Processo de Execucao Penal e o Estado de Coisas Inconstitucional
Processo de Execucao Penal e o Estado de Coisas Inconstitucional
Processo de Execucao Penal e o Estado de Coisas Inconstitucional
L u í s C a r l o s Va l o i s
Copyright © 2019, D’Plácido Editora. Editora D’Plácido
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Letícia Robini Todos os direitos reservados.
(Imagem via VisualHunt) Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,
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Diagramação do Grupo D’Plácido.
Bárbara Rodrigues
ISBN:978-85-8425-739-3
CDD347.9CDU341.43
Sumário
5. Procedimentos específicos
na execução penal 127
5.1. Progressão com 1/6 do regime semiaberto para o aberto
em penas hediondas 127
5.2. Progressão com 1/6 sempre que a pena foi igual ou
inferior a 8 anos 129
5.3. Retificação do regime inicial na execução penal 132
5.4. A substituição da pena de prisão por pena restritiva de
direitos na execução 137
5.5. Indulto para penas de crimes hediondos 142
5.6. Monitoração eletrônica 149
6. Conclusões 159
Referência 163
P re f á c i o
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dos expertos e descompromisso com inclusão, o país passou a
criar medos e tragédias sociais, fortalecendo um estado policial.
Olvidaram-se os direitos humanos e os paradigmas constitucionais
e seguiram-se leis penais de emergência, cujo ápice está na Lei
Antidrogas, todas aditando um Código Penal que em sua parte
especial continua ideologicamente comprometido com o capital.
Vivemos assim sob a égide de um direito penal segregacionista,
destinado a encarcerar na sua maioria seres humanos jovens, pretos,
pardos, social e economicamente vulneráveis. Direito penal esse
desprovido de fundamentos racionais e científicos e que ignora
os valores éticos da sociedade e os fatores políticos e históricos
da violência e do crime. Ou seja, direito penal que tem apenas
contribuído para superlotar as prisões, que há pouco mais de uma
década atrás tinha uma população carcerária de cerca de 300.000
presos e atualmente ultrapassa a marca dos 700.000. A perspectiva,
a seguir nessa linha encarceradora, é de alcançarmos um milhão de
presos no ano de 2020. E não há vagas. Por todos os lugares, em
maior ou menor grau, encontramos detentos sem colchão para
dormir, sem kit-higiene, sem trabalho, sem estudo, acesso à saúde,
coisificados nos navios negreiros do século XXI. Essa ausência do
estado dentro das prisões, além de violadora dos direitos huma-
nos, tem feito nascer e crescer nas entranhas do sistema facções e
organizações para-legais. Quando preso, é preciso sobreviver, para
tanto é preciso se aliar, mesmo que para lutar contra o estado, de
forma mais violenta. O sistema penitenciário brasileiro, portanto,
está falido e tem sido usado para recrudescer a violência. Aliás,
ele nunca deixou de ser um sistema excludente, escravocrata, das
chibatas e dos senhores feitores, um conjunto de calabouços co-
letivos cada vez mais opressor.
Por isso, Processo de Execução Penal e o Estado de Coisas
Inconstitucional é uma obra que chega no tempo e no lugar certos,
na segunda década do século XXI, no Brasil.
Quantas vezes ouvimos da academia e nos bancos das fa-
culdades de direito que a realidade cruel das ruas é outra e que
aquela teoria aprendida em sala de aula jamais será aplicada. Há
um pacto de mediocridade que ceifa sonhos e contribui para a
manutenção dum status quo de extrema injustiça. Pois Valois, com
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suas concretas experiências, seus profundos saberes acadêmicos e
sua extrema competência frente à jurisdição da execução penal,
tudo aliado a uma indelével ética e humanismo que pulsa em suas
veias, nos prova com esta obra que é possível dar um basta nesse
pacto, que é possível ao ator jurídico aplicar na prática a justiça
de que tanto necessitamos, justiça no seu sentido ético e histórico
mais profundo.
Sua perspicácia em tratar de forma coerente e crítica a deci-
são do Supremo Tribunal Federal que declarou o estado de coisas
inconstitucional sobre o sistema penitenciário nacional é inédita
na literatura jurídica. A obra, mesmo quando aborda questões
pontuais da execução da penal, como por exemplo a progressão
de regime per saltum, a retificação do regime inicial do cumpri-
mento da pena, a remição pelo trabalho, sempre se apresenta com
sólida base principiológica. Valois aprofunda a necessidade de se
respeitar os princípios constitucionais da execução penal, com
ênfase no fundamento da dignidade da pessoa humana. E ao tra-
tar da vedação constitucional de algumas penas, como as cruéis,
claramente se coloca ao lado do padrão ético de civilidade a que
toda a humanidade deve se colocar. Os institutos da educação, do
sufrágio universal, da família, todos transitam pelos textos com
uma familiaridade ímpar e fundamental à melhor compreensão
de como deveria legalmente ser a execução de uma pena. Ou
seja, se a Lei n.7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução
Penal), fosse cumprida por esse norte, apenas cumprida, a redução
dos danos do aprisionamento seria sentida por toda a sociedade.
Para além disso, de forma coerente Valois, chamando à razão os
juízes, mostra-nos que existem muitos que não compreendem os
fundamentos constitucionais que devem reger o direito e a her-
menêutica jurídica e se sentem garantidores da segurança pública,
sequer sabendo o conceito operacional de segurança pública.
Valois nos ensina a pensar, assim como já me ensinou entre
tantas lições a perceber que como juiz muitas vezes não tenho
condições de julgar alguém que me é estranho, que viveu em pa-
lafitas, que nunca soube o que é uma escola e que cresceu lutando
entre esgotos a céu aberto e becos sem saída, simplesmente porque
vim de um mundo onde sempre houve comida, onde a família
9
nunca faltou e onde a escola sempre esteve presente. Com seu
exemplo, colocando-se ou tentando se colocar no lugar do outro,
Valois mostra que o julgador desenvolve a alteridade necessária
para exercer seu mister, coisa que, diga-se, ele faz com naturalidade.
Anos atrás, numa viagem a Berlim resolvi conhecer o Campo
de Concentração de Sachsenhausen, que fica nos arredores da
pujante capital germânica. Naquele local, milhares de opositores
políticos, judeus, ciganos, homossexuais foram exterminados du-
rante a Segunda Guerra Mundial. Ao adentrar no campo, passando
pelo emblemático portal sob as inscrições “Arbeit Macht Frei” (em
tradução livre: o trabalho liberta), caminhando por entre escombros
e galpões preservados, senti profunda angústia. Mais, senti culpa,
uma culpa amorfa, um lamento por ter chegado tarde demais, 70
anos atrasado, e não poder me irmanar na dor que aquelas pessoas
sofreram, que eu jamais sofreria. Hoje, ao pisar no chão de uma
prisão e ver o holocausto daquela população formada em sua maio-
ria por jovens, todos amontoados, juntos e misturados, confinados
em espaços sujos, com ratos e baratas, sem vestes adequadas, sem
materiais de higiene, comendo com as mãos a pastosa ração diária
servida; quando percebo que boa parte não sobreviverá, matará e
morrerá antes dos 30 anos, sinto igual angústia, como a que senti
no campo de concentração.
Mas então, quando sou presenteado com uma obra desta
magnitude, tendo a sorte de compartilhar da história de alguém
como Valois, que no início de 2017 esteve no inferno e dele
voltou mais forte, mais determinado, sensível, vivo e justo, sinto
que há esperança, pois sei que ao lado dele faremos por merecer,
que teremos condições de chegar a tempo e que a humanidade
sobreviverá.
10
I n t ro d u ç ã o
11
ainda que não sejam comparados, porque são palavras, com o
estrondo de uma experiência penitenciária real.
Alvino Augusto de SÁ já se referiu aos operadores de di-
reito, como são chamados advogados, promotores e juízes, como
operados pelo direito,“serviçais do direito” (2010, p. 42), pois sem
capacidade para refletir sobre o ordenamento jurídico. Para os
operadores do direito, então, ainda que tenham se transformado
em engrenagens do sistema penal, que este texto ajude também
a acordar, porque as mazelas do sistema prisional são conhecidas
por todos e, às vezes, o que falta são apenas palavras capazes de
expressar a injustiça que se percebe a sangue frio.
Aos demais estudantes, estudiosos e profissionais, assim como
inclusive aos presos, pode-se dizer que a tentativa será de construir
um texto simples, acessível a todos. Sim, acessível inclusive aos
presos, os verdadeiramente interessados no sistema prisional, pois
a gratificação será dobrada se, ao final do trabalho, alguma coisa for
útil para quem sofre a ilegalidade do sistema penal poder combater
essa ilegalidade de forma fundamentada e coerente.
Não esquecer que ainda vige no ordenamento jurídico o
habeas corpus, garantia constitucional contra qualquer violação
da liberdade e, no campo penitenciário, todas as violações são
violações à liberdade. Apesar de fragilizado e abalado por decisões
que diminuem seu alcance e efetividade, o habeas corpus ainda
está em vigor e pode ser impetrado por qualquer pessoa, seja
estudante ou preso.
A ausência de assistência médica é violação à liberdade de
quem está encarcerado, assim como é a violação do direito à edu-
cação e às demais assistências previstas na Lei de Execução Penal
(Lei 7.210/84), pois a pena, a sanção prevista em lei, é somente
a de privação da liberdade de locomoção, não a de privação dos
inúmeros outros direitos, vedados apenas pelo descaso e abandono
da realidade do sistema prisional.
Diz a Constituição Federal que “conceder-se-á habeas cor-
pus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção” (art. 5º,
LXVII), ora, portanto, qualquer violação da lei para quem está
com sua liberdade suprimida é violência à liberdade de locomo-
12
ção, pois violência na prisão, violência na ausência de liberdade,
tornando a pessoa presa vulnerável, passível de todas as mazelas
que a obscuridade do sistema penitenciário proporciona, passível
inclusive de perder o próprio direito à liberdade para sempre, com
a morte, cada vez mais comum nos cárceres.
O preso, justamente por estar encarcerado, não pode, sozinho,
buscar assistência médica, não pode se proteger da tuberculose tão
mais comum no cárcere do que em liberdade, como a maioria
das doenças transmissíveis, doença que, pela sua gravidade, ameaça
sim a liberdade da pessoa presa, não só a liberdade atual como a
futura1. O judiciário deve estar sempre atento para qualquer ameaça
passível de eliminar por completo o direito à liberdade de alguém,
ameaça não prevista constitucionalmente.
Se não bastar o habeas corpus, a garantia constitucional vem
reforçada pela própria LEP (art. 195) que permite a qualquer
preso, interessado, ou quem o represente, ingressar com pedidos
ou reclamações diretamente ao juiz, seja por intermédio de uma
petição, uma carta ou um bilhete, a lei não estipula e nem pode
ser limitada a fórmula.
Por isso que este não é – e todos os trabalhos de execução
penal não deveriam ser – direcionado apenas a operadores do di-
reito.Terá cumprido sua função se um dia servir como argumento
para qualquer pessoa combater alguma das diversas ilegalidades
presentes no sistema.
O direito – a linguagem do direito – possui vários obstáculos
para que todas as pessoas, além das afeitas aos termos jurídicos,
sejam alcançadas. Aí está um grande desafio, desde já reconhecendo
nossas limitações, não tanto só por dificuldade intelectual, mas
também porque o direito constrói termos sem correspondência
imediata com fatos da vida, justamente para se constituir em um
sistema fechado, de aparente coerência, onde se há alguma coisa
errada é a realidade e não o direito.
1
Nas palavras de Pontes de MIRANDA, “Integridade física e psíquica do
detento. A ofensa à integridade física e psíquica, dita, de comum, moral, dá
ensejo a habeas corpus. Quem tem o direito a algo, tem o direito ao mais:
seria absurdo que se pudesse prender e, depois, açoutar, torturar, ferir, queimar,
pressionar com meios técnicos o prisioneiro (1999, p. 306).
13
WARAT, falando sobre a linguagem, define bem o que é o direito
de uma forma geral,“a organização coerente de um discurso [que], por
vezes, permite silenciar problemas; através de tais silêncios, os discursos
cumprem funções políticas na sociedade, tornando-se, a partir dessa
coerência, um discurso ideológico”. O direito é um discurso que, por
certo, contém um conhecimento, e que precisa ser forçado a dialogar
com “realidade social e as relações de poder que a constituem” (1995,
p. 23), para não se constituir em opressão pura e simplesmente.
O principal exemplo desse jogo de linguagens que acarreta
violações é a ideia de benefício. Costuma-se chamar o direito do
preso de benefício. Ora, ou uma coisa é direito ou é benefício.
Presos não têm benefícios, têm direitos. Chamar seus direitos de
benefício é passar uma ideia de fraqueza dos seus direitos, como
se fosse algo concedido e não algo que os presos podem exigir.
“Os que detêm o poder conhecem muito bem a diferença entre
direito e permissão. [...] O direito, no sentido estrito da pala-
vra, dá acesso ao exercício de um poder à custa de outro poder.
A permissão não diminui o poder de quem a concede, não
aumenta o poder de quem a recebe” (Jean-Claude Milner
apud Žižek, 2011, p. 58).
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O ordenamento jurídico fala de pena privativa de liberda-
de e não de pena de prisão, mas porque achamos que a própria
nomenclatura pena privativa de liberdade já traz consigo certa carga
legitimadora da prisão, como se a pena privativa de liberdade fosse
algo científico, procuramos usar os dois termos.
Não só na questão pena privativa de liberdade - prisão, mas em
diversos outros institutos o direito usa termos elaborados, com ares
técnicos, muitas vezes aparentemente de forma despretensiosa, mas
que dificultam a compreensão do próprio direito, ou diminuindo
sua função de garantia ou mesmo obstaculizando a sua realização.
A ênfase que se tem dado à segurança pública em diversas
áreas do direito, com reflexos na prática judicial, é mais forte na
execução penal, e isso faz com que o exercício do poder nessa
área não queira abrir espaços para o poder do preso, o poder de
possuir direitos, o que favorece ainda mais a ocorrência de vio-
lências e abusos.
Ênfase à segurança já é inconstitucional por si só, na medida
em que o Estado Democrático de Direito brasileiro tem como
fundamento, expresso no art. 1º da Constituição Federal, a digni-
dade da pessoa humana, não a segurança pública que, por motivos
óbvios, legais e constitucionais, não pode se sobrepor às condições
básicas de sobrevivência do ser humano ou aos direitos e garantias
que protegem essas condições.
Mas, infelizmente é o argumento segurança pública que tem
impedido a atividade de técnicos, advogados ou mesmo da so-
ciedade civil no sistema penitenciário, agravando o abandono do
encarcerado2. Segurança pública que, não raramente, se constitui
2
O preso não perdeu nenhum direito que a sentença ou a lei não tenham res-
tringido, mas o argumento segurança faz com que perca direitos diariamente,
como se o mundo penitenciário fosse um mundo à parte. O preso não perdeu
o direito à família, à saúde, à vida, ao esporte e ao lazer. Um exemplo de como
a atividade prisional acaba colocando direitos não restringidos, direitos cons-
titucionais, abaixo da segurança, sem que isso seja reconhecido como absurdo,
vem dos EUA, relatado por ABU-JAMAL. Ao ser punido com isolamento
por ter escrito artigos para um jornal, argumentou que estava exercendo sua
profissão de jornalista, e que sua manifestação estava amparada pelo direito
constitucional da “liberdade de expressão”, o qual não podia ser violado por
regras da prisão, ao que o oficial carcerário, responsável pelo procedimento
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na simples segurança do emprego de um secretário de estado ou
de um diretor da penitenciária3 que, com medo de uma rebelião
e, principalmente, de uma fuga, impede trabalhos importantes e
essenciais para a minimização da miséria das pessoas encarceradas.
Todas essas circunstâncias serão levadas em consideração
neste texto, a fim de que não se venha a produzir mais uma obra
desvinculada da realidade.
Desculpas não faltam para se manter a prisão nesse estado
de coisas inconstitucional, como reconheceu o próprio STF na
ADPF 347, e uma delas é o eterno argumento de que a prisão é
o caos conhecido por todos por culpa do poder executivo. Ora,
não só porque o poder judiciário expede milhares de mandados
de prisão, a prisão é problema de todos, o cumprimento da lei é
uma das principais obrigações do poder judiciário, e não se pode
esquecer que a prisão da realidade em nada se parece com a prisão
limpa e arejada da Lei de Execução Penal, mas é uma prisão que
mata, tortura, extorque e violenta.
Temos uma prisão prevista na Lei de Execução Penal que
em nada se parece com a prisão da realidade. Assim, portanto, se a
prisão que está na lei é uma e a prisão da realidade é outra, toda
prisão, todo ato de aprisionamento mesmo, é ilegal4.
O campo da execução penal acaba sendo um espaço de re-
lativização de direitos, onde alguns podem ser realizados e outros
não, fazendo com que as autoridades tenham que escolher que lei
disciplinar, respondeu que “isso não tem nada a ver com direitos” (2000, p.
127). O meio prisional acaba sendo visto como local de vácuo de direitos,
onde o Estado de Direito é abandonado, sendo essa uma das características
da prisão como instrumento punitivo.
3
Interessante a observação de Jessica MITFORD, citando George Shaw, de
que a ideia de ressocialização foi reforçada pelos profissionais ligados ao
encarceramento após o período em que a criminologia positivista pretendia
entender o crime como uma patologia, posto que se o criminoso fosse um
doente, não havia que se falar de tratamento penitenciário e, consequente-
mente, de toda a estrutura de empregos ligada ao cárcere (Op. Cit., 1973). As
estruturas burocráticas e a maquinaria humana que as movem estão sempre
lutando por sua sobrevivência.
4
O que se tem afirmado há algum tempo: “Toda prisão no Brasil é ilegal.
Porque se a prisão que está na lei não existe, a que aplicamos na realidade é
ilegal” (VALOIS, 2013, p. A4).
16
ou que parte da lei deve ser cumprida, fato que ordinariamente
ocorre em detrimento dos presos, o elo mais fraco da corrente
que se chama sistema penal.
Quando falamos sobre direito de execução penal e realidade
prisional precisamos também ter cuidado para não pendermos para
um dos dois lados, pois se pendemos para o primeiro, caímos na
metafísica, na descrição de sonhos, passamos a falar do nada que
é um ordenamento jurídico de pretensões.
Contudo se falamos só da realidade prisional, a tendência
é de lamento. Passamos a chorar a miséria dos estabelecimentos
penais, mais calabouços da idade média do que instituições públicas.
Em ambas as perspectivas, mais uma vez quem sai prejudicado
é o preso, que está efetivamente encarcerado e precisa que a lei
seja cumprida o máximo possível, mas também não pode deixar
de ter sua condição lamentada, pois desumana.
Por isso que o juiz e o promotor rigorosos fazem de tudo para
não visitar uma penitenciária, pois ficando só com a lei, ficam com
o mundo de ilusões da ordem, que chamam de ordem jurídica,
mas que, na realidade, de ordem não tem nada, e de jurídica só as
elucubrações encarceradoras de cada um.
Muitos críticos também, é verdade, evitam visitar a prisão.
Criticam a prisão, alguns se dizem abolicionistas, elaboram teorias e
esquecem que há pessoas presas precisando de comida, água potável
e remédios. Enquanto a prisão existir, e não há horizonte onde
se vislumbre o seu fim, crítico, juiz ou promotor conservadores,
serão sempre mais úteis conhecendo de perto o cárcere, para a
crítica, elucubrações, mas essencialmente para quem sabe, talvez,
salvar alguma vida.
17
p ro c ess o d e exe c u ç ã o p e n a l e o es ta d o d e c o i s a s i n c o n s t i t u c i o n a l
A presente obra é o resultado da ex-
periência do autor como juiz da execu-
ção penal, preocupado com a ilegalida-
Diante do estado de coisas inconstitucional do siste-
ma penitenciário brasileiro, reconhecido pelo Supre- PROCESSO de do encarceramento, ilegalidade que
diminui a legitimidade do poder judici-
ário, fragiliza o ordenamento jurídico e
mo Tribunal Federal, este livro traz uma reinterpre-
favorece o seu descumprimento.
tação dos incidentes de execução penal, agregando
argumentos teóricos e práticos em reforço à deci- DE EXECUÇÃO Embora só recentemente o STF tenha
reconhecido a inconstitucionalidade
são do STF, buscando minimizar a completa ilegalida- do sistema carcerário, o autor a vi-
de em que se constitui o encarceramento no Brasil.
Fruto do trabalho do autor como juiz da execução
PENAL nha denunciado há anos, apresentando
agora um texto mais elaborado, um
penal e acadêmico, doutor em direito pela Universida- verdadeiro manual interpretativo de
Luís Carlos de de São Paulo - USP, o operador do direito poderá e o e s ta d o d e c o i s a s incidentes de execução em que se leva
em consideração a de.
encontrar um verdadeiro manual argumentativo como
O leitor terá acesso a inúmeros inci-
auxílio aos pedidos em incidentes da execução penal.
Va l o i s Escrito de maneira simples e descomplicada, o texto visa
inconstitucional dentes, com interpretações originais,
lógicas e sistemáticas, que visam uma
Juiz de direito, titular da Vara inclusive orientar presos e familiares, igualmente legitima- abordagem dos direitos do preso de
de Execuções Penais do Ama- dos a reivindicar direitos inerentes à execução da pena. forma a manter o mínimo de respei-
zonas, mestre e doutor em di- Desde a remição, passando pela progressão de regi- to pela LEP, levando em consideração
me, com séria contestação aos prazos estabelecidos principalmente o fundamento do Esta-
reito penal e criminologia pela
do Democrático de Direito: a dignida-
Universidade de São Paulo – pela Lei de Crimes Hediondos, até o Regime Disci-
de da pessoa humana.
USP, Largo de São Francisco, plinar Diferenciado, o leitor encontrará uma análise Texto simples que serve inclusive aos
pós-doutorando em crimino- crítica, condizente com o reconhecimento do esta- presos, muitas vezes impossibilitados
logia na Alemanha (Hambur- do de coisas inconstitucional reconhecido pelo STF. de se socorrerem da ação de um ad-
ger Stiftung zur Förderung vogado, podendo aqui encontrar argu-
von Wissenschaft und Kultur), mentos para um pedido em uma Vara
de Execuções Penais.
membro da Associação de Ju- A declaração do STF deve servir de
ízes para Democracia – AJD, alerta a todos e de parâmetro para as
presidente da Comissão de futuras decisões, sob pena de morte
Política de Drogas do Institu- mesmo da ideia de justiça.
to Brasileiro de Ciências Cri- O preso deve ser reconhecido como
minais – IBCCrim, membro um cidadão que descumpriu regras, e
da Academia Amazonense de por isso as regras de seu encarcera-
mento devem ser respeitadas, pois não
Letras e Ciências Jurídicas, se pode exigir o cumprimento da lei se
ex-membro do Conselho Na- o próprio Estado a descumpre.
cional de Política Criminal e ISBN 978-85-8425-739-3 Nenhuma crítica ao abandono do sis-
Penitenciária, autor da obra tema penitenciário por parte do Esta-
editora
“O direito penal da guerra às
drogas”, finalista do prêmio
L u í s C a r l o s Va l o i s do escapa, mas até por isso é livro que
traz elementos preciosíssimos para
Jabuti no ano de 2017. uma reinterpretação da LEP, acrescen-
tando legitimidade, coerência, onde, na
prática, só se observa o caos.
E-mail: [email protected]