do tolerável e do intolerável. Como explicam Chaves e
Rosenvald (2015, p. 544):

Por essa concepção [da teoria do uso normal da propriedade],


resta proibida qualquer utilização do bem que extrapole o uso
normal e acarrete uma imissão nociva na posse ou propriedade
alheia a ponto de acarretar lesão à saúde, sossego ou
segurança dos prédios vizinhos.
O uso normal da propriedade é aquele que busca preservar
a segurança, o sossego e a saúde dos moradores da região
onde se situa o imóvel.

Até que ponto uma interferência pode ser considerada tolerável? Quando
haverá o extrapolamento do normal e do aceitável?

Daí que entram os princípios da coexistência dos direitos e o da


supremacia do interesse público, que compõem a teoria mista, desenvolvida
por San Tiago Dantas em 1939, tida por alguns como a utilizada no Brasil,
conforme estampa o art. 1.278, CC/2002: “Art. 1.278. O direito a que se refere
o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas
por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas,
pagará ao vizinho indenização cabal”.

115
DIREITOS REAIS

A utilização anormal da propriedade é justamente o seu mau uso, quando há


o transbordamento do limite e o comprometimento da segurança, do sossego e/
ou da saúde dos que habitam nos imóveis vizinhos, ocasionando prejuízo, dano,
transtorno ao proprietário vizinho, seja de forma intencional ou não, e que acaba
por descaracterizar a finalidade da vizinhança.

Vimos, acima, que o limite entre o bom e o mau uso da propriedade poderá
ser relativizado conforme a natureza da utilização, a localização do prédio, ao
atendimento às normas constantes das posturas municipais e aos limites
ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Isso significa que os limites poderão variar, conforme a natureza da utilização


(se comercial, se residencial etc.), sua localização (região central, zona industrial
etc.), às normas constantes das posturas municipais (que versam sobre o
tamanho dos prédios etc.), e os limites ordinários de tolerância dos moradores da
vizinhança (imediações de um estádio de futebol, por exemplo).

Porém, um outro aspecto que não pode ser ignorado quando se trata da
avaliação sobre a normalidade ou anormalidade do uso da propriedade é a "teoria
da pré-ocupação", segundo a qual, grosso modo, quem chegou depois não poderá
reclamar das condições ambientais (por exemplo, barulho ou odor) estabelecidas
por quem chegou antes. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 121):
 
[...] em princípio, não teria razão para reclamar quem
construísse nas proximidades de estabelecimentos barulhentos
ou perigosos. É o que sustenta a Teoria da pré-ocupação. Por
ela, aquele que primeiramente se instala em determinado local
acaba, de certo modo, estabelecendo a sua destinação. Tal
teoria não pode, entretanto, ser aceita em todos os casos e
sem reservas. Se o barulho é demasiado ou se a lei proíbe o
incômodo, o proprietário não pode valer-se da anterioridade
de seu estabelecimento para continuar molestando o próximo.

Arnoldo Wald (1985, p. 143) explica:

Foi a doutrina do século XIX que elaborou a teoria do uso


normal, atendendo às necessidades da época. Mas ocorre,
muitas vezes, que um uso anormal, digamos um uso
industrial, é socialmente necessário embora cause prejuízos
aos vizinhos. Nesta hipótese, recorreu-se à teoria da pré-
ocupação. Quem se estabelece num bairro industrial aceita
implicitamente as condições de vida do bairro em questão e
não pode posteriormente queixar-se dos prejuízos sofridos em
virtude dos trabalhos normais das fábricas vizinhas.

116
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

Assim, se alguém opta por adquirir um imóvel em zona industrial, deverá


se sujeitar a situações diferenciadas em relação a outros locais da cidade (como
zonas comerciais, residenciais etc.), com seus benefícios (proximidade do
trabalho ou menor preço do imóvel etc.) e contratempos (barulho, odor etc.).

Ou, para dar outro exemplo, se alguém compra um imóvel nas proximidades
de um clube recreativo que normalmente realiza bailes, não poderá alegar que
este faz mau uso de sua propriedade, desde que, é claro, não utilize volume
excessivo e de forma abusiva.

Árvores Limítrofes
Dispõe o art. 1.282, do Código Civil, que "a árvore, cujo o tronco estiver
na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios
confinantes", ao passo que, nos termos do artigo 1.284, “Os frutos caídos de
árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de
propriedade particular”. Quanto a isso, não surgem grandes dúvidas.

Mas qual a regra a ser aplicada quando uma árvore localizada em um imóvel
acaba interferindo, por seus galhos ou raízes, no imóvel vizinho? A solução está
estampada no art. 1.283, que traz: “Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore,
que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical
divisório, pelo proprietário do terreno invadido”.

Ou seja, é direito do vizinho cortar galhos e raízes que avancem as divisas.


Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2015, p. 555-556) explicam que:

quando os ramos e raízes ultrapassarem a divisão dos prédios,


o dono do terreno invadido poderá cortá-los até o plano vertical
divisório, independentemente de aviso prévio ou qualquer
outra formalidade (art. 1.283 do CC). Trata-se de excepcional
autorização do ordenamento jurídico a autoexecutoriedade
de obrigação de fazer, dispensando-se a intervenção judicial
em questão de pequena monta. Tratando-se de emanação
do direito de propriedade, não se cogite de prescrição da
pretensão ao corte dos ramos e raízes, pois a atividade poderá
ser realizada a qualquer tempo. Qualquer inação será mera
tolerância. A autorização para o corte independe de aferição de
prejuízo ao confinante, sem que se estabeleça nenhuma forma
de indenização, haja vista ser dever jurídico do proprietário
agir de forma a manter a árvore em situação que não gere
interferência na propriedade alheia ou nas vias públicas.

117
DIREITOS REAIS

Ou seja, o Código Civil assegura o direito do vizinho de podar ramos e raízes


que se estendam no plano divisório, independente de autorização do proprietário
da árvore, ainda que não causem danos ao prédio confinante e/ou colocando em
risco a segurança.

Tal direito, por sinal, decorre daquele de fazer cessar as interferências


prejudiciais, a que se refere o artigo 1.277, do Código Civil. Como destaca Venosa
(2007, p. 271):

Se houver árvore, não no limite de propriedades, mas que


cause ou possa causar prejuízo ao vizinho, aplicam-se as
regras gerais do direito de vizinhança, podendo o prejudicado
acionar o dono da árvore, para impedir que o dano ocorra, ou
pedir indenização, se já existe prejuízo.

Isso significa dizer que, estando a árvore no limite entre os dois prédios, poderá
o vizinho acordar com o outro pelo corte da árvore, ou outra solução; se, no entanto,
a árvore estiver no imóvel de um vizinho, porém seus galhos e raízes projetarem-
se sobre o imóvel do outro, a este assiste o direito de, independentemente da
autorização deste, podá-la até o limite vertical de seu imóvel.

Passagem Forçada
O direito de passagem forçada é um direito de vizinhança de natureza
potestativa que tem o proprietário de imóvel encravado (= sem acesso à via
pública, nascente ou porto) de constituir tal acesso através de imóvel vizinho, com
rumo fixado judicialmente e mediante indenização cabal ao seu dono.

Trata-se, pois, de uma situação jurídica que tem por fundamento o direito de
vizinhança, impositivo e obrigatório, regulado pelo artigo 1.285, do Código Civil,
que sujeita o vizinho a tolerar a passagem de parte do seu imóvel por outrem,
mesmo que contra sua vontade:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via pública,
nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização
cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo
será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais
natural e facilmente se prestar à passagem.
§ 2o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma
das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o
proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§ 3o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda
quando, antes da alienação, existia passagem através de
imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido,
depois, a dar uma outra (BRASIL, 2002, s.p.).

118
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

O direito à passagem forçada tem por finalidade evitar que a propriedade fique
sem destinação ou utilização econômica justamente por conta do encravamento,
decorre de lei e está sujeito a alguns requisitos, a saber: que o imóvel esteja, de
fato, encravado, que haja indenização cabal ao vizinho prejudicado e sujeitará o
imóvel que oferecer o acesso de forma mais natural e fácil à via pública.

Verificados tais requisitos, e acaso não haja acordo entre as partes sobre o
rumo a ser fixado e/ou o valor da indenização, não restará alternativa senão as
partes socorrerem-se ao Poder Judiciário.

É importante que você não confunda o direito de passagem forçada com


servidão de passagem (de caminho ou de trânsito), prevista nos É importante que
artigos 1.378 e 1.379, do Código Civil, que é um direito real de gozo você não confunda
sobre o bem alheio, voluntário, por meio do qual o proprietário do imóvel o direito de
serviente tem seu direito de propriedade em parte limitado em favor passagem forçada
do imóvel dominante, para fins de gerar a este uma utilidade, como a com servidão de
facilidade de trânsito de pessoas e bens: passagem

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o


prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a
diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos
proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão
aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o
interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis,
valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a
usucapião (BRASIL, 2002, s.p.).

Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 454) explica que servidão:

é um ônus real, voluntariamente imposto a um prédio (o


serviente) em favor de outro (o dominante), em virtude do qual
o proprietário do primeiro perde o exercício de algum de seus
direitos dominicais sobre o seu prédio, ou tolera que dele se
utilize o proprietário do segundo, tornando este mais útil, ou
pelo menos mais agradável.

O doutrinador Flávio Tartuce (2012, p. 345-346) faz uma oportuna distinção


entre os dois institutos:

Primeira diferença: enquanto a servidão de passagem surge de


um acordo entre os proprietários, a passagem forçada é direito do
titular do imóvel encravado, que poderá exercê-la coativamente.
Segunda diferença: enquanto a servidão de passagem poderá ser
gratuita ou onerosa, pois depende do avençado entre as partes,
a passagem forçada sempre gera direito de indenização ao titular
do prédio que sofre a restrição.
Terceira diferença: enquanto a servidão será registrada no
Registro de Imóveis, o mesmo não se verifica com o direito de
vizinhança.

119
DIREITOS REAIS

As servidões, portanto, possuem a natureza de direito real na coisa alheia;


diferentemente, o direito de passagem é um direito de vizinhança, que
caracteriza limitação legal ao próprio exercício do direito de propriedade, com
viés recíproco e comunitário.

Ainda, o direito de passagem forçada decorre da necessidade (= única


alternativa) e nasce da imposição da lei em proveito somente do prédio encravado,
tratando-se de uma limitação derivada da vizinhança. Já a servidão de passagem
decorre da conveniência ou comodidade (= melhor alternativa) e se estabelece
por ato voluntário entre os titulares dos dois prédios, o dominante e o serviente.

Ainda que institutos distintos, o Superior Tribunal de Justiça reconhece o


direito, em ambas as situações, à proteção possessória:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA. INTERDITO


PROIBITÓRIO. PASSAGEM FORÇADA. SERVIDÃO
DE PASSAGEM. DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS.
NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO. SERVIDÃO
NÃO SE PRESUME E DEVE SER INTERPRETADA
RESTRITIVAMENTE.
1. Apesar de apresentarem naturezas jurídicas distintas, tanto
a passagem forçada, regulada pelos direitos de vizinhança,
quanto a servidão de passagem, direito real, originam-se em
razão da necessidade/utilidade de trânsito, de acesso.
2. Não identificada, no caso dos autos, hipótese de passagem
forçada ou servidão de passagem, inviável a proteção
possessória pleiteada com base no alegado direito.
3. A servidão, por constituir forma de limitação do direito de
propriedade, não se presume, devendo ser interpretada
restritivamente.
4. Recurso especial provido (BRASIL, 2012, s.p.).

Por outro lado, apenas a servidão de passagem será passível de usucapião,


desde que preenchidos os requisitos legais e, além destes, um em especial: que
a servidão seja aparente (com sinais exteriores de existência).

Da Passagem de Cabos e Tubulações


Ainda dentre os direitos de vizinhança, existe o direito de passagem de cabos
e tubulações, que assegura ao proprietário o acesso aos mais variáveis serviços de
utilidade pública (água, esgoto, energia elétrica etc.) com fundamento da solidariedade
nas relações de vizinhança e, ainda, na necessidade econômica de se aproveitar a
moradia, direito social reconhecido no art. 6º, da Constituição Federal.

Segundo Arnaldo Rizzardo (2006, p. 497), o direito de passagem de cabos e


tubulações se destina a:

120
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

garantir o direito dos que executam serviços de utilidade


pública, recebidos por concessão, permissão ou autorização
do Poder Público; e o direito dos proprietários vizinhos que
precisam de parcela do subsolo ou mesmo da superfície da
propriedade vizinha para encanamentos e tubulações a fim
de conduzir bens de utilidade pública, como água, energia
elétrica, telefonia, combustível, ou serviços de esgoto e dejeto
de lixo. Por outro lado, assegura o direito de indenização dos
proprietários que têm seus imóveis perfurados ou reduzido
o aproveitamento de sua utilidade, em face de ocupações
do espaço que fica abaixo da superfície, ou inclusive na
superfície, não apenas na proporção em que se estendem os
cabos, canos, tubulações e outros condutos necessários para
a energia, telefonia, o esgoto, a água e o combustível, mas
também nas laterais necessárias para o trânsito ou locomoção
dos encarregados para a prestação de serviços de conservação
e outros que se impuserem.

Vê-se que o exercício deste direito está condicionado ao pagamento de uma


indenização ao proprietário, que estará obrigado a tolerar a passagem, correspondente
à desvalorização da área remanescente, se sofreu redução no aproveitamento de
sua utilidade. É, aliás, o que estabelece o art. 1.286, do Código Civil:

Art. 1286. Mediante recebimento de indenização que atenda,


também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário
é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de
cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços
de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos,
quando de outro modo for impossível ou excessivamente
onerosa (BRASIL, 2002, s.p.).

Importante estabelecer que não se exige o encravamento do imóvel


beneficiário para fazer jus à passagem de cabos e tubulações, mas tão somente
a comprovação de que o acesso a tais utilidades seja excessivamente oneroso
por outro modo. Em outras palavras, que se comprove que o acesso aos serviços
de utilidade pública demande do vizinho sacrifício desmedido, desproporcional ao
custo normal dos mesmos serviços. 

Assim provado, surge o dever do proprietário de tolerar a passagem de


tubulações dos prédios vizinhos no seu imóvel, em benefício de seus vizinhos, porque
não há outro meio de permitir a eles o acesso a esses serviços de utilidade pública.

Aquele que se sujeita a tal obrigação, porém, terá direito a indenização e a


exigência de que a instalação do cabo ou tubulação seja feita do modo menos
gravoso possível, bem como a realização de obras necessárias à sua segurança
e saúde daqueles que frequentam seu imóvel.

121
DIREITOS REAIS

Por sua vez, os proprietários dos imóveis que se beneficiam da passagem


serão responsáveis pelas obras de construção, conservação e limpeza dos cabos
e tubulações. Como explica Marco Aurélio Viana (2003, p. 272):

as obras necessárias à conservação, construção e limpeza


do aqueduto são de responsabilidade daquele que obtiver a
servidão. Para tanto ele pode ocupar, temporariamente, os
terrenos indispensáveis para o depósito de materiais, prestando
caução pelos prejuízos que possa ocasionar, se for exigido
pelo prédio onerado (art. 126 e parágrafo único do Código de
Águas). Está obrigado às despesas para que o aqueduto seja
implantado, cumprindo-lhe conservar e limpar o acesso ao
terreno, nos limites do necessário ao desenvolvimento dessas
atividades, respeitando-se o direito do imóvel serviente. Além
disso, a garantia que pode ser exigida, sob a forma de caução,
é compreensível, como elemento inibidor de abusos e danos,
de exageros na implantação do aqueduto, na sua construção
e limpeza.

Conveniente destacar que, por não ser aparente, a servidão de água ou


esgoto não pode ser adquirida por meio de usucapião, vez que, conforme
estabelece o artigo 1.379, do Código Civil, apenas as servidões aparentes dão
ensejo à usucapião.

Que tal uma pausa na leitura deste capítulo para assistir a um


vídeo sobre direito de vizinhança? Acesse <https://www.youtube.
com/watch?v=QG2MkfQGlM0> e assista à edição #122 do STJ
NOTÍCIAS, programa da TV JUSTIÇA, que foi ao ar em 24 de
setembro de 2016. Nesta edição, você verá casos reais que versam
sobre conflitos de vizinhança e a forma como o Superior Tribunal de
Justiça os enfrentou.

Das Águas
Antes de entrar no estudo “das águas”, dentro do contexto do direito de
vizinhança, é importante estabelecer que o Código Civil se limita a estabelecer
a questão da água no que tange aos possíveis conflitos entre vizinhos, ao passo
que o controle das águas pelo poder público é regido pelo Decreto no 26.643, de
10 de julho de 1934, o chamado “Código das Águas”.

122
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

As regras da relação entre prédios vizinhos que são atravessados por um


curso d’água estão estabelecidas entre os artigos 1.288 e 1.296, do Código Civil:

Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado


a receber as águas que correm naturalmente do superior, não
podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém
a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser
agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio
superior.
Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio
superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá
o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o
prejuízo que sofrer.
Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do
benefício obtido.
Art. 1.290. O proprietário de nascente, ou do solo onde caem
águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo,
não pode impedir, ou desviar o curso natural das águas
remanescentes pelos prédios inferiores.
Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir
as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida
dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir,
deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se
não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial
das águas.
Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens,
açudes, ou outras obras para represamento de água em seu
prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o
seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor
do benefício obtido (BRASIL, 2002, s.p.).

Como se pode ver da leitura do art. 1.288, quando as águas fluem naturalmente
(isto é, pela simples inclinação dos terrenos, por força da gravidade), é obrigação
do imóvel inferior receber as águas que defluam por obra da natureza (também
chamadas “águas comuns”, “águas escolatícias”, “águas escorredouras”) – como
as das nascentes (que brotam do solo) e as pluviais (que provêm da chuva) – do
imóvel superior, não podendo seu proprietário realizar obras que embaracem o
seu fluxo.

Cristiano Imhof (2012, p. 1197) destaca que este dispositivo se refere


apenas às águas naturalmente correntes naturais, de modo que “não se incluem
no  incommodum do prédio inferior as águas extraídas de poços, cisternas,
piscinas e reservatórios, nem as provenientes das fábricas e usinas, nem as
elevadas artificialmente, nem as que escorrem dos tetos das casas”.

Em outras palavras, não estão incluídas na lei as águas extraídas


artificialmente, ou mesmo os esgotos e detritos provenientes de prédio superior. 

123
DIREITOS REAIS

Vale, no entanto, consignar que nossos tribunais já se manifestaram no


sentido de que, ainda que se tratando de água decorrente da piscina ou da limpeza
de quintal, é dever do proprietário do imóvel inferior suportar sua passagem, desde
que através de tubulação, não havendo sentido em separar a origem das águas:
“DIREITO DE VIZINHANÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. Plenamente cabível que
tanto a água pluvial como a água decorrente da piscina ou da limpeza do quintal
sejam escoadas pela tubulação a ser reparada pela apelada. Sentença mantida.
Recurso improvido” (BRASIL, 2010, s.p.).

Esta ressalva, no entanto, dependerá dos critérios não do disposto no


art. 1.288, que versa sobre as águas naturais, mas sobre os da passagem de
tubulações e outros condutos subterrâneos, previstos no já estudado art. 1286, ou
seja, obrigando o proprietário/possuidor do imóvel inferior permitir a passagem da
tubulação oriunda do imóvel superior apenas quando de outro modo for impossível
ou excessivamente onerosa.

Pela dicção do art. 1.288, deverá o imóvel inferior suportar o fluxo da água
em condições comuns proveniente do imóvel superior, desde que não haja
interferência por parte deste neste fluxo. Afinal, não pode o ribeirinho do prédio
superior, em prejuízo dos prédios inferiores, tornar a corrente d’água mais intensa.
Ou seja, a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada
por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior, hipótese em que
aquele poderá exigir que elas sejam desviadas ou que seja indenizado pelos
possíveis prejuízos decorrentes deste aumento de fluxo que sofra ou, ainda, pela
desvalorização do seu imóvel. 

Assim, por exemplo, se o proprietário do imóvel superior realiza obras de


instalação de um sistema de escoamento das águas pluviais, não há que se
imputar ao imóvel inferior a obrigação de suportar os efeitos do escoamento das
águas em maior volume, resultado da otimização daquele sistema.

Traz-se, ainda, que nada impede que o proprietário do imóvel inferior realize
obras que diminuam os impactos do escoamento da água remanescente (= aquela
que “sobra” da passagem e utilização pelo imóvel anterior) ou que otimize seu
aproveitamento, represando-a para atender suas necessidades mínimas – desde
que, é claro, não impacte no imóvel anterior e não influencie no seu curso normal
até o imóvel seguinte.

É certo, também e por óbvio, que é dever do proprietário do imóvel não poluir
as águas “indispensáveis às primeiras necessidades da vida” que correrão para
o imóvel inferior, como visto no art. 1.291, CC, devendo recuperar ou, se não
for possível a recuperação e/ou exigindo o desvio do curso artificial das águas,
ressarcir os danos aos proprietários dos imóveis inferiores, sem prejuízo das
sanções penais e administrativas.

124
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

Outro assunto de extrema relevância referente às águas no direito de


vizinhança são os aquedutos, construções de canais ou dutos instalados em
imóveis vizinhos, com o propósito de facilitar o acesso à água, regulados nos
artigos 1.293 a 1296, do Código Civil:

Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia


indenização aos proprietários prejudicados, construir canais,
através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha
direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e,
desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à
indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas
ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
§ 1o Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste
direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham
da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração
das obras destinadas a canalizá-las.
§ 2o O proprietário prejudicado poderá exigir que seja
subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas,
pátios, hortas, jardins ou quintais.

§ 3o O aqueduto será construído de maneira que cause o menor


prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas
do seu dono, a quem incumbem também as despesas de
conservação.
Art. 1.294. Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos arts.
1.286 e 1.287.
Art. 1.295. O aqueduto não impedirá que os proprietários
cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para
a sua segurança e conservação; os proprietários dos imóveis
poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras
necessidades da vida.
Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros
poderão canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293,
mediante pagamento de indenização aos proprietários
prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância
equivalente às despesas que então seriam necessárias para a
condução das águas até o ponto de derivação.
Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis
atravessados pelo aqueduto (BRASIL, 2002, s.p.).

Anote-se que o caput do art. 1293 fala em canais, ou seja, estruturas


artificiais de superfície, ao passo que o parágrafo segundo prevê que o
proprietário prejudicado poderá exigir a construção (e a manutenção), às
expensas do beneficiário, de canalização subterrânea para que a água atravesse
áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais. Segundo lição de Francisco
Eduardo Loureiro (2007, p. 1.141) sobre o aqueduto: 

Está o direito de aqueduto sujeito a alguns requisitos


cumulativos, a saber: - primeiro, é oneroso, de modo que o
titular do prédio serviente faz jus a prévia indenização, a ser
paga antes do início do exercício de passagem. A indenização
abrange a desvalorização do prédio serviente decorrente da

125
DIREITOS REAIS

passagem e do recuo necessário à sua manutenção e será


judicialmente fixada, se não houver consenso entre as partes.
O § 1º do art.  1.293 do Código Civil diz que a indenização
abrange a deterioração causada pelas obras de implantação
da canalização; 
- segundo, somente cabe para receber as águas a que tenha
direito, a qualquer título, desde que indispensáveis para as
primeiras necessidades da vida ou para o escoamento das
águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
Nota-se que a atual redação restringiu sobremaneira as
hipóteses do art. 117 do Código de Águas, que referia também
à necessidade para os serviços de agricultura e indústria.
Parece razoável, porém, que a utilização econômica do prédio
dominante preencha o requisito necessidade econômica básica
e especialmente da função social da propriedade, de modo que
continua implícito no Código Civil de 2002;
- terceiro, que a servidão de aqueduto não cause prejuízo
considerável à agricultura e à indústria do prévio serviente [...].

Mas trata-se o aqueduto de um direito de vizinhança ou tem natureza


jurídica de servidão (afinal, não é rara a utilização da expressão de “servidão de
aqueduto”)? Em outras palavras, o proprietário é obrigado a suportar a passagem
de aqueduto (seja de superfície ou subterrânea) por sua propriedade?

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que porquanto “os direitos de


vizinhança são manifestação da função social da propriedade, caracterizando
limitações legais ao próprio exercício desse direito, com viés notadamente
recíproco e comunitário. O que caracteriza um determinado direito como de
vizinhança é a sua imprescindibilidade ao exercício do direito de propriedade
em sua função social” e que “O direito à água é um direito de vizinhança, um
direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis
que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico, haja vista que, de
acordo com a previsão do art. 1º, I e IV, da Lei no 9.433/97, a água é um bem
de domínio público, e sua gestão deve sempre proporcionar o uso múltiplo
das águas”, acaso não existam outros meios de passagem de água, “o vizinho
tem o direito de construir aqueduto no terreno alheio independentemente
do consentimento de seu vizinho; trata-se de imposição legal que atende ao
interesse social e na qual só se especifica uma indenização para evitar que seja
sacrificada a propriedade individual” (BRASIL, 2016) (grifo nosso).

O detalhe, portanto, reside justamente na existência ou não de outros meios


possíveis de acesso à água: se não existem, o beneficiário tem o direito de
construir aqueduto no terreno alheio independentemente do consentimento de

126
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

seu vizinho; se existem, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a


passagem de aqueduto representaria mera utilidade, o que afasta a incidência do
art. 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos
termos do art. 1.380, do Código Civil.

Logo, havendo outro meio de acesso à água, os vizinhos não são obrigados
a aceitar a passagem de aqueduto, prevalecendo o direito de propriedade.

Derradeiro destaque, sobre o aqueduto, é que apesar de não se confundirem


com passagem de tubulações em imóvel alheio, que deve ser tolerada pelo
proprietário do imóvel quando se tratar de "serviços de utilidade pública, em
proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou
excessivamente onerosa", o artigo 1.294, do Código Civil, prevê que se aplicam à
servidão de aquedutos as regras pertinentes à passagem de cabos e tubulações.

Atividade de Estudos:

1) Acerca da servidão de aqueduto, assinale a alternativa correta:


(Ano: 2011 Banca: FGV Órgão: OAB Prova: Exame de Ordem
Unificado - IV - Primeira Fase)

a) ( ) O proprietário do prédio serviente, ainda que devidamente


indenizado pela passagem da servidão do aqueduto, poderá
exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa
áreas edificadas, pátios, jardins ou quintais.

b) ( ) Se o uso das águas não se destinar à satisfação das


exigências primárias, o proprietário do aqueduto não deverá
ser indenizado pela retirada das águas supérfluas aos seus
interesses de consumo.

c) ( ) O aqueduto deverá ser construído de maneira que cause


o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e
a expensas do seu dono, mas a quem não incumbem as
despesas de conservação.

d) ( ) Não se aplicam à servidão de aquedutos as regras


pertinentes à passagem de cabos e tubulações.

127
DIREITOS REAIS

Por fim, pertinente destacar que, conforme a natureza jurídica do aqueduto


– ou seja, dependendo da existência ou não de outros meios de acesso à agua,
configurando assim necessidade ou conveniência –, o beneficiário fará jus ou não
à proteção possessória.

Melhor dizendo, se o aqueduto tiver natureza jurídica de servidão (decorrência


da mera utilidade), o beneficiário estará exercendo mera detenção, não havendo
direito à proteção possessória. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE


- ARTIGO 561 DO NCPC - AQUEDUTO - PROPRIEDADE
VIZINHA - MERA TOLERÂNCIA - ACESSO DIRETO À AGUA
- POSSE NÃO CARACTERIZADA - IMPROCEDENCIA DO
PEDIDO. - Na ação possessória de procedimento especial,
incumbe à parte autora provar os fatos constitutivos do direito
alegado, ou seja, a posse anterior, o esbulho e sua data, bem
como a perda da posse para a parte requerida, nos termos do
artigo 561 do NCPC - O proprietário de imóvel que constrói
aqueduto em terreno alheio, por mera tolerância deste,
para ter acesso facilitado à água, não tem direito à proteção
possessória, visto que exerce mera detenção - A construção
discricionária de aqueduto neste caso não se confunde com
a passagem de tubulações em imóvel alheio, que decorre do
direito de vizinhança, e deve ser tolerada pelo proprietário do
imóvel quando se tratar de "serviços de utilidade pública, em
proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for
impossível ou excessivamente onerosa" (art. 1.286) - Recurso
não provido. Sentença mantida (BRASIL, 2018, s.p.).

Contrario senso, se houver necessidade do aqueduto, será direito de


vizinhança, existindo direito à tutela possessória.

Limites Entre Prédios e Direito de


Tapagem
Um dos temas ligados ao direito de vizinhança que gera mais conflitos é a
construção de muros e cercas, regulados no artigo 1.297 e 1298, do Código Civil:

Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar


ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e
pode constranger o seu confinante a proceder com ele à
demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados
e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-
se proporcionalmente entre os interessados as respectivas
despesas.

128
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

§ 1o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais


como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou
banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer
a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados,
de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer,
em partes iguais, para as despesas de sua construção e
conservação.
§ 2o As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que
servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou
arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
§ 3o A construção de tapumes especiais para impedir a
passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim,
pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles,
pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as
despesas.
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio,
se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não
se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por
partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão
cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao
outro (BRASIL, 2002, s.p.).

Da leitura destes dispositivos, é possível extrair algumas conclusões simples:

A primeira é de que o proprietário de um imóvel possui o direito de cercá-lo e exigir


do vizinho lindeiro que não contribuiu para a edificação da divisória o ressarcimento
de metade das despesas que tenha despendido com a sua construção.

A segunda é de que existe uma presunção legal de que o muro construído na


linha divisória entre os imóveis confinantes pertence a ambas as partes (uma espécie
de condomínio necessário), o que implica no dever de os proprietários confinantes
concorrerem igualmente com as despesas de construção e conservação.

Mas em casos em que se verifique a necessidade da construção de muros


de arrimo (para contenção de terra), naturalmente mais caros do que muradas
simples, de quem será a responsabilidade pelas despesas? Em regra, a
responsabilidade pela contenção das terras será daquele que modificou o perfil
natural do terreno.

É que toda e qualquer obra em seu imóvel que possa gerar prejuízo ou
riscos no imóvel do proprietário lindeiro (como infiltrações, rachaduras ou risco
de desabamento) será de sua exclusiva responsabilidade a construção de
muro para garantir a segurança, o sossego e a saúde do imóvel prejudicado e
daqueles que o habitam.

129
DIREITOS REAIS

Direito de Construir
Para tratar do direito de construir, sob a ótica do direito de vizinhança,
partamos da premissa já estudada de que é direito do proprietário ou o possuidor
de um prédio fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego
e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha,
do que se conclui que o proprietário do imóvel terá o direito de usufruí-lo até o
limite que possa gerar aos imóveis vizinhos interferências que lhes prejudiquem a
segurança, ao sossego e à saúde.

E o direito de construir, por conta de determinação expressa do art. 1.299,


do Código Civil, também está limitado a estas regras do direito de vizinhança,
além dos regulamentos administrativos: “Art. 1.299. O proprietário pode levantar
em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos” (BRASIL, 2002, s.p.).

O direito de construir, portanto, não é irrestrito, cabendo a tutela jurídica


quando há excessos de forma a comprometer a segurança e a preservação da
harmonia entre vizinhos.

A partir daí, o Código traz uma série de regras específicas sobre o direito de
construir, como a vedação à realização de construções que despejem águas sobre
o imóvel vizinho (art. 1.300, CC/2002), que sejam capazes de poluir, ou inutilizar,
para uso ordinário, a água do poço ou nascente alheia (art. 1.309, CC/2002), obras
que retirem a água do poço ou da nascente alheia (art. 1.310, CC/2002), ou que
se encoste à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos
ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais
ao vizinho (art. 1.308, CC/2002). Regras que estabelecem metragem mínima
de distância para a abertura de janelas ou construção de terraços ou varandas
(1.301, CC/2002) ou mesmo para levantamento de construções (1.303, CC/2002):

Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu


prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.
Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou
varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho.
§ 1o As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória,
bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a
menos de setenta e cinco centímetros.
§ 2o As disposições deste artigo não abrangem as aberturas
para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de
largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de
dois metros de altura de cada piso.

130
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após


a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada,
terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não
poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo
antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das
águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para
luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho
poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro,
ainda que lhes vede a claridade.
Art. 1.303. Na zona rural, não será permitido levantar
edificações a menos de três metros do terreno vizinho.
Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação
estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele
edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo,
se ela suportar a nova construção; mas terá de embolsar ao
vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes.
Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar
a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo,
sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o
vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a
profundidade do alicerce.
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos
vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro,
não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução
àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.
Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até
ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou a
separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro
condômino das obras que ali tenciona fazer; não pode sem
consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários,
ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma
natureza, já feitas do lado oposto.
Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede
divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o
alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de
conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação
também na parte aumentada.
Art. 1.308. Não é lícito encostar à parede divisória chaminés,
fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis
de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho.
Parágrafo único. A disposição anterior não abrange as
chaminés ordinárias e os fogões de cozinha.
Art. 1.309. São proibidas construções capazes de poluir, ou
inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente
alheia, a elas preexistentes.
Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer
obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água
indispensável às suas necessidades normais (BRASIL, 2002,
s.p.).

131
DIREITOS REAIS

No entanto, vale um estudo mais demorado sobre a regra da impossibilidade


da execução de obra ou serviço que, de qualquer forma, possa provocar
desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do
prédio vizinho, prevista nos artigos 1.311 e 1.312, do Código Civil:

Art. 1.311. Não é permitida a execução de qualquer obra ou


serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação
de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho,
senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias.
Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito
a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstante
haverem sido realizadas as obras acautelatórias.
Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas
nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas,
respondendo por perdas e danos (BRASIL, 2002, s.p.).

É dever do proprietário do imóvel, antes de realizar obra que possa


comprometer a segurança de prédios vizinhos, tomar medidas preventivas
eficazes para evitar a concretização deste risco (ainda que, não obstante
haverem sido realizadas as obras acautelatórias, o proprietário do prédio vizinho
tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer).

Hely Lopes Meireles (2000, p. 262) destaca a responsabilidade decorrente


dos danos a prédios vizinhos decorrente de lesividade do próprio fato da
construção, independentemente da ilicitude ou licitude do ato de construir:

Essa responsabilidade independe de culpa do proprietário ou


do construtor, uma vez que não se origina da ilicitude do ato
de construir, mas, sim, da lesividade do fato da construção.
É um caso típico de responsabilidade sem culpa, consagrado
para a lei civil, como exceção defensiva da segurança, da
saúde e do sossego dos vizinhos (art. 544). E sobejam
razões em seus bens mais que a prova da lesão e do nexo de
causalidade entre a construção vizinha e o dano. Estabelecido
esse liame, surge a responsabilidade objetiva e solidária de
quem ordenou e de quem executou a obra lesiva ao vizinho,
sem necessidade da demonstração de culpa na conduta do
construtor ou do proprietário. Daí a afirmativa peremptória
de Pontes de Miranda, sufragando a boa doutrina, de que 'a
pretensão à indenização que nasce da ofensa ao direito de
vizinhança é independente de culpa' [...].

Como se vê, a responsabilidade pelos danos de vizinhança resultantes de


construção é objetiva, independendo de dolo ou culpa.

132
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

A lei também é expressa quando a obrigação do proprietário ou possuidor


do imóvel tolerar a entrada de vizinho em seu prédio, mediante prévio aviso,
para dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção
reconstrução ou limpeza de sua casa, esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos,
poços e nascentes e ao aparo de cerca viva e do muro divisório (art. 1.313, I
c/c § 1.º, CC) ou para apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se
encontrem casualmente (art. 1.313, II, CC), assegurado o direito à indenização
em caso de danos decorrentes deste uso provisório.

Algumas Considerações
Vencido este capítulo, em que estudamos o direito de vizinhança e o
reconhecemos como uma série de limitações, estabelecidos expressamente em
lei, sobre os direitos de propriedade, a fim de garantir uma harmoniosa convivência
social entre os vizinhos, é importante que você saia daqui sabendo que:

• Pela teoria do uso normal da propriedade, criada por Ihering, é proibida


a utilização do bem que extrapole o seu uso normal e acarrete uma
imissão nociva na propriedade alheia, a ponto de causar lesão à saúde,
ao sossego ou à segurança dos prédios vizinhos;

• As regras do direito de vizinhança constituem obrigações propter rem;

• O limite entre o bom e o mau uso da propriedade poderá ser relativizado


conforme a natureza da utilização, a localização do prédio, ao
atendimento às normas constantes das posturas municipais e aos limites
ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança;

• A lei assegura o direito do vizinho de podar ramos e raízes que se


estendam no plano divisório, independentemente de autorização do
proprietário da árvore;
• Direito de passagem é um direito que tem o proprietário de imóvel
encravado de constituir um acesso à via pública através de imóvel
vizinho, com rumo fixado judicialmente e mediante indenização cabal ao
seu dono;

• A passagem forçada (decorre da necessidade e é imposta por lei) não é


a mesma coisa que servidão de passagem (decorre da conveniência e
se estabelece por ato voluntário);

133
DIREITOS REAIS

• O direito de passagem de cabos e tubulações assegura ao proprietário


o acesso aos mais variáveis serviços de utilidade pública (água, esgoto,
energia elétrica etc.) com fundamento da solidariedade nas relações de
vizinhança, bastando a comprovação de que o acesso a tais utilidades
seja excessivamente oneroso por outro modo;

• Quando as águas fluem naturalmente (isto é, pela simples inclinação dos


terrenos, por força da gravidade) é obrigação do imóvel inferior receber
as águas que defluam por obra da natureza – como as das nascentes e
as pluviais – do imóvel superior, não podendo seu proprietário realizar
obras que embaracem o seu fluxo, desde que não haja interferência por
parte daquele neste fluxo;

• É dever do proprietário do imóvel não poluir as águas indispensáveis


às primeiras necessidades da vida que correrão para o imóvel inferior,
devendo recuperar ou, se não for possível a recuperação e/ou
exigindo o desvio do curso artificial das águas, ressarcir os danos aos
proprietários dos imóveis inferiores, sem prejuízo das sanções penais e
administrativas;
• O vizinho tem o direito de construir aqueduto no terreno alheio
independentemente do consentimento de seu vizinho, quando não existir
outro meio de acesso à água;

• Existe uma presunção legal de que o muro construído na linha divisória


entre os imóveis confinantes pertence a ambas as partes (uma espécie
de condomínio necessário), o que implica no dever dos proprietários
confinantes concorrer igualmente com as despesas de construção e
conservação.

• O direito de construir não é irrestrito, cabendo a tutela jurídica quando


há excessos de forma a comprometer a segurança e a preservação da
harmonia entre vizinhos;

• É dever do proprietário do imóvel, antes de realizar obra que possa


comprometer a segurança de prédios vizinhos, tomar medidas
preventivas eficazes para evitar a concretização deste risco (ainda
que, não obstante haverem sido realizadas as obras acautelatórias, o
proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos
que sofrer).

134
Capítulo 4 Direitos de Vizinhança

Referências
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em
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MEIRELES, Hely Lopes. Direito de construir. 8. edição. São Paulo: Editora


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135
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VIANA, Marco Aurélio. Comentários ao novo Código Civil. Dos Direitos Reais,
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WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 5. ed. São Paulo: RT, 1985. 

136
C APÍTULO 5
Condomínio

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Compreender o conceito e as características do condomínio.


Conhecer as classificações dos condomínios quanto à origem, quanto à forma



de se manifestar, quanto ao objeto e quanto à necessidade.

Saber os direitos e as obrigações dos condôminos no condomínio voluntário,



bem como a forma de administração e sua extinção.

Aprender o que é e como se rege o condomínio necessário.


Reconhecer o condomínio edilício, os direitos e as obrigações dos seus



condôminos, a forma de administração e casos de extinção.

Conhecer o condomínio de lotes.



DIREITOS REAIS

138
Capítulo 5 Condomínio

Contextualização
Porquanto a vida nas cidades tenha, nas últimas décadas, experimentado
primeiro um processo de verticalização, com o surgimento de prédios que
oferecem estrutura compatível com a de verdadeiros clubes recreativos e, mais
recentemente, com a criação de “condomínios fechados”, não há dúvida de que o
instituto do condomínio tem se revelado de grande relevância no universo jurídico
brasileiro (vide a quantidade de ações judiciais em que se discutem os problemas
experimentados dos muros do condomínio para dentro, como a discussão
sobre a forma de rateio das despesas, disputa entre condôminos, problemas de
convivência etc.).

Não se olvide, também, as mais variadas modalidades de condomínio geral,


oriundas, por exemplo, de heranças em que os herdeiros ou legatários se veem
como proprietários de bens e, nesta condição, precisam tomar decisão de ou
extingui-lo mediante alienação judicial ou ação de divisão ou, acaso optem, por
administrá-lo.

Daí a necessidade, em quaisquer dos quadros – condomínio geral,


condomínio edilício ou, mais recentemente, condomínio de lotes –, de se conhecer
os direitos e obrigações dos condôminos, quais as regras que os regem, como
criá-los e como extingui-los.

Daí a relevância do presente estudo.

Conceito de Condomínio
A regra, já estudada, é que toda propriedade será exclusiva (art. 1.231,
CC/2002), ou seja, presume-se que um único proprietário terá a faculdade de
usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.

Ocorre que, por uma série de circunstâncias, legais ou decorrentes de


atos volitivos, duas ou mais pessoas podem exercer a propriedade sobre
uma única coisa, sendo coproprietários (você verá também “coproprietário” e
“comproprietário”) ou condôminos desta coisa.

Discutiu-se se condomínio e comunhão seriam sinônimos, não havendo


atualmente, no entanto, maiores dúvidas de que comunhão seja um conceito mais
amplo (de qualquer direito), que abrange o condomínio (direito de propriedade),
de modo que comunhão é gênero do qual o condomínio é uma espécie.

139
DIREITOS REAIS

Segundo Arnaldo Rizzardo (2004, p. 575), condomínio é “quando uma coisa


pertence a diversos proprietários e fica na indivisão, recaindo o direito de cada
proprietário sobre o conjunto, e não sobre a porção determinada da coisa. A
propriedade de um bem pertence pro indiviso a várias pessoas“.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “dá-se o condomínio quando a


mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual
direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes” (2002, p. 175).

É possível extrair duas características do condomínio: a simultaneidade e a


concorrência de propriedade.

A propriedade é simultânea porque duas ou mais pessoas exercem a


propriedade ao mesmo tempo, enquanto será concorrente porque todos os
comunheiros têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade do bem,
limitado à proporção quantitativa das quotas.

Miguel Maria de Serpa Lopes, citado por Rizzardo (2004, p. 575-576),


apresenta três caracteres do condomínio:

1º) pluralidade de sujeitos; 2º) a indivisão material, ou seja, a


unidade no objeto, por não se poder dizer que o direito de cada
condômino recaia sobre cada uma das moléculas da coisa e
ali se encontrem com o direito dos demais proprietários; 3.º)
a atribuição de quotas (divisão intelectual) representativas da
proporção dentro na qual os coproprietários deverão fruir dos
benefícios da coisa, suportar-lhe os encargos e obter uma
parte material dos mesmo quando se fizer a divisão (ou do
valor quando for materialmente divisível).

Como se vê, no condomínio, cada parte terá sua quota ideal, uma fração
ideal do condomínio. Segundo Maria Helena Diniz (2009, p. 2011):

Essa quota ideal é a fração que, no bem indiviso, cabe a cada


consorte. É o termômetro indicativo da força jurídica, ativa
e passiva, de cada comproprietário em suas relações com
os demais. Resulta a quota condominial de um direito real
de propriedade fracionário, tocando a vários indivíduos em
relação a uma mesma coisa, de modo a ser esta considerada
pertinente a cada um deles por uma quota-parte ideal. De
forma que tal fração ideal representa, assim, uma expressão
matemática enquanto não se der o término do condomínio,
com a concreta separação dessa quota ideal. A quota ideal é o
elemento que possibilita calcular o montante das vantagens e
o ônus que podem ser atribuídos a cada um dos comunheiros.

Assim, cada condômino fará jus a uma fração ideal, ou quinhão, um


percentual (de 0,1% a 99,9%) do todo (100%), sendo proporcionalmente investido
de direitos e obrigações.
140
Capítulo 5 Condomínio

Classificação do Condomínio
O condomínio pode ser classificado segundo vários critérios. Aqui,
escolhemos quatro deles: quanto à origem, quanto à forma de se manifestar,
quanto ao objeto e quanto à necessidade.

Quanto à origem, o condomínio poderá ser convencional (ou voluntário),


incidente (também chamado de eventual ou fortuito) ou legal (necessário ou forçado).

No primeiro deles, como o próprio nome já diz, o condomínio nasce da


vontade das partes, de uma convenção que estabelecerá as regras de relação
entre os participantes.

No segundo, quando o condomínio surge por razões alheias à vontade dos


condôminos. É o caso, por exemplo, de uma doação de um único bem feita a
duas ou mais pessoas, ou de uma herança deixada a vários herdeiros.

No terceiro, também não resultado da vontade das partes, porém instituído


por lei, como resultado de uma imposição de ordem jurídica. É, por exemplo, o
caso de cercas, muros e valas, que pertencem, por força de lei, aos proprietários
dos imóveis confrontantes em condomínio forçado.

Quanto à forma de se manifestar, o condomínio poderá ser pro diviso ou


pro indiviso. Segundo explica Maria Helena Diniz (2009, p. 210):

No pro diviso, a comunhão existe juridicamente, mas não


de fato, já que cada comproprietário tem uma parte certa e
determinada do bem, como ocorre no condomínio em edifícios
de apartamentos. Logo, por outras palavras, esse condomínio
pro diviso ocorre quando os consortes, com a aprovação tácita
recíproca, se instalam em parte da área comum, exercendo
sobre ela todos os atos de proprietário singular e com exclusão
de seus condôminos como se a gleba já tivesse sido partilhada.
No pro indiviso, a comunhão perdura de fato e de direito; todos
os comunheiros permanecem na indivisão, não se localizando
no bem, que se mantém indiviso.

No pro diviso, apesar de ser juridicamente um condomínio, cada parte


conhece e exerce a posse sobre sua parte certa; no pro indiviso, as partes não
conhecem e, portanto, não exercem a posse sobre seus quinhões, em razão da
natureza indivisível do bem. Exemplo desta última, uma única casa deixada, em
herança, para sete herdeiros. Não havendo que se cogitar que um fique com o
banheiro, outro com o corredor, e assim por diante, tratar-se-á de um condomínio
pro indiviso.

141
DIREITOS REAIS

Quanto ao objeto, poderá ser universal ou particular.

Será particular quando a comunhão se restringir a determinadas coisas


ou efeitos. Exemplo: no caso de condomínio de águas ou paredes entre imóveis
vizinhos, o condomínio limitar-se-á apenas a estes bens (e não, por certo, sobre
a totalidade dos imóveis). Por outro lado, será universal quando o condomínio
compreender a integralidade do bem, incluindo frutos e rendimentos. Um exemplo
será aquela casa herdada pelos sete irmãos, mencionada linhas acima.

Finalmente, quanto à necessidade, o condomínio poderá ser transitório


(ou ordinário) ou permanente. Será transitório quando – independentemente
de ser voluntário ou não – existir enquanto não for extinto, ao passo que será
permanente quando, por sua natureza, não for passível de extinção. Exemplo de
transitório é a casa herdada, até ser vendida e repartido o produto. Exemplo de
permanente é muro limítrofe.

O Código Civil divide o condomínio em “geral”, subdividindo-o em voluntário


e necessário, e dois específicos, o “edilício” e o “de lotes”.

Condomínio Geral
O Código Civil, como visto, traz como condomínio geral – que é a sujeição
de uma coisa, divisível ou indivisível, à propriedade simultânea e concorrente
de duas ou mais pessoas – os condomínios voluntários (oriundo da vontade das
partes) e necessário (decorrente de imposição legal), estabelecendo, quanto ao
primeiro, os direitos e obrigações do condômino e sua forma de administração.

a) Direitos e deveres dos condôminos no condomínio voluntário

Vimos que no condomínio voluntário, a comunhão nasce da vontade entre


as partes, que poderão estabelecer, em convenção, os direitos e obrigações dos
condôminos.

Maria Helena Diniz (2009, p. 211) lembra que os direitos e obrigações dos
condôminos podem ser classificados em suas relações internas, ou seja, entre
eles próprios, e em suas relações com terceiro.

Independente dos pormenores eventualmente estabelecidos nas convenções,


o Código Civil estabelece algumas regras gerais, previstas nos artigos 1.314 a
1.319, in verbis:

142
Capítulo 5 Condomínio

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua


destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis
com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse
e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a
destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela
a estranhos, sem o consenso dos outros.
Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua
parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão
da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos
condôminos.
Art. 1.316. Pode o condômino eximir-se do pagamento das
despesas e dívidas, renunciando à parte ideal.
§ 1o Se os demais condôminos assumem as despesas e as
dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de
quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem.
§ 2o Se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa
comum será dividida.
Art. 1.317. Quando a dívida houver sido contraída por todos
os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na
obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que
cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na
coisa comum.
Art. 1.318. As dívidas contraídas por um dos condôminos em
proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o contratante;
mas terá este ação regressiva contra os demais.
Art. 1.319. Cada condômino responde aos outros pelos frutos
que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou (BRASIL,
2002).

Tratando-se o condomínio de uma exceção à regra pela qual toda propriedade


é exclusiva, vê-se que cada condômino tem o direito de usar a coisa conforme sua
destinação e sobre a coisa exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão,
bem como alhear a respectiva parte ideal e de gravar sua parte (por exemplo,
com hipoteca).

Sobre a expressão “alhear a respectiva parte ideal” (art. 1.314, segunda


parte), significa o direito de vender sua parte a estranhos, respeitando, porém, o
direito preferencial conferido aos demais consortes.

Trata-se dos direitos e obrigações dos condôminos em suas relações


internas, como também é o direito de regresso contra dos demais condôminos,
previsto no art. 1.318, CC.

Já direitos e obrigações em relação a terceiros, podemos citar o de reivindicar


de terceiro a coisa comum e de defender sua posse contra terceiros, através de
ações possessórias.

143
DIREITOS REAIS

Sobre as obrigações dos condôminos, é importante lembrar que estas serão


proporcionais à participação ideal de cada um deles dentro do todo (art. 1.315,
CC/2002).

Ocorre que ninguém é obrigado a se manter dono de um bem em conjunto


com outras pessoas. Como destaca Maria Helena Diniz (2009, p. 218), “Ocorrendo
ausência, incapacidade ou mesmo desentendimento que impeça ou torne difícil o
uso do bem, cabe aos consortes deliberar se ele deve ser vendido (art. 1.322), ou
alugado (RT, 715:203) ou administrado (CC, art. 1.323)”. 

Assim, dentre as soluções possíveis para o desinteresse de um dos


condôminos de se manter coproprietário do bem, teremos a hipótese de este
vender seu quinhão a terceiro (devendo, antes, oferecê-lo aos demais condôminos
para que exerçam seu direito de preferência); podendo, ainda, os condôminos
deliberarem sobre vender a coisa comum (repartindo proporcionalmente o
produto), alugá-la (repartindo, também, o produto proporcionalmente) ou
simplesmente administrá-la (após a saída daquele um).

b) A extinção do condomínio voluntário pela divisão ou venda da coisa

O art. 1.320, do Código Civil, estabelece que “A todo tempo será lícito ao
condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um
pela sua parte nas despesas da divisão” (BRASIL, 2002).

Por força do art. 1.321, aplicam-se à divisão da coisa em condomínio


voluntário a regra de partilha da herança prevista nos artigos 2.013 a 2.022, do
Código Civil:

Art. 2.013. O herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda


que o testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus
cessionários e credores.
Art. 2.014. Pode o testador indicar os bens e valores que
devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele
próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens
não corresponder às quotas estabelecidas.
Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer
partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do
inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz.
Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros
divergirem, assim como se algum deles for incapaz.
Art. 2.017. No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu
valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível.
Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato
entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique
a legítima dos herdeiros necessários.
Art. 2.019. Os bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não
couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão
de um só herdeiro, serão vendidos judicialmente, partilhando-

144
Capítulo 5 Condomínio

se o valor apurado, a não ser que haja acordo para serem


adjudicados a todos.
§ 1o Não se fará a venda judicial se o cônjuge sobrevivente ou
um ou mais herdeiros requererem lhes seja adjudicado o bem,
repondo aos outros, em dinheiro, a diferença, após avaliação
atualizada.
§ 2o Se a adjudicação for requerida por mais de um herdeiro,
observar-se-á o processo da licitação.
Art. 2.020. Os herdeiros em posse dos bens da herança, o
cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer
ao acervo os frutos que perceberam, desde a abertura da
sucessão; têm direito ao reembolso das despesas necessárias
e úteis que fizeram, e respondem pelo dano a que, por dolo ou
culpa, deram causa.
Art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos
do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou
difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros,
reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a
guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante,
e consentimento da maioria dos herdeiros.
Art. 2.022. Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e
quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após
a partilha (BRASIL, 2002).

Destaca-se a possibilidade da divisão de coisa comum se dar de forma
extrajudicial, por escritura pública, preenchidos os requisitos da concórdia e
capacidade de todos os consortes (art. 2.015).

Não havendo consenso entre eles (sobre o valor do bem, por exemplo), a
divisão dar-se-á judicialmente. Se divisível a coisa, mediante ação de divisão (art.
588 e ss, CPC/2015); se indivisível, mediante alienação judicial, conforme art.
730, do CPC/2015:

Art. 730 Nos casos expressos em lei, não havendo acordo


entre os interessados sobre o modo como se deve realizar
a alienação do bem, o juiz, de ofício ou a requerimento dos
interessados ou do depositário, mandará aliená-lo em leilão,
observando-se o disposto na Seção I deste Capítulo e, no que
couber, o disposto nos arts. 879 a 903 (BRASIL, 2015).

Sendo um dos condôminos incapaz, a extinção do condomínio deverá


ocorrer necessariamente de forma judicial, extinguindo-se a copropriedade pela
regra da legislação processual afeta a jurisdição voluntária, que se orienta pelo
princípio da legalidade estrita (art. 1.109, CPC/2015: “O juiz decidirá o pedido
no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade
estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente
ou oportuna”), de modo que os bens serão avaliados e partilhados de modo a
atender, tanto quanto possível, os pedidos das partes e levando à alienação
judicial apenas o que eventualmente sobeje por não se ajustar à cômoda divisão.

145
DIREITOS REAIS

Vale destaque a regras de ordem preferencial da venda da coisa indivisível,


previstas no art. 1.322 do CC:

• prioriza-se a adjudicação da coisa por um único consorte, mediante


indenização (pagamento) aos demais;
• acaso não haja interesse na adjudicação, realizar-se-á a venda da coisa
para ulterior partilha proporcional do produto, dando-se preferência,
dentre os interessados na compra, a quem for condômino contra terceiros
estranhos, e, havendo interesse entre mais de um condômino, preferirá
aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não havendo,
aquele que tiver maior quinhão;
• não havendo diferença, entre os condôminos interessados na compra,
entre valor de benfeitorias ou de tamanho de quinhão, a solução será
licitação entre eles e o(s) estranho(s), preferindo quem oferecer maior
lanço.

c) A administração do condomínio voluntário

Não decidindo os condôminos pela extinção do condomínio voluntário, nem pelo


aluguel da coisa comum, sobeja a sua administração, cujas regras estão explicitadas
nos arts. 1.323 a 1.326 CC/2002, sempre atento à proporção dos quinhões:

Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da


coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser
estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em
condições iguais, o condômino ao que não o é.
Art. 1.324. O condômino que administrar sem oposição dos
outros presume-se representante comum.
Art. 1.325. A maioria será calculada pelo valor dos quinhões.
§ 1o As deliberações serão obrigatórias, sendo tomadas por
maioria absoluta.
§ 2o Não sendo possível alcançar maioria absoluta, decidirá o
juiz, a requerimento de qualquer condômino, ouvidos os outros.
§ 3o Havendo dúvida quanto ao valor do quinhão, será este
avaliado judicialmente.
Art. 1.326. Os frutos da coisa comum, não havendo em
contrário estipulação ou disposição de última vontade, serão
partilhados na proporção dos quinhões (BRASIL, 2002).

Os condôminos escolherão um representante comum, a quem caberá a


administração do condomínio.

Porquanto gestor de bens, direitos e interesses de terceiro, é obrigação do


administrador – que, como visto, não precisa ser necessariamente condômino – de
prestar contas desta administração e direito de cada um dos condôminos de exigi-las.

146
Capítulo 5 Condomínio

Sobre as deliberações, como se vê, a lei exige maioria absoluta (ou seja,
metade mais um) dos quinhões. Em outras palavras, o voto é por quinhão e não
por cabeça. Não sendo possível atingir esta maioria (por empate ou falta de
quórum), caberá ao juiz decidir.

Condomínio Necessário
Como já visto, haverá condomínio necessário (legal ou forçado) quando, por
lei, a comunhão deva ser permanentemente mantida, não se admitindo partilha. É
o caso de paredes, cercas, valas e muros divisórios, ou seja, matérias afetas ao
direito de vizinhança “Art. 1.327. O condomínio por meação de paredes, cercas,
muros e valas regula-se pelo disposto neste Código” (arts. 1.297 e 1.298; 1.304 a
1.307) (BRASIL, 2002).

Como se vê, o condomínio necessário se regula pelo disposto nos já


estudados artigos 1.297 e 1298, e 1304 a 1307, cuja transcrição, apenas para seu
conforto, se revela oportuna:

Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar


ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e
pode constranger o seu confinante a proceder com ele à
demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados
e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-
se proporcionalmente entre os interessados as respectivas
despesas.
§ 1o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais
como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou
banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer
a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados,
de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer,
em partes iguais, para as despesas de sua construção e
conservação.
§ 2o As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que
servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou
arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
§ 3o A construção de tapumes especiais para impedir a
passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim,
pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles,
pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as
despesas.
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio,
se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não
se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por
partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão
cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao
outro.

147
DIREITOS REAIS

Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação


estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele
edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo,
se ela suportar a nova construção; mas terá de embolsar ao
vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes.
Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar
a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo,
sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o
vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a
profundidade do alicerce.
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos
vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro,
não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução
àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.
Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até
ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou a
separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro
condômino das obras que ali tenciona fazer; não pode sem
consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários,
ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma
natureza, já feitas do lado oposto.
Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede
divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o
alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de
conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação
também na parte aumentada (BRASIL, 2002).

Sobre o direito do proprietário que tiver direito a estremar o imóvel, oportuno


trazer que ele o exercerá, havendo confusão sobre o limite, mediante ação
demarcatória, prevista no artigo 574 e ss., do Código de Processo Civil de 2015.

Havendo consenso sobre os limites, poderá o vizinho exigir o valor da meação


mediante ação de obrigação de fazer ou, adiantando-o, cobrança (Art. 1.328, CC).
O proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros,
valas ou valados, tê-lo-á igualmente a adquirir meação na parede, muro, valado
ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o
terreno por ela ocupado (BRASIL, 2002).

Acaso não haja consenso entre os vizinhos quanto ao preço da obra, este
deverá ser arbitrado por perito nomeado pelo juízo, com as despesas arcadas por
ambos os confinantes (art. 1.329, CC/2002).

Ainda segundo a lei, o proprietário do imóvel limítrofe que não pagar nem depositar
o valor da meação não poderá fazer uso da parede, muro, vala, cerca ou qualquer
outra obra divisória: “Art. 1.330. Qualquer que seja o valor da meação, enquanto
aquele que pretender a divisão não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá fazer na
parede, muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória” (BRASIL, 2002).

A mesma regra vale, por certo, em relação às obras de reforma e despesas


de manutenção dos marcos divisórios.

148
Capítulo 5 Condomínio

Condomínio Edilício
Também conhecido por condomínio de propriedade horizontal, de propriedade
em planos horizontais, como condomínio sui generis ou condomínio por andares,
o condomínio edilício decorre da indivisibilidade entre a propriedade individual
sobre unidades autônomas e a copropriedade sobre as partes comuns, bastante
comum em prédios de apartamentos ou empreendimentos congêneres.

Em outras palavras, cada proprietário será dono de uma parte privativa e mais
uma fração das áreas comuns, podem destas usufruir, mas não as monopolizar
ou modificar:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade


exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1o  As partes suscetíveis de utilização independente, tais como
apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as
respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns,
sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e
gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos
para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a
pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa
na convenção de condomínio.            
§ 2o O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de
distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e
refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o
acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos
condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou
divididos.
§ 3o A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável,
uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será
identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de
instituição do condomínio.                 
§ 4o Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao
logradouro público.
§ 5o O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária
da escritura de constituição do condomínio (BRASIL, 2002).

Os condomínios edilícios, segundo explica Carlos Eduardo Elias de Oliveira


citando Caio Mário da Silva Pereira em artigo intitulado “Novidades da Lei nº
13.465/2017: o condomínio de lotes, o condomínio urbano simples e o loteamento
de acesso controlado”, podem ser horizontais ou verticais:

O condomínio horizontal é aquele em que as unidades


autônomas são separadas por planos virtuais horizontais,
razão por que também pode ser chamada de condomínio em
planos horizontais. Isso significa que os famosos condomínios
em prédios de apartamentos de vários andares representam
um condomínio horizontal, pois os andares são separados por
planos virtuais horizontais. Por outro lado, o condomínio vertical
ou em planos verticais é aquele cujas unidades privativas são
separadas por planos virtuais verticais. Trata-se dos famosos
condomínios de casas.
149
DIREITOS REAIS

Ou seja, paradoxalmente, condomínios edilícios horizontais são os prédios,


enquanto verticais são os condomínios de casas.

O condomínio edilício pode ser instituído, ex vi do art. 1.332, do Código Civil,


por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis,
devendo constar do ato: I - a discriminação e individualização das unidades de
propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II - a
determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e
partes comuns; e III - o fim a que as unidades se destinam, além do disposto em
lei especial (BRASIL, 2002).

A instituição do condomínio é o ato inicial, pelo qual o(s) proprietário(s)


do imóvel manifesta(m) sua intenção de transformá-lo em diversas unidades
autônomas. Este instrumento deverá obrigatoriamente ser registrado no Cartório
de Registro de Imóveis, seguindo-se os ditames dos artigos 167 e 176, da Lei
nº 6.015/1973, prestando-se para formalizar a figura do condomínio, quando se
atribui as unidades autônomas a cada um dos proprietários, vinculadas as frações
ideais do terreno e das áreas comuns. Segundo o art. 7.º, da Lei nº 4.591/1964,

Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por


ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória
no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de
cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como
a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a
cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade
(BRASIL, 1964).

Arnaldo Rizzardo (2004) observa que o modo mais comum de instituição de


condomínio é a incorporação imobiliária.

Ato seguinte à instituição do condomínio, dá-se a constituição do condomínio,


através da elaboração da “Convenção de Condomínio” (art. 9.º, da Lei no
4.591/1964), ato normativo interno através do qual são reguladas as diversas
relações de convivência entre os condôminos, tais como direitos e deveres
recíprocos, modalidades de sanções, competência e forma de convocação das
assembleias e quórum exigido para as deliberações.

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício


deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços
das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os
titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre
elas tenham posse ou detenção.

150
Capítulo 5 Condomínio

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a


convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de
Registro de Imóveis.
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das
que os interessados houverem por bem estipular, a convenção
determinará:
I - a quota proporcional e o modo de pagamento das
contribuições dos condôminos para atender às despesas
ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II - sua forma de administração;
III - a competência das assembleias, forma de sua convocação
e quórum exigido para as deliberações;
IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou
possuidores;
V - o regimento interno.
§ 1º A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por
instrumento particular.
§ 2º São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo,
salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e
os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas
(BRASIL, 2002).

Convém o destaque de que, a teor da Súmula STJ 260, “A convenção de


condomínio aprovada, ainda que sem registro [no Registro de Imóveis], é eficaz
para regular as relações entre os condôminos”. De modo que as obrigações
assumidas pelos que espontaneamente se associaram para ratear as despesas
comuns não alcançam terceiros que não tenham aderido a elas. 

Um outro ponto que merece discussão a respeito da convenção de condomínio


é que ela, apesar de constituir ato normativo de caráter estatutário e, portanto, ter
força coercitiva que atinge todos que venham a integrar o condomínio, não perde
sua natureza contratual por representar a vontade dos que a subscreveram.

Assim, ele deve atender aos princípios da função social e da boa-fé


contratual (artigos 421 e 422, do CC/2002).

Daí porque se permitem a discussão e a revisão, pela via judicial, de


cláusulas previstas na convenção que estabelecem obrigações desproporcionais
para determinadas categorias de condôminos. Por exemplo, cláusulas que
obriguem lojas localizadas no térreo de condomínios edilícios residenciais a
ratear despesas de serviços de manutenção, limpeza e do pessoal a serviço do
condomínio, referentes às áreas comuns (como garagem, escadas, elevadores
etc.) que não são utilizadas por ela.

151
DIREITOS REAIS

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pesquisa jurisprudencial e responda: Qual o


posicionamento dos tribunais sobre a validade de cláusula de
convenção de condomínio que proíbe o proprietário de locar a
sua unidade para estudantes?
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a) Os direitos e os deveres dos condôminos no condomínio edilício

O Código Civil traz, em seu art. 1.335, os direitos dos condôminos:

Art. 1.335. São direitos do condômino:


I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação,
e contanto que não exclua a utilização dos demais
compossuidores;
III - votar nas deliberações da assembleia e delas participar,
estando quite (BRASIL, 2002).

Destaque que estar quite com os cofres condominiais é requisito apenas


para a participação e direito de votação nas assembleias, e não para poder usar
das partes comuns (elevador, salão de festas etc.) do condomínio.

Já os deveres dos condôminos, além de outros eventualmente constantes na


convenção, são apresentados no artigo 1.336:

Art. 1.336. São deveres do condômino:


I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção
das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na
convenção;             
II - não realizar obras que comprometam a segurança da
edificação;
III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e
esquadrias externas;

152
Capítulo 5 Condomínio

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a


edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons
costumes.
§ 1o  O condômino que não pagar a sua contribuição ficará
sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo
previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por
cento sobre o débito.
§ 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres
estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no
ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser
superior a cinco vezes o valor de suas contribuições
mensais, independentemente das perdas e danos que
se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá
à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos
condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da
multa (BRASIL, 2002).

Detalhe para a previsão legal das penalidades atribuíveis aos condôminos ou


possudoir que não cumpra, de forma contumaz, seus deveres:

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre


reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio
poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos
restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até
ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração,
independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu
reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade
de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao
décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, até ulterior deliberação da assembleia (BRASIL,
2002).

Prudente destacar que nossos tribunais têm entendido que o não pagamento
das despesas condominiais não representa comportamento antissocial passível
de penalidade, devendo esta hipótese ser utilizada apenas em casos de extrema
gravidade no âmbito de convivência entre os condôminos:

CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. MULTA POR


COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL. ARTIGO 1.337,
PARÁGRAFO ÚNICO DO NCC QUE NÃO SE APLICA
À HIPÓTESE DE INADIMPLÊNCIA. SITUAÇÕES
EXCEPCIONAIS ORIUNDAS DE CONDUTA GRAVE, AMEAÇA
À INTEGRIDADE FÍSICA OU ATO ATENTATÓRIO AOS BONS
COSTUMES. SENTENÇA CORRETA. DESPROVIMENTO DO
RECURSO. Pela leitura do parágrafo único, do artigo 1.337 do
CC/2002, verifica-se que a multa prevista para o condômino
de reiterado comportamento antissocial não diz respeito
aos casos de inadimplência. Isto porque a caracterização

153
DIREITOS REAIS

das situações como antissociais requer prudência, devendo


ser utilizada somente em casos de extrema gravidade no
âmbito da convivência entre condôminos, tais como: brigas
ruidosas e constantes; atentado violento ao pudor; estado
mental que traga riscos à integridade dos demais moradores,
etc. Diante disso, correta a sentença ao concluir que a simples
mora com o pagamento de contribuição ao condomínio
não caracteriza a existência de reiterado comportamento
antissocial, denominação essa que fundamentou a aplicação
e cobrança da multa em questão, motivo pelo qual julgou
procedente o pedido, tornando subsistente o depósito e
extinguindo a obrigação (BRASIL, 2005).

Logo, apenas situações extremas (e reiteradas) – como corriqueira perturbação


do sossego, atentado ao pudor, uso de drogas etc. – devem ser consideradas
hipóteses tipificadas no parágrafo único do art. 1.337, do Código Civil.

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pesquisa jurisprudencial e responda: Em qual


posicionamento dos tribunais é possível a aplicação de multa,
pelo condomínio ao condômino, por latido excessivo de cachorro?
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O legislador cuidou de trazer algumas regras específicas sobre os


condomínios edilícios, a saber:

• salvo autorização expressa na convenção de condomínio, é proibida


a alienação ou a locação de garagem para pessoas estranhas ao
condomínio (art. 1.331, §1º);
• as despesas relativas às áreas comuns que aproveitam apenas a alguns
condôminos devem ser suportadas exclusivamente pelos beneficiários
(art. 1.340).

154
Capítulo 5 Condomínio

Vale aqui uma ponderação: ainda que haja previsão expressa na convenção
de condomínio que eventualmente imponha a todos os condôminos o dever
de pagar as despesas relativas às partes comuns de uso exclusivo de alguns
condôminos, a lei é clara quando isenta do rateio das despesas os condôminos que
não usufruam da utilidade do serviço. Por exemplo, proprietários de apartamentos
localizados no térreo, ou de blocos que não disponham dessa facilidade, estariam
isentos das despesas com o elevador. Neste sentido:

CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE


DE DESPESAS COM MANUTENÇÃO OU MODERNIZAÇÃO
DE ELEVADORES CUMULADA COM REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. Preliminar de sentença extra petita afastada.
Deixando os autores de usufruírem da utilidade do serviço
prestado pelos elevadores existentes nos blocos ‘b’, ‘c’ e ‘d’
do condomínio, em face da inexistência deles no bloco em que
residem, descabe aos demandantes também ratearem eventual
despesa com sua manutenção ou modernização (inteligência
do art. 1.340 do CC). Apelação desprovida (BRASIL, 2013).

• a realização de obras úteis depende da aprovação da maioria dos


condôminos (art. 1.341, II);
• a realização de obras voluptuárias depende da aprovação de 2/3 dos
condôminos (art. 1.341, I);
• a realização de obras em partes comuns para fins de facilitar ou aumentar
a utilização depende da aprovação de 2/3 dos condôminos (art. 1.342);
• obras necessárias podem ser realizadas pelo síndico, independentemente
de autorização dos condôminos (art. 1.341, § 1.º), desde que não
importem em despesas excessivas;
• a construção de um novo pavimento, ou de um outro edifício em solo
comum, para abrigar novas unidades condominiais depende da
aprovação unânime dos condôminos (art. 1.343);
• é obrigatória a contratação de seguro de toda a edificação contra o risco
de incêndio ou destruição, total ou parcial (art. 1.346).

Uma derradeira regra lançada no Código Civil acerca do condomínio edilício


merece uma apreciação com mais calma: “Art. 1.345. O adquirente de unidade
responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas
e juros moratórios” (BRASIL, 2002).

Isso significa dizer que as despesas condominiais configuram encargos


da própria coisa, pois se destinam à manutenção e subsistência do imóvel, de
natureza propter rem.

E dada a natureza propter rem das despesas condominiais, o atual


proprietário da unidade responde por todo o débito, anterior ou não à aquisição
(ressalvado, por certo, o direito de regresso contra de quem de direito).

155
DIREITOS REAIS

Como consequência disso, pelos créditos desta natureza, responde


primordialmente o próprio bem (preferindo, inclusive, ao direito real de garantia e
ao débito fiscal), independentemente de quem seja seu proprietário.

b) A administração do condomínio edilício

Diferentemente do que acontece com o condomínio geral, que será


administrado por um “administrador comum”, o condomínio edilício será
administrado por um síndico, escolhido em assembleia para um mandato não
superior a dois anos, podendo ser reeleito de forma indeterminada, que poderá
não ser condômino. A competência do síndico é estabelecida no art. 1.348:

Art. 1.348. Compete ao síndico:


I - convocar a assembleia dos condôminos;
II - representar, ativa e passivamente, o condomínio,
praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa
dos interesses comuns;
III - dar imediato conhecimento à assembleia da existência
de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do
condomínio;
IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e
as determinações da assembleia;
V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns
e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos
possuidores;
VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a
cada ano;
VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como
impor e cobrar as multas devidas;
VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando
exigidas;
IX - realizar o seguro da edificação.
§ 1o Poderá a assembleia investir outra pessoa, em lugar do
síndico, em poderes de representação.
§ 2o O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente,
os poderes de representação ou as funções administrativas,
mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em
contrário da convenção (BRASIL, 2002).

O síndico poderá ser destituído, a teor do art. 1.349, pelo voto da maioria
absoluta dos condôminos reunidos em assembleia especialmente convocada,
acaso o síndico pratique irregularidades, não preste contas, ou não administre
convenientemente o condomínio.

156
Capítulo 5 Condomínio

Do artigo 1.350 ao 1.355 existe uma série de disposições acerca da forma de


convocação, quórum e forma de deliberação das assembleias gerais ordinária e
extraordinária do condomínio:

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da


assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção,
a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições
dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente
eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
§ 1o Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos
condôminos poderá fazê-lo.
§ 2o Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a
requerimento de qualquer condômino.
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos
votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança
da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende
da aprovação pela unanimidade dos condôminos.          
Art. 1.352. Salvo quando exigido quórum especial, as
deliberações da assembleia serão tomadas, em primeira
convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes
que representem pelo menos metade das frações ideais.
Parágrafo único. Os votos serão proporcionais às frações
ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a
cada condômino, salvo disposição diversa da convenção de
constituição do condomínio.
Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembleia poderá
deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando
exigido quórum especial.
Art. 1.354. A assembleia não poderá deliberar se todos os
condôminos não forem convocados para a reunião.
Art. 1.355. Assembleias extraordinárias poderão ser
convocadas pelo síndico ou por um quarto dos condôminos
(BRASIL, 2002).

Por fim, ainda versando sobre a administração do condomínio edilício, o art.


1.356, CC, prevê a possibilidade da existência de um conselho fiscal, composto
de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos,
que terá competência para dar parecer sobre as contas do síndico, aprovando-as
ou rejeitando-as.

c) A extinção do condomínio edilício

Uma das características do condomínio edilício é que ele não pode ser extinto
por vontade das partes, mas apenas em hipóteses extremas e excepcionais, como

157
DIREITOS REAIS

destruição total ou parcial, decidindo os condôminos reunidos em assembleia


sobre sua reconstrução ou sua venda, ressalvado o direito do vencido em alienar
seus direitos aos demais condôminos:

Art. 1.357. Se a edificação for total ou consideravelmente


destruída, ou ameace ruína, os condôminos deliberarão em
assembleia sobre a reconstrução, ou venda, por votos que
representem metade mais uma das frações ideais.
§ 1o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se
do pagamento das despesas respectivas, alienando os seus
direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial.
§ 2o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições
iguais de oferta, o condômino ao estranho, será repartido o
apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das
suas unidades imobiliárias (BRASIL, 2002).

Outra situação excepcional de extinção de condomínio edilício é a


desapropriação do imóvel, hipótese em que a indenização será repartida
proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias (art. 1.358, CC).

Condomínio de Lotes
Inovação introduzida pela Lei nº 13.465/2017, o condomínio de lotes nada
mais é, na leitura do já citado Carlos Eduardo Elias de Oliveira, do que “um
desdobramento do condomínio edilício vertical (o de casas) de que tratava o art.
8º da Lei nº 4.591”, de 1964, sendo regido pelo artigo 1.358-A, do Código Civil:

Art. 1.358-A.  Pode haver, em terrenos, partes designadas


de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são
propriedade comum dos condôminos.
§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional
à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo
potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de
instituição.                 
§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o
disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada
a legislação urbanística.     
§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de
toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor (BRASIL,
2002).

Para facilitar e resumir o que significa o condomínio de lotes, basta remetê-


los aos conhecidos “loteamentos fechados” (também chamados “condomínios
deitados”), criação do mercado imobiliário diante de uma crescente demanda
por segurança e qualidade de vida no país, porém tidos pela doutrina como uma
fraude à Lei do Parcelamento do Solo, por conta da inexistência de previsão legal.

158
Capítulo 5 Condomínio

Agora, com a criação dos condomínios de lote, é finalmente emprestada


legalidade aos condomínios fechados.

A principal característica do condomínio de lotes é que as vias de circulação,


logradouros, praças e as outras áreas de uso comum não serão transferidas à
propriedade do poder público, como ocorreria num loteamento urbano normal,
mas continuarão sob propriedade e administração privadas, pertencentes aos
titulares do lote de acordo com suas respectivas frações ideais, geridas pelo
síndico, sujeita às regras estabelecidas em assembleia pelos condôminos, a
quem competirá o rateio das despesas de implantação e de manutenção.

Um outro aspecto a ser considerado é em relação ao padrão das futuras


construções sobre os lotes: até o advento da Lei nº 13.465/2017, havia discussão
sobre a legalidade das restrições urbanísticas contratuais às construções
privadas em imóveis do loteamento, fundando-se aqueles que advogavam pela
validade destas restrições no direito dos vizinhos, previstos no já estudado artigo
1.299, CC (“O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que
lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”,
grifamos), vez que se prestava a assegurar a finalidade coletiva dos moradores,
como preservar a harmonia estética da vizinhança.

Agora, com a criação do condomínio de lotes, não há dúvidas de que a


minuta da convenção de condomínio (requisito do art. 32 da Lei no 4.591/64)
poderá apresentar restrições de construção, que sujeitará os condôminos e os
futuros adquirentes.

No meio do caminho entre o condomínio de lotes e um loteamento urbano


ordinário existe ainda a figura do “loteamento de acesso controlado”, também
criado pela Lei nº 13.465/2017, ao adicionar o § 8º ao art. 2º da Lei nº 6.766/79
(Lei de Parcelamento do Solo Urbano):

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito


mediante loteamento ou desmembramento, observadas
as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e
municipais pertinentes.
§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em
lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias
de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,
modificação ou ampliação das vias existentes.
[...]
§ 8o  Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade
de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo
controle de acesso será regulamentado por ato do poder
público municipal, sendo vedado o impedimento de acesso
a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes,
devidamente identificados ou cadastrados (BRASIL, 1979).    

159
DIREITOS REAIS

Os “loteamentos de acesso controlado” não são condomínios, mas


parcelamento em lotes na forma de imóveis autônomos, cujo controle de acesso
será regulamentado por ato do poder público municipal.

Que tal terminar a leitura deste capítulo assistindo a um vídeo


sobre litígios em condomínio? Acesse: <https://www.youtube.
com/watch?v=CaQRF7FZco4> e assista à edição # 208 do STJ
NOTÍCIAS, programa da TV JUSTIÇA, que foi ao ar em 26 de
maio de 2018. Nesta edição, você verá casos reais que versam
sobre confusão entre vizinhos ou divergências administrativas entre
moradores e síndicos.

Algumas Considerações
Vencido este capítulo, em que estudamos sobre o condomínio geral
(voluntário e necessário), o edilício e o condomínio de lotes, é essencial que você
saia daqui sabendo que:

• Condomínio é quando uma coisa pertence a diversos proprietários e fica


na indivisão, recaindo o direito de cada proprietário sobre o conjunto, e
não sobre a porção determinada da coisa.

• Condomínio é uma espécie de comunhão, que é gênero.

• Condomínio tem várias características, como a simultaneidade e a


concorrência de propriedade, pluralidade de sujeitos, indivisão material e
atribuição de quotas.

• Quota ideal é o elemento que possibilita calcular o montante das


vantagens e o ônus que podem ser atribuídos a cada um dos
comunheiros.

160
Capítulo 5 Condomínio

• O condomínio pode ser classificado quanto à origem (convencional,


incidente ou legal), quanto à forma de se manifestar (pro diviso ou
pro indiviso), quanto ao objeto (universal ou particular) e quanto à
necessidade (transitório ou permanente).

• Direitos e obrigações dos condôminos podem ser classificados em suas


relações internas e em suas relações com terceiro.

• Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre


ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la
de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou
gravá-la.

• Ocorrendo ausência, incapacidade ou mesmo desentendimento que


impeça ou torne difícil o uso do bem, cabe aos consortes deliberar se ele
deve ser vendido, alugado ou administrado.

• A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum,


respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da
divisão.

• Os condôminos escolherão um representante comum, a quem caberá a


administração do condomínio geral.

• Ao condomínio necessário se aplicam as regras do direito de vizinhança


atinentes às paredes, cercas, muros e valas.

• O proprietário do imóvel limítrofe que não pagar nem depositar o valor


da meação da construção não poderá fazer uso da parede, muro, vala,
cerca ou qualquer outra obra divisória.

• O condomínio edilício decorre da indivisibilidade entre a propriedade


individual sobre unidades autônomas e a copropriedade sobre as partes
comuns.

• Condomínios edilícios horizontais são os prédios, enquanto verticais são


os condomínios de casas.

161
DIREITOS REAIS

• “Convenção de Condomínio” é o ato normativo interno através da qual


são reguladas as diversas relações de convivência entre os condôminos,
tais como direitos e deveres recíprocos, modalidades de sanções,
competência e forma de convocação das assembleias e quórum exigido
para as deliberações.

• Os direitos e obrigações do condômino estão previstos na lei.

• As hipóteses de punição podem sujeitar os condôminos.

• Salvo autorização expressa na convenção de condomínio, é proibida


a alienação ou a locação de garagem para pessoas estranhas ao
condomínio.

• As despesas relativas às áreas comuns que aproveitam apenas a alguns


condôminos devem ser suportadas exclusivamente pelos beneficiários.

• As despesas condominiais configuram encargos da própria coisa, pois


se destinam à manutenção e subsistência do imóvel, de natureza propter
rem.

• O condomínio edilício será administrador por um síndico, escolhido em


assembleia para um mandato não superior a dois anos, renováveis, que
poderá não ser condômino.

• Condomínio edilício não pode ser extinto por vontade das partes, mas
apenas em hipóteses extremas e excepcionais.

• Qual se vê nos loteamentos fechados, a principal característica do


condomínio de lotes é que as vias de circulação, logradouros, praças
e as outras áreas de uso comum não são transferidas à propriedade
do poder público, como ocorreria num loteamento urbano normal, mas
permanecem sob responsabilidade do condomínio.

162
Capítulo 5 Condomínio

Referências
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 jul.
2018.

______. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13105.htm>. Acesso em: 13 jul. 2018.

______. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Lei de Parcelamento do


Solo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l6766.htm >.
Acesso em: 13 jul. 2018.

______. Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio


em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4591.htm>. Acesso em: 13 jul. 2018.

______. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível


00104228220038190209 RIO DE JANEIRO BARRA DA TIJUCA REGIONAL
2 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO EDUARDO FERREIRA DUARTE, Data de
Julgamento: 06/12/2005, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16
dez. 2005.

______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível N.


70054052972, Décima Nona Câmara Cível, Relator: Voltaire de Lima Moraes,
Julgado em 4 jun. 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 24. v., São Paulo:
Editora Saraiva, 2009.

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de.  Novidades da Lei n. 13.465/2017: o


condomínio de lotes, o condomínio urbano simples e o loteamento de
acesso controlado. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/
artigos/478658357/novidades-da-lei-n-13465-2017-o-condominio-de-lotes-o-
condominio-urbano-simples-e-o-loteamento-de-acesso-controlado>. Acesso em:
17 jun. 2018.

163
DIREITOS REAIS

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

164
C APÍTULO 6
Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

A partir da perspectiva do saber fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer a diferença entre direitos reais sobre bens próprios e sobre coisas
alheias.

� Saber as características dos direitos reais sobre coisas alheias.

� Conhecer as especialidades dos direitos reais de garantia (a hipoteca, o penhor,


a anticrese e a alienação fiduciária).

� Discernir as especificidades dos direitos reais sobre coisas alheias de uso e


gozo (usufruto, o uso, a superfície, a servidão predial, a habitação e a enfiteuse).

� Compreender as características dos direitos reais sobre coisas alheias de


aquisição (compromisso de compra e venda e alienação fiduciária).
DIREITOS REAIS

166
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Contextualização
Após termos estudado as características dos direitos reais sobre bens
próprios, é chegada a hora de nos debruçarmos sobre os direitos reais sobre
coisas alheias, bastante comuns nas relações contratuais cotidianas, presentes
em praticamente todas as relações obrigacionais e, muitas vezes, soluções
jurídicas para situações que exijam segurança às partes, ao mesmo tempo que
não engesse, embarace ou obstaculize o objetivo principal.

Daí a relevância de se conhecer (e reconhecer) os direitos reais de garantia,


os de fruição ou gozo e os direitos reais de aquisição, como institutos jurídicos
acessórios, porém essenciais para assegurar a eficácia dos contratos principais.

Direitos Reais Sobre Coisas Alheias


Conforme já visto, dentre as várias classificações sobre os direitos reais,
podemos distinguir os direitos reais sobre coisas próprias (jus in re propria) dos
direitos reais sobre coisa alheia (jus in rebus alienis), estes últimos caracterizados
pela transferência a terceiro, por parte do proprietário do bem, de um ou mais
poderes inerentes à propriedade – usar (jus utendi), o de fruir (jus fruendi), o de
custodiar e o de dispor.

Os direitos reais sobre coisas alheias, portanto, devem ser compreendidos


sob a perspectiva do terceiro, que, por conta de determinada circunstância
jurídica (um contrato, decisão judicial ou mesmo por previsão legal) deterá,
temporariamente, algum ou alguns dos poderes inerentes à propriedade sobre o
bem de propriedade alheia, que restringirá o proprietário.

Como explica Silvio de Salvo Venosa (s.d., p. 117), em artigo intitulado Direitos
reais sobre coisas alheias. Superfície, o Código Civil divide os direitos reais sobre
coisas alheias em duas categorias, a saber, de gozo (ou fruição) e de garantia:

Os direitos de fruição ou gozo permitem a utilização da coisa de


forma semelhante ao proprietário pleno, com maior ou menor
espectro. São a enfiteuse, as servidões prediais, o usufruto,
o uso, a habitação e as rendas constituídas sobre imóveis. A
esses podemos acrescentar o direito do promitente comprador,
como menciona o Código.
São direitos de garantia aqueles que vinculam a coisa a uma
relação obrigacional: o penhor, a anticrese e a hipoteca. A estes
acrescentamos a alienação fiduciária em garantia, disciplinada
pelo mercado de capitais e admitida pelo Código de 2002.
A anticrese também permite a fruição da coisa, embora seja
essencialmente de garantia.

167
DIREITOS REAIS

Existe, todavia, uma terceira categoria, que são os direitos reais sobre coisas
alheias de aquisição, representada pelo contrato de promessa de compra e venda.

Vamos a eles, partindo dos direitos reais sobre coisas alheias de garantia.

Direitos Reais de Garantia


Iniciemos relembrando que existem duas espécies de garantia para o
pagamento de uma dívida: as garantias pessoais (também chamadas de
fidejussórias) e as garantias reais. As primeiras são quando a garantia se dá
com a indicação de uma pessoa, um garantidor, o fiador ou o avalista. Ela está
baseada na fidúcia (daí o porquê da palavra “fidejussória”), na confiança. Já as
garantias reais – que vêm de res, que significa “coisa” – é quando é oferecido um
bem, móvel ou imóvel, para garantir determinada obrigação.

O direito real de garantia, pois, é um direito decorrente da segurança que o


titular (credor) terá de receber o pagamento de uma dívida através de um bem
dado pelo devedor em garantia. Os direitos reais de garantia reclamam três
requisitos:

• que as partes devem ser maiores e capazes, além daquele que oferece o
bem seja seu proprietário;
• que o bem dado em garantia deve ser alienável;
• e devem ser constituídos através de contratos escritos que contenham
o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo, o prazo fixado para
pagamento, a taxa dos juros, se houver, e o bem dado em garantia com
as suas especificações (art. 1.424, CC/2002).

Preenchidos estes requisitos, os direitos reais de garantia geram cinco


efeitos: a sequela, o privilégio, a excussão, a indivisibilidade e o vencimento
antecipado da obrigação garantida.

O efeito da sequela (ius persequendi) garante ao credor com garantia real o


direito de buscar e excutir a garantia, esteja ela sob a titularidade ou sob a posse
de quem quer se seja, porquanto se trata de direito real oponível a terceiros (erga
omnes).

Isso significa dizer que o direito real acompanha a coisa (propter rem) e,
mesmo que se transmita por ato jurídico inter vivos ou mortis causa, continuará
ela afetada à satisfação do débito. Já o efeito do privilégio está previsto no art.
1.422:

168
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito


de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no
pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca,
a prioridade no registro.
Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste
artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser
pagas precipuamente a quaisquer outros créditos (BRASIL,
2002, grifo nosso).

Ou seja, eventual arrematação de bem gravado com garantia real garante ao


credor hipotecário ou pignoratício a preferência no recebimento de seu crédito em
relação aos demais credores.

Porém, como se vê no art. 1.422, parágrafo único, esta regra da preferência


não é absoluta. Por exemplo, nos termos do artigo 30, da Lei nº 6.830/80
– subsidiariamente aplicável à execução trabalhista (artigo 889, da CLT) –,
responderá pelas dívidas fiscal e trabalhista a totalidade dos bens e rendas do
devedor, de qualquer origem ou natureza, “inclusive os gravados por ônus real
ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da
constituição do ônus ou da cláusula” (BRASIL, 1980).

Assim, o fato do bem estar gravado com direito real de garantia não o torna
impenhorável nas execuções fiscal ou trabalhista. Na verdade, nada impede que,
mesmo numa execução cível, haja a penhora de bem previamente gravado com
ônus real, desde que se respeite a ordem preferencial e, ainda, dê-se ao credor
ciência da penhora e dos atos de expropriação.

Contudo, somente em caso de concurso universal de credores – como ocorre


em casos de recuperação judicial ou de insolvência civil – é que os créditos fiscais
e trabalhistas preferirão ao crédito com direito real de garantia.

Vale dizer, ainda, que se existe mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem
– e isso é expressamente possível, inclusive com o mesmo credor –, preferirá
aquela que for primeiro registrada no Ofício de Registro de Imóveis.

Por sua vez, o efeito da indivisibilidade significa, na lição de Orlando Gomes


(2001, p. 375), que o ônus real que grava a coisa na sua totalidade e em todas as
suas partes, sendo irrelevante que seja dividida ou que a dívida seja amortizada.
Ou seja, pela indivisibilidade, mesmo diante do resgate parcial da obrigação, a
garantia continuará a recair sobre a integralidade do bem. É o que diz o art. 1.421,
do Código Civil: “O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa
exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens,
salvo disposição expressa no título ou na quitação” (BRASIL, 2002).

169
DIREITOS REAIS

Uma exceção à regra da indivisibilidade – e trazemos para não apenas deixar


passar a oportunidade – é o artigo 1.488, do CC/2002, que permite a divisão da
hipoteca se o imóvel gravado vir a ser loteado, “gravando[-se] cada lote ou unidade
autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a
proporção entre o valor de cada um deles e o crédito” (BRASIL, 2002).

Através da excussão, prevista no já transcrito art. 1.422, o credor hipotecário


e o pignoratício têm o direito de excutir (expropriar o bem através de processo
de execução) – mediante leilão judicial, adjudicação ou venda direta – a coisa
hipotecada ou empenhada, de modo a satisfazer sua obrigação com o produto
desta expropriação.

Por fim, o efeito do vencimento antecipado da obrigação garantida está


no art. 1.425 do CC:

Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:


I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em
segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a
reforçar ou substituir;
II - se o devedor cair em insolvência ou falir;
III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez
que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso,
o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia
do credor ao seu direito de execução imediata;
IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído;
V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na
qual se depositará a parte do preço que for necessária para o
pagamento integral do credor.
§ 1o Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta
se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento
do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela
preferência até seu completo reembolso.
§ 2o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes
do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação
recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger
outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a
respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados
ou destruídos.
Art. 1.426. Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento
antecipado da dívida, não se compreendem os juros
correspondentes ao tempo ainda não decorrido (BRASIL, 2002).

Isso significa dizer que, ainda que seja o direito real de garantia um acessório
da obrigação principal, eventual deteriorização, depreciação, perecimento
ou desapropriação do bem dado em garantia, isso repercutirá no vencimento
antecipado da obrigação principal.

Estabelecidas estas premissas, é o momento de falarmos sobre as


modalidades de direitos reais sobre coisas alheias: a hipoteca, o penhor, a
anticrese e a alienação fiduciária.
170
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Hipoteca
Regulamentada nos artigos 1.473 a 1.505, do CC/2002, a hipoteca é o direito
real de garantia que recai sobre bem imóvel. Isto é, o devedor oferece como
garantia para o pagamento de uma dívida um bem imóvel de sua propriedade (ou
de terceiro, desde que consinta expressamente com a hipoteca), permanecendo
na posse do bem enquanto perdura a obrigação, conferindo ao credor hipotecário
o jus distrahendi, ou seja, o direito de excuti-lo para satisfazer a obrigação
inadimplida.

Ainda que se fale que a hipoteca recairá sobre bem imóvel, o art. 1.473 do
Código Civil traz outros possíveis objetos desta garantia real:

Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca:


I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com
eles;
II - o domínio direto;
III - o domínio útil;
IV - as estradas de ferro;
V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230,
independentemente do solo onde se acham;
VI - os navios;
VII - as aeronaves;
VIII - o direito de uso especial para fins de moradia;                       
IX - o direito real de uso;   
X - a propriedade superficiária.

O destaque da possibilidade de a hipoteca recair tanto sobre o domínio útil


quanto sobre o domínio direto do bem revela-se relevante quando se questiona,
por exemplo, a possibilidade de recair hipoteca sobre bens localizados em terreno
de marinha (Decreto-Lei nº 9.760/46), aqueles que o particular recebe apenas o
domínio útil da propriedade, permanecendo a União com seu domínio direto.

Desta forma, forte no inciso III, do art. 1.473, do Código Civil, é possível o
“foreiro” (particular) oferecer em hipoteca o domínio útil do imóvel localizado em
terreno de marinha. Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. INCIDÊNCIA


DE HIPOTECA SOBRE BEM SUJEITO AO REGIME DE
AFORAMENTO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. DIVISÃO
ENTRE DOMÍNIO PERTENCENTE AO SENHORIO DIRETO
E DOMÍNIO DESTINADO AO FOREIRO. NECESSIDADE DE
EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA PELO PODER
PÚBLICO. 1. Os imóveis regrados pelo regime de aforamento
administrativo possuem divisão de propriedades: domínio
útil e domínio direto. 2. Assim, a aquisição, negocial ou por
hasta pública, do domínio útil, não compromete a parcela do
imóvel pertencente ao senhorio, com a condição de prévia

171
DIREITOS REAIS

cientificação do nu-proprietário, para que este possa exercer o


seu direito de preferência. 3. Cabível a realização de hipoteca
sobre bem público federal afeto ao sistema de aforamento,
desde que restrito à parcela de domínio destinada ao particular/
executado, uma vez que não haverá prejuízo a ser suportado
pela União, que manterá suas prerrogativas de recebimento do
laudêmio e exercício do direito de preferência incólumes, na
forma dos arts. 619 e 698, do CPC e do art. 2038, do CC/02, e
art. 689, CC/16. 4. Recurso de apelação desprovido (BRASIL,
2013). (grifo nosso)

A lei prevê três modalidades de hipoteca: a convencional, a legal e a judicial.

A hipoteca convencional, como o próprio nome indica, resulta de uma


relação contratualmente definida entre as partes.

A hipoteca judicial é aquela que decorre de decisão judicial. Pode dar-se


em caso de condenação ao pagamento de obrigação de pagar ou de decisão que
converta a prestação de fazer, de não fazer ou de dar em prestação pecuniária,
conforme prevê o art. 495, do Código de Processo Civil:

Art. 495.  A decisão que condenar o réu ao pagamento de


prestação consistente em dinheiro e a que determinar a
conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa
em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de
hipoteca judiciária.
§ 1o A decisão produz a hipoteca judiciária:
I - embora a condenação seja genérica;
II - ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório
da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor;
III - mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito
suspensivo.
§ 2o A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante
apresentação de cópia da sentença perante o cartório de
registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de
declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência.
§ 3o No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização
da hipoteca, a parte informá-la-á ao juízo da causa, que
determinará a intimação da outra parte para que tome ciência
do ato.
§ 4o A hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará,
para o credor hipotecário, o direito de preferência, quanto
ao pagamento, em relação a outros credores, observada a
prioridade no registro.
§ 5o Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão
que impôs o pagamento de quantia, a parte responderá,
independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte
tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o
valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios
autos (BRASIL, 2015).

172
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Conforme ocorre nas demais modalidades de hipoteca, a ordem de


preferência será a ordem de registro.

Por fim, a hipoteca legal é aquela que decorre de lei:

Art. 1.489. A lei confere hipoteca:


I - às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os
imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda
ou administração dos respectivos fundos e rendas;
II - aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar
a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior;
III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do
delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e
pagamento das despesas judiciais;
IV - ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da
partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente;
V - ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do
pagamento do restante do preço da arrematação (BRASIL,
2002).

Vale a ressalva de que mesmo a hipoteca legal também obriga o registro (art.
1.497,CC).

Dentre as principais características da hipoteca, podemos estabelecer:

• o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da


obrigação (art. 1.419, CC);
• só aquele que pode alienar o bem poderá hipotecar (art. 1.420, CC);
• só os bens que se podem alienar poderão ser dados em hipoteca (art.
1.420, CC);
• o credor hipotecário tem o direito de excutir a coisa hipotecada e preferir
a outros credores no pagamento, salvo em caso de concurso universal
de credores (art. 1.422, CC);
• os registros e averbações da hipoteca seguirão a ordem em que
forem requeridos, verificando-se ela pela sua numeração sucessiva no
protocolo; sendo que o número de ordem determina a prioridade, e esta
a preferência entre as hipotecas (art. 1.493, CC);
• os sucessores do devedor apenas poderão remir a hipoteca no todo, e
nunca parcialmente (art. 1.429, CC);
• a hipoteca é, via de regra, indivisível, ou seja, o pagamento parcial da
obrigação não permite o levantamento parcial da hipoteca;
• devedor continua na posse do bem que foi hipotecado;
• o dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele,
mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor (art. 1.476, CC);

173
DIREITOS REAIS

• os interessados (credor e devedor) poderão fazer constar das escrituras


o valor entre si ajustado do imóvel hipotecado, o qual, devidamente
atualizado, será a base para a arrematação, adjudicação e remição,
dispensando-se avaliação.

Convém consignar que o proprietário do imóvel hipotecado conserva os


direitos de uso, de gozo e, inclusive, o de disposição do bem imóvel gravado.
Porém, o terceiro adquirente deverá respeitar o direito real de garantia incidente
sobre o imóvel:

Art. 1.480. O adquirente notificará o vendedor e os credores


hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do
imóvel, ou o depositará em juízo.
Parágrafo único. Poderá o adquirente exercer a faculdade de
abandonar o imóvel hipotecado, até as vinte e quatro horas
subsequentes à citação, com que se inicia o procedimento
executivo.
Art. 1.481. Dentro em trinta dias, contados do registro do
título aquisitivo, tem o adquirente do imóvel hipotecado o
direito de remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo
importância não inferior ao preço por que o adquiriu.
§ 1o Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância
oferecida, realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial
a quem oferecer maior preço, assegurada preferência ao
adquirente do imóvel.
§ 2o Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o
preço proposto pelo adquirente, haver-se-á por definitivamente
fixado para a remissão do imóvel, que ficará livre de hipoteca,
uma vez pago ou depositado o preço.
§ 3o Se o adquirente deixar de remir o imóvel, sujeitando-o a
execução, ficará obrigado a ressarcir os credores hipotecários
da desvalorização que, por sua culpa, o mesmo vier a sofrer,
além das despesas judiciais da execução.
§ 4o Disporá de ação regressiva contra o vendedor o adquirente
que ficar privado do imóvel em consequência de licitação
ou penhora, o que pagar a hipoteca, o que, por causa de
adjudicação ou licitação, desembolsar com o pagamento da
hipoteca importância excedente à da compra e o que suportar
custas e despesas judiciais (BRASIL, 2002).

Como explica Maria Helena Diniz:

O adquirente do imóvel hipotecado terá o direito de resgatá-


lo, liberando-o desse ônus, pois, caso contrário terá de se
sujeitar à execução do imóvel. Essa remição ou resgate
extingue a hipoteca, mas não o crédito, porque a dívida não é
quitada, e o devedor terá de pagar seu débito ao adquirente
do imóvel, que se sub-roga nos direitos do primeiro credor
hipotecário. 

174
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Existe ainda a alternativa do adquirente do imóvel hipotecado exonerar-se da


hipoteca abandonando o imóvel. Sobre a extinção da hipoteca, o art. 1.499 prevê
as seguintes hipóteses:

Art. 1.499. A hipoteca extingue-se:


I - pela extinção da obrigação principal;
II - pelo perecimento da coisa;
III - pela resolução da propriedade;
IV - pela renúncia do credor;
V - pela remição;
VI - pela arrematação ou adjudicação.
Art. 1.500. Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no
Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da
respectiva prova.
Art. 1.501. Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a
arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados
judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não
forem de qualquer modo partes na execução.

Remição da hipoteca (art. 1.499, V, CC) é o direito concedido ao próprio devedor,


ao credor da segunda hipoteca e ao adquirente do imóvel hipotecado, de liberar o
imóvel onerado, mediante pagamento da quantia devida, independentemente do
consentimento do credor, sub-rogando-se na condição de credor.

Já a resolução da propriedade (art. 1.499, III) é quando o devedor detém


a propriedade resolúvel do bem imóvel hipotecado, ou seja, existindo no título
constitutivo uma cláusula extintiva de direito que estabelece uma condição
resolutiva. Assim, operando-se esta condição, resolve-se a propriedade (deixando
de pertencer ao devedor) e automaticamente extingue-se a hipoteca.

Anote-se que, com a extinção da hipoteca, dá-se baixa no registro de imóveis.

Penhor
Diferente da hipoteca, penhor é a garantia real sobre bem móvel:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva


da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o
represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa
móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do
devedor, que as deve guardar e conservar (BRASIL, 2002).

175
DIREITOS REAIS

Segundo Arnaldo Rizzardo (2011, p. 1031):

Define-se penhor como a efetiva transmissão da posse direta,


ou a transferência de um bem móvel das mãos ou do poder do
devedor, ou de terceiro anuente, os quais tem o poder dominial
sobre o mesmo, para o poder e guarda do credor, ou da pessoa
que o representa com a finalidade de garantir a satisfação do
débito.

Salvo nas modalidades rural, industrial, mercantil e de veículos, no penhor


ocorrerá a transferência da posse do bem móvel (tradição) do devedor para o
credor pignoratício, que devolvê-lo-á extinta a obrigação.

Da leitura do art. 1.432, do CC, para a eficácia da garantia em relação a


terceiros, é necessário o registro do contrato de penhor no competente Cartório
de Registro de Títulos e Documentos (art. 130, 7.º, da Lei n.º 6.015/1973) ou na
repartição competente para expedir licença ou registrá-los: “O instrumento do
penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor
comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”.

Como se viu dois parágrafos acima, o Código Civil prevê diferentes


modalidades de penhor, conforme a natureza do bem oferecido em garantia:

• Penhor Rural – que se subdivide em agrícola (que pode ter por objeto
máquinas e instrumentos de agricultura, colheitas pendentes, ou em vias
de formação, frutos acondicionados ou armazenados, lenha cortada e
carvão vegetal, ou animais do serviço ordinário de estabelecimento
agrícola) ou pecuário (que pode ter por objeto os animais que integram
a atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios), cujas peculiaridades estão
nos artigos 1.438 ao 1.446, CC/2002;

• Penhor Industrial e Mercantil – que pode ter por objeto máquinas,


aparelhos, materiais, instrumentos, instalados e em funcionamento, com
os acessórios ou sem eles; animais, utilizados na indústria; sal e bens
destinados à exploração das salinas; produtos de suinocultura, animais
destinados à industrialização de carnes e derivados; matérias-primas e
produtos industrializados, cujas particularidades estão nos artigos 1.447
ao 1.450, CC/2002;

• Penhor de Direitos e Títulos de Crédito – que pode ter por


objeto direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis, cujas
especificidades estão previstas nos artigos 1.451 ao 1.460, CC/2002;

176
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

• Penhor de Veículos – que tem por objeto os veículos empregados em


qualquer espécie de transporte ou condução, cujas particularidades
estão nos artigos 1.461 ao 1.466, CC/2002; e, finalmente,

• Penhor Legal – que, diferentemente dos anteriores (que dependem de


convenção entre as partes), decorre de lei, que é o caso dos hospedeiros,
ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis,
joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem
consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou
consumo que aí tiverem feito; e do dono do prédio rústico ou urbano,
sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o
mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas, cujas especificidades estão
nos artigos 1.467 ao 1.472, CC/2002.

Além de não poder ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma


parte dela, antes de ser integralmente pago, art. 1.433, do CC/2002, traz outros
direitos do credor pignoratício:

Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito:


I - à posse da coisa empenhada;
II - à retenção dela, até que o indenizem das despesas
devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadas
por culpa sua;
III - ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício
da coisa empenhada;
IV - a promover a execução judicial, ou a venda amigável,
se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o
devedor mediante procuração;
V - a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se
encontra em seu poder;
VI - a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização
judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada
se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado. O dono da
coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a,
ou oferecendo outra garantia real idônea.

Suas obrigações, por outro lado, estão previstas no art. 1.435, do Código Civil:

Art. 1.435. O credor pignoratício é obrigado:


I - à custódia da coisa, como depositário, e a ressarcir ao
dono a perda ou deterioração de que for culpado, podendo
ser compensada na dívida, até a concorrente quantia, a
importância da responsabilidade;
II - à defesa da posse da coisa empenhada e a dar ciência,
ao dono dela, das circunstâncias que tornarem necessário o
exercício de ação possessória;
III - a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433,
inciso V) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e
no capital da obrigação garantida, sucessivamente;
IV - a restituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma
vez paga a dívida;
V - a entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga,
no caso do inciso IV do art. 1.433.

177
DIREITOS REAIS

Porquanto acessório de uma obrigação principal, o penhor será extinto se


extinta for a obrigação. Extingue-se, ainda, se a coisa perecer, se houver renúncia
do credor, havendo confusão entre o credor e o dono da coisa (passarem a ser
a mesma pessoa) e, por fim, em caso de adjudicação judicial, a remissão ou a
venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada.

Sobre a renúncia do credor, esta se presume quando o credor, devidamente


notificado, não se opuser à venda particular do bem empenhado sem reserva de
preço, se restituir a posse da coisa ao devedor, ou se anuir à sua substituição por
outra garantia.

A extinção do penhor apenas produzirá efeito depois de averbado o


cancelamento do registro, à vista da respectiva prova (art. 1.437, CC/2002).

Anticrese
Modalidade de direito real de garantia pouco utilizada, pela anticrese o
devedor transfere a posse de bem imóvel para o credor, para que este se aproveite
dos seus frutos e rendimentos até pagamento do montante da dívida (art. 1.506, CC),
mediante apresentação de balanço anual de sua administração (art.1.507, CC). Verbis:

Art. 1.506. Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega


do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em
compensação da dívida, os frutos e rendimentos.
§ 1o É permitido estipular que os frutos e rendimentos do
imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros, mas se
o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para
as operações financeiras, o remanescente será imputado ao
capital.
§ 2o Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá
ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a
terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado
em anticrese.
Art. 1.507. O credor anticrético pode administrar os bens
dados em anticrese e fruir seus frutos e utilidades, mas
deverá apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua
administração.
§ 1o Se o devedor anticrético não concordar com o que se
contém no balanço, por ser inexato, ou ruinosa a administração,
poderá impugná-lo, e, se o quiser, requerer a transformação
em arrendamento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel, o
qual poderá ser corrigido anualmente.
§ 2o O credor anticrético pode, salvo pacto em sentido contrário,
arrendar os bens dados em anticrese a terceiro, mantendo,
até ser pago, direito de retenção do imóvel, embora o aluguel
desse arrendamento não seja vinculativo para o devedor
(BRASIL, 2002).

178
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald (2015, p. 804-807) explicam


que a anticrese subtrai do proprietário o jus utendi e o jus fruendi, transferindo ao
credor os frutos e os rendimentos da coisa dada em garantia anticrética, com a
ressalva de que não se trata de exploração econômica da coisa pelo credor (como
aconteceria com o usufruto ou a enfiteuse), mas de uma forma de, ao mesmo
tempo, garantir a adimplência do devedor e amortizar o valor do débito.

Conforme acontece com a hipoteca e com o penhor, a anticrese também


deverá ser levada a registro para gerar efeito erga omnes.

Findo o prazo contratado, ou liquidado o débito, cabe ao credor anticrético


restituir o imóvel ao devedor, com baixa no registro. 

Alienação Fiduciária
Uma outra modalidade de direito real de garantia é a alienação fiduciária,
prevista nos artigos 1.361 a 1.368, do Código Civil:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de


coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia,
transfere ao credor.
§ 1o  Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do
contrato, celebrado por instrumento público ou particular,
que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos
do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na
repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a
anotação no certificado de registro.
§ 2o  Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o
desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor
direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna
eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade
fiduciária.

César Fiuza explica o instituto:

Alienação fiduciária em garantia é o contrato pelo qual uma


pessoa, o devedor fiduciante, a fim de garantir o adimplemento
de obrigação e mantendo-se na posse direta, obriga-se a
transferir à propriedade de uma coisa ou a titularidade de um
direito a outra pessoa, o credor fiduciário, que fica adstrito
a retransmitir a propriedade ou a titularidade do direito ao
devedor fiduciante, assim que paga a dívida garantida (FIÚZA,
p. 1150).

179
DIREITOS REAIS

Ou seja, através da alienação fiduciária, o devedor transfere a propriedade da


coisa ao credor, mantendo consigo a posse (agora na qualidade de “depositário”)
enquanto perdurar a obrigação. Quitada a dívida, o credor retransfere a
propriedade do bem ao devedor.

A principal característica do contrato de alienação fiduciária, enquanto direito


real de garantia, é o direito de sequela, o que possibilita a vinculação do objeto da
avença ao crédito concedido pelo credor fiduciário.

Para que continue exercendo a posse e usando a coisa, obriga-se o


devedor fiduciante a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua
natureza, bem como a entregá-la ao credor fiduciário, se a dívida não for paga no
vencimento (art. 1.363, CC).

Merece destaque o artigo 1.368-B, do Código Civil, introduzido pela Lei nº


13.043/ 2014, que passou a estabelecer que alienação fiduciária em garantia de
bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante:

Art. 1.368-B.  A alienação fiduciária em garantia de bem móvel


ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu
cessionário ou sucessor.                 
Parágrafo único.  O credor fiduciário que se tornar proprietário
pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante
consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra
forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade
plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre
a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e
quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre
o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser
imitido na posse direta do bem.          

Ou seja, o mesmo instituto se presta a garantir a satisfação da obrigação


pelo devedor (seu cessionário ou sucessor) e, ao mesmo tempo, confere-lhe
poder para, quitada a obrigação, recuperar a propriedade o bem.

Direitos Reais de Gozo ou Fruição


Como o próprio nome já indica, através dos direitos reais de gozo, ou de
fruição, o titular do direito transfere a terceiro um dos atributos relativos à
propriedade, que é justamente o do gozo da coisa.

São direitos reais de gozo ou fruição o usufruto, o uso, a superfície, a


servidão predial, a habitação e, em vias de extinção, a enfiteuse.

180
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Enfiteuse (ou Aforamento)


Uma das modalidades mais antigas e tradicionais de direito real sobre coisa
alheia, a enfiteuse perdeu relevância ao longo do século XX a ponto de o Código
Civil de 2002, em suas Disposições Finais e Transitórias, proibir a constituição
de novas enfiteuses e subenfiteuses, determinando que aquelas então existentes
deveriam ser regidas pelas disposições do Código Civil de 1916:

Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e


subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua
extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071,
de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores.
§ 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:
I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de
bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações;
II - constituir subenfiteuse.
§ 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-
se por lei especial (BRASIL, 2002).

Como explica Hely Lopes Meirelles, pela enfiteuse (também chamada de


“aforamento”), o proprietário do imóvel permanece com o domínio direto, cedendo
ao enfiteuta (também chamado de “foreiro”) o domínio útil, como tal compreendida
a soma de todos os demais direitos pertinentes à propriedade, inclusive o de
alienação.

Através da enfiteuse, o proprietário (senhorio) atribui a terceiros (enfiteutas


ou foreiros) o exercício do domínio útil de seus imóveis mediante o pagamento do
chamado foro, ou taxa de aforamento, correspondente a um percentual do valor
venal do imóvel, a ser pago anualmente. Daí porque uma das características da
enfiteuse é ser onerosa.

Outra característica da enfiteuse é a perpetuidade, ou seja, é transmissível


por herança.

Tratando-se de bens pertencentes à União, o enfiteuta poderá alienar a enfiteuse,


ou seja, transferir onerosamente (= vender) o domínio útil a terceiro, para o que terá
que ser pago o laudêmio no momento de realizar a transferência de titularidade
perante a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), conforme estabelece o artigo 3º,
do Decreto no 2.398/1987, alterado pela Lei Federal nº 13.240/2015:

Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e


da inscrição de ocupação de terreno da União ou cessão de
direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do
laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento)
do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as
benfeitorias (BRASIL, 1987).

181
DIREITOS REAIS

Segundo o art. 692, do Código Civil revogado, a enfiteuse só se extingue nos


casos de deterioração do prédio aforado, comisso e falecimento do foreiro sem
herdeiros.

Como se viu, a enfiteuse dos terrenos de marinha – aqueles, segundo o art.


1º, do Decreto-Lei nº 3.438/1941, situados “em uma profundidade de 33 (trinta e
três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha
do preamar-médio de 1831” “a) os situados no continente, na costa marítima e
nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;” e
“b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência
das marés” (BRASIL, 1941) – será regida por legislação específica.

Usufruto
Um dos direitos reais sobre coisa alheia de fruição mais comuns, o usufruto
representa a cisão, ainda que temporária, dos direitos inerentes à propriedade:
de um lado fica à disposição (jus abutendi) e a sequela de determinado bem (que
permanecem com o proprietário, agora denominado “nu-proprietário”), e, de outro
lado, o uso (jus utendi) e o gozo (jus fruendi), que passarão para o usufrutuário. É
o que explicam Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 570-571):

O usufruto [...] possui a virtualidade de fracionar o próprio


direito de propriedade, conferindo ao usufrutuário o direito
de usar e de perceber os frutos - naturais, industriais e civis
-, remanescendo ao nu-proprietário apenas ‘o conteúdo
do direito, vale dizer, a faculdade de disposição da cosia em
sua própria substância, podendo alienar, instituir ônus real ou
dar qualquer outra forma de disposição ao objeto, apesar de
despido de importantes atributos’.

Ainda que existam casos de usufruto legal, via de regra o usufruto se


constitui por vontade das partes, e pode decorrer de ato inter vivos ou causa
mortis, podendo ainda ser gratuito ou oneroso.

Nos termos do art. 1.390, do Código Civil: “O usufruto pode recair em um


ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste,
abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades” (BRASIL, 2002).

O usufruto, pois, poderá ter por objeto bens móveis (títulos de crédito,
ações, quotas sociais, veículos etc.) ou imóveis, recaindo sobre a integralidade
ou sobre parte do bem.

182
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Qual acontece com os demais direitos reais de garantia, sua oponibilidade a


terceiros e eficácia dependem de transcrição no registro imobiliário, tratando-
se o bem gravado de um imóvel: “Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não
resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de
Imóveis” (BRASIL, 2002).

Outras importantes características são a temporariedade (extinguindo-


se com o termo, por prazo determinado, ou pela morte do usufrutuário) e a
inalienabilidade, do que decorre a impenhorabilidade do direito.

Dentre os direitos do usufrutuário, o Código Civil elenca a posse,


Dentre os direitos
o uso, a administração e a percepção dos frutos (art. 1.394), enquanto do usufrutuário, o
que, tratando-se de usufruto sobre títulos de crédito, o usufrutuário terá Código Civil elenca
direito a perceber os frutos (juros) e a cobrar as respectivas dívidas a posse, o uso, a
(art. 1.395), com a condição de que deverá aplicar, imediatamente administração e
ao recebimento, a importância em títulos da mesma natureza, ou em a percepção dos
frutos
títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos (art. 1.395,
parágrafo único).

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial e responda: o


que é usufruto sucessivo? Ele é admitido no ordenamento jurídico
brasileiro?
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Sobre o direito à percepção de frutos pelo usufrutuário – que podem ser


naturais (que decorrem da força orgânica da própria natureza, desenvolvendo-

183
DIREITOS REAIS

se e renovando-se periodicamente,) ou civis (resultado da exploração jurídica da


coisa, como alugueres, arrendamento etc.) – estabelece o Código Civil:

Art. 1.396. Salvo direito adquirido por outrem, o usufrutuário faz


seus os frutos naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem
encargo de pagar as despesas de produção.
Parágrafo único. Os frutos naturais, pendentes ao tempo
em que cessa o usufruto, pertencem ao dono, também sem
compensação das despesas.
Art. 1.397. As crias dos animais pertencem ao usufrutuário,
deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado
existentes ao começar o usufruto.
Art. 1.398. Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto,
pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário os vencidos na
data em que cessa o usufruto.
Art. 1.399. O usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante
arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação
econômica, sem expressa autorização do proprietário (BRASIL,
2002).

Em contrapartida aos direitos inerentes ao usufruto, o usufrutuário terá uma
série de obrigações:

• inventariar, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em


que se acham;
• oferecer caução, fidejussória ou real, se assim exigir o dono;
• velar pela conservação da coisa, arcando com as despesas módicas
(inferiores a dois terços do líquido rendimento em um ano);
• restituir a coisa ao dono, findo o usufruto;
• arcar com as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado
em que os recebeu;
• arcar com as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento
da coisa usufruída;
• pagar os juros da dívida que eventualmente onerar o patrimônio;
• dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa;
• pagar, durante o usufruto, as contribuições do seguro (se a coisa estiver
segurada), dentre outros.

Pertinente trazer que, nos termos do art. 1.408, do Código Civil, “se um
edifício sujeito a usufruto for destruído sem culpa do proprietário, não será este
obrigado a reconstruí-lo, nem o usufruto se restabelecerá, se o proprietário
reconstruir à sua custa o prédio; mas se a indenização do seguro for aplicada à
reconstrução do prédio, restabelecer-se-á o usufruto” (BRASIL, 2002).

184
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Na hipótese, por exemplo, de incêndio que destrua a coisa dada em


usufruto, não terá o proprietário a obrigação de reconstruir a coisa, extinguindo-
se o usufruto, ainda que o nu-proprietário reconstrua à sua custa. Porém, se ele
recebeu indenização do seguro e, com ela, reconstrua a coisa, o usufruto se
restabelecerá.

As formas de extinção do usufruto estão estabelecidas no art. 1.410, do


Código Civil. Verbis:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no


Cartório de Registro de Imóveis:
I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;
II - pelo termo de sua duração;
III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o
usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de
trinta anos da data em que se começou a exercer;
IV - pela cessação do motivo de que se origina;
V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos
arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;
VI - pela consolidação;
VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou
deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de
conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não
dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo
único do art. 1.395;
VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto
recai (arts. 1.390 e 1.399).

Sobre estas formas, algumas considerações. A primeira é que se admite


renúncia do usufruto, pelo usufrutuário, exigindo-se, para tanto, instrumento
público competente, bem como a outorga uxória ou consentimento marital, se o
usufrutuário for casado.

A segunda é que a verificação da cessação do motivo que determinou a


constituição do usufruto (inciso IV) dá ensejo à ação de revogação do usufruto.
Assim, por exemplo, se o motivo da constituição do usufruto eram os laços
afetivos que atavam nu-proprietário e usufrutuário, o término da união fará cessar
o motivo.

Por fim, entende-se por “consolidação” (inciso VI) quando, por determinada
circunstância, o nu-proprietário e o usufrutuário passam a ser a mesma pessoa,
reunindo o nu-proprietário todos os direitos inerentes à propriedade.

185
DIREITOS REAIS

Uso
Alcunhado pelos doutrinadores como “usufruto anão” ou “usufruto de menor
âmbito”, o direito real de uso na lição de Maria Helena Diniz (2005, p. 1129):

[...] é o direito real que, a título gratuito ou oneroso, por ato


inter vivos ou causa mortis autoriza uma pessoa a retirar,
temporariamente, de coisa alheia (móvel ou imóvel), todas as
utilidades (frutos) para atender às suas próprias necessidades
e às de sua família.

O instituto está previsto nos artigos 1.412 e 1.413, do Código Civil:

Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos,


quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.
§ 1o Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário
conforme a sua condição social e o lugar onde viver.
§ 2o As necessidades da família do usuário compreendem
as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu
serviço doméstico.
Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à
sua natureza, as disposições relativas ao usufruto (BRASIL,
2002).

Ou seja, o proprietário do bem concede temporariamente a outrem (usuário)


seu jus utendi, o direito de usar da coisa alheia e de perceber seus frutos.

O direito real de uso, como se viu, pode ser gratuito ou oneroso, e pode ter
como objeto tanto as coisas imóveis como as coisas móveis, sendo que estas
últimas desde que infungíveis e inconsumíveis.

 Orlando Gomes (2008, p. 352) apresenta, além do caráter personalíssimo,


outras duas características particulares do instituto, a indivisibilidade e a
incessibilidade (que se não pode ser cedido):

Além das características comuns, possui o uso


duas particularidades: é indivisível e incedível. De
sua indivisibilidade resulta que não se pode ser constituído pro
parte. A mesma coisa, portanto, não se grava parceladamente. 
Por outro lado, o direito de uso é intransmissível em si e no
seu exercício. Enquanto o usufruto comporta a cessão do seu
exercício, no uso é proibida. Há de ser exercido pessoalmente.
Tem, por conseguinte, caráter eminentemente personalíssimo,
constituindo exceção ao princípio da transmissibilidade dos
direitos patrimoniais.

186
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Porquanto o artigo 1.413 estabeleça que são aplicáveis ao uso, no que não
for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto, a teor do artigo
1.391, do mesmo estatuto legal, tratando-se de bens imóveis, o direito real de uso
constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Sobre a extinção do uso, da mesma forma, deve ser aplicada a regra prevista
no art. 1.410, do Código Civil, afeta ao usufruto.

Habitação
Segundo lição de Carlos Roberto Gonçalves (2006, p. 475), versando sobre
o direito real de habitação, previsto nos artigos 1.414 a 1.416, do Código Civil:

O instituto em apreço assegura ao titular o direito de


morar e residir na casa alheia. Tem, portanto, destinação
específica: servir de moradia ao beneficiário e sua família.
Não podem alugá-la ou emprestá-la. Acentua-se, destarte, a
inacessibilidade assim do direito quanto do seu exercício.
Trata-se de direito real, temporário e personalíssimo. Embora
tenha também se desprendido do usufruto, como o uso, é
ainda mais restrito que este. Tem por objeto necessariamente
bem imóvel, e o titular deve nele residir, ele próprio, com sua
família. Como foi dito, não pode cedê-lo a terceiro, mediante
empréstimo ou locação. Trata-se, portanto, do mesmo direito
de uso já estudado, restrito, porém, à casa de moradia.

O artigo 1.414, do Código Civil, estabelece que o direito de habitação pode


ser conferido a uma ou mais pessoas, para que habite gratuitamente uma casa
alheia juntamente com sua família, sendo vedado ao(s) beneficiário(s) alugá-la
ou emprestá-la, tampouco impedir que aqueles que também tenham tal direito,
compartilhem a habitação.

É conveniente, aqui, distinguir o direito de habitação convencional –


previsto no art. 1.414, do Código Civil, que é instituído pelo proprietário em
favor de terceiro (“habitador”), de forma voluntária e temporária, tratando-se
do desdobramento do direito de propriedade e a transferência do caractere da
habitação, e perfectibilizado pelo registro na matrícula do imóvel – do direito de
habitação legal, previsto no art. 1.831, do Código Civil, que garante ao cônjuge/
companheiro sobrevivente o direito real de habitação relativamente ao imóvel
destinado à residência da família, qualquer que seja o regime de bens:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime


de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que
lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente
ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o
único daquela natureza a inventariar.

187
DIREITOS REAIS

Segundo explica Zeno Veloso (2008, p. 217):

O direito real de habitação é concedido sem prejuízo da


participação da viúva ou do viúvo na herança. Mesmo que o
cônjuge sobrevivente seja herdeiro ou legatário, não perde o
direito de habitação.
Não assiste direito aos demais herdeiros e condôminos de
cobrar aluguel da viúva ou do viúvo pelo exercício do direito
real de habitação do único imóvel residencial deixado pelo
de cujus. Sem dúvida, isso significa uma restrição ao direito
dos coproprietários, mas o legislador quis privilegiar o cônjuge
sobrevivente, manter seu status, suas condições de vida,
garantindo-lhe o teto, a morada.

No caso do direito de habitação legal, trata-se de um direito do cônjuge


sobrevivente decorrente de lei, automaticamente e independentemente de registro.

Vale destacar que o fato de recair sobre determinado imóvel o direito de


habitação não impede do proprietário o alienar – tal qual acontece com o usufruto.
Como explicou o Des. Francisco Loureiro, nos autos da Apelação Civil nº 1005130-
26.8.26.0196, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

O direito real de habitação na verdade é uma espécie do gênero


usufruto, como expressamente dispõe o art. 1.414 do Código
Civil, e, nessa condição, implica restrição a apenas uma das
faculdades inerentes ao direito de propriedade, qual seja, a de
utilizar a coisa. Esta não deixa de ser passível de alienação.
A situação é semelhante à verificada nas hipóteses de usufruto,
em que o nu-proprietário pode vender o bem sobre o qual recai
o gravame, e ainda assim o direito do usufrutuário se mantém,
principalmente em relação ao terceiro que adquire a coisa. [...]
Como se vê, a existência de direito real de habitação em favor
de uma das apelantes sobre o bem não tem o condão de
impedir a extinção de condomínio pretendida na inicial.
Ressalva-se apenas que aquele que adquirir o imóvel deverá
respeitar o direito de habitação que sobre ele recai até a sua
regular extinção.
Será alienada, por ora, a nua propriedade, e o arrematante
somente terá consolidada a propriedade plena quando da
extinção do direito real de habitação.
Tal situação decorre do efeito erga omnes e da sequela que
caracterizam o direito real de habitação do viúvo.

Isto quer dizer que, ainda que vendido o bem sobre o qual recai o direito
real de habitação, o direito do beneficiário será preservado. Em outras palavras,
o adquirente deverá, por se ter interessado pela aquisição, preservar o direito de
que cuidam os artigos 1.414 e/ou 1.831, do Código Civil.

188
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

Segundo redação expressa do art. 1.416, do Código Civil, “são aplicáveis à


habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto”.

Assim, aplicam-se ao direito real de habitação convencional as regras do


usufruto quanto às hipóteses de extinção, previstas no já visto art. 1.410, que não
nos custa transcrever novamente:

Art. 1.410. O usufruto [in casu, habitação] extingue-se,


cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;
II - pelo termo de sua duração;
III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o
usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de
trinta anos da data em que se começou a exercer;
IV - pela cessação do motivo de que se origina;
V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos
arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;
VI - pela consolidação;
VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou
deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de
conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não
dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo
único do art. 1.395;
VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto
recai (arts. 1.390 e 1.399).

Finda a habitação, o proprietário retoma a posse do imóvel.

Servidão Predial
Prevista entre os artigos 1.378 e o 1.389, do Código Civil, “A servidão
proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que
pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos
proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro
de Imóveis” (art. 1.378, CC/2002).

Existem, assim, dois imóveis vizinhos (não necessariamente contíguos): o


chamado prédio dominante (que submete o outro) e o prédio serviente (que se
submete ao outro). Segundo lição de Sílvio de Salvo Venosa (2005, p. 460):

Nas servidões prediais, que ora nos interessam, estabelece-


se relação de serviência, submissão (recordando-se a
compreensão etimológica do vocábulo servitus) entre dois
imóveis, independentemente de quem sejam seus titulares.
Um imóvel serve a outro.
[...] A servidão predial é concebida como direito estabelecido
em imóvel sobre outro imóvel. Pressupõe a existência de
dois prédios vizinhos (não necessariamente contíguos)
pertencentes a proprietários diversos. Há um prédio dominante
que utiliza, onera e restringe o exercício da propriedade de um
prédio serviente [...].
189
DIREITOS REAIS

A servidão, portanto, constitui uma restrição voluntária (geralmente contratual)


ao domínio pleno do imóvel serviente, para garantir ao imóvel dominante alguma
utilidade, conveniência, comodidade.

É importante, É importante, aqui, sabermos diferenciar servidão predial de


sabermos passagem forçada, dois institutos pertencentes ao direito das coisas,
diferenciar servidão
mas que possuem natureza diversa: enquanto a servidão é um direito
predial de passagem
forçada real sobre coisa alheia, que proporciona maior utilidade ao imóvel
dominante e constitui uma limitação ao domínio pleno do imóvel
serviente, a passagem forçada pressupõe a existência de um prédio encravado,
ou seja, que não tem acesso a via pública, nascente ou porto, representando uma
necessidade (e não mera utilidade). A passagem forçada, como já vimos noutro
capítulo, é matéria relativa ao direito de vizinhança, regida pela função social da
propriedade.

Uma importante característica da servidão é que ela não se presume,


podendo ser constituída por ato voluntário das partes interessadas (art. 1.378,
CC/2002), por ato inter vivos ou causa mortis, ou, ainda, por usucapião (art.
1.379). Para sua eficácia erga omnes, pressupõe-se seu registro no Cartório de
Registro de Imóveis competente.

Como destacado pelo Des. Richard Pae Kevi, relator da Apelação Cível n.º
7207949100, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

[...] as obrigações do prédio serviente são propter rem, razão


pela qual eventuais acordos provisórios em nada interferem no
alegado direito do condomínio, importando ao [proprietário do
imóvel serviente], no caso, em uma abstenção (non facere),
um suportar (pati) e em algumas situações, até mesmo a
obrigação de facere, podendo o dono da servidão realizar,
sempre que necessário, obras de conservação, como é o caso
em questão.

A servidão, portanto, aderirá ao imóvel, ou seja, será transmitida com o


imóvel independentemente da pessoa do proprietário.

E o mencionado non facere, pelo serviente, está prevista no art. 1.383, do


Código Civil, que prevê que “O dono do prédio serviente não poderá embaraçar
de modo algum o exercício legítimo da servidão” (BRASIL, 2002).

Uma relevante classificação das servidões é em relação à aparência delas,


se revelam ou não sinais exteriores, se são ou não são perceptíveis: elas podem
ser aparentes (por exemplo, tubulações de água) ou não aparentes (como as
servidões de passagem).

190
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

A relevância de se saber se é aparente ou não é que apenas as servidões


aparentes autorizam a aquisição por usucapião, o que não acontece com as
servidões não aparentes:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO


DE USUCAPIÃO. PRETENSÃO COM LASTRO NO ART.
1.379 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS AUSENTES.
INEXISTÊNCIA DE SERVIDÃO APARENTE. AUSÊNCIA DE
OBRAS VISÍVEIS E PERMANENTES, REALIZADAS NO
PRÉDIO SERVIENTE PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE
PASSAGEM. SERVIDÃO NÃO APARENTE NÃO AUTORIZA
A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO.
NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (BRASIL, 2013, grifo
nosso).

Convém destacar que a servidão predial é um gênero do qual são espécies


as servidões de passagem (também chamadas “servidões de trânsito”, a mais
comum), de passagem de água, de pastagem, as servidões para extrair pedra,
dentre outras.

As regras sobre a responsabilidade pelas obras e despesas de conservação


da servidão estão previstas nos artigos 1.380, 1.381 e 1.382:

Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as


obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão
pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas
entre os respectivos donos.
Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente
devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário
não dispuser expressamente o título.
Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio
serviente, este poderá exonerar-se, abandonando, total ou
parcialmente, a propriedade ao dono do dominante.
Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se
recusar a receber a propriedade do serviente, ou parte dela,
caber-lhe-á custear as obras.

Vale a nota de que é legalmente possível, às custas do dono do prédio


serviente, a remoção da servidão de um local para outro se este o desejar, desde
que não diminua as vantagens do prédio dominante. Por outro lado, se a remoção
trouxer “considerável incremento da utilidade” ao prédio dominante, e desde
que não prejudique o prédio serviente, caberá àquele suportar as despesas da
remoção (art. 1.384, CC/2002).

A teor do art. 1.386, “As servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no


caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio
dominante” (BRASIL, 2002), sendo que, acaso seja o prédio serviente que seja
dividido, a regra é que continuarão a gravá-los todos, salvo se se aplicar a apenas
um deles, por sua natureza ou destino.

191
DIREITOS REAIS

A servidão será extinta através do cancelamento do registro, decretado


por ordem judicial, pela reunião dos dois prédios (o dominante e o serviente) no
domínio da mesma pessoa, pela supressão das respectivas obras por efeito de
contrato, ou de outro título expresso, ou, finalmente, pelo seu não uso, durante
dez anos contínuos, pelo prédio dominante.

O direito ao cancelamento, por ordem judicial, ocorrerá quando o titular


houver renunciado à sua servidão, tiver cessado, para o prédio dominante, a
utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da servidão, ou quando
o dono do prédio serviente resgatar a servidão (art. 1.388, CC/2002).

Direito Real de Superfície


Segundo dicção do art. 1.369, do Código Civil, “O proprietário pode
conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo
determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de
Registro de Imóveis” (BRASIL, 2002).

Trata-se do direito de superfície, direito real de plantar, realizar semeaduras


ou mesmo de edificar sobre imóvel alheio, que, como o próprio nome sugere, em
regra não autorizará obra no subsolo do imóvel, salvo se for inerente ao objeto da
concessão.

O direito de superfície, portanto, será uma concessão atribuída pelo


proprietário do terreno (chamado “concedente”) a outrem (denominado
“superficiário”), gratuita ou onerosa, para o plantio, construção ou utilização,
durante determinado tempo.

Pela utilização, o superficiário deverá pagar todos os encargos e tributos


que incidam sobre o imóvel (terreno + construção e/ou plantação), como se
proprietário fosse (art. 1.371, CC).

O direito de superfície pode transferir-se a terceiros, por ato inter vivos


ou causa mortis (art. 1.372, CC), da mesma forma não obsta a alienação do
imóvel pelo proprietário. Porém, “Em caso de alienação do imóvel ou do direito
de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em
igualdade de condições” (art. 1.373, CC).

Como visto alhures, segundo disciplina o art. 1.369, do Código Civil, a forma
legal de instituição do referido instituto é por meio de escritura pública. Da mesma
forma, o art. 21, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), estabelece que

192
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

“o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu


terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública
registrada no cartório de registro de imóveis” (BRASIL, 2001).

Diferentemente do que acontece com a obsoleta enfiteuse e seu laudêmio,


a lei veda expressamente a estipulação, pelo concedente, de pagamento pela
transferência do direito de superfície (art. 1.372, CC).

Convém destacar uma novidade introduzida pelo Código de Processo Civil de


2015, que é a possibilidade de se penhorar ou o imóvel submetido ao direito real
de superfície (obviamente nos casos em que o proprietário seja o executado) ou
apenas a construção ou a plantação (nos casos em que o superficiário é o devedor):

Art. 791.  Se a execução tiver por objeto obrigação de que


seja sujeito passivo o proprietário de terreno submetido ao
regime do direito de superfície, ou o superficiário, responderá
pela dívida, exclusivamente, o direito real do qual é titular o
executado, recaindo a penhora ou outros atos de constrição
exclusivamente sobre o terreno, no primeiro caso, ou sobre a
construção ou a plantação, no segundo caso.
§ 1o Os atos de constrição a que se refere o caput serão
averbados separadamente na matrícula do imóvel, com a
identificação do executado, do valor do crédito e do objeto
sobre o qual recai o gravame, devendo o oficial destacar o
bem que responde pela dívida, se o terreno, a construção
ou a plantação, de modo a assegurar a publicidade da
responsabilidade patrimonial de cada um deles pelas dívidas e
pelas obrigações que a eles estão vinculadas.
§ 2o Aplica-se, no que couber, o disposto neste artigo à
enfiteuse, à concessão de uso especial para fins de moradia e
à concessão de direito real de uso.

O direito de superfície poderá ser extinto: (a) se por prazo determinado,


quando expirado; (b) com o abandono ou renúncia do superficiário; (c) na hipótese
de inadimplemento contratual ou se o superficiário der ao terreno destinação
diversa daquela para que foi concedida (art. 1.374, CC), por resolução do contrato;
(d) por expropriação do imóvel (art. 1.376, CC); ou (e) pela destruição da coisa
plantada ou construída.

De toda a forma, a regra é que “extinta a concessão, o proprietário


passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação,
independentemente de indenização” (art. 1.375, primeira parte, CC), salvo
estipulação expressa em contrário. No entanto, tratando-se de extinção por
desapropriação forçada, a indenização caberá ao proprietário e ao superficiário,
no valor correspondente ao direito real de cada um.

193
DIREITOS REAIS

Atividade de Estudos:

1) Faça uma breve pesquisa doutrinária e jurisprudencial e responda:


qual(is) a(s) diferença(s) entre direito real de superfície e
contrato de arrendamento?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

Direitos Reais de Aquisição


Direitos reais de aquisição, segundo o português Luís Manuel Teles de Menezes
Leitão, “são aqueles em que é conferida ao seu titular a possibilidade de pelo seu
exercício vir a adquirir um direito real sobre determinada coisa” (2009, p. 100).

Através dele, o promitente comprador grava sobre o imóvel de propriedade


do promitente vendedor um direito real que perdurará até a quitação da dívida,
quando se realiza a transferência da propriedade.

A alienação Até o advento da Lei nº 13.043/2014, que, instituindo o art. 1.368-


fiduciária confere B, do Código Civil, passou a prever expressamente que a alienação
direito real de
fiduciária confere direito real de aquisição ao devedor fiduciante, a
aquisição ao
devedor fiduciante. única modalidade de direito real de aquisição era o compromisso de
compra e venda, previsto nos artigos 1.417 e 1.418, do Código Civil:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que


se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento
público ou particular, e registrada no Cartório de Registro
de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à
aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode
exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os
direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva
de compra e venda, conforme o disposto no instrumento
preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação
do imóvel (BRASIL, 2002).

Conforme explica Luciano de Camargo Penteado (2012, p. 506):

194
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

A obrigação principal do que promete a venda é a de que,


cumpridas as cláusulas do contrato pelo que promete a compra,
prestar a escritura definitiva, enquanto a prestação principal a
cargo do promissário comprador consiste no pagamento do
preço acordado, em mecanismo de execução diferida.

O tal mecanismo de execução diferida mencionado por Penteado é a ação


de adjudicação compulsória, prevista no art. 16, do Decreto-Lei nº 58/1937, com
redação dada pela Lei nº 6.014/1973 (BRASIL, 1973):

Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a


escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário
poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de
adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo. 
§ 1º A ação não será acolhida se a parte, que a intentou, não
cumprir a sua prestação nem a oferecer nos casos e formas
legais.
§ 2º Julgada procedente a ação, a sentença, uma vez transitada
em julgado, adjudicará o imóvel ao compromissário, valendo
como título para a transcrição. 
§ 3º Das sentenças proferidas nos casos deste artigo caberá
apelação. 
§ 4º Das sentenças proferidas nos casos deste artigo caberá o
recurso de agravo de petição.

Vale destacar que, inobstante a característica da publicidade dos direitos


reais, que exigem seu registro para gerar efeito erga omnes, a Súmula STJ n.º
239 estabelece que “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao
registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Da mesma forma, a Súmula STJ n.º 84 prevê que “É admissível a oposição de


embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso
de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.

Vale a derradeira ressalva, ainda tratando da ação de adjudicação


compulsória, que para que o promitente comprador possa requerê-la deverá
preencher os seguintes requisitos: (a) existência de contrato escrito de
compromisso de compra e venda; (b) que não haja nele cláusula que permita
direito de arrependimento; (c) que instrua a petição com a prova da quitação
integral da dívida.

Consigne-se, por fim, que o artigo 25, da Lei no 6.766/1979, estabelece que
“São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de
cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados,
confiram direito real oponível a terceiros” (BRASIL, 1979).

195
DIREITOS REAIS

Algumas Considerações
Finalmente vencido este capítulo, o último deles, quando nos debruçamos
sobre os direitos reais sobre coisas alheias, é de suma importância que você saia
daqui sabendo:

• Que dentre as várias classificações sobre os direitos reais, podemos


distinguir os direitos reais sobre coisas próprias (jus in re propria) dos
direitos reais sobre coisa alheia (jus in rebus alienis);

• Que os direitos reais sobre coisa alheias devem ser compreendidos sob
a perspectiva do terceiro, que, por conta de determinada circunstância
jurídica, deterá, temporariamente, algum ou alguns dos poderes inerentes
à propriedade sobre o bem de propriedade alheia, que restringirá o
proprietário;

• Que direitos reais sobre coisa alheia são caracterizados pela


transferência a terceiro, por parte do proprietário do bem, de um ou
mais poderes inerentes à propriedade - usar (jus utendi), o de fruir (jus
fruendi), de custodiar e o de dispor;

• Que os direitos reais sobre coisa alheia se dividem em direitos reais de


gozo (ou fruição), de garantia e de aquisição:

• Que os direitos reais de garantia decorrem da segurança que o titular


(credor) terá de receber o pagamento de uma dívida através de um bem
dado pelo devedor em garantia;

• Que os direitos reais de garantia geram cinco efeitos, a lembrar, a


sequela, o privilégio, a excussão, a indivisibilidade e o vencimento
antecipado da obrigação garantida;

• Que a hipoteca, direito real de garantia, é quando devedor oferece


como garantia para o pagamento de uma dívida um bem imóvel de
sua propriedade (ou de terceiro, desde que consinta expressamente
com a hipoteca), permanecendo na posse do bem enquanto perdura a
obrigação, conferindo ao credor hipotecário o jus distrahendi, ou seja, o
direito de excuti-lo para satisfazer a obrigação inadimplida;

196
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

• Que o penhor, direito real de garantia, é a garantia real sobre bem


móvel e, via de regra, ocorrerá a transferência da posse do bem móvel
(tradição) do devedor para o credor pignoratício, que devolvê-lo-á extinta
a obrigação;

• Que na anticrese, direito real de garantia, o devedor transfere a posse de


bem imóvel para o credor, para que este se aproveite dos seus frutos e
rendimentos até pagamento do montante da dívida;

• Que na alienação fiduciária, direito real de garantia, o devedor transfere


a propriedade da coisa ao credor, mantendo consigo a posse (agora na
qualidade de “depositário”) enquanto perdurar a obrigação;

• Que nos direitos reais de gozo, ou de fruição, o titular do direito transfere


a terceiro um dos atributos relativos à propriedade, que é justamente o
do gozo da coisa;

• Que na enfiteuse, direito real de gozo, o proprietário do imóvel permanece


com o domínio direto, cedendo ao enfiteuta (ou “foreiro”) o domínio útil,
como tal compreendido a soma de todos os demais direitos pertinentes à
propriedade, inclusive o de alienação;

• Que o usufruto, direito real de gozo, representa a cisão, ainda que


temporária, dos direitos inerentes à propriedade: de um lado fica
a disposição (jus abutendi) e a sequela de determinado bem (que
permanecem com o proprietário, agora denominado “nu-proprietário”), e,
de outro lado, o uso (jus utendi) e o gozo (jus fruendi), que passarão para
o usufrutuário

• Que no uso, direito real de gozo, o proprietário do bem concede


temporariamente a outrem (usuário) seu jus utendi, o direito de usar da
coisa alheia e de perceber seus frutos;

• Que na habitação, direito real de gozo, assegura-se ao titular o direito de


morar e residir na casa alheia.

• Que na servidão predial, direito real de gozo, constitui-se uma restrição


voluntária (geralmente contratual) ao domínio pleno do imóvel serviente,
para garantir ao imóvel dominante alguma utilidade, conveniência,
comodidade;

197
DIREITOS REAIS

• Que na superfície, direito real de gozo, o proprietário concede a outrem o


direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado;

• Que os direitos reais de aquisição são aqueles em que é conferida ao seu


titular a possibilidade de, pelo seu exercício, vir a adquirir um direito real
sobre determinada coisa, e através dele o promitente comprador grava
sobre o imóvel de propriedade do promitente vendedor um direito real
que perdurará até a quitação da dívida, quando se realiza a transferência
da propriedade.

Esperamos que você tenha assimilado bem estes conceitos, e que a partir
deles, esteja apto a raciocinar juridicamente e, ainda, encontre as soluções mais
adequadas para os problemas com os quais se deparas em questões envolvendo
os direitos reais.

Até a próxima!

Referências
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13105.htm>. Acesso em: 20 jul. 2018.

______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 jul.
2018.

_______. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso
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Acesso em: 20 jul. 2018.

_______. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Lei do Parcelamento do


Solo Urbano. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l6766.
htm>. Acesso em: 20 jul. 2018.

198
Capítulo 6 Direitos Reais Sobre Coisas Alheias

_______. Decreto-lei n. 58/1937, de 10 de dezembro de 1937. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del058.htm>. Acesso
em: 20 jul. 2018.

_______. Tribunal de Justiça de São Paulo. APL: 7207949100 SP, Relator:


Richard Paulro Pae Kim, Data de Julgamento: 19/2/2009, 21ª Câmara de Direito
Privado E, Data de Publicação: 10/3/2009.

_______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC: 70053527966 RS,


Relator: Pedro Celso Dal Pra. Data de Julgamento: 25/4/2013, Décima Oitava
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 2/5/2013.

_______. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. AC: 200251050009418,


Relator: Desembargador Federal ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES,
Data de Julgamento: 30/04/2013, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de
Publicação: 10/5/2013.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. V. 5.
São Paulo: Atlas, 2015.

______. Direitos reais. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, pp.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, vol.
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GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Luiz Edson Fachin. 19. edição.
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MEIRELLES, Hely Lopes Direito municipal brasileiro. 11. ed., São Paulo:
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MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direitos reais. Coimbra: Almedina,
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PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. V. IV, n. 364.
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