Arruda, S M C P

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DESVELANDO A AÇÃO: UM ESTUDO SOBRE AS ATIVIDADES


DA VIDA DIÁRIA E A CRIANÇA COM CEGUEIRA

AUTORA: SÔNIA MARIA CHADI DE PAULA ARRUDA

ORIENTADORA: MARIA TERESA EGLÉR MANTOAN

2001

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DESVELANDO A AÇÃO: UM ESTUDO SOBRE AS ATIVIDADES


DA VIDA DIÁRIA E A CRIANÇA COM CEGUEIRA

AUTORA: SONIA MARIA CHADI DE PAULA ARRUDA


ORIENTADORA: MARIA TERESA EGLÉR MANTOAN

Este exemplar corresponde à redação final


da dissertação defendida por Sônia Maria
Chadi de Paula Arruda e aprovada pela
Comissão Julgadora.
Data:......./......../2001.

Assinatura:---------------------------------------------

Comissão Julgadora:

------------------------------------------------------------
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2001

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CATALOGAÇÃO NA FONTE ELABORADA PELA BIBLIOTECA
DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO/UNICAMP
Bibliotecário Rosemary Passos - CRB-8ª/5751

Arruda, Sônia Maria Chadi de Paula.


Ar69d
Desvelando a ação : um estudo sobre as atividades da
vida diária e a criança com cegueira / Sônia Maria Chadi de
PaulaArruda. --Campinas, SP : [s.n.], 2001.

Orientador : Maria Teresa Eglér Mantoan.


Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação.

1. Deficiência. 2. Educação. 3. Cegueira.


4. Autonomia. 5.*Atividades da vida diária. I. Mantoan, Maria
Teresa Eglér. II. Universidade Estadual de Campinas.
Faculdade de Educação. III. Título.

iv
...será como um homem que reuniu seus
servos e lhes confiou seus bens.

A um deu cinco talentos, a outro dois, e a


outro um; a cada um, segundo a sua própria
capacidade; e então partiu.

O que recebeu cinco talentos negociou com


eles, fazendo-os reproduzir e ganhando outros
cinco; da mesma maneira, aquele que
recebeu dois, ganhou outros dois. Porém, o
que recebeu um foi cavar a terra e escondeu o
talento.

Então o senhor daqueles servos voltou e


pediu-lhes conta. O que recebeu cinco
talentos apresentou outros cinco [...] e o que
recebeu dois, apresentou mais dois.

Entretanto, o que enterrou o seu talento nada


tinha a apresentar.

(Mateus 25: 14-26)

v
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DEDICATÓRIA

? A Deus, por ter me fortalecido e orientado


no decorrer deste trabalho.

? Ao Juvenal, meu esposo, que com muito


carinho, amor e paciência em todos esses
anos, ensinou-me a lutar e a não
esmorecer diante dos desafios da vida.

? Aos meus queridos filhos, Vinícius e


Heloísa, pela compreensão, apoio e
incentivo.

? Aos meus pais e irmãos, pelo amor e


estímulo e resignação.

? À Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan,


pessoa admirável, que com seu
entusiasmo e coragem luta pela inclusão
das pessoas na sociedade.

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AGRADECIMENTOS

? À Profa. Dra. Maria Teresa pela dedicação


e carinho demonstrados, levando-me a
descobrir caminhos que puderam
transformar sonhos em realidade. Este
trabalho é fruto de uma intensa jornada de
aprendizado, sob sua orientação
competente, atenciosa e confiante.

? Aos professores do curso de Pós-


Graduação da Faculdade de Educação da
UNICAMP e, de forma especial, à
Professora Orly, que me ensinou a fazer
desabrochar os talentos das crianças.

? A todos do CEPRE – coordenação,


docentes e funcionários administrativos –
pelo apoio e colaboração durante a
realização deste trabalho e, acima de tudo,
pela amizade e incentivo com que me
prestigiaram.

? Aos aprendizes e seus familiares, que me


ensinaram a ensiná-los, levando-me a
perceber, nas pequenas coisas da vida
diária, muito além da exterioridade, o que
possibilitou a realização deste trabalho.

? Aos amigos, pelo afeto e apoio em


momentos especiais.

ix
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“Os primeiros anos da educação primária são,
por assim dizer, a última oportunidade que se tem
para propiciar a esses jovens uma experiência
espontânea de sucesso, sancionado pela sociedade,
antes que atinjam a idade da reflexão. Se lhes falta
essa experiência, passam a considerar-se como
fracassados, tanto a seus próprios olhos como aos
olhos da sociedade. Reabilitação, recuperação e
recomeço são remédios que alguns deles receberão
de uma sociedade benevolente que talvez não seja
tão hostil quanto pensam alguns, mas que comete a
leviandade de não proporcionar as condições
apropriadas de habilitação na época adequada,
quando as possibilidades de êxito são grandes e os
investimentos financeiros relativamente pequenos” .

Furth, H.G., p. 17, 18


.

xi
xii
RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo estudar as Atividades da Vida Diária


(AVD), de maneira a revelar os aspectos do desenvolvimento que podem ser
solicitados quando a pessoa com cegueira as realiza.
Foram selecionadas três AVD para esse trabalho: lavar as mãos, encher
um copo de água e vestir camiseta.
Tendo como referencial teórico as implicações da teoria de Piaget à
educação, o presente estudo concede às AVD um novo enfoque que favorece
não somente a ação independente e autônoma da pessoa com cegueira, como
também possibilita-lhe a ampliação de conhecimento e sua inclusão social.

ABSTRAT

The purpose of this research is to study the “Daily Living Activities”


(DLA’s) in order to unveil the different aspects that make the development of
blind children in general easier.
The DLA’s selected for this investigation were: hand washing, filling a
glass with water and putting a shirt on.
Based on the theories of Jean Piaget on education, this research looks at
the DLA’s from a new perspective, which favors not only the independence and
autonomy of blind people but also the broadening of their knowledge, in addition
to the inclusion of such persons in society.

xiii
xiv
INDICE
Página
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 1

CAPÍTULO I
CAMINHOS DO ESTUDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 7

1. Atendimento a pessoas com deficiência visual e aos seus familiares..................... 8


2. Cursos e aulas.......................................................................................................... 9
3. Supervisão de estágios............................................................................................ 10

CAPÍTULO II
UM OLHAR NA LITERATURA .......................................................................... 13

1. As atividades da vida diária (AVD)........................................................................... 13


1.1. Uma concepção clínica..................................................................................... 15
1.2. Uma concepção educacional............................................................................ 18
1.3. As AVD e a educação de crianças com deficiência visual .............................. 20
1.4. Conteúdos básicos das AVD ........................................................................... 23
2. Contribuições da teoria piagetiana na compreensão das AVD................................ 27
2.1. O desenvolvimento humano e o processo da construção do conhecimento... 29
2.2. Desenvolvimento das estruturas cognitivas..................................................... 32
2.3. A equilibração e abstração............................................................................... 33
2.4. Estudos focais.................................................................................................. 36
2.5. Os tipos de conhecimento e os aspectos do desenvolvimento....................... 39

CAPÍTULO III
UMA QUESTÃO A APROFUNDAR .................................................................. 47

CAPÍTULO IV
O ESTUDO REALIZADO ................................................................................... 57

1. Estudo das atividades da vida diária (AVD)............................................................. 60


2. Atividades selecionadas........................................................................................... 63
2.1 Lavar as mãos......................................................................................................... 64
2.2 Encher um copo de água......................................................................................... 68
2.3 Vestir camiseta........................................................................................................ 71
3. Regras básicas para o ensino das AVD................................................................... 74
4. Instrumento de orientação........................................................................................ 96
5. A intervenção do educador....................................................................................... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 133

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................ 141

xv
xvi
INTRODUÇÃO

Ao longo do Curso de Mestrado dedicamo-nos a aprofundar os


conhecimentos exigidos para a fundamentação teórica do presente trabalho,
buscando caminhos para investigar as atividades da vida diária (AVD) e, desta
forma, revelar seu caráter científico, um aspecto fundamental na formação da
pessoa com deficiência visual. Entendemos como AVD o conjunto das tarefas
do dia-a-dia. Essas atividades ganham atenção especial na vida da pessoa com
deficiência visual, uma vez que a perda da visão pode afetar profundamente o
seu desempenho.
A deficiência visual implica uma situação de ausência ou de diminuição
da visão nos dois olhos, por alterações nas estruturas oculares ou no cérebro e
que não apresenta melhora, mesmo após tratamento clínico e/ou cirúrgico e
uso de lentes convencionais (ALVES, KARA JOSÉ, 1996; CARVALHO et al., 1994).
Compreende dois grandes grupos com características visuais diferentes: a
visão subnormal e a cegueira.
Baseada em valores de acuidade visual a Organização Mundial de
Saúde (OMS), classifica e avalia quantitativamente a deficiência visual em
categorias, abrangendo desde uma perda visual leve até a ausência total da
visão. A classificação da OMS é recomendada, para maior uniformidade de
dados estatísticos (VEITZMAN, 2000).
Para fins educacionais, a avaliação clínica é importante fonte de
informação aos educadores, orientando sobre a condição visual do aluno e a
utilização de recursos pedagógicos. Entretanto, do ponto de vista educacional,
a avaliação do desempenho visual é realizada em termos qualitativos. Neste
enfoque, a cegueira é a deficiência que apresenta desde a ausência total da

1
visão até a perda da projeção de luz, não havendo possibilidades de uso do
resíduo visual para a maioria das situações diárias, mesmo que se possa
utilizar a percepção de luz como recurso na execução de tarefas e na
mobilidade e orientação espacial. O processo de aprendizagem da pessoa com
cegueira se fará por meio da integração dos sentidos tátil, cinestésico, auditivo,
olfativo, gustativo, de aparelhos de áudio e de equipamentos especiais,
utilizando o sistema Braille como meio principal de leitura e escrita
(SÃO PAULO,
1993; BRASIL, 1995).
Na concepção qualitativa, a visão subnormal é uma perda irreversível da
visão que, mesmo depois de tratamento e/ou correção óptica, permanece
limitada, porém, útil na educação e nas atividades diárias. A visão subnormal ou
baixa visão pode abranger desde a projeção de luz até o grau em que a
redução da acuidade visual interfere no desempenho ou o limita. Seu
funcionamento visual pode melhorar com o uso de auxílios ópticos e não-
ópticos especiais, de recursos técnicos e modificações ambientais. O processo
educativo para as pessoas com essa deficiência será desenvolvido,
principalmente por meios visuais, mesmo que seja necessário o uso de
recursos específicos, ópticos e não ópticos C( ARVALHO et al., 1994; MASINI,
1994; BRUNO, 1997).
Assim, vamos nos referir à deficiência visual quando a situação for
pertinente tanto às pessoas com visão subnormal como àquelas com cegueira.
Entretanto, o presente estudo é dirigido a estas últimas.
Nossa trajetória de mais de 26 anos realizando um trabalho de
reabilitação, utilizando as AVD com pessoas com deficiência visual, tornou-nos
testemunha e parte da história deste campo de conhecimento.
No Brasil são poucas as pesquisas sobre AVD no que se refere às
pessoas com deficiência visual. Temos verificado a escassez de estudos
científicos relacionados ao tema, principalmente no que diz respeito a
conhecimentos e a estratégias que podem ser desenvolvidos por meio destas
atividades. Também em função desta situação, vemos insuficiência de

2
atendimentos em AVD às pessoas com deficiência visual, em escolas e mesmo
em instituições especializadas, talvez pela carência de profissionais
preocupados com este trabalho. Torna-se evidente, em alguns serviços e
profissionais, um distanciamento do movimento inclusivo e das propostas que
contribuem na melhoria da qualidade de vida humana. Isto tem acontecido,
apesar de as AVD, sob esse aspecto, serem importantíssimas, tanto para as
pessoas que enxergam quanto para as com cegueira, embora para estas
últimas a aprendizagem das AVD não ocorra informalmente e tragam maiores
dificuldades.
Dentro da perspectiva pedagógica e suas implicações sociais verificamos
que a finalidade dos atendimentos em AVD tem sido associada unicamente à
idéia de proporcionar às pessoas a independência nestas atividades, em uma
concepção restrita ao ensino de técnicas e estratégias específicas. Tal situação
começou a nos inquietar, quando percebemos que as AVD não estavam
limitadas a um conjunto de técnicas para a sua mera aprendizagem, nem
restritas a aspectos de treinamento. Poderia o educador considerar a finalidade
específica do atendimento, que é a de favorecer a independência dessas
pessoas. Poderiam, também, as AVD, serem utilizadas como instrumentos para
que as pessoas com deficiência visual encontrassem condições adequadas
para ampliar suas capacidades adaptativas e construir conhecimentos.
Um outro aspecto importante diz respeito ao direito da pessoa com
deficiência visual aprender a fazer as AVD, organizar e atuar nos diferentes
aspectos do seu cotidiano. Tudo isto lhe permite agir como cidadão
independente, autônomo, tornando-lhe possível ser o protagonista de sua
própria vida, o que lhe dá condições de influenciar os movimentos sociais
direcionados à inclusão.
No paradigma da inclusão, é reconhecido o direito à igualdade, assim
como o reconhecimento da diferença frente à diversidade humana. A inclusão
“é um movimento dinâmico e permanente, que reconhece a diversidade

3
humana e tem como fundamento a igualdade na participação e na construção
do espaço social, compreendida como direito”K( AUCHAKJE, 2000, p. 204).
Oferecer condições de aprendizagem, considerando as singularidades de
cada pessoa, demanda reconhecer tanto as particularidades pessoais como as
condições ambientais e assegura o direito à diferença na participação igualitária
em diferentes atividades sociais.
Uma vez que as AVD são ações que mobilizam diversas fontes de
conhecimento, estas atividades podem propiciar estruturas capazes de
assimilar e acomodar conteúdos específicos, influenciando consideravelmente o
desenvolvimento e o desempenho das pessoas com deficiência visual na vida
diária.
Analisando os mecanismos subjacentes à construção das estruturas
mentais com pressupostos piagetianos, encontramos fundamentos para a
compreensão do processo de pensar e agir da pessoa e do conhecimento em
geral. Conforme Jean Piaget, todo conhecimento está ligado a uma ação, pois o
conhecimento é construído na interação do sujeito com os objetos do meio. A
ação se transforma em uma construção interna de contínua adaptação e
evolução.
As diversas fontes ambientais de desenvolvimento cognitivo decorrem
tanto da experiência social - daquilo que se adquire em interações com outras
pessoas, como da experiência não-social - daquilo que se adquire nas
negociações com o mundo físico inanimado. Tais experiências podem ser
explicitamente instrutivas, por exemplo, a escolarização, ou aquelas nas quais
os objetivos cognitivos são mais incidentais ou circunstanciaisF(LAVEL; MILLER;
MILLER, 1999).
Decidimos, então, colocar em foco as AVD, investigando detalhadamente
os conhecimentos e os aspectos do desenvolvimento que pudessem ser
desenvolvidos por meio dessas atividades, os processos de ensino e
aprendizagem utilizados e a sua aplicação por pessoas com deficiência visual.
Para isto, analisamos o conteúdo de algumas AVD, e revelamos os tipos de

4
conhecimentos e os aspectos do desenvolvimento que podem ser propiciados
quando estas atividades são realizadas nas diferentes experiências do dia-a
dia. Focalizamos a solicitação dos aspectos cognitivos para compreender como
as AVD podem ser ocasiões de desenvolvimento e meio facilitador para a
inserção das pessoas com deficiência visual, tanto na família como na
sociedade.
Com este estudo acreditamos poder contribuir para que profissionais,
estudantes e familiares tenham uma outra perspectiva, diferente daquela,
bastante difundida, que reduz as AVD a uma mera técnica. Aqui procuraremos
demonstrar os conhecimentos - a partir de suas bases teóricas - que podem ser
adquiridos quando as atividades são realizadas, Pensamos, ainda, que este
estudo poderá fornecer maior compreensão sobre as AVD e as oportunidades
que oferecem para as crianças com deficiência visual aprenderem a fazê-las,
de modo a se tornarem autônomas.

5
6
CAPÍTULO I
CAMINHOS DO ESTUDO A PARTIR DE
NOSSA EXPERIÊNCIA

Nosso trabalho é desenvolvido no CEPRE - Centro de Estudos e


Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel de Oliveira da Silva Porto”, um
centro universitário dedicado ao ensino, pesquisa e assistência na área das
deficiências sensoriais: surdez, cegueira e visão subnormal. O CEPRE é
vinculado à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP.
Como instituição voltada para a área citada, estimula o aprimoramento, a
pesquisa e a reflexão de seus profissionais; é uma instituição de referência para
outros profissionais e para os usuários de seus serviços, tanto de Campinas e
região, quanto do estado de São Paulo e outros estados.
O CEPRE planeja, implementa e divulga pesquisas voltadas à deficiência
sensorial, forma e especializa profissionais para atuarem com pessoas com
deficiência e com seus familiares. Por este motivo, oferece aos usuários
instrumentos para que possam se desenvolver e adquirir independência e
autonomia na vida diária.
Na área da assistência a deficientes visuais são constituídos programas
de atendimento que abrangem todas as faixas etárias. Atuam nestes
programas, equipes especializadas compostas de assistente social,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, pedagogos especializados em braile, em
informática, em avaliação, e em treinamento visual, professor de AVD e de
orientação e mobilidade, psicólogo, e terapeuta ocupacional. Os grupos são
organizados por característica da deficiência e faixa etária.

7
Como professora especializada nas AVD, atuando nos programas de
atendimento às crianças e adultos com deficiência visual, participei de inúmeras
situações em que as AVD foram vivenciadas, estudadas e discutidas,
objetivando a compreensão de tais atividades no contexto das pessoas com
esta deficiência.
Os conteúdos, procedimentos e estratégias utilizados no ensino das AVD
e aqui expostos, foram paulatinamente construídos por nós e repensados ao
longo deste período. Nossa prática foi se aperfeiçoando passo a passo,
favorecendo cada vez mais o desenvolvimento global dos usuários, oferecendo-
lhes instrumentos para isso.
Após muita reflexão durante todos esses anos de trabalho, sentimos que
era preciso investigar de forma mais detalhada e aprimorada as AVD.
Relataremos, a seguir, algumas questões que contribuíram para a realização
deste estudo. São situações observadas nos atendimentos à pessoas com
deficiência visual e seus familiares, nas aulas, e na supervisão de profissionais
e estagiários.

1. Atendimento a pessoas com deficiência visual e seus familiares

Por ano, participam dos atendimentos em AVD cerca de 30 usuários, na


faixa etária a partir de quatro anos, perfazendo um total aproximado de 600
atendimentos anuais. Grande parte dos clientes é encaminhada pelo
ambulatório de visão subnormal do Hospital das Clínicas da UNICAMP.
Constam dos atendimentos o trabalho direto no CEPRE, com o usuário e
sua família, assim como visitas domiciliares e escolares.
Os atendimentos podem ser individuais ou em grupo e contam com a
participação direta das famílias que, via de regra, são representadas pelas
mães. Elas também participam de outros grupos de mães, vivenciando,
relatando, aprendendo e ensinando as AVD umas às outras.

8
A proposta de atendimento consiste em oferecer aos usuários condições
pessoais, ambientais e emocionais que lhes propiciem novos conhecimentos a
partir da realização das AVD. Experiências anteriores os levam a comparar,
analisar, sintetizar e generalizar, resultando em novos conhecimentos,
procedimentos e maneiras de pensar. É desta forma que se constrói um novo
saber. É nesta relação que os educandos em questão conhecem as próprias
capacidades e limitações e aprendem a lidar com elas de forma ativa. É desta
maneira que aprendem a viver em grupo, aprendem a respeitar e são
respeitados como pessoas.
Procuramos oferecer instrumental que leve cada criança, adolescente ou
adulto, com deficiência visual, a aprender sobre si própria, sobre as outras
pessoas e sobre os objetos nas atividades diárias.

2. Cursos e aulas

Selecionamos e analisamos depoimentos de alunos de cursos de


extensão em AVD que ministramos no CEPRE e em outras localidades,
especialmente os mais recentes, realizados no período de 1996 a 1999. Os
grupos de alunos eram formados por professores, assistentes sociais,
psicólogos e terapeutas ocupacionais com experiências profissionais
relacionadas à deficiência visual.
Constatamos, nos relatos, debates e trabalhos escritos desses alunos,
um grande interesse pelos atendimentos nas AVD. Os alunos destacavam a
importância de aprenderem o modo de se ensinar tais atividades, os recursos e
técnicas de ensino existentes e buscavam se aprofundar neste campo do
conhecimento. Dentre suas questões, ressaltamos: como ensinar as AVD?
Quais são as técnicas utilizadas para ensiná-las? Qual o conteúdo a ser
abrangido? O que fazer para que a pessoa com deficiência visual se interesse
pelas AVD? Como ela pode aprender e praticar estas atividades na vida
cotidiana?

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No decorrer dos cursos tais questões foram debatidas, assim como os
conceitos de AVD. Foi possível concluir que, de modo geral, os alunos não
tinham senão a idéia costumeira das AVD. O modo rotineiro de se considerá-las
deve-se, a nosso ver, ao fato de os alunos não terem, muitas vezes, um
referencial teórico, como o piagetiano e outros, para ensinar tais atividades. Os
alunos tinham também algumas noções sobre as dificuldades encontradas
pelas pessoas com deficiência visual para realização das AVD e percebiam, de
imediato, os ganhos que tais pessoas podiam ter ao realizar as atividades,
embora acreditassem que o maior ganho fosse a independência nas ações.
Nos cursos, procuramos propiciar aos alunos a possibilidade de
compreenderem que o processo de ensino das AVD não se reduzia ao domínio
de técnicas, que conduzissem as pessoas com deficiência visual a
desempenharem da melhor forma possível essas atividades, nem ainda que
tais técnicas pudessem ser adquiridas mediante treinamento e, muito menos,
que as sugestões oferecidas às pessoas com deficiência fossem as mais
indicadas.
Acreditamos que o papel do professor não se restringe a explicar, mas
também a propor atividades que levem o educando à compreensão e à reflexão
(OLIVEIRA LIMA, 1998).

3. Supervisão de estagiários

A supervisão, desde 1992, de aproximadamente 36 alunos da graduação


das Faculdades de Pedagogia e de Terapia Ocupacional, também nos fez
repensar e rever nossas práticas, pois novos temas se apresentavam e eram
debatidos entre os estagiários. Ao criarmos estratégias para orientar os alunos-
estagiários, começamos a coletar dados sobre as atividades diárias com as
quais trabalhamos e sobre as quais nos apoiaremos no desenvolvimento desta
pesquisa.

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Quando consideramos as diferentes situações de aprendizagem
provocadas pelas AVD, fomos buscar fundamentação teórica para os
procedimentos que utilizávamos e destacar os conhecimentos nelas implícitos.
Ficou claro que as ações de ensinar, aprender, refletir, pesquisar, quando
compartilhadas, como ocorreu nas supervisões de estágio, foram muito valiosas
na configuração do presente estudo. Muitos alunos questionavam,
argumentavam, traziam idéias e sugestões, possibilitando a troca de
conhecimentos e opiniões e enriquecendo o trabalho realizado.
A pesquisa teórica sobre os tipos de diferentes conhecimentos e os
aspectos do desenvolvimento que podem ser utilizados no ensino das AVD,
levaram-nos a constatar a importância da reflexão sobre a prática.

11
12
CAPÍTULO II
UM OLHAR NA LITERATURA

1. As atividades da vida diária (AVD)

Neste capítulo nosso objetivo é retratar como as AVD vêm sendo


consideradas no meio científico e possibilitar a visualização das concepções e
estratégias adotadas para enriquecimento deste estudo.
Tanto a Saúde como a Educação, além de outras áreas, têm
desenvolvido estudos, instrumentos, métodos e técnicas, visando contribuir
para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiências.

No caso específico das AVD, a Organização Mundial da Saúde - OMS


(1997) as vê com interesse e os ambientes social e físico como fatores
importantes que podem reduzir as desvantagens físicas, mentais, sociais, legais
e financeiras dos indivíduos.

“As AVD abrangem ações de aspectos práticos e funcionais da


rotina diária, envolvendo atividades que os indivíduos desempenham para
si e para os outros. Estão relacionadas com o interesse, necessidades (...)
e a autonomia, quando lhes é possível escolher e agir livremente,
melhorando a qualidade de vida”(ARRUDA, 1999, p. 135).

As AVD são ações rotineiras imprescindíveis para as pessoas viverem,


principalmente os adultos. Envolvem atividades pessoais como usar o banheiro,
fazer a higiene pessoal, tomar banho, vestir-se, alimentar-se, ter mobilidade
dentro de casa; e atividades gerais, destacando-se o manusear dinheiro,
telefonar, escrever, abrir portas, girar chaves, apanhar objetos e carregá-los.

13
Preparar alimentos, serviços e organização da casa, cuidar dos filhos, hábitos
sociais, usar medicamentos, jardinagem, pequenos consertos domésticos,
costura, administração financeira e fazer compras também estão incluídos nas
AVD (T ROMBLY, 1989; MAC DONALD, 1990; VALVERDE CARRILLO ; FLOREZ GARCIA ;
SANCHES BLANCO, 1994).

Assim, as AVD tanto podem indicar o conjunto de ações realizadas na


rotina diária do homem e usadas como meio necessário para a sua vida
(T ROMBLY, 1989), como podem constituir índices de avaliação sistemática da
capacidade funcional e independência, aspectos intimamente relacionados à
qualidade de vida, principalmente das pessoas idosas F( ILLENBAUM, 1984;
JOHNSON, WERNER, 1984). Na infância e adolescência, as AVD são utilizadas
como forma de avaliação do desenvolvimento G
( ESELL, 1987).
Podem designar uma modalidade de atendimento em diferentes áreas
dos serviços de habilitação e reabilitação, e mesmo disciplina curricular em
cursos de extensão, graduação e de especialização. Em muitos cursos de
diferentes áreas, os conteúdos das AVD são trabalhados sem a denominação e
o enfoque que aqui adotamos.

As AVD são identificadas por outros nomes também, como habilidades


de vida independente e habilidades sociais(VEIZTMAN, 2000). FINGER (1986) faz
uma diferença entre as atividades realizadas no ambiente doméstico (higiene,
vestuário, limpeza e organização do lar), denominadas especificamente AVD, e
aquelas realizadas no ambiente externo como compras, serviços de banco,
freqüência a restaurantes e outras, denominadas atividades da vida prática
(AVP). Entretanto, há uma íntima correlação entre estas atividades. Também
pode ser parte integrante das AVD a participação em atividades recreativas e
de lazer, as quais contribuem para o bem-estar físico e psicossocial das
pessoas (CHRISTIANSEN; SCHWARTZ; BARNES, 1992).

As AVD podem ser vistas na literatura especializada, tanto a partir de uma


concepção clínica, quanto de uma concepção educacional.

14
1.1 - Uma concepção clínica

As AVD são desenvolvidas em centros e instituições que atuam na


habilitação e reabilitação de pessoas com necessidades especiais e
consideradas o primeiro parâmetro funcional da reabilitação médica, sendo uma
categoria do índice médico, CID, desde 1968. Esse índice é um conceito
amplamente aceito, reconhecido e considerado como de capacidade funcional.

“Define-se reabilitação como desenvolvimento de uma pessoa até o


mais completo potencial físico, psicológico, social, profissional, não-
profissional e educacional, compatível com o seu comprometimento
fisiológico ou anatômico e limitações ambientais” D(ELISA; MARTIN;
CURRIE, 1992, p.3).

O processo de reabilitação inclui:

“a identificação e medidas dos problemas; o planejamento, incluindo a


análise dos problemas e o planejamento dos objetivos; o tratamento, com
a intervenção direcionada a reduzir as incapacidades e deficiências e a
avaliação, com o controle da intervenção”F( LOREZ GARCIA, 1994, p.373).

A ligação entre os diferentes segmentos que propiciam a saúde mental,


física, social e educacional tem como um dos objetivos promover a reabilitação
das pessoas e, neste caso, a independência nas tarefas da vida diária é um dos
objetivos da reabilitação (T ROMBLY, 1989).
O retorno do indivíduo à família, ao trabalho e à comunidade é o objetivo
de uma abordagem reabilitadora, compensatória, apropriada para aqueles que
precisam conviver com uma deficiência. Neste enfoque, a finalidade da
intervenção da equipe de reabilitação é o bem-estar da pessoa. A prevenção, o
diagnóstico precoce e programas de assistência direcionam-se ao aumento da
independência, encurtamento das permanências nos hospitais e melhora da
qualidade de vida (DELISA; MARTIN ; CURRIE, 1992).
Desde que foi instituída a reabilitação, as AVD têm sido utilizadas para
este fim.

15
“Para tanto um cuidadoso programa de exercícios e atividades é
elaborado com a finalidade de tornar a pessoa incapacitada capaz de
manejar seu corpo da maneira a mais eficaz para que seja o mais
independente possível na sua vida diária. Com efeito, é no contexto do
treinamento funcional, do recondicionamento do corpo biológico que surge
a preocupação com o cotidiano da pessoa incapacitada, tendo como
princípio a independência. Entretanto, independência que tem sua raiz na
execução das ações físicas, do corpo biológico, necessárias para a
efetivação do dia-a-dia”(FRANCISCO, 1988, p.84).

Foi nessa perspectiva que ocorreram as primeiras intervenções com as


AVD, caracterizadas como cuidados pessoais. Quando uma pessoa é incapaz
de realizar as atividades diárias da maneira usual, são indicadas técnicas ou
equipamentos adaptados que podem facilitar sua independência. Nesta
concepção, as AVD estão relacionadas à ampliação das capacidades dos
sujeitos para a aquisição da independência T( ROMBLY, 1989; MAC DONALD,
1990, KATZ S., et al., 1963).
Uma pessoa pode conseguir realizar um movimento ou adquirir um modo
de realizar uma atividade com facilidade razoável, aprendendo a fazê-la por
meio de um novo processo, adaptando-se às situações, fazendo uso, se
necessário, de um aparelho ou utensílio específico. Assim, as AVD são
utilizadas na área da saúde como recursos terapêuticos, ou seja, como meios
de tratamento, valorizando o uso que as pessoas fazem delas e as suas
repercussões no processo de reabilitação, podendo, também, ser aplicadas
para o desenvolvimento de habilidades de cognição, percepção, função
psicossocial e/ou movimentos F( INGER, 1986).
Freqüentemente, a capacidade para realizar as AVD é considerada
sinônimo de função ou rendimento físico. Este conceito surgiu a partir do
desenvolvimento geral de escalas de avaliação e sua validade está apoiada nas
respostas do sujeito às necessidades clínicas. As AVD são aplicadas em
escalas de avaliação de desempenho(K ATZ, et al., 1963; VALVERDE CARRILLO;
FLOREZ GARCIA; SANCHES BLANCO, 1994; T ROMBLY, 1989; FLOREZ GARCIA, 1994).
OS autores indicam que as escalas de AVD medem, de forma rápida, simples e

16
quantificada, a dependência do sujeito em atividades fundamentais e apontam
as ações terapêuticas que podem ser adotadas como tratamento.
Entre as várias escalas criadas, destacamos o “Índice Kenny”, indicado
para documentar progressos na reabilitação. O “Índice Mahoney e Barthel” é
um dos mais estudados e utilizados para medir as AVD, no caso de pacientes
cronicamente deficientes, apresentando dez itens para avaliação de cuidados
pessoais, incluindo alimentação, transferências, mobilidade, uso de escadas,
capacidade para se vestir, arrumar-se, higiene, banho, e controle de intestinos e
bexiga (CHRISTIANSEN; SCHWARTZ; BARNES, 1992). Por sua vez, o “Índice Katz”
tem a finalidade de estudar o prognóstico e os resultados do tratamento em
enfermos crônicos e idosos.
Tais escalas permitem avaliar os problemas e prioridades, reconhecer,
medir e reduzir os déficits, assim como planejar o tratamento, realizar o
prognóstico, e avaliar o desenvolvimento dos pacientes analisados, o que tem
proporcionado muitos benefícios, principalmente em pacientes com deficiência
física ou mental e idosos P
( ESSOTTI , 1982; FLOREZ GARCIA, 1994; GOMES T OLON,
1994).
Os autores citados ressaltam - e concordamos com eles - que as escalas
não identificam as razões que causam a incapacidade na pessoa, nem indicam
como ela pode conseguir a independência no desempenho das AVD. Refletem
o que o sujeito faz, não o que ele é potencialmente capaz de fazer. Constituem-
se em elemento importante para indicar a elegibilidade da pessoa para ingresso
em instituições, para avaliar a sua capacidade de vida independente e ainda os
seus rendimentos diante de uma tarefa.
Há determinadas posturas científicas que, com o propósito de se
aprofundarem no conhecimento do homem, separam-no do contexto em que
vive, retalham-no em suas múltiplas formas de capacidades e, com isso,
perdem de vista o ser humano, estudando “apenas um aspecto, uma parcela do
verdadeiro homem – aquele homem integral, enraizado em seu mundo, que se
realiza, realizando o mundo”(FRANCISCO, 1988, p.33).

17
A autora faz referência ao fato de que as AVD foram, inicialmente,
caracterizadas apenas como destinadas aos cuidados pessoais. Ampliando
este conceito, o uso do termo foi posteriormente incorporado a outras atividades
como locomoção, comunicação, destrezas manuais e tarefas domésticas. Ela
argumenta que as AVD não podem ser entendidas somente como processos
mecânicos, porque o homem seria visto apenas sob o ângulo de funcionalismo,
em que o cotidiano deixaria de exercer uma prática transformadora.
A tendência, no geral, é de um redirecionamento dos diferentes
segmentos da ciência para um enfoque global do ser humano. No entanto, a
literatura consultada indica maior ênfase aos procedimentos e testes
padronizados para a avaliação da independência nas atividades diárias, com
maior enfoque nas pessoas idosas, bem como na deficiência física e mental.

1.2 - Uma concepção educacional

No enfoque educacional, as AVD aparecem em diversos campos de


conhecimento, conteúdos de programas, currículos, projetos, e nos conteúdos
curriculares para a educação infantil, fazendo parte dos projetos pedagógicos
.
Entretanto, nem sempre tais atividades são identificadas como AVD.
Nas descrições da rotina diária da escola, as AVD são também utilizadas
para indicar estratégias usadas no lanche, nos passeios e no uso dos
sanitários, ocasiões em que a criança aprende como agir no seu meio escolar,
a ser criativa e a descobrir o novo no seu dia-a-dia. Os professores podem
organizar espaços e materiais de casinha que funcionam como “fontes
privilegiadas de solicitação da atividade da criança”(MANTOAN , 1989, p.102).
Deve-se, pois, colocar toda ênfase na atividade da criança, com o
objetivo de favorecer o seu desenvolvimento nos aspectos cognitivo, social,
afetivo e físico. As AVD podem ser utilizadas como estratégia de aprendizagem
pois permitem a ação direta sobre os objetos.

18
“As situações que estimulam o desenvolvimento são aquelas em
que as crianças têm a oportunidade de descobrir conceitos e noções
através da exploração ativa dos objetos de que dispõe no ambiente
escolar”(MANTOVANI DE ASSIS, 1989, p.27).

A criança explora o meio agindo fisicamente sobre os objetos. Também


para WADSWORTH (1987), “a chave do desenvolvimento da criança, no que diz
respeito à prática educacional, é a atividade da criança: sua ação sobre os
objetos, acontecimentos e outras pessoas”
(p.7).
Segundo Piaget, sem a atividade não há didática ou pedagogia possível
que transforme significativamente a criança. O autor prioriza a ação que a
criança realiza e o modo pelo qual a ação física evolui para processos de
construção interna, engendrando as estruturas mentais S( EBER, 1997).
Alguns estudiosos embasados na concepção teórica piagetiana, como
MANTOVANI DE ASSIS (1976), KAMII, DEVRIES (1986), MANTOAN (1989), DOLLE
(1997) e outros, oferecem contribuições valiosas neste sentido, permitindo-nos
compreender as possibilidades que as ações diárias podem oferecer, não
somente na educação infantil, como também nas demais etapas escolares e
situações sociais dos educandos. Na educação, as situações e objetos
concretos, comuns na vida diária, contribuem para o desenvolvimento da
criança, uma vez que permitem a ela construir conhecimento e habilidade, e
possibilitam aos educadores entenderem o processo do pensamento dos
alunos.
No campo da educação infantil, as atividades rotineiras de higiene,
alimentação e descanso estão mais voltadas para os cuidados da criança e
têm, como objetivo, desenvolver sua independência, principalmente nos
serviços dedicados a crianças de zero a três anos.
Acreditamos que muitos conhecimentos sejam construídos pelas
crianças nestas atividades, mas não temos observado, por parte de alguns
educadores, a percepção dos conteúdos, conceitos e habilidades que podem
ser trabalhados nas AVD. A nosso ver, elas poderiam ser melhor exploradas,

19
porém, um fator limitante pode ser o desconhecimento, por parte do professor,
dos benefícios que as AVD podem oferecer.

1.3 - As AVD e a educação de crianças com deficiência visual

BARRAGA (1985) inclui as habilidades pessoais e da vida diária como


principais componentes para o desenvolvimento. No entanto, as escolas
regulares estão mais preocupadas em ensinar conteúdos acadêmicos e são
poucas as que proporcionam um programa diferente, atendendo as reais
necessidades dos estudantes. Expressa a necessidade de repensar o conteúdo
dos programas educacionais, segundo a grande variedade da população de
estudantes, considerando aqueles com deficiência visual. No entanto, qualquer
que seja o objetivo da educação e da reabilitação, toda pessoa com deficiência
visual tem direito às mesmas oportunidades de se preparar para a vida
produtiva.
Na educação básica - ensino infantil e fundamental - as AVD são
incluídas como conteúdos programáticos específicos que complementam a
programação curricular básica, e propiciam aos alunos, com deficiência visual,
“condições de conquistar ou reconquistar o lugar que lhes é devido na
sociedade. A pessoa cega não pode imitar e, não tendo informação visual,
poderá ter atitudes convencionais inadequadas”(BRASIL, 1995, p.50).
BRUNO (1993) enfatiza as AVD como meio para a criança fazer
descobertas e desenvolver noções de seriação, classificação, raciocínio
matemático bem como compreender as transformações dos diferentes objetos
usados nas atividades diárias. A autora apresenta um instrumento denominado
“Avaliação Funcional do Desenvolvimento”. Este instrumento é utilizado como
um roteiro de orientação para se “estudar o perfil do desenvolvimento das
crianças portadoras de deficiência visual, de forma global e integrada”. Tal
instrumento permite observar a criança “a partir do seu referencial não-vidente
ou parcialmente vidente, considerando seu desenvolvimento como um todo”, e

20
saber como ela interage com o meio, organiza e constrói o seu conhecimento
(p.40-45).
Considerando que a atitude dos pais tem uma influência substancial no
desenvolvimento do filho, BRUNO (1997) sugere ao educador uma proposta de
programação pedagógica com eles, tendo em vista o enriquecimento de
experiências e vivências da criança com deficiência, indicando as AVD como
situações ricas para o desenvolvimento cognitivo.
Segundo FERRELL (1996), as AVD precisam ser ensinadas pelos
familiares desde a mais tenra idade e terem prosseguimento na escola e/ou
centros especializados, para oferecer às crianças, com deficiência visual, as
mesmas possibilidades de vivenciarem as atividades e se desenvolverem por
meio de tais experiências.
Para LORA (1997) as AVD constituem um dos aspectos mais importantes
de um programa de educação ou reabilitação, tanto para a criança como para o
adulto com cegueira. A autora considera que o aluno deficiente visual deverá
ser devidamente orientado em todos os aspectos que estas atividades
envolvem,

“... sendo necessário que a família, os professores e a sociedade de um


modo geral considerem a criança deficiente como aquela à qual devem
ser dadas oportunidades de aprendizado, a fim de que seu
desenvolvimento físico e mental se processe de modo harmonioso” (p.
94).

A autora apresenta, também, uma série de atividades e técnicas


oferecendo contribuições neste sentido.
O “Guia para o Cuidado Pessoal dos Cegos”, elaborado pela American
Foundation for the Blind (1970), apresenta uma seqüência de ações e
orientações básicas para cada passo das AVD. Os objetos utilizados e os
procedimentos são detalhados, e recomendadas técnicas para cada atividade
desenvolvida. O guia se subdivide em itens de higiene pessoal, cuidado com a
casa, vestuário, alimentação e hábitos sociais. Ressaltamos que este guia

21
enfatiza a necessidade de quem recebe o treinamento nas AVD de conhecer
aspectos como, por exemplo, propriedades físicas dos objetos envolvidos em
cada atividade: áspero e liso; temperatura, forma geométrica e outros.
CALLEGARI (1994), define princípios básicos para o ensino das AVD em
manual dedicado a crianças com múltipla deficiência, incluindo surdez e
cegueira. Nele há sugestões gerais e adaptações para os ambientes e os
objetos de uso diário, enfatizando a importância de se contextualizar cada
atividade. Também constam os programas de vestuário, controle de esfíncteres,
hábitos de higiene e alimentação, e é também apresentada uma divisão de
etapas de cada atividade, com uma seqüência de habilidades necessárias para
a sua aquisição.
YEADON (1974) descreve, de maneira detalhada, inúmeras AVD (em seus
diferentes aspectos, por exemplo, objetivos, técnicas, estratégias de ensino
etc.) como propostas para serem desenvolvidas em centros de reabilitação.
Encontramos ainda outros manuais de AVD, como o deMYRIMER (1982), que
relaciona os conteúdos de higiene, vestuário, alimentação e um rol de
atividades domésticas, cujo objetivo é apresentar propostas de trabalho para
favorecer a independência em tais atividades. Consiste de orientações a
familiares e profissionais que atuam na área da deficiência visual e dizem
respeito a algumas técnicas que podem ser aplicadas.
O “Manual de actividades de la vida diaria”foi organizado com o fim de
oferecer um apoio aos professores das escolas e centros de reabilitação de
pessoas com deficiência visual. Apresenta técnicas para o ensino das AVD, e
destaca a necessidade de enriquecer essas técnicas com as experiências tanto
do educador quanto do aprendiz (BERNHART et al., s/d).
No contexto da New Mexico School for the Visually Handicapped
Preschool (NMSVH), as AVD compõem as atividades necessárias para o
desenvolvimento da criança com deficiência visual, entre as quais se incluem
técnicas e receitas culinárias que podem ser utilizadas visando o
desenvolvimento integral da criança. DOMINGUEZ e DOMINGUEZ (1991)

22
apresentam aos pais e educadores o programa desenvolvido naquela escola,
com base nas seguintes premissas: toda criança tem capacidade para
aprender; a família oferece influência significativa na vida da criança; o
processo, e não o produto, é a essência da aprendizagem; as crianças
apresentam diferentes modos de aprendizagem e para se trabalhar com elas é
preciso procurar enfoques individualizados; as áreas de desenvolvimento
afetivo, cognitivo e psicomotor não devem ser trabalhadas isoladamente, pois
afetam a forma global de aprendizagem; o jogo é uma atividade natural e
importante para as crianças, envolvendo comportamentos que interferem nos
aspectos do desenvolvimento global.
O Programa das Atividades da Vida Diária F
( ERREIRA, SANTA ROSA,
MOTA, 1994) abrange conteúdos relativos à saúde e segurança, situações da
vida diária e uso de recursos da comunidade, dentre outros. É um programa
destinado à orientação de familiares, professores e técnicos que atuam com a
criança com deficiência visual. Na literatura nacional é a literatura mais
completa, pois favorece o ensino das AVD.
Acreditamos que, em muitos aspectos, um educador que não saiba nem
fazer nem ensinar algumas AVD, sentirá a necessidade de explicações mais
detalhadas, de acesso a técnicas e recursos adequados para realizar cada
atividade, podendo se beneficiar deste tipo de literatura. Entretanto, há pouca
literatura especializada nesta área.

1.4 - Conteúdos básicos das AVD

Como as AVD abrangem aspectos práticos e funcionais da rotina diária e


envolvem atividades que as pessoas fazem para si mesmas e para outros,
grande parte delas está relacionada com os seus interesses e necessidades de
desempenhá-las. Contudo, os conteúdos podem ser ampliados e diversificados
para atender às necessidades de cada um.

23
Apresentamos, a seguir, alguns dos conteúdos básicos das AVD que
podem ser utilizados tanto nas salas de aula, no lar, como em programas de
habilitação e reabilitação, nas diferentes faixas etárias.

HIGIENE PESSOAL

? importância da higiene
? mãos: ensaboar, enxaguar, enxugar e secar

? unhas: limpeza e cuidados com as unhas


? cortar e/ou lixar as unhas das mãos e dos pés
? uso de acessórios indicados

? pés: cuidados específicos de higiene e saúde

Lavar o corpo ? cabelo: lavar, secar, pentear, escovar, desembaraçar


? a importância do asseio no cabelo e couro cabeludo

? olhos: cuidados específicos de higiene, limpeza e


conservação no uso de prótese ocular
? limpeza e conservação de óculos
? uso de medicamentos: colírio, pomadas...

? nariz: assoar o nariz, limpeza do nariz, uso do lenço

? orelha: limpeza

? boca: limpeza; uso da língua na percepção dos alimentos,


mastigação e limpeza dos lábios

? colocar a pasta na escova


Escovar os ? escovar, bochechar, enxaguar
Dentes ? usar acessórios de escovação dental

? localizar o banheiro e o vaso sanitário


? localizar o papel higiênico
Usar o ? cortar o papel higiênico
Sanitário ? higiene após o uso do sanitário
? dar descarga

24
VESTUÁRIO

? roupa aberta / roupa fechada


? discriminar frente / costa / avesso / direito / tecido /
detalhes
? camisa aberta com: botão / zíper
? camiseta manga longa / curta / sem manga
? shorts: diferentes tipos de tecido
Vestir / despir ? calça comprida de tecido com: elástico / zíper / botão
? vestido, saia
? meia curta / 3/4 / longa
? cueca, calcinha, sutiã
? botões comuns e de pressão
Abotoar / desabotoar
? abrir e fechar zíper / velcro / fivela / colchete de
gancho e de pressão
? dar nó e laçada
Amarrar / desamarrar
? chinelo, sandália, sapato, tênis.
Calçar / descalçar
? enfiar cordão no sapato, dar nó e laçada

Adequar as roupas ? quanto ao ambiente e cor


Discriminar o estado ? limpa, suja, rasgada ...

Pegar e guardar ? roupas pessoais


roupas e acessórios
em gavetas / prateleiras ? roupas de cama, mesa e banho
guarda-roupa ? acessórios: bolsas / cintos / bijuterias / lenços /
fivelas...
? roupas pessoais
Identificar, localizar,
organizar e pendurar ? roupas de cama, mesa e banho
? acessórios

25
ALIMENTAÇÃO

Reconhecer diferentes tipos de alimentos líquidos e sólidos

? sabor / cheiro
Discriminar ? temperatura
? consistência / textura
Localizar alimentos ? na mesa / geladeira / armários

Localizar, reconhecer diferentes tipos de utensílios do lar

? garfo / faca / colher


Manejar talheres e outros objetos ? concha / escumadeira
? copos / panelas / jarras / garrafas
Organizar a comida no prato ? dividir os alimentos no prato
? escolher o tipo, tamanho e cor de
prato e talheres
Mastigar
Usar guardanapo
Servir-se de alimentos líquidos
Servir-se de alimentos sólidos
Orientação quanto ao preparo
de suco, leite, lanche frio

Orientação quanto ao preparo


de alimentos quentes

Passar manteiga / geléia no pão

Descascar / cortar alimentos

Limpeza e segurança

Ligar / acender e desligar ? fogão


? microondas
? forno elétrico

26
ORGANIZAÇÃO, LIMPEZA E CUIDADOS COM O
AMBIENTE

Limpar e conservar o ambiente ? varrer / tirar o pó


? identificar / utilizar materiais de limpeza
? guardar objetos nos lugares adequados
Organizar o ambiente
? arranjar os ambientes
Localizar / pegar / guardar ? selecionar os objetos / organizar os armários
Objetos ? manter a ordem nos ambientes
? selecionar a toalha, estendê-la e retirá-la da
Arranjar a mesa mesa
? definir o número de pratos, talheres e copos
? discriminar / localizar / utilizar diferentes tipos
de sabão, escova, recipientes
? controle de temperatura do ferro elétrico
Lavar roupa / passar roupa ? arranjar a roupa para passar (tábua de passar
ou mesa)
? passar a roupa
? enfiar a linha na agulha
Costurar ? costurar: pregar botão / alinhavar / fazer barra/
pequenos reparos...
Cuidar de plantas ? plantar / regar / podar

27
HÁBITOS E ATITUDES SOCIAIS

Desenvolver a interação social com crianças e adultos

Favorecer a autonomia

Construir normas, regras e valores pessoais

? cumprimentar as pessoas
? utilizar gestos sociais: acenar, negar,
Conhecer e utilizar normas de concordar...
interação social ? usar expressões de cortesia
? bater na porta para entrar em um recinto
? como se dirigir aquele que fala
? colocar a mão na boca ao bocejar
? ao conversar com outras pessoas

Adequar a postura física ? ao expressar emoções


? ao utilizar móveis e objetos
? não colocar as mãos nos olhos
Evitar estereótipos ? não balançar a cabeça
? não mexer com os dedos ou com as mãos
Fazer conhecer os seus direitos e necessidades

Respeitar o direito das pessoas

Cooperar

28
2. Contribuições da teoria piagetiana na compreensão das AVD

No que se refere ao processo de aquisição do conhecimento, a teoria de


Jean Piaget investigou a origem do pensamento, colocando em evidência que a
inteligência não está pré-formada no sujeito desde o seu nascimento, nem é
determinada exclusivamente pelo meio. Para ele, as estruturas mentais são
construídas progressivamente, por coordenações das ações do sujeito sobre o
mundo exterior, em contínua evolução. O conhecimento é resultado da
interação do sujeito com os objetos do meio, não havendo prioridade do objeto
sobre o sujeito, nem deste sobre o objeto.
Tal maneira de entender a inteligência representa uma síntese do
empirismo e do apriorismo. O empirismo explica que a capacidade de conhecer
é decorrente da experiência no meio físico e social (objetos), considerando a
mente do homem como uma tábula rasa, em que os conhecimentos são
registrados e adquiridos, principalmente, por meio dos sentidos. Por outro lado,
o apriorismo ou racionalismo considera o conhecimento como algo pré-
determinado nas estruturas endógenas do sujeito, manifestando-se imediata ou
progressivamente pela maturação.
Apresentando sérias objeções a essas teorias, Piaget atribui o
conhecimento à interação entre o sujeito e os objetos do meio físico e social,
conferindo a explicação da construção do pensamento às auto-regulações e
não apenas aos fatores exógenos ou à hereditariedade.

2.1 - O desenvolvimento humano e o processo da construção do


conhecimento

O desenvolvimento psicológico do ser humano está ligado à estruturação


e funcionamento do pensamento. De fato,

“O desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e


termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como

29
este, se orienta, essencialmente, para o equilíbrio. Da mesma maneira
que um corpo está em evolução até atingir um nível relativamente estável
- caracterizado pela conclusão do crescimento e pela maturidade dos
órgãos -, também a vida mental pode ser concebida como evoluindo na
direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito do
adulto”(PIAGET, 1994, p.13).

Pela teoria piagetiana, existem estruturas específicas para o ato de


conhecer, assim como há outras estruturas para as demais funções do
organismo. Elas não nascem prontas, mas resultam das trocas entre o
organismo e o que lhe é externo; sua construção depende das solicitações do
meio, das ações e coordenação de ações do sujeito. Para conhecer um dado
objeto é necessário agir sobre ele, transformá-lo e apreender os mecanismos
desta transformação.
Os conhecimentos não derivam exclusivamente da sensação ou da
percepção, mas também dos esquemas de ações ou dos esquemas operatórios
de diversos níveis. A percepção, por sua vez, não consiste em simples leitura
dos dados sensoriais, pois comporta uma organização ativa, com a interferência
de decisões e pré-inferências, influenciando no esquematismo das ações ou
das operações, contribuindo com as trocas estabelecidas no meioP(IAGET,
1972, 1977b, 1978b).
A construção do conhecimento, portanto, acontece quando os sentidos
da criança entram em contato com o meio, quando ela age sobre ele,
manipulando objetos, observando com os olhos, ouvidos, ou pensando. A ação
não é apenas física, mas uma experiência interna. Assim, ela adquire dados
dos objetos para serem assimilados e acomodados, propiciando o
desenvolvimento cognitivo (KESSELRING, 1997; WADSWORTH, 1997).
As ações precisam ser diversificadas e com objetos variados, permitindo
à criança ter interesse para agir, organizar-se e adaptar-se ao seu ambiente,
tanto que a organização e a adaptação são processos complementares e
indissociáveis da ação intelectual e de extrema importância para a construção
do real.

30
Os objetos do conhecimento humano são coisas, seres da natureza,
pessoas, cultura, valores, história. O meio, por sua vez, tem uma importância
fundamental no desenvolvimento humano e engloba a sociedade, a cultura, a
classe social, a família, e o ambiente,de maneira geral (físico e social).

“Sem esse meio, sem as trocas simbólicas estabelecidas na vida


social às estruturas mentais, as estruturas operatórias conscientes não
poderiam ser construídas, a função semiótica não poderia se exercer, a
linguagem seria impossível, o conhecimento não existiria ” (RAMOZZI-
CHIAROTTINO , 1997, p.116).

À medida que as estruturas evoluem, constituem-se em novas e mais


amplas relações entre o indivíduo e os objetos. Nesta progressão mental, a
adaptação biológica é mais intensa inicialmente R( AMOZZI-CHIAROTTINO , 1988).
Ela é resultante do equilíbrio entre a assimilação e a acomodaçãoP(IAGET,
1996).
A assimilação ocorre quando o indivíduo interage com um objeto,
incorporando-o às características de uma estrutura cognitiva em
desenvolvimento ou já completa. A acomodação modifica um esquema ou
estrutura de assimilação em função do objeto assimilado.

“Um esquema é uma estrutura cognitiva que se refere a uma classe


de seqüências de ação semelhantes, seqüências que constituem
totalidades potentes e bem delimitadas nas quais os elementos
comportamentais que a constituem estão estreitamente inter-
relacionados”(FLAVELL, 1992, p.52).

O esquema é a primeira condição de troca do organismo com o meio, ou


seja, da ação (RAMOZZI-CHIAROTTINO , 1984). No início do desenvolvimento, os
esquemas aparecem com destaque, uma vez que decorrem do funcionamento
geral do organismo, transformando-se e evoluindo, desde os esquemas
primários até os operatórios. A estruturação cognitiva progressiva se manifesta
numa organização seqüencial denominada por Piaget de estágios de
desenvolvimento cognitivo.

31
Existem quatro estágios de desenvolvimento, necessariamente marcados
por uma ordem de sucessão das aquisições, sendo indicada, para cada criança,
uma idade aproximada, uma vez que a idade é variável de acordo com as
possibilidades de cada uma, e a solicitação do meio.
Os estágios estão assim divididos: sensório-motor (zero a dois anos), pré-
operatório (dois a sete anos), operatório concreto (sete a onze anos), operatório
formal (onze anos em diante). Eles ocorrem em uma seqüência hierárquica,
diferenciando-se em função das estruturas mentais que se constróem em cada
um; as estruturas construídas em um estágio tornam-se parte integrante das
estruturas do estágio seguinte, constituindo uma totalidade, sempre em forma
de um equilíbrio melhor.

2.2 - Desenvolvimento das estruturas cognitivas

Para explicar o desenvolvimento das estruturas cognitivas, Piaget aponta


para quatro fatores: a maturação do sistema nervoso, a experiência física, a
transmissão social e a equilibração.
A maturação do sistema nervoso ou o crescimento fisiológico das
estruturas orgânicas hereditárias tem influência no desenvolvimento. Porém, é
uma condição insuficiente para explicá-lo, pois no desenvolvimento da
inteligência não há uma programação hereditária e a própria maturação
depende das atividades do sujeito C
( ARMICHAEL, 1975).
A experiência física, compreendida como toda experiência que resulta
das ações exercidas sobre os objetos, tendo em vista a descoberta das suas
propriedades observáveis ou das ações realizadas materialmente, não é
também suficiente para explicar o desenvolvimento, pois a lógica do
pensamento não é resultante apenas destas experiências.
A transmissão social refere-se ao fator educativo e é um aspecto
fundamental, mas não é determinante para o desenvolvimento. O sujeito

32
precisa assimilar os conceitos transmitidos pelo meio exterior, acomodando-os
em estruturas previamente adquiridas P
( IAGET , 1983).
A equilibração é vista como o fator essencial e definitivo ao
desenvolvimento cognitivo. Ocorre como um processo contínuo de adaptação
do sujeito ao meio, como uma auto-regulação do sistema cognitivo, permitindo
formas de equilíbrio cada vez melhores e níveis superiores de operações.
A maturação, a experiência física, a transmissão social e a equilibração
têm grande influência sobre a estruturação mental do sujeito, mas a
equilibração destaca-se como fator fundamental do desenvolvimento, atuando
sobre os demais. É um processo conduzido por reflexão e reconstrução de
estágios de estruturação superiores.

2.3 - A equilibração e a abstração

O desenvolvimento cognitivo é um processo contínuo de mudança das


estruturas. Cada nova estrutura deriva daquela que a precedeu. Os novos
esquemas incorporam os esquemas anteriores, resultando em melhorias
qualitativa e quantitativamente superior, sempre em direção a um equilíbrio
majorante e correspondendo à construção progressiva das estruturas da
inteligência (PIAGET, 1976, 1994, 1996).
A necessidade de a pessoa se dedicar a novas construções mentais
resulta das auto-regulações, e estas, da equilibração progressiva das estruturas
cognitivas.

O conhecimento amplia-se quando ocorrem perturbações exteriores e


por meio de sucessivas construções que conduzem a estágios de equilíbrio
qualitativamente diferentes. As regulações indicam os processos pelos quais o
sujeito reage a uma perturbação pela solicitação do meio, modificando sua ação
a partir dos resultados da mesma. Ao longo do processo, as perturbações
cognitivas são superadas e nos desequilíbrios e novas equilibrações as
operações se constroem progressivamente.

33
As regulações visam um equilíbrio relativo de uma estrutura organizada
ou de uma organização em via de construção. As regulações só acontecem
quando o sujeito, diante dos obstáculos, modifica a ação em sua retomada, no
sentido de um aperfeiçoamento da forma precedente, alcançando um novo
estado de equilíbrio.

Portanto, o desequilíbrio provém de situações perturbadoras que surgem


em função de mudanças ou novas situações que não são possíveis de serem
assimiladas pelo sujeito. Tem, pois, um papel solicitador e desencadeante de
novos equilíbrios, favorecendo o progresso da estruturação mental, pois sem os
desequilíbrios os conhecimentos permaneceriam estáticos.
As regulações indicam os processos pelos quais o sujeito reage a uma
perturbação pela solicitação do meio, modificando sua ação a partir dos
resultados da mesma e resultando em equilibrações e reequilibrações.
Qualquer regulação tem origem em uma perturbação, mas nem sempre a
perturbação leva a uma regulação, pois pode resultar apenas em repetições
(PIAGET , 1976, 1996).
No desenvolvimento intelectual manifestam-se três categorias de
regulações: regulações rítmicas, regulações sensório-motoras e regulações
operatórias (FURTH , 1997, p. 38).
A regulação operatória é o estágio mais elevado no desenvolvimento
humano, sempre direcionado ao equilíbrio das estruturas. Durante o
desenvolvimento e em muitas situações, o sujeito pode não ter esquemas e
estruturas para resolvê-las. Uma criança com cegueira, por exemplo, que quer
comer uma banana, começa a explorar a banana, experimenta mordê-la com a
casca e o que prova não a agrada. Após algumas tentativas, percebe a ponta
da casca da banana e descobre que pode tirar a casca e comer a banana.
Consideremos que ela nunca presenciou ou viveu esta ação e não tem
esquemas para realizá-la. Eis uma lacunaque, do ponto de vista do equilíbrio
intelectual, “constitui uma perturbação que dá origem a uma reação
compensadora, na medida que corresponde a um esquema já ativado”
(PIAGET,

34
1977a, p.167). A lacuna favorece novas possibilidades que conduzem a um novo
equilíbrio.
Assim como todas as crianças, as com cegueira desenvolvem-se
progressivamente, passando das ações sensório-motoras e chegando até a
fase do raciocínio formal. Gradativamente, a criança passa a distinguir o que
pertence ao objeto, a si própria e à ação realizada, considerando a
transformação de um estado inicial de conhecimento até o seu estado final.
Quanto mais elevado o pensamento da criança, mais as suas
construções tornam-se elaboradas, em busca de estados progressivos de
equilíbrio (PULASKI, 1986).
Contudo, como uma criança chega a uma forma de pensamento mais
elaborada do que o simples agir? O que assegura a mudança de um estágio de
compreensão para outro mais elevado?
Segundo Piaget, a criança utiliza-se dos processos de abstração para
este fim.

“Quando fala em abstração, Piaget refere-se ao processo pelo qual o


sujeito estrutura o seu conhecimento e não à capacidade de utilizar
imagens ou palavras para representar um objeto concreto. É assim que a
criança descobre o peso, desprezando a cor do objeto, e descobre, por
exemplo, que objetos da mesma natureza têm peso maior à medida que
seu volume aumenta ”(MANTOVANI DE ASSIS, 1999 b, p.41-42).

A abstração empírica envolve objetos físicos exteriores ao indivíduo


. Ela
acontece quando o sujeito age sobre os objetos, de modo a abstrair as suas
propriedades observáveis (cor, forma, espessura etc.) ou os aspectos materiais
da própria ação. A abstração empírica consiste, portanto, em uma constatação
das propriedades que já existem nos objetos, antes de qualquer constatação do
indivíduo e da ação motora (PIAGET, 1995).
Por sua vez, a abstração reflexivante implica coordenação das ações e é
um dos processos mais gerais da equilibração, possibilitando ao sujeito o
acesso a patamares cognitivos cada vez mais ricos e potencialmente aptos à
apreensão de novos conteúdos.

35
A abstração reflexivante comporta dois sentidos: por um lado ela projeta
para o patamar superior aquilo que foi tirado do patamar inferior (como por um
refletor) e, de outro lado, uma reflexão, entendida como “o ato mental de
reconstrução e reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim
transferido do inferior”(PIAGET, 1995, p. 275, 276).
Na abstração reflexivante Piaget identifica também a abstração pseudo-
empírica, na qual o sujeito, tendo ainda necessidade de atividade concreta,
retira informações da coordenação das ações.
Também em suas formas superiores, a abstração refletida ou
pensamento reflexivo dá lugar a sistemas formais elaborados, distanciando o
sujeito dos conteúdos concretizados, de tal maneira que ele passa a proceder à
abstração a partir das ações coordenadas sobre os objetos, em um processo
consciente, ou seja, uma reflexão de reflexão P( IAGET , 1995, 1977c).
A abstração refletida assegura um progressivo equilíbrio interno entre os
sub-sistemas, pois a acomodação procura compensar os desequilíbrios, e a
abstração reflexiva reorganiza os instrumentos da assimilação, permitindo a
constituição dos sistemas lógico-matemáticos de caráter formal, e desta forma,
o pensamento científico.

2.4 - Estudos focais

Estudos referem que as crianças videntes e aquelas com cegueira


apresentam desenvolvimento comparável nos primeiros meses de vida.
Entretanto, passam a apresentar diferenças no desenvolvimento na fase das
reações secundárias circulares (WARREN, 1994). Nesta fase do período
sensório-motor - quatro a oito meses - cada ação causa uma reação, que ativa
novamente a ação original.
A criança com cegueira perde oportunidades de repetir movimentos que
a levariam a prolongar aquilo que PIAGET (1987) chama de “espetáculos
interessantes” (p.168).

36
Ao discutir sobre as diferenças no desenvolvimento,ELOSÚA (1994) se
reporta à afirmação de Piaget e Inhelder, segundo a qual “a falta da visão
implicaria em um desenvolvimento cognitivo mais lento” destas crianças. Neste
sentido, a falta da visão traria problemas na construção da inteligência sensório-
motora, uma vez que esta é elaborada a partir de atividades em que a visão
exerce um papel importante. A autora cita outros estudos sobre a imitação da
criança com deficiência visual, que é muito pobre quando comparada à da
criança vidente; conseqüentemente, o jogo simbólico pode estar comprometido,
o que é provavelmente causado pela falta da visão. Enfatiza, ainda, a escassez
de trabalhos sobre o desenvolvimento da representação e simbolização em
criança cega, no período pré-operacional.
De fato, já nos primeiros tempos de vida, na fase em que a criança
realiza o exercício funcional do olhar e posteriormente provoca “experiências
para ver”, a criança com cegueira já tem seus prejuízos, pois estas experiências
implicam ações que, ao variarem, enriquecem e potencializam os seus
esquemas de ação (PIAGET, 1987,1990). A seqüência do desenvolvimento é
igual para todas as crianças, porém, um bebê com cegueira congênita, em
geral, apresenta um ritmo mais lento, podendo apresentar atraso no
desenvolvimento motor e transtornos musculares, como a hipotonia. Ele tem
necessidade de mais tempo para conhecer uma pessoa, uma situação ou um
objeto para, posteriormente, reconhecê-los e estabelecer diferenças
(LEONHARDT , 1992).
A superproteção por parte dos adultos pode ser prejudicial à criança com
deficiência visual; uma vez que consiga se mover de forma autônoma e dirigir-
se aos sons produzidos no seu ambiente, o que constitui o começo da
permanência do objeto, ela alcançará as demais fases do desenvolvimento com
mais experiências sobre os objetos O
( CHAIATA, et al., 1988).
A pesquisa desenvolvida por Hatwell, citada porELOSÚA (1994) mostrou
que no período das operações concretas, crianças com cegueira apresentavam
um atraso de três a quatro anos na realização de tarefas operatórias com

37
material manipulativo, nas quais o fator figurativo-espacial predominava, não
encontrando atraso na realização de tarefas que tinham, principalmente, uma
base oral. Este resultado sugere questionamentos a respeito da
correspondência entre o funcionamento verbal e a representação mental
coerente e rica.
Na aplicação das provas piagetianas em 30 crianças institucionalizadas,
com deficiência visual, com idades entre cinco e treze anos,RIVERO CARAZAS
(1985) demonstra ter encontrado seis anos de atraso no desenvolvimento
delas, possivelmente causado pelo ingresso tardio na escola e pela falta de
estimulação adequada. Em estudo do mesmo autor (1997), o desenvolvimento
da criança com deficiência visual foi novamente pesquisado. Nele, foram
aplicadas provas piagetianas para a avaliação das estruturas operatórias e
realizadas intervenções pedagógicas com o objetivo de desenvolver as
atividades do conhecimento físico. Os resultados indicaram que a criança pode
avançar satisfatoriamente no período pré-escolar, devendo para isso ser
proporcionados meios que lhe permitam a construção dos conhecimentos e
criando relações entre conhecimentos e objetos da sua vida diária.

CASTRO (1996) investigou a aprendizagem e a estrutura cognitiva da


pessoa com deficiência visual, aplicando as provas piagetianas e questionários,
que comparavam o desempenho operatório e a aprendizagem entre os alunos
de escolas residenciais, os que residiam com a família e alunos com visão
normal. Concluiu, apontando maiores percentuais para os alunos que residiam
com a família e melhor desempenho operatório, para os que iniciaram mais
cedo a educação, afirmando que “não é a deficiência visual fator determinante
no desenvolvimento cognitivo, mas a prática constante com objetos que
possibilitem executar mais experiências concretas do que é feito
costumeiramente”(p. 45-46).

ELOSÚA (1994) sintetiza algumas pesquisas, afirmando que, no tocante


às teses piagetianas, o atraso das crianças com deficiência visual é menor do

38
que se pode supor, e a linguagem parece ter uma influência maior. Este
possível atraso parece ser vencido posteriormente, na adolescência.

Reafirmando, a criança é um ser em desenvolvimento e quanto maiores


e melhores forem as solicitações do meio, mais oportunidades ela terá de se
desenvolver cognitivamente.

2.5 - Os tipos de conhecimento e os aspectos do desenvolvimento

Nas experiências do dia-a-dia a criança pode refletir sobre os objetos e


sobre a sua própria ação, compreendendo aquilo que realiza nos ambientes
físico e social. “A abstração reflexivante e a equilibração ocorrem pelo simples
fato de que a criança está viva e adaptada ao seu meio”K(AMII; DEVRIES, 1992,
p. 42). Ela terá a construção das suas estruturas mentais favorecidas
progressivamente, pelos processos de abstração P( IAGET , 1978a).
O termo ação possui dois significados diferentes. O primeiro refere-se a
ações manipulativas sobre os objetos, representando alguma coisa que se faz
com eles: empurrá-los puxá-los e outras. O segundo tem um sentido diferente –
é uma ação mental - pois a criança pode agir sobre o objeto sem tocá-lo,
observando as suas propriedades e criando uma relação entre elas. Portanto, a
manipulação física é básica e essencial para que a ação mental se torne
possível, criando-se, assim, uma ação construtora K( AMII, DEVRIES, 1986;
PIAGET , INHELDER, 1994).
A ação ou práxis, segundo PIAGET (1983), não é um movimento qualquer,
mas um sistema de movimentos coordenados em função de um resultado ou de
uma intenção. É adquirida por oposição às coordenações reflexas e pode
depender das experiências físicas ou lógicas do sujeito, da educação em
sentido amplo, como, também, da equilibração das estruturas do pensamento.
O pensamento tem dois aspectos funcionalmente diferentes, porém
intimamente relacionados: o aspecto figurativo e o operativo. O aspecto
figurativo implica percepções, imitações, e imagens mentais do que diz respeito

39
a estados ou sucessão de estados. O aspecto operativo é resultado de
transformações relacionadas a tudo que modifica o objeto, das ações às
operações, desde as ações sensório-motoras, às ações interiorizadas(PIAGET,
1987; DOLLE, 1987).
Os aspectos figurativo e o operativo representam a maneira de
apreender o real, estando o aspecto figurativo sob a dependência do operativo.
A dissociação destes aspectos em uma ação, permite diagnosticar o que
depende da inteligência ou da figuração simbólica P
( IAGET, 1983).
Ao se referir às relações entre sujeito e objeto como o problema central
do conhecimento, Piaget destaca a experiência física e a lógico-matemática
como os contextos nos quais se exercem as ações e as operações. Delas
procedem três tipos de conhecimentos possíveis: o conhecimento físico, o
lógico-matemático e o social. Esses conhecimentos são interdependentes nos
seus processos construtivos.
A experiência física consiste em agir sobre os objetos para se descobrir
as suas propriedades observáveis e inerentes e extrair daí um conhecimento.
O conhecimento físico é gerado pelos objetos do meio, ou seja, na
“forma com que o objeto proporciona ao sujeito oportunidades para observação”
(KAMII, DEVRIES, 1986, P.32). Este conhecimento procede da percepção, mas,
ela não age sozinha. Piagetexplica:

“... só descobrimos a propriedade de um objeto acrescentando algo à


percepção. E o que lhe acrescentamos não é senão, precisamente, um
conjunto de quadros lógico-matemáticos, que tornam possíveis apenas as
leituras perceptivas”(1978b, p. 78).

Tal conhecimento está relacionado ao desenvolvimento das habilidades


perceptivo-motoras e ao processo da abstração empírica.
A experiência lógico-matemática também consiste em “agir sobre os
objetos, mas com abstração de conhecimentos a partir da coordenação das
ações do sujeito e não mais dos próprios objetos” (Ibid.,1978b, p.77). Assim, o
conhecimento lógico-matemático é estruturado nestas experiências, a partir da

40
abstração reflexivante e, neste processo, a criança cria e introduz relações
entre os objetos. Ele não pode ser ensinado, pois é construído pela criança e,
uma vez construído, não será jamais esquecido; não é arbitrário, mas acontece
pela coerência (Kamii; Devries, 1992;KAMII, 1993).
Estabelecendo uma relação entre o conhecimento físico e o lógico-
matemático vemos que, enquanto o conhecimento físico é alimentado e
abstraído dos próprios objetos, as coordenações das ações do sujeito
constituem a fonte do conhecimento lógico-matemático. O conhecimento físico
não pode ser construído sem um quadro lógico-matemático subjacente. Ao
pegar, derrubar, rolar, enfim, agir sobre os objetos é que a criança descobre as
propriedades do mesmo e estabelece relações entre eles. A experiência física e
a experiência lógico-matemática estão sempre juntas nas diferentes
experiências, mas são dissociáveis à análise M
( ANTOVANI DE ASSIS, 1999a;
CARMICHAEL, 1975; KAMII, DEVRIES, 1986).
Em múltiplas experiências a criança age sobre os objetos e constrói o
conhecimento. Uma criança com cegueira, ao tatear uma mesa, por exemplo,
encontra alguns chocolates; manipula-os, experimenta e descobre que são
doces. Tal descoberta mostra a tomada de consciência de uma propriedade dos
chocolates (sabor), abstraída inicialmente por sua percepção, pois o sabor é
uma propriedade do chocolate (conhecimento físico).
Comendo alguns chocolates descobre que uns são mais doces e outros
menos doces. Mostra então, sua preferência pelo chocolate doce com formato
retangular. Em um outro momento, a criança reconhece o lugar em que os
chocolates ficam guardados e dirige-se até o local. Ao escolher dois chocolates
mais doces que têm a forma retangular, está atribuindo aos alimentos
propriedades que os chocolates não possuem por si mesmos, e aplicando
conceitos de espaço e de seriação quando os chocolates são comparados e
escolhidos, isto é, está demonstrando conhecimento lógico-matemático.
Juntamente com o conhecimento físico e o conhecimento lógico-
matemático, caminha a construção do conhecimento social. O conhecimento

41
social decorre da concordância entre as pessoas, fundamentando-se no
consenso social como as regras, as informações, as explicações, a moral, a lei,
os valores, a ética e o sistema de linguagem. Sendo assim, é um conhecimento
arbitrário, como o nome de um doce que tem determinado sabor é chocolate, e
o conhecimento é integrado à própria concepção de mundo de cada sujeito.
MANTOVANI DE ASSIS (1999a) afirma que:

“... o trabalho construtivo do sujeito torna-se ainda mais claro quando


analisamos as explicações da criança sobre a realidade social e as
soluções que encontra para os problemas que se colocam. As normas,
explicações, noções, não constituem elementos desconexos do
conhecimento, mas todos eles compreendem as representações sociais,
se bem que sua evolução possa não ser linear”(p. 47).

Um ambiente social propício ao desenvolvimento da criança favorece o


conhecimento físico, lógico-matemático e social. Como já mostramos, as
mudanças de estágios de desenvolvimento intelectual são aceleradas ou
retardadas em relação à idade cronológica média, dependendo das solicitações
do meio em que a criança vive. Contudo, as influências que a criança recebe
dos ambientes familiar e educacional só se farão sentir se ela tiver condições
para assimilar os novos observáveis, e se tiver estruturas adequadas para tal.
Desta forma, é a equilibração que explica a passagem de novos conhecimentos
e o próprio desenvolvimento (PIAGET, 1976; CARMICHAEL, 1975).
Informações adicionais são importantes para a criança com cegueira
compreender e poder explicar questões relacionadas ao ambiente social. A
sujeira da pele, por exemplo, pode estar presente no corpo, mas nem sempre é
perceptível ao tato e é muito mais aversiva à visão do que ao tato. A criança
precisa compreender o valor da higiene, tanto no aspecto da saúde como no da
aparência, para se habituar a cuidar de si e a lavar com freqüência as mãos e o
corpo. Precisa saber que o banheiro é o local para a higiene pessoal e não a
pia da cozinha ou o tanque, saber que o banheiro precisa ser limpo, e como se
faz a limpeza. Na escola, precisa conhecer a pessoa encarregada deste
serviço.

42
Assim, o conhecimento é proveniente das pessoas a partir das
informações adquiridas no meio físico, fazendo parte deste conhecimento o
conceito de família, escola e comunidade, entre outros essenciais na adaptação
da criança ao meio em que ela vive.

“O conhecimento social é semelhante ao conhecimento físico na


medida em que requer informações específicas do mundo exterior. Sem
input específico, a criança não poderia saber que as mesas não foram
feitas para se pisar em cima, que um objeto particular chama-se copo e
que não há aula aos sábados e domingos. Enquanto a fonte máxima do
conhecimento físico são os objetos, a fonte máxima do conhecimento
social é a concordância entre as pessoas”
(KAMII, DEVRIES, 1986, p.37).

O conhecimento social é arbitrário. Ao contrário, a moralidade é


estabelecida na medida em que as pessoas regulam suas interações,
coordenando pontos de vista sobre o que é bom ou mau nas condutas,
portanto, não são arbitrárias. As regras morais assemelham-se ao
conhecimento lógico-matemático na medida em que são estabelecidas pela
coordenação de diferentes pontos de vista. O desenvolvimento moral e a
aprendizagem do conhecimento social são aspectos muito importantes de um
programa educacional baseado na teoria piagetiana (Ibid, p. 38).
Os três tipos de conhecimento integram as atividades realizadas nas
diferentes circunstâncias da vida, contribuindo na formação de sujeitos
autônomos e independentes.
“É imprescindível que os educadores façam a distinção entre os
diferentes tipos de conhecimento porque só assim poderão ajudar seus alunos
a construí-los”(MANTOVANI DE ASSIS, 1999a, p.56).
A construção do conhecimento se realiza em uma relação interpessoal,
por meio de trocas estabelecidas nas atividades, as quais visam o
desenvolvimento dos aspectos: cognitivo (conhecimento físico, lógico-
matemático, social e função simbólica), afetivo, social e perceptivo-motor.
A atividade é, portanto, indispensável para o desenvolvimento da
criança com ou sem deficiência visual, sendo a ação mental necessária, tanto

43
para o conhecimento físico como para o lógico-matemático. Entre os aspectos
do desenvolvimento, o cognitivo aciona a evolução do pensamento,
impulsionando e determinando os demais.
Nas intervenções em AVD, o conhecimento físico pode ser desenvolvido
por meio de conceitos e noções referentes à aquisição das propriedades dos
objetos como a forma, textura, consistência, temperatura, som, peso, odor,
sabor e conhecimentos relativos às propriedades dos objetos a partir da ação
realizada sobre eles.
Quanto ao conhecimento lógico-matemático, as atividades de comparar,
corresponder, aumentar, diminuir, reconhecer objetos, fazer coleções,
classificar, seqüenciar, repartir e outras, permitem a aquisição de noções e
conceitos referentes à noção de conservação de quantidades descontínuas ou
discretas, conservação de quantidades contínuas (líquido); conservação de
quantidades contínuas (massa); classificação operatória; seriação operatória,
conceito de espaço, tempo e compreensão de relações causais.
A função simbólica ou semiótica está presente na vida da criança e faz
parte do conhecimento lógico-matemático. No final do período sensório-motor a
capacidade da criança conhecer as coisas vai, aos poucos, sendo substituída
pela capacidade de representar o que é conhecido, marcando o aparecimento
do período intuitivo ou pré-operatório. A função simbólica “consiste na
representação de um significado qualquer, isto é, um objeto, um acontecimento
ou um esquema motor, por meio de um significante diferenciado e específico
para este fim”(MANTOVANI DE ASSIS, 1999b, p.287).
A criança realiza atividades lúdicas (jogos simbólicos), durante as quais
toma consciência do real, ainda que, às vezes deformado. Ela também
reproduz as situações vividas, assimilando-as a seus esquemas de ação e aos
seus desejos (afetividade). Para a criança, o jogo simbólico é um meio de
adaptação intelectual e afetivo A
( JURIAGUERRA, 1983). A imitação diferida, o jogo
simbólico, o desenho ou imagem gráfica, a imagem mental e a linguagem

44
impulsionam o progresso da socialização da criança e sua inclusão na sua
realidade social.
Na construção do conhecimento, a afetividade corresponde à energética
das ações. A afetividade e a inteligência caminham paralelamente e são
indissociáveis, uma vez que toda ação pressupõe um interesse, necessidade ou
curiosidade que mobilize o sujeito a agir até encontrar uma solução para os
problemas.
Para favorecer o desenvolvimento afetivo é importante oferecer à criança
um ambiente em que ela possa valorizar a si mesma e aos outros, tendo como
base o respeito, a compreensão, e o afeto, demonstrados em situações de
criatividade e de participação ativa, que favorecem a independência, iniciativa e
responsabilidade. Isso não acontece em um ambiente carregado de tensão,
autoritarismo e coação, o qual dificulta a expressão dos sentimentos e a
cooperação.
Assim também, o desenvolvimento do aspecto social é paralelo e
indissociável do cognitivo e do afetivo (PIAGET, INHELDER, 1994). No processo
de socialização a criança vai construindo sua identidade, seus valores e
princípios conquistando, desta forma, não só a independência, mas também a
autonomia para o desempenho de suas ações. Tudo isto é proposto para
estimular a autonomia e o desenvolvimento social com atividades de interação
entre as crianças e entre crianças e os adultos, visando a aprendizagem de
normas e condutas que regem as interações sociais e a construção de normas
e valores próprios (MANTOVANI DE ASSIS, 1999a).
O aspecto perceptivo-motor envolve a coordenação voluntária dos
grandes e dos pequenos músculos e a formação de hábitos e atitudes. Deste
modo,

“... os primeiros movimentos, aprendidos durante as atividades da vida


diária, serão posteriormente usados, aprimorados e generalizados a
todos os demais objetos com que a criança venha a ter contato. Por uso
e pela generalização ela os aprimorará e aprenderá a executá-los de

45
modo adequado às suas necessidades e desejos e finalmente combiná-
los entre si de modo mais variável possível”B
( RANDÃO, 1984, p.79).

A estimulação do aspecto perceptivo-motor, a energética das ações é de


natureza afetiva, correspondendo à necessidade e à satisfação do sujeito. A
estrutura da ação por sua vez é de natureza cognitiva. Contudo, os motivos que
levam a criança a construir o conhecimento físico, o conhecimento lógico-
matemático e o conhecimento social são intrínsecos a sua própria atividade
intelectual e há um paralelismo entre eles.

46
CAPÍTULO III
UMA QUESTÃO A APROFUNDAR

A prática e a reflexão sobre as AVD motivaram-nos a estudar as


possíveis contribuições destas atividades não só para a independência da
pessoa com deficiência visual no seu dia-a-dia, como também para estimular a
construção de suas estruturas do conhecimento.
É sabido que a restrição de ações na vida da pessoa, limita a quantidade
de informações que podem ser adquiridas e isso favorece a diminuição de
possibilidades de aquisição de conhecimentos, em função de uma leitura
deficitária de suas experiências (MANTOAN, 1997).
A visão transmite informações sobre cores, formas, tamanhos, situações
e experiências do meio ao redor, que correspondem a 80% do total de dados
recebidos, assim proporcionando a verificação imediata das informações e a
impressão de elementos que estimulam a curiosidade e o interesse da pessoa.
Mediante tal percepção, a pessoa poderá integrar os dados em uma totalidade.
A visão desempenha, portanto, um papel de organizador da experiência em
função da síntese e da formação de imagens no pensamento L(EONHARDT ,
1992).
Nesse sentido, a grande quantidade de informações que a visão normal
transmite, ocupa um papel de extraordinária importância no conhecimento da
criança sobre o ambiente que a rodeia. As crianças que enxergam têm a
percepção do espaço visual diferente da percepção do espaço tátil das crianças
com cegueira congênita. Por isto, é muito difícil para essas últimas
compreenderem o que significa realmente a experiência visual. Também para

47
aquelas que enxergam, é difícil entenderem o que significa ser cego total, uma
vez que suas imagens mentais sempre serão visuais e, portanto, representando
uma série de elementos e relações distintas daquelas que a pessoa cega forma
no seu pensamento (LEONHARDT , 1992, p. 9).
A deficiência visual ocasiona perdas ou implicações que variam de
pessoa para pessoa, dependendo de sua singularidade e do seu meio
ambiente. As variáveis citadas referem-se ao grau da deficiência, ou seja, à
condição visual da pessoa, ao tipo de doença que caracterizou a deficiência, à
idade em que ocorreu a perda, e ao tempo transcorrido O( CHAIATA et al,1988;
SÃO PAULO, 1993).
Em função das variáveis podem existir lacunas no desenvolvimento da
pessoa com deficiência visual, principalmente nos primeiros anos de vida.
Estudos citados por LEONHARDT (1992), sobre o desenvolvimento da percepção
em crianças cegas, de cinco anos, mostram inferioridade na percepção auditiva
e tátil e em manipulação, quando comparadas com crianças videntes da mesma
idade.

MASINI (1997) sugere que os atrasos no desenvolvimento da pessoa com


deficiência visual são provenientes do empobrecimento dos aspectos
perceptuais e representacionais. A deficiência sensorial prejudica o contato com
as pessoas, objetos e situações, caracterizando-se pela insuficiência de dados
recebidos do ambiente e pelo prejuízo nas relações da pessoa com deficiência
com o que a cerca.

“Ter presente essa característica do deficiente visual é o ponto de


partida para que se busquem condições necessárias a seu
desenvolvimento e formação de uma personalidade integrada ou
integração de sua personalidade”(p. 34-35).

Crianças com cegueira congênita constroem a imagem do mundo pelo


uso dos sentidos remanescentes, ou seja, pelas percepções táteis, auditivas,
gustativas, proprioceptivas e cinestésicas. Elas ouvem os sons do ambiente,

48
que lhes proporcionam conhecimentos e organização de experiências, e lhes
informam sobre a direção e a distância que está o objeto sonoro, porém,
recebem poucos dados sobre a forma, tamanho, cor ou localização no espaço,
especialmente quando os objetos que causam os sons referidos não estão
relacionados à experiências anteriores, nem podem ser tocados.
O sol, a lua, as nuvens, as montanhas, por exemplo, escapam de uma
observação tátil, mostrando que as percepções restantes necessitam de ajuda
auditiva para ir se organizando e conferir um significado à experiência externa,
principalmente, nas primeiras etapas da vida da criança com cegueira
(LEONHARDT , 1992, p.9).
De acordo com Brandão (1984) a dificuldade de agir sobre os objetos
prejudicará muito, a percepção das imagens sensoriais táteis e das experiências
sobre o mundo que a cerca.

“É necessário procurarmos dar a ela os meios de conseguir o


desenvolvimento do tato, do ouvido, do olfato, da sensibilidade
proprioceptiva e do labirinto, capazes de substituir a visão na aquisição
dos conhecimentos sobre o mundo exterior e os relativos a ela mesma”
(BRANDÃO, 1984, p.83).

As barreiras de interação com o meio podem gerar uma passividade nas


ações da criança com cegueira, restringindo o desenvolvimento da sua
orientação espacial e do movimento, o que pode denunciar uma aparente falta
de interesse de sua parte em se movimentar e explorar o ambiente
(SCHNEEKLOTH , 1989). O autor sugere que o medo que tais situações causam,
bem como a escassez de experiências no meio ambiente e a decorrente falta
de motivação para agir, influem no desenvolvimento da criança muito mais do
que suas habilidades em desempenhar diferentes atividades.
Tais dificuldades limitam a assimilação dos gestos, objetos e das
situações, pela criança com cegueira, podendo inibir seu desenvolvimento,
favorecendo-lhe condutas repetitivas por muito tempo, a menos que receba
ajuda adequada da família que a estimule à aquisição de novos

49
comportamentos. A linguagem, igualmente, pode apresentar séries de
dificuldades para a criança cega, quando não compreende com exatidão o
significado das palavras e sons que são pronunciados. Há também dificuldades
para ela iniciar o processo de generalização na mesma etapa que aquela que
enxerga.

“... a criança cega precisa utilizar-se de todos os demais sentidos,


organizando seus esquemas de significação, que lhe permitirão
interpretar as múltiplas informações, que o meio lhe propicia. Este
aprendizado é gradual e deverá ser feito desde o nascimento”(RIVERO
CARAZAS, 1997, p.6).

FERREL (1996) enfatiza que, para minimizar as possíveis desvantagens,


a educação precoce torna-se de extrema importância, promovendo
oportunidades para a criança aprender.
As ações que a criança com deficiência visual realiza influenciam
consideravelmente o seu desempenho na vida diária e na escola. À medida que
as suas condutas se modificam, como conseqüência de variações ambientais,
há condições para ela se adaptar com sucesso ao meio e ter seu
desenvolvimento otimizado. Embora a ausência ou diminuição severa da visão
possa restringir o acesso e a participação das pessoas com essa deficiência no
seu ambiente, o grau de solicitação do meio pode ter um efeito crucial,
proporcionando-lhes oportunidades de se desenvolverem (BRUNO , 1993).
A orientação e mobilidade, as AVD e a comunicação, entre outras
atividades, são citadas por HYVÄRINEN (1988) como um campo adequado de
ação às pessoas que têm deficiência visual.
Nesse sentido, as AVD ganham destaque na formação das pessoas, pois
lhes propiciam oportunidades para expandir as atividades que realizam no seu
ambiente social e, sobretudo, favorecendo-lhes a compreensão daquilo que
fazem. A vivência das atividades cotidianas aumenta significativamente as
possibilidades de aquisição de novos conhecimentos, nos campos de promoção
do conhecimento cotidiano, escolar e científico.

50
Embora importantes, as AVD têm sido pouco aplicadas como aliadas na
aprendizagem, pois os alunos tendem a adquirir o conhecimentocientífico “por
meio da repetição, da memorização e de enunciado que, geralmente, não
entendem” (DELVAL, 2001, p.58). Este conhecimento, apesar do seu papel
fundamental na educação, encontra certa oposição:

“Assim, o conhecimento transmitido na escola é sistemático,


organizado, baseado em princípios universais e, muitas vezes, oposto ao
conhecimento cotidiano, porque se fundamenta em hipóteses que
aparentemente contradizem a experiência imediata. Isto faz com que os
alunos não o aceitem facilmente e não o incorporem em suas crenças
sem resistências” (Ibid. p.59).

Várias questões são levantadas quando nos vem à mente o quadro de


uma pessoa com deficiência visual realizando, com êxito, atividades do dia-a-
dia. De que maneira aprende a fazer as atividades de vida diária? Ela percebe
os obstáculos? Corre risco de segurança? Consegue se organizar?
Muitos questionamentos são comuns às pessoas e aos profissionais que
nunca viram uma pessoa com deficiência visual desempenhando as AVD.
Muitos profissionais que atuam com essa população priorizam o ensino do
braile, o uso do sorobã no ensino da matemática, e atualmente, o uso da
informática. Entretanto, grande parte deles pouco se preocupa com a
estimulação sensorial, assim como de atividades mais específicas como a
orientação e mobilidade e as AVD. Isto, por não perceberem sua importância,
ou mesmo, por desconhecerem as maneiras de ensinar e as repercussões que
o desempenho das AVD, quando exploradas, podem ter na vida das pessoas
com deficiência visual.
Assim, buscamos neste estudo compreender como as AVD contribuem
para a construção e a ampliação dos conhecimentos da criança com deficiência
visual, de tal forma que possam se tornar pessoas independentes e autônomas
naquilo que realizarem. Portanto, o nosso problema consistiu em desvendar as
AVD para além da técnica, aproximando-as dos campos de conhecimento que

51
propiciam o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e perceptivo-motor das
crianças com deficiência visual.
Este problema é pertinente, porque pretendemos ampliar a concepção do
ensino das AVD, ainda arraigado à medidas pedagógicas fortemente restritivas,
permeadas de técnicas e regras rígidas que, muitas vezes, limitam a
possibilidade de promoção do desenvolvimento humano.
Quando a população alvo é formada por pessoas que apresentam uma
deficiência visual, é importantíssimo levar em conta a diversidade e a
heterogeneidade dos educandos. O respeito às peculiaridades e interesses
pessoais é um meio de promover o desenvolvimento, e medidas pedagógicas
restritivas bloqueiam a liberdade das pessoas pensarem e agirem por elas
mesmas.
O desafio colocado por este trabalho está, portanto, em procurar
demonstrar como as AVD podem ser instrumentos para aquisição de
conhecimentos, além de possibilitar a tantos quantos se interessam por esta
área, uma idéia de como estes conhecimentos podem ser adquiridos e
praticados com independência na rotina diária da pessoa com deficiência visual;
e que a aquisição de conhecimentos e habilidades é resultado de processos
individuais, e não moldadas por técnicas, regras ou padrões pré-definidos.
A escassez de pesquisas sobre as AVD na área da deficiência visual e,
principalmente, das que analisam os diferentes conhecimentos que podem ser
construídos na prática destas atividades, justifica, por si só, a realização do
presente estudo.
Além das considerações citadas, como nos lembraHELLER (1970), um
outro aspecto que pode justificar esta pesquisa é o fato de que a vida do
homem é composta de atividades bastante diversificadas e, que, o desempenho
de cada uma delas vai se aprimorando, na mesma medida em que ocorre o seu
desenvolvimento intelectual, social, afetivo, motor e sensorial.
Cada pessoa retrata as suas características particulares ao realizar os
pequenos afazeres, ao cumprir as rotinas do seu cotidiano e que compõem a

52
história de sua vida. Das muitas atividades costumeiras, as AVD são
sobremodo interessantes para estudos e merecem um destaque especial, pois
estão presentes e são necessárias na maioria dos momentos da nossa
existência. Podem significar algo mais que simples atividades de rotina quando
realizadas por pessoas que possuem uma deficiência visual, em função das
limitações decorrentes da própria deficiência. Contudo, é necessário realizar
tarefas básicas na rotina diária, principalmente na adolescência e na vida
adulta.
Em qualquer sociedade o amadurecimento do homem significa que ele
adquire as diversas habilidades indispensáveis para a vida em grupo. A pessoa
adulta deve dominar, antes de qualquer coisa, a manipulação dos objetos
imprescindíveis para a vida cotidiana.

É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade.


(...).Deve aprender a segurar o copo e a beber no mesmo, a utilizar o
garfo e a faca, para citar apenas os exemplos mais triviais. Mas, já esses,
evidenciam que a assimilação da manipulação das coisas é sinônimo de
assimilação das relações sociais. Pois não é adulto quem aprende a
comer apenas com as mãos, ainda que também deste modo pudesse
satisfazer as suas necessidades vitais (H
“ ELLER, 1970: p. 17-19)”.

Heller explica que no cotidiano são realizadas ações heterogêneas em


vários aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo, à significação ou a
sua importância. Elas são também hierárquicas: umas subordinam-se às outras,
dão sentido e desencadeiam outras atividades.
Os estudos de HELLER (Ibid.) permitiram ampliar o nosso olhar para as
atividades diárias: elas têm um caráter prático e as pessoas manifestam o que
são, ao realizarem tais atividades.
Temos verificado que, nas diferentes faixas etárias, as pessoas com
deficiência visual demonstram dependência nas atividades básicas,
principalmente relacionadas ao cuidado pessoal, alimentação e vestuário. A
dependência é maior naquelas com cegueira congênita que, por nunca terem

53
enxergado, dependem de outra que enxergue para receberem informações
sobre o meio ambiente, situações, pessoas e demais objetos.
O que seria considerado uma dependência normal nos primeiros anos de
vida tem sido prolongado até à idade adulta, mesmo em se tratando daquelas
pessoas com deficiência visual que apresentam condições físicas e mentais
para realizarem as AVD, independentemente da idade, desempenho acadêmico
ou situação sócio-econômica. É importante chamar a atenção para o fato de
que até com alto grau de escolaridade (curso médio ou até universitário), muitas
apresentam uma dependência acentuada nas AVD, não sendo independentes,
por exemplo, na alimentação, vestuário ou higiene.
Compreendemos que, para as pessoas com cegueira, o domínio das
AVD, além da aquisição de conceitos, pode significar um fator facilitador na
participação social, uma vez que a condição de agirem por si mesmos
possibilita-lhes uma vida independente e autônoma, assegurando-lhes
condições para o exercício de seus direitos de cidadãos.
O conceito de vida independente, neste caso, “compreende movimento,
filosofia, serviços, equipamentos, centros, programas, em relação aos quais as
figuras centrais são os cidadãos portadores de deficiência, que se libertam ou
estão em vias de se libertar da autoridade institucional e familiar”S(ASSAKI,
1997, p.51). Ter vida independente é uma pretensão daqueles que a
empreendem; envolve decisões e responsabilidades, bem como favorece o
acesso aos direitos e participação quanto aos deveres de cidadania.
O desejo de contribuir no sentido de possibilitar às pessoas com
deficiência visual não somente a aprender a fazer, mas fazer compreendendo,
aprendendo e generalizando a aplicação dos conhecimentos para outras
atividades, levou-nos a enfrentar o desafio de traçar alguns caminhos neste
sentido.
Quando nos remetemos ao modo particular de a pessoa com deficiência
visual realizar as AVD, temos como objetivo específico esclarecer, tanto aos
profissionais e educadores, quanto aos familiares e pessoas interessadas,

54
como procedemos para ensinar tais atividades e a importância delas no
desenvolvimento humano. Não se trata de transmitir uma maneira de fazer para
ser reproduzida, mas de contribuir para uma intervenção direcionada e revelar
os talentos de cada criança com cegueira, abordando a AVD como uma
atividade/meio que promova o conhecimento.
Portanto esta pesquisa tem como objetivo principal revelar o que está
“oculto” nas AVD, desvendando os diferentes aspectos do desenvolvimento,
recursos, técnicas e práticas implícitos nestas atividades com crianças com
cegueira.

55
56
CAPÍTULO IV
O ESTUDO REALIZADO

Este estudo foi realizado segundo uma abordagem qualitativa, uma vez
que o pesquisador compartilha das práticas, das percepções e experiências do
objeto da pesquisa, no caso, as AVD.

“O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados,


conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos
atribuindo-lhes significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está
possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em
suas ações”(CHIZZOTTI , 1998, p.79).

Nesta abordagem, a pesquisa descreve as qualidades dos fenômenos ou


objetos estudados, com maior atenção ao processo do que ao produto. Vários
procedimentos e instrumentos de coleta de dados são coadjuvantes na
descoberta e compreensão dos fenômenos ocorridos em um ambiente natural
de investigação. Utilizamos a observação participante, e a análise de conteúdo
para captar o objeto investigado.
Em outras palavras, analisamos algumas AVD para verificar as
oportunidades e contribuições que podem oferecer às crianças com deficiência
visual, no curso de seu desenvolvimento.
As atividades selecionadas correspondem às investigações propostas.
São descritas e analisadas possíveis seqüências que a criança percorre para
realizá-las, assim como os objetos que podem ser utilizados. Enfatizamos o que
as AVD proporcionam, no sentido do desenvolvimento pleno dos nossos

57
educandos e estudamos, igualmente, alguns recursos e oportunidades que
podem ser utilizados no decorrer do processo de aquisição das AVD.
Na busca de novas alternativas para entender as AVD, tomamos por
base o aspecto cognitivo, o afetivo, o social e o perceptivo-motor do
desenvolvimento bem como os tipos de conhecimento lógico-matemático, social
e físico envolvidos nas ações selecionadas.
O objeto de estudo deste trabalho, portanto, são as próprias AVD, as
quais, submetidas à análise, permitem-nos destacar as possibilidades para se
estimular o desenvolvimento global das crianças com deficiência visual.
A observação recaiu sobre os educandos e seus familiares atendidos no
CEPRE nos últimos três anos. Direcionamos o trabalho à criança com cegueira
porque ela não utiliza a visão para realizar as AVD, e por ser a infância o
período de maiores aquisições e desenvolvimento.
A seleção das crianças observadas obedeceu os seguintes critérios: já
estar recebendo atendimento em AVD no CEPRE; ser cego congênito ou ter
perdido a visão até os três anos de idade; e pertencer à faixa etária entre quatro
e dez anos. Os atendimentos foram realizados individualmente ou em grupo,
uma vez por semana, em sessões de cerca de meia hora de duração,
registrados nos prontuários de cada criança e a maioria foi documentada em
vídeo.
Selecionamos algumas atividades para observação e consideramos o
seguinte: o desenvolvimento da própria atividade, as técnicas e recursos
utilizados, a aquisição de conhecimentos e as possibilidades de generalização
dos conhecimentos para outras situações.
Os atendimentos transcorreram em um ambiente propício à
aprendizagem e à aquisição de conhecimentos significativos. Criamos situações
de atendimento em uma sala especial para AVD. Ressaltamos que durante os
atendimentos houve uma relação dialógica entre os sujeitos e o pesquisador;
trata-se de um recurso usado para promover a reflexão, permitindo a

58
compreensão da atividade. Contamos, geralmente, com a participação das
mães ou responsáveis na rotina dos atendimentos.
A sala, conforme foto a seguir, está organizada com móveis, utensílios,
roupas pessoais, de cama, mesa e banho, compondo um conjunto básico para
o funcionamento de uma casa, o que facilita a realização das AVD pelas
pessoas com deficiência visual.

Sala de AVD - CEPRE

Procuramos mostrar alguns recursos que podem ser empregados para


ensinar as AVD e, concomitantemente, analisamos nosso processo de
atendimento institucional, questionando e discutindo a própria atuação. Não nos
restringimos ao “saber fazer” uma dada ação, mas ampliamos o âmbito dos
objetivos de nossas intervenções.
Enfatizamos que a aprendizagem que ocorre nas AVD deve oferecer
oportunidades, no que lhe é possível, para o pleno desenvolvimento das

59
funções mentais das crianças, para sua adaptação à vida social. Desta forma,
precisamos estar preocupados não só em favorecer-lhes a aprendizagem
específica de determinadas ações, mas sobretudo, em levá-las a refletirem nas
suas ações e a buscarem seus próprios meios para tentar realizá-las, para não
só fazerem uma atividade, mas compreenderem o que fazem.
PIAGET (1998) afirma que:

“... uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com
plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição, uma experiência,
transformando-se em simples adestramento, destituído de valor formador
por falta da compreensão suficiente dos pormenores das etapas
sucessivas. (...) compreender é inventar, ou reconstruir através da
reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se
pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de
criar, e não apenas de repetir”(p. 17).

Portanto, em nossa forma de entender, trata-se de dar condições às AVD


de uma ação pedagógica mais ampla.

1. Estudo das atividades da vida diária (AVD)

Para a análise das AVD, nosso referencial foram os pressupostos


piagetianos sobre a construção do conhecimento, e os tipos de conhecimentos
envolvidos nas ações práticas. Tivemos como base o Programa de Educação
Pré-Escolar – PROEPRE1, fundamentando-nos em um dos textos que
apresenta um conjunto de atividades para cada espécie de conhecimento e
aspecto do desenvolvimento. Desdobramos os aspectos contemplados nas
atividades em questão, dando uma visão geral dos conceitos e noções
trabalhados nestas ações.
Destacamos que, crianças com cegueira, não aprendem a fazer as AVD
informalmente, pois não têm modelos visuais que as levem a realizar
naturalmente algumas atividades diárias. Elas necessitam compreender como
as atividades são feitas, descobrindo os passos e procedimentos básicos para

1
Programa de Educação Pré-Escolar: objetivos/atividades e/ou conteúdos, organizado pela
profa. Dra. Orly Mantovani de Assis, FE/UNICAMP.

60
a execução de cada uma delas, conhecer os objetos e o que ocorre quando
estes são manuseados. Apesar de haver alguns passos considerados
obrigatórios para se fazer as atividades, eles podem ser simplificados com a
prática; cada criança cria e aprende a sua própria seqüência e maneira de
realizá-las.
É fundamental que o educador conheça bem a atividade, de maneira a
propiciar solicitações do meio para estimular a criança a agir ativamente,
fazendo suas próprias descobertas.
MANTOVANI DE ASSIS (1976) afirma que muitos educadores negligenciam
as possibilidades de desenvolvimento intelectual da criança, um período da
vida em que a carência de estímulos adequados pode comprometê-lo
seriamente.
“o verdadeiro sentido da educação pré-escolar deve ser o de contribuir
para o desenvolvimento da criança a fim de que esta realize todas as
suas possibilidades humanas do período em que está vivendo. (...). As
atividades curriculares mais comumente empregadas nem sempre são
adequadas para se atingir os fins propostos (p. 3).

MANTOVANI DE ASSIS (1976) cita as palavras de Piaget, que diz: “.. Cada
vez que ensinamos prematuramente a uma criança alguma coisa que poderia ter
descoberto por si mesma, esta criança foi impedida de inventar e,
conseqüentemente, de entender completamente” (p. 3).
Da necessidade de querermos estudar os focos de intervenção do
educador nas AVD, elaboramos uma seqüência de passos que podem ser
observados, listamos alguns objetos sugeridos para nelas serem utilizados,
oferecemos algumas orientações básicas e criamos um instrumento específico
de ações pedagógicas.
Uma de nossas intenções, entre tantas outras, é facilitar aos profissionais
de forma geral e aos familiares, a compreensão da extensão das AVD; outra é
orientá-los a selecionar e organizar os objetivos de suas intervenções, utilizando

61
estas atividades como meio para a aquisição do conhecimento e para o
desenvolvimento global da criança.
Não pretendemos, contudo, criar um manual de procedimentos ou uma
tabela para avaliar desempenhos, muito menos critérios para aplicação de
objetivos instrucionais nas AVD. Propomos, sim, o detalhamento das ações
envolvidas nas atividades diárias, tendo como referência os aspectos do
desenvolvimento e os tipos de conhecimento envolvidos nas AVD: o cognitivo, o
social, o afetivo e o perceptivo-motor.

A - Aspecto cognitivo:
? conhecimento físico: propriedade dos objetos quanto à forma, textura,
consistência, som, odor, sabor, temperatura e peso, a partir da ação
direta do sujeito sobre o objeto;

? conhecimento lógico-matemático: noções de conservação das


quantidades descontínuas ou discretas e das contínuas, de
classificação operatória, de seriação operatória, de espaço, de tempo
e compreensão das relações causais;

? conhecimento social: a moradia da criança, a escola, a instituição e a


comunidade, o conhecimento sobre as pessoas com as quais a
criança se relaciona, o conceito de família;

? função simbólica ou semiótica: imitação, jogo simbólico, imagem


mental e expressão verbal.

B - Aspecto social:
? interação com os pares;
? interação com os adultos (familiares, profissionais, amigos...);
? aprendizagem de normas, regras e valores próprios;

62
? formação de hábitos e atitudes.

C - Aspecto afetivo:
? independência;
? iniciativa;
? responsabilidade;
? expressão de sentimentos e emoções;
? interesse;
? criatividade;
? curiosidade;
? autonomia.

D - Aspecto perceptivo-motor:
? coordenação dos grandes músculos;
? coordenação dos pequenos músculos.

As atividades estão separadas apenas didaticamente.No exercício das


AVD, o cognitivo está interligado com outros aspectos, quais sejam, o afetivo, o
social, o perceptivo motor e são todos trabalhados simultaneamente, de acordo
com o contexto da atividade e com os educandos em questão.

2. Atividades selecionadas

Tendo em vista o nosso objetivo de revelar as possibilidades que o


ensino das AVD abrem para a solicitação do desenvolvimento de pessoas com
cegueira, escolhemos três AVD que fazem parte do programa de atendimento
realizado no CEPRE. São elas:

? lavar as mãos;
? encher um copo de água; e

63
? vestir uma camiseta.

O critério de seleção das atividades recaiu sobre as ações primárias que


são necessárias e executadas em muitas situações de rotina diária por qualquer
pessoa, mesmo aquelas com deficiência visual. Outro critério que consideramos
é que os conhecimentos e habilidades aprendidos na execução destas
atividades podem ser generalizados para outras situações, envolvendo ou não
as AVD. Por serem indispensáveis para o dia-a-dia, as atividades selecionadas
são de grande interesse das crianças, famílias e educadores da área.
As seqüências que apresentamos a seguir não constituem os passos
obrigatórios de uma instrução programada de aprendizagem, e sim um modo de
se demonstrar a complexidade do ensino das AVD.

2.1- Lavar as mãos

Alguns objetos que podem ser utilizados na atividade

Na atividade de lavar as mãos utilizamos: pia de lavatório com torneira;


saboneteira; sabonete; porta toalha; toalha de tecido; toalha e toalheiro de
papel; e o recipiente de lixo no chão, ao lado da pia. Nesta relação podem ser
acrescentados outros objetos de tamanho, forma e capacidades diferentes, por
exemplo, sabonete: cremoso, glicerinado, áspero, líquido; sabão em pedra;
sabão em pó; água com temperatura ambiente, fria e quente; pia de cozinha,
tanque; pia com torneira automática; e brinquedos de plástico.

Uma possível seqüência da atividade

A - Localizar a sala onde será realizada a atividade. É de extrema


importância para a criança com cegueira localizar o espaço físico onde realiza a
atividade. Para tanto, pode utilizar a técnica de locomoção interna, rastreando o

64
ambiente com o dorso da mão direita e a mão esquerda posicionada na altura
do rosto, para proteção superior, ou no abdômen para proteção inferiorM( ELO,
1991; SÃO PAULO, 1993). Também, pode reconhecer os ambientes pelo odor,
barulho, localização espacial e outros indícios por ela definidos. Ela deve
receber informações sobre a existência de certos locais típicos da casa, escola
ou instituição, onde se encontram móveis e objetos permanentes e onde são
realizadas determinadas atividades.

B - Localizar a pia, a torneira, o sabonete e o toalheiro. A criança


descobre e aprende a discriminar os objetos tocando-os, manuseando-os e
localizando-os no ambiente. Para aprender a localizar os objetos e se
movimentar, ela pode utilizar referências do ambiente, tais como: estímulos
sonoros (abrir a torneira para identificar a pia pelo barulho da água);
informações sobre a localização da pia estabelecendo referência (ao lado
esquerdo da porta), da torneira (na parede, acima da pia),assim como pistas
táteis no chão, na parede e/ou objetos. Tais referências são organizadas e
exploradas segundo as possibilidades de cada criança e, preferencialmente, os
objetos devem ficar sempre no mesmo lugar, para dar-lhe mais segurança.

C - Abrir a torneira. A criança aprende a abrir a torneira por meio do


contato direto com esta e acompanhando, com suas mãos, os movimentos
realizados pelo educador. Ela precisa: a) aperfeiçoar a coordenação motora, a
força muscular e a precisão dos gestos finos em função dos movimentos como
o de rosquear e o de desrosquear (torneira comum) e b) aprender a controlar a
execução destes movimentos. Uma variedade de tipos de torneira já está
disponível em estabelecimentos públicos e em residências (automática, com
sensor, de apertar, de rosquear...). Aprendendo o funcionamento dos objetos,
ela pode utilizá-los adequadamente.

65
D - Adequar a quantidade de água da torneira. A criança aprende a
controlar e a adequar a saída de água da torneira, girando-a para maior ou
menor fluxo e escolhendo, ela mesma, a quantidade desejada.

E - Molhar as mãos. Ao ouvir o barulho da água saindo da torneira a


criança leva naturalmente as mãos naquela direção, aprendendo a posiciona-
las sob a água e molhando-as, a seguir.

F - Localizar e pegar o sabonete na saboneteira. Pegar o sabonete


exige da criança atenção e coordenação motora fina. A criança precisa saber o
que é um sabonete, qual a sua utilidade e localização na pia. É importante o
educador estar atento à sensibilidade tátil da criança, pois um sabonete muito
mole e com consistência pegajosa pode causar-lhe sensação desagradável e,
muitas vezes, de aversão, pela sua falta de experiência com objetos deste tipo.

G - Ensaboar as mãos. A criança percebe os movimentos que o


educador realiza com as mãos dela e ouve as explicações complementares da
ação. Muitas vezes ela precisa “ver”, ou seja, sentir como é o movimento e
então criar sua própria maneira de ensaboar. Um recurso é dar-lhe cremes
para as mãos, para que desenvolva o movimento em questão.

H - Recolocar o sabonete na saboneteira. Pode ser colocada alguma


pista tátil (pequena faixa de textura diferente ao redor da saboneteira), para
facilitar inicialmente a identificação e a memorização do local onde fica a
saboneteira.

I - Esfregar as mãos. Isto requer um movimento específico de rotação


para pressionar as mãos uma sobre a outra. A criança deve desenvolver a
sensibilidade tátil para verificar se há alguma sujeira na pele e para conhecer
melhor as suas mãos.

66
J - Enxaguar as mãos. O movimento de rotação e a pressão de uma
mão sobre a outra com a água caindo sobre elas, permite à criança enxágua-
las, percebendo se ainda resta sabonete. Após o enxágüe, ela fecha a torneira,
estabelecendo uma relação de causa-efeito.

L - Localizar e pegar a toalha no toalheiro. A localização do toalheiro


pode ser indicada por meio de uma pista tátil qualquer (por exemplo: uma
marcação em relevo), sendo trabalhada a orientação espacial. A criança
coordena os movimentos para pegar a toalha. À medida que aprende a localizá-
la, a pista torna-se desnecessária.

M - Enxugar as mãos. A criança aprende o movimento específico de


enxugar as mãos ao manusear livremente a toalha, descobrindo que, para
enxugá-las, precisa envolver e pressionar levemente a toalha nas mãos. Pode-
se utilizar toalha de tecido ou de papel para este fim.

N - Jogar a toalha de papel no lixo. O recipiente de lixo deve ser


preferencialmente mantido em lugar fixo, no chão, ao lado da pia e pode ser
localizado com os pés. A criança aprende a estender os braços na direção certa
para jogar a toalha de papel usada.

O - Recolocar a toalha de tecido no toalheiro. Para a criança pendurar


a toalha, primeiramente deve localizar o toalheiro. É importante indicar o lugar
por uma pista tátil ou por associação (perto da porta, ao lado esquerdo do
espelho). A criança explora o toalheiro, aprendendo como pendurar a toalha.
Algumas crianças localizam o centro da toalha para pendurá-la, outras
penduram-na pela etiqueta.

67
As fotos, a seguir, ilustram algumas ações desta atividade.

2.2 - Encher um copo de água

Alguns objetos que podem ser utilizados na atividade

Podemos utilizar os seguintes objetos: mesa, água, copo e jarra de


plástico. Variações podem constar da atividade, como: copos de diferentes
formas (redondo, quadrado), tamanho e capacidade
; copo de papel, jarra de
vidro, garrafa plástica (pequena e grande), e suco de diferentes sabores.

Uma possível seqüência da atividade

A - Localizar a sala onde será realizada a atividade. Como


mencionamos anteriormente, a falta da visão impede a captação imediata das
informações do ambiente. A criança tem necessidade de obter informações

68
detalhadas sobre ele, para ter mais facilidade para agir. Por isso, é muito
importante, para a criança com cegueira, localizar e conhecer o espaço físico, a
fim de apreender o contexto no qual realiza a AVD. Uma das pistas que pode
ser utilizada é o cheiro característico dos ambientes.

B - Localizar o copo e a jarra. A criança pode procurar os objetos em


cima da mesa ou receber alguma pista da localização (como por exemplo:
colocá-la sobre uma bandeja). Ela precisa saber como são os objetos,
discriminando os materiais com que são fabricados bem como sua utilidade, e
onde ficam.

C - Discriminar o copo e a jarra. Os detalhes do copo e da jarra - peso,


tamanho, tipo e material - precisam ser observados para que a criança aprenda
a manejá-los bem e consiga usá-los. Por exemplo, o copo de vidro e o de
plástico duro podem se quebrar; o copo de papel pode ser amassado ou
rasgado e ainda se dissolver, quando imerso na água. O mesmo se aplica para
a jarra: tem saída do líquido ou não; tem alça ou não; é pequena ou grande.

D - Colocar o copo na mesa para servir. Uma mesa de apoio auxilia a


orientação espacial e os movimentos da criança ao realizar a AVD, e serve
também como descanso dos objetos, podendo-se explorá-los melhor. O copo e
a jarra devem estar apoiados na mesa para facilitar o processo de
aprendizagem de encher o copo de água.

E - Levantar o copo e a jarra da mesa para servir. O ato de levantar o


copo para despejar o líquido da jarra favorece a percepção do peso e a
percepção cinestésica do líquido, quando o copo balança.

69
F - Aproximar a jarra do copo. A criança tateia o espaço e percebe o
copo, segurando-o entre os dedos polegar e indicador,podendo utilizá-los como
referência, ou apenas o polegar, para posicionar a jarra ao lado do copo. A jarra
deve estar posicionada na direção do meio do copo, para facilitar o
transvasamento do líquido e evitar o risco de transbordamento.

G - Levantar a jarra com a mão dominante e o copo com a outra


mão. Este movimento facilita a percepção e oferece maior controle do volume
de líquido transvasado. A alça da jarra possibilita a estabilidade na preensão e
melhor percepção tátil do volume de água. Em geral, por falta de força
muscular, a criança pequena não levanta o copo e a jarra. Ela pode ser
estimulada a levantar o copo da mesa, para perceber o volume de água.

H - Calcular a inclinação necessária para transpor o volume de


líquido. É fundamental a criança realizar tal procedimento para perceber o
volume de líquido despejado no copo pois ajuda-a a tornar seus movimentos
mais precisos, de acordo com o seu desenvolvimento. Ela pode manter a jarra
apoiada no copo, controlando esta posição com o polegar e o dedo indicador. É
preciso manter firme a posição para evitar derramar a água.

I - Despejar o líquido no copo. A criança percebe o volume de líquido


que está sendo despejado pelo tempo de inclinação da jarra, pela modificação
da temperatura do copo, ou pelo som da água caindo no copo, além do peso e
da cinestesia, já citados. Todas estas referências físicas informam o volume do
líquido no copo; a criança escolhe aquelas que são mais perceptíveis e lhe
oferecem maior segurança. Tais referências indicam à criança o nível da água,
evitando que ela coloque o dedo dentro do copo para perceber o volume do
líquido. Inicialmente, ela deve ser incentivada a colocar o dedo dentro do copo
para perceber concretamente o volume de água despejado, mas esta estratégia
não deve se tornar uma prática comum.

70
J - Descansar a jarra na mesa. Após despejar a água no copo, a
criança descansa a jarra na mesa. Primeiramente, porém, deve tatear o local da
mesa onde a jarra descansará.
A seguir, fotos que ilustram algumas ações desta atividade.

2.3 - Vestir camiseta

Alguns objetos que podem ser utilizados na atividade

Para desenvolver a atividade de vestir camiseta utilizamos o seguinte


:
camiseta de manga curta de diferentes tamanhos e modelos, armário e mesa.
Entretanto, podemos fazer uso de outros objetos para complementar e
enriquecer a atividade planejada, como modelos distintos de camiseta, de
mangas compridas e sem mangas, de tecido com texturas e detalhes diferentes
como: costura externa com pesponto, bolso, enfeite em relevo, botão etc.

71
Uma possível seqüência da atividade

A- Localizar o cômodo da casa e/ou outros lugares onde será


realizada a atividade. Conforme já citado, localizar e conhecer o espaço físico
da atividade é uma condição necessária à criança para realizar qualquer ação,
pois além de contextualizá-la, é fundamental que ela conheça os lugares
adequados para tal realização.

B- Localizar a camiseta na mesa ou armário. Para localizá-la, é


importante que a criança a conheça e saiba onde fica guardada. Uma sugestão
é falar-lhe sobre as roupas em geral, estimulando-a a perceber e discriminar a
camiseta: o tecido, o tipo, suas partes e detalhes - de maneira que se tenha o
interesse despertado para aprender a escolher a roupa e a se vestir. Organizar
e definir o espaço físico dos diferentes objetos, favorecem a independência e
autonomia das pessoas na sua realização.

C- Discriminar as partes da camiseta. Motivar a criança a descobrir


como discriminar a frente, as costas, as mangas, as cavas, a abertura do
decote (superior), e a abertura do quadril (inferior). Ela precisa aprender a
diferenciar cada parte, experimentando, sentindo e relacionando as partes da
camiseta no próprio corpo ou no de outras pessoas. Pode utilizar a etiqueta
como uma referência, para distinguir a frente e as costas, assim como outros
detalhes.

D - Discriminar o lado direito e o avesso da camiseta. Os detalhes do


avesso e do direito são importantes para se vestir uma roupa, porém podem
não ser relevantes para a criança com cegueira. Ela pode aprender a
discriminar os lados da peça pela textura e os arremates da costura. É
importante chamar a atenção da criança para estes detalhes, que deverá
observar ao vestir a camiseta.

72
E - Colocar a camiseta em cima da mesa, com a frente virada para
baixo. Uma das maneiras de vestí-la é colocá-la em cima da mesa. Aos
poucos, a criança aprende a relacionar as partes da camiseta com o seu corpo,
localizando a abertura do quadril, que é importante para orientá-la a colocar a
cabeça no decote, e os braços nas mangas.

F - Colocar a cabeça na abertura do decote. Muitas crianças


aprendem a vestir a camiseta pela abertura do decote. Este modo de vestir
facilita a liberação da cabeça e dos braços.

G - Introduzir a cabeça no decote da camiseta. Para isso, a criança


deve localizar a abertura inferior da camiseta e colocar a cabeça dentro dela.
Em seguida, deve puxar a camiseta para baixo até que chegue ao pescoço,
para acabar de vestí-la.

H - Colocar a parte dianteira da camiseta na frente da criança.


Orientando-se pela etiqueta, pelo decote ou outros detalhes, a criança aprende
a colocar a parte dianteira da camiseta na frente do seu corpo. Em geral, a
etiqueta fica localizada nas costas e os decotes são mais baixos, na frente. Os
detalhes em relevo, como figuras ou formas geométricas também auxiliam a
identificação e, geralmente, são fixados na frente. Tais aspectos são pistas que
podemos oferecer à criança, se necessário, para que ela possa se orientar
melhor.

I - Localizar as mangas da camiseta. A criança deve procurar o local


das mangas e transpassar os braços nas respectivas aberturas, até que a
camiseta fique sobre o ombro e sob a axila, relacionando o próprio corpo com
as partes da camiseta.

73
J - Arrumar a camiseta no corpo. A criança veste a camiseta e a
ajusta ao corpo. A sensação de conforto ou desconforto vai lhe informar se a
ação está correta ou não.

As fotos abaixo explicam estas ações.

3. Algumas orientações para o ensino das AVD

Fundamentadas na teoria piagetiana, algumas orientações mostram as


estratégias e os procedimentos utilizados nas AVD. Tais orientações priorizam
e valorizam as investigações e descobertas espontâneas das crianças,
suscitando-lhes problemas e propiciando-lhes condições favoráveis para
solucioná-los.

74
Segundo Piaget, o papel do professor é “confeccionar no espírito da
criança uma ferramenta, um método que lhe permita compreender o mundo”
(PARRAT-D AYAN e T RYPHON, 1998, p. 12).
KAMII, DEVRIES (1986) retiraram da teoria piagetiana quatro formas ou
níveis de ação sobre os objetos: “agir sobre os objetos e ver como eles reagem;
agir sobre os objetos para produzir um efeito desejado; ter consciência de como
se produziu o efeito desejado; explicação das causas” (p. 63, 64).
Podemos considerar as mesmas formas de agir ao definirmos as
orientações básicas para o ensino das AVD. As orientações, a seguir, não estão
relacionadas de uma maneira seqüencial e hierárquica, mas se aplicam
conforme as necessidades da criança, levando-se em consideração o momento
e o espaço físico onde ocorrem as atividades. Foram concebidas e organizadas
visando dar suporte aos educadores e aos familiares de pessoas com cegueira
ao estimularem e ensinarem as AVD.

A. Criar um ambiente rico em estímulos e solicitações, que levem a


criança com cegueira a se interessar pelas AVD

As brincadeiras e as atividades básicas da vida diária mantêm a criança


em constante atividade. Na maior parte do tempo ela estabelece diferentes
relações com as pessoas e com as coisas e estas são condições
indispensáveis para o seu desenvolvimento.
A criança com cegueira precisa de um ambiente rico em estímulos que
despertem o seu interesse e a necessidade de agir sobre os objetos e interagir
com as pessoas. As solicitações do meio podem despertar-lhe o interesse e
motivá-la a enfrentar os desafios da aprendizagem, levando-a a investigar o
objeto sobre o qual atua, o que lhe dá oportunidades de resolver diferentes
situações-problema e de conseguir se adaptar convenientemente.
O episódio a seguir serve como ilustração desta afirmativa. Trata-se do
caso de Di (sete anos de idade), uma criança com cegueira congênita. Pouco

75
ativa, passava grande parte de seu tempo conversando e ouvindo as conversas
dos outros. Buscamos oferecer-lhe oportunidades para realizar suas próprias
atividades diárias, ajudando-a neste sentido, a partir de ações rápidas e simples
para que ela percebesse que tinha condições de realizá-las. A família também
foi igualmente orientada nesta direção.
No refeitório do CEPRE, Di não gostava de se alimentar sozinha, não
mantinha a comida na colher ou garfo e não levava o prato utilizado até ao
balcão - um indicativo da sua dependência tanto da família quanto de outras
pessoas nas AVD. Também demonstrava falta de equilíbrio pela dificuldade de
segurar e manter o prato na horizontal. Sempre conversávamos sobre o espaço
físico do refeitório, a distribuição dos móveis, a localização da cozinha e do
bebedouro, para que Di se locomovesse com independência e escolhesse,
entre algumas opções, o seu lanche, além de participar da limpeza da mesa.
Um dia, quando outras crianças estavam planejando o que fariam após o
lanche e quem iria limpar a mesa do refeitório, Di, repentinamente, pegou o seu
prato e, sem derramar os resíduos, levou-o até o lixo e ainda separou os
talheres de inox, dizendo que não poderiam ir para o lixo. É interessante notar
que nunca havíamos falado que os talheres de inox não eram jogados no lixo,
mas Di percebeu que eram colocados ao lado do prato pelo barulho que faziam
ao serem depositados no balcão. Ele compreendeu que o ambiente era propício
para realizar diferentes ações e mudou suas atitudes.

B. Oferecer oportunidades para que as AVD contribuam para a


construção do conhecimento da criança com cegueira

O educador precisa aprender a valorizar as AVD no contexto diário do seu


trabalho, não se limitando a “ensinar técnicas” para a criança realizá-las e, sim,
dando-lhe espaço para tentativas e iniciativas espontâneas. Piaget explica:
“uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com
plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição, uma
experiência, transformando-se em simples adestramento, destituído do

76
valor formador por falta de compreensão suficientes dos pormenores
das etapas sucessivas”(1998, p.17).

Inúmeras informações decorrem da ação espontânea da criança sobre


os objetos. Ela os discrimina, conhece suas particularidades, identifica-os,
nomeia-os e aprende as suas características físicas, a sua utilidade, o
funcionamento, a localização do objeto no espaço físico etc.
Parece redundante e óbvio frisar a importância de a criança com
cegueira explorar concretamente os objetos, uma vez que a falta da visão limita
a sua percepção de detalhes. Entretanto, como enfatizamos, para que
desenvolva seu pensamento, é necessário levá-la a ter acesso aos objetos e a
manipulá-los com objetivos bem definidos, não somente a puxá-los ou tocá-los
ao acaso.
Ao preparar um lanche, a criança vivencia experiências que envolvem
desde a escolha do que ela vai comer, até os ingredientes para a sua
preparação; ela estabelece as quantidades e proporções de alimentos, localiza
objetos, discrimina sabor, averigua o paladar etc. Adquire, também, noções e
habilidades que abrem novas perspectivas em sua vida, explorando os diversos
objetos em seus detalhes. Quanto mais oportunidade tiver para interagir com o
meio, melhores serão as condições de seu desenvolvimento, pois as
oportunidades de conhecimento se potencializam e tornam mais rica e coerente
a concepção dos objetos assimilados.
A criança pode construir o conhecimento físico, por exemplo, ao
desempenhar uma atividade envolvendo diferentes tipos de copos e de jarras
(de plástico, vidro, ou papel), permitindo-lhe perceber que os objetos reagem de
maneira diferente à mesma ação. Ela adquire a noção de sabor ao beber
diferentes sucos e relacionar as frutas com os sucos fabricados. Ao passar
geléia em um pedaço de pão, ela poderá ser estimulada a conhecer e a tocar a
geléia. Uma criança (seis anos) disse: “a geléia é molhada, é muito doce, é
mole e meleca a mão”.

77
O conhecimento lógico-matemático pode ser adquirido pela criança
quando ela prepara a mesa para o lanche, conta o número de colegas,
seleciona igual número de copos e guardanapos para cada um ou ainda
quando despeja suco nos copos, em maior ou menor quantidade. Ao pegar os
copos no armário, ela poderá classificar e selecionar os iguais e, ao recolocá-
los no lugar, arranjá-los em ordem crescente ou decrescente, realizando uma
atividade de seriação. Simultaneamente, a criança poderá dar explicações
causais das ações que realiza, ultrapassando o “saber fazer” e passando a
compreender o que está acontecendo, a partir de suas ações.
O conhecimento social vai sendo adquirido pouco a pouco a partir das
trocas que a criança estabelece com seus pares e com os adultos, aprendendo
normas e regras referentes às relações interpessoais e grupais. Aprende a ter
respeito pelos colegas, a cooperar na casa e na escola, a compreender o papel
de cada pessoa e a ter iniciativa e independência nas suas ações.
Portanto, a criança cria e recria condutas adaptativas ao realizar as AVD.
Este trabalho deve ser orientado no sentido de: a) propiciar a atividade da
criança nas situações do cotidiano, levando-a a compreender sua ação sobre
os objetos e como estes reagem; b) resolver os problemas com os quais se
defronta; c) perceber os resultados das suas ações na independência e
autonomia do dia-a-dia.

C. Considerar as atividades diárias como ações que propiciam a


independência e autonomia das crianças com cegueira e envolver a
família no ensino delas

Uma vez que as AVD potencializam as oportunidades de as pessoas


com cegueira se desenvolverem, vamos exemplificar como uma criança, nessa
condição, reagiu à atividade de lavar as mãos e demonstrar que, o ensino
favoreceu a conquista de sua independência.

78
Pa (sete anos) lavou as mãos com muita segurança e domínio da AVD.
Em seguida, procurou a toalha de tecido para se enxugar. Tateou o lado direito
da pia, localizando a toalha. Fixamos na parede uma faixa em relevo, indicando
o lugar da pia, para que a criança soubesse onde ela estava, bem como os
objetos usados, para facilitar a sua orientação espacial. Fizemos um destaque
na saboneteira e no local da toalha, e preocupamo-nos em deixar os objetos em
um lugar definido. (A faixa e o destaque foram retirados assim que Pa dominou
o espaço de aprendizagem desta AVD).
Após enxugar as mãos, Pa localizou o cabide e, a seguir, pendurou a
toalha. Ao se afastar uns dois passos, percebeu que a toalha havia caído.
Rapidamente recuou e abaixou-se para localizá-la e pegá-la. Segurou-a por um
de seus cantos, pendurando-a no cabide e, novamente, a toalha caiu. Pa voltou
e pegou a toalha, mas, desta vez, procurou explorá-la.
Foi muito interessante observar como a criança tateou e explorou toda a
toalha, segurando-a em uma das pontas, parecendo estar medindo-a e, então,
pendurou-a pelo meio. Ficou esperando alguns segundos diante da toalha, para
verificar se ela continuava pendurada. O ruído de uma toalha de rosto caindo no
chão é quase imperceptível, assim como o movimento de sua queda.
Entretanto, ao perceber a toalha caindo, Pa compreendeu o que estava
acontecendo com uma percepção muito maior do que a de muitas crianças que
enxergam.
Naquele dia, aproveitamos a oportunidade para explorar o acontecido.
Pa explicou o que fez para não deixar a toalha cair, compartilhando o ocorrido
com outras crianças com cegueira. Todas quiseram experimentar como
pendurar a toalha e como perceber estes e outros objetos caindo no chão.
Pendurar uma toalha no cabide é algo que pode passar desapercebido
quando trabalhamos com crianças videntes. Mas, para a criança com perda
visual, estas situações de aprendizagem são relevantes, pois contribuem para
sua independência nesta ou em outras situações como, por exemplo, pendurar
roupas ou esticar uma toalha na mesa, além de favorecerem a construção de

79
conhecimentos. A mãe de Pa acompanhou a atividade, ficando admirada ao
verificar a reação do filho. É de extrema importância a participação da família no
processo de formação da criança, a partir do diagnóstico da deficiência e ao
longo do processo educacional.
FERREL (1985) considera que todos os momentos em que a mãe interage
com a criança constituem momentos de ensino. Eles acontecem nas
brincadeiras, conversas, rotinas diárias, ou simplesmente fazendo as AVD e,
nestes momentos, a mãe ensina a criança a viver. Ressalta a importância de a
mãe conhecer a criança, dedicando-lhe atenção, oferecendo-lhe brinquedos e
objetos de uso diário para ela manusear e aprender em situações agradáveis.
Os conhecimentos resultantes destas interações precisam ser aplicados
na vida fora do lar, dando oportunidades para a criança praticar o que
aprendeu. A parceria com a família neste processo é essencialF(ICHTNER ,
1981). Ela precisa acreditar na criança, descobrir suas possibilidades,
incentivando-a e dando-lhe oportunidades de vivenciar, com independência e
autonomia, as AVD.

80
D. Expandir as possibilidades individuais da criança com cegueira
criando recursos específicos para ensinar as AVD

É importante lembrar que ao assimilar e acomodar os objetos do meio, a


criança adapta e organiza suas experiências. Para perceber os objetos a
criança com cegueira utiliza sua percepção, aprendendo sobre o meio físico e
social, nas mais diversas situações da sua vida. Assim, enfatizamos o uso dos
sentidos remanescentes entendendo, contudo, que os conhecimentos não
provêm unicamente da sensação ou percepção, mas dos esquemas de ações
de que a criança dispõe e/ou constrói para esse fim.
No entanto, é preciso que o educador esteja atento às ações da criança,
ou seja, como ela interage com os objetos, pois cada uma tem sua maneira de
fazê-lo e, desta forma, construir seus conhecimentos. É necessário que ela seja
livre para entender a realidade em que vive, conhecendo o mundo de acordo
com suas peculiaridades. Precisa descobrir suas possibilidades e acreditar que,
utilizando-as, poderá ter acesso a patamares superiores de compreensão do
seu entorno. Assim sendo, valorizamos o modo pelo qual a criança resolve as
questões do dia-a-dia, e a família também precisa valorizá-la neste sentido.
Existem alguns recursos nas AVD que podem ser utilizados nos casos
de cegueira como, por exemplo, sinalizadores ou etiquetas em relevo ou ainda,
sonoros, indicados para identificar roupas e outros objetos semelhantes. No
vestuário, podem ser criados códigos para diferenciar duas camisetas de cores
diferentes (branca e azul), mas que tenham a mesma textura e detalhes. Pode-
se retirar ou cortar parte da etiqueta de uma das camisetas, por exemplo, a
camiseta de cor branca. Na alimentação, o prato de comida pode ser
organizado, dividindo-o em quatro partes para separar os tipos de alimento;
aparelhos e recipientes sonoros para preparo de alimentos, como chaleira e
leiteira que apitam e relógio para marcar o tempo, entre outros utensílios,
também podem ser muito úteis.

81
Um recurso utilizado para compor conjuntos de peças de vestuário
consiste em se separar conjuntos de roupas para finalidades específicas,
organizando-os em fileiras, guardando-os em sacos plásticos, ou ainda
separando-os, por divisórias, nos armários ou gavetas.
A criança deve aprender a localizar a gaveta e o local onde ficam, por
exemplo, as suas roupas para usar em casa e assim encontrar e vestir uma
camiseta sem necessidade de ajuda. Com crianças mais velhas, que dominam
a leitura e escrita, pode ser feita uma relação em braile das seqüências de
roupas no armário. Quando uma peça é retirada da relação coloca-se um
marcador para que a peça seja recolocada no lugar certo. As roupas também
podem ser separadas nos cabides, fazendo-se pequenas marcas neles, ou
estabelecendo-se seqüências, ou ainda colocando-se alguma identificação em
braile.
Muitos outros recursos adaptativos são criados na atividade espontânea
da criança quando ela tem liberdade e interesse em resolver uma situação.
Inúmeras vezes, ao trabalhar com crianças que não enxergam, pudemos
constatar o quanto elas recorrem aos seus sentidos remanescentes e ao
manuseio dos objetos do meio, para obter informações sobre o estado e a
situação deles, utilizando, de forma muito melhor, o seu corpo e o espaço, do
que as pessoas que enxergam.
O educador não deve pensar apenas na falta de visão da criança com
cegueira, mas ajudá-la a “ver”, descobrir e entender a ação com o seu corpo
inteiro. É importante que os recursos sejam criados e priorizados pela própria
criança, pois somente assim ela fará uso real e efetivo dos mesmos,

82
personalizando sua maneira de fazer e revelando, neste fazer, suas
características pessoais.
Acreditamos que, muito mais importante do que recursos ou técnicas,
sejam as experiências da criança quando, ao agir no mundo, reinventa suas
técnicas e opta pelos recursos de que necessita para melhor resolver situações-
problema. O educador, porém, precisa saber fazer a ação e conhecer alguns
recursos que podem ser utilizados, a fim de sugerir pistas à criança, como
também criar e também aprender com ela outras formas de proceder para
realizar as AVD.

E. Facilitar a aprendizagem das AVD, por meio de ações concretas e


linguagem contextualizada

Quando a criança com cegueira experimenta as AVD em ambientes reais


e em contexto interessante, tais atividades passam a ter sentido para ela,
despertando o interesse pela sua aprendizagem. As crianças percebem a
finalidade, o tempo e o local das AVD, desenvolvendo uma linguagem
contextualizada, concomitantemente, ao estabelecer trocas com as pessoas
que estão ao seu redor nesteses momentos.

PIAGET (1994) explica que as trocas sociais e a comunicação


desempenham um papel decisivo para os progressos da ação. Na medida em
que a criança explicita a própria ação e narra ações passadas, as
reconstituições simbólicas transformam e enriquecem o seu pensamento.

AMIRALIAN (1997) aponta que a criança com cegueira usa as palavras


como substitutas de coisas que não vê, como meio para se orientar, catalogar,
ou apontar características que diferenciam pessoas de objetos. Explica ainda
que, enquanto esta criança experimenta o mundo pelo tato, audição, cinestesia,
olfato e paladar, o mundo lhe é explicado por meio da linguagem daqueles que
pouco uso fazem destas percepções. A incompatibilidade de percepções gera

83
dificuldades à criança com cegueira na aquisição do significado das palavras,
provocando ecolalias e o verbalismo próprio dos cegos.

BOTEGA e G AGLIARDO (1998) consideram que, embora a deficiência visual


não seja impedimento para a aquisição da linguagem, ela afeta as trocas
inicialmente estabelecidas entre a mãe e a criança, interferindo no contato
visual, um dos principais meios de comunicação não-verbal no desenvolvimento
da linguagem oral. As autoras apontam o verbalismo como um desvio
importante no comportamento de crianças com deficiência visual, evidenciando
o uso de conceitos verbais vazios de conteúdo.

A linguagem oral tem um papel relevante na compreensão e construção


de conhecimentos da criança com cegueira. Como exemplo, destacamos a
ocasião em que ensinamos Ma a encher um copo de água. A criança, embora
interessada em aprender, nunca tinha vivenciado tal atividade. Não aparentava
ter ouvido falar dela, tampouco tinha prestado atenção nas explicações da mãe
sobre como encher um copo de água. Começamos pedindo que Ma colocasse
água no copo. Rapidamente, ela tentou, mas o que fez foi colocar o copo dentro
da jarra. Atendendo nosso pedido, fez várias tentativas – sem sucesso - de
encher o copo com água.

Como Ma não estivesse conseguindo realizar a atividade, analisamos


passo a passo com ela os procedimentos que deveria adotar. Ao refletirmos
sobre a linguagem que empregávamos para esse fim, percebemos a
inadequação dos termos utilizados: colocar, para ela significava “pôr dentro”.
Isto era o que Ma estava entendendo, pois, colocamos a mão dentro do bolso,
a bala dentro da boca. Mudamos os termos e passamos a falar: despejar a
água. Levamos Ma. até um tanque, com uma torneira e uma mangueira e
dissemos a ela: “Molhe a sua mão. Deixe a água cair nas suas mãos. Observe
que a água está sendo despejada nas suas mãos. Despeje água na sua mão.
Despeje água na boneca”.

84
A linguagem precisa ser inicialmente contextualizada e compreensível,
para que a criança com cegueira entenda o que está sendo solicitado. Assim,
ela se interessará em desenvolver estratégias que contribuirão para que
obtenha sucesso em qualquer aprendizagem e, principalmente na
aprendizagem das AVD.
No início do nosso trabalho no CEPRE, éramos nós que propúnhamos
as AVD. Muitas atividades não correspondiam às necessidades das crianças e,
apesar de visarmos o desenvolvimento delas, não tínhamos uma preocupação
explícita com o processo de construção de conhecimentos, nem mesmo com a
importância da linguagem nos avanços da atividade cognitiva. Em geral, as
AVD não eram contextualizadas, e as crianças não se empenhavam muito em
realizar as ações propostas, não demonstrando muita iniciativa para resolver os
problemas e enfrentar as dificuldades que surgiam.
Com o decorrer do tempo, passamos a desafiar as crianças na
aprendizagem das AVD, posto que o conhecimento se adquire por um processo
de construção interna e não apenas por intermédio de informações vindas do
exterior. Incentivamos as crianças a realizar as AVD, propondo atividades de
seu interesse.

85
F. Atentar para a funcionalidade da aprendizagem das AVD e dar
liberdade para a criança cega agir com segurança

A criança com cegueira requer liberdade para agir, estar em um


ambiente em que se sinta em segurança e gostar do que faz, principalmente
quando realiza as AVD.
Para aprender a lavar as mãos, por exemplo, ela adquire técnicas,
informações e habilidades, maximizando suas possibilidades para realizar esta
e outras atividades, em um processo de construção orientado pela equilibração.
Muitos fatores concorrem para que a criança possa aprender e agir com
liberdade. Um dos mais relevantes é a familiaridade com o ambiente, com as
pessoas e com as coisas que a cercam. Na escola ou no lar, a criança com
cegueira deve ter acesso aos diversos ambientes e conhecer a localização dos
cômodos e a disposição dos móveis e objetos. Sempre que houver alterações
no ambiente ela deverá ser avisada. As portas devem permanecer abertas ou
fechadas, nunca entreabertas e, quando necessário, devem estar identificadas.
Exemplificamos, a seguir, como o educador pode trabalhar com as AVD,
considerando a funcionalidade da ação e o desempenho da criança. Tay (seis
anos) mostrava-se arredia e tímida no início do atendimento. Conforme relato
da mãe, Tay, em casa não fazia, por si mesma, as tarefas diárias, não sabia
lavar as mãos nem comer sozinha e ainda usava fraldas. Era constantemente
assistida, principalmente pela mãe, que precisava dedicar muitas horas do dia
ao atendimento da filha, realizando atividades para ela e por ela. Em geral, esta
criança mantinha-se passiva enquanto a sua mão era lavada, outras vezes,
muito irrequieta até surgir algo mais interessante que a levasse a mudar de
atividade.
A partir dos atendimentos, Tay passou a se interessar em segurar
objetos, em localizar brinquedos, em se locomover nos ambientes internos, em
identificar, nomear, aprender a utilidade dos objetos e em finalizar as ações. Ela
ainda não sabia ensaboar, nem enxaguar, nem mesmo enxugar as mãos, pois,

86
para enxugá-las, passava as mãos na toalha com movimentos verticais.
Gostava de sentir a água caindo em suas mãos, e virava-as de um lado para o
outro, apreciando as experiências. Ela passou a explorar as mãos,
discriminando suas partes (dorso e palma; dedos, unhas, punho), aprendendo a
nomeá-las e a coordenar os movimentos.
No decorrer das atividades foram criadas muitas situações para Tay lavar
as mãos e outros objetos. Algumas vezes os objetos estavam sujos e a sujeira
era perceptível. Ela aprendeu a perceber a sujeira dos objetos, melhorando
assim a preensão e os movimentos da mão e dos dedos. Anteriormente, para
realizar as atividades, ela mantinha os dedos esticados, não mostrando
habilidade e destreza nos movimentos.
Destacamos a importância da criança com deficiência visual “ver”, a sua
maneira, como uma atividade é realizada. Ou seja, é importante que ela
acompanhe os movimentos de outra pessoa que saiba fazer a ação, que
perceba a atividade utilizando os outros sentidos, que ouça explicações
detalhadas do ambiente, contextualizando a ação, e assim, adquirindo a noção
de como realizá-la, já que não tem a possibilidade de visualizar e imitar. Para
aprender um movimento é recomendado que o educador posicione-se atrás da
criança, segurando-lhe as mãos e orientando-lhe os movimentos.
Tay percebeu que podia fazer pressão para tampar a saída da água,
colocando a mão debaixo da água; ficou virando a mão de um lado para outro,
apreciando o “espetáculo” da água caindo sobre as suas mãos e prestando
atenção nas conseqüências de seus atos. Aprendeu que podia tampar a pia e
enchê-la de água e, após destampá-la, ficar observando a água escoar. Nestas
situações, perguntávamos o que estava acontecendo e para onde ia a água.
Tay respondia: “Foi embora, no buraco”
. “Agora a pia está vazia”; “Estava
cheia”. “Não tem mais água”. Tay deixava o sabonete escorregar na pia e,
algumas vezes, jogou-o no chão. Ela gostou de “ver” o sabonete partido em
pedaços. Pedimos que juntasse os pedaços, separando os maiores dos
menores, fazendo pequenos agrupamentos, e classificando-os.

87
Sendo a brincadeira uma oportunidade para Tay aprender a lavar as
mãos e construir os conhecimentos, oferecemos vários objetos para que ela os
lavasse, e exercitasse na atividade os movimentos de rosquear, apertar,
ensaboar, enxaguar e enxugar.
Da mesma forma, Tay foi aprendendo sobre a consistência dos objetos,
o peso, a forma, odor, temperatura, criando relações de tamanho, quantidade,
qualidade e correspondência. Também desenvolvemos noções de causa e
efeito, por exemplo, mais abertura da torneira, maior volume de água.
Trabalhamos o aspecto perceptivo-motor, coordenando os pequenos músculos
e fazendo novos movimentos para controlar a quantidade de água, adequando
os movimentos ao interesse da criança. Encorajamos a criança a brincar de
lavar a boneca, levando-a a se interessar por lavar outros objetos, entendendo
a funcionalidade de suas ações.
A mãe foi orientada a oferecer à Tay diferentes potes com roscas,
tampas, formas e tamanhos para que pudesse manipulá-los e brincar com eles.
Nesta e em outras situações, a criança poderá aprender a ordenar segundo as
diferenças e semelhanças, a trabalhar com conceitos e noções diferentes e ser
incentivada a realizar outras atividades, generalizando os conhecimentos.
Durante os atendimentos que se seguiram, Tay foi aprendendo a fazer a
atividade e, ao mesmo tempo, começando a compreender a importância de
lavar as mãos para a saúde, higiene e aparência pessoal.

G. Favorecer o reconhecimento da seqüência, procedimentos e efeitos


das ações para realizar as AVD

Cada atividade tem procedimentos e uma seqüência lógica, ou seja,


passos ou etapas seqüenciais que são, de certa forma, constantes. Para
preparar um copo de leite com chocolate, por exemplo, temos de pegar o copo
em um local determinado, adicionar chocolate, açúcar e leite nas medidas

88
adequadas ao paladar de cada um. Nesta atividade temos a possível
seqüência: selecionar mentalmente os ingredientes e os recipientes, localizar e
pegar os objetos, medir os ingredientes e adicioná-los. Essa seqüência é
natural, podendo variar a quantidade e a ordem de colocação dos ingredientes.
De maneira geral, as crianças podem aprender a fazer as atividades por
imitação, mas isso não é aprendido naturalmente por aquelas que não
enxergam.
Uma criança que não vê tem maiores dificuldades para saber fazer uma
ação que nunca fez antes. À medida que experimenta, descobre os seus
próprios passos para realizá-la. Aprende a organizar mentalmente a sua
seqüência e a preparar o material necessário, criando procedimentos peculiares
e finalizando a ação corretamente, pois compreendeu o quê e como deve fazer.
A atividade de colocar pasta na escova de dente é outro exemplo de
atividade que tem uma seqüência. A criança cega aprende esta seqüência,
assim como percebe o comprimento das cerdas da escova (começo e final),
posicionando-a entre os dedos polegar e indicador. Com o cabo voltado na
direção da mão, coloca a pasta na posição vertical sobre o começo das cerdas
e aperta o tubo até a quantidade ideal de pasta dental, parando ao sentir o
limite das cerdas. A seqüência parece óbvia, porém, muitos familiares e
educadores não imaginam as implicações e os detalhes que envolvem cada
passo. São ações que requerem muitas habilidades para serem realizadas.
É preciso estar em contato com os objetos e viver as situações para ter
oportunidade de aprender. Ações como um jato de água gelada da torneira do
chuveiro ou o toque em uma panela quente, que causam mudança rápida no
ambiente e na própria pessoa que faz a ação, precisam ser realizadas com
cautela e muita atenção, pois tais mudanças podem desnortear uma criança
que não vê.
As AVD são compostas de várias ações e cada uma tem um efeito. A
criança com cegueira precisa conhecer os efeitos das suas ações. Ela precisa

89
de explicações mais detalhadas sobre as mesmas, pois a falta da visão limita
também a antecipação dos fatos.
Aos poucos, com o crescimento, a criança estabelece uma relação entre
a causa e o resultado de uma ação.PIAGET (1970) explica que é esta relação e
não a automatização em hábitos que define a causalidade:

“(...) a causalidade consiste numa organização do universo devido ao


conjunto de relações estabelecidas pela ação e depois pela
representação tanto entre o objeto e o sujeito. A causalidade supõe,
portanto, em todos os níveis, uma interação entre o eu e as coisas [..]. É
evidente que o progresso de tal estruturação envolve o da inteligência e
que a causalidade deve ser concebida, em definitivo, como sendo a
própria inteligência aplicada às relações temporais e responsável pela
organização de um universo duradouro”(p. 294)

Para a criança com cegueira é muito importante aprender o quanto se


pode inclinar um copo para não transvazar o seu conteúdo; segurar com
firmeza o copo para não derramar; tatear antecipadamente o lugar onde vai
colocar o bico da jarra. Estas e outras situações requerem consciência entre
causa e efeito das ações e uma atenção prévia aos pontos de referência da
situação, permitindo-lhe executar sem perigo e, convenientemente, a AVD.
Uma das atividades realizadas por Ba (seis anos), pode ilustrar a
descoberta da relação causa e efeito. Ela estava experimentando transvasar
água de uma jarra para o copo. Colocamos uma bandeja funda embaixo do
copo, para que ela tivesse mais liberdade para agir. Ba começou a despejar a
água no copo e percebeu que a água estava caindo fora; gostou muito deste
efeito, e ficou alguns minutos experimentando e despejando a água na bandeja.
Acabando toda a água, levamos a criança a refletir no que sua ação havia
produzido.
Ba repetiu várias vezes o transvasamento da água na bandeja,
esperando o momento da água tocar os seus dedos, como “experiências para
ver”, “... uma espécie de experimentação ou de busca da novidade” segundo o
descrito por PIAGET (1987, p. 247, 250).

90
Conforme Ba interagia com os objetos, foi adquirindo as noções de
dentro e fora, e compreendendo a atividade. Estas situações, corriqueiras para
as pessoas videntes, requerem muita atenção e experimentação das crianças
com cegueira, para serem concluídas com eficácia e precisam ser muito
exercitadas para que possam ser coordenadas e compreendidas em
pensamento, posteriormente.

H. Suscitar a reflexão da criança e do educador em cada etapa da


realização das AVD

Tendo como princípio que a criança descubra e compreenda sua


maneira de fazer as AVD e não apenas no saber fazer, buscamos despertar
nela, na mãe e no próprio educador a reflexão sobre este processo.

91
PARRAT-DAYAN e T RYPHON (1998) afirmam que Piaget pede ao professor
não apenas para:

“... estimular a cooperação, para escolher um bom material e situações


interessantes, mas também para que ele mesmo se torne um pesquisador.
Por um lado, isso é indispensável para construir dispositivos suscetíveis de
formular problemas úteis para a criança e, por outro lado, para organizar
contra-exemplos que estimulem a reflexão da criança e suscitem nela a
necessidade de controlar soluções apressadas demais.”(p. 21,22).

Assim, quando a criança pensa sobre as etapas das ações realizadas


para executar uma AVD, ela abstrai e constrói conhecimentos, falando sobre o
que faz, argumentando, explicando, tentando compreender e aperfeiçoar as
ações que realiza. Durante e após a realização da atividade, a criança é
encorajada a falar e discutir sobre o que fez para que possa interpretar as suas
experiências e evoluir na capacidade de pensar, percebendo as categorias dos
objetos, partindo da abstração empírica e ascendendo à abstração reflexivante.
No caso de Li (nove anos), procuramos questioná-la sobre suas ações,
apresentando-lhe perguntas como: O que você vai fazer? Por que escolheu a
maçã, entre tantas frutas? A maçã está limpa? Quer repartí-la em pedaços?
Como você corta a maçã? Quantos pedaços você quer comer?
Reafirmando, o educador precisa prestigiar em cada criança a
descoberta de técnicas e procedimentos, dando-lhe pistas para levá-la a
descobrir uma maneira de realizar as AVD. A criança pode ser estimulada a
pensar como cortar a maçã ao meio. Ela pode perceber que colocando a faca
entre os dedos polegar e indicador da mão oposta àquela que está segurando a
faca, ela corta a maçã com mais segurança.
Refletir sobre tais ações propicia a criação de estratégias que melhoram
a qualidade de vida das pessoas, servindo também como estímulo para que o
educador medite sobre a sua intervenção, uma vez que é “focalizando em uma
ação que o professor pode freqüentemente inventar atividades”K( AMII, DEVRIES,
1986, p. 234).

92
O processo de ensino das AVD precisa, portanto, ser propositadamente
desencadeado e assistido pelo educador, para que cada criança crie, descubra,
invente e reinvente sua maneira de fazer as AVD. A criança, por sua vez,
somente terá disposição para refletir quando lhe forem oferecidas
possibilidades de pensar e construir novos conhecimentos, sendo estimulada
pela situação, pelo material e pelas questões formuladas pelo professor.

I. Favorecer a inclusão social das crianças com cegueira por meio das
AVD

Oferecer oportunidades para que a criança com cegueira aprenda a


realizar as suas próprias atividades de rotina diária é instrumentalizá-la para a
sua inclusão social. A independência em tais atividades assegura-lhe a
autonomia nas diversas situações de vida, inicialmente na própria família,
depois na escola e demais grupos sociais de que participa.
No exemplo já citado de Tay, podemos perceber como a aquisição de
habilidades para o desempenho das AVD pode favorecer a inclusão da criança.
Tay passou a lavar as mãos com independência, mantendo atenção nas
atividades realizadas e entendendo o contexto e o papel das mesmas na sua
vida cotidiana. Atualmente, realiza muitas atividades sem necessitar
assistência. Sabe quando precisa realizá-las e suas ações têm começo, meio e
fim. Na escola, Tay tem acompanhado os colegas e demonstrado progresso,
cooperando com eles e participando das atividades com independência, o que
ficou claro na entrevista com a sua mãe, realizada após as intervenções:

“Hoje, ela bem dizer, faz tudo sozinha, não depende da gente para
nada. Largou a mamadeira, até que enfim, só toma o leitinho no copo.
Teve muitas, muitas vantagens de vir aqui, para ela e para mim também,
mais ainda, me sobra um pouco mais de tempo para fazer as coisas”.

93
A mãe de Tay informou também que tinha a preocupação de ensinar a
criança a fazer as atividades, mas não sabia como: “Você tem vontade de
ensinar, mas não sabe como”. Perguntamos a ela como a filha está hoje, em
casa e na escola e sua resposta foi:

“Hoje está bem mais fácil. Já não tenho aquelas preocupações.


Sobra bem mais tempo. Ela teve muitos progressos. Aprendeu a cuidar
dela e das coisas. (...) Hoje ela dá banho na irmã menor e ajuda na
casa.. A irmã dá banho nela e ela,na irmã. A irmã aprende com Tay. A
gente sempre tem muitas dúvidas (...) tem de ter atendimento de AVD.
Foi muito importante para mim. Acho que se minha filha enxergasse ela
não teria a inteligência que tem hoje. Ela é muito esperta.(...) Dá para
ensinar a fazer muitas coisas com as AVD: se a água tá quente, se tá
fria, se tá com sabão... Na escola ela tá indo bem, os colegas respeitam
ela. Ela já sabe muita coisa ”.

Assim como o caso de Tay, temos acompanhado inúmeros casos de


crianças, jovens e adultos com deficiência visual, na aprendizagem das AVD.
Muitos chegam ao CEPRE já em nível de escolaridade avançada, mas sem
independência em ações básicas, indicando uma vida incompleta e de
dependência. Dar condições às pessoas com cegueira de serem responsáveis
por seus cuidados pessoais e por tarefas domésticas que lhes cabem, são
aspectos agregados à vida familiar saudável, ao direito à educação, e ao direito
à igualdade.
Para compreender e superar limites impostos pela perda visual, convém
diferenciar necessidades autênticas de fictícias. Autênticas são necessidades
especiais como o braile, orientação e mobilidade e outros. Fictícias são
necessidades não reais, decorrentes de superproteção, paternalismo e atos
discriminatórios (RIO GRANDE DO NORTE , 1998 ).

94
No momento atual, a inclusão social e a escolar são as bandeiras das
pessoas com deficiência, de seus pais e dos que lutam pelos direitos das
minorias em geral.
Para MANTOAN (2000):

“incluir não é simplesmente inserir uma pessoa na sua comunidade e nos


ambientes destinados à educação, saúde, lazer, trabalho. Incluir implica
em acolher a todos os membros de um dado grupo, independentemente
de suas peculiaridades; é considerar que as pessoas são seres únicos,
diferentes uns dos outros, e, portanto, sem condições de serem
categorizados”(p. 65).

Consideramos as AVD veículos que facilitam a trajetória de luta destas


pessoas por um espaço na sociedade. Na vida familiar, na escola e na
comunidade, dominar as AVD viabiliza a inserção da pessoa com deficiência em
seus ambientes na vida da sociedade. Portanto, favorecer a inclusão é mais que
uma orientação é um princípio que congrega todos os outros.

95
4. Instrumento de orientação

O instrumento de orientação, das três atividades selecionadas para


este estudo, e que apresentamos a seguir, traz algumas sugestões de
ações pedagógicas para a solicitação de aquisição dos conhecimentos
físico e lógico-matemático.

96
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: LAVAR AS MÃOS
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO

AQUISIÇÃO AÇÕES PEDAGÓGICAS


DO
CONHECIMEN
TO
? Entrar em contato com diferentes objetos da atividade (sabonete, saboneteira, pia, toalha...) para
perceber as formas dos mesmos.
? Manusear, explorar e discriminar os objetos da atividade e nomear suas formas (redondo, retangular,
FORMA quadrado...).
? Identificar formas semelhantes e diferentes dos objetos utilizados na atividade.

? Explorar, nomear e identificar texturas semelhantes e diferentes dos objetos utilizados na atividade
TEXTURA (áspero, liso, rugoso).
? Procurar em uma coleção os sabonetes que têm texturas semelhantes ou diferentes de um dado
97

sabonete.

? Manusear objetos de consistências variadas (sabonete derretido, toalha molhada...).


CONSISTÊN- ? Identificar semelhanças e diferenças quanto à consistência dos sabonetes e outros objetos utilizados na
CIA atividade.
? Identificar um sabonete de consistência diferente, entre vários sabonetes iguais.

? Manusear diferentes objetos utilizados na atividade (sabonete, saboneteira, toalha...) a fim de identificar
SOM o som que emitem ao serem balançados, tocados ou esfregados uns contra os outros.
? Identificar características sonoras dos objetos: sabonete, saboneteira, pia...
? Perceber pelo som a quantidade de água que sai da torneira.
98
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: LAVAR AS MÃOS
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO
AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Identificar na pele as diferentes temperaturas da água e de objetos envolvidos na atividade


(quente, morno, frio, gelado).
TEMPERATURA ? Observar as mudanças na consistência dos objetos envolvidos na atividade devido à influência da
temperatura.
? Observar as mudanças na temperatura do corpo e devido às temperaturas da água ou do atrito
das mãos.

? Manusear diferentes objetos da atividade para descobrir que eles têm peso.
PESO ? Avaliar o peso dos objetos da atividade.
99

ODOR ? Identificar e nomear o odor característico dos objetos e do ambiente onde realiza a AVD.

? Conhecer os nomes das cores.


COR ? Fazer analogia entre as cores dos sabonetes, toalhas, saboneteiras etc, e as cores conhecidas
dos objetos (verde como a árvore, azul da cor do céu, branco cor de paz e tranqüilidade...).
100
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE : LAVAR AS MÂOS
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

CONSERVAÇÃO ? Fazer duas fileiras com quantidades iguais, uma de sabonetes e uma de toalhas.
DE QUANTIDADES ? Indicar se há a mesma quantidade de sabonetes nas duas fileiras.
DESCONTÍNUAS ? Repartir idêntico número de sabonetes e toalhas entre os colegas.
OU DISCRETAS ? Comparar as quantidades de objetos da atividade, estabelecendo entre eles relações de
equivalência e de não-equivalência.

CONSERVAÇÃO ? Comparar o peso dos objetos da atividade: sabonete, toalha.


101

DO PESO

? Verificar se há a mesma quantidade de água nas mãos em concha (do aluno e do educador).
CONSERVAÇÃO ? Transvasar água de uma para a outra mão.
DE QUANTIDADES ? Colocar a mesma quantidade de água em frascos iguais e diferentes.
CONTÍNUAS ? Modelar diferentes objetos com a mesma quantidade de sabão derretido.
(líquido e massa) ? Aumentar e diminuir a quantidade de massa de sabão.
? Comparar a mesma quantidade de massa em formas iguais e diferentes.
? Repartir a massa de sabão de forma que os colegas recebam quantidades iguais.
102
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: LAVAR AS MÃOS
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO
AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Observar se a criança faz espontaneamente classificações dos objetos envolvidos na


atividade (sabonetes, buchas, toalhas...).
CLASSIFICAÇÃO ? Fazer pequenas coleções de sabonetes, toalhas.
OPERATÓRIA ? Incluir novos elementos em classes já constituídas com objetos envolvidos na atividade.
? Estabelecer relações de tamanho, peso, consistência, textura entre os objetos envolvidos na
atividade.
? Reunir os objetos por classe.
103

SERIAÇÃO ? Comparar dois sabonetes que se diferenciam pelo tamanho e apontar a diferença.
OPERATÓRIA ? Organizar o armário, ordenando os objetos de higiene pelo tamanho, peso, odor.
? Comparar duas toalhas de tamanhos diferentes.
104
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: LAVAR AS MÂOS
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Reconhecer os objetos utilizados na atividade pelo tato (sabonete, toalha de rosto, pia,
escada para subir na pia, saboneteira...).
ESPAÇO ? Movimentar-se na sala e localizar os objetos usados na atividade.
? Escolher o lugar de sua preferência para colocar a saboneteira, o toalheiro.
? Guardar os objetos nos lugares adequados, após o uso.
? Identificar um sabonete diferente dentre outros depositados em uma caixa.
? Pendurar toalhas em um varal, obedecendo a uma seqüência.
105

? Relatar a seqüência de ações realizadas para lavar as mãos.


? Reconstituir em seqüência as ocasiões em que lavou as mãos durante o dia.
TEMPO ? Ordenar os objetos usados para lavar as mãos, indicando a seqüência de sua utilização.
? Nomear as ações que podem ser realizadas após lavar as mãos.
? Realizar a atividade com ordem nas ações: começo, meio e fim.
106
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: ENCHER O COPO DE ÁGUA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO

AQUISIÇÃO DO AÇÕES PEDAGÓGICAS


CONHECIMENTO

FORMA ? Manipular e nomear as formas de diferentes tipos de copos e jarras (redondo, quadrado...).
? Identificar formas semelhantes e diferentes de copos e jarras.
? Reconhecer o seu próprio copo pela forma.

? Manipular, explorar e nomear as texturas de diferentes copos e jarras (áspero, liso, rugoso).
TEXTURA ? Discriminar a textura dos copos e jarras utilizados na atividade.
? Identificar o seu próprio copo pela textura.
107

? Identificar características sonoras dos copos e jarras ao serem manuseados.


SOM ? Explorar as características sonoras de copos e jarras, quando cheios, pela metade ou vazios.
? Perceber pelo som a quantidade de líquido que sai da jarra.
? Perceber pelo som a quantidade de líquido que está sendo despejado no copo.
108
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: ENCHER O COPO DE ÁGUA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO
AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Perceber as variações de temperatura da água (quente, gelada, natural).


? Observar as mudanças de temperatura dos recipientes quando com líquido quente, gelado ou
TEMPERATURA natural.
? Identificar o volume da água no copo pela alteração da temperatura do recipiente no nível atingido.
? Reconhecer pelo paladar as diferentes temperaturas.
? Identificar e experimentar as variações de temperatura da água, quando colocada no congelador.

? Manusear copos e jarras de peso igual e diferente.


PESO ?
109

Encher copos e jarras com diferentes níveis de água.


? Perceber as alterações do peso dos copos e jarras quando contém água.

? Experimentar a água quanto ao paladar.


ODOR E SABOR ? Verificar a mudança do odor e sabor da água quando a ela são adicionados outros alimentos
(limão, açúcar, groselha...).

COR ? Nomear a cor do seu copo, da jarra...


110
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE : ENCHER O COPO DE ÁGUA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

CONSERVAÇÃO ? Montar conjuntos com quantidades iguais e diferentes de copos.


DE QUANTIDADES ? Comparar quantidades de copos, estabelecendo entre eles equivalência ou não-equivalência.
DESCONTÍNUAS ? Preparar a mesa para o lanche com o mesmo número de copos e talheres que o número de
OU DISCRETAS colegas.
? Comparar quantidades de copos reunidos em configurações espaciais diferentes.

CONSERVAÇÃO ? Comparar o volume de água colocado em copos idênticos, estabelecendo entre eles relação
DE QUANTIDADES
111

de equivalência e não-equivalência.
CONTÍNUAS ? Colocar a mesma quantidade de água em copos iguais
(líquido e massa) ? Transvasar água de uma jarra para um copo e de um copo para uma jarra e observar as
diferenças.
? Transvasar água de um copo maior para um menor e vice-versa, e relatar o que percebe.

CLASSIFICAÇÃO ? Fazer coleções de copos, jarras ou outros objetos, segundo uma seqüência estabelecida.
OPERATÓRIA ? Classificar copos e jarras de acordo com uma qualidade (vidro, plástico, grande, pequeno...).
? Classificar os copos e jarras pelo tamanho, peso...
Selecionar entre vários copos e jarras aquele que têm a mesma forma, textura...
112
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: ENCHER O COPO DE ÁGUA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO AÇÕES PEDAGÓGICAS


CONHECIMENTO

SERIAÇÃO ? Manipular livremente diferentes copos e jarras e ordená-los do menor para o maior e vice-
OPERATÓRIA versa.
? Comparar copos da mesma espécie que se diferenciem pelo tamanho (menor, maior).
? Encaixar em uma prancha uma série de figuras em relevo de copos e jarras.
? Reconhecer e localizar na própria casa, na escola e em outros locais que freqüenta, os
móveis e utensílios de uso diário usados na atividade.
? Movimentar-se com independência nestes espaços.
? Em uma prancha, representar com figuras geométricas em relevo os ambientes e móveis da
ESPAÇO sala.
113

? Localizar e pegar o copo e a jarra em cima da mesa.


? Posicionar o copo, encostando-o na jarra e, sem se apoiar na mesa, transvasar o líquido.
? Observar e identificar a direção em que o líquido é despejado (da jarra para o copo).
? Organizar e ordenar na mesa copos e jarras, dispondo-os de forma prática para serem
utilizados.
? Guardar copos e jarras no armário após o uso.
? Realizar a atividade de encher o copo de água com ordem nas ações: começo, meio e fim.
? Relatar a seqüência temporal da atividade de encher o copo de água.
? Comparar o tempo de inclinação da jarra com a quantidade do líquido trasvasado.
TEMPO ? Planejar uma atividade envolvendo momentos de socialização com os colegas, introduzindo a
atividade de servir água.
? Verificar, entre colegas, quem enche o copo mais rápido.
114
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: VESTIR CAMISETA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO

AQUISIÇÃO DO AÇÕES PEDAGÓGICAS


CONHECIMENTO

? Manusear e nomear diferentes modelos de camiseta para perceber as semelhanças e diferenças


do feitio de cada uma delas.
FORMA ? Identificar modelos semelhantes e diferentes de camisetas.
? Discriminar os modelos pelas partes da camiseta.
? Escolher camisetas com bolsos e detalhes de formas geométricas diferentes.

? Explorar as texturas das camisetas e de outras roupas.


TEXTURA ? Identificar e nomear as texturas semelhantes e diferentes das camisetas.
115

? Reconhecer os colegas pela textura da camiseta.

SOM ? Perceber as características sonoras de camisetas ao serem jogadas no chão ou no atrito com as
mãos.

CONSISTÊNCIA ? Colocar a camiseta na água e perceber as alterações.


116
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE : VESTIR CAMISETA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO FÍSICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

PESO ? Discriminar a diferença de peso de camisetas com e sem mangas e de tecidos diferentes.

? Reconhecer o odor de camiseta limpa e suja.


ODOR ? Identificar a própria camiseta a partir do odor pessoal característico.
? Identificar pelo cheiro as roupas pessoais e de cama, mesa e banho.

? Perceber a temperatura do corpo e do ambiente e adequar o vestuário.


117

TEMPERATURA ? Separar em pilhas as camisetas com manga, sem manga, de lã...


? Identificar pelo tato as diferentes temperaturas de uma camiseta antes e depois de passada a
ferro.

COR ? Criar identificação tátil que lhe permita discriminar as cores das camisetas.
118
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE : VESTIR CAMISETA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

CONSERVAÇÃO ? Fazer uma fileira de camisetas e pedir para a criança fazer outra fileira com a mesma
DE QUANTIDADES quantidade.
DESCONTÍNUAS ? Comparar a quantidade de camisetas em duas fileiras.
OU DISCRETAS ? Fazer várias pilhas de camisetas com a mesma quantidade de elementos.
? Comparar quantidades de camisetas, estabelecendo entre elas relações de equivalência e
não- equivalência.
? Repartir uma dada quantidade de camisetas entre os colegas.
119

? Manusear várias camisetas e classificá-las de acordo com um critério qualquer estabelecido


CLASSIFICAÇÃO pela criança.
OPERATÓRIA ? Reunir as camisetas que se parecem ou que combinam pelo tecido, tamanho da manga,
comprimento...
? Fazer duas coleções de camisetas com quantidades diferentes de elementos que se
assemelhem por um dos seus atributos.
? Colocar em gavetas separadas duas coleções de camisetas classificadas de acordo com
suas semelhanças.

? Manipular espontaneamente várias camisetas e ordená-las pelo tamanho.


SERIAÇÃO ? Organizar as camisetas da maior para a menor e vice-versa.
OPERATÓRIA ? Vestir bonecas de tamanhos pequeno, médio e grande com as camisetas de tamanho
correspondente.
120
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
ATIVIDADE: VESTIR CAMISETA
ASPECTO COGNITIVO: CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO

AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Conhecer e localizar no ambiente os objetos utilizados: sala, mesa e camiseta.


? Reconhecer pelo tato as camisetas.
ESPAÇO ? Sobre uma mesa ou em plano qualquer, discriminar as partes da camiseta, sem vestí-la,.
? Indicar, no próprio corpo, as partes da camiseta.
? Escolher o lugar preferido para guardar as camisetas no armário.
? Reconhecer a figura de uma camiseta feita em relevo, sobre uma prancha.
? Organizar o espaço do armário de roupas para guardar as camisetas.
121

TEMPO ? Descrever a atividade de vestir camiseta.


? Realizar a AVD obedecendo uma ordem nas ações: começo, meio e fim.
? Refletir e relatar ao educador ou ao colega sobre como ensinar alguém a vestir uma camiseta.
122
O Instrumento apresentado sugere atividades propícias para a
solicitação da aquisição do conhecimento físico e lógico-matemático. Nestas e
em outras AVD podemos, igualmente, solicitar o desenvolvimento do
conhecimento físico, lógico-matemático e social, nos aspectos social, afetivo e
perceptivo-motor das crianças com cegueira.
No aspecto cognitivo, além do conhecimento físico e lógico-matemático,
as AVD propiciam a possibilidade de a criança colocar em ação a função
semiótica em suas diversas manifestações: imitação, imagem mental,
expressão verbal e gestual.
Ainda no aspecto cognitivo, a aquisição do conhecimento social pode ser
proporcionada a partir das informações exteriores fornecidas pelas pessoas que
fazem parte do meio em que a criança vive. Os conteúdos deste tipo de
conhecimento podem estar relacionados aos seguintes temas: o meio físico, ou
seja, a casa, a escola e outros ambientes da criança; e o conceito de família, ou
seja, as pessoas com as quais a criança convive na casa, na escola e na
comunidade.
Com relação ao aspecto afetivo, as AVD promovem a independência,
iniciativa e responsabilidade. Conseguem despertar a expressão de
sentimentos e emoções e o interesse da criança em iniciar e concluir as
atividades com satisfação. Incitam também à curiosidade e à invenção de novas
estratégias para enfrentar os desafios da realidade da vida diária.
O aspecto social pode ser desenvolvido em diversas AVD envolvendo
normas de condutas que regem as interações sociais, valores próprios, normas,
regras e princípios, interação com os pares e com os adultos, e formação de
hábitos e atitudes.
Quanto ao aspecto perceptivo-motor, é trabalhada, na execução das AVD
em geral, a coordenação de grandes músculos que está presente no caminhar,
no equilíbrio estático e no dinâmico, e a coordenação de pequenos músculos,
que é necessária nos movimentos de pegar, levantar, segurar, e encaixar, entre
outros.

123
Quando uma criança com cegueira brinca de boneca com uma colega e
oferece à boneca um copo de água, ela exercita a AVD de encher o copo e, ao
mesmo tempo, dramatiza a cena. Ao brincar, a criança conversa com a colega,
expressa seus sentimentos, aprimora suas habilidades motoras, seu raciocínio,
representa o papel de mãe em ações simultâneas de interação e pede a
cooperação da colega para realizar tal ação.
Conforme o enfoque que dermos à ação, diferentes aspectos do
desenvolvimento e tipos de conhecimento podem ser solicitados, favorecendo o
progresso da criança. A observação e o exame detalhado das possibilidades
que se apresentam em cada AVD, são pontos que precisamos considerar para
levar a criança a avançar em seu desenvolvimento, ou seja, para ela ir além das
AVD, como pretendemos demonstrar neste estudo.

5. A intervenção do educador

Associar as AVD à aquisição de conhecimentos, priorizando a reflexão


em relação à ação propriamente dita e à incorporação de novos conhecimentos,
liga o conceito das AVD ao universo do saber científico.
Este enfoque não deve se distanciar do seu objetivo maior que é o de
estimular a criança com cegueira a realizar as atividades com independência.
As AVD podem ser uma grande oportunidade para a criança avançar em seu
desenvolvimento, uma vez que fazer é agir, é compreender aquilo que é
realizado e, por que não dizer, é dar sentido às coisas e à vida.
As orientações contidas neste trabalho servem para o ensino das AVD e
podem contribuir para que o educador reflita, crie e recrie diferentes situações e
procedimentos para viabilizar o desempenho da criança nas AVD. Da mesma
maneira, os instrumentos de orientação das AVD, conferem ao educador
possibilidades de considerá-las no processo de ensino e aprendizagem,
levando as crianças com cegueira a aprender a fazê-las e dando oportunidade

124
à construção do conhecimento, na proposta de atingir patamares mais elevados
de estruturação mental.
Neste sentido, a seguir apresentamos, como síntese, algumas
contribuições para o educador ao ensinar as AVD:

125
126
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO - AVD
INTERVENÇÃO DO EDUCADOR

OBJETIVOS AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Levar a criança a sentir interesse e a necessidade de realizar pessoalmente as suas atividades


? FAVORECER diárias. Descrever exaustivamente as AVD.
O INTERESSE ? Incentivar a criança a tocar os objetos, explorá-los, descobrí-los e experimentá-los.
EA ? Motivar a criança a fazer as AVD, a descobrir sua própria maneira para realizá-las e a manter os
MOTIVAÇÃO ambientes limpos.
DA CRIANÇA ? Mostrar a importância e a necessidade das AVD na vida cotidiana.
COM ? Provocar situações em que a criança tenha de realizar as AVD.
CEGUEIRA ? Encorajar e motivar as iniciativas da criança ao realizar estas atividades.
? Questionar, argumentar e contra-argumentar as diferentes situações para a criança entender
127

aquilo que faz.

? Dar tempo à criança para observar e explorar as coisas ao seu redor. Ela pode conhecê-las por
meio das técnicas de orientação e mobilidade, informações verbais, tateando, cheirando e
experimentando.
? LEVAR A ? Deixar a criança experimentar os alimentos, sentir seu sabor, cheiro e consistência, tocando-os,
CRIANÇA A comendo com os dedos, inicialmente, para, depois, aprender a utilizar os talheres.
OBSERVAR E ? Promover situações para a criança brincar com argila, areia, água, massa de farinha. As
A EXPLORAR experiências facilitam a aprendizagem e a compreensão de inúmeras AVD.
O MEIO ? Ajudar a criança a observar e reconhecer tamanhos: que as cadeiras menores são utilizadas pelas
crianças menores, que o sapato da professora é maior que o dela, a distinguir suas meias entre
outras maiores, que há vários tamanhos de panelas, a reconhecer os objetos pessoais etc...
? Levar a criança a auxiliar nas tarefas de casa ou da escola.
? Incentivar a organização de pequenos álbuns com diferentes materiais.
128
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO – AVD
INTERVENÇÃO DO EDUCADOR

OBJETIVOS AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Incentivar a criança a sistematizar as tarefas, para ela não se perder na execução das AVD.
? Auxiliar a criança a situar os objetos no ambiente, dando-lhe pistas para se deslocar e
alcançar as coisas ao seu redor.
? Pedir para a criança descrever a organização dos armários ou gavetas, ensinando-a a guardar
? FACILITAR O os objetos pessoais.
DESEMPENHO ? Contribuir para a criança aprender a escutar e a memorizar.
NAS AVD ? Evitar o emprego de palavras ”aqui, lá, ali” ou gestos para indicar direções, pois a criança não
pode ver o que está sendo mostrado.
129

? Ensinar a criança a guardar os objetos em locais de fácil acesso, conservando-os nos lugares.
Coisas jogadas no chão ou espalhadas pelo caminho, bem como portas entreabertas
atrapalham a locomoção e a orientação da criança com deficiência visual.

? Dar oportunidades para a criança se envolver nas AVD, cuidar de si própria e das suas coisas
e agir com independência nos ambientes.
? Estimular a criança a cooperar nas tarefas, diminuindo gradualmente a ajuda até ela agir por si
? PROMOVER A mesma.
INDEPENDÊNCIA ? Proporcionar situações em que a criança escolha as atividades que deve fazer, os objetos,
alimentos e roupas, avaliando seus trabalhos e atitudes.
? Estimular a criança a tomar iniciativas.
? Ensinar a criança a combinar roupas e calçados e a reconhecer os diferentes tipos.
? Estimular a criança a aprender a abotoar e desabotoar roupas, a dar nós e laçadas.
? Ensinar a criança a pentear os cabelos, usar pentes e fivelas nos cabelos.
? Marcar em braile os vários potes, gavetas, objetos pessoais.
130
INSTRUMENTO DE ORIENTAÇÃO - AVD
INTERVENÇÃO DO EDUCADOR

OBJETIVOS AÇÕES PEDAGÓGICAS

? Cultivar a confiança da criança, pois as AVD são ações que envolvem risco e expõem a
? FAVORECER A deficiência.
SEGURANÇA ? Ajudar a criança a sentir segurança ao manusear os objetos, estando com outras pessoas.
? Deixar a criança perceber que há coisas que você vê e nota antes que ela, e mesmo que há
coisas que ela não pode ver.

? Esclarecer aos pais sobre as implicações da deficiência visual nos diferentes aspectos.
? PROPORCIONAR ? Motivar os familiares para que apóiem, ensinem e incentivem a criança a realizar as AVD.
O ENVOLVIMENTO ? Promover atividades em que os pais presenciem a criança realizando as AVD.
FAMILIAR NAS ?
131

Promover a participação da família junto com a criança, nas AVD.


AVD ? Estimular os pais a levarem a criança para fazer compras em feiras, supermercados, lojas...

? Levar a criança a perceber a presença de outras pessoas e a entrar em contato com elas,
cumprimentando-as, e conversando com elas.
? ENCORAJAR A ? Ensinar como cumprimentar as pessoas, como estender as mãos, dirigir a cabeça e o corpo
INTERAÇÃO COM na direção da voz das pessoas.
OUTRAS ? Reconhecer as pessoas pela voz.
CRIANÇAS E ? Ensinar a realizar as atividades, organizando o material e o espaço em que vai trabalhar.
ADULTOS ? Compartilhar a rotina diária da escola e da família, os afazeres domésticos, as compras, os
sentimentos frente ao desafio das AVD.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, organizamos e apresentamos as AVD como pesquisa


científica, articulando conhecimentos que podem contribuir para a realização de
estudos e práticas na área. O objetivo norteador foi refletir sobre nossa
experiência prática, levando-nos a discutir as AVD à luz de uma teoria do
desenvolvimento e, desta maneira, podermos mostrar e ampliar o valor do
ensino destas atividades.
Colocamos como centro da atenção deste trabalho as crianças com
cegueira. Desta maneira, excluímos as possibilidades do uso da visão nas
atividades realizadas e apenas utilizamos recursos não-visuais.
Entretanto, o leque de aplicações deste estudo é ampliado, se
direcionado aos adolescentes, adultos e até idosos com cegueira e, igualmente,
com visão subnormal. Neste caso, a atenção seria direcionada à utilização do
resíduo visual, para propiciar melhor funcionamento da visão, além do uso dos
demais sentidos remanescentes na aprendizagem das AVD. Também as AVD
são úteis às pessoas com outro tipo de deficiência e mesmo aprimora o
desenvolvimento das pessoas ditas normais, melhorando a qualidade de vida
de todas as pessoas.
Nossa intenção foi desvendar os conhecimentos implícitos nas AVD e
cooperar com os educadores em geral, possibilitando-lhes solicitar o
desenvolvimento da criança. Os dados deste estudo revelam a importância das
AVD na vida do ser humano, permitindo-nos tecer algumas considerações
acerca da solicitação e da realização destas no contexto social, com destaque
ao contexto educacional da criança com cegueira.

133
Enfatizamos que o nosso trabalho direcionou a utilidade das AVD, do
conhecimento espontâneo para o conhecimento científico adquirido na escola.
Uma vez que os conhecimentos que podem ser construídos nesta
aprendizagem, oferecem oportunidades para os educandos passarem das
experiências físicas para experiências lógico-matemáticas, as AVD favorecem-
lhes o desenvolvimento do pensamento. Ou seja, neste grande desafio não nos
limitamos apenas a transmitir informações, mas também levarmos os
educandos a refletirem sobre as AVD, aplicando seus esquemas de ação e
construindo relações de causa e efeito, ao descobrir e inventar a sua própria
maneira de realizá-las.
Aprofundando os conhecimentos implícitos nas AVD, percorremos
caminhos que conduzem ao aprendizado das AVD, de tal forma que estas
crianças aprendem a fazer as AVD e que esta aprendizagem se revela um meio
para a construção de conhecimento e, desta maneira, adquirem independência
e autonomia na vida cotidiana.
Foi preciso ultrapassar as questões do treinamento e da rigidez das
técnicas de ensinar e avançar para a análise das possibilidades de aquisição de
conceitos, habilidades, conteúdos de cada atividade, de maneira que a prática
delas despertasse o interesse das crianças com cegueira, pelas coisas ao seu
redor e promovessem o desenvolvimento pleno.
Nesta reflexão, pudemos fazer uma nova leitura das ações na vida
cotidiana, uma vez que as AVD implicam mais do que um conjunto de
atividades que requerem procedimentos, regras ou técnicas para serem
realizadas porque envolvem os tipos de conhecimento e os aspectos do
desenvolvimento.
As contribuições da teoria piagetiana permitiram compreender tais
possibilidades nas AVD, e colaboraram para que sejam consideradas não
apenas como atividades triviais. Ao revisarmos a nossa prática de ensino sob
esta perspectiva, tivemos a preocupação de fazer uma análise minuciosa das
atividades enfocadas neste estudo, contemplando os aspectos do

134
desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e perceptivo-motor. Quanto ao
conhecimento físico, verificamos as noções de forma, textura, consistência,
som, cor, temperatura, peso, odor, uma vez que estes conceitos procedem dos
objetos do meio exterior.
Uma análise quanto ao conhecimento lógico-matemático foi realizada,
verificando as noções de conservação de quantidades contínuas e
descontínuas, classificação, seriação, como nos conceitos de noção de espaço
e tempo. Igualmente, observamos o que poderíamos encontrar no ensino das
AVD para solicitar o conhecimento social, pois na interação com as pessoas, o
sujeito constrói representações, o que lhe permite conhecer e explicar a
realidade social do meio em que vive.
Investigando e identificando os aspectos que propiciam o
desenvolvimento das crianças com cegueira, no aprendizado das AVD,
procuramos estimulá-las a usar instrumentos que lhes possibilitassem
ultrapassar o simples “saber fazer” as AVD.
Nestas ações, as crianças deixam transparecer o próprio
desenvolvimento. Cada uma reflete sua história na maneira de fazer as
atividades. Afinal, a ação nas AVD é o produto de cada uma.
O problema proposto neste trabalho, ou seja, revelar o conhecimento
implícito nas AVD permitiu-nos ampliar a concepção do ensino das AVD. Ao
analisarmos os dados referentes à aquisição de conhecimentos, organizados e
aqui apresentados neste trabalho, podemos constatar esta ampliação.
Evidentemente, a análise de outras AVD será imprescindível para que
tais atividades sejam mais bem aproveitadas tanto pelos educadores, como
pelos educandos e seus familiares. Enfatizamos também que as seqüências, as
orientações e os procedimentos, contidos neste estudo, são exemplos
vivenciados por nós. Tratam-se de sugestões de orientações para o
atendimento nas AVD; não são regras que precisam ser seguidas, como se faz
em determinados treinamentos específicos. Eles são instrumentos para os

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educadores utilizarem como um guia ao ensinar as atividades, servindo como
estratégias para favorecer o desenvolvimento dos educandos.
Os educadores que compreendem o processo da construção do
pensamento e a importância da participação ativa dos educandos para isso,
consideram cada um individualmente, levando em conta as aptidões que os
distinguem, atendendo suas necessidades de aprendizagem para assegurar o
desenvolvimento pleno.
Portanto, este estudo possibilitou-nos visualizar muitos conhecimentos
que podem ser construídos ao realizar as AVD, propiciando aos familiares e
educadores pistas ou estratégias para trabalhar com estas atividades. Permitiu-
nos observar detalhes nas AVD, que podem passar desapercebidos na
aprendizagem da pessoa que enxerga, mas que fazem diferença quando é a
pessoa com deficiência visual quem as realiza.
O direito da criança, do adolescente e do adulto de se desenvolver e
cuidar de si mesmo é garantido pelos preceitos democráticos de igualdade e de
justiça. As pessoas com cegueira também precisam
, para ser autônomas,
aprender tanto o que é mais complexo, como o que é mais simples na vida
cotidiana e não podemos impedí-las de que se confrontarem com esta
realidade. A autonomia nas AVD é o primeiro passo para a conquista da
cidadania e é também uma das metas da educação.
As AVD podem ser consideradas também como um canal para a
inclusão social destas pessoas. Como as AVD possuem um forte conteúdo
cultural, o seu domínio favorece a participação efetiva e ativa das pessoas com
deficiência, nas atividades sociais e culturais desenvolvidas na família, escola,
trabalho e lazer.
Em pleno século XXI, o avanço tecnológico tem contribuído para o
desenvolvimento das AVD. Atualmente, inúmeros instrumentos que estão
sendo fabricados, contribuem e facilitam a vida cotidiana das pessoas, mesmo
as com deficiência visual.
Mantoan (2000) refere que:

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“o desenvolvimento de estudos e de aplicações envolvendo o uso
de tecnologias em educação e reabilitação das pessoas com deficiência
são, no geral, centrados em situações locais e tratam de incapacidades
específicas. Servem para compensar dificuldades de adaptação, cobrindo
déficits da visão, audição, mobilidade, compreensão e outros. Projetos,
protótipos e instrumental dessa natureza conseguem reduzir as
incapacidades, atenuar as dificuldades, fazem falar, andar, ouvir, ver,
aumentam as possibilidades de aprender”(p. 64).

Entretanto, estes aparelhos deveriam conter não apenas indicações


visuais de fácil discriminação, mas também indicações táteis e dispositivos de
segurança como bordas de proteção (em fogões, agulhas de máquinas de
costura, panelas etc), facilitando o manejo de usuários com deficiências reais e
circunstanciais.
Acreditamos que as tecnologias que facilitam e possibilitam melhor
qualidade de vida às pessoas com necessidades especiais, deveriam ser
acessíveis e implementadas a todas elas, independente de suas condições
financeiras.
Ainda Mantoan (2000) pontua:

“Para garantir a todas as pessoas, indistintamente, uma vida de qualidade


e para que todos possam compartilhar dos avanços científicos e
tecnológicos de uma dada época, a sociedade precisa estar fundada em
princípios de igualdade, de interdependência e reconhecer e aceitar a
diversidade humana, em todas as suas manifestações. [...] precisamos
somar competências, produzir tecnologia, aplicá-la à educação, à
reabilitação, mas com propósitos muito bem definidos e a partir de
princípios que recusam toda e qualquer forma de exclusão social e toda e
qualquer atitude que discrimine e segregue as pessoas, mesmo em se
tratando das situações mais cruciais de apoio às suas necessidades” (p.
64-65).

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Neste sentido, a tecnologia, a reabilitação e a educação podem
compartilhar do mesmo ideal que é a inclusão de todas as pessoas,
complementando conhecimentos para garantir-lhes o acesso e a participação
plena no meio em que vivem.
Ainda nos nossos dias, podemos constatar rejeição e superproteção da
família, dos educadores, pelas pessoas com deficiência. De modo geral, é a
falta de conhecimento das necessidades pessoais, tanto relacionadas às
possibilidades de cada uma, como das possibilidades que a própria ação
apresenta de constituir uma estratégia, um meio para as pessoas com
deficiência alcançarem o conhecimento científico que estão na base destes
sentimentos contrapostos.
Como já foi discutido, os conhecimentos práticos envolvidos nas AVD
também podem se tornar muito importantes e eficientes, se os relacionamos
com os conhecimentos escolares.
Acreditamos que este estudo abre possibilidades à comunidade
acadêmica de diferentes áreas, profissionais e estudiosos do tema e famílias de
virem a construir outras relações com a teoria piagetiana, por nós escolhida, ou
até mesmo com outras teorias, pois oferece pistas de procedimentos
pedagógicos e oportunidade para reflexão não só para aqueles que já atuam
com pessoas com deficiência visual, mas também aos iniciantes.
Esta pesquisa pode contribuir também para que as AVD sejam
percebidas como parte do conhecimento e prática de várias profissões que são
afins como, serviço social, psicologia, terapia ocupacional, pedagogia,
fisioterapia, entre outras, pois as AVD têm um perfil prático e teórico que pode
ser apropriado e redimensionado de acordo com a especificidade de cada área
profissional.
Podemos considerar que os objetivos propostos foram alcançados, uma
vez que este estudo possibilitou-nos visualizar diferentes conceitos, noções,
habilidades, entre muitos conhecimentos que podem ser construídos ao realizar

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as AVD. Igualmente, permitiu-nos observar detalhes nas AVD, que podem
passar desapercebidos na aprendizagem da pessoa que enxerga, mas que
fazem diferença quando é pessoa com deficiência visual quem as realiza.
Assim, acreditamos ter o presente estudo alcançado a meta proposta, ao
colocar um novo paradigma para as AVD, deixando este enfoque ao alcance da
comunidade acadêmica de diferentes áreas, famílias e usuários. Esperamos
que se reverta em contribuição para o que consideramos essencial em todos os
atendimentos educativos para as pessoas com cegueira e/ou com outras
deficiências: a inclusão social.

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