Memoria e Sociedade, Lembrança de Velhos
Memoria e Sociedade, Lembrança de Velhos
Memoria e Sociedade, Lembrança de Velhos
MEMÓRIA E SOCIEDADE
● “Narrar também é sofrer quando aquele que registra a narrativa não opera a
ruptura entre sujeito e objeto” (p. XIII)
● “O tempo da memória não se concretiza a não ser quando encontra a
resistência de um espaço que se habitou com a existência sofrida do trabalho” (p. XV).
Tempo de lembrar traduz-se pelo tempo de trabalhar. Um e outro se entrelaçam,
e é onde a memória do trabalho alcança na narração a sua qualidade épica.
● Por que temos que lutar pelos velhos, pergunta e responde Chauí: pois são
fontes de onde jorra a cultura, ponto onde o passado se conserva e o presente se
prepara...
● É o velho que detém a função social do lembrar, mas a sociedade capitalista
vem mutilando-o, destruindo nele o cumprimento desse dever. “[...] a sociedade
capitalista desarma o velho mobilizando mecanismos pelos quais oprime a velhice,
destrói os apoios da memória e substitui a lembrança pela história oficial celebrativa”
(p. XVIII)
● A memória oprimida do velho perde lugar na sociedade moderno, por dois
motivos, assinala Chauí: a) destruiu-se os suportes materiais de memória, arrancando os
mastros e apagando os rastros: arrimos aos quais a memória se apoiava, sendo o velho
reduzido à monotonia da repetição. B) Uma ação mais daninha e sinistra “a história
oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos
vencidos” (p. XIX)
De onde se configura o poder da história oficial, com os seus traços de
estereotipias que a tudo mancha e rechaça. No que pese à ideologia das classes
dominantes, e “dessa maneira, as lembranças pessoais e grupais são invadidas por outra
‘história’, por uma outra memória que rouba das primeiras o sentido, a transparência e a
verdade” (p. XIX)
Introdução:
● Bosi introduz dizendo que faz um estudo sobre memória de velhos que tem em
comum a idade superior a setenta anos e o espaço da cidade de São Paulo. É um registro
que alcança a memória pessoal, que também é memória social, familiar e grupal.
● Diz que o interesse está no que foi lembrado, pelos interlocutores, respeitando
neles sua condição de sujeitos.
● Toma como ponto de aproximação a noção de observador-participante, que de
algum modo está vinculado à situação em que o projeto se delimita. Para tal, aborda a
compreensão de comunidade de destino (Jacques Loew), que “significa sofrer de
maneira irreversível, sem possibilidade de retorno à antiga condição, o destino dos
sujeitos observados” (p. 2).
● Bosi aborda a condição da memória como trabalho, como mecanismo laboral
que atua no refazimento do passado: “se as lembranças às vezes afloram ou emergem
quase sempre são uma tarefa, uma paciente reconstituição. Há no sujeito plena
consciência de que está realizando uma tarefa” (p. 3)
● A autora também alça luz sobre o estatuto fragmentário da memória: “a
memória é um cabedal infinito do que só registramos um fragmento” (p. 3)
Capítulo 1:
Memória-sonho e memória-trabalho
● A autora se debruça sobre a obra de Bérgson “Matérie et memoire”, onde os
debates entre tempo e memória se constitui como centro do debate que procura travar a
respeito do que interessa, sendo a rica fenomenologia da lembrança proposta pelo
filósofo, bem como algumas distinções de caráter analítico, em relação aos seus
entrevistados, que ela denomina de estofo social da memória. (p. 6)
● A auto-análise voltada para a experiência da percepção é assim abordada: “o
que percebo em mim quando vejo as imagens do presente ou evoco as do passado?
Percebo, em todos os casos, que cada imagem formada em mim está mediada pela
imagem, sempre presente, do meu corpo” (P. 6)
● As idéias de Bérgson estão granuladas na dicotomia percepção/ação, sendo
que a ação está para o tempo, enquanto a percepção está ligada ao espaço e assume o
estatuto de representação. (p. 6-7)
O “cone” da memória
● Nesse esquema, a memória possui uma função decisiva, pois é ela, que no
processo psicológico total, permite a relação do corpo presente com o passado e, ao
mesmo tempo, interfere no processo atual das representações.
“Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando-se
com as percepções imediatas, como também empurra, “desloca” estas últimas,
ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao
mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora” (p. 9)
● Não se pode falar, então, de percepção pura: este seria antes um conceito-
limite do que uma experiência corrente.
As duas memórias
● Bérgson distingue memória-hábito: esquemas de comportamento guardados
pelo corpo que se vale deles automaticamente, daquelas lembranças isoladas, singulares,
que se constituem autênticas reconstituições do passado;
● A memória-hábito, diz Bosi, na esteira de Bérgson, trata-se de um exercício
que, retomado até a fixação, transforma-se em um hábito, em um serviço para a vida
cotidiana. (p. 11). Faz parte de todo o nosso adestramento cultural.
Memória e inconsciente
● Para Bérgson, antes de emergir para o consciente, a memória já existe
completa, latente, em potencial no inconsciente. (p. 14)
● Importa ressaltar sobre o pensamento de Bérgson, diz Bosi, “o seu princípio
central da memória como conservação do passado; este sobrevive, quer chamado pelo
presente sob a forma da lembrança, quer em si mesmo, em estado inconsciente” (p. 15)
História de velhos
● A autora questiona por que decaiu a arte de narrar. E diz que “talvez porque
tenha decaído a arte de trocar experiências. A experiência que passa de boca em boca e
que o mundo da técnica desorienta. A Guerra, a Burocracia, a Tecnologia desmentem
cada dia o bom senso do cidadão: ele se espanta com sua magia negra, mas cala-se
porque lhe é difícil explicar um Todo irracional” (p. 42)
● Na sociedade da informação o que prevalece é a opinião. Não há mais espaço
para conselhos, a sabedoria perde as forças.
“A arte da narração não está confinada nos livros, seu veio épico é oral. O
narrador tira o que narra da própria experiência e a transforma em experiência dos que o
escutam” (p. 43).
● A arte de narrar vai decaindo com o triunfo da informação.
Para a autora, morre a arte da narrativa quando morre a retenção da legenda. Diz
que também perdeu-se a faculdade de escutar, dispersou-se o grupo dos escutadores. (p.
46)
“Hoje, a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza,
ordena o tempo, localiza cronologicamente.” (p. 48)
O narrador “é um artesão que torna visível o que está dentro das coisas” (p. 49)
Tempo e memória
● Para a recordação do velho, o tempo de criança é longo, saudoso, repleto de
detalhes. Já a juventude é um tempo que começa a se comprimir; e quando chega na
velhice só resta a monotonia, um ou outro acontecimento. Tudo se torna mais trivial.
● Já o tempo social, comum a todos, em cada compartimento da vida (família,
escola, escritório...) é vivido diferentemente por cada grupo, transcorrendo não com a
mesma exatidão. (p. 339)
Lembranças de família
● A autora trata das lembranças que vigoram como herança no baú relicário
legado pela família.
“Muitas lembranças, que relatamos como nossas, mergulham num passado
anterior ao nosso nascimento e nos foram contadas tantas vezes que as incorporamos ao
nosso cabedal. Entre elas, contam-se os feitos dos avós, mas também nossos, de que
acabamos ‘nos lembrando’. Na verdade, nossas primeiras lembranças não são nossas,
estão ao alcance de nossa mão no relicário transparente da família” (p. 346)
“Se, como dizem, a comunidade diferencia o indivíduo, nenhuma comunidade
consegue como a família valorizar tanto a diferença de pessoa a pessoa” (p. 346)
Os espaços da memória
Memória trabalho
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