A Aventura
A Aventura
A Aventura
As primeiras histórias do rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda surgiram há muito tempo, no século XII.
Desde então, as aventuras do lendário rei e de seus cavaleiros têm sido contadas e recontadas em varias partes do
mundo.
Era Natal. Os barões e cavaleiros que andavam disputando e brigando entre si desde a morte do Rei Uther
Pendragon estavam reunidos na grande igreja de Londres. Tinham sido convocados por Merlim, uma figura feroz que
fora o principal conselheiro do rei Uther. Ninguém sabia por que estavam ali.
Quando saíram da igreja, viram no átrio uma poderosa espada enfiada e atravessando o meio de uma
bigorna de metal e penetrando em um enorme bloco de mármore. Na pedra estavam gravadas estas palavras:
“Quem tirar esta espada da pedra é o legitimo rei de toda a Inglaterra.”
Cada um dos cavaleiros e barões pensou que poderia ser o rei. Todos puxaram e tentaram arrancar a espada,
mas nenhum conseguia movê-la. Finalmente todos desistiram.
Foi anunciado que haveria um torneio no dia de Ano Novo. Haveria justas e festividades. Depois, qualquer
um que reivindicasse o trono poderia tentar novamente tirar a espada da pedra.
As pessoas vieram de todos os lugares do país para participar do torneio. Entre eles estavam um cavaleiro do
norte, Sir Ector, e seus filhos: o orgulhoso Sir Kay e seu irmão mais novo, Artur.
Kay estava tão excitado em tomar parte de seu primeiro torneio que esqueceu sua espada. Não percebeu
seu erro até que chegaram ao campo das justas. “Vá pegar minha espada no alojamento”, disse para Artur. “E vá
rápido.”
Artur cavalgou o mais rápido que podia até a hospedaria, mas todos tinham saído e a casa estava trancada.
Kay tinha um temperamento difícil, e Artur não queria ter de lhe dizer que não tinha achado sua espada. Então,
quando viu uma espada enfiada no meio da pedra no átrio da igreja decidiu tomá-la emprestada. Rapidamente
puxou a espada e a levou consigo. Logo que Sir Kay viu a espada, soube que era a que estava, soube que era a que
estava no átrio. Levou-a para Sir Ector, dizendo: “Olhe, pai! Eu arranquei a espada da pedra. Devo ser o legitimo rei”.
Sir Ector levou Sir Kay e Artur de volta ao átrio. “Agora”, ele disse, “mostre-me novamente, Kay, como você
conseguiu esta espada. Kay não podia olhar seu pai nos olhos. “Pai, meu irmão Artur a trouxe para mim.”
Então Sir Ector perguntou a Artur: “Como você conseguiu esta espada”?
“Espero não ter feito nada de errado”, disse Artur. “Kay tinha esquecido sua espada, e esta estava aí na
pedra. Só a tomei emprestada. Deixe-me colocá-la novamente.” E Artur enfiou a espada de volta através da bigorna,
até a pedra.
Sir Ector agarrou o punho com toda sua força. A espada resistiu. Então Sir Kay tentou, e ainda assim a espada
não se mexeu. Mas quando Artur segurou a espada, ela respondeu à sua mão e deslizou para fora da pedra como se
fosse seda.
Sir Ector ajoelhou.
“Pai, por que está ajoelhado”?, perguntou Artur. “Não sou seu pai”, confessou Sir Ector, “apesar de amar
você como um filho. Você foi trazido à minha porta em uma noite tempestuosa, um bebezinho chorão nos braços de
Merlim, o mago, o leitor de sonhos. E agora compreendo que você deve ser o filho do Rei Uther Pendragon e
legitimo soberano de toda a Inglaterra”.
E foi assim que o jovem Artur, que ainda nem era cavaleiro, foi aclamado Rei da Inglaterra pelo povo, pois
por mais que tentassem, ninguém mais conseguia tirar a espada da pedra.
A. Formule 5 questões sobre ao texto.
Pergunta 1. _______________________________________________________________________________
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Pergunta 2. _______________________________________________________________________________
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Pergunta 3. _______________________________________________________________________________
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Pergunta 4. _______________________________________________________________________________
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Pergunta 5. _______________________________________________________________________________
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O lugar ficava cada vez mais cheio e barulhento. Tinha uns meninos da quinta série brincando com uma
caixinha de leite pela metade na mesa ao lado. Carly viu o Chuck enfiar uma bala de goma, daquelas vendidas a
metro, inteira na boca.
Carly tinha onze anos, mas era muito pequena para sua idade. Para completar, também tinha o rosto
redondo e um toquinho de nariz (que detestava e queria que fosse mais comprido) que a faziam parecer mais nova
ainda.
Sabrina era alta, morena e tinha uma aparência sofisticada. Ela usava o cabelo preto liso preso num rabo-de-
cavalo. Tinha também olhos escuros enormes. Quem as via juntas achava que a Sabrina tinha uns doze ou treze
anos. Porém, na verdade, a Carly era um mês mais velha que a amiga.
Havaí, 1907
Victor Swift foi levado para a ilha do Havaí contra sua vontade. Um talento nato para os esportes, campeão
de salto em distância, aluno brilhante da escola londrina que freqüentava, Victor foi enganado por seu pai.
Disseram-lhe que passariam apenas as férias naquela ilha selvagem, quando, na verdade, mudavam-se para
lá em busca de um novo começo de vida. Os negócios do pai de Victor não deram certo e ele perdera todos os bens.
Endividado até o ultimo centavo, aceitou o convite de um amigo norte-americano para cuidar de suas propriedades
naquela terra longínqua. Não sabia nada sobre o povo e os costumes do lugar, mas sua única saída era se aventurar
a viver lá.
Victor passou os três primeiros meses no Havaí afundado no tédio e mau humor. Apesar de excelente
nadador, não se interessava pela praia. Estava cheio daquelas férias. Sonhava em voltar para Londres e rever os
amigos. Descobriu a verdade sobre a decisão do pai em ficar na ilha quando o surpreendeu contando tudo a um
amigo durante uma noite quente de verão. Viveriam lá por muitos anos, Victor não frequentaria mais a antiga
escola. Quando voltasse a ter dinheiro, seu pai mandaria buscar um professor na Inglaterra.
Naquela noite, Victor saiu de casa revoltado. Caminhou durante horas pela praia, chutando as ondas do mar.
Sua vida chegara ao fim, ele pensava. E ainda era tão jovem! Tinha apenas doze anos... O que seria do resto de seus
dias?
Chutar as ondas à noite acabou se transformando em um hábito. E foi num de seus passeios noturnos que
Victor os viu pela primeira vez- os homens que voavam no mar.
Montados em pranchas de madeira, os nativos da ilha, os canacas, deslizavam sobre as ondas espumantes.
Observando aquelas silhuetas contra a luz mutável do amanhecer, Victor imaginou que aqueles eram os filhos de
Netuno, deus do mar.
De repente, uma voz o fez voltar á realidade:
- Veja, meu filho, não é uma beleza? Isso se chama surfe, é um esporte de reis, de reis naturais da terra.
Victor logo percebeu que o sotaque do homem que lhe dirigia a palavra não era londrino. O desconhecido
sorriu, franzindo os olhos, e Victor se aproximou, sentando-se ao seu lado na areia. O homem continuou a falar:
- Você já tentou surfar? Deveria experimentar, não há nada melhor no mundo. Como você se chama? – E
antes que Victor respondesse, ele se apresentou: - Meu nome é John London, mas pode me chamar de Jack.
Victor contou-lhe por que estava no Havaí e disse que só pensava em voltar para a Inglaterra, mas, quando
tornou a pousar os olhos no mar, quase concordou com a opinião de seu primeiro amigo na ilha. Novas idéias
vagavam em sua mente.
Em sua antiga escola, Victor aprendera a desprezar a selvageria dos povos nativos dos mares do Sul. Mas ali
sentado, na praia de Waikiki, ao nascer do sol, observando os movimentos mágicos dos jovens canacas sobre as
pranchas que percorriam as ondas, Victor começou a duvidar da selvageria deles.
Em suas aulas de esportes, aprendera que o principal era ser sempre o primeiro, chegar à frente de todos,
fazer o maior número de pontos para depois caçoar dos pobres perdedores.
Porém, naquela manhã, à medida que o sol pintava os corpos de dourado, Victor começou a mudar. Porque
aqueles jovens canacas montados em suas pranchas pareciam estar se divertindo muito mais do que ele jamais
fizera em sua escola.
Victor ainda não era capaz de comunicar-se com eles. Mas tinha a nítida sensação de que não apostavam
uma corrida, de que não competiam com os outros. O grande desafio era o próprio mar. Quando os canacas
conseguiam emparelhar suas pranchas e assim chegar à praia, riam muito, como se aquele entrosamento de
movimentos lhes proporcionasse um grande prazer.
Naquele mesmo dia, Victor pediu ao pai que lhe arrumasse uma prancha de surfe. Não foi difícil consegui-la:
alguém o havia presenteado com uma delas, afinal seu pai sempre fora generoso e gentil. Pela primeira vez, Victor
ousou pensar que ele poderia estar gostando daquela ilha.
Na manhã seguinte, ao raiar do sol, o garoto voltou á praia. O mar estava furioso, mas Victor sempre se
considerara um menino superior à media: aceitaria o desafio da natureza. Entrou no mar até a arrebentação, tentou
sentar-se na prancha e... foi engolido por uma onda gigantesca. Quando despertou, estava cercado de canacas, já na
areia quente da praia.
Irritado, sentindo-se envergonhado de seu fracasso, Victor tentou levantar-se, mas não conseguiu. Um
jovem nativo sorria para ele enquanto os outros falavam muito e faziam gestos. Victor compreendeu que aquele
garoto o havia resgatado do mar.
No dia seguinte, quando Victor voltou à praia carregando sua pesada prancha de madeira, o garoto
adiantou-se para recebê-lo. O pequeno canaca parecia tão amistoso e Victor se sentiu tão só que resolveu aceitar
sua companhia. Victor pensava cismado se todos os nativos eram mesmo canibais, ferozes como ele ouvira falar na
Europa. O garoto parecia muito menos ameaçador do que os antigos colegas de classe. Será que se transformava em
comedor de gente quando sentia fome? Porém , quando entraram no mar e alcançaram a arrebentação, Victor
esqueceu-se de todas as lendas a respeito dos canacas. Naquela ilha, o mar era a grande aventura.
Aos poucos, Victor descobriu que precisava pedalar com as mãos para fazer sua prancha deslizar. Aprendeu
a posicionar o corpo na prancha e a conduzir os movimentos com os pés. E sua primeira onda foi inesquecível. Victor
voou. A onda e ele eram uma coisa só. O mar habitava sua alma. Céu, água e movimento. Nunca se sentira tão livre.
Nunca dera tantas risadas.
Enquanto ia aprendendo a surfar, Victor descobria que não devia lutar contra as águas, e sim deixar-se
conduzir por elas. Pois, no mar, ser um herói não era vencer, mas sentir as águas.
O espírito de aventura habitava as ondas e era preciso que sua espuma macia banhasse o coração do
homem. No mar, só se pode vencer a si próprio.
Depois desse dia, Victor teve a impressão de que o idioma canaca não era tão difícil. Foi aprendendo as
lendas, os costumes, a gostar das comidas havaianas. E, como não podia deixar de ser, Victor acabou se apaixonando
por uma linda canaca.
Por isso, quando enfim seu pai se recuperou financeiramente e o convidou a voltar para a Europa, Victor
preferiu ficar. Tornara-se um havaiano. Teria filhos havaianos. Seria um protetor da ilha, um homem do mar.
primeira pessoa do plural nós nos, conosco nosso, nossa, nossos, nossas
segunda pessoa do plural vós vos, convosco vosso, vossa, vossos, vossas
terceira pessoa do plural eles/elas se, si, os, os, lhes, consigo seu, sua, seus, suas
NOME COMPLETO:
DATA: TURMA: PROFESSOR:
Quase morri de medo nas asas do Condor. Voei, voei muito alto, mas a verdade é que renasci...
Quando?
Faz muito tempo, mas me lembro do dia, mês e ano: 7 de setembro de 1958. Lembro-me também do lugar,
pois há lugares da infância que ficam bem guardados na memória. Naquela época, na manhã do Dia da
Independência, eu estava na beira do rio Xapuri, lá no Acre, brincando com meus amigos... Nós cavávamos buracos
na areia a fim de encontrar ovos de tracajá. Em cada buraco havia dezenas de ovos que as nossas mãos
transformavam em pequenas pirâmides e colinas brancas... Suávamos sob o calor inclemente, e, de vez em quando,
a gente mergulhava no rio, nadava e voltava para a praia à procura de ovos... Quando terminei de construir a
terceira pirâmide, tive minha primeira crise de asma. Senti falta de ar, abri a boca para tentar respirar...
Não há nada pior do que sentir falta de ar, porque, sem ar, eu, você e o mundo inteiro não podemos viver.
Meus amigos, assustados, correram até minha casa e viram minha tia Leila limpando um peixe na varanda.
Apontaram para a beira do rio, e um deles disse que meu rosto estava estufado e vermelho. Tia Leila, a mais
dramática das minhas tias, pensou que eu tinha me afogado no rio e correu para avisar minha mãe, que correu para
o rio e entrou nas águas do Xapuri. Estava tão nervosa que não me viu na beira do rio e, é claro, não me veria nas
águas do rio. Quando voltou para a praia, seu vestido azul colado no corpo e seus cabelos longos escorridos lhe
davam um ar engraçado. Assim, vi minha mãe e tive vontade de rir, mas eu mal conseguia respirar, imagine se podia
rir. Minha mãe, atônita, correu para avisar meu pai, e no meio do caminho ela se lembrou de que meu pai não
estava em casa, nem na cidade. Meu pai estava viajando num barco. Ele subia e descia o rio Acre, vendendo tecidos
e roupas ou trocando tecidos e roupas por pélas de borracha e sacos de castanhas. Nossa casa ficava na praça
Plácido de Castro, a menos de cem metros da prefeitura da cidade. Minha mãe se lembrou de que havia um médico
em Xapuri, o Dr. Monte, um médico de Rio Branco que a cada dois meses visitava a cidade. Mas o Dr. Monte tinha
ido atender a um doente em Brasiléia, lá na fronteira da Bolívia. Então, apavorada, ela se dirigiu à prefeitura, pois o
prefeito era primo de meu pai. O prefeito correu para a praia e me viu estendido na areia, cercado de pirâmides e
colinas de ovos de tracajá. Meu rosto devia estar vermelho que nem melancia, porque o prefeito olhou para mim e
disse:
_ Por Deus, o menino tá sufocado!
Ele olhou para o céu e disse para minha mãe e tia Leila:
_ Fiquem aqui, eu vou cuidar desse menino.
Ele me pegou pelos braços. Carregou-me como se eu fosse um boneco de pano e me levou até o carro dele,
um Ford velho e enferrujado que nunca saía da cidade, porque não havia estrada de Xapuri a nenhum lugar, nem de
nenhum lugar a Xapuri. Mas havia uma estrada que cortava a floresta e terminava numa pista de cascalho que devia
ter uns duzentos metros. Não sabia para onde o prefeito me levava. Então eu ouvi a voz dele:
_ Lá está ele, lá está o bonitão!
E quem era ele, o bonitão?
O Condor...
Nos braços do prefeito eu entrei no Condor. Era um avião verde e prateado, um bimotor alemão que
passava por Xapuri a cada quinze dias e fazia uma viagem impressionante para São Paulo. O Condor escalava em seis
cidades (duas da Bolívia e quatro do Brasil) antes de aterrizar na capital paulista. O prefeito, que sabia pilotar, disse
ao dono do Condor que ia dar uma volta comigo. Alem da falta de ar, comecei a sentir medo. Nunca viajara de avião,
e agora estava num aviãozinho que parecia um sapo metálico. Tremia de medo, e, com medo e falta de ar, sentado
na cabina, percebi que o avião corria na pista de cascalho. Fechei os olhos...
Minha primeira aventura: voar com falta de ar aos dez anos de idade. Quando abri os olhos, a cidades
parecia uma maquete, uma cidade de brinquedo, vi os dois rios, o Acre e o Xapuri, como se fossem duas cobras
amarelas. O condor ainda chacoalhava, o barulho dos motores era infernal e o vento que entrava pela janelinha da
cabina tinha a força de um furacão. Aos poucos, fui me acostumando com aquela idéia louca de voar. Estava
nervoso, mas no ar. Era um milagre... e também uma alegria, pois navegando no espaço, não sei por quê, comecei a
respirar melhor... Já não sentia a angústia de estar perdendo o fôlego, de abocanhar em vão um punhado de ar.
Voltava a ser como você, que respira pelo nariz, normalmente sem ânsia. Sem sufoco. O prefeito-piloto, ao
notar minha melhora sorriu. Logo depois ele riu e disse:
_ Agora vamos conhecer as nuvens.
Ele puxou um pouquinho o manche, o Condor começou a subir, subir... E subimos tanto que entramos nas
nuvens, essas nuvens que lá embaixo parecem enormes blocos de mármore, que nem esculturas aéreas flutuando
no céu azul da Amazônia. Nuvens de todos os tamanhos e formas: nuvem-dragão, nuvem-serpente, nuvem-
tartaruga, nuvens que são as formas do céu da minha infância. Depois começamos a baixar, e sobrevoamos o rio
Acre, sinuoso, barrento, como uma cobra-d’água sem fim. Vi um barquinho navegando perto de uma vila, imaginei
que podia ser o barco do meu pai e dei um adeus na janelinha da cabina. Depois o Condor baixou mais ainda. O
piloto apontou para uma árvore e disse: uma sumaumeira. Outras árvores: a castanheira, a seringueira, árvores
enormes que eu via do alto. No meio da floresta, vi uma cortina esverdeada, com tons amarelos. O piloto me disse
que era um bambuzal. Vi um barracão de um seringal, o Soledad, e canoas que pareciam de papel pardo, pequeninas
a frágeis. Em vinte minutos de vôo vi coisas que só podia imaginar.
Hoje, quase quarenta anos depois desse vôo, penso que escrever uma história se parece com isso: voar, ver
o que nunca vimos... imaginar.
Aterrizamos na pista de cascalho. No galpãozinho á beira da pista, minha mãe e tia Leila estavam ao lado do
dono do avião. Minha mãe xingou o prefeito-piloto de louco e irresponsável; tia Leila, de cara emburrada, mal falou
com ele. Mas quando me viram são e salvo, respirando como uma criança sadia, ficaram aliviadas.
Olhei para o avião na pista, e me despedi daquele sapo metálico que havia me curado. Enfim, agradeci aos
céus, mas nunca perdi o medo de voar. Anos depois, iria voar muito, e em aviões menores que o Condor. Mas aquele
vôo foi inesquecível.
Até hoje me lembro daquela manhã em que voei no Condor e vi lá do alto o mundo da minha infância.
NOME COMPLETO:
DATA: TURMA: PROFESSOR:
Eu fui vítima dele. Por causa dele odiei a escola. Nas minhas caminhadas passadas eu o via diariamente.
Naquela adolescente gorda de rosto inexpressivo que caminhava olhando para o chão. E naquela outra, magricela,
sem seios, desengonçada, que ia sozinha para a escola. Havia grupos de meninos e meninas que iam alegremente,
tagarelando, se exibindo, pelo mesmo caminho... Mas eles não convidavam nem a gorda e nem a magricela.
Dediquei-me a escrever sobre os sofrimentos a que as crianças e adolescentes são submetidos em virtude dos
absurdos das práticas escolares. Mas nunca pensei sobre os sofrimentos que colegas infligem a colegas seus. Talvez
eu preferisse ficar na ilusão de que todas as crianças e todos os adolescentes são vítimas. Não são. Crianças e
adolescentes podem ser cruéis.
“Bullying” é o nome dele. Fica o nome inglês porque não se encontrou palavra em nossa língua que seja
capaz de dizer o que “bullying” diz. “Bully” é o valentão: um menino que, e em virtude de sua força e de sua alma
deformada pelo sadismo tem prazer em intimidar e bater nos mais fracos. Vez por outra as crianças e adolescentes
brigam em virtude de desentendimentos. São brigas que têm uma razão. Acidentes. Acontecem e pronto. Não é
possível fazer uma sociologia dessas brigas. Depois da briga os briguentos podem fazer as pazes e se tornarem
amigos de novo. Isso nada têm a ver com o “bullying”. No “bullying” um indivíduo, o valentão, ou um grupo de
indivíduos, escolhe a sua vítima que vai ser o seu “saco de pancadas”. A razão? Nenhuma. Sadismo. Eles “não vão
com a cara” da vítima. É preciso que a vítima seja fraca, que não saiba se defender. Se ela fosse forte e soubesse se
defender a brincadeira não teria graça. A vítima é uma peteca: cada um bate e ela vai de um lado para outro sem
reagir. Do “bulling” pode-se fazer uma sociologia porque envolve muitas pessoas e tem continuidade no tempo. A
cada novo dia, ao se preparar para a escola, a vítima sabe o que a aguarda. Até agora tenho usado o artigo masculino
– mas o “bullying” não é monopólio dos meninos. As meninas usam outros tipos de força que não a força dos
punhos. E o terrível é que a vítima sabe que não há jeito de fugir. Ela não conta aos pais, por vergonha e medo. Não
conta aos professores porque sabe que isso só poderá tornar a violência dos colegas mais violenta ainda. Ela está
condenada à solidão. E ao medo acrescenta-se o ódio. A vítima sonha com vingança. Deseja que seus algozes
morram. Vez por outra ela toma providências para ver seu sonho realizado. As armas podem torná-la forte.
Freqüentemente, entretanto, o “bullying” não se manifesta por meio de agressão física, mas por meio de
agressão verbal e atitudes. Isolamento, caçoada, apelidos.
Aprendemos dos animais. Um ratinho preso numa gaiola aprende logo. Uma alavanca lhe dá comida. Outra
alavanca produz choques. Depois de dois choques o ratinho não mais tocará a alavanca que produz choques. Mas
tocará a alavanca da comida sempre que tiver fome. As experiências de dor produzem afastamento. O ratinho
continuará a não tocar a alavanca que produz choque ainda que os psicólogos que fazem o experimento tenham
desligado o choque e tenham ligado a alavanca à comida. Experiências de dor bloqueiam o desejo de explorar. O
fato é que o mundo do ratinho ficou ordenado. Ele sabe o que fazer. Imaginem agora que uns psicólogos sádicos
resolvam submeter o ratinho a uma experiência de horror: ele levará choques em lugares e momentos imprevistos
ainda que não toque nada. O ratinho está perdido. Ele não tem formas de organizar o seu mundo. Não há nada que
ele possa fazer. Os seus desejos, eu imagino, seriam dois. Primeiro: destruir a gaiola, se pudesse, e fugir. Isso não
sendo possível, ele optaria pelo suicídio.
Edimar era um jovem tímido de 18 anos que vivia na cidade de Taiúva, no estado de São Paulo. Seus colegas
fizeram-no motivo de chacota porque ele era muito gordo. Puseram-lhe os apelidos de “gordo”, “mongolóide”,
“elefante-cor-de-rosa” e “vinagrão”, por tomar vinagre de maçã todos os dias, no seu esforço para emagrecer. No
dia 27 de janeiro de 2003 ele entrou na escola armado e atirou contra seis alunos, uma professora e o zelador,
matando-se a seguir.
Luis Antônio, garoto de 11 anos. Mudando-se de Natal para Recife por causa do seu sotaque passou a ser
objeto da violência de colegas. Batiam-lhe, empurravam-no, davam-lhe murros e chutes. Na manhã do dia fatídico,
antes do início das aulas, apanhou de alguns meninos que o ameaçaram com a “hora da saída”. Por volta das dez e
meia, saiu correndo da escola e nunca mais foi visto. Um corpo com características semelhantes ao dele, em estado
de putrefação, foi conduzido ao IML para perícia.
Achei que seria próprio falar sobre o “bullying” na seqüência do meu artigo sobre o tato que se iniciou com
esta afirmação: O tato é o sentido que marca, no corpo, a divisa entre Eros e Tânatos. É através do tato que o amor
se realiza. É no lugar do tato que a tortura acontece. “Bullying” é a forma escolar da tortura.