Práticas Docentes D Professores D Música

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

Dóris Mendes Ramos de Siqueira

A reflexão sobre as práticas docentes de professores de


música na educação infantil de um município do
interior paulista

Taubaté – SP
2019
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Dóris Mendes Ramos de Siqueira

A reflexão sobre a prática docente de professores de


música na educação infantil de um município do
interior paulista

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do


Título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação
da Universidade de Taubaté.
Área de Concentração: Formação docente para a Educação
Básica.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa de Moura Ribeiro.

Taubaté – SP
2019
Sistema integrado de Bibliotecas – SIBi/ UNITAU
Biblioteca Setorial de Pedagogia, Ciências Sociais, Letras e Serviço Social

S618r Siqueira, Dóris Mendes Ramos de


A reflexão sobre as práticas docentes de professores de
música na educação infantil de um município do interior paulista. /
Dóris Mendes Ramos de Siqueira. - 2019.
113f. : il.

Dissertação (mestrado) - Universidade de Taubaté,


Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, 2019.
Orientação: Profa. Dra. Maria Teresa de Moura Ribeiro,
Departamento de Pedagogia.

1. Educação musical. 2. Educação infantil. 3. Práticas docentes.


4. Conhecimento profissional. 5. Casos de ensino. I. Título.

CDD – 370

Elaborada pela Bibliotecária Luciene Lopes da Costa Rêgo CRB 8/5275


Dedico este trabalho à minha filha Ísis, que me faz querer
sempre o melhor para a educação do futuro!
AGRADECIMENTOS

Procuro constantemente em minha vida, me colocar em posição de agradecimento,


pois acredito no ditado “agradeça e cresça!”. Cabe aqui, agora, registrar esse agradecimento,
que vem do mais profundo sentimento do meu coração, àqueles que foram essenciais:
A Deus, meu tudo, que colocou as pessoas certas em meu caminho regendo minha
vida na direção do bem e que, com a intercessão de São José, me deu forças para concluir este
trabalho.
Ao meu esposo Jhoney, que me deu todo o suporte necessário, com paciência,
carinho, ombro, café e muito amor, sendo fundamental para meu sucesso.
À minha linda filha Ísis, que é minha maior motivação e inspiração para sempre dar
o meu melhor a cada dia com alegria, sem nunca desistir.
Aos meus amados pais, Cida e Célio, que me ensinaram a amar os estudos e a
acreditar que tudo é possível com determinação, dedicação e coragem.
Aos meus queridos amigos, que levarei por toda vida, Vanessa, André e Lucimar,
e aos demais companheiros de estudos no Mestrado que somaram forças, com união, alegria e
descontração, contribuindo para as etapas dessa jornada de pesquisa.
À professora Dra. Elize Keller Franco, que trouxe contribuições valiosíssimas ao
meu trabalho, com tanta generosidade, disponibilidade e carinho nas observações e orientações
para o texto.
À professora Dra. Ana Maria Gimenes Calil, membro interno de minhas bancas
de seminário, qualificação e defesa, que veio contribuindo com minha pesquisa desde as aulas
que ministrou nas disciplinas do programa do Mestrado, sempre com alegria, disposição,
entusiasmo os quais fizeram com que a pesquisa fosse cada dia mais apaixonante, repleta de
corações desenhados nesta trajetória do Mestrado, e com contribuições riquíssimas ao meu
trabalho.
E, em especial, agradeço à minha orientadora Professora Dra. Maria Teresa de
Moura Ribeiro, que foi um presente em minha vida acadêmica, uma orientadora de tamanha
humanidade, carinho, amizade, delicadeza, coração grandioso, sempre prestativa, dando todo o
suporte necessário para a realização desse trabalho.
A todos, meus sinceros agradecimentos!
“Senhor,
faz de mim
um instrumento
de tua música.
Onde há silêncio
que eu leve o si.
Onde houver dor
que eu leve o dó.
Onde há a lágrima
que eu leve o lá.
E onde houver trevas
que eu leve o sol.”

Carlos Rodrigues Brandão (2003, p.86)


RESUMO

Este trabalho se insere no âmbito da abordagem qualitativa de pesquisas sobre a prática docente
e as reflexões em educação musical na Educação Infantil. Trazemos, como instrumento da
pesquisa, o uso de entrevistas, observação de aulas, registros em diário de campo e a elaboração
de casos de ensino, um instrumento ainda pouco explorado nas pesquisas para formação de
professores voltadas para a prática. Abordamos um referencial teórico amplo, voltado para a
educação musical, trazendo as concepções dos métodos ativos e do caminhar histórico de
implantação dessa modalidade de educação no Brasil, até a atualidade em que a música volta a
ter espaço nos currículos brasileiros, mediante aprovação da lei 11769/08, quando passa a ser
conteúdo obrigatório da Educação Básica, e com a lei 13.278/16 que coloca a música e outras
linguagens artísticas como a dança, o teatro e as artes cênicas e plásticas como obrigatórias,
mas não exclusivas. Buscamos destacar também abordagens sobre os saberes docentes e
reflexões sobre a sua prática, trazendo autores como Shulman (2014) Schön (1992) Tardif
(2014) e Nóvoa (2009) para embasar nossa pesquisa. Além disso, apresentamos como uma
revisão de literatura um panorama de pesquisas sobre a reflexão nas práticas docentes e
educação musical, destacando trabalhos acadêmicos sobre os temas com vistas a fazer com
nossa pesquisa, uma contribuição para os estudos em práticas reflexivas em educação musical.
Participaram desse estudo três professoras da Educação Infantil, efetivas em uma rede
municipal de educação situada no interior paulista, que atuaram por três anos consecutivos
como professoras de música, na referida fase da escolaridade, por meio do Projeto Sala de
Leitura Interativa e que utilizam a ludicidade para o trabalho com a música, com brinquedos,
movimento, tecnologia, para o compartilhamento de ideias, e o uso de instrumentos musicais
de formas convencionais e não convencionais como ferramentas para a musicalização. Os
resultados trazem, além das práticas dessas professoras, suas reflexões diante dessas práticas e
suas percepções sobre a aprendizagem das crianças nas aulas de música da Educação Infantil.
Indagamos, ao longo da dissertação, questões como a formação dos professores de música para
a Educação Infantil e sobre a continuidade do trabalho das professoras que já estão em atuação,
entretanto as respostas levantadas pela pesquisa nos levam a perceber que ainda há um longo
caminho a percorrer na formação de novos professores para atuarem com a música nessa fase
inicial da educação.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Musical. Educação Infantil. Práticas Docentes.


Conhecimento Profissional. Casos de Ensino.
ABSTRACT

This work is part of the qualitative approach of research on teaching practice and reflections on
music education in early childhood education. We bring, as a research instrument, the use of
interviews, classroom observation, field diary records and the elaboration of teaching cases, na
instrument that is still little explored in research for the formation of teachers focused on the
practice. We approach a broad theoretical framework, focused on music education, bringing the
conceptions of active methods and the historical path of implantation of this modality of
education in Brazil, until the present time when music has room in the Brazilian curriculum,
after approval of the law. 11769/08, when it becomes a compulsory content of Basic Education,
and with the law 13.278 / 16 that makes music and other artistic languages such as dance, theater
and the performing arts as mandatory, but not exclusive. We also seek to highlight approaches
to teaching knowledge and reflections on their practice, bringing authors such as Shulman
(2014) Schön (1992) Tardif (2014) and Nóvoa (2009) to support our research. In addition, we
present, as a literature review, an overview of research on reflection in teaching practices and
music education, highlighting academic works on the themes in order to bring, with our
research, a contribution to studies on reflective practices in education. musical. The participants
of this study were three teachers of Early Childhood Education, effective in a municipal
education network located in the interior of São Paulo, who worked for three consecutive years
as teachers of music, in that phase of schooling, through the Interactive Reading Room Project
and using the playfulness to working with music, toys, movement, technology, sharing ideas,
and the use of musical instruments in conventional and unconventional ways as tools for
musicalization. The main instruments of this research were field diary observation, semi-
structured individual interviews and teaching case studies. The results bring, in addition to the
practices of these teachers, their reflections on these practices and their perceptions about
children's learning in early childhood music classes. Throughout the dissertation we asked
questions such as the formation of music teachers for kindergarten and about the continuity of
the work of teachers who are already working, however the answers raised by the research lead
us to realize that there is still a long way to go. walk in the formation of new teachers to work
with music in this early phase of education.

KEYWORDS: Music Education. Child Education. Teaching Practices. Professional


Knowledge. Teaching Cases.
LISTA DE SIGLAS

ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical


BNCC - Base Nacional Comum Curricular
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP/UNITAU - Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EJA - Educação de Jovens e Adultos
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
RCNEI - Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
UNITAU - Universidade de Taubaté
LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Número de publicações referentes aos descritores da pesquisa 33


Quadro 2. Trabalhos que se referem às práticas de professores de educação musical 34
Quadro 3. Trabalhos que se referem ao papel da educação musical 34
Quadro 4. Modelo global de observação 52
Quadro 5. Revisão de literatura sobre casos de ensino 55
Quadro 6. Perfil das participantes da pesquisa medido em anos 62
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………...........11

2. DA TEORIA PARA A PRÁTICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA……....... 19


2.1 Concepções sobre a educação musical……………………………………......... 19
2.2 O caminhar histórico da educação musical ………………………………..........28
2.3 Panorama das pesquisas sobre a reflexão na prática docente
em educação musical. ……………………………….……………………..........32
2.4 Práticas docentes – reflexões e saberes da profissão …........……………............38
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS …………………………......………....48
3.1 A etapa da entrevista ………………………………………………......………..49
3.2 A etapa da observação ……………………………………………......………....50
3.3 A etapa da elaboração de casos de ensino ……………………………......…..... 53
3.4 Procedimentos para coleta e análise de dados ………………………......……....59
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: REFLEXÕES DOCENTES E
PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO MUSICAL ……………………………………...... 61
4.1 Perfil e trajetória das professoras participantes ……………………………........61
4.2 Práticas em educação musical: o lúdico e o uso das tecnologias
como recursos didáticos …………………………………………………...........65
4.3 A percepção sobre o ensino de música na educação infantil ..........……........... 77
4.4 Casos de Ensino …………………………………………………………........... 83
4.4.1 Caso de ensino 1 - Bambolê ………………………………………………......84
4.4.2 Caso de ensino 2 - Movimento …………………………………………..........87
4.4.3 Caso de ensino 3 - Desenho ……………………………………………….......90
CONSIDERAÇÕES …………………………………………………………...........98

REFERÊNCIAS ……………………………………………………………….......101

ANEXO I - Ofício ……………..…………………………………………..…....... 106

ANEXO II - Termo de autorização …………....………………………………..... 107

ANEXO III - Caso de ensino como modelo ............................................................108

APÊNDICE I - Termo de Consentimento Livre Esclarecido………………..….....109

APÊNDICE II - Roteiro da entrevista...............…………………….………….....112

APÊNDICE III - Roteiro para elaboração de caso de ensino …….………….........113


11

1. INTRODUÇÃO

Ainda criança, iniciei meus estudos em música, aos dez anos, praticando aulas de violão
em grupos. Eu era a aluna mais jovem da turma e não consegui aprender praticamente nada,
mesmo me esforçando para isso e contando com o apoio e incentivo de minha família. Talvez
daí tenham surgido minhas primeiras indagações, mesmo que de forma ingênua, a respeito das
práticas em educação musical.
Mais tarde, na adolescência, comecei a estudar com professores particulares, aprendi
outros instrumentos e ingressei em uma Banda Sinfônica Jovem, onde aprendi a tocar saxofone.
Minhas aprendizagens nessa Banda e as experiências musicais que vivi, me instigaram a
procurar saber mais sobre os processos de aprendizagem musical e me levaram a percorrer os
rumos da pesquisa nesse tipo de educação, pois, de alguma forma, eu gostaria de contribuir para
que a música fizesse parte da vida de mais pessoas e para que mais professores pudessem
compreender e refletir sobre a prática docente em música.
Tornei-me, então, professora, escolhendo a Pedagogia como formação, para que
pudesse compreender a docência e o universo da criança. Fui professora do Ensino Fundamental
logo que me formei e procurei, em minhas aulas, trabalhar com música, unindo-a às atividades
regulares que fazia com meus alunos. Foi então que surgiram minhas primeiras reflexões sobre
a prática docente em música: como as minhas práticas refletiam na aprendizagem dos alunos e
como era minha postura em relação a essa prática?
Ao me tornar, alguns anos depois, professora da Educação Infantil e, por meio de um
projeto do município em que trabalhei, também professora de música, essa reflexão sobre a
prática passou a ter ainda mais significado para minha vida e para minha carreira na educação.
Considero o fato de que minhas formações na área da música e educação musical
contribuíram de diversas formas para as minhas reflexões, pois busquei também outras
formações, como a Psicopedagogia e a própria Educação Musical em especializações lato
sensu.
Tendo em vista essa minha experiência peculiar como professora de música para a
Educação Infantil e as ponderações que faço sobre minha prática docente, há em mim uma
inquietação a respeito da reflexão sobre a prática docente em música, pois ainda é um tema
novo a ser tratado no Brasil, sendo discutido por diversos autores, que serão apresentados no
decorrer dessa pesquisa. Dentre os referenciais teóricos, está Fonterrada (2008) que escreve a
12

respeito da importância dessa discussão:

Vivemos, no Brasil, um momento importante na Educação, pois desde a


promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.
9.394/96, no final de 1996, o país vem se preparando para, mais uma vez,
adotar novas condutas educacionais. No que diz respeito à música, abre-
se, portanto, espaço para que se discuta o que é educação musical e o que
pode ou não ser apropriado para a área nas escolas brasileiras. Essa
discussão contempla tanto as classes de educação infantil (crianças de 0
a 6 anos de idade) quanto às de ensino fundamental (1º a 9º anos) e médio
(colegial), além dos cursos técnicos e superiores, de graduação e pós-
graduação. Surgem, assim, dúvidas e inquietações, às quais se juntam
expectativas e esperanças quanto aos possíveis rumos a serem tomados
pela música nos próximos anos [...] (FONTERRADA, 2008, p. 207-208).

Sobre a lei citada por Fonterrada (2008), Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, o artigo 26 trata do currículo para a Educação Básica e, no parágrafo 2º, é
indicada a obrigatoriedade do ensino de artes para todos os níveis, o que permite diversas
interpretações, pois as artes compreendem muitas linguagens, como as artes plásticas,
teatro, dança e música.
Para maior clareza nos objetivos do ensino da música como um componente
curricular específico da Educação Básica, foi incluída uma especificação na LDBEN, pela
lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, a qual dispõe que “A música deverá ser conteúdo
obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2 deste artigo”
(BRASIL, 2008 , Art. 26, § 6). Essa lei passou a vigorar a partir da data da sua publicação
e indica que as escolas teriam três anos para a adaptação às novas instruções legais.
Cabe ressaltar que houve um veto na proposta inicial, na qual constava também que
esse ensino de música deveria ser ministrado por professores com formação específica na
área. Os motivos apresentados para o veto foram:

No tocante ao parágrafo único do art. 26, é necessário que se tenha muita


clareza sobre o que significa ‘formação específica na área’. Vale ressaltar
que a música é uma prática social e que no Brasil existem diversos
profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em
música e que são reconhecidos nacionalmente. Esses profissionais
estariam impossibilitados de ministrar tal conteúdo na maneira em que
este dispositivo está proposto. Adicionalmente, esta exigência vai além
da definição de uma diretriz curricular e estabelece, sem precedentes,
uma formação específica para a transferência de um conteúdo. Note-se
que não há qualquer exigência de formação específica para Matemática,
Física, Biologia etc. Nem mesmo quando a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional define conteúdos mais específicos como os
relacionados a diferentes culturas e etnias (art. 26, § 4 o) e de língua
estrangeira (art. 26, § 5o), ela estabelece qual seria a formação mínima
13

daqueles que passariam a ministrar esses conteúdos (BRASIL, 2008, Art.


26. § 6)

Esse veto destaca que a formação específica para o professor que irá ministrar as
aulas de música não requer que seja na modalidade licenciatura e que é preciso rever o que
vem a ser a formação específica, pois não existem essas exigências de formação específica
para Matemática, Física, Biologia, etc. De acordo com as indicações do texto legal, muitos
profissionais na música são reconhecidos nacionalmente, ainda que sem formação
acadêmica ou oficial, e estariam impossibilitados de assumir a disciplina. Assim, esse veto
no tocante à formação específica do professor que lecionará música nas escolas brasileiras,
deixa em aberto a possibilidade de que profissionais com outras formações, mas que
tenham conhecimento em música, tornem-se professores dessa área.
No ano de 2016, a lei 11.769/08 teve outra modificação no parágrafo 6º do artigo
26, com a promulgação da lei 13.278, de 2 de maio de 2016, segundo a qual passa-se a
compreender, como parte dos componentes curriculares, o ensino das linguagens artísticas
da dança, artes visuais, teatro e música. Dessa forma, os professores com formação de
Ensino Superior, licenciados em quaisquer das modalidades artísticas citadas, podem
assumir as aulas da disciplina “Arte” na Educação Básica. Entretanto, na prática realizada
nas escolas de Educação Infantil, não existe essa contratação de profissional específico
formado nas disciplinas artísticas, sendo, essas aulas, assumidas pelo pedagogo.

No ano de 2015, na cidade do interior paulista pesquisada, iniciou-se um projeto


denominado “Sala de Leitura Interativa”, segundo o qual todas as escolas da Educação
Infantil da rede municipal passaram a oferecer aos alunos duas horas-aula de Música e duas
horas-aula de Literatura, com um professor específico para cada um desses blocos de aulas.
As atribuições dessas aulas foram feitas, primeiramente, aos próprios professores efetivos
da rede, que, caso tivessem interesse em lecioná-las, não seria exigida nenhuma formação
específica em música. Já para as vagas que não foram preenchidas pelos docentes titulares
de cargo, a atribuição foi feita para outros professores em regime de contrato renovável
anualmente, sendo que apenas os professores efetivos teriam o direito à recondução, caso
fosse de seu interesse a manutenção das aulas, e também desde que estivesse consoante
com os interesses da equipe gestora.
Nesse cenário de indefinições acerca dos profissionais que passaram a lecionar
música, nessa rede específica de ensino, as questões que movem essa pesquisa são: Quais
14

são as práticas pedagógicas em música realizadas por professoras da referida rede de


ensino? Como esses professores refletem sobre as práticas em música, sendo que têm
formação em Pedagogia e não especificamente em música? Quais estratégias estão sendo
usadas por esses professores, que outrora ministravam aulas na sala regular, e agora passam
a trabalhar o conteúdo de música, com todas as turmas e níveis da Educação Infantil?
Essas indagações procuram evidenciar o papel do professor como um profissional
reflexivo, com a competência, segundo Schön (2000), de um talento artístico profissional,
demonstrado em situações únicas, conflituosas e incertas da prática educativa.

Buscamos, como objetivo geral desse estudo, analisar as práticas e as reflexões de


professoras de música na Educação Infantil de uma rede municipal, no interior paulista, e,
de forma mais específica, pretendemos a investigação e apresentação das práticas dessas
professoras, identificando os processos de reflexão que elas traduzem na própria prática.
A pesquisa foi realizada com docentes da rede pública de um município do Vale do
Paraíba, do interior paulista. Participaram do estudo três professoras que atuam em aulas
de música da Educação Infantil há três anos no projeto Sala de Leitura Interativa, dessa
rede municipal.
A Educação Infantil, nesse município em que realizamos a pesquisa, é composta
por um total de 112 unidades escolares, sendo 17 creches municipais, 31 creches parceiras
e 64 pré-escolas municipais. O projeto Sala de Leitura Interativa está presente em todas
essas escolas, com um professor específico para aula de Literatura e um professor
específico para aulas de Música.

Para fundamentação do estudo que aqui se instaura, foi feito um levantamento de


dados por meio da busca de referencial bibliográfico que tratasse da reflexão sobre a prática
docente de professores de música na Educação Infantil. Nesse levantamento, foi possível
notar que, com as palavras-chave utilizadas em conjunto para as buscas, poucas pesquisas
falavam efetivamente sobre o tema referido. Por outro lado, o resultado das pesquisas
online por artigos, teses e dissertações, tendo como palavras-chave isoladas: reflexão
docente; prática docente; educação musical e música na Educação Infantil; foi vasto, com
centenas de trabalhos que enfatizavam os temas isoladamente. Entretanto, dos que
pudessem fazer a junção entre reflexão e prática docente em música, tema eleito para a
pesquisa que ora se estrutura, selecionamos dez trabalhos, os quais contribuíram
efetivamente para a construção e elaboração desse estudo acadêmico.
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A contribuição de pesquisas que tratam desse tema se faz relevante na medida em


que as discussões sobre implantação da música na Educação Básica nos fazem pensar sobre
as práticas que estão ocorrendo nas salas de aulas e sobre como os professores que estão
assumindo essas aulas estão refletindo sobre suas práticas, ainda que seja, oriundos de
outras formações acadêmicas.
No município do interior paulista em que a pesquisa se realizou, conforme já se
descreveu acima, iniciou-se em 2015 um projeto que coloca a música como uma disciplina
com um professor em cada escola de Educação Infantil da rede municipal, sendo que esse
professor não necessita ter formação acadêmica específica na área, como licenciatura em
Música, bacharelado ou formação na área musical. Todavia, esses professores que
participaram do processo de atribuição de aulas, desde o ano em que se implantou o projeto,
deveriam ter graduação em Pedagogia e ter participado dos encontros de formação
oferecidos pela própria rede, a fim de receberem instrução em educação musical para
atuarem no Projeto Sala de Leitura Interativa, na Educação Infantil.
Essa formação específica oferecida pela rede de ensino em questão foi coordenada
por orientadoras de ensino da própria rede municipal, que possuem formação em música e
que nortearam o trabalho com referências a autores, os quais apresentamos nessa pesquisa,
a exemplo de Brito (2003) que aborda em seu texto, especificamente, aspectos
concernentes à música na Educação Infantil com base nas ideias de Hans Joachim
Koellreutter para a educação musical. Os encontros de formação culminaram também em
um material produzido pelas coordenadoras dos encontros de formação. Trata-se de um
guia com orientações para o trabalho na Sala de Leitura Interativa na Educação Infantil no
bloco de aulas de música.
Esse guia de orientações contemplou aspectos trabalhados na formação como:
utilização correta da voz para o canto e cuidados básicos para mantê-la sadia; musicalização
para bebês (de 0 a 3 anos); musicalização para crianças (de 4 a 6 anos) e concepções de
educação sonora e conhecimento sobre alguns educadores musicais. As orientações
oferecidas pela rede também foram norteadas pelo referencial da Matriz Curricular da
Educação Infantil do município, para o eixo de música e movimento.
Inicialmente, a rede municipal de educação ofereceu uma formação, que ocorreu
em 2015, para todos os professores que manifestaram interesse em atuar nas salas de leitura.
Para a escolha na atribuição das salas de música, a única exigência era a de ter participado
da formação oferecida, porém muitas vagas não foram preenchidas, sendo, então, ofertadas
16

a outros professores por meio de contratos temporários, docentes esses, os quais, como já
se esclareceu aqui, que não tinham vínculo efetivo com a rede de ensino.
Algo que nos chama a atenção é que essa formação se deu apenas no ano de
implementação do projeto, não tendo continuidade para que os novos professores, os quais
a posteriori assumissem as aulas, tivessem acesso ao conteúdo ministrado nos cursos,
deixando, portanto, de ser uma das exigências para o desempenho da função de professor
de música. Por essa razão, indagamos sobre a lacuna existente na formação dos professores
que assumem as aulas de música na Educação Infantil do município e, mesmo sem a
pretensão de obter aqui as respostas, pairam questionamentos como: será que há a
continuidade dos mesmos professores no projeto? E para os novos professores, como será
que suas práticas estão ocorrendo?
Nas propostas de Brito (2003) para a música na Educação Infantil, a criança é
considerada como protagonista do processo de aprendizagem e do fazer musical,
pensamento esse que está consoante com o proposto pelo Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil e, recentemente, com aquilo que define a Base Nacional Comum
Curricular, doravante BNCC, acerca dos campos de experiência que compõem essa fase
da escolaridade, a saber: o Eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons,
cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e Espaço, tempo, quantidade,
relações e transformações.
Ainda de acordo com o postulado teórico de Brito (2003), acreditamos que a
importância da música para a Educação Infantil é tamanha, visto que ela possibilita
interações com todos os campos de experiência propostos pela BNCC, pois, por meio dos
sons, a criança começa a interagir, mesmo antes do nascimento, seja pelos sons que ouve
ainda no útero materno ou pelas vozes dos pais e familiares próximos; posteriormente, ao
nascer, pelo choro; e, durante todo o crescimento, a presença de um ambiente sonoro e
musical afeta a criança, de uma maneira ou de outra. Essa presença marcante dos sons em
quaisquer fases da vida da criança e do indivíduo de modo geral, ratifica a necessidade de
pensarmos em uma educação musical consciente e reflexiva, conforme se propõe nesse
estudo.
No âmbito da escolarização, essas interações com a música na Educação Infantil
possibilitam à criança compreender mais sobre si mesma, pois, quando canta, descobre
suas possibilidades vocais, brincando com a voz e com o corpo todo, dançando e pulando
ao ritmo de uma música. Além disso, por meio da música, a criança pode também imaginar,
17

viajar pelos sons, experimentar sensações e expressar emoções. Dessa forma, trabalhar com
a música na Educação Infantil amplia as possibilidades de entendimento de noção espacial
e temporal, na marcação dos compassos e duração das figuras musicais e na movimentação
que o corpo faz para reproduzir um determinado som e acompanhar uma canção.
Tao importante quanto a reflexão acerca da educação musical para a Educação
Infantil, é pensarmos também na importância de um professor que receba formação
específica, para que possa proporcionar boa educação para as crianças, de forma que, aquilo
a música tem para colaborar no desenvolvimento integral da criança, seja contemplado por
esse professor.
Nessa pesquisa, buscamos compreender como três professoras da Educação
Infantil, formadas em Pedagogia e que atuam com aulas de música há três anos, refletem
sobre suas práticas docente. Esperamos, com isso, contribuir para que outras professoras
compreendam a prática das aulas de música nos primeiros anos da escolarização, bem como
as dinâmicas e os desafios da implantação desse componente curricular para crianças em
idade pré-escolar.

O estudo que ora se apresenta está organizado, então, de forma a contemplar os temas
que são importantes para discutir nosso problema de pesquisa. Para isso, a primeira seção está
destinada a introdução do trabalho, delineando problema, objetivos, relevância do estudo e
justificativa.
Já a segunda seção, trata da revisão bibliográfica que construímos, sendo dividida em
quatro tópicos: o primeiro destinado a entender as concepções sobre educação musical e suas
implicações na Educação Infantil; o segundo aborda o caminhar histórico da educação musical
no Brasil, trazendo elementos que nos permitam compreender a trajetória dessa modalidade de
educação, desde o início da colonização no Brasil até a atualidade; ao passo que terceiro tópico
apresenta o panorama das pesquisas sobre a reflexão nas práticas docentes e educação musical,
enquanto que o quarto tópico traz os referenciais teóricos sobre as práticas docentes, reflexões
e saberes da profissão.
Na terceira seção do trabalho, apresentamos a descrição da metodologia utilizada para
a realização da pesquisa, sendo indicado em qual tipo de pesquisa esse projeto se insere e como
foram as etapas do processo de coleta e análise de dados, subdivididos em tópicos que tratam
das etapas de: entrevista, observação, elaboração dos casos de ensino, como instrumentos de
reflexão sobre a prática, e procedimentos para a coleta e análise de dados.
Na sequência do trabalho, há a quarta seção em que discutimos os resultados obtidos a
18

partir dos dados coletados e das análises realizadas, destacando quatro tópicos: o primeiro foi
destinado a traçar o perfil e trajetória das professoras participantes; o segundo voltou-se para a
abordagem das práticas em educação musical, tendo o lúdico e o uso das tecnologias como
recursos didáticos das professoras; já o terceiro tópico apresentou a percepção das professoras
sobre o ensino de música na educação infantil, tendo como elemento norteador o
desenvolvimento profissional dessas professoras; e, no quarto tópico, apresentamos os casos de
ensino que foram construídos pelas professoras, com nossas análises sobre eles. Finalizamos
esse estudo com as considerações de nossa pesquisa, seguidas das referências que utilizamos
para compor a dissertação.
19

2. DA TEORIA PARA A PRÁTICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A revisão de literatura apresentada nesse trabalho foi feita em livros, artigos, teses e
dissertações. A seleção dos livros utilizados para o referencial teórico seguiu os critérios de
concepções sobre educação, educação musical e formação de professores. Embasamo-nos
teoricamente em autores da literatura pedagógica sobre a prática docente, tais como Shulman
(2014), Tardif (2014), Marcelo Garcia (2009), Nóvoa (2009), Mizukami (2000, 2004) e Schön
(1992), para dialogar com o referencial específico de educação musical que buscamos para
esse trabalho, a exemplo de Schafer (2011, 2009), Fonterrada (2008), Brito (2003, 2001),
Mateiro e Ilari (2012) e Koellreutter (1998), pois acreditamos, tal como Loureiro (2003, p.89),
que:

A partir do momento em que se pesquisa sobre educação musical, pesquisa-se


sobre educação. Certamente, torna-se necessário um conhecimento
abrangente de pedagogia e a identificação das correntes pedagógicas que
coexistem na educação num sentido mais amplo para que, além do
conhecimento adquirido e acumulado, possa-se chegar ao entendimento da sua
prática no cotidiano da sala de aula.

Compreendemos que, a partir das discussões sobre a pedagogia, especialmente no que


tange à pratica pedagógica, teremos as corretas noções teóricas para pensarmos na
especificidade da educação musical. Foi essa concepção dual e convergente acerca de
postulados teóricos que nos levou a buscar um amplo referencial na literatura já existente, de
forma que nosso objetivo de analisar reflexões sobre práticas em música na Educação Infantil,
fosse conduzido e estruturado por discussões de relevância para a educação.

2.1 Concepções sobre educação musical

Autores, como Koellreutter (1997), Brito (2001, 2003), Loureiro (2003), Fonterrada
(2008), Schafer (2009, 2011), Mateiro & Ilari (2012), discorrem sobre a importância da música
para o desenvolvimento integral da criança e sua aplicação na educação. As contribuições
teóricas desses autores nos revelam concepções do que é fazer música na escola, como as
crianças devem interagir com essa área do conhecimento e qual o papel do professor/educador
20

musical.
Tecendo uma linha do tempo, para compreendermos melhor os sentidos e significados
atribuídos à concepção atual de educação musical, Fonterrada (2008) apresenta um histórico
dessa educação, elencando autores e pedagogias musicais, desde a antiguidade grega, quando,
com a filosofia de Platão e Aristóteles, se acreditava que a música moldava o caráter do homem
e das civilizações romanas, atribuindo a ela grande importância para a humanidade.
Com o passar dos séculos e períodos históricos, a música e a educação musical foram
ganhando novas abordagens, até que, no século XIX, entram em cena novos precursores dos
métodos ativos em educação musical, como Jean-Jacques Rousseau, que valorizava os aspectos
mais humanos. Fonterrada (2008, p.60) descreve-o como sendo o primeiro pensador da
educação musical que buscou apresentar uma pedagogia especialmente voltada para essa área
de educação, tendo como objetivo assegurar a flexibilidade a sonoridade e a igualdade das vozes
por meio de canções simples e não dramáticas.
Além de Rousseau, outros pensadores trouxeram o tema da educação musical em suas
ideias sobre o ensino, tais como Pestalozzi, Herbart e Froebel. Boa parte de seus estudos e
colaborações teóricas, ainda hoje tem representatividade nos encontros de educação musical
pelo mundo, especialmente Pestalozzi, pois suas concepções a respeito do que deveria ser
ensinado em música são descritos por Fonterrada (2008) como:

● Ensinar sons antes de ensinar signos e fazer a criança aprender a


cantar antes de aprender a escrever as notas ou pronunciar seus nomes;
● Levá-la a observar auditivamente e a imitar os sons, suas
semelhanças e diferenças, seu efeito agradável ou desagradável, em vez de
explicar essas coisas ao aluno;
● Ensinar uma coisa de cada vez: ritmo, melodia e expressão antes de
fazer a criança executar; [...]
● Ensinar os princípios e a teoria após a prática;
● Analisar e praticar os elementos do som articulado para aplicá-los na
música; [...]. (FONTERRADA, 2008, p.62).

Obviamente, a construção de conhecimentos a respeito das concepções em educação


musical e de infância de um modo geral não se limitaram a esses pensadores, mas não se pode
negar que eles deram os caminhos iniciais para que novos nomes pudessem vir à cena, como a
nova geração de estudiosos voltados para os métodos ativos em educação musical, dentre os
quais importam para essa pesquisa: Émile-Jaques Dalcroze, Zóltan Kodály e Shinichi Suzuki1.

1
Outros nomes, como Edgar Willems e Carl Orff, também foram representativos, entretanto utilizaremos para
aprimorar nosso referencial teórico apenas os nomes citados no texto, pois referem-se às pedagogias em educação
musical que mais se enquadram para as atividades com a educação infantil.
21

Recorremos a esses célebres educadores por meio dos apontamentos teóricos de Ilari e Mateiro
(2012), Fonterrada (2008) e Loureiro (2003), já que esses educadores fazem parte dos
referenciais mais representativos no que diz respeito às abordagens do ensino musical para
crianças, que é o foco dessa pesquisa, entretanto seus textos no Brasil são de difícil acesso, pois
muitos ainda não foram traduzidos. Apresentaremos, ainda que de forma breve, as ideias de
cada um desses autores para que possamos compreender melhor suas concepções de educação
musical.
Émile-Jaques Dalcroze é suíço e viveu dos anos 1865 a 1950. De acordo com Fonterrada
(2008), suas ideias pedagógicas musicais baseiam-se na interação entre escuta e movimento
corporal, sendo ele o responsável pela criação do método ou sistema de educação chamado
“Rythmique”, em francês, que tem por definição o fato de que música, escuta e movimento
corporal estão ligados e são interdependentes. Essa integração é apresentada no trabalho de
Fonterrada (2008) quando descreve a pedagogia de Dalcroze, afirmando que, pela sua análise,
pode-se compreender que:

A música não é um objeto externo, mas pertence, ao mesmo tempo, ao fora e


ao dentro do corpo. O corpo expressa a música, mas também transforma-se
em ouvido, transmutando-se na própria música. No momento em que isso
ocorre, música e movimento deixam de ser entidades diversas e separadas,
passando a constituir, em sua integração com o homem, uma unidade. Esse é
o modo pelo qual Dalcroze supera o dualismo em sua busca pelo todo
(FONTERRADA, 2008, p.133).

O entendimento sobre essa perspectiva da pedagogia de Dalcroze é fundamental para a


compreensão das concepções de educação musical na Educação Infantil, visto que, na faixa
etária dos 0 a 5 anos, sons e movimentos estão inteiramente ligados e presentes na vida da
criança, especialmente na vida escolar. Além disso, Dalcroze também acreditava que corpo e
voz são os primeiros instrumentos musicais do bebê, por isso a necessidade do desenvolvimento
de atividades e atitudes corporais atreladas com uma escuta consciente.
Com a mesma linha de pensamento de uma educação musical para todos, outro educador
de grande expressividade é o húngaro Zoltán Kodály, nascido em 1882, filho de músicos
amadores e que, ainda criança, aprendeu a tocar piano e violino. Fonterrada (2008) também nos
aponta elementos essenciais desse educador, que é mundialmente reconhecido por ser um ícone
quando se trata de adotar uma postura nacionalista. Em tempos de uma Hungria devastada por
diversas invasões e ocupações advindas da Segunda Guerra, a música e a cultura húngaras
foram perdendo espaço e importância, trazendo assim prejuízos para a identidade nacional. Em
busca da recuperação dessa identidade, Kodály, juntamente com uma equipe de músicos,
22

musicólogos, sociólogos e etnomusicólogos foram a campo, nas comunidades rurais e mais


afastadas em busca de registros do que eles consideravam como sendo a verdadeira música
representante do folclore húngaro, já que não haviam sofrido nenhum tipo de influências
externas.
Esse resgate da música húngara colocou Kodály como nome de grande relevância no
cenário da educação musical. Isso ocorreu em função dessa pesquisa realizada com o folclore
húngaro, pois seu método era baseado no canto, no uso da voz como principal instrumento,
visto que é acessível a todos, e no uso das canções, melodias e sonoridades do folclore local. A
partir dessa proposta, podemos fazer a adaptação de seu método para o folclore de cada país ou
região, resgatando a identidade musical regional.
Fonterrada (2008), traz os pontos principais das ideias de Kodály para a educação
musical, quando afirma que:

A meta de Kodály era ensinar o espírito do canto a todas as pessoas, por meio
de um eficiente programa de alfabetização musical; a ideia era trazer a música
para o cotidiano, fazê-la presente nos lares e nas atividades de lazer [...]. O
grande interesse de Kodály era proporcionar o enriquecimento da vida,
valorizando os aspectos criativos e humanos, pela prática musical.
Proporcionar alfabetização musical para todos era o primeiro passo em direção
desse ideal (FONTERRADA, 2008, p. 155).

Para isso, seu método agregou uma série de atividades e exercícios de percepção
auditiva e alfabetização musical, utilizando cantos em grupos, jogos de alfabetização e uma
técnica chamada “manossolfa”2, que é um sistema de gestos, os quais representam as notas
musicais, para o trabalho com o solfejo3. Esse material ainda hoje é muito explorado por
músicos e educadores musicais em todo o mundo.
No Brasil, segundo Loureiro (2003), a educação musical sofreu grande influência de
Kodály, durante o movimento modernista da época de 1920, com a figura de Villa-Lobos,
companheiro nas pesquisas musicais e folclóricas de Mário de Andrade, nome importante para
as ideias nacionalistas que surgiam. Villa-Lobos se inspirou nos modelos de educação musical
de Kodály e propôs para São Paulo um projeto de canto coral que, em pouco tempo, ampliar-
se-ia para todo o Brasil, com a instituição do canto orfeônico para todas as escolas públicas do

2
Esse sistema de gestos para representar cada nota musical e suas alturas melódicas foi também utilizado por
Heitor Villa-Lobos, no Brasil, no período em que introduziu a música nas escolas, entretanto, sua técnica era um
pouco diferenciada do método Kodály. (Ilari e Mateiro, 2012).
3
Solfejar, no minidicionário da Língua Portuguesa Aurélio Ferreira (1993), significa ler ou entoar um trecho
musical modulando a voz ou pronunciando o nome das notas. Esse tipo de atividade é muito comum nas práticas
de iniciação musical e alfabetização.
23

país, tornando-se uma proposta que democratizou o acesso a essa arte.


Nesse período, a música nacionalista e folclórica ganhou espaço e contribuiu para o
fortalecimento da identidade nacional. Fonterrada (2008) aponta que, com Villa-Lobos, a ênfase
do ensino musical estava no incentivo à experiência musical, não no rigor do método proposto
por Kodály. A proposta da implantação do projeto de educação musical de Villa-Lobos era a
de valorização de grandes grupos corais, que na época lotavam estádios de futebol, cantando
em conjunto músicas brasileiras. Era o Canto Orfeônico que, em 1964, foi substituído pela
Educação Musical.
O terceiro educador musical, que mencionaremos nessa pesquisa, é o japonês Shinichi
Suzuki, filho do dono da maior fábrica de instrumentos de cordas do Japão. Ele aprendeu
violino de forma autodidata e, quando adulto, aperfeiçoou seus estudos na Alemanha. Seu
método e sua proposta de educação musical são pensados como “educação do talento”,
conforme designa Ilari (2012, p.187). Podemos considerar esse educador como o que mais
voltou sua metodologia para o ensino musical de crianças, cuja idade se encaixaria nos níveis
da Educação Infantil de hoje.
Para Suzuki (1994), as pessoas são produtos do seu meio. Esse pensamento se
desenvolveu quando, posto numa situação de ter que ensinar violino para uma criança de 4 anos
de idade, ele pensou sobre a aprendizagem lembrando-se das crianças japonesas:

Como?! Todas as crianças japonesas falam japonês! Esse pensamento foi para
mim como um relâmpago numa noite escura… se elas falam tão fácil e
fluentemente o japonês, deve haver algum segredo no seu aprendizado.
Realmente todas as crianças do mundo são educadas por um método perfeito:
por sua língua materna (SUZUKI, 1994, p.12).

Essa condição e constatações feitas por Suzuki (1994), levaram-no a desenvolver seu
método pautado na aprendizagem da língua materna. Sendo assim, seus eixos de
desenvolvimento da educação musical deveriam contemplar: a repetição constante, como o
bebê repete inúmeras vezes as palavras, mesmo que balbuciando, até acertar; a utilização de
discos e gravações, a fim de dar a referência para a criança ter condições de imitar; estímulos
constantes para que ela possa tocar de ouvido e se apresentar, pois, para ele, uma criança deve
primeiro saber a música, para depois estudar suas estruturas, assim como as crianças aprendem
primeiro a falar, para depois aprender a escrever.
Outro ponto que o método Suzuki pressupõe, de acordo com Fonterrada (2008), é que,
por seu entendimento de que as pessoas são consequências do ambiente onde vivem, esse meio
não precisa ser necessariamente imutável e determinado, pois:
24

O meio para Suzuki é fabricado artificialmente, de modo a proporcionar o que


julga serem as condições ideais para desenvolver o talento potencial de cada
criança. Essas condições do ambiente ideal à aprendizagem são muito estritas,
bem definidas e devem ser seguidas à risca pelos professores. A despeito do
rigor dos princípios, ele está baseado, paradoxalmente, na aprendizagem
informal da língua-mãe (FONTERRADA, 2008, p.170).

Os professores que utilizam o método Suzuki seguem rigorosamente todas as etapas e


sequências de lições, mas também buscando transmitir à criança a segurança do meio, assim
como no ambiente familiar, encorajando-a a seguir todas as etapas de sua aprendizagem
musical.
Suzuki (1994) traz, ainda, em sua proposta pedagógica a filosofia que compreende o
ensino musical como algo que deva ser levado como um processo natural, em que o aluno
vivencie suas experiências de aprendizagem musical e veja na figura do professor um papel
fundamental nesse processo. Daí, também, a necessidade de ele estar atento e reflexivo diante
o aluno.
Para além desses nomes e métodos basilares desse componente curricular, podemos
caminhar alguns passos até chegarmos a nomes de referência para a educação musical mais
atuais. Todavia, cabe ressaltar que todos têm suas raízes pedagógicas no que foi construído ao
longo dos anos com metodologias ativas em educação musical e que, assim como Dalcroze,
Kodály e Suzuki, igualmente acreditam nessa educação como meio para a formação integral do
ser humano. Convergindo para essa discussão, Loureiro (2003, p. 41) completa:

Esses autores, tomando como base as ideias de Pestalozzi e Froebel, propõem


uma nova metodologia para o ensino da música pela qual o fazer musical, a
exploração sonora, a expressão corporal, o escutar e perceber conscientes, o
ato de improvisar e criar, a troca de sentimentos, a vivência pessoal e a
experiência social propiciaram a experiência concreta antes da formação de
conceitos abstratos.

Nessa perspectiva, trataremos dos aspectos fundamentais das ideias de Koellreutter


(1998), um alemão que chegou ao Brasil em 1937, naturalizou-se brasileiro e é um dos mais
expressivos nomes da música e cultura brasileira, compositor, educador e ensaísta. Esse autor
defende que o objetivo da educação musical não vislumbra a profissionalização quando afirma
que ela é um:

(...) meio que tem a função de desenvolver a personalidade do jovem como um


todo; de despertar e desenvolver faculdades indispensáveis ao profissional de
qualquer área de atividade, como, por exemplo, as faculdades de concentração
(autodisciplina), de trabalho em equipe, ou seja, a subordinação dos interesses
25

pessoais aos do grupo, as faculdades de discernimento, análise e síntese,


desembaraço e autoconfiança, a redução do medo e da inibição causados por
preconceitos, o desenvolvimento de criatividade, do senso crítico, do senso de
responsabilidade, da sensibilidade de valores qualitativos e da memória,
principalmente, o desenvolvimento do processo de conscientização do todo,
base essencial do raciocínio e da reflexão. (...) (KOELLREUTTER, 1998, p.
39).

Com essa explanação geral sobre a importância da educação musical na vida humana,
com toda sua complexidade, Koellreutter (1998, p.39) destaca que, mesmo a escola tendo em
sua grade curricular atividades desportivas, o intuito não é o de formar atletas, esportistas,
jogadores. Da mesma forma, a música também assume esse caráter de garantir a formação
integral do indivíduo e não de torna-lo músico profissional.
O mesmo autor defende, ainda, que as artes, são um meio de comunicação, um veículo
para a transmissão de ideias e pensamentos e que a cultura é “tudo aquilo que o homem cria a
partir da mera natureza[...] (KOELLREUTTER, 1999, p.252). Sendo assim, considerando que
a música é uma arte e que faz parte da cultura, é inteiramente posto, nas ações pedagógicas de
educação musical, um sentido de valor, valor esse que o educador estabelece com aquilo que
ensina.
Brito (2001), quando apresenta em sua obra o lado humano do educador alemão
Koellreutter, destaca que, para ele, o ensino da música tem como fator mais importante a
possibilidade de desenvolver no educando, um aspecto global e integral do raciocínio. Isso
ratifica a noção de que a educação musical de nossas escolas não deve visar à formação do
músico profissional e sim a busca da sensibilidade e da emoção que a música traz para a
totalidade da formação humana.
No que se refere ao currículo musical para as escolas, o autor parte de uma linha de
pensamento em que acredita que se deva ensinar “aquilo que o aluno quer saber”, procurando
partir do envolvimento com os alunos, do que dá sentido e significado a eles numa metodologia
ativa e interdisciplinar, utilizando como ferramentas pedagógicas o improviso, a corporeidade,
as expressões e percepções, para uma análise crítica daquilo que é, de fato, experiência. É papel
do professor estar bem preparado para, como ele mesmo diz, “apreender dos alunos o que
ensinar”.
Para esse atingir esse preparo do docente, Brito (2001) refere-se a Koellreutter como um
educador musical que tem o humano como objetivo e destaca que a questão mais importante,
para que de fato possam ser postas em prática as suas ideias, é a reformulação dos programas
de ensino de música, devendo assim:
26

[...]desenvolver uma visão global e integradora do mundo, abordando o


conhecimento de uma maneira abrangente, contextualizada e relacional,
atualizando conceitos e conteúdos musicais que devem incluir a estética da
música contemporânea e das músicas não-ocidentais, só para lembrar alguns
pontos (BRITO, 2001, p.50)

Embora saibamos que ainda são necessárias essas reformulações por parte também das
políticas públicas sobre a educação musical e de políticas educacionais de formação dos
professores de música, a fim de atender o que se tem desejado e esperado para uma prática
integradora, o próprio Koellreutter (1997, p.135) aborda a questão de manter-nos,
especialmente o professor, em movimento quando diz que “O mundo intelectual, cultural é um
grande lago, onde todos nós jogamos pedras. Umas um pouco maiores, outras menores, mas
nós movimentamos esse lago. Isto é o que me parece essencial: o movimento”.
Nesse vasto cenário da literatura sobre educação musical e suas implicações na sala de
aula, outro autor de destaque é Murray Schafer (2011), pois, apesar de não se intitular como
pedagogo musical e sim como educador musical e compositor, é uma referência que contribui
significativamente para a construção do conhecimento em educação musical.
Em seus livros “Educação Sonora” (2009) e “Ouvido Pensante” (2011), o autor discorre
sobre a importância da escuta crítica, do conceito de silêncio e som, do papel dos educadores
musicais, bem como de atividades que proponham ao aluno a criatividade e o senso crítico por
meio de exercícios, os quais o levem a pensar e refletir sobre o ambiente sonoro onde está
inserido.
Schafer (2011) traz uma contribuição para a qualidade da educação de modo geral. Sua
proposta de educação musical tem muita pertinência, especialmente no cenário da rede de
educação municipal em que realizamos a pesquisa, pois não se exige formação específica em
música para os professores atuantes na Educação Infantil, podendo, suas sugestões de
exercícios, serem aplicadas pelo professor de salas regulares, para diversas faixas etárias.
O autor traz em suas obras uma série de relatos de atividades as quais realizou como
professor, porém que não devem ser vistas como um método, pois como ele mesmo afirma: “Eu
não digo: Faça assim! Eu digo: Eu fiz assim!” (SCHAFER, 2011, p. 231). Essas atividades
estão basicamente relacionadas: à reflexão sobre os sons a nossa volta; a como nos relacionamos
com o ambiente por meio dos sons que emitimos e que são emitidos pelos outros; e a como
criamos algo esteticamente utilizando os sons que nos rodeiam, sem que sejam necessários
instrumentos, apenas o corpo e a reflexão crítica sobre como podem se organizar os sons e o
silêncio.
No que diz respeito à formação dos professores de música, Schafer (2011, p.270)
27

defende a ideia de que a educação não é centrada no professor nem no aluno, a essência se
encontra na comunicação: “O que é ensinado provavelmente importa menos que o espírito com
que é comunicado e recebido.” E acrescenta:

Não há mais professores; apenas uma comunidade de aprendizes. Isso é um


exagero a fim de induzir à noção de que o professor precisa continuar a
aprender e crescer com os alunos. Naturalmente o professor é diferente, mais
velho, mais experiente, mais calcificado. É o rinoceronte na sala de aula, mas
isso não significa que ele deva ser coberto com couraça blindada. O professor
precisa permanecer uma criança (grande), sensível, vulnerável e aberto a
mudanças (SCHAFER, 2011, p.270).

Seu trabalho concentra-se em: descobrir o potencial criativo das crianças, para que
possam fazer músicas por si mesmas; apresentar aos alunos a paisagem sonora e como ela pode
ser tratada como música; e encontrar um ponto de união de todas as artes, desenvolvendo-as
harmoniosamente.
Todos os educadores musicais são levados a responder sempre sobre “Por que ensinar
música?”. Schafer (2011) responde a isso de uma forma simples, o que nos convida a refletir
nessa simplicidade.

A resposta é simples. A música existe porque nos eleva, transportando-nos de


um estado vegetativo para uma vida vibrante. [...] A música pode também
correr, saltar, claudicar, balançar. Pode ser sincronizada com bolas que pulam,
com ondas do mar, com galopes de cavalos e com centenas de outros ritmos
os cíclicos ou regenerativos, tanto da natureza quanto do corpo. Cantar é
respirar. O universo vibra com milhões de ritmos, e o homem pode treinar-se
para sentir as pulsações (SCHAFER, 2011, p. 283).

Nesse sentido, Brito (2003) destaca também que a música é uma linguagem construída
pelos conhecimentos com base nas vivências e sendo direcionadas para todos, sem exclusões e
sem privilegiar aqueles que são considerados como tendo “talentos naturais” para ela. De
acordo com a autora, as competências musicais são desenvolvidas com a prática regular e
orientada “[...]em contextos de respeito, valorização e estímulos a cada aluno, por meio de
propostas que consideram todo o processo de trabalho.” (BRITO, 2003, p. 53)
Essas visões apresentadas pelos autores que, servem de referência a nossa pesquisa,
confluem em um sentido da complexidade do ato educativo, o qual envolve um currículo
musical centrado nas relações estabelecidas entre alunos, professores e conhecimento, levando-
nos a considerar a proposta do ensino de música como uma prática que requer uma postura
reflexiva por parte do professor, pois:

A construção de um relacionamento que conduza à aprendizagem começa com


28

o estabelecimento implícito ou explícito de um contrato que coloca


expectativas para o diálogo: O que cada um dará e receberá do outro? Do que
cada um responsabilizará o outro? Essas perguntas não são respondidas de
uma só vez no início [...], mas são continuamente levantadas e resolvidas de
novas maneiras através da vivência do ensino prático (SCHÖN, 2000, p. 130).

Assim, podemos encaminhar nossas discussões aos referenciais que nos levam a
compreender o papel do professor como um profissional que reflete sobre sua prática, que
possui saberes específicos de sua função como docente e que desempenha papel fundamental
no processo de formação do conhecimento.

2.2 O caminhar histórico da educação musical no Brasil

A educação musical, com todas as suas concepções, teve um caminhar histórico de


implementação, para que chegasse até os dias atuais nas escolas do Brasil. Trazemos aqui uma
breve abordagem sobre esse percurso, especialmente no que se refere à formação dos
professores que trabalham com o ensino de música na Educação Infantil.
Oliveira (2011) destaca que é com a chegada dos jesuítas, com a permissão da Coroa
Portuguesa, em 1549, que a educação no Brasil passa a ter seu início, sendo a educação musical
um dos conhecimentos trazidos da cultura europeia para os povos que aqui já viviam. Nesse
momento, os jesuítas aplicavam a educação musical para a catequização dos povos indígenas e
para fins litúrgicos.
De acordo com Loureiro (2003), os jesuítas foram os primeiros professores de música
no país, com um trabalho que servia diretamente aos interesses da igreja e com a prática do
canto coral para a catequese e para a liturgia. Esse foi um importante instrumento de
colonização e catequização dos povos indígenas, o qual se estruturou com a prática do canto
gregoriano e dos autos, que são pequenas peças teatrais. Com esses recursos musicais e
artísticos, os jesuítas conseguiam que os índios fizessem encenações e dançassem,
acompanhados de instrumentos musicais, o que fez com que se perdesse, gradativamente, a
música natural e espontânea dos nativos.
Nessa época, era atribuída uma grande importância à música na catequese e, segundo
Loureiro (2003, p. 44), ela passou a integrar o currículo das “Escolas de ler e escrever”, quando
foi criada uma cartilha musical, usada pelos mestres nas aulas de iniciação musical.
A expulsão dos jesuítas do Brasil se deu em 1759, o que ocasionou mudanças no sistema
29

escolar e na educação musical, consequentemente. Embora não houvesse mais o ensino musical
nas escolas jesuítas, ainda nesse século XIX, com as influências do contato com índios e
portugueses, mas trazendo também suas próprias essências sonoras, os negros criavam suas
músicas e foi fundada, no Rio de Janeiro, uma escola de música para filhos de escravos, de
onde, segundo Loureiro (2003, p.46):

[...]saíram talentosos músicos, instrumentistas e cantores, dentre eles estava o


padre José Maurício Nunes Garcia (1767 -1830), filho de escravos, músico
nato, tocava diversos instrumentos. Compôs inúmeras obras sacras e profanas
de caráter erudito, cujo estilo se assemelhava ao de autores europeus da
primeira metade do século XVIII.

Oliveira (2011, p. 33) afirma que, em 1847, anos após a coroação de Dom Pedro II,
surgiu a primeira lei a qual estabeleceu o conteúdo musical na formação primária e secundária
nas escolas, indicando que a música deveria estar presente com princípios básicos de solfejo e
canto, noções de harmonia e instrumentos de sopro e corda. Sete anos mais tarde, foi decretada
a abertura do primeiro concurso público para contratar professor de música para a “instrução
pública secundária”.
No esteio desse percurso histórico, Fonterrada (2008, p.211) afirma que, em 1906, foi
criado, em São Paulo, o Conservatório Dramático Musical, considerado como um marco do
ensino musical do país, oferecendo ensino profissionalizante na área.
Nessa mesma época, vemos o surgimento dos métodos ativos em educação musical no
mundo, com as ideias de Dalcroze, Orff, Kodály, Suzuki, entre outros pedagogos musicais, os
quais passavam a considerar a educação musical como alternativa inovadora para a
escolarização de crianças vindas de classes desfavorecidas.
A autora ainda complementa que todo esse movimento da educação musical chega ao
Brasil e ganha forças a partir dos ideais da Escola Nova, os quais apontam para a importância
das artes no desenvolvimento integral da criança e têm como um dos precursores João Gomes
Júnior. Esse autor, inspirado nas ideias de Dalcroze e em observações de escolas europeias, traz
a introdução do manossolfa no Brasil e propõe, no Estado de São Paulo, um modelo de educação
musical para crianças baseado no canto coletivo.
Loureiro (2003, p.54) também aponta que, em fevereiro de 1922, por ocasião do
centenário da Independência do Brasil, ocorre a Semana de Arte Moderna, evento que
representou um marco na cultura brasileira, com ideias inovadoras para a época em diferentes
campos da arte, inclusive na música brasileira. Uma figura de destaque nesse movimento foi
Mário de Andrade, quem trouxe reflexões sobre a música relacionada com as artes visuais,
30

literatura e história do Brasil, de forma a defender que a música tinha grande potencial e função
social. Mário de Andrade, na companhia de Villa-Lobos entre outros pesquisadores,
musicólogos e etnomusicólogos, percorreu as regiões do Brasil em uma vasta pesquisa sobre a
música folclórica cantada pelo povo.
Tanto Loureiro (2003, p.55) quanto Fonterrada (2008, p.212) apontam o nome de Heitor
Villa- Lobos como sendo um personagem importante nessa discussão da questão histórica da
música nas escolas, pois o compositor traz em suas raízes a tradição folclórica, com forte
influência da pedagogia de Kodály, o qual acreditava que o folclore e a música raiz de uma
nação são a base para o canto coral, na democratização e acesso da arte, trazendo, como já se
mencionou nesse estudo, um caráter nacionalista para o canto.
Villa-Lobos, em pouco tempo, com o apoio do governo da época, especialmente de
Getúlio Vargas, havia instituído em todas as escolas públicas do país o canto orfeônico, com
canções do folclore nacional. Os professores de música nessa época frequentavam cursos de
formação superior nas escolas de música e conservatórios espalhados pelo Brasil. Entretanto,
essa frequência foi se tornando, com o passar do tempo, difícil de ser cumprida, devido a
diversos fatores, dentre eles, destacaram-se as situações de estradas e dificuldade de
deslocamento dos professores, pela grande extensão geográfica do Brasil.
Loureiro (2003, p.60) destaca que o canto orfeônico proposto por Villa-Lobos tinha
como objetivo a valorização de grandes grupos corais, que se apresentavam em estádios
imensos e, embora não houvesse rigorosidade no método, como havia no ensino de música que
os jesuítas trouxeram ou como a proposta que Kodály apresentava, a ênfase era na experiência
do fazer musical. Em 1964, o canto orfeônico foi substituído pela Educação Musical que
propunha basicamente o mesmo ensino que o anterior, tendo como objetivo a ampliação das
propostas. Nessa época, foi criado o Curso de Formação de Professores de Música o qual, nos
termos de Fonterrada (2008, p. 217),“investia na formação musical do professor de música, [...]
acreditava-se que, sem ser músico, seria impossível ser educador musical.”. O curso, entretanto,
não conseguiu ser legalizado e teve uma única turma, que não obteve nem um aluno formado,
após quase quatro anos.
No ano de 1971, houve uma mudança significativa para o ensino de música nas escolas,
com a lei nº 5692/71, que substituiu a disciplina educação musical do sistema de educação
brasileiro pela atividade de educação artística. Fonterrada (2008, p. 2018), dá ênfase à
substituição da palavra disciplina por atividade. Sobre esse fato a autora destaca:

Ao negar-lhe a condição de disciplina e colocá-la com outras áreas de


31

expressão, o governo estava contribuindo para o enfraquecimento e quase total


aniquilamento do ensino de música; os cursos superiores de educação artística
surgiram em 1974, um pouco depois da promulgação da lei, e tinham caráter
polivalente. Hoje, passados tantos anos, ainda se sentem os efeitos dessa lei,
não obstante os esforços de muitos educadores musicais para fortalecer a área.
(FONTERRADA, 2008, p. 2018).

Para a música, houve dificuldades em se obter profissionais formados para ministrar a


disciplina com o rigor metodológico. Nessa proposta da lei educacional vigente em 1971, com
uma formação que, em curto espaço de tempo, pretende instruir um profissional polivalente
para atuar no ensino de todas as linguagens artísticas, ficou ainda mais evidente a lacuna que
se formou para o ensino de música nas escolas brasileiras.
Nesse sentido, cabe-nos aqui trazer um levantamento do histórico da educação musical
brasileira, mostrando que, somente na década de 90, com a promulgação da LDBEN nº9394/96,
foram elaborados os documentos norteadores para o ensino no Brasil, com o surgimento dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares
Nacionais, diretrizes essas que serviriam de suporte aos professores de todas as áreas. Nessa
lei, o ensino de artes passa a ser considerado não mais como atividade de educação artística,
mas como um campo de conhecimento. Por outro lado, nem a lei 9394/96 tampouco os PCN’s
trazem de forma clara que artes devem ser ensinadas na escola, deixando turvos mais uma vez
os caminhos para a educação musical.
Figueiredo (2010, p.4) relata que houve diversos fatores os quais não colaboraram para
que se firmasse uma mudança significativa nos currículos dos sistemas educacionais brasileiros,
pois, como mencionamos anteriormente, o autor também discute o fato de a lei possibilitar
diversas interpretações. Assim, no exercício da autonomia, alguns sistemas educacionais
brasileiros incluíram a música no currículo, como foi o caso de Florianópolis, em Santa
Catarina, onde, desde 1998 professores com especialização em música e nas outras áreas de
artes atuam nas escolas municipais, porém se trata de um caso isolado. Na maior parte do
Brasil, o ensino de artes continuou mais voltado para a modalidade das artes plásticas, sendo
essa a exigência de formação nos editais de concursos públicos.
A cerca dessa problemática envolvendo a música como componente curricular e não
como um mero desdobramento da matéria de Arte, Loureiro (2003, p. 77) diz que:

A menção à música como componente curricular não garante uma mudança


na atual situação. Envolve desde políticas públicas, até um melhor
entendimento do papel da música na formação da criança e do jovem. Tudo
isso exige uma retomada em profundidade da questão, tendo em vista um
entendimento do que seja educação musical.
32

Diante do que autora diz sobre a necessidade de maior entendimento do que é o papel
da educação musical nas escolas e do movimento para a criação e envolvimento de políticas
públicas para efetivar esse processo de entendimento, Figueiredo (2010) nos aponta que foram
surgindo, então, grupos de trabalho para discutir esse papel da educação musical.
Ainda nos anos 90, foi criada a ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical),
que fez divulgar trabalhos e pesquisas na área de educação musical e cujos membros foram
participantes ativos em um Grupo de Trabalho (GT), iniciado em 2006, coordenado pelo músico
Felipe Radicetti, que era na época coordenador do GAP (Grupo de Apoio Parlamentar Pró-
Música). Nas reuniões desse GT, iniciaram-se articulações, etapas de debates e
encaminhamentos para a criação de uma legislação voltada para a educação musical, o que
resultou na criação e aprovação da lei 11.769/2008.
A lei 11.769/2008 (BRASIL, 2008) dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de música
no currículo das escolas brasileiras, trazendo a clareza e as diretrizes que se faziam necessárias
para a complementação do disposto no artigo 26 da LDB e apresentando a música como uma
das artes que deve fazer parte do currículo escolar brasileiro. É a partir dessa legislação que a
lacuna histórica do ensino de música nas escolas brasileiras começa a ser suprida.
Esse recomeço para os rumos da relação entre o currículo e a músico na educação no
país traz a necessidade de se pensar nas práticas pedagógicas que estão sendo efetivadas nas
escolas onde a educação musical já está sendo implementada. É crucial voltar nossas atenções
para como os professores estão refletindo sobre suas práticas, de modo a entender sobre as
práticas docentes, para só então compreender sobre a prática em educação musical.

2.3 Panorama das pesquisas sobre a reflexão nas práticas docentes e educação musical

Trilhando um caminho que possa configurar como um norte para nossa pesquisa sobre
a reflexão em as práticas pedagógicas, Fagundes (2016) apresenta um estudo teórico-conceitual
sobre as perspectivas do trabalho docente e os conceitos de professor pesquisador/professor
reflexivo, trazendo em cena uma discussão dessas temáticas, baseada nos trabalhos de
Stenhouse (1975, 1981) e Schön (1983, 1992), os quais tratam, respectivamente, de professor
pesquisador e professor reflexivo.
A ideia central dos resultados da pesquisa desenvolvida por Fagundes (2016) é de que
a prática docente é desenvolvida com a junção dos conceitos de professor reflexivo e professor
33

pesquisador. Tendo suas singularidades respeitadas e consideradas, ainda assim deve-se


entender que o professor pesquisador é também reflexivo e que aquele que é reflexivo também
pesquisador, pois, em ambos os casos, o centro das atividades de cada tipo de professor, é a
produção de conhecimento, pois tanto a pesquisa quanto a reflexão devem ser concebidas
“como processo humano que se dá, individual e coletivamente, em busca de entendimento a
respeito dos diferentes aspectos sociais, psicológicos, afetivos, políticos e educacionais.”
(FAGUNDES, 2016, p. 295)
Por meio das buscas feitas nos bancos de teses e dissertações da UNITAU, PUC-SP,
USP, UFMG, UFRGS e nos sites de busca e pesquisa de artigos acadêmicos CAPES e Scielo,
encontramos diversos trabalhos produzidos na área que procuramos abordar em nossa pesquisa
que é a da reflexão sobre a prática docente em música. As palavras-chave utilizadas nas buscas
foram: educação musical, música na educação infantil, música na escola, professor reflexivo,
prática docente em música e professores de música, como ilustra o quadro abaixo:
Quadro 1: Número de publicações referentes aos descritores da pesquisa.
Descritores Artigos Dissertações Teses

“Educação musical” 941 370 359


“Música na educação 398 575 399
infantil”
“Música na escola 1613 2027 583
“Professor reflexivo” 1056 1022 432
Práticas em educação 1338 2424 759
musical”

O quadro 1 destaca o número da soma total de publicações, encontrados nas plataformas


de busca, incluindo artigos, dissertações e teses que foram produzidas desde o ano de 2000 e as
quais vêm sendo divulgadas por meio das pesquisas feitas nos cursos de pós-graduação em todo
o país, de acordo com as fontes que consultamos.
Essa busca trouxe um extenso resultado de pesquisas realizadas nos temas da nossa
investigação, porém, após a leitura dos títulos e os resumos, filtramos os trabalhos de forma que
tivessem ligação com a área de interesse da nossa pesquisa. Foram então selecionados 10
trabalhos, sendo 5 artigos científicos, 3 dissertações e 2 teses.
As pesquisas selecionadas nesse estudo convergem para um ponto em comum: a questão
da formação docente pensada numa perspectiva reflexiva sobre sua própria prática e nos
aspectos essenciais para o desenvolvimento da aprendizagem, mais especificamente, na
34

aprendizagem musical.
Encontramos, com pontos convergentes, os trabalhos produzidos nas áreas da educação
musical e práticas docentes em música, apresentados por Bellochio (2001, 2000), Uriarte
(2004), Fonterrada (2007), Figueiredo (2010), Loureiro (2010), Oliveira (2011), Beineke (2012,
2000), Tavares (2013).
De acordo com os encaminhamentos metodológicos e recortes temáticos, conforme se
pode verificar nos quadros a seguir, podemos agrupar os trabalhos acima indicados em dois
eixos voltados para a discussão da questão da música na escola: as primeiras são as pesquisas
que tratam da prática docente na educação musical e as segundas, pesquisas que se voltam para
o papel da música na educação. A saber:
Quadro 2: Trabalhos que se referem às práticas de professores de educação musical.

TÍTULO AUTOR ANO

1 -A educação Musical nas séries iniciais do Ensino Fundamental: Cláudia Ribeiro Bellochio
Olhando e construindo junto às práticas cotidianas do professor 2000

2- Educação Musical: Olhando e construindo na formação e ação de Cláudia Ribeiro Bellochio 2001
professores

3 - O conhecimento prático do professor de música: três estudos de Viviane Beineke 2000


caso.

4 - A presença da música na Educação Infantil: Entre o discurso oficial Alícia Maria Almeida Loureiro 2010
e a prática

5 - O educador musical na escola regular em Belo Horizonte. Myrna Valéria Campos de 2011
Oliveira

6 - A reflexão sobre a prática na pesquisa e formação do professor de Viviane Beineke 2012


música

Fonte: CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –elaborado pela pesquisadora

Quadro 3: Trabalhos que se referem ao papel da educação musical na Educação Básica.


TÍTULO AUTOR ANO

1- Diálogo interáreas: o papel da educação musical na atualidade. Marisa Trench de Oliveira 2007
Fonterrada

2 - Música e escola: um diálogo com a diversidade Mônica Zewe Uriarte 2004

3 - O processo de aprovação da Lei 11.769/2008 e a obrigatoriedade da música Sérgio Figueiredo 2010


na educação básica.

4 - Música na Educação Infantil: Estratégias, propostas e concepções de ensino Cíntia Dutra Tavares 2013
de música em escola de ensino regular do município de Vitória (ES).

Fonte: CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – elaborado pela pesquisadora
35

O quadro 2 nos apresenta uma linha dos estudos produzidos sobre a temática da
formação de professores de música, com os títulos dos trabalhos, autores e o ano de publicação.
Já o quadro 3 traz as publicações que abordam, em linhas gerais, o tema do papel da educação
musical, seus direcionamentos legais e históricos, os quais serviram para embasamento de
nossas discussões e reflexões, de forma a direcionar nossa pesquisa para contribuição na
formação de professores de música na Educação Infantil.
Na pesquisa desenvolvida por Beineke (2000), o objetivo foi o de refletir sobre o
conhecimento prático do professor de música e, para isso, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas e entrevistas de estimulação de recordação com os professores, tentando assim
captar seus pensamentos e suas reflexões. A partir das informações dessas entrevistas, conclui-
se que:

Os conhecimentos práticos do professor fazem sentido na própria prática,


porque são dirigidos pelas suas ações em sala de aula e para elas. Por isso, um
estudo sobre esse tema precisa partir da própria aula, isto é, do contexto em
que esses conhecimentos emergem e são utilizados pelo professor.
(BEINEKE, 2012, p.185)

Igualmente, acreditamos que as pesquisas, que buscam considerar as reflexões sobre as


práticas pedagógicas, devam ser feitas a partir das concepções dos professores e do significado
que a função docente exerce em suas vidas. Doutra forma, tais pesquisas sobre práticas docentes
tendem a se afastar daquilo que de fato ocorre na sala de aula, tornando-se um apanhado de
teorias e métodos que pouco se afinam com as práticas efetivas para a aprendizagem.
Nessa mesma perspectiva, o trabalho de Bellochio (2001) retrata a importância de se
olhar para o professor com humanização, acreditando, assim como Freire (2011), que para se
pensar no ato educativo, deve haver uma condição dialógica entre os sujeitos envolvidos.
Partindo desse princípio dualista no processo educacional, esse estudo destaca a educação
musical como processo social e não como meramente transmissão de conhecimentos e
conteúdos de uma disciplina. Para a autora, essa concepção de educação musical deve estar
presente desde o momento da formação inicial dos professores, considerando como aspectos
fundamentais as:

[...] realizações escolares que potencializam problematizações e suas


resoluções. Ao mesmo tempo, deve envolver trabalho compartilhado entre
professores já atuantes e professores em formação inicial, na troca de saberes
e experiências em educação e em educação musical. (BELLOCHIO, 2001, p.
42).
36

Essa dialogicidade, segundo Bellochio (2001), deve estar presente na prática educativa
real e os saberes dos educandos também devem ser levados em conta nesse diálogo, para, então,
chegarmos a produção de saberes mais conscientes e significativos, resultantes da verdadeira
aprendizagem. Para tanto, torna-se imprescindível a prática reflexiva, pois:

Trabalhando com a mediação do conhecimento musical dos alunos, o


professor poderá fazer leituras que inter-relacionem hipóteses presentes na
construção desse conhecimento com o desenvolvimento dos alunos em outros
campos cognitivos. Outra constatação é que os professores conseguem
potencializar mediações dialógicas utilizando-se de conhecimentos musicais
básicos, tais como parâmetros do som. (BELLOCHIO, 2001, p. 45)

Tais constatações, que trilham um caminho para a identificação da importância da


reflexão dos professores sobre as práticas pedagógicas em música, levam-nos a refletir também
sobre a função da educação musical. Uriarte (2004, p.250) discorre sobre esse tema indicando
que, para além de uma prática que visa transmitir ao aluno conhecimentos específicos em
música, com atividades práticas de composição, execução e apreciação, a educação musical
deve, verdadeiramente, contribuir para a “formação de um ouvinte crítico”. Essa função é
desenvolvida por meio da busca de conhecimento e da ampliação da capacidade reflexiva do
professor.
Contribuindo com essa discussão sobre o papel do professor e a reflexão sobre a prática
educativa musical, Fonterrada (2007), conforme já se apontou nesse estudo, traz um breve
histórico da Educação Musical no Brasil até os dias atuais, elucidando o seu papel na sociedade
e ampliando os conhecimentos acerca das legislações que possibilitaram a presença da música
na escola e a formação dos professores que a lecionariam.
Em seu texto, Fonterrada (2007) apresenta também as concepções de autores referência
para a educação musical, como Zóltan Kodály, Shinichi Suzuki e Emile Jaques-Dalcroze, e traz
um apontamento acerca de pontos em comum entre eles, qual seja: a música e a educação
musical contribuem para o fortalecimento da identidade e vão ao encontro das necessidades da
sociedade. Podemos observar, dessa forma, que a discussão sobre o papel dos professores de
música e a maneira como refletem e pensam sua prática não está aquém da sociedade, ao
contrário disso, deve estar em sintonia, em união com todas as outras disciplinas de modo
dinâmico pois:

O que se quer trazer para reflexão é o papel da música como favorecedora da


expressão e comunicação humanas, e de canal de revigoramento da
sensibilidade do indivíduo. Como linguagem expressiva, essa peculiaridade
37

da música transcende as técnicas de execução, e a faz veículo de expressão


individual e grupal. Há inúmeras evidências do poder da música sobre o ser
humano e de sua capacidade em atingir profundas regiões da psique não
facilmente acessíveis pela comunicação verbal. (FONTERRADA, 2007, p.
30).

Os trabalhos desenvolvidos por Oliveira (2011) e Tavares (2013), respectivamente


tratando sobre a educação musical dos municípios de Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES),
abordam o trabalho dos professores de música nas escolas regulares. Essas pesquisas trouxeram
contribuições no sentido de compreender o percurso metodológico do estudo da prática na
educação musical, dando-nos, assim, mais clareza para a escolha das questões norteadoras das
entrevistas que realizamos com os professores da Educação Infantil do município pesquisado.
Tavares (2013, p.73) destaca que os professores de música na Educação Infantil em
Vitória –ES são licenciados em Música, entretanto sentem dificuldade em trabalhar com a faixa
etária de zero a três anos, especialmente pela falta de instrumentos e materiais adequados para
as crianças. A autora aponta que os professores atuam em salas de aula específicas para música
e que possuem instrumentos como teclados, flautas, percussão e aparelhos de som disponíveis
para o trabalho com as crianças, mas que sentem dificuldade em pensar estratégias para
utilização desses recursos com crianças na faixa etária acima descrita.
Tavares (2013) apresenta, ainda, nos resultados de sua pesquisa com professores de
música na Educação Infantil em um município do Estado do Espírito Santo, que esses docentes
destacam a necessidade de uma formação mais prática e menos teórica no que diz respeito à
formação docente em Música, além disso enfatizam a importância de pensar nas adaptações das
aulas mediante os espaços físicos que a escola oferece e os materiais disponíveis.
A partir dos apontamentos feitos pelos docentes, a autora traz questionamentos acerca
da prática em educação musical para crianças da Educação Infantil, com os espaços, tempos e
recursos que podem ser utilizados e que estejam adequados. Aponta, mediante os resultados
obtidos, para uma prática na Educação Infantil que considere a música com atividades de
apreciar, identificar timbres, cantar e movimentar o corpo, utilizar a voz com qualidade,
trabalhar o som e o silêncio, atuar com improvisação, composição e exploração sonora e
expressar-se por meio da música, pois são essas as práticas que estão no discurso de professores
com licenciatura em música. Apesar da evidente consciência dessas formas de trabalho, os
professores envolvidos no estudo afirmam ter dificuldade na realização dessas propostas.
Em pesquisa realizada no município de Belo Horizonte –MG, Oliveira (2011) apresenta
que os professores de música na Educação Infantil são licenciados em música e destacam que,
para o trabalho nessa etapa da escolarização, uma das dificuldades é a falta de uma formação
38

pedagógica para saber como proporcionar um ensino de música lúdico e eficaz para crianças.
Oliveira (2011) aponta a necessidade de uma formação profissional ampla, com ligação
estreita com a prática, para os educadores musicais, pois os mesmos afirmam que, muitas vezes,
pela falta de materiais didáticos, estrutura física nas escolas e recursos como instrumentos, são
necessárias adaptações dos conhecimentos acadêmicos para que se possa garantir o ensino de
música na escola. Embora discutam que são necessárias essas adaptações, os sujeitos da
pesquisa e sua autora não apontam quais ajustes deveriam ser feitos no currículo dos cursos
licenciatura em Música. Assim, percebemos que é preciso pensar nos meios para que a
formação do professor de música promova o elo entre a teoria adquirida nos cursos superiores
e a prática.
Loureiro (2010) analisa a Educação Infantil e contribui para nossa pesquisa com suas
considerações a respeito do que há no discurso oficial e na prática da presença da música nas
escolas para crianças de 0 a 6 anos, destacando que, na formação dos professores para atuar
com educandos nessa faixa etária, pouca ênfase é dada às linguagens artísticas, sobretudo a
música, especialmente para uma abordagem prática. A pesquisa realça a necessidade de trazer
na formação do professor de música a aproximação com a prática para contextualização do que
se espera do professor, ao ministrar aulas de música nas escolas.
Figueiredo (2010) discute sobre os processos de implementação da música na escola
como disciplina obrigatória, a partir da lei 11.769/08, e reforça que, embora a lei tenha trazido
avanços para a questão do ensino de música, ainda restam diversas incógnitas, especialmente
no que se refere à formação dos professores, pois, para os licenciados em música, há um déficit
na formação pedagógica para a Educação Infantil; já para os pedagogos, há a falta de uma
formação que considere o que deve ser ensinado como conteúdo musical para essa faixa etária.
O autor aponta que “profissionais da educação musical, da música e da educação devem se
dispor a discutir os possíveis encaminhamentos para que a música esteja na escola de forma
satisfatória.” (FIGUEIREDO, 2010, p.08)
Essas são algumas das concepções trazidas nos trabalhos acadêmicos da atualidade,
utilizados para compor nossa pesquisa acerca da reflexão sobre as práticas docentes dos
professores da Educação Infantil. Partindo das análises e conclusões já retiradas sobre esse
processo de construção do pensamento reflexivo, do papel do professor, das ideias do que é
ensinar música e para quê, procuramos trabalhar em nossa pesquisa a fim de avançar o
conhecimento que se tem dessas questões, mas com o olhar voltado para os professores de
Educação Infantil, que, embora não sejam especialistas em música, assumem hoje as aulas desse
componente em um município do interior paulista.
39

2.4 Práticas docentes – reflexões e saberes da profissão

Nessa etapa da pesquisa, nosso foco volta-se para as questões da prática docente e de
como a prática é influenciada pelos saberes dos professores da Educação Infantil. Interessa-nos
sobretudo as práticas dos professores de música nessa fase da escolarização, no município
pesquisado. Esses docentes têm uma atividade ampla e precisam adequar suas práticas de
acordo com a faixa etária e nível das diferentes turmas da Educação Infantil, devendo, assim,
possuir o que chamamos popularmente de “jogo de cintura”, para planejar e desenvolver, em
50 minutos de aula, o trabalho musical com os alunos.
Tardif (2014), aponta para a necessidade desse estudo voltado aos saberes dos
professores e a como os concebemos enquanto sujeitos do processo educativo, escrevendo que:

O saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a


identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história
profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os
outros atores escolares na escola, etc. Por isso é necessário estudá-lo
relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente
(TARDIF, 2014 p. 11).

Tendo em vista essa perspectiva, acreditamos na importância de estudarmos as práticas


docentes, os saberes que envolvem essa prática e o que vem a ser a profissão docente, pois tais
informações darão mais consistência e profundidade para as discussões de nossos dados.
O saber dos professores, segundo Tardif (2014) é um saber social, porque é partilhado
e só ganha sentido no contexto das relações coletivas do trabalho, sendo estabelecido por meio
de relações complexas entre os sujeitos do processo educativo, entendidos pelo autor como
professor e aluno. Esse saber social, pensado do ponto de vista do trabalho, é chamado pelos
autores Tardif & Lessard (2005, p.19) de trabalho interativo, ou seja, “os ofícios e profissões
que têm seres humanos como objeto de trabalho.” Assim é o trabalho docente, caracterizado
por ser uma atividade que só existe com o estabelecimento dessa relação dialógica.
Freire (2011, p. 25) já tratava desse assunto ao ressaltar que “não há docência sem
discência”, pois o ato de educar não é neutro, não é imparcial, mas sim uma ação de
interdependência entre os sujeitos do processo educativo. Para que esse ato cumpra sua função
e seja efetivo, é preciso que o professor, ciente da necessidade de interação com o aluno, reflita
sobre como estrutura sua prática docente. Sendo assim, os saberes do professor estão
relacionados aos saberes da sua prática educativa e de como ele reflete sobre sua prática, pois
40

para o autor:

Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática. O pensar certo sabe, por
exemplo, que não é a partir dela como um dado que se conforma a prática
docente crítica, mas sabe também que sem ele não se funda aquela. A prática
docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE, 2011, p.39).

No que tange a esse pensar sobre o fazer, entende-se que o professor, para atuar
construindo uma prática significativa e edificante para seus alunos, deve ser reflexivo. Schön
(1992) aponta essa reflexão como sendo algo natural e necessário, algo que se espera de todo
profissional que lida com o conhecimento e sua produção. Escreve, a esse respeito, sobre uma
dimensão da reflexão na ação que se relaciona com confusão e incerteza quando afirma que:

Um professor reflexivo tem a tarefa de encorajar e reconhecer, e mesmo de


dar valor à confusão dos seus alunos. Mas também faz parte das suas
incumbências encorajar e dar valor à sua própria confusão. Se prestar a devida
atenção ao que as crianças fazem (por exemplo, O que terá passado na cabeça
daquela miúda para ter pendurado o cordel em forma de laçada?), então o
professor também ficará confuso. E se não ficar, jamais poderá reconhecer o
problema que necessita de explicação (SCHON, 1992, p.85).

As reflexões sobre a prática educativa, bem como o entendimento e análise dessa


reflexão, colocam outra questão a ser levada em consideração: diz respeito ao que se concebe
por prática educativa. Tardif (2014), esquematiza três concepções da prática educativa, que
são: a concepção enquanto arte, enquanto técnica guiada por valores e enquanto interação.
Essas concepções estiveram e estão ainda presentes em nossa cultura educacional e são
baseadas nas representações da relação entre os saberes e ações da educação. Cabe aqui
ressaltar que, sendo nosso objetivo de pesquisa, analisar as práticas e as reflexões das
professoras, é preciso considerar como são esquematizados os seus saberes docentes e quais as
concepções sobre a prática de cada docente.
A concepção enquanto arte é a mais antiga ideia que se tem de prática educativa no
mundo ocidental, já vigora desde os tempos da Grécia Antiga, estendendo-se também aos
romanos e retomada pelo cristianismo, que pôs em evidência importantes transformações,
especialmente no que diz respeito à ideia que se fazia de criança e de ser humano como um
todo. Essa concepção compreende a prática educativa não como uma ação científica, mas uma
ação técnica, como a do artista, que imprime, na sua obra, algo já existente, modificando-a de
acordo com seu talento, com sua intuição, com sua técnica. Sendo assim, não se vê essa
41

educação como a criação de algo novo, como o fazer científico. A educação enquanto arte é:

[...] a ideia de que a ação educativa está ligada a realidades contingentes e


individuais que não podem ser julgadas de maneira cientificamente rigorosa e
necessária. [...] O que distingue a arte do escultor da arte do educador é que o
primeiro age sobre um ser, um composto de matéria e forma, que não possui
em si mesmo, mas recebe do artista, o princípio (a causa e a origem) de sua
gênese, ao passo que o segundo age com e sobre um ser que possui, por
natureza, um princípio de crescimento e de desenvolvimento que deve ser
acompanhado e fomentado pela atividade educativa (TARDIF, 2014, p.160).

Dessa maneira, a educação enquanto arte não busca uma finalidade na formação da
criança e nas suas especificidades, mas se volta para a formação do adulto, partindo da premissa
de que toda criança deve ser preparada para ser um adulto. Nesse sentido, a prática de educar
se volta para aquilo que a criança vai gerar de “produto acabado”, ou seja, “obra resultante” de
todo um processo anterior.
Por outra ótica, a concepção que trata a prática educativa como técnica guiada por
valores afina-se com o ideal educacional proposto pela Escola Nova, em que, segundo Tardif
(2014), o professor ideal é aquele que fundamenta sua prática educativa nas ciências da
educação, especialmente na Psicologia, entretanto também se orienta de acordo com uma ordem
de valores e interesses, tendo sua prática voltada, ao mesmo tempo, às ciências e à moralidade.
Imbernón (2000) também reflete sobre essa concepção quando afirma que o docente não
pode se considerar como um técnico infalível, conhecedor apenas das ciências. Ao contrário
disso, deve-se perceber também como um facilitador de aprendizagens, contribuindo para o
envolvimento dos alunos nas atividades em que planeja e mostrando-se reflexivo em suas ações
educativas.
A última concepção de prática educativa, abordada por Tardif (2014), é a que considera
educação enquanto interação. Essa concepção pode ser também verificada com presença
marcante desde a Antiguidade, situando Sócrates e a importância atribuída ao discurso, à
dialógica e à retórica para o processo de formação humana e atividades educativas. A ideia que
Tardif (2014) traz para essa concepção da prática educativa é a de um conceito de maior
abrangência, relacionado sobretudo à maneira como os seres humanos orientam seus
comportamentos em função dos comportamentos dos outros. Para o autor, a prática educativa,
nesse sentido, é compreendida de maneira que:

Ensinar é entrar numa sala de aula e colocar-se diante de um grupo de alunos,


esforçando-se para estabelecer relações e desencadear com eles um processo
de formação mediado por uma grande variedade de interações. A dimensão
42

interativa dessa situação reside, entre outras coisas, no fato de que, embora
possamos manter os alunos fisicamente numa sala de aula, não podemos
obrigá-los a participar de um programa de ação comum orientado por
finalidades de aprendizagem: é preciso que os alunos se associem, de uma
maneira ou de outra, ao processo pedagógico em curso para que tenham
alguma possibilidade de sucesso (TARDIF, 2014, p.167).

Paulo Freire já nos fala dessa interação na prática educativa quando apresenta em sua
obra que uma questão consistente do desenvolvimento do educando, somado ao processo
educativo que leve em consideração o humano, é o diálogo. Trata-se de um diálogo permeado
pela confiança, pelo respeito, pelo ouvir um ao outro, pela ética, pela crença no ser humano
como um ser provido da capacidade crítica diante dos fenômenos que ocorrem à sua volta, “por
isso, somente o diálogo comunica.” (FREIRE, 1983, p.68)
Cunha (1994), em seus estudos a fim de compreender o que se entende por “Bom
Professor” e assim compreender o que há em sua prática, também descreve sobre a relação que
o docente tem com o ambiente educativo e o significado disso para a determinação da qualidade
e sucesso de sua prática. De acordo com a autora, “O professor com relação à escola é, ao
mesmo tempo, determinante e determinado, assim como seu modo de agir e de ser, influenciam
este mesmo ambiente.” (CUNHA, 1994, p.24)
Shulman (2014) tem papel importante em nossas discussões por trazer um olhar com
foco na reforma do ensino baseada na compreensão, raciocínio, transformação e reflexão. O
autor traz uma abordagem sobre o conhecimento utilizado no processo de ensino/aprendizagem,
quais as fontes de base e como essa fonte está articulada com o pensamento e a ação pedagógica.
Dessa forma, apresenta-nos uma ideia de ensino deve enfatizar a compreensão, o raciocínio, a
transformação e a reflexão, procurando responder a quatro questões principais, que visam
compreender: Quais são as fontes da base de conhecimento para o ensino? De que maneiras são
conceituadas? Como são os processos de raciocínio e de ação prática dos professores? Dessa
forma, podemos compreender quais são os novos rumos para uma educação reformada, de
qualidade e de políticas efetivas de formação de professores.
Sobre a construção de uma base de conhecimentos sobre o ensino, Shulman (2014, p.
203) destaca que “o ensino é trivializado, suas complexidades são ignoradas e suas demandas,
reduzidas. Os próprios professores têm dificuldade para articular o que sabem e como o sabem.”
Para Shulman (2014), o conhecimento do professor é complexo, não ocorrendo apenas no
momento do ensino, mas permeia toda sua reflexão sobre a prática. Fazem parte do raciocínio
pedagógico seis ações ou etapas que, para o autor, são: a compreensão, transformação,
instrução, avaliação, reflexão e novas compreensões.
43

Iniciar e finalizar o processo do raciocínio pedagógico com a compreensão é um ponto


que nos chama a atenção. Considerando que essa seja uma ação essencial para a docência,
compreender é necessário, seja a compreensão do conteúdo que se vai ensinar, a compreensão
da didática a ser utilizada – conhecimento pedagógico do conteúdo –, seja a compreensão dos
níveis de ensino, da idade dos alunos, das características da idade, dos contextos educacionais
onde está inserido e da intencionalidade do ensino. Compreender é estar de acordo com o
entendimento que o professor faz sobre o que vai ser ensinado e já é uma ação complexa por si
só, mas que não é a única atividade que o professor desenvolve em seu pensamento.
Ainda segundo Shulman (2014), depois do momento da compreensão, existe a
transformação, ou seja, a transposição didática que o professor irá fazer para que o ensino possa
acontecer. É o momento em que o professor transporta os conteúdos e conhecimentos, já
compreendidos em sua mente, num caminho que leve os alunos a aprendê-los. Nesse percurso,
ocorrem: preparação, que são os meios de se representar uma ideia; as seleções por métodos de
instrução e a adaptação dessas representações selecionadas, ajustando-as e adequando-as de
acordo com suas turmas.
Esses processos, até aqui comentados, são ainda anteriores ao real ato educativo, ou
seja, ainda estão na base das ideias do professor. São processos mentais, podendo ocorrer em
rápidos momentos nos quais o professor, por exemplo, se dirige à uma determinada sala de aula
ou quando sai de uma sala para outra.
Ao iniciar a atividade educativa, Shulman (2014, p.219) destaca que o professor
vivencia a etapa da instrução que, segundo ele:

[...]envolve o desempenho observável de vários atos de ensino. Inclui muitos


dos aspectos mais cruciais da pedagogia: organizar e gerenciar a sala de aula;
apresentar explicações claras e descrições vívidas; atribuir e verificar
trabalhos; e interagir eficazmente com os alunos por meio de perguntas,
respostas e reações, além de elogio e crítica. Inclui, portanto, gestão,
explicação, discussão e todas as características observáveis da instrução direta
e heurística eficaz.

Essa é a etapa mais visível, para quem observa uma aula, é o momento em que podemos
verificar como o professor conduz sua aula, interage com os alunos, dá exemplos e amplia as
possibilidades de aprendizado com suas contribuições, as quais são específicas de cada
professor e de cada aula.
A etapa da avaliação, para Shulman (2014, p. 221), é quando o professor, no próprio
andamento de sua aula, percebe e verifica o entendimento dos alunos sobre o que é ensinado e,
ao mesmo tempo, avalia a si próprio, ajustando seu desempenho docente às experiências no
44

momento da aula.
Essa avaliação requer um domínio profundo do que é ensinado e leva diretamente o
professor à reflexão. É uma etapa mais subjetiva e demanda do professor uma complexa forma
de compreensão do conteúdo, pois de nada lhe adiantaria ter muito conhecimento sobre o
assunto a ser ensinado, transmiti-lo de forma clara, fazendo os ajustes do conteúdo para a turma
em que leciona e ter bom gerenciamento da aula, se não tivesse a capacidade de avaliar se todo
o esforço gerado para o ensino foi revertido em aprendizagem. É justamente essa capacidade
de verificação do entendimento dos alunos que faz o professor avaliar, tanto o aluno, como a si
próprio. Isso nada mais é do que um grande processo de reflexão, no raciocínio pedagógico.
É essa reflexão, segundo Shulman (2014, p.221), que leva o professor a “rever,
reconstruir, reconstituir e analisar criticamente o próprio desempenho e o da classe e
fundamentar as explicações em evidências”. É nesse conjunto de ações que o professor vai
aprendendo com a própria experiência e se dá conta disso, compreendendo que todo o processo
de ensino culmina em aprendizagens complexas, não somente dos alunos sobre o conteúdo que
foi ensinado, mas também a aprendizagem do próprio professor sobre sua prática, sobre como
aquele conteúdo que foi ensinado e foi apreendido pelos alunos e por ele próprio.
Todo esse processo de reflexão faz o ciclo do raciocínio pedagógico girar mais uma vez,
agora para a etapa das novas compreensões, as quais Shulman apresenta como sendo um novo
começo. Trata-se de um novo começo, pois é um novo entendimento sobre aquela determinada
aula que o professor preparou, o que mostra que uma aula não é igual a outra e, por mais que
o professor venha a repetir em outras turmas a mesma metodologia, a mesma dinâmica, os
mesmos preparativos e avaliações com os alunos, sua reflexão faz com que as estratégias sejam
novas, pautadas nas experiências vividas.
Propusemo-nos, nesse trabalho, a verificar e analisar as reflexões que os professores
fazem sobre suas práticas nas aulas de uma disciplina específica, que é a música. Todavia, todo
esse aporte teórico acerca do processo de raciocínio pedagógico com todas as suas etapas, nos
leva a uma compreensão de que a reflexão do professor vai além de um conhecimento específico
da matéria ensinada, pois envolve a docência como um todo, sendo a reflexão um movimento
formativo de dentro da prática pedagógica.
Em se tratando da relação intrínseca entre reflexão e prática pedagógica, Nóvoa (2009,
p. 29) destaca a necessidade de uma formação de professores que se constrói dentro da
profissão, na busca de compreensão do que vem a ser um “bom professor”. Segundo ele, as
abordagens históricas buscaram definir os atributos e características dos “bons professores”,
sendo consolidadas em uma famosa trilogia: saber (conhecimentos), saber fazer (capacidades)
45

e saber ser (atitudes). Esses pilares para caracterização da educação e professor, com o passar
do tempo, mais especificamente por volta dos anos 90, deram lugar a um novo conceito, a ideia
de competências, a qual assumiu um papel importante nas novas reformas educativas.
Tal como Shulman (2014) traz sua teoria sobre a base de conhecimentos para a docência,
Nóvoa (2009, p.29) aborda um conceito, que ele mesmo define como sendo mais “líquido e
menos sólido”, o qual visa à compreensão da ligação entre os aspectos pessoais e profissionais
da identidade do professor. Essa conceituação traz para o debate que ora propomos a noção de
que a profissionalidade docente se constrói dentro da pessoalidade do professor, com a
apresentação de cinco atitudes essenciais para a compreensão do que é ser professor na
contemporaneidade: o conhecimento, a cultura profissional, o tato pedagógico, o trabalho em
equipe e o compromisso social.
Para Nóvoa (2009, p. 30) “ninguém pensa no vazio, mas antes na aquisição e na
compreensão do conhecimento”, de modo que o conhecimento é essencial para o professor.
Não há como ensinar algo que não se conheça, por esse motivo o conhecimento é uma das
atitudes essenciais para compreendermos o que é ser um bom professor.
Outra atitude essencial, segundo Nóvoa (2009, p. 30), é a compreensão que o professor
é integrante de uma cultura profissional, entendendo os sentidos da instituição escolar, estando
e aprendendo com os pares, adquirindo o “tato pedagógico”, que, para o autor, é a capacidade
de relação e comunicação que o professor utiliza para conduzir os alunos ao aprendizado e para
formar suas características profissionais. Nessa composição do “tato pedagógico”, o trabalho
em equipe também se faz essencial, pois é preciso que o professor seja colaborativo para com
as dimensões coletivas da educação, bem como tenha o compromisso social com ela,
convergindo nos sentidos dos valores e princípios que a compõem e tornando possível que,
aqueles que sofrem com as desigualdades, tenham acesso à qualidade na educação.
Tanto as atitudes essenciais de um bom professor que Nóvoa (2009) destaca, quanto às
características das etapas do raciocínio pedagógico do professor descritas por Shulman (2014),
são postulados que utilizamos para embasar nossas discussões e reflexões sobre as práticas
docentes das professoras de música na Educação Infantil que investigamos.
Acreditamos que é na formação dentro da profissão que são efetivados os processos de
raciocínio pedagógico e de construção de conhecimentos sobre a docência, pois é na prática,
nas vivências e interações que a formação do professor se completa, é onde o professor pode
trazer a teoria para sua prática, recorrendo a seus referenciais e aos de seus pares para desvendar
e solucionar situações reais. Quando Nóvoa (2009) discorre sobre a cultura profissional do
professor e sua importância, ele nos traz que:
46

Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se


numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no
diálogo com os outros professores que se aprende a profissão. O registro das
práticas, a reflexão sobre o trabalho e os exercícios da avaliação são elementos
centrais para o aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem
avançar a profissão. (NÓVOA, 2009, p.30).

Conceber a educação enquanto interação compõe também a ideia de como o professor


elabora sua reflexão sobre a prática educativa. Sobre isso, Schön (1992) afirma que:

Existe, primeiramente, um momento de surpresa: um professor reflexivo


permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento,
reflecte sobre esse facto, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez
e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido.
Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação;
talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio
no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efectua uma
experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova
questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou
sobre o modo de pensar o aluno. Esse processo de reflexão-na-ação não exige
palavras (SCHON, 1992, p. 83).

Essa última frase do autor, na afirmação de que na reflexão-na-ação não são exigidas
palavras, vislumbra essa não exigência das palavras, mostrando que a reflexão sobre a prática
ocorre, ou deve ocorrer, nas atividades do dia a dia, em todas as situações em que se encontra
o aluno, e no envolvimento do professor com a atividade educativa de maneira natural.
Dessa forma, acreditamos que pesquisar e voltar os olhares para a prática educativa e
para a maneira com a qual os professores refletem sobre essa prática, intentos dessa pesquisa,
coadunam-se com essas concepções da ação educativa e colaboram para que a atividade
reflexiva docente seja mais presente da vida e no cotidiano de trabalho dos professores, tanto
dos que participaram da pesquisa, quanto dos que, de alguma maneira possam ter acesso às
etapas e resultados aqui obtidos.
Zeichner (2008, p.539) traz uma abordagem acerca do que vem a ser a prática reflexiva
como algo que está na estrutura da formação docente quando aponta que:

A “reflexão” também significa que a produção de conhecimentos novos sobre


ensino não é papel exclusivo das universidades e o reconhecimento de que os
professores também têm teorias que podem contribuir para o desenvolvimento
para um conhecimento de base comum sobre boas práticas de ensino.

É nessa perspectiva que nossa pesquisa caminha, buscando compreender os aspectos da


reflexão das professoras de música e visando contribuir para a produção de novos
47

conhecimentos e materiais que possam servir de base para refletir sobre a docência e suas
práticas em educação musical.
Para isso, nos próximos apontamentos dessa dissertação, traremos um levantamento de
pesquisas sobre práticas docentes na Educação Infantil e sobre as contribuições de casos de
ensino como ferramentas para se pensar em uma formação de professores reflexiva e ativa, com
a articulação entre teoria e prática/prática e teoria, de forma que os processos de construção de
conhecimentos sobre as práticas educativas em música na Educação Infantil irão se traduzir em
reflexões e discussões sobre a docência como um todo.
48

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essa pesquisa insere-se na abordagem qualitativa, pois consideramos ser a que mais se
enquadra para o alcance dos objetivos pretendidos. Günther (2006) traz uma diferenciação entre
pesquisas qualitativas e quantitativas, o que nos faz compreender que, para a pesquisa
qualitativa, a subjetividade está presente com suas características gerais que são: a compreensão
do conhecimento, a construção da realidade e a percepção dessa construção.
Bogdan e Biklen (1994) apontam as características das investigações qualitativas em
educação e como elas são aplicadas. Naquilo que esse estudo pretende contemplar, que é a
reflexão e a análise da prática dos professores de música da Educação Infantil, cabe referenciar
que essa abordagem qualitativa “exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é
trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo.” (BOGDAN e BIKLEN, 1994,
p.49)
Uma das questões que movem essa pesquisa é, primeiramente, identificar como
acontecem as práticas nas aulas de música na Educação Infantil de uma rede municipal do
interior paulista, no programa Sala de Leitura Interativa. Esse programa teve início no ano de
2015, com a proposta de que houvesse, em todas as escolas dessa fase da escolarização, um
professor para atuar, duas vezes na semana, com aulas de Literatura para todas as turmas, e um
professor para aulas de Música, também duas vezes na semana lecionando para todas as turmas,
nos diferentes níveis (idades) da Educação Infantil.
A outra questão é compreender como são as reflexões sobre essas práticas nas aulas de
música. Para isso, foi preciso fazer a seleção dos participantes da pesquisa e optamos por seguir,
como critérios, a escolha de professores que tivessem a participação, no mínimo de três anos
consecutivos, no programa, e que tivessem, como locais de trabalho, escolas próximas à região
Sul do município investigado. Esses critérios foram assim definidos para que a investigação
pudesse atender aos instrumentos definidos para o estudo e ao tempo que destinamos à pesquisa,
já que ficava inviável a pesquisa com grande número de participantes e com longas distâncias
entre as escolas.
Nosso contato inicial com as três participantes se deu por convite pessoal, em um
encontro de formação para todos os professores da rede de ensino. As professoras se
prontificaram a participar da pesquisa e fizemos o agendamento dos dias e horários para o início
da coleta de dados.
49

Iniciamos a pesquisa tendo como primeiros instrumentos de estudo: uma entrevista


semiestruturada, a observação de 6 aulas e o registro em diário de campo. No decorrer do
estudo, adotamos também como instrumento, a elaboração de casos de ensino sobre as práticas
observadas.

3.1 A etapa da entrevista

O instrumento inicial de coleta de dados de nossa pesquisa, após a seleção das três
participantes, foi a entrevista semiestruturada, que começou com a apresentação da
pesquisadora e dos objetivos da pesquisa, em uma conversa com as participantes. Esse contato
inicial foi definido em uma data, pré-agendada com cada uma delas, em local e horário
recomendados pelas próprias participantes, de maneira a não interferir no trabalho e no
descanso das mesmas.
Realizamos a entrevista semiestruturada, para traçar um perfil das participantes e suas
ideias a respeito de sua atuação como professores de música. Essa entrevista foi gravada em
áudio e armazenada em mídia digital. Iniciamos com um pequeno questionário para coletar
informações básicas, como nome, idade, formação, tempo de carreira na docência e tempo de
atuação nas aulas de música na Educação Infantil da rede municipal em que trabalham. Após
essa conversa e anotação das informações, seguimos com a entrevista semiestruturada,
(APÊNDICE II) com o uso de um gravador de voz, autorizado anteriormente pelas
participantes.
Lüdke e André (1986) aponta esse tipo de entrevista como um instrumento importante
no trabalho de pesquisa e afirma que, para que seja válida e fidedigna, o entrevistador:

[...] precisa estar atento não apenas (e não rigidamente, sobretudo) ao roteiro
preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo das interações.
Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não verbais,
hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja
captação é muito importante para a compreensão e validação do que foi
efetivamente dito. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 36).

Com essa definição das autoras, seguimos na elaboração do roteiro o qual utilizamos
para a entrevista, contemplando perguntas que tratassem de assuntos como: a motivação para a
escolha das aulas de música; o planejamento dessas aulas; a reflexão sobre suas ações; os
50

recursos utilizados para o desenvolvimento das aulas e os anseios para continuar como
profissionais.
Para Bogdan e Biklen (1994, p. 134), “a entrevista é utilizada para recolher dados
descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver
intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.”
Como nosso objetivo na pesquisa era identificar a reflexão sobre as práticas das professoras
para as aulas de música na Educação Infantil, durante as entrevistas, utilizamos também um
caderno de registros das reações das professoras, de forma que a fala pudesse ser transcrita pela
gravação e que as impressões, emoções, sentimentos e gestos das participantes pudessem
também ser considerados na análise.
Szymanski (2002, p. 12) aponta que tanto entrevistador quanto os entrevistados levam
consigo suas impressões, crenças e concepções, pois:

quem entrevista tem informações e procura outras, assim como aquele que é
entrevistado também processa um conjunto de conhecimentos e pré-conceitos
sobre o entrevistador, organizando suas respostas para aquela situação. A
intencionalidade do pesquisador vai além da mera busca de informações;
pretende criar uma situação de confiabilidade para que o entrevistado se abra.

Compreendemos, então, que as respostas dadas na entrevista, muitas vezes não


traduzem de forma completa o real pensamento do entrevistado, pois podem ocorrer diversas
interferências do meio. Por essa razão, consideramos que somente a entrevista não seria
suficiente para captar a forma como as professoras participantes refletiam sobre suas práticas.
Após a entrevista, que permitiu uma aproximação entre as participantes e a pesquisadora,
partimos para a etapa da observação das aulas.

3.2 A etapa da observação

Outro instrumento de nossa pesquisa é a observação, a qual acreditamos ser uma fonte
fundamental para alcançarmos os resultados de nosso estudo. Vianna (2003, p.12) destaca a
importância desse instrumento quando aponta que “sem acurada observação, não há ciência”, e
que é pela observação que o pesquisador tem acesso à maior disponibilidade de dados. Vale
ressaltar que a coleta de dados por meio dessa observação demanda maior envolvimento do
51

pesquisador, exigindo planejamento adequado e eficaz registro dos dados.


Adotamos o método da observação participante, que segundo Lüdke e André (1986,
p.28) é uma estratégia em que o pesquisador pode adotar simultaneamente o estudo documental,
entrevistas, a participação direta e a introspecção, com envolvimento, na situação estudada, não
apenas pela observação, mas por todo o conjunto de técnicas metodológicas.
Foi feita a observação de uma sequência de 6 aulas de cada professora, com duração de
50 minutos para cada aula observada, sendo que, em um mesmo dia de pesquisa, observamos 3
aulas, de modo que em dois dias pudéssemos contemplar a sequência de aulas para nossa
pesquisa. Os registros dessas observações foram anotados em diário de campo no qual
constaram nossas impressões e interpretações, registros de falas das professoras, as
características das turmas, espaço físico e estrutura escolar em que as professoras atuavam em
suas aulas de música.
Todos os dados coletados, registros de diário de campo e entrevistas foram transcritos
e, ao final de todas as observações, esses documentos foram entregues às participantes via e-
mail. Cada professora participante recebeu o material referente a suas aulas, tendo, portanto,
acesso apenas às observações e entrevistas de modo individual para leitura. Esse cuidado de
apresentar os registros de forma individualizada buscou, já no início da pesquisa, suscitar uma
postura reflexiva diante das práticas educativas.
Buscamos, em nosso estudo, observar e identificar diversos tipos de interações que
ocorrem nas aulas das professoras participantes da pesquisa. Para isso, optamos pela observação
semiestruturada, que segundo Vianna (2003), ocorre em ambientes naturais, ou seja, a sala de
aula, e que não busca obter dados quantificáveis, mas, sobretudo, considera a possibilidade de
o pesquisador integrar-se à cultura e à realidade dos sujeitos, que, em nosso caso, são as
professoras de música.
Utilizamos, em todos os momentos de observação, um diário de campo, para que
pudessem ser anotadas as percepções da pesquisadora sobre as práticas da professora. Essa foi
a maneira encontrada para descrever tudo o que acontecia no momento da aula, preservando a
sequência em que as interações ocorriam.
Altet (2017, p. 1208) apresenta a abordagem sobre as observações das práticas de ensino
como uma metodologia essencial para retratar como um professor atua e desenvolve seus
objetivos de ensino e aprendizagem dos alunos. De acordo com a autora, é pela observação que
os processos de ensino são identificáveis e a escolha por essa observação como instrumento da
pesquisa é “uma forma de estabelecer relação com o empírico, sendo a escolha inicial a de
alcançar uma inteligibilidade das práticas de ensino tomando por base o que pode ser constatado
52

em situações de ensino-aprendizagem.”
Isso significa que a observação traz ao pesquisador a ampliação das possibilidades de
levantamento de dados complexos, como a reflexão sobre a prática, por exemplo, perseguida
em nossa pesquisa.
Em nosso trabalho, buscamos seguir o que Altet (2017, p.1213) sugere como “modelo
global de observação”, segundo o qual a autora constrói sua prática de observação em torno de
três domínios, conforme quadro a seguir:
Quadro 4: Modelo global de observação.
Domínio 1 Ambiente relacional; Atitudes do professor, gestos, deslocamentos,
Interações não-verbais; envolvimento com os alunos e com o ambiente.
Multimodais.
Domínio 2 Organização e gestão pedagógica do Intervenções pedagógicas, gestão da sala de aula
professor. e das condições de aprendizagem.
Domínio 3 Gestão didático-epistêmica das Construção e estruturação dos saberes, utilização
aprendizagens e dos saberes. de auxílios e suportes para o ensino-
aprendizagem.
Fonte: ALTET, Marguerite. Cadernos de pesquisa. v.47, dez.2017. p.1213
O quadro nos apresenta um modelo de como proceder na observação das práticas de
nossa pesquisa, guiando nosso olhar para uma observação consistente que pudesse nos oferecer
os dados necessários para as análises das reflexões sobre as práticas.
No domínio 1, observamos as atitudes das professoras e a maneira como se portavam
em aula. Tudo o que acontecia, durante a observação, era anotado em nosso caderno de campo,
desde as expressões e reações das professoras diante das crianças, as emoções não- verbais que
pudemos observar, até a maneira como as professoras demonstravam o interesse pelas
interações.
No domínio 2, focamos nosso olhar na maneira com que as professoras organizavam e
geriam a sala de aula. Nessa fase da observação, ficaram evidentes dados como: se as
professoras organizavam as turmas em grupos, em rodas, em mesas, em ambientes externos e
quais materiais eram disponibilizados, ou seja, quais as formas de organização as professoras
buscavam para cada aula.
O domínio 3 foi quando buscamos centrar nosso olhar para as questões dos saberes
docentes das professoras participantes da pesquisa, de forma que foi possível observar a
construção dos saberes dessas professoras nas situações de ensino-aprendizagem e na gestão
didática da condução das aulas de música na Educação Infantil. Observamos, nesse domínio,
os saberes, sejam eles docentes ou musicais, que as professoras demonstravam no momento da
53

aula.
Essa observação possibilita na pesquisa a aproximação mais fiel à reflexão que o
professor faz sobre sua prática, pois, por meio dela, muitos aspectos, que não são levantados na
fala, no momento de entrevista, são evidenciados via observação, assim como também é comum
que muito do que o professor disse em sua entrevista fique constatado no momento de
observação de sua prática. Dessa forma, optamos por direcionar nossa pesquisa iniciando com
a entrevista, passando, na sequência, para a observação da prática para que, assim, pudéssemos
recorrer ao próximo passo do trabalho, que foram as elaborações dos casos de ensino,
instrumento esse que apresentaremos a seguir.

3.3 A etapa da elaboração de casos de ensino como instrumentos de reflexão sobre a


prática

A etapa seguinte foi a elaboração de um caso de ensino pelas professoras participantes.


As professoras puderam revisitar suas práticas, registradas a partir do olhar de alguém que está
distante dos trabalhos por elas realizados (a pesquisadora). Houve um encontro no qual a
pesquisadora apresentou a metodologia dos casos de ensino, o que são e como são escritos. Para
isso, utilizamos um caso como exemplo, retirado de Weisz (2002) (Anexo III), cuja história
apresentada é uma atividade frequente na rotina de professores da Educação Infantil e dos anos
iniciais. O objetivo dessa apresentação foi oferecer às participantes da pesquisa um modelo e
algumas sugestões sobre como poderiam partir para a escrita de seus próprios casos de ensino.
Após esse encontro, o caso utilizado como exemplo foi enviado para as professoras via
e-mail, juntamente com um documento de orientação para a elaboração de casos de ensino
(Apêndice III), que pudesse servir como um guia para a escrita das professoras.
Nóvoa (2009) traz uma das principais discussões que trata sobre a reinvenção dos
sistemas de ensino de professores. Trata-se de uma reforma na formação inicial, que contemple
a prática e que garanta que os professores estejam preparados para atuar com sucesso em sua
carreira docente. Busca-se, com isso, maior atenção aos professores, de tal forma que esses
estejam preparados para atuar e agir em sala de aula, conduzindo a aprendizagem dos alunos e
compreendendo e vencendo os desafios escolares da contemporaneidade.
Diante dessa perspectiva de formação de professores construída com uma visão sobre
as práticas educativas, uma metodologia que vêm ganhando espaço nas discussões sobre essa
54

reforma educacional na formação docente são os casos de ensino.


Mundialmente, os casos de ensino têm se tornado populares como material didático em
áreas como medicina, direito e negócios. Na área da educação, pesquisadores como Shulman
(2014) e Merseth (2018) destacam a origem da utilização de casos de ensino como ferramentas
metodológicas na formação de professores. No Brasil, Mizukami (2000) defende que os casos
de ensino se mostram importantes ferramentas para alcançar o sucesso na formação de
professores.
Dessa forma, observamos que a literatura acadêmica tem apresentado atenção
significativa para a temática dos casos de ensino como possibilidades e instrumentos de grandes
resultados para a formação de professores, seja na formação inicial ou na formação continuada.
No nosso país, também diversas pesquisas têm sido elaboradas, trazendo análises e
contribuições que refletem urgência no debate e discussão sobre a formação dos professores
construída a partir da prática. A respeito disso, Mizukami (2000, p. 153) apresenta que um caso
de ensino é considerado:

[...] uma instância da prática e não um modelo a ser imitado; exemplifica não
só como a aula foi conduzida, mas também qual era a problemática do
desempenho. Possibilita reinterpretações e múltiplas representações. É
instrumento pedagógico que pode ser usado para ajudar os professores na
prática de processos de análise, resolução de problemas e tomadas de decisões,
entre outros processos profissionais básicos. Os casos sobre o ensino são
importantes para o desenvolvimento de estruturas de conhecimento que
capacitem os professores a reconhecer eventos novos, a compreendê-los e a
delinear formas sensíveis e educativas de ação.

Utilizar um caso de ensino como instrumento reflexivo e formativo proporciona ao


professor acessar suas bases de conhecimento sobre a docência (SHULMAN, 2014) para
solucionar uma situação e encontrar respostas práticas para uma ação real, de forma a evidenciar
o pensamento desse professor, suas crenças, seus sentidos e significados sobre aquilo que faz.
Ao voltarmos nossos olhares para essa perspectiva de estudo, buscamos, nos bancos de
dados científicos, materiais que pudessem permitir aprofundamento no tema para, então,
propormos em nosso trabalho de Dissertação de Mestrado, a construção de casos de ensino em
conjunto com professores de música, participantes da pesquisa. Essa criação do caso de ensino,
conforme já mostramos nesse estudo, deve partir da análise que as participantes fazem a partir
do material oriundo da observação de suas aulas, registrado pela pesquisadora. O objetivo é
fornecer meios para favorecer a reflexão das envolvidas, e de outros professores de música,
sobre a própria prática na Educação Infantil.
55

Para tanto, buscamos, em repositórios e sites de pesquisas, publicações acadêmicas,


artigos, teses e dissertações que trouxessem o tema dos casos de ensino. Dentre os trabalhos
analisados, foram selecionados sete artigos, duas dissertações e duas teses, para maior
aprofundamento. Percebemos, ao longo da leitura dos materiais, certa reiteração temática das
autoras nos trabalhos selecionados, alguns deles até escritos em conjunto, indicando-nos, dessa
forma, os caminhos e a constância na pesquisa acadêmica com casos de ensino. Acreditamos
que, de certa forma, isso se justifica pelo fato de ser uma metodologia de trabalho nova no
cenário da educação brasileira.
Destacamos, dentre os trabalhos pesquisados, os estudos de Nono e Mizukami (2002,
2002a), Mizukami (2004), Nono (2005), Domingues (2007), Rocha (2012), Rodrigues et. al.
(2017), os quais abordam os casos de ensino como ferramentas formativas para professores,
sejam iniciantes ou em permanência na atividade docente, conforme se verifica no quadro a
seguir:
Quadro 5: Revisão de literatura sobre casos de ensino.

Título: Autor: Ano:

Possibilidades formativas e investigativas de casos de ensino Maévi A. Nono, 2002


Maria da Graça N. Mizukami

Casos de ensino e processos de aprendizagem profissional docente Maévi A. Nono, 2002


Maria da Graça N. Mizukami

Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L.S. Maria da Graça N. Mizukami 2004


Shulman

Casos de ensino e professoras iniciantes Maévi A. Nono 2005

Os casos de ensino como “potenciais reflexivos” no Isa Mara C. S. Domingues 2007


desenvolvimento profissional dos professores da escola pública

Casos de ensino como possibilidades de reflexão sobre a docência Simone A. Rocha 2012
na pós-graduação

Casos de ensino na formação de professores: quando a narrativa de Adria M. R. Rodrigues, 2017


uma adolescente provoca a reflexão/formação Maria da Graça N. Mizukami
Fonte: Pesquisa em bancos de dados de trabalhos acadêmicos CAPES. Elaborado pela pesquisadora.
O quadro 5 apresenta os títulos e autores dos trabalhos que selecionamos para embasar
nosso estudo, bem como o ano de suas publicações, que vão desde o ano de 2002 até o ano em
que iniciamos nossa pesquisa.
Em todos os trabalhos analisados, percebemos o quanto os casos de ensino podem
revelar sentimentos, interações e pensamentos dos professores no momento de sua elaboração,
e o quanto suas análises entre os pares resultaram trocas de experiências significativas e
proveitosas.
56

Para Nono e Mizukami (2002, p. 124), os casos:

Provocam o desenvolvimento de uma prática reflexiva em torno da profissão.


Podem ser encarados como instrumentos de valorização da docência, na
medida em que retratam as professoras como profissionais dispostas a pensar
sobre seu ensino, construir conhecimentos durante sua atuação, rever e
retomar suas práticas para garantir a aprendizagem das crianças.

Percebemos, então, a importância de buscarmos, como recurso metodológico de nossa


pesquisa, um trabalho com casos de ensino desenvolvidos pelas professoras de música,
participantes do nosso estudo. Essa escolha metodológica deu-se em função de as profissionais
estarem iniciando em uma nova prática educativa – o ensino sistemático de música para crianças
em idade pré-escolar – e pelo fato de a música ser uma disciplina que recentemente voltou a
fazer parte dos conteúdos obrigatórios da Educação Básica, mediante implementação das leis
11.769/08 e 13.278 de 2016, as quais definem que, não somente a música, mas todas as
expressões artísticas, como dança, teatro e artes visuais, devem fazer parte dos currículos da
educação nacional.
Nos trabalhos analisados, sejam artigos, dissertações ou teses, percebemos que há um
movimento de repercussão acerca da eficácia da utilização dos casos de ensino como ferramenta
formativa de professores e que, embora ainda recente na área da Educação, essa metodologia
conforme já dissemos outrora, já vem sendo utilizada em diversas áreas, como na saúde, no
direito, na administração, entre outras. De certa forma, ainda que o pioneirismo dessa
metodologia não seja na educação, acreditamos que seu uso para a reflexão de professores tende
a tornar esses profissionais de docência mais reflexivos e ávidos para compreender suas ações
pedagógicas, bem como o dinamismo e a inconstância que marcam o processo de
ensino/aprendizagem.
Em função desse levantamento realizado sobre as pesquisas acerca dos casos de ensino,
afirmamos que utilizar casos de ensino na área da educação é algo que já podemos compreender
como um caminho percorrido em trabalhos científicos, sendo, portanto, ricas fontes para
compreensão e estruturação dessa metodologia. Nono e Mizukami (2002, p. 119) detalham a
forma para a utilização de casos de ensino:

Casos podem ser examinados e/ou elaborados por professores/futuros


professores. Podem fundamentar reflexões individuais e/ou coletivas acerca
de aspectos diversos relativos ao ensino e aprendizagem. [...] Nessa
metodologia inicialmente os professores examinam casos existentes para
poderem compreender o que é um caso de ensino. Em seguida, um conjunto
de atividades orienta a elaboração de casos pelos próprios professores. [...] Em
um momento final, os casos elaborados são discutidos entre os professores.
57

Segundo Merseth (2018), os casos, quando discutidos em grupo de professores,


oferecem possibilidades de ampliar as ideias sobre as experiências de cada docente que
participa da atividade coletiva, suas aplicações, suas falhas, acertos, interpretações, buscando
melhorias constantes, trazendo sugestões e construindo novas ideias. Isso possibilita um ciclo
reflexivo sobre a prática, como Shulman (2014) apresenta quando discute a construção de uma
base de conhecimentos para a docência, em que o professor tem uma compreensão, a
transforma, passa para a instrução, avalia seu desempenho, reflete e obtém novas compreensões.
Domingues (2007) destacou em sua pesquisa que os casos de ensino, como instrumento
metodológico para a compreensão do desenvolvimento profissional de professoras de escola
pública, apresentaram-se como:

[...] potencial reflexivo que ajudou as professoras a tomarem consciência das


suas práticas e das teorias que as embasam e, dessa forma, refletirem sobre
elas, minimizando a distância e/ou a ruptura entre a reflexão e a ação.
Pensando numa formação condizente com a epistemologia da prática, que
tenha como base a reflexão da própria ação, comungamos com a ideia de que
os currículos dos cursos de formação devam incluir esse componente prático.
(DOMINGUES, 2007 p. 100)

Essa conclusão, que a autora nos apresenta, destaca a importância do trabalho com os
casos de ensino no momento da formação docente e ao longo do exercício diário de ensinar em
sala de aula, uma vez que eles podem trazer resultados práticos e significativos para o trabalho
das professoras. Ainda segundo Domingues (2007), os casos de ensino proporcionaram o
estabelecimento de vínculos das professoras com suas práticas narradas nos casos,
aproximando-as como sujeitos da investigação das situações de ensino, o que não é tão
proporcionado por textos científicos, os quais, muitas vezes, são considerados distantes da
realidade. Trabalhar com casos de ensino, conforme se observou na pesquisa de Domingues
(2007), tornou as professoras mais engajadas nas questões de ensino e aprendizagem que
emergiram de suas próprias práticas.
Merseth (2018) recentemente colaborou e coordenou uma pesquisa que culminou com
a elaboração de um livro – publicado no Brasil e organizado pelo Instituto Península – cujo
título é: “Desafios reais do cotidiano escolar brasileiro – 22 dilemas vividos por diretores,
coordenadores e professores em escolas de todo o Brasil”. Na introdução dessa obra, fica clara
a visão geral das pesquisas que já estão sendo desenvolvidas em todo o mundo a respeito de
casos de ensino para a formação de professores. Para a autora:
58

[...]a aprendizagem baseada em casos ajuda os profissionais a desenvolverem


as habilidades de diagnosticar problemas, reconhecer múltiplas influências e
perspectivas e se envolver no exercício de sugerir e analisar possíveis
soluções. As discussões de casos oferecem aos participantes um ambiente de
investigação seguro para “experimentar” novas ideias e abordagens, sem a
preocupação de que a aplicação de suas ideias não funcione, e a oportunidade
de construir uma compreensão ao ouvir as interpretações e sugestões dos
outros. (MERSETH, 2018, p. 13)

Além dessa obra, há outros autores que já vêm trabalhando com a metodologia dos casos
de ensino no contexto brasileiro e apresentam suas contribuições. É o caso de Rocha (2012, p.
165) que destaca que foram identificados avanços na formação de professores com o uso de
casos de ensino, pois eles ampliam as reflexões sobre a teoria articulada à prática, tornando
possível revisitar trajetórias e eventos na formação docente,
Rodrigues et. al. (2017, p. 22) utiliza casos de ensino por meio da narrativa de uma
adolescente, a fim de provocar reflexões em professores de uma escola pública. Um dos
destaques para a análise dessa pesquisa é o fato que “o que caracteriza um caso e o distingue de
outras diferentes narrativas são as questões reflexivas e indagadoras colocadas ao final da
leitura.” A nosso ver, são, essas indagações, os instrumentos fundamentais para o processo de
formação dos professores que participam da discussão dos casos.
Ainda sobre a pesquisa de Rodrigues et. al. (2017), a adolescente narra um fato
denominado “Minha História Verdadeira”, em que apresenta suas características pessoais,
como gostos, preferências, idade, situação familiar, cultura e a realidade em que está inserida;
além disso, relata como a escola e o ensino se relacionam com sua vida. A intenção dessa
pesquisa era investir na possibilidade de melhoria da situação escolar de insucesso, além de
fazer com que a narrativa pudesse se tornar a propulsora de formação da professora de Língua
Portuguesa da própria adolescente. Nas discussões desse caso específico de ensino, a professora
envolvida refletiu sobre os conhecimentos necessários à docência, destacando a importância de
conhecer os processos sistemáticos de alfabetização, mas também conhecer a realidade e os
contextos dos alunos, ter equilíbrio emocional, ter embasamentos teóricos e saber lidar com as
emoções dos alunos.
Merseth (2018, p. 15) orienta que, para a discussão entre os participantes de casos de
ensino, é essencial o preparo, a leitura e a reflexão sobre as questões iniciais, para se conhecer
a história ali apresentada, devendo, cada participante, “envolver-se com o material e estar
pronto para compartilhar ideias, premissas e reflexões.” Para a autora, o trabalho com os casos
de ensino deve respeitar algumas características:
59

Suas características incluem o respeito por diferentes pontos de vista, ideias e


interpretações e a capacidade de ouvir, que é tão importante quanto falar. Além
disso, uma comunidade de aprendizagem produtiva é aquela em que todos se
baseiam nas contribuições dos outros para criar um entendimento mais
profundo e robusto dos casos. [...] os participantes têm de refletir
individualmente sobre o que ouviram e o que aprenderam. Às vezes isso é
essencial para começar a entender por que uma perspectiva foi negligenciada
e alguns fatores que antes pareciam sem importância agora precisam ser
considerados. Ao longo de todo o processo, os participantes devem tentar
refletir, além de estar sensíveis ao exterior. Aprender com o método de casos
pode ser uma forma extremamente poderosa e agradável de adquirir novos
conhecimentos e crescer como profissional. (MERSETH, 2018, p. 15)

Considerando as pesquisas e pesquisadores que utilizam casos de ensino como


potenciais instrumentos para a reflexão da docência, acreditamos que nossa pesquisa pode
contribuir na busca pela formação de professores, a qual se realiza na prática significativa, o
que, no contexto da educação musical, ainda é um campo novo de pesquisas.

3.4 Procedimentos para coleta e análise de dados

Por utilizar seres humanos para a coleta de dados, a pesquisa foi submetida ao Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté (CEP-UNITAU), que tem a finalidade maior
de defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade, contribuindo
para o uso seguro e adequado dos dados no desenvolvimento da pesquisa.
Apresentamos um Ofício (Anexo I) para a Secretaria de Educação do município
pesquisado, juntamente com o Termo de Autorização da Instituição (Anexo II) para que
tomassem conhecimento da pesquisa e autorizassem seu desenvolvimento. Um outro termo, de
Consentimento Livre e Esclarecido, (Apêndice I) foi entregue às professoras que aceitaram
participar do estudo, sendo-lhes garantido o sigilo de sua identidade, bem como assegurada sua
saída do presente estudo, se assim desejassem, a qualquer tempo.
Após as professoras participantes da pesquisa terem sido selecionadas e terem assinado
os Termos de Consentimento, iniciamos a primeira etapa para recolhimento dos dados, com
uma entrevista semiestruturada, cuja finalidade foi compreender as reflexões dessas professoras
sobre o ensino de música na Educação Infantil. Em seguida, partimos para a observação de uma
sequência de 6 aulas com registros em diários de campo.
O próximo passo do trabalho foi a realização de uma orientação às participantes do
estudo sobre a abordagem dos casos de ensino e como eles podem contribuir para a reflexão
60

sobre as práticas e para o enriquecimento da formação profissional de professores. Fizemos um


encontro, para explicação da metodologia, quando foram descritos os objetivos, os
procedimentos e as orientações para a elaboração de um caso de ensino. Também foi destacado
um caso de ensino como exemplo, para que as participantes pudessem compreender as
finalidades e a forma escrita de um caso de ensino. O caso escolhido foi: “A gata borralheira,
A cinderela e o Sapatinho Dourado” retirado do livro de Telma Weisz (2002) (Anexo III),
conforme já citado anteriormente na metodologia.
Utilizamos nomes fictícios para cada professora participante da pesquisa, bem como
para qualquer outro nome que venha a aparecer nas entrevistas ou no decorrer do estudo, como
de estagiárias, equipe gestora, pais ou dos próprios alunos. As informações armazenadas no
formato digital serão mantidas sob a guarda da pesquisadora por um período de cinco anos,
segundo critérios estabelecidos para pesquisas em nível de mestrado e doutorado, sendo então
inutilizadas após esse período.
Analisamos os dados à luz das categorias propostas por Bardin (2009, p. 125), em que,
inicialmente, buscamos organizar o material coletado em uma pré-análise. Seguimos as etapas
sugeridas pela autora, como a leitura “flutuante”, procurando, por meio do contato com as
transcrições das entrevistas e do diário de campo, obter nossas impressões e primeiras hipóteses.
A escolha dos trechos de entrevistas, que apresentamos nesse estudo, foi feita de acordo
com a pertinência, de modo a relacionar-se com os objetivos de nossa pesquisa. Posteriormente,
iniciamos a codificação dos materiais escolhidos, utilizando, como unidade de registro, o tema
que, para Bardin (2009, p. 135), é considerada como umas nas unidades mais utilizadas. Essa
unidade consiste em “descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja
presença, ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico
escolhido.”
Após a codificação, fomos para a etapa seguinte que foi a da categorização dos
elementos, dividindo-os em três temas principais, os quais surgiram a partir das perguntas que
elaboramos para a entrevista e que abordavam, nas respostas dadas, pontos em comum, para,
assim, fazermos a análise proposicional do discurso. Esse tipo de análise, segundo Bardin
(2009, p. 235), consiste em “identificar o universo de referências dos agentes sociais”. Desse
modo, o material de nosso estudo, tanto as transcrições das entrevistas, como o registro de diário
de campo, foram analisadas em conjunto, organizados em três temas que são: o perfil e trajetória
das professoras; práticas em educação musical: o lúdico e o uso das tecnologias como recurso
didático; e a percepção sobre a aprendizagem das crianças na aula de música, os quais serão
analisados e discutidos na seção seguinte.
61

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: REFLEXÕES DOCENTES E PRÁTICAS


EM EDUCAÇÃO MUSICAL

Refletir sobre a prática é algo constante na vida de todo professor, já que, mesmo que
não haja intencionalidade, o professor reflete sobre a ação. Essa reflexão ocorre: no momento
de preparar as atividades didáticas para o dia; quando procura os pares para conversar sobre
determinada atividade ou aluno; quando busca outras maneiras de fazer com que o
conhecimento chegue ao aluno; quando está desenvolvendo sua aula, no momento de atuação
e ao final de sua ação; quando pensa uma atividade diferente nos dias de chuva ou calor em
excesso ou quando chega para uma aula e a turma está agitada ou sonolenta, entre outras atitudes
reflexivas, das quais, por muitas vezes, o professor não se dá conta.
Nossa intenção é trazer à tona os dados evidenciados quando há a intenção de refletir,
buscando, no pensamento verbalizado pelas professoras, os pontos de análise e reflexão de suas
práticas. Uma das maneiras que utilizamos para isso foi a entrevista, em que as professoras
apresentaram na fala aquilo que acreditam e refletem. O passo seguinte foi o da observação, em
que buscamos compreender, por meio da prática dessas professoras em sala de aula, as reflexões
que ocorrem. Posteriormente, propusemos a elaboração e discussão de casos de ensino que
servem para destacar e ratificar, ou até mesmo retificar, as ações reflexivas, de modo que
possam emergir novas reflexões por parte das professoras participantes.
Apresentamos, a seguir, os três temas de análise de nossa pesquisa, que trazem: a
trajetória profissional e formativa das professoras; as práticas que elas desenvolvem nas aulas
de música, com o uso dos recursos didáticos disponíveis; e suas percepções sobre a
aprendizagem das crianças nas aulas de música.

4.1 Trajetória formativa e profissional das professoras participantes

Em nossa primeira etapa, para entrevista de verificação de perfil das professoras,


levantamos algumas questões iniciais: como idade, formação, tempo de magistério e tempo de
atuação na Educação Infantil.
Com o intuito de orientar a leitura dos resultados de forma mais clara, usaremos nomes
62

fictícios para cada professora: Ana, Beatriz e Cecília, com a descrição de perfil segundo quadro
abaixo:
Quadro 6: Perfil das participantes da pesquisa medida em anos.

Nome Idade Tempo de magistério Tempo na educação


infantil

Ana 44 11 5

Cecília 38 19 12

Beatriz 29 9 8
Fonte: Dados das entrevistas com as professoras. Elaborado pela pesquisadora.
A professora Ana tem 44 anos de idade, 11 anos de magistério, sendo 5 anos de atuação
na Educação Infantil. A professora Cecília tem 38 anos de idade, 19 anos de carreira no
magistério, sendo 12 anos na Educação Infantil. A professora Beatriz é a mais jovem, com 29
anos de idade, 9 anos de carreira docente sendo 8 como professora na Educação Infantil. Todas
estão atuando nas aulas de música da Educação Infantil há 3 anos consecutivos, ou seja, desde
o início da implantação do projeto na rede municipal onde realizamos esse estudo. As três são
formadas em Pedagogia e possuem Especialização – cursos de pós-graduação em nível de latu
sensu – em diferentes áreas da educação. A professora Ana é especialista em Psicopedagogia,
a professora Cecília possui MBA em Gestão Escolar e a professora Beatriz é especialista em
Educação Infantil, cursando também especialização em Educação Musical.
Quando questionamos sobre a presença da música na formação inicial, nenhuma
professora disse que foram contemplados, de forma significativa e sistemática, conhecimentos
em música nos seus cursos de formação em Pedagogia. Por outro lado, as três professoras têm
conhecimentos musicais, pois tocam diferentes instrumentos: a Professora Ana toca ukulelê
(instrumento de corda de origem havaiana), a professora Beatriz toca teclado e violão e a
professora Cecília toca ukulelê e violão. Para essas professoras, a aquisição de conhecimentos
musicais se deu por procura e interesses próprios, em cursos particulares e nas igrejas, de
maneira informal. Todavia, todas afirmam que essa formação popular e pessoalizada fez parte
significativa na construção de suas identidades.

[...] eu já to na área assim, na igreja, já cantava, já conhecia um pouquinho de


instrumento, sempre tive interesse por essa área, canto já faz um tempo. Não
tenho a formação com diploma, mas tenho um conhecimento por buscar por
fora mesmo. (Prof.ª Beatriz)

Comecei a fazer teoria musical aos 7 anos na igreja e venho me aprimorando


né, a medida do tempo. (Prof.ª Cecília)
63

Eu tenho uma família toda musical, meu pai toca, meu filho, minha família
toda toca, mas é mais na igreja mesmo, que eu participo de alguma coisa.
(Prof.ª Ana)

Loureiro (2003) aponta que, quando olhamos para a história da educação musical,
vemos que um marco foi a Reforma Protestante, na qual Martinho Lutero defendia a
necessidade de escolarização do povo, insistindo na criação de escolas protestantes, onde, por
ter grande importância nos cultos religiosos, a música ocupava lugar de destaque nos programas
de ensino. Em reação à difusão dor Protestantismo, a Igreja Católica também adotou algumas
medidas e uma delas foi a criação da ordem dos jesuítas, que utilizavam a música como um dos
principais recursos no processo de escolarização e catequização. Esse histórico chega também
ao Brasil e traz grande influência até os dias de hoje, pois a igreja é, muitas vezes, a principal
instituição onde o fazer e o aprender música se dá como formação pessoal, já que a música
ainda tem papel de destaque nas celebrações religiosas, influenciando o interesse na
aprendizagem de um instrumento ou do canto. É exatamente o que se observa no relato das
professoras de nossa pesquisa.
Uma visão histórica da música, porém livre das finalidades religiosas, surge com os
estudos de Pestalozzi e Froebel, como vimos em capítulos anteriores. Loureiro (2013, p.41)
também apresenta que esses estudos traziam a ênfase no processo de construção do ser humano,
com uma educação musical mais voltada para a prática e tendo recursos e materiais didáticos,
os quais viabilizassem o aprendizado.
Brito (2003, p. 35) destaca que trazer a música para se trabalhar na escola exige
prioritariamente a “formação musical pessoal” por parte do professor, bem como sua percepção
aguçada para permanecer atento ao modo de desenvolvimento das crianças, suas percepções e
expressões musicais.
As professoras de nossa pesquisa estão numa fase do desenvolvimento profissional, que
já não é mais da iniciação na docência, todas possuem experiência de magistério entre 9 e 18
anos, o que Day (2001, p.105), com base em Huberman (1995), coloca como sendo o meio do
ciclo de carreira, variando entre 7 a 18 anos de atividade docente. Ainda segundo o autor, essa
é uma fase em que muitos professores estão em busca de novos desafios no campo profissional.
Marcelo (2009) traz para a discussão os conceitos de desenvolvimento profissional
docente e inicia seus apontamentos destacando que esse é um processo que pode ser individual
e coletivo. De toda forma, é um momento que contribui para o desenvolvimento das
competências profissionais, por essa razão, torna-se um elemento importante para pensarmos
os processos de reflexão sobre a prática das professoras de música na Educação Infantil,
64

intentos dessa pesquisa.


A reflexão sobre as práticas, uma das competências de acordo com Perrenoud (2000),
ou sabedoria da prática, para Nóvoa (2009), é uma discussão que, como já apresentado nesse
trabalho, faz parte das reformas educativas, as quais ao longo do tempo são discutidas por
estudiosos, como os autores citados acima, juntamente com Tardif (2014), Schön (1992),
Imbernón (2009), Shulman (2014). Todo esse arcabouço teórico leva-nos a compreender que é
na reflexão sobre a prática e na formação dos professores com olhar para essa reflexão, que
teremos a iniciação na carreira e o desenvolvimento docente construídos dentro da profissão.
Percebemos que, nas falas das professoras na entrevista, estão presentes elementos os
quais nos remetem ao porquê da escolha pelo trabalho com aulas de música na Educação Infantil
e como esse ofício tem impactado suas vidas profissionalmente. Os relatos das docentes
revelam recorrentes falas que traziam a palavra “desafio”, sendo, esse desafio, o trabalho com
a música, utilizada de modo a indicar a posição de que foi algo buscado por elas, algo que as
motivou de alguma maneira para o trabalho:

Eu gostei muito da proposta, aí eu falei, ah, vamos aceitar o desafio. Eu aceitei


o desafio e agora eu gostei muito.[...] é uma proposta diferente pra gente ter
conhecimento. Eu me propus a fazer a acabei me descobrindo como professora
de música, coisa que eu jamais imaginava que um dia eu ia fazer na vida.
(Prof.ª Ana)

Ser professora de música é um desafio todo dia, porque também a gente


sempre tem que estar preparando algo novo pra eles (alunos), pois eles
esperam da gente que vai vir alguma coisa nova toda aula, isso faz com que a
gente se renove a cada dia (Prof.ª Cecília)

Foi um desafio, mas eu vejo que eu cresci junto com o projeto. Quando
começou eu era uma pessoa, hoje eu sou outra pessoa, hoje me sinto mais
capaz do que no início, eu estudei né, nesse tempo todo a gente vai estudando,
vai vendo materiais sobre o assunto, se aprofundando na prática, então hoje eu
vejo que a minha prática é muito melhor do que no início, pela própria prática
que acaba nos ensinando. (Prof.ª Beatriz)

Descobrir-se na profissão e renovar-se a cada dia são palavras-chave para pensar no


processo de desenvolvimento da docência. Marcelo (2009, p. 7) aponta que o desenvolvimento
profissional dos professores é a “construção do eu profissional” que vai evoluindo ao longo da
carreira, com as experiências, situações e contextos, os quais podem ter influência da escola,
programas políticos ou educacionais ou influência pessoal, com as crenças e valores de cada
docente.
Seguindo no detalhamento dos dados levantados em nossa pesquisa, daremos
continuidade à exposição dos outros dois temas, definidos no início da análise de dados desse
65

estudo, elucidando ao leitor aquilo que se apurou sobre as práticas em educação musical: o
lúdico e o uso das tecnologias e a percepção sobre as aprendizagens das crianças na aula de
música. Com o intuito de orientar e facilitar a leitura e compreensão de nossas ideias,
apresentaremos, ainda, a construção dos casos de ensino, unindo o desenvolvimento
profissional por meio dos desafios e experimentações nas categorias que aqui apresentamos.

4.2 Práticas em educação musical: o lúdico e o uso das tecnologias como recursos
didáticos

Abordaremos, nesta seção de nosso trabalho, práticas desenvolvidas pelas professoras


participantes, bem como o que essas práticas trazem de elementos para pensarmos na reflexão
docente de cada uma delas. Buscamos, com isso, identificar e ampliar o repertório para o leitor,
evidenciando essas práticas à luz do referencial teórico que utilizamos nessa dissertação.
Pensar a aprendizagem na Educação Infantil com a perspectiva da brincadeira é uma
discussão que vem ganhando cada vez mais espaço, sobretudo na perspectiva do olhar para a
criança como um “ser brincante” (BRITO, 2008, p. 35) que faz música na brincadeira, assim
como, por meio delas, se relaciona com tudo a sua volta.
A segunda versão da BNCC (BRASIL, 2017) apresenta em seu texto, referente à
Educação Infantil, os direitos de aprendizagem das crianças em idade entre 0 e 5 anos e 11
meses, os quais são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Esses
direitos são a base de toda a construção das expectativas de aprendizagem para essa faixa etária.
No nosso entender, a aula de música também é um momento para que sejam garantidos todos
esses direitos de aprendizagem, já que permitem situações educativas nas quais as crianças são
estimuladas a criar e vivenciar diferentes emoções.
Percebemos que as três professoras falam sobre esses direitos e defendem de forma
convicta a importância da brincadeira e das interações para a aprendizagem significativa dos
seus alunos, valendo-se dos elementos que trabalham em música. Em suas rotinas, essas
docentes procuram contemplar situações como:
• Acolhida das crianças de forma carinhosa e responsiva;
• Aquecimento vocal e corporal;
• Uso de instrumentos musicais como brinquedo;
66

• Atividades que integram a música com movimentos corporais e danças,


explorando os espaços disponíveis;
• Utilização de brinquedos e materiais não estruturados para atividades musicais;
• Percepção de timbres diversos;
• Brincadeiras de roda;
• Caixas surpresa para adivinhar canções ou instrumentos musicais;
• Apreciação musical por meio de vídeos.
Em nossa pesquisa, destacamos nessa seção, as falas e registros de observações que nos
levam a compreender como as professoras se colocam frente a essa perspectiva do lúdico como
recurso didático. Isso ocorre, por exemplo, quando a professora Beatriz fala sobre o uso de
“mascotes” em sala de aula: “Cada dia eu levo um mascote, daí eles dão um nome, ah, esse
mascote fala grave, essa mascote fala agudo[...]”. (BEATRIZ)
Nos registros de observação de nossa pesquisa (diário de campo), apontamos que essa
fala da professora é confirmada por sua ação em sala. Durante a observação de suas aulas,
pudemos compreender mais claramente do que se tratava esse “mascote”: é um objeto sonoro,
que, a cada aula, é diferente. Nos dias em que tivemos a oportunidade de acompanhar as
atividades da professora, foram utilizados: um apito, um par de clavas e um chocalho:

[...] a professora senta-se em frente ao teclado e pega duas clavas de madeira.


Inicia fazendo um som com as clavas imitando o trotar de um cavalo e pede
que as crianças tentem imitar com estalos de língua. Diz: Vamos acordar o
cavalo? E faz uma espécie de história em que o cavalo tem que acordar, então
precisa de despertador. A professora deixa as clavas de lado e começa no
teclado a fazer uma sequência de acordes, as crianças fazem o aquecimento
vocal em “TRRR” seguindo a sequência harmônica do teclado.” (DIÁRIO DE
CAMPO, Observação de aula da professora Beatriz)

Nessa atividade, percebemos a brincadeira e o envolvimento da professora com a


proposta de fazer um aquecimento vocal de forma lúdica, utilizando a fantasia para fomentar
nas crianças a produção de diferentes sons, de forma que o aquecimento fosse vivenciado
naturalmente. Podemos aqui fazer referência às metodologias ativas em educação musical, do
século XX, chamadas de “primeira geração”, quando Fonterrada (2008, p.177) aponta que “é
pela vivência que a criança se aproxima da música”. Assim, quando a criança, em seus
primeiros exercícios na aula de música, já se envolve em uma história, por meio de uma
proposta lúdica, estará mais propícia a ampliar a aprendizagem dos conhecimentos específicos
da música.
Em nossas observações, pudemos verificar que a professora Beatriz tem suas aulas
67

organizadas em uma rotina já pré-estabelecida, pois, mesmo com temas diferentes, as maneiras
de começar e terminar a aula seguem os mesmos procedimentos. A exemplo disso, detalhamos
aqui os registros concernentes a nossa primeira aula observada, a partir da qual registramos, no
diário de campo, a seguinte prática:

[...] a professora, depois de 15 minutos para receber as crianças em sala, faz


um momento de relaxamento com movimentos corporais, demonstrando
como as crianças devem fazer, tudo ao som de uma música de ninar, com sons
em estilo caixinha de música. (Diário de Campo, registro da 1ª aula da profª
Beatriz)

Esse foi o início dos nossos registros, na primeira aula observada dessa professora, aula
essa que teve duração de 50 minutos. Notamos que foi a primeira aula do período e, por esse
motivo, a professora inicia as atividades programadas após os 15 minutos iniciais, já que, nesse
tempo, recebe as crianças trazidas pelos pais, para o início das aulas. Entendemos como
fundamental para o processo pedagógico essa ação da professora na acolhida das crianças e
aproximação com as famílias, recebendo-os na porta da sala.
Apresentamos, agora, o registro da observação da segunda aula, que já não tem o
período de acolhida junto às famílias, pois as crianças já estavam na escola. Entretanto, a
professora mantém uma estrutura no início da aula similar ao que fez na aula anterior,
realizando as mesmas ações, quando as crianças chegam à sala de música, trazidas por suas
professoras de sala regular.

As crianças entram e logo começa a música de relaxamento, fazendo


movimentos corporais com as crianças em pé. Este procedimento a professora
faz igual ao da primeira turma, mas não há um momento de acolhida
primeiramente, as crianças já entram na sala fazendo a atividade. (Diário de
campo - observação de aula da prof.ª Beatriz)

Percebemos que a professora mantém um planejamento da rotina da aula estruturado,


iniciando-a sempre da mesma maneira e fazendo, junto com as crianças, as atividades previstas.
Shulman (2014) defende, como uma visão decisiva para o ensino, o fato de o professor
realizar a transformação da compreensão de um conteúdo em ações e representações
pedagógicas, momento em que ele entende o que e como deve ser ensinado. Percebemos isso
nas ações a professora Beatriz quando, mesmo tendo objetivos diferentes nas aulas, dá início às
suas aulas, valorizando a questão corporal, de modo que o alunos estejam preparados, aquecidos
para o que virá, seja cantar, dançar ou movimentar-se.
Analisamos, também à luz da perspectiva das bases de conhecimento de Shulman (2014,
68

p. 206), que a professora traz em suas ações o conhecimento dos fins, propósitos e valores da
educação musical. Suas práticas, acima descritas, revelam o uso de metodologias ativas de
educação musical, pois mostram a prática da música como algo em que o corpo todo a produz
com a consciência daquilo que realiza, o que é considerado por Koellreutter (1997) uma
capacidade de aprender os sistemas de relações entre as atividades musicais.
Para além da análise da rotina de sala de aula, destacamos que, de forma geral, as
professoras procuram desenvolver atividades em que utilizam como recursos didáticos
elementos lúdicos e visuais, como tecidos, bambolês, brinquedos, instrumentos musicais e
movimento. Dessa forma, encontramos ecos entre essas ações e a pedagogia do educador Suíço
Jaques-Dalcroze, que tem por base a relação espaço, tempo e movimento e que, de acordo com
Fonterrada (2008), é uma pedagogia que considera a música, não como objeto externo, mas que
pertence à expressão que o objeto vai trazer. Podemos compreender, portanto, que, quando as
professoras utilizam de objetos, materiais, brinquedos, o trabalho com a música não está na
simples utilização do objeto, mas na atividade e no movimento que aquele objeto representa.
Presenciamos uma sequência de atividades em que a professora Ana utiliza o bambolê
como recurso em suas aulas, com os diferentes níveis de faixa etária. Tais ações foram descritas
em nosso diário de campo:

[...] em uma turma de pré I, com crianças de 4 a 5 anos, a professora faz uma
atividade com o bambolê em área externa à sala de aula, em um pátio da
escola, utilizando a música “centopéia”, onde as crianças brincam batendo os
pés no ritmo da música com o bambolê na cintura e andando em círculo, um
atrás do outro, seguindo a professora e, aos comando da música, erguem e
abaixam o bambolê. (DIÁRIO DE CAMPO -Observação de aula da Prof.ª
Ana)

[...] Ao chegar na turma de infantil I, de crianças bem pequenas, a professora


organiza seus materiais e bambolês, liga o computador e o som e dirige-se ao
tapete, onde as crianças estão esperando. Cumprimenta as crianças com
carinho, abraçando e sorrindo, canta sem o apoio do instrumento e ajuda as
crianças a baterem o pé e as mãos aos comandos da música do “bom dia”.
Realiza o aquecimento vocal e corporal de forma que as crianças possam
imitá-la e depois, entrega os bambolês que havia separado no início da aula.
Primeiramente faz uma atividade com a música “Dona Aranha” para as
crianças realizarem o movimento de subir e descer o bambolê, estando dentro
dele. Depois, dirige-se ao espaço externo, liga o som e coloca a música da
centopéia, realizando os movimentos junto às crianças. (DIÁRIO DE CAMPO
- Observação de aula da Prof.ª Ana)

Percebemos, então, que, por meio de um recurso como o bambolê, a intencionalidade


da atividade estava no movimento de bater o pé seguindo o ritmo da música e na escuta ativa e
atenta da mesma, para que as crianças pudessem erguer e abaixar o bambolê em determinadas
partes da música. Notamos que também foram realizadas as adaptações necessárias à cada faixa
69

etária.
Segundo Fonterrada (2008, p.31) a ideia pedagógica de Dalcroze tinha por objetivo
desvincular o aprendizado musical de uma prática meramente mecânica, que geralmente é
apoiada em análise de partitura, leitura e escrita. Ao contrário disso, o educador suíço pretendia
propor que o mesmo aprendizado fosse sensibilizado de forma corporal rítmica, defendendo
que é pela experiência corporal que a consciência rítmica se estabelece, por meio de exercícios
que combinem sensações físicas e auditivas de forma estética e lúdica. Foi exatamente essa
proposta sensibilizadora, com cadenciamento e uso do corpo que encontramos nas atividades
propostas pela Professora Ana, com o uso do bambolê.
Observamos que essa metodologia que vincula música e movimento também é uma
prática para a professora Beatriz, pois traz em sua rotina preestabelecida atividades de
movimento. É o que foi registrado no nosso diário de campo durante a observação de suas aulas:

Em pé, depois do aquecimento, a professora canta junto com as crianças a


música “Sai Piaba”, cantando em voz baixa, convidando as crianças a
cantarem também. Sem interromper o som do teclado a professora sobre um
tom e começa outra música “Abre a roda Tindolelê” dando comando na
música para trabalhar partes do corpo e movimentos, como por exemplo, abre
o braço, dar pulos, mexer a cabeça, bater o pé, entre outros. (Diário de Campo
- observação da aula da prof.ª Beatriz)

Já a professora Cecília, conforme registro abaixo, desenvolveu uma atividade com


chocalho, feito com materiais reciclados, para trabalhar o movimento:

A professora deu um chocalho feito de embalagem reciclada para cada criança


segurar. As crianças quando pegavam o chocalho exploravam bastante,
fazendo sons fortes. A professora está com um violão para esta aula e começa
a tocar a música “Samba lelê” sem falar nada para as crianças. Depois de
cantar uma vez ela para o violão e dá a indicação da brincadeira, dizendo que
vai mudar a letra, chamando cada amiguinho de uma vez para o meio da roda
pra fazer um solo de chocalho. Ela então começa a cantar novamente mudando
o refrão, cantando o nome da criança, (ex: Samba, samba, samba Miguel) e
nessa hora a criança foi para o meio da roda dançar. A professora diz que,
quando for alguém para o meio da roda os outros não podem tocar, tem que
esperar o amigo solar. Algumas crianças no meio da roda dançam com muita
empolgação, e os amigos acabam tocando junto. (Diário de campo -
observação da aula da prof.ª Cecília)

No que tange à reflexividade docente das professoras que realizaram essas atividades,
podemos perceber que, mesmo que elas não tenham conhecimentos específicos da pedagogia
musical de Dalcroze, o princípio de unir a música e o movimento se faz presente na prática,
conforme pudemos observar nas descrições de atividades acima, mas também no discurso, pois
as respostas vindas nas entrevistas, quando perguntamos quais recursos utilizam em suas aulas,
70

foram:

Eu utilizo bambolê, eu procuro sempre pegar tecidos, tnt, algum recurso que
eles possam também não só o visual, mas que eles possam apalpar, pegar, se
movimentar, porque eu vejo que eles gostam muito de coisas que tenham
movimento, que eles mexam com o corpo. (Prof.ª. Ana)

Utilizo violão, pandeiro, ukulelê, flauta, e alguns instrumentos de sucata,


construídos pelas crianças ou que eles trazem de casa pra gente explorar na
sala de aula e o próprio corpo né, nas atividades de expressão corporal. (Prof.ª
Cecília)

Eu utilizo o apoio do instrumento, geralmente eu uso teclado, às vezes o


violão, uso também com eles, no caso eles tocando, então geralmente eu uso
em acompanhamento nas canções, então por exemplo pra marcar o pulso o
chocalho, né. Pra exploração também utilizo, pra exploração livre e também a
exploração com algum objetivo, no caso a marcação do pulso, do ritmo da
música. (Prof.ª Beatriz)

A compreensão do corpo e do movimento como um recurso didático nas aulas de música


na Educação Infantil nos fazem considerar a reflexão sobre a docência que essas professoras
realizam, evidenciando suas crenças, suas bases teóricas sobre a criança, bem como o
desenvolvimento profissional de cada uma delas.
Schafer (2011, p.322) diz que “às vezes, um recurso simples pode servir como meio
para a tradução de um sentido a outro.” Isso quer dizer que, no contexto da aula de música na
Educação Infantil, é preciso considerar o que são os recursos disponíveis e que, por mais que
possam parecer simples, já trazem consigo grande complexidade e possibilidade de estimular o
aprendizado. Foi o que verificamos nos recursos utilizados pelas professoras participantes da
nossa pesquisa.
A BNCC (BRASIL, 2017) quando nos fala do campo de experiências para a Educação
Infantil “Corpo, gestos e movimentos” destaca que:

[...] na educação infantil os corpos das crianças e dos bebês ganham


centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de
cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a
submissão. (BRASIL, 2017, p. 39)

Dessa forma, compreendemos o corpo como um instrumento expressivo e comunicativo


e entendemos que a linguagem corporal é um recurso para perceber, expressar emoções,
reconhecer sensações, interagir, brincar, ocupar espaços e construir conhecimentos.
Relacionando essa base teórica aos exemplos de práticas elucidados nessa pesquisa,
percebemos que o que nos cabe nesta seção é discutir a presença dos recursos didáticos que as
professoras usam para suas aulas e que refletem algo sobre suas percepções acerca da prática
71

docente em música.
Algo que identificamos em nossas observações foram as práticas em que as professoras
apresentam instrumentos para as crianças, demonstrando a importância que elas atribuem para
atividades que podem trazer novidades e surpresas. Na aula da professora Beatriz, registramos
a atividade da seguinte maneira:

A professora pega uma caixa com vários instrumentos de percussão, o que


envolve os olhares das crianças e provoca algumas conversas. Algumas
crianças se levantam para querer ver, e a professora pede que se sentem em
roda e prestem a atenção. Diz assim:
_Agora a tia é a falante e vocês são os ouvintes!
A professora começa uma rodada de perguntas:
_Será que o Vivaldi tocava esse instrumento? O pandeiro?
_Será que tocava maracas? E o afoxé? Será que tocava reco-reco? Triângulo?
E para cada instrumento que ia retirando da caixa perguntando às crianças, a
professora fazia um som com ele, colocando todos no chão à sua frente de
forma que todas as crianças observassem, por vezes falando para as crianças
que não era hora de tocar ainda. Depois desse momento a professora utiliza a
tela projetora que tem na sala interativa e coloca uma música para as crianças
escutarem, que é do compositor Vivaldi “As quatro estações” e pergunta para
as crianças se elas reconhecem o som do instrumento principal. Uma criança
nesse momento responde: Violino!
A professora coloca então uma foto de um violino na tela e começa a falar
sobre o instrumento, todas as partes, os nomes técnicos. Depois de falarem
sobre o instrumento, volta a pegar a caixa e retoma os instrumentos que estão
no chão dizendo que aqueles o Vivaldi não toca, pois são instrumentos de
percussão, e diz assim:
_O Vivaldi não toca percussão, mas vocês podem tocar”. Querem?
As crianças respondem com empolgação em voz forte: Sim!
(Diário de Campo - observação da aula da prof.ª Beatriz)

A professora Beatriz nos apresenta uma aula em que demonstra que seu conhecimento
docente está articulado entre o conhecimento do conteúdo e sua transformação em ação
didática. Notamos que a professora tinha exata consciência dos objetivos que queria atingir,
que eram: o conhecimento de instrumentos musicais diferentes e a exploração dos timbres que
não fosse aleatória, mas que trouxesse sentido e significado para as crianças.
Shulman (2014, p. 206) diz que é o “conhecimento pedagógico geral, com especial
referência aos princípios e estratégias mais abrangentes de gerenciamento e organização de sala
de aula, que parecem transcender a matéria.” Entendemos, assim, que a professora, no momento
de sua aula tinha, em sua mente tudo o que pretendia atingir com as crianças, pois demonstrou:
ter feito uma pesquisa anterior, conhecendo o violino e suas partes, sabendo os nomes dos
instrumentos de percussão, para diferenciar o que são os instrumentos da família da percussão
e das cordas; mas também ter planejado a maneira de fazer a abordagem na aula, com o uso do
data-show, da música escolhida e da maneira em que iria dispor as crianças para visualizar as
72

propostas da aula. Todas essas ações são questões que, como o autor defende, “parecem
transcender a matéria”, mas que são fundamentais para entendermos o raciocínio pedagógico e
compreender as reflexões docentes da professora.
Em nosso diário de campo, acrescentamos mais uma observação referente a essa
atividade desenvolvida em aula, sobre a qual descrevemos:

A professora nesse momento parece ter olhos em toda parte, falando com
diversos alunos ao mesmo tempo, esticando os braços no meio da roda para
ajudar as crianças a segurarem os instrumentos de forma correta e orientando
para passar para os colegas que ainda não tocaram. (Diário de campo –
observação da aula da prof.ª Beatriz)

Podemos considerar que, na observação dessa atividade, presenciamos de forma visível


algumas das etapas do raciocínio pedagógico apresentados por Shulman (2014, p. 216). São as
etapas: da compreensão, pois a professora demonstrou conhecer o que ela iria ensinar; da
transformação, pois a professora fez escolhas para o uso dos materiais, preparou o ambiente,
fez uso do repertório dos alunos que já conheciam alguns instrumentos e fez adaptações
necessárias para a aula; da instrução nessa interação com as crianças, percebendo-os, fazendo
questionamentos, organizando-os; e a etapa da avaliação, que, no próprio momento da
exploração do entendimento dos alunos sobre os instrumentos, a professora observa, intervém,
ajuda e ouve os alunos.
Em nossa pesquisa, com as observações das aulas da professora Ana, também
identificamos a presença da exploração dos instrumentos musicais e da surpresa em sua rotina,
quando descrevemos em nosso diário de campo:

A professora [após as atividades de aquecimento vocal e corporal realizadas


no início da aula] pega depois uma caixa enfeitada com imagens de notas
musicais, (caixa surpresa). A professora diz às crianças que tem uma surpresa
na caixa, que é um instrumento musical e que eles devem descobrir o que é.
Chama uma criança de cada vez para pôr a mão dentro da caixa sem olhar,
apenas sentir com a mão o que é o instrumento. As crianças vão sugerindo
coisas e nisso, a professora vai instigando a atenção e curiosidade com
expressões faciais de surpresa e mistério. Um aluno diz que é um caxixi,
demonstrando que já conhecia o instrumento, a professora não disse se estava
certo ou errado e continuou passando a caixa para todos as crianças. Depois
de todos participarem, a professora abre a caixa e e fala que o aluno que disse
caxixi havia acertado. Ela mostra o instrumento e vai falando sobre ele,
dizendo ser de origem indígena. Passa para todos os alunos para tocarem.
Depois desta atividade a professora apresenta outro instrumento indígena, o
tambor de matraca, e mostra para as crianças como deve ser tocado. Passa para
todos os alunos novamente. (Diário de campo - observação da aula da prof.ª
Ana)
73

Brito (2003,p. 58) apresenta que é importante a linguagem musical estar presente na
rotina das escola de Educação Infantil, contemplando diversas atividades como: o trabalho
vocal, a interpretação e criação de canções, os jogos que reúnem som, movimento e dança,
jogos de improvisação e exploração sonora, invenções musicais, construção de instrumentos e
objetos sonoros, escuta atenta e musical com apreciação musical, bem como as reflexões sobre
a produção e a escuta das crianças. A autora ainda destaca que:

Devem-se valorizar os brinquedos populares, como a matraca, o rói-rói ou


berra-boi, os piões sonoros, além dos tradicionais chocalhos de bebês, alguns
dos quais com timbres muito especiais. Pios de pássaros, sinos de diferentes
tamanhos, brinquedos que imitam sons de animais, entre outros, são materiais
interessantes que também podem ser aproveitados na realização de atividades
musicais.[...] vale lembrar, mais uma vez que o mais importante é permitir e
estimular a pesquisa de possibilidades para produzir sons em vez de ensinar
um único modo, em princípio correto, de tocar cada instrumento. (BRITO,
20003, p. 64-65)

É interessante perceber que, embora as professoras participantes da nossa pesquisa não


tenham formação musical acadêmica, seus conhecimentos em música adquiridos em suas
vivências pessoais permitiram que suas práticas nas aulas de música apresentassem certo
embasamento teórico, conforme se verifica no que as professoras trazem em seus discursos e
em suas ações acerca do brincar, da junção de música e movimento e nos uso de objetos que
estejam ou não vinculados diretamente à música.
Nos termos de Nóvoa (2009), “ensinamos aquilo que somos, e naquilo que somos se
encontra muito daquilo que ensinamos”. Esse é o pressuposto que encontramos nas práticas das
professoras, pois o fato de a trajetória de cada uma ter tido a música como parte de suas vidas,
provavelmente, isso fez com que tivessem outro olhar para sua prática musical escolarizada.
Além das práticas voltadas para a questão do movimento e da exploração sonora, as
professoras apresentam também, como recursos didáticos, a utilização da tecnologia disponível
nas Salas Interativas. Nesse sentido, verificamos a presença e uso de um projetor de vídeo e
áudio, conectado ao computador da sala, onde as professoras podem utilizar recursos de uma
lousa digital.

Eu utilizo data-show, coloco vídeos, pesquiso algumas coisas, digitalizo


alguns livros musicais, inclusive fiz um livro musical com eles. (Prof.ª Ana)

Uso bastante a lousa digital, o vídeo para a apreciação musical, eles precisam
disso as vezes de uma maneira visual, também para poder se concentrar.
(Prof.ª Beatriz)
74

Sempre coloco alguns jogos interativos que tem som de instrumentos, também
coloco música em vídeo no projetor e peço para eles desenharem no tablet que
temos na sala interativa, sendo um outro recurso além do papel. (Prof.ª Cecília)

As três professoras utilizam em suas aulas esse recurso digital e tecnológico do projetor,
procurando adaptá-lo às situações de aprendizagem, envolvendo a tecnologia, o que, segundo
Perrenoud (2000), é uma das competências fundamentais para os professores em nosso século,
em que a cultura tecnológica é uma realidade na vida e na formação das crianças.
Perrenoud (2000, p. 125) já destacava a utilização da tecnologia com uma das dez novas
competências para o ensino. Explorar o potencial didático de uma ferramenta tecnológica é algo
que o professor da atualidade deve dominar, para que a aprendizagem seja significativa, assim
como nos mostra a professora Cecília, em sua aula. Mesmo não utilizando um software
especificamente educativo, utilizar apenas um recurso básico, como o touch, no desenho
colorido do tablet ou a lousa interativa, fez com que as crianças estivessem mais envolvidas na
atividade, apropriando-se de um conhecimento musical, partindo do vídeo. Tratou-se de uma
aula por meio da qual pudemos compreender que teve como objetivo trabalhar com os sons
fortes e fracos, mas que foi conduzida de uma maneira tecnológica, em seus recursos didáticos.
Ainda de acordo com Perrenoud (2000, p. 125), entende-se que os professores podem
decidir como utilizar a tecnologia em sala de aula e, com conhecimento sólido sobre as escolhas
e os motivos para cada uma delas, criar um amplo espaço em sua sala de aula, explorando
recursos diferenciados e atuais, de modo que a situação didática não esteja centrada no ensino
meramente, mas na aprendizagem dos alunos e no modo com que irão aprender.
Destacamos, que, nos registros de diário de campo, feitos na observação das aulas da
professora Cecília, as crianças pareciam familiarizadas com o uso da tecnologia nas aulas de
música e que essa é, possivelmente, uma rotina para as aulas em que a professora utiliza a sala
interativa. Como, nas escolas da rede de ensino onde a pesquisa ocorreu, existem professoras
diferentes para a aula de Música e de Literatura, as mesmas organizam-se num revezamento da
sala, que conta com um projetor digital e com um armário com 32 tablets, os podem ser usados
nas aulas de um ou outro componente curricular.
Foi registrada em diário de campo a seguinte atividade:

Nesta aula, a professora (Cecília) iniciou recebendo os alunos em sala


interativa, com um vídeo passando no projetor, era uma vídeo clipe onde dois
músicos, um pianista e outro violoncelista, tocavam em um ambiente de
montanha, algo diferente do que habitualmente vemos, que são salas de
orquestra. As crianças, então, ao chegarem, já iam se sentando, buscando as
almofadas para se acomodarem e conversavam entre si. Assim que a
professora recebeu todas as crianças na sala, começou comentando sobre a
75

música, perguntando às crianças se havia algo diferente neste vídeo. Os alunos


responderam que era o lugar onde os músicos tocavam, mas que os músicos
eram os mesmos do outro vídeo que ela havia passado em aulas anteriores.
Logo então questionaram se haveria a utilização do tablet novamente, e a
professora respondeu que sim, houve então um grande entusiasmo das
crianças, felizes pela resposta. Assim, ao final da aula a professora me relatou
que estava fazendo uma série de atividades em que colocava um vídeo com
piano e violoncelo, e que as crianças depois, faziam um desenho no tablet
sobre a música, isso foi feito no início de algumas aulas, por isso, as crianças
associaram a música com os instrumentos ao uso do tablet. Na aula, depois
que a professora apresentou o vídeo, distribuiu os tablets já ligados, para todas
as crianças e pediu para que procurassem o mesmo programa, de desenho. As
crianças, interessadas, foram encontrando o programa, alguns pediam ajuda
para a professora. A professora então, colocou uma música no som de piano,
e pediu para que fossem desenhando com marcador fraco se o som fosse fraco,
e com marcador forte, a hora em que o piano fosse forte. Depois repetiu a
atividade, com uma música com som de violoncelo, mudando a cor. Depois
uma terceira vez, a mesma música do início da aula, mas sem o vídeo, e teriam
que misturar as duas cores e as nuances da música, no forte e fraco. As crianças
estavam interessadas, concentradas, não se agitaram e a atividade durou todo
o tempo da aula. Ao final, a professora recolheu, pedindo para que
mantivessem ligados. (DIÁRIO DE CAMPO, Registro de aula da Prof.ª
Cecília)

Quando analisamos o relato acima pela ótica do conhecimento docente, podemos citar
Shulman (2014, p. 208) quando nos aponta que as estruturas e materiais educacionais são
utilizados para ensinar e aprender e que os professores “necessariamente operam dentro de uma
matriz criada por esses elementos.” Então, por se tratarem de professoras de música que
lecionam em um projeto, cuja denominação oficial é “Sala de Leitura Interativa”, a
interatividade com a tecnologia é algo fundamental para os objetivos pedagógicos previstos no
projeto e faz parte da prática educativa dessas professoras. Talvez não seja algo que todas as
professoras e professores de música na Educação Infantil, espalhados pelo Brasil, tenham como
recursos didáticos em suas aulas, mas essa é uma realidade presente como fonte de
conhecimento das professoras de nossa pesquisa.
Ainda no que se refere às fontes de base de conhecimento, Shulman (2014) defende a
sabedoria que provém da prática como uma das fontes para o conhecimento do professor. Em
nossa pesquisa, destacamos o que as professoras afirmam e que nos remetem a esse assunto,
quando nos dizem também utilizar, como recurso didático, as práticas de outros professores de
música, que são socializadas por meio de grupos de aplicativos de mensagens em celular:

Eu procuro e pesquiso muito na internet ideias e práticas de outros professores,


e compartilho com as outras professoras da sala mandando o link ou o vídeo
da atividade. (Prof.ª Cecília)

Agora está um pouco mais fácil porque a gente tem um grupo que dá pra
compartilhar bastante coisa, mas ainda assim eu faço bastante pesquisa. (Prof.ª
Beatriz)
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A dificuldade que a gente tem é às vezes dependendo do tema, mas a gente


pesquisa, procura, busca no grupo, aí a gente consegue desenvolver. (Prof.ª
Ana)

Quando as professoras mencionam a palavra “grupo”, estão se referindo ao grupo do


aplicativo de mensagens de celular, criado pelos Orientadores Pedagógicos do projeto da Sala
Interativa, e que tem por finalidade o compartilhamento de práticas mesmo, sejam das próprias
professoras, por meio de vídeos ou por meio de links de vídeos de outros educadores
encontrados na internet.
Vaillant e Marcelo (2012, p.199) destacam que uma das características do século XXI é
o compartilhamento entre as pessoas, seja por grupos, ambientes simbólicos ou físicos. Os
autores destacam que o trabalho em equipe é fundamental para o desenvolvimento do ensino e
para a condução do conhecimento, configurando um aumento na capacidade de resolver
problemas. Trata-se, especialmente, de uma prática estimulada com o crescimento das
tecnologias, de modo que, mesmo distantes geograficamente, os docentes podem se repertoriar
de práticas, interagindo com o conhecimento.
Percebemos, então, que os recursos didáticos e tecnológicos, usados pelas professoras
de nossa pesquisa, mostram-se como ferramentas de ampliação do trabalho e são um dos
elementos para a reflexão e construção de práticas docentes. Notamos que elas utilizam a
tecnologia como meio de pesquisa na internet e com grupos de mensagens via celular para a
troca de ideias e, assim, repertoriar suas práticas em educação musical, pautadas em outros
recursos e elementos lúdicos como tecidos, brinquedos, jogos, instrumentos.
Avaliamos que essa postura das professoras envolvidas na pesquisa revela a percepção
que elas têm da prática em educação musical, mesmo sem haver uma formação acadêmica
formal na área, e que foi construída com base nos saberes docentes da profissão e com as suas
bases de conhecimento. Segundo Shulman (2014), a combinação das escolhas e das ações dos
professores demonstra a reflexão do professor sobre a ação educativa pode ser compreendida a
partir do que esse apresenta em sua prática.
Seguimos nossas análises com a apresentação de outra categoria temática já
mencionada nessa pesquisa, a da percepção sobre as aprendizagens das crianças nas aulas de
música, pois, além de identificarmos, nas observações de aula e nas falas das professoras, a
presença de recursos didáticos específicos, identificamos igualmente a percepção das docentes
sobre o ensino de música na Educação Infantil, bem como a preocupação com a aprendizagem
das crianças, para que seja integradora e não meramente uma aprendizagem de conceitos
musicais.
77

4.3 A percepção sobre o ensino de música na educação infantil

Em nossas análises percebemos que, nas falas e nas práticas das professoras, encontram-
se elementos que nos evidenciam suas percepções sobre a docência e sobre a aprendizagem dos
alunos. Dentre esses elementos destacam-se a importância da formação inicial que as
professoras receberam na Pedagogia e como essa formação contribui também para o trabalho
na educação musical.
Shulman (2014) já destacava que o professor é aquele que pode transformar as
compreensões de um determinado conteúdo em ações pedagógicas que se traduzem nos jeitos
de falar, mostrar, interpretar e representar o que foi aprendido. Dessa forma, mesmo que as três
professoras, protagonistas de nossa pesquisa, não tenham formação específica em música,
fazem a transformação dos conhecimentos e conteúdos da música para uma noção mais integral
da aprendizagem na Educação Infantil. Conforme vemos nos relatos e observações, essas
docentes se mostram preocupadas com o que os alunos possam aprender mais do que com o
conteúdo musical, buscam, de fato, aprendizagens essenciais para o desenvolvimento infantil,
de acordo com as faixas etárias de seus alunos.
Schafer (2011, p. 270), ao discutir sobre o ensino de música, destaca que é mais
importante a comunicação e o recebimento de um conteúdo que foi ensinado, do que
propriamente o conteúdo em si. Para o autor, o professor deve estar preocupado em aprender
junto aos alunos e perceber suas aprendizagens, compreendendo que, na aula de música, o mais
importante é o fazer musical criativo, ou seja, o processo da aprendizagem, não apenas o
resultado obtido.
Brito (2001, p. 50), ao tratar do processo de formação musical proposto por Koellreutter,
destaca que, para o educador suíço, o professor deve “aprender dos alunos o que ensinar”, de
modo que o olhar do docente deve estar atento às aprendizagens de forma plena, observando a
integralidade do processo de ensino na aula de música.
Essa integralidade está presente na percepção das professoras em suas ações práticas e
em suas falas, nas quais mencionam a preocupação, enquanto professoras de música, sobre as
expectativas para as aprendizagens dos alunos. A professora Cecília nos diz:

[...]Eu espero que eles comecem a apurar o ouvido né, porque hoje em dia as
crianças têm acesso à uma música muito pobre, culturalmente falando. É
preciso ampliar o repertório deles, tanto dos instrumentos como em conhecer
78

outros tipos de música e culturas através da música. (Prof.ª Cecília)

Sobre a aprendizagem dos alunos nas aulas de música e suas percepções sobre essas
aprendizagens, a professora Beatriz também apresenta em sua fala a opinião de que:

Acho que a música tem poder de acionar áreas do cérebro que não são
ativadas, então eu acho que ajuda também, esses princípios de tempo,
andamento, o que é rápido, o que é lento, eles fazem isso muito com o corpo,
todo conhecimento acaba passando pelo movimento, pelo corpo. (Prof.ª
Beatriz)

Esse trecho de sua entrevista, com uma opinião sobre a música, nos evidencia algo que
dialoga com as propostas de educação musical que vêm sendo discutidas por educadores
musicais das metodologias ativas dos séculos XX e XXI.
Dalcroze, por exemplo, citado por Fonterrada (2008), defende uma educação musical
pautada no movimento e na rítmica. Koellreutter (1997) destaca também a questão da música
como elemento que proporciona aprendizagem de outras funções humanas, como a
concentração, o equilíbrio, a noção de pertencimento ao todo, o raciocínio, a memória, o
trabalho em equipe, entre outras funções. Assim, percebemos que, para a professora Beatriz,
mesmo que de forma intuitiva, a noção de percepção de aprendizagem musical como uma
aprendizagem integral das crianças está presente em suas reflexões, perceptíveis tanto na fala,
em sua entrevista, como na prática das aulas observadas.
Em outro trecho de sua entrevista, a mesma professora diz que:

Eles (as crianças) começam cantando cada um num tom, alguns gritando, e aí
a gente percebe que com o apoio do instrumento, com o próprio apoio da voz,
eles ficam mais afinados, [...] eles têm duas aulas na semana, então é questão
assim de um ou dois meses a afinação já muda muito. (Prof.ª Beatriz)

Essa atividade do canto é algo presente em sua prática, percebida nos dias das
observações em campo. Percebemos que a forma como a professora conduz a atividade alinha-
se com as propostas pedagógicas de Kodály, apresentada por Fonterrada (2008, p. 155), que
aponta que o educador musical húngaro tinha como interesse principal, “proporcionar o
enriquecimento da vida, valorizando os aspectos criativos e humanos pela prática musical.” Isso
significa perceber a prática musical como algo que vai além da aprendizagem dos conceitos
musicais, mas que se relaciona com a aprendizagem e o desenvolvimento integral da criança,
tal como a professora Beatriz o faz, entendendo o tempo de cada criança para atingir a afinação
musical.
79

Nas atividades práticas dessa professora, relatadas em nosso diário de campo,


percebemos também que, o que ela traz em sua fala na entrevista, pode ser verificado na prática,
na seguinte atividade, observada em uma turma com aproximadamente 23 crianças entre 4 e 5
anos:

As crianças entram na Sala de Leitura e a professora coloca uma música de


relaxamento, bem tranquila. Recebe todas as crianças com abraços, as crianças
sentam-se de frente para a professora, que logo as convida para ficarem de pé
e começam um alongamento corporal. A professora faz os movimentos junto
com as crianças. Depois desse alongamento, mais ou menos 3 minutos, a
professora pede para que as crianças se sentem em roda.
A professora pega um par de clavas de madeira e bate marcando o tempo para
começarem a cantar uma música. Começam então a música “Bate Monjolo”
do grupo musical Cia Bola de Meia. Depois de cantarem a primeira vez de
forma normal, em que algumas crianças cantavam gritando, outras, não
cantaram, outras, cantaram fraco, a professora faz uma brincadeira e segura
suas mãos, de forma lúdica se dirige às crianças com as mãos fechadas e diz
que vai jogar um pózinho mágico, o pozinho do agudo. Faz o movimento com
as mãos como se estivesse jogando algo sobre as crianças, que ficam eufóricas
com a brincadeira. A professora então começa a falar em voz aguda e faz a
marcação rítmica na clava, faz a contagem e começa a cantar a mesma música,
mas em voz aguda. As crianças acompanham e já é perceptível que as vozes
já não estão mais tão desiguais. A professora faz o mesmo procedimento da
brincadeira, mas agora com som grave, e as crianças cantam depois a música
em tom de voz grave. Ao final, a professora fala para as crianças devolverem
o pó mágico. Todas as crianças fazem o movimento como se estivesse jogando
algo para a professora, que finge pegar com as mãos o que as crianças jogam
no ar. fala depois em tom de voz normal para que cantem a música normal,
sem agudo nem grave. Faz a contagem e começam a cantar. Nesse momento,
as vozes das crianças ficam mais agradáveis de ouvir, sem gritos e com
praticamente todos cantando com o mesmo volume e afinação. A professora
canta junto. (Registro de Diário de Campo – Prof.ª Beatriz)

Nesse registro de observação, podemos perceber que a professora traz a atividade


musical de forma lúdica, mas preocupada com a aprendizagem das crianças sobre o canto.
Notamos que são envolvidos saberes e conhecimentos da professora no desenvolvimento da
atividade, o que, segundo Shulman (2014), são: o conhecimento do conteúdo – já que a
professora quis ensinar o conteúdo grave e agudo –; o conhecimento pedagógico do conteúdo;
e o conhecimento dos alunos e suas características. Além disso, a professora fez, na dinâmica
de sua aula, uma atividade lúdica de fantasia, tornando, assim, o conteúdo acessível para os
alunos, conseguindo ensiná-los e levando em conta as características das crianças na faixa etária
de 4 e 5 anos.
A professora Ana também mostra, em sua entrevista inicial, que já faz uma análise das
aprendizagens das crianças que estão na escola, desde quando o projeto de ensino de música
começou a fazer parte da Educação Infantil. De acordo com a professora:
80

[...] tem crianças que estão aqui comigo desde o infantil 1 e hoje já estão no
Pré 2, e você vê que eles já tem um repertório, já conhecem os instrumentos,
já sabem os nomes, conseguem identificar o som, silêncio, timbre, eles já
conseguem identificar o andamento da música, então tudo isso, a gente
trabalhando o lúdico com eles e a gente vê que estão aprendendo. (Prof.ª Ana)

Notamos que a professora Ana definiu e identificou elementos de avaliação de seu


trabalho como professora de música durante os três anos que leciona na mesma função e escola,
o que, segundo Tardif (2014), é uma das características do saber experiencial de professores.
Esse saber experiencial é, de acordo com o autor, ligado às funções exercidas pelo professor, é
um saber prático e que depende das situações e problemas que o professor se depara em sua
função prática, de modo que “a cognição do professor é, portanto, condicionada por sua
atividade.” (TARDIF, 2014, p. 109).
Tardif (2014, p.128) traz, ainda, uma ideia que dialoga com aquilo que estamos vendo,
no trabalho docente das professoras de música na Educação Infantil, sobre o que nós
destacamos nesta seção de nossa pesquisa, como sendo as percepções sobre a aprendizagem.
De acordo com o autor, “os professores não buscam somente realizar objetivos, eles atuam,
também, sobre o objeto” e esse objeto do trabalho dos professores são os alunos, seres humanos
com todas as suas especificidades, individualidades e relações sociais, ou seja, um ser complexo
e integral.
É preciso que o professor obtenha o que Nóvoa (2009) chama de “tacto pedagógico”,
ou seja, perceba a relação e comunicação entre o conteúdo que se deseja ensinar e os caminhos
que devem ser percorridos para que a aprendizagem aconteça de fato. Sobre esse tato, as
professoras, em suas falas nas entrevistas apresentam suas concepções sobre o retorno da
aprendizagem dos alunos:

[...] a música tem esse poder de acolher, de entreter, então eu acho que o
feedback na verdade é o comportamento das crianças para a gente saber se tá
funcionando aquilo ou não. (Prof.ª Beatriz)

[...] quando eles estão muito dispersos, é porque aquilo que eu to fazendo não
tá causando efeito. (Prof.ª Cecília)

A gente acaba percebendo se as crianças estão aprendendo quando elas estão


felizes, e querem vir pra nossa aula. As outras professoras sempre dizem, que
a turma quer vir pra nossa aula, e isso é gratificante, porque é sinal que estão
aprendendo alguma coisa, estão gostando. (Prof.ª Ana)

Conforme percebemos nesses relatos, as três professoras destacam em suas colocações


a importância do retorno sobre a aprendizagem dos alunos, vinculadas ao comportamento e
81

atitudes desses alunos perante as aulas de música. Percebemos, com isso, que elas possuem o
“tacto pedagógico”, teorizado por Nóvoa (2009).
É na percepção de como os alunos estão reagindo nas aulas que as professoras formulam
suas reflexões sobre a prática. Schafer (2011, p. 270) aponta que uma das características do ato
de ensinar é responder às perguntas que não são feitas, ou seja, fazer o que as professoras de
nossa pesquisa fazem, que é perceber nos alunos o que eles perguntariam. Pelo conhecimento
que possuem dos alunos e de suas características (Shulman, 2014), as professoras compreendem
que não seriam feitas perguntas diretas, mas as dúvidas e os pontos fracos da aula seriam
mostrados pelos alunos nos comportamentos, seja de atenção seja de dispersão na aula, Ao
observar esses comportamentos, as professoras realizam a mediação entre o que é ensinado e o
que as crianças estão de fato aprendendo. Sobre essa mediação, Roldão (2007, p. 102) afirma
que aí está a chave do que é saber ensinar e o que é transformar o saber. Para a autora:

Saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham; não é
uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-
estratégica; não é uma vocação, embora alguns possam sentir. É ser um
profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e
complexo, de que procuramos clarificar algumas dimensões. (ROLDÃO,
2007, p. 102)

É nessa perspectiva de olhar para a prática docente das professoras Ana, Beatriz e
Cecília que fazemos nossa análise sobre a docência em música na Educação Infantil,
compreendendo as complexidades da ação educativa e a percepção sobre o processo de ensino
e aprendizagem.
Schafer (2011, p. 270) nos apresenta um pensamento sobre a experimentação, acerto e
erro do professor de música nas situações de aprendizagem, afirmando que “é da natureza do
trabalho experimental haver erros algumas vezes, pois quando uma experiência é bem-sucedida,
ela deixa de ser experiência.”
Quando olhamos para o contexto de nossa pesquisa, notamos que há aspectos nos
meandros os quais devem ser observados. O estudo surgiu com a busca de compreender as
mudanças ocorridas com as professoras, que outrora lecionavam em sala regular na Educação
Infantil, trabalhando com a totalidade de eixos e temáticas, para a faixa etária das crianças em
creches ou pré-escolas (de 0 a 5 anos e 11 meses), articulada a situações de aprendizagem desde
o cuidar até estudos de natureza e sociedade, artes gerais, linguagem oral e escrita, movimento,
grandezas, medidas, todas elas contidas na rotina escolar. Acostumadas a essa dinâmica
pedagógica tão ampla, essas professoras passaram a trabalhar exclusivamente com a música e,
dentro desse trabalho específico, buscamos nesse estudo compreender como elas se apropriaram
82

com aprofundamento do que a educação musical para essa faixa etária deve contemplar
É importante salientar que esse desenvolvimento profissional das professoras de nossa
pesquisa se constrói nesse contexto de iniciação de um projeto, de Sala de Leitura Interativa,
quando foi oferecido para todos os professores da educação infantil participarem da escolha dos
blocos de aula para Literatura e para Música, sem que houvesse um pré-requisito de formação
específica, apenas a participação de uma formação inicial com profissionais da Secretaria de
Educação do município.
Desse modo, percebemos que, como Marcelo (2009) destaca, as influências para o
desenvolvimento das professoras foram externas, por se tratar de um programa institucional da
rede de ensino em que elas atuam, mas também interno, pois a motivação em participar do
projeto se deu de forma espontânea, já que as professoras relatam gostar de música, como
destacado em suas falas nas sessões anteriores. Acrescenta-se às motivações externas e internas
também o gosto pelo desafio e pela experimentação, pois as três professoras lecionam música
desde o início da implantação do projeto e escolheram continuar esse trabalho, conforme
podemos verificar nos relatos abaixo:

[...] quero continuar muitos anos como professora de música na educação


infantil.” (Prof.ª Cecília)

[...] pretendo continuar, foi uma coisa em que eu me descobri. (Prof.ª Ana)

Eu tenho pensado se vou ficar, mas não por questão de gostar, aliás, eu gosto
muito, mas por questão de querer conhecer outra coisa, mas na área de música,
por exemplo, eu tenho vontade de trabalhar com os maiores, o canto coral
(Projeto de Ensino Fundamental), mas não sei se isso se adequa à minha rotina.
(Prof.ª Beatriz)

Esses apontamentos das professoras nos levam a afirmar que o desenvolvimento


profissional das professoras, durante os três anos que estão no trabalho com música na
Educação Infantil, consolidou-se na prática e na construção de suas identidades docentes. A
respeito disso, Marcelo (2009) aponta que identidade profissional não é algo que se possui, mas
sim algo que se desenvolve e é talhada por meio das relações que se estabelecem na rotina de
trabalho. Dessa forma, a nenhuma das professoras foi imposto assumir as aulas de música, mas,
por uma afinidade pessoal, a identidade docente delas foi se construindo, de modo que hoje, as
professoras consideram ter se encontrado como professoras de música, num “processo
evolutivo de interpretação e reinterpretação de experiências.” (MARCELO, 2009, p. 12).
É justamente na experimentação e na experiência que a docência se constrói, pois é a
prática que ensina. É esse ideal que os estudo e ideias para uma reforma educativa na formação
83

dos professores vêm buscando trazer, com Shulman (2014), Nóvoa (2009), Tardif (2014),
Mizukami (2004), Merseth (2018), na perspectiva de pensarmos em uma formação de
professores construída na prática.
Essas reflexões das professoras em relação ao trabalho prático nas aulas de música
foram colocadas em questão no momento em que propusemos que elas escrevessem seus
próprios casos de ensino, baseados em observações feitas pela pesquisadora de suas aulas. Esse
desafio permitiu que pudesse haver a participação e colaboração da pesquisadora na elaboração
da escrita dos casos de ensino. As etapas dessa fase do trabalho bem como seus resultados estão
descritos na próxima seção de nossa dissertação.

4.4 CASOS DE ENSINO

Após as etapas de entrevista e observação das aulas, buscamos utilizar a ferramenta de


elaboração de casos de ensino como meio de articular a reflexão sobre as práticas das
professoras. Foi, então, proposta a produção de um texto que pode servir de ferramenta para a
discussão com outros grupos de professores, seja de música ou não.
Para guiar a escrita das professoras, fizemos um encontro para explicação da
metodologia, em que foi entregue para as professoras um caso de ensino para leitura. Utilizamos
o caso “A gata borralheira, a Cinderela e o Sapatinho Dourado”, (WEISZ, 2002, p. 25-27),
(Anexo III) para inspirar e orientar as participantes. As professoras Ana, Beatriz e Cecília leram
o caso de ensino e receberam orientações da pesquisadora responsável sobre como poderiam
escrever seus próprios casos, baseando-se nos registros transcritos de suas aulas observadas.
As orientações para a escrita do caso de ensino sobre a prática na aula de música na
Educação Infantil, ofertadas pela pesquisadora às participantes, foram pautadas com referência
ao que Mizukami (2000) e Merseth (2018) trazem como orientações para a escrita de casos de
ensino por professores. Esses autores definem 5 passos para a elaboração, os quais organizamos
da seguinte forma:
1. Escolher o acontecimento, a ação de sua aula, um acontecimento: Incidente crítico;
2. Descrever o contexto: Dar um pano de fundo, um cenário da sua aula. Qual turma,
quantos alunos, qual era a aula (1ª, 2ª última aula), como é a turma, agitada, calma,
acompanhada por estagiária, etc;
3. Revisar a situação e a forma como agiu diante dela: o que ocorreu em sua aula, quais
84

foram suas ações, e quais foram os motivos que levaram a professora a essas ações, quais
os seus sentimentos naquele momento e o que a levou às suas tomadas de decisões;
4. Examinar os efeitos de suas atitudes: Como os alunos reagiram diante de suas atitudes
no momento da aula, quais consequências;
5. Revisitar o incidente: Como a professora analisa sua ação, quais as suas percepções
sobre si mesma como professora de música na Educação Infantil.
Após as orientações, as professoras puderam ter um tempo para a escrita de seus
próprios casos de ensino, que foram enviados para o e-mail da pesquisadora. Com autorização
das professoras participantes, fizemos ajustes e acréscimos de detalhes na escrita, a fim de que,
para o leitor dessa pesquisa, o caso ficasse mais claro e passível de discussões sobre as situações
de aprendizagem ocorridas em aula.
Apresentamos, a seguir, os registros de nossa observação e os três casos de ensino
elaborados pelas professoras, buscando destacar as formas de olhar diferenciadas sobre a
situação de ensino, seja por quem observa seja por quem está de fato na atuação, identificando,
dessa maneira, os movimentos de reflexão docente pelas professoras participantes de nosso
estudo.

4.4.1 Caso de ensino 1 – Bambolê

A atividade que deu origem ao caso de ensino que intitulamos como “Bambolê” foi
realizada com uma turma mista, com Pré 1 e Pré 2 juntos em uma mesma sala. No dia da
realização da atividade, estavam presentes 25 crianças. Era a primeira aula do dia, no período
da manhã, as crianças chegavam à escola e quem as recebia em sala de aula era a professora de
música, ficando com eles nos primeiros 50 minutos do dia.
Em nosso diário de campo, registramos a atividade com o seguinte olhar:

A professora recebe as crianças em sala regular, cumprimenta as mães e


organiza os materiais que irá utilizar na aula. É feito um revezamento para
utilização da sala interativa que há na escola; então, esta semana a professora
está fazendo suas atividades em sala regular mesmo, utilizando um carrinho
montado pelas próprias professoras da escola para carregar os materiais,
instrumentos e objetos que irão utilizar na aula.
A professora coloca um computador ligado a uma caixa de som e coloca uma
música instrumental relaxante, para o primeiro momento da aula com
alongamento corporal das crianças, a professora realiza todos os movimentos
junto com as crianças.
85

Depois, entrega bambolês para as crianças, um para cada e as convida para a


uma área externa, um espaço amplo com desenho no chão de uma pista de
carrinhos, onde as crianças sentam-se na delimitação dessa pista, dentro de
seus bambolês.
Algumas crianças chegam atrasadas para a aula e vão logo pegando o
bambolê, sentando junto aos amigos. A professora, então, explica que irão
fazer uma brincadeira musical utilizando o bambolê, como já haviam feito
outras ocasiões.
Liga a música e deixa que ela se repita por 2 vezes. Com poucos comandos de
voz, explicando a atividade, a professora inicia brincando junto com as
crianças, que também estão calmas, não estão dispersas e participam com
alegria das atividades. Apenas um aluno diz que não quer participar, larga o
bambolê, mas permanece na pista sentado e as vezes deita.
A professora o convida para brincar também, mas sem força-lo, e continua a
brincadeira com as outras crianças.
Faz duas brincadeiras musicais com o bambolê, uma primeira utilizando a
música “centopéia” onde as crianças brincam batendo os pés no ritmo da
música com o bambolê na cintura e andando em círculo, um atrás do outro
seguindo a professora, dentro da pista. Aos comandos da música erguem e
abaixam o bambolê. (Diário de Campo – registro Prof.ª Ana)

Esse registro, juntamente com todos os registros feitos sobre as aulas observadas, foi
entregue para a professora Ana, que escolheu especificamente esse trecho para elaborar seu
caso de ensino. Fruto dessa escolha é o texto produzido que, apresentamos a seguir, com
pequenos ajustes e adaptações feitas, para tornar o caso de ensino mais detalhado:

Este caso é ocorrido em uma aula de música de 50 minutos. Sou professora,


formada em Pedagogia e com 11 anos de carreira docente, somente na
educação infantil são 5 anos e, especificamente em música, 3 anos. Embora
não tenha formação em licenciatura específica na área de música, já participei
de corais e grupos de música em igrejas, toco ukulelê, um instrumento de
cordas, e participei de formação oferecida pela rede de educação em que atuo,
no projeto Sala de Leitura Interativa, que tem por finalidade oferecer a todas
as turmas de educação infantil, duas aulas por semana de música e duas aulas
por semana de literatura. Meu trabalho com música na educação infantil é
desenvolvido na mesma escola, por 3 anos, desde que o projeto começou.
Trabalho em uma escola grande, com 13 turmas, um amplo espaço aberto, e
salas de aula espaçosas, entretanto, a Sala Interativa, destinada para as aulas
de literatura e música, foi desapropriada há pouco tempo, para se tornar sala
de aula regular. A escola então adaptou um espaço de almoxarifado para que
se tornasse nossa Sala Interativa.
Como temos, em nossa rede de ensino, em cada escola uma professora para
Música e uma para Literatura, cada semana uma professora utiliza do espaço,
para poder contemplar e utilizar dos recursos interativos nas dinâmicas das
aulas. Na semana da atividade descrita neste caso de ensino, eu estava em sala
de aula regular, esse revezamento interfere na qualidade de nosso trabalho,
pois para que a aula seja atrativa, sempre levamos materiais para exploração
com os alunos, acaba que carregamos peso demais nessa “itinerância” pela
escola. A Sala de Leitura é um ambiente preparado para recebê-los,
ludicamente pensado e organizado, percebo que, quando estamos fora dela,
até a atenção das crianças é prejudicada, pois há muita interferência e ruídos
externos, embora na Sala Interativa também haja bastante ruído, pois fica ao
lado do refeitório das crianças.
O caso aconteceu em uma turma acompanhada de uma estagiária em nesta
aula, havia 25 alunos na sala. Era a primeira aula do dia, das 7hs às 7h50 da
manhã, com a perda de pelo menos 15 minutos esperando que todos os alunos
86

cheguem.
Essa é uma sala mista, (dois níveis em uma sala só, Pré I e Pré II) com alunos
bem agitados, a maioria dos alunos já está há dois anos em sala mista o que, a
meu ver, como já os acompanho há três anos, está interferindo no
comportamento da sala.
Ao iniciar, coloquei uma música instrumental relaxante, para o primeiro
momento da aula com alongamento corporal, onde faço juntamente com as
crianças os movimentos.
Cada turma tem aulas de música 2 vezes na semana, por isso, em cada semana
preparamos 2 atividades diferentes, mas que se complementam.
A proposta de atividade dessa semana era as músicas da “Centopeia” e do
“Bambolê –Uê”. Como era a segunda aula deles, repetimos a centopeia e em
seguida fomos para a segunda atividade da semana.
Para essas atividades, utilizei o pátio externo, as crianças em roda, cada um
com um bambolê,
Como é a primeira aula do dia, temos o desconforto do atraso, muitas crianças
chegam com a aula já começada, o que atrapalha um pouco o desenvolvimento
da atividade, pois preciso parar algumas vezes. Depois de mais ou menos 20
minutos esperando os alunos chegarem à sala de aula, nos dirigimos ao espaço
do pátio, que fica bem ao lado da sala de aula dessa turma. Dou início a
atividade explicando que eles deverão prestar atenção na música e seguir os
comandos “sentar”, “levantar”, “para a frente’, “para Trás”, ...
Nessa sala, tem um aluno que chega todas aulas de cara fechada, pouca vezes
participa das atividades propostas, tapa o ouvido quando cantamos, não
interage com as crianças, confesso que ficava frustrada, pois as crianças
sempre gostam muito e são bem participativas nas minhas aulas. Ao
questionar a professora de sala regular, ela me relatou que o mesmo ocorre em
sua aula. Nesse dia, como sempre ele se recusou a participar, não insisti e
deixei-o à vontade. Essa é a estratégia que uso com ele, às vezes dá certo,
depois ele começa a participar, mas muitas vezes ele continua parado sem
interesse. Ainda não sei bem como agir com ele, estou diversificando as
estratégias para ver se consigo criar um vínculo com ele.
As crianças gostam muito dessa atividade, tinha feito com eles no ano anterior
e foi muito gratificante repetir e ver que eles se apropriaram da brincadeira e
divertiram-se muito. Apesar de ser um atividade bem contagiante e brincante,
o aluno citado acima não participou.
Ao longo desses quase 3 anos na Sala de Leitura/Música percebi que as
atividades que são significativas devem ser repetidas e reelaboradas para que
possamos ver se as crianças se apropriaram da proposta, mas também percebi
como não propor essas atividades quando o contexto da turma é difícil, sendo
a primeira aula do dia, em que as crianças chegam cansadas, quando algum
aluno não quer participar, quando o ambiente não é propício, tendo que contar
com as situações de improviso de estrutura, como ligar o som no computador,
etc. Como no trabalho com aula de música temos que estar a cada aula em
uma turma diferente, acho difícil pensar em aulas diferentes para o mesmo dia,
mas é preciso fazer adaptações dessas aulas para os diferentes momentos do
dia, pois ao chegar na escola, as crianças estão de um jeito, após o parque, de
outro e antes de ir embora também já não estão mais com as mesmas
características de comportamento, em um único dia. Essa mudança a todo
momento de uma sala para a outra na educação infantil é cansativa, pois as
crianças, nessa fase escolar, têm muitas peculiaridades e, com diferença de
meses umas das outras, já estão com novas características. Me pergunto então
sobre isso, como o professor de música pode pensar e planejar levando em
consideração essas diferenças? (Caso de Ensino – Prof.ª Ana)

Notamos que a própria escolha da situação de ensino, feita pela Professora Ana, revela
características de reflexão sobre a docência. Em nosso olhar de observação dessa mesma aula,
87

registramos a atividade sem trazer algumas percepções que só são possíveis identificar quando
o próprio sujeito da ação educativa, nesse caso a Professora Ana, as destaca. Um exemplo dessa
percepção individualizada e específica que só a envolvida diretamente no processo é capaz de
ter, são os apontamentos, feitos no caso de ensino da Professora Ana, quando ela retrata uma
preocupação com a participação de todos os alunos, mesmo com aquele que não está naquele
momento disposto a participar da atividade.
Ao revelar no seu caso de ensino que observa os comportamentos do aluno que se isola
e busca verificar se isso é recorrente em sua rotina na escola, Ana revela sua postura profissional
de buscar parcerias com outras professoras, a fim de conhecer melhor as crianças. Foi o que
ocorreu quando relata que questionou a professora de sala regular, que convive mais com as
crianças da turma, para saber se o aluno é sempre desanimado nas propostas de atividade.
Percebemos também, na escrita do caso de ensino, que a professora expressa seus
sentimentos, suas dúvidas, suas atitudes anteriores e posteriores à aula. Revela, ainda, suas
percepções sobre a atividade que propôs, as formas de reações das crianças, além de seus gostos,
quando destaca que essa atividade já foi feita em uma ano anterior e que deu certo, pois as
crianças gostaram e se lembraram das propostas. Com esse apontamento sobre o fato de as
crianças gostarem da atividade que já conheciam, notamos que a professora percebe e avalia a
forma como as crianças se apropriam das aprendizagens musicais que ela propõe em suas aulas.
Por fim, a parte final do texto de Ana mostra que ela está fazendo também uma análise sobre o
contexto da Educação Infantil e suas particularidades no que tange ao ensino de música, já que
as professoras desse componente, nas percepções de Ana, convivem diariamente com crianças
de idades diferentes, gostos diferentes, por isso planejam sua aula de forma que a atividade seja
significativa para todos.

4.4.2 Caso de ensino 2 –Movimento

O segundo caso de ensino que apresentamos, intitulado “Movimento”, foi elaborado


pela professora Beatriz. O texto igualmente conta com adaptações e complementações que
fizemos para tornar o caso mais completo e detalhado.
Em nosso diário de campo, a atividade que deu origem ao caso foi registrada e, diante
de todos os apontamentos feitos pela pesquisadora, a professora Beatriz fez a escolha do
fragmento do registro de observação abaixo, para elaborar seu caso de ensino:
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A professora convida as crianças a se levantarem e começa a cantar e tocar no


teclado músicas com movimento. Ex: Tindolelê, (bate palma, pé, pulinho, etc.
Depois a professora muda a intenção da música usando timbre de guitarra e
cantando e tocando no estilo “Rock”.
Depois de brincarem com as músicas com bastante movimento, a professora
pede para que se sentem em roda. Ela também se senta do chão e vai chamando
as crianças.
A professora, depois disso, fala com as crianças, que já se sentaram na roda
perguntando: _Vocês lembram que nós estamos estudando as músicas de
Vinícius de Moraes? Então vamos hoje brincar com a música “A pulga”. E
pede para as crianças deitarem com os pés para cima. A professora se levanta
e coloca a música no aparelho de som da sala, depois volta para junto das
crianças e deita também para fazer a coreografia da música. Dança e pula junto
com crianças, que vão fazendo os gestos da música de acordo com o que a
professora faz.
Eles repetem duas vezes e na terceira vez a professora diz que não vai fazer
junto, dizendo que vai só olhar pra ver se todo mundo aprendeu a dança,
deixando que as crianças fizessem os movimentos sozinhas, o que não
aconteceu, pois a professora no meio da música começa a dançar e cantar junto
das crianças. (Diário de Campo – registro de aula da prof.ª Beatriz)

Esse trecho de nosso Diário de Campo é o registro de uma das aulas da professora
Beatriz, que, nesse dia estava realizando suas aulas em sala regular. Era uma turma de crianças
entre 3 e 4 anos, denominada pela rede de educação municipal como Infantil II, com cerca de
25 alunos nessa aula. Tratava-se da última aula do dia, no período da tarde, aula que se inicia
às 17:10 e vai até às 18:00, horário em que as crianças vão embora.
O caso de ensino elaborado traz uma visão desse fragmento de observação, com as
percepções da professora Beatriz, sobre sua própria prática:

Sou professora de música na educação infantil há 3 anos, porém, ao todo, no


magistério tenho 9 anos, sendo 8 na educação infantil. Embora não tenha
formação em licenciatura específica na área de música, já participei de corais
e grupos de música em igrejas, toco teclado e violão, sou formada em
pedagogia e estou terminando pós-graduação em educação musical. Participei
de formação oferecida pela rede de educação em que atuo, no projeto Sala de
Leitura Interativa, que tem por finalidade oferecer a todas as turmas de
educação infantil, duas aulas por semana de música e duas aulas por semana
de literatura. Meu trabalho com música na educação infantil é desenvolvido
na mesma escola, por 3 anos, desde que o projeto começou. Sou professora
efetiva na Rede de ensino municipal e este ano assumi as aulas de música do
período da tarde em uma escola da zona Sul da cidade. Uma escola recém
reformada, com um espaço externo amplo, salas de aula e Sala Interativa,
específica para as aulas do Projeto. Como em nossa rede são duas professoras
para cada escola para darem as aulas de Literatura e Música, nós fazemos o
revezamento da Sala Interativa. Em cada semana, uma professora a utiliza.
No relato deste caso de ensino, eu estava utilizando a sala regular mesmo, era
a semana da professora de Literatura usar a sala interativa. Quando isso ocorre,
percebo que as crianças e eu também fico mais dispersa, pois, quando preparo
além da aula e dos materiais, o ambiente também, a aula acontece de forma
mais organizada. Sinto que é importante planejar o ambiente e os espaços onde
a aula de música acontece.
A situação aconteceu na última aula do dia e lá estava eu em uma sala de
89

infantil II, (crianças de 3 a 4 anos) com aproximadamente 25 alunos. Essa


turma sempre apresentou um comportamento muito produtivo, nossas aulas
sempre foram muito tranquilas e participativas, não são crianças agitadas e,
por ser a última aula do dia, as crianças também já estão geralmente mais
calmas e cansadas por toda a rotina que o dia já contemplou, com saídas para
o parque, lanche, atividades com a professora de sala regular. Essa última aula
é sempre mais tranquila.
Durante essa aula, iniciei com um aquecimento corporal, em que as crianças
de pé fazem movimentos lentos e eu vou fazendo com eles, para que imitem.
Propus, depois disso, uma atividade de expressão corporal com a canção: A
pulga (Vinícius de Moraes). Estamos estudando as canções desse compositor
durante o semestre todo. Na primeira execução da música, realizei a dança
juntamente com eles, para relembrar a música e em seguida sugeri que eles
dançassem sozinhos, com a intenção de que pudessem criar movimentos para
a música, me sentei dizendo que iria assistir. A música já sugere algumas
expressões corporais, como deitar, e as crianças já estavam acostumadas com
isso, então começava com as crianças deitadas no chão movimentando as
pernas. Nesse primeiro momento eu estava sentada apenas os assistindo,
quando o andamento da música se tornou mais rápido as crianças levantaram-
se e começaram a realizar diversos movimentos como saltar, balançar os
braços, nesse momento eu me levantei também e comecei a dançar. Minha
intenção inicial era apenas ser observadora e perceber como as crianças se
expressam corporalmente.
O que percebi nesse momento é que não executei a proposta que eu mesma
havia sugerido e as crianças, ao invés de fazerem seus próprios movimentos e
expressões, passaram a me copiar. Acredito que tenha feito isso por impulso
devido agitação da música e a minha própria ansiedade.
As crianças continuaram a dança sem mencionar que eu também estava
dançando, porém acredito que, com essa minha postura, eu não consegui
atingir meu objetivo que era verificar a expressão corporal livre das crianças,
e como elas percebiam a música com o corpo, com autonomia sem a
necessidade do modelo do professor ou de uma coreografia, mas sim com
liberdade de movimentos.
Muitas vezes, os objetivos na aula de música acabam se misturando, pois
existem muitas coisas para trabalhar com as crianças, por isso percebi que é
preciso estar bem claro para o professor a intenção de cada atividade, para que
possamos ter o parâmetro depois no momento de avaliar e refletir sobre a
atividade. Percebo que, muitas vezes, como professora, deixo-me ser tomada
pelo sentimento de ansiedade da aula, no envolvimento com os alunos, pois a
aula de música é dinâmica e animada. A questão que coloco é se eu deveria
mesmo ter me afastado, ou se, mesmo participando com as crianças dançando,
eu poderia incentivá-los a criar seus próprios movimentos e expressões. (Prof.ª
Beatriz)

Assim como no primeiro caso de ensino apresentado em nossa pesquisa, esse texto
também apresenta em seu conteúdo percepções da professora sobre sua ação educativa, já que
traz dilemas, dúvidas sobre a prática, conhecimento dos alunos e uma postura de autoavaliação,
quando a professora termina o caso com um apontamento sobre suas indagações a respeito da
atividade proposta. O que nos chama nossa atenção é que, ao fazer a leitura de um registro feito
sobre sua aula, a professora se coloca novamente na ação, relembra sua postura, suas escolhas,
suas atitudes e se avalia, bem como avalia se seus objetivos foram alcançados.
Nesse caso, especificamente, o objetivo que a professora tinha para a atividade era a
verificação de aprendizagem das crianças, pois, primeiro, realizou os movimentos da música
90

com os alunos e, depois, faria a observação das crianças, para identificar se ocorreu a
apropriação da atividade. Entretanto, sua reflexão sobre a prática foi de que o objetivo não foi
alcançado, pois, no momento em que a professora deveria se distanciar para observar, se uniu
na atividade de movimento com os alunos.
Schafer (2011, p. 271) traz uma questão que nos faz pensar sobre o que a professora
descreve em seu caso. Segundo o autor, “às vezes não sabemos o que é sucesso. O que um
professor acha que foi um fracasso pode ser considerado um sucesso por um aluno, embora o
professor possa não saber disso até meses ou anos mais tarde”. (SCHAFER, 2011, p. 271). Tal
dúvida prevalece no relato da professora quando ela se questiona acerca do que deveria ou não
ter feito no momento da avaliação da atividade. Entendemos que também essa dúvida é sadia
para o processo de reflexão da prática docente, uma vez que retira a aura de verdades absolutas
em aula, assim como instiga o professor a continuar pensando suas ações pedagógicas.
Ainda sobre as ideias de Schafer (2011, p. 271), o autor considera que, algumas aulas
são verdadeiros “quebra-cabeças” e que é comum o professor se sentir sem saber se o que está
fazendo é o certo, entretanto o sucesso de uma aula está no aluno, na forma com que interagiu
e aprendeu, pois a aprendizagem acontece mesmo quando o professor não percebe. Desse modo,
o caso de ensino escrito pela professora Beatriz pode ser analisado pela ótica de como ela
percebeu as crianças, pois, como ela mesma relata, as crianças continuaram a dançar, sem
mencionar que ela estava dançando também, sendo que disse que não dançaria. Para as crianças,
a aprendizagem continuou, talvez de forma diferente da que a professora havia planejado
anteriormente, mas continuou.

4.4.3 Caso de ensino 3 – Desenho

O terceiro e último caso, elaborado em nossa pesquisa, é intitulado “Desenho”, pois


retrata uma situação em que o desenho fez parte de uma das propostas da aula de música na
Educação Infantil. A atividade consta em diário de campo com as observações das aulas da
professora Cecília. Em nosso diário de campo, essa atividade foi registrada de forma breve, sem
muito detalhamento, entretanto a professora, ao revisitar sua prática por meio da leitura de
nossos registros, colocou-se novamente na atividade e destacou, na elaboração de seu caso
sobre aspectos da prática docente, situações que vão além do ensino de conteúdos musicais.
O registro em diário de campo apresenta a atividade da seguinte maneira:
91

[...] a professora propõe para a turma, uma atividade em que todos devem dizer
se gostam ou não gostam de algumas coisas. As crianças estão sentadas em
roda e a professora segue uma marcação rítmica e vai falando palavras
diversas, como: chocolate, barata, cachorro, salada, etc.. As crianças fazem
sinal de positivo ou negativo com o polegar. Depois dessa atividade a
professora pede para que todos sentem nas mesinhas e distribui uma folha para
cada um, pedindo para que desenhem de um lado da folha, algo que gostem e
de outro lado, algo que não gostem. A professora coloca no aparelho de som
da sala regular, uma música clássica e vai caminhando de mesa em mesa
olhando os desenhos e conversando com as crianças. (Diário de Campo –
registro de aula Prof.ª Cecília)

Nesse fragmento de nosso diário de campo, com a leitura isolada não destacamos outros
objetivos para a atividade em que a professora sugeriu, a não ser o desenho de coisas que cada
criança gosta ou que não gosta. Todavia, a professora Cecília, ao desenvolver seu caso de ensino
baseado nessa atividade, nos apresenta importantes situações de reflexão sobre a prática
educativa e sobre a docência.
Apresentamos a seguir o caso de ensino elaborado pela professora, em que fizemos
algumas complementações no texto, com sua autorização:

Turma de Pré 1 (4 a 5 anos de idade) - 23 crianças.


Sou professora há 11 anos na educação infantil e estou nas aulas de música há
3 anos. É a segunda aula do dia do período da tarde numa escola de educação
infantil, a comunidade do entorno escolar é de classe média, as crianças entram
às 13:00 e vão embora às 18:00. O espaço que utilizo para as aulas de música
é a sala regular das crianças e uma Sala Interativa, no relato dessa aula, o
espaço é a sala de aula normal. É uma turma tranquila, com maior número de
meninas do que meninos. O caso que relato agora é uma situação em que a
música serviu de base para a expressividade emocional da turma. Escolhi esta
turma, pois há algumas alunas que me parecem ser tristes, estão sempre com
aparência de cansadas, sem disposição para brincadeiras agitadas de música.
Então busquei uma atividade que pudesse unir a música ao que a turma gosta
de fazer, que são desenhos. A professora regular da sala sempre comenta em
nossas reuniões de horário de trabalho coletivo que, se ela der desenho o dia
inteiro, as crianças querem desenhar o dia inteiro, de tanto que gostam de
desenhar. Nas aulas de música, eu não costumo fazer muitas atividades de
desenho, pois acho que esse não é o foco, mas nesse dia em específico quis
propor isso para tentar conhecer um pouco melhor as crianças e, por meio do
desenho, saber o que eles gostam para propor outras atividades na aula de
música. Iniciei a aula com uma atividade de “gosto e não gosto” e fui falando
palavras para eles como coisas de comer, animais peçonhentos, atitudes (por
exemplo: chocolate, salada, sorvete, barata, cachorro, briga, carinho, etc) e
para cada palavra que eu dissesse, eles faziam com o polegar o sinal de
positivo ou negativo. Enquanto as palavras eram faladas, eu busquei seguir
um ritmo métrico nas palavras. Depois que fizemos um tempo dessa atividade,
entreguei para todos uma folha de sulfite, com uma divisão ao meio, e pedi
que, de um lado desenhassem uma coisa que gostavam e de outro, uma coisa
que não gostavam. Coloquei uma música de fundo, escolhi um CD de músicas
clássicas de Bethovem, por ser instrumental e a letra não interferir na escolha
do que desenhar. As crianças ouviam a música e tinham que desenhar na
folha. Para minha surpresa, uma das alunas que eu percebia sendo um pouco
triste em suas atitudes, enquanto estava desenhando começou a chorar. Eu fui
até sua mesa para falar com ela e ela tinha desenhado os pais, dizendo que
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ficou triste porque ela gosta dos dois, do pai e da mãe. Eu então acolhi a aluna
e falei que não precisava mais desenhar se não quisesse. Fiquei pensando,
como professora, o que é que fez com que a aluna chorasse, se foi algum
problema que estava passando em casa com os pais, mas não entrei mais em
detalhes com a criança. Percebo que a música é realmente capaz de mexer com
as emoções, tanto de adultos como de crianças. Nessa atividade fiquei
pensando que o objetivo inicial era conhecer melhor o que as crianças
gostavam, para fazer um diagnóstico da turma e poder encaminhar próximas
aulas de música, mas, ao final, a aula acabou trazendo à tona as emoções de
uma aluna. Me pergunto se esse também é um objetivo das aulas de música e
se devo também trabalhar com estas questões que envolvem o sentimento dos
alunos. Fico na dúvida de como poderia retomar essa atividade e dar sequência
na proposta inicial (Prof.ª Cecília)

Percebemos, com a leitura desse caso de ensino, o quanto as práticas de ensino em


música na Educação Infantil são permeadas por sentidos e objetivos pedagógicos, que são
percebidos quando o professor faz a reflexão sobre sua prática. Notamos, ainda, que a escrita
de um texto, como o caso de ensino, pode servir de instrumento de reflexão, algo que não
ocorreria apenas com a observação da prática.
Esse caso ilustra as etapas do raciocínio pedagógico que Shulman (2014, p. 216)
apresenta. Observamos isso quando a professora passa pela etapa: da compreensão,
estruturando suas ideias sobre como vai aplicar a aula e o que pretende alcançar, no caso,
entender o que a turma gosta ou não gosta; da transformação, quando seleciona a forma que
vai fazer a abordagem, fazendo os ajustes nos modos de ensinar, o que acontece quando a
professora pensa em fazer a atividade com o polegar positivo ou negativo e depois partir para
o desenho; da instrução, que é o ato de ensinar, o que acontece no momento em que ela vai a
cada mesa para conversar com os alunos, especialmente com a aluna que está chorando; da
avaliação, que foi a ação de identificar que, nessa atividade, muito mais do que descobrir do
que as crianças gostavam, a professora pôde trabalhar com as emoções dos alunos por meio da
música; da reflexão, quando, ao ler o registro feito sobre sua aula, relembra e reflete fatores
que ocorreram, trazendo suas percepções sobre o ensino; e, por fim, as novas compreensões,
que são o entendimento da prática, da atividade proposta e de como os desdobramentos da
atividade puderam servir para que a professora pudesse conhecer ainda mais a turma e pudesse
seguir com o planejamento de novas propostas de atividades.
Ao término de nossa pesquisa de campo, ficamos com a sensação de que a reflexão é
contínua e que as experiências docentes, somadas às experiências de vida das professoras,
constroem suas características e suas maneiras de se posicionarem perante a profissão. No esteio
dessa relação entre a vida e a profissão, novidades surgiram durante a pesquisa e revelam o
caminhar reflexivo das professoras, na medida em que, coincidentemente, após os três anos de
93

atuação como professoras de música na educação infantil, elas passaram a exercer outras
funções na educação. A professora Beatriz, foi convidada para assumir outro desafio na mesma
rede de ensino, que é a atuação como professora de projetos de empreendedorismo, em que o
trabalho é voltado para alunos de Ensino Fundamental. Já a professora Ana assumiu novamente
aulas em classe regular na Educação Infantil, optando por uma turma do nível infantil I, que
corresponde a alunos com idade entre 2 a 3 anos. Para a professora Cecília coube o convite para
assumir o cargo de diretora de escola em uma unidade da Educação Infantil.
Mediante esses acontecimentos que nos foram informados pelas professoras,
consideramos relevante, em nossas considerações sobre a pesquisa, destacar essa realidade.
Solicitamos, então, às professoras uma devolutiva, apenas para registrar suas impressões e
novas reflexões sobre a prática docente em música. Para isso, perguntamos a cada uma delas,
em dias diferentes, o que elas levaram de significativo para seu desenvolvimento profissional
pelo fato de terem sido professoras de música durante os três anos em que atuaram. Em linhas
gerais, gostaríamos de saber se essa experiência trouxe crescimento como profissionais, se
refletiam de forma diferente sobre a profissão, e se os conhecimentos adquiridos como
professoras de música poderiam ajudar de alguma forma no desenvolvimento de outras funções
que estão ou estarão atuando na educação.
As respostas nos surpreenderam e nos fazem considerar a importância de momentos de
reflexão sobre a prática:

Para mim, esses três anos que eu passei dando aula de musicalização para as
crianças na rede municipal foi muito gratificante. No começo, foi bem
desafiador, porque era um projeto novo, entrando na rede, então a gente não
sabia muito bem por onde começar, tivemos uma preparação, mas foi pouca
coisa, então a gente teve que caminhar sozinha, pesquisar, correr atrás, buscar,
no dia a dia ir percebendo das crianças o que eles gostavam e ir trabalhando
com elas. (Prof.ª Ana)

A fala da professora Ana afina-se com as análises realizadas, quando ela e outras
professoras disseram sobre o desafio de ser professora de música. O que nos chama a atenção
é o trecho “ir percebendo das crianças o que elas gostavam e ir trabalhando com elas.”,
remetendo-nos ao texto de Brito (2001, p. 31), quando se referia ao educador musical
Koellreutter que afirmava em seus cursos: “É preciso aprender a apreender do aluno o que
ensinar.”
Essa constatação nos faz perceber justamente sobre a importância da reflexão na prática
ou, nos termos de Schön (1992), a reflexão-na-ação. É na percepção dos alunos e no olhar atento
do professor que são construídas a prática docente, levando o professor a compreender o
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processo educativo e a entender a relevância de apreender do aluno o que deve ensinar. Foi essa
a dinâmica de reflexão que a professora Ana nos apresentou em sua consideração sobre os três
anos que atuou como professora de música. A professora continuou sua fala afirmando:

O primeiro ano foi bem desafiador nesse sentido, porque foi muita pesquisa,
muita busca, muita procura, aí o segundo ano já foi um pouco mais tranquilo
nesse quesito, mas também é desafiador, porque daí você tem que se superar
né, fazer coisas diferentes,[...] Foram três anos com eles e eu pude perceber
muita coisa, como eles aprimoraram o gosto musical, eles apreciavam
instrumentos, eu aprendi a tocar ukulelê e levava pra eles, muitos compraram
instrumentos e levavam pra eu ver o que eles tinham comprado… o retorno
dos pais, principalmente dos pais com crianças com necessidades especiais, a
gente teve um retorno muito bom, os pais vinham agradecer que a criança
chegava em casa e cantava, você via como eles amam a música [...] E depois
de três anos, eu resolvi voltar pra sala de aula, confesso que com um
pouquinho de dor no coração, mas eu precisava voltar, descansar um pouco,
porque é muito gratificante trabalhar com a música, mas desgasta bem a gente
fisicamente, e eu resolvi , mas hoje eu volto pra sala de aula com outro olhar,
porque esse tempo que eu passei na musicalização abriu meus olhos pra muitas
coisas, pro lúdico, como as crianças gostam e aprendem...na verdade como
eles aprendem quando é algo prazeroso. (Prof.ª Ana)

Nessa síntese dos três anos que a professora Ana trabalhou com aulas de música na
Educação Infantil, percebemos que a professora reflete sobre os objetivos da educação musical
e sobre as competências docentes, quando diz que inicialmente passou por um momento de
pesquisas por materiais, pela aprendizagem de um instrumento musical, pela busca de
metodologias e novidades, o que Shulman (2014, p.206) descreve como a busca pelo
“conhecimento do conteúdo”. Essa busca revela a perspectiva da professora em aprender mais
sobre o que ensinar na aula de música. Além disso, o relato acima nos apresenta também a
devolutiva do retorno dos pais como algo significativo para a prática da professora.
A professora Ana finaliza seu texto dizendo que volta para a sala de aula regular com
outro olhar sobre a prática, de modo a considerar que, fisicamente, ser professora de música é
desgastante, por outro lado, também é gratificante, pois ela declara que teve seus olhos abertos
para as possibilidades de aprendizagem lúdica na Educação Infantil e para o desenvolvimento
integral da criança, como sugere a BNCC (2017, p.36) ao trazer os direitos de aprendizagem na
Educação Infantil que são: conviver, participar, explorar, expressar, conhecer-se e brincar.
Da mesma maneira que a professora Ana, a professora Beatriz também nos deu seu
depoimento destacando sua reflexão sobre os três anos que atuou como professora de música,
quando, no que seria seu quarto ano nessa função, recebeu o convite para trabalhar em outra
área na rede de ensino, nas oficinas de empreendedorismo, trabalho que é realizado com
crianças dos anos finais do Ensino Fundamental. A professora destaca alguns pontos que a
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fazem refletir sobre sua experiência como professora de música e como isso poderá auxiliá-la
em sua nova função:

Embora seja mesmo diferente, devido a faixa etária, devido ao trabalho,


existem alguns aspectos que eu consigo utilizar, coisas que eu aprendi em sala
de aula com os pequenos dando aula de música. Então a primeira coisa que
ficou muito forte foi realmente esse jogo de cintura, porque na educação
infantil a gente planeja uma aula, independente da educação infantil, mas
planejamos uma aula e nós temos uma previsão, né, nós achamos que essa aula
vai fluir de tal maneira e quando a gente aplica essa aula, essa aula ela flui de
maneiras diversas de acordo com a turma.[...] Então, embora a gente tenha
uma oficina de empreendedorismo estruturada que nós aplicamos de acordo
com a idade, com algumas turmas aquilo vira um pouco mais, com outras a
gente tem que ter mais tempo, precisa de mais tempo. Então essa flexibilidade
que a aula de música nos ensina eu acabo utilizando também hoje com os meus
alunos. (Prof.ª Beatriz)

A questão do planejamento de aula e do que a professora Beatriz chama de “jogo de


cintura” é o que Vaillant e Marcelo (2012, p.18-19) apresentam quando tratam das capacidades
docentes e da dimensão cognitiva-acadêmica, das quais fazem parte as características e a
quantidade dos saberes docentes. A autora destaca que “motivação, liderança, empatia, espírito
empreendedor, boa disposição, atitude positiva, estimulação intelectual, compreensão, controle
emocional, são muitos dos componentes que estão incluídos nessa dimensão.”
Além disso, esse “jogo de cintura” também é a prática do professor quando envolve
vários desses componentes dos seus saberes docentes, pois o professor tem sua ação conduzida
pela reflexão de sua prática, moldando a situação educativa diante de uma aula que, muitas
vezes, não se realiza conforme o planejado.
Schafer (2011, p.265) inicia o capítulo voltado para educação musical em seu livro “O
ouvido pensante” destacando o que acredita como sendo dez máximas aos educadores. A
primeira e segunda máximas apresentadas são:

1. O primeiro passo prático, em qualquer reforma educacional é dar o


primeiro passo prático.
2. Na educação, fracassos são mais importantes que sucessos. Nada é mais
triste que uma história de sucessos.

Essas duas primeiras máximas, que o autor organiza, nos fazem analisar o papel da
reflexão sobre a prática docente. No propósito de nosso trabalho, buscamos analisar práticas de
três professoras que iniciaram um trabalho de música na Educação Infantil em uma rede, com
uma breve formação, mas com a compreensão de que seria na prática que elas iriam construir
a proposta de educação musical, ou seja, deram o primeiro passo. Na segunda máxima, Schafer
(2011) apresenta a questão dos fracassos como algo positivo, evidenciamos isso nos relatos e
96

nas construções dos casos de ensino, pois faz parte da reflexão docente compreender o erro e a
dúvida.
A professora Beatriz nos fala sobre essa percepção do erro, das aulas que fluíram de
maneira diferente do que havia sido planejado, mas que, com o “jogo de cintura”, com a
reflexão-na-ação, tomaram rumos diferentes, sem perder os objetivos.
A professora Cecília, em seu depoimento sobre os anos que passou como professora de
música na Educação Infantil, destacou pontos que se referem à nova função que irá assumir. A
professora recebeu o convite para assumir a direção de uma escola de Educação Infantil. Sua
fala é emotiva, talvez por reflexo da recente mudança de função, mas ilustra pontos
interessantes de analisar.

Bom, eu já leciono como concursada aqui na rede há 13 anos. Durante esses


anos trabalhei em creches, emei’s, EJA, ensino fundamental... passei por tudo,
e quando a secretaria criou o projeto de Sala Interativa, quando eu soube que
haveria o eixo de música, imediatamente eu participei das formações. A
música sempre esteve presente na minha vida... é algo que me faz relaxar,
refletir, entender as diferenças dos seres como uma orquestra...onde cada
instrumento tem seu timbre e em cada partitura faz seu som, e ao final, temos
assim... uma linda harmonia. Atuar no eixo de música me fez muito feliz, me
fez mais gente... em cada sala era uma novidade, carinhas sorrindo, vibrando...
planejar sempre, mas pra cada turma uma história, uma estratégia diferente. E
os pais? Ah.. como eu gostava de conversar com eles, me sentia querida, tanto
pelas crianças como pelos pais mesmo. Estou indo pra uma nova função, na
direção agora, mas penso como um maestro sabe... vou estar lá apenas
ajustando as notas, os ritmos, alegorias... porque o trabalho quando é feito com
amor, vira diversão né...Só posso dizer que valeu muito... e pra encerrar eu
fico pensando na canção: “sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu.”
(Prof.ª Cecília)

Em seu discurso, compreendemos que a professora Cecília faz uma analogia entre a
música e a escola, quando apresenta conceitos da música como timbre, harmonia, partitura,
ligados às diferenças dos “seres”, ou seja, das pessoas que fazem parte da escola, como alunos,
colegas professores, equipe gestora. É na maneira como as palavras são ditas que percebemos
o significado implícito na emoção que a professora demonstrou em sua fala.
A professora Cecília, assim como a professora Ana, destaca a questão do retorno que os
pais dos alunos traziam de seu trabalho, ao dizer que se sentia amada, tanto pelas crianças como
pelos pais. Ela finaliza seu depoimento fazendo uma nova analogia entre a música e a educação,
comparando sua nova função de diretora de escola com a de um maestro de orquestra, quando
destaca que estará “ajustando as notas, e os ritmos”.
Essa postura apresentada na fala da professora Cecília nos mostra que a reflexão sobre
a sua prática docente nas aulas de música foi além da sala de aula, fazendo-a refletir sobre a
97

escola como um todo. A isso, Nóvoa (2009, p.33) chama de um “terceiro lugar”, que é um outro
lugar além da sala de aula no qual “as práticas são investidas do ponto de vista teórico e
metodológico, dando origem à construção de um conhecimento profissional docente”. Dessa
forma, entendemos que, na reflexão sobre a prática, as professoras participantes de nosso
estudo, Ana, Beatriz e Cecília demonstram que sua atuação nas aulas de música possibilitaram
um olhar novo sobre seus conhecimentos profissionais docentes.
98

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa buscou responder a questões a respeito das práticas de três professoras de
música de um município do interior paulista. As questões eram: quais são suas práticas em
música na Educação Infantil? Como organizam suas rotinas? Como refletem sobre o ensino de
música? Quais estratégias utilizam para trabalhar com os conteúdos musicais para as turmas de
crianças bem pequenas e pequenas?
Ao entrar nas escolas e salas de aula para as observações e por meio das falas das
professoras nas entrevistas, entendemos que esse estudo se faz relevante não simplesmente para
averiguação das práticas e reflexões das professoras, mas também para reconhecer e valorizar
a docência, especialmente em música na Educação Infantil.
Percebemos quão disponíveis estavam as professoras ao colaborarem com nossa
pesquisa, permitindo que estivéssemos em seus ambientes de trabalho, observando suas
atividades, perguntando sobre suas reflexões sobre a docência e orientando para a escrita de
seus próprios casos de ensino, que surgiram no decorrer da pesquisa.
As observações das práticas das três professoras nos trouxeram resultados riquíssimos.
Dentre eles, destacamos: a constatação de uma rotina estabelecida nas aulas, com momentos
de aquecimento vocal e corporal; a utilização de instrumentos musicais como acompanhamento
e como recursos lúdicos para a imaginação; a utilização de brinquedos e materiais não
estruturados para realizar atividades musicais; e a presença do movimento e da exploração dos
espaços, da apreciação e da criação musical, trazendo a música como meio de expressão de
sentimentos para as crianças. Esses resultados geraram significativas possibilidades de análises,
as quais esperamos que possam servir de inspiração para novos professores que estejam
iniciando uma jornada com as aulas de música na Educação Infantil.
As práticas das professoras revelaram que, embora não tivessem formação acadêmica
específica em música, as três tinham conhecimento sobre a área, tocavam instrumentos,
cantavam, conheciam os termos técnicos sobre a música e buscavam aprimoramento
profissional, pois eram pesquisadoras e gostavam do que faziam.
Nas práticas observadas, pudemos encontrar muitos exemplos daquilo que as
professoras trouxeram como reflexão, nas entrevistas semiestruturadas, inclusive retomando
uma frase de Nóvoa (2009) já utilizada aqui, mas que ficou significativa no contexto dessa
pesquisa, quando diz ensinamos aquilo que somos e, naquilo que somos, se encontra muito
daquilo que ensinamos, ou seja, as professoras ensinam música, porque já vivenciaram a
99

música.
A busca pelo referencial teórico que pudesse sustentar nossa pesquisa foi de grande
contribuição e aprendizagem, possibilitando o contato com diferentes formatos de análises
teóricas e práticas, as quais sustentaram as discussões de forma que, enquanto pesquisadora, foi
possível compreender mais sobre a educação e a educação musical, na intenção de pensar em
uma formação de professores que se constrói na prática, assim como Nóvoa (2009) nos sugere.
Os casos de ensino, como instrumento de pesquisa, possibilitaram ampliar nossa visão
sobre a prática que observamos, de forma a experimentar o que de fato vivenciam as professoras
no momento de suas atividades. Entendendo, de forma mais clara, o que se passava nas
atividades propostas e, buscando apresentar uma contribuição para as professoras participantes
da pesquisa a partir daquilo que elas próprias trouxessem em suas percepções sobre a prática, é
que, respeitosamente, nós nos propusemos a analisar os casos de ensino por elas elaborados.
Destacamos a partir disso, a importância de buscarmos a formação de professores que
se construa na prática, mas que também vá além da prática observada – aquela que parte de uma
prática vivida e experimentada, com suas dúvidas, incertezas, limites, erros, acertos – e
encaminha-se, sobretudo, para uma prática reflexiva, que entende que a educação,
especificamente, a docência é, como diz Morin (2011, p. 36), uma atividade complexa, é uma
ação que é tecida junto, em conjunto, sendo indissociáveis a ação e o pensamento de
professores.
Nessa reflexão sobre as práticas docentes, encontramos um caminho para pensarmos na
formação de professores, seja inicial ou continuada. Os casos de ensino que apresentamos em
nosso trabalho são exemplos de como se pode construir na prática um material de formação e
discussão sobre a própria prática. São textos que apresentam os conflitos, as dúvidas, as ações
reais de um professor, que, ao elaborar seu caso de ensino, já começa a refletir sobre todos os
processos de ensino, gerando mais reflexão, de modo que a ação educativa não seja esvaziada,
mas repleta de intencionalidades e significados.
Finalizamos nossas considerações, destacando uma frase de Schafer (2011, p. 270) em
que afirma que “muito frequentemente, ensinar é responder a questões que ninguém faz”.
Acreditamos que essas questões que ninguém faz são, na verdade, estruturadas na própria
reflexão do professor sobre sua prática. Como professores, estamos constantemente refletindo
sobre o que fazemos, assim, analisar as práticas e os casos de ensino que traduzem as práticas
pela ótica da reflexão das professoras nos faz pensar em novos questionamentos, tais como:
Quais são os novos rumos para a formação dos professores que estão assumindo hoje as aulas
de música na Educação Infantil? Como as práticas desses professores estão ocorrendo? É
100

possível pensar em uma continuidade para a formação dos professores que atuam com a música
nessa fase da escolarização? Nossa pesquisa não nos possibilitou responder a essas perguntas,
mas caminharemos com os resultados trazidos até aqui, na esperança de que a formação dos
professores de música esteja cada vez mais voltada para as questões se emergem da prática.
Enquanto pesquisadora e professora de música, levo para minha prática e formação
profissional, ensinamentos e reflexões proporcionados por essa pesquisa, dentre eles pensar nas
situações práticas como meio de formação contínua. Visualizar e refletir as práticas de outros
professores é algo que proporciona grande aprendizado para qualquer professor, seja na
formação inicial ou na formação contínua. Em minha atuação profissional como professora de
música e formadora de professores, compreendo que é na prática que a teoria se consolida,
sendo assim, o professor deve estar aberto ao que lhe é apresentado com as crianças da
Educação Infantil. É preciso olhar, conhecer, ouvir o que as crianças trazem de suas vivências,
bem como é preciso olhar, conhecer e ouvir o que os professores trazem a respeito da prática
em sala de aula, com essas crianças.
É de grande interesse oferecer uma devolutiva, tanto às professoras participantes desta
pesquisa, quanto a outros professores de música na educação infantil, de modo que possamos
realizar as discussões à partir dos casos de ensino que foram elaborados, ampliando a formação
continuada e na busca pela retomada de uma formação inicial, em consonância com as práticas
já vividas pelos professores de música da educação infantil.
Para a comunidade acadêmica, fica nosso objetivo de divulgação, com a publicação
desta dissertação e com a escrita de artigos que possam ser acessados por outros pesquisadores
por meio de revistas, congressos e eventos acadêmicos, bem como a inquietação por
materializar esta pesquisa em forma de livro, de modo que possa inspirar outros professores
que se debruçam a pensar nas questões do ensino de música para a educação infantil de forma
reflexiva.
101

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106

ANEXO I

OFÍCIO

Taubaté, ______ de ________________ de ____.


Prezado (a) Senhor (a)

Somos presentes a V. S. para solicitar permissão de realização de pesquisa pelo(a) aluno(a) Dóris
Mendes Ramos de Siqueira, do Mestrado Profissional em Educação: Formação de Professores, da
Universidade de Taubaté, trabalho a ser desenvolvido durante o corrente ano de 2017, intitulado “A
reflexão sobre a prática docente de professores de música na educação infantil de um município
do interior paulista”. O estudo será realizado com quatro (4) professores de música da educação infantil
que atuem a 2 ou 3 anos na função, na cidade de São José dos Campos, sob a orientação da Prof. Dra.
Maria Teresa de Moura Ribeiro.
Para tal, será realizada aplicação de questionários e entrevista individual por meio de um
instrumento elaborado para este fim, junto à população a ser pesquisada. Será mantido o anonimato da
instituição e dos participantes.
Certos de que poderemos contar com sua colaboração, colocamo-nos à disposição para mais
esclarecimentos no Programa de Pós-graduação em Educação e Desenvolvimento Humano da
Universidade de Taubaté, no endereço Rua Visconde do Rio Branco, 210, CEP 12.080-000, telefone
(12) 3625-4100, ou com Dóris Mendes Ramos de Siqueira, telefone (12) 997777509 , e solicitamos a
gentileza da devolução do Termo de Autorização da Instituição devidamente preenchido.
No aguardo de sua resposta, aproveitamos a oportunidade para renovar nossos protestos de estima
e consideração.

Atenciosamente,

________________________________________
Edna Maria Querido Oliveira Chamon
Coordenadora do Curso de Pós-graduação

À Secretária de Educação e Cidadania,


107

ANEXO II
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

***, _____ de ______________ de ____.

De acordo com as informações sobre a natureza da pesquisa intitulada “A reflexão sobre as


práticas docentes de professores de música na educação infantil de um município do
interior paulista”, com propósito de trabalho a ser executado pelo(a) aluno(a) Dóris Mendes
Ramos de Siqueira, do Mestrado Profissional em Educação, após a análise do conteúdo do
projeto da pesquisa, a Instituição que represento, autoriza a realização de observações das aulas
dos quatro (4) professores da educação infantil, que estejam na função atribuída de professores
de música, conforme critérios de seleção estipulados no projeto de pesquisa. Será mantido o
anonimato da Instituição e dos profissionais.

Atenciosamente,

________________________________________
Secretária de Educação e Cidadania
108

ANEXO III
CASO DE ENSINO COMO MODELO

EXEMPLO: Caso de Ensino “A Gata Borralheira, a Cinderela e o Sapatinho Dourado”


de Ana Rosa Abreu (1987) Retirado do livro: WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a
aprendizagem. São Paulo, Ática, 2002. p. 25-27. (Coleção Palavra de Professor)
Foi muito interessante a ‘hora da história’ hoje. Como venho fazendo todos os dias,
peguei os livros de que os alunos mais gostam para que escolhessem a história que seria lida.
Levantei O Planeta Laranja e perguntei o que estava escrito na capa. Me disseram em uníssono
o nome do livro. Pedi que lessem outro e responderam imediatamente: O lobo e os sete
cabritinhos; depois foi o mesmo com O segredo do rei. Mas eu tinha trazido também um novo,
que ninguém conhecia – O sapatinho dourado – que tinha na capa a ilustração de uma princesa
segurando um sapatinho reluzente. Pedi, da mesma forma que me dissessem o que estava
escrito, e ouvi um coro não tão unânime assim: Cinderela! Algumas crianças pareciam não
estar tão certas... O Léo logo disse: ‘Tem muitas letras para estar escrito Cinderela’. E logo a
Maria Alice exclamou: ‘É Gata Borralheira!’ Passou o dedinho sobre o título e se convenceu.
Me deu um branco. O que eu ia fazer? Confirmar que era? Dizer a verdade? Deixar pra lá? Por
outro lado, não são eles que vão construir esse conhecimento? Me segurei e, muito por não
saber o que fazer, não disse nada de imediato. Vi que algumas crianças se detinham com atenção
às letras e foram chegando à conclusão de que havia algo errado, pois o que estava escrito
começava com O e se fosse A Gata Borralheira deveria começar com A.
Ficou claro para mim que cada um poderia estar diante de um desafio diferente naquela
situação. Alguns se perturbaram com o fato de que apenas o contexto – no caso a ilustração da
capa – não bastava para informar o que estava escrito, outros que já conheciam as letras se
incomodaram por não poderem decifrar o que ali se dizia, outros ainda tentavam uma leitura
silábica, reconhecendo algumas letras e tentando ajustá-las a A Gata Borralheira, desanimando-
se diante da impossibilidade de fazer isso. Em meio a essa discussão o Rafael me pediu para
que lesse logo Cinderela, referindo-se ao livro que eu havia trazido. Juro que fiquei
desconcertada. Para ele o que estávamos discutindo não fazia nenhum sentido. Será que eu não
poderia explicar para todos o que alguns já haviam compreendido? Bem, aí eu contei o
verdadeiro nome da história e li.
Devo confessar que não sei muito bem como encaminhar situações desse tipo. Por um
lado, acho que estou começando a entender qual a importância desse negócio de botar as
crianças para trabalharem juntas e para lerem quando ainda não sabem: dá uma boa confusão,
elas se envolvem, pensam discutem, vejo as coisas que estou estudando sobre a aprendizagem
acontecerem ali na minha frente. Mas continuo sem saber como ajuda-los a entender o
funcionamento do sistema de escrita. Não consigo ficar tranquila terminando uma atividade e,
pior, sem saber sequer se aprenderam. Preciso discutir o que mais posso propor e como posso
intervir.
109

APÊNDICE I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisa: “A reflexão sobre a prática docente em música na educação infantil de um município do interior
paulista”

Orientador: Prof. Dra. Maria Teresa de Moura Ribeiro.

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre
as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em
duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador(a) responsável. Em caso de recusa você não será
penalizado(a) de forma alguma.

Informações sobre a pesquisa:

Título do Projeto: “A reflexão sobre a prática docente de professores de música na educação infantil de um
município do interior paulista”

Objetivo da pesquisa: Analisar como os professores com formação em pedagogia refletem sobre suas práticas
docentes em música na educação infantil.

Coleta de dados: a pesquisa terá como instrumentos de coleta de dados a observação de seis (6) aulas de quatro
(3) professores, com registros em caderno de campo, bem como a aplicação de duas entrevistas semiestruturadas,
sendo a última com estímulo de recordação, utilizando do material do portfólio de cada professor participante.
Estes instrumentos para recolha dos dados serão aplicados junto a 4 professores que atuem nas aulas de música da
educação infantil a 2 ou 3 anos na rede municipal de ___________.

Destino dos dados coletados: o(a) pesquisador(a) será o responsável pelos dados originais coletados por meio das
observações, do registro em caderno de campo e das entrevistas, permanecendo de posse dos mesmos por um
período não inferior a 5 (cinco) anos, quando então os mesmos serão destruídos. Os dados originais serão
guardados, tomando-se todo o cuidado necessário para garantir o anonimato dos participantes. As informações
coletadas no decorrer da pesquisa, bem como os conhecimentos gerados a partir dos mesmos não serão utilizadas
em prejuízo das pessoas ou da instituição onde a pesquisa será realizada. Os dados coletados por meio de
observação, registro em caderno de campo e entrevistas serão utilizados para a dissertação a ser apresentada ao
Mestrado em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais da Universidade de Taubaté (SP),
bem como para divulgar os dados por meio de publicações em periódicos e/ou apresentações em eventos
científicos.

Riscos, prevenção e benefícios para o participante da pesquisa: o possível risco que a pesquisa poderá causar
aos voluntários é que os mesmos poderão se sentir desconfortáveis, inseguros ou não desejarem fornecer alguma
informação pessoal solicitada pelo pesquisador, seja na observação com registro em diário de campo. Com vistas
a prevenir os possíveis riscos gerados pela presente pesquisa, aos participantes ficam-lhes garantidos os direitos
de anonimato; de abandonar a qualquer momento a pesquisa; de deixar de responder qualquer pergunta que ache
por bem assim proceder; bem como solicitar para que os dados por ele fornecidos durante a coleta não sejam
utilizados. O benefício esperado com o desenvolvimento da pesquisa será o fato de oferecer aos participantes e à
comunidade acadêmica maiores informações e conhecimentos acerca dos aspectos que compõem a “Reflexão
sobre as práticas docentes em música de um município do interior paulista. Cabe aqui ressaltar também que, pelo
aspecto interdisciplinar que se pretende abordar no presente estudo, os conhecimentos gerados por meio da
pesquisa poderão despertar o interesse de profissionais, instituições, pesquisadores e fundamentar estudos em
outras áreas do conhecimento no que diz respeito ao presente objeto de pesquisa. Contudo, os principais benefícios
do presente estudo poderão se apresentar somente ao final do mesmo, quando das conclusões do mesmo.
110

Garantias e indenizações: fica garantido o direito às indenizações legalmente estabelecidas aos indivíduos que,
por algum motivo, sofrerem qualquer tipo de dano pessoal causado pelos instrumentos ou técnicas de coleta de
dados. Os participantes têm o direito de serem informados a respeito dos resultados parciais e finais da pesquisa,
para isto, a qualquer momento do estudo, terão acesso aos pesquisadores responsáveis pela pesquisa para
esclarecimento de suas dúvidas.

Esclarecimento de dúvidas: o(a) investigador(a) é mestrando(a) da Turma 2017 do Mestrado Profissional em


Educação: Formação e práticas docentes, na Universidade de Taubaté (SP), Dóris Mendes Ramos de Siqueira,,
residente no seguinte endereço: Rua Atenas Paulista, 132, Jardim das Indústrias, podendo também ser contatada
pelo telefone (12) 99777-7509, incluindo ligações à cobrar. A pesquisa será desenvolvida sob a orientação do(a)
Prof. Dra. Maria Teresa de Moura Ribeiro, a qual pode ser contatado pelo telefone (12) 3625-4217. A
supervisão da presente pesquisa será feita pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté, situado
na Rua Visconde do Rio Branco, 210 – Bairro: Centro, Taubaté-SP, no telefone: (12) 3625-4217.
A presente pesquisa não acarretará quaisquer tipos de ônus e/ou despesas aos participantes, sendo os dados
coletados nas dependências da Instituição, onde os participantes que comporão a amostra atuam, em horário
condizente com as disponibilidades dos mesmos. Da mesma forma fica aqui esclarecido que a participação no
presente estudo é em caráter voluntário, não havendo nenhum tipo de pagamento pela sua participação no mesmo,
ficando excluídas as indenizações legalmente estabelecidas pelos danos decorrentes de indenizações por danos
causados pelo pesquisador.
As informações serão analisadas e transcritas pelo(a) pesquisador(a), não sendo divulgada a identificação de
nenhum participante. O anonimato será assegurado em todo processo da pesquisa, bem como no momento das
divulgações dos dados por meio de publicação em periódicos e/ou apresentação em eventos científicos. O depoente
terá o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo. A sua participação dará a possibilidade de ampliar o
conhecimento sobre as reflexões sobre as práticas docentes em música para a educação infantil.

DECLARAÇÃO:

Declaro que li e que compreendi todas as informações contidas neste documento, sanei todas as minhas dúvidas,
junto ao pesquisador, quanto a minha participação no presente estudo, ficando-me claros, quais são os propósitos
da presente pesquisa, os procedimentos a serem realizados, os possíveis desconfortos e riscos, as garantias de não
utilização das informações em prejuízo das pessoas no decorrer e na conclusão do trabalho e da possibilidade de
obter esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a minha participação não será paga, bem como não
terei despesas, inclusive se decidir em desistir de participar da pesquisa.
Concordo em participar desse estudo podendo retirar meu consentimento a qualquer momento, sem necessidade
de justificar o motivo da desistência, antes ou durante a pesquisa, sem penalidades, prejuízo ou perda de qualquer
benefício que possa ter adquirido.

______________________________________, _______ de ____________ de 2018.

_______________________________________
Assinatura do Participante

Nome do Participante: ________________________________________________________________________

_______________________________________
Dóris Mendes Ramos de Siqueira
111

Pesquisador(a) Responsável
Declaramos que assistimos à explicação do(a) pesquisador(a) ao participante, que as suas explicações deixaram
claros os objetivos do estudo, bem como todos procedimentos e a metodologia que serão adotados no decorrer da
pesquisa.

_______________________________________ _______________________________________
Testemunha Testemunha
112

APÊNDICE II
ROTEIRO DE ENTREVISTA

Dados gerais:
Formação:________________________
Grau de instrução:____________________________
Idade:____________ Sexo:__________
Tempo de magistério:________ Na educação infantil:_______ Em música:______
Turmas que atende na escola:_____________

Questões:
1. Qual sua formação? Contemplou conhecimentos em música? Como?
2. Você já possuía conhecimentos em música anteriores?
3. O que te fez escolher ser professora de música na educação infantil?
4. Como você elabora seu planejamento? a quais recursos recorre?
5. O que você espera que as crianças aprendam com as aulas de música na educação
infantil?
6. Utiliza de instrumentos musicais no desenvolvimento das aulas? Como?
7. Utiliza ferramentas tecnológicas como recursos para as aulas de música? Quais e como?
8. Utiliza de objetos diferentes, brinquedos ou outros materiais nas aulas? como?
9. Encontra alguma dificuldade na realização do trabalho nas aulas de música? quais?
10. Como você percebe o envolvimento e aprendizagem das crianças nas suas aulas?
11. Como você avalia sua prática? pretende continuar como professora de música?
113

APÊNDICE III
ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE CASOS DE ENSINO

ELABORANDO UM CASO DE ENSINO:


Cara professora,
Apresentamos a você alguns exemplos de casos de ensino e de como eles podem ser grandes
ferramentas para a reflexão docente. De um caso podem surgir diversas análises que buscam
sempre a melhoria de nossa prática como professoras, pois:

Os casos de ensino mostram situações complexas vividas por professoras


durante sua atividade docente. Trazem exemplos de como é possível lidar com
determinadas situações e, mais que isso, explicitam dilemas e conflitos
enfrentados por docentes ao lidar com o ensino e com seus alunos. Mostram
como determinada aula foi conduzida, que problemas surgira no decorrer das
atividades; trazem situações parecidas enfrentadas por diversas professoras,
em diferentes lugares, diferentes escolas, com diferentes alunos. Deixam clara
a complexidade do que é ser professora. (NONO, MIZUKAMI. - CAED 1. p.
2)

Convido você agora, para elaborar o seu próprio caso de ensino, partindo dos registros das
observações que eu fiz de suas aulas. Para orientá-la na elaboração de seus casos de ensino,
alguns passos podem ser seguidos. São eles:
1. Escolher o acontecimento, a ação de sua aula, um acontecimento: Incidente crítico.
2. Descrever o contexto: É dar um pano de fundo, um cenário da sua aula. Qual turma,
quantos alunos, qual era a aula (1ª, 2ª ultima aula), como é a turma, agitada, calma,
acompanhada por estagiária, etc.
3. Revisar a situação e a forma como agiu diante dela: O que ocorreu em sua aula, quais
foram suas ações, e quais foram os motivos que levaram a professora a essas ações,
quais os seus sentimentos naquele momento e o que a levaram às suas tomadas de
decisões.
4. Examinar os efeitos de suas atitudes: Como os alunos reagiram diante de suas atitudes
no momento da aula, quais consequências?
5. Revisitar o incidente: Como você analisa sua ação, quais as suas percepções sobre si
mesma como professora de música na Educação Infantil.
Desde já, agradeço!
Dóris Mendes

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