O Texto Inédito Do Médico-Escritor A Biografia "O Dr. Torres Homem" de Pedro Nava

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA

CASSIMIRO BAESSO JUNIOR

O TEXTO INÉDITO DO MÉDICO-ESCRITOR: A BIOGRAFIA “O DR. TORRES


HOMEM”, DE PEDRO NAVA

Juiz de Fora
2012
CASSIMIRO BAESSO JUNIOR

O TEXTO INÉDITO DO MÉDICO-ESCRITOR: A BIOGRAFIA “O DR. TORRES


HOMEM”, DE PEDRO NAVA

Dissertação apresentada ao Centro de


Ensino Superior de Juiz de Fora, como
requisito parcial para a conclusão do
Curso de Mestrado em Letras, Área de
Concentração: Literatura Brasileira.
Linha de Pesquisa: Literatura de Minas:
o regional e o universal.

Orientadora: Profª. Drª. Moema Rodrigues


Brandão Mendes
Co-orientadora: Profª. Drª. Eliane
Vasconcellos

Juiz de Fora
2012
Ficha Catalográfica

Baesso Junior, Cassimiro


O texto inédito do médico-escritor: a biografia “O Dr. Torres
Homem”, de Pedro Nava / Cassimiro Baesso Junior . – 2012.
237 f.

Dissertação (Mestrado em Letras)-Centro de Ensino Superior de


Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012.
Bibliografia: f. 234 - 237f.

1. Torres Homem, Vicente, 1837- 1887 - Biografia. 2. Nava,


Pedro, 1903-1984 – Cartas. I. Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora.
II. Título.

CDD B869
FOLHA DE APROVAÇÃO

BAESSO JUNIOR, Cassimiro. O texto


inédito do médico-escritor: a biografia
“O Dr. Torres Homem”, de Pedro Nava.
Dissertação apresentada ao Centro de
Ensino Superior de Juiz de Fora, como
requisito parcial para a conclusão do curso
de Mestrado em Letras, Área de
concentração: Literatura Brasileira.
Linha de Pesquisa: Literatura de Minas: o
regional e o universal.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Profª. Drª. Moema Rodrigues Brandão Mendes – Orientadora

Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora

___________________________________________________________________

Profª. Drª Vanda Arantes do Vale

Universidade Federal de Juiz de Fora

___________________________________________________________________

Profª. Drª. Ilma de Castro Barros e Salgado

Universidade Federal de Juiz de Fora

Examinada em: ____/____/______

.
A meu pai; pois sem ele “não seria o mundo.”

“Profundamente.”
AGRADECIMENTOS

Agradeço às minhas orientadoras Eliane, pela direção apontada e Moema,


pela condução eficiente.
Ao Dr. Paulo Penido pela sua generosidade e admiração inconteste pela obra
do tio.
À professora Vanda Arantes, por me apresentar o universo naveano e pelo
incentivo inicial indispensável.
Aos amigos: Mônica Geraldine, Jairo Gama, Milena, Leandro Cruz, Dalila
Cruz e Cristina Villaça. Pelo apoio generosamente oferecido.
À Lana, minha companheira, presença necessária e insubstituível nesta
aventura.
“As palavras valem também pra isso,
dar existência aos nossos delírios.”
(Raduan Nassar)
RESUMO

Pedro Nava (1903 – 1984), mineiro, é autor de uma extensa obra memorialística
editada na década de 1970, admirada e respeitada pela crítica. No entanto, seu
primeiro texto com expectativas de publicação foi a biografia do médico carioca João
Vicente Torres Homem, escrito na década de 1940, que permaneceu inconclusa e
inédita. Os manuscritos da obra foram doados pela viúva do autor, Antonieta Nava,
ao Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundaçao Casa de Rui Barbosa em
1985, ano seguinte à sua morte. O objeto desta dissertação é o estabelecimento do
texto de Pedro Nava, O Dr. Torres Homem, utilizando os conceitos da Crítica
genética e da Crítica textual como subsídios teóricos. Observamos a importância do
resgate deste texto inédito para incorporá-lo à obra édita de Nava.

Palavras-chave: Pedro Nava. Torres Homem. Biografia. Crítica genético-textual.


História da medicina.
ABSTRACT

Pedro Nava, (1903 – 1984), from Minas Gerais, Brazil, is the author of a wide memorial work
edited in the decade of 1970, admired and respected by the criticism. However his first text
with expectation of publication was a biography of the medic João Vicente TorresHomem,
form Rio de Janeiro, written in the decade of 1940, which remained unfinished and inedited.
The manuscripts of the work were donated by the widow of the author, Antonieta Nava, to
the Arquivo Museu de Literatura Brasileira at Fundação Casa de Rui Barbosa in 1985, the
following year to his death. The object of this dissertation is the establishment of Pedro
Nava's work, O Dr. Torres Homem, using the concepts of the Genetical Critics and the
Textual Critic as theoretical subsidies. We notice the importance of the ransom of this
unpublished text to incorporate it to the edited Nava's work.

Keywords: Pedro Nava. Torres Homem. Biography. Genetic-textual Critics. History of


Medicine.
Lista de siglas e abreviaturas

ECM – Elementos de clínica médica


CM1 – Lições de clínica médica,1º volume
CM2 – Lições de clínica médica, 2º volume
CM3 – Lições de clínca médica, 3º volume
FRJ – Estudo clínico sobre as febres do Rio de Janeiro
LMSN – Lições de medicina sobre o sistema nervoso
FA – Lições de clínica sobre a febre amarela
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 10

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................12

2 A CRÍTICA GENÉTICO-TEXTUAL: UMA BREVE HISTÓRIA .............................14

3 O MÉDICO-ESCRITOR PEDRO NAVA................................................................17

3.1 POR QUE OS MÉDICOS ESCREVEM? .............................................................29

3.2 TRÊS OLHARES MÉDICOS SOBRE A LITERATURA .......................................31

3.2.1 A morte ─ uma constante em Tchekov ............................................................31

3.2.2 O viver perigoso de Rosa .................................................................................33

3.2.3 A escrita hemorrágica de Nava ........................................................................35

4 O MÉDICO TORRES HOMEM ............................................................................39

4.1 A BIOGRAFIA DE UM MÉDICO DO IMPÉRIO ...................................................39

4.2 DOIS MÉDICOS HUMANISTAS: PEDRO NAVA E TORRES HOMEM ..............48

5 O MANUSCRITO ................................................................................................57

5.1 SUA HISTÓRIA ...................................................................................................57

5.2 SUA DESCRIÇÃO FÍSICA ..................................................................................60

5.3 CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DO TEXTO ...................................63

5.4 O DR. TORRES HOMEM ....................................................................................64

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................232

REFERÊNCIAS .......................................................................................................234
APRESENTAÇÃO

Acredito que eu havia iniciado há pouco tempo o curso na Faculdade de


Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) quando tive meu primeiro
contato com o universo de Pedro Nava. Impressionou-me a escrita barroca e ao
mesmo tempo onírica desse escritor, que alternava trechos em que discutia as
interfaces da morte com receitas de doces mineiros. Um trecho de Balão cativo,
porém, destacou-se especialmente para mim: a descrição da morte de Inhá Luisa,
sua avó mineira de Juiz de Fora, matriarca ditadora, por quem Nava nutria
sentimentos conflitantes de admiração e rancor. A descrição da instalação de um
acidente vascular cerebral foi feita de maneira absolutamente original e
poeticamente lúgubre; a avó “cortada ao meio” com “metade do corpo se firmando, e
metade de pedra, resvalando” (NAVA, 2000, p.79.). O texto revelava um intenso
domínio do idioma e um cuidado descritivo de uma patologia que deve ter sido
observada inúmeras vezes pelo escritor-médico. Sim, o fato deste singular autor ser
médico e juizforano, só aumentou minha curiosidade e admiração por sua escrita.
Tentei ler sua obra extensa e intensa, mas, creio que não cheguei ao final de O
Círio perfeito; havia muitas outras leituras mais urgentes naquele momento.
Já formado em medicina há cerca de 15 anos, e voltando a residir na cidade
natal de Pedro Nava, dei início a um projeto que aguardava sua oportunidade: cursar
um mestrado em literatura brasileira. A minha primeira opção como tema,
naturalmente, foi o escritor Pedro Nava e sua obra monumental. Essa
monumentalidade torna-se assustadora para alguém que não era da área literária.
Busquei, então, um nicho em que minha formação pudesse ajudar. Meu primeiro
projeto versava sobre a análise das descrições, metáforas e possíveis relações de
intertextualidade que Nava usava para se referir às patologias, doenças e
tratamentos espalhados generosamente por seus seis volumes de memórias. O
objeto continuava monumental. Discutindo com a Profª. Drª. Eliane Vasconcellos, que
tive o prazer de ter como orientadora, no início do programa, recebi uma sugestão
que mudaria totalmente o direcionamento de minha pesquisa: trabalhar o manuscrito
inédito do autor produzido nos anos 1940 e que aguardava ser trabalhado. Para meu
contentamento era uma biografia. Uma biografia de outro médico por quem Nava
tinha imensa admiração, talvez a mesma que eu tinha por este.
Ficou definido, portanto, que o corpo da dissertação seria o estabelecimento
do texto inédito de Nava ─ a biografia O Dr. Torres Homem; agora já sob a
orientação da Profª Drª Moema Rodrigues Brandão Mendes que, generosa e
competentemente, aceitou dar seguimento ao projeto. O texto em questão comporta
uma Introdução seguida de dois capítulos, de quatro inicialmente pretendidos, que
podem ser lidos, de acordo com o próprio autor, de forma independente. Nele, há
descrição do método diagnóstico utilizado pelo médico Torres Homem. Apesar de
inconcluso, o trabalho revela sua força descritiva e mostra nitidamente o caminho
estilístico que Nava trilharia na escritura de suas excepcionais Memórias. Suas
referências fundamentam-se, principalmente, nos escritos do biografado Torres
Homem e em livros médicos dos séculos XVIII e XIX que Nava colecionava
apaixonadamente. O referido texto possui mais de mil notas do autor e uma
concentração de termos e descrições médicas específicas, além de temas
relacionados à história da medicina. Podendo utilizar os conhecimentos técnicos
adquiridos em minha formação e tendo um manuscrito intocado de um autor
admirável, tão importante para a literatura brasileira quanto Proust é para a francesa,
eu não poderia almejar trabalho mais prazeroso.
12

1 INTRODUÇÃO

O acervo literário de um autor serve como objeto e campo de pesquisas em


diversas áreas de conhecimento. A consciência da necessidade de preservação,
resgate e recuperação deste precioso material, felizmente, se tornam uma condição
cada vez mais aceita e praticada em nosso país nos últimos 20 anos. Instituições
públicas, museus e universidades brasileiros iniciaram um processo de receptação e
busca destes manuscritos e rascunhos, anteriormente desconsiderados.
O objetivo deste trabalho contempla o estabelecimento de um texto inédito de
Pedro Nava, cujo manuscrito se encontra sob a guarda do Arquivo Museu de
Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa desde 1985, após ter sido
doado pela família do autor juntamente com um grande lote de documentos. O texto
em questão é uma biografia de um conceituado clínico carioca da segunda metade
do século XIX. A geração de um texto estabelecido, buscando a intenção pretendida
pelo autor, por meio dos referenciais teóricos da Crítica Genética e da Crítica textual,
é o produto e fundamento desta dissertação. Serão realizadas a atualização
ortográfica na obra estabelecida e a inclusão de notas de rodapé, pelo pesquisador,
quando se fizerem necessárias explicações sobre itens, termos e trechos da edição.
As notas do pesquisador serão diferenciadas daquelas instaladas pelo próprio Pedro
Nava. Ele, Nava, indicava suas notas por números arábicos entre parênteses no
próprio corpo do texto. Já o pesquisador registrará as notas como se processa numa
edição de fontes. Adotamos reunir as notas naveanas e registrá-las ao final de cada
capítulo.
Na seção 2, apresentamos o referencial teórico que fundamenta este
trabalho: os pressupostos da Crítica Genética e da Crítica textual já que, ao se
transcrever o manuscrito nos aproximamos da construção do prototexto, que é o
conjunto de todos os testemunhos genéticos escritos de um projeto de escritura. Um
dos procedimentos básicos para este tipo de edição é a transcrição que significa,
aqui, reproduzir um texto manuscrítico em um novo suporte material como nos cita o
estudioso César Nardelli Cambraia. Utilizamos, ainda, uma abordagem das
pesquisadoras que participaram da organização desta nova corrente de pesquisa
literária – a francesa Almuth Grésillon e a brasileira, pioneira nesta linha, Cecília
Almeida Salles.
13

Na seção 3 desenvolvemos uma concisa biografia do autor do manuscrito –


Pedro Nava – especificamente no período que antecedeu a escritura de sua obra
memorialística principal. Observamos o ambiente cultural da cidade de Belo
Horizonte dos anos vinte, os contatos de Nava com os principais mentores do
movimento modernista mineiro e paulista. Ainda neste capítulo, apresentamos sua
produção poética bissexta e ocasional e suas atividades relacionadas às artes
plásticas também referidas no breve relato biográfico. Abordamos ainda a produção
literária anterior à sua obra maior: os dois livros com relatos sobre a história da
medicina brasileira e a biografia d‟O Dr. Torres Homem. Discutimos ainda a opção
que Nava fez, na juventude, entre a literatura e a medicina, destacando a sua vida
profissional como médico reumatologista de renome até sua revelação como exímio
memorialista. A interesante relação entre o ato de escrever e a medicina foi
abordada quando analisamos três autores médicos: o russo Anton Tchecov e os
mineiros Guimarães Rosa e Pedro Nava.
Na seção quatro focamos o personagem biografado por Pedro Nava, o
médico oitocentista João Vicente Torres Homem. Complementamos informações e
dados sobre o objeto da biografia, na qual, Nava realiza uma abordagem bastante
específica, limitada apenas ao método diagnóstico utilizado pelo internista carioca
Torres Homem, ignorando as demais informações sobre a vida do biografado.
Prosseguimos, então, com um cotejamento entre as vidas dos clínicos Pedro Nava e
Torres Homem, seus pontos de convergência e identificação, além de dados que
podem esclarecer os motivos do autor na escolha do biografado.
Finalmente, na seção cinco, descrevemos a história da escritura e os
caminhos seguidos pelo manuscrito d‟O Dr. Torres Homem, mantido inédito até
então. Realizamos ainda a descrição física do documento e apresentamos, por fim,
os critérios utilizados para este trabalho e o estabelecimento do texto propriamente
dito. A dissertação se encerra com as Considerações Finais, que constituem a seção
seis.
14

2 A CRÍTICA GENÉTICO-TEXTUAL: UMA BREVE HISTÓRIA

Muitas vezes, o surgimento de uma ciência ocorre por necessidades


subjetivas, inerentes ao pensamento humano. Outras, têm sua criação fomentada
por confrontos e problemas significativamente reais. Neste segundo grupo encontra-
se a Crítica Genética.
Tal ciência surgiu quando, em 1968, um importante lote de manuscritos do
poeta alemão Henrich Heine foi adquirido pela Bibliotèque Nationale de Paris1 e um
grupo de pesquisadores germanistas, ou de origem alemã, foi encarregado de
organizá-los pelo Centre National de La Recherche Scientifique2 (CNRS). O grupo
deparou-se com significativos problemas metodológicos, durante a análise dos
documentos. O desafio inicial tornou-se um atrativo para outros pesquisadores
gerando seminários internos e grupos de trabalho com o intuito de construir uma
metodologia de trabalho para a análise apropriada dos referidos manuscritos. Esta
primeira fase da recém-criada Crítica Genética foi designada por Almuth Grésillon,
uma das pesquisadoras envolvidas naquele projeto inicial, como “momento
germânico-ascético” seguido, posteriormente, pelo “momento associativo-expansivo”
(GRÉSILLON, 1991, p.2). Nesta segunda fase (1975 ─ 1985), instalou-se o diálogo
deste grupo inicial de pesquisadores com aqueles que também buscavam o estudo
de manuscritos de outros escritores franceses como Zola, Valéry, Flaubert e Proust,
expandindo o foco de estudo. Estes novos focos de pesquisa conduzem à
elaboração de uma metodologia geral, sendo criado um laboratório específico para
esse fim, no CNRS, denominado Institut des Textes et Manuscrits Modernes3
(ITEM). O objetivo deste Instituto era o estudo dos manuscritos que naquele
momento passavam a possuir status de patrimônio cultural disputado, iniciando uma
verdadeira corrida de instituições na busca de acervos.
Esta noção da importância e do valor dos acervos produzidos por grandes
autores foi percebida também no Brasil, sendo seu grande marco a organização do I
Colóquio de Crítica Textual: o Manuscrito Moderno e as Edições na USP, em 1985,
por Philippe Wilemart, sendo fundada, nesta oportunidade, a Associação de
Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML).

1
Biblioteca Nacional de Paris.
2
Centro Nacional de Pesquisa Científica.
3
Instituto de Textos e Manuscritos Modernos.+
15

Uma terceira fase da Crítica Genética, denominada por Grésillon como


“momento justificativo-reflexivo”, pode ser explicada pelo trecho de Salles (2000, p.
11):

Após toda fase conquistadora, como bem o sabemos, há a fase


exploradora, que gera, naturalmente expansão. A partir de meados dos
anos 90, os estudos genéticos estão vivendo uma época de exploração e
alargamento de horizontes. O tempo de reflexões sobre os princípios
fundamentais e legitimidade da disciplina abriu espaço para a ação
transdiciplinar da Crítica Genética.

A Crítica Genética gera uma nova análise textual, deixando rígidas regras
estruturalistas em favor de uma leitura do processo de produção que antecede e
possibilita a obra final. Com isso, descobre-se e toma-se posse de uma vasta região
até então desconsiderada pelos pesquisadores. O objetivo deste tipo estudo
desloca-se para o processo dinâmico de criação, em detrimento ao texto final ou
prototexto4. Desta forma, é importante caracterizar e delimitar este novo objeto de
estudo destacado pela Crítica Genética. Salles (2000, p.31-32) apresenta esta
descrição no seu texto Crítica genética: uma (nova) introduçao:

A Crítica Genética utiliza-se do percurso da criação para desmontá-lo e, em


seguida, colocá-lo em ação novamente. Seu objeto de estudo é o caminho
percorrido pelo artista para chegar (ou quase sempre chegar) à obra
entregue ao público. Essa crítica é o estudo do processo criativo a partir das
marcas deixadas pelo próprio artista ao longo deste processo. [...] Ao nos
depararmos com o objeto de estudo da Crítica Genética diários, anotações,
rascunhos estamos, necessariamente, acompanhando uma série de
acontecimentos, interligados, que levam à construção da obra, estamos
diante de um objeto móvel, um objeto em criação.

O novo foco ou a nova análise faz com que se perceba a obra sob os prismas
dos questionamentos e hipóteses percorridos pelo autor. Como decorrência desta
atenção aos mecanismos de criação das obras literárias, os manuscritos foram
alçados a objetos de desejo de instituições universitárias, centros de pesquisa e até
mesmo colecionadores. Eles se constituiriam em prova da legitimidade e do esforço
deflagrado pelos escritores, chegando a ser uma representação do patrimônio

4
Segundo Jean Bellemin-Noël, prototexto pode ser definido: O conjunto constituído pelos rascunhos,
manuscritos, provas, variantes, visto sob o ângulo do que precede materialmente uma obra quando
esta é tratada como um texto, e que pode estabelecer uma relação com ela. [...] Estabelece-se,
portanto, em princípio que o prototexto é o texto/está dentro dele, e vice versa (1972 apud
GRÉSILLON, 2000, p.149).
16

cultural de um povo ou de uma geração. Da análise destas peças surgirão novos


caminhos e novos olhares sobre uma obra pretensamente pensada e pretensamente
concluída. De acordo com Lobo, apoiada em Greisillon, são estabelecidas
prioridades no estudo dos documentos:

Prioridades são estabelecidas para a análise desses manuscritos: as da


produção sobre o produto, da escritura sobre o escrito, da textualização
sobre o texto, do múltiplo sobre o único, do possível sobre o acabado, da
dinâmica sobre a estacidade, da enunciação sobre o enunciado – da
gênese sobre a estrutura, enfim, o nascimento do texto (LOBO, 2004, p. 3).

A reconstrução dos processos de gênese do texto estudada pela Crítica


Genética poderá ser considerada como uma “biografia da obra” (LOBO, 2004) sendo
esta apenas a última versão de várias camadas da dinâmica criadora.
Citar um breve histórico da teoria da Crítica genética foi importante já que
este trabalho utilizou-se de manuscritos; entretanto, a Crítica textual visitou esta
pesquisa a partir do seu objeto que não foi a análise do processo de criação de
Pedro Nava na obra O Dr Torres Homem. O objeto desta pesquisa foi o
estabelecimento do texto a partir do manuscrito, beirando uma edição paleográfico-
diplomática, ou seja, uma reprodução édita de um manuscrito inédito.
17

3 O MÉDICO-ESCRITOR PEDRO NAVA

Pedro Nava (Juiz de Fora, 1903 – Rio de Janeiro, 1984) ─ provavelmente um


dos maiores literatos brasileiros, cuja longa vida acompanhou grande percurso do
século XX ─ desenvolveu uma obra na qual registrou as memórias – não suas, mas
de grande parte de uma geração. Chegou a correr, no entanto, um grande risco. O
risco de ser identificado como simples personagem coadjuvante nos textos que
descrevessem o Movimento Modernista Mineiro de Belo Horizonte dos anos 1920.
Caso não tivesse se lançado à imensa tarefa com tanta eficiência, construindo
um prolífico e denso texto que são suas Memórias5 (nas quais com segurança e
precisão conduziu uma técnica narrativa que flutua entre a ficção e o registro
memorialístico), Nava seria conhecido somente por fazer parte do grupo de jovens
intelectuais da capital mineira que consolidaram o Modernismo Mineiro
paralelamente aos movimentos modernistas paulista e carioca e como um dos
inúmeros correspondentes de Mário de Andrade.
A capital mineira, cidade projetada sob as orientações higienistas6 e
positivistas na virada do século XIX, viu formar-se um grupo de jovens intelectuais
vindos do interior e mesmo de outros estados ávidos pelas ideias modernistas que
sopravam de outras capitais na interiorana Belo Horizonte. Pedro Nava,
naturalmente, encontrou seus pares como descreve em seu texto Evocação da rua
da Bahia.

Não tenho uma noção exata de como se formou naquela noite memorável
dos 22 a diversão descomunal. Era uma turma enorme e heterogênea [...]
Estávamos eu, Paulo Machado e Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti,
catecúmenos – aprendendo e admirando. E estava o poeta Carlos
Drummond de Andrade, logo preferido, imediatamente amado. Datou desta
noite de poesia e detonações a nossa confraternização e por seu intermédio
é que vi estreitar relações para nele ingressar logo depois, com o grupo de
que faziam parte ou que viriam a fazer parte o poeta ele mesmo, Francisco
Martins de Almeida, Hamilton de Paula, Abgar Renault, João Guimarães

5
A obra memorialística de Pedro Nava é constituída por sete volumes permanecendo o último
inconcluso devido ao seu suicídio em 1984. São: Baú de ossos (1972), Balão cativo (1973), Chão
de ferro (1976), Beira mar (1978), Galo-das-trevas (1981), Círio perfeito (1983) e, finalmente, o
incompleto Cera das almas, publicado apenas em 2003, por ocasião do centenário de seu
nascimento.
6
Ver Memória histórica e descritiva de Belo Horizonte de Abílio Barreto. Fundação João Pinheiro,
1996.
18

Alves, Heitor Augusto de Souza, João Pinheiro Filho, Alberto e Mário Álvares
da Silva Campos, Emílio Moura, Gustavo Capanema, Gabriel Rezende
Passos, Dario Magalhães, João Alphonsus de Guimarães e Miltom Campos
(NAVA, 2003a, p. 366).

Mais tarde, ainda entrariam nesse grupo outros modernos integrantes: Cyro
dos Anjos, os rapazes de Cataguases Guilhermino César e Ascânio Lopes e,
também, Luís Camilo. Esses jovens passariam a ser denominados como o grupo “do
Estrela”7, nome do bar na Rua da Bahia que elegeram para seus encontros. “E
conversávamos perdidamente [...]. Sobre as cartas do Mário, sobre o manifesto do
„pau-brasil‟, sobre os rapazes de Cataguases, sobre o aparecimento de Estética,
sobre o lançamento da Revista, sobre a recuperação das amadas e da poesia do
mundo” (NAVA, 2003a, p.370).
Nava já havia iniciado o curso de medicina em 1921 na Faculdade de
Medicina de Minas Gerais e se integrou ao grupo dos modernistas mineiros no ano
seguinte. Teve seus primeiros contatos com as ideias renovadoras através de
conversas com Carlos Drummond de Andrade e Aníbal Machado, dentre outros
notáveis. Já era terceiranista quando participou de um encontro que o marcaria
profundamente. Dois anos após a Semana de Arte Moderna de 22, a caravana
paulista, que tinha o intuito de redescobrir o Brasil, chega a Minas para as
comemorações da Paixão. Nava e outros integrantes do grupo8 foram recebê-los no
Grande Hotel de Belo Horizonte. Eram capitaneados por Mário de Andrade e a
mecenas paulista Dona Olívia Guedes Penteado9, participando ainda da excursão às
terras mineiras Gofredo da Silva Telles10, Renê Thiollier11, o poeta franco-suíço

7
São divertidos e poéticos os argumentos que Nava nos apresenta sobre a escolha do Bar Estrela
pelo grupo em trecho da Evocação da rua da Bahia: “Porque teríamos elegido precisamente o
„Estrela‟? talvez tivéssemos excluído o café do Bar-do-Ponto pela sua prodigiosa imundície e pela
frequência – perturbadora das conversas – dos heróis da cancha e da zaga, dos homens do Atlético e
do América. O „Fioravante‟ – pela freguesia por demais numerosa – consumidora de sorvete e
degustadora de gasosa. O „Trianom‟, porque aquilo já não era mais um bar. [...] O „ Estrela‟, não... Ali
havia paz. [...] Passávamos a tarde em torno às mesas de cândido mármore” (NAVA, 2003a, p.370).
8
Os poetas Martins de Almeida e Emílio Moura.
9
Representante da oligarquia cafeeira paulista foi importante personagem do movimento modernista
de São Paulo como mecenas e anfitriã de destacado salão frequentado pela intelectualidade
moderna. Nava a descreve “[...] quem poderia? vê-la sem deixar de amá-la. Jamais vi pessoa destilar
tanto encanto quanto essa senhora. [...] Falava baixo e algodoado e parecia se interessar
profundamente por nossas estórias e histórias” (NAVA, 2003b, p.204).
10
Genro de Dona Olívia, casado com sua filha Carolina.
11
René Thiollier (1882 – 1968): Advogado, intelectual e escritor paulista. Membro da oligarquia
paulista, foi um dos principais mecenas da Semana de Arte Moderna tendo sido o responsável por
19

Blaise Cendrars12, Oswald de Andrade13 e sua esposa - a pintora modernista, ícone


do movimento, Tarsila do Amaral - que impressionou intensamente Pedro Nava. O
fato é que, ainda jovem, Nava já possuía forte inclinação e conhecimento de artes
plásticas, intensificando o impacto do encontro.

Ora, deixemos essas futurosidades e voltemos ao salão de cima do


Grande Hotel. Para encontrar a coisa mais linda, senhores! que estava lá;
Tarsilalá do Amaralalá. Vocês já imaginaram? O trem divino e inteligente
como era ela aos trinta e quatro anos. [...] Porque se escrita e na forma
literária o poema antropófago e a prosa antropófaga tinham sempre o
perigo de andar na quina da piada – já a sua expressão em pintura tinha
uma seriedade e um tom trágico que fazem de Antropofagia 1929, da
Negra 1923, da Floresta, de Sono e de Abaporu das telas mais ferozes da
nossa Arte. Perto delas a deglutição do Bispo Sardinha vira simples
degustação de sorvete. Note-se que alguns desses quadros são proféticos
e antecederam o próprio Manifesto (NAVA, 2003b, p.208).

Porém, o contato mais significativo para alimentar, manter e aprimorar uma


linguagem poética e sensibilidade literária de Nava, mesmo em seu largo período de
exercício médico, foi com Mário de Andrade. Pedro Nava antevê a importância que
Mário de Andrade teria em influenciar sua obra. Com ele, manteria prolífica
correspondência14 e sofreria de impregnação estilística em seus primeiros escritos.
Tornou-se amigo de Mário de Andrade e, posteriormente, seu médico até a morte

alugar o Teatro Municipal de São Paulo para o evento com seus próprios recursos. Foi um dos
fundadores do Teatro Brasileiro de Comédias e conselheiro do Liceu de Artes e Ofícios.
12
Blaise Cendrars (La Chaux-de-Fond, Suíça, 1887 – Paris, 1961) pseudônimo de Fredéric Louis
Sauser, novelista e poeta que tendo conhecido Paulo Prado em Paris aceitou convite para conhecer o
Brasil. Influenciou diversos artistas e escritores do modernismo brasileiro, mas também foi
influenciado por Oswald em seus poemas de construção cubista. Nesta incursão mostrou intenso
interesse pela mente doentia do criminoso Febrônio Índio do Brasil, sobre quem escreveu artigos e
um capítulo de livro. Escreveu o poema “São Paulo”: Adoro esta cidade/ São Paulo combina com
meu coração/ nada aqui de tradição/ Nenhum preconceito/ Antigo ou moderno
13
Nava o descreve com reverência: “O Oswald cintilava conversando. Nós ouvíamos tomados da
maior admiração. Admiração por ele, por nós mesmos, de estarmos nos entretendo ali com, no
momento, a maior expressão do Modernismo” (NAVA, 2003b, p.205).
14
As cartas de Mário de Andrade para Pedro Nava (PN) fazem parte de seu acervo e encontram-se
depositadas no Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. São em
número de 10 e cobrem o período de 9 mar. 1925 a 17 jan 1944 perfazendo 14 folhas. São
manuscritas ou datilografadas todas em português. Os assuntos são: Crítica a poemas e desenhos
de PN. Elogio ao retrato de Drummond feito por PN e publicado em A noite de 14 fev. de 1925. Envio
de fotografias de quadros de Tarsila do Amaral. Orientação sobre o estudo de artes plásticas e
oferecimento de livros de artes. Abrasileiramento de linguagem poética e a questão da língua
brasileira. Confessional sobre atividade literária e cultural dos grupos paulista e mineiro.
Considerações diversas sobre o Modernismo e o grupo mineiro. Notícias dos trabalhos em
realização. Alusão a Poemas Cronológicos, do grupo de Cataguases. Anúncio de viagem ao norte do
país. Notícia de desentendimento com Oswald de Andrade; preocupação com o abatimento de
Drummond por motivo da morte de seu filho Carlos Flávio em 21 mar. 1927. Menção à doença de
João Alphonsus. As cartas foram publicadas no Correspondência contumaz. Há dois documentos
reservados segundo vontade expressa de PN.
20

deste. A forte impressão decorrente deste encontro pode ser percebida no trecho a
seguir em que Nava tenta descrever a experiência vivida:

Senti de estalo a imensa simpatia, a amizade em estado nascente e a


enorme influência de sua personalidade sobre o raro que eu escreveria em
moço e o demais que venho fazendo depois que passei da idade. E vi-o
pela vida afora como se estivesse lendo uma bola de cristal (NAVA, 2003b,
p.213).

Marcado por este encontro com o principal núcleo do movimento modernista


paulista, Pedro Nava mostra disposição renovada para a produção de textos e
poemas e na fundação de publicações de características francamente modernistas.
“Esse 1924 seria como um píncaro galgado e um ano simbólico para nós [...]. Todos
sabiam o que não queriam. Ninguém sabia o que queria. Creio que nossa grandeza
estava na divergência” (NAVA, 2003b, p.219).
A participação de Nava no grupo dos primeiros modernistas mineiros se
cristaliza com o evento do lançamento da Revista. Trata-se do terceiro periódico
brasileiro de exclusiva linha modernista, idealizado por Francisco Martins de Almeida
e Carlos Drummond de Andrade, tendo sido o primeiro número publicado em julho
de 1925 pela Tipografia do Diário de Minas. Trazia o primeiro poema de Nava
publicado – O Tejuco entre produções de outros componentes do movimento
belorizontino como Abgar Renault, Emílio Moura, Alberto e Miltom Campos, o editor
Carlos Drummond e uma participação incentivadora de Mário de Andrade. O
segundo número foi ansiosamente publicado em agosto do mesmo ano e o terceiro
e derradeiro (que assim como outras publicações congêneres tiveram curta
existência) foi lançado em janeiro de 1926 contendo também o poema Alegria de
Pedro Nava.
Já adiantado em seu curso médico, concluído em 1927, e que tomava grande
parte de seu tempo assim como seu emprego na diretoria de Higiene do Estado de
Minas gerais, Nava passou a frequentar cada vez menos as tertúlias modernistas
em Belo Horizonte, mantendo, entretanto, uma produção poética de qualidade.
Publicou na hoje mítica revista Verde do movimento modernista de Cataguases, em
novembro de 1927, o belorizontino poema Ventania dedicado “pro Mário”.
21

Ventania15

O vento veio maluco lá do alto do Bonfim


e veio chorando da tristura do cemitério.
Zuniu na praça do mercado
Assuviou as mulatas avenida do comércio
e mexeu nas saias delas.
Arrancou folha das árvores
poeira sungou do chão
depois virou
Soprou
Correu
Danou
e entrou feito uma carga na avenida Afonso Pena

O obelisco cortou ele pelo meio


mas ele foi avuando
e os fios da C.E.V.U. como cordas de viola
vibraram dum som longo
que cobriu Belo Horizonte feito um lamento.

O vento passou desmandado pelo Cruzeiro


Saiu pro campo dobrou a mata
mas de repente
sua disparada para na parede Serra do Curral
e o bicho stopa mas sapeca no morro um sopapo
que estrala que nem ginipapo
que mão raivosa
chispasse num muro curo..

Co-nhe-ceu papudo?

Sua sensibilidade artística também se manifestou de maneira


competentíssima nas artes plásticas. No período de 1925 a 30, Pedro Nava revela
sua interface de ilustrador nas edições de Roteiro lírico de Ouro Preto do amigo
Afonso Arino de Melo Franco, do poema Juiz de Fora do conterrâneo Austem
Amaro e na belíssima edição de Macunaíma onde mostrou uma interpretação
surrealista e onírica na representação da mitologia criada por Mário de Andrade.
Com a colação de grau na Faculdade de Medicina de Minas Gerais, em
janeiro de 1928, Nava teve que fazer uma difícil escolha. A carreira literária e
artística era premente e mostrava-se prazerosa, além de que Nava já havia
demonstrado talento em suas iniciais incursões modernistas. A carreira médica,
porém, exigia disciplina, tempo e dedicação e, principalmente, respeitabilidade que
seus pares muitas vezes não encontravam em homens de ciência que se
entregavam também às musas. Nava certificou esse pensamento quando
manifestou sua indignação a respeito ao realizar discurso, em 1959, por ocasião da

15
Extraído da Revista Verde, Cataguazes, Ano 1, nº 3, novembro de 1927, p. 23.
22

morte de Aloysio de Castro, eminente clínico carioca que tinha a música e a poesia
como atividades paralelas à carreira médica.

E nem se diga a tolice de que nele, como em qualquer outro, a música e a


poesia pudessem ter prejudicado o médico. Uma idéia de tal modo rombuda
só pode buscar sua origem na impotência, na incapacidade, na insuficiência
e na inépcia. Nele, como em todo médico artista, o sexto sentido da poesia
só pode aguçar as possibilidades de adivinhação, de invenção, de
conjectura e vislumbre indispensáveis a quem tem por objetivo a
observação integral deste espetáculo fabuloso que é o homem doente. Não
está perdendo tempo o médico que lê outros livros além de seus tratados,
porque aprende-se tanta psiquiatria nas páginas de um Bleuler como nas de
Shakespeare, a mesma psicologia profunda nos livros de um Freud como
nos de Proust e, em todos os ficcionistas, a vasta experiência humana
que arremata e completa o espírito (NAVA, 2004, p.89).

A primeira atividade do médico recém formado foi designada pelo Chefe da


Higiene com quem trabalhava desde estudante: pesquisar e tratar uma epidemia de
tifo em Caeté, Brumado e Paraopeba. Este mergulho nos grotões das Gerais
funciona como um rito de iniciação na vivência médica que Nava transformaria em
belas páginas de suas memórias. No mesmo ano, em maio, sob os auspícios do
governador mineiro Antônio Carlos, é transferido para sua cidade natal. Nomeado
para chefia do Centro de Saúde, combateu uma epidemia de febre amarela na
região. No entanto, sua amargura com Juiz de Fora16 foi alimentada pela má
acolhida de seus pares, médicos locais, além de ter rejeitada a sua solicitação de
ingresso no corpo clínico da Santa Casa de Misericórdia. Ainda em1928, retorna à
Belo Horizonte, onde instala consultório que mostrava-se promissor, mas abalado
pelo suicídio de sua noiva17, parte para o interior paulista, na cidade de Monte
Aprazível. Ao eclodir a Revolução de 30 e devido ao seu apoio aos chefes mineiros
e à sua recusa de alistar-se no Movimento Constitucionalista, tornou-se inviável sua

16
Nava sempre se refere a Juiz de Fora com uma nota de amargura e ressentimento. Em seus
cadernos de viagem, quando quer descrever alguma construção de gosto duvidoso ou provinciano,
usa sempre a comparação com a sua terra natal, como: “Arquitetura utilitária e sem gosto, do
moderno sintético não por simplicidade mas por economia. Lembra vagamente uma Juiz de Fora.
Uma Juiz de Fora imaginária, com três avenidas Rio Branco, quatro ruas Halfeld e cinco ruas Espírito
Santo.”, e, ainda, “[...] a gruta do leite, feia como um igreja de Juiz de Fora” (NAVA, 1998 , p.57; p.27).
Ilustrativo desta relação de rancor entre o autor e sua cidade natal que provavelmente era de
conhecimento de seus amigos é um breve poema dedicado a Nava escrito por Carlos Drummond em
ata do Sabadoyle de 14 de junho de 1983: ”Meu amigo Pedro Nava / regressou de Juiz de Fora /
Parabéns a Pedro Nava / parabéns a Juiz de Fora”.
17
Citada nas Memórias de Nava como Lenora, Zilah Pinheiro, apesar de ser de família tradicional de
Belo Horizonte, é descrita como uma moça libertária. Em viagem ao Rio de Janeiro, suicidou-se.
Nava soube, somente cinqüenta anos depois, que o motivo do ato foi uma leucemia diagnosticada
naquela cidade.
23

permanência naquela cidade. Finalmente realiza, em 1933, seu antigo plano de


retornar à cidade do Rio de Janeiro, que tanto amava. Trabalhou e participou
intensamente da vida carioca até a sua morte.
Nava manteve sua verve literária mesmo sob os ritos da carreira médica. Em
1938, publicou um interessante poema, rompendo um silêncio de onze anos e
inaugurando um tema que já lhe era caro quando jovem e que, intensificado por sua
vivência médica, tornou-se uma ideia fixa e companheira por toda sua vida, e,
portanto, refletida em toda a sua escritura – a obsessão pela morte, da morte “com
mau gosto”.
O surpreendente poema O defunto, de alguma maneira, resgata o escritor
contido dentro do homem de ciência. É famosa a história em que o poeta chileno
Pablo Neruda, em viagem ao Rio de Janeiro, disse que gostaria de conhecer o autor
de “O defunto” pois em matéria de poesia nada o havia impressionado tanto. Pedro
Nava, nesta ocasião, era considerado poeta ocasional tendo sido incluído em 1946
por Manuel Bandeira em sua Antologia de poetas bissextos contemporâneos.

O defunto18

Quando morto estiver meu corpo,


Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.

Não quero caixão de verniz


Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.
Quero a morte com mau-gosto!

Deem-me coroas de pano.


Deem-me as flores de roxo pano19,

18
Nava recolhe suas lembranças e sensações da infância, de seu primeiro contato com aquela que
viria a ser sua companheira de viagem. O poema O defunto possui uma grande gestação. É clássico
o trecho de Chão de ferro onde o autor descreve sua primeira visão da morte. Em suas primeiras
férias em Belo Horizonte quando foi levado pelo colega Olimpinho ao velório do comerciante Caldeira.
“O corpo estava exposto na sala da frente, de casaca, entre tocheiros e crepes, grandes mãos
calçadas de luvas de pelica da mesma brancura amarelada de sua face de gesso máscara de
Beethoven. [...] Entrei um, saí outro. O eu que saiu – saiu pesado da carga completa de O defunto –
de que só me aliviei um pouco, quando o escrevi nos ainda futuros de 1938: vinte e dois anos de
gestação. Nunca mais esqueci aquele morto por quem rezo até hoje – como rezam os descrentes à
hora em que o pânico lhes faz bater os queixos...” (NAVA, 2003a, p. 109).
19
As flores de pano roxo apareceriam novamente na obra naveana em Balão cativo, quando o autor
descreve os funerais de sua avó juizforana Inhá Luiza, matriarca detestada pelo neto. As flores
24

Angustiosas flores de pano,


Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.

E descubram bem minha cara:


Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A ideia da própria morte.
Descubram bem esta cara!

Descubram bem estas mãos.


Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos,olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram, 20
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?

Foram nelas esboçados


Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.

- Meus amigos! Olhem as mãos


Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.21

- Meus amigos, olhem as mãos!


As minhas e as vossas mãos!
Descubram bem minhas mãos!

Descubram todo o meu corpo.22

representam o que haveria de mesquinho e tacanho no ramo mineiro da família. “A lembrança


daquela sala fechada e cheia das rodas roxas das flores de pano é um dos assombramentos da
minha infância” (NAVA, 2000, p.84).
20
Nova referência nas Memórias sobre a construção do poema O defunto. Um instigante trecho em
que dois alteregos de Nava se cruzam em um lupanar de Belo Horizonte, o indiscutível Egon e o
provável Conselheiro. Este saindo do quarto da prostituta Olinda é observado por aquele que
questiona por onde estiveram suas mãos. “_Nesta hora eu me pergunto onde andaram e que
fizeram? aquelas munhecas... A pergunta tatuou-se dentro da cabeça do segundo naquela noite de
1929. Exatamente nove anos depois, completar-se-ia a gravidez de O defunto e o primo de Egon
escreveria na noite lancinante da Urca o poema que o habitara desde a infância” (NAVA, 1981, p.
397).
21
Melancólica referência ao fato, que seria concretizado muitos anos depois, mas que foi aventado
pelo autor desde a infância. A primeira menção da idéia de suicídio é citada nas memórias de Nava
em sua primeira noite no dormitório do internato e seria elemento frequente em sua escrita nas
memórias. “Vislumbrei então a grande solução e pela primeira vez pensei em me matar. Era só ficar
com a ideia de molho, deixá-la embeber, inchar, tomar conta, que a coragem acaba vindo.
Acabavindo, acabavindo, vindo repentinamente num instante ligação elétrica. E eu voaria por uma
janela de cima para estatelar-me nas pedras da calçada nas lajes do pátio – ave livre livre para
sempre, para sempre forra. Não tem por onde. Resolvido. Achar a ocasião. Descobrindo assim que o
homem a qualquer hora pode ser senhor e dono de seu destino, fiquei sereno” ( NAVA, 2000, p.150).
25

Exibam todo o meu corpo,


E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.

Meus amigos olhem as partes...


Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes...
E, eu quero a morte nua e crua,
Terrifica e habitual,
Com seu velório habitual.
- Ah! O seu velório habitual!
Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.

E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.
Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo...
E assim Solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.

- Meus amigos, lembrem de mim.


Se não de mim, deste morto,
Deste próprio terrível morto
Que vai se deitar pra sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada

Meus amigos, tenham pena,


Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.

22
Pedro Nava possuía grande saber anatômico, tendo sido uma de suas matérias de eleição durante
sua formação médica e que viria ser muito presente na escritura de suas memórias. Marta Campos,
em seu trabalho O desejo e a morte nas memórias de Pedro Nava, cita: “O amor pela Anatomia e o
fascínio pela forma humana resultarão numa inclinação afetiva e sensual pela dissecação do cadáver.
Esta prática tanto se revestirá de um conteúdo erótico quando, ao contrário, a paixão erótica tomará
nele formas de curiosidade analítica, de „animus disecandi‟. Somando-se a isso tudo um espírito
visual próprio e uma memória ótica, o resultado será um forte interesse pela exploração do corpo
humano” (CAMPOS, 1992, p. 62).
26

Olhem bem estes sapatos,


E olhai os vossos também.23

Foram mais dez anos de silêncio literário do médico que se destacava e


buscava construir uma carreira. É efetivado como chefe de Clínica Médica do
Hospital Geral Carlos Chagas onde é admirado pela qualidade de seus relatórios
técnicos. Aos quarenta anos casa-se com Antonieta Penido de família com
tradicionais raízes juizforanas como as suas.
Um abaixo assinado de repúdio ao governo neste mesmo ano de 1943
recebeu o apoio da grande maioria do Grupo do Estrela, que nesta altura vivia e
atuava no Rio de Janeiro, e que recebeu a alcunha de Manifesto dos Mineiros.
Pedro Nava foi um dos principais articuladores e foi precocemente aposentado do
cargo que ocupava na Secretaria de Saúde da Prefeitura como represália. Magoado
(mesmo tendo sido readmitido ao cargo em 1945 após a queda de Vargas), ele
estranhamente cita este fato em Galo das Trevas, como a causa da interrupção na
escritura de sua primeira incursão literária de maior fôlego com pretensões a
publicação: a biografia do médico João Vicente Torres Homem. Objeto desta
dissertação, a escritura deste texto foi iniciada em 06/07/1945 de acordo com
apontamento no próprio manuscrito e será abordada posteriormente.
Em 1947, publicou seu primeiro livro – Território de Epidauro24 pela editora
G. Mendes do Rio. Trata-se de uma reunião de 22 textos sobre a história da

23
A última referência que Nava faz ao poema O defunto está presente em uma de suas derradeiras
entrevistas. Esta foi concedida ao jornalista Edmílson Caminha em seu apartamento na Glória.
Quando questionado sobre se ainda “o fantasma da poesia” ainda o tentava, Nava responde: “- Ainda
tenta, eu é que não consigo. Acho a minha poesia sem espontaneidade, sem aquele alumbramento
que você encontra num Murilo Mendes, num Drummond, num Vinícius, num Bandeira. A gente tem a
impressão de que aquilo é uma possessão, um estado de êxtase. Eu nunca senti isso, a não ser em
dois poemas que fiz: „O defunto‟ e „Mestre Aurélio entre as rosas‟, que foram escritos em um jato.
São poemas longos e quase sem correções. As correções que houve n‟O defunto‟ foram feitas por
Manuel Bandeira que gostava dos versos. Depois eu vi que aquele não era o meu poema. Então
voltei ao ruim, tirei o bom do Bandeira pra vestir minha roupa: ele me dera um smocking emprestado,
eu peguei meu paletó-saco outra vez...”
24
O lançamento do primeiro livro de Pedro Nava, que embora trata-se de temas médicos, possuía
grande carga literária, não passou desapercebido por dois, já destacados, escritores: Raquel de
Queiroz e Carlos Drummond de Andrade. Este último em carta enviada a Nava em 06/09/1947 diz:
“Meu caro Nava, Tive uma grande alegria com seu „Território de Epidauro‟. Nunca me conformei
com o fato de você continuar sem o nome na capa de um livro. [...] Você, muito manhosamente, se
refugiava num bissextismo cômodo, mas essa solução não me satisfazia, nem ao resto da
comunidade de seus amigos. Por isso mesmo, esse „Território‟, tão inteligente, tão rico de
perspectivas para o leigo, a quem você desvenda aspectos pitorescos, poéticos e humanos da
medicina – é uma espécie de pagamento de dívida. [...] Agora você fica intimado a nos dar outros.”
27

medicina no Brasil colônia, suas influências indígenas e as egressas da África,


Portugal e, principalmente, de sua estimada França. Nos dois anos seguintes, como
encartes anexos a uma publicação científica – o periódico Brasil médico–cirúrgico,
Nava publicou os Capítulos da história da medicina no Brasil em fascículos, que
foram posteriormente reunidos em livro. Este foi como uma continuação do
Território de Epidauro discorrendo também sobre o mesmo tema e levando aos
leitores as bases do estilo naveano de escritura que explodiria mais tarde em suas
Memórias. Estão baseados em intensa pesquisa documental, mas, também
preenchido em suas falhas históricas com a criatividade ficcional característica de
Pedro Nava.25
Nesta fase, Pedro Nava iniciou sua especialização em uma área médica
ainda inexistente no país. Após algumas viagens a centros europeus (principalmente
franceses), ele criou o primeiro curso de Reumatologia brasileiro na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Seguindo a construção de sua carreira médica, é
nomeado, pelo colega de faculdade e na época presidente do Brasil - Juscelino
Kubitschek, como diretor do hospital dos Servidores do Estado, um dos melhores
centros médicos da época. Ingressou na Academia Nacional de Medicina e afastou-
se da direção hospitalar em 1957.26
Nava manteve ativa vida profissional como professor universitário, chefe de
serviço, e possuidor de extensa clínica. Segundo o próprio autor referindo-se aos
feitos e êxitos profissionais em forma de curriculum “conquista de várias chefias de

Carta depositada na Fundação Casa de Rui Barbosa sob o código Cp038 do Inventário do Arquivo
Pedro Nava.
25
Em entrevista a Edimílson Caminha, Nava comenta sobre a escritura destes primeiros livros sobre
assunto médico histórico: [...] Tive um período literário muito curto com o grupo de modernistas de
Minas Gerais, quando me liguei a amigos que tenho até hoje, como Drummond e Afonso Arinos.
Evidentemente que eu escrevia, não era insensível à beleza de uma frase, à beleza da coisa escrita.
E já tinha mesmo, muito mais cedo, muito antes de conhecer este pessoal, o hábito da leitura.Minha
obra médica é bastante grande, tenho algumas centenas de trabalhos publicados. [...] De modo que
escrevi minha vida inteira, sempre com a preocupação de escrever bem: nunca assinei trabalho de
colaboração que não fosse escrito por mim. Quem bateu a máquina, quem deu forma aquilo fui eu.
Tenho dois livros anteriores aos de memória, sobre história da medicina, a que não dou grande valor
porque foram feitos às pressas, eu estava interessado num concurso para uma cadeira de história da
medicina. São livros fabricados, não foram escritos como minha obra memorialística. Nessa eu
procuro dar o melhor que posso, o mais trabalhado possível” (CAMINHA, 2003, p.18-19).
26
Nava sempre vislumbrou um mundo de perseguições e traições dentro da área médica, entre seus
colegas, alunos e até mesmo pacientes. Uma intolerância mordaz e o conceito de “lobo-homem” o
perseguem durante a vida e reflete-se em suas escrituras: “Meu ano de doutorado, como numa
preparação para a vida profissional, trouxe-me grandes alegrias e grandes mágoas. Aquelas criadas
por mim, para mim, estas, pelo próximo sempre ou quase sempre adversário. Ah! Os homens são
naturalmente inimigos uns dos outros. Quando amigos – esse estado tem os caracteres da
instabilidade dos armistícios” (NAVA, 1979, p. 378).
28

serviço, livre docência, duas cátedras, professorado emérito e honoris causa, três
academias, sociedades estrangeiras, presidência de sociedade continental” (NAVA,
1979, p. 373). Chegou à aposentadoria carregando sua habitual amargura e
entregou-se àquela que foi sua maior realização – a escritura de um monumento –
suas memórias27. Os motivos para a confecção destas são descritos pelos
estudiosos do autor em várias frentes: dívida consigo mesmo, catarse psicanalítica,
atividade para não enfadar os amigos e ocupar o tempo de aposentado, impacto da
morte da mãe, cura para a solidão. Possivelmente os motivos são vários e as
diferentes opiniões podem estar corretas, mas é coerente pensarmos que Nava
buscava um resgate de um papel social e artístico que provavelmente acreditava
perdido devido às suas escolhas. Marta Campos cita como possível justificativa para
o início deste projeto:

No caso de Pedro Nava, poeta bissexto, as memórias são a culminação e a


justificação de uma ascenção social e intelectual, um bem, assim como um
exemplo de acumulação de capital intelectual e social que deve, a seu ver,
ser admirado, quando não copiado. [...] Elas são também a coroação de sua
carreira, bem como a compensação das perdas sociais sofridas na infância.
Nesse sentido, elas marcam ainda seu lugar social, garantindo-lhe na
prática, reproduzir a posição social da classe com a qual sempre se
identificou (CAMPOS, 1992, p.73).

Nava, por sua vez, organizou vários motivos para justificar a empreitada que
propôs a si. Boa parte de seus argumentos constituem-se em:

Meu plano inicial não era escrever cinco volumes: eu queria escrever um
livro de lembranças familiares, de fatos que eu conhecia, mas meus irmãos
ignoravam. Seria um livro clandestino, para correr dentro da família. Os
originais eu dei pra ler ao Fernando Sabino, a Otto Lara Resende e ao
Drummond, e a opinião deles foi que eu deveria continuar no mesmo tom,
escrevendo minhas memórias. Foi o que aconteceu. [...] Veja como eu fui
levado pelo meu próprio roteiro, pelo que eu queria escrever. Aquilo
provocou em mim uma série de caminhos, uma abertura pra novas

27
As memórias de Pedro Nava foram o grande acontecimento literário dos anos setenta, sucesso de
crítica e público desde o primeiro volume. Escritas em um pequeno espaço de tempo foram lançadas
a partir de 1972 com o inaugural Baú de ossos inicialmente publicado pela editora Sabiá de
propriedade de Fernando Sabino. A segunda edição deste e a publicação dos demais volumes
passaria a ser realizada pela José Olympio Editora sendo: Balão cativo (1974), Chão de ferro
(1976), Beira mar (1978), Galo das trevas (1981), Círio perfeito (1983) e o póstumo e inconcluso
Cera das almas publicado na ocasião do centenário de seu nascimento pela editora Ateliê em 2003.
29

estradas, uma coisa extraordinária. Foi uma experiência fascinante, essa


viagem dentro de mim mesmo. Vi que tinha mais coisa pra contar do que eu
próprio supunha [...] (CAMINHA, 2003, p. 12).

Independente de seus argumentos, racionais ou encobertos, o fato é que


Nava – o escritor que viveu restrito no “grande gessado” do médico respeitável por
décadas – construiu uma obra única na literatura nacional “verdadeiro monumento,
desses que se levantam de cem em cem anos”28. Pensamos, portanto, que no ocaso
de sua carreira e de sua vida, Pedro Nava percebeu que somente a arte pode criar
um universo de consolação e verdade que sobreviverá enquanto existirem os
homens.29

3.1 POR QUE OS MÉDICOS ESCREVEM?

A saúde é o silêncio do corpo. Silêncio, equilíbrio e normalidade. Cedo ou


tarde este equilíbrio é quebrado e somos lançados a outro mundo, como nos informa
Susan Sontag na introdução de seu livro Doença como metáfora:

A doença é a zona noturna da vida, uma cidadania mais onerosa. Todos


que nascem têm dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes.
Apesar de todos preferirmos só usar o passaporte bom, mais cedo ou mais
tarde nos vemos obrigados, pelo menos por um período, a nos
identificarmos como cidadãos desse outro lugar (SONTAG, 2007, p.11).

Nesse momento, o corpo começa a falar de diversas formas. São “as vozes
misteriosas do corpo” (SCLIAR, 1996, p.7) – estertores, sopros, arritmias – e mais:
dores, espasmos, sangramentos, febres. Todas essas vozes transformam-se em
angústia, e a angústia em medo, e o medo em palavras.
Estas palavras serão pronunciadas pelas pessoas agora afastadas de seu
equilíbrio: em quartos, consultórios, ambulatórios e enfermarias. Médicos ao escutá-

28
Depoimento do crítico, ensaísta e jornalista Francisco Assis Barbosa (Guaratinguetá, 1914 – Rio de
Janeiro, 1991) (apud CAMINHA, 2003, p.11).
29
Dado e informações biográficas sobre Pedro Nava referenciados pela publicação Inventário do
arquivo Pedro Nava. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2001.
30

las irão traduzir, analisar, computar, discutir, apresentar a colegas e, finalmente,


escrevê-las. Produzirão anamneses, evoluções clínicas, relatórios, receitas, exames.
Escrever para os médicos é uma rotina, uma obrigação constante, podendo
ser seu suplício ou salvação, diante da ansiedade de convívio com a doença, o
sofrimento e a morte. O médico poderá, então, recorrer à poesia e à ficção em
busca de uma nova forma de suportar tal ansiedade, para seguir preenchendo
anamneses, relatórios e evoluções clínicas.
Medicina e literatura caminham juntas de certa forma desde que iniciaram os
registros dos primeiros médicos. Sejam em placas de argila, papiros, pergaminhos
ou telas de computador. O primeiro aforismo do Pai da Medicina – Hipócrates30 –
nascido na ilha grega de Cós por volta de 460 a.C., que registra “A vida é curta, a
Arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganadora, o julgamento difícil”
(SCLIAR, 1996, p.30) poderia muito bem ser aplicado também à arte de escrever.
Os médicos escrevem desde sempre, sendo natural que isso aconteça, pois vivem
no mundo da palavra escrita. Mas haveria uma ligação específica e causal entre
literatura e medicina? Não foram poucos os que se empenharam em mesclar ciência
e literatura, racionalidade e ficção. Podemos citar Céline31, Rabelais32, Conam
Doyle33, Somerset34, Jorge de Lima35, Gastão Cruls36, Dyonélio Machado37, Nise da
Silveira38, Lobo Antunes39 e Miguel Torga40.

30
Hipócrates de Cós: (460 a.C. – 375 a.C). Médico grego considerado o “Pai da Medicina”. Estudou e
lecionou na escola médica da cidade de Cós. Embora pouco se saiba de sua vida, segundo Platão e
Aristóteles, era considerado um grande médico e um homem de caráter e ideais nobres. Seus
conhecimentos de anatomia eram restritos ao aspecto externo do corpo humano embora tivesse
noção detalhada de osteologia; desta maneira seu entendimento clínico das doenças internas era
vago. A fisiologia hipocrática era baseada no humoralismo e sua terapia tinha por preceito restaurar o
equilíbrio humoral. Hipócrates elaborou um código de ética médica que impunha a seus discípulos e é
celebrado até os dias de hoje pelos médicos em formação como o Juramento de Hipócrates.
Atribuem-lhe a autoria de oitenta e sete tratados médicos que constituem a Coleção hipocrática.
31
Louis Ferdinand Céline (Coubervoie, 1894 – 1961) escritor e médico francês especializado em
obstetrícia. Sua obra mais aclamada é Viagem ao fundo da noite. No entanto, seu posicionamento
antissemita foi motivo da acusação por parte de Sartre de colaboracionismo com o nazismo na
ocupação francesa, o que talvez não seja realidade. Praticava o pensamento de Schopenhauer e
citava o famoso aforismo “o amor é o infinito ponto fora de alcance”.
32
François Rabelais (Chinon, 1494 – Paris, 1553). Escritor, padre e médico francês do
Renascimento. Suas principais obras são Gargântua e Pantagruel, obras cômicas que exploram
lendas, contos populares e, também clássicos. A linguagem escatológica é uma constante em seus
livros usada de maneira farsesca. A obra de Rabelais tem por característica as manifestações de
crença na capacidade humana simbolizada pelo gigantismo de seus principais personagens.
33
Sir Arthur Ignatius Conan Doyle (Edimburgo, 1859 – Crowborough, 1930). Escritor e médico
britânico mundialmente famoso por suas 60 histórias sobre o detetive Sherlock Holmes, um marco na
literatura policial. Prolífico, escreveu ainda peças, novelas históricas, ficção científica e poesia.
31

Antes de perderem a posição aristocrática que possuíam nos séculos


passados, os médicos europeus costumavam ter uma educação ampla e sofisticada,
mesmo porque a informação médica, existente naquela época, era limitada e
passível de ser dominada com certa facilidade, restando, portanto, tempo e
disposição para matérias humanísticas e literárias. Perdeu-se de algum modo esta
relação mais íntima da medicina com as artes humanísticas à medida que aquela
adquiriu um caráter tecnicista e impessoal.
Refletindo sobre a interrogativa “por que os médicos escrevem?” optamos por
dialogar com três notáveis escritores-médicos que conseguiram desenvolver uma
estética literária própria e criativa. Trataremos sobre o russo Antón Tchekov e os
mineiros João Guimarães Rosa e Pedro Nava, buscando compreender melhor a
relação entre o ato de escrever e a medicina.

3.2 TRÊS OLHARES MÉDICOS SOBRE A LITERATURA

3.2.1 A morte – uma constante em Tchekov

34
Wiliam Somerset Maughan (Paris, 1874 – 1965). Médico e escritor inglês, famoso romancista e
dramaturgo. Frasista célebre como em: “O amor é um sórdido embuste pelo qual a natureza nos leva
a continuar a espécie”.
35
Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares, 1893 – Rio de Janeiro, 1953). Político, médico, poeta,
ensaísta, romancista, tradutor e artista plástico brasileiro. Possuía um consultório-ateliê na Cinelândia
que era ponto de encontro de intelectuais como Murilo Mendes, Graciliano Ramos e José Lins do
Rego. Teve como obra de destaque A invenção de Orfeu.
36
Gastão Cruls (Rio de Janeiro, 1888 – 1959). Médico sanitarista. Dirigiu a revista literária Boletim de
Ariel, publicou romances e contos, notadamente sobre a realidade amazônica.
37
Dyonélio Machado (Quaraí, 1895 – Porto Alegre, 1985). Médico e militante comunista brasileiro,
atuou como escritor, jornalista, ensaísta e romancista. Um dos principais expoentes da segunda
geração do modernismo nacional. Seu trabalho mais aclamado é Os ratos.
38
Nise da Silveira (Maceió, 1905 – Rio de Janeiro, 1999). Renomada médica psiquiatra brasileira,
aluna e correspondente de Carl Jung. Posicionou-se contrária às terapias aplicadas em
esquizofrênicos, como eletrochoque, confinamento, choque insulínico e lobotomia. Através da arte
desenvolvida pelos internos criou interessantes estudos sobre semiótica e mitologia do inconsciente
coletivo. Possui vasta obra científica e literária sobre o tema.
39
Antônio Lobo Antunes (Lisboa, 1942). Médico psiquiatra serviu como tenente médico durante a
Guerra do Ultramar em Angola. Publicou posteriormente os sucessos Memória de elefante e Os cus
do Judas.
40
Miguel Torga. Pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha (São Matinho de Anta, 1907 – Coimbra,
1995). Foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX. Contista, ensaísta e
romancista ainda manteve a atuação em sua especialidade – otorrinolaringologia - por toda sua vida.
A obra de Torga traduz sua inconformidade contra injustiças e o abuso de poder. O pseudônimo foi
criado em homenagem a Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno e Torga é uma planta rústica
comum em Portugal.
32

Formado em medicina já aos 20 anos, Anton Tchecov atendia a população


empobrecida de sua Rússia natal, tendo contato com todas as privações e a
dramática vida dos socialmente pequenos. Como forma de sustentar sua família, em
franca decadência econômica, vendia contos para revistas e jornais. Seu talento
começou a adquirir notoriedade quando conquistou o prêmio Púshkin41, em 1888.
Mais do que um teatrólogo - A gaivota, Tio Vânia e O jardim das cerejeiras são
algumas de suas peças mais conhecidas - Tchekov considerava-se um contista.
Seus contos são marcados por um tom dramático e poético, lírico e melancólico,
construídos com poucos, mas essenciais, elementos, os chamados shortstory42.
Interessava-lhe o homem, suas imperfeições, limitações sua fraqueza diante da
finitude e a beleza imperceptível do cotidiano. Por ocasião de uma reunião em sua
escola de medicina, Tchekov falou sobre o impacto que sua formação médica teve
em sua maneira de escrever:

Ela ampliou de maneira significativa a abrangência das minhas observações


e enriqueceu meus conhecimentos de um modo cuja importância para mim
como escritor só um médico pode avaliar. Sua influência também me serviu
de guia; a intimidade que estabeleci com a medicina provavelmente me
impediu de cometer muitos erros. A familiaridade com as ciências naturais e
com o método científico fez com que me mantivesse sempre alerta. Procuro
sempre que possível, levar em conta as informações científicas, e quando
isso não foi possível, preferi simplesmente não escrever. Não sou um
desses escritores que negam o valor da ciência, e não gostaria de ser um
desses que se julgam capazes de descobrir tudo sozinhos (MALCOLM,
2005, p.104).

Tchekov começou a apresentar os primeiros sintomas de tuberculose


pulmonar já aos 24 anos e essa doença o acompanhou por toda a sua vida
levando-o à morte em 1904, com apenas 44 anos. Em 1886, ele escreveu aturdido
a um amigo “[...] estou doente. Tenho cuspido sangue e sinto muita fraqueza. Não
tenho escrito nada... Devia ir para o sul, mas não tenho dinheiro” (MALCOLM, 2005,
p. 105). Sua negação a respeito da doença que o matou precocemente não pôde ser
afastada de sua incrível obra, pois os contos e peças de Tchekov possuem como
elemento constantemente presente a morte. Ela estará presente em quase todas as

41
O Prêmio Pushkin foi criado em 1881 pela Academia de Ciências da Rússia com o intuito de
homenagear o escritor e poeta russo Alexander Pushkin (1799 – 1837). Este prêmio é anualmente
concedido aos escritores russos que alcancem a excelência literária. Foi interrompido durante o
regime soviético, sendo reiniciado em 1989.
42
Estórias curtas.
33

suas obras, como fato palpável, possibilidade premente ou sensação opressiva aos
personagens. Em seu conto “Uma história anônima” (1893) o narrador – um
tuberculoso - relata: “A vida só nos é concedida uma vez, e queremos vivê-la de
maneira ousada, com plena consciência e beleza” (MALCOLM, 2005 p. 118).
Seria reconfortante para nós pensar que Tchekov teria alcançado um
equilíbrio entre suas duas artes: a literatura na qual revolucionou a estrutura do
conto e do teatro dando uma leitura moderna e ágil a esses gêneros e a medicina
com a qual conheceu a fundo a complexidade e os dramas da sociedade russa. Em
correspondência a um amigo Tchekov diz: “A medicina é a minha esposa legítima e
a literatura é a minha amante; quando uma me cansa, passo a noite com a outra”
(MALCOLM, 2005, p.105)

3.2.2 O viver perigoso de Rosa

Guimarães Rosa habitualmente é lembrado como diplomata; poucos sabem


que se formou médico pela então Faculdade de Medicina de Minas Gerais em 1930,
dois anos depois de Pedro Nava; com grande esforço de uma família pobre da
pequena Cordisburgo. “As pessoas não morrem, ficam encantadas” teria dito em seu
primeiro ano de curso na ocasião do enterro de um colega. Repetiria essa mesma
frase mágica 41 anos depois em seu perturbador discurso de posse na Academia
Brasileira de Letras. Posse que postergara por quatro anos apesar de ter sido eleito
por unanimidade em 1963 devido a um estranho pressentimento que tinha de que
não resistiria a ela.
Dono de uma escrita única, resultado de longa observação da realidade, sua
atuação como médico, iniciada em uma pequena e precária localidade em Minas –
Itaguara –, com certeza forneceu-lhe rico material para construção de suas
enigmáticas estórias. Um exemplo de como sua relação com os tipos das Minas
Gerais profunda refletiu-se em sua obra é o personagem Seu Quelemén de Góis
que o autor utiliza como conselheiro de Riobaldo no incomparável Grande sertão:
veredas. Este personagem seria baseado em um raizeiro – Seu Nequinha de
Itaguara, com quem Rosa dividiu a função de tratar da saúde do povo da cidade e
por quem tinha grande afeição. Talvez, porém, pela sua enorme sensibilidade e pela
34

impossibilidade de dar fim a tanto sofrimento testemunhado, após dois anos, Rosa
resolve afastar-se da clínica diária junto à população do local.
O conto Campo geral, descrito como poema pelo próprio Guimarães Rosa e
um dos mais enigmáticos da literatura brasileira, contém uma das passagens mais
sensíveis na obra Roseana: trata-se do relato de uma família isolada nos Mutuns e
do relato da figura central do menino Miguilim e seu desajuste em relação ao mundo.
Este fato surge como um relato do despertar do autoconhecimento, quando Dito,
irmão de Miguilim, sofre um ferimento no pé, evoluindo para um quadro de tétano
que o levaria à morte. A descrição do quadro mescla a correção no elencamento dos
sinais e sintomas de um quadro progressivo de tétano com a mais pura poesia.

Meu-deus-do-céu, e o Dito já estava mesmo quase bom, só que tornou


outra vez a endefluxar, e de repente ele mais adoeceu muito, começou a
chorar – estava sentindo dor nas costas e dor na cabeça tão forte, dizia que
estavam enfiando um ferro na cabecinha dele. [...] Mas o Dito, de repente ,
pegava a fazer caretas sem querer, parecia que ia dar ataque. Miguilim
chamava Vovó Izidra. Não era nada. Era só a cara da doença na carinha
dele. [...] O Dito estava com jeito: as pernas duras, dobradas nos joelhos, a
cabeça dura na nuca, só pra cima ele olhava. [...] O Dito olhava triste, sem
desprezo, do jeito que a gente olha triste num espelho. - „Mas depois tudo
quanto há cansa, no fim tudo cansa [...]‟ (ROSA, 2006, p. 98).

Resolveu assumir sua cadeira por direito na Academia Brasileira de Letras em


novembro de 1967, fazendo seu famoso discurso com a voz embargada afirmando:
“[...] a gente morre é para provar que viveu”. Três dias depois, não resistindo a tal
carga de emoções, morreu aquele médico escritor43 que levou o romance brasileiro
por caminhos inéditos até então. De fato, “viver é muito perigoso” como ele mesmo
vaticinou.44

43
João Guimarães Rosa foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 6 de agosto de 1963, mas
adiou sua posse até 16 de novembro de 1967 quando já contava com 59 anos; quatro de seus sete
tios morreram aos 58 anos e ele receava muito passar por esta idade. Nesta época também foi
candidato ao Nobel devido à indicação de seus editores alemães, italianos e franceses aumentando
em muito o turbilhão de emoções que atravessava. Em um domingo 19 de novembro faleceu em sua
casa devido a um infarto cardíaco fulminante apenas 3 dias após ter tomado posse da cadeira 2 da
ABL na sucessão a João Neves da Fontoura.
44
Dados e informações biográficas sobre Guimarães Rosa obtidos em Cadernos de literatura
brasileira: Gumarães Rosa. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2006.
35

3.2.3 A escrita hemorrágica de Nava

Por causa da medicina, contive muito tempo o que


havia de literário em mim. Mas minhas memórias
estouraram feito aneurisma (NAVA).

Pedro Nava iniciou a escritura de suas monumentais memórias aos 65 anos,


quando se aposentava de uma carreira médica sólida tendo sido o precursor do
ensino da reumatologia no Brasil e possuindo uma clínica extensa. Sua atuação na
medicina foi pragmaticamente descrita por ele no discurso de posse na Academia
Nacional de Medicina em 1957:

Clínico da roça, fui médico, operador e parteiro. Fui delegado de política


sanitária e chefe de posto epidemiológico. Conheço todas as clínicas – a de
“lombo de burro” que experimentei no interior de Minas, a de caminhão e de
fordes que pratiquei no Oeste Paulista, a clínica dura do subúrbio carioca e
a clínica elegante dos arranha-céus do centro [...]. Vi todas as agonias do
corpo e da alma. Todas as misérias do pobre corpo humano. Todas as suas
dores, todas as suas desagregações, todas as suas mortes (NAVA, 2003c,
p.76).

Dizia “ter sido levado à medicina com a idéia de combater a morte” sendo a
medicina “mais uma meditação sobre a morte do que sobre a vida” (GT, 1981, p. 8).
Sua vasta experiência na profissão que escolhera - talvez por influência de
seu pai que também era médico e morreu devido a uma pneumonia adquirida
durante a prática - seu imenso senso de observação e sua capacidade em criar
metáforas e analogias se refletem intensamente nos seis volumes de suas ricas
memórias. Nava sempre foi um obcecado pela morte, possuindo dela uma incômoda
e constante consciência. Quando menino desenterrava macacos e pássaros para
observar a decomposição orgânica de seus corpos. Mais velho, conseguiria
imaginar, a cada dia após o sepultamento, o estágio em que se encontrariam seus
mortos, como se a terra do cemitério fosse “translúcida”. Sofria com a certeza de que
a vida e a morte estavam impregnadas uma da outra. Marta Campos45, observa o
drama perene de Nava:

45
Marta Campos desenvolveu um interessante trabalho em sua tese de doutoramento pela
Universidade Federal do Ceará em intercâmbio com a Universidade de Colônia, abordando uma
punjante interface naveana como tema de O desejo e a morte nas memórias de Pedro Nava. Tese
defendida na Alemanha, em 1992.
36

O medo consciente da morte é recalcado pelos homens e sublimado


através das mais diversas atividades humanas, entre elas a ciência e a arte.
Se a maior parte da humanidade prefere não pensar sobre a morte, há
aqueles que não deixam de se ocupar constantemente sobre o tema. O
medo da morte não lhes dá trégua e suas vidas se tornam dominadas por
ele. Pedro Nava foi destes homens. Sua ligação com a morte era tão grande
que sua vida e sua obra podem ser vistas como uma tentativa de vencê-la.
O medo da morte é confessado claramente em diversas passagens de suas
memórias e se revela como algo de dimensões extraordinárias, um terror
manifestado em visões de mortos, sonhos e imagens fantasmagóricas
(CAMPOS, 1992, p.127).

Trechos emblemáticos, tocantes e poéticos em que lida com assuntos tão


perigosos como a doença e a morte são incontáveis e, diria, uma das características
de sua inquietante obra. Utilizava a terminologia médica com destreza em suas
memórias, oscilando do irônico ao rascante. O trecho a seguir, retirado do volume
Galo das trevas, relata um episódio em que o autor narra o encontro com Biluca,
uma antiga namorada de Belo Horizonte e que estava gravemente doente.

Foi direto à salinha de exame. Na mesa a doente dormia. Sua cabeça


molhada de suor, pesando no travesseiro, mostrava restos rarefeitos dum
cabelo que devia ter sido louro e que agora era só de um amarelo sujo e
embaçado. Sua pele parecia pergaminho esticado sobre o rosto, as narinas
afiladas e dava a impressão de ser curta para recobrir os dentes intactos
que luziam brancos e duma espécie de transparência de opalina. Toda sua
caveira se adivinhava nas saliências dos rebordos orbitários dos zigomas,
na depressão das têmporas, nos lábios finos, entretanto pendentes para o
lado que ela inclinava a cara e amarelos como a língua que se via. Sua
palidez era a um tempo esverdeada e cor de cinza. [...] As narinas batiam.
Fácies hipocrático [...] labra pendente; morte iminente – pensou o médico ao
mesmo tempo que o invadia um mal-estar [...] Adiantou-se, fez seu primeiro
gesto de exame; e tocou numa testa molhada dum intervalo de
defervescência, espantou da cariciosidade que lhe ia na mão que ele sentia
tremendo e tão gelada como as extremidades pés e quiros daquele quase
cadáver que tinha à sua frente. Foi quando a doente abriu os olhos que ele
sentiu-se vacilar. Como ele os conhecia e reconhecia – largos, negros,
veludosos, intactos na sua beleza – os olhos que ele não via desde a rua
Niquelina.
- Biluca...
- Ah! Gonzinho, eu num queria que tu me visse assim. Por isso é que eu
num queria ser examinada...
- Agor‟eu já vi meu bem! Cê tá linda como sempre. Agora deix‟eu texaminar.
[...]
- Tosse um pouco, minha filha. Diz trintaitrês, minha filha. Alto, minha filha.
Mais alto, minha filha. Agora baixinho, minha filha. Mais baixinho, minha
filha, como se você estivesse me dizendo um segredo ... só pra mim –
minha filha...
Quando a Irmã Salésia entrou a doente estava com os olhos cheios de
lágrimas e o médico enxugava os seus e assoava com estrondo (NAVA,
1981, p. 412).
37

Mesmo em trechos em que aparentemente a medicina não seria o corpo do


assunto, Nava utiliza métodos intertextuais impregnando poeticamente sua escrita
com o universo médico – O vinho “é gratificante como hemorragia às avessas” (BM,
1979 p. 128). O domínio da língua e o jogo entre a linguagem técnica e a poética é
uma de suas mais fortes características e prova de sua genialidade.

A influência médica é em mim total. Eu não julgo, diagnostico. Eu


não aconselho, nem opino: prescrevo e receito. Eu não olho, nem
vejo: inspeciono. Eu não seguro, nem passo a mão: toco, apalpo,
percuto. Tendo todos os sentidos voltados para o modo de ser
médico, minha literatura sofreu inevitavelmente a marca que a minha
profissão deixou em mim (NAVA, 1983).

Sabemos que esse empreendimento não é simples - compreender a fina


relação entre a medicina e o ato de escrever. Moacyr Scliar46, que também foi um
atuante médico, grande e prolífico escritor, viveu esta mesma dualidade. Sua
especialização e trabalho em saúde pública colocou-o intimamente em contato com
47
o sofrimento e o medo humanos. Consultado por mim por email quando iniciei as
leituras e pesquisas sobre os motivos que levam os médicos a enveredarem na
literatura, ele foi assertivo e elencou os que lhe pareciam claros:

[...] Além da ansiedade resultante do confronto diário com a doença e com a


morte, outros motivos levam o médico a escrever: 1) a familiaridade com a
narrativa, que resulta das anamneses; 2) a familiaridade com os livros e
com o texto escrito; 3) a necessidade de conhecer profundamente o ser
humano e, 4) em maior ou menor grau, uma vocação literária (SCLIAR,
2010).

46
Moacyr Jaime Scliar (Porto Alegre, 1937 – 2011). Filho de imigrantes judeus russos foi educado em
escolas judaicas e posteriormente católicas. Forma-se em medicina no rio Grande do Sul em 1962
fazendo residência de clínica médica e medicina sanitária. Inicia sua produção literária no mesmo ano
em que se graduou com um relato das experiências vividas enquanto residente médico – “Histórias
de um médico em formação”. Sua extensa obra é marcada pela presença constante do imaginário
fantástico, pela cultura judaico-cristã e é claro pela presença do universo médico. Traduzido em
vários países, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2003 ocupando a cadeira de número
31.
47
Esta consulta a Moacyr Scliar foi realizada através de correio eletrônico em 20/09/2010 tendo sido
generosamente respondida no mesmo dia pelo autor. O escritor infortunadamente faleceu menos de
seis meses depois (27/02/2011) em virtude de complicações cirúrgicas, em Porto Alegre onde sempre
viveu e trabalhou.
38

Portanto, parece-nos que medicina e literatura, ao tratarem de material tão


amplo e intenso, mas, ao mesmo tempo muito desconhecido, naturalmente
aproximam-se. Os bons médicos são antes de tudo humanistas e, ao se lançarem
no terreno literário, estariam buscando algo que somente a medicina não teria lhes
dado – uma melhor compreensão da vida humana.
39

4 O MÉDICO TORRES HOMEM

O personagem abordado por Nava em seu texto era um médico humanista,


galicista e erudito; assim como o próprio autor. Devido a uma postura
eminentemente positivista, a biografia gerada não contempla algumas informações e
dados significativos do biografado. Após consulta de fontes48 sobre João Vicente
Torres Homem, reunimos as informações abaixo expostas com o objetivo de
enriquecer e melhor desenhar o perfil deste personagem.

4.1 A BIOGRAFIA DE UM MÉDICO DO IMPÉRIO

Pedro Nava, em sua primeira incursão literária49 em prosa, opta pelo gênero
biográfico e desenvolve um texto, no mínimo, sui generis para tal. O tradicional
desenvolvimento biográfico abordando dados sobre origem, linhagem, laços
familiares, aspectos físicos, hábitos e mesmo anedotas são descartados. O leitor
que busca este tipo de informação a respeito do biografado encontrará pouco em
que se apoiar. Esses dados são sumariamente preteridos por Nava. O autor mantém
uma postura francamente positivista, embora algo tardia, priorizando as ideias
humanas em relação à vida cotidiana, considerada menor.
O que é abordado em um texto de 251 laudas manuscritas e dactiloscritas,
desenvolvidas e revisadas à exaustão pelo autor, restringe-se ao método de
diagnóstico do clínico João Vicente Torres Homem, método este desenvolvido sob a
influência do cientificismo corrente na segunda metade do século XIX e que se
baseava na observação e correlação entre o órgão ou tecido lesado e sua
consequência patológica. Nava apresenta-nos o médico do Império em ação.
Descreve com tanta competência a propedêutica desenvolvida por Torres Homem,
que é como se estivéssemos presentes em seu consultório, na enfermaria de Santa
Isabel da Santa Casa ou na residência de seus clientes durante um atendimento

48
Utilizamos como principal fonte informativa de dados biográficos de João Vicente Torres Homem, a
obra de Orlando Sattamini-Duarte, Um médico do Império, de 1957. Nesta obra o autor se utiliza de
vasta bibliografia coletada em publicações contemporâneas ao biografado.
49
A escritura da biografia O Dr. Torres Homem foi iniciada por Pedro Nava em 1946 de acordo com
datação registrada na página de abertura do manuscrito em questão. Os dois primeiros livros
publicados – Território de Epidauro e Capítulos da história da medicina do Brasil - tiveram
escritura e publicação em 1947 e 1949, respectivamente.
40

médico. Esta descrição do método, infelizmente, quedou incompleta, pois foram


produzidos por Nava apenas os dois primeiros capítulos dos quatro pretendidos50.
Buscando complementar algumas informações a respeito do biografado, que
não são oferecidas pelo texto de Nava, reunimos alguns dados sobre o médico João
Vicente Torres Homem ou o Barão Torres Homem.
Nasceu no Rio de Janeiro, então conhecida como cidade de São Sebastião e
capital do Império do Brasil, em 1837. Ele manteve uma estreita relação com o Rio
de Janeiro onde obteve sua formação, trabalhou e morou por toda a sua vida. Era
possuidor de um caráter notadamente citadino em um país ainda majoritariamente
rural. Neste momento, a população brasileira não alcançava cinco milhões de
habitantes, cuja terça parte era composta de africanos escravizados.
Recebeu forte influência de seu pai Joaquim Vicente de Torres Homem que
também era médico. O pai, egresso da aristocracia rural campista, possuía recursos
que possibilitou sua permanência por dez anos em Paris onde estudou humanidades
e medicina. Foi aluno de grandes mestres franceses como Dupuytren, Trousseau,
Velpeau e Chomel e sua tese inaugural sustentada perante a Faculdade de Paris
discorreu sobre a auscultação como método diagnóstico, assunto recentemente
lançado por Laenec no meio médico francês e considerado, à época, referência
mundial. Clinicou no Rio de Janeiro, foi deputado, professor de química da
Faculdade de Medicina51 e morreu poucos meses antes da formatura do filho João
Vicente.
Já a formação do filho deu-se exclusivamente em instituições brasileiras,
talvez pelo fato da numerosa família que o pai tinha que manter – eram onze filhos,
frutos de dois matrimônios. Ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro

50
Pedro Nava pretendia a escritura de quatro capítulos que cobririam o método diagnóstico de Torres
Homem. O primeiro é a Inspeção que trata do exame físico do paciente doente e analisa
detalhadamente cada setor anatômico do corpo humano relacionando os sinais e sintomas ligados
àquele órgão às doenças prováveis. O segundo capítulo trata do Interrogatório que vem a ser a
anamnese ou entrevista realizada com o doente na busca por dados para acrescentar ao exame
físico visando ao diagnóstico. Acredito que o terceiro capítulo não escrito abarcaria o exame do
cadáver ou autópsia, atitude que era corriqueira aos médicos da corrente estatística e cientificista que
buscava relacionar os achados de necrópsia aos sinais e sintomas da doença que havia vitimado o
paciente. E o quarto e último capítulo, também não escritos, possivelmente seriam sobre a análise
dos dados para a conclusão do diagnóstico, visto que Torres Homem seguia fielmente os métodos do
clínico francês Rostan que desenvolvia o seu método diagnóstico baseado nestes quatro pilares.
51
Além de professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro exerceu também a função de
diretor nessa mesma instituição, sempre interinamente, por ser o lente mais idoso. Foi presidente da
Academia Imperial de Medicina quando esta ainda era designada como Sociedade de Medicina do
Rio de Janeiro, em 1832, e, também, deputado pela província do Rio de Janeiro.
41

aos 16 anos, cuja estrutura de ensino era precária como nos afirma o cirurgião
Andrade Pertence, professor da referida instituição naquela época, ao descrever
uma aula de clínica cirúrgica:

[...] o lente descreve os instrumentos, pratica mentalmente as operações por


mil processos diferentes, e, comparando-os, torna tão saliente a supremacia
dos melhores que, depois de fluidíssimo e sapientíssimo discurso, ficam os
estudantes tão adiantados como os de astronomia, que a tivessem
aprendido dentro de escura caverna (ANDRADE PERTENCE, 1844 apud
SATTAMINI-DUARTE, 1957 p.33).

Foi aluno de seu pai e ainda de Manuel Valadão Pimentel52, Barão de


Petrópolis, também laudatoriamente conhecido em seu tempo como o Hipócrates
brasileiro. Frequentou vários serviços de saúde do Rio como estagiário durante a
graduação, como no Hospital do Castelo, atualmente já demolido, “com suas nove
enfermarias, água corrente trazida do morro de Santa Teresa e completa iluminação
a gás”. Comparecia diariamente à Santa Casa de Misericórdia, orgulhoso edifício
construído “na praia que fica por baixo do morro do Castelo”53 (SATTAMINI-
DUARTE, 1957, p.31-32) inaugurada em 1852 quando vieram trinta irmãs de
caridade da França para o trabalho no novo hospital das quais nove morreram de
febre amarela logo de chegada. Possuía, segundo descrição da época,

„[...] peças compridas, de teto alto, onde os leitos se arrumam de cada lado,
um em frente ao outro, separados por uma passagem larga e cômoda [...].
Colchões de palha bem cobertos ... cobertores e fronhas duma brancura
perfeita‟ (SATTAMINI-DUARTE, 1957, p.32).

Estes estágios informais que Torres Homem buscou, durante o curso, foram
de grande valia para a escritura de sua tese de doutoramento sobre a evolução

52
Manuel Joaquim de Valadão Pimentel foi eminente médico clínico carioca descendente de
agricultores portugueses. Pagou os próprios estudos lecionando matemática e destacou-se pelo
grande conhecimento clínico e retidão moral com que conduzia sua vasta clínica. Recebeu o título
nobiliárquico de Barão de Petrópolis devido à importância de seu trabalho assistencial junto à corte.
Foi a principal influência médica de Torres Homem quando o mesmo opta pela clínica médica em
detrimento da cirúrgica.
53
O Hospital do Castelo foi originalmente um sólido colégio jesuíta posteriormente transformado em
hospital para atendimento de militares e se localizava no Morro do Castelo. O morro do Castelo foi
um acidente geográfico que existiu no Rio de Janeiro, sendo um dos pontos de fundação da cidade,
abrigando fortalezas coloniais e um complexo jesuíta. Desde o tempo de Dom João VI era
considerado insalubre á cidade, pois dificultava a circulação dos ventos e o escoamento livre das
águas. Ao longo dos séculos foi sendo considerado como um fator de impedimento ao crescimento
da cidade. Foi removido em 1921, pelo prefeito Carlos Sampaio, com a desculpa de ser um local
proletário repleto de cortiços e velhos casarões no centro da cidade e necessário para a instalação e
montagem da Exposição do Centenário da Independência do Brasil. Suas terras foram usadas para
aterrar parte da Urca, da lagoa Rodrigo de Freitas e do Jardim Botânico.
42

clínica da hidrofobia, gerando um dos primeiros trabalhos sobre o tema no país. A


apresentação de uma tese era obrigatória para a obtenção do diploma médico, de
acordo com as normas vigentes na segunda metade do século XIX.
Poucos dias antes de colar grau, em 1858, seu pai faleceu, fato que o deixou
aturdido e aumentou sua já famosa circunspecção. Aliás, é necessário abordar as
características físicas do nosso biografado, visto que seus clientes e colegas
correlacionavam a conhecida dedicação e abnegação à profissão ao seu aspecto
contido e austero. Vejamos uma descrição de Torres Homem realizada pelo
Visconde de Taunay, contemporâneo seu:

De estatura baixa, tinha predisposição para engordar, com exagero; o


ventre proeminente, pernas curtas em relação ao busto, o todo pesadão...
feições inexpressivas, uma quietude apática, era pronunciadamente
vultuoso... olhos pardacentos, esbugalhados. Maneiras compassadas,
pouco expansivas, nunca familiares. O andar lento, quase majestoso,
parecia denunciar muito orgulhoso de si, concorrendo para a reputação que
lhe faziam de displicente e emproado... [...] (TAUNAY, 1923 apud
SATTAMINI-DUARTE, 1957, p.51).

Fazendo eco ao Visconde de Taunay, temos uma rápida descrição de João


Vicente feita por um cirurgião e seu contemporâneo, Abel Porto. “Era homem de
altura mediana, cheio de corpo, pescoço mal se salientando do tronco, cabeça
volumosa. Com a mesma fisionomia, sempre apática” (1948 apud SATTAMINI-
DUARTE, 1957, p. 51). Um médico, portanto, ensimesmado e austero como era
adequado para aqueles tempos.
Essa austeridade era interpretada como dedicação pela sua extensa clientela.
Clientes que possuíam representantes na aristocracia carioca atendida por Torres
Homem em seus sobrados, chácaras ou elegantes consultórios, mas também
estavam entre os socialmente pequenos. Os relatos de atendimentos aos carentes
em seus livros também são numerosos, sejam escravos castigados, prostitutas
contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis ou muitos viajantes recém
chegados ao Brasil e recepcionados pela malária ou febre amarela. O atendimento
dos mais graves era realizado contraditoriamente nas residências onde as condições
de tratamento limitavam-se às lancetas e sangrias e em dar pasto às bichas
sanguessugas, procedimento que adotou no início de sua carreira, mas tornando-se,
em pouco tempo, seu grande opositor, como relata um biógrafo seu, Sattamini-
Duarte.
43

Sangrava-se toda a gente: o próprio Torres Homem conta que, por três
vezes, sangrara „doentinhos menores de dois anos‟; os resultados,
„justificaram-me perante a minha consciência‟, diz ele. Na verdade nunca foi
fanático pelo método: chega mesmo a lamentar que houvesse „alguns
médicos, e o que mais admiramos, alguns médicos moços que na presença
de um pneumônico, não se lembrem senão da lanceta!‟... E, como resumiu
ele, „era tal a devoção de alguns práticos que, apesar de instruídos e
dotados de bom senso, acreditavam às vezes que a morte de um
desgraçado era devida à insuficiência das emissões sanguíneas. Mais
cinquenta sanguessugas, diziam eles, talvez o tivessem salvo‟ (SATTAMINI-
DUARTE, 1957, p. 66).

Além da dedicação à sua farta clínica privada, herdada do pai, e que soube
manter e ampliar, Torres Homem teve como foco também a carreira docente. Talvez
pela influência paterna óbvia e de Valadão, ambos eméritos professores da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ele participava insistentemente de todos
os concursos para cadeiras do curso de medicina que, por ventura, ocorressem.
Apenas dois anos após sua graduação, concorreu com sucesso ao cargo de
opositor que era papel de modesta hierarquia dentro do ambiente acadêmico e
submisso ao catedrático, além de ser mal remunerado e de ter que transpor uma
difícil prova. Era, porém, uma etapa inicial obrigatória na carreira almejada. Sua tese
de apresentação ponderava sobre coqueluche54, doença infantil que grassava entre
as crianças brasileiras em uma época pré-vacinal. Quando em 1865, com o
surgimento de vacância da cadeira de higiene e história da mediina, Torres Homem
prontamente se inscreveu como candidato à Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Apresentou uma tese sobre aclimatamento55 onde estudava a
superatividade “genésica” dos indivíduos de clima quente no Brasil. Dizia sobre as
levas de imigrantes que aportavam no país: “os de baixa classe chegam aos
milhares, morrem em grande quantidade (ou de infecções paludosas graves [...] ou
de moléstias agudas ou crônicas do aparelho respiratório e digestivo) devido à falta
absoluta de cuidados higiênicos”. Afirmava neste trabalho que eram necessários
cerca de dois anos para o total aclimatamento dos europeus ao clima tropical;
perdeu a vaga para o colega Dr. Souza Costa.

54
Dissertação sobre a coqueluche. Rio de Janeiro 1860. Tese (concurso para o lugar de lente
opositor da seção de clínica médica) – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ.
De Thevenet, 1860.
55
Do aclimatamento. Rio de Janeiro, 1865. Tese (concurso do lugar de lente em higiene) Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de Thevenet, 1865.
44

Sua obstinação pela carreira docente teve uma terceira oportunidade em


1877, com a abertura de nova vaga na faculdade, de importância simbólica intensa
por ser a vaga de seu mentor Valadão. É bem representativa a tese que apresenta
consolidando sua posição à época contrária ao brousseísmo56. Intitulada “Das
sangrias em geral”57. A tese de Torres Homem mostrava o caráter inútil da teoria
inflamatória francesa então amplamente em voga no país. Perde novamente para
um concorrente – José Joaquim da Silva – porém, mesmo assim, é também
conduzido ao cargo sob influência do próprio imperador, demonstrando sua força
política neste momento de sua carreira. Este tipo de nomeação não era raro, sendo
o capital social e econômico importantes neste tipo de seleção, como descreve o
pesquisador Ferreira:

É importante lembrar que os concursos não eram uma prática comum nas
instituições de ensino superior brasileiras do século passado (XIX), quando
os postos de ensino eram distribuídos mediante indicações políticas e
apadrinhamentos. No entanto, quando ocorriam, os concursos eram
acontecimentos extremamente valorizados e ocasionavam disputas muito
acirradas (FERREIRA, 1994, p.66).

Com isso, Torres Homem alcança um grande objetivo que era a cátedra tão
anunciada e aguardada, especificamente na escola em que se graduara.
Destacou-se admiravelmente como professor, sendo admirado e tornado-se
referência para gerações de alunos. Suas magistrais aulas eram comentadas não só
nos corredores da Faculdade, mas também nos cafés e salões. Eram aulas-
espetáculo em que ele podia exercitar sua requintada oratória contida, mas eficaz,
seu extenso conhecimento médico, sua análise racional de sintomas e, também, sua
erudição humanista que pontuava as aulas com trechos e referências a textos
clássicos e fragmentos literários que iam de Moliére a Cervantes. Como forma de
ilustrar a maneira como Torres Homem dominava e conduzia suas conceituadas
aulas, reproduziremos um trecho onde Sattamini-Duarte descreve uma aula prática
que o professor conduziu junto a um paciente tuberculoso e, ao ocorrer uma crise

56
Doutrina criada por François Broussais que foi o mais influente médico francês do século XIX.
Organizou um sistema médico que por simples proposições abrangeriam todas as patologias. Não
haveria doenças e, sim, “irritações” cuja propagação se daria pela “simpatia” entre os diversos
órgãos. Também apresentava uma terapêutica a este processo irritativo que consistia em tratamento
“antiflogístico” baseado em sangrias, dietas restritivas e enemas.
57
Das sangrias em geral e em particular na pneumonia e na apoplexia cerebral. Rio de Janeiro,
1866. Tese (concurso cadeira de clínica interna) faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Typ. De Thevenet, 1866.
45

epiléptica em um dos alunos que o assistiam, cambia o foco da aula para esta
patologia.

Cercado de seus discípulos, estava dando uma de suas magistrais lições de


clínica e tendo diante de si um doente de tuberculose pulmonar, assunto da
dissertação. Ouviam-no todos, como sempre no maior silêncio. De súbito,
um dos alunos, num gesto brusco, toma de um chapéu, vira-lhe a copa e,
em voz alta, pergunta; „De quem é este chapéu?‟ A estupefação foi geral,
mas sem perda de um instante, o mestre, mal tendo olhado o discípulo,
dirigindo-se aos que estavam ao lado, exclama: „Segurem este moço: é um
epiléptico!‟ Prescreve, em seguida, uma poção calmante e passa a
discorrer, não mais sobre a tuberculose pulmonar, mas sobre a epilepsia.
Esse ato compulsivo, aura, delírio ou equivalente do ataque epiléptico,
explodindo em plena aula de clínica médica, foi, na verdade, apenas o início
de outras manifestações, cada vez mais claras, do mal comicial.58
(SATTAMINI-DUARTE, 1957, p.90-91).

A Academia Imperial de Medicina era o órgão máximo que um médico poderia


almejar além do cargo de professor na Faculdade. Representava o lugar da elite
profissional médica que coordenava e fiscalizava as leis sobre a atividade dos
médicos e as políticas de higiene pública. Através desta instituição, emitiam-se
publicações técnicas sempre de acordo com as posturas e interesses
governamentais. Foi, portanto, tida como afronta a abertura da primeira publicação
médica autônoma brasileira não vinculada à Academia - a Gazeta médica do Rio
de Janeiro -, que circulou regularmente no período de 1862 a 1864. Um de seus
redatores e fundador foi Torres Homem59. Esta publicação constituiu-se em uma
forma de afronta ao sistema quando iniciou sua publicação, acompanhada de
comentários dos redatores e das sessões ordinárias da Academia Imperial. Alguns
acadêmicos sentiram-se insultados ao verem suas idéias e opiniões questionadas
por quatro jovens médicos contestadores e expostas à curiosidade de uma leiga
população. A polêmica foi de alguma maneira resolvida com a aceitação de Torres
Homem como membro da Academia em 1863, após um conturbado processo de
inclusão.
Talvez, porém, a característica mais importante de Torres Homem esteja
relacionada à sua produção científica, em uma época que pouco escreviam os

58
Este episódio relatado pelo biógrafo foi reportado originalmente por um aluno presente á aula em
questão, o doutorando carioca Adolfo Fonseca.
59
Além de Torres Homem foram fundadores e editores da Gazeta Médica do Rio de Janeiro os
jovens médicos Mateus Andrade, Pinheiro Guimarães e Souza Costa.
46

médicos brasileiros, principalmente livros, área em que ele se destacou, tornando-


se um sucesso editorial. Escreveu diversas teses, memórias e comunicações. Era
grande o seu interesse no registro de suas ideias e experiências obtidas nas
enfermarias e, principalmente, nas autópsias que de forma contumaz realizava como
típico representante do método anatomoclínico tão caro à medicina com sotaque
afrancesado que praticava. Lançou sete livros60 em uma época que a quase
totalidade dos textos eram importados. Esses livros eram dedicados à prática
médica diária e direcionados, principalmente, aos seus alunos, pois passaram por
ele pelo menos 20 turmas de graduandos. Trata-se dos Anuários de observações
colhidas nas enfermarias da clínica médica da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro de 1868 e que traziam, como diz o título, anualmente, casos colhidos
nas enfermarias de trabalho de Torres Homem e sua criteriosa análise clínica e
diagnóstica; Elementos de clínica médica de 1870, um dos primeiros livros de
clínica de produção nacional e já com uma sistematização de diversas
especialidades médicas ou assuntos de concentração de interesse em determinados
órgãos. O maior destaque de sua produção talvez seja Estudos clínicos sobre as
febres do Rio e Janeiro, onde Torres Homem tenta uma distribuição nosológica das
doenças febris cariocas e abarca várias moléstias infecciosas tentando classificar
estas patologias em um tempo em que o estudo etiológico das mesmas ainda era
embrionário; Lições sobre as moléstias do sistema nervoso de 1878, o primeiro
livro brasileiro de clínica dedicado à neurologia, assunto sempre preterido devido ao
seu alto grau de complexidade. E, finalmente, Lições de clínica médica
perfazendo 3 volumes (de 1882, 1884 e 1889 ), abordando várias especialidades
médicas e terapêuticas relacionadas.
Seus livros tornaram-se um método de expressão da medicina anatomoclínica
e eclética francesa, mas com um sotaque e leitura tropicais e, mais especificamente,
carioca.
É muito interessante observar o quão antagônico pode parecer o pensamento
de um médico da segunda metade do século XIX. Se por um lado refutava a teoria
inflamatória metafísica da escola de Broussais que ainda grassava no Brasil
alimentando a indústria de criação de sanguessugas local, também não concordava

60
A produção de Torres Homem foi a base referencial de Pedro Nava na escritura da Biografia do Dr
Torres Homem. Nava utilizou praticamente todos os livros publicados por Torres Homem os quais
deviam constar em sua extensa biblioteca.
47

com a corrente microbiana que soprava dos laboratórios alemães e americanos e


também de Luis Pasteur. Na introdução de seu livro de maior repercussão – As
Febres do Rio de Janeiro – Torres Homem argumentou seu posicionamento,
conforme citação,

Por ocasião de ocupar-me em separado das entidades nosológicas que se


referem ao grupo das pirexias essenciais, emito com franqueza as minhas
opiniões a respeito de sua etiologia animada, a que dão hoje a importância
capital muitos piretologistas; analiso com calma e imparcialidade a doutrina
parasitária e microbiana em relação ao desenvolvimento das febres
infecciosas, não aceitando como definitiva e demonstrada a influência de
organismos infinitamente pequenos no aparecimento das pirexias palustres
da febre tifóide nem da febre amarela (TORRES HOMEM, 1885, p.VII-
VIII).

Tendo sido um dos primeiros clínicos a praticar a neurologia de maneira


contumaz e a redigir o primeiro tratado neurológico brasileiro, Torres Homem deve
ter se angustiado ao identificar, nele próprio, os primeiros sintomas da doença que
seria o maior empecilho na sua rotina de médico. A síndrome de Thonsem da qual
Torres Homem padeceu, levou-o a grandes limitações de deslocamento visto que
toda a musculatura contrai-se de maneira espasmódica à menor intenção de iniciar
um movimento. Seu perfil circunspecto, talvez retraído, associado a um caminhar
lento e quase bovino, causado pela doença, contribuiu para produzir uma impressão
monástica que o acompanhou até o fim.
As referências à postura ética de Torres Homem são frequentes nos relatos
sobre ele. Foi veementemente contrário à escravidão. Seus livros estão repletos de
relatos indignados de como os escravos brasileiros eram tratados e como a servidão
podia roubar-lhes a saúde. Protestou contra os castigos físicos em via pública a que
eram submetidos os militares, muitas vezes por faltas insignificantes. Comovia-se
com o sofrimento dos imigrantes - de aventureiros a irmãs de caridade - que
aportando nos trópicos, quase sempre como única alternativa de vida, eram ceifados
por doenças para as quais não estavam preparados. Foi médico e somente médico
por toda a sua vida, não se aventurando em carreira política ou cargos burocráticos
pelos quais seus colegas de profissão buscavam ansiosos.
Faleceu subitamente em sua casa, aos cinquenta anos, devido a uma
hemorragia cerebral secundária à hipertensão arterial de que sofria. Deixou viúva e
seis filhos e a lembrança de uma prática médica obstinada e generosa que pode ser
48

percebida em bilhete que enviou acompanhando um doente carente, encaminhado a


um colega e que dizia “Remeto esse enfermo ao Dr. Domingos de Góes e
Vasconcelos. Examine-o, trate-o e a conta mande à Divina Providência, porque ele
nada tem. Não há carne sem osso. Seis de novembro. 1885. Torres Homem.”61

4.2 DOIS MÉDICOS HUMANISTAS: PEDRO NAVA E TORRES HOMEM

“Vi todas as agonias do corpo e da alma”.


(Pedro Nava)

“Como seria cruel e desumano o médico que


sem piedade destruísse a ilusão de um
doente que caminha para a sepultura sem
disso ter consciência” (Torres Homem)

O que torna um texto uma arte? Uma biografia pode vir a ser arte? Woolf
(1942 apud VILAS BOAS, p. 110) relata-nos que “[...] a arte da biografia, é a mais
restrita das artes. [...] O romancista é livre; o biógrafo está atado”. Pedro Nava
ensaiou o início de sua surpreendente obra justamente com um texto biográfico. Ao
aposentar-se de uma carreira médica sólida e produtiva, Nava, que havia sido
classificado como poeta bissexto, inicia em 1968 o desenvolvimento da escritura de
um monumento literário anfíbio entre o memorialístico e o ficcional que iria marcar
definitivamente a literatura brasileira. É ele mesmo quem afirma em entrevista
concedida ao jornal O Estado de São Paulo: “Por causa da medicina contive muito
tempo o que havia de literário em mim. Mas minhas memórias estouraram feito
aneurisma” (NAVA, 1972).
Nava elencou vários motivos que o levaram a iniciar a escritura das
Memórias. Escrevia para “não chatear os amigos”, mas, também confessa
recorrentemente que estava dando início ao pagamento de uma dívida ou um
encontro consigo mesmo. “A elaboração de minhas memórias foi decorrendo da

61
Arquivo da Biblioteca Nacional. Fac símile publicado (SATTAMINI-DUARTE, 1957, em caderno de
ilustrações).
49

minha necessidade de isolamento – porque nosso encontro mais importante é


noscos (sic) mesmos” (NAVA, 1981, p.85).
O ocaso de uma carreira, na qual se mostrou competente e reconhecido, o
esmaecimento da atividade como docente, na qual encontrou prazer, e o
afrouxamento dos contatos com seus pares da área médica contribuíram
intensamente para que Nava desse vazão a esse rio represado durante tanto tempo.
Pedro Nava relata este momento profissional - quando as perdas se tornam mais
volumosas do que as conquistas - em seu quinto volume das Memórias, Galo das
trevas, escreve,

Assim nossa longa convivência com os companheiros de trabalho em vez


de nos unir, afasta e isso é um dos elementos amargos que concorrem para
a solidão cada vez maior do médico velho. (...) A concorrência marginaliza
duramente os mais velhos e paradoxalmente, nós, professores, é que
formamos nossos futuros dominadores e a cada aluno que melhoramos no
saber, corresponde picaretada abrindo nossa cova. A clínica vai diminuindo
tão insensivelmente que não sentimos logo essa anemia progressiva
acarretada por fenômenos diversos. Secam suas fontes porque vão
morrendo de morte física ou de morte profissional os colegas que trocavam
doentes conosco... Perdemos, com a perda da mocidade, o prestígio sexual
que é – ele também – motivo do transfert do doente para o médico (NAVA,
1981, p.92).

É neste momento de tantas perdas que o velho médico atravessava, que sua
escrita memorialística funciona como um processo de autoanálise que teria um
objetivo terapêutico e autocurativo. Mesmo sendo agnóstico, Nava tentaria colocar
em prática o ensinamento bíblico: “Médico, cura-te a ti mesmo” (Lc 4, 23). Ele
declarou com alguma frequência em entrevistas, “escrevo para não morrer”.
Com o véu de amargura que sempre levou diante dos olhos, talvez não
tivesse ideia da dimensão que sua obra alcançaria – um terremoto a sacudir o meio
literário nacional nos anos setenta. Em pouco mais de 10 anos escreveu e publicou
seis volumes monumentais. Iniciando sua escritura em 1968, entregou à editora
José Olímpio62 o Baú de ossos em 1972, inaugurando um sucesso de público
elogiado pela crítica que repetiria-se nos outros volumes: Balão cativo (1973), Chão
de ferro (1976), Beira-mar (1979), Galo das trevas (1981) e O Círio perfeito

62
Editora carioca fundada em 1931 por José Olympio, que foi um dos principais incentivadores da
nova geração de escritores brasileiros que surgiriam a partir daquela década. Publicou as primeiras
edições de grande parte de autores iniciantes e atualmente canônicos como: José Lins do Rego,
Clarice Lispector, Gilberto Freyre, Raquel de Queiroz, Cyro do Anjos, Pedro Nava entre muitos outros.
50

(1983). O pretenso sétimo volume da série, Cera das almas, permaneceu


incompleto com sua morte suicida em uma noite de maio de 1984. Incompleto sim,
pois, Nava ainda queria nos falar como diz um de seus alter egos63 na última frase
de seu último volume. “Foda-se, sua besta. FODA-SE64. E agora escute” (NAVA,
1983, p. 579).
Não é de amplo conhecimento de boa parte de seus leitores que Nava, antes
de se proclamar como “pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos
Gerais” (NAVA, 1984, p. 19) e dar início a sua autobiografia sui generis, ele já havia
trilhado o meio literário. As memórias não foram sua estreia. Nos anos 1940 publicou
dois livros sobre história da medicina no Brasil, porém tão carregados de valor
literário e estético que podemos observar que o objetivo do médico-escritor em
disfarçar os sinais da boa literatura nestes escritos não foi alcançado. Este tema é
eficientemente abordado por Villaça (2007) em sua tese de doutoramento Entre
musas e doutores: uma leitura da obra de Pedro Nava, que analisa o grande valor
literário de sua obra anterior às Memórias. Ela considera “a obra médica e literária
de Pedro Nava como um todo indivisível e complementar” (VILLAÇA, 2007, p.17). E
afirma que:

De fato, esses livros podem ser considerados memórias médicas devido


não apenas aos temas abordados mas, sobretudo, pela forma incomum de
escrever de um historiador que interfere no texto e quando lhe faltam dados
completa as lacunas dos documentos com sua imaginação. Para escrever a
história da Medicina, Nava transitou entre a pesquisa médica e seu
interesse pelo passado e apesar de tratar de assunto científico, percebe-se
a sombra do literato acompanhando discretamente o historiador, ou seja, o
médico-escritor encontrou uma maneira de disfarçar a literatura sob a capa
da história médica e ao mesmo tempo preservar seu status de médico bem
sucedido (VILLAÇA, 2007, p. 12).

A característica que o autor manteria posteriormente em toda a sua obra de


complementar os vazios das informações das fontes que possuía com dados
egressos puramente de sua criativa imaginação já pode ser observada em seus
escritos iniciais. Este método levava a uma escrita que se diferencia por conter uma

63
Do latim alter = outro egus = eu. Pode ser explicado literalmente como o outro eu ou outra
personalidade de uma mesma pessoa. Termo frequentemente utilizado em análises literárias para
indicar identidades secretas ou para identificar um personagem como sendo a expressão da
personalidade do próprio autor de forma geralmente não declarada. Para a psicanálise o alterego é o
outro eu inconsciente.
64
Destaque do próprio autor.
51

intertextualidade impressionante. Segundo Aguiar (1999 apud VILLAÇA, 2007, p.14),


quando a documentação não era possível ou rara, Nava utilizava de um recurso bem
característico seu: completava com “a imaginação poética as insuficiências dos
documentos, imprimindo assim o aspecto literário que elas têm”.
Em 1947, Pedro Nava lança sua primeira publicação – Território de
Epidauro, contendo 22 textos sobre as origens, influências e histórias da medicina
no Brasil. Nava toma como matéria prima a opção que escolhera (ou fora a ela
conduzido) – a medicina – e dela consegue, de maneira criativa, fazer literatura de
qualidade, mostrando um estilo próprio que prenunciava sua obra maior.
Na obra citada anteriormente, o autor já acena para a escolha de seu
biografado, alv1989o de sua admiração e forte identificação – o Dr João Vicente
Torres Homem (1837 - 1887). O médico do império é citado em quatro capítulos do
Epidauro; mas especialmente no capítulo De Velpeau a Torres Homem ele indica
a sua preferência, chegando a equipará-lo ao grande narrador brasileiro do século
XIX:

O Dr. João Vicente Torres Homem, pelas qualidades de clínico e pela


têmpera de professor, foi uma das figuras mais altas que já produziu a
Medicina Brasileira. Dentro da mesma, a sua contribuição de internista –
pela originalidade das lições e pela profundidade do conteúdo, pela soma
das observações e pela limpidez da forma – tem significação idêntica ao
fenômeno singular que foi a obra de Machado de Assis no âmbito da
literatura nacional (NAVA, 2003d, p. 171).

Dois anos depois – 1949 – Nava lança Capítulos da história da medicina


no Brasil. Funcionando como prosseguimento do Epidauro, mantém o caráter de
ensaio memorialístico, contando com capítulos de maior fôlego, baseando-se no
aspecto humanista das ideias médicas. “Os fatos são passageiros; as datas incertas;
os homens mortais, - só as ideias são permanentes e eternas as categorias por que
elas se exprimem” (NAVA, 2003e, p. 10).
Uma linhagem dinástica de médicos brasileiros humanistas é apresentada e
enaltecida quase que de maneira sacra.

A biografia dos grandes médicos não tem interesse de data ou de


anedota. O que nelas interessa é o exemplo dado pelos que reúnem
ciência à consciência, porque sua separação, como dizia Rabelais,
significa apenas ruína da alma (NAVA, 2003e, p. 11).
52

É natural que Nava se reconheça ao pesquisar os grandes nomes da


medicina e observe a construção de uma linhagem temporal da qual se considera
elo e descendente destes seus pares.
Talvez, entretanto, passando despercebido aos seus leitores menos atentos,
Nava, em seu quinto volume de Memórias – Galo das trevas – faz referência a uma
biografia do seu admirado Dr. João Vicente Torres Homem, que estava preparando.
Este trabalho Nava iniciou em 3 de junho de 1946, antes mesmo da publicação de
seu primeiro livro Território de epidauro. No trecho que segue, ao observar um
quadro a óleo do Boulevard Sant-Jacques em Paris (pintado por ele à moda de
Utrillo), o autor faz referências ao manuscrito e arrisca um argumento flácido de por
que teria interrompido a escritura desta biografia.

Esse esboço transformei-o num quadro a óleo-lembrança dos tempos em


que escrevia aquele livro que jamais acabei. Sabem? o que o interrompeu.
Quem? Getúlio Dornelles Vargas e Henrique de Toledo Dodsworth. Essa
biografia era, de minha parte, um trabalho de admiração pelo prodigioso
mestre. Se derramava em ternura pela terra em que ele nascera. Com a
punição dos assinantes do Manifesto Mineiro o coice que tomei daqueles
dois, colocou-me em estado de náusea pelo governo. Esse nojo confundiu-
se com o trabalho em que eu estava empenhado. É curioso: jamais pude
juntar uma linha aos dois capítulos que tenho prontos na gaveta. São
independentes um do outro e fazem dois ensaios que nas suas quase
trezentas páginas podem dar um livro de tamanho apresentável. Aquele
quadro lembra minha fase “Torres Homem” (NAVA, 1981, p. 40).

Antes, portanto, de lançar-se a uma extensa autobiografia, Nava iniciou a


escritura da biografia de um seu colega, médico do século XIX, inovador e admirado
em seu tempo. E como já teria dito, não lhe interessava a face anedótica e peculiar
da vida do biografado, mas, sim, a capacidade médica investigativa e a ética e
retidão de caráter de Torres Homem.
O texto inova na maneira como é desenhado para apresentar o método
diagnóstico do clínico do Império. Após uma introdução que busca localizar a
situação e influências presentes junto à medicina brasileira, segue-se o primeiro
capítulo nomeado de Inspeção. Era o primeiro passo na busca do diagnóstico do
método consagrado pelo biografado. Neste ponto, Nava descreve o exame clínico
pormenorizado que Torres Homem realizava em seus doentes. O detalhamento é
dado nos diversos segmentos corporais que eram rastreados cuidadosamente pelo
médico carioca. Isso foi feito com tamanha precisão que é possível imaginar com
perfeição o trabalho que realizava - é como se estivéssemos ocultos dentro do
53

consultório, na casa dos doentes ou na enfermaria Santa Isabel da Casa de


Misericórdia do Rio de Janeiro oitocentista.
O segundo capítulo do manuscrito biográfico é nomeado de Interrogatório,
que se constituía no segundo passo do método diagnóstico desenvolvido por Torres
Homem. Complementar à inspeção, o interrogatório constituía-se na coleta da
história clínica e epidemiológica do doente avaliado. Neste tomo, Nava deleita-se
com descrições de histórias clínicas, assim como das conclusões alcançadas pelo
médico carioca, todas imersas na mais profunda ética moral e humanismo.
Como já dissemos, Pedro Nava abandonou o projeto, restando por serem
escritos os últimos dois capítulos de tão diferente biografia. Arriscamos a dizer que
os tópicos não elaborados possivelmente seriam baseados nas etapas restantes do
método que Torres Homem descreve em seu Elementos de clínica médica. O
terceiro possível capítulo poderia ter sido “A análise do cadáver” onde seria descrita
a sistematização dos achados de necropsias dos corpos de pacientes anteriormente
atendidos pelo clínico carioca. E o quarto capítulo final, que infelizmente nunca
teremos o prazer de ler, deveria discorrer sobre a “Reflexão sobre o caso” onde
analisaria dados coletados durante a inspeção, o interrogatório e a análise
cadavérica para alcançar e elaborar o diagnóstico pretendido.
A presença de uma simpatia significativa entre biógrafo e biografado é
fundamental para a realização da obra. Sem admiração, é impossível. Vilas Boas
(2002, p. 155), em seu estudo sobre “Biografias & Biógrafos” tenta explicar “porque
biografar este e não aquele sujeito” confirmado com seguinte trecho:
Donos de suas opções, os biógrafos devem nutrir alguma simpatia ou
antipatia pelo protagonista, ou pelo menos reconhecer de antemão as
possíveis consequências de uma antipatia. A relação biógrafo-biografado,
agora no plano pessoal, pode ser turbulenta. A simpatia ou antipatia pelo
biografado não são problemas em si.

Ou seja, o biógrafo precisa ser movido por algum sentimento dito intenso pelo
biografado. No caso de Nava e Torres Homem, acredita-se que o mesmo esteja no
pólo da admiração e diria que chegaria a um grau de identificação do biógrafo com o
biografado.
Os pontos convergentes, aqueles que tangenciam as duas personalidades
Nava ─ Torres Homem, são vários e parece-nos interessante identificá-los.
54

O primeiro ponto óbvio que observamos é o fato de ambos serem médicos e


descendentes de médicos, considerados pelos seus pares contemporâneos como
competentes. Pedro Nava formou-se em 1927 pela Faculdade de Medicina de Minas
Gerais em uma das primeiras turmas daquela escola. O período de sua graduação
médica é fabulosamente descrito em suas memórias no volume Chão de ferro.
Após sua formatura, ele iniciou um processo de busca do lugar onde poderia exercer
sua arte médica. Inicialmente tentou sua cidade natal, Juiz de Fora, onde foi,
segundo sua opinião, mal recebido e excluído do meio médico local. Segue-se uma
temporada em Belo Horizonte onde abriu consultório de clínica, entretanto, após o
suicídio de sua namorada Zilah, desiludido segue para o interior de São Paulo. Em
Monte Aprazível65, permanece por pouco tempo como médico nomeado para cargo
de combate à malária. Neste ponto de sua vida, Pedro Nava finalmente se
estabelece na cidade que tanto amou, o Rio de Janeiro, iniciando uma carreira
médica sólida e prolífica e viveu – no bairro da Glória – até seu suicídio aos 81 anos.
Já Torres Homem se formou na Faculdade do Rio de Janeiro em 1858, onde
construiu a maior clínica da Capital; foi o médico de Pedro II por razoável período e
emérito professor de medicina. Sua função de destaque no meio pode ser
observada em trecho de outra biografia sua escrita em 1957 por Orlando Sattamini-
Duarte:

Chegara ao mais alto ponto que podia desejar um professor: único que
fizera escola, foi quem deixou aos vindouros os melhores e mais numerosos
documentos nas muitas obras que publicou. Nos últimos vinte anos tinha
sido quem mais influíra nos destinos da medicina brasileira (SATTAMINI-
DUARTE, 1957, p.141).

Ambos atuaram na difícil área da clínica médica, onde, devido às várias


possibilidades diagnósticas, o volume de informações e a necessidade de leituras
infindáveis são fundamentais.
Ambos possuíam vasta cultura humanística, com leituras de clássicos e
referências que eram refletidas mesmo em sua produção técnica. Pedro Nava é
reconhecido como detentor de enorme cultura histórica, filosófica e artística. Brinda-

65
Monte Aprazível, pequena cidade do oeste paulista onde Nava permaneceu e clinicou, de 1931 a
1933, ajudado pelo amigo Dr Joaquim Nunes Coutinho Cavalcante. Lecionou na cadeira de História
Natural do Ginásio Monte Aprazível além de exercer seu trabalho médico.
55

nos com trechos que mesclam as artes médica e humanista de rara sensibilidade
como:

A solidão é nossa essência, nosso caráter, nossa condenação, nosso


destino, nossa grandeza. Mal paridos, a interrupção circulatória do cordão
umbilical a dente pelos animais inferiores, a golpe de sábia tesoura pelo ser
humano – nos exila para todo o sempre (NAVA, 1982, p. 7).

Torres Homem, também portador de sólida formação, não se furtava a incluir


em suas várias publicações médicas, trechos em que fazia alusões a literatos,
filósofos e artistas: “A medicina, desde Molière sobretudo, tem sido acusada de
impotente e inútil por aqueles que nela não acreditam” (TORRES HOMEM, 1870,
p.23, 44) e, também, “[...] em alguns casos podia ser aplicado o dito de Bocage66: -
escaparia da moléstia se não morresse da cura”.
E talvez o fato que mais aproxima os dois médicos, biógrafo e biografado,
fosse o domínio da língua, o controle que possuíam das palavras desenvolvendo
textos admiráveis mesmo ao tratar de assuntos nem tanto admiráveis.
Nava ansiava por um meio médico humanisticamente elevado, não
encontrando-o, frequentemente, entre seus pares. Cançado (2003, p. 77) observa
com muita propriedade este anseio ao analisar os primeiros textos de temática
médica escritos por Nava; anseio este claramente identificado em sua biografia
interrompida, como mostramos no trecho a seguir:

Como médico, protagonista e historiador da prática e do pensamento


médico no Brasil, Pedro Nava sempre teceu e reinvidicou o seu fazer parte
de uma tradição científica e intelectual, de uma escola e de uma visão de
mundo.

Impressão semelhante demonstra Joaquim Aguiar ao citar com propriedade o


pretenso objetivo de Nava ao utilizar matéria prima da área médica buscando algo
mais significativo e simbólico, numa clara visão comtiana.

Admira no escritor, a capacidade que ele demonstrou de converter o próprio


ofício em matéria de reflexão e pesquisa. Parte do seu movimento provinha
da necessidade de autoexplicação por meio de estudos que lhe permitiram
ampliar o alcance da prática individual, de modo a incluir o eu num todo

Manuel Maria de Barbosa du Bocage (Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805): poeta português e talvez o
66

maior representante do arcadismo lusitano.


56

fulgurante (grifo nosso) a tradição médico-científica do país (AGUIAR, 1999,


p.5).

A escolha de Torres Homem como o protagonista da biografia iniciada por


Nava, o compartilhamento de ideias e opiniões comuns a ambos, o objetivo de
participar de uma linhagem médica humanista, leva-nos a considerar que Torres
Homem veio a ser o primeiro alter ego de Nava, antecedendo neste aspecto a figura
de seu principal alter ego Egon.
57

5 O MANUSCRITO

5.1 SUA HISTÓRIA

Toda obra de arte é uma vingança do gênio humano contra a tragédia da


certeza da finitude. Pedro Nava possuía, como poucos, essa incômoda e
inconveniente consciência. Sua verve artística encontrou vários canais de expressão
através dos quais se manifestou de forma intensa em sua juventude. Pintou,
desenhou, construiu belos poemas drummondianos e pensou revistas literárias
antes de decidir-se pela medicina, denominada por ele “a Arte”. Nava, porém,
também sabia que a obra de um médico é finita, pois o destino da saúde é
necessariamente ter um fim.
Talvez por este motivo em 1945, mais específicamente na “Glória” em “6 - 07-
1945” Pedro Nava tenha iniciado a escritura daquela que deveria ter sido sua
primeira incursão literária com que iniciaria sua vingança. A data e o local do início
da produção da biografia O Dr Torres Homem encontram-se registrados na
marginália superior do fólio 1 onde se inicia a Introdução do texto.
A opção pelo gênero biográfico e a escolha do clínico carioca do século XIX
João Vicente Torres Homem como objeto já foram discutidas anteriormente quando
chegamos a uma plausível conclusão de uma identificação laudatória com o
biografado e uma necessidade: de incluir-se em uma estirpe científico humanista
representada por este.
Nava faz referência a este trabalho no volume Galo das trevas de suas
memórias. Na página 40, ele refere-se à “aquele livro que chamais acabei”, e
descreve o material que já tinha pronto: “jamais pude juntar uma linha aos dois
capítulos que tenho prontos na gaveta.” E nos sugere a expectativa de vê-lo
publicado : “ São independentes um do outro e fazem dois ensaios que nas suas
quase trezentas páginas podem dar um livro de tamanho apresentável.”
Nava culpa o governo getulista pelo fato de não conseguir concluir o trabalho,
pois identificava e relacionava a fase de escritura da obra ao afastamento
compulsório de seu cargo público devido a sua assinatura do Manifesto dos
Mineiros (junto com outros 77 políticos e intelectuais) contrário à política governista.
Devemos, porém, questionar de fato se teria sido este o verdadeiro motivo do
58

abortamento da obra, pois, se avaliarmos as datas, veremos que Nava foi afastado
em 1943, tendo sido publicado o decreto expulsório de Vargas no Diário oficial
neste mesmo ano. Pedro Nava iniciou a escritura da biografia em 6 de julho de 1945
(como registrado pelo autor no primeiro fólio do manuscrito), consequentemente dois
anos depois da traumática data. Seus reais motivos calam-se, deixando-nos com
mais um enigma naveano.
A propósito, as datas de entrada na obra biográfica podem ser identificadas
devido aos registros extratextuais do autor no manuscrito. Inicia sua escritura em
06/07/1943, tendo concluído o primeiro capítulo em “7. I 47”, data que se encontra
grafada na marginália inferior do fólio 74. No fólio 190 registra: “Retomei Th em
Setembro de 1959. PN”. E finalmente no fólio 215, encontramos a terceira entrada
no manuscrito em que Pedro Nava registra ainda em notas marginais: “Decidi
retomar esse trabalho dia 21 de Março 1964. PN”. Observamos, portanto, que Nava
durante quase vinte anos interviu no manuscrito realizando revisões frequentes
(visto a variedade de tintas e cores de lápis que utilizou com esse objetivo) sendo a
hipótese de um abandono precoce da investida biográfica claramente falsa.
Outra característica interessante observada refere-se ao método de geração
do texto e suas fases utilizadas pelo autor. Objeto de estudo de vários
pesquisadores da complexa e sedimentada obra naveana, o método de construção
do texto pode ser observado em trecho da autora Edina Panichi em seu ensaio
Pedro Nava e a construção do texto quando nos apresenta o modo Pedro Nava
de geração do texto final:

O processo criativo é composto de três momentos, assim compreendidos: o


primeiro organizado em fichas, contém pedaços de papel ou folhas soltas
com anotações, além de recortes de jornal, reproduções de obras artísticas,
[...] o segundo momento, denominado pelo autor de “boneco” é constituído
de roteiros dos capítulos a serem escritos, mapas, questionários enviados a
colegas de geração e recortes de artigos sobre as personagens a serem
retratadas. O dactiloscrito, terceira fase da gênese textual, tem como
suporte uma folha dupla de papel almaço que se compõe de duas faces, a
da esquerda, reservada ao texto batido à máquina, com correções à tinta, e
a da direita, reservada aos acréscimos feitos à caneta, apòs a primeira
revisão, ao lado de recortes de colagens de textos e de desenhos assinados
por Nava (PANICHI, 2003. p.viii).

Observa-se, assim, que o autor já utiliza seu incomum método para a geração
de texto já em seu primeiro trabalho, pois as características observadas no trecho
59

acima são as mesmas utilizadas por Nava na escritura de O Dr. Torres Homem,
excetuando-se a colagem de textos e desenhos que não ocorre na página da direita
do manuscrito em estudo, sendo esta utilizada apenas para acréscimos de rasuras e
inserções de trechos inicialmente esquecidos.
É fundamental citar os documentos anexos que Nava manteve junto ao
manuscrito e dos quais se utilizou para a geração da obra. A sanha arquivista do
autor é uma das suas mais importantes características. Nava colecionou todo o tipo
de registro e imagem referentes ao biografado, seu tempo e seu meio. Encontramos
fotos de Hospitais da segunda metade do século XIX como: Misericórdia, Casa de
Saúde São Sebastião, Enfermaria Santo Antônio. Plantas de Fragoso referentes ao
Rio de Janeiro imperial com a identificação das localizações dos consultórios em
que Torres Homem atendeu.
Talvez, o mais característico do método que Nava utilizava para captar
informações de terceiros era a presença de um questionário com que o autor
entrevistou pessoas que poderiam ter dados significativos sobre João Vicente Torres
Homem. Este questionário foi enviado a colegas médicos, como Dr. Aloysio de
Castro, Dr. Brício Filho e Dr. Maurício Lacerda, possíveis possuidores de dados
preciosos para Nava. Este questionário foi ainda encaminhado a parentes de Torres
Homem como Dona Lúcia Thaís Torres, sobrinha neta do biografado e Dona Rita
Guimarães Freitas. Observa-se no lote de documentos anexos ao manuscrito a
presença de laudas respondidas pelos citados em entrevistas realizadas pelo autor.
Era seguido um determinado roteiro nestas entrevistas, nas quais questionava:
“Conheceu pessoalmente o Dr Torres Homem?” “Qual a sua impressão sobre o
profissional e sobre o homem?” e, o mais pitoresco do questionário “Conhece fatos
sobre a vida particular que abonem a tradição que ficou do Dr. Torres Homem como
marido oprimido, profissional ávido de lucro, indivíduo fraco diante de bebidas
alcoólicas e pessoa de mau gênio?”.
No que se refere às questões de planejamento e composiçao de texto, Nava
mostra-se impecável. Reunia farto material, às vezes durante anos, para que o
prototexto final fosse plausível e substancioso, mesmo que não totalmente verídico.
Como nos informa o próprio autor em uma de suas últimas entrevistas em 1983: “Eu
não tenho compromisso com essa verdade: meu compromisso é com a verdade
passando um pouco para o terreno do verossímel, da verossimilhança, que é mais
interessante, porque é interpretativa” (NAVA, 1983 apud CAMINHA, 2003, p.16).
60

Como já dito, o manuscrito quedou-se inconcluso, sem um motivo informado


plausível. Pedro Nava, entretanto, conservou-o em seu arquivo pessoal que foi
doado pela viúva em 1985 ao Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação
Casa de Rui Barbosa. Acreditamos que consciente da qualidade de seu trabalho
(com o qual realizou sua vingança), sabia que seu arquivo seria estudado por
pesquisadores e observadores de seu método de escritura. Ele nos deixa um aviso
junto aos anexos do manuscrito: “Papéis velhos, manuseie com o carinho e amor
com que os reuni. Pedro Nava, Rio, Junho, 1981.”67

5.2 SUA DESCRIÇÃO FÍSICA

O manuscrito biográfico O Dr. Torres Homem, objeto de estudo desta


dissertação, tem como suporte as características folhas de papel almaço abertas
que Pedro Nava habitualmente utilizava na produção de seus textos. Trata-se de
251 fólios, estando a imensa maioria íntegra e em bom estado de conservação,
porém amareladas e quebradiças. As dimensões das folhas utilizadas são 43cm por
30cm sendo pautadas do fólio 1 ao 190 e sem pautas do 191 ao último fólio.
As folhas de almaço são trabalhadas abertas e em uma só face. Nava utiliza a
folha da esquerda para o desenvolvimento do texto e a da direita é reservava para
inclusões, rasuras, inserções de posteriores parágrafos e para interessantes
registros extratextuais68. Do início até o fólio 190 o autor registra o texto com lápis
preto e a partir do terço final deste mesmo fólio passa a dactilografar o trabalho.

67
Documentos Anexos ao Manuscrito O Dr. Torres Homem do arquivo Pedro Nava do Arquivo Museu
de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa – perfazem um total de 510 folhas.
Fotografias: Hospital da Misericórdia – Mapa arquitetônico do Rio de Janeiro, parte comercial de
autoria de J. Rocha Fragoso, de 1874 – Reproduçoes de plantas de Fragoso, para localização dos
consultórios de Torres Homem – Fundos do sobrado da Rua Conde d‟Eu nº 12, onde funcionou a
Enfermaria Santo Antônio durante a epidemia de febre amarela de 1876 - Canto do pátio interno do
sobrado situado na esquina de Campo da Aclamação com a Rua do Hospício onde funcionava em
1874 a Casa de Saúde São Sebastião – Rua Frei Caneca, datada de 1944.
Relatórios: Todos de autoria de Noronha Santos: Texto de março de 1944 sobre as hospedarias
existentes na Rua da Misericórdia e sobre a Taverna Public Franck – Notas sobre residências e
consultórios de Torres Homem – Informações relativas às Casas de Saúde São Sebastião, Nossa
Senhora da Ajuda e Enfermaria Santo Antônio, que funcionavam em 1874 e 1876 - Texto sobre a
Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – Notas do fichário de Noronha Santos – Notas avulsas
de Pedro Nava relatando entrevistas com colegas médicos e pessoas que poderiam oferecer
informações sobre Torres Homem.
68
Ver ensaio de Flora Sussekind sobre o universo da página direita na gênese textual naveana em A
Página ao lado. In: SUSSEKIND, Flora. Papéis colados. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.
61

Inserções de trechos e epígrafes dactiloscritas na primeira parte autógrafa do texto


fazem com que percebamos que Nava revisava o trabalho consecutivas vezes,
retomando trechos já escritos há vários anos. Fato que corrobora com essa
afirmativa é a grande variedade de tintas e lápis em cor que o autor utilizou em suas
rasuras e inserções levando-nos a imaginar as várias revisões sucessivas. A
fotografia 1, a seguir, ilustra uma página do referido manuscrito, depositado na
Fundação Casa de Rui Barbosa.

Fotografia 1 ─ Imagem de uma página do manuscrito O Dr. Torres Homem

Fonte: Do autor.

Em relação às rasuras podemos citar que devido à obsessão do autor por um


texto preciso, as revisões suscedem-se como ondas e deixam uma enorme
quantidade de rasuras no manuscrito. Rasuras que são quase sempre
“silenciosas”69, nunca de “variante imediata”70 e raramente de “sobrecarga”71

69
Rasura silenciosa é assim designada quando não se permite a leitura ou decodificação da primeira
opção da escritura que foi reavaliada e excluída pelo autor.
62

segundo a classificação de Grésillon. A rasura mais utilizada por Nava é a chamada


de “forma imaterial” em que se reescreve em um novo parágrafo ou em um novo
fólio. Na técnica naveana de escritura este era a função da página da direita que em
muitos fólios do manuscrito estudado apresenta-se quase que totalmente
preenchida. A preocupaçao do autor em manter seus textos “prontos” e revisados é
referida pelo próprio Nava, como observamos em entrevista com Caminha:

[...] de manhã, que é a hora em que me sinto com menor capacidade


criativa, procuro escrever minhas cartas, o que é mais leve do que o
trabalho literário propriamente dito [...] À tarde eu crio, de meia dúzia de
linhas, uma página, até no máximo oito, nove páginas datilografadas – eu
escrevo diretamente a máquina. A produção varia conforme a dificuldade do
assunto. A noite eu deixo pra fazer a revisão, pra corrigir. Na minha idade, o
sujeito deve estar pronto pra tudo: quero deixar um texto pelo menos revisto
por mim (NAVA, 1983 apud CAMINHA, 2003, p.17).

Freyre (1940, p. 29) quando realizou o estabelecimento do Diário íntimo do


engenheiro Vauthier72, a partir de manuscritos autógrafos, impressionado com a
ilegibilidade do texto afirma que a letra de Vauthier parece “[...] mais de médico que
de engenheiro” Nava, no entanto, nos apresenta com uma letra arredondada e
bastante legível, mais de engenheiro do que de médico. O sentido do texto
pretendido pelo autor nos manuscritos, que possuem um aspecto inicialmente
confuso, pois a linearidade é interrompida frequentemente, após um segundo olhar
se mostram óbvias com o direcionamento que o autor nos oferece através de
chaves, setas e sinais.
Outra característica que chamou nossa atenção foi a presença maciça de
notas que Pedro Nava anexou à biografia. Totalizam em 1069, sendo, a maioria,
referentes a informações e trechos de livros do biografado, que notadamente foram
dissecados por Nava no intuito de expor o pensamento médico do século XIX
representado pela obra de Torres Homem.73

70
Rasura variante imediata ou variante de escritura é sugerida quando a palavra ou pequeno grupo
de palavras é rasurado e reescrito em seguida na mesma pauta, no mesmo fluxo de escrita. Sugere
ser produzida imediatamente durante a escritura inicial do texto.
71
A sobrecarga é evidenciada quando a segunda opção de escritura do autor é registrada, acima,
abaixo ou mesmo sobre a palavra ou grupo de palavras rasuradas. Sugere ser gerada em uma
revisão posterior à escritura do texto.
72
Diário íntimo do engenheiro Vauthier, 1840 – 1846, prefácio e notas de Gilberto Freyre. Rio de
Janeiro: Serviço Gráfico do Ministério da Educaçao e Saúde, 1940.
73
A biblioteca de Pedro Nava, na qual por certo constavam todas as obras de Torres Homem e
provavelmente um bom número de obras significativas da história da medicina que foram citadas e
63

5.3 CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DO TEXTO

1) A ortografia será atualizada, seguindo o Acordo Ortográfico para a Língua


Portuguesa datado de 01/01/2009.
2) A pontuação, o uso de aspas, os grifos e a hifenizaçao serão conservados
como identificados no manuscrito, visto que refletem o estilo autoral. Da mesma
maneira a distribuição dos parágrafos será mantida da forma que o autor indicou no
manuscrito.
3) Termos e frases em língua estrangeira serão registrados em itálico e sua
tradução será realizada em notas de edição quando forem consideradas
indispensáveis ao entendimento do texto.
4) Referências a obras literárias, publicações e obras de artes plásticas terão a
grafia de acordo com a intenção do autor que, frequentemente, as registrava entre
aspas e/ou as sublinhava.
5) Os personagens históricos citados pelo autor merecerão notação de edição
explicativa quando forem considerados importantes para melhor entendimento e
contextualização no texto estabelecido.
6) O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa será utilizado como referência
sinonímica e etmológica nos vocábulos oriundos do grego e do latim.
7) As numerosas notas referidas pelo autor serão mantidas integralmente.
Podemos classificar as notas naveanas em dois tipos: as referentes à obra do
biografado João Vicente Torres Homem, que perfazem a maioria, e as de outros
autores. As do primeiro grupo terão o autor Torres Homem identificado pela sigla
T.H. (recurso utilizado pelo próprio Nava) e suas obras citadas serão registradas por
siglas74. As notas produzidas por Nava, identificadas por ele no corpo do texto com
números arábicos entre parênteses e registradas originalmente nos pés de páginas
dos fólios correspondentes, foram agrupadas aos finais dos capítulos. Foram
mantidos os registros de referências originais de Pedro Nava.
8) Serão mantidos os símbolos registrados por Pedro Nava ao final de algumas

registradas nas referências da biografia, foi vendida pela família à Universidade de Brasília logo após
sua morte. Ao buscarmos junto àquela instituição o rol dos títulos, fomos informados que não houve a
preocupação na identificação e registro do conteúdo da rara biblioteca adquirida e a mesma foi
depositada e dispersa no acervo da UNB. Um tradicional caso em que a biblioteca morre junto com o
proprietário.
74
Ver lista de siglas no início da dissertação.
64

partes definidas por ele próprio, inferindo ao pesquisador que isso ocorria a cada
mudança do assunto abordado: *
* *

5.4 O DR. TORRES HOMEM

Introdução

Foi em 1826 que Louis-Léon Rostan75, provençal impetuoso e imaginativo, -


discípulo de Laclemand e médico da Salpêtrière, - deu à luz a primeira edição da
obra fundamental que teria o destino de ser ao mesmo tempo, guia clínico para o
manuseio dos práticos e súmula filosófica para a meditação dos patologistas do
Século XIX.
Nesse ensaio, como nas páginas dos escritos anteriores e posteriores do
ardente adversário da teoria da “irritabilidade” e do “flogístico”, estão os alicerces do
“organicismo”, - doutrina cuja estrutura e síntese formal deveriam ser encontradas
pelo gênio de Frédéric Bérard76.
Semelhante livro foi a espinha dorsal dos conhecimentos práticos de Manoel
Joaquim de Valladão Pimentel77 e do exercício clínico de João Vicente Torres
Homem. É o último quem o afirma no estudo com que inaugura o ensinamento da
arte propedêutica no Brasil (1) e é a comparação dos seus textos (2) com os textos
de Rostan (3) que confirma a legitimidade da asserção.

75
Louis-Lèon Rostan (1790 – 1866) Importante internista francês. Estudou em Marselha e Paris onde
foi discípulo de Philippe Pinel (1745 – 1826), foi membro da Académie de Médicine, trabalhando
durante longo tempo no hospital parisiense de Salpêtrière. Estudioso de patologias neurológicas
estruturou as diferenças entre as alterações anatomo-patológicas de encefalites e apoplexias. Sofreu
frequentes ataques dos seguidores de Broussais. Homenageado pelo epônimo Asma de Rostan:
asma cadíaca caracterizada por dispnéia noturna paroxística.
76
Joseph Frédéric Bérard (1789 – 1828) Médico e filósofo francês nascido em Montpellier. Foi um
dos estruturadores da Escola Vitalista.
77
Manuel de Valladão Pimentel (Cachoeiras de Macacu, 1812 – Rio de Janeiro, 1882). Eminente
médico do Império Recebeu o título nobiliárquico de Barão de Petrópolis por serviços prestados no
atendimento da família real brasileira. Clínico respeitado por seus pares, formou-se pela Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro onde foi professor da cátedra de Medicina Interna e diretor da
instituição. Foi professor de João Vicente Torres Homem tendo tido grande influência na opção pela
clínica feita pelo aluno.
65

Para se ter uma ideia da projeção do mestre francês sobre a personalidade


do clínico mais ilustre do Império é bastante verificar a frequência com que seu
nome aparece citado na obra do último, desde os trabalhos de 1860 até ao
derradeiro volume que lhe saiu da pena, impresso em 1885.
Já criticando os postulados do internista da era napoleônica, como, a
propósito da confusão que ele incidia, ao lado de Rochoux, Durand-Fardel, Andral,
Chomel, Louis e Bouilland, na explicação das variedades “vermelha” e “branca” do
amolecimento cerebral agudo (4), - confusão que foi de ontem e que continua,
questão em aberto, como confusão de hoje; já salientando a sua incongruência de,
como corifeu do organicismo e chefe de escola anti-broussaisiano, - erigir a
medicação antiflogística em método geral no tratamento das pneumonias (5); já
negando suas opiniões sobre o papel do enfisema pulmonar como agente etiológico
primário da asma (6) ou, ao contrário, - aplaudindo e confirmando suas teorias, nelas
abundando e buscando apoio para as que ele próprio expendia na aula e no
compêndio - como quando cita a propósito dos problemas das localizações
encefálicas (7) e o das paralisias transitórias devidas às pequenas hiperemias de um
dos hemisférios cerebrais (8); sobre os do mecanismo da morte nas encefalorragias
(9) e os das perturbações da palavra concomitantes à hemiplegia direita78 (10);
sobre os da contagiosidade da “tosse ferina”79 (11), os da curabilidade da tísica (12)
e o dos erros de diagnóstico possíveis na diferenciação entre certos pleuris80 direitos
e determinadas organopatias assestadas na cúpula do fígado (13); ou ainda, quando
lhe dá a palavra a respeito da contraindicação da sangria geral nos casos da “febre
perniciosa” (14) e, inversamente sobre a oportunidade de sua prática e repetição
num tratamento agora caduco, dos aneurismas (15), ─ é sempre Rostan que
encontramos em Torres Homem.
A influência desempenhada pelo professor francês sobre a formação, a
cultura e a prática do internista brasileiro, - é decisiva, contínua, permanente e, sob
um certo aspecto, quase tão importante como a que lhe decorreu dos
conhecimentos bebidos nas obras de Wunderlich, Germain-Leé, Louis, Bouchut,
Barth, Bouilland, Stokes, Rilliet, Roger, Frerichs, Gubler, Brown-Séquard, Barthez,
Lancereaux, Chomel, Peter, Graves, Piossy, Charcot, Andral, Laennec, Jaccoud,

78
Paralisia do lado direito do corpo.
79
Termo utilizado para definir coqueluche, hoje em desuso.
80
Inflamação da pleura que vem a ser uma membrana serosa que reveste os pulmões.
66

Trousseau, Cláude Bernard, Wirchow e Béhier, que são, - ao lado do nacional


Valladão, - os mestres mais frequentemente mencionados por Torres Homem e
cujos ensinamentos sulcaram mais profundamente sua inteligência.
Onde particularmente se faz sentir o sistema de Rostan é no processo
estratégico adotado pelo clínico brasileiro no exame do doente. Apenas ligeiras
variações, como, quando esse, na anamnese81, inverte a ordem escolhida pelo
francês, na colocação das duas perguntas essenciais com que ambos estabelecem
contato com o paciente. No mais, segue em tudo a técnica do que foi erigido em seu
guia, cujas ideias são esposadas minuciosamente e de quem as opiniões são de tal
modo assimiladas que a exposição de Torres Homem, principalmente no capítulo
introdutório dos seus “Elementos de Clínica Médica” transforma-se durante vários
parágrafos na tradução de períodos sucessivos do primeiro volume da obra do
clássico da Salpêtrière (16). A transposição é tão desenvolta e torna-se às vezes tão
chocantemente literal que ocorre a quem compara os dois originais a ideia de um
plágio. Ideia que, só é afastada quando se atenta na ostensividade mesma com que
foi praticada a cópia, na ausência de subterfúgio que a disfarçasse ou de intenção
dolosa que a explicasse. A boa fé fica patente pela citação escrupulosa e repetida
do nome de Rostan, pela franqueza com que se declara a adoção do seu processo
de exame na clínica oficial da Faculdade de Medicina da Corte e, mais ainda, pelo
fato de ser nitidamente indicado o título do livro de sua autoria, que é apresentado
como modelo de prática do chefe e mestre Valladão fonte de orientação do próprio
Torres Homem (17).
A inspeção geral era o primeiro passo dado por Rostan na investigação do
seu doente: “Ce que l'on fait d‟abord, et pour ainsi dire malgré soi, lorsqu'on
approche d' un malade, c'est d' examiner son état exterieur”82 (18). Passava em
seguida ao interrogatório inicial que girava em torno das associações, ilações,
extensões e consequências das informações espontaneamente fornecidas pelo
paciente e das respostas provocadas por duas perguntas, uma indicativa e outra
analítica, sistematicamente enunciadas: “Ou avez-vouz mal?”83 e “Depuis combien

81
Entrevista realizada com o doente para obter informações sobre o início e evolução de sua
patologia objetivando alcançar o diagnóstico da mesma.
82
O que fazemos em primeiro lugar, e por assim dizer involuntariamente, quando nos aproximamos
de um doente, é examinar seu estado exterior.
83
Onde é sua doença?
67

de temps êtes-vous malade?”84 (19). Em função da inspeção procedida e do que era


redarguido ás questões mencionadas, presumia-se Rostan chegado ao
conhecimento da função lesada, passando então em revista todas as decorrentes
mórbidas de semelhante perturbação, sem se esquecer de levar suas indagações
aos fenômenos correlatos, isto é, a todos que pudessem provir dos órgãos e funções
que mais diretamente influenciassem ou fossem influenciados pela sede do distúrbio
primitivo. Com esse objetivo eram exploradas qualitativa e quantitativamente as
repercussões que o “estado de moléstia” acarretava ás “funções orgânicas”, ás
“funções da vida de relação” e ás “funções geradoras”. Era o estudo organo-
funcional compreendido por Rostan sob a designação de “sintomatologia” (20) e que
antecedia imediatamente a apreciação físico-anatômica das mudanças que os
sentidos podem surpreender em cada órgão, ou sejam, sua atrofia, sua hipertrofia,
suas variações de consistência, de temperatura, de forma, de posição, de cor, de
cheiro e de som. Ainda aqui a inspeção era auxiliar relevante. Mas os elementos
decisivos eram outorgados pela aplicação geral da mão, pela olfação, pela
percussão e a ausculta do tórax, pela palpação do abdomen, assim como, pela
visualização e toque dos orifícios e das cavidades de acesso imediato. O professor
francês respaldava o seu exame com um segundo interrogatório que servia para
informar sobre a idade, a constituição, as idiossincrasias, os hábitos e a profissão do
paciente. Sobre as causas por este atribuídas à sua doença. Sobre o caráter
hereditário ou adquirido da última, sobre sua manifestação anterior ou incidência em
fase contemporânea e, finalmente sobre os recursos terapêuticos postos em prática
e os resultados deles obtidos (21).
Esse sistema de investigação, essencialmente “sintomatológico” e
“semiológico” professado na Salpêtrière por Louis-Léon Rostan, era o adotado no
Rio de Janeiro por Manoel Joaquim de Valladão Pimentel e por seu discípulo e
continuador João Vicente Torres Homem, com as variantes naturalmente impostas
pelas preferências inevitáveis da personalidade, pela evolução incessante da Arte e
pelo aprimoramento constante dos seus recursos. É assim que já se sente na
técnica de Torres Homem um aperfeiçoamento sobre o processo de Rostan, trazido
indubitavelmente pelos progressos do “anátomo-patalogismo” e pela importância,
cada vez maior, dada à necessidade de se poder determinar clinicamente, em vida e

84
Há quanto tempo está doente?
68

tempo útil, as mesmas lesões que o escalpelo mostraria posteriormente no cadáver.


Essa pesquisa, parte da semiótica, recebeu de Pierre-Adolph Piorry85 o nome de
“Organoscopia” e dela diz Eugène Bouchut86, ser, como método, “uma das
consequências mais felizes da anatomia patológica” (22). Com seu auxílio, Torres
Homem eleva, no exame clínico, a exploração dos órgãos e aparelhos à mesma
proeminência a que os seus maiores haviam feito chegar à inspeção geral do doente
e a colheita dos comemorativos. Comparando-se o que ele escreve no seu livro de
propedêutica (23) com o que vem exposto no tratado de Louis-Jules Béhier87 e
Alfred Hardy88 (24) verifica-se claramente a influência desempenhada por estes na
pesquisa organoscópica de Torres Homem, isto é, na sua tática de usar a mão na
aplicação simples de sua palma, na pressão, na palpação e no toque; na sua
maneira de percutir, auscultar e proceder à “sucessão hipocrática”; no seu modo de
utilizar a mensuração, as sondas, os espéculos, as lentes e o microscópio; no
sentido com que aproveitava o auxílio incipiente do laboratório como complemento
precioso para o diagnóstico. A esses elementos juntava o professor carioca a
termometria de cuja divulgação no Brasil ele foi um dos promotores assim como da
disseminação das doutrinas de Wunderlich89 sobre a temperatura e a febre, cujo
conhecimento lhe teria chegado por intermédio dos livros de Jaccoud90 de 1868 e
1869 (25), ano em que já estava usando o termômetro, e parece que o de Fastré91 ,
nas enfermarias de clínica da Faculdade (26); a laringoscopia de que se mostra

85
Pierre Adolph Piorry (1794 – 1879): Médico e poeta francês, serviu nas guerras napoleônicas em
Espanha no início de sua carreira. Aluno de Corvisart, Broussais e Bayle, inspirado pela técnica
auscultatória de Laennec desenvolveu e divulgou a percussão como parte do exame físico. Publicou
cerca de vinte livros textos e seu extenso poema Dieu, L’ame et la nature de 1853 alcançou grande
repercussão à época. Criou neologismos médicos como toxina , toxemia e septicemia que são ainda
utilizados hoje.
86
Jean Antoine Eugène Bouchut (1818 – 1891): Médico francés. Desenvolveu instrumento tubular
para intubaçao endotraqueal e introduziu a técnica no tratamento da crupe. Cunhou o termo
“nervosismo” referente á neurastenia, e “cerebroscopia” referente á oftalmoscopia. Escreveu também
sobre a história da medicina.
87
Louis Jules Béhier (1813 – 1876) : Médico francés, professor de clínica médica da Faculdade de
Medicina, criador dos laboratorios do hospital Hôtel-Dieu e introdutor em França do método inglês de
tratamento de pneumonia com álcool.
88
Louis Phillipe Alfred Hardy (1811 – 1893): Médico francês. Inventor de loções dermatológicas
composta de sublimado corrosivo, sulfato de zinco e acetato de chumbo.
89
Carl Reinhold August Wunderlich (1815 – 1877): Médico alemão. Na obra Das Verhalten
Eigenwarme in Krankeiteen (1868), descreveu a curva de variação térmica observada em pacientes
com febre tifoide.
90
François Sigismond Jaccoud (1860 – 1913): Médico francês. Publicou Leçons cliniques (1867) e
Traité de pathologie interne (1869). Dirigiu a redaçao do Nouveau dictionaire de medicine et de
chirurgie pratiques.
91
Ver nota (26) do autor que faz referência ao Termômetro de Fastré.
69

entusiasta; a oftalmoscopia e seu complemento a “cerebroscopia” aplicada por


Bouchut desde 1863 e cujas conclusões no assunto são criticadas, resumidas e
divulgadas em nosso país pelo livro que Torres Homem publicou em 1870 (27); e,
finalmente, a esfigmografia, empregada pela primeira vez no Rio de Janeiro por
Teixeira da Rocha nas suas enfermarias do Hospital da Santa Casa da Misericórdia
(28). Quanto à espirometria, - cita-a o mestre brasileiro, mas apenas de leitura,
porque ele próprio confessa nunca ter se utilizado da aparelhagem respectiva,
acrescentando não lhe constar que na época e no ambiente, “colega algum tenha
lançado mão deste meio de exploração” (29), a respeito de cujo valor, aliás, mostra-
se cético: “... a falar a verdade não vejo vantagem real para a medicina prática em
conhecer-se com exatidão a capacidade vital dos pulmões de qualquer indivíduo.”
(30)
Além de Rostan, Béhier e Hardy, parecem ter desempenhado influência
considerável sobre Torres Homem, principalmente no que diz respeito aos capítulos
da percussão e da ausculta, - as ideias de Piorry, cujos exageros ele aliás combate
e ironiza, esposando, até nisso, as opiniões do mentor da Salpêtrière, que em certa
altura de sua obra, - discreta mas seguramente, mete o dente no mago da
plessimetria (31); as doutrinas de Skoda92, difundidas nos países de língua latina na
tradução feita por Aran sobre a quarta edição do compêndio vienense (32); os
princípios de Barth e Roger, cujo “Traité Pratique d'Auscultation Suivé d'un Précis de
Percussion” sobre seu livro abundantemente citado por ele, teve ainda sua
divulgação, entre nós, ampliada em adaptação nacional, cuja segunda tiragem vai
merecer um prefácio do próprio Torres Homem (33).

São pois Rostan, diretamente ou por intermédio de Valladão e mais, - Behiér,


Hardy, Skoda, Barth e Roger, além do semi-deus Laennec93, os mestres que mais
influenciaram na formação propedêntica de João Vicente Torres Homem. É pelo
menos o que se comprova da leitura dos seus “Elementos de Clínica Médica” onde
estão condensados os princípios básicos adotados pelo admirável clínico patrício na

92
Joseph Skoda (1805 – 1881): Médico tchecoeslovaco. Descreveu o aumento da ressonância à
percussão da porção superior do pulmão enquanto a parte inferior do órgão é comprimida, observado
em pacientes com pneumonia - (sinal de Skoda)
93
René-Théophile-Hyacinthe-Laennec (1781 – 1826): Médico francês. Especialmente famoso pela
introdução à prática da ausculta através do desenvolvimento de um protótipo rudimentar de
estetoscópio. Publicou suas experiências com esta nova técnica semiológica , em 1819, em tratado
intitulado Traité d’auscultation médiate et des maladies dês poumons et du coeur, causando
enorme sensação no meio médico.
70

arte do exame do homem doente94. E se essa estrutura nada tem de original do


ponto de vista da pura estratégia que é toda ela copiada de Rostan e compilada dos
autores citados acima, em compensação e como veremos adiante, considerado do
ângulo tático, Torres Homem aparece extraordinariamente pessoal, - aproveitando,
assimilando e transformando esse material adquirido, com os invejáveis
instrumentos de que dispunha sua mentalidade realmente superior: - o adestramento
e a presteza dos seus sentidos, sua memória prodigiosa, a invenção de seu talento
que ofusca, a capacidade de sua imaginação que deslumbra. E não se estranhe que
a “imaginação” seja chamada a figurar como complemento do espírito de um clínico.
É o próprio Rostan quem reclama para o médico e para o observador perfeito de sua
idealização, essa qualidade indispensável que viria completar no mesmo, as de
sensibilidade, gosto, sagacidade, atenção e suscetibilidade (34). Não seria, aqui, o
caso da imaginação falaciosa e desordenada,- criadora da ilusão e do erro, mas da
outra, reflexiva e ordenada, serviçal lógica da síntese e da análise e cujos atributos
são postos por Anatole France95 na boca de Santa Catarina de Alexandria “L'
imagination assemble et compare; elle ne creé jamais”. Não cria nunca. Isto é, - não
falsifica nunca. Reúne e compara. Isto é, - elabora e conclui.96
Essas qualidades mestras transparecem sempre nas observações clínicas de
Torres Homem, - resumo do essencial, onde nada existe de mais ou de menos onde
se sente o propósito de quem trabalhava no sentido de diagnóstico, despreocupado
do acúmulo dos fatos negativos ou do detalhe fatigante, - apanágios dos repositórios
clínicos de hoje, frutos de uma técnica deslatinizada e literalmente escrava da
intenção estatística. Dessas observações ficou-nos o modelo propedêutico, sem
que, infelizmente, Torres Homem nos legasse a sistematização conjunta dos
preceitos que caracterizavam seu processo diagnóstico. São esses preceitos que
vamos tentar reconstruir, buscando-os onde se lhe projetou o gênio não superado: -
nas páginas da mais importante, da mais profunda e da mais variada obra da
medicina clínica já criada em nosso país.

94
No fólio 11 encontra-se na margem superior esquerda o seguinte registro: “voltar a essa página
como guia a ser desenvolvida”.
95
Jacques Anatole France Thibault (1844 – 1924): Escritor francês cuja obra de acento cético
alcançou grande repercussao junto ao público à época. Seu primeiro grande sucesso literário foi O
crime de Sylvestre Bonnard. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto da obra em 1921.
96
No fólio 12 na margem superior à esquerda temos o seguinte registro em lápis preto: “ir
completando essa página à medida que forem feitos os itens de inspeção e exame clínico”
71

Procurando fazer essa exegese, estudaremos o “Processo de Torres


Homem”, sucessivamente através dos seus métodos de Inspeção, de
Interrogatório,97

NOTAS:98

(1) T.H: ECM, p. 52.


(2) T.H: ECM, p.45, 47, 58, 79.
(3) Léon Rostan: “Cours de Médecine Clinique, ou son exposés les principes de la Médecine
Organique”; ou “Traité Élémantaire de Diagnostic, de Prognostic, d'Indications Thérapeutiques, etc”.
Béchet Jeune, Libraire, Paris, 2ª edição, 1830, tomo I, p. 173, 199, 202, 203, 211, 212, 213.
(4) T.H: LMSN, p.91.
(5) T.H: CM1, p.226.
(6) T.H: CM1, p. 60.
(7), (8), (9), (10): T.H: LMSN, p. 14, 31, 32, 64, 125.
(11) T.H: CM1, p.125.
(12) T.H: CM1, p. 463.
(13) T.H: CM1, p. 584.
(14) T.H: FRJ 1º ed. p.201.
(15) T.H: CM2, p. 298.
(16) ver nota nº [?] do Apêndice.99
(17) T.H:[?] p.47,48,52.100
(18) Léon Rostan: op. cit. nº 3, p. 174.
(19) Léon Rostan: op. cit. nº 3, p. 179,180.
(20) Léon Rostan: op. cit. nº3, p. 112, 181.
(21) Léon Rostan: op. cit. nº 3, p. 202.
(22) Eugène Bouchut: “Histoire de la Médecine et des Doctrines Médicales”, Libraire Germer Baillière,
Paris; 1873, tomo II, p. 551.
(23) T.H: ECM, p.82 e seguintes.
(24) Louis-Jules Béhier e Alfred Hardy: “Traité Élémentaire de Pathologie Interne”, Labé, Paris, 1858,
tomo I, p. 175 e seguintes.
(25) T.H: ECM, p. 99.
(26) T.H: ECM, p. 100 e seguintes; e mais, Antônio Francisco dos Santos Bastos: “Do Diagnóstico em
geral” dissertação da tese sustentada perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a …........
Rio. 187.... Nessa tese se lê à página 28: “Aqui mesmo no Rio de Janeiro, temos sido testemunhas
oculares de sua aplicação ao estudo das moléstias, - na clínica da Faculdade. O termômetro
empregado nas investigações clínicas é um termômetro especial; ele deve ser preparado para esse
fim, e o de Fastré tem todas as condições exigidas e é também o mais empregado. É ele um
instrumento pequeno, tendo nas suas divisões em décimos de grau, 5º abaixo de zero e 45º
acima;´pode ser de mercúrio ou álcool, preferindo-se o preparado pelo álcool, por causa de maior
facilidade que há em seguir-se as oscilações.”
(27) T.H: ECM, p.122.

97
O registro do ponto final da última frase da introduçao não foi observado no manuscrito pelo
pesquisador. A frase termina com uma vírgula no meio da relação que o autor faz dos capítulos que
viriam a seguir. Pedro Nava pretendia escrever quatro capítulos na biografia de Torres Homem. De
acordo com o método diagnóstico de João Vicente Torres Homem seriam a inspeção, o
interrogatório, a avaliação do cadáver ou necrópsia e, finalmente, a a análise e discussão dos dados
objetivando o diagnóstico final. Somente os dois primeiros foram concluídos. É possível que o autor
aguardasse a finalização dos dois últimos capítulos para terminar a sentença.
98
Notas de autoria de Pedro Nava, identificadas no texto pelo autor com numerais arábicos entre
parênteses e registradas no manuscrito ao pé da página nos fólios correspondentes. Optamos por
reuni-las ao final dos capítulos correspondentes com o intuito de diferenciá-las das notas do
pesquisador. Foi mantida a grafia registrada por Nava.
99
O autor não identifica a nota a ser consultada.
100
O autor não identificou a fonte no manuscrito.
72

(28) T.H: ECM, p.130.


(29) T.H: ECM, p. 98.
(30) T.H: ECM, p. 93.
(31) Léon Rostan: op.cit. nº3, p.186.
(32) Joseph Skoda: “Traité Pratique de Percussion et d'Auscultation” - trad.francesa de F. A. Aran,
Labé, Paris, 1854.
(33) Pires de Almeida: “Compêndio de Percussão e Escuta, adaptado do original francês de Barth e
Roger ao ensino da medicina, no Brazil; e acrescentado de valiosas observações e notas extraídas
das lições do Prof. Torres Homem” Lopes do Couto Comp, Editores, Rio, 1882.
(34) Léon Rostan: op.cit. nº3, p. 212.
73

Capítulo I

Inspeção

“Le regard arrête, assure et eclaire tous les pas du


corps.” 101 (Bossuet)

“A primeira coisa que se faz, logo que se chega ao


pé de um doente é olhar para seu exterior. Sua
fisionomia atrai, em primeiro lugar a atenção do
observador [...] o médico deve dirigir um olhar
atento para todas as regiões [...]” (Torres
Homem).

Olhar com atenção e fixar exatamente – eram para João Vicente Torres
Homem, a resultante natural da agudeza da vista e da capacidade retentiva da
memória visual. A prova dessa aptidão inata está nas reminiscências de lugar e nos
detalhes de paisagem associados maquinalmente à história de quase todos os seus
pacientes. Assim ambientadas, essas figuras melancólicas recortam-se nas páginas
onde são evocadas com o mesmo toque de vida e o patético de humanidade que
conferem forma e presença ás personagens realizadas pelo gênio dos ficcionistas.
O singular a propósito e o senso realista que o mestre brasileiro punha
nessas marcações, o bom gosto correntio e a nenhuma vulgaridade dos seus
flagrantes, ─ são uma das chaves da fascinação imutável exercida pela leitura de
suas observações. Mesmo a daquelas cientificamente pretéritas, - porque, apesar de
esvaziadas pelo tempo do conteúdo perecível de sua doutrina – nela permanece,
vivendo e palpitando, o seu sentido de poesia que involuntariamente lhes foi
transmitindo pela invenção artística do autor.
Essa prodigalidade descritiva aparentemente inútil, não é outra coisa, senão a
composição coerente das impressões fornecidas à inteligência de Torres Homem
pelos órgãos apuradas de sua sensibilidade extraordinariamente alerta e sempre
vigilante. E sobre darem colorido e vivacidade aos casos versados, ela incorria ainda
para enriquecê-los da contingência que os dramatizava e que por sua vez induzia à
piedade que todo médico deve pôr no contato com seus doentes. Isso faz com que

101
O olhar para, se assegura e esclarece todos os passos do corpo.
74

esses detalhes, sempre interessantes pelo pitoresco, não se tornem nunca


supérfluos, uma vez que concorrem na inspiração de sentimentos éticos, de
comunicação, de solidariedade, de comiseração.
O velho Augusto Braut Paes Leme falando aos médicos brasileiros nas
festividades que estes lhe tributaram, pouco antes de sua morte (eu o ouvi),
comparou em palavras francas e severas a posição de espírito dos operadores de
sua geração com a dos cirurgiões contemporâneos. Lamentava e estranhava que os
últimos referissem sua experiência exclusivamente ao número e ao fato de suas
intervenções cirúrgicas: - “Tenho tantas apendicectomias”, diz um. – “E eu, tantas
histerectomias”, conta outro. Ao que o venerando brasileiro obtemperava que no seu
tempo não se operavam estes apêndices ou aqueles úteros, mas os “apêndices
destes homens” ou as “madres daquelas mulheres”. Porque o caso antes de clínico
ou antes de operatório era inevitavelmente um caso humano. E em Torres Homem
encontramos sempre essa mesma altura moral que foi padrão duma época. Todos
os seus casos constituem permanente lição de humanidade brotando dos laços
comoventes retidos pelos seus olhos e que sua imaginação revivia com a
oportunidade e a destreza de um artista consumado.
“...em um tílburi, da rua do Aterrado à rua de S. José” (34) é como nos dias 19 e 20
de julho de 1874 ia o seu doente “João Quintella, português de 42 anos de idade,
condutor de carroça de carne” - a consultar o médico, usando um veículo igual
àquele com que o Camillo, de “A Cartomante”, de Machado de Assis, atravessava as
ruas do mesmo Rio imperial que Torres Homem sentiu e conheceu, ao encontro do
bravio Villela e dos seus “dois tiros de revólver”.
De “[...] um pobre militar reformado que vi em conferência na rua da Princesa dos
Cajueiros” (35) é a figura que ele rememora e cuja localização nos baixios obscuros
da velha Freguesia de Sant'Ana e mais a morte de solitário, - “fulminado pela
traqueorragia durante o sono”, fazem lembrar a humilde, a cotidiana tristeza de outro
reformado, o de Manuel Bandeira, - “major”, “veterano da Guerra do Paraguai” e
“herói da Ponte de Itororó”.
A referência ao lugar de morada dos doentes vem sempre como uma espécie
de ponto de reparo, de processo, de identificação dos vários casos, de sistema de
qualificação de cada paciente, - como se nota a propósito daquele “moço do Cosme
Velho” (36) acometido de “tuberculose aguda”, ou de dois outros jovens salteados de
sífilis pulmonar, o primeiro, - “português, caixeiro de um armazém de carne seca da
75

rua do Mercado” (37), ─ o segundo empregado “de cavalariça em uma cocheira de


alugar carros na rua da Lampadosa” (38).
Ao mesmo tempo que a enumeração dos sintomas e que a especificação das
peculiaridades clínicas das doenças, desfilam continuamente nas lições de Torres
Homem as ruas e paisagens da cidade que ele trazia gravada na retina. E a
lembrança desses lugares que aqui e ali vai abrindo claros e perspectivas nas
preleções – subitamente refrescadas pelas atmosferas salinas de Icaraí e da Praia
das Flechas, pela maresia do Boqueirão e do Flamengo (39), pela finura serrana dos
ares de Paula Matos (40) e de Santa Tereza (... “aprazível colina [...] coberta de
matas virgens [...] não maculadas pelas impurezas e pelos miasmas que os ventos
sopram do coração da cidade”...) (41), - ou superpostas de repente à reverberação
azul e ouro dos céus vibrantes da “base da serra da Tijuca”, do “fim do Andarai
pequeno”, do “alto do Rio Comprido” (42) e ao pitoresco urbano ao sussurro coletivo
da “travessa das Partilhas” (43), da “rua do Areal” (44); da “rua dos Pescadores”
(45).
Com essa captação visual e artística do meio que o cercava, Torres Homem
coloca-se sem intenção entre o grupo de médicos de que Feijó Bittencourt diz
tornarem-se “escritores sem par de antiqualhas” porque em sua imaginação “duas
fisionomias se gravam: a da cidade e as das pessoas” com quem convivem (46). É
o caso de Silva Maia e de Vieira Fazenda102, que servem de exemplo ao historiador
patrício. É ainda o caso de Torres Homem quando, na entrada em matéria de sua
lição sobre a “febre intermitente simples”, retrata com uma precisão admirável a
zona do Município Neutro, - nos “extensos e numerosos pântanos” que a cortavam
até mesmo nas ruas centrais da Corte, onde o “comércio se ostenta com mais
atividade e opulência”; nos seus brejais; nos seus aterros; na pestilência da
“chamada cidade velha que fica aquém do Campo da Aclamação” e no fétido das
ruas da cidade nova, próximas ao Canal do Mangue e de suas águas “estagnadas,
dormentes, lodosas” (47).
A topografia carioca é inseparável da história dos doentes e reponta a cada
passo nas lições de Torre Homem, nas ruas estreitas onde ele nos faz penetrar, ora
na habitação de que mostra um “pequeno quarto escuro e mal arejado” (48), ora

102
José Vieira Fazenda (1874 – 1917): Médico, historiador e político carioca. Publicou Antiqualhas e
memórias do Rio de Janeiro, composta de vários volumes na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
76

numa chácara encravada em plena rua da Ajuda (49), ora numa casa de “francesa
recentemente chegada”, à rua do Ouvidor (50), ora no pacato, no repousante “Hotel
Vista Alegre” em Santa Tereza (51), ora no centralíssimo “Hotel Ravot”(52),
movimentado pela freguesia veterana e folgazã do Moreaux e da Madame Solange
(53).
Do mesmo modo como as reminiscências locais da cidade percorrida dia e
noite em todas as direções e fixada nos quadros reproduzidos automaticamente
como detalhes obrigatórios dos acontecimentos relatados, - parece que Torres
Homem era dotado ainda de notável capacidade no guardar a lembrança das
pessoas com quem entrava em contato. Há várias passagens deixadas entrever por
ele mesmo, onde fica provada sua aptidão de fisionomista.
É assim que conta como em 1862, encontrou na Praça da Constituição,
reconheceu e abordou em conversa sobre sua doença, a um homem que havia
assistido um ano antes no “leito nº 14” do serviço do Barão de Petrópolis (54).
Em 1870, e em companhia do Dr. Albino Alvarenga trafegava pela rua dos
Pescadores quando lhe surge pelos passos um Thomé, preto liberto, que ele tratara
em 1869 de uma descompensação cardíaca na clínica da Faculdade. Lembrado do
negro que por sinal tinha ocupado ali o “leito nº12” e lembrado mais das
peculiaridades de sua lesão orovalvular, - uma insuficiência mitral, - logo o recolhe
ao interior de uma loja para examinar-lhe o coração, verificando que “os fenômenos
estetoscópicos persistiam no mesmo estado em que ... os tinha observado” quando
o doente deixara a enfermaria (55).
Em 1879, numa de suas memoráveis lições sobre o “Pleuris”, descreve a
cena de um corre-corre familiar desenrolado numa casa de arrabalde a que acorrera
como médico em 1869, - com tal riqueza de pormenores e com tal luxo de
circunstâncias que é como se ainda tivesse presente e estivesse vendo a situação
dramática presenciada dez anos antes. Nada lhe escapou. De nada se esqueceu.
Desde a posição em que surpreendera a doente (“fiquei logo impressionado pela
atitude que ela conservava no leito: fortemente inclinada sobre o lado esquerdo do
tronco, apoiando a mão deste mesmo lado sobre o colchão”), até a expressão
agoniada de sua face (“com a boca aberta, os lábios cianóticos, banhada em
copioso suor frio, com os olhos semi-fechados”). Desde as transes da sua luta
contra a falta de ar (“fazia esforços inauditos para respirar, pondo em contribuição
forçada o lado direito do tórax que era único que se movia um pouco”), ao
77

atropelamento dos circunstantes no tumulto das providências (“juntas da pobre moça


estavam algumas pessoas, inclusive o marido, que a abanavam com leques e
ventarolas”) (56).
A aptidão mostrada por Torres Homem no reter facilmente características
ambientais e no guardar indelevelmente as fisionomias das pessoas, refletem bem o
conjunto de atributos individuais de suscetibilidade e das propriedades inatas de
atenção visual que o armavam de prodigiosa eficiência nessa dificílima parte do
exame clínico que é a inspeção do “hábito externo” do paciente. A isso ele somava
aquele instinto de adivinhação artística e de imaginação criadora que transformam o
exercício simples da capacidade natural de olhar na qualidade complexa e delicada
da clarividência penetrante e da sagacidade atilada.
São esses atributos, quando postos ao máximo, que levam às vezes os
artistas plásticos, - homens de temperamento essencialmente visual, - a se
constituírem em iconografistas sem rival de expressões, tipos, doenças e defeitos, -
cuja veracidade flagrante só não pasma, partindo de leigos, porque o que lhes falta
do conhecimento anatômico, funcional e clínico, que poderia parecer indispensável
para as suas interpretações, é substituído pela sutileza de observação do gênio
onipotente.
Nessa ordem de ideias, não é possível encontrar uma representação mais
perfeita da figura constitucional do escleroso hipertenso que naqueles ombros
quadrados e maciços, naquele pescoço taurino e breve, naquela cara apoplética e
túmida do Van der Poële103 na tela do Museu Comunal de Bruges, - onde nem falta
o detalhe patognomônico do relevo e das flexuosidades do ramo frontal da artéria
temporal superficial.
O mesmo experimentado e preciso Antonio Elfinger104 cujas ilustrações para o
“Atlas” de doenças da pele de Ferdinand Hebra105 são verdadeiras obras primas, de
desenho, - nunca acharia, só guiado pelo instinto, do realismo de forma e a
veracidade de colorido que transformam a máscara intemperante do velho pintado

103
Egbert Van der Poël (Delft, 1621 – Roterdam, 1664): Pintor holandés pertencente à Guilda de São
Lucas de Delft. Representante da idade de ouro da pintura holandesa.
104
Anton Elfinger (1821 – 1864): Médico e ilustrador austríaco.
105
Ferdinand Ritter von Hebra (1816 – 1880): Médico austríaco. Conhecido como um dos fundadores
da Nova Escola de Dermatologia de Viena, que foi um importante grupo de médicos
queestabeleceram aa bases da dermatologia moderna.
78

com seu neto, do Ghirlandayo do Museu do Louvre , na mais completa e magistral


lição que se possa desejar sobre a “acne hipertrófica do nariz”.
A imaginação estética antecede, muitas vezes a qualificação das entidades
pelos patologistas. Ainda não existia neurologia e nem se sonhava com
neurologistas e já um artesão medieval deixara individualizado o “espasmo glosso-
facial” numa carranca da Igreja de Nôtre-Dame de Dijon. As particularidades do
esqueleto dos acondroplásicos não eram conhecidas e nem essa forma especial de
nanismo estava clinicamente diferenciada e já o grupo dos homúnculos do afresco
do Tiepolo representa um estudo de anatomia, movimento e posição que só seria
possível a quem tivesse olhos como os do veneziano, ─ capazes de adivinhar a
lordose lombar, a projeção anterior do bloco sagrado, a participação da cabeça do
perônio na articulação do joelho e as alterações da proporção tíbio-femural e radio-
umeral dentro do micromelia, - que são o arcabouço sobre o que se modelam as
formas curtas e lépidas desses “bassets” humanos, há um tempo comoventes e
grotescos.
É evidente que não vamos levar a apologia de Torres Homem ao ponto de lhe
dar os mesmos olhos do decorador da capela grande de Santa Maria Novella ou do
pintor de Carlos III da Espanha. Mas é certo que se entrevê no que existe de
autoreminiscente em sua obra, ─ o temperamento visual incontestável, a
sensibilidade afinada e alta, ─ tudo ao lado da memória assídua e persistente da
coisa vista. São essas faculdades que o talharam como a ninguém para a
observação dos pacientes que conferiam à sua “Inspeção” o sentido da atenção
veemente, da curiosidade sustenida, da decomposição infatigável e apaixonada que
são a superioridade do médico realmente dotado de talento ou que possua antenas
para o mistério do corpo humano, que lhe é entregue como na palavra de Marcel
Proust, - para “admirar como um espetáculo ou interrogar como um fenômeno”.

*
* *

A inspeção de Torres Homem começava pela cabeça e nesta pela face do


paciente: “Sua fisionomia atrai em primeiro lugar, a atenção do observador” (57).
Nessa parte do exame como em outros pontos que mencionamos, é seguida
ainda a orientação de Rostan, que principiava sua investigação externa, tendo em
79

vista os resultados fornecidos pelo aspecto do rosto (58), - no que se conformava,


aliás, com a sabedoria de Hipócrates que, antes de tudo, olhava a expressão para
nela assentar as bases do seu julgamento futuro: “In morbis autem acutis imprimis
quidem aegroti facies sic in considerationem adhibenda, sitne bene Valentium,
praecipueque sui ipsius similis”106 (59). Ordem clássica, que é a ordem lógica e a
ordem instintiva do interesse e da curiosidade, - se quisermos parafrasear Gerdy107
e considerar com ele que, a cabeça é o homem e que este se pinta e se reflete na
fisionomia, como se fizesse num espelho (60).
Se essa afirmativa tem cabimento, referindo-se ao indivíduo são, - mais se
justifica quando se trata de pessoa doente. É realmente o seu parecer que convida o
observador a dirigir suas pesquisas na direção de determinado órgão, a
circunscrevê-las num território definido (61), se é que não permite, muitas vezes ao
médico experiente, a presunção do diagnóstico ou seu enunciado de certeza.
Em Torres Homem a preocupação com a máscara dos pacientes é um
fenômeno, por assim dizer, constante. Raros são os relatos onde ele deixa de
acentuar com sua costumeira minudência as modificações apresentadas por ela, -
desde aos simples trejeitos estereotipados pelo sofrimento, até aquelas alterações
qualitativas e quantitativas que entalham ao indivíduo os sulcos característicos dos
males de agora ou lhe esculpem no rosto os relevos premonitórios dos acidentes
vindouros.
“Sua face perdeu o aspecto triste que tinha” (62), escreve a propósito de uma
Basília, tratada na enfermaria de clínica da Faculdade, em 1869, quando essa
começa a melhorar das suas sezões e a caminhar pelo hospital “apoiada no ombro
da enfermeira”. Neste pneumônico é a “ansiedade” (63) que ele nota traduzida nas
feições. O “espanto e a estupidez” (64) resumem admiravelmente uma figura de pré-
comatoso, ainda na fase de “simples atordoamento”, mas que não tardará em
mergulhar na treva engravescente do seu icto cerebral. De “angústia” são os traços
mostrados pela cara “pálida e retraída” (65) de um João Maciel, lusitano, nos transes
dolorosos e nos afogueamentos da sua infecção grave de “forma nevrálgica”.

106
Trata-se do início do capítulo 2 do obra de Hipócrates O prognóstico. O texto mostra a
importância da visão para a determinação etiológica da doença. “Nas enfermidades agudas deve-se
observar atentamente isso: em primeiro lugar o rosto do paciente – se é parecido com os das
pessoas sãs, e se, sobretudo, é parecido consigo mesmo.”
107
Pierre Nicholas Gerfy (1797 – 1856): Cirurgião francês. Seu nome está relacionado a vários
epônimos: Fibras de Gerdy, Fontanela de Gerdy, Fossa hióide de Gerdy e Ligamento de Gerdy.
80

“Terror” (66), “sofrimento” (67), “indiferença” (68), “fadiga” (69), “desânimo” (70),
“animação” (71), “êxtase” (72) são os outros moldes com que o meningismo veio
impor sua marca à aparência desse doente de “febre perniciosa” (66); o prejuízo
respiratório, à desse outro portador de “pleuro-bronquite” (67); o calor febril à
daquele acometido de “paludosa-tifóidea” (68), a dispepsia, à do indivíduo sofrendo
de “gastrite crônica” (69); a discrasia “hipoêmica”, à de tal opilado (70); o delírio
hipertérmico, à de determinado “remitente bilioso” (71); e, os “espasmos letárgicos”
da histeria, à de certa “yáyá” (72), “altamente colocada na sociedade pela posição
do marido”.
Além da precisão descritiva enuncida nessas qualificações fisionômicas que
retocam o retrato somático dos que as exibem é preciso considerar o valor do seu
conteúdo psicológico e a equivalência dos sentimentos que elas exprimem, trate-se
do reflexo de estados positivos de excitação, ou, do resultado de situações
negativas de depressão108. O que, tem uma enorme importância para o médico
atento ao espírito do cliente e que avalia, com circunspeção, as consequências que
suas reações afetivas podem ter sobre o proveito de um tratamento e a evolução de
sua doença. É bem possível que o cuidado que o semblante merecia de Torres
Homem, não fosse um pormenor de somenos na atenção dispensada por ele a toda
inspeção externa, mas o ato inicial de sondagem de consciência em que estava
empenhado, sempre que procedia a um exame clínico mais interessante.
Automatismo do psicólogo prevenido e penetrante cuja habilidade procuraremos
demonstrar quando for estudado o seu sistema de anamnese.
Além da catadura no seu aspecto mímico, outras modificações mais
profundas dos traços do paciente eram sistematicamente valorizadas pelo mestre
brasileiro. As variações do colorido e as gradações da nutrição, - postas na equação
de seu significado clínico exato, reportam na descrição das figuras “emagrecidas” de
cirróticos (73), “encovadas” de tifentos (74), “vultuosas” de “brighticos”109 (75),
“empalidecidas”, de dispépticos (76), “amareladas” de cancerosos (77),
“entumecidas” de opilados (78), “ictéricas” de biliosos (79), “rubicundas” de
comatosos (80) ou “decompostas” de gangrenados (81).

108
No fólio 26, encontra-se escrito a lápis na margem superior esquerda o seguinte registro: “voltar a
esta pg. quando estudar a anamnese”
109
Referente a portadores da Doença de Bright – Nefrite crônica (epônimo devido ao médico
patologista inglês Richard Brigth).
81

É desnecessário acentuar o valor assumido na interpretação desses quadros,


pelo conhecimento da fisiologia da musculatura da face e pela avaliação de sua
excitabilidade, hipertonia, hipotonia e contratilidade. Veremos adiante, a maneira
como Torres Homem procedia a essa exploração semiológica quando analisarmos o
seu critério no estudo das paresias e paralisias. Por enquanto chamaremos apenas
a atenção para duas modalidades da composição facial, que ele trazia
frequentemente à baila e que dependem juntamente do jogo dos músculos, da
faculdade de deslisamento da pele e do aumento ou diminuição da respectiva
turgência. São a fisionomia “retraída” (82) e aquela outra que os tratadistas gauleses
chamavam, “grippée” - locução que o professor brasileiro traduzia com propriedade
de forma e exatidão de fundo, por “encrispada”.
“... sua face era pálida e encrispada, exprimindo angústia respiratória; mãos e pés
glaciais; vômitos frequentes e soluços...” (83).
“... os caracteres do pulso, pequeno, frequente e concentrado; o aspecto da face, a
que os médicos franceses chamavam grippée e eu dou o nome de encrispada ; a
angústia respiratória; as desordens de colorificação periférica, e o soluço dão ao
quadro patológico grande realce...” (84).
A constância com que os distúrbios das partes moles do rosto, se reúnem em
sabidas situações, compondo um conjunto sempre idêntico, permitia aos clínicos de
todos os tempos fixar certo número de “facies” patognomônicos de determinadas
doenças ou de dados arranjos sindrômicos.
Torres Homem não os esquecia. Encontramos na sua obra várias referências
a esses elementos decisivos no diagnóstico. Desde aos “hábitos” especificados
pelos clássicos, como o “facies stupida” (85); o “facies tuberculoso” (“... assinalado
por Areteo110, descrito com mão de mestre por Gueneau de Mussy... face pálida às
vezes com uma placa rósea em ambas as regiões malares ou em uma só, olhar
lânguido e melancólico...”) (86); o “facies de Corvisart” (“que aos olhos do médico
experimentado denunciam a afecção cardíaca”) (87) e, o antigo, o funesto, “facies”
hipocrático” (“... nariz afilado, têmporas deprimidas, bochechas encovadas, orelhas
salientes e lábios pendentes, tais são os traços predominantes desta face, realçados
por uma palidez lívida, que prenuncia uma morte próxima”.) (88), - até aqueles em

110
Areteo da Capadócia (81 – 138): Médico grego da escola eclética. Sua obra é composta por oito
livros divididos em doenças crônicas e agudas. Realizou notáveis descrições de pneumonia, pleurisia,
empiema, diabetes, tétano, elefantíase, difiteria e insanidade.
82

cuja descrição o internista carioca colabora com os elementos tirados da sua


memória experimentada e de sua imaginação fecunda como o “facies pneumonico”,
o “facies opilado”, o “facies amarilico” e o “facies crapulario”.
A propósito do primeiro (89), ele coloca nos justos termos a questão do rubor
facial do lado oposto à lesão pulmonar; de que Jaccoud fez um autêntico “cavalo de
batalha” (90), - considerando os cinco casos citados pelo eminente professor de
Paris “como verdadeiras exceções à regra geral por todos admitida”. Ele, Torres
Homem, mantinha seu ponto de vista que era, aliás, o clássico: “...sempre que tenho
encontrado a cor rósea da face entre os sintomas da pneumonia, ela tem tido por
sede o lado correspondente ao pulmão inflamado...”. Interpreta a sua semiogênese
como dependendo de “uma ação reflexa secundária que parte do plexo pulmonar,
vai ter ao encéfalo e daí se reflete sobre os nervos circulatórios”, - causando a sua
inércia, dando lugar à dilatação dos vasos e explicando assim, “não só a cor
vermelha da região malar, mas também o aumento de temperatura que a
acompanha”.
A propósito dos pneumônicos de raça negra, acentua o valor do sinal, hoje
esquecido e descoberto por Joaquim José da Silva, o mestre egrégio que ilustrou,
no século passado, a cátedra de patologia interna da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro e caracterizado por “um certo luzidio da face, um aspecto untuoso
especial”, o qual, continua Torres Homem, “observa-se com mais frequência do que
o rubor malar nos indivíduos de cor branca” sendo portanto “um sintoma indireto da
pneumonia que não deve ser desprezado, sobretudo nos casos de diagnóstico
difícil”.
Quanto ao segundo, é principalmente nos olhos que se exibem as
particularidades que permitem individualizar o “facies opilado”. No “descoramento
completo” da figura desanimada e túmida, “as pálpebras edemaciam-se”, suas
conjuntivas “tomam a cor branca” ou “amarela nacarada”, enquanto “as escleróticas
adquirem um ligeiro matiz opalino” e “o olhar torna-se amortecido e lânguido” (91).
No “tifo americano” o “facies” para cuja composição vamos buscar cada traço
nas descrições deixadas por Torres Homem, não é apresentado no “terceiro
período” da terrível infecção, - quando essa já se revestiu do conjunto imponente
dos sintomas que a tornam “conhecida e patente aos olhos menos experimentados”
(92). É aquele, onde apenas se esboçam os lineamentos prenunciadores do mal e
que permitia aos velhos clínicos patrícios o seu diagnóstico precoce, antes do
83

aparecimento da icterícia, - “muito rara no primeiro período da febre amarela” (93), -


bem como sua diferenciação de outras “pirexias” que assolavam o Império ou a
Cidade do Rio de Janeiro”.
Nessa ocasião a face se apresenta “túrgida” (94), “vultuosa” (95),
simplesmente injetada (96) e rubicunda (97) ou mesmo “violácea” (98). Os olhos
“lacrimejantes e muito sensíveis à luz” (99) exibem “ao lado do rubor das
conjuntivas”, um amarelado leve que serve de fundo da mistura das duas
tonalidades, resulta uma cor “semelhante à da casca da laranja seleta madura”, -
que é ainda mais patente nos ângulos óculo- palpebrais internos (100).
A fisionomia pode estar “animada” (101) mas em geral o que se nota é uma
expressão difusa de padecimento, langor e quebranto. As pálpebras baixam-se, ao
peso da cefaleia.
“...há no olhar... uma certa languidez, um certo indício de abatimento, que valem de
muito para quem tem o hábito de ver doentes no primeiro período da febre amarela”
(102).
“A intensidade da dor de cabeça, obrigando o doente a ter as pálpebras superiores
abaixadas; o quebramento das forças e grande abatimento, que desde os primeiros
dias são muito pronunciados; dão ao olhar do paciente um aspecto de langor e
sofrimento, que, reunido à cor dos olhos e à “injeção da face”, imprime à fisionomia
do indivíduo um cunho particular, de muito valor para o diagnóstico: é o olhar que se
mostra no ébrio que oscila entre os períodos de excitação e de colapso da
embriaguez” (103).
Mas onde sua prática, aqui entremostrada, da cara dos homens menos
sóbrios, - dos iniciados nos “prazeres de Baco”, segundo a expressão que lhe é
própria (104), vem mais perfeitamente marcada por Torres Homem, é na descrição
magistral, pitoresca, colorida e saborosa que ele nos dá do hábito externo de um
“antigo marinheiro de nossa armada” que depois de viver uma existência netuniana,
dionisíaca e pobre, - fora ancorar na mesa de autópsias, com passagem pelo “leito
nº 7” de sua enfermaria.
“Rubor limitado às regiões malares, bochechas túmidas e flácidas, lábios espessos
entreabertos de um vermelho arroxeado na porção da mucosa aparente, escoriados
e trêmulos, nariz engrossado na extremidade, avermelhado, com algumas pápulas
acneiformes, fossas nasais muito amplas, conjuntivas palpebrais hipertrofiadas e
descoradas, olhar incerto e lânguido, e tudo isso envolvido em um tênue véu de
84

tristeza e melancolia, eis em pálidos traços a fisionomia do pobre homem que pagou
tão pesado tributo ao vício a que entregou-se com paixão durante o longo período
de um quarto de século” (105). “Multa paucis!”111 Impossível melhor síntese, ou
moldagem mais bem vazada do “facies crapulario”!
A vantagem tirada do exame do semblante, quando a generalidade de suas
modificações lhe davam o significado de um complexo unívoco, - é a mesma que
Torres Homem colhia dos seus componentes, quando a perturbação isolada bastava
para fornecer o dado proveitoso à interpretação patogênica, ou, o indício útil à
demonstração diagnóstica.
Nas suas observações, os pormenores de cada região, cavidade ou órgão da
face, raramente, aparecem sob forma negativa. Quando o comemorativo intervém, é
para assumir, geralmente, o caráter do sinal positivo, do sintoma terminante.
As referências que deles são feitas, deixam entrever as partes sobre o que se
demorava a atenção do observador e, é a coordenação dessas indicações esparsas
nas histórias dos doentes, que permite a reconstrução do sistema seguido pelo
professor brasileiro nesse capítulo particularizado da inspeção clínica.
À cor da pele era atribuída grande importância. Ela figurava como princípio
seletivo norteando a diligência para as regiões orgânicas que, um descoramento,
uma vermelhidão ou uma hipercromia anormal do rosto, apontavam imediatamente
como suspeitas. Nesse doente é a “excessiva palidez” da face que, somada à
anamnese, leva ao exame do aparelho circulatório, “onde encontramos um quadro
sintomático muito complexo e instrutivo que torna fácil o diagnóstico de sua
moléstia” (106). Noutro, a “palidez lívida” mais os traços hipocráticos acentuados por
ela demonstram que “não é difícil reconhecer a primeira vista uma tísica em seu
último período” (107). A “palidez amarelada” (108), levanta a hipótese de um cancro
do estômago; a “cianose” (109), de uma cardiopatia; o “rubor moderado” (110) de
uma meningite; a “hiperemia” (111), de um icto apoplético. E, em certo paciente cuja
cara “apresenta uma cor esverdinhada muito notável, que impressiona a quem o vê”
(112), - não teria sido esse, o sinal menos indicativo, conduzindo Torres Homem a
rotular o caso como de uma “hepatite com tendência a supuração”.
Cada parte do rosto é esquadrinhada com o maior cuidado e analisada nos
menores detalhes. Na região frontal, - são reparadas as “estrias avermelhadas”

111
Expressão em latim que exprime a condiçao de dizer muita coisa em poucas palavras.
85

produzidas pelas linfangites; a “turgência venosa”; o “rubor”; as “vesículas” (113). Na


temporal, - a depressão cavada pela aproximação da morte; as artérias que se
salientam, - “bosseladas”, “tortuosas” e “ateromatosas” (114). Na das bochechas o
seu encovamento, ou então, sua entumecência que, com a da região malar, auxiliam
a identificação do “facies de Corvisart” (… “uma certa entumescência das regiões
malares e das bochechas... alguma injeção das conjuntivas e saliência das
pálpebras... pouca vivacidade no olhar, pouca expressão na fisionomia... uma
máscara de tristeza e sofrimento”...) (115).
Essas alterações, quase todas há dependência da maior ou menor pujança
do sangue circulante e das variações da hemodinâmica arterial e venosa, -
repercutindo sobre a nutrição, a elasticidade, a turgência, a embebição, a edemacia
e a desidratação do tegumento, - modificam profundamente a estrutura da face e
enriquecem de atributos clínicos úteis ao observador atento, as mesmas regiões que
se apresentariam vazias de significação propedêutica ao médico despreocupado e
rápido. O refletido internista que era Torres Homem, sobre todas se detinha com
paciência, perseverança e continuidade. E da decomposição de cada uma ia tirando
o que encontrava de positivo e útil para a síntese expressional da face, - estudo
semiótico que lhe resultaria incompleto, se ele não penetrasse ainda mais
profundamente e não tirasse das ondulações, das rugas, dos encrespamentos e dos
sulcos superficiais da pele, - as deduções fisiopatológicas concernentes ao estado
da musculatura sobre que ela repousa e de que recebe os movimentos que, -
estereotipam o ar patognomônico, no homem doente, da mesma forma que, - são a
condição da mímica normal, no indivíduo saudável.
Nessa ordem de ideias, devia lhe chamar inicialmente a atenção, a presença
dos estados de contratura que ele distribuía em “gerais ou parciais”, “passageiras ou
permanentes”, - distinguindo-as pelos “sinais locais que servem de muito para se
determinar quais os músculos afetados”, - como sua “saliência e dureza... forte
tensão dos tendões, rigidez e posições forçadas das partes comprometidas” (116).
Desse conceito da perturbação regional lhe resultaria a interpretação
patogênica dos retraimentos antálgicos, dos impulsos automáticos e dos
sobressaltos involuntários observados nos grupos motores da face, - trate-se
daqueles sobrevindos próximos às zonas dolorosas, segundo sucede na nevralgia
do couro cabeludo (“Nos casos em que as dores intensas manifestam-se com
frequência... os músculos vizinhos contraem-se involuntariamente, e por isso a testa
86

se enruga, as pálpebras fecham-se ou pestanejam constantemente...) (117); - trate-


se dos que se engrenam no arco das defesas reflexas como os que aparecem no
decurso de uma “meningite basilar” (“Coma profundo, face um pouco contraída,
alguns gemidos; os movimentos que são comunicados aos membros, sobretudo aos
inferiores, e ao tronco, provocam dor manifestada por movimentos expressivos dos
músculos da face...”) (117); - ou, trate-se, finalmente, dos que representam uma
resposta à solicitação irritativa de uma lesão encefálica grave como são os ictos.
(“Na congestão cerebral, o estado de resolução geral em que caem os indivíduos é
às vezes interrompido... em uns nota-se o estrabismo, a rigidez dos músculos
cervicais e dos que concorrem para o jogo do maxilar inferior...”) (118).
Esgares convulsivos tônicos e clônicos, - semelhança dos que ocorrem mais
habitualmente nas “indigestões gástricas e intestinais” da criança (119) ou nos seus
estados infecciosos (120); ticos desacompanhados de dor (121); estrebuchamentos
mioclônicos instantâneos e dolorosos (122); desvio hemiplégico, no assomo
apoplético (123); imobilidade assimétrica, por lesões sistematizadas, - tais são os
outros distúrbios da musculação, acentuados por Torres Homem sempre que se
retarda no estudo da face enferma.
Daqueles distúrbios são as paralisias instaladas no rosto que lhe mereciam a
análise mais demorada, a meditação mais delicada, o diagnóstico mais trabalhado.
Em linhas resumidas, o mestre carioca indica qual o procedimento do prático diante
desses casos, esclarecendo as atitudes responsivas que lhe compete provocar, da
parte do paciente, para reconhecer a inexistência, para admitir a presença ou avaliar
a extensão da incapacidade motora. “O médico deve mandar o doente contrair os
músculos, enrugar a testa, franzir as sombrancelhas, assobiar, soprar conservando
as bochechas cheias” (124).
Entretanto, não era assim tão simples como vem escrito nessas poucas linhas
dos “Elementos de Clínica Médica”, - a técnica do seu exame da mobilidade da face
e da motilidade dos músculos dessa região. É o que prova, a história daquele
sombrio farrapo humano, - mudo, estuporado, meio cego e babão, - que entrou para
a enfermaria de clínica interna da Faculdade, em março de 1867, - com um passado
atestado de reumatismos, supurações, úlceras, cancros venéreos, esquentamentos,
bubões e pústulas gálicas, e em quem Torres Homem foi “levado a admitir como
muito provável a existência de um tumor de natureza sifilítica no lado esquerdo da
cavidade craniana, determinando uma compressão na porção do cérebro de onde
87

partem os nervos do quinto e sétimo pares, o espinal e os laríngeos inferiores ou


recorrentes” (125). O pobre diabo apresentava, além de outras consequências dos
prazeres de uma libertinagem antiga e desastrosa, - paralisia direita dos músculos
pequeno zigomático, grande zigomático, canino, bucinador, orbicular da boca,
levantador do mento, masseter, pterigoidianos interno e externo, superciliar,
piramidal do nariz, levantador da asa do nariz e do lábio superior.
A certeza com que o mestre ilustre enumera a imobilidade de cada um desses
músculos ligando-a, - mais a perda da capacidade de articulação da palavra à sua
causa intracraniana, mostra a perfeição dos seus conhecimentos quanto à anatomia
miológica da face; à fisiologia dos nervos facial, trigêmeo, glossofaríngeo e espinal;
e, à conexão destes com os seus centros respectivos. E, mostra mais, a riqueza
semiótica que ele extraía da ciência bem dominada do mecanismo íntimo da
expressão e da mímica. Pois que, nesse estudo de decomposição motora, é
indispensável fazer executar pelo examinado toda uma série de movimentos,
reproduzir toda uma sucessão de gestos complexos ou simples, agonísticos ou
antagônicos, são o atributo indispensável para que se leve a cabo essa verdadeira
dissecção funcional dos músculos do rosto. No caso apresentado por Torres
Homem, suas conclusões teriam se baseado na provocação, - com resposta
negativa do lado doente e positiva do lado são, do levantamento para cima e para
fora da borda do lábio superior (pequeno zigomático) e de sua comissura (grande
zigomático); do deslocamento desta para cima e para dentro (canino) do franzimento
da boca (orbicular); da elevação simétrica da maxila (masseter), da sua lateralização
(pterigoidiano interno), da sua anteriorização, da sua rotação em torno do côndilo
imóvel e da roçadura de sua arcada dentária com a arcada de cima (pterigoidiano
externo); do constrangimento e do rebaixamento da pele da testa (superciliar;
piramidal); do alteamento do lábio da narina do mesmo lado (levantador da asa do
nariz e do lábio superior).
Além do ajuizamento dessas ações destacadas de cada músculo, teria
competido ao grande clínico avaliar da sua participação singular nos movimentos
compostos em que eles tomavam parte, sincronizando suas fibras às dos outros,
como quando o superciliar concorre no desenho da máscara da dor, da impaciência
e da cólera; o piramidal do nariz no da de agressividade, acometimento e combate; o
orbicular da boca no da de sobranceria, desdém e soberba; ou ainda, como quando
o bucinador auxilia o assovio e o sopro, e, - os pterigoidianos e o masseter somam;
88

combinam e alternam sua energia na obra de mastigar e no feito de ranger os


dentes.
Ainda aqui somos forçados a reconhecer o artista em Torres Homem. Porque,
sem querer, ele demonstra um interesse e um conhecimento do rosto e dos jogos da
sinonímia, uma penetração tão aguda na sua análise, uma compreensão tão sutil da
sua harmonia funcional, - que só seria possível, - assim espontânea e
despreocupada como transparece nas páginas de sua obra, ao morfologista, ao
médico e ao fisiologista que multiplicasse as possibilidades da sabedoria com a
força criadora da imaginação estética. Guardadas as proporções ele devia possuir a
intuição da figura humana, semelhante à que possibilitou a Giovanni Bellini a
invenção da obra prima de concordância anatômica e de equilíbrio de traços que é a
cabeça do Senhor Morto, na sua “Pietá” - onde basta olhar a boca entreaberta e
cansada para perceber que só a completariam anatômica e logicamente o afilado
justo e doloroso daquele nariz e o fechamento profundo daquelas pálpebras exatas,
e a serenidade lisa, proporcional, eurítmica, daquela fronte apaziguada.
Há flagrantes da estática ou da movimentação da face, cujo sentido clínico só
pode ser apanhado de relance pelo médico dotado desse discernimento plástico,
cuja existência, tentamos demonstrar como um dos atributos do temperamento
visual e sensitivo de João Vicente Torres Homem.

*
* *

Assim como essas regiões cerradas da figura, - os orifícios aí abertos, mais


os anexos e partes circunjacentes, - mereciam cuidados especiais de exame, que
punham sua inspeção na altura reclamada pela importância funcional que lhes
compete, - como órgãos iniciais da respiração e da digestão, ou, como cavidades
continentes do assento anatômico de três sentidos básicos. Nariz, olhos e boca mais
suas mucosas, peles e formações, eram submetidos pelo professor brasileiro ao
implacável trabalho de carda de onde resultavam os filamentos indispensáveis à
urdidura do diagnóstico.
No seu capítulo “Da introdução de sondas e espéculos”, Torres Homem se
refere ao “speculum nasi”, mas não se detém na técnica do seu emprego.
89

“Os intrumentos que os antigos chamavam speculum oculi, speculum oris,


speculum nasi, bem como os inventados por Bambolzini para o exame do estômago,
foram completamente abandonados. Tratarei exclusivamente do speculum auris, e
sobretudo do speculum uteri, o mais geralmente empregado, e também o mais útil”
(126).
O exame armado, interno das fossas nasais, - parece que, em certa fase do
século XIX, não merecia dos internistas a importância que hoje lhe é dada como
elemento subsidiário da exploração clínica. É o que se conclui do texto citado acima
e da leitura de outro, menos remoto, de Bouchut e Després, inteiramente omisso
quanto à valva naricular (127).
Não obstante, o interior do nariz era investigado por Torres Homem, pelo
menos quando às modificações apresentadas pela parte mucosa do vestíbulo, como
vemos no seu estudo sobre a sintomatologia da coqueluche (128), - parte essa
acessível à inspeção, desde que se levante as narinas e se imprima, à ponta do
órgão, deslocamentos para a direita e para a esquerda.
O sangramento, ou os vestígios deixados por ele, quando existentes, são
mencionados e avaliados segundo o seu significado local (129) ou segundo se
apresentem como dado relevante, ao lado do fluxo de outras mucosas, - dentro do
quadro geral de doença hemorragípara (130).
Os coalhos e as secreções ressecadas nas suas bordas não poderiam
escapar ao mestre brasileiro, desde que conferissem ao nariz aquele aspecto
impressivo e particular de que ele se aproveita, quando configura a síntese, não só
da máscara, como de todo o hábito e postura dos pacientes prostrados pela febre
tifóide, na fase em que “começa o segundo septenário, e o mal adquire... os seus
caracteres distintivos”.
“Os traços fisionômicos se alteram profundamente, o doente conserva-se em
decúbito dorsal, como se estivesse grudado no leito, não executa o menor
movimento com o tronco, suas faces tornam-se encovadas, as regiões malares
proeminentes, a boca fica entreaberta, deixando ver os dentes cobertos de fuligem;
as fossas nasais, ora se apresentam revestidas de pequenos coalhos sanguíneos
ora pulverulentas; o olhar torna-se fixo, sem expressão, exprimindo indiferença e
estupidez” (131).
Exteriormente, as alterações da forma e as modificações da pele, são
aproveitadas, ora, como elemento de presunção no prognóstico (o afilamento do
90

nariz, nos tísicos adiantados) (132); ora, meio de convicção no diagnóstico (o


engrossamento da sua extremidade, a vermelhidão incendiária, a presença de
pápulas acneiformes e a amplitude adquirida das ventas, que denunciam os
babados endurecidos) (133). E é nas gradações cromáticas do tegumento dos
sulcos naso labiais, que Torres Homem ia surpreender nos coloridos iniciais e ainda
tênues que antecediam o açafroamento generalizado, nas icterícias (134). Essa
verificação era sempre praticada, em concomitância à pesquisa do amarelado
equivalente das conjuntivas palpebrais e escleróticas e, da pele, em torno aos
lábios.
Olhos “inexpressivos” e “indiferentes”, de tíficos (135); “sem vivacidade”, de
cardíacos (136); simplesmente “abatidos” de amarelentos (137), ou “amortecidos”,
de opilados (138); olhos de “sofrimento”, olhos “vivos”, olhos “expressivos” dos
grandes febricitantes (139), olhos quebrados de “languidez”, dos infectados graves, -
são indicações frequentemente encontradas nas observações do professor carioca e
que mostram a importância que ele atribuia à disposição do olhar na fisionomia dos
pacientes. Em certas descrições ele domina todos os traços. Suplanta os outros
detalhes. Confere ao rosto doente a característica basilar e necessária. Vemos isso,
quando é evocada, de acordo com o modelo original do grande Esquirol,112 a face
epilética (“... intumescimento das pálpebras, espessamento dos lábios, incerteza do
olhar, dilatação das pupilas...”) (140); ou, quando são delineados os hábitos – de um
asmático em plena crise (“... banhado em copioso suor frio... os lábios arroxeados,
os olhos esbugalhados e fixos a boca aberta, o tórax saliente e abaulado, os
músculos cervicais fortemente contraídos...”) (141), e o de uma portadora de bócio
exoftálmico (“... assentada no leito nº 33, com o olhar fixo e desvairado, com os
glóbulos oculares salientes, como se quisessem sair das órbitas... com um tumor
formado pelo corpo tireóide, do volume de uma pequena laranja...”) (142).
É, o olhar, que subjuga no conjunto desses quadros, associado e sublinhado
por outros elementos da face e do soma. E nem podia deixar de ser assim, - tanto a
“expressão” é uma resultante composta. “A atitude e a postura”, diz Arthur

112
Jean Étiene Dominique Esquirol (1772 – 1840): Médico francês. Foi um dos fundadores da
moderna psiquiatria. Efetuou importantes reformas na abordagem terapêutica dos doentes mentais.
91

Thomson113, “auxiliam-nos abundantemente no exprimir das emoções; a pose do


corpo, o movimento da cabeça e o jeito das mãos, todos tem seu papel” (143).
Do ponto de vista patológico, as manifestações de olhar dependem das
perturbações anatômicas e funcionais assestadas sobre o globo ocular, ou atuando
sobre ele e seus anexos.
É o que não esquece Torres Homem, quando definindo a expressão encontrada, -
enumera, paralelamente, seus fatores semiogenéticos.
Exemplifiquemos, da melhor maneira, isto é, mostrando a técnica como ele
apreciava clinicamente cada pormenor da região.
Todas as gradações da infiltração das pálpebras, - são anotadas com
oportunidade e interpretadas com exatidão. Desde o seu “intumescimento”, no
“morbus major” (144); da sua “saliência”, como traço precoce, no “facies de
Corvisart” (145), até chegar ao seu edema discrásico franco, na opilação (146) e no
beribéri (147), e à sua hidropsia manifesta no Mal de Bright114 (148) e na
descompensação cardíaca.
O mesmo acontece com os principais tipos de distúrbio da motilidade e da
mobilidade. Da “oclusão convulsiva das pálpebras”, de ordem reflexa (149), - à sua
abertura imobilizada e calma, no transporte histérico (150). Do fechamento e do
pestanejo repetidos, de natureza irritativa (151), - à ptose paralítica do seu véu
superior, de provável fundo sifilítico (152).
As escleróticas, que servem como índice do aparecimento e da evolução das
impregnações biliares (153) (cuja intensidade é avaliada segundo a gama que
começa no simples amarelado; que se acentua ao amarelo cromo, das sub-
icterícias; para se concentrar, ao máximo, no amarelo alaranjado ou esverdeado,
das icterícias francas), - servem ainda, na avaliação das anemias, quando se
apresentam de “cor azulada”, nas maleitas (154) ou quando adquirem no “cansaço”,
o “matiz opalino” característico (155).
No mesmo sentido, - as alternativas de colorido das conjuntivas óculo-
palpebrais, juntam-se às das escleróticas – reforçando a impressão colhida no
exame dessas, - segundo se apresentem descoradas (156), empalidecidas (157)),

113
Arthur Thomson (1858 – 1935): Acadêmico e anatomista britânico.
114
Mal de Bright – epônimo alusivo à nefrite crônica, descrito por Richard Bright, patologista inglês.
92

de “cor branca” (158), “amarela nacarada” (159), “sub-ictérica” (160), “ictérica” (161),
“alaranjada” (162), ou, “esverdinhada” (163).
“Olhos injetados, lacrimejantes e muito sensíveis à luz”, - eis o conjunto
frequentemente mencionado por Torres Homem, na síntese da face febril. Quase
sempre inseparáveis, - a injeção das conjuntivas, o aumento da secreção lacrimal e
a fotofobia, são sinais que ele põe na dependência do estado congestivo do
segmento cefálico (164), epifenômeno das pirexias em que é apontada a tríade.
Como consequência dos dois primeiros termos da mesma, aparece também o brilho
inusitado que acende no olhar e na face do paciente aquela expressão peculiar e
vivaz que o mestre terá surpreendido tantas vezes nos seus meningíticos,
reumáticos, perniciosos, remitentes, intermitentes, tifo-biliosos, pneumônicos,
paludosos e amarelentos (165).
A enoftalmia contingente que pode se instaurar rapidamente nos grandes
desidratados é apontada a propósito da história de um “Ricardo, pardo escravo,
marceneiro”, internado no Hospital da Misericórdia com o diagnóstico de “cholera
morbus” a 7 de julho de 1869 e que vai ser encontrado com a “face decomposta,
olhos profundamente situados no interior das órbitas, voz sumida, abafada e
cansada” (166).
A exolftalmia surge interpretada como sintoma das meningites (167), dos
tumores retro oculares (168) e do bócio exoftálmico. A propósito das variações do
sinal, nessa doença, parece que Torres Homem estava advertido da possibilidade
de sua manifestação uni ou bilateral ou pelo menos mais acentuada de um lado que
de outro (“Há casos em que a procidência de um ou de ambos os olhos chega ao
ponto de deslocá-los completamente das cavidades orbitárias”) (169). Se
interpretarmos suas palavras segundo essa intenção, teremos que ele se punha,
aqui, de acordo com um dos seus modelos, Jacourd (“...ordinairement elle est
d'emblée double et égale des deux côtes, quelquefois pourtant elle rest assez
longtemps unilatérale...”)115 (170) e em oposição a outro, Trousseau (“L'
exophtalmie est double, égale des deux côtés, sans strabisme, ce qui la distingue de
toute exophtalmie de cause orbitaire ou crânienne...”)116 (171). Aliás, escolhendo

115
Normalmente ela (a exoftalmia) ocorre bilateralmente e semelhante nos dois lados; algumas
vezes, no entanto, pode ocorrer muito tempo unilateralmente.
116
A exoftalmia é dupla, igual nos dois lados, sem estrabismos que a distingue de outras de causas
orbitárias ou cranianas.
93

muito bem porque a experiência clínica, do longínquo Praël ao mais próximo


Roasenda (172), mostra que a razão está menos com o “grand patron” do Hotel-
Dieu que, com o do Lariboisière.
O estrabismo, desde que se manifeste inopinadamente e no decurso de um
estado infeccioso, é sempre estimado como sintoma decisivo, segundo podemos ver
dos casos referidos de síndrome meníngea, - em três dos quais temos de admitir a
presença orgânica de uma “meningite”, porque sua observação clínica vem seguida
de laudos necroscópicos concludentes (173).
O diagnóstico dessa entidade que o próprio Torres Homem achava que “nem
sempre é fácil” de fazer (174), era, entretanto, enunciado por ele quando se
apresentavam logicamente encadeados , à observação clínica, - pródromos como a
tristeza, a irritabilidade e a insônia; sintomas como a febre e a cefalalgia, a
inapetência, as náuseas e os vômitos; a atonia da bexiga e a constipação do ventre;
a sensibilidade anormal da retina (fotofobia), a suscetibilidade auditiva exagerada e
a agitação; as perturbações da inteligência, o sub-delírio e as modalidades de delírio
confirmado (delírio “intermitente”, “continuado”, “maciço”, “loquaz”, “ruidoso”,
“turbulento”); as convulsões, as paralisias e as diferentes etapas da obstrução da
consciência ( “sopér117”, “coma”, “carus”) (175).
Ora, todos esses sintomas, são, paradoxalmente muito, e ao mesmo tempo,
muito pouco. São muitos, pelo número. Muito pouco pela qualidade. Nenhum deles,
se bem que, representando sempre dado clínico do maior realce, - pode ser
atribuído sistematicamente a essa ou aquela causa única e sempre a mesma, nem
assumir, com relação ao processo meningítico, o caráter definido e patognomônico
que seria desejável. Até os mais nítidos e formais, os que revelam, geralmente,
perturbação grave da economia, - como a convulsão, a paralisia, a febre, e o coma, -
são passíveis de depender das espécies nosográficas mais distantes, mais
antagônicas e mais disparatadas. É o que pode ser dito, também, dos retezamentos
musculares às vezes apontados pelo professor fluminense.

117
O termo utilizado pelo autor não foi localizado no léxico da língua portuguesa. Devido a sonoridade
do vocábulo o pesquisador o buscou no idioma francês esclarecido pelo Grande Dicionário, de
Domingos de Azevedo – Francês – Português; p. 1332, conforme duas variantes: sopeur [çó-për],
s. f. Med. V. Sopor. e sopor [çó – pór], s. m. Med. Sopor, modorra, sono pesado. O conteúdo do
período corrobora com o sentido do vocábulo pretendido pelo autor no período. Observamos que a
fonética do termo é compatível com o registro gráfico realizado pelo francófilo Nava (AZEVEDO,
Domingos de. Grande Dicionário Francês-Português).
94

“Quando procura sentar-se ajudado por duas pessoas, o doente conserva a cabeça
fortemente reclinada para a parte posterior, sem poder conservá-la na posição
vertical; cefalalgia, olhos brilhantes, salientes, conjuntivas injetadas, estrabismo
duplo convergente, pupilas dilatadas” (176).
“Estrabismo duplo convergente” Eis aí, como nos outros casos, o elemento
básico do exame. Presente o desvio dos globos oculares, - como que todos aqueles
fenômenos patológicos aparentemente desarticulados, se ordenam do ponto de vista
semiogênico e se engatam, como elos, na cadeia de silogismos que conduz à
asserção coerente do diagnóstico.
Alertado pelo conjunto mórbido poliforme, é, pois, no exame dos olhos que
Torres Homem vai se fixar quando se decide na especificação da meningite. Serve
para guiá-lo, a presença do estrabismo. Servem ainda, no mesmo fim, a saliência e
o brilho dos dois globos, a injeção das conjuntivas, as variações da mecânica
pupilar.
“O estrabismo, unilateral ou duplo, convergente ou divergente, é um sintoma
que se observa muitas vezes na aracnites, principalmente nas crianças. Devido à
contratura dos músculos motores do globo ocular, esse sintoma coincide com o
delírio, a cefalalgia e a insônia; pertence ao grupo dos fenômenos do primeiro
período da moléstia; verdadeira convulsão tônica, a contratura dos músculos retos
dos olhos vem acompanhada muitas vezes de convulsões de outros músculos,
particularmente dos da face e dos membros, tanto superiores como inferiores” (177).
“As pupilas ordinariamente apresentam-se contraídas durante o período de
excitação da meningite, e, só mais tarde é que ficam dilatadas; há casos porém em
que desde o começo da moléstia o disco pupilar oferece uma exagerada dilatação,
sem que a íris deixe de contrair-se na presença da luz” (178).
Confirmando esse princípio expendido nas “Lições sobre as Moléstias do
Sistema Nervoso” lá estão, nas observações, as dessemelhanças ostentadas pelos
doentes segundo a gravidade do caso e o período em que é surpreendida a
moléstia.
O moleque Zacarias, “de 14 anos de idade, escravo”, portador de uma
“meningite da base do cérebro”, apresentava no dia 2 de junho de 1869, quando da
doença, as “pupilas dilatadas”. De “diâmetro normal, insensíveis à luz”, eram as de
“um preto completamente comatoso”, “encontrado na rua sobre a calçada” e que, “a
policia remeteu para o Hospital da Misericórdia” às 10 horas da noite de 22 de
95

janeiro de 1869. O pobre do negro morreu a 23 e a autopsia praticada a 24, veio


mostrar as lesões de uma “Pneumonia em terceiro período (hepatização cinzenta)”
confirmar as suspeitas da existência de uma “meningite basilar concomitante” (180).
Já aquele quarentão “musculoso, bem constituído”, “quase moribundo”, que no dia
28 de julho de 1875 foi conduzido para a enfermaria “em uma rede”, estava com “as
pupilas muito contraídas e inertes, as conjuntivas rubras e os lábios túmidos” (181).
A custa de pensar permanentemente na eventualidade da inflamação aguda
das meninges ou da sua irritação por estase congestiva, - tantas vezes verificara nos
cadáveres de tifentos (182) e de amarelentos (183), e em concordância com a
sintomatologia pregressa, - é que Torres Homem teria se habituado a estudar
metodicamente as posições anômalas dos globos oculares e mais o diâmetro e
reações das fendas pupilares dos seus pacientes. Sua atenção voltava-se
continuamente para esses elementos, de acordo com o que é atestado pela
insistência com que ele aponta, - ora, o estrabismo como fenômeno positivo ou
negativo nas pirexias do grupo da “dotienenteria”118 (184) e na epilepsia (185); ora a
paresia dos olhos como episódio da cefaleia tirana que ocorre na “febre marinheira”
(186); ora, a midriasis ou a miosis, com reação fotomotora maior ou menor, como
sintoma das tifóideas, das “remitentes paludosas”, das “perniciosas” das
hemorragias cerebrais, dos processos tumorais da cavidade da órbita ou, do interior
do crânio (187); ora, a desigualdade pupilar como participante do conjunto
sindrômico da Doença de Graves119, ou como resultante reflexa da “excitação ou
inércia do grande simpático”, - na vigência dos sacos aneurismáticos da aorta
torácica (188).
A inspeção exterior dos olhos completava-se no exame do grande mestre
brasileiro com a inestimável colaboração trazida ao estudo das moléstias gerais pela
visualização fúndica e retiniana do indivíduo vivo.
O oftalmoscópio, descoberto em 1851 pelo anatomista e fisiologista tedesco
Hermann Ludwig Ferdinand Helmholtz120 de Heindelberg, foi o instrumento a um

118
Termo utilizado para designar febre tifóide.
119
Epônimo – Também chamado de doença de Basedow; bócio exoftálmico, ou seja bócio tóxico
caracterizado por hiperplasia difusa da glândula tireóide, uma forma de hipertireoidismo; a exoftalmia
é uma complicaçao concomitante comum. Descrita pelo médico irlandês Robert James Graves (1796
– 1853).
120
Hermann Ludwig Ferdinand Von Helmholtz (1821 – 1894): Médico, físico, anatomista e fisiologista
alemao. Cirurgião do exército prussiano. De 1855 a 1858 ocupou as cátedras de Anatomia e
Fisiologia da Universidade de Bonn e subsequentemente, a cátedra de Fisiologia na Universidade de
96

tempo prodigioso e simples que tornou possível tal milagre e que, posto nas mãos
destras de Eugène Bouchut, permitiu a esse admirável e completo médico francês,
alargar de léguas os territórios da neurologia e da clínica apenas com o sistematizar
da vistoria das modificações oferecidas pela pequena superfície interna do globo
ocular.
“Cerebroscopia” foi o nome que ele deu ao seu invento, destinado como
método, ao “diagnóstico das doenças do cérebro e da medula por meio do estudo
das alterações do fundo do olho” (189).
Torres Homem estava ao par das pesquisas de Bouchut e dever ter lido suas
memórias fundamentais sobre o assunto, como a “De La méningite reconnue à
l'ophtalmoscope” de 1863, e, a “De l'ophtalmoscopie appliquée au diagnostic des
maladies du cerveau et de lá moelle èpiniere”, de 1866, porque transcreve, nos seus
“Elementos de Clínica Médica” de 1870, - várias páginas do professor de Paris
(190). Não obstante, sente-se nas palavras do brasileiro ligeira reserva, quando,
fazendo a apologia parcial da descoberta, deixa transparecer algumas dúvidas
quanto à totalidade dos seus primores.
“... Se é verdade que podem ser taxadas de exageradas as opiniões dos que
pensam que as diversas espécies de meningite, de amolecimento cerebral, de
hidrocéfalo e de hemorragia do encéfalo, são facilmente diagnosticadas por meio do
oftalmoscópio, com muito mais exatidão mesmo do que qualquer outro meio, não é
menos verdade que o emprego razoável e oportuno deste instrumento em alguns
casos particulares, pode esclarecer muitas dúvidas que comumente aparecem no
diagnóstico das moléstias intracranianas, sobretudo quando elas têm sua sede na
vizinhança do quiasma ou dos centros ópticos” (191).
“Não tenho a necessária competência para decidir se estas investigações têm dado
à ciência os excelentes resultados apregoados por seu autor; julgo que ainda é cedo
para se afirmar ou negar que as lesões intracranianas se desenham no fundo do
olho, sendo real ou não a existência de uma verdadeira cerebroscopia; o que me
parece porém fora de toda a dúvida é que o oftalmoscópio em certos casos é um
poderoso auxiliar do diagnóstico das moléstias cerebrais” (192).

Heildelberg e a de Física em Berlin. Inventor do oftalmoscópio, prestou diversas contribuições para a


Ciência incluindo a determinação da velocidade dos impulsos nervosos, a investigaçao dos
mecanismos de visão, o desenvolvimento de uma teoria para a visão em cores e os mecanismos da
audição.
97

Prudência que não ficava nada mal a quem só conhecia o lado teórico do
problema mas que, logo depois, e sob a influência do surto de desenvolvimento
tomado pela oftalmologia no Rio de Janeiro; passaria a considerar sua cooperação
como sendo aquele dado complementar sem preço já perfeitamente entrevisto
quando escrevia, que “é preciso que o... instrumento inventado por Helmholtz deixe
de ser patrimônio exclusivo dos especialistas” (193).
Setenta anos depois a influência norte-americana poria nas mãos dos nossos
neurologistas e neurocirurgiões, o mesmo aparelho que Torres Homem queria ao
alcance de todos e tão vulgarizado quanto “o laringoscópio, o termômetro, o
esfingmógrafo e o microscópio” (194).
É indispensável deixar bem claro que, a divulgação, meramente informativa
feita pelo eminente professor carioca sobre o exame do fundo de olho e sobre a
aparelhagem criada para isso por Ruete, Donders, Licbreich, Galezowski e pelo
patrício Nunes da Costa (195), ressentia-se de sua falta de prática no assunto. O
que é, aliás, compreensível, pois na época em que eram dados ao prelo os seus
ensinamentos, estava justamente se abrindo o decênio decisivo em que Fernando
Pires Ferreira, Carlos Ludovico Drognat Landré, Manoel da Gama Lobo, José
Cardoso de Moura Brasil e Hilário Soares de Gouvêa, iriam transformar o semi-
artesanato e o amadorismo elementar em que vegetava a oftalmologia no Brasil, - na
especialidade vigorosamente vitalizada ao influxo das ideias por eles difundidas, da
escola francesa, com Wecker; da escola alemã, com von Graefe; e, da escola
vienense com Arlt, von Jager, Stelwag e outras figuras memoráveis (196). A
“Reforma Sabóia” configurando e dando realidade ao ensino da Clínica
Oftalmológica na Faculdade de Medicina da Corte (197), ─ fecha essa década com
chave de ouro.
O progresso e a disseminação dos conhecimentos oculísticos, resultados
destes fatores, vão repercutir imediatamente no exercício do grande clínico, como
vemos da confiança com que ele se refere ao recurso subsidiário do exame fúndico,
- tanto nas suas lições publicadas em 1878 e 1884, como nas que veio a proferir nos
últimos anos de vida e que tiveram luz póstuma em 1890. Já não se sentem as
hesitações teóricas mostradas no livro impresso em 1870, mas que na realidade,
reflete ainda opiniões que vinham sendo elaboradas desde 1865 (198), - e o
“Processo de Torres Homem” surge aprimorado pelo amparo suplementar que lhe é
fornecido pela colaboração técnica dos especialistas.
98

Já em 1872, num paciente em que afirmara a existência de um “tumor


intracraniano”, - o oftalmoscópio manejado “pelo distinto oculista Sr. Dr. Hilário de
Gouvea” vai revelar as “alterações neuro-retinianas próprias da lesão” (199). O caso
é apresentado numa das lições sobre as moléstias do sistema nervoso professadas
em 1875 e a seu propósito o autor refere às alterações evidenciáveis por intermédio
daquele instrumento e “que servem de poderoso auxílio para diagnóstico”.
“... nota-se: ingurgitamento e tumefação bem latentes da papila do nervo óptico;
seus contornos mal desenhados, em consequência de um exsudato avermelhado
que ocupa a parte média e a circunferência da mesma papila. Os vasos centrais
parecem interrompidos em diversos pontos; as veias desaparecem, as artérias
diminuem de calibre, os capilares adquirem grande desenvolvimento: a amaurose
começa” (200).
O olho basedoviano não é figurado apenas naquelas linhas especiais que lhe
dão a sua inconfundível distintiva externa. Na observação da doente que serve de
motivo para a aula sobre o bócio exoftálmico, “além da proeminência dos olhos e
desigualdade na abertura dos discos pupilares, o Dr Gama Lobo notou para o
aparelho da visão... secura da conjuntiva ocular hiperemia dos vasos da coroide e
da retina” (201). Noutra papuda da sua clínica particular examinada pelo hábil
oculista Dr. Moura Brasil são encontrados os sintomas de uma retinite plástica em
um dos olhos” (202).
Numa das preleções de 1880, sobre o tema “Opilação-Leucocitemia” são bem
lembradas as “extravazações sanguíneas puntiformes da retina” que individualizam
anatomicamente a “retinite leucêmica, descrita por Liebreich, Becker e Perrin” (203).
Provavelmente de 1882, e a conferência onde aparece um tal “Juan Planella,
espanhol de 44 anos de idade, solteiro, residente no Brasil há 12 anos, barbeiro”, -
caquético, glicosúrico e meio cego, - em quem o Dr. Gama Lobo vai descobrir
“alterações apreciáveis pelo oftalmoscópio no fundo do olho, na retina
especialmente, que caracteriza, a retinite diabética” (204).
A 28 de outubro de 1887, poucos dias antes de sua morte, encontrou-se
Torres Homem pela última vez com os seus alunos. Profere a lição derradeira e nela
deixa a descrição detalhada da retinite albuminúrica.
“... estado que se revela de modo patognomônico ao exame oftalmoscópico, e se
caracteriza por uma inflamação degenerativa em volta da mancha amarela,
acompanhada ou não de pequenas hemorragias; e então a mácula mostra uma
99

configuração radiada característica, bem diversa da que se deixa ver na retinite que
acompanha o diabetes saccharino, onde o processo flegmásico não é peri-macular,
porém se efetua na periferia da papila, é peri-papilar (205).

*
* *

No estudo da boca, - a cor dos lábios, - “escura”, “arroxada”, “vermelha” ou


“cianótica”, é apontada, habitualmente, ao lado de outros fenômenos locais como
sua “turgência”, “secura”, “tumidez”, “espessamento”, “fuliginosidade” e “gretadura” -
que combinados ao elemento cromático, concorrem para estereotipar as mais
variadas e flagrantes representações pictóricas desses beiços que integram como
traços essenciais, na face dos febricitantes (206) e comatosos (207); dos cardíacos
(208) e desidratados (209), dos neuropatas (210) e asfixiados (211).
Além disso era reparado o seu tremor, geralmente associado ao dos
membros superiores (212), ao da voz e da língua (213), ou, aparecendo em
concomitância ao trabalho muscular complexo que é necessário à silabação (214). E
eram reparadas, mais, sua contratura, dificultando a articulação verbal, - como
capítulo da participação de seus feixes motores na tetania, quando esta vem sustá-
los ao mesmo tempo que aos da língua e aos das formações super-hiodianas (215);
sua paralisia, dentro da incapacidade lábio-glosso-laríngea, - considerada por Torres
Homem ao lado da disfagia e da glosso-ataxia como um dos três sintomas de muito
valor no diagnóstico das moléstias do bulbo raquidiano” (216) e, ainda, a frouxidão
dramática que fá-los cair passivos e sem a configuração tônica da vida (217),
naqueles “lábios pendentes” que eram uma das linhas da fisionomia amolecida em
que o Velho de Cós lia os sinais da morte próxima: “... - Lethale quoque, labra
resoluta, pendentia, frigida, et exalbida esse”121 (218).
Ao tempo em que viveu o mestre carioca, a moda e a navalha não haviam
suprimido de roda da boca os ornamentos pilosos, de cujo aspecto sua observação
minuciosa extraía, também, conclusões capazes de servirem de dedução clínica. Os

121
Os lábios entreabertos, pendentes, frios e pálidos são ainda um indício de morte. Trecho de texto
de Hipócrates O Prognóstico.
100

seus doentes deixam se apresentar, no hospital e no consultório com aquelas caras


imperiais hirsutas, onde figuravam, desde os buços ralos e esfiapados, de mulato;
até as bigodeiras, barrocas e fornidas, de lusitanos, compondo-se com tudo quanto
é diversidade de barba e fantasia de cavanhaque. Das discretas “costeletas”, ás
“suíças” memoráveis, semelhantes às de Doutor Luiz da Cunha Feijó Júnior, lente
da cadeira de “Partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e de recém-
nascidos”. Das modestas “moscas” e simples “barbichas”, aquelas em catadupa
como as do Magnânimo, - com passagem pelas do gênero “em ponta”, em
“ferradura”; “em leque”, “passa piolho” a Tamandaré; ou; “en bouc”, como usava
Doutor Joaquim Candido Soares de Meirelles, o fundador ilustre da Academia de
Medicina da Corte. Pois Torres Homem não as perdia de vista na sua inspeção. Lá
está na sua lição sobre a “Tísica Pulmonar”, entre os sinais encontradiços “no
segundo período da tuberculose”, a descrição, muito sua, das alterações dos
fâneros que ele considerava relevantes.
“Tenho observado... três sintomas a que ligo muita importância: um vem
mencionado em todos os livros de patologia e deve vos ser muito conhecido, é a
forma que tomam as extremidades dos dedos e as unhas; aquelas se achatam e
apresentam a configuração da cabeça de uma cobra, estas ficam alongadas, curvas
e abauladas. Os outros dois sintomas são: a elevação e aspereza dos pelos do
bigode e da barba e uma orla de cor acinzentada que cobre a base dos dentes...”
“Quando o doente do leito n. 16 entrou para a enfermaria, eu chamei a vossa
atenção para o aspecto que apresentavam os cabelos da sua barba e do seu
bigode; estes cabelos parecem ter perdido a flacidez que lhes é habitual, conserva-
se em posição diferente do que se nota nos indivíduos sãos, de raça caucasiana
pura” (219).
Já os beiços desguarnecidos, lhe permitiam inspecionar a existência da
icterícia “em torno dos lábios e nos regos naso labiais” (220). Pesquisa semelhante
era feita, quando procurava sobre “a face inferior da língua, o céu do paladar e os
lábios internamente” (221), - a amarelidão de bile que tinge muitas vezes as
mucosas, antes da pele.
A abertura da boca é apresentada como fenômeno ativo, no caso de um
asmático, quando o paciente é mostrado a se debater contra a sede de ar,
acarretada pela crise (222). Fenômeno passivo, ela é apontada – na resolução
muscular profunda que sobrevém nos períodos adinâmicos da febre tifóide (223) e
101

da disenteria (224), ou, - como episódio nas paralisias mandibulares de origem


central (225) e na fase terminal, pré-agônica dos estados infecciosos graves (226).
“A projeção das comissuras labiais durante a expiração”, ou seja, o
“fenômeno do cachimbar”, - é um sinal sempre procurado nos vários tipos de coma,
no intuito de admitir ou afastar, dentro destes, a eventualidade de um icto apoplético
(227).
O trismo do maxilar é valorizado, ora como reação antálgica, na dependência
de inflamações agudas regionais (228), - ora como postura reflexa traduzindo lesão
que atinge o cérebro (229) ou que compromete as meninges (230).
Nos seus “Elementos de Clínica Médica” o mestre fluminense não se refere
ao “riso sardônico” quer quando trata das convulsões, quer quando estuda as
contraturas. Mas fala por ele enquadrando a importância do sinal no conjunto
sindrômico do tétano, o seu discípulo D. José de Souza (Balthazar) da Silveira,
numa observação de sua tese inaugural, onde é contada a história dos males de um
pedreiro português, internado na Santa Casa a 19 de junho de 1873, - “onde foi
ocupar o leito n. 25 da enfermaria de Santa Isabel, a cargo do Sr.Dr. Torres Homem”
(231)
Melhor seria que o clínico ilustre fosse também omisso quanto ao
repuxamento unilateral da comissura dos lábios, concomitância das paralisias da
metade da face, - sintoma que é repetidamente citado por ele – já isolado, já como
parte das hemiplegias completas (232) – para evitar fazê-lo sob a designação de
“tortura oris”. Há aí um erro de conceito, porque essa expressão não deve ser usada
como a emprega Torres Homem, para significar literalmente “desvio da boca”, uma
vez que lhe coube um sentido nosográfico especial, a partir do momento em que
Gordon122 a utilizou para dar também um nome a entidade muito batizada e bastante
definida, - chamada “tic doloroso”, por André123; “ trismus dolorificus maxillaris” por
Sauvages124 “ febris topica”, por Van Swieten125; “nevralgia facial”, por Chaussier126;
e mais apropriadamente. “nevralgia da face” por Halliday (233).

122
Alfred Gordon (1874 – 1953): Neurologista e psiquiatra norte-americano. Descreveu o Sinal de
Gordon que é a elevação ativa e extensão de um braço parético seguida de hiperextensão
involuntária e abdução dos dedos.
123
André Thomas (1867 – 1963): Neurologista francês. Descreveu a perda de coordenação entre
grupos musculares antagonistas das extremidades do corpo na disfunção cerebelar.
124
Boissier de la Croix de Sauvage (1706 – 1767): Médico francês. Professor de medicina em
Montpellier. Escreveu a Pathologia methodica e Nosologia médica que foi uma grande obra de
taxonomia.
102

Internamente, o exame estomatológico compreendia uma avaliação conjunta,


genérica, dos caracteres apresentados pelas várias formações da boca e, depois, do
estudo detalhado das particularidades exibidas pelas gengivas, dentes, língua, véu
do paladar, úvula, pilares e amígdalas, A vistoria do faringe e a laringoscopia
armada, vinham em seguida, como dados complementares da inspeção precedente.
Nessa ordem de ideias, não escapavam á observação, os descoramentos, da
mucosa, principalmente os que, correndo ao lado de sintomas homólogos, como a
“cor terrosa do tegumento externo” e a “palidez extrema das conjuntivas”, -
acentuavam a presença de uma discrasia anêmica (234). Nem as várias
modalidades de sua irritação, como as estomatites, acompanhadas da sialorreia
inesgotável e do ptialismo intenso; do cancro primitivo do pâncreas (235) e da
intoxicação medicamentosa pelo calomelanos (236); as de variedade descamativa,
contemporâneas da usura do esmalte dentário, da dispepsia ácida grave (237); e, as
do tipo especial, ressequido do diabete descompensado, - quando o paciente se
apresenta com “sede excessiva, incansável”, e com “a boca sempre seca, a saliva
rara e espessa, a língua áspera e avermelhada” (238).
Ainda a próposito da “tabes urinalis”, Torres Homem descreve certas
alterações orais decorrentes da moléstia, - como a cárie múltipla, a queda e a falta
dos dentes (239), a inflamação, a flacidez e a fungosidade das gengivas (240). O
último destes sintomas e também apontado no caso referente “a uma francesa que
aqui chegou em um navio de vela gravemente acometida de escorbuto”. Isto se
passou em outubro de 1870 e a navegadeira foi aportar à Misericórdia, na
“enfermaria das mulheres” com “um grande número de manchas equimóticas e
petequiaiss em toda a superfície cutânea, análogas às da purpura hemorrágica” e
“estomatologia acompanhada de fungosidades das gengivas, alterações dos
alvéolos... abalo dos dentes e um fétido asqueroso da boca” (241)
Não é só no “Mal de Loanda”, mas também em infecções, como a febre
amarela (242) e, em doenças jecorárias (243) como a hepatite intersticial, - que
aparece o fluxo sanguineo tingindo “de vermelho” os dentes e as gengivas. E
conforme as circunstâncias e, nos pacientes de baixa idade, - é ainda na vigilância

125
Gherard Van Swieten (1700 – 1772): Médico austríaco. Pupilo de Boerhaave. Fundou a Escola
Vienense de Medicina.
126
François Chaussier (1746 – 1828): Cirurgião e anatomista francês. Professor de anatomia na
Universidade de Dijon e na École de Paris. Autor do Discours at the la Maternité e Tables
Synoptiques.
103

destas que devia redobrar de atenção o prático para que não lhe escapassem os
sinais da dentição rompente, nem a interpretação exata dos acidentes provocados
por ela.
“Quando uma criança é atacada de convulsões, o médico chamado para vê-la não
deve omitir o exame atento e minuncioso das gengivas, porquanto às vezes e a
extrema dificuldade que tem um dente em romper o bordo gengival é a única coisa
que provoca e entrevê os acessos convulsivos” (244).
Nas infecções, Torres Homem mostra-se sempre muito alerta para o grau de
secura da boca e de suas formações. “Os lábios estão secos e fuliginosos; do
mesmo modo se acham os dentes e a língua” (245), - acentua naquele remitente
bilioso grave. “Língua seca e saburrosa, dentes e lábios secos, sede devoradora”
(246), - frisa nesse pernicioso ardendo em febre. “Língua rubra, seca, fendida,
retraída e acetinada, dentes secos e fuliginosos, lábios secos, vermelhos e gretados;
sede devoradora” (247), - salienta no disentérico, explicado pela assiduidade das
camadas copiosoas e involuntárias.
Parece que essa atenção na aridez bucal se prendia ao fato da mesma lhe
servir como índice da permanência da moléstia no altiplano do “período de estado”,
porque vamos encontrar a valorização antagônica do sinal oposto, logo que são
surpreendidos os prenúncios de deflexão e as primeiras aparências de que a
economia está começando a dominar a agressão infecciosa. É, pelo menos, o que
se conclui da observação de um Alcântara pardavasco “de 35 anos de idade,
marceneiro”, quando é relatada a fase de declínio da “remitente paludosa tifoídea”,
que o acometera a 1º de maio de 1873. No dia 10 há “melhoras sensíveis”, - sua
língua está um pouco mais úmida na ponta” e os “dentes menos fuliginosos”. No dia
seguinte, - “progridem as melhoras”, - só há secura no “centro e na base da língua” e
os dentes se apresentam, finalmente, - “úmidos e sem fuligem” (248).
Esta fuliginosidade indicada regularmente nos lábios e principalmente nos
dentes, cuja intensidade oscila como corolário da secura ou da umidade da boca, -
devia assumir para o internista patrício significado diagnóstico e prognóstico
equivalente aos desses últimos fenômenos. Ela surge como episódio
consuetudinário na história dos seus grandes infectados, - nas “disenterias”, nas
“remitentes paludosas tifóideas”, nas “remitentes biliosas dos países quentes”, e,
máxima, nas “febres tifóides” (249). Justamente nessa pirexia é que se estadiava,
em pleno, aquele induto dentário e labial, - sinal que os atuais cuidados de
104

enfermagem e mais a hidratação racional dos portadores de uma infecção grave, -


não nos deixam apreciar como o viam os clínicos do passado, isto é, sob a forma do
magma espesso, enegrecido e pulverulento que formava aquela crosta onde
pululava o “Leptotrix buccalis”127 e em cuja composição os analistas do outro século
encontravam estratificações “de muco alterado, de células epiteliais” e de
“numerosas granulações moleculares” (250).
Uma das influências que mais fortemente se fez sentir no processo de Torres
Homem, foi a de Gabriel Andral128. Para avaliá-la, - basta prestar atenção na
constância com que o nome do herdeiro glorioso da cátedra de Broussais, aparece
nas lições do eminente sucessor do Barão de Petrópolis. É uma referência, por
assim dizer, quase que obrigatória, em cada capítulo dos seus livros de 1870 (251),
1878 (252), 1882 (253), 1884 (254), 1885 (255) e do volume póstumo de 1890 (256):
“Espirite vaste et pénétrant, observateur sagace et judicieux, savant de premier
ordre”,129 - disse um crítico, do mestre francês. E eis aí um conceito que pode,
perfeitamente ser estendido ao professor carioca, quando se verificam as analogias
flagrantes que existem entre um e outro, na maneira porque ambos colhiam os
dados que iam utilizar na interpretação anátomo-clínica, na conclusão diagnóstica e
na avaliação prognóstica. É o que se pode afirmar sem medo de erro, comparando o
jeito de registrar as observações, exibido no repositório de Andral (257), - com o que
se evidencia, nos “Anuários” de João Vicente Torres Homem” (238).
Do trato diuturno com os textos do ilustre professor de Paris, - o fluminense,
teria tirado grande parte do seu aprendizado nessa arte minudente e sutil, - de
procurar com paciência, selecionar com critério, reunir com oportunidade e
aproveitar com lógica, cada detalhe anormal surpreendido no corpo doente, - arte
em que foram inventores insuperáveis os internistas gauleses que na segunda
metade do Século XVIII e na primeira do Século XIX, - levantaram o monumento de

127
Ou Leptotrichia buccalis (Robin 1853): Fusobactéria comumente encontrada em
gengivoestomatites infecciosas em humanos.
128
Gabriel Andral (1797 – 1876): Médico francês. Professor de higiene e patología na Universidade
de Paris, membro da Academia de Medicina (1824), sucessor de Broussais na cadeira de Patologia e
Terapêutica (1830), membro da Academia de Ciências (1843). Primeiro a destacar a importância do
exame do conteúdo químico sanguíneo nas diversas condições mórbidas. Autor de Clinique
médicale (1824), Précis d’anatomie pathologique (1829); Cours de pathologie interne (1836);
Notes et additions au Traité de l’auscultation médicale de Laennec (1837); Sur le traitement de
la fiévre typhoide par les purgatifs (1837); Recherche sur les modifications de proportion de
quelques principes du sang e Essai d’hematologie pathologique (1843), dentre outras obras.
129
Tradução do francês – Espírito vasto e penetrante, observador sagaz e judicioso, sábio de primeira
ordem.
105

medicina clínica que há de ser sempre uma honra do pensamento humano e glória
perene da inteligência francesa.
Não havia nada que pudesse escapar à sua atenção inflexível. O pormenor
de aparência mais insignificante, tinha na elaboração do diagnóstico e no
delineamento do prognóstico a mesma situação funcional, - absoluta, imprescindível,
exata, insubstituível, - da gota d'água no volume da onda e do grão de areia, no
alteamento da montanha.
Um dos exemplos mais frisantes dessa capacidade de sacar da menor
particularidade, - o máximo de vantagem, patenteia-se no mundo de induções e
conclusões que aqueles “virtuoses” do exame médico sabiam tirar de uma simples
vistoria da língua. E, nesse capítulo da inspeção, parece que a maneira de Andral
terá influído de muito, na técnica de Torres Homem. De fato, encontramos em
ambos, praticamente, a mesma nomenclatura na qualificação dos estados mórbidos
daquele órgão e uma sistematização quase idêntica dos distúrbios que alteram os
seus caracteres. É o que se pode ver, mostrando como, nas pegadas do parisiense,
o professor carioca se servia das gradações da sua cor
(“descorada”,“pálida”,”ictérica”,“avermelhada”,“rubra”,“excessivamente rubra”,
“escarlate”, “escura”, enegrecida”); das modificações de sua superfície (“acetinada”,
“luzidia”, “áspera”, “encarquilhada”, “gretada”, “sulcada”, “fendida”, “descamada”,
“ulcerada”); das variações de sua forma (“pontiaguda”, “larga”, “esplanada”,
“volumosa”, “túrgida”); das perturbações de sua posição, mobilidade e motilidade
(“retraída”, “parética”, “paralítica”, “desviada”, “imobilizada”, “trêmula”); e, da
qualidade, quantidade e coloração dos seus depósitos
(“tênues”,“espessos”,“glutinosos”,“mucosos”,“sanguinolentos”,“pultáceos”,”pastosos”,
”viscosos”,””saburrais”, “espumosos”, “pseudo-membranosos”, “cor de caliça”,
“amarelados”, “cor de ferrugem” e “denegridos”), - para associando e combinando
esses elementos, representar todos aqueles tipos de língua, - exemplares
inconfundíveis, específicos e patognomônicos, onde os velhos práticos liam o
diagnóstico e o prognóstico, - como nas linhas de um livro aberto.130
Em quase todas as observações de Torres Homem são encontradas
referências a esse exame. Na “nefrite intersticial” (259) e na “angina tonsilar,

130
No fólio 72 encontra-se registrado a lápis na marginália superior à esquerda a seguinte frase: “Viva
o Bigunga! 3 – 6 - 946”
Ainda no fólio 72 encontra-se registrado a lápis no centro da margem direita a data “3.VI.946”.
106

complicada de glossite e de endocardite” (...língua muito volumosa e túrgida...


vermelha e acetinada na ponta, saburrosa e seca no centro e na base...”) (260).
Na “uremia” (261) e no “diabetes” (262). Na “leucocitemia” (263) e nas
“paralisias” de origem central (264).
Na “gangrena do pulmão”(265) e na “pneumonia” (266).
No “reumatismo” (267) e na “meningite” (268). Na “asma” (269) e na
“opilação”.
“A língua nos casos de opilação, mesmo em período pouco adiantado,
apresenta-se sempre larga, esplanada, muito pálida, coberta de um tênue enduto
alvadio, sulcada em seus bordos, como se os dentes aí tivessem deixado
impressões profundas e permanentes” (270).
“Língua larga, muito descorada em sua face superior com três sulcos
superficiais em ambos os bordos no sentido transversal de dois centímetros de
extensão cada um” (271).
“...língua pálida, sem saburra, sulcada transversalmente em seus bordos,
como se aí os dentes deixassem uma certa impressão” (272)
Mas é em dois outros grupos de doenças que a atenção de Torres Homem,
advertida pelas ideias correntes na época, vai redobrar de diligência quando se trata
de inspecionar a língua. Nas do aparelho digestivo, principalmente do estômago
(“Les liens sympathiques qui unissent la bouche à l'estomac...”)131 (273) e, - nas
pirexias de tipo epidêmico, nas “febres” propriamente ditas (“De toutes les maladies,
les fièvres sont certainement celles où la langue présente les modifications les plus
variées comme les plus importantes”)132 (274).
É o exame da língua que lhe permite avaliar a desidratação de pacientes
sedentos, como neste disentérico (“Língua rubra, seca, fendida, retraída e acetinada,
dentes secos e fuliginosos...”) (275), ou naquele portador de um estreitamento
canceroso do esôfago (“Língua saburrosa e coberta de um muco viscoso, sede,
anorexia...”) (276). Da gravidade de uma hepatite mortal, como a do paciente
Plantoff “suiço de 56 anos de idade... oficial de relojoeiro” que entre outros sintomas
apresentava a língua “seca e gretada”, sendo que, “por ela transudava algum
sangue, que em parte se coagulava e em parte era eliminado por constante

131
As ligações simpáticas que unem a boca ao estômago.
132
De todas as doenças, as febres certamente são aquelas onde a língua apresenta as modificações
mais importantes e variadas.
107

cuspinhar” (277). Das inumeráveis gamas na intensidade, na extensão e na


gravidade de processos de “dispepsia” (278) de “gastrite aguda” (279), de “gastrite
crônica” (280), de “cancro do estômago” (281), do “cancro do fígado” (282), de
“disenteria (283) e de tumor na cabeça do pâncreas (284).
No “mal de Sião”, o que mais constantemente e mais precocemente, aparece,
é a saburra, às vezes como anomalia única e incidindo sobre uma língua “larga” e
que pode permanecer excepcionalmente “úmida” mesmo em circunstâncias
evolutivas graves e mortais (285). A ausência de aridez, mais rara nas fases
adiantadas ou terminais da pirexia é, contudo, comum no seu inicio, conforme o
deixa entender o próprio Torres Homem.
“Bem raros são os casos em que a língua se apresenta seca logo no primeiro
período da febre amarela: ora revestida de uma leve camada de saburra, ora
coberta de um espesso enducto saburral branco, ou amarelado, ora vermelha na
ponta e nos bordos, porém, quase sempre úmida tais são as condições em que a
língua se apresenta; tanto na epidemia de 1850 como na de 1873, foi isso que
observaram os médicos do Rio de Janeiro” (286).
A evolução mórbida vai aumentar a crosta central (“Língua coberta de uma
espessa camada de saburra amarelada...”) (287) e dar-lhe, às vezes, a semelhança
de “uma facha cor de ferrugem” (288); evidenciar o ressecamento concomitante
(289); mostrar o rubor que incendeia o seu contorno (“Língua saburrosa no centro e
vermelha na ponta” - “Língua vermelha na ponta e nos bordos” - “Língua de uma cor
vermelha muito intensa na ponta e nos bordos”) (290); e, definir as características
que vão conferir à língua, os vários aspectos com que ela pode surgir numa idade
avançada da moléstia.
“A língua apresenta-se de diversos modos no terceiro período da febre amarela: ora
conserva-se larga e úmida, apenas revestida na base de uma leve camada de
saburra amarelada: é o que se observa no começo desse período, na maioria dos
casos; ora fica seca, rubra e acetinada: é o que se dá comumente na forma tifóidea;
ora aparece fendida, gretada, coberta de coágulos sanguíneos em alguns pontos,
tinta de sangue em outros: é o que se encontra muitas vezes na forma hemorrágica
franca” (291).
Como constantes do estado infeccioso, aparecem nas observações dos
casos de febre tifóide, a saburra central, de espessura variável, às vezes branca, de
108

outras, cor de ferrugem; a secura geral ou localizada; e, a vermelhidão da ponta e


dos bordos da língua, tudo isso, geralmente somado à fuligem dentária.
“Língua seca e rubra na ponta, dentes fuliginosos” (292).
“Língua saburrosa no centro e avermelhada na ponta e nos bordos” (293).
“Língua seca, com uma facha no centro, cor de ferrugem” (294).
“A língua, que no decurso da moléstia se apresenta coberta de saburra branca,
mais ou menos espessa, às vezes fica um pouco seca na ponta, sobretudo quando
se abusa da medicação purgativa” (295).
“Língua muito saburrosa e um pouco seca na ponta, sede intensa” (296).
Com o progresso da doença aumenta a secura, o revestimento se descama e
o vermelho marginal se acentua, se pronuncia, para atingir tonalidades mais vivas
mais sanguíneas e mais rutilantes. É o que se vê no relato dos casos do francês
Dupeyrat, “caixeiro de hotel” (“Profunda adinamia ... Língua muito seca, escarlate na
ponta e nos bordos, dentes fuliginosos”) (297) e do nacional Felipe, “pardo livre,
empalhador, morador na Praia de Santa Luzia” (“Língua rubra acetinada, despida de
epitélio e seca” - “Língua escarlate, seca, acetinada e trêmula”) (298).
O tremor da língua é um sintoma que surge como prenúncio da extrema
gravidade, contemporâneo dos grandes estazamentos (299). O seu desvanecer, ao
contrário, encerra uma previsão mais clara e é indicador das proximidades da cura.
“Melhoras sensíveis: face mais animada... do que na véspera, olhar mais
expressivo... Língua ainda seca, porém sem tremor e mais larga... desapareceram
as manchas róseas lenticulares... urinas mais abundantes, ricas em cloretos...”)
(300).
Como o tremor e igualmente sombrios, são os equivalentes do
encarquilhamento, da retração, do enegrecimento e da imobilização da língua. Esta
se prega no fundo da boca como o paciente se prega no fundo da cama, nas
proximidades do terceiro septenário ou nas fases finais quando o tifento “em
constante decúbito dorsal”, “fica emarasmado, mergulhado em profunda adinamia”
(301).
“A língua, seca, encarquilhada e enegrecida, não pode sair da cavidade bucal
e impede a articulação das palavras; os dentes fuliginosos e escuros, concorrem
para que o doente tenha uma hálito fétido” (302).
109

“A língua se apresenta seca, rubra e retraída; no fim da moléstia assemelha-


se a um pedaço de carne assada, fica trêmula, e o doente não a pode retirar da
cavidade bucal” (303).
Os vários caracteres que imprimem à língua do paludado a sua fisionomia
distintiva e que aparecem mencionados dispersamente nas observações citadas por
Torres Homem (304), - são retomados e concatenados em síntese modelar, no
primeiro capítulo do “Estudo Clínico sobre as Febres do Rio de Janeiro”.
“Depois de alguns acessos, às vezes logo depois do primeiro, o doente
apresenta a língua saburrosa, revestida de um induto esbranquiçado mais ou menos
espesso, como se o órgão tivesse sido caiado. À medida que os acessos se
reproduzem, a espessura da camada de saburra aumenta. Antes de haver
perturbação nas funções do aparelho hepato-biliar, a cor da saburra se conserva
branca; porém logo que o fígado se congestiona, mesmo quando não haja icterícia,
o induto saburral torna-se amarelado, e a intensidade da cor amarelada vai
gradualmente se exagerando até assemelhar-se a da gema de ovo” (305).
No texto da generalidade dos velhos autores, vamos encontrar as várias
formas do paludismo distribuídos, às vezes, até de mistura com outras entidades
febris, devido ao erro de se tomar como elemento distintivo e característico da
pirexia descrita, - o tipo assumido pela fisionomia da curva da temperatura.
Contra a confusão dessas nosografias sintomatológicas, já clamava o nosso
Francisco de Mello Franco133 (“Quem deixa de ver que um sintoma mais singular só
constitui variedade, e complicação, e não forma gênero?) (306), - apesar das suas
“intermitentes”, “terçãs”, “quartãs”, “contínuas”, “continentes”, “synochas134”, “tifos”,
“synochos”, “remitentes”, “biliosas”, “mucosas” e “saburrosas””, - serem tão pouco
destrinçáveis e tão baseadas no apanágio do “fenômeno aparente”, quanto as “sete
ordens, e dezoito gêneros” em que o seu contemporâneo José Maria Bomtempo135

133
Francisco de Melo Franco (1757 – 1823): Médico brasileiro, formado em Coimbra onde fez parte
da Real Academia de Ciências de Lisboa. Acompanhou a princesa Leopoldina em sua viagem ao
Brasil em 1817, como seu médico particular. Foi um dos primeiros pediatras e escreveu o primeiro
tratado de pediatria em português: Tratado da educação física dos meninos para o uso da nação
portuguesa (1790).
134
Tradução do grego: sýnocha. Febre contínua.
135
José Maria Bomtempo (1794 – 1843): Médico português. Formado em filosofía e medicina em
Coimbra, exerceu a medicina na cidade do Rio de Janeiro onde foi diretor interino da Academia
Médico Cirúrgica para a qual compôs vários compêndios como: Compêndios de matéria médica
(1814), Compêndio de medicina prática, feitos por ordem de sua Alteza Real (1815).
110

classificava e subdividia as “angiotênicas”, “as meningo-gástricas e biliosas”, as


“mucosas”, “as “pútridas”, as “malignas”, as “pestilenciais” e as “héticas” (307)
Só uma apreciação etiológica mais desenvolvida, veio permitir,
posteriormente a outros autores brasileiros a ordenação do assunto, de um ponto de
vista unicista, com aquela clareza e aquele dicernimento, que fazem dos tratados de
Domingos de Almeida Martins Costa (308) e João Damasceno Peçanha da Silva
(309), - dois livros clássicos, para todos os que pretendem estudar,
interpretativamente, a história das nossas “febres”.
Unicista foi também Torres Homem. Apesar da prudência com que são
contornados quaisquer discussões nosográficas, - percebe-se que eram
consideradas pelo ilustre clínico, - como pertencendo ao grupo palustre, as pirexias
que sem subordinar a uma sistematização doutrinária una, - são descritas por ele
em capítulos isolados da sua obra.
É o que fica provado quando vemos o que o professor carioca deixa
transparecer de sua opinião ao se referir à etiologia da “febre intermitente simples”
(“A febre intermitente é a forma mais comum da infecção paludosa entre nós...”)
(310); da “febre intermitente larvada” (“A origem da infecção miasmática que produz
a febre larvada encontra-se, ora nos pântanos naturais, ora nos acidentais...”) (311);
da “febre remitente simples” (“Entre nós a infecção paludosa manifesta-se
comumente por uma pirexia simples de tipo remitente.”) (312); da “febre pseudo
contínua” (“... a febre pseudo contínua paludosa é acompanhada da congestão de
alguma víscera importante...”) (313); da “febre remitente paludosa tifóidea” (“... a
influência do miasma paludoso é evidente...”) (314); e, finalmente, - da “febre
perniciosa” (“As mesmas condições etiológicas que concorrem para o
desenvolvimento das febres simples, determinam o aparecimento da febre
perniciosa.”) (315).
Não incluindo nesse grupo, a “febre remitente biliosa dos países quentes”
muito mais parecida com o “mal de Sião”136 e, talvez, suprimindo do mesmo, a “febre
pseudo contínua”, pela confusão possível entre ela e a febre tifóide,- parece que
podemos considerar todos os outros tipos, descritos por Torres Homem, como
pertencentes ao conjunto malárico. O que significa que, a análise das perturbações
da língua desses pacientes, feita sempre com tanta minúcia pelo mestre patrício

136
Denominação para febre amarela, hoje em desuso.
111

(316), nos levaria a repetir aqui, o estudo já processado, com relação à língua no
paludismo.
Prosseguindo na inspeção da boca, Torres Homem examinava o aspecto com
que se apresentava o véu do paladar, - atentando nas modificações de sua
coloração (icterícia) (317), de sua embebição (edema) (318) e de sua motilidade
(319). Inseparável da apreciação das paralisias palatinas e complemento do seu
diagnóstico, eram os desvios imprimidos pela incapacidade motora à posição da
úvula.
“A paralisia do véu do paladar é revelada pela flacidez, queda para diante e falta de
concavidade deste órgão. Se a paralisia é de um só lado, a úvula desvia-se para o
lado são; este desvio torna-se patente sobretudo durante os movimentos da
deglutição; nesta ocasião vê-se perfeitamente uma metade do istmo da garganta
imóvel, ao passo que a outra contrai-se puxando para o seu lado a base da língua”
(320).
Conjuntamente à da abóbada e à da campainha, era operada a vistoria dos
pilares, das amígdalas e da parte visível da faringe, tudo reunido por Torres Homem
sob a designação de “boca
posterior”, como se vê no relato do caso de um certo Fonseca, - lusitano e “morador
na rua de S.Diogo, de temperamento sanguíneo e constituição forte” que “entrou
para a enfermaria de Santa Isabel no dia 11 de agosto de 1869”.
“Depois de muitos esforços, a boca posterior pode ser examinada: as amígdalas
estão muito aumentadas de volume, ulceradas e com uma cor vermelha muito
intensa ... O véu do paladar e seus pilares, a úvula, a parede posterior da abertura
superior da faringe e a epiglote apresentam-se rubros e edemaciados. A palavra é
muito difícil, a voz rouca e fanhosa” (321).
Ainda, com relação ao faringe, competia verificar, durante a sua inspeção, a
existência de paralisias (“Quando a paralisia invade o faringe, o doente não pode
deglutir, principalmente substâncias líquidas, as quais são logo expelidas pelas
fossas nasais”) (322); de descamações da mucosa respectiva (323); e, finalmente,
completar a sua exploração, ao mesmo tempo que a da base da língua e a do
laringe, com o auxilio da endoscopia” (324).
Nos “Elementos de Clínica Médica”, Torres Homem faz um estudo da
laringoscopia que compreende o seu histórico, sua técnica, sua aparelhagem e sua
utilidade clínica (325). Não cita os nomes de Bozzini, Cagnard de Latour, Senn,
112

Babington, Beunati, Trousseau, Belloc e Baumès, que foram entre 1807 e 1838, os
pioneiros desse método de exame (326), - mas mostra-se informado sobre os
trabalhos de Czermak, Turck, Liston e Garcia, apesar de atribuir erradamente ao
último a qualidade de médico. Na realidade, Manuel Garcia, filho do cantor e
compositor sevilhano Manuel del Popolo Vicente Garcia, foi um “basso”137 medíocre
mas, não obstante, o eminente professor de canto que “estudou seriamente a
conformação do órgão vocal” (327) e que impôs o seu nome às páginas dos tratados
de medicina como sendo o do “primeiro que pensou em examinar o próprio laringe
durante o canto ... fundando assim a autolaringoscopia” (328).
A aparelhagem descrita são os espelhos de Liston e Garcia, o de Turck e o de
Czermak. Desse último, a técnica é repetida com minúcia e os detalhes referentes à
iluminação, à posição do paciente e à do médico, que “para ter as duas mãos livres
... fixa um refletor diante dos olhos por meio de uma mola de arame que se prende
no diâmetro antero-posterior da cabeça” (329), - são esclarecidos pela reprodução
de uma gravura que mostra como era praticado o exame em questão, segundo o
jeito do notável fisiologista de Praga.
Em 1870, época em que Torres Homem faz essa vulgarização não havia
ainda entre nós nenhum curso regular de otorrinolaringologia. Seu ensino, só
principiava depois da inauguração da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, em 1882,
quando Cypriano Barbosa Bethanio vai ocupar o cargo de “professor de clínica de
moléstias do laringe, das fossas nasais e dos ouvidos”, na nova instituição (330).
Antes disso, entretanto, - o que aumenta de muito o seu mérito, - já o mestre patrício
servia-se da laringoscopia, como recurso auxiliar do diagnóstico clínico, praticando-a
pessoalmente, como se vê no livro publicado por ele naquele mesmo ano de 1882,
mas que só contém lições proferidas anteriormente, isto é, no período que vai de
1867 a 1881.
“Para que o diagnóstico não pudesse sofrer a mais leve contestação, deliberei
verificar por meio do espelho laringoscópio a existência das lesões que eu tinha
admitido” (331).
“... fostes testemunhas do que se passou quando, durante três sessões
consecutivas, tivemos de fazer tentativas infrutíferas para examinar o laringe do
doente”(332).

137
Baixo, pequeno.
113

“Só depois de decorridos três dias, e depois do uso externo do bromureto de


potássio, que administrei em gargarejos, foi que pudemos ver rapidamente a
epiglote, o ligamento glosso epiglótico, as eminências aritenoidianas, as pregas
ariteno-epiglóticas e finalmente as cordas vocais. Em um exame laringoscópico,
quem não viu as cordas vocais... não pode dizer que observou a laringe. Tendo
entre o polegar e o indicador da mão esquerda a língua do paciente segura fora da
boca introduzi o instrumento... dirigi a superfície do espelho paralelamente à língua e
ao véu do paladar, evitando tocar tanto em um quanto em outro órgão; desviei
cuidadosamente a úvula para cima, e quando pareceu-me que a introdução do
laringoscópico era suficiente, mandei o doente pronunciar distintamente a vogal – e
─. Repeti a manobra várias vezes, e só em algumas delas pudemos observar os
órgãos que eu já referi” (333).
Além de usá-la nos exames destinados à verificação de lesões localizadas,
como no caso citado, que era o de uma “laringite sifilítica”, servia-se Torres Homem
da laringoscopia, como pesquisa complementar no diagnóstico dos aneurismas da
aorta, - quando visava demonstrar a existência das perturbações filiadas a
compressão exercida pela bolsa de ectasia, - sobre o nervo recorrente.
“Examinando-se o doente com o laringoscópio vê-se distintamente, quer durante a
emissão da voz, quer durante o movimento inspiratório, uma das cartilagens
aritenóides e a corda vocal, correspondente conservam-se imóveis” (334).

*
* *

A inspeção do crânio compreendia o aspecto apresentado pelo couro


cabeludo, segundo as variações de sua cor, turgência, ingurgitamento ou edema; as
diferenças regionais de volume; o exame simples das orelhas e, o armado, dos
condutos auditivos.
Nas “nevralgias do couro cabeludo”, Torres Homem indica, ao lado de outros
sintomas dependentes de perturbações locais e reflexas da circulação, a mudança
da coloração do tegumento e a sua transpiração anormal.
“... a pele enrubece, torna-se muito quente, há aceleração do movimento
circulatório, as artérias pulsam com energia, a parte fica banhada em copioso suor”
(335).
114

Já quando tomado de “erisipela”, “o couro cabeludo nunca fica vermelho,


conserva sempre a sua cor branca”. Onde o rubor vai aparecer, “mais ou menos
intenso”, é na “parte superior da testa”, sob a forma de “uma espécie de vínculo que
nasce da raiz dos cabelos e circunda o terço anterior da cabeça”. Os outros
elementos do diagnóstico são além da algia, o “empastamento edematoso” local e
mais distantemente, o “ingurgitamento agudo e doloroso dos gânglios cervicais e
sub-maxilares” (336). Além dessa intumescência de origem flegmásica, são
apontadas ainda as que dependem de perturbações circulatórias, quer as arteriais,
como se observa no afluxo de sangue contemporâneo dos estados infecciosos
agudos (“... peso de cabeça tão forte que impossibilita o doente de fazer qualquer
movimento, turgência das artérias temporais ...”) (337), - quer as venosas, de
retorno, como se vê na “congestão cerebral” (“... a volta do sangue para a veia cava
superior parece ... demorada e difícil: as veias do pescoço, da face e da testa ficam
intumescidas, túrgidas”. - “Este estado manifesta-se ... pelo rubor e pela turgência da
face ... pela repleção das veias da cabeça e do pescoço ...”) (338).
Para se ter uma noção da minúcia que Torres Homem punha no exame do
crânio, basta ler o seu capítulo sobre a “A Cefalalgia”, nos “Elementos de Clínica
Médica”. Sempre que se deparava com esse sintoma, o grande clínico, junto das
causas gerais, nunca perdia de vista a possibilidade de suas prováveis razões
locais, representadas pela “erisipela”, pelo “reumatismo do couro cabeludo”, pelas
“afecções dos ossos” e pelas “lesões sifilíticas do crânio” (339). Essa conceituação
implicaria numa investigação forçada dos vários planos constituintes da caixa da
cabeça, exame em que, certamente, a palpação teria a primazia. Entretanto, a
inspeção não era desprezada nessa casualidade, como se depreende da
observação daquele homem de cinquenta e tantos anos” entrado “para a enfermaria
da clínica interna da Faculdade... em Março de 1867”, o qual entre outras
desordens, tinha apresentado “uma forte dor... tendo do lado esquerdo do crânio o
seu máximo de intensidade, e dali irradiando-se para o resto da cabeça”. Esse e
outros dados levaram ao diagnóstico provável de “um tumor de natureza sifilítica no
lado esquerdo da cavidade craniana”, diagnóstico a favor do qual militava também a
inspeção, mostrando “a região parietal esquerda... mais proeminente do que a
direita” (340).
“Orelhas salientes”, eis um dos traços que sobressaem na fisionomia afilada
deprimida e encovada dos tísicos beirando a morte e onde se estampam os
115

caracteres que compõem a face hipocrática (341). Os corrimentos eventuais eram


considerados durante a vistoria do pavilhão e do conduto auditivo externo (342), cuja
exploração mais complexa pedia o uso do instrumento especializado da otiatria,
vulgarizado pelos tratados ingleses de Wilde e Toynbee, franceses de Bounefont e
Duplay; e, germânicos de Voltolini, Schwartze, Politzer e Troeltsch (343). O
otoscópio funicular, ou seja, o espéculo chamado “cheio”, hoje o mais empregado,
era justamente aquele, cujo uso já preconizava o mestre brasileiro em 1870, - de
preferência do tipo clássico, bivalvo, do “speculum auris”.
“Em lugar de introduzir-se o speculum auris como até aqui se tem feito com grande
incômodo para os doentes, introduz-se um pequeno funil de prata no conduto
auditivo externo, e por ele se faz chegar até a membrana do tímpano o reflexo de
um espelho côncavo” (344).
A inspeção geral do segmento cefálico terminar-se-ia pela verificação da
postura. “Inclinação exagerada da cabeça para a parte posterior”. “Cabeça
fortemente inclinada para trás”. “Inclinação forçada da cabeça para a parte posterior
e os opistótonos”. Tudo na dependência da “rigidez dos músculos cervicais”, -
fenomenologia reflexa, apontada nas doenças do cérebro e nas meningopatias
(345).
*
* *

Além da revista informativa quanto ao estado dos músculos da nuca, era


ainda procedida, com relação ao pescoço, à fiscalização de suas partes, laterais e
anterior, onde iam ser surpreendidos os aumentos de volume e as tumorações aí
sediadas, as alterações da cor da pele e os sintomas, representados pela plenitude
exagerada ou pelos batimentos patológicos de suas artérias e troncos nervosos.
O avultamento inflamatório, difuso, abrangendo, quase toda a superfície
desse trecho do corpo, é mostrado num caso de “angina tonsilar” e “glossite” onde o
“doente apresenta uma enorme tumefação, da região supra-hióidea, bem como das
regiões masseteriana e parotidiana, de ambos os lados, de tal modo que uma parte
do pescoço se confunde com a face” (346).
O “tumor formado pelo corpo tireóideo, do volume de uma pequena laranja”, o
“olhar fixo e desvairado”, os “glóbulos oculares salientes, como se quisessem sair
das órbitas”, as “palpitações tão intensas que lhe impediam muitas vezes o sono”, -
116

resumem a sintomatologia daquela basedowiana, primeiro viúva e lavadeira, depois


manceba e mulher da vida, que de miséria em miséria vai parar, exausta, na Santa
Casa de Misericórdia, na ocasião em que “seus padecimentos tomaram tal
incremento que ela viu-se privada de entregar-se a sua torpe profissão, porque
cansava quando fazia o menor exercício” (347).
Os gânglios linfáticos eram encarados por Torres Homem de modo
pormenorizado e avaliados conforme a sua consistência, mobilidade, número,
topografia, dolorimento ou indolência; de acordo com o caráter inflamatório,
hiperplásico ou adenomatoso do seu ingurgitamento; e, segundo as dimensões
atingidas pela sua hipertrofia, sempre reparada e posta em comparação com os
volumes conhecidos “de um grão de ervilha”, “de pequenas azeitonas”, “de um ovo
de pomba”, “de um pequeno cambucá” (348). No caso particular das adenopatias do
pescoço, a sua presença, somada a determinados comemorativos e a equivalência
dos sinais fornecidos pelo exame clínico, - conduziam o diagnóstico no sentido de
câncer ou no sentido de tuberculose.
“Antes de proceder ao cateterismo do tubo faringo-esofagiano a fim de
reconhecer a sede do estreitamento do esôfago, lesão esta que se lhe afigurava
evidente, chamei a vossa atenção para o grande desenvolvimento que apresentam
os gânglios supra-claviculares e os cervicais de ambos os lados: sobre a clavícula
direita existem dois tumores ganglionares do volume de uma noz, e por baixo do
maxilar inferior, à direita e à esquerda, notam-se pequeninos adenomas dispostos
em forma de rosário” (349).
“A presença de gânglios ingurgitados nas regiões cervicais e claviculares, que
notamos de um modo muito acentuado no doente... é um sinal valiosíssimo para se
admitir a natureza cancerosa da lesão esofagiana. Se a este sinal reúne-se, como
no nosso caso, todo o cortejo de sintomas da caquexia peculiar ao cancro visceral,
inclusive a cor de palha do tegumento externo, então o diagnóstico se torna muito
mais fácil” (350).
“...encontram-se às vezes nos antecedentes dos doentes, ora acessos de
febre, de tipo remitente ou intermitente, ora dispneia, ora alguns escarros
sanguíneos. Estes dados anamnésicos, aos quais dá muito valor a presença de
gânglios enfartados nas virilhas, nas axilas e no pescoço, levam o médico a tomar
em séria consideração os sintomas iniciais que apontei, como indicativos de uma
tuberculose aguda que vai fazer explosão” (351).
117

Na “febre biliosa grave dos países quentes”, a icterícia, que num período
adiantada da moléstia “torna-se muito pronunciada e invade toda a superfície
cutânea”, - deve ser procurada na fase inicial, quando é ainda um sintoma discreto e
menos aparente, mas assim mesmo, de relevante valor diagnóstico. É o que faz
Torres Homem quando trata de surpreendê-la, mal começa o “estado bilioso”,
apanhando-a ainda sob a forma das impregnações parciais, pouco salientes e que
apenas se esboçam “nas conjuntivas oculares, nos regos naso-labiais, no mento,
nas faces laterais do pescoço e na parte superior do tórax” (352).
As veias jugulares são estudadas do ponto de vista, ora da “turgência” que
podem a apresentar na assistolia (353), no enfisema pulmonar (354) e na congestão
cerebral (355), ora das oscilações que às vezes abalam as suas paredes. Estão
nesse caso o “falso pulso venoso” (356) e o “pulso venoso legítimo” (357), ambos
magistralmente interpretados pelo mestre carioca, tanto na sua origem patogênica
como no sentido de sua tradução clínica.
Com relação às carótidas, a inspeção vai focalizar desde seus “batimentos
exagerados” (358) aos “movimentos regulares e rítmicos de vai e vem” que mostram
“em toda a sua pujança o fenômeno conhecido pelo nome de dança das arterias”
(359).
“A posição anatômica das carótidas, livres no meio das camadas de tecidos moles
do pescoço, sem repousarem em um plano resistente que possa limitar a dilatação
de suas paredes, faz com que os mesmos fenômenos que nelas se passam tornem-
se apreciáveis à vista em uma certa distância. A violência com que o sangue
amplamente as distende e a rapidez com que elas se retraem logo depois de
distendidas, explicam satisfatoriamente os movimentos ritmicos que se passam no
pescoço” (360).

*
* *

Localizar os dados colhidos pela investigação dos fenômenos dolorosos e de


sua sede, circunscrever aqueles fornecidos pela inspeção, pela palpação, pela
percussão e pela ausculta, - segundo uma topografia pré estabelecida, - é regra
habitual para quem vai examinar clinicamente o segmento torácico. E é nas abcissas
dessa topografia, nas suas coordenadas e nos setores delimitados por seu desenho
118

que o prático vai “ler através das paredes do peito e relacionar a lesão provável do
órgão incluso ao ponto de reparo escolhido na superfície exterior” (361).
Nenhum dos processos objetivando essa finalidade e em voga na época de
Torres Homem, - desde o das “linhas plessimétricas” de Piossy, ao da conexão das
vísceras com as saliências e reentrâncias externas de Francis Libson; dos
diagramas obtidos com o “Chest-rule” de Ransome, aos esquemas de notação
auscultatória de Lasègue138, - parece ter merecido a preferência exclusiva do mestre
brasileiro. O que se consegue reconstruir de sua topologia, - não dá a impressão de
que ele observasse uma conduta uniforme e sempre a mesma, quer durante a
inspeção dos seus pacientes, quer ao redigir o relato das suas observações. O seu
modo de proceder às localizações torácicas muito simples e muito pessoal (“... et
chacun peut à cet égard s'en créer quelqu'un qui soit conforme a ses habitudes”139.)
(362), - devia servir, antes de mais nada como um recurso didático, como um
instrumento claro e preciso para se fazer entender (“Et l'on peut toujours être
compris, lorsqu'on dit que tel bruit se fait entendre sous la clavicule, dans l'une des
fosses sus ou sous épineuses... dans le creux auxilaire, sous le mame lon droit ou
gauche, etc.”)140 (363).
Era dentro desse juízo simplificador, expresso por Luton, que se colocava o
professor fluminense, quando apontava em largos traços certos acidentes que o
acaso teria disseminado, caprichosamente, no “tronco” (364) ou nas “espáduas”
(365) de um enfermo, mas, cuja importância, mesmo quando intrinsecamente
grande, carecia de significado, de expressão, ou de especificidade, se encarada
exclusivamente do ponto de vista do local onde sua fenomenologia ia ser
surpreendida. Essa maneira de não fatigar o ouvinte ou o leitor com o detalhe inútil
nem com a particularidade supérflua, - deixa seu raciocínio sempre pronto a ser
alertado ao chegar a vez do pormenor interessante ou da minúcia prestadia. É o que
sucede quando Torres Homem vai mostrar o sinal decisivo e que cumpre demarcar
nessa região, restringir naquela faixa, ou, extremar num ponto determinado.

138
Charles Ernest Laségue (1816 – 1883): Médico francês. Observou e descreveu o que seria o “sinal
de Laségue” quando indivíduos portadores de compressão ciática experimentam quando elevam a
perna a pouco mais de trinta graus. Suas principais obras são Traité des angines (1848), Traité de
l’auscutation de Laënec e Traité de la goutte de Sydenham.
139
... e todos podem imaginar alguém que seja de acordo com seus hábitos.
140
E pode ser sempre incluído, quando disse que tal ruído é ouvido sobre a clavícula, em uma de
suas fossas sobre ou sub espinhosas, .. no oco axilar sob a mama direita ou esquerda.
119

“No terço externo da região infra-clavicular e no bordo interno da omoplata,


junto ao ráquis e ao nível das fossas supra e infra espinhosas, é que se denunciam
como mais saliência os estertores subcrepitantes e cavernulosos” (366).
Esses exemplos mostram perfeitamente o critério topográfico de Torres
Homem, - ora quando ele considerava panoramicamente toda uma região do tórax,
sem cingi-la a fronteiras desnecessárias, - ora ao contrário, quando estipulava
dentro do conjunto, os limites da parte que reclamava de modo formal, toda a
atenção do médico. E entre os dois procedimentos extremos, graduam-se, segundo
os casos, os recursos de demarcação descritiva que vão da divisão simples dimidial,
- às subdivisões progressivas das superfícies traçadas pelas paralelas e horizontais
imaginárias, pelas riscas que cortam os pontos de reparo anatômico ou pelas que
decalcam as linhas do arranjo morfológico.
Às vezes há referências, simplesmente, a uma metade do tórax, - ao seu
“lado esquerdo” ou ao seu “lado direito”, mas geralmente, essas metades aparecem
divididas em faces anteriores, faces, laterais, faces posteriores, - direitas e
esquerdas -, que, por sua vez, vão ser subdivididas em terços superpostos no
sentido vertical (367).
“Obscuridade de som à percussão do terço inferior do lado direito do tórax em
todas as três faces, exageração das vibrações vocais nestes pontos, atrito, sopro
brônquico muito pronunciado e broncofonia; nada de anormal do lado esquerdo”
(368).
“... ressonância timpânica no terço médio da face posterior direita, junto ao
ráquis, obscuridade completa de som no terço inferior; na face posterior esquerda
observam-se os mesmos fenômenos em escala menor” (369).
Esse processo geométrico que repartia a caixa do peito em dezoito
quadriláteros, dispostos nove de cada lado, - era substituído por um critério de
secção mais anatômico, quando as circunstâncias levavam Torres Homem a se
referir, preferentemente, a região topográfica, de demarcação clássica, como sejam
as regiões da coluna (370), a das articulações esterno-claviculares (371) e a do
esterno, que, era considerado às vezes, ora num ou noutro dos hemiláteros que lhe
traçavam a linha mediana, ora nas superfícies exteriores correspondentes às peças
ou às metades superior e inferior do osso que lhe dá o nome (372); as regiões supra
e infra-espinhosa (373); a axilar (374); a precordial (375); e, a infraclavicular. Essa
última, era mencionada, ora de acordo com uma nomenclatura que tornasse
120

precisos os seus limites e definidas as zonas em que porventura se intentava


subdividi-la (“No terço externo da região infra-clavicular...”) (376), ora segundo
indicações que designassem genericamente acidentes assestados sobre a mesma
ou nas suas proximidades (“... aumento da sonoridade na face anterior... no espaço
compreendido entre a clavícula e o mamelão...”) (377).
Contida nesses termos e reportada a essas áreas é que ia aparecer a
enumeração das manifestações, dos sinais e dos sintomas de cuja seleção
dependeria o diagnóstico futuro.
A coloração da pele era estudada nas suas alterações locais representadas
pela icterícia circunscrita que vai impregnar a “parte superior do tórax” dos pacientes
acometidos da “febre biliosa grave dos países quentes” (378) e, pelas nódoas
características, como as assinaladas por Torres Homem, no amarelento “João da
Cruz, português, recentemente chegado ao Brasil, morador da rua Nova do Príncipe”
que mostrava no “tegumento externo... na parte supra-anterior do tórax e no ventre,
uma cor amarelada e algumas manchas petequiais” (379). Como distúrbio cromático
generalizado, do segmento que nos ocupa, aparece o rubor uniforme, decorrente da
hiperemia cutânea, encontradiça no “primeiro período do tifo americano” (380).
As cicatrizes servem aqui para o diagnóstico de velhos males venéreos (“...
uma mulher de cor parda, meretriz de profissão... em cujo hábito externo notava-
se... um grande número de pequenas manchas cor de cobre em toda a superfície...
do tronco e dos membros, vestígios evidentes de antigas sifilides”) (381) e, ali, para
outro diagnóstico, - esse de avaria maior, não mais do indivíduo, mas da coletividade
madrasta de que ele é parte oprimida. Estão nesse caso as cicatrizes deixadas
pelos tratos da peia naquela “Emiliana, preta liberta, africana, de 26 anos de idade”,
- multípara, reumática, cardíaca, tuberculosa, cachaceira, que ao ser examinada no
hospital apresentava-se com o corpo “coberto de suor”, o “estado geral mau”, a “cor
da pele descorada”, “pés e pernas muito edemaciados” e, com “sinais muito
numerosos e salientes de antigas sevíciais em toda face posterior do tronco,
sobretudo nas espáduas” (382).
Os episódios anormais originados na vascularização superficial são
lembrados quando se apresenta, em certo paciente, - uma “inspeção muito
manifesta dos capilares da parede torácica” (383) e, em outro, com sofrimentos do
fígado, a trama venosa suplementar que serve para contrabalançar “o embaraço que
gradualmente vai aumentando na circulação intra-hepática da veia porta”.
121

“Os vasos mais importantes dessa via colateral e compensadora acham-se


compreendidos entre o apêndice xifóide e o púbis, descrevem poucas flexuosidades,
estão situadas simetricamente ao nível da linha mediana, e correspondem
profundamente ao trajeto das veias epigástricas e mamárias internas” (384).
O ingurgitamento dos gânglios da região axilar é valorizado em paralelo à
presença das plêiades enfartadas das virilhas e do pescoço (385).
O edema da parede é distinguido segundo dependa de uma causa
inflamatória, pleural e, nesse caso, denuncia quase sempre as emergências em que
“há pus no exsudato pleurítico” (386), ou segundo indique em desordem profunda da
função cardíaca.
“Para que apareça edemacia no peito, nos traços, nos antebraços e nas
mãos, é preciso que o embaraço circulatório na aurícula direita tenha atingido o seu
apogeu, de modo que o sangue que chega a esta parte do coração pela cava
superior, favorecido nesta chegada por seu próprio peso, nem assim possa circular
livremente” (387).
A forma geral do tórax é frequentemente denunciada no aspecto particular
condicionado pela doença e que vai servir como marca para sua identificação; No
pleuriz com derrame é a “proeminência da parede” (388). Na asma, o tórax “saliente
e abaulado” (389).
O “tronco encurvado” (390), o “tórax descarnado” (391) são capítulos do
“habitus phymaticus”, cuja descrição dada por Torres Homem é decalcada na forma
e no fundo do quadro milenário e exato pintado por Areteo da Capadocia.
Descrevendo aí por volta de 1878 ou 79, em dois tuberculosos, - o exterior
inconfundível “que tanto impressiona o médico experimentado, e que só por si
resume o diagnóstico e o prognóstico da moléstia” (392), o professor carioca
parafraseia o “pneumatista” do primeiro século, que ele teria certamente lido e
meditado, talvez na edição de Haller, talvez na de Henri Étienne e, de quem teria
guardado para sempre as frases concisas e sinistras.
“As carnes desapareceram...pode-se contar as costelas, ver onde elas
acabam, suas articulações, com as vértebras e o esterno... os espaços intercostais
deprimidos... o epigastro oco...”
“... as omoplatas levantam a pele e parecem asas...”
“... os lábios arreganham-se sobre os dentes, feito no riso. O aspecto destes
doentes é, como o dos cadáveres”(393).
122

Ainda do ponto de vista estático, a inspeção pode fornecer dados da maior


importância semiológica, pelo estudo dos ressaltos e depressões que vêm acentuar
ou inverter os arqueamentos e as reentrâncias que configuram o tórax sadio.
A esses relevos e desníveis, tanto aos localizados como aqueles mais ou
menos difusos, - prestava Torres Homem muita atenção, segundo se vê de suas
referências às perturbações da coluna provocadas pelo Mal de Pott141, - no gênero
do “abscesso por congestão”, da “gibosidade” ou da “saliência de uma apófise
espinhosa” (394); aos vícios de conformação de origem profissional, ocasionados
pelo desenvolvimento parcial dos músculos (395); e, à assimetria entre as metades,
trazidas, pela efusão do pleuriz (396).
É, principalmente, nessa eventualidade que a inspeção contribui com sinais
de mais inestimável valor para o julgamento clínico.
“A assimetria da caixa torácica, por causa da elevação ou proeminência de
uma das suas duas metades, é o primeiro destes sintomas que atrai a atenção do
médico. Em muitos casos logo que se descobre o peito do doente, nota-se uma
diferença sensível entre o volume do lado afetado e do lado são: o abaulamento da
região correspondente ao derrame está, regra geral, na razão direta da quantidade
de líquido derramado, é acompanhado por desaparecimentos das depressões
intercostais, ora é uniforme e regular, distribui-se com igualdade em toda a extensão
da parede torácica, ora é parcial, limitado a um ou outro ponto desta parede,
adiante, do lado ou atrás; neste último caso, a coleção serosa quase sempre está
encistada, está presa por falsas membranas, não ocupa livremente a cavidade
pleurítica” (397).
Sempre na dependência da inflamação da pleura, - vem outra causa de
desigualdade dos hemitórax, esta para menos e representada pelo repuxamento da
parte onde o processo flegmásico esteve exercendo a sua atividade.
“Nos casos de pleuris com vasto derramamento, depois que o doente se cura, nota-
se que o lado do tórax mais dilatado durante a moléstia fica muito mais retraído do
que o outro” (398).
À avaliação geral do peito, deve o médico fazer a vistoria dos setores da
parede que por suas relações com os planos profundos, transformam-se na sede

141
Tuberculose da coluna vertebral; osteíte das vértebras, ocorrendo frequentemente como
consequência da tuberculose pulmonar. Epônimo de Sir Percivall Pott (1714 – 1788), médico inglês.
123

eletiva dos sinais que traduzem os distúrbios das vísceras que eles revestem.
Parece que esse seria o critério de Torres Homem, pois encontramos nas suas
lições várias referências em abono dessa afirmativa.
É assim que nas regiões costais ele aponta como dados relevantes a
“separação das costelas” (399) e a “ausência das depressões intercostais” (400) que
somadas à imobilidade e ao abaulamento do dimídio lesado, vão completar o quadro
postural oferecido nos espargimentos da pleura. Esse apagamento dos entrecostos,
pode, isoladamente, relacionar-se também a um processo de serosite alta do
abdômen, como no caso do português José Duarte que foi ocupar o leito número 15
da “enfermaria de Santa Isabel no dia 23 de Maio de 1869”, com uma
“hepatoperitonite” secundária a uma “grande hidropisia da vesícula biliar” e à
“comunicação dessa vesícula com...cavidade formada por uma porção do peritônio
que reveste a superfície convexa do fígado.” Lá está o sintoma, muito claramente
relatado no texto da observação.
“... as depressões dos espaços intercostais direitos, desde o quarto até o último, não
existem, ao passo que as do lado esquerdo são muito pronunciadas” (401).
A inspeção da região esternal e das circunvizinhas está intimamente ligada à
pesquisa dos elementos que induzem à suspeita dos aneurismas da aorta. Essa
inspeção merece cuidados muito especiais “antes que o tumor... faça saliência na
parede torácica”, quando ainda “não é muito fácil perceber... os seus batimentos
expansivos”. “Para apreciá-los convenientemente”, - ensina Torres Homem, - “o
médico deve colocar-se às vezes em uma posição que lhe permita dirigir o eixo
visual em sentido horizontal, paralelamente em relação à parede torácica: nesta
posição, fixando com atenção o olhar para a região suspeita, as pulsações do
aneurisma não lhe passarão despercebidas” (402). Tais cuidados, é obvio, seriam
supérfluos nos casos espetaculares, nos grandes aneurismas da aorta ascendente e
da crossa que são exatamente os que se tornam mais salientes para o exterior, -
“destruindo costelas, cartilagens costais e o esterno, luxando as articulações,
esterno-claviculares, e formando tumores mais ou menos volumosos” (403).
Além desses batimentos, perceptíveis no centro da proeminência
característica que se instala “na parte lateral direita da região esternal e nas duas
primeiras peças do esterno” (404), - outras ondulações parietais eram salientadas
pelo mestre fluminense, como as acarretadas pela presença de líquido derramado
124

no pericárdio, e que eram procurados de acordo com o conselho de Sénac142, no


precórdio, “entre a terceira, a quarta e a quinta costelas” (405).
Ainda na mesma área os movimentos do coração eram estudados, segundo a
localização de seu icto: em zona normal (406), desnivelado para baixo (407), ou
desviado para fora (408); segundo a energia com que se processava o arremesso
da ponta (“... palpitações frequentes e fortes do coração, a impulsão do coração
muito aumentada...” – “Batimentos cardíacos acelerados, impulsão do coração muito
violenta ...” - “... violentas palpitações do coração, sendo tão forte a impulsão deste
órgão que … impossibilitava muitas vezes o sono. Olhando-se para a parede
torácica, percebiam-se a uma certa distância as pulsações ...”) (409); e, segundo a
modalidade especial do choque no coração desviado que pode levar à confusão
com os batimentos de um aneurisma.
“Há casos em que o choque cardíaco é tão intenso e superficial na região superior
da face anterior direita do peito, que em um exame apressado e pouco cuidadoso do
doente pode fazer crer na existência de um aneurisma da aorta ascendente. Eu já
tive ocasião de encontrar um desses casos... um moço empregado no comércio...
disse-me o amigo que o acompanhava que ele tinha um tumor aneurismático da
aorta, cujos batimentos eram tão salientes, que para apreciá-los bastava olhar para
o peito a uma certa distância. Com efeito estes batimentos existiam, e à primeira
vista simulavam os de um aneurisma bem desenvolvido; porém a percussão e a
auscultação do tórax demonstravam-me de modo evidente que se tratava de um
vasto derrame na cavidade pleurítica esquerda, que tinha produzido uma verdadeira
ectopia do coração e das artérias que dele partem” (410).
No estudo da sintomatologia das pericardites é apontada a proeminência da
área precordial (411), - fenômeno cuja existência era admitida mesmo “antes de
haver qualquer derramamento” e de que Torres Homem traduzia a semiogênese
através de um critério pessoal e eclético, onde cabiam ao mesmo tempo a
explicação de Bouilland143 e a interpretação de Gendrin.

142
Jean Baptiste Sénac (1693 – 1770): Médico francês autor de On the Structure action and
diseases of the heart, reflections on drowned persons.
143
Jean Baptiste Bouilland (1796 – 1881): Médico francês e professor de Medicina Interna no Hôpital
de la Charité. Foi adepto de Broussais no que se refería à prática de sangrias. Descreveu uma
retração permanente da parede torácica na área precordial em casos de aderência pericárdica –
descrito como sinal de Bouilland.
125

“O professor Bouilland atribui esse fenômeno a uma fluxão do coração


acompanhada de aumento de volume do órgão; Gendrin, cuja opinião é abraçada
pelo Dr. Bucquoy, diz que ele depende da paralisia da extremidade anterior do
diafragma e dos músculos intercostais. Não exercerão a mesma influência na
produção do sintoma as duas causas reunidas? É o que me parece mais provável”
(412).144
Tratando do quadro clínico da sínfise do pericárdio, exalta o mestre brasileiro
a importância assumida nessa individualidade mórbida, pelas alternativas de recuo e
progressão das partes moles da área precordial e da sua vizinhança, - “espécie de
vai e vem rítmico e cadenciado, perfeitamente apreciável à vista” e, em cujo caráter
sistólico ele repisava com muita insistência.
“... desde o mamelão até a extremidade anterior da última costela, dava-se uma
retração dos tecidos durante a sístole cardíaca, isto é durante o choque da artéria
radial, e de novo estes tecidos voltavam à sua posição primitiva por ocasião da
diástole” (413).
Do ponto de vista dinâmico, a inspeção do peito ia informar, já sobre a
normalidade dos seus movimentos, - normalidade que era sublinhada quando se
tornava estranhável a sua manutenção euritmica dentro de situações graves como a
de certos doentes de dotienenteria (...” contraste entre as desordens anatômicas do
aparelho respiratório e a calma aparente com que se efetua a respiração”) (414), ou
como em emergências sérias iguais à daquele preto escravo em pleno assomo do
seu icto apoplético (... “movimentos respiratórios normais, diminuição da sonoridade
no terço inferior da face posterior esquerda do tórax ...”) (415); já sobre as
perturbações do número ou da amplitude de suas incursões, no quadro multiforme
das dispneias.
“Alguma dispneia”, “grande dispneia”, “respiração muito acelerada” (416) são as
etapas intermediárias postas entre o esboço do distúrbio de velocidade representado
pela simples “respiração freqüente” (417) e os ritmos que podem “tocar o extremo,
respirando o individuo 30, 40, 60, 100 e mesmo 140 vezes por minuto” (418). No

144
No fólio 111 encontra-se em registro autógrafo na marginália superior direita a seguinte frase:
“Viva o Buzunga 22- 8-946”. Em entrevista a Claudio Aguiar, Paulo Penido, sobrinho de Nieta Nava
comenta sobre o tratamento que o casal mantinha na intimidade: “Olhe, Nieta e o Pedro gostavam-se
tanto que se tratavam na intimidade com um nome só: Bisunga. Ele a chamava de Bisunga. E ela
também o chamava de Bisunga”. A referida entrevista está publicada no livro Pedro Nava. O Bicho
Urucutum. Seleção de textos e desenhos de Paulo Penido. Cotia: Ateliê Editorial, 1998.
126

sentido contrário, isto é, no da incidência para menos, são descritas a “respiração


rara” e a respiração retardada da asma, entidade a propósito da qual, Torres
Homem descreve magistralmente o aspecto do paciente às voltas com os
paroxismos da crise, - nos “Elementos de Clínica Médica” e, depois, no primeiro
volume das suas “Lições”. Apenas com uma estranha incoerência, pois se neste
livro, fala acertadamente no retardamento do ritmo (“... o movimento expiatório,
muito mais demorado do que no estado normal...”) (419), naquele, lhe empresta o
tipo contrário de uma taquipneia (“... as paredes torácicas, dilatando-se com uma
frequência e em uma extensão muito maiores do que no estado normal, traduzem
fielmente a extrema opressão que tanto aflige o asmático...”) (420).
É certo que na especificação das dipneias, a inspeção concorre com o maior
cabedal e, era olhando o tórax que o ilustre clínico brasileiro se dava conta de
muitas de suas peculiaridades (“O aumento visível dos movimentos respiratórios que
caracteriza a dispneia, pode ser geral, ou limitar-se aos movimentos das costelas
superiores”) (421). Entretanto, na classificação de alguns tipos, é evidente que, aos
fornecidos pela vista, se somassem dados colhidos por outros meios. É assim
quando se fala nas “crises”, nas “exarcebações”, nos “acessos”, ou na fisionomia
“contínua”, “estacionária”, ou “progressiva” dos distúrbios da mecânica respiratória
(422). Estariam também neste caso o ritmo de Cheyne- Stokes145 e o da “asma de
Albutt”, apontados no conjunto sintomático da uremia genuína (423) e, mais ainda,
os ritmos dados pela superveniência das “inspirações raras e fracas” ou da
respiração rara e intensa.
“Nos casos em que a respiração é rara, em geral também é intensa; apresenta-se
com o caráter da respiração suspirosa; o doente de vez em quando suspira
profundamente; as inspirações rara e fracas, conquanto tenham sido observadas,
são contudo excepcionais” (424).
A esses dois últimos espécimes e, agrupando-os como prováveis
perturbações centrógenas, parece que podemos ajuntar aquilo que Torres Homem
designava como “respiração de chupeta” e que vem mencionado como sintoma

145
Epônimo. John Cheyne, médico escocês (1777 – 1836 ) e Wiliam Stokes, médico irlandês (1804
– 1878 ). Respiração de Cheyne-Stokes: Respiração em que há variação ritmada na intensidade, em
ciclos; cada ciclo corresponde em diminuição gradual da intensidade dos movimentos respiratórios,
com cessação total deles durante alguns segundos e depois aumento gradual até atingir o máximo.
Observado em casos de coma de origem central.
127

atáxico, grave, “que precede de poucos movimentos a morte”, na febre amarela, “em
algumas formas de febre perniciosa” e mais raramente, na febre tifóide (425).
“... o paciente com paralisia das potências respiratórias, terá necessidade de sorver
o ar destinado aos seus pulmões, apresentará o sintoma a que alguns patologistas
dão o nome de respiração bulbar e que eu chamo de respiração de chupeta” (426).
“Dentre os sintomas atáxicos que apresentam alguns doentes, há um que é indício
infalível de morte próxima: vem a ser uma desordem particular da respiração, uma
espécie de dispneia que faz com que o doente inspire, aspirando por entre os lábios
mal abertos o ar que deve chegar aos pulmões; de sorte que cada inspiração é
ruidosa e sibilante, como se o individuo estivesse sorvendo a grandes tragos um
líquido qualquer.
Este sintoma, fornecido pelo aparelho da respiração, denota que as funções do
nervo pneumogástrico se acham muito comprometidas. É a este fenômeno que eu
chamo - respiração de chupeta” (427).
Não estaria Torres Homem, quando descrevia a respiração “rara e intensa” e
mais a “de chupeta” colhendo e exprimindo, sem querer, os termos esparsos, que
reunidos, não constitui algumas fases do ritmo de Kussmaul146? É o que parece.
A “grande respiração” quando se apresenta de modo típico, é uma sequência
lenta e entrecortada que se processa em quatro tempos. O primeiro é uma
inspiração forçada, profunda, penosa. O segundo, uma pausa. O terceiro, uma
expiração rápida e gemente. O quarto, uma nova pausa.
Se a essa definição, superpusermos as expressões usadas pelo professor
brasileiro, veremos que os seus sentidos se ajustam com bastante exatidão.
Para a sequência lenta e entrecortada, para as pausas de apneia, temos a
“respiração rara”. Para a inspiração forçada profunda, penosa, temos o que Torres
Homem quer significar quando diz que o paciente tem necessidade “de sorver o ar”
e que há como uma espécie de dispneia “que faz com que o doente inspire,
aspirando por entre os lábios mal abertos o ar que deve chegar aos pulmões; de
sorte que cada inspiração é ruidosa e sibilante, como se o indivíduo estivesse
sorvendo a grandes tragos um líquido qualquer”. Para a expiração rápida e gemente
encontramos equivalência no “caráter da respiração suspirosa”.

146
Epônimo. Adolf Kussmaul, médico alemão (1822 – 1902): Respiração de Kussmaul, respiração
profunda e rápida, com pausas bruscas entre a inspiração e expiração característica de situações de
acidose metabólica.
128

Que Torres Homem estava a par do desequilíbrio intermediário, no sentido


ácido, que ocorre no diabete e, da sintomatologia que lhe é contemporânea,
inclusive a respiratória, - não há a menor dúvida. Suas próprias palavras corroboram
essa certeza.
“Os acidentes nervosos que às vezes aparecem...caracterizados principalmente por
grandes dispneia, delírio, convulsões, algidez e coma...são atualmente atribuídos
por alguns médicos alemães e pelo professor Jaccoud à acetonemia”
“As análises clínicas a que procederam Petters, Lerch e Kaulich demonstram a
existência da acetona na urina e no sangue de certos diabéticos...”.
“Segundo as experiências feitas por Kussmaul em diferentes animais, a acetona
injetada ou respirada produz os mesmos fenômenos respiratórios, circulatórios,
caloríficos e nervosos que precedem e acompanham a encefalopatia diabética”
(428).
Se o professor brasileiro, tão avisado dos conhecimentos de sua época, sobre
a acidose da melitúria,- soubesse também que essa viragem metabólica é inevitável
em toda a hepato-nefrite grave e portanto na febre amarela, certamente teria
estabelecido a analogia entre as perturbações respiratórias observadas nas duas
entidades clínicas, - ou seja, entre os ritmos que ele descreve, principalmente o que
está relatado minuciosamente no seu livro de 1873 (429), que vem repetido no de
1877 (430), que é retomado no de 1885 (431) com o nome de “respiração de
chuperta” e,- o que Kussmaul chamou de “grande respiração”, atribuindo-o ao coma
diabético em publicação de 1874 (432).
Essa ilação não foi tirada, porque o clínico patrício não estaria perfeitamente
esclarecido sobre a toxicose endógena do Mal de Sião que ele legava,
principalmente, ao acúmulo das escórias azotadas, enxertado no terreno da
“discrasia sanguínea que caracteriza o fundo da moléstia” (433). Daquela “existência
da acetona na urina e no sangue”, que é admitida em “certos diabéticos”, ele nem
cuida quando preleciona sobre o Tifo Americano. Ao estudar o quadro renal dessa
infecção, - volta-se toda a sua atenção para a quantidade emitida ou para a
supressão das urinas, para a sua cor, para a sua biliosidade e para a intensidade
maior ou menor da albuminúria.
Só duas vezes, de passagem e sem parecer-lhe dar importância maior, ele
fala na qualidade acre da secreção dos rins dos amarelentos. De uma, citando o que
os médicos lusitanos tinham notado durante a epidemia que assolou a cidade de
129

Lisboa em 1857 (“... no primeiro período da moléstia as urinas eram ordinariamente


ácidas, avermelhadas, transparentes ou turvas, porém destituídas de albumina...”)
(434). De outra, no relato da doença de um Feitosa, “português, de 26 anos de
idade, sem profissão” que tendo se posto ao Brasil, antes de dois meses de aqui
chegado, ia morrer da “marinheira” na Enfermaria de Santa Isabel. Na enumeração
dos seus sintomas, a 2 de Maio de 1873, figura que ele tinha as “urinas muito
escassas, avermelhadas, ácidas e sem albumina” (435). É de se notar que essa
referencia à acidez, é única, em vinte e uma análises, que tantas foram as feitas
para os seis doentes, cujas observações, - certamente por serem as mais típicas,
minuciosas e bem cuidadas do seu arquivo, - Torres Homem escolheu para servirem
de exemplo no capítulo que trata do “vômito negro”, no “Estudo Clínico sobre as
Febres do Rio de Janeiro” (436).
A dificuldade dos movimentos é apontada para todo o tronco, no reumatismo
articular (437) e, particularizadamente, no tórax, quando há sínfise pleural e o
hemitórax correspondente à lesão “move-se como se fosse constituído por uma só
peça, como se as costelas estivessem intimamente soldadas umas às outras” (438);
quando há nevralgia intercostal e o peito conserva-se praticamente “imóvel durante
os movimentos ins e expiratórios” e a respiração é levada a cabo pela mecânica
diafragmática (439); e, finalmente, quando há efusão serosa e “imobilidade quase
completa do lado... em que existe o mal” (440).
Ainda como subsídios fornecidos pela inspeção do tórax, - Torres Homem
registrava a paralisia (441) e a contratura (442), o opistótono (443) os abalos (444) e
as convulsões (445), - que sediavam ou se exteriorizavam naquele segmento do
corpo e que aparecem nas suas lições sempre como sinais ou sintomas cheios do
maior interesse semiológico.

*
* *

O aspecto da pele, o volume e a forma do ventre, são as primeiras coisas que


impressionam o médico que olha para o abdômen do seu doente. E as referências
que Torres Homem faz aos fenômenos dessa natureza mostram que ele estava
sempre disposto a registrá-los nas suas observações todas as vezes que os
130

mesmos podiam servir como peças úteis ao encadeamento do diagnóstico e às


conclusões do prognóstico.
Estão no caso “as cicatrizes brancas” apresentadas pelos antigos ascíticos,
“análogas às que se notam no abdômen das mulheres que têm tido muitos filhos”
(446); e as petéquias que se juntam à coloração inconfundível em certos
amarelentos (447); as “manchas avermelhadas” patenteadas numa “remitente
paludosa tifóidea” (448); e, - as manchas lenticulares” (449), ou a manchas
roseolares” (450), ou “manchas tifóides”, que na opinião do clínico patrício, só
aparecem excepcional e tardiamente, como sintoma da dotinenteria de
Bretonneau147 (451).
O “excesso de pele” acompanha as diminuições de volume no “ventre
deprimido e flácido” (452) e, em sentido contrário, nas distensões provocadas pelo
meteorismo, pelo edema, pela obesidade e pela ascite, vai ser indicado o seu
aspecto “luzidio” (453), “tenso” (454), “infiltrado” (455) e “semi-transparente”, -
oportunidade final em que, os tegumentos “deixam ver em toda a sua superfície os
trajetos venosos debaixo da forma de linhas azuladas” (456).
Simples “linhas azuladas” como essas, mais notoriamente, a presença de
“veias dilatadas” (457) ou, o aparecimento ostensivo da circulação colateral
superficial (“Nas paredes costo-abdominais, principalmente do lado direito, notavam-
se grande número de veias desenvolvidas, dirigidas umas em sentido longitudinal,
outras em sentido oblíquo, dando à pele um aspecto especial...”) (458), corolário e
complemento da rede varicosa profunda (459), - serviam todas para orientar o
mestre no sentido da perturbação grave da “circulação intra-hepática da veia porta”
(460).
Uma das decorrentes mais sérias desse distúrbio da hemodinâmica
abdominal, a ascite ia ser apreciada pela inspeção, nos caracteres adquiridos pelo
revestimento cutâneo esticado e tenso; no alargamento da base do tórax; na
elevação do epigastro; na diminuição de profundidade do umbigo; no seu
apagamento, ou mesmo, na revirada da sua cicatriz que passa da côncava a
convexa por força da protrusão da “hérnia flutuante e translúcida”; na saliência dos
flancos e no aumento progressivo de volume, do ventre (461).

147
Pierre Fidèle Bretonneau (1778 – 1862): Médico francês. Foi profesor de Trousseau, Velpeau e
Baillarger. Descreveu a febre tifóide e a difteria e diferenciou a febre tifóide do tifo. Realizou a
primeira traqueostomia devido a crupe.
131

O crescimento celíaco geral, vem apontada segundo as várias gradações que


vão, da mera “tumefação do abdômen” (462), às suas “proporções colossais” (463),
ao seu avultamento “muito maior que o da prenhez a termo” (464) ou às amplitudes
que chegam a ponto de deixarem o paciente impossibilitado de trabalhar (465).
Intermediariamente, vamos encontrar o “ventre elevado”, exibido naquele doente
“espanhol, de 35 anos, operário de uma fábrica de chapéus na rua de S. Pedro”
internado com um quadro de “peritonite super-aguda generalizada” (466) e o “ventre
proeminente” mostrado naquele menino que estadeava os sintomas de uma
perniciosa de “forma meningo-encefálica” e que, Torres Homem vai examinar na
companhia de “três médicos distintos, seus parentes muito próximos: os Srs. Drs.
Benjamin Ramiz Galvão, Sebastião Saldanha da Gama e Queiroz Carreira” (467).
Quando o acréscimo se processa, conferindo à barriga além do volume para
mais, um contorno especial, este vai ser sempre definido como no caso do “ventre
abaulado” (468), do ventre de “forma globulosa” (469) ou do ventre que configura
“um fragmento de ovóide, muito regular” (470), característico das ascites que se
desenvolvem rapidamente em indivíduos moços cujas paredes abdominais
conservam-se com boa força muscular e com um panículo adiposo normal.
Inversamente, a forma e o volume para menos são valorizados no “ventre
deprimido e flácido” (471), no “ventre deprimido” e “acanvado” (472), no ventre
“achatado” (473), no “ventre retraído” (474) e no “ventre retraído e tenso” (475).
Na interpretação das variações de tamanho, Torres Homem atribuía muita
importância à simetria ou às assimetrias e, nesse caso, ao caráter permanente ou
transitório assumido pela desigualdade que ia apreciada entre um lado e o outro. É o
que vemos em várias circunstâncias quando são citados casos de ascite (“Ventre
igualmente distendido por abundante coleção líquida, tendo 115 centímetros de
circunferência na sua parte mais saliente, simétrico...”) – “... quando o derramamento
chegar a um grau muito elevado de desenvolvimento, a deformação do abdômen
torna-se cada vez mais pronunciada... porém conserva sempre este caráter muito
importante para o diagnóstico, é simétrica todas as vezes que o doente se coloca
em decúbito dorsal, ou em posição vertical”) (476); de peritonite crônica (“Colocando
o nosso doente em decúbito dorsal no centro do leito, com os membros, quer
torácicos, quer pelvianos, em completa extensão, todos vós notastes que o seu
ventre não tinha uma configuração simétrica...”) (477); de “degenerescência
gordurosa do fígado simulando durante a vida uma hepatite supurada” (“Grande
132

proeminência do epigastro, principalmente em sua metade direita; hipocondrio direito


muito elevado, tenso e doloroso...”) (478); de “peritonite alcoólica” (“Quase sempre
silenciosa em sua evolução, passando muitas vezes desapercebida durante a vida
dos doentes, a flegmasia peritonal ora é parcial, ora generaliza-se: em qualquer
destes casos, caracteriza-se por falsas membranas mais ou menos espessas, que
se encarregam de reunir entre si as vísceras abdominais, dando-lhes a configuração
de uma única peça anátomo-patológica, que se move em totalidade quando se
apalpa o ventre e que dá à parede abdominal anterior irregularidades e assimetrias
que muito auxiliam o diagnóstico”) (479); e, ainda uma vez, num caso de derrame
cavitário, onde se chama a atenção para uma possível assimetria transitória e posta
na dependência de circunstâncias eventualmente criadas pelo estado de
musculatura celíaca.
“Ao principio há apenas alguma saliência do hipogastro, apreciável sobretudo
quando o doente conserva-se de pé, porém que diminui quando ele se deita; um
pouco mais tarde esta diminuição ainda se observa, porém de um modo menos
pronunciado; alguns minutos depois que o decúbito tiver tido lugar, quando os
músculos abdominais estiverem em relaxação, sobretudo se as paredes do ventre
forem flácidas e pouco resistentes, o médico observará uma certa saliência dos
flancos, saliência que será mais notável de um lado do que de outro, se o doente
ficou por muito tempo no decúbito lateral” (480).
Propositalmente insistimos nessas transcrições das palavras literais do
grande mestre, não só para mostrar o valor dado por ele à simetria ou assimetria
exibida pela forma do ventre, como para demonstrar o cuidado e a minúcia que ele
punha nessa pesquisa, examinando em várias posições: de pé e deitado – em
decúbito lateral ou em extensão resupina.
A mesma diligência era posta no reparo da protusao inopinada, da retração
ativa e dos movimentos anômalos que apareciam sacudindo ou deformando as
paredes da grande cavidade, tais como a sua “tensão enérgica e súbita” (481) no
soluço; a sua “saliência devida à … contração do diafragma” durante o movimento
inspiratório, na crise de asma, e, no tempo expiratório da mesma, a “sensível
depressão na região costo-ilíaca de ambos os lados”, dependente da ação violenta
dos músculos quadrado dos lombos (482). E era ainda na inspeção dos abalos do
epigastro que Torres Homem buscava duas indicações muito valiosas para os
diagnósticos respectivamente da sínfise do pericárdio e da “hipertrofia com grande
133

dilatação do ventrículo direito”. Aqui, “os batimentos cardíacos são mais


pronunciados no epigastro do que na região precordial propriamente dita” (483), e,
na aderência das serosas do coração é citado o “sinal valioso” de que falam
Sanders148 e Heim149, ou seja, a “depressão ondulatória do epigastro isócrona com a
sístole” (484).
O que se observou anteriormente da topologia do clínico patrício com relação
ao tórax, pode ser repetido quanto ao critério que lhe servia para proceder à divisão
topográfica das paredes abdominais. Num, como no outro segmento do tronco as
repartições regionais não se subordinam a um sistema único a ser repetido
invariavelmente em todos os casos.
Frequentemente aparece a indicação das zonas segundo o critério de sua
relação com a víscera por ela recoberta, - víscera sobre a qual se quer concentrar
todos os sentidos do prático, como quando se fala em “regiões renais” (485), em
“região do estômago” (486), em “região esplênica” (487), e em “região hepática”.
Esta, o mais das vezes, vem extremada de modo isolado (488) mas surge também
com maior amplitude, quando fígado e bolsa gástrica são reportados,
conjuntamente, à superfície, no sentido mais lato da referência à “região gastro-
hepática”, - toda ela inchada, ressoante e dolorida, no caso daquele português
Manoel Pinheiro da Costa, em quem uma “febre remitente biliosa dos países
quentes” vai gerar uma sintomatologia dependendo dos sofrimentos imbricados
desses dois órgãos e mais do baço.
“Hábito externo da caquexia paludosa e da icterícia; a cor da pele é de um amarelo
sujo em alguns pontos, amarelo verdoengo em outros, amarelo claro em outros.
Língua seca e revestida de uma camada muito espessa de saburra e muita sede.
Ventre timpânico, proeminente e doloroso, sobretudo na região gastro hepática...
fígado enormemente desenvolvido... baço volumoso...” (489). Para a inspeção dessa
área e para a importância de sua “elevação... em forma de um tumor” que atrai logo
a atenção do médico e do próprio doente”, é que Torres Homem alerta o observador,
quando trata da “inflamação supurativa do lobo esquerdo da glândula hepática”
(490).

148
James Sanders (1777 – 1843): Médico inglês. Descreveu o sinal da pulsação epigástrica nos
pacientes que apresentavam aderência pericárdica ou o epônimo sinal de Sanders.
149
Ernest Ludwig Heim (1747 – 1834): Médico alemão. Descreveu conjuntamente com Friederich
Ludwig, uma depressão presente nos espaços intercostais esquerdos durante a sístole cardíaca.
134

Quando o professor fluminense tinha de aludir a processos, sinais ou lesões


que por sua qualidade são difusos, disseminados ou dispersos nunca vemo-lo
marcando-os em zona correspondente à projeção anatômica das vísceras ou
apontando-os isoladamente em áreas naturalmente restritas e delimitadas com
linhas artificiosas. Nessas eventualidades ele prefere falar em “lado esquerdo do
ventre” (491), como quando relata o traumatismo recebido pelo ilhéu Dyonísio
Gonçalves que, às voltas com uma alimária, recebeu um coice que o prostrou na
cama por três meses e que foi o princípio da história de um aneurisma da aorta
abdominal arrebentado para dentro do peritônio; ou em sua “metade direita”, como
quando descreve o hábito externo do portador de uma “peritonite crônica”.
“...tomando por ponto de mira a linha alba, que divide o abdomen em duas
metades laterais iguais, víamos distintamente que a metade direita... estava muito
mais proeminente do que a esquerda...” (492).
Já a metade superior e a metade inferior estão também claramente contidas
nas expressões “região supra umbilical” (493), “região superior do ventre” (494),
“baixo ventre” (495), “parede abdominal antero inferior” (496), “parte inferior do
abdômen” (497) e “porções inferiores do abdômen” (498), - colocadas sempre em
relação a elementos patológicos de demarcação difícil e assumindo, quando
apareciam, o caráter, da dispersão, da progressão, da generalização ou do que é
indelimitável, - inerente aos sintomas e aos sinais que o eminente clínico punha em
correspondência a essas áreas sem fronteiras definidas. Tais são, respectivamente,
os fenômenos decorrentes da propulsão superior dos intestinos na ascite; os filiados
ao aumento de volume da glândula jecoral, na “hepatite parenquimatosa parcial”
com “abscesso do fígado”; os resultantes da ausculta, na prenhez extra-uterina; os
acarretados pela dor no “reumatismo visceral”; os provocados pelo “embaraço à livre
circulação das matérias fecais e dos gases no tubo digestivo”, ainda nas hidropexias
do peritônio; os de desconforto e de algia, despertados pela dilatação do vaso, nos
aneurismas da aorta abdominal; e finalmente, os desencadeados pelas aderências e
pela presença de líquido inflamatório nas flegmasias crônicas da serosa abdominal.
Pouco precisas como limitações de superfície, são as referências à “região costo
ilíaca” (499), âs “paredes costo abdominais” (500) e, menos formal ainda aquela
outra feita ao “dorso” que aparece como direção genérica tomada pela irradiação
dolorosa na doença do lusitano Limeira “hortelão, bem constituído” que se ocupava
em “cortar e vender capim em uma chácara de Andarahy Grande”, onde morava, e
135

onde teria contraído a “opilação” que levou ao leito do hospital. “Dor epigástrica que
se exacerba pela pressão e sobretudo depois da ingestão de alimentos: esta dor
quando é intensa, irradia-se para os hipocôndrios e para o dorso” (501).
Mas o jeito mais habitual de Torres Homem, de separar, no abdômen, as
zonas de reparo é o clássico, o que o divide nas onze áreas a que ele tanto se
reporta, quando alude reiteradamente às regiões do epigastro (502), do umbigo
(503), do hipogastro (504), dos dois hipocôndrios (505), dos dois flancos (506), das
duas fossas ilíacas (507) e, às dos dois lombos (508).
Esses mesmos espaços aparecem às vezes subdivididos como quando se
fala na “metade direita” do epigastro (509) ou, mais fragmentariamente, ainda,
quando vem â baila uma parte dessa metade (“... um tumor, o qual ocupa, ora o lado
direito do epigastro, na sua parte inferior, ora o hiponcôndrio direito...”) (510); e
quando, dentro do perímetro da região umbilical, há necessidade de circunscrever
certos fenômenos, tomando-se como notação as “vizinhanças da cicatriz umbilical”
(511) a zona “supra umbilical” (512) e a que fica “abaixo da cicatriz umbilical” (513).
Os alteamentos do epigastro, do hipogastro dos hipocôndrios, dos flancos e
da região umbilical aparecem traduzindo processos que, via de regra, repercutem de
maneira mais ou menos específica sobre esses pontos, como é o caso da elevação
epigástrica “muito acima do plano horizontal” (514), quando a ascite empurra na
direção do diafragma as “asas intestinais... distendidas por gases” e o de um “foco
purulento que formado no lobo esquerdo do fígado, na parte deste órgão que excede
o bordo da costela e invade o epigastro”, vai provocar aí, a superveniência de “uma
elevação mais ou menos pronunciada” (515); como é o caso da saliência formada no
hipogastro, no início dos espargimentos da cavidade, - saliência “apreciável
sobretudo quando o paciente conserva-se de pé, porém que diminui quando ele se
deita” (516); como é o caso da proeminência dos hipocôndrios que no decurso das
grandes hidropisias da vesicula biliar (517), o dos estados mórbidos associados ,
infra e supra diafragmáticos, assestados do lado direito (518) e, o das
hepatomegalias (519): como é o caso do avultamento dos flancos que pode ser
determinado pela presença de líquido na cavidade celíaca (520); e, por fim, como é
o caso da tumefação da zona umbilical, ou mais precisamente da cicatriz umbilical
que, no quadro de um abaulamento geral do ventre, dá de si mais que o resto das
paredes e torna-se protusa quando as ascites condicionam uma “hérnia flutuante e
translúcida” (521) ou quando universaliza-se o meteorismo do tubo digestivo. “...o
136

desenvolvimento dos gases sendo muito pronunciado, o ventre adquire proporções


enormes, toma a forma globulosa mais ou menos regular, a sua pele fica muito
tensa e luzidia, a cicatriz umbilical perde grande parte da sua concavidade, a
saliência das costelas e dos ossos da bacia desaparecem...” (522).
Para atribuir a vísceras como o estômago ou o pâncreas, a bexiga ou o útero,
a sede de uma tumoração que se exteriorizasse à inspeção da parede abdominal,
Torres Homem dava muita importância ao setor exato de uma das divisões traçadas
pelas linhas celíacas imaginárias, onde essa tumoração se pronunciava.
Assim, uma protuberância surpreendida no quadrante inferior direito do
epigastro, nas proximidades do hipocôndrio, era para o ilustre clínico, indicação
quase certa de lesão situada no piloro ou nas suas vizinhanças. É o que acontece
no caso daquele sexagenário que mostrava entre seus sintomas, uma “dor
espontânea no lado direito e inferior do epigastro junto do hipocôndrio respectivo” e
em quem se encontrava, relacionado â topografia dolorosa, “um tumor... que se
escondia por baixo das últimas costelas quando o doente se conservava assentado
no leito”, mas “que se tornava saliente no decúbito dorsal...” (523). Nesse paciente a
autopsia vai confirmar, no piloro, a existência de um “tumor irregular, ou fractuoso”,
“obstruindo em parte a sua abertura” (524).
Ao pâncreas eram imputadas as formações que se denotavam ora
“simetricamente entre o epigastro e a cicatriz umbilical” (525), ora entre esta e o
hipocôndrio direito (526), ora só na própria superfície deste hipocôndrio e, ora, na
parte inferior e lateral do epigastro que confina com ela (527).
A atenção do clínico é solicitada para a bexiga quando ao lado da diminuição
e da supressão das urinas, aquele “órgão apresenta-se muito distendido,
constituindo um volumoso tumor que ocupa todo o hipogastro e chega mesmo até a
cicatriz umbilical” (528); e, para a matriz, quando excluída a bexiga por intermédio da
plessimetria, a tumefação vai ser ligada a uma gravidez, a uma “pneumatose” ou a
outros produtos patológicos do útero (529).
Em sentido oposto, já as depressões locais eram consideradas, no seu valor
absoluto e no seu valor negativo. Ali, para representar o aspecto emprestado pela
“excessiva magreza e profunda caquexia” a uma zona da barriga não envolvida pela
distensão acarretada à sua parte superior por um câncer volumoso. (“ Na região
hipogástrica, o abdômen estava deprimido, acanvado, tinha a pele quase grudada
com o raquis, mal se percebiam as asas intestinais”.) (530). No segundo caso está
137

aquela depressão ilíaca, mais acentuada â direita que na fossa oposta e servindo,
preciosamente, no caráter assimétrico emprestado ao baixo ventre, para ser
estabelecido o diagnóstico diferencial entre a natureza inflamatória ou apenas
transudativa de um derrame coletado na cavidade.
“... víamos distintamente... que a fossa ilíaca daquele lado se achava mais deprimida
do que deste. Ora, se o líquido derramado fosse simplesmente hidrópico, constituído
portanto exclusivamente por serosidade, distribuir-se-ia regular e uniformemente em
toda a cavidade abdominal, obedecendo às leis da gravidade e do equilíbrio e daria
às paredes distendidas do ventre uma perfeita e completa simetria” (531).

*
* *
Em seguimento à do tórax e à do abdômem, a inspeção do tronco ia se
completar pela dos órgãos genitais do homem e da mulher. Esses exames são muito
esclarecedores, principalmente porque provam a minúcia e o zelo com que Torres
Homem levava a cabo a vistoria ampla e completa do corpo dos seus pacientes.
Particularmente nos do sexo masculino, onde o enunciado de perturbações locais
surpreendidas no pênis e no escroto, não estão senão uma única vez na
dependência de qualquer investigação urológica, mas representam na sua maior
frequência uma parte do exame geral que, ao que parece, era raramente dispensada
pelo grande professor patrício.
É assim que vemo-lo num caso de coma por “meningo-encefalite... que
esteve sujeito à observação durante algumas horas somente” chamando a atenção
dos seus discípulos para a existência de “um cancro venéreo em via de
cicatrização”, “na região balano prepucial” (532). Num, de diabete a “balanite e
consecutivamente a fimose”, o “alargamento do meato urinário e a intumescência
dos seus bordos” é que são apontados (533). Num outro, de “opilação”, está referido
o “edema do pênis e do escroto” (534). Nesse de “febre perniciosa” é acentuada a
ausência da tríade, inflamatória, - rubor, calor e turgência, que fora procurada nas
bolsas devido a haver uma “dor aguda do testículo esquerdo” (535). Naquele
hidrópico, de “nefrite parenquimatosa crônica” o que se mostra são as “proporções
desconformes” do saco escrotal e o “pênis torcido e desfigurado” (536). É sempre
assim: o sinal local nomeado como complemento da afecção em apreço, - trata-se
do edema do prepúcio, capítulo de uma anasarca (537); da flegmasia de toda a pele
138

dos genitais, complicação da melitúria (538); do aumento do tamanho, de um


testículo, episódio de nevralgia local, durante o assomo de uma “perniciosa” (539);
ou do exagerado volume do “saco peritesticular” que em certas circunstâncias,
acompanha as afusões abdominais.
“Quando a ascite manifesta-se em um individuo que tem comunicação anormal entre
a cavidade do peritônio e a túnica vaginal, o líquido do derramamento acumula-se no
saco peristeticular e aí apresenta-se com os caracteres da hidrocele comum, com a
particularidade de poder ser reduzido como uma hérnia, e reproduzir logo que cessa
a compressão” (540).
Ao contrário do exame externo do ânus de que não cuida nos seus livros, ou,
da sua visualização interna e armada que Torres Homem considerava atribuição do
operador (541), a inspeção desarmada e a especular dos genitais femininos faziam
parte de sua prática de internista.
Mas não se veja nisto o hábito de uma invasão costumeira em terreno
tecnicamente particularizado e alheio, porque, conforme as circunstâncias, vamos
encontrá-lo pedindo a colaboração do especialista, como no caso daquela “senhora
casada e mãe de quatro filhos” onde o seu trabalho de clínico cessou com o
diagnóstico, tendo o tratamento, sido tarefa do grande Feijó150.
“Do resultado do meu exame concluí que muito provavelmente existia uma lesão do
colo uterino... No dia seguinte recorri a uma exploração por meio do espéculo: sem a
menor dificuldade encontrei no lábio posterior de focinho de tenca e uma ulceração
extensa, irregular, superficial e de aspecto inflamatório. Confiei a doença aos
cuidados do Sr. Visconde de Santa Izabel; a úlcera foi cauterizada, várias vezes com
nitrato de prata...” (542).
“Recorri a uma exploração por meio do espéculo”, diz aí o professor ilustre. De outra
feita, em Agosto de 1864, “chamado para ver uma criança de 22 dias de idade e que
tinha no rosto, na parte anterior do tronco e nos membros uma erupção” que ele
classifica de “sifílide papulosa”, para confirmar o diagnóstico da avaria inata, passa à
inspeção externa dos genitais da mãe que era “uma parda escrava”, onde encontra
“em ambos os grandes lábios duas placas mucosas bem distintas” (543). Numa
outra cativa, parda também chamada Libânia, vista às 6 horas da manhã de 17 de
Outubro de 1863, é o toque que assistimo-lo praticando (“Pelo tocar vaginal

150
Ver nota 158.
139

reconhecemos que o colo do útero estava muito quente, extremamente duro,


sensível e aumentado de volume...”) (544).
Esses exemplos mostram que Torres Homem estava bem ao par dos
elementos da exploração dos genitais femininos, quando mais não fosse, para
reconhecer da sua normalidade ou identificar nos mesmos a presença de estados
anormais. O que é, aliás, obrigação de todo o clínico completo, porque não se
compreende deste, nenhuma interpretação do organismo, que lhe é apresentado
como um todo, uma vez que não lhe seja possível avaliar com proficiência,
acabamento e sabedoria, como está cada uma das suas partes.
Os conhecimentos do mestre fluminense nesse terreno da medicina externa e
especializada, estão bem demonstrados nos capítulos que ele consagra, nos
“Elementos de Clínica Médica” ao exame digital (545) e a visualização dos órgãos
genitais da mulher.
Como parte da inspeção é a última que nos interessa, agora, mais de perto. E
a técnica para sua realização vem minuciosamente descrita naquela obra: posição
da paciente examinada e posição do médico que examina (546); resguardo da
decência e do pejo (“Realmente nada há de mais repugnante para uma mulher do
que colocar-se completamente descoberta, em posição grotesca diante de um
homem que devassa com os olhos e as mãos, os segredos que ela
escrupulosamente esconde até das pessoas do seu sexo”. - “Felizmente há meios
de conciliar as indispensáveis manobras da exploração com as rigorosas
conveniências devidas ao pudor. Cobre-se a doente com um lençol tendo ao ponto
correspondente à vulva uma abertura por onde possa passar o espéculo... Deste
modo o exame do conduto vaginal é feito com facilidade... sem descobrir as partes
externas da geração nem as coxas”.) (547); utilidade do tórax como parte prévia
indispensável do bom exame instrumental (548); pequenos cuidados que facilitam a
introdução do espéculo, como o seu aquecimento (“... se for introduzido frio,
determinará uma sensação desagradável na doente e provocará uma contração nas
partes...”) (549) e como a sua lubrificação (“... com oléo, ceroto ou outro qualquer
corpo gorduroso inocente”.) (550), cautelas no fechamento das valvas e na retirada
do ferro (551), utilidade do condutor de madeira (552); escolha do espéculo a ser
usado, como o de Charrière (“... cujo emprego é fácil e pouco doloroso...”) (553), o
de Guillon ( que “é muito cômodo”) (554), e o de Jobert ( que” não causa dor quando
dilata a vagina”.) (555).
140

Destes três, o último era considerado como sendo o melhor. A descrição feita
nos “Elementos de Clínica Médica” (556) trata exatamente deste espéculo; o de
Jobert, de tipo bivalvo, mas o curioso é que a figura do texto de Torres Homem, não
representa o instrumento original do cirurgião francês. Representa outro, talvez o de
Ricord, se é que o desenho de linhas grosseiras que está no tratado nacional pode
permitir essa identificação151.
Interessante a considerar, ainda como prova de gosto que tinha o mestre
patrício pela ingressão no estudo das especialidades, de que mesmo se servia como
coadjuvante do seu gênio clínico, - é a síntese histórica que ele faz dos abridores
vaginais, desde os modelos primitivos, como a “dioptra” de Paulo de Egina152 e o
“vertigo” de Albucassis153, aos mais recentes de Dubois154 e Dupuytren155, sem
esquecer o nome de Récamier156, a quem se deve ter feito “reviver a ideia do
speculum” (557). Outra evidência disso nos é oferecida pela nota da “Gazeta médica
do Rio de Janeiro”, onde o comentário de uma cesariana praticada em 1864 pelo
velho Luiz da Cunha Feijó157, transforma-se na pena de Torres Homem, numa
verdadeira lição sobre a história dessa operação (558).
A inspeção dos membros consistia numa vistoria completa que ia dos vazios
e das pregas que ajudam a marcar seus limites com o tronco, como as axilas e as
virilhas (559), - até às mãos, onde eram acentuados no seu justo valor sinais como
os dedos e as unhas hipocráticas (560), como as retrações de aponeurose palmar

151
No fólio 142 o autor registra na parte superior da página direita em lápis dados sobre as figuras
publicadas nos Elementos de clínica médica de Torres Homem à pagina 457 daquela edição. Está
registrado: “Figura:/ Espéculo representado por T. H. Nos Elementos/Espéculo de Jobert/ Espéculo
de Ricord/ Dic Jaccoud v. XXX /pg. 457”.
152
Paulo de Egina ou Paulus Aegineta (625 a.C – 690 a.C): Médico grego bizantino. Conhecido por
ser autor de enciclopédia médica Compêndio médico em sete livros. Esse trabalho continha todo o
conhecimento médico ocidental, sendo incomparável em sua perfeição e precisão. O sexto livro sobre
cirurgia em especial, foi referenciado na Europa durante toda a idade média.
153
Albucassis de Córdoba (936 – 1013): Médico árabe. Foi médico na corte do rei Hakan II e aoutor
de al-Tasrif (Coleçoes) , tratado médico que reune o conhecimento da medicina árabe à época do
autor, constituído por 3 volumes contendo descriçoes de técnicas cirúrgicas para litotomia, litotripcia e
amputações e descrições de instrumentos cirúrgicos.
154
Jacques Dubois (1478 – 1555): Médico e anatomista francês. Professor de Vesalius em Paris. Sua
admiração por Hipócrates e Galeno era tanta que, certa vez, declarou que Vesalius “era um louco”.
Primeiro a realizar dissecções em cadáveres na França. Autor de Isagoge.
155
Baron Guillaume Dupuytren (1777 – 1846): Cirurgiao francés. Foi cirurgiao de Louis XVIII e
Charles X e fundou a Societé Anatomique de Paris em 1803 e o museu Dupuytren.
156
Joseph Claude Anthelme Recamier (1774 – 1852): Médico francês. Descreveu a técnica de
histerectomia por via vaginal (operação de Recamier).
157
Luis da Cunha Feijó (1817 – 1881): Médico carioca. Foi o Barão e único Visconde de Santa Izabel.
Formado em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, é considerado o primeiro
médico a realizar a operação cesariana no Brasil. Foi membro da Academia Nacional de Medicina e
do Instito Histórico e Geográfico do Brasil. Médico particular da Princesa Isabel.
141

(561) e, até à sola dos pés, onde se procurava “descobrir algumas das
manifestações do vício boubático”.
“... olhai minuciosamente para as plantas dos pés, onde ordinariamente se
escondem os chamados cravos de boubas” (562).
O emagrecimento excessivo ou desenvolvimento natural de braços e pernas,
contrastando ou equilibrando sua massa com a das cavidades esplâncnicas eram
referidos (563), do mesmo modo que o eram as gradações das “atrofias” assestadas
sobre eles (“... a atrofia pode ser levada a um ponto tal que uma parte ou totalidade
de um membro fique reduzida a menos da metade do seu volume normal...”); e,
quando essas existiam e se localizavam em territórios definidos, já não é mais da
do artículo tomado em seu conjunto que vai falar o eminente clínico, mas da dos
grupos musculares que dão fisionomia determinada e caracterização especifica a
certos gêneros de reduções como, por exemplo, as que resultam da intoxicação
saturnina.
“... as saliências musculares dos antebraços tranformam-se em goteiras, as
iminências tenar e hipotenar achatam-se e desaparecem; os espaços inter-ósseos
pronunciam-se cada vez mais... a mão torna-se descarnada...” (564).
O estado dos vasos vem mencionado, não só com relação ao aspecto
apresentado pelas veias (“... turgência do sistema venoso; as veias dos braços,
antebraços e mãos estavam muito desenvolvidas ...”) (565) como com ao
exteriorizado pelas artérias (“... as artérias radiais, bem como as temporais
apresentam-se tortuosas e degeneradas pela ateromasia ...”) (566).
Certas alterações na forma e na linha dos membros, produzindo deformidade
permanete, servem para a orientação do diagnóstico, - aqui, no caso dum quarentão
“empregado como servente nas capatazias da Alfândega”, de uma sífilis pregressa
cujo vestígio atual é uma exostose evidente na “face anterior do tíbia esquerdo”
(567); ali, no de certo “preto velho da rua do Hospício”,158 de passados insultos
articulares, cuja pegadas ficaram nas “defomidades antigas” existentes “ nos joelhos
nas articulações falangianas” (568); e, nesse outro, de um Antônio, negro livre,
morador na Ilha das Cobras, velhote e cego, que ganhava sua vida lavando roupa, -

158
No fólio 145 encontra-se registrado no seu verso um trecho que aparentemente foi abandonado
por Nava sendo retomado pelo autor na face posterior do mesmo fólio. O trecho diz: “capatazias da
Alfândega, de uma sífilis remota, cujo vestígio evidente é a volumosa „exostose na face anterior do
tíbia esquerdo ( ); ali, no de certo preto“.
142

de um reumatismo remoto, atestado pelo “joelho direito...anquilosado e muito


volumoso” (569).
O lugar que, certa ou erradamente, ocupava nas preocupações nosológicas
de Torres Homem a “forma comatosa” das chamadas febres perniciosas (570) e a
concepção que ele tinha do papel do reumatismo cerebral na gênese de certos
estados apopléticos, - de acordo aliás com os conceitos de Trousseau159 (571) e
com os ensinamentos de Stoll, Chomel e Vigla (572), - explica aquele seu período,
onde o critério diferencial do imponente sintoma nervoso vai ser buscado na
inspecção das articulações..
“A existência anterior do reumatismo articular ajuda a coincidência de dores e
turgência nas articulações, são elementos preciosos para distinguir o reumatismo
cerebral de forma apoplética da febre perniciosa comatosa” (573).
Vemos por ai que a atenção do mestre patrício dirigia-se ao exame dos
membros e de suas articulações em circunstâncias as mais variadas e às vezes
independentes daquelas em que a dor seria o elemento rogativo de semelhante
vistoria. Entretanto, é mesmo a algia que geralmente solicita a fiscalização e, nessa
oportunidade, cada junta vai ser examinada para a pesquisa dos “quatro sinais da
inflamação” apontados “pelos médicos antigos: tumor, calor, rubor e dor”. Dentre
desse raciocínio é admitida a presença da afecção reumática, quando “nota-se muita
dor ao mais pequeno movimento, sensível intumescência e algum rubor da pele” ou
quando a “superfície externa das articulações comprometidas aumenta de volume,
fica mais quente, a pele torna-se mais rósea” (574). E a extensão do processo ia ser
consignada através da enumeração que, em cada caso, era feita dos pontos
atacados.
“Nas articulações femoro-tibiais, radio-carpianas, carpo-metacarpianas,
metacarpo-falangianas e nos das falanges entre si de ambas as mãos, bem como na
tíbio-tarsiana esquerda...” (575).
“Aumento de volume, muita dor e algum rubor nas articulações dos punhos,
cotovelos, joelhos, tornozelos, tarso-metatarsianas e dos artelhos...” (576).

159
Armand Trousseau (1801 – 1867): Médico francês. Considerado o primeiro a realizar
traqueostomia para alívio da difteria.
143

“O segundo doente era também um preto, de nação mina, moço e muito


robusto. Entrou para a enfermaria com uma artrite reumática do joelho direito, da
articulação escápulo-umeral do mesmo lado e do cotovelo esquerdo...” (577).
Era também a inspecção o dado principal que ia firmá-lo na admissão de uma
“hidartiose” (578), de um derramamento de sinóvia (579), e que lhe permitia ainda
separar as moléstias da articulação coxo-femural, de certas contraturas que, às
vezes se limitam “aos músculos de flanco de um só lado” e são susceptíveis de
produzir uma retração do segmento que imita a ação daquelas artropatias (580).
Na consideração do edema, Torres Homem antepunha à sua opinião causal
do fenômeno, as características que esse ia apresentar.
Localizado “em parte de um membro” (581); em todo o conjunto de “um só
dos membros” (582); nos dois superiores e nos dois inferiores, isoladamente, como
partes da metade de cima e da metade de baixo do corpo (583); difundido aos
quatro na generalização da anasarca (“Não havia uma só região em que o tecido
celular subcutâneo não estivesse excessivamente infiltrado... os membros inferiores,
sobretudo as pernas, tinham um volume extraordinário... os braços, antebraços e
mãos... também apresentavam uma edemacia muito avultada...”) (584); limitado à
“circunvizinhança dos maléolos”, progredindo “até o meio da perna ou mesmo até o
joelho” (585); desaparecendo com o repouso e retornando com o exercício (586);
caminhando rapidamente “de baixo para cima”, - tais são os caracteres que iam
colocar Torres Homem no caminho de reconhecer como causa dos edemas, - as
obstruções venosas; as compressões tumorais da cava superior; as da cava inferior
ainda por uma neoformação, ou por um útero grávido, ou por uma ascite, o mal
Bright. a descompensação cardíaca, a caquexia paludosa, o beri-béri, a tuberculose
na sua fase final (587).160
Os tremores, de que se procurava estabelecer a cronicidade, a antiguidade, o
aspecto agudo ou a fisionomia passageira (588) eram estudados nos membros
segundo os acometessem na metade do corpo (hemitremor) (589), nos dois
superiores (590) ou num seu segmento, como as mãos (591).
Eram avaliados no seu valor fisiopatológico outros movimentos anormais
como os da coreia parcial (592), da hemicoreia (593), os espamos (594), os
espasmos convulsivos (595), os movimentos convulsivos (596), as convulsões dos

160
No fólio 149 está registrado, a lápis, no canto esquerdo da margem superior, a data: “18.XI.47”.
144

membros (597) a hemiconvulsão (598), as câimbras (599), as contrações fibrilares


da musculatura (600), a trepidação epileptóide (601), as impaciências musculares
(602), os sobressaltos dos tendões ou do artículo (603) e a carfologia (604). Além
disso a presteza, a harmonia ou a desarmonia, a coordenação ou a incoordenação
apresentadas pelos membros durante a sua movimentação (605).
As imobilizações de caráter ativo aparecem consignadas quando surgem
referências a posições especiais de flexão ou semiflexão das mãos, antebraços, pés
e pernas dos pacientes (606); à tetania (607). à rigidez convulsiva (608); e aos
vários tipos de contratura (609). A admissão de causa central ou periférica dependia
da verificação e do estudo dos caracteres da resolução muscular (610); das
paresias: das paralisias circunscritas (611); das monoplegias (612); das paraplegias
(613); das hemiplegias (614); e, das quadriplegias (615)161.

*
* *

Dentro da inspeção geral, a da pele era capítulo extremosamente cuidado por


Torres Homem. As referências às suas alterações quantitativas e qualitativas, bem
como às dos fâneros, aparecem quase todas as observações, já como sinais
auxiliares, já como elementos decisivos na especificação dos diagnósticos.
Muita atenção prestava-se à cor. Acentuava-se, por exemplo, a permanência
de sua normalidade dentro dos distúrbios de uma anasarca ou, no mesmo caso, sua
aparência “rósea, vermelha ou azulada” (616). A cianose é sintoma ligado à
comunicação entre os ventrículos e interpretado como a “consequência da mistura
do sangue arterial com o sangue venoso” (617). O rubor é epifenômeno grifado
quando se descrevem as articulações reumáticas (618), a pele que corresponde às
zonas nevrálgicas (619), o tórax dos amarelentos (620). Sua ausência é também
valorizada como sinal negativo, na descrição de certos processos abdominais, como
daquele português Duarte morto de uma “hepato-peritonite” e de uma incisão
cirúrgica que lhe fez Dr. Teixeira da Rocha “meia polegada para dentro da parte
média do rebordo costal direito” (621). A palidez da pele, ao lado da das mucosas,
era decisiva no diagnóstico das anemias (“O tegumento externo e as conjuntivas

161
No fólio 150 está registrado, a lápis, no canto esquerdo da margem superior, a data: “16.XII.47”.
145

apresentam notável descoramento, indício de uma anemia globular”) (622). “Cor


amarelada da pele” (623), “palidez amarelada da pele” (624), “cor amarela-suja do
tegumento externo” (625) – são as variantes assumidas pelo descoramento nesse
caso de supuração abdominal, naquele de cancro do estômago e noutro de
caquexia paludosa.
Considerando-a como elemento valioso para o diagnóstico e para o
prognóstico, Torres Homem apreciava com superlativa minúcia todas as gradações
da injeção ictérica e mais a sua permanência, a sua acentuação, a sua distribuição.
Fala em “sub-icterícia generalizada” (626) mas revela principalmente as regiões do
corpo onde essa etapa do açafroamento biliar se patenteia como fenômeno precoce
e ainda localizado: regos naso labiais (627), pescoço (628), tórax, braços, coxas
(629). Mostra quando a cor ganha em intensidade e “tende a generelizar-se” (630);
quando difunde-se a toda a pele como “icterícia franca generalizada” (631), sinal
evidente da progressão do processo mórbido vencendo etapas sucessivas (“A cor
ictérica, que era pouco saliente e parcial, torna-se muito pronunciada e invade toda a
superfície cutânea”) (632); marca sua tonalidade, realçando- a segundo o caso
clínico; amarela clara (633), amarela suja (634), amarela verdoenga (635), amarela
carregada (636), cor de açafrão (637); e, analisa na sua significação , o momento de
sua incidência, o instante de sua acentuação e suas peculiaridades evolutivas –
segundo as entidades onde esses detalhes transformam-se em sinais clínicos
preciosos, como na atrofia aguda do fígado e na febre amarela.
“Doze ou quinze dias depois de ter começado a moléstia, é que aparece uma
icterícia pouco intensa; esta icterícia conserva-se benigna por espaço de muitos
dias; tornasse muito pronunciada e grave somente depois que principia o trabalho
atrófico do fígado, quando tem lugar a acolia” (638).
“A cor amarela da pele, que se torna intensa e característica no terceiro
período, começa às vezes manifestar-se no segundo. Há casos, que foram
frequentes na epidemia de 1873, em que isso se observa no modo bem evidente: a
icterícia começa no segundo período, e vai-se gradualmente exagerando durante a
convalescença, sem que o terceiro período se manifeste; de modo que o doente já
se acha curado hà muitos dias e a amarelidão da pele ainda se conserva muito
intensa, sem ser acompanhada de outro fenômeno anormal” (639).
146

“A cor ictérica da pele ordinariamente se torna intensa e generalizada na febre


amarela depois que se declara o terceiro período; muitas vezes é nas proximidades
da morte que esse fenômeno se manifesta com toda evidência” (640).
Em todas as infecções em que é de se esperar a hemorragia cutânea, como
no caso da febre amarela e das chamadas “biliosas” refere-se o mestre carioca ao
aparecimento das petéquias e das equimoses, consignando a ocasião em que elas
se tornam evidentes, seu aumento em número e extensão, sua localização, seu
tamanho, seu estacionamento e a hora em que principia o seu desvanecimento.
“... na parte supra anterior do tórax e no ventre... algumas manchas
petequiais” (641).
“... as manchas petequiais não aumentarão em número, nem em extensão,
estão mais desmaiadas” (642)
“... na parede abdominal algumas manchas petequiais” (643).
“... na parede torácica uma mancha equimótica das dimensões de uma
pequena moeda de prata de 200 reis” (644).
“... manchas enegrecidas, semelhantes às equimoses, de diâmetros, formas
de disposições variáveis, disseminadas nas paredes torácicas e abdominais, bem
como nos membros superiores e inferiores” (645).
“As hemorragias subcutâneas, reveladas de baixo da forma de manchas
petequiais e equimóticas, são muito frequentes; raras vezes deixaram de aparecer
na epidemia de 1873. Nos indivíduos de cor muito clara, as numerosas manchas
que se manifestavam em toda a superfície cutânea, com formas e dimensões
variadas, davam ao exterior do corpo um aspecto marmóreo muito significativo,
sobretudo quando não se apresentava ainda a cor ictérica” (646).
Auxiliando o diagnóstico da febre tifóide, concorrem as “manchas róseas”, ou
“manchas lenticulares” ou “manchas roseolares” que Torres Homem chama também
de “manchas tifóides”, advertindo sobre sua raridade, sobre sua qualidade de sinal
tardio e sobre as possibilidades de sua manifestação em outras infecções, como no
caso da tísica e da “febre remitente paludosa tifóidea” (647).
A frequência com que são apontadas as alterações cutâneas dependentes de
doenças gerais ou então as lesões específicas, características das que são próprias
à pele, testemunham da importância que tinha a inspeção do tegumento externo ao
exame clínico do professor carioca. È assim que vemo-lo enumerando em casos
sucessivos – a elefantíase (648); o esclerema (649); a bouba (650); o pênfigo (651),
147

a zona (652); o dartro (653); o líquen (654), a escrófula (655); a gangrena do


ergostismo (656); a gangrena do diabete e mais o furúnculo e o antraz que
acompanham também a melitúria (657); as linfatites (658); a erisipela (659); as
lesões da lepra (660) e as da sífilis (661); a púrpura (662); o eritema do cólera (663)
e o eritema do reumatismo (664); a varíola (665) e vários tipos de cicatrizes: as de
osteoperiostite (666) e as de sevícias (667); as estrias brancas da barriga dos
ascíticos e as congêneres que são a marca do ventre das multiparas (668). E em
certos casos, o exame da pele não ficava só na inspeção desarmada – senão que
recorria-se à colaboração da lente.
“Em medicina a lente serve muitas vezes para auxiliar o diagnóstico de certas
moléstias... Presta serviços valiosos ao médico no exame... de algumas afecções
cutâneas; no reconhecimento do acarus da sarna” (669).
Os suores são indigitados segundo a ocasiao em que aparecem como no
caso dos suores noturnos da febre intermitente (670), como fenômeno localizado tal
o caso dos suores parciais do couro cabeludo, da fronte, do pescoço, do peito, do
tórax, do tronco, dos membros (671); como fenômeno generalizado, tal o caso das
transpirações que cobrem todo o corpo do doente nos acessos da asma e no agudo
das hipertermias (672); segundo a sua quantidade, desde as pequenas
transpirações (“... algum suor ...”) (673), até às diaforeses largas e abundante. (“O
doente está inundado de copioso suor; as suas vestes, os travesseiros, os lençóis e
o colchão estão molhados”. - “... a diaforese que se manifesta durante o acesso é
tão copiosa, que as vestes do doente, os travesseiros, as cobertas e os colchões do
leito ficam completamente inundados; há casos em que o suor chega a molhar o
assoalho do aposento”.) (674); e segundo as variações de sua qualidade, isto é,
quando o suor deixa de ser fluido e solto, para transformar-se numa
secreção/excreção162 mais espessa e apanhada.
“... abundante suor frio e viscoso banhando toda a superfície do corpo...”
(675).
“...a febre reumática caracteriza-se pela abundância de um suor quente e às
vezes viscoso... (676). “...o corpo cobriu-se de um suor viscoso e fétido” (677).

162
Na escritura do manuscrito Pedro Nava quase nunca demosntra dúvidas em relação às escolhas
de vocábulos e expressões. Suas rasuras, na peça avaliada, são frequentemente silenciosas. Um
raro exemplo de indefinição nos remete aos termos - excreção e secreção manuscritos este acima
daquele na mesma pauta, incitando a reflexão sobre o significado dos mesmos no contexto.
148

“... o suor em lugar de frio e glutinoso, como acontece quando há algidez,


também participa da calorificação cutânea” (678).
“Pele úmida e macia” (679) é o termo de quase normalidade do tegumento de
um febricitante em via de cura de sua “perniciosa”, antagônico é aquele que define
admirável e precisamente uma pele que “está quente, seca e árida” (680) em certo
infectados grave, prostrado, sub-delirante e no apogeu da sua pirexia.
O apoucamento da secreção sudoral ou sua aparente supressão são sinais a
que Torres Homem empresta a devida importância como epifenômenos
encontradiços no decurso do Mal de Ceilão, sinais que por sua vez configuram um
tipo especial de pele de que desapareceram a macieza, a umidade e a lisura –
inseparáveis da normalidade e da saúde tegumentares.
“A secreção do suor diminui muito e deixa mesmo de fazer- se em muitos casos de
beri-béri; especialmente na forma edemetosa. Em um doente meu, que tinha uma
anasarca muito pronunciada, a pele conservou-se durante dois meses
extremamente seca, áspera e furfurácea” (681).
Além dos precedentes, outros aspectos e acidentes oferecidos pelo
revestimento cutâneo vão servir de elementos clínicos em que o professor patrício
baseava o critério para admitir sua normalidade ou sua participação no processo
mórbido que estava sendo considerado. Estão nesse número a verificação das
entumescências localizadas de origem inflamatória, congestiva ou enfisematosa
(682); do aparecimento das sudâminas disseminadas, circunscritas ou confluentes
(683); da superveniência das circunstâncias em que a pele abdominal “adquire um
aspecto luzidio” e “semi-transparente” - marca da sua distensão por uma coleção
celíaca abundante (684); da perda da elasticidade, quando por exemplo um paciente
se vê expoliado por uma diarréia (“... na pele, persistem as pregas que se lhe
imprimem...”) ou, da retomada da elasticidade fisiológica, quando principiam as
melhoras do síndrome disenteriforme (“...a pele recobrou em parte a sua elasticidade
normal...”) (685); e da fisionomia peculiar exibida pelos indivíduos emagrecidos
rapidamente nas fusão tissular da caquexia diabética e nos quais “a pele dos
membros, tanto superiores como inferiores, apresenta-se exuberante, movediça e
flácida, indicando que o tecido adiposo que ela cobria havia desaparecido e os
músculos que concorriam para distendê-la estavam atrofiados” (686).
“Unhas em vidro de relógio”; “elevação e aspereza dos pelos do bigode e da
barba”; perda da flacidez dos cabelos e sua manutenção em “posição diferente da
149

que se nota nos indivíduos sãos, de raça caucásica pura” - são detalhes de exame
mostrando que a inspeção dos fâneros não era esquecida na inspeção geral de
Torres Homem (687).
*
* *

Conclusões fornecidas pelo estudo do método de “Inspeção” do Doutor Torres


Homem.

Já ficou dito que Torres Homem não legou aos seus vindouros a codificação
dos preceitos que lhe caracterizavam, a maneira de diagnosticar. Nas suas
observações e nas suas memoráveis lições só ficaram os seus modelos
propedêuticos. Aí é que fomos buscar, peça por peça, os elementos que dispostos
em ordem lógica, permitiram reconstruir o que seria – sistematizada e completa - a
“Inspeção” dentro do seu exame clínico. A recomposição assim empreendida tem
forma bastante e documentação suficiente para permitir que se conclua sobre até
que elo do encadeamento diagnóstico podia chegar o grande internista – servindo-se
exclusivamente do sentido visual.
Quando critica a precipitação dos que diagnosticavam de início “e depois iam
ver se os sintomas eram com efeito do estado mórbido que presumiam” e que
enganados, logo se desenganavam, “reconheciam que a suposição havia sido
infundada” e “passavam a outra moléstia” (688) – Torres Homem é como se dissesse
que a análise sintomatológica e semiológica deve vir primeiro que a que a síntese
diagnóstica e que nunca essa pode preceder àquela; que não é possível
diagnosticar sem fundamento; que o fundamento, a base do diagnóstico radica no
estudo dos sintomas e sinais; que a falta de apreciação destes sintomas e sinais é
caminho do erro; que para bem apreciar esses sintomas e sinais sua colheita não
será pobre e incompleta, mas abundante e minudente. Se nos for dado considerar
essas sentenças como variações do pensamento contido na advertência do mestre,
nelas encontraremos a chave para explicar as razões porque ele tanto se demorava
na pesquisa da prodigiosa quantidade de indicações, de características e de
fenômenos mórbidos que são a constante da sua maneira de inspecionar.
“O médico ao chegar à cabeceira de um doente não deve ter prevenção
alguma” (689) - dizia ele, alertando o observador contra os males que advêm à
150

observação e às conclusões da observação de uma opinião alheia previamente


estabelecida. E não poderemos considerar como igualmente prejudicial, como
também de caráter “prévio” a adoção descriteriosa de uma ideia própria quando por
mal amadurecida ela é tão perturbadora quanto o pensamento preconcebido dos
outros, como aquela “prevenção” que é preciso evitar?
Partindo dessas premissas podemos afirmar que Torres Homem só
diagnosticava no momento oportuno, com todos os trunfos na mão, isto é, quando
os sintomas eram em número suficiente para, articulados, configurarem um quadro
nosológico definido. Daí sua necessidade de colher sinais e mais sinais, sintomas e
mais sintomas com a imparcialidade que é o contrário da “prevenção”. Tomar partido
por um sintoma isolado por um sinal singular é apressar o diagnóstico, é desprezar
os elementos que cumpriria continuar a reunir na maior quantidade, na máxima
cópia. A “imparcialidade”, a falta de “prevenção” que guardam o médico de adotar a
primeira possibilidade de síntese diagnóstica que se lhe antepunha – prolongam o
tempo de sua busca analítica, o que vale dizer, concorrem para aprimorar a
qualidade da sua investigação clínica.
Mesmo prevenido contra as possibilidades de erro representadas pelo
diagnóstico quando temporão e exclusivamente baseado nos primeiros dados
fornecidos pelo exame clínico – temos que admitir que a inspeção do doente havia
de levar muitas vezes Torres Homem, senão ao enunciado, pelo menos à presunção
muito forte de qual seria a moléstia em causa. Essa hipótese iria buscar sua
confirmação, logo depois, na presença dos sintomas e sinais arguidos pela
anamnese e pelo emprego da indagação organoscópica. Cumpre insistir no caráter
de “hipótese” deste termo da sua elaboração mental, porque se lhe atribuirmos
qualidade de diagnóstico, mesmo de diagnóstico provisório – estaremos
interpretando Torres Homem em oposição do que ensinava o próprio Torres Homem.
Dentro dessa ordem de ideias é lícito adiantar que o eminente internista
fluminense, depois de reparar o exterior dos indivíduos com a atenção que era o
apanágio do seu processo, assenhorava-se das indicações que, conforme as
circunstâncias, davam-lhe o direito de pensar muito seriamente na hipótese de
enquadrar o caso observado nas chaves da leucemia, da arterioesclerose, do
aneurisma da aorta, da sínfise do pericárdio, da apoplexia, da histeria, da asma, das
meningites
151

dos abscessos sub-diafragmáticos, dos pleurises, dos pleurises purulentos, da


tuberculose adiantada, da pneumonia, do tétano, da febre tifóide, da febre amarela,
do paludismo, da opilação, dos reumatismos crônico e agudo, do beri-béri, da sífilis,
do alcoolismo inveterado, do bócio exoftálmico, do diabete, das nefropatias de Bright
– que são as situações mórbidas que fornecem à face, ao pescoço, ao tórax, ao
abdômen, aos membros e à pele os distintivos mais nítidos, as insígnias mais
específicas que integram a sua inspeção.
Essa inspeção não sendo em si mesma seletiva vai, a partir daquela hipótese
inicial, permitir que o resto do exame possa sê-lo, isto é, que a atenção do
observador tome o rumo definido do sistema, do aparelho ou do órgão que já se
pode conjecturar anatomaticamente lesado ou funcionalmente perturbado. É ainda
direção congênere que vai ser condicionada pelos grandes sintomas e conjuntos
sintomáticos que são referidos na história dos doentes e cuja verificação ou é
puramente visual ou predominantemente resultante do uso do sentido da vista.
Estão nesse número as mioclonias, as contraturas, as convulsões, os ticos, a
tetania, as coreias, os tremores, os espasmos, as incoordenações, as paralisias de
grupos musculares, as monoplegias, as hemiplegias, as paraplegias, as
quadriplegias; os sinais externos que traduzem o estado infeccioso, a insuficiência
respiratória, os vários tipos de dispneia, a descompensarão cardíaca, o embaraço do
retorno circulatório ao coração direito, a anemia, a pletora, a icterícia, a
autointoxicação ácida e a autointoxicaçao urêmica.
De diagnóstico imediato e ao correr da inspeção – se se quiser chamar
diagnóstico ao que é apenas a averiguação patente, demonstrativa em si, de lesão
anatômica – seriam passíveis entidades como a bouba, a elefantíase, o esclerema, o
pênfigo, o dartro, o líquen, a escrófula, as gangrenas, as púrpuras, a varíola, a lepra
cutânea, a erisipela, o antraz, a zona, a estomatite, a amigdalite e as doenças
externas dos órgãos genitais do homem e da mulher.
Se a inspeção podia fornecer a Torres Homem dados dessa importância é que
ele a praticava com paixão e veemência, dobrando-a daquela percuciência de
policial que levava o raio de seu olhar investigador não só para o doente, mas para a
própria roupa de cama do doente (“... as urinas e as fezes são expelidas no leito, e
deixam sobre os lençóis uma mancha de cor amarela esverdeada.”) (690); não só
para essa roupa de cama, mas até para debaixo dessa mesma cama (“... os
travesseiros as cobertas e os colchões do leito ficam completamente inundados; há
152

casos em que o suor chega a molhar o assoalho do aposento.”) (691).


Já mostramos anteriormente a capacidade de reter fisionomias e paisagens
que caracterizava a aptidão visual de Torres Homem. Aptidão visual que era aliás
capítulo e decorrência inevitável de um temperamento modelado por sentidos
extraordinariamente agudos e cuja finura muito deveria servir à inteligência na
captação dos fenômenos que o clínico ia transfomar em experiência e
conhecimento.
O que ficou dito do poder aquilino da visão do professor ilustre pode ser
colocado como prova de sua esquisita e rara sensibilidade ao lado de outros fatos,
narrados por ele ou conservados pela tradição, que confirmam o apuro do seu gosto,
a perfeição do seu olfato, a sutileza dos seus ouvidos.

*
* *

Síntese da “Inspeção” do Doutor Torres Homem

I. INSPECÇÃO DA FACE:

1. Fisionomia, expressão mímica, “facies”:


Fisionomias – indiferente, desanimada, triste, fatigada, langorosa, sofredora,
animada, espantada, ansiosa, angustiada, aterrorizada, decomposta, retraída,
encrispada (grippée).
Facies - “stupida”, tuberculosa de Areteo, “própria” do cardíaco de Corvisart,
hipocrática, amarílica, opilada, crapulária, pneumônica e sua variante de Joaquim
José da Silva

2. Alterações quantitativas.
Faces – emagrecida, encovada, vultuosa, entumescida, túrgida

3. Alterações de cor:
Faces – empalidecida, amarelada, ictérica, esverdinhada, lívida, injetada,
hiperêmica, ruborizada, rubicunda, cianótica.
4.Condições dos músculos e tendões:
153

Contraturas – gerais e parciais, passageiras e permanentes. Saliência, dureza e


tensão dos tendões. Posições e movimentos condicionados pelo estudo dos
músculos, retraimentos antálgicos, esgares convulsivos tônicos e clônicos, ticos,
mioclonias. Assimetria, imobilidade assimétrica, desvio hemiplégico. Paralisia
discriminada dos grupos musculares.

5. Inspeção das regiões e cavidades:


a) Frontal – estrias, vínculos, linfatite, turgência venosa, rubor local.
b) Temporal – depressão local (agônica), tortuosidade arterial.
c) Bochechas – encovadas, intumescidas.
d) Ocular e palpebral – Pálpebras intumescida, salientes, edematosas. Movimento
das pálpebras, pestanejo antálgico, oclusão convulsiva, abertura imobilizada (sem
pestanejo), ptose. Conjuntivas – amareladas, alaranjadas, sub-ictéricas,
esverdinhadas, injetadas, congestas. Lacrimejamento ou secura oculares. Fotofobia.
Escleróticas ictéricas, azuladas, opalinas. Globos oculares – salientes,
“esbugalhados”; enoftalmia, exoftalmia uni ou bilateral. Paresia dos globos oculares.
Estrabismo – unilateral, duplo convergente. Pupilas – diâmetro, sensibilidade à luz,
inércia pupilar, pupilas dilatadas, contraídas, desiguais. Olhar de sofrimento,
brilhante, vivo, incerto, fixo, lânguido, amortecido, abatido, sem vivacidade,
indiferente inexpressivo. Exame oftalmoscópico – papila, retina, coróide, veias,
artérias, hemorragias. Retinites – leucêmica, diabética, albuminúrica.
e) Nasal – Afilamento do nariz, engrossamento do nariz. Acne e pápulas alcoólicas.
Icterícia dos sulcos naso-labiais. Mucosa, sangramentos, coágulos, secreções,
depósito “pulverulento” das narinas.
f) Bucal – Elevação e aspereza dos pelos do bigode e barba. Icterícia dos sulcos
naso – labiais. Abertura ativa e passiva da boca. Paralisias mandibulares. Trismo.
Riso sardônico. Projeção expiratória da comissura ou “fenômeno do cachimbar”.
Repuxamento com desvio chamado impropriamente de “tortura oris”. Tremor,
contratura, tetania, paralisia (paralisia lábio-glosso-faríngea) dos lábios. Lábios
pendentes (na fácies hipocrática). Cor dos lábios – vermelha, “arroxeada”, escura,
cianótica. Lábios secos, túrgidos, túmidos, espessados, gretados, fuliginosos.
Descoramento da mucosa da boca. Estomatite. Sialorreia, ptialismo, “cuspinhar”;
ressecamento, saliva rara, saliva espessa. Estomatorragias. Gengivas flácidas,
fungosas. Gengivas secas inflamadas pelos dentes rompentes na dentição. Dentes
154

– cáries múltiplas, queda, abalo. Alveolopatias. Dentes secos, dentes fuliginosos.


Língua – alterações da cor- línguas pálida, descorada, ictérica,rubra,
“excessivamente rubra”, escarlate, enegrescida, vermelha na ponta e nos bordos;
modificações da superfície - línguas acetinada, luzidia, áspera, gretada,
encarquilhada, sulcada, fendida, descamada, ulcerada; alterações da forma –
línguas pontiaguda, larga, esplanada, volumosa. Umidade e secura. Quantidade e
qualidade dos depósitos verificados na língua – tênues, espessos, glutinosos,
mucosos, sanguinolentos, pultáceos, pastosos, viscosos, fuliginosos, saburrais,
espumosos, pseudo-membranosos, cor de caliça, amarelados, cor de ferrugem,
denegridos. Crosta central, faixa central de saburra, saburra da base da língua.
Descamação da língua. Posição, motilidade, mobilidade – língua retraída, parética,
paralítica, desviada, imobilizada, trêmula. Véu do paladar – coloração, icterícia,
imbibição, edema, motilidade, flacidez, “queda para diante”, perda da concavidade,
paralisias, desvio da úvula. “Boca posterior” - pilares, mobilidade do istmo da
garganta, amígdalas, faringe. Larincoscopia – nas doenças locais e na pesquisa de
paralisias devidas à compressão recorrente (aneurismas).

II. INSPECÇÃO DO CRANIO:

1. Couro cabeludo – cor, turgência, ingurgitamento, edema; transpirações


localizadas. Vínculos, veias, erisipela. Lesões sifilíticas. Cabelos.
2. Proeminências localizadas.
3. Orelhas e conduto auditivo – orelhas salientes (dos tísicos). Otoscopia armada.
4. Posição da cabeça – inclinação forçada no opistótono e na rigidez dos músculos
cervicais.

III. INSPECÇÃO DO PESCOÇO:

1. Aspecto geral – inflamação geral do pescoço, tumefações regionais, tumorações


da tireóide, Gânglios e adenopatias. Inflamação, hiperplasia ingurgitamento dos
gânglios. Cadeias supra clavicular e cervical. “Rosários” de gânglios.
2. Alterações locais – da cor (icterícia das partes laterais), da transpiração (suores
localizados).
3. Estado dos vasos – plenitude exagerada das jugulares, falso pulso venoso, pulso
155

venoso legítimo. Batimentos exagerados das carótidas, “dança das artérias”.


4. Músculos – músculos da nuca, rigidez, posição do pescoço, opistótono.

IV. INSPECÇÃO DO TÓRAX:

1. Topografia do tórax – linhas tiradas da anatomia e linhas convencionais.


2. Pele do torax – icterícia localizada, petéquias, rubor, injeção dos capilares,
circulação colateral, cicatrizes diversas, vestígios de lesões sifilíticas, gânglios
(axilares) Edema simples da parede, edema inflamatório.
3. Forma do tórax – saliente, abaulado, tronco encurvado.
4.Relevos e desníveis da caixa torácica – localizados e não localizados,
gibosidades, abscessos da coluna, Mal de Pott, saliência da apófise espinhosa.
Assimetrias – por desenvolvimento parcial dos músculos (profissional), por
abaulamento de uma das metades (derrame), por retração do hemitórax. Espaços
intercostais – separação exagerada das costelas, ondulações intercostais,
batimentos intercostais, pulsações aneurismáticas, depressões intercostais.
Precordio - “ictos-cordis”, Abaulamento, “vai-e-vem” da parede da sínfise do
pericárdio.
5. Ritmo respiratório – dispnéias; respirações acelerada, frequente, rara, retardada,
intensa, “suspirosa”, bulbar, “respiração de chupeta”.
6. Movimentos e posições do tórax – movimentos difíceis, imobilidade de defesa,
abalos, convulsões, contratura, opistótono e paralisia.

V. INSPECÇÃO DO ABDÔMEM:

1. Topografia do abdômen – linhas tiradas da anatomia e linhas convencionais.


2. Pele do abdômen – excesso de pele, magreza, petéquias, manchas
avermelhadas, manchas tíficas, cicatrizes brancas. Aspecto da pele – pele luzidia,
tensa, infiltrada, semi-transparente. Trajetos venosos, circulação colateral.
3. Forma e volume do ventre – saliências e depressões localizadas, diminuição de
profundidade e apagamento do umbigo, sua protusão, “hérnia flutuante translúcida”.
Saliências e depressões do epígastro, hipogastro, flancos, etc. Forma do ventre –
ventre abaulado, globuloso, ovóide, distendido, deprimido, acanoado, achatado,
retraído, flácido, tenso. Simetrias e assimetrias transitórias ou permanentes. Estudo
156

da forma do ventre em pé, em decúbito dorsal e em decúbito lateral. Tumorações.


4. Movimentos – protusão ou tensão súbitas (soluços, contrações do diafragma),
abalos do epigastro, depressão ondulatória sistólica do epigastro.

VI. INSPECÇÃO DOS ÒRGÃOS GENITAIS:

1. No homem – alargamento e intumescimento do meato urinário. Fimoses. Sulco


balano-prepucial – balanites, cancros. Forma do pênis – pênis torcido, desfigurado
ou tornado, “discoforme” pelo edema. Escroto – volume, edema, rubor, turgência.
Testículos – volume.
2. Na mulher – grandes lábios – placas mucosas. Exame armado - colo, focinho de
tenca, ulcerações.

VII. INSPECÇÃO NOS MEMBROS:

1. Inserção e extremidades – virilhas, dedos hipocráticos, unhas abauladas.


Eminências tenar e hipotenar. Plantas dos pés – cravos boubáticos.
2. Desenvolvimento – emagrecimento, atrofia de todos os membros ou de grupos
musculares. Substituição das saliências musculares por “goteiras” na atrofia.
3. Vasos – veias desenvolvidas, veias túrgidas, tortuosidade e ateromasia da artéria
radial.
4. Lesões – exostoses, deformações articulares crônicas, alterações reumáticas
agudas das articulações, turgência inflamatória das articulações, hidrartrose,
derrames sinoviais..
5. Edema – localizado, circunscrito, generalizado.
6. Motilidade e mobilidade – suas anomalias. Tremor, coreia, hemicoreia, coreia
parcial, espasmo, convulsão, hemiconvulsão, câimbra, “impaciências musculares”,
sobressalto dos tendões, carfologia; harmonia, desarmonia, incoordenação dos
movimentos; tetania, rigidez, contratura, resolução muscular, flexão, semi-flexão,
retração, paralisia circunscrita, monoplegia, paraplegia, hemiplegia, quadriplegia.
157

VIII. INSPECÇÃO DA PELE:

1. Cor da pele – normal, rósea, vermelha, azulada, cianosada, pálida, amarelada,


amarela-suja, ictérica. Sub-icterícia geral e local. Gradação da cor ictérica – cor
amarela clara, amarela-suja, amarela-verdoenga, amarela carregada, cor de
açafrão.
2. Hemorragias – petéquias. equimoses, púrpuras,“aspecto marmóreo” dos
amarelentos.
3. Lesões – Elefantíase, esclerema, bouba, pênfigo, zona, dartro, líquen, escrófula,
gangrenas, furúnculo, antráz, linfatite, erisipela, lepra cutânea, sífilis, eritemas,
varíola. Cicatrizes.
4. Função sudoral – suores gerais e locais, sudâminas. Secura da pele - “pele árida”,
“pele furfurácea”.
5. Troficidade – elasticidade, edemas, excessos de pele.
6. Fâneros.163

NOTAS
(34) T.H: FRJ, p.536.
(35) T.H: CM1, p.124.
(36) T.H: CM1, p.508.
(37) T.H: CM1, p.532.
(38) T.H: CM1, p.537.
(39) T.H: CM2, p.538.
(40) T.H: CM2, p.271.
(41) T.H: CM1, p.527.
(42) T.H: FRJ, p.552.
(43) T.H: CM1, p.538.
(44) T.H: CM1, p.246.
(45) T.H: CM2, p.142.
(46) Feijó Bittencourt: Os Fundadores. (publicação do Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro,
Imprensa Nacional, Rio, 1938, p. 469.
(47) T.H: FRJ, p.49.
(48) TH: FRJ, p.543.
(49) T.H: FRJ, p.311.
(50) T.H: FRJ, p.446
(51) T.H: CM3, p. 190.
(52) T.H: CM1, p. 563.
(53) Francisco Agenor de Noronha Santos: Apontamentos para o indicador do Distrito Federal
Tipografia do Instituto Profissional, Rio, 1900, p. 451.
(54) T.H: CM1, p. 535, 534, 536.

163
Ao final do Capítulo I o autor registra data, a lápis, provavelmente referente ao término desta fase
da escritura do manuscito: “7.I.47”.
158

(55) T.H: CM2, p.142.


(56) T.H: CM1, p.608.
(57) T.H: ECM, p.47.
(58) Léon Rostan: op. cit. nº3, p. 174.
(59) Hippocratis prognosticum, caput II - apud J.B. Gardeil e De Coray: Ouvres d'Hippocate,
Adolphe Delahays, Libraire, Paris, 1855, tomo I, p.6.
(60) Pieere-Nicolas Gerdy: Anatomie des formes exterrieures du corps humain, Béchet Jeune,
Libraire, Paris, 1829, p. 10.
(61) Henri Gintnac: art Face (Pathologie Générale) in Nouveau dictionnaire de médecine et de
chirurgie pratiques, J.B. Baillière et Fils, Paris, 1871, tomo XIV, p. 368.
(62) T.H: ECM, p.811.
(63) T.H: CM1, p.153.
(64) T.H: ECM, p.474.
(65) T.H: FRJ, p.344.
(66) T.H: FRJ, p.348.
(67) T.H: ECM, p.763.
(68) T.H: FRJ, p.175.
(69) T.H: CM3, p.58.
(70) T.H: CM2, p.542.
(71) T.H: ECM, p.693.
(72) T.H: ECM, p.522.
(73) T.H: CM3, p.206.
(74) T.H: FRJ, p.519.
(75) T.H: CM3, p.310.
(76) T.H: CM3, p.32.
(77) T.H: CM3, p.1.
(78) T.H: FRJ, p.132.
(79) T.H: FRJ, p.239.
(80) T.H: FRJ, p.298.
(81) T.H: CM1, p.262.
(82) T.H: FRJ, p.344.
(83) T.H: CM3, p.128.
(84) T.H: CM3, p.138.
(85) T.H: ECM, p.474; FRJ, p. 175; CM1, p. 215.
(86) T.H: CM1, p.103, 366.
(87) T.H: CM2, p.100.
(88) T.H: FRJ, p.543; CM1, p. 414; CM2, p. 546; CM3, p. 115.
(89) T.H: CM1, p.173,174-175.
(90) François Sigismond Jaccoud: Leçons de clinique médicale faites a l'Hopital de la Charité,
Adrien Delahaye, Paris, 3ª edição, 1874, p. 37,38,39.
(91) T.H: CM2, p. 542, 294.
(92) T.H: FRJ, p.434.
(93) T.H: FRJ, p.405.
(94) T.H: FRJ, p.407.
(95) T.H: FRJ, p.406.
(96) T.H: FRJ, p.408.
(97) T.H: FRJ, p.421.
(98) T.H: FRJ, p.407.
(99) T.H: FRJ, p.404.
(100) T.H: FRJ, p.408.
(101) T.H: FRJ, p.404.
(102) T.H: FRJ, p.404.
(103) T.H: FRJ, p.408.
(104) T.H: CM2, p.261.
(105) T.H: CM2, p.439.
(106) T.H: CM2, p.68.
(107) T.H: CM1, p.414.
(108) T.H: CM3, p.58.
(109) T.H: CM2, p.125.
(110) T.H: ECM, p.352.
159

(111) T.H: ECM, p.394.


(112) T.H: ECM, p.726.
(113) T.H: ECM, p.347, 351, 396
(114) T.H: ECM, p.680; CM1, p.260, 414; CM3, p. 29, 207.
(115) T.H: CM1, p.414; CM2, p.100.
(116) T.H: ECM, p.512-513.
(117) T.H: ECM, p.758.
(118) T.H: ECM, p.393.
(119) T.H: ECM, p.420.
(120) T.H: FRJ, p.315.
(121) T.H: ECM, p.393.
(122) T.H: ECM, p.348.
(123) T.H: ECM, p.473.
(124) T.H: ECM, p.453.
(125) T.H: ECM, p.487 e seguintes.
(126) T.H: ECM, p.134.
(127) Eugène Bouchut e Armand Després: Dictionaire de médecine et de therapeutique médicale
et chirurgicale, Félix Alcan, Èditeur, Paris, 6ª edição, 1895, art Speculum.
(128) T.H: Coqueluche, p.6.
(129) T.H: Coqueluche, p.7.
(130) T.H: ECM, p.716.
(131) T.H: FRJ, p.519. (o grifo é nosso).
(132) T.H: CM1, p.414.
(133) T.H: CM2, p. 439.
(134) T.H: CM2, p.22, 250; ECM, p.690; CM3, p.188.
(135) T.H: FRJ, p.519.
(136) T.H: CM2, p.100.
(137) T.H: FRJ, p.404.
(138) T.H: CM2, p.594.
(139) T.H: FRJ, p.201, 408; CM2, p.415.
(140) T.H: ECM, p.409.
(141) T.H: CM1, p.49.
(142) T.H: CM2, p.347.
(143) Arthur Thompson: A Handbook of anatomy for art students, The Claredon Press, Oxford, 4 ª
edição, 1915, p.406.
(144) T.H: ECM, p.409.
(145) T.H: CM2, p.100.
(146) T.H:CM1, p.132; CM2, p.594.
(147) T.H: CM2, p.510.
(148) T.H: CM3, p.302.
(149) T.H: ECM, p.390.
(150) T.H: ECM, p.522.
(151) T.H: ECM, p.348.
(152) T.H: ECM, p.349.
(153) T.H: ECM, p.723, 731, 815.
(154) T.H: FRJ, p.132.
(155) T.H: CM2, p.542, 594.
(156) T.H: CM1, p.550 e outras.
(157) T.H: FRJ, p.129 e outras.
(158) T.H: CM2, p.594.
(159) T.H: CM2, p.542.
(160) T.H: FRJ, p.474 e outras.
(161) T.H: FRJ, p.221 e outras.
(162) T.H: FRJ, p.484, 408.
(163) T.H: FRJ, p.226.
(164) T.H: ECM, p.371; FRJ, p.408.
(165) T. H: ECM, p.680, 682, 683, 707, 767, e outras; FRJ, p.99, 154, 163, 200, 293, 214, 280, 301,
326, 404, 422, 479 e outras.
(166) T.H: FRJ, p.287.
(167) T.H: ECM, p.767.
160

(168) T.H: ECM, p.349.


(169) T.H: CM2, p.354-355. (o grifo é nosso).
(170) François Sigismond Jacourd. Traité de pathologie interne Adrien Delahatp e Emile Lacrosnier,
Paris, 7ª edição, 1883, Tomo 2º, p. 213.
(171) Amand Trousseau. Clinique medicale de l'Hotel-Dieu de Paris. Bailliese et Fils, Paris, 11º
edição (reimpressão de 1913), tomo 2º p. 582.
(172) Wilhelm Falta. Tratado de las enfermidade de las glandulas de secreción interna. (tradução
da 2º edição alemã), Labor, Barcelona, 1930, p. 119.
(173) T.H: FRJ, 541; ECM, p. 758; CM3, p. 128.
(174) T.H: LMSN, p.144.
(175) T.H: ECM, p.758, 767; FRJ, p. 547; LMSN, p.128-148.
(176) T.H: ECM, p.767.
(177) T.H: LMSN, p.138.
(178) T.H: LMSN, p.138.
(179) T. H: ECM, p. 767.
(180) T.H: [?] p.758 e seguinte.164
(181) T.H: LMSN, p.128.
(182) T.H: FRJ, p.543 e outras.
(183) T.H: FRJ, p.479 e outras.
(184) T.H: FRJ, p.541 e seguintes.
(185) T.H: ECM, p.409.
(186) T.H: ECM, p.708.
(187) T.H: ECM, p.409, 489, 680, 682, 398, 774; FRJ, p. 298, 344, 538, 541.
(188) T.H: CM2, p.275, 278, 347.
(189) Eugène Bouchut e Armand Després: op. cit. Nº 127, art Cérébroscopie
(190) T.H: ECM, p.122, 123, 134, 125, 126, 127-128.
(191) T.H: ECM, p.123.
(192) T.H: ECM, p.125.
(193) T.H: ECM, p.128.
(194) T.H: ECM, p.128.
(195) T.H: ECM, p.118, 123.
(196) Augusto Victorino Alves Sacramento Blake: Dicionário bibliográfico brasileiro. Imprensa
Nacional, Rio de Janeiro, 1893, volume 2, p. 344 e 345 e volume 4, p. 90, 91 e 380. José Antônio de
Abreu Francho art; Ophtalmologia, in: Em Comemoração do centenário do ensino médico
Tipografia do Jornal do Comércio de Rodrigues H.C. , Rio de Janeiro, 1908, p. 645 e seguintes;
artigo Dr Moura Brasil no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1946.
(197) José Eduardo Teixeira de Sousa e Agostinho José de Sousa Lima: As Ciências médico
Farmacêuticas in Livro do Centenário, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1901, vol 2º p. 74.
(198) T.H: ECM, p.7.
(199) T.H: LMSN, p.162.
(200) T.H: LMSN, p.162.
(201) T.H: CM2, p.347.
(202) T.H: CM2, p.351.
(203) T.H: CM2, p.593.
(204) T.H: CM2, p.652, 653, 670.
(205) T.H: CM3, p.337.
(206) T.H: LMSN, p.128; ECM, p.692,697,758; FRJ, p.344.
(207) T.H: ECM, p.758.
(208) T.H: CM2, p.235.
(209) T.H: CM3, p.116.
(210) T.H: ECM, p.409.
(211) T.H: CM1, p.49, 608.
(212) T.H: CM1, p.202.
(213) T.H: CM2, p.371.
(214) T.H: CM3, p.234.
(215) T.H. ECM, p.515.
(216) T.H: LMSN, p.175.

164
O autor não identifica a publicação referente à nota.
161

(217) T.H: CM1, p.414.


(218) Hippocratis prognosticum, caput II- apud J.B Gardeil e De Coray: Op. cit, nº 59, tomo I, p. 7.
(219) T.H: CM1, p.407-408.
(220) T.H: ECM, p.690.
(221) T.H: CM3, p.176.
(222) T.H: CM1, p.407-408.
(223) T.H: FRJ, p.519.
(224) T.H: CM3, p.115.
(225) T.H: ECM, p.488.
(226) T.H: ECM, p.801.
(227) T.H: FRJ, p.296; ECM, p. 774.
(228) T.H: ECM, p.795.
(229) T.H: ECM, p.393.
(230) T.H: ECM, p.778.
(231) D. José de Sousa da Silveira Tétano essencial, dissertação da “Tese” sustentada perante a
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a 20 de Dezembro de 1873, “Tipografia Perseverança”, Rio,
1873, p. 54.
(232) T.H: ECM, p.394, 396, 488, 761, 774.
(231) Henri Gintral: op. cit, n. 61, p.385.
(234) T.H: FRJ, p.129.
(235) T.H: CM3, p.277-278.
(236) T.H: ECM, p.786- 787.
(237) T.H: CM3, p.92.
(238) T.H: CM2, p.654.
(239) T.H: CM2, p.653, 669.
(240) T.H: CM2, p.653.
(241) T.H: CM1, p.588-589. (o grifo é nosso)
(242) T.H: ECM, p.708-709.
(243) T.H: CM3, p.236.
(244) T.H: ECM, p.441.
(245) T.H: ECM, p.692.
(246) T.H: FRJ, p.344.
(247) T.H: CM3, p.116.
(248) T.H: FRJ, p.203, 206-207.
(249) T.H: FRJ, p.206, 207, 248, 282, 519, 537, 343; ECM, p. 692; CM3, p. 116.
(250) E. Littré e Ch. Robin: Dictionnaire de médicine de chirurgie, de pharmacie, de l'art
vétérinaire et des sciences qui s'y rapportent. J.B. Baillière et Fils, Paris, 14ª edição, 1878, arts
Fuligineux e Fuliginosite.
(251) T.H: ECM, p.42, 99, 142, 143, 231, 387, 447, 476, 620, 623, 643, 735, 736, 750.
(252) T.H: LMSN, p.13, 16, 32, 91, 102, 122, 125, 163, 170 e 175.
(253) T.H: CM1, p.16, 170, 226, 271, 272, 303, 46.3, 559, 561, 563, 584, 595.
(254) T.H: CM2, p.214, 984, 411, 418, 554, 663.
(255) T.H: FRJ, p.43, 370, 526.
(256) T.H: CM3, p.137, 180.
(257) Gabriel Andral: Clinique medicale, ou choiz d'observations recueilliès a l'Hospital de la
Charité, Libraire de Deville Lavellin, Paris, 3ª edição, 1834, tomos , II, III, IV e V
(258) T.H: ECM e Anuário. (Nava não identifica as páginas das publicações)
(259) T.H: CM3, p.240.
(260) T.H: ECM, p.195, 795-796.
(261) T.H: CM3, p.840.
(262) T.H: CM2, p.654.
(263) T.H: CM2, p.547.
(264) T.H: ECM, p.453, LMSN, p. 87.
(265) T.H: CM1, p.260.
(266) T.H: ECM, p.758; CM1, p.153, 210, 241; CM2, p.448.
(267) T.H: ECM, p.783.
(268) T.H: ECM, p.767.
(269) T.H: CM1, p.56.
(270) T.H: CM2, p.595-596.
(271) T.H: CM2, p.542-543.
162

(272) T.H: FRJ, p.132.


(273) Gabriel Andral: op. cit nº 527, tomo 2, p.143.
(274) Gabriel Andral: op. cit nº 257, tomo 1, p.527.
(275) T.H: CM3, p.116.
(276) T.H: CM3, p.3.
(277) T.H: CM3, p.234.
(278) T.H: CM3, p.73, 91-92.
(279) T.H: ECM, p.634.
(280) T.H: CM3, p.19.
(281) T.H: CM3, p.33.
(282) T.H: CM3, p.257.
(283) T.H: CM3, p.110.
(284) T.H: CM3, p.277.
(285) T.H: FRJ, p.473.
(286) T.H: FRJ, p.421(o grifo é nosso).
(287) T.H: FRJ, p.476.
(288) T.H: FRJ, p.485.
(289) T.H: FRJ, p.477, 485.
(290) T.H: ECM, p.708 e FRJ, p.480, 482.
(291) T.H: FRJ, p.453 (o grifo é nosso).
(292) T.H: FRJ, p.543.
(293) T.H: FRJ, p.518.
(294) T.H: FRJ, p.537.
(295) T.H: FRJ, p.525-526.
(296) T.H: FRJ, p.533.
(297) T.H: FRJ, p.534.
(298) T.H: FRJ, p.541-542.
(299) T.H: FRJ, p.519, 537, 542.
(300) T.H: FRJ, p.539 e 540.
(301) T.H: FRJ, p.520.
(302) T.H: FRJ, p.521.
(303) T.H: FRJ, p.519.
(304) T.H: ECM, p.810; FRJ, p.85, 141, 144, 146, 147, 152, 159, 161, 165.
(305) T.H: FRJ, p.72-73.
(306) Francisco de Mello Franco: Ensaio sobre as febres – com observações analíticas a cerca
da topografia, clínica e demais particularidades, que influem no caráter das febres do Rio de
Janeiro. Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1829, p. 71.
(307) José Maria Bomtempo: Compêndios de Medicina Prática feitos por ordem de Sua Alteza
Real. Regia Oficina Tipográfica, Rio de Janeiro, 1815, p.14.
(308) Domingos de Almeida Martins Costa: A Malária e suas diversas modalidades clínicas,
Lombaerts Comp Rio de janeiro, 1885, p.146 e seguintes.
(309) João Damasceno Peçanha da Silva. Tratado das Febres. Tipografia Central, Rio de Janeiro,
1886, p.9 a 202.
(310) T.H: FRJ, p.63.
(311) T.H: FRJ, p.147.
(312) T.H: FRJ, p.151.
(313) T.H: FRJ, p.159. (o grifo é nosso)
(314) T.H: FRJ, p.171.
(315) T.H: FRJ, p.263.
(316) T.H: FRJ, p.85, 132, 141, 144, 146-147, 174-175, 178, 188, 197, 200, 201, 204-213, 283, 289,
290, 299, 302, 307, 325-326, 342, 351-352.
(317) T.H: CM3, p.176.
(318) T.H: ECM, p.796.
(319) T.H: ECM, p.453.
(320) T.H: ECM, p.453-454.
(321) T.H: ECM, p.796.
(322) T.H: ECM, p.454.
(323) T.H: CM3, p.92.
(324) T.H: ECM, p.116.
(325) T.H: ECM, p.110.
163

(326) Eugène e Jules Baeckel: art Larynx (Laryngoscopie) in Nouveau dictionnaire de médicine
et de chirurgie pratiques. J.B. Baillière, Paris, 1875, Tomo XX, p.230.
(327) Pierre Larousse: Grand dictionnaire universel du XIX siècle. (Edição sem referência ao editor
e sem data), art. Garcia (Manuel).
(328) Eugène e Jules Boeckel: op cit, nº 326, p.232.
(329)T.H: ECM, p.115.
(330) União médica (Revista mensal), ano II, Imprensa Industrial, Rio, 1882, p. 241; idem, ano III,
Tip.de G. Leuzinger & Filhos, Rio, 1883, p. 142; J.F. Velho Sobrinho Dicionário bio-bibliográfico
brasileiro. Ministério da Educação e Saúde, Rio 1940, volume II, art Bettamio (Cypriano Barbosa
Betthamio).
(331) T.H: CM1, p.32.
(332) T.H: CM1, p.32.
(333) T.H: CM1, p.33.
(334) T.H: CM2, p.227
(335) T.H: ECM, p.347-348.
(336) T.H: ECM, p.346-347.
(337) T.H: ECM, p.680.
(338) T.H: ECM, p.351, 371.
(339) T.H: ECM, p.346.
(340) T.H: ECM, p.489.
(341) T.H: CM1, p.414.
(342) T.H: ECM, p.348-349.
(343) Armande Desprès: art Oreille (otoscopie). In Nouveau dictionnaire de médecine et de
chirurgie pratiques, J.B. Baillière et Fils, Paris 1870, tomo XXV, p.16.
(344) T.H: ECM, p.140.
(345) T.H: ECM, p.393, 397, 778-779.
(346) T.H: ECM, p.795.
(347) T.H: CM2, p.346-347.
(348) T.H: CM2, p.547.
(349) T.H: CM3, p.2.
(350) T.H: CM3, p.9.
(351) T.H: CM1, p.450.
(352) T.H: FRJ, p.221, 223. (o grifo é nosso)
(353) T.H: CM2, p.126.
(354) T.H: CM1, p.89.
(355) T.H: ECM, p.371.
(356) T.H: CM1, p.89-90; CM2, p. 108.
(357) T.H: CM1, p.90.
(358) T.H: ECM, p.371.
(359) T.H: CM2, p.71.
(360) T.H: CM2, p.74-75.
(361) A. Luton: art Poitrine (Sémécologie) in Nouveau dictionnaire de médecine et de chirurgie
pratiques, J.B. Baillière et Fils, Paris. 1880, tomo XXVIII, p.650.
(362) A. Luton: op. cit nº 361, p.653.
(363) A. Luton: op cit nº 361, p.653.
(364) T.H: ECM, p.394.
(365) T.H: ECM, p.738.
(366) T.H: CM1, p.411.
(367) T.H: FRJ, p.325; CM1, p.80 e 582.
(368) T.H: FRJ, p.323. (o grifo é nosso)
(369) T.H: CM1, p.80.
(370) T.H: ECM, p.497.
(371) T.H: CM2, p.284.
(372) T.H: CM2, p.282, 285.
(373) T.H: CM2, p.80-81.
(374) T.H: CM1, p.450.
(375) T.H: CM1, p.202; CM2, p.215, 216, 233, 236.
(376) T.H: CM1, p. 411.
(377) T.H: CM1, p. 80.
(378) T.H: FRJ, p. 221.
164

(379) T.H: ECM, p.707 (o grifo é nosso).


(380) T.H: FRJ, p.409.
(381) T.H: ECM, p.394.
(382) T.H: ECM, p.738.
(383) T.H: FRJ, p.484.
(384) T.H: CM3, p.220 (o grifo é nosso).
(385) T.H: CM1, p.450.
(386) T.H: CM1, p.587.
(387) T.H: CM1, p.89.
(388) T.H: CM1, p.582.
(389) 165
(390) T.H: CM1, p.365.
(391) T.H: CM3, p.145.
(392) T.H: CM1, p.365.
(393) Areteo da Capadocia, apud Victor Hanot: art. Phythisie (Historique) in Nouveau dictionnaire
de médecine et de chirurgie pratiques, J.B. Baillière et Fils, Paris, 1879, tomo XXVIII, p.219.
(394) T.H: ECM, p.497.
(395) T.H: ECM, p.91.
(396) T.H: CM1, p.564, 565, 569, 582; CM2, p. 216.
(397) T.H: CM1, p.564-565.
(398) T.H: ECM, p.91.
(399) T.H: CM1, p.569.
(400) T.H: CM1, p.564, 569.
(401) T.H: ECM, p.731.
(402) T.H: CM2, p.283.
(403) T.H: CM2, p.284.
(404) T.H: CM2, p.282.
(405) T.H: CM2, p.217.
(406) T.H: CM2, p.51.
(407) T.H: CM2, p.57; ECM, p.763.
(408) T.H: CM2, p.57 e 217; ECM, p.763.
(409) T.H: LMSN, p.75; ECM, p.763; CM2, p.186.
(410) T.H: CM1, p.567.
(411) T.H: CM1, p.202; CM2, p. 236.
(412) T.H: CM2, p.5, 216.
(413) T.H: CM2, p.236.
(414) T.H: CM1, p.452.
(415) T.H: LMSN, p.41.
(416) T.H: FRJ, p.322, 323-324.
(417) T.H: ECM, p.758.
(418) T.H: ECM, p.565.
(419) T.H: CM1, p.50.
(420) T.H: ECM, p.568 (o grifo é nosso).
(421) T.H: ECM, p.565 (o grifo é nosso).
(422) T.H: ECM, p.566.
(423) T.H: CM3, p.342.
(424) T.H: ECM, p.203.
(425) T.H: FA, p.87.
(426) T.H: FRJ, p.430.
(427) T.H: FRJ, p.450-451.
(428) T.H: CM2, p.687-688.
(429) T.H: FA, p.87.
(430) T.H: FRJ 1ª edição, p.242.
(431) T.H: FRJ 2ª edição, p.450-451.
(432) Kussmaul (D. Arch f. Klin Med., tomo IV, 1874), apud H. Sahli: Tratado prático de los métodos
de exploración clinica. Tradução espanhola, Salvat, Barcelona, 3ª edição, 1924, tomo I, p.107.
(433) T.H: FRJ, p.448.

165
O autor não registra a nota.
165

(434) T.H: FA, p.47.


(435) T.H: FRJ, p.473.
(436) T.H: FRJ, p.473, 476, 479, 482, 483, 485.
(437) T.H: CM2, p.369.
(438) T.H: CM1, p.408.
(439) T.H: FRJ, p.41.
(440) T.H: CM1, p.569.
(441) T.H: ECM, p.456, 473, 493.
(442) T.H: ECM, p.518.
(443) T.H: ECM, p.778.
(444) T.H: ECM, p.495.
(445) T.H: ECM, p.573.
(446) T.H: ECM, p.639.
(447) T.H: ECM, p.707.
(448) T.H: FRJ, p. 205-206.
(449) T.H: FRJ, p.186, 539.
(450) T.H: FRJ, p.537.
(451) T.H: FRJ, p.519.
(452) T.H: CM2, p.654.
(453) T.H: ECM, p.612, 714.
(454) T.H: ECM, p.602.
(455) T.H: ECM, p.178, 441.
(456) T.H: ECM, p.612.
(457) T.H: CM3, p.220.
(458) T.H: CM3, p.206-207.
(459) T.H: CM3, p.221.
(460) T.H: CM3, p.220.
(461) T.H: ECM, p.611, 612-613.
(462) T.H: ECM, p.175, 621.
(463) T.H: ECM, p.714; CM3, p.206.
(464) T.H: ECM, p.611.
(465) T.H: ECM, p.608.
(466) T.H: CM3, p.128.
(467) T.H: FRJ, p.300, 302.
(468) T.H: FRJ, p.346.
(469) T.H: ECM, p.602.
(470) T.H: ECM, p.613.
(471) T.H: FRJ, p.478; CM2, p.654.
(472) T.H: CM3, p.116.
(473) T.H: ECM, p.621.
(474) T.H: ECM, p.621, 631.
(475) T.H: FRJ, p.287.
(476) T.H: CM3, p.206 (os grifos são nossos) e ECM, p.613 (o grifo é de Torres Homem).
(477) T.H: CM3, p.148.
(478) T.H: ECM, p.723.
(479) T.H: CM2, p.445 (o grifo é nosso).
(480) T.H: ECM, p.612-613.
(481) T.H: ECM, p.531.
(482) T.H: CM1, p.50.
(483) T.H: CM2, p.93-94.
(484) T.H: CM2, p.245.
(485) T.H: ECM, p.715.
(486) T.H: FRJ, p.482.
(487) T.H: FRJ, p.129, 198.
(488) T.H: FRJ, p.198, 244, 249, 281, 284, 298, 476; ECM, p.731; CM3, p.160.
(489) T.H: FRJ, p.246-247 ( o grifo é nosso).
(490) T.H: CM3, p.195.
(491) T.H: CM2, p.215.
(492) T.H: CM3, p.148 (os grifos são nossos).
(493) T.H: ECM, p.177.
166

(494) T.H: CM3, p.196.


(495) T.H: ECM, p.309 e CM2, p.425.
(496) T.H: ECM, p.611
(497) T.H: CM2, p.312.
(498) T.H: ECM, p.622.
(499) T.H: CM1, p.50.
(500) T.H: CM3, p.206.
(501) T.H: FRJ, p.132.
(502) T.H: ECM, p.177, 603, 633, 686, 687, 714, 810; LMSN, p.152; FRJ, p.73, 132, 239, 244, 281,
537; CM1, p.82; CM3, p.195.
(503) T.H: ECM, p.177, 603, 623; CM2, p.425; CM3, p.253.
(504) T.H: ECM, p.83, 177, 714.
(505) T.H: ECM, p.239, 309, 686, 687, 704, 712, 714, 730, 738, 810; FRJ, p.73, 75,212,132, 154:
CM2, p.312; CM3, p.222, 240.
(506) T.H: ECM, p.603, 620 e 714.
(507) T.H: ECM, p.84, 607, 686, 697, 714; FRJ, p.175, 197, 200-202, 204-205, 207, 215, 537; CM3,
p.116.
(508) T.H: CM2, p.312, 315-316.
(509) T.H: ECM, p.723.
(510) T.H: CM3, p.286.
(511) T.H: ECM, p.702.
(512) T.H: ECM, p.609.
(513) T.H: ECM, p.609.
(514) T.H: ECM, p.611.
(515) T.H: CM3, p.189.
(516) T.H: ECM, p.612.
(517) T.H: ECM, p.731.
(518) T.H: ECM, p.723.
(519) T.H: CM3, p.116,
(520) T.H: ECM, p.612.
(521) T.H: ECM, p.612.
(522) T.H: ECM, p.602 (o grifo é nosso).
(523) T.H: CM3, p.33.
(524) T.H: CM3, p.36.
(525) T.H: CM3, p.277.
(526) T.H: CM3, p.289.
(527) T.H: CM3, p.286.
(528) T.H: ECM, p.645.
(529) T.H: ECM, p.175.
(530) T.H: CM3, p.277.
(531) T.H: CM3, p.148-149.
(532) T.H: LNSN, p.128-129 (o grifo é nosso).
(533) T.H: CM2, p.671.
(534) T.H: CM2, p.543.
(535) T.H: FRJ, p.350.
(536) T.H: CM3, p.310.
(537) T.H: CM3, p.10.
(538) T.H: CM2, p.671.
(539) T.H: FRJ, p.350.
(540) T.H: ECM, p.610.
(541) T.H: ECM, p.140.
(542) T.H: CM1, p.136.
(543) T.H: ECM, p.75.
(544) T.H: GM2, p.133.166
(545) T.H: ECM, p.87.
(546) T.H: ECM, p.138.
(547) T.H: ECM, p.139 e 140.

166
O autor registra “GM2” como publicação fonte da nota. Gazeta Médica nº2?
167

(548) T.H: ECM, p.137.


(549) T.H: ECM, p.138.
(550) T.H: ECM, p.138.
(551) T.H: ECM, p.137-139.
(552) T.H: ECM, p.137.
(553) T.H: ECM, p.135.
(554) T.H: ECM, p.136.
(555) T.H: ECM, p.137.
(556) T.H: ECM, p.136.
(557) T.H: [?] p.134-135.167
(558) T.H: GM1, p.51-53.168
(559) T.H: CM1, p.450.
(560) T.H: CM1, p.407.
(561) T.H: ECM, p.518.
(562) T.H: CM1, p.343.
(563) T.H: CM3, p.206; ECM, p.59.
(564) T.H: ECM, p.498-499.
(565) T.H: CM1, p.260.
(566) T.H: LMSN, p.88.
(567) T.H: CM1, p.529-531.
(568) T.H: ECM, p.806.
(569) T.H: ECM, p.778.
(570) T.H: FRJ, p.294.
(571) T.H: CM2, p.414.
(572) T.H: CM2, p.416.
(573) T.H: FRJ, p.297.
(574) T.H: CM2, p.367, 369, 374, 381-382; ECM, p.516, 738, 797, 798, 804-805; Febres, pg 297.
(575) T.H: CM2, p.367.
(576) T.H: CM2, p.369.
(577) T.H: ECM, p.805.
(578) T.H: CM2, p.382.
(579) T.H: ECM, p.805.
(580) T.H: ECM, p.516.
(581) T.H: CM3, p.304.
(582) T.H: ECM, p.644.
(583) T.H: ECM, p.644.
(584) T.H: CM3, p.310.
(585) T.H: ECM, p.643.
(586) T.H: CM2, p.93.
(587) T.H: ECM, p.643, 644, 809-810; CM1, p.415; CM2, p.93, 466, 510; CM3, p.304, 310.
(588) T.H: ECM, p.530.
(589) T.H: ECM, p.492.
(590) T.H: FRJ, p.534; CM1, p.202; CM2, p.415, 462; ECM, p.804.
(591) T.H: LMSN, p.87; CM2, p.448.
(592) T.H: ECM, p.401.
(593) T.H: ECM, p.464.
(594) T.H: ECM, p.511.
(595) T.H: ECM, p.421.
(596) T.H: ECM, p.804.
(597) T.H: ECM, p.386, 398.
(598) T.H: ECM, p.398.
(599) T.H: ECM, p.393, 511, 517, 528.
(600) T.H: ECM, p.511.
(601) T.H: CM2, p.321.
(602) T.H: ECM, p.343.
(603) T.H: ECM, p.399, 529; FRJ, p.483.

167
O autor não identifica a publicação fonte da nota.
168
O autor registra “GM1” como publicação fonte da nota. Gazeta Médica nº 1?
168

(604) T.H: ECM, p.529.


(605) T.H: CM2, p.369, 467, 506; ECM, p.399; LMSN, p.23, 74, 150.
(606) T.H: ECM, p.514 e 774; CM2, p.467.
(607) T.H: ECM, p.514.
(608) T.H: ECM, p.398.
(609) T.H: LMSN, p.42; ECM, p.473, 492, 512-516, 518, 519, 523.
(610) T.H: LMSN, p.24, 128.
(611) T.H: ECM, p.502.
(612) T.H: ECM, p.475.
(613) T.H: CM, p.504; ECM, p.452, 458, 460, 495 496, 503, 511, 520, 729.
(614) T.H: LMSN, p.41, 59, 74, 87 e 88; ECM, p.59, 406, 413, 466, 495, 522.
(615) T.H: LMSN, p.98; ECM, p.461, 474, 496.
(616) T.H: ECM, p.639.
(617) T.H: CM2, p.405-406.
(618) T.H: CM2, p.373.
(619) T.H: ECM, p.647.
(620) T.H: FRJ, p.48.
(621) T.H: ECM, p.732-733.
(622) T.H: ECM, p.796.
(623) T.H: ECM, p.731.
(624) T.H: CM3, p.58.
(625) T.H: ECM, p.810.
(626) T.H: FRJ, p.474.
(627) T.H: FRJ, p.250; CM3, p.188.
(628) T.H: FRJ, p.485.
(629) T.H: FRJ, p.474.
(630) T.H: ECM, p.691, 732; FRJ, p.242, 478.
(631) T.H: FRJ, p.243, 478.
(632) T.H: FRJ, p.223.
(633) T.H: FRJ, p.246.
(634) T.H: FRJ, p.246.
(635) T.H: FRJ, p.246; CM3, p.234.
(636) T.H: FRJ, p.459, CM3, p.234.
(637) T.H: FRJ, p.459.
(638) T.H: FRJ, p.232.
(639) T.H: FRJ, p.432.
(640) T.H: FRJ, p.449.
(641) T.H: ECM, p.207.
(642) T.H: ECM, p.708.
(643) T.H: FRJ, p.480.
(644) T.H: FRJ, p.480.
(645) T.H: FRJ, p.226.
(646) T.H: FRJ, p.445.
(647) T.H: ECM, p.84; CM1, p.452; FRJ, p.176, 186, 208, 206, 519, 537.
(648) T.H: FRJ, p.287.
(649) T.H: ECM, p.640.
(650) T.H: CM1, p.343.
(651) T.H: ECM, p.521.
(652) T.H: ECM, p.521.
(653) T.H: CM1, p.343.
(654) T.H: ECM, p.521.
(655) T.H: CM1, p.343; CM3, p.146.
(656) T.H: ECM, p.380.
(657) T.H: CM2, p.668.
(658) T.H: ECM, p.347; CM1, p.160.
(659) T.H: ECM, p.84, 346; FRJ, p.287.
(660) T.H: ECM, p.521.
(661) T.H: CM1, p.343, 534, 537; ECM, p.394.
(662) T.H: ECM, p.84; CM2, p.549.
(663) T.H: ECM, p.522.
169

(664) T.H: CM2, p.373, 382.


(665) T.H: ECM, p.322.
(666) T.H: CM1, p.538.
(667) T.H: ECM, p.738.
(668) T.H: ECM, p.639.
(669) T.H: ECM, p.14.
(670) T.H: FRJ, p.69.
(671) T.H: ECM, p.348, 682; CM2, p.367, 369, 378; FRJ, p.65, 220, 240-241, 281.
(672) T.H: ECM, p.431, 635 e 790; CM1, p.49 e 262; CM2, p.378
213, 241, 280, 291, 293, 305, 478 e 381; FRJ, p.65, 213, 241, 280, 291, 293, 305, 478.
(673) T.H: CM2, p.369.
(674) T.H: FRJ, p.280, 291.
(675) T.H: ECM, p.635.
(676) T.H: ECM, p.790.
(677) T.H: FRJ, p.478.
(678) T.H: FRJ, p.280.
(680) T.H: ECM, p.692.
(681) T.H: CM2, p.521.
(682) T.H: CM2, p.367; ECM, p.640, 796 e 799.
(683) T.H: FRJ, p.175; ECM, p.785; CM2, p.373, 378.
(684) T.H: ECM, p.612.
(685) T.H: FRJ, p.287-289.
(686) T.H: CM2, p.653.
(687) T.H: CM2, p.408.
(688) T.H: ECM, p.51.
(689) T.H: ECM, p.46.
(690) T.H: FRJ, p.249.
(691) T.H: FRJ, p.280.
170

Capítulo II

Interrogatório

“Mais parce que selon le saige Salomon, Sapience


n'entre point em âme malivole, et science sans
conscience n'est que ruine l'âme”169 (Rabelais)

“... examinar atentamente todos os órgãos do


doente e informar-se com minuciosidade da
história anterior dos seus padecimentos. Basta às
vezes esta história para que a situação em que
nos achamos, aparentemente obscura fique desde
logo suficientemente esclarecida ...” (Torres
Homem)170

Interrogar com precisão e arguir cuidadosamente – eram para João Vicente


Torres Homem, a decorrente espontânea de sua curiosidade pela doença e do seu
interesse pelo indivíduo. Porque nele encontramos em proporção exata a ciência e a
consciência e uma de suas grandezas está justamente na maneira como se lhe
equilibravam na alma o saber vasto e a larga, a fraternal piedade pelo semelhante –
sentimento que é uma das chaves para a explicação da solicitude apaixonada com
que ele exercia o “sacerdócio da medicina” (1). Essa expressão que para o vulgar
levita, transformou-se num lugar comum esvaziado e gasto, conserva quando usada
por Torres Homem a plenitude de seu incomparável sentido, uma vez que
corresponde literalmente a sua vida de homem raro para quem a Arte foi profissão
sem deixar de ser também o instrumento de sua comunicação com o próximo e do
exercício de sua solidariedade com os padecimentos que o aflingem durante a
doença e em face da morte.
Toda a evolução do professo médico, cada etapa vencida de nossa luta
áspera e laboriosa contra a dor e a dissolução é obra lenta e carinhosa dos que
aliaram o gênio ao coração: não há na história da Arte – de Hipócrates a Laennec,
de Laennec a Pasteur171, de Pasteur a Fleming172 – nenhuma descoberta relevante,

169
Tradução do francês: Segundo o sábio Salomão, a sabedoria não importa para a alma malévola, e
a ciência sem consciência não é mais do que a ruína da alma.
170
O registro dactiloscrito das epígrafes de Rabelais e Torres Homem no fólio 175, autógrafo, levou o
pesquisador a concluir que as mesmas foram acrescidas posteriormente.
171
Louis Pasteur (1822 – 1895): Químico francês. Suas pesquisas sobre a fermentação alcoólica e
lática e sobre a microbiologia das doenças do vinho e da cerveja provaram que essas allteraçoes
eram provocadas por organismos microscópicos. As idéias de Pasteur revolucionaram o pensamento
171

uma só invenção definitiva que não esteja vinculada à superioridade mental que
tenha sido outra qualidade de um homem bom.
Um indivíduo frio e insensível – mesmo quando altamente dotado de
inteligência – nunca será um clínico completo: falta-lhe o empenho que vem da
participação, o esforço que nasce do altruísmo, a diligência que é filha da
comiseração e do amor. Pode resolver perfeitamente um diagnóstico – como quem
deslinda uma charada ou como quem põe em equação um problema algébrico –
mas ficará sempre impotente diante da humanidade trágica do doente: não o
compreenderá, porque não teve dó, não o alcançará no indissolúvel complexo físico
e moral da dor, porque não é dotado de acuidade para captá-la. Sua percepção
diluída não abrangerá os horizontes e as perspectivas que delineia e alarga aquele
útil e necessário “sofrimento” que Miguel Couto173 não separava da essência do
verdadeiro prático (“Sofre cada um as suas dores, sofre o médico as de todos”).
E é a urgência de diminuir esse sofrimento (o seu, como parte do que punge
o paciente) que leva o clínico acabado às análises implacáveis de sua intimidade; às
decomposições inexoráveis de sua essência e transformando o afinco, a paciência,
a minúcia de sua observação numa busca que, antes de ser tarefa da razão e
empreitada da ciência – é trabalho do coração e mister da consciência.
Esse desejo de ser útil e de servir transparece nas histórias, relatadas por
Torres Homem, dos doentes que ele assistia com a inteligência ao mesmo tempo
que cobria com sua bondade. Sempre presentes, esses sentimentos éticos deviam
ser a inspiração cotidiana do inimitável mestre no seu exame e, neste, dobrar o
apuro técnico do interesse humanitário que é outro precioso auxiliar do diagnóstico.
É a eles e ao que eles ditam que obedece o médico no seu “corpo-a-corpo”, arrojado
com os contagiosos e com os repugnantes – de que se aproxima por curiosidade
científica, é verdade, mas também premido pelas categorias morais e afetivas que o

da época determinando o fim definitivo da crença sobre a geração espontânea. Pesquisou sobre
anaerobiose e desenvolveu processo de pasteurização para destruir bactérias patogênicas.
Desenvolveu ainda pesquisas na área de vacinas. Considerado um grande benfeitor da humnidade.
172
Sir Alexander Fleming (1881 – 1955): Bacteriologista escocês. Ganhador junto com Ernst Boris
Chain e Sir Howard Walter Florey, do prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1945 pela descoberta
de penicilina. Um dos pioneiros da vacinação anti-tifóide e do uso do salvarsan como terapia anti-
sifilítica.
173
Miguel Couto (1865 – 1934): Médico e escritor brasileiro. Realizador de importantes mudanças no
ensino de medicina no Brasil. Foi assistente e discípulo de João Vicente Torres Homem. Membro da
Academia de Medicina, a qual presidiu por 21 anos consecutivos e também foi membro da Academia
Brasileira de Letras. Escritor prolífico, são suas as obras Lições de clínica médica e Só há um
problema: a educação.
172

obrigam a vencer temor e asco – para servir de intermediário entre o mundo e


aqueles que a doença transmissível e nojenta exilam da companhia dos outros
viventes. Torres Homem nos dá a medida de sua comparticipação nestes infortúnios
pelo tom de simpatia com que retrata esses deportados: aqui um “pobre dispéptico”
(“... atormentado por forte eructações ... que o tornam inconveniente e repulsivo”)
(2), ali um “desgraçado tuberculoso (“... condenado a um isolamento que deve
amargurar muito os derradeiros dias de sua existência ... todos fogem de sua
companhia, destinam-lhe vasilhame especial em que ninguém toca, não lhe apertam
a mão, evitam pegar nos objetos do seu uso ...”) (3) e mais adiante aquele
gangrenado do pulmão cujo “fedor nauseabundo do hálito” transformava o seu
exame num sacrifício heróico (“Por duas vezes tentei escutar a face anterior do
tórax, por duas vezes desisti da tarefa... fiz um esforço supremo, consegui perceber
distintamente o gargarejo abaixo da clavícula direita, porém paguei caro a minha
coragem, porque fui obrigado a vomitar, a interromper a visita e a passar um quarto
de hora bem desagradável na sala contígua à enfermaria.”) (4).
A identificação com o estado de espírito dos seus pacientes era uma
constante da sensibilidade de Torres Homem que acompanhava-os na sua pobre
alegria (“... a doente... ia muito melhor; cheia de esperanças, mostrava-se muito
satisfeita, passeava pela enfermaria...”) (5), confrangia-se com a figuração de sua
miséria (“... esta contração violenta dos músculos levantadores da mandíbula foi
depois substituída por uma exagerada relaxação, a qual deu lugar à queda do osso
para baixo ... conservando-se a boca aberta... maxilar inferior completamente
descido, porém não luxado; com o auxílio da mão o doente consegue levá-lo ao seu
lugar, pelo lábio inferior corre constantemente uma baba glutinosa e límpida ... há
afasia ... é um espetáculo horroroso e compugente ver o doente comer ou beber ...”)
(6), que, enfim, entregava-se todas às expansões que os enfermos só tem com os
médicos compassivos e misericordiosos (“Reais ou imaginários, estas pretendidas
melhoras tinham feito aparecer no espírito do desgraçado ... um raio de esperança
que de dia em dia ia se tornando mais brilhante; na hora da visita, quando eu me
aproximava do seu leito, cheio de reconhecimento e com os olhos inundados em
lágrimas apertava a minha mão; em sua fisionomia desenhavam-se com toda
saliência os traços... da gratidão.”) (7).
Outro caminho para avaliarmos as reações da sensibilidade de Torres Homem
é o da justa interpretação de certo colorido dramático que é usado na exposição das
173

situações particularmente dolorosas com que o médico depara e onde a inflexão


patética não está numa intenção estilística que seria descabida e de gosto duvidoso
– mas resulta sim, da transmissão por intermédio da palavra adequada e da
expressão exata, da emoção que foi sentida funda e entranhadamente. Quem sente
com acuidade, realiza e pensa com a mesma finura e quem pensa bem, escreve
bem. È por isso que certos períodos de Torres Homem onde sua emotividade
sempre pronta transborda no verbo copioso e fácil são (sem que nisso entre a
vontade deliberada do autor) – páginas da melhor qualidade literária.
Surge das mesmas uma humanidade tocante a que seu talento empresta um
relevo de vida e uma tal força de realidade que o doente transforma-se de repente
em personagem: não é mais um relato de patologia nem uma exposição de clínica
que se está lendo; é o ressurgimento de uma cidade de romance, de um Rio
machadiano, é a crônica palpitante e verdadeira de sua população de escravos,
titulares, forros, mulatos, doutores, embarcadiços e lusitanos considerada do ponto
de vista de seu contato com a doença, de sua luta com a pestilência, de seu
tormento diante da dor e da morte. Aquele menino de 12 anos filho do comandante
da Siffredi “cuja tripulação foi quase toda ceifada em menos de oito dias” pelo
“vômito negro”, um dos últimos sobreviventes da barca que ficou no porto sem
capitão nem Guarnição - aquele menino internado a 3 de Fevereiro de 1876 na
“Casa de Saúde de Nossa Senhora da Ajuda” para ali morrer depois do pai e do
irmão, está tão bem colocado no capítulo das “Febres” onde vem sua história (8) –
como estaria numa página de Fenimore Cooper, nas aventuras marinhas d' “O
Corsário Vermelho”. Todos aqueles, moleques e negrinhas, todos aqueles negros
velhos a que Torres Homem se refere, e sempre num tom de ternura doce,
amulatada e meio mole (9) – todos aqueles pretos doentes: o Antônio que era cego e
cinquentão, mas que assim mesmo servia para se desunhar lavando roupa na Ilha
das Cobras (10); o Thomé a quem seu “senhor” havia posto na rua e com carta de
alforria para ir morrer longe “porque um médico o tinha considerado perdido em
consequência de uma afecção valvular do coração” (11); o molecote apanhando
como boi ladrão, porque comia terra, barro e “devorava o tijolo que lhe davam para
limpar talheres” (12) o pardo Felicíssimo entrando na palmatória e carregando para
castigo do corpo “doze barris de água para o serviço da casa” de seu dono, só
porque se disse indisposto e se queixou de dor de cabeça e por isso foi posto de
bêbado e malandro (13); a Emiliana em quem quando se descobre o tórax para o
174

exame o que logo se vê são os sinais “muito numerosos e salientes” deixados pelo
bacalhau174 no tronco e nas espáduas (14) – todos aqueles pobres coitados são
casos de reumatismo, de assistolia, de geofagia verminótica, de “perniciosa
pneumônica” de “pleuro pericardite”, são pacientes de relatos de clínica médica –
mas são também sem tirar nem por personagens de Harriet Beicher Storve, gente d'
A Cabana do Pai Tomás.
Não é só a esses humildes que eram os preferidos de sua chaneza e que
recebiam invariável e incondicionalmente as mostras melhores de sua benignidade
(“O médico conhecedor da nobreza e dignidade do seu sacerdócio deve se fazer
querido dos pobres, tratando-os sempre com benevolência e afabilidade, assim
como nunca prescindirá de nenhuma prova de consideração, quando tratar dos ricos
e potentados, que julgam poder pagar com dinheiro os serviços que dele
reclamam.”) (15), não é só a esses deserdados que Torres Homem evoca conferindo
a eles a comovente humanidade com que nos aparecem outras figuras que hoje só
realizamos nimbadas pela fama e transfiguradas pela glória revivem nas sua lições
lembradas na contingência da fragilidade de seus órgãos e da precariedade de sua
saúde.
Aqui é Francisco Pinheiro Guimarães175 que aparece – não como o herói de
Tuiuti e de Uruguaiana ou como o professor ilustre, o dramaturgo e o romancista –
mas como moço fraco do peito, curando-se da afecção pulmonar que o afligia “no
começo de sua carreira” (16). Ali é João Caetano176 – não mais nos triunfos da
ribalta, togado à romana e brandindo um aço de tragédia – mas cardíaco se
acabando “vítima de uma dilatação do coração” (17).
Para defender os pequenos e os desvalidos da sociedade, Torres Homem não
hesita em investir contra as instituições que representavam aqueles “ricos e
potentados” de quem falava com aspereza e desenvoltura. Clínico de uma
aristocracia baseada na economia escravocrata, era do alto da cátedra às abertas e
ouvido pelos filhos de fazendeiros que vinham à Corte se fazer doutores que ele
verberava a escravidão que maculava a “civilização do Brasil” (18); que incriminava

174
Azorrague com que no Brasil eran açoitados os escravos (Dicionário Priberan).
175
Francisco Pinheiro Guimarães (1809 – 1877): Médico brasileiro, poeta, dramaturgo e jornalista.
Autor da tese Algumas palavras sobre a epilepsia. Foi um dos redatores da Gazeta Médica do Rio
de Janeiro. Autor de A Moça rica, Punição e O Comendador.
176
João Caetano dos Santos (1808 – 1863): Ator e encenador brasileiro. Organizou no Rio de Janeiro
uma escola de arte dramática gratuita. Era dono absoluto da cena teatral brasileira à sua época.
175

como causa de doença o “excessivo trabalho” a que os negros eram submetidos nas
fazendas; sua “alimentação insuficiente pela quantidade e pela qualidade, composta
de uma pequena porção de carne seca, feijão e farinha de mandioca ou milho”; sua
promiscuidade nas senzalas, onde dormiam aglomerados apertados, “expostos à
umidade da atmosfera” e atirados ao solo (19). Médico da Santa Casa pouco se lhe
davam desagradar seus irmãos da Mesa, seus Administradores de Cemitério, seus
Escrivães, seus Definidores, suas Irmãs de Caridade, seus Mordomos e seus
Provedores – gente considerável e poderosa de opa e confraria – quando era
preciso por a nu essas infâmias para que geralmente há vista grossa por parte dos
comodistas ou essas indignidades sancionadas em que não se toca porque vêm de
cima. É assim quando denuncia perseguições sofridas por doentes e quando deixa
suspeitar o que havia de turvo, de ambíguo e de equívoco na proibição das
autópsias no corpo dos escravos que morriam nos leitos da Misericórdia.
“... aconteceu ainda uma vez o que constantemente observam os facultativos de
todas as enfermarias deste grandioso estabelecimento... Ninguém prestava ao infeliz
mudo e paralítico os cuidados que lhe eram indispensáveis depois da visita do
médico; como era um doente que não podia prestar serviços... como tinha tido a
coragem de queixar-se de uma falta grave para com ele cometida, não houve
desfeita, mau trato e perseguição que não lhe fizessem sofrer a fim de que pedisse
alta: coitado! depois de muitos dias de suplício e no maior auge do desespero pediu-
me de mãos postas e pelo santo nome de Deus que lhe deixasse sair. Como eu
sabia qual a sorte que lhe estava reservada se por ventura ficasse no hospital mais
um dia, autorizei a sua saída...” (20).
“Em virtude de uma disposição regulamentar absurda do Hospital da Misericórdia,
que proíbe expressamente que se faça autopsia em cadáveres de escravos, não
pudemos verificar porque modo se fez a hemorragia que matou instantaneamente o
doente ...” (21).
É que, autopsia no cadáver dum escravo era bem capaz de mostrar - mais
que a caverna do pulmão, que a hipertrofia do fígado ou que a dilatação cardíaca –
as marcas que não podiam aparecer da peia e do tronco, dos ponta-pés e das
pauladas, do murro e do “vira-mundo”.
Toda essa ralé dolorosa e sombria que os trancos e barrancos da existência
empurravam para a Santa Casa (“... na imensa maioria pobres trabalhadores, ou
míseros escravos ...”) (22), toda essa massa inditosa e sinistra, essa gente de vida
176

obscura, de sofrimento anônimo e de morte qualquer – era compreendida por Torres


Homem como alguma coisa mais preciosa e digna que simples carne de enfermaria
ou carniça de anfiteatro. Eram os seus semelhantes, eram os instrumentos de sua
utilidade no mundo, eram seres revestidos da prerrogativa e da majestade humanas,
veneráveis e merecendo acatamento mesmo na extrema indigência (“A história do
respeitável ancião que está no leito n. 19 à espera de forças para ter alta ...”) (23);
lamentáveis e tendo direito à piedade mesmo no maior envilescimento (“Lutando
com a miséria ... transigiu com a virtude ... deixou-se seduzir por um homem com o
qual se amancebou. Maltratada ... no auge do desespero ... abriu os braços à
prostituição em toda a sua hedionda nudez ... a pobre desgraçada faz comércio
cotidiano com o próprio corpo em uma destas ruas da cidade conhecidas como
refúgio das mulheres perdidas que desceram até ao último grau de degradação
moral”. - “... fostes testemunhas das veementes imprecações com que ela
frequentemente interrompia a história que nos contava dos seus padecimentos e
infortúnios... compungindo-nos a todos a pobre mártir parecia ter tocado a meta de
sua dor moral...”) (24); compreensíveis e fazendo jus a que se os considerasse na
sua sensibilidade e na sua delicadeza mesmo no rebaixamento da escravidão (“Nos
negros... a ínfima posição que ocupam no Brasil, as privações porque passam e o
constante constrangimento moral que a muitos produz a ideia do cativeiro, são
outras tantas condições poderosas que representam o papel de causas
predisponentes nos desenvolvimentos da discrasia globular e albuminosa.”) (25).
Dotado de uma percepção aguda e compassiva, particularmente apta a colher
e acentuar essas situações pessoais que tornam maior a desgraça da doença e o
ser humano mais frágil e precisado de dó – Torres Homem tinha nessas ocasiões,
para se referir aos pacientes, sempre e qualificativo, o que assinalava a sua pena
diante da mocidade ou da velhice acabrunhadas [ - “o infeliz mancebo” (26) – o”
infeliz rapaz” (27) – o “infeliz moço” (28) – o “pobre moço” (29) – a “pobre rapariga
(30) – a “pobre moça” (31) – a “infeliz moça” (32) - o “pobre velho” (33) – o “infeliz
sexagenário” (34) - o “respeitável ancião” (35) - ]; do estrangeiro desgarrado e
sofrendo em terras alheia [ - o “pobre português” (36) – o “pobre suíço” (37) - ] dos
que a raça e o sexo faziam mais desamparados [ - o “pobre preto” (38) – a “a infeliz
senhora” (39) -] e dos que a sua curabilidade e a gravidade da doença e seus
sintomas dolorosos e tirânicos, tachavam para a morte e para o padecimento
excepcional [-“a pobre vítima” (40) - o “desgraçado louco” (41) – o “infeliz dispéptico”
177

(42) – o “desgraçado tuberculoso” (43) – o “pobre tuberculoso” (44) – o “infeliz tísico”


(45) – o pobre tísico (46) – o “pobre dispéptico” (47) – o “infeliz doente” (48) – o
“pobre homem” (49) – o “pobre doente” (50) – o “desgraçadp doente” (51) -].
Para o médico estúpido e sem ductilidade o contato diário com a miséria dos
outros embota o sentimento, anestesia, caleja e conduz a uma indiferença tão
revoltante como a dos carcereiros, dos policiais e de todos os profissionais da
dureza. Já para o suscetível e inteligente o espetáculo cotidiano da desgraça alheia
aguça e alerta, aprimora e adestra suas qualidades de ternura e carinho, de
brandura e bondade. Tudo que aflinge, desmantela, corrompe e deforma o corpo
humano é motivo para o exercício de sua sensibilidade sempre mais viva, cada vez
mais lesta. 177
Isso aconteceu com Torres Homem – e está testemunhado com abundância
em suas observações – desde as que vêm nos anuários clínicos de 1868 e 1869 até
às contidas no seu volume de 1884. Lá estão essa valorização permanente do
humano, essa compreensão iterativa do outro lado da vida, do reverso da sociedade
figurado por daqueles cegos, escravos, paralíticos, pobres diabos, prostitutas e
gravatários despejados nas suas enfermarias e que eram sua intimidade de cada
manhã – lá estão esses sentimentos que integravam a bondade comprovada e a
caridade que foram uma constante da personalidade do mestre egrégio, essa alta,
pura e inacessível consciência que ele aliava à ciência e que somada à essa,
presidia seu exame e dava-lhe aquela nota de atenção, de zelo, de escrupulosa
minúcia e de empenhado interesse que são a marca superlativa do seu processo
clínico.
*
* *

Quatro são as fontes de que dispomos para restabelecer o processo de


interrogatório utilizado por Torres Homem. A primeira é o capítulo dos “Elementos de
Clínica Médica”, onde se cuida especialmente do assunto (52); a segunda está na
análise dos dados anamnéticos referidos no decorrer das suas lições de clínica,
quando ele as ilustra com observações da sua experiência (53); a terceira se

177
No fólio 190, na marginália superior esquerda foi assim grafado: ”Tetome th em Setembro 1959.
PN”, iniciando os registros dactiloscritos até o término da escritura.
178

encontra nos relatos completos de história dos doentes que são fornecidos pelos
anuários de 1868 e 1869 (54) finalmente, a quarta representa-se pelos 76 exemplos
I a LXXI e LXI- A, LXI-C, LXI-D e LXI- E) mencionados no “Estudo Clínico sobre as
Febres do Rio de Janeiro”. Basear-nos-emos, principalmente, nestes 76, no capítulo
dos “Elementos da Clínica Médica”, no apêndice desse livro que é o anuário de
observações de 1868 e no pequeno volume onde estão registrados os casos
importantes de 1869. Em todos vamos encontrar relatórios completos, redigidos
uniformemente e dentro da ordenação adotada pelo insigne mestre fluminense.
Estas observações são realmente admiráveis documentos de síntese, onde se
valorizam com notável percuciência todos os elementos que se encadeiam para
servir ao diagnóstico e ao prognóstico, onde só se exalta o que tem importância e
onde a seleção deixa de lado tudo que não é prestadio. Justamente uma das
características de Torres Homem é a ausência da superfluidade, do detalhe inútil, da
minuciosidade ociosa. O elemento negativo aparece às vezes, é bem verdade, mas
para dar contraste e ênfase aos fatores positivos: “Na descrição do estado atual, o
observador deve ser muito minucioso. Falará de todas as funções, mesmo das que
estiverem em perfeito estado fisiológico, declarando que nelas nada encontrou de
anormal: em uma observação, os sinais negativos são muitas vezes de grande
valor.” (55). Dentro desse critério funcional, se, dando conta de uma doença
infecciosa geral, o médico vai consignar que nada encontrou de anormal para o lado
do aparelho respiratório, do aparelho circulatório e do aparelho urinário, essas
negativas aparentes são, na realidade, as bases veementes em que ele vai
fundamentar um prognóstico lisonjeiro.
Incidentemente, tomaremos também como material interpretativo o que nos é
fornecido pelos casos que Torres Homem trazia como exemplo nos três volumes das
“Lições de Clínica Médica” no das “Lições sobre as Moléstias do Sistema Nervoso” e
no das “Lições de Clínica sobre a Febre Amarela”. Infelizmente ele nos vão servir
apenas para justificar um ou outro ponto da exegese do seu processo anamnético,
uma vez que não aparecem como modelos de observações completas.
Inspeção, anamnese, exame organoscópico não são etapas sucessivas e
estanques de uma investigação clínica. Enquanto interrogamos estamos olhando,
enquanto olhamos, vamos palpando, percutindo e cheirando. Lendo-se a obra de
Torres Homem concluímos que ao abordar um paciente se ele começava
inspecionando (“A primeira coisa que se faz, logo que se chega ao pé de um doente,
179

é olhar para o seu exterior.”) (56), ia concomitantemente fazendo as duas perguntas


que eram o ponto de partida de seu interrogatório (“Desde quando está doente?” -
“Onde lhe dói?”) (57). O que parece provavel é que ele, depois de uma rápida
visualização contemporânea ao início de anamnese, visualização que era como que
uma tomada de contato física e psicológica com o paciente (“... com um rápido golpe
de vista... tem-se uma ideia do sexo, da idade, da força, do temperamento, do
estado moral...”) (58), passasse ao interrogatório que lhe ia permitir, como ensinava
Rostan e como se fazia entre nós sob a influência do Barão de Petrópolis, um
conhecimento da função lesada. Partindo da functio laeso178, encetava o estudo dos
órgãos por ela responsáveis, inspecionando especificamente, algaliando, palpando,
percutindo e ascultando. Completava o diagnóstico do órgão ou situação funcional
conturbada.
Nova e profunda anamnese visando outros dados fisiológicos em geral e o “...
conhecimento das complicações...bem como das afecções consecutivas e
concomitantes” (59) Iteração do exame orgânico com o mesmo objetivo e então o
enunciado do “prognóstico” dentro do vasto sentido hipocrático, isto é – o da
previsão tendo como base o passado e o presente estado de moléstia do paciente.
Vemos assim que o interrogatório de Torres Homem não podia ser único, nem num
só tempo. Ele o fazia por várias etapas visando conhecer o doente como um todo; o
momento atual desse doente; o início de sua doença pelo despontar dos sinais que
a inauguram (“... quase todos não dão a menor importância aos sintomas
precursores... Um interrogatório bem dirigido vence este embaraço...) (60); e,
finalmente, seus caracteres graduais e sucessivos. É principal - nessa última fase do
interrogatório que sua paciência se desdobrava, voltando cada dia a cada fato,
atentando escrupulosamente suas transformações e sedimentando seu juízo. Tudo
de acordo com a evolução e a dialética de cada sintoma. A leitura da sequência de
qualquer das observações dos seus anuários clínicos, demonstra à saciedade esta
afirmativa.
O interrogatório é a parte mais essencialmente humana do exame clínico.
Contrapõe-se nele, dois julgamentos igualmente importantes – o do médico sobre o
doente, o do doente sobre o médico. Ambos da maior consequência para o individuo

178
Termo latino utilizado em medicina para designar perda ou comprometimento da função de um
órgão ou organismo.
180

que sofre. O médico vai julgar não apenas a história de quem está arguindo – mas
sua psicologia, suas reações afetivas, todo o seu modo particular de encarar o
próprio sofrimento e parte daí, não só para o diagnóstico, mas para a maneira mais
segura de como dominar o diagnosticando e melhor fazê-lo aceitar seus conselhos,
sua orientação, sua terapêutica. O médico nesse lance do exame clínico, não deve
se esquecer que ele também está sendo examinado e julgado pelo paciente. O
primeiro passo para que a análise seja favorável de parte a parte é o
estabelecimento de um ponto de integração comum, de uma linguagem que permita
a tradução perfeita do que eles se dizem. Compete àquele a obrigação de julgar
rapidamente do estado emocional do segundo, da sua compreensão, da sua
inteligência, da sua sensibilidade e a norma de adaptar-se a cada personalidade que
tem diante de si a assumir com ela a atitude necessária e a linguagem
imprescindível à comunicação e equilíbrio recíprocos.
Torres Homem, suscetível como ninguém, captava soberanamente esta
situação. É o que ele deixa bem patente quando nos ensina que o “... o médico deve
usar sempre uma linguagem clara, isenta de termos técnicos, ao alcance daquele a
quem interroga; é preciso que se identifique com o lugar e as circunstâncias em que
se acha; tendo muitas vezes de dirigir-se em um mesmo dia, a indíviduos ignorantes
do baixo povo e a outros que ocupam na sociedade uma posição elevada pela
educação, pela ciência ou pela fortuna, suas palavras, suas perguntas, devem variar
conforme as ocasiões” (61).
Compreendendo a importância do contato clínico e do interrogatório (“... sem
as informações dadas pelo próprio doente o facultativo não pode avançar um passo
com firmeza...”) (62), o grande internista fluminense preparava-se com zelo de ator
exímio na representação do seu papel. Encarnado completamente nele,
despreocupava-se de tudo que não fosse o doente e a doença afim de bem poder se
desempenhar sem os empecilhos e os óbices que muitas vezes o próprio médico
cria para si mesmo quando deseja exorbitar e ser mais alguma coisa que médico e
exclusivamente médico (“... as empresas arriscadas, as especulações industriais e
comerciais... o impossibilitam de bem exercer a sua profissão. Convém pois que ele
se torne estranho a estas emoções ...”) (63). Esse sacrifício de outros interesses
dava-lhe a primeira qualidade que ele exigia do profissional para abordar um doente:
a serena despreocupação – desconhecida daquele cujo “espírito está agitado” e que
“tem consciência perturbada” (64). Assim isento, simples no seu exterior, reservado
181

em suas palavras, decente em suas maneiras, sem pedanteria caricata ou gravidade


exagerada (65), mostrando sobrehumana impassibilidade (“... deve sempre se
aproximar do leito do doente com a fisionomia calma, e aparentar uma tranquilidade
de espírito tão imperturbável que possa ser facilmente compartilhada por todos os
que o cercam ...”) (66) – Torres Homem abeirava-se do paciente e dava início ao seu
exame e ao seu interrogatório. Benevolente, afável e indulgente (67) era com
paciência, caridade e bom senso que ouvia a história que os doentes faziam “de
seus males reais ou imaginários” (68). Dirigia-se aos enfermos com urbanidade e
cortesia (“Nunca convém que ele (o médico) fale com grosseria ou demasiada
severidade.”) (69) e só excepcionalmente despropositava intencionalmente como foi
o caso diante daquele adolescente marralheiro de jeito e devastado pela voragem
dos prazeres solitários que vem referido no segundo volume de suas “Lições de
Clínica Médica” (“... levou ao meu gabinete de consultas um filho de 15 anos de
idade... No hábito externo do doente, em seu olhar desconfiado e tímido, reconheci
logo um onanista consumado, um masturbador apurado... Depois do meu exame,
dirigi ao estudante uma catilinária ex-abrupto179, acusando-o de ter provocado em si
uma moléstia entregando-se a um vício degradante. Ele confessou-me seu
pecado... disse-me que masturbava-se duas vezes por dia e desde alguns anos.”)
(70). Mas não era essa habitualmente a sua técnica e diante das situações íntimas
e vexatórias o decoroso Torres Homem procedia com circunspeção, sisudez e
habilidade: “Certas perguntas devem ser feitas em extremo cuidado, de modo que
não ofendam a decência ... quando se procura saber de uma moça solteira qual o
estado da menstruação ... quando, interrogando uma mulher casada, se lhe pede
informações sobre as prenhezas precedentes... quando junto de um moço bem
educado, se lhe pergunta pelos hábitos de onanismo... a um homem sério, pelos
excessos venéreos ... o médico deve observar todas as conveniências ...” (71). Era
atento (“... uma atenção capaz de concentrar-se em todos os fenômenos que se
apresentam à observação...”) (72), penetrante (“... penetração que faz com que, no
meio de grande número de complicações, sejam logo apreciados devidamente os
sintomas mais importantes...”) (73), prudente (“... quando trata de moléstias
venéreas, nunca se deve interrogar o marido na presença da mulher, ou esta diante
daquele: evita-se deste modo que a paz doméstica seja perturbada.) (74) e caridoso

179
De modo súbito; abruptamente; intempestivamente.
182

(“Como seria cruel e desumano o ... que sem piedade destruísse a ilusão de um
doente que caminha para a sepultura sem disso ter consciência!”) (75).
São as próprias palavras de Torres Homem, os períodos de suas lições onde
ele se configura por inteiro que permitem reconstruir a personalidade do internista
prodigioso que dominou completamente seus contemporâneos e para os quais era
uma espécie de instância suprema na hora do perigo: “Ninguém morria sem a
presença do Dr. Torres Homem ...” (76). São suas próprias palavras que mostram
suas qualidades de homem bom – a sensibilidade, a benevolência, afabilidade e a
indulgência; a paciência, a caridade, a cortesia e a severidade mesma - também
obra de misericórdia no conceito cristão. É a leitura de suas lições que evidencia
seus predicados de inteligência superior – a capacidade de análise, a minúcia, a
atenção, a penetração, a argúcia e a disciplina de pensamento de onde lhe vinham a
imparcialidade, a despreocupação, a impassibilidade e a isenção. São ainda seus
períodos que depõem sobre esta outra superioridade indispensável ao médico que
era a sua admirável boa educação – traduzida na adaptabilidade, na reserva, no
decoro e na prudência de suas maneiras simples e de sua frase decente. Esse
conjunto de requisitos é que tornavam o insigne internista na figura que se impunha
ao cliente de modo total e que faziam que este o julgasse segundo a excelência de
suas virtudes. Se Torres Homem empenhava todas essas condições na avaliação do
próximo, nela colocava outra propriedade muito sua: a astúcia solerte que lhe fazia
dar logo e de pronto, na balda dos paspalhões, dos mentirosos, dos simuladores,
dos cachaceiros, dos prolixos e dos maçadores. E imediatamente se adaptava à
situação aparelhando-se logo com a sua qualidade antonímica daqueles defeitos
Se tinha diante de si um estúpido, apesar do valor que reconhecia nos dados
trazidos pela anamnese, não perdia tempo em palavreados difusos, incapaz de
conduzir qualquer comunicação útil (“... são por tal forma rudes e brutos que … nos
vemos impossibilitados de colher o mais insignificante dado comemorativo... as
incoerências, as contradições, os disparates, abundam tanto, que nos lançam em
completa confusão.”) (77). Cortava logo a verbiagem gratuita e procurava inquerir
“as pessoas interessadas pelo doente” (78) e se estas também divagavam ou nada
podiam esclarecer, prescindia das informações e duplicava a aplicação no exame
clínico, como se estivesse diante de criança que não fala. Atentava nas expressões
produzidas pelas manobras com que provocava dores e sensações para guiar-se,
então, por aquelas mutações da mímica que “constituem a linguagem natural,
183

concedida antes da palavra”. “O médico” - dizia ele: “deve conhecê-la, estudá-la


como artista, para não cometer erros graves” (79).
Face aos mentirosos e embusteiros, às suas exposições inverossímeis, ao
exagero intencional dos sofrimentos, à atenuação absurda de certos fenômenos, à
invenção dos sintomas inexistentes, ao desejo de iludir o médico, o ilustre mestre
redobrava de “atenção, reserva e perspicácia” (80). Tornava claras e incisivas as
suas perguntas, modificava, por diversas vezes sua forma, procurando notar se
davam “lugar e contradições manifestas, a embaraços e a alguma expressão
fisionômica particular...” (81). E ensinava: “... por este meio facilmente se
reconhecerá a mentira” (82). Se a falácia era mais grave e descambava do embuste
e da falsidade sem consequência para a impostoria e a simulação dolosas, o
prevenido Torres Homem “empregando toda a sagacidade e usando de artifício” (83)
desmascaravam sempre os burlões que pilhava no intuito de “excitar a comiseração
pública e usufruir as esmolas que de direito pertencem aos miseráveis inválidos …
de esquivar-se aos encargos impostos pelas leis... isentar-se das penas depois de
um delito... de permanecer por longo tempo no hospital, onde a preguiça encontra os
meios de alimentar-se, e a miséria algum alívio que a torna menos hedionda” (84).
Procurava fazer o trapaceiro se descair primeiro brandamente, numa cross-
examination180 digna do mais cavilioso juiz de instrução (“Pergunta-se-lhe se não
experimenta certos fenômenos que não pertencem à pretendida moléstia... quem a
simula dá necessariamente respostas contraditórias, já dizendo que sente o que não
deveria sentir, já esquecendo-se de sintomas que infalivelmente existiriam, já
negando o que a principio havia confessado...”) (85), depois perquirindo “as funções
que não estão debaixo da influência da vontade... fonte preciosa para se chegar à
verdade” (86) para, finalmente, subindo de grau, submetê-lo moralmente à uma
espécie de passage à tabac genuinamente policial como fez ao “fraudulento
Português” de quem refere a história nos “Elementos de Clínica Médica”. O
manhoso lusitano metera-se como doente na Santa Casa de Misericórdia para
“escapar às perseguições de um credor” e conseguira iludir inicialmente Torres
Homem que diagnosticou como sendo uma pleurodínia a suposta dor torácica com
que ele forçara as portas do hospital. O estado geral magnífico do paciente, a
exorbitância das suas queixas, sua resistência à medicação habitual, às

180
Exame cruzado.
184

fomentações, às ventosas sarjadas e aos vesicatórios, alertaram o médico que


prescreveu-lhe a magra dieta de “dois caldos por dia” e ministrou-lhe para tomar, aos
cálices e de hora em hora, “libra e meia de infusão concentrada de Quassia
amara181” (87). Premido pela fome e pela medicação execrável, o caloteiro
confessou a intrujice.
Quando se lhe deparava alcoolista disfarçado, consumidor de doses
industriais de bebida, sob a capa do aperitivo, do estimulante, do refrigerante
(“depois de me declararem sem o menor embaraço que tomam no almoço e no
jantar uma garrafa de vinho do Porto, que bebem conhaque depois do café,
aguardente laranjinha ao meio dia e cerveja à noite, ficam muito admirados quando
digo que eles abusam do álcool...”) (88), quando o vício estava na cara e esta já era
uma confissão que prescindia do reforço oral – Torres Homem ia direto aos fatos e
não dava azo à chicana em torno da quantidade de espíritos ingurgitada pelo sonso.
Era assim que nunca perguntava - “o Sr. bebe?” - o que preferia mais incisivamente
inquirir “O Sr. Quanto bebe?”.(89).
Um dos suplícios da vida do médico, um dos nossos calvários é aguentar
com paciência os pegajosos, os prolixos, os repisadores de fatos, os interpretadores,
os remoedores de informações. O clínico ilustre em vários dos seus períodos, nós
dá bem a medida desses infelizes maçadores.
“Sendo a medicina de todas as ciências a menos acessível a quem não é
profissional, é no entretanto a única sobre a qual o vulgo se julga com direitos de
emitir juízos; nada é mais comum de que ouvir homens e mulheres dotados da mais
antiga supina ignorância... fazerem diagnósticos...Admitem teorias extravagantes e
absurdas, procuram para cada moléstia explicações que estejam ao alcance de sua
inteligência, concedem virtudes especiais e misteriosas a certas plantas; explicam
tudo pela acrimonia e podridão dos humores transportados à cabeça e ao
peito...”(90)
“Há doentes que... se portam, de tal maneira, que nada dizem que possa
servir... Começam logo querendo explicar os seus males, sem atenderem às
perguntas que lhe são feitas; acompanham, as explicações com teorias absurdas e
ridículas, dando mais importância às mais insignificantes circunstâncias. Estendem-

181
Planta da familia das simarubáceas. Nome popular Pau-tenente ou Pau-amarelo. Utilizada como
digestivo e vermífugo, produzindo vômitos se utilizada em excesso.
185

se sobre pretendidos deslocamentos da bile, do sangue e do pus, falam em irritação


e frouxidão dos nervos; atribuem a certos alimentos propriedades quentes e outras
frias , e deste modo tornam-se prolixos, fastidiosos ... intoleráveis. No entanto o
médico ... há de ouvir com paciência uma destas incômodas narrativas, se quiser
inspirar plena confiança” (91).
“Os doentes sempre desejam entrar em largos desenvolvimentos a respeito
de seus males, assinar-lhes uma ou mais causas, omitir as suas opiniões...
apoiando-se para isto em teoria disparatadas” (92).
A única maneira de se escapar (e às vezes isso é impossível), dessas nênias
pastosas e plangentes é tomar inflexivelmente a iniciativa da conversa e manter o
interrogatório, com caráter dirigido de modo a não dar margem à digressões
paralelas. Fazendo perguntas objetivas em cuja resposta o doente não possa fugir a
uma informação nítida. É o que entendia o grande clínico quando nos ensinava:
“Não se deve... perguntar, como muitos colegas fazem: O que tem? Porque o doente
falará um quarto de hora ou mais, sem fornecer ao médico os esclarecimentos
necessários...” (93) Suas duas perguntas inaugurais, em toda anamnese são um
magnífico exemplo de seu processo de obter “respostas preciosas e lacônicas” (64).
Já vimos que Torres Homem utilizava as mesmas questões postas por Rostan no
início dos comemorativos. Apenas o brasileiro invertia sua ordem.
“Desde quando está doente?” era o seu primeiro quesito (“... dá lugar como
disse, a saber-se a moléstia é de data moderna ou antiga, conhecimento este de
muita vantagem para o diagnóstico. Se um doente diz que seus padecimentos
começaram há três ou quatro dias, o facultativo exclui logo de seu espírito a ideia de
uma afecção crônica.) (95) e “Onde lhe dói?”, o segundo (“... faz com que se chegue
em muitos casos, ao conhecimento da sede de moléstia”) (96).182
Esse sistema era o habitual. Nele insiste Torres Homem nos “Elementos de
Clínica Médica” e nele abundam seus discípulos sempre que tomavam o assunto do

182
No fólio 200 (dactiloscrito) o autor registra um acréscimo, autògrafo â direita como nota
paratextual, a referência sobre o falecimento do Dr Aloysio de Castro. “7.X.59 – Morreu hoje às 11
horas da manhã, de um icto cerebral, termo final de longos padecimentos circulatórios, Aloysio de
Castro.” Pedro Nava possuia grande admiraçao pelo clínico carioca Aloysio de Castro tendo realizado
o discurso de recepção ao professor na ocasião de sua posse no Instituto Brasileiro de História da
Medicina intitulado Medicina e humanismo. Com o advento da morte do então homenageado em
07/10/1959, Nava escreveu e proferiu novo discurso, Aloysio de Castro, o Gentil-Homem da
medicina brasileira, na Sessão Extraordinária de 23/11/1959 no mesmo Instituto. Ambos os
discursos foram reeditados no volume A medicina de Os Lusíadas e outros textos (Cotia: Ateliê
Editorial, 2004).
186

diagnóstico em geral e do interrogatório em particular, como é o caso nas teses de


Luiz Costa (97) e Antonio Francisco dos Santos Bastos (98).
O estudo da dor representava para o mestre insigne a ocasião de outro
diagnóstico dentro do diagnóstico. Não lhe bastava a simples informação do
paciente de que sofria dor neste ou naquele lugar. Era o interrogatório minucioso
sobre o sintoma, provocando e alvitrando comparações variadas sobre a sensação
experimentada que ia permitir-lhe traduzir a linguagem do doente e avaliar da
intensidade, do caráter e do tipo de sintoma. Neste ponto ele seguia a orientação
clássica. A comparação do seu texto como de Chomel (99) sugere que este teria
sido o modelo de seu capítulo nos “Elementos de Clínica Médica” como também
fora do artigo “Douleur”, do grande Dieulafoy183, publicado no ano anterior ao do
aparecimento do livro de Torres Homem.
Quase sempre a intensidade da dor aparece definida segundo, suas
qualidades “obtusa”, “profunda”, “surda” “moderada”, “pouco intensa”, “forte”,
“aguda”, “intensa” e “intensíssima” [“... apareceu uma dor obtusa no hipocôndrio
direito...” (101) - “... dor retro-esternal... se manifesta por acessos... é contínua,
pouco intensa e obtusa...” (102) -”... começou a sentir uma dor obtusa ao lado
esquerdo do estômago...” (103) - “... uma dor obtusa e profunda ...(104) - “Surda,
contusiva, lancinante ou terebrante, a dor, quanto ao caráter é muito variável...”
(105) - “O doente sente uma dor gravativa forte na região hepática...”(106) - “dor
aguda e pungitiva ...” (107) - “... dor aguda e pungitiva abaixo do mamelão direito
...”(108) - “Ora aguda, nevralgiforme e contínua; ora moderada, lancinante ou
terebrante ...” (109) - “... dor intensa, constritiva e profunda...” (110) - “Dor
nevrálgica intensa no lado direito da face ...” (111) - “... dor intensíssima e pungitiva
...” (112)].
Na interpretação da intensidade do sintoma eram levadas em conta as
variações trazidas pela causa da dor: pela maior ou menor sensibilidade dos tecidos
a que ela era referida; pela obtusidade de certos parênquimas no estado normal ou
pela acuidade que eles adquiriam no decurso da doença (113); e finalmente pela
condições individuais de sua exaltação (“Os indivíduos que ... são nervosos,
suscetíveis, hipocondríacos, histéricos sentem intensamente e exprimem com

183
Geoges Dieulafoy (1839 – 1911): Médico francês. Autor de extenso tratado médico intitulado
Manual de pathologie interne.
187

exageração os menores sofrimentos.”) (114) ou embotamento (“O homem cuja


sensibilidade se acha enfraquecida em virtude de excesso ou falta de estímulo, pela
influência de um frio glacial ou de calor ardente, pelo uso das bebidas espirituosas
ou dos prazeres venéreos ... pouco exercício do órgão do pensamento ... forte
contenção do espírito ... contemplação ... afecção moral intensa ... fanatismo ... sono
profundo ... elefantíases dos Gregos ... a maior parte dos idiotas ... maníacos...
epiléticos ... comatosos ... apoplécticos ... delirantes”) (115).
Sem ir à fragmentação sintomatologística de Hahnemam184 e dos sequazes
da homeopatia que, no dizer de Dieulafoy, reconheciam setenta e três qualidades de
dor (116), a enumeração dos seus caracteres, feita por Torres Homem, mostra bem
seu espírito de análise e a fina distinção diagnóstica que ele estabelecia segundo o
modo de ser do fenômeno. Sempre seguindo os clássicos e Chomel, mas
modificando-os, é que ele nos fala nas sensações vagas de “mal estar”, “sufocação”,
“estrangulação”, “ansiedade”, “cansaço”, e “torpor nos membros”; nas menos
obscuras de “calafrio” e “horripilação”; nas mais precisas de “formigamento”,
“prurido”, “ardor” e “picada”; nas já bem definidas das dores “gravativa”, “pulsativa”,
“pungitiva”, “lancinante”, “tensiva”, “contusiva”, “mordicante” e “terebrante; nas
extremamente diferenciadas da “cólica”, das dores “nervosa”, “reumática” e
“constritiva” da angina do peito (117).
Essa enumeração, que aparece nas suas observações, maximé no capítulo
destinado ao estudo da dor, nos “Elementos de Clínica Médica”, não ficava para o
grande médico patrício no seu aspecto teórico, senão que lhe era de grande
utilidade prática. Sempre que tem cabimento e que é útil para o diagnóstico - o
caráter da algia vem especificado incisivamente na descrição de seus casos.
São mencionados os fenômenos de ansiedade que apareciam na febre
amarela, na antecedência dos vômitos negros – fenômenos entre a dor e a aflição
na boca do estômago (“Ainda dor e ansiedade epigástricas; continua a cefalagia,
cessaram as dores lombares...”) (118). O mesmo sucede com as sensações
torpentes [“A nevralgia tóraco-cervico-braquial, acompanhada de entorpecimento do
braço ... (119) – Dores de caráter nevrálgico nos braços, antebraços, nas coxas e
nas pernas ... Não há ... torpor nos membros ... (120)]; as formicantes

184
Samuel Cristhian Friedrich Hahnemann (1755 – 1843): Médico alemão. Fundador da homeopatia.
Expôs seu novo sistema médico homeopático na obra Organon der rationellen heilkunde.
188

[“...hipocôndrio direito muito elevado, tenso e doloroso ... Formigamentos nos pés ...”
- comprimindo-se o tórax logo abaixo das clavículas, provoca-se ... grande
sofrimento. Não há sensação de formigamento... nos membros...”(121)]; as ardentes
[“... dor urente no escroto ...” (122) - “sensação urente que tem sua sede no
epigastro...” (123). Ainda é assim quando se trata das impressões de peso [“O
doente sente uma dor gravativa forte na região hepática... (124) - “...peso de cabeça,
dores nas pernas ... (125)]; das pungentes, que o doente compara ao revolver da
carne viva [“... a dor ligada ao tumor aneurismático da aorta abdominal é quase
sempre constante, e pungitiva...” (126) – “A dor na pericardite aguda ... é intensa,
pungitiva ...” (127) –“... dor aguda e pungitiva abaixo do mamelão direito ...” (128) –
“Dos nossos nove doentes pneumônicos, seis tiveram pontada ... (129)]; das
lancinantes, em que há arremessos e elances passageiros que, ao contrário do que
acontece nas latejantes e pulsáteis, não têm correspondência com os batimentos
cardíacos [“... dor de caráter lancinante ...” (130) – “Ora aguda, nevralgiforme e
contínua; ora moderada, lancinante ou terebrante ...”(131)]; das tensivas, em que há
como que estufamento e distensão (“... o doente acusa uma dor tensiva e difusa ...”)
(132); das contusivas, que lembram a dor das pisaduras e que fazem os doentes se
sentirem como se tivessem passado por uma rodada de pau, queixa constante dos
paludosos dos meningíticos, dos amarelentos [“... dores contusivas nos membros
tanto superiores como inferiores ...”(133) - “... dores contusivas em todo o corpo...
(134) – “Quem consultar o antigo, porém precioso livro de Valentim, onde a febre
amarela, que apareceu epidêmicamente em Filadélfia, é descrita por mão de mestre,
aí encontrará as dores contusivas e nevrálgicas...”(135)]; das terebrantes, que
lembram a penetração giratória, nos tecidos, das puas e dos parafusos ou o morder
dos cães [“... a dor ligada ao tumor aneurismático da aorta abdominal é quase
sempre constante, pungitiva ou terebrante ...” (136) - “Surda, contusiva, lancinante,
pungitiva ou terebrante, a dor, quanto ao caráter é muito variável ...” (137) - “ A dor
na pericardite aguda ... ora é intensa, pungitiva ou terebrante ...”(138) - “O tumor em
contato com as vértebras, às vezes as destrói, as corrói e as desloca: daí o
aparecimento de dores terebrantes nas costas, nevralgias intercostais, disfagia,
paraplegia incompleta ...”(139)] das de cólica (Apareceram algumas dores
abdominais, verdadeiras cólicas ...” (140); das nervosas [“... disse aos alunos que se
tratava de uma febre paludosa remitente, e que a nevralgia testicular era indício de
gravidade iminente ...”(141) - “... dores de caráter nevrálgico nos jumelos ...” (142) –
189

“As nevralgias, externas ou viscerais, sobretudo as da face ... se manifestam...pela


infecção paludosa...”(143) - “... dores do peito ... erráticas, inconstantes,
ambulantes... verdadeiras nevralgias periféricas, que reconhecem como causa... a
irritação fimatosa185 do parênquima pulmonar ...”(144)]; das reumáticas (“... dores
reumatóides nas pernas ... câimbras muito dolorosas nas pernas ...”) (145); das
constritivas e tiranas da angina do peito (“... dor violenta na parte média da região
esternal, que se irradiava por toda a caixa torácica, para o pescoço e os braços,
acompanhada de uma sensação angustiosa de constrição do peito, análoga à que
resultaria se quisessem quebrar-lhe todas as costelas ao mesmo tempo...”) (146).
' Era ainda Chomel que Torres Homem ia seguir quando trata do tipo da dor.
“Le Type de Douleur” - diz aquele grande clássico - “est tantôt continu avec ou sans
exacerbation, tantôt intermittent avec ou sans regularité”186 (147). Nos seus
exemplos, Torres Homem reportava-se sempre a essas categorias. É assim que
descrevendo as dores causadas pelo aneurisma da aorta abdominal fala na sua
constância sem paroxismos (“...a dor ligada ao tumor aneurismático da aorta
abdominal é quase sempre constante...”) (148); mencionando as dependentes da
dilatação da aorta torácica, na sua permanência com exasperações intervaladas e
sem ritmo (“Uma dor constante, com exarcebações intermitentes e irregulares...nas
proximidades do mamelão esquerdo... é às vezes o único sintoma.. de uma dilatação
saciforme da aorta descendente...”) (149) Seguindo ainda Chomel, vamos ver Torres
Homem dar relevo às dores intermitentes e regulares, sempre que acompanhava os
fenômenos nevrálgicos que sucedem nas febres de origem palustre. Aí o assomo
doloroso tinha por causa a infestação palúdica e vinha regularmente sempre que
sucedia o acesso febril. “Toute douleur qui se reproduit dans un des types propres
aux fièvres intermittentes, et dont la durée dans chacune de ses reapparitions est à
peu près celle d'une accès.. est généralement due aux causes qui produisent les
fièvres intermitentes ...”187 (150)
É assim no caso de “febre intermitente larvada” do “caixeiro de cobranças”
João Delfim Pereira que a 26 de Janeiro de 1872, foi “acometido de uma forte
pontada nas vizinhanças do mamelão esquerdo”. Chamado para vê-lo às 10 da

185
O termo irritação fimatosa é referente à tuberculose.
186
É hora contínua com ou sem exacerbação, ora intermitente com ou sem regularidade.
187
Qualquer dor que se repete em um tipo específico de febre intermitente, e cuja duração em
qualquer uma de suas repetições é aproximadamente a de um acesso, é geralmente devida às
causas que produzem as febres intermitentes.
190

noite, Torres Homem vai encontrá-lo com “todos os caracteres de uma nevralgia
intercostal”. Prescreveu-lhe um “purgativo salino e meia oitava de sulfato de quinino”.
“Na tarde do dia 28, a pontada que tinha cessado completamente às 11 e meia horas
da manhã, não se manifestou.” (151).
Sucede o mesmo no caso de “febre perniciosa” do italiano Balthazar Ruffo,
recolhido ao leito nº 3 da Enfermaria de Santa Isabel na manhã de 21 de Setembro
de 1883, acometido de dor “muito intensa em todo o raques” e dores “de caráter
nevrálgico nos braços, antebraços, nas coxas e nas pernas”. Recebeu como
tratamento “vinte sanguessugas na margem do ânus”, “vinte ventosas sarjadas ao
raques”, calomelanos e óleo de rícino, injeções hipodérmicas de bromidato de
quinina e 2 gramas de sulfato de quinina em solução. “Graças a este tratamento... o
doente apresentou-e na visita do dia 22 completamente transformado... As dores
raquidianas e dos membros estavam em grande parte atenuadas” (152).
Não é preciso multiplicar os exemplos. Quase todos os casos de “febre
intermitente simples”, de “febre intermitente larvada”, de “febre remitente simples”,
de “febre pseudo-contínua”, de “febre remitente paludosa tifóidea”, de “febre
remitente biliosa dos países quentes” e de “febre perniciosa” - transcritos no tratado
sobre as pirexias do Rio de Janeiro, são de doentes em que a dor nevralgiforme
aparece dentro da mesma intermitência e regularidade que são as características de
sua causa: o acesso palustre.
“Quanto à localização, as dores são gerais e parciais. Estas se dividem em
parciais fixas ou parciais móveis ou dores vagas. Essa discriminação aparece no
livro de Chomel (153) e em alguns dos seus relatos, verificamos que Torres Homem
adotava essa nomenclatura. Encontramos exemplos de dores generalizadas em
seus casos de febre perniciosa (“Dor muito intensa em todo o raques... de caráter
nevrálgico nos braços, antebraços, nas coxas e nas pernas... comprimindo-se o
tórax … provoca-se... grande sofrimento... há uma hiperalgia muito pronunciada.”)
(154); da febre pseudo-contínua (“... hiperestesia geral...”) (155); e de febre amarela
(“...notava-se em todo o corpo uma verdadeira hiperetesia; o indivíduo parecia
acometido de uma dermalgia geral.”) (156). De dores parciais fixas, em casos de
tuberculose pulmonar (“... ângulo inferior da omoplata ... lugar preferido pela dor
pleurítica reveladora do primeiro período da fimatose pulmonar.”) (157) e de pleuris
(“Quando se observa uma dor fixa, persistente e limitada na região infra-clavicular,
na supra ou infra-espinhosa, ou nas proximidades do mamelão no homem e do seio
191

na mulher, depende de um pleuris...”) (158). De dores parciais móveis, em casos de


tifo americano (“... dores vagas em todo o corpo, sobretudo nas cadeiras e nas
pernas ...”) (159) e de nevralgia no decurso de tuberculose pulmonar (“... as dores
do peito são erráticas, inconstantes, ambulantes ...) (160).
As dores parciais fixas podem ampliar-se a território mais ou menos extenso
ou resumir-se a pequena zona constituindo o “ponto doloroso” - cuja apreciação é
muitas vezes capital no diagnóstico. O nosso ilustre patrício conhecia esse detalhe e
aqui e alí encontramos exemplos da importância por ele atribuída a essas áreas
eletivas de sensibilidade exaltada, que os semiologistas do seu tempo começavam a
identificar. A propósito da nevralgia intercostal, (161), cita os pontos descritos por
Valleix188 no seu notável tratado (162) e, da nevralgia do frênico, nos dá a descrição
dos situados na inserção do diafragma sobre a décima costela e entre as arraigadas
inferiores do esterno-cleido-mastóideo (163).
Quando há uma dor fixa e que, a partir do seu ponto máximo mostra como
que um movimento regular em determinado sentido, diz-se que a dor se irradia. O
estudo dessas irradiações, sempre as mesmas em virtude das contingências da
morfologia é ainda capítulo de exploração clínica da mais subida importância. O
grande clínico patrício, tão minucioso no estudo da dor, também não se esquecia
desse detalhe e encontramos nos seus relatos numerosas referências às irradiações
álgicas nos pleuris (164), na pericardite aguda (165), na angina do peito (166), na
gastrite crônica (167), na opilação (168), nos processos em que havia distribuição
radicular do sintoma, partindo de suas localizações na raques, como na febre
amarela (169) e na febre perniciosa (170). É obvio multiplicar as citações. O que nos
interessa conhecer como dado crítico não é se Torres Homem conhecia todas as
propagações dolorosas que conhecemos hoje, mas sim, sabermos que ele estava a
par do principio de que havia irradiação; que essas irradiações assumiam às vezes
caráter diferencial e específico; que essas qualidades serviam de fundamento ao
diagnóstico.
Além da intensidade, do caráter, do tipo, das propagações da dor, o grande
mestre patrício estudava-a no mecanismo de produção e percepção (171), das
alterações dessa percepção segundo o tecido, o doente e a moléstia (172), do seu

188
François Louis Isidore Valleix (1807 – 1855): Médico francês. Descreveu pontos dolorosos
localizados sobre o curso de um nervo acometido por nevralgia.
192

valor semiológico segundo os fenômenos paralelos criados pelo estado mórbido (“...
a dor, considerada como sinal diagnóstico não deve ser apreciada isoladamente...”)
(173) e finalmente nas suas consequências para a economia orgânica – desde o
simples estado transitório de “surpresa, de admiração, de terror” que ela traz ao
paciente, até aos mais perduráveis da inibição e do estupor (174).
Obra prima da lógica, harmonia e medida, o exame clínico de Torres Homem
desenrolava-se numa sequência perfeita. Preparado pela inspeção inicial do doente,
inteirado pelos elementos que lhe fornecia a dor (e tome-se aqui a palavra como
significando sensações subjetivas as mais variadas, desde os simples incômodos,
desconfortos, aflições e ansiedades - até à configuração mais acabada e solene do
sintoma!), pelos fenômenos que lhe eram paralelos, pelo estudo minucioso da sua
sede – estava o ilustre médico brasileiro de posse dos dados essenciais para
estabelecer a sua presunção diagnóstica da moléstia em causa. A continuação de
sua anamnese tomava então novo aspecto: ia ser a análise do indivíduo nas suas
condições genotípicas e fenotípicas, mediante as quais procederia à integração e à
aplicação dos seus conhecimentos de patologia geral e de patologia interna, nos
termos clínicos e individuais do terreno.
O preclaro médico ensinava que uma observação clínica bem tomada consta
de quatro partes – comemorativos, estado atual, alterações cadavéricas (quando há
óbito e autopsia) e reflexões do observador (175). Há aí um lapso evidente. É o
esquecimento da sequência diária, parte relevante de um relato e onde as notações
sucessivas vão mostrando a evolução da moléstia e o acerto ou desacerto do
prognóstico. E era esse justamente o trecho em que o prático ilustre se sobrepujava.
Comemorativos, estado atual e sequência – são ditados principalmente pelo
interrogatório e nos casos de Torres Homem, seus detalhes eram cuidados com a
abundância de informações que justificava sua sentença: “...em uma observação
clínica a minuciosidade fastidiosa é preferível à omissão de algum esclarecimento
útil” (176).
Eram assim, consignados de início o nome, cor sexo, naturalidade, idade,
estado civil e profissão. À última, dava-se particular atenção. Aparecem declarados
os mais variados misteres, sempre com precisão e evitando-se as designações
genéricas que nada podem informar quanto às possíveis influências da atividade do
doente sobre a saúde e a moléstia (“... não levando em conta o título de trabalhador
que figura nas papeletas... que exprime ausência de uma profissão definida...”)
193

(177). Quando o trabalho não podia ser fixado, aparecia de preferência a notação
negativa (“... Português ... sem profissão ... chegado ao Brasil hà trinta e cinco dias
...”) (178).
Canteiro, carroceiro, cocheiro, calafete, empalhador, cigarreiro e charuteiro,
pescador, pedreiro, marinheiro, marceneiro, alfaiate, copeiro, cozinheiro, torneiro,
oleiro, carvoeiro, ferreiro, trabalhador de enxada, trabalhador de roça, engraxador de
sapato, aprendiz de torneiro, aprendiz de maquinista, servente de açougue, servente
de laboratório, caixeiro, carregador de sacos de café, foguista de vapor, trabalhador
de estrada de ferro, limpador de trilhos de companhia de bonde - são geralmente as
profissões livres dos doentes internados nas clínicas da Faculdade (179). Os
escravos de todo serviço aparecem com sua condição mencionada e esta ao lado do
ofício, quando eles o tinham [“... um pardo escravo... (180) - “Avelino, pardo
escravo...” (181) - “José, preto escravo, amassador de pão ...” (182) - “Raul, moleque
de 12 anos de idade, escravo... “(183) – Pedro, preto escravo, carregador d'água...”
(184) – “Barnabé, preto escravo... cocheiro, morador da rua das Violas ...”(185)].
Torres Homem, em suas lições, denunciava com indignada revolta, a situação
miserável em que viviam geralmente os cativos, submetidos a regime alimentar
escasso, a trabalho excessivo, a serviços brutais, a repouso precário em senzalas
imundas e a um terrível constrangimento moral (186). A marca da escravidão era
para ele outro elemento comemorativo que, mesmo passado, tinha de ser posto em
relevo, com o peso da tara orgânica pretérita ou da doença anterior – capazes de
influir para sempre na vida futura do indivíduo. É assim que ao lado do ofício atual
dos libertos, figura também, nas suas observações, referência à triste condição
transata (187). Outras profissões aparecem ainda, essas desaparecidas e que vale a
pena mencionar pelo seu pitoresco e pela rememoração do elemento humano das
paisagens e quadros quotidianos do Brasil antigo, como as dos cocheiros de praça
(188), dos mascates de jóias (189), dos serventes de cocheiras de vacas (190) e dos
lavadeiros como o português Manuel de Souza, morador da Praia do Saco e do
preto Antônio, domiciliado na Ilha das Cobras que foram dar na enfermaria de Santa
Isabel, respectivamente em 1868 e 1869 – o primeiro com um uma “febre
intermitente cotidiana” e o segundo com um reumatismo de forma nervosa (191).
“As mulheres no Rio de Janeiro ordinariamente só exercem quatro profissões:
as de lavadeiras, engomadeira, cozinheira e costureira; qualquer delas, com
exceção da última, é muito rude...” (192). Ao citar essas atividades do sexo feminino,
194

esquece-se Torres Homem de outras situações às quais ele se reporta mais de uma
vez em suas lições e comportando também esforço: o árduo trabalho escravo e o
duro ofício do coito. As cativas, de que nos dá alguns exemplos [“Anna, preta,
escrava... lavadeira e engomadeira ...” (193) - “Júlia, preta, escrava ... muito
depauperada ...” (194)]. As prostitutas, de que nos pinta dramaticamente o mister
esfalfante (“... faz o comércio cotidiano com o próprio corpo em uma destas ruas...
refúgios das mulheres perdidas... Ultimamente os seus padecimentos tomaram tal
incremento que ela viu-se privada de entregar-se à sua torpe profissão, porque
cansava quando fazia o menor exercício ...) (195).
Homens e mulheres, trabalhadores livres ou escravos, sua profissão servia
sempre de informação útil ao professor insigne que além de indagá-las para
consigná-las nas observações que nos legou, ia esmiuçá-las mais profundamente na
suas condições de exercício e riscos para a saúde. Temos de mais essa minúcia,
vários exemplos nas suas lições onde se apontam circunstâncias inerentes às
atividades e capazes de favorecerem o aparecimento de intoxicação crônica pelo
chumbo, da tísica, da opilação e das lesões cardíacas.
“Esse moço... que exerce há oito anos a profissão de pintor, que já sofreu de
cólicas saturninas...” (196).
“Tendo dirigido... minha atenção para a influência que exercem as profissões
entre nós no aparecimento tísica... tendo sempre o cuidado de informar-me
minuciosamente deste dado comemorativo, cheguei ao seguinte resultado: no sexo
masculino, a profissão que dá maior número de tísicos é a de cigarreiro ou de
charuteiro, depois a de cozinheiro, em terceiro lugar a de alfaiate, em quarto a de
cocheiro ...” (197).
“A única circunstância inerente à profissão de alfaiate que pode explicar a sua
ação etiológica... é a posição em que os indivíduos trabalham: assentados em um
lugar muito baixo, com o tronco forçosamente inclinado para diante, posição esta
que ainda mais se exagera pela atitude que tomam as pernas... a cabeça em forte
flexão e a face quase a tocar os joelhos, assim passam muitas horas, respirando
mal...” (198).
“Todas as circunstâncias que acompanham a vida do cocheiro... o estado
crapuloso em que vive... os continuados resfriados a que são sujeitos, passando
grande parte na noite na almofada de um carro, expostos ao sereno e à chuva,
sendo obrigados a conservar a roupa molhada no corpo, dormindo mal... mal
195

alimentados...” (199).
“As mulheres do Rio de Janeiro ordinariamente só exercem quatro profissões:
as de lavadeira, engomadeira, cozinheira e costureira; qualquer delas com exceção
da última, é muito rude... obriga ao resfriamento ... (200). 189
“... disse-nos o velho que era empregado da Empresa Gary, que era obrigado
a levantar-se de madrugada para cuidar na limpeza das ruas, que freqüentemente
se expunha à chuva e à umidade, que se alimentava mal e fazia uso imoderado de
bebidas alcoólicas” (201).
“João da Limeira... ocupa-se em cortar e vender capim em uma chácara do
Andaraí Grande... Passa grande parte do dia com os pés na umidade... dorme em
um pequeno casebre de sapé... mal resguardado da chuva, dos ventos e dos
temporais... o seu trabalho começa de madrugada... é forçado a sair com chuva,
molhando-se e conservando a roupa molhada no corpo...” (202).
“...as modificações profundas porque passam as paredes e as cavidades do
coração dependem... do exercício prolongado de algumas profissões... da ação
permanente de certas causas morais... do abuso dos prazeres sexuais, do vício do
onanismo, do uso imoderado do tabaco...” (203).190
“O exercício imoderado de certas profissões que obrigam o individuo a por em
contribuição os sentimentos alheios, como os de advogado do júri, do ator
dramático, do tribuno... do político... do pregador sagrado... constitui um causa das
mesmas lesões cardíacas a que acabo de referir-me...” (204).191
Não só a influência da profissão, como do ambiente sobre o endivíduo,
mereciam acurada atenção, por parte de Torres Homem. Em páginas anteriores
tivemos a ocasião de nos deter sobre a extraordinária capacidade memorativa do
ilustre médico e da maneira como ele ligava sempre a pessoa de seu paciente ao
local de onde o vira, consignando tal detalhe nas suas observações. Muitas vezes,
nos fatos clínicos das suas lições, deixa de mencionar o nome do doente, mas é raro

189
Registramos a repetição do período “As mulheres do Rio de Janeiro ordinariamente só exercem
quatro profissões: as de lavadeiras, engomadeiras, cozinheira e costureira. Qualquer delas com
exeção da última é muito rude ...” nos fólios 212, 2º parágrafo e último parágrafo do fólio 213.
190
No fólio 214 dactiloscrito, registrou-se um acréscimo autógrafo na marginália lateral direita à altura
do 4º parágrafo a seguinte data: “3.V.64.”
191
No fólio dactiloscrito 216, registrou-se um acréscimo autógrafo na marginália direita de dois
registros: “Decidi retomar esse trabalho dia 21 de Março de 1964, sábado” e “Mme Blank seguiu de
volta para a Holanda, 4ª f. Dia 18 de Março de 1964. Fomos levá-la a bordo do avião em que seguiu
com Joanita Magri, eu e o panamenho Homero, cônsul e espoleta do Manuel Bandeira.”
196

que se esqueça da sua rua ou do bairro da sua moradia. “Na rua de S. Pedro da
Cidade Nova observei uma moça...” (205) - “ ... um moço português ... residente na
chácara da Floresta (Rua da Ajuda), que apresentava... delírio loquaz ...” (206) - “Em
um espanhol morador na rua D. Manuel ...” (207).
“... uma moça residente no Campo da Aclamação...” (208) - “... um doente
meu, morador na rua do Rezende ...” (209) – são um sistema de notação que se
repete dezenas de vezes a propósito de meninos, meninas, moços, homens,
mulheres, velhos e velhas, moradores em S. Clemente, na Praia dos Mineiros (210),
nas ruas do Senado, do Areal, da Princesa dos Cajueiros, ou do Rio Comprido,
Laranjeiras, Cosme Velho (211), Silva Manoel, Mercado, Partilhas, Ourives,
Rezende, Catumbi e nos arrabaldes do Andaraí, Pequeno, Paula Matos, Rio
Comprido (212), Santa Tereza e Cascadura (213). Em todos estes casos o preclaro
médico se omitia o nome, não deixava escapar o comemorativo de local de
residência, adotando aliás sistema milenar e clássico pois que era o mesmo de
Hipócrates (o “claromeniano que morava perto do poço de Friniquides” - “mulher que
morava perto da Água-Fria” - a moça que morava na Via Sacra”) (214).
Também nas observações clínicas completas, transcritas nos vários volumes
de suas lições, além de nome e outros dados anamnéticos, lá estão os bairros da
cidade ou as ruas de residência dos pacientes do mestre. Ilha do Governador,
Jardim Botânico, São Cristóvão (215), Cidade Nova, Ilha das Cobras (216), Pilar,
Vila Nova, Maxambomba, Andaraí Grande, Pedregulho, São Francisco Xavier (217),
ou mais precisamente as ruas da Assembléia, da Alfândega, do Ipiranga (218),
Saúde, S. Diego, (219), D. Manuel, Lavradio, Machado Coelho, Ourives e Santa
Luzia (220) – são alguns exemplos, entre muitos outros que poderíamos apontar
para demonstração. Além do seu valor indicativo para o conhecimento pregresso da
geografia médica do Município Neutro, pois a maioria dos pacientes citados eram
portadores de doenças epidêmicas, a toponímia de Torres Homem assume, para o
leitor moderno, o pitoresco de um passeio pelo Rio antigo quando nos refere os
nomes de vias hoje desaparecida ou rebatizadas como o Cais da Imperatriz, a rua
da Pedreira da Glória, a rua das Violas, ou as de Santa Isabel (221), Prainha (222),
Ajuda, Mataporcos, Areal, Conde d‟Eu, Lampadosa, Nova do Ouvidor (223),
Partilhas e Princesa dos Cajueiros.
Essa ligação do doente ao logradouro era fácil devido à prodigiosa memória e
rara aptidão visual do conspícuo médico. Teria passado a fazer parte de seu
197

automatismo mental. Acentuamos seu pitoresco e aspecto sugestivo devido ao


conteúdo poético que assume uma simples enumeração de locais quando cheios de
reminiscências e tradições. É o que a sua leitura desperta no leitor de hoje que à
especificação de ruas como as do Cano, da Vala e de Matacavalos – enche-as com
sua imaginação dos fragmentos coloniais e imperiais armazenados pela retentiva. A
repetição do nome dos largos, morros, estradas, becos, travessas, praias e praças
da velha cidade carioca, funciona então com valor estético semelhante ao do verso
iterativo de Peguy192 ou de poema enumerativo de Walth Whitman193. É o que
compreendeu Manuel Bandeira na sua prodigiosa “Tragédia Brasileira” onde a
citação sucessiva e marcada dos bairros da moradia de Misael e Maria Elvira
preparam, prolongam e acentuam a expectativa do desfecho dramático.
É claro que essa impressão poética nascida das observações de Torres
Homem só existe na interpretação de quem o compulsa atualmente e que introduz
nas suas páginas o conteúdo de espaço e tempo por intermédio do qual se
estabelece reciprocidade e equilíbrio entre o autor e quem o lê. Quando o médico
insigne escrevia suas observações, evidentemente não queria fazer arte lírica com a
citação do nome de nossas ruas. Isso, que era primeiro reflexo automático de sua
memória era, em seguida e principalmente, o resultado de uma intenção clínica
indiscutível. É o que procuraremos demonstrar. Suas notações de lugar obedecem a
um plano nascido de sua compreensão do clima e dos microclimas do Rio de
Janeiro. Esse é o fato importante e que se integra no seu sistema do exame para
melhor servir o conhecimento das influências ambientais sobre o homem doente.
Estipula o Pai de nossa Arte no seu tratado “Dos ares, das águas e dos
lugares” que aquele que quer se aprofundar a Medicina, quando chega a uma
cidade, “... observará sua situação e relação com os ventos e com o levantar do sol,
porque mesmo os efeitos não são produzidos por uma exposição ao norte, ou ao
meio-dia, ou ao levante, ou ao poente. Adquirirá noções muito precisas sobre a
natureza das águas que usam os habitantes, sabendo se elas são lacustres e moles,
ou duras e originárias de locais elevados e rochosos, ou cruas e salobras; estudará
os estados diversos do solo, que é ora desnudado e seco, ora verdejante e regado,

192
Charles Péguy (1873 – 1914): Editor, poeta e ensaísta francês. Inicialmente agnóstico, torna-se
católico a partir de 1908, tendo tido a religião forte influência sobre sua obra.
193
Walt Whitman (1819 – 1892): Escritor, poeta e jornalista norte americano. Considerado o pai do
verso livre, exerceu forte influência no meio literário, à sua época, com sua complexa e controversa
obra.
198

ora baixo e queimado por calores abafados, ora alto e frio” (225).
Nestas palavras eternas se ensina que é preciso conhecer não só o clima
como os microclimas de uma aglomeração urbana e é sem tirar nem por o que
acontecia com Torres Homem. O seu volume “Estudo Clínico das Febres do Rio de
Janeiro” encarta mapas meteorológicos organizados por ele e Francisco de Castro
(226). O seu “Anuário Clínico de 1868” tem fora do texto um gráfico das “Médias das
Observações Meteorológicas do ano letivo de 1868, segundo as respectivas tábuas
mensais” (227). Esses dois exemplos bastam para mostrar a preocupação do mestre
com o clima e suas repercussões sobre a evolução das doenças. E se não bastasse
isso lá figura ainda no primeiro livro citado aquela descrição magistral da topografia e
meio da capital do Império que, apesar de longa, não pode deixar de ser transcrita,
como comprovante do que estamos a afirmar.
“Outrora toda a parte conhecida pelo nome de Município Neutro era cortada
por extensos e numerosos pântanos; mesmo nas ruas mais centrais, onde
atualmente o comércio se ostenta com mais atividade e opulência, existiam muitos
brejos, e as emanações paludosas faziam-se em elevada escala. Com os
progressos da civilização, a higiene pública foi-se aperfeiçoando, os pântanos foram
aterrados, as ruas convenientemente calçadas, e hoje as condições de salubridade
da chamada cidade velha, que fica aquém do Campo da Aclamação, pouco ou nada
deixam a desejar. Porém na cidade nova, sobretudo nas ruas que ficam próximas ao
canal do mangue, ainda se observam águas estagnadas, dormentes e lodosas, que,
reunidas às deste canal, entretêm o ambiente em uma continuada infecção e exalam
muitas vezes aquele fétido especial que procede dos pântanos” (228).
“... O Rio de Janeiro está situado entre 22º 43' e 23° e 6' de latitude austral, 4'
longitude oriental e 35' de longitude ocidental de seu próprio meridiano: acha-se por
conseguinte quase sob o trópico de Capricórnio, bem como dentro dos limites da
zona tórrida; a sua temperatura média é de 23°, 5 cent., a máxima de 27°,2 e
mínima de 20º (Humboldt). O clima de nossa cidade reúne pois todas as condições
dos climas quentes; durante os meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março,
entre as 11 horas da manhã e às 2 da tarde, o céu dardeja com extrema violência
seus raios sobre a terra, o calor é excessivo. A umidade constante do solo e da
atmosfera, a grande abundância de detritos orgânicos, sobretudo vegetais, que
existe no terreno e o torna muito fértil, a exuberância luxuriosa da vegetação logo
que nos afastamos do coração da cidade, eis um certo número de elementos que
199

favorece o desenvolvimento do miasma paludoso...” (229).


Conhecendo o clima e a topografia da cidade, Torres Homem dominava
admiravelmente sua geografia e constituição médicas. Menciona suas condições
ideais para o desenvolvimento do paludismo (230) e da febre amarela (231). Mostra
as variantes palúdicas de manifestação mais frequente (232). A hematúria como
mais comum das hemorragias no decurso da febre biliosa grave, “mesmo no Rio de
Janeiro” (233). A incidência carioca exagerada da febre perniciosa, nas suas formas
disentérica, nevrálgica, sincopal, álgida, comatosa, meningo encefálica (234), assim
como a gravidade de seu prognóstico (“... não são raros no Rio de Janeiro os
exemplos de mortes rápidas causadas por acessos perniciosos...”) (235). Aponta
ainda a repetição, no meio, da “febre remitente biliosa dos países quentes” (236). A
influência ambiental na cura do tipo cotidiano da febre intermitente (237). Fala na
responsabilidade de nossa natureza no desenvolvimento do gênio epidêmico do Rio
(“A estas condições topográficas de nossa cidade, acrescem outras... que
perfeitamente explicam a freqüência da febre intermitente. Os ventos que sopram
em diferentes direções acarretam os eflúvios palustres da cidade nova para a cidade
velha...”) (238). Menciona a nossa anemia tropical (“... que na corte, principalmente,
é muito raro encontrar-se um homem ou uma mulher que não tenha a quantidade de
glóbulos vermelhos de sangue muito aquém da média normal encontrada pelos
histologistas europeus.”) (239) e aponta as diversidades da fisionomia de uma
mesma situação mórbida em nossa terra e noutros pontos do globo (“Qual será a
causa da diferença... entre a caquexia paludosa do Rio de Janeiro e a que se
desenvolve em países estrangeiros? As condições climatéricas peculiares...
representarão... um papel importante?”) (240).
Além do perfil meteorológico da cidade considerado em seu conjunto, como
acabamos de ver – também seus microclimas eram conhecidos de Torres Homem e
esse conhecimento servia-o admiravelmente no exercício.
Vários trechos da obra do médico ilustre confirmam essa afirmativa. Distingue
bem os lugares saudáveis do Rio de Janeiro como a Tijuca, a Gávea, Santa Tereza
(241) dos outros pontos nefastos à saúde como Inhaúma, foco de febres
intermitentes (242); a Cidade Nova com seus “imundos charcos” (243); os arredores
200

do Município Neutro194, onde campeava o paludismo (244). Mostra as alterações


que o progresso trás ao ambiente, transformando zonas salutares em nocivas
(“Nesta data remota, a pitoresca e aprazível colina... era coberta de matas virgens,
cercada dos mais colossais arvoredos de nossa ubérrima flora... Hoje, depois do
crescente progresso... em lugar das árvores seculares... encontram-se por toda
parte... estradas de rodagem, trilhos de carris urbanos... Por lá tem aparecido com
frequência moléstias infecciosas e pestilências...”) (245) - (“... estudai bem o estado
sanitário do Rio de Janeiro de 50 anos atrás e o da atualidade; confrontai as
estatísticas... A proverbial salubridade de muitos dos nossos arrabaldes, onde se
ostentavam espessas matas virgens... tem sido ultimamente muito comprometida
pelas constantes derrubadas que se tem feito em árvores seculares...”) (246) Pinta o
aspecto higiênico lamentável das zonas superpopuladas de sua cidade (“... no Rio
de Janeiro em lugar de chafurdarem-se em imundas espeluncas que constituem os
cortiços e as casas térreas de alguns bairros, onde a umidade, o calor, a viciação do
ar, e as variadas emanações pestíferas, imperam com ostentação, refugiem-se para
a Tijuca, Santa Tereza...”) (247). Conclui sobre os microclimas especificamente
favoráveis quando mandava seus tísicos pulmonares para “o Engenho Novo ou
Todos os Santos durante os meses de inverno” (248), para Poças, Largo do
Silvestre, Lagoinha e rua do Aqueduto, em Santa Tereza (249); seus tifentos a se
convalescerem na base da serra da Tijuca, ao fim do Andaraí Pequeno, ao alto do
Rio Comprido e à Gávea (250); e seus beribéricos banharem-se em Icaraí e na Praia
das Flechas, de preferência a o fazerem no Flamengo ou no Boqueirão (251).
A informação de Torres Homem sobre o aspecto climático do Município Neutro
era aliás preocupação permanente dos médicos da cidade à sua época. Retratam
bem esse espírito os trabalhos de Sigaud195, Freire Alemão196 e sobretudo o livro do

194
Município Neutro foi a designaçao dada à situação administrativa da cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, entre 12 de agosto de 1834 quando foi proclamado o Ato Adicional à Constituição de
1824 e 15 de novembro de 1889, quando da proclamação da república no Brasil. Deixou de existir
oficialmente com o advento da Constituição de 1891. Esta unidade administrativa passou a se
chamar Distrito Federal após a promulgação da República.
195
José Francisco Xavier Sigaud (1796 – 1856): Médico francês. Formado em medicina em
Estrasburgo, instalou-se no Rio de Janeiro em 1825. Foi um dos primeiros editores de literatura
médica no Brasil.
196
Francisco Freire Alemão e Cisneiro (1797 – 1874 ): Médico brasileiro e botânico. Formado na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e doutorado em medicina pela Universidade de Paris. Foi
professor de botânica médica e zoologia em instituições de ensino superior do Rio de Janeiro. Foi
comissionado para buscar na Itália a noiva do Imperador Pedro II, Dona Teresa Cristina Maria de
Bourbom.
201

Barão do Lavradio197 sobre as epidemias reinantes de 1830 e 1870. Aí se encontram


numerosas informações meteorológicas relativas à ocasião da irrupção das
pestilências e a marcação minuciosa dos pontos da cidade mais assolados, como se
faz para a descrição das epidemias de escarlatina de 1847-1848 e da febre amarela
de 1849-1850. Aquela, açoitando a Prainha, o Valongo, a Saúde, a Gamboa e o
Saco do Alferes. Esta, saindo da rua da Misericórdia e de contaminação em
contaminação seguindo S.José, Assembleia, Guarda Velha para daí bifurcar em
focos sucessivos até a lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul e as fraldas da serra da
Tijuca, na zona norte. Seus focos secundários, no centro, foram as prais do Peixe e
dos Mineiros, com irradiação para a Cidade Velha e para a Cidade Nova; e a
Prainha, de onde tomaria caminho para Inhaúma e Irajá (252).
Se o paciente não era do Rio, sua proveniência nunca era esquecida e servia
de ponto de partida para as conclusões a serem tiradas do seu clima de origem. Em
várias passagens Torres Homem mostra conhecimentos especiais sobre os
ambientes brasileiros e suas relações com as moléstias – não só da Província do
Rio de Janeiro (253) como de outras do centro e do sul do Império (254). Esses
conhecimentos ele os aplicava na avaliação diagnóstica (“Se é verdade que as
individualidades mórbidas modificam-se... conforme as variadas condições
climatéricas da localidade ...”) (255) - “A idade, o sexo, o temperamento e a
constituição... as condições barométricas, termométricas e higrométricas do clima...
Influem poderosamente na composição do plasma sanguíneo.”) (256) e serviam-lhe
para nortear com mais precisão o tratamento (“... As condições climatéricas em que
vive o doente, sua idade... influem poderosamente sobre a escolha dos meios
terapêuticos em um caso de pneumonia” (257) - “Se o indivíduo acaba de chegar a
uma localidade pantanosa... se o organismo desse indivíduo apresentar alguns dos
caracteres da caquexia palustre... o médico nunca deverá hesitar em prescrever um
dose de sulfato de quinina: antes o doente tome um remédio cuja indicação não se
tornou evidente, do que sucumba por falta dele” (258).
A preocupação de Torres Homem com os climas deve-se muito ao fato dele,
durante um instante de sua vida, ter se interessado pelos problemas sanitários, pois
em 1865 concorre a um lugar de “Lente (substituto de Higiene e História da

197
José Pereira Rego (1816 – 1892): Médico cirurgião brasileiro. Primeiro e único Barão do Lavradio.
Foi patrono e membro titular da cadeira número 7 da Academia Nacional de Medicina.
202

Medicina”, com a tese “Do Aclimamento” (259). Aclimamento, aclimação,


aclimatização ou aclimatação era assunto de grande voga no momento. O
desenvolvimento da navegação, novas circunstâncias de poderio e expansão das
nações européias atirando-as a conquistas coloniais na Ásia e na África, as
condições econômicas e sociais da América drenando do velho continente largos
contingentes emigratórios – mantinham em pauta os problemas da adaptação dos
homens do norte aos climas sub-tropicais. “Abstration faite de son importance au
point de vue de l'hygiène, la question de l'acclimatement présent un véritable intérêt
d' actualité... Depuis un demi-siècle, les nations civilisées ont changé leurs conditions
d'exitence; a l'isolement systématique des nations, a succédé ce besoin
d'expansion... l' imobilité traditionnelle de nos pères a fait place à une véritable fièvre
de locomotion... La vapeur et l' electricité ont rapproché les distances... Les grands
migrations qui se sont accomplies, às diverses époques...ne sauraient donner une
idée de ce mouvement incessant qui ne peut que s'accroitre”198. É o que ensinava
Jules Rochard, em 1864, no verbete “Acclimatement” do dicinonário de Jaccoud
(260) e cujo minuncioso texto parece ter influido bastante na tese de Torres Homem.
Esse trabalho, escrito com mão de mestre, não se ressente da juventude do
autor que se mostra a um tempo o clínico solertíssimo e o higienista sagaz. Estuda
os climas quentes, os frios e os temperados nos três primeiros capítulos. No quarto
cuida do aclimamento no trópico dos antes residentes em países frios, já no seu
aspecto geral, já nas particularidades da alimentação, da roupa, da higiene de vida e
do asseio dos recém chegados que aportavam ao nosso sol e ao nosso calor
vestidos de veludo e inimigos da água (“O uso dos banhos, pouco freqüente nos
climas frios, se torna indispensável, três vezes por semana, nos climas quentes.”)
(261). Trata no quinto da aclimatação dos tropicais nos países frios e no sexto
procede a uma síntese irrepreensível da geografia e climas do Império analisando
peculiarmente os do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Finalmente, no sétimo, estuda quais os povos europeus mais
adaptáveis, física, psicológica e confessionalmente, indicando os de raça

198
Abstração feita de sua importância do ponto de vista da higiene, a questão da aclimatação
apresenta um verdadeiro interesse da atualidade. Depois de meio século, as nações civilizadas
mudaram suas condições de existência, ao isolamento sistemático das nações se sucedeu esta
necessidade de expansão. A imobilidade tradicional de nossos pais deu lugar a uma verdadeira febre
de locomoção. O vapor e a eletricidade encurtaram distâncias. As grandes migrações que ocorreram
em diversas épocas não podem oferecer uma ideia deste movimento incessante que só pode
aumentar.
203

mediterrânea – os portugueses, espanhóis, italianos e gregos como ideais e pondo


reservas às entradas de “alemães e suíços... por serem muitos dentre eles
luteranos, por falarem um idioma que nos é antipático ...” (262). Torres Homem não
se esquece de apontar os lugares do Brasil que devem ser escolhidos como mais
convenientes aos europeus e que são as províncias do sul, a partir de São Paulo e
nem tampouco da época de eleição para sua chegada. Como clinico e pensando
como clínico refuta certas opiniões professadas por Sigaud (“Les Révérendes pères
jésuites soumetaient les novices venus d‟Europe à un traitement: un saignée
d'abord, des bains géneraux, une diète végétale, pour diminuer les forces; ensuite l'
emploi de purgatifs au renouvellement de chaque saison. Je crois que cette pratique
utile serait bonne à imiter pour les jeunes gens qui affluent em si grand nombres
dans les parages du Brésil ...”)199 (263). Esse parecer baseado em sediças
concepções sobre os temperamentos biliosos, sanguíneos e nervosos, merece a
mais aberta censura na tese de Torres Homem; “Não deixarei passar sem protesto o
conselho que dá o Dr. Sigaud de sangrar, purgar e adietar os recém chegados ao
Brasil para que melhore se aclimem. Como! pois o fim a que se propõe o higienista é
diminuir o mais possível a susceptibilidade do estrangeiro... e para isso vai debilitá-
lo... colocar o seu organismo em condições de não poder reagir contra a moléstia
...?” (264).
Numa época como a atual em que a política de colonização do Brasil é não
ter política e em que as correntes migratórias excelentes do português, do italiano e
do espanhol escasseiam em benefício de outras desaconselháveis e que se
implantam no organismo nacional como metástases proliferantes e más, é
interessante salientar a antevisão inteligente com que o médico ilustre encarava a
grave questão. È talvez sob sua influência que Miguel Couto adotou a brava posição
que defendeu face ao nosso “open door” emigratório e é a revivecência de Torres
Homem que sentimos nele e nos seus pontos de vista como fora ainda Torres
Homem o modelo das páginas memoráveis do seu discípulo quando este tratou “Da
Poliesteatose Visceral Curável”. Esse síndrome, soberbamente descrito numa lição
extremamente erudita onde a experiência do autor se reforça pelas citações de

199
Os Reverendos padres jesuítas submetiam os noviços vindos da Europa a um tratamento:
sangramento, banho geral, dieta vegetariana para diminuir as forças, em seguida o uso de purgativos,
renovados a cada estação. Eu creio que esta prática seria útil imitar para os jovens que chegam às
paragens do Brasil em grande número.
204

Layden, Lanceraux, Duclos, Magnan, Sabourin, Dujardin, Beaumetz, Audigé, Hutinel,


Cornil, Afanasiew, Von Kalden, Laffite, Gilbert, Lereboullet, Saltikow e dos nacionais
Oswaldo de Oliveira, Antônio Maria Teixeira, Mello Leitão e Álvaro Osório de Almeida
(265) – e que é atualmente atribuído ao achado, à descoberta, à invenção do grande
Couto, busca na realidade suas origens num remoto e esquecido trabalho de Torres
Homem publicado em 1882 com o nome de “Poliesteatose Visceral” (266).
É certamente preocupado com os problemas da aclimatação e das
susceptibilidades de um indivíduo transplantado do meio europeu para uma natureza
como a nossa que o mestre de Miguel Couto quase nunca deixava escapar nas suas
observações de adventícios a notação de seu lugar de origem e tempo de chegada
ao Brasil e até de suas mudanças de um ponto ao outro no seu novo habitat:
“Antonio de Medeiros Cosme, Português... residente em uma chacará do Engenho
Novo... Chegado há 4 anos da Ilha de S. Miguel...” (267) - “Jacintho Antônio do
Amaral, natural da Ilha Terceira... residente na Ponta do Caju... está no Brasil há 33
anos; durante os primeiros 11 anos residiu ora na província de Minas, ora na de S.
Paulo...Tendo se retirado em 1846 para o município de Iguassu... Em Abril de 1867 o
doente vai residir no Porto da Estrela...” (268) - “Manoel Suzano, português...
recentemente chegado ao Brasil... habita em um cortiço insalubre da Praia
Formosa...” - “ José Luciano Guimarães, português... residente no Brasil há quatro
anos...” - “João Maria Feitosa, português... chegado ao Brasil há trinta e cinco dias...”
- “Francisco Sabugal, português... chegado ao Brasil há 11 meses...” (269) -
“Joaquim da Silva, português, chegado há um mês ao Brasil morador da Rua do
Ourives...” - “João da Cruz, português, recentemente chegado ao Brasil, morador da
rua Nova do Príncipe...” (270) - “... o velho chegado havia oito anos de Portugal...”
(271) – “José Carrazedo, espanhol...residente no Brasil há 11 anos...” - “Salvador
Perez, espanhol... marinheiro, recentemente chegado à baia do Rio de Janeiro...”
(272) - “Balthazar Ponelli, italiano... residente no Rio de Janeiro há 11 anos
empregado em uma fábrica ... na rua do Areal ...” - “Paulo Gianneli, natural de
Turim... residente no Brasil ha´oito anos ...” (273) - “... foi o que aconteceu com uma
doente, moradora da rua do Ouvidor, francesa recentemente chegada ...” - “Ocatvio
Tancrier, natural de Bordeaux... chegado há vinte dias em um navio de vela ...” (274)
- “... uma francesa recentemente chegada de Bordeaux...” (275).
O que Torres Homem praticava sobre o dado presente está nos “Elementos
de Clínica Médica” onde ele resume a sua opinião: “Quando se toma a observação
205

de um doente estrangeiro, cumpre que se declare, nos comemorativos, em que


época chegou ele de seu país, para onde foi residir, e quais as condições higiênicas
sob cuja influência tem vivido... Durante as epidemias de febre amarela... os
estrangeiros recém-chegados eram atacados da moléstia de preferência aos
aclimados e nacionais... No hospital da Santa Casa da Misericórdia, a epidemia
vitimou um crescido número de portugueses novamente desembarcados e algumas
irmãs de caridade, remetidas de França para o serviço das enfermarias, faleceram
pouco tempo depois de chegadas... Com a epidemia de cholera-morbus em 1855
aconteceu justamente o contrário: os nacionais e os pretos sofreram muito mais;
nestes principalmente a mortalidade foi grande” (276).
“As condições higiênicas em que costuma a viver o doente que se observa,” -
dizia Torres Homem - “sobretudo a qualidade do ar que respira, a quantidade e
qualidade dos alimentos de que se nutre, são outras tantas circunstâncias
importantíssimas, que, podem ter uma influência direta sobre o desenvolvimento e a
marcha das moléstias, mesmo esporádicas” (277).
Pensando assim, não podia o eminente médico deixar de considerar, depois
do grande ambiente que é clima de um país, e de uma cidade, os microclimas da
última e o papel das estações – o pequeno ambiente em que mora ou trabalha seu
paciente.
Tinha, assim, importância para ele “... a temperatura da estação e do
aposento...” (278). Nada consignava a respeito, nas suas observações, quando a
condição social do examinado fazia conjecturar favoravelmente das condições
higiênicas em que vivia (“Trata-se de um homem... abastado e sóbrio...” - “...trata-se
de uma senhora solteira, filha de uma família abastada e da alta sociedade, que
morava na praia de Botafogo.” - “... se estes indivíduos, por sua posição social e por
seus recursos pecuniários, podem viver com todos os preceitos de uma boa
higiene...”) (279). Mas se caía no pólo oposto da pobreza excluída do conforto ou da
casta ínfima dos escravos, nunca deixava de acentuar nas suas histórias clínicas o
relevante dado comemorativo das habitações: palhoças construídas em alagadiços,
em lugares baixos, úmidas e expostas às chuvas ; casebres cobertos de sapé, mal
resguardados e abertos aos ventos e aos temporais; senzalas onde de dormia sobre
o solo argiloso, fazendas rudes e sujas do interior (280). Nas aglomerações urbanas,
os locais de trabalho confinados e tisiogênicos, as casas térreas e os cortiços , com
seus aposentos escuros, baixos, mal ventilados e viciados por “emanações
206

pestiferas” (281).
No capítulo dos “Elementos de Clínica Médica” em que Torres Homem
dá as regras do interrogatório, nada refere sobre o que se deve perguntar ao doente
sobre sua alimentação. Entretanto esse inquérito era feito por ele, como se percebe
de observações clínicas em que se acentua o papel nocivo dos regimes tênues e
pouco variados impostos pela pobreza, como o do português João de Limeira,
portador de caquexia palustre (“... alimenta-se ordinariamente de carne seca, feijão,
bacalhau e sardinhas...”) (282) e o de um preto liberto de Inhaúma sofrendo de
opilação (“... alimetava-se de feijão, carne seca e farinha de mandioca ...”) (283) ou
dos hábitos contrários de comida excessiva e eriçada de especiarias como o
incendiário caruru, o corrosivo vatapá que, concorrendo com a vinhaça, tinham sido
as causas da cirrose hepática de certo paciente abastado e extravagante (284).
De muito interesse histórico e sociológico é o depoimento de Torres Homem
sobre a alimentação dos escravos e que, pelo menos quanto aos do Município
Neutro e sua vizinhanças que ele via nos leitos da Santa Casa de Misericórdia ou do
Hospital de Nossa Senhora da Ajuda, desmente afirmações correntes sobre a
abundância e fartura com que eram nutridos os nossos cativos. É o que se
depreende claramente de uma de suas lições, onde afirma que “... a opilação ataca
a escravatura dos estabelecimentos rurais e agrícolas denominadas fazendas, bem
como a gente livre que vive como esta parte infeliz da nossa população. Uma
alimentação insuficiente pela quantidade e pela qualidade, composta de uma
pequena porção de carne seca, feijão e farinha de mandioca ou milho; um excessivo
trabalho... aglomeração de muitos indivíduos em pequenos aposentos, cuja reunião
constitui as senzalas ... os constantes resfriados a que estão expostos pela
insuficiência das vestes... tais são as influências nocivas, que, atuando lenta e
gradualmente... viciam a nutrição, depauperam as forças...”(285).
O estado de indigência de que resultam as condições deficitárias de casa,
roupa e comida representam um elemento etiológico importante e delimitam grupo
humano com uma patologia especial, que deve ser encarada pelo prático de modo
particularíssimo. É o que parecia compreender o médico ilustre quando resumia esta
situação sob a rubrica de miséria, de vez em quando citada como fator ponderável e
dramático na história de seus doentes (“... más condições higiênicas inerentes à vida
debochada e à miséria ...” - “... entrega-se com freqüência à embriaguez, luta com a
miséria ...” – “Há seis anos perdeu o marido e ficou reduzida à mais extremada
207

pobreza ... Lutando com a miséria...” - “Expunha-se com freqüência à chuva e às


intempéries, fazia longas viagens a pé... mais de uma vez sentiu os rigores da
miséria.” - “... o pobre velho, por espaço de muitos anos, esteve em constante
oposição a todos os preceitos da higiene, que em relação aos ingesta e circunfusa,
quer em relação os applicata, gesta e percepta. Quanto a este último grupo de
causas ... segundo sua própria confissão aquele triste modo de viver, lutando com a
miséria ...) (286).
Torres Homem interrogava seus pacientes sobre o uso do fumo, do chá, do
café e principalmente do álcool. Ao consumo imoderado dos três primeiros atribuía
responsabilidade na gênese dos sofrimentos gastro-intestinais, de desordens do
sistema nervoso e de distúrbios circulatórios (287). A importância que o grande
médico dava ao comemorativo do alcoolismo ressalta até do seu hábito de consignar
a ausência da intoxicação, como dado negativo, em várias circunstâncias (288). Se
desconfiava das informações obtidas (“... ele nada vos dirá, ou porque tenha
interesse em ocultar um vício que o degrada ...”) (289), recomendava jeito,
artimanha, ardil e lábia para arrancar a necessária confissão (“... procedei com
habilidade e astúcia a que o médico carece às vezes recorrer para obter a verdade
de um individuo que deseja ocultá-la ...) (290). Se a bebedice era ostensiva, Torres
Homem acentuava a sua imoderação, excesso e aspecto abusivo a ele, geralmente
tão compassivo ao falar de seus doentes, adotava nestes casos um tom ora de
desprezo, ora de sarcasmo, que não lhe eram habituais. Aqui chama um de
“vicioso”; ali, outros de “beberrões” (291), mais adiante designa-os como “devotos”
ou “apaixonados” de Baco (292) e diverte-se a custa da graça de batismo de um
pardavasco cachaceiro (“...não tendo obrigações a cumprir, Homero, sem atender ao
menos ao pomposo nome que lhe tinham dado, entregou-se com voracidade à sua
paixão pelo álcool...”) (293) e dos chavelhos de um suíço que os dissabores
conjugais e a incontinência da esposa tinham tirado da compostura helvética e
degradado à crápula, ao exílio e à cirrose final (“Júlio Plantoff... casou-se aos trinta e
quatro anos, depois teve de abandonar a mulher, porque lhe era infiel, e ao mesmo
tempo a pátria, a fim de procurar em país estranho lenitivo para os seus desgostos.
Bebia muita cerveja... entregou-se ao uso imoderado da aguardente, embriagava-se
com frequência ...”) (294).
Dos bebedores empedernidos e cotidianos, daqueles que chamava de
“devotos” e “apaixonados” de Baco, Torres Homem separava os periódicos, os de
208

evasão semanal e rítmica a quem o Demônio só envultava de sete em sete dias


pelas razões tão bem cantadas pelo poeta Vinícius de Moraes (“Hoje é sábado,
manhã é domingo/ A vida vem em ondas, como o mar ...”). É o caso dum carpinteiro
de álcool criterioso nos dias úteis mas que se desmandava pelas festas
hebdomadárias e que terminou com uma gangrena de pulmão (“... já tinha estado
em um das enfermarias do Hospital da Misericórdia em conseqüência de uma
afecção cerebral... devida a copiosas libações que tinha feito em um domingo). (295)
ou daquele hortelão português, confraternizante e dado a arranchar que “...nos
domingos e dias santos quase sempre embriagava-se na companhia de alguns
amigos” (296). Com relação aos primeiros, isto é aos de hábito endurecido e
contumácia no álcool, preocupava-se o mestre fluminense com a antiguidade do
vício e consignava habitualmente o dado nas papeletas (“... Tem abusado desde
menino das bebidas alcoólicas principalmente da aguardente ...” - “... ex-praça de
exército, tendo assistido toda a campanha do Paraguai ... tendo abusado de bebidas
alcoólicas desde o começo de sua mocidade ...” - “... entrega-se com freqüência à
embriaguez ...” “... sempre entregou-se com paixão às bebidas alcoólicas... há cinco
anos, bebe todos os dias grande quantidade de vinho artificial e de aguardente” - “...
era um antigo beberrão, todos os dias bebia muita aguardente ...” - “... bebia
aguardente desde a madrugada até fechar-se a última taverna ...” – “... disse que
freqüentemente passava um dia inteiro sem comer, sustentando-se exclusivamente
em vinho branco e aguardente...” - “...ao abuso que ele sempre cometeu, não só
quanto a alimentos muito condimentados e irritantes, como quanto vinhos
generosos, de que era um dos mais eméritos apreciadores...” (297).
Já referimos que de preferência a perguntar se o doente bebia Torres Homem
preferia inquirir diretamente sobre a quantidade que ele bebia. “O Snr. quanto bebe?”
era questão habitual e muito sua nas anamneses. Em diversas observações
encontramos vestígios desse modo de arguir pelas respostas colhidas dos doentes a
respeito do “conteúdo de uma garrafa” de “copiosas libações”, “muita aguardente”,
“grande quantidade de vinho”, “grande quantidade de cerveja” (298), - réplicas
adequadas a uma investigação intencional – porque, dizia o mestre: “Quando me
refiro ao uso imoderado das bebidas espirituosas entre nós ... tenho em vista, não
tanto a quantidade absoluta dessas bebidas... como a sua demasia em relação às
exigências de nosso clima. Os doentes ... dizem sempre que não se entregam com
excesso aos líquidos alcoólicos porque nunca se embriagaram, convencidos de que
209

o abuso consiste na embriaguez: logo depois confessam que ingerem diariamente


doses enormes de vinho ou de aguardente” (299).
Depois da quantidade, Torres Homem, preocupava-se com a qualidade de
que consumiam seus borrachos e suas observações nos oferecem uma curiosa e
alegre ementa da bebida popular à sua época. Vinha em primeiro lugar a
democrática e canalha água-bruta, ou caxaramba, ou uca nas sua formas de
“aguardente laranjinha” (300) ou “aguardente de cana” (301) e em seguida a
amistosa “cerveja” (302) e os mostos – ou palhetes e donzeis, ou machos e duros:
“vinho branco”, “vinho do Porto”, “vinho artificial”, “vinhos generosos”, “vinhos muito
generosos”, “vinhos capitosos” (303). Tudo isto tinha importância porque o clínico
eminente atribuía a cada um desses nectares valor etiológico especifico: “Não há
dúvida que os vinhos generosos, tomados em demasia, mais comumente dão lugar
a lesões da aorta, de seu orifício e de suas válvulas; que o uso imoderado da cerveja
favorece com mais freqüência a manifestação da litiase biliar, das cólicas hepáticas,
da esteatose de fígado e de uma espécie de esclerose deste órgão... conhecida com
o nome de esclerose hipertrófica ou biliar; ninguém, porém, pode contestar que
qualquer destes desvios da sobriedade ... pode atuar sobre a glândula hepática
como o álcool de má qualidade, representado pela nossa cachaça, tomada de
manhã em jejum” (304).
Torres Homem interessava-se ainda pelas concausas e interrogava sobre as
circunstâncias em que se davam as libações. Líquidos gelados em dia de calor
intenso (305), “sua demasia em relação às exigências de nosso clima”(306) sua
arriscada ingestão com o estômago vazio (307) e finalmente, o ingurgitamento
premeditado dos espíritos como preparação à concupiscência – concorrendo no
duplo pecado etiológico da crapula et lasciva (“... comumente saía satisfeito da
companhia de Baco para entregar-se com igual prazer nos braços de Vênus...”)
(308). E assim como acentuava o valor causal da miséria com relação a certas
doenças, o mestre brasileiro responsabilizava por outras o deboche que lhe servia
de síntese para os desregramentos da bebida, a fornicação praticada sem
discernimento e as irregularidades da boemia chula (“Conserva-se, há oito meses no
leito nº 9, em estado de completa paraplegia, um homem de 52 anos de idade, cujo
organismo apresenta-se cruelmente alterado pelo deboche ...” - “No leito nº 12 ainda
se acha um pardo, jardineiro, de nome Jorge Fernandes, em cujo organismo a sífilis,
o abuso do álcool e o deboche produziram maiores estragos... parece um velho
210

sexagenário ... tem uma afecção dupla do orifício aórtico.”) (309).


A razão de ser da minúcia de Torres Homem no seu interrogatório sobre o
álcool era o seu sentido eminentemente etiológico. Já vimos o valor especifico que
ele dava a certas bebidas na responsabilidade de aparecimento das lesões aórticas,
da litíase biliar, das cólicas hepáticas. Já considerando-os de um modo geral, os
líquidos espirituosos iam acarretar no aparelho digestivo desordens gástricas, a
hepatite parenquimatosa, a cirrose porta e a degeneração gordurosa do fígado
(310); no circulatório, lesões orificiais e valvulares do coração, a ateromasia e a
nevrose cardíaca (311); no respiratório, a pneumonia de ápice ou “pneumonia de
miséria” (312); no sistema urinário, as “desordens renais próprias do alcoolismo”
(313); e no sistema nervoso e as cefalalgias congestivas dos pletóricos, ou tremores
e o delirium tremens (“... o delírio é sintoma quase infalível... ele é acompanhado de
alucinações que fazem com que os doentes vejam objetos e entes fantásticos
horrorosos, ouçam vozes que os insultam ...”) (314).
Apesar de o fazer, muitas vezes influenciado pelos preconceitos vigentes à
sua época, Torres Homem interessava-se profundamente pelos hábitos sexuais dos
examinados e por suas repercussões sobre a saúde. Os pacientes eram inquiridos
sobre sua virilidade ou impotência, perdas seminais, poluções noturnas (315),
posições em que se realizavam a cópula, a seu ver de importância no aparecimento
de beribéri (“... essa moléstia é às vezes a conseqüência do abuso dos prazeres
sexuais, principalmente do exercício do coito em posição vertical.”) (316). Também
sobre a regularidade e a irregularidade de ritmo nos congressos – o último caso
favorecendo a superveniência das nevroses cardíacas (“... esta moléstia é mais
comum nos celibatários... A continência excessiva dos prazeres de Vênus produz às
vezes o mesmo resultado. Tenho observado mais de um caso em que a nevrose
cardíaca, acometendo um indivíduo solteiro...desaparece completamente depois que
o doente contrai o matrimônio... que por este fato regulariza e metodiza os gozos
sexuais.”) (317). E ainda sobre a tolerância das mulheres de vagina espasmódica à
introdução do pênis (318), sobre a precocidade e os abusos na prática venérea,
sobre os hábitos de masturbação.
Com relação à precocidade no meio, Torres Homem atribuindo-a à nossa
condição tropical e exagerando seus inconvenientes, parece que interrogava os
clientes jovens sobre suas conjunções inaugurais (“As condições especiais do nosso
clima, ativando o aparecimento do período da puberdade... levam aos rapazes ao
211

abuso dos prazeres de Vênus quando contam de 16 a 18 anos... esses moços ficam
nevropáticos ou acabam tísicos”. ) (319). “Advertia-os de que só “... depois de bem
constituída a puberdade é que o homem deve entregar-se aos prazeres sexuais,
evitando com sumo cuidado qualquer excesso ...” (320). No que o eminente mestre
tinha toda razão era na posição assumida contra o velho hábito patriarcal brasileiro
de entregar ao Moloch200 do matrimônio, a machos madurões, tantas vezes brutais
ou desajeitados – tenras meninas apenas saídas da infância e mal entradas na
pubescência (“... só depois de completamente púbere e bem desenvolvida é que a
mulher poderá casar-se.” - “O casamento prematuro no sexo feminino, o abuso dos
prazeres sexuais em menor idade no sexo masculino, são outras causas que
concorrem... para aumentar o número de tísicos.” - “Quantas vezes não me tenho
revoltado contra o procedimento de alguns pais... que pensam em casar as filhas
logo que elas se tornam púberes!”) (321).
No tocante aos abusos genésicos e suas decorrências, o quadro pintado por
Torres Homem é de cores sombrias e capaz de nouer l'aiguillet aos mais afoitos e
desensofridos. Ai do desavisado que não se continha, que se mostrava insaciável e
que, segundo sua própria expressao “... se entregava com furor aos prazeres de
Vênus”! (322). Aterradoras e fúnebres eram as perspectivas abertas para seu futuro.
Nele, a sensibilidade se embotava e o espírito entrava nos tresvarios da
superexitação e do delírio (323).201 Dissorava-se-lhe o sangue na discrasia da
“oligocitemia” (324). A garra da tuberculose lhe empolgava os pulmões, cavitava-os
como esponjas e abria as torneiras das hemoptises cataclísmicas (“... dois dias
depois do casamento é acometido de uma hemoptise abundante... Pelo
interrogatório convenci-me de que o acidente hemorrágico tinha sido motivado pelos
excessos venéreos tão comuns nos noivos, e que no doente tinham atingido grau de
verdadeira imprudência.” - “... teve a primeira hemoptise em uma noite de carnaval...
na ocasião em que depunha uma oferenda no altar de Vênus com o mesmo ardor
com que havia festejado o deus Momo...”) (325). Seu coração de predispunha às
lesões mortais, entrando primeiro nas desordens e descompassos da “nevrose” para
depois sofrer arrochos implacáveis no torniquete da angina pectoris (326). E para
remate do desmatelo, comparecia a “hepatite parenquimatosa” com o cortejo sinistro

200
Antigo deus pagão ao qual se sacrificavam crianças para prestar-lhe reverência.
201
No fólio 235 existe registro autógrafo no centro da página da direita (reservada para acréscimos e
rasuras): “entreaberto botão entrefechada rosa.”
212

da amarga saburra, dos empachamentos do fígado, do açafroamennto ictérico, das


dores intoleráveis, do definhamento, do marasmo, do coma e da morte (327). Os
descuidados rapazes que ouviam em aulas essa trovoada de profecias infaustas
haviam de ficar retransidos e pensar duas vezes antes de irem se enveredar pelas
ruas da Alfândega, de São Pedro e do Sabão onde as uiaras da época tinham
portinholas abertas para o seu comércio hedonístico e traiçoeiro (328).
Mas a lava mais candente, o pez mais chamejante e o enxofre mais ardente,
Torres Homem os reservava para derramar em bátegas de maldição sobre os
reprobos que abusavam de si mesmos. Nisto ele não se afastava dos preconceitos
dos autores coevos e falava influenciado pelo mal entendido milenar quanto à
conceituação do manuseio solitário, que começa com a ferocidade de Iaveh Sabaoth
e a lamentável história do pobre e contrariado Onan que, no capítulo XXXVIII,
versículos 8, 9 e 10 do Gênese, revelando-se pioneiro do coitus interruptus e
sofismando a lei do levirato que lhe ordenava “entrar à viúva do seu irmão” - foi
ferido de morte pelo amo implacável, depois de espalhar na terra as sementes que
devia plantar nas carnes de Tamar. A intratabilidade hebraica seria retomada por S.
Paulo e passaria a fulminar também com o cristianismo (“Maledictus homo, qui
espargit semem sum super terram”.)202 Essas foram as origens do tabu de que não
escapariam os médicos pertencentes ao ciclo do judeu-cristianismo desde Aurélio
Cornélio Celso, Areteu da Capadócio e Galeno de Pérgamo, até os mais próximos
Santorini, Hoffman, Boerhaave, Senac, van Swieten, Levis e Sterck (329) – quando
vieram, de século em século, parafraseando Hipócrates e interpretando-o
abusivamente, ao tratar do chamado “pecado de Onan”, “crime de Onan”,
“Onanismo”, “quiromania”, “manualização”, “mastrupratio” ou “mastupração”, “manu
stupratio” ou manustupração”, “manusturbação”, “masturbação”, “sujeira manual”,
“vício manual”, “vício genital”, “manobra solitária” e “libertinagem solitária” (330) -
fora os outros nomes chulos e mais pinturescos da manipulação da genitália de que
dois, pelo menos, ganharam foros eruditos e direito ao dicionário pela mão do
Bocage e do nacional Oswald de Andrade. Abominação da desolação, cúmulo da
impiedade – era o “vício abjeto” o “vício hediondo”, o “ apetite furioso”, o “hábito
assassino”, o “hábito criminoso”, o “hábito odioso” (331), o “...vice que la pudeur ne

202
Maldito é o homem que espalha suas sementes sobre a terra.
213

permet pas de nommer, & qui eft fuivi de maladies terribles...”203 (332) e a que a
Reveillé-Parise – transfigurando-se num S. João Evangelista da safadeza – dava
envergaduras de Apocalipse: “Segundo minha opinião, nem a peste, nem a guerra,
as bexigas, ou outro grande número de males semelhantes, tem resultados mais
desastrosos para a humanidade que o funesto costume da masturbação: é o
elemento destruidor das sociedades civilizadas...” (333).
Um período de Mauriac204 dá bem ideia das razões do que chamamos o mal
entendido milenar reinante no assunto: “L' abus des plaisirs de l'amour a toujors eté
regardé par les médecins et les moralistes comme une cause puissante de
détérioration pour l' organisme et de déchéance pour les facultés intellectuelles et
morales.”205 (334). Vê-se aí a intromissão em assunto médico e exclusivamente
médico dos moralistas, trazendo para o mesmo um lastro filosófico, ou cultural, ou
religioso dos quais independe a observação imparcial do fato biológico. E
perturbando sua apreciação com toda sorte de mandamentos, prescrições,
doutrinas, preceitos, normações e preconceitos, como sucedeu através dos tempos,
não só com o ato fisiológico da masturbação, como com todos os que dizem respeito
à sexualidade. Não sendo os mesmos exclusivamente físicos, mas comportando
também um lado psíquico, foi o último que representou o elemento de entrave
porque, se Hipócrates tinha liberados há mais de 2000 anos a Medicina da sua
bagagem místico-teúrgica, só entre em 1895 e 1897 é que Freud conseguiu alforriar
da mesma, a psicologia e a psiquiatria. As ideias da culpa, pecado e punição
toldaram completamente o senso crítico dos médicos que escreveram sobre o
onanismo que vieram tecendo variantes em torno de um período hipocrático lido de
esguelha ou interpretado com má fé tendenciosa: o que está no tratado “De morbis” -
e que não se refere à manualização mas, simplesmente, ao abuso e ao excesso do
coito (335). O Pai da Medicina dá como consequência da imoderação que ele
chama, segundo a tradução de Littré, de “tísica dorsal” e que outros transpõem
ainda por “consumição dorsal”. Em torno dessa simples expressão e enfeitando-a
como uma árvore de Natal, através de mais de vinte séculos de ideias

203
Vício que o pudor não permite nominar e que leva a terríveis doenças.
204
François Charles Mauriac (1885 – 1970): Escritor francês ganhador do Nobel de Literatura de
1952. De forte formação religiosa, suas obras refletem o conflito trágico entre a religião e as
tentações.
205
O abuso dos prazeres do amor é sempre observado pelos médicos e pelos moralistas como uma
causa poderosa de deterioração do organismo e de privação das faculdades intelectuais e morais.
214

preconcebidas, os médicos do nosso ciclo cultural, confundindo alhos e bugalhos,


causa e efeito, criaram uma patologia da mais incrível e monumental estupidez a
propósito da masturbação.
Podemos tomar como exemplo o artigo de Charles Mauriac inserto no
dicionário de Jaccoud, que é o resumo da informação do seu século ( que foi
também o século de Torres Homem) a respeito do melindroso assunto. Aí refletem-
se meridianamente os erros e abusões dos autores coevos. Dos maiores e mais
ilustres. Sua bibliografia – verdadeira descida aos infernos gelatinosos de Medicina –
compreende os dissertos de Tisset, Boerner, Halle e Bégin sobre a quiromania em
geral; os de Rozier, Doussin-Dubreuil e Pouillet sobre sua variedade feminina; os
trabalhos de Wichmann sobre as poluções diurnas; os de Wander, sobre as
noturnas; os manuais de Madrid Davilla, Lalemand e Kaula sobre os involuntários e
a espermatorréia; os ensaios de Duprest-Rony sobre a satiríase; os compêndios de
Baraduc e Louyer-Villermay sobre a ninfomania; e os epitomes de Fournier e Braun
sobre o clitoridismo e a clitoridectomia. E outros, muitos.
Mauriac delineia primeiro, os deleites do vício para depois mostrar o reverso
pavoroso das suas consequências. Vale a pena transcrever integralmente a
descrição que ele dá dos prazeres solitários – onde sua gravidade médica estala e
deixa transparecer através das palavras que ele quereria apenas técnicas, sua
participação no assunto e seu gosto pela indecência. Dir-se-ia que não estamos
lendo um austero ensaio clínico mas as páginas mas sáfias dos manuais de
erotologia, apimentadas e temperados a sal grosso, no gênero das edições
populares de Kama-Sutra: “L'imagination surexciteé par des beseins réels ou
factices s' élance dans des rêves sans fin qui poursuivent toujours le même object,
c'est-a-diré un assouvissement du sens génital, em dehours du congrès sexuel, avec
toutes les vérites et tous les raffinements de sensations qu'on puisse maîtriser à
loisir, calculer, suspendre, renouveler, retarder et prolonger, de façon à faire parcourir
à la jouissance toutes ses gammes et á rendre son dernier paroxisme plus vif dans
l'organe lui-même, plus profund et plus pénètrant par ses irradiations sur toutes la
machine nerveuse”206 (336) Depois dos allegro, andante, presto, spiccato, dolce,

206
A imaginação superexcitada por desejos reais ou imaginários lança-se em sonhos sem fim
perseguindo sempre o mesmo objeto, é um sentido de gratificação genital, em momentos de
congresso sexual, com todas as verdades e sentimentos refinados que possam dominar o lazer,
calcular, suspender, renovar, retardar e prolongar, de modo a percorrer todas as faixas e fazer com
215

stacato e pianissimo desse solo – sua tremenda contrapartida. Tentaremos dar uma
ideia do que ele e os que ele cita, prometiam aos manualizadores. Dois brasileiros
do século passado, que consultamos, Antonio Pedro Teixeira (337) e Miguel Antônio
Herédia de Sá (339), sabedores e experimetados em materia de onanismo e coito,
afinam pela mesma tecla. Esses Antônios são autores de duas teses onde – sob a
capa meio rota do farizaismo moralizante aparece a nudez da malícia mal contida.
Amostra de Teixeira (onde vai grifado o lapsus acusador ): “... quero falar da
masturbação, desse vício infernal, flagelo do gênero humano que tantas vítimas tem
ceifado pela grande facilidade que temos de executá-lo e pelo hábito arreigado que
contraem as pessoas que a ele se entregam...” Amostra de Herédia ( na dissertação
dedicada a sua “adorada mãe” ): “... durante a extrema excitação que acompanha o
orgasmo venéreo o homem fica em estado de epileptiforme, o rosto colora-se, a
respiração acelera-se, os movimentos tornam-se convulsivos...” Ainda aqui, lapsus,
escorregão autobiográfico ou, então, experiência de voyeur... Em resumo: nacionais
e estrangeiros de acordo na forma e no fundo e despedindo tempestades feitas dos
mesmos raios.
Segundo seu consenso, nos fanáticos pelos vícios solitários, a pele se
alterava na turgência e as carnes na plasticidade. Sobrevinham preguiças,
debilidades, sobressaltos, contrações, convulsões e paralisias musculares.
Resultava disto um habitus onde sobressaíam a atitude amolentada, o
emagrecimento, a parada de crescimento, o aspecto mofino, o desmoronamento do
tronco, o encurvamento da espinha, a diminuição das forças, a pouca aptidão para
os exercícios físicos e o fenecimento do organismo que caminhava e passos largos
para a prostração e o marasmo.
As pupilas, em midríase, deslocavam-se para cima e para dentro, os olhos
afundavam nas órbitas escavadas. A pálpebra superior descaía pesada, sobre eles,
enquanto a inferior tingia-se de um bistre malsão. Tudo concorrendo para o olhar se
tornar mortiço, langoroso, terno e apático. Os descorados beiços arreganhavam-se
sobre dentes desencravados das gengivas escorbúticas e sobre a língua vascilante.
Palidez de cera, desmerecendo para a cor terrosa. O conjunto fisionômico era
dormente e a essa facies, somava-se outro sinal patognomônico tirado das doutrinas

que o último paroxismo seja intenso em seu corpo, mais profundo, mais penetrante através de sua
irradiação por todo o sistema nervoso.
216

frenológicas de Gall207: a nuca bombeada e larga.


Os sentidos se embotavam: caía a audibilidade; acomodação e acuidade
visuais iam diminuindo até dar lugar às trevas da amaurese. Tórax acanhado,
respiração anhelante. Apareciam os catarros crônicos, a asma e finalmente a “tísica”.
No aparelho circulatório as coisas não andavam melhores: eram “espasmos cardio-
pulmonares”, palpitações, síncopes. O apetite ora desaparecia, ora se danava até à
“neurose bulímica”. Instalavam-se as dispepsias, as digestões penosas, as
“câimbras gástricas” e as dores lancinantes à boca do estômago. Surgiam os
acessos epileptiformes, as crises histéricas, a marcha incerta, as ataxias, as mielites,
as paralisias, as apoplexias, a perda de memória, o embrutecimento, a idiotia, a
demência. Desencadeavam-se as fúrias da ninfomania, na mulher, da satiríase, no
homem e os dois se enlizavam nos círculos de lama do Inferno da melancolia
erótica. Dentro desses trapos de ossos cariados, o sangue escoava-se pobre
anêmico, aglobúlico, clorótico e corrompido pelo que era chamado de “ataxia” e
“atonia” das funções da hematose. Para o lado dos genitais, impotência, poluções,
hidrocele, varicocele, cirsocele, fimose, parafimose, cancro de útero e as marcas
deixadas pelo que era vício e martírio: no homem as uretras abertas pelas titilações
com instrumentos cortantes que iam a tal iteração e crueldade que o membrum virile
podia se apresentar dividido em dois, como no caso de Deslandes, citado por Torres
Homem (339); na mulher, os clítoris e as vulvas contundidos pela fricção digital e
pela variante técnica da percussão dos calcanhares sobre as ninfas; as vaginas
esgarçadas e laceradas por todos os ersatz208 penianos acessíveis, muitas vezes
retirados como corpos estranhos encravados; e os seios equimóticos e malaxados –
segundo a variedade adotada do “onanismo clitoridiano”, de “onanismo vaginal” ou
de “onanismo mamário” (340).
Basta a leitura deste quadro para se perceber que quase tudo dado como
resultado da masturbação era, na verdade, sua causa. Os sintomas mencionados
permitem identificar um lamentável “pátio dos milagres” de débeis mentais,
histéricas, epilépticos, paralíticos gerais, degenerados, maníacos e dementes cujo
furor, paixão, desenfreiamento e perseverança na lascívia e na salacidade – bania-

207
Franz Josef Gall (1758 – 1828): Médico alemão. Fundador da doutrina da Frenologia que baseava-
se no estudo morfológico de cérebros e crânios de homens e animais. Pretendia estabelecer
correlações entre as faculdades mentais com os formatos dos órgãos avaliados.
208
Substantivo alemão cuja tradução literal é substituto.
217

os do gênero humano para rebaixá-los à mesma qualidade dos macacos lúbricos


com que partilhavam o gosto insaciável da manobra obscena. Os que só deviam ter
dos médicos compreensão, piedade e assistência (como enfermos e doentes)
recebiam deles um tratamento monstruoso e punitivo ( como viciados e corruptos):
os manietamentos, as camisolas e calças contensivas, os cinturões com caixas
metálicas para enjaular a genitália, as infibulações do prepúcio, as cauterizações a
fogo do clítoris, a castração (341). A profilaxia também não era mais inteligente que
essa terapêutica inventada por complexados que transferiam aos pacientes o castigo
almejado pelo seu próprio subconsciente. Baseava-se principalmente na
administração do nitrato de potássio ou salitre purificado – o clássico “nitro” cujas
propriedades anafrodisíacas tinham sido indicadas por Hummel (342) o que era
dado em doses diárias maciças de vinte grãos a uma oitava por cabeça nos quartéis,
prisões, conventos, internatos e recolhimentos. Temos notícia desse costume pela
literatura de ficção (“... andara num seminário rigoroso, regime de nitro para congelar
as ardências da idade ...”) (343). Longe de ser inócuo, tal sistema era responsável
por intoxicação crônica, que vinha com urências de micção disúria, anúria, náuseas,
titubeios, estupefação, desfalecimentos, lipotímias, vertigens, esfriamento geral do
corpo, enfraquecimento do pulso, prostração e mesmo morte (344). Estão aí vários
sintomas que entravam também como resultantes da masturbação e que, na
realidade dependiam do tratamento – mais intempestivo que preventivo.
Assombrados com um hábito que, além de pecado mortal, “puxava pelos
peitos”, os médicos por sua vez assombravam os pais, os professores os
preceptores e todos os responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes. E não
eram só os médicos consultados, mas toda uma literatura especializada, meio
cientifica e meio erótica, que concorriam para o pânico generalizado. Diz Mauriac
que essa literatura vinha do século XVIII e que lhe deu nascimento a necessidade de
combate à licenciosidade e à pouca vergonha da época. O próprio Voltaire ocupou-
se do assunto no seu “Dicitionnaire Philosophique” e foram compulsadíssimos até
nós, antes da invasão da bibliografia sexológica moderna, os livrinhos de Deslandes,
Garnier, a famosa “Onania” atribuída à Boerne (345) e o clássico por excelência de
Samuel Tissot, o “Tentamen de Morbis et Manustupratione”, publicado em Lausanne
em 1760, traduzido em francês, em 1769, sob o título de “L'Onanisme, ou
Disserttation Physique sur les Maladies Produites par la Masturbation” (346) e
desfigurado em edições sucessivas e populares até niverlar-se pelo gosto da massa
218

consumidora de livros pornográficos (347). O conceito enxofrado dos médicos


antigos e o dessa divulgação que tinha um bafo de solfatara mantinham o equívoco
de fazer considerar como anomalia torpe um ato puramente fisiológico. Não se
distinguia os polos que extremavam a manipulação natural, da manipulação
desmesurada que ocorre nos dementes. Porque, entre as duas, cumpre manter a
mesma distância que vai do apetite dos sãos a bulimia dos degenerados, da
urinação normal às poliúrias soltas dos diabéticos. Depois de tantos erros, foram
Freud209 e seus seguidores que limitaram, dentro do assunto, as fronteiras do
aberrante e do regular. Admite-se com a psicologia moderna, um onanismo
inofensivo. Porque, auto erótica, lúdica e mecânica – sendo o corpo o instrumento
acessível por excelência e o órgão genital a principal, senão a única fonte de auto
gratificação da criança – a masturbação “... or the simulation of the genitalia for
pleusure, is normal in childhood”210 (348). Fantasista, idealizadora, simbólica, fruto
de imaturidade sexual e social, potencialidade e latência amorosas sem alvo
definido, servidão subconsciente à imagem da mãe, da ama, da babá – evocativa,
inevitável, substitutiva, evasora, irreprimível, iterativa, urgente e abrindo de par em
par os batentes do “maravilhoso universo” (logo acessível, imediatamente autônomo)
a que se refere a sinceridade destotemizada e cristalina de Oswald de Andrade (349)
– a manualização da adolescência é, como o da infância, ato normal: “...a
recrudescence of masturbation is natural enough at adolescence, its practice to
excess sugests too rich a fantasy, as well as too strong need for genital
excitement”211 (360). Fisiológica, ela é, por assim dizer inócua: “The act as such, is
relatively harmless”212 (351). Note-se que para reforçar tal opinião, não está sendo
citado nenhum escritor libidinoso – mas grave médico de pudibunda Inglaterra,
Emanuel Miller, psiquiatra infantil de Saint George's, professor de Maudsley Hospital
o colaborador da “British Encyclopaedia of Medical Practice”.
Para surpreender a balda da quiromania e avaliar de sua pertinácia, Torres

209
Sigmund Freud (1856 – 1939): Neurologista austríaco fundador da psicanálise. Professor de
neurologia da Universidade de Viena. Em Paris estudou com Charcot e trabalhou com Breuer no
tratamento da histeria utilizando hipnose, mais tarde substituindo este método pela livre associação
de idéias e ainda pela associação de uma determinada ideia com outra previamente ligada a ela.
Essa técnica lançou os fundamentos da psicanálise
210
… ou a estimulação da genitália por prazer é normal na infância.
211
… a recrudescência da masturbação é bastante natural entre adolescentes, a prática em excesso
sugere rico imanginário tanto quanto fonte de forte necessidade de excitação genital.
212
O ato, desta maneira, é relativamente inofensivo.
219

Homem tinha sutilezas de padre confessor. Inquiria desde quando o paciente se


dava a esses excessos (“... o hábito do onanismo. Infelizmente muito introduzido nos
nossos colégios; é raro o menino de 10 a 15 anos de idade que não se masturbe
com mais ou menos frequência ...”) (352); sobre o número das vezes em que se os
cometia diariamente (“Em um dos mais afamados colégios desta cidade vi um
menino de 13 anos ... Depois de um interrogatório minucioso e dirigido com astúcia,
soube que o colegial era fervoroso adepto de Onan e masturbava-se duas e mais
vezes no dia ...”) (353); sobre a paixão que se punha na sua prática (“... e doente do
leito nº11, que conta apenar 18 anos de idade e que nos confessou que se entrega
com furor ao onanismo...” - “Este doente abusava do onanismo...” - “... reconheci
logo um onanista consumado, um masturbador apurado...”) (354). E não era só entre
meninos e rapazolas que ia investigar o vício. Entre as donzelas também, como no
caso daquela noiva inconsolável e frustrada de que nos dá notícias numa das suas
lições: “No sexo feminino ... tenho também encontrado o onanismo como única
causa da tísica. Em 1871, eu vi, juntamente como Sr. Visconde de Santa Izabel, uma
moça de 18 anos... que tinha ficado tuberculosa em consequência das práticas de
onanismo a que se entregava com furor, tendo sido várias vezes surpreendida por
sua própria mãe. Pertencente a uma família respeitável... esta infeliz moça tinha
perdido dois anos antes o noivo que seu coração escolhera; desta época datou o
vício a cujas conseqüências veio a sucumbir mais tarde, tendo recusado todas as
propostas de casamento que lhe foram feitas” (355). Não lhe escapavam à
investigação aqueles jovens dos dois sexos que apresentassem sinais, sintomas ou
doenças em cuja origem o grande clínico colocava o “furor do onanismo” - como
aquela “palidez excessiva” que Raul Pompeia213 já notara nos seus companheiros de
internato (“E diluía-se pelos semblantes a palidez creme, cavavam-se olhares vítreos
das regiões do impaludismo endêmico”) (356); os olhares desconfiados e tímidos; as
magrezas; os cansaços; as caquexias; os pesadelos; as melancolias; as palpitações;
a hiperquinesia, a ataxoquinesia e a nevrose do coração; as tísicas; as convulsões
epilépticas e espasmos histéricos; a satiríase e a ninfomania (357). Bem de sua
época, Torres Homem considerava a mastupração “um vício degradante” (358) mas

213
Raul d‟Ávila Pompéia (1863 – 1893): Escritor e jornalista brasileiro. Consagrado no meio literário
devido sua obra maior O Ateneu: crônica de saudades, relato de crônica de cotumes sobre o
ambiente educacional do século XIX no Brasil, possuindo forte cunho autobiográfico. Suicidou-se aos
31 anos, na noite de Natal.
220

não ia, na sua repressão, além das catilinárias que dirigia aos seus pacientes e de
po-los espavoridos e de perna bamba com bosquejar o horrível quadro do que os
esperava, caso não mudassem de vida e se emendassem do pecado (359). Seja
dito em honra de sua inteligência que o mestre reconhecia na manipulação
exagerada, o aspecto de consequência de certas alterações mentais (“Em alguns
indivíduos, o desejo da masturbação os assalta como verdadeiros acessos a que
não podem resistir, à semelhança do que se dá com acessos de loucura.” -
“...muitos fatos de abuso do onanismo... alguns dos que parecem reconhecer por
causa uma verdadeira alienação mental, uma monomania.” - “... às vezes o vício
excede os limites da boa razão e parece estar ligado a uma perversão intelectual.”)
(360).
Precursor de Austregésilo e do seu famoso “pensar sifiliticamente”, Miguel
Antonio Herédia de Sá, em 1845, bradava contra a tremenda disseminação das
moléstias venéreas no Rio de Janeiro (“... posso afirmar, sem medo de ser taxado de
exagerado, fazer a sífilis em breve parte integrante até da caliça das paredes”.)
(361). Quando ele dizia “sífilis”, possivelmente estaria englobando nesta palavra não
só a avaria, como a gonorréia e mais o cancro mole – tudo isso muito mal distinto
pelos médicos antigos. Realmente, só com o advento da “teoria microbiana”, a
identificação e demonstração do papel patogênico do gonococo por Albert
Neisser214, em 1879; do bacilo do cancro mole por Auguste Ducrey215 em 1889; e do
trepanoma da lues por Fritz Schaudin216, em 1905 (362), cessou o unicismo da
ignorância e ficaram definitivamente separadas três moléstias antes reunidas, como
coisa única, no “mal de Vênus”.
Morto em 1887, Torres Homem só poderia ter tido conhecimento, se é que o
teve, dos trabalhos de Neisser, os únicos aparecidos durante sua vida. Mas a sua
maneira de dar notícias sobre as afecções venéreas mostra, não só que ele
apartava perfeitamente sífilis e gonorréia – o que não era vantagem em sua época,

214
Albert Ludwig Siegmund Neisser (1855 – 1916): Médico alemão. Especialista em dermatologia e
venerologia. Foi o descobridor do gonococo (Neisseria gonorrhoeae, 1879) e demonstrou a existência
da bacilo causador da lepra. Realizou uma revisão completa da hidatidose em Die
Echinococcenkrankheit.
215
Augosto Ducrey (1860 – 1940): Dermatologista italiano. Descritor do Haemophilus ducrey (1888)
causador de doença sexualmente transmissível conhecida vulgarmente como cancro mole ou Doença
de Ducrey.
216
Fritz Richard Schaudinn (1871 – 1906): Bacteriologista prussiano. Descobridor do Treponema
pallidum (1905).
221

pois a identificação absurda das duas estava denunciada desde 1838 por Philippe
Ricord217 (363) – como mostra, ainda, que ele separava o cancro mole do cancro
duro que, isto sim, representava atilamento clínico excepcional ao seu tempo. Seus
relatos mostram a atenção do seu interrogatório no tocante às moléstias referidas.
A existência de “blenorragia” vem consignada numerosas vezes nas suas
observações onde ficava determinado o tempo de aparecimento da moléstia, sua
persistência, suas repetições (“... só teve uma blenorragia em 1863...” - “... só teve
uma blenorragia há nove anos ...” - “... contraiu uma blenorragia há seis meses, da
qual conserva ainda alguns vestígios ...” - “Teve duas blenorragias ...”) (364).
A relevância dada à sífilis transparece, inclusive no sistema de sua notação
negativa às vezes adotada pelo grande mestre (365). Já se o dado parecia de
importância anamnética, ora sempre salientado de maneira positiva (“... organismo...
cruelmente alterado pelo deboche, pela sífilis e pelo álcool ...” - “... a sífilis, o abuso
do álcool e o deboche produziram os maiores estragos ...” - “... apresentava em seus
antecedentes patológicos a sífilis ...” - “... ex-praça do exército... tendo tido sífilis...”)
(366). Quando necessário e quando possuindo implicações clínicas, o diagnóstico
da “sífilis” era justificada por detalhes abundantes que mostravam, não só os
conhecimentos de Torres Homem sobre o papel da avaria, como sobre suas lesões
e aspecto evolutivo. Numerosos trechos da obra do mestre insigne legitimam essa
afirmativa (“... teve acidentes primitivos e secundários da sífilis ...” - “... teve um
cancro sifilítico, seguido de sifílides, mais tarde de ulcerações da garganta,
finalmente de dores osteocopas e reumáticas e de uma úlcera extensa e profunda...
da perna direita ... sucedeu-lhe uma cicatriz espessa, irregular, deprimida, de cor
cúprica ...” – “... havia seis anos tinha tido um cancro venéreo na base da glande...
não se lembrava se tinham lhe aparecido manchas pelo corpo, porém tinham tido
reumatismo articular, úlceras na garganta, fortes dores de cabeça e os cabelos da
cabeça nessa mesma ocasião lhe tinham caído quase em totalidade”) (367). Prova
de detalhe posto por Torres Homem no interrogatório, para o diagnóstico do mal
gálico são suas próprias palavras (“A primeira base em que se apoia o diagnóstico
de sífilis do pulmão é a história anamnésica do doente.” - “A anamnese neste caso
tem valor imenso para o diagnóstico da esclerose hepática sifilítica. Expressão

217
Philippe Ricord (1800 – 1889): Médico norte americano naturalizado francês. Demostrou que a
sífilis e a gonorréia eram doenças distintas desenvolvendo técnica especial para uretroplastia.
222

terciária e tardia da sífilis, esta lesão visceral, bem como as gomas... são precedidas
de uma série... de acidentes terciários mais precoces, de acidentes secundários e de
acidente primitivo, representado pelo cancro infectante.”) (368).
A maneira clara e incisiva de Torres Homem referir-se à “sífilis”, “cancro
sifilítico”, “cancro infectante”, “acidentes primitivos”, “acidentes secundários”,
“sifílides”, “dores ostecopas, - e às manifestações viscerais - em suma, a todos os
fenômenos primários, secundários e terciários do mal napolitano, mostram que ele o
individualizava perfeitamente. Ao contrário dessa nitidez, o vago e o difuso de outros
períodos seus deixam transparecer que ele diferençava o cancro duro de cancro
mole. Podemos fazer o diagnóstico retrospectivo do último, todos as vezes que a
terminologia do grande prático perde a precisão e ondeia na expressão vacilante e
ambígua. É assim que em casos não se enquadráveis no que ele estava
acostumado a definir como “sífilis”, sua notação difere e deixa margem a dúvidas –
de certo propositadas e intencionais. A seu ver, haveria ali alguma coisa diferente.
Fica-se convencido disto quando se percebe como ele acentuava a pluralidade dos
cancros referidos pelos doentes; a supuração da adenite satélite quando as
ulcerações eram muitas; a ausência dessa mesma supuração quando se verificava
acidente primário único (“Teve cancros venéreos, blenorragias e bubões ...” - “Há
cinco anos teve blenorragia, cancros venéreos e um bubão que supurou ...” - “Teve
duas blenerroagias, e a segunda foi acompanhada de cancros venéreos em número
de três e de um bubão ... terminado por supuração”.) (369) É evidente a intenção de
deixar bem distinto o cancro luético, único e duro, acompanhado de íngua
irresolutiva, dos cancróides múltiplos e moles, seguidos das “mulas” supuradas.
“O conhecimento das moléstias anteriores de que foi acometido o doente, é
um dado comemorativo muito precioso. Há afecções que preparam o organismo
para a repetição frequente de sofrimentos da mesma natureza, porém, tendo sede
diversa. Certas moléstias determinam outras secundárias ou por continuidade de
tecido, ou por contiguidade dos pontos afetados, ou em virtude de íntima conexão
nervosa entre os órgãos comprometidos, dando lugar às moléstias simpáticas”
(370).
Hoje, o período acima pode não ser considerado ortodoxo mas o que é
indubitável é a importância dada por Torres Homem à patologia pregressa do
indivíduo e à repercussão da mesma sobre o terreno.
Dando a este elemento fundamental – o terreno – a relevância que sempre
223

transparece em sua obra e tendo em vista a indispensabilidade de sua avaliação


para a boa compreensão dos fatos clínicos presentes, o mestre carioca não podia
deixar de considerar os fatores hereditários que estão na sua gênese. “Nos
comemorativos, o observador... dará conta dos antecedentes hereditários, de que
morreram os avós, pais e irmãos do doente...” - “Os antecedentes hereditários de um
doente servem de muito... no juízo diagnóstico e prognóstico... A herança mórbida
é... a mais fecunda causa predisponente patogênica... Com muita dificuldade se
escapa à sua influência” (371).
Torres Homem ensinava que de pais a filhos transmitiam-se fenômenos
normais e caracterológicos como a forma exterior do rosto, os traços fisionômicos, a
estatura, a força física, a duração da vida, as qualidades morais, o temperamento, a
constituição e as idiossincrasias. E mais doenças e situações mórbidas como a
pletora, a hipertrofia cardíaca, a apoplexia, a tísica, as escrófulas, os catarros
pulmonares, a pneumonia, o enfisema, a asma, a paralisia, a surdi-mudez, a
alienação mental, o idiotismo, a histeria, a epilepsia, o reumatismo articular agudo,
as hérnias, a sífilis e a tendência às hemorragias (372). A esse respeito numa
espécie de antevisão da hemofilia, chama-lhe a atenção um caso de Hoffman,
Roche e Sanson que ele cita como curioso: “Uma mulher estabelecida na América
transmitiu a todos os seus filhos uma tal disposição às hemorragias, que não só
pequenos ferimentos davam lugar a grandes perdas sanguíneas, mas também
nunca cicatrizavam definitivamente em alguns membros desta família” (373).
Conhecia a alternância, como a entendemos hoje (“O estado fisiológico ou
patológico dos pais pode se transmitir aos filhos; às vezes salta uma geração...”)
(374) e estava a par dos fenômenos de hereditariedade por linha paterna ou por
linha materna (“Tanto o pai como a mãe transmitem uma predisposição mórbida. A
respeito da parte de cada um toma nesta transmissão, não há nada ainda de positivo
na ciência...”) (375) Mas onde o clínico insigne se mostra admiravelmente avisado é
na maneira como compreendia a herança não da doença em si mas de suas
possibilidades através do terreno condicionado especialmente: “A transmissibilidade,
por via de geração, das moléstias diatésicas, é hoje universalmente admitida na
ciência. Assim me exprimindo, não quero dizer que são as moléstias que se
transmitem; já mais acima claramente dei a entender que... sou de opinião que
somente a predisposição para tal ou tal moléstia é que constitui a funesta herança
que os pais legam à sua prole. Tanto assim é, que, com os meios higiênicos,
224

convenientemente aplicados, muitas vezes o médico consegue fazer desaparecer


uma predisposição mórbida herdada...” (376). Com essa noção admirável, à sua
época, da medicina preventiva, conclui magistralmente: “Nestes casos, os
antecedentes hereditários e as condições individuais, nos limites do estado
fisiológico, autorizam o emprego da terapêutica preventiva” (377).

NOTAS
(1) T.H: CM1, p.9.
(2) T.H: CM3, p.90.
(3) T.H: CM1, p.359-360.
(4) T.H: CM1, p.263.
(5) T.H: ECM, p.439.
(6) T.H: ECM, p.488.
(7) T.H: ECM, p.490.
(8) T.H: FRJ, p.451.
(9) T.H: CM2, p.596; ECM, p.422, 523.
(10) T.H: ECM, p.778.
(11) T.H: CM2, p.141.
(12) T.H: CM2, p.596.
(13) T.H: FRJ, p.326.
(14) T.H: ECM, p.738.
(15) T.H: ECM, p.21.
(16) T.H: CM1, p.520.
(17) T.H: CM2, p.32.
(18) T.H: CM1, p.324.
(19) T.H: FRJ, p.125.
(20) T.H: ECM, p.490.
(21) T.H: CM1, p.405.
(22) T.H: FRJ, p.174.
(23) T.H: CM1, p.152. (o grifo é nosso)
(24) T.H: CM2, p.346 e 358. (os grifos são nossos)
(25) T.H: CM2, p. 572. (o grifo é nosso).
(26) T.H: CM1, p.122.
(27) T.H: CM3, p.315.
(28) T.H: ECM, p.352, 383.
(29) T.H: FRJ, p.441; CM1, p.35, 384; CM2, p.463; CM3, p.257, 311.
(30) T.H: CM1, p.347.
(31) T.H: CM1, p.59.
(32) T.H: CM2, p.357.
(33) T.H: CM1, p.433; CM2, p.570; CM3, p.5, 38.
(34) T.H: CM2, p.571.
(35) T.H: CM1, p.152.
(36) T.H: CM3, p.109.
(37) T.H: CM3, p.283.
(38) T.H: CM2, p.103.
(39) T.H: CM1, p.610.
(40) T.H: CM3, p.77.
(41) T.H: CM1, p.273.
(42) T.H: ECM, p.590.
(43) T.H: CM1, p.359.
(44) T.H: CM1, p.397.
(45) T.H: CM1, p.513.
(46) T.H: CM2, p.206.
(47) T.H: CM3, p.90.
(48) T.H: CM1, p.37; CM2, p.501.
225

(49) T.H: FRJ, p.351; CM1, p.49, 199, 277, 530, 591-592; CM2, p.91, 236, 252, 290, 326, 446, 514,
546, 567.
(50) T.H: ECM, p.357, 555; CM1, p.536; CM2, p.336; CM3, p.101.
(51) T.H: ECM, p.183, 430, 568; CM1, p.17 e 278; CM2, p.274.
(52) T.H: ECM, p.45.
(53) T.H: ECM, p.352, 357, 365, 373, 394, 398, 404, 408, 415, 418, 428, 457, 460, 465, 468, 477,
480-481, 487, 515, 520, 523, 527, 529, 531, 540, 543, 554, 562, 567, 569, 571, 575-576, 584, 605,
610, 622, 636, 641; FRJ, p.40, 66, 68, 77, 88, 99, 108, 121, 158, 159, 160, 165, 176, 196, 203, 211,
214, 218, 238, 243, 246, 248, 250, 276, 281, 283, 284, 290, 294, 298-299, 301-302, 304-307, 311,
312, 314, 322, 326, 330, 332, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 344, 346, 348, 350, 352, 406, 407, 410,
411, 417, 420, 421, 423, 424, 428, 429, 442, 443, 444, 457, 459, 473, 476, 479, 482, 483, 485, 506,
522, 523, 530, 533, 536, 541, 543; CM1, p.29, 35, 39, 41, 49, 53, 55, 59, 59, 60,, 66, 77, 79, 93, 94,
96, 101, 104, 110, 119, 121, 122, 124, 125,, 126, 127, 130, 132, 133, 134, 135, 141, 142, 151, 162,
168, 180, 189,192, 197, 199, 210, 212, 213, 246, 252, 257, 272, 281, 282, 326, 338,339, 340,344,
346, 348, 349, 350, 365, 372, 376, 383, 388, 390, 395, 400, 403, 405, 412, 416, 417, 429, 431, 433,
434,454, 456, 459, 460, 483, 507, 510, 511, 512, 514, 520, 521, 522, 525, 526, 527, 529, 532, 533,
534,, 535, 537, 539, 549, 550, 551, 559, 560, 563, 565, 567, 571, 576, 578, 588, 598, 608, 625,632,
635; CM2, p.10, 28, 30, 64, 65, 67, 72, 78, 80, 84, 91, 92, 93, 103, 104, 116, 133, 135, 136, 137, 140,
141, 142, 184, 186, 192, 193, 203, 204, 205, 206, 208, 214, 226, 233, 241, 251, 256, 258, 270, 271,
276, 278, 279, 290, 292, 295, 296, 302, 303, 311,, 315, 317, 319, 321, 323, 324, 325, 330, 332, 345,
366, 368, 379, 388,, 393, 395, 405, 408, 409, 410, 416, 420, 421, 425, 427, 433, 438, 454, 455, 463,
465, 492, 509, 512, 513, 515, 517, 519, 520, 521, 522, 523, 524,525, 531, 532, 537, 541, 545, 575,
587, 591, 602, 608, 615, 620, 622, 624, 625, 634, 635, 647, 652, 658, 959, 66, 661, 668, 669, 973,
974, 691, 692; CM3, p.1, 14, 18, 22, 26, 31, 38, 47, 53, 54, 55, 59, 71, 76, 78, 85, 106, 110, 111, 115,
127, 134, 145, 156, 159, 175, 178, 232, 246, 249, 252, 255, 257, 256, 258, 260, 261, 271, 309 e 339.
(54) T.H: ECM, p.679; Anuário obs, p. 7.
(55) T.H: ECM, p.79 e 80.
(56) T.H: ECM, p.47.
(57) T.H: ECM, p.52.
(58) T.H: ECM, p.47. (o grifo é nosso)
(59) T.H: ECM, p.55.
(60) T.H: CM1, p.152; ECM, p.79
(61) T.H: ECM, p.50.
(62) T.H: ECM, p.60.
(63) T.H: ECM, p.47.
(64) T.H: ECM, p.46.
(65) T.H: ECM, p.21.
(66) T.H: ECM, p.22.
(67) T.H: ECM, p.21.
(68) T.H: ECM, p.20 e 21.
(69) T.H: ECM, p.50.
(70) T.H: CM2, p.179 e 180.
(71) T.H: ECM, p.50 e 51.
(72) T.H: ECM, p.20.
(73) T.H: ECM, p.20.
(74) T.H: ECM, p.51.
(75) T.H: ECM, p.22.
(76) Depoimento do Dr. Cândido Martins ao Autor
(77) T.H: ECM, p.48.
(78) T.H: ECM, p.48.
(79) T.H: ECM, p.48 e 49.
(80) T.H: ECM, p.51.
(81) T.H: ECM, p.51.
(82) T.H: ECM, p.51.
(83) T.H: ECM, p.56.
(84) T.H: ECM, p.55 e 56
(85) T.H: ECM, p.56.
(86) T.H: ECM, p.56
(87) T.H: ECM, p.56 e 57.
(88) T.H: CM2, p.260
226

(89) Referido por Francisco de Castro e Aloysio de Castro e pos este em depoimento ao Autor.
(90) T.H: ECM, p.23
(91) T.H: ECM, p.49 e 50
(92) T.H: ECM, p.53.
(93) T.H: ECM, p.53.
(94) T.H: ECM, p.53
(95) T.H: ECM; p.53.
(96) T.H: ECM, p.53.
(97) Luiz Costa: Do Diagnóstico em geral- tese de doutoramento, Faculdade de medicina do Rio de
Janeiro, 1871, p. 134 e 135.
(98) Antonio Francisco dos Santos Bastos: Do Diagnóstico em geral – tese de doutoramento,
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1873, p. 16.
(99) A F. Chomel: “Eléments de pathologie générale” J.B. Ticher, Bruxelas, 1841, p. 143 e 144
(100) Georges Dieulafoy: art. Douleaur in Nouveau dictionaire de médecine et de chirurgie
pratiques. J. B. Baillière et Fils, Paris, 1869, Tomo XI, p. 678.
(101) T.H: FRJ, p.154.
(102) T.H: CM2, p.329.
(103) T.H: CM2, p.311.
(104) T.H: CM2, p.222.
(105) T.H: CM3, p.50.
(106) T.H: ECM, p.731.
(107) T.H: CM3, p.187.
(108) T.H: FRJ, p.160.
(109) T.H: CM3, p.285.
(110) T.H: CM2, p.331.
(111) T.H: FRJ, p.282.
(112) T.H: CM3, p.128.
(113) T.H: ECM, p.337, 338 e 339.
(114) T.H: ECM, p.332.
(115) T.H: ECM, p.332 e 335.
(116) Georges Dieulafoy: op.cit. Nº 100, p. 683.
(117) T.H: ECM, p.339.
(118) T.H: ECM, p.708.
(119) T.H: CM2, p.254.
(120) T.H: FRJ, p.348.
(121) T.H: FRJ, p.348.
(122) T.H: CM3, p.311.
(123) T.H: FRJ, p.284.
(124) T.H: ECM, p.731.
(125) T.H: FRJ, p.204.
(126) T.H: CM2, p.320.
(127) T.H: CM2, p.213.
(128) T.H: FRJ, p.160.
(129) T.H: CM1, p.165.
(130) T.H: CM3, p.192.
(131) T.H: CM3, p.285.
(132) T.H: CM2, p.423.
(133) T.H: ECM, p.679.
(134) T.H: ECM, p.778.
(135) T.H: FRJ, p.410.
(136) T.H: CM2, p.320.
(137) T.H: CM3, p.50.
(138) T.H: CM2, p.213.
(139) T.H: CM2, p.289.
(140) T.H: ECM, p.743.
(141) T.H: FRJ, p.350.
(142) T.H: ECM, p.723.
(143) T.H: FRJ, p.139.
(144) T.H: CM1, p.369.
(145) T.H: FRJ, p.287.
227

(146) T.H: CM2, p.326 e 327.


(147) A.F. Chomel: op. cit. nº99, p. 145.
(148) T.H: CM2, p.320.
(149) T.H: CM2, p.270.
(150) A.F.Chomel: op.cit nº 99, p. 145.
(151) T.H: FRJ, p.140 e 141.
(152) T.H: FRJ, p.348 e 349.
(153) Chomel, A.F. op. cit. nº99, p. 145.
(154) T.H: FRJ, p.348.
(155) T.H: FRJ, p.161.
(156) T.H: FRJ, p.410.
(157) T.H: CM1, p.370 e 371.
(158) T.H: CM1, p.370.
(159) T.H: ECM, p.707.
(160) T.H: CM1, p.369.
(161) T.H: CM2, p.271 e 272.
(162) Valleix, F.L. : Traté des névragies, J. -B. Baillière, Paris, 1841, p. 348.
(163) T.H: CM1, p.558.
(164) T.H: CM1, p.370 e 558.
(165) T.H: CM2, p.2213.
(166) T.H: CM2, p.271, 272, 326 e 327.
(167) T.H: CM3, p.19 e 50.
(168) T.H: FRJ, p.132.
(169) T.H: FRJ, p.409, 410 e 482.
(170) T.H: FRJ, p.346.
(171) T.H: ECM, p.331 e 333.
(172) T.H: ECM, p.341 e 344.
(173) T.H: ECM, p.343 e 344.
(174) T.H: ECM, p.334.
(175) T.H: ECM, p.61.
(176) T.H: ECM, p.62.
(177) T.H: CM1, p.326.
(178) T.H: CM1, p.473.
(179) T.H: FRJ, p.99, 155, 211, 283, 284, 315, 479, 541; A.Obs pgs 7, 15, 25, 33, 43, 53, 76, 90, 111,
133, 161, 171, 192, 225, 262, 266, 281, 292 301; ECM, p.679, 690, 697, 701, 711, 722, 730, 752, 782,
795, 814.
(180) T.H: FRJ, p.170.
(181) T.H: FRJ, p.196.
(182) T.H: FRJ, p.317.
(183) T.H: CM2, p.260.
(184) T.H: An obs: p.201.
(185) T.H: An Obs: p.192.
(186) T.H: FRJ, p.125; CM2, p.572; ECM, p.738.
(187) T.H: FRJ, p.541; An. Obs. P.210 e 262; ECM, p.777.
(188) T.H: FRJ, p.214.
(189) T.H: FRJ, p.338.
(190) T.H: FRJ, p.476.
(191) T.H: An.Obs, p.61; ECM, p.777.
(192) T.H: CM!, p.329.
(193) T.H.: An.Obs, p.288.
(194) T.H: An.Obs, p.318.
(195) T.H: CM2, p.346 e 347.
(196) T.H: CM1, p.550.
(197) T.H: CM1, p.326. (o grifo é nosso).
(198) T.H: CM1, p.328.
(199) T.H: CM1, p.328 e 329.
(200) T.H: CM1, p.329.
(201) T.H: CM1, p.432.
(202) T.H: FRJ, p.131.
(203) T.H: CM2, p.7 e 8.
228

(204) T.H: CM2, p.32.


(205) T.H: ECM, p.318.
(206) T.H: FRJ, p.311.
(207) T.H: CM1, p.512.
(208) T.H: CM2, p.483.
(209) T.H: CM1, p.624.
(210) T.H: FRJ, p.165 e 305.
(211) T.H: CM2, p.124, 217, 246, 388, 398 e 504.
(212) T.H: CM2, p.140, 271, 321, 524, 532, 538, 583, 624 e 625.
(213) T.H: CM3, p.190 e 276.
(214) Hipocrátes: Livro I das Epidemias, caso 10 da descrição dos 14 doentes; Livro III das
Epidemias, caso 2 e caso 7 da descrição dos 16 doentes in: LITTRE, M.P.E.: Ouvres completes
d'Hippocrate, J.B.Baillière, Paris, 1839 a 1861, Vol. II, p. 707 e Vol. III, p. 111 e 123.
(215) T.H: Anuário 1868, p.7, 43 e 237.
(216) T.H: ECM, p.318 e 777.
(217) T.H: FRJ, p.246, 253, 290, 298, 322 e 330.
(218) T.H: Anuário 1868, p.102, 147 e 541.
(219) T.H: ECM, p.680 e 730.
(220) T.H: FRJ, p.281, 287, 307, 315 e 541.
(221) T.H: Anuário 1868, p.83, 90, 792 e 262.
(222) T.H: ECM, p.722.
(223) T.H: FRJ, p.203, 292, 332, 348, 350 e 543.
(224) T.H: CM1, p.124 e 538.
(225) Hipocrates: Lec.cit.nº 214, Vol II, p. 13.
(226) T. H: FRJ, p.VI do Prefácio.
(227) T.H: Anuário1868, encarte depois da p. 331.
(228) T.H: FRJ, p.49.
(229) T.H: FRJ, p.50.
(230) T.H: FRJ, p.164.
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(253) T. H: FRJ, p.73, 74 e 294; CM1, p.353 e 524; CM2, p.538.
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(262) T. H: Aclimamento, p.21.
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(263) José Francisco Xavier Sigaud: Du Climat et des Maladies du Brésil, Fortin, Masson et Cia.,
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(264) T. H: Aclimamento, p.28.
(265) Miguel Couto: Da Polisteatose visceral curável In Liçoes de Clínica Médica, 1º volume, 12
edição, Jacinto Ribeiro dos Santos, Rio, 1916, p. 88 a 101.
(266) T.H: Polisteatose visceral. In Gazeta Médica Brasileira. tomo I, Ano I, 1882, p. 327 (1ª parte) e
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(267) T. H: Anuário 1868, p.15.
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(269) T. H: FRJ, p.154, 243, 473 e 485.
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(279) T. H: CM2, p.38, 410 e 532.
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(286) T. H: FRJ, p. 2ºed., p.231; CM2, p.244, 345, 542 e 570.
(287) T. H: Liç 2º, pgs. 8, 178, e 181.
(288) T. H.: ECM, p.722; CM2, p.311, 366, 545 e 616; CM3, p.356.
(289) T. H: CM2, p.461.
(290) T. H: CM3, p.214.
(291) T. H: ECM, p.806; CM1, p.353 e 354.
(292) T.H: CM1, p.249, 272 e 273; CM3, p.12.
(293) T.H: CM3, p.205 e 206.
(294) T.H: CM3, p.232.
(295) T.H: CM1, p.258.
(296) T.H: CM2, p.68.
(297) T.H: ECM, p.806; CM1, p.258; CM2, p.244; CM3, p.18, 23, 205, 206, 215 e 252.
(298) T.H: ECM, p.806; CM1, p.258; CM3, p.23 e 302.
(299) T.H: CM2, p.260.
(300) T.H: CM2, p.260.
(301) T.H: ECM, p.806; CM1, p.258; CM3, p.18, 23, 205, 206, 214 e 215.
(302) T.H: CM2, p.260; CM3, p.215 e 302.
(303) T.H: CM2, p.258; CM2, p.260 e 368; CM3, p.23 e 215.
(304) T.H: CM3, p.215.
(305) T.H: CM3, p.302.
(306) T.H: CM2, p.260.
(307) T.H: CM1, p.258; CM3, p.18, 207 e 214.
(308) T.H: CM2, p.458 e 459.
(309) T.H: LMSN, p.4; CM2, p.84.
(310) T.H: ECM, p.762; FRJ, p.231; CM3, p.31, 207, 214 e 215.
(312) T.H: CM1, p.212, 353 e 354.
(313) T.H: ECM, p.762.
(314) T.H: ECM, p.351, 368, 377 e 803; CM3, p.2050.
(315) T.H: CM2, p.520 e 529; CM3, p.101.
230

(316) T.H: CM2, p.480.


(317) T.H: CM2, p.180, 181, 198 e 200.
(318) T.H: ECM, p.525.
(319) T.H: CM1, p.346.
(320) T.H: CM1, p.469.
(321) T.H: CM1, p.345 e 469.
(322) T.H: CM1, p.373.
(323) T.H: ECM, p.381 e 382.
(324) T.H: CM2, p.571.
(325) T.H: CM1, p.133, 231, 232 e 373.
(326) T.H: CM2, p.8, 178 e 327.
(327) T.H: CM2, p.231; CM3, p.183 e seguintes.
(328) Heredia de Sá, Miguel Antônio: Algumas reflexões sobre a cópula, onanismo e prostituição
do Rio de Janeiro- tese, Laemmert, Rio, 1845, p. 31.
(329) Mauriac, Charles: Onanisme. In Nouveau Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie
Pratique J. B. Bailliére et Fils, Paris, 1877, tomo XXIV, p. 494 e seguintes.
(330) Mauriac, Charles. Idem n° 329, p. 497.
(331) Langard, Theodoro J.H.: Poluções. In: Dicionário de Medicina Doméstica e Popular.
Laemmert Rio, 1873, p. 337; Heredia de Sá, Miguel Antônio. op. cit., nº 328, p. 16 e 17; Tissot,
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(332) Diderot, Eidous & Toussant: Dictionnaire Universel de Médecine, traduit d l'anglais de
James. art. Mastupratio, Briasson, David, Durand, Paris, 1747, Tomo IV, p. 1186.
(333) Reveille-Parise, apud Chernoviz, Pedro Luiz Napoleão: art. Onanisme. In: Dicionário de
Medicina Popular, tiragem sem referência a editor e sem data.
(334) Mauriac, Charles: loc. cit. nº 329, p. 494.
(335) Hipocrates: Livro II das Moléstias. In: Littré, M. P. E.: Ouvres completes de Hippocrates. J. B.
Bailliére, Paris, 1839 a 1861, volume VII, p. 79.
(336) Mauriac, Charles: lec. cit, nº 329, p. 497
(337) Teixeira, Antônio Pedro: Dissertação sobre a puberdade em geral. Tese, Laemmert, Rio,
1845.
(338) Herédia de Sá, Miguel Antonio: loc. Cit. nº 328.
(339) T.H. ECM, p.383.
(340) Charles Mauriac: lec.cit. nº329, p. 500 e 501.
(341) Charles Mauriac; lec.cit. Nº329, p. 504, 536 e 537.
(342) Trousseau, A e H. Pidoux: Traité de Therapeutique et de matière medicale – Asselin, Paris,
1877, tomo II, p. 888
(343) Raul Pompéia. O Ateneu, Alves, Rio, 5 ed. Edição definitiva, s/data, p. 97.
(344) Trousseau, A e H. Pedeux; lec. cit. n° 342, p. 888
(345) Mauriac, Charles: lec.cit. N°329, p. 496 e 497
(346) Eloy, N.F.J. Dicctionnaire historique de la médecine ancienne et moderne -H Heyeis, Mons,
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(347) Tissot, Samuel: L'onanisme, essai sur les maladies produites para la masturbation. Garnier
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(348) Miller, Emanuel. Sexual behavior an abnormalities. In: The British encyclopaedia of
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(349) Oswald de Andrade. Um homem sem profissão – Memórias e confissões. José Olympio,
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(350) Miller, Emanuel: lec. cit. Nº 348, p. 167
(351) Miller, Emanuel; lec. cit. N°348, p. 167.
(352) T.H.: CM1, p.329.
(353) T.H: CM1, p.213 e 214.
(354) T.H: LMSN, p.5; ECM, p.806; CM2, p.180
(355) T.H: CM1, p.330.
(356) Pompeia, Raul: lec. cit. Nº343, p. 105
(357) T.H: ECM, p.382 e 383; CM1, p.214, 329 e 330; CM2, p.179 e 180.
(358) T.H: CM2, p.180.
(359) T.H: CM1, p.213 e 214; CM2, p.180.
(360) T.H: ECM, p.382 e 383; CM1, p.329.
(361) Heredia de SÁ, Miguel Antonio: Lec. Cit. Nº 328, p. 32
231

(362) Mettler, Cecilia C. History of medicineI. The Blakiston Company, Filadelfia e Toronto, 1947, p.
645, 650 e 655; E Berlioz, Fernand. Précis du bactériologie médicale. Sasson e Cie. Paris, 1902, p.
363 e 500.
(363) Haggardm, Howard W. Devils. Dougs et doctors. The Pocket book, 1 ed. Harper et Brothers,
New York, 1946, p.263.
(364) T.H: ECM, p.722; CM1, p.51; CM2, p.68 e 368. (os grifos são nossos.)
(365) T.H: CM1, p.433; CM2, p.366 e 616; CM3, p.146 e 256.
(366) T.H: LMSN, p.4; CM2, p.84 e 311; CM3, p.352
(367) T.H: CM1, p.531; CM2, p.545; CM3, p.210.
(368) T.H: CM1, p.546; CM3, p.248.
(369) T.H: ECM, p.712 e 763; CM2, p.368.
(370) T.H: ECM, p.78
(371) T.H: ECM, p.61, 62 e 73
(372) T.H: ECM, p.73, 74 e 76
(373) T.H: ECM, p.74
(374) T.H: ECM, p.76
(375) T.H: ECM, p.77
(376) T.H: ECM, p.74. (o grifo é nosso)
(377) T.H: ECM, p.74
232

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estabelecimento da biografia O Dr. Torres Homem, de Pedro Nava,


fica configurado o fundo arquivístico aberto, enriquecido pela publicação deste
material do acervo do autor depositado no Arquivo Museu de Literatura Brasileia da
Fundação Casa de Rui Barbosa. Resta-nos, entretanto, aguardar a abertura dos 12
cadernos que constituem os “Diários Íntimos” que se encontram, até o momento, em
poder da família e que poderão ter significativa importância para o estudo da obra
deste incomparável autor.
Pedro Nava desejou ver publicada a obra biográfica d‟O Dr. Torres Homem
cujo projeto foi abandonado por motivos que nos fogem à compreensão. Foi possível
observar um padrão de geração de texto que Nava desenvolveu já na escritura da
biografia que culminaria no processo criativo complexo e sofisticado que ele utilizaria
posteriormente nas Memórias. Seu ímpeto arquivista já é claramente evidente ao
analisarmos o caudaloso volume de referências bibliográficas e a intrincada teia de
citações (principalmente da obra do biografado) com que ele constrói a estrutura do
texto. O método de distribuição de questionários a amigos e possíveis detentores de
informações indispensáveis à verossimilhança pretendida, já é desenvolvido e
utilizado pelo futuro autor das Memórias, como podemos ver pelos documentos
anexos ao manuscrito.
O significativo é notarmos que a prosa barroca, densa e incomparável já se
apresenta nascente nesta obra. A descriçao de Bueno (2012, p.5) do estilo naveano
“ao mesmo tempo, opulento, suntuoso, coloquial, erudito, grave, cômico, passional,
libertino, escatológico e sublime” pode ser imediatamente detectado no texto da
biografia de Torres Homem em toda a sua completude. O futuramente aclamado
memorialista da década de 1970 já se encontrava em plena atividade nos anos
1940.
Certamente, o estabelecimento de uma obra inédita de um autor canônico
brasileiro suscita novas possibilidades de estudo e análise sobre sua complexa obra
literária. Como resultado e produto de nossa dissertação pudemos oferecer este
texto estabelecido aos leitores de Nava e aos pesquisadores da obra deste
importante autor.
Gostaríamos, portanto, de pensar que tenhamos contribuído para o melhor
233

conhecimento da impressionante e vasta obra naveana e desejamos que novos


olhares e análises sejam lançados sobre esta biografia agora disponível.
234

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