Apostila DTA
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Ministrio da Educao Universidade Tecnolgica Federal do Paran Campus Londrina Curso de Tecnologia em Alimentos 4 perodo HIGIENE E LEGISLAO Prof. Msc. Juliany Piazzon Gomes
1 - ASPECTOS GERAIS DAS DOENAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS 1.1 - Aspectos epidemiolgicos O perfil epidemiolgico das doenas transmitidas por alimentos no Brasil ainda pouco conhecido. Somente alguns estados e/ou municpios dispem de estatsticas e dados sobre os agentes etiolgicos mais comuns, alimentos mais frequentemente implicados, populao de maior risco e fatores contribuintes. Distribuio geogrfica - universal. A incidncia varia de acordo com diversos aspectos: educao, condies scio-econmicas, saneamento, fatores ambientais, culturais e outros. Morbidade, mortalidade e letalidade - presumem-se alta morbidade, entretanto como poucas DTA esto includas no Sistema Nacional de Vigilncia Epidemiolgica, no se conhece sua magnitude. Pela informao disponvel, a mortalidade e a letalidade so baixas, dependendo das condies do paciente, do agente etiolgico envolvido e do acesso aos servios de sade. Ressalta-se sua importncia no grupo etrio de menores de 5 anos, em decorrncia da elevada mortalidade por diarria nesse grupo, como tambm nos imunodeprimidos e idosos. Modo de transmisso - pela ingesto de alimentos e/ou gua contaminados. Modo de contaminao - a contaminao pode ocorrer em toda a cadeia alimentar, desde a produo primria at o consumo (plantio, manuseio, transporte, cozimento, acondicionamento, etc). Destacam-se como os maiores responsveis por surtos os alimentos de origem animal e os preparados para consumo coletivo. Perodo de incubao - varia conforme o agente etiolgico, podendo ser de fraes de hora a meses. Suscetibilidade e resistncia - a suscetibilidade geral. Certos grupos como crianas, idosos, imunodeprimidos (indivduos com AIDS, neoplasias, transplantados), pessoas com acloridria gstrica, tm suscetibilidade aumentada. De modo geral as DTA no conferem imunidade duradoura. Agentes etiolgicos mais comuns - dados disponveis de surtos apontam como agentes mais frequentes os de origem bacteriana e dentre eles, Salmonella spp, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Shigella spp, Bacillus cereus e Clostridium perfringens. 1.2 - Aspectos clnicos e etiolgicos Doena transmitida por alimento um termo genrico, aplicado a uma sndrome geralmente constituda de anorexia, nuseas, vmitos e/ou diarria, acompanhada ou no de febre, atribuda ingesto de alimentos ou gua contaminados. Sintomas digestivos, no entanto, no so as nicas manifestaes dessas doenas, podem ocorrer ainda
afeces extra-intestinais, em diferentes rgos e sistemas como: meninges, rins, fgado, sistema nervoso central, terminaes nervosas perifricas e outros, de acordo com o agente envolvido. As DTA podem ser causadas por:
Toxinas: produzidas pelas bactrias Staphylococcus aureus, Clostridium spp, Bacillus cereus, Escherichia coli, Vibrio spp etc. Bactrias: Salmonella spp, Shigella spp, Escherichia coli etc. Vrus: Rotavirus, Norwalk etc. Parasitas: Entamoeba spp, Giardia lamblia, Cryptosporidium parvum etc. Substncias txicas: Metais pesados, agrotxicos etc. A sobrevivncia e multiplicao de um agente etiolgico nos alimentos dependem de seus mecanismos de defesa e das condies do meio, expressas principalmente pelos nveis de oxigenao, pH e temperatura, varivel de acordo com cada alimento. Em alimentos pouco cidos, com pH > 4,5 (Ex.: leite, carnes, pescados e alguns vegetais), observa-se o predomnio de bactrias esporuladas (Ex.: Clostridium spp, Bacillus cereus), bactrias patognicas aerbias (Ex.: Salmonella spp) e anaerbias (Ex.: Clostridium spp). Nos alimentos cidos como frutas e hortalias, com pH entre 4,0 e 4,5, predominam bactrias esporuladas, bolores e leveduras. Em alimentos muito cidos, com pH < 4, como produtos derivados do leite, frutas, sucos de frutas e refrigerantes, predominam bactrias lcticas, bactrias acticas, bolores e leveduras. Algumas bactrias, como o Clostridium perfringens, desenvolvem formas esporuladas que so resistentes a altas temperaturas, mas inativadas pelo frio. Com relao s toxinas, sabe-se que algumas so termolbeis (inativadas pelo calor), como a toxina do botulismo e outras so termoestveis (no so inativadas pelo calor), como as toxinas produzidas pelo Staphylococcus aureus e o Bacillus cereus. Parasitas intestinais, como helmintos de transmisso fecal-oral (Ex.: Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e Enterobius vermicularis) podem tambm estar envolvidos em surtos de DTA. Em regies onde ocorrem cepas patognicas de Entamoeba histolytica, surtos de disenteria amebiana podem tambm estar relacionados com alimentos contaminados. O espectro das DTA tem aumentado nos ltimos anos. Novos agentes responsveis por manifestaes severas tm sido identificados como Escherichia coli O157:H7, Streptococcus zooepidermidis e cido domico, um neurotransmissor nofisiolgico relacionado com um surto de intoxicao amnsica, descrito no Canad em 1987, presente em mariscos que se alimentaram de uma diatomcea, a Nitzschia pungens. Outros agentes j conhecidos voltaram a causar epidemias mundiais, permanecendo endemicamente em algumas regies, como o Vibrio cholerae O1 toxignico. H tambm registros de sndromes ps-infeco reconhecidas como importantes seqelas de DTA, como a sndrome hemoltico-urmica aps infeco por Escherichia coli O157:H7, sndrome de Reiter aps salmonelose, Guillain-Barr aps campilobacteriose, nefrite aps infeco por Streptococcus zooepidermidis, abortamento ou meningite em pacientes com listeriose e malformaes congnitas por toxoplasmose.
Patologias recentemente associadas a prons, partculas proticas com poder infectante, podem tambm ser transmitidas por alimentos derivados de animais contaminados. Atualmente considera-se possvel o risco de infeco pelo consumo de carne bovina que apresente a encefalopatia espongiforme bovina ou sndrome da vaca louca, que no homem se apresenta como uma variante da sndrome de Creutzfeld-Jacobs, caracterizada como uma encefalopatia degenerativa espongiforme, progressiva e fatal. Kuru outra doena associada a prons, de transmisso comprovadamente oral. O desenvolvimento tecnolgico e cientfico observado nas ltimas dcadas contribuiu com o aumento de indivduos imunodeprimidos na populao, principalmente devido a: - elevao da expectativa de vida, aumentando o nmero de idosos; - melhores condies de diagnstico, tratamento precoce de neoplasias e de doenas autoimunes, resultando em maior sobrevida; - maior frequncia de transplante de rgos e uso de imunossupressores. Soma-se a isto os indivduos com HIV/AIDS, cuja epidemia um dos maiores problemas de sade pblica em todo o mundo. Dentre as DTA em indivduos imunodeprimidos, especialmente os indivduos com HIV/AIDS, tem grande importncia a ocorrncia de diarrias agudas e crnicas que, com certa freqncia representam um desafio clnico de difcil soluo. A associao de alguns patgenos com a presena de animais de estimao torna importante a orientao para indivduos imunodeprimidos, que convivem com esses animais, quanto necessidade de higiene e cautela no manuseio e trato dirio dos mesmos. Ressalta-se a importncia do acompanhamento mdico-veterinrio do animal. O Cryptosporidium pode provocar quadros de diarria aguda ou crnica grave e o Microsporidium pode ser responsvel por hepatite, peritonite e ceratopatia ocular alm de diarria, estando seu controle mais relacionado com um tratamento antiretroviral adequado e com a melhora da imunidade do paciente. A salmonelose considerada doena definidora de AIDS e pode causar patologia severa podendo ser recorrente a despeito do tratamento. Septicemia por Campylobacter mais comum em pacientes com AIDS. A campilobacteriose juntamente com a salmonelose, a infeco mais freqentemente transmitida por animais de estimao. A identificao de casos suspeitos de DTA que possam caracterizar um surto obriga o profissional que os atende, mesmo em servios de emergncia, a acionar de imediato o sistema de vigilncia epidemiolgica para que se possam adotar as medidas de controle precocemente, evitando danos maiores comunidade. O conhecimento de alguns desses aspectos auxilia na elaborao de hipteses de provveis agentes etiolgicos e na conduo da investigao. Existem vrios mecanismos patognicos envolvidos com a determinao das DTA. De forma simplificada pode-se agrupar as DTA nas seguintes categorias: Infeces so causadas pela ingesto de microorganismos patognicos, denominados invasivos, com capacidade de penetrar e invadir tecidos, originando quadro clnico caracterstico como as infeces por Salmonella spp, Shigella spp, Yersinia enterocolitica e Campylobacter jejuni. Estes quadros geralmente so associados a diarrias freqentes, mas no volumosas, contendo sangue e pus, dores abdominais intensas, febre e desidratao leve, sugerindo infeco do intestino grosso por bactrias invasivas. Agentes virais, protozorios e helmintos tambm esto envolvidos com DTA, cujo mecanismo de 3
ao a invaso tecidual, embora o quadro clnico geralmente no tenha as mesmas caractersticas discutidas anteriormente. Toxinfeces - so causadas por microrganismos toxignicos, cujo quadro clnico provocado por toxinas liberadas quando estes se multiplicam, esporulam ou sofrem lise na luz intestinal. Essas toxinas atuam nos mecanismos de secreo/absoro da mucosa do intestino. As infeces por Escherichia coli enterotoxignica, Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus, Clostridium perfringens e Bacillus cereus (cepa diarrica) so exemplos clssicos. Normalmente a diarria, nestes casos, intensa, sem sangue ou leuccitos, febre discreta ou ausente, sendo comum a desidratao. Intoxicaes - so provocadas pela ingesto de toxinas formadas em decorrncia da intensa proliferao do microorganismo patognico no alimento. Os mecanismos de ao dessas toxinas em humanos no esto bem esclarecidos, observaes em animais sugerem alteraes na permeabilidade vascular e inibio da absoro de gua e sdio levando s diarrias. Os vmitos possivelmente esto associados a uma ao das toxinas sobre o sistema nervoso central. Exemplos clssicos deste processo so as intoxicaes causadas por Staphylococcus aureus, Bacillus cereus (cepa emtica) e Clostridium botulinum. Intoxicaes no bacterianas - quando outros agentes no bacterianos esto envolvidos com DTA, como nas intoxicaes por metais pesados, agrotxicos, fungos silvestres, plantas e animais txicos (Ex: moluscos, peixes). Os mecanismos fisiopatolgicos so variveis, envolvendo ao qumica direta do prprio agente sobre tecidos ou rgos especficos ou a ao de aminas biognicas presentes no alimento txico. A ao mecnica da Giardia sp deve-se aderncia do parasita mucosa intestinal, impedindo a absoro das gorduras, levando a diarrias persistentes. A irritao superficial da mucosa tambm agrava condies patolgicas coexistentes.
2 - DIAGNSTICO 2.1 - Diagnstico clnico-epidemiolgico A integrao entre os componentes da equipe envolvida na investigao do surto contribui de forma importante para a elucidao diagnstica a partir da troca de informaes. Durante a investigao clnico-epidemiolgica de um paciente com DTA importante valorizar dados sobre: - hbitos alimentares; - consumo de alimentos suspeitos ou refeies incriminveis; - tempo de doena clnica; - existncia de outros familiares ou comensais com a mesma sintomatologia.
2.2 - Como tratar? As doenas que causam diarria e vmitos podem levar desidratao, caso o paciente perca mais fluidos corporais e sais minerais (eletrlitos) do que a quantidade ingerida. A reposio destes fluidos e eletrlitos extremamente importante para evitar a desidratao. Quando a diarria aguda, deve-se ingerir sal de reidratao oral, disponibilizado gratuitamente pelo Sistema nico de Sade, ou outras solues de reidratao oral. As bebidas esportivas no compensam corretamente as perdas de fluidos e eletrlitos e no devem ser utilizadas para tratamento de doena diarrica. 4
3 - FATORES DETERMINANTES DE SURTOS DE DTA Comumente as ocorrncias de surtos de DTA esto associadas presena de alguns fatores de risco, que podem ser identificados na inspeo sanitria e dentre os quais destacam-se: - falhas na cadeia de refrigerao de alimentos potencialmente perigosos; - conservao de alimentos mornos temperatura ambiente (temperatura de incubao para os agentes bacterianos); - alimento preparado vrias horas antes de seu consumo e cujo acondicionamento prvio ao consumo foi inadequado; - falhas no processo de coco dos alimentos; - manipuladores de alimentos com prticas inadequadas de higiene pessoal ou portadores de leses ou doenas; - utilizao de matrias-primas contaminadas quando de preparaes alimentcias servidas cruas ou quando da ocorrncia de mistura dessas com outros alimentos j cozidos; - alimentos preparados com matria-prima contaminada que possibilite a introduo de microorganismos no ambiente de preparo de alimentos, dando origem a possvel ocorrncia de contaminao cruzada; - falhas nos processos de higienizao de utenslios e equipamentos utilizados no preparo de alimentos; - existncia de condies ambientais favorveis ao crescimento de agentes etiolgicos seletos e inibidores de microorganismos competidores; - alimentos obtidos de fontes no confiveis; - prticas inadequadas de armazenamento; - uso de utenslio ou recipientes passveis de liberao de resduos ou que contenham resduos de materiais txicos; - adio intencional ou acidental de substncias qumicas txicas aos alimentos; - utilizao de gua cuja potabilidade no controlada (fonte de abastecimento complementar); - contaminao da gua a partir da ocorrncia de avarias na rede de abastecimento, construo ou reparo de tubulaes, conexes cruzadas, inundaes, efluentes de guas residurias entre outros; - contaminao de alimentos a partir de manipulador que manuseou servios de higienizao de superfcies ou de coleta de resduos.
4 - PRINCIPAIS AGENTES CAUSADORES DE TOXINFECES ALIMENTARES Salmonella sp: importante agente causador de infeces, a salmonela pode ocasionar trs tipos de sndromes, sendo elas febre tifide, febre entrica e gastroenterites, que so a forma mais comum de salmonelose. No que se refere gastroenterites, os sintomas so dores abdominais, diarria, desidratao e dores de cabea, sendo que o tempo de incubao pode variar de 6 a 72 horas. Entre os principais alimentos envolvidos esto a maionese caseira, produtos de confeitaria, leite, carne, sorvete, etc. Staphylococcus aureus: um dos principais agentes causadores de intoxicaes alimentares, geralmente relacionado com os manipuladores. Os sintomas mais freqentes da doena so dores abdominais, diarria, nuseas e vmitos, sendo que o tempo de incubao varia de 1 a 6 horas aps a ingesto. Todos os alimentos manipulados so suspeitos de contaminao; 5
Escherichia coli: fezes e gua esto entre as principais fontes de contaminao. Os sintomas da doena so diarria sanguinolenta, vmito, clicas e febre, na dependncia da ingesto de toxinas ou do agente, sendo que o perodo de incubao varia de 5 a 48 horas. Hortalias, frutas, carnes mal cozidas, massas frescas, esto entre os principais alimentos envolvidos. Listeria Monocytogenes: um tipo de microrganismo capaz de se desenvolver temperatura de refrigerao. Clica, diarria, calafrios e dores nas juntas esto entre os principais sintomas da doena causada por este agente. Em crianas pode se manifestar atravs de meningite. Quanto aos alimentos envolvidos, pode-se citar produtos lcteos, pats, presuntos, produtos de confeitaria, etc. Bacillus cereus: a intoxicao pode se manifestar atravs das formas emtica (vmitos) ou diarrica, sendo o tempo de incubao de 1 a 6 horas no primeiro caso, e de 8 a 22 horas no segundo. Entre os alimentos envolvidos esto arroz e outros cereais, sobremesas e sopas. A contaminao pode ocorrer por exposio ao p, atravs de caixas de transporte, entre outros. Clostridium botulinum: o botulismo alimentar adquirido atravs da ingesto de alimentos contaminados com a toxina produzida por este microrganismo, cujos esporos esto distribudos no solo, estando presentes com freqncia nos produtos agrcolas, inclusive no mel. No botulismo clssico, o perodo de incubao normalmente varia de 12 a 36 horas, e os principais sintomas da doena so viso dupla, dificuldades para falar ou engolir, e paralisia. Entre os alimentos envolvidos pode-se citar conservas de origem vegetal, escabeche, pats, carnes cozidas, etc. 5 - Caractersticas gerais de sua distribuio no Brasil e no mundo A Organizao Mundial de Sade (OMS) estima que, a cada ano, mais de dois milhes de pessoas morram por doenas diarricas, muitas das quais adquiriram ao ingerir alimentos contaminados. Estima-se que as DTAs causem, anualmente, nos Estados Unidos (EUA), aproximadamente 76 milhes de casos, 325.000 hospitalizaes e 5 mil mortes. No Brasil, faz-se a vigilncia epidemiolgica de surtos de DTA e no de casos individuais, com exceo da clera, febre tifide e botulismo. Essa vigilncia (VE-DTA) teve incio em 1999 e h registro mdio de 665 surtos por ano, com 13 mil doentes. Dos surtos com informaes sobre o alimento envolvido, 22,2% so ocasionados por alimentos com ovos crus ou mal cozidos na composio, seguidos por alimentos mistos (ex: lasanha, feijoada) com 17,2%, carnes vermelhas (11,6%) e sobremesas (10,7%). O nmero de surtos encerrados sem identificao do alimento ainda apresenta a maior porcentagem dos dados, com 38,6% do total (Grfico 1).
Entre os surtos notificados, 75,1% (5232/6971) possuem informaes sobre o local de ocorrncia. Destes, 45,3% ocorreram nas residncias, 19,6% em restaurantes/padarias, 10,1% em creches/escolas (Tabela 1).
Do total de surtos, 46,6% tiveram agente etiolgico definido pelo critrio laboratorial ou clnico-epidemiolgico. Dentre estes, a bactria do gnero Salmonella SP foi relacionada a 45,9% dos surtos (Grfico 5).