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Estratégias de regeneração em anfíbios urodelos


Andréia Carvalho dos Santos 1
Daniel Abensur Athanazio 2
Resumo
Na era das células-tronco, é interessante observar que a natureza resolveu o problema da regeneração com estratégias
diferentes da restauração de tecidos por células indiferenciadas. Anfíbios urodelos são únicos, entre vertebrados, que
têm a capacidade de regenerar córnea, retina, mandíbula, membros e secções do coração. A proliferação de células
especializadas, transdiferenciação e desdiferenciação são importantes estratégias da regeneração de tritões e salamandras.
De modo importante, algumas vias sinalizadoras estão conservadas em mamíferos, incluindo os seres humanos, e o
potencial papel do conhecimento sobre a regeneração de urodelos no contexto de mamíferos é discutido nesta revisão.

Palavras-chave: regeneração, urodelos, anfíbios, transdiferenciação, reparo.

INTRODUÇÃO

O reparo de tecidos que sofrem lesão agu- cina regenerativa. Células-tronco são capazes de
da ou crônica é um processo que utiliza duas manter uma população em crescimento e dife-
estratégias gerais: a regeneração e a substitui- renciar-se em tipos celulares diversos. Em ma-
ção. A regeneração ocorre quando a área de le- míferos adultos, essas células podem constituir
são é reposta pela proliferação das células uma “reserva” em tecidos como pele e glându-
parenquimatosas funcionais do tecido original. las intestinais, possibilitando a renovação con-
A substituição ocorre quando as células perdi- tínua e a regeneração após lesão. Em humanos,
das não exibem potencial regenerativo após di- alguns tecidos que não regeneram grandes áre-
ferenciação terminal, ou quando a perda do as de lesão possuem precursores com capacida-
arcabouço estromal impede que toda área de de de formar células funcionais, como recente-
lesão seja reposta por células parenquimatosas. mente foi demonstrado pelo surgimento de
Exemplos de reparo de substituição são os agre- novos neurônios e cardiomiócitos nas bordas de
gados de células gliais (astrócitos) em zonas de áreas de isquemia do tecido cerebral e cardíaco,
morte neuronal e a formação de tecido fibroso respectivamente. 2, 3
(cicatriz fibrosa) como resultado de um amplo A plasticidade de células-tronco embrio-
espectro de doenças agudas e crônicas em di- nárias e hematoipoéticas para diferenciação em
versos tecidos. 1 diversos tipos celulares oferece racional para o
Uma área promissora da pesquisa uso clínico e apresenta resultados promissores.
biomédica é o uso de células-tronco em medi- No entanto, os resultados de curto prazo dessas

1 Acadêmica de Ciências Biológicas. Instituto de Ciências Biológicas. Universidade Católica de Salvador – UCSAL. Salvador - BA
2 Professor Mestre. Departamento de Biointeração – Setor de Patologia Geral. Instituto de Ciências da Saúde. Universidade Federal da Bahia –
UFBA. Salvador - BA

Correspondência para / Correspondence to:


Daniel Abensur Athanazio
Departamento de Biointeração - Instituto de Ciências da Saúde
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Av. Reitor Miguel Calmon, s/nº - Campus do Canela
40.110-100. Salvador- BA -Brasil
Tel: (71) 3235-0937
E-mail: [email protected]

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estratégias não devem desestimular outras abor- ção, visto que uma nova planária pode ser gera-
dagens de regeneração dos tecidos. Regenera- da a partir de fragmentos que representam 0,4
ção a partir de células-tronco representa a resti- % de um organismo adulto. 5 Tais observações,
tuição de tecidos a partir de precursores por séculos, despertam questões sobre quais são,
indiferenciados; entretanto, é interessante no- afinal, as bases da identidade individual, um
tar que a natureza resolveu o problema da rege- tema atual da pesquisa em clonagem de células
neração de grandes secções do plano corporal humanas. Em vertebrados, exemplos excepcio-
com outra estratégia: a desdiferenciação e nais de regeneração (do ponto de vista de um
reprogramação de tecidos especializados. Entre humano) são escassos, embora suficientes para
vertebrados, apenas anfíbios urodelos (axolote, estimular a indagação: se eles podem, por que
tritões e salamandras) compartilham a fascinan- não pudemos? 6 O peixe zebra é capaz de rege-
te capacidade de regenerar membros inteiros, nerar pequenas secções do tecido cardíaco e a
córnea, retina, mandíbula e pequenas secções medula espinhal (FIGURA 1A). Entre anfíbi-
do coração. Na presente revisão, apresentare- os, sapos (ordem Anura) como os do gênero
mos conceitos e mecanismos envolvidos no re- Xenopus sp. são capazes de regenerar completa-
paro de anfíbios urodelos, ressaltando potenci- mente amputações de seus membros em de-
ais implicações para a regeneração em mamífe- senvolvimento, enquanto tal habilidade é per-
ros. dida assim que o órgão está completamente for-
mado 7(FIGURA 1B). Apenas os membros da
ordem Urodela ou Caudata (tritões e
REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO salamandras) apresentam, quando adultos, a
capacidade de regenerar completamente olhos,
Anfíbios urodelos e a regeneração na evo- membros e tecido cardíaco.4 No entanto, essa
lução de metazoários habilidade é variável entre diferentes membros:
É interessante observar que a capacidade a axolote (FIGURA 1C) é capaz de regenerar a
de regenerar grandes secções do plano corporal cauda e os membros, mas não compartilha com
não é uma exceção entre metazoários (animais). tritões (FIGURA 1D) a capacidade de regene-
Dentre os cerca de trinta e cinco filos, apenas rar a córnea.8 Fetos mamíferos são capazes de
seis não têm membros com essa habilidade. Em regenerar a falange distal dos dedos durante o
vários grupos de invertebrados, a habilidade desenvolvimento, mas essa capacidade é perdi-
regenerativa está associada à reprodução da ainda dentro da vida intra-uterina. 9, 10
assexuada. Mesmo entre grupos que comparti-
lham grande potencial regenerativo, é impor- As estratégias regenerativas de anfíbios
tante notar que há grande variação nessa capa- urodelos
cidade, mesmo entre espécies filogeneticamente Três modelos experimentais são frequen-
próximas. Isso sugere que a habilidade temente aplicados no estudo da capacidade
regenerativa não é uma aquisição evolutiva que regenerativa de urodelos: a regeneração do teci-
surge em múltiplos momentos da evolução ani- do cardíaco, da córnea e de membros amputa-
mal. A regeneração, portanto, provavelmente é dos.
uma habilidade primordial de metazoários, que Após uma secção apical do ventrículo
foi reprimida em alguns contextos. 4 cardíaco de um tritão, um coágulo é formado, e
A capacidade regenerativa de a contração muscular em torno dele fecha a área
invertebrados pode ser surpreendente. As lesionada. Cardiomiócitos proliferam na borda
planárias, platelmintos de vida livre, com siste- do coágulo, onde até 10% de todas as células
ma nervoso central rudimentar, são capazes de especializadas reentram no ciclo celular.11 Em
gerar dois organismos completos e independen- contraste, a síntese de DNA numa pequena
tes após uma secção transversal que as separa parcela de cardiomiócitos pode ser documenta-
em segmentos cranial e caudal. Nesse caso, a da em modelos experimentais de lesão cardíaca
regeneração é inclusive um modo de reprodu- em mamíferos, mas não está claro se essas célu-

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Figura 1- Exemplos de vertebrados com potencial de


regenerativo excepcional em comparação
com mamíferos.
Notas: - A- Peixe zebra (Brachydanio rerio); B- Sapo do gênero
Xenopus sp; C- Axolote (Ambyostoma mexicanum); D- Tritão
americano ou salamandra de pinta vermelha (Notophthalmus
viridescens)
- Imagens autorizadas para reprodução disponíveis em < http:/
/en.wikipedia.org > (Imagens A-D); a imagem B é uma cortesia
do U.S. Geological Survey (http://www.usgs.gov).

las sobrevivem e restauram uma população fun-


cional. 12 Na borda de infartos agudos de
miocárdios humanos, uma população restrita
de células indiferenciadas (40.000 por mm3)
pode ser identificada, em que até 28% estão no
ciclo celular.3 Em termos práticos, os tritões
refazem a área seccionada com tecido muscular
contráctil, enquanto o coração humano é subs-
tituído por uma cicatriz fibrosa. É impressio-
nante a observação de que cardiomiócitos de
urodelos, quando dissociados e colocados em
cultura, permanecem contraindo e, sob estímu-
lo, são capazes de proliferar e retornar à contra-
ção logo após o fim da divisão celular. Esse,
portanto, é um exemplo de regeneração por pro-
liferação de células que preservam sua diferen-
ciação original (FIGURA 2A). Alguns exemplos
de processos semelhantes ocorrem em mamífe-
ros: hepatócitos são capazes de proliferar sem
perda de diferenciação; e células de Schwann Figura 2 - Desenho esquemático das três estratégias prin-
podem proliferar durante a regeneração de um cipais de regeneração em anfíbios urodelos.
axônio. No entanto, esse processo passa pela Nota: A- Proliferação de células que mantêm sua diferenciação
original; cardiomiócitos proliferam e seguem em contração, logo
perda de expressão de marcadores de diferenci- após a divisão celular, após uma secção apical do coração; B –
ação como mielina. Como será discutido adi- Transdiferenciação: células da margem dorsal da íris perdem
ante, a regeneração de células da bainha nervo- grânulos de pigmento e diferenciam-se em células da córnea;C-
Desdiferenciação e reprogramação: diversos tecidos conjuntivos
sa é o exemplo mais próximo do processo de e músculo estriado dão origem a um Blastema, que é capaz de
desdiferenciação, uma outra estratégia refazer todos os tecidos de um membro amputado.

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participação de células-tronco nesse processo,


no modelo murino.13 Dessa forma, apesar de o
uso de células-tronco representar um promis-
sor campo de investigação em diversas doenças
humanas, incluindo a diabete, é importante
notar que a via natural de restauração de teci-
dos envolve outros mecanismos, mesmo em
mamíferos.
Após a remoção da córnea de um tritão,
células pigmentadas da margem dorsal da íris
proliferam e perdem os grânulos pigmentados,
proliferam e assumem a diferenciação de célu-
las da córnea.14 Esse é um exemplo clássico do
conceito de transdiferenciação: a transformação
de uma célula diferenciada numa célula com
outra diferenciação terminal (FIGURA 2B). É
interessante notar que essa capacidade de
transdiferenciação in vitro é compartilhada por
um amplo espectro de espécies de vertebrados
estudados, incluindo o homem, mas apenas al-
guns peixes e urodelos são capazes de reprodu-
zir esse processo in vivo.15 Novamente, mamí-
feros apresentam situações semelhantes, tais
como a conversão de células pancreáticas
exócrinas em hepatócitos, na deficiência de co-
bre, embora exemplos de transdiferenciação es-
tejam aparentemente restritos ao desenvolvi-
mento e condições patológicas no adulto.16
O exemplo mais impressionante, no en-
Figura 3 - Resumo dos eventos celulares envolvidos na tanto, é a regeneração de um membro amputa-
fase inicial da regeneração de membros das do. Nesse caso, a ferida é rapidamente
salamandras.
reepitelizada, e os tecidos abaixo da área de
Notas: - A - O membro não amputado apresenta a organização
habitual de epitélio (e), derme (d), amputação perdem a sua diferenciação original
músculo (m) e osso (b); a coloração marrom marca a incorpo- reentrando no ciclo celular. Músculo estriado,
ração de 5-Bromo-2’-Deoxiuridina
(BrdU) e demonstra que apenas células na epiderme estão em
osso, cartilagem, bainha nervosa, tecido fibroso
divisão celular, mantendo renovação do epitélio; B - A superfície e outros tecidos conjuntivos são convertidos num
distal da amputação, após 7 dias, exibe uma camada reepitelizada, blastema regenerativo.17 O termo blastema re-
constituída por uma camada espessa de células epiteliais deno-
minada capa epitelial apical (aec); células em síntese de DNA fere-se a uma massa de células indiferenciadas,
podem ser observadas no estroma abaixo da epiderme; C - Após com capacidade de diferenciar-se num órgão.
21 dias, o osso subjacente é progressivamente substituído pelo Nesse caso, urodelos apresentam a estratégia de
blastema (bl), que apresenta numerosas células em divisão.
- Imagem com reprodução autorizada e disponível em: desdiferenciação, desconhecida como mecanis-
<http://biology.plosjournals.org/archive/1545-7885/2/8/ mo de reparo em mamíferos, excetuando-se as
pdf/10.1371_journal.pbio.0020232-L.pdf > 17 .
células de Schwann (FIGURA 2C). Os eventos
celulares da fase inicial da regeneração de mem-
bros da salamandra estão ilustrados na Figura
regenerativa de urodelos.4 De modo semelhan- 3. Convém ressaltar que neoplasias malignas são
te, um relato recente demonstra que as células freqüentemente reconhecidas como tecidos
b pancreáticas são renovadas e regeneram a par- “desdiferenciados”, mas essa é uma visão equi-
tir de células diferenciadas pré-existentes, sem vocada, visto que neoplasias derivam de célu-

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las-tronco (células indiferenciadas) dos tecidos cam domínios protéicos com ação de fatores
e não de células já diferenciadas. transcricionais que interferem na morfogênese
de animais, plantas e fungos. O gene homeobox
Regeneração muscular – algumas etapas Msx-1 é um repressor da diferenciação muscu-
da via de regeneração estão conservadas em ma- lar que aumenta sua expressão durante o pro-
míferos cesso de celularização de miotubos de urodelos
Duas estruturas musculares esqueléticas in vitro. Além disso, estudos em miofibras de
de urodelos são usadas na pesquisa de habilida- larvas de salamandra demonstram o aumento
de regenerativa: miotubos e miofibras. da expressão do gene durante a celularização,
Miotubos são estruturas multinucleadas que enquanto a administração de seqüências inibi-
derivam da fusão de mioblastos e apresentam tórias de RNA antisense mantém a diferencia-
alguns marcadores de diferenciação muscular, ção muscular. 21 Miotubos murinos in vitro, sob
enquanto miofibra (ou fibra muscular especi- expressão induzida do gene Msx-1, sofrem
alizada) representa uma longa fibra muscular celularização, perdem marcadores de diferenci-
com diferenciação terminal. A diferenciação de ação muscular, proliferam e são capazes de dife-
miotubos está relacionada à formação de renciar-se em linhagens miogênica, osteogênica,
sincícios multicelulares e à saída do ciclo celu- condrogênica e adipogênica sob estímulo apro-
lar. A implantação de miotubos marcados no priado.22 Fetos de camundongos são capazes de
blastema regenerativo demonstra que muitos regenerar a falange distal de um dedo amputa-
deles dividem-se em células mononucleares, do, mas essa habilidade é perdida em animais
num processo denominado celularização.18 Além deficientes para o gene Msx-1. Tal defeito foi
disso, núcleos de miotubos entram na fase S creditado à perda da via da proteína
(de duplicação do material genético).19 Dessa morfogenética óssea BMP4 (bone morphogenetic
forma, tanto a multinucleação quando a estabi- protein 4), visto que a administração exógena
lidade da fase G0 (fora do ciclo celular), dois desse fator recupera habilidade regenerativa de
aspectos fundamentais da diferenciação animais sem o gene Msx-1.23
miogênica, são revertidos pelo microambiente Uma interessante observação baseia-se
do blastema regenerativo. nos experimentos com heterocárions, miotubos
Apenas miotubos de urodelos são capa- híbridos que contêm núcleos derivados de
zes de entrar na fase S in vitro após estímulos tritões e camundongos. Estímulos para prolife-
como soro. Entre mamíferos, somente miotubos ração de miotubos de urodelos resultam tam-
de camundongos deficientes para as duas cópi- bém na entrada na fase S dos núcleos murinos.
as do gene do retinoblastoma (Rb) são capazes Uma explicação para o achado é que mamíferos
de migrar da fase G1 para S, após estimulação perderam a capacidade de reconhecer a sinali-
com soro. A proteína Rb tem função crucial zação extracelular envolvida na regeneração
como um regulador negativo do ciclo celular e muscular; entretanto, as vias intracelulares que
promove expressão de genes sob controle do fa- desencadeiam esse processo estão conservadas.
tor de transcrição MEF-2 (myocyte enhancer factor No entanto, a determinação “daquilo que falta”
2), induzindo diferenciação muscular.20 É sa- não é clara, visto que extratos protéicos de
bido que o gene Rb é fundamental no controle blastemas regenerativos de tritão são capazes de
do crescimento e da diferenciação celular de induzir celularização de miotubos murinos em
diversos tecidos de mamíferos, e também cres- cultura, um achado que sugere que alguma si-
ce o interesse de sua via no processo de nalização extracelular está preservada em ma-
reprogramação de células em regeneração de míferos. 24
urodelos (FIGURA 4A). Algumas estratégias farmacológicas para
Outro grupo de genes importantes para desdiferenciação foram aplicadas no modelo de
regeneração de urodelos são os genes homeobox, miotubos murinos. Uma triagem numa biblio-
que compartilham seqüências homeobox de cerca teca química de derivados da purina identifi-
de 180 pares de bases. Essas seqüências codifi- cou a mioseverina como agente capaz de indu-

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Figura 5 - Um gradiente decrescente proximal-distal de


ácido retinóico é importante no desenvolvi-
mento de vertebrados, e implicado também
na memória de posição da regeneração de
urodelos.
Nota: A - Uma concentração maior de ácido retinóico é mantida
na extremidade distal pela distribuição de enzimas que o sinte-
tiza (no pólo proximal) e degrada (no pólo distal);B - Prod-1 é
uma proteína de superfície, induzida por ácido retinóico, que,
em condições Normais, é expressa no blastema proximal; a
expressão forçada de Prod-1, na extremidadedistal do blastema
regenerativo, resulta em: C - defeitos como proximalização, ou
duplicaçãode estruturas proximais; ou D - migração das células
que expressam Prod-1 para localizações proximais.

Figura 4 - Vias de sinalização intra e extracelular são


conservadas na regeneração de urodelos
emamíferos. polimerização de microtúbulos, também é ca-
Nota: A - O produto do gene do retinoblastoma (proteína Rb),
na forma hipofosforilada, seqüestra fatores de transcrição (como
paz de induzir celularização e síntese de DNA
o E2F), que promovem expressão de genes importantes para a nos miotubos murinos em cultura. No entan-
progressão do ciclo celular para fase S; na forma hiperfosforilada, to, os miotubos submetidos a esses tratamen-
o proteína Rb é inativa e a progressão do ciclo é liberada; B - A
cascata da coagulação do sangue pode ser ativada por elementos tos apenas separam-se em estruturas
da matriz extracelular (como o colágeno) ou por fator tecidual mononucleares, enquanto retêm os marcadores
expresso no endotélio ativado; as duas vias convergem para ati- de diferenciação muscular e mantêm-se para-
vação da trombina que induz a formação da rede de fibrina além
de induzir uma série de respostas de células envolvidas na infla- dos na fase G2 do ciclo celular.26 Um recente
mação e no reparo. avanço nesse campo foi a identificação de outro
derivado de purina, a reversina, capaz de indu-
zir celularização, crescimento e reprogramação
zir celularização. Numa abordagem de inicial para linhagens osteogênicas e adipogênicas, sob
de 6000 genes, a expressão de 93 genes foi o estímulo apropriado in vitro. O desafio atual
induzida por mioseverina, incluindo fatores de é compreender todos os mecanismos de ação e
crescimento, enzimas remodeladoras de matriz em até que grau uma molécula será capaz de
extracelular e mediadores da resposta tecidual à induzir a reprogramação de tecidos inteiros in
agresssão.25 Uma investigação subseqüente iden- vivo.27
tificou outra pequena molécula, triazina 2, com
o mesmo efeito. Ambas compartilham o efeito Interações com o sistema de coagulação
de despolimerizar microtúbulos, e a Fatores de crescimento típicos de verte-
nocodazolona, um inibidor conhecido da brados, como o derivado de plaquetas (PDGF)

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e o epidérmico (EGF), são capazes de estimular de diferenciação. 28 Uma quantidade relativa-


o blastema regenerativo, mas não miotubos de mente pequena de células de um blastema
urodelos. Por outro lado, a atividade da indiferenciado (10.000) já guarda toda infor-
trombina estimula celularização de miotubos mação necessária para formar estruturas ampu-
de urodelos em cultura, enquanto células mus- tadas, mesmo quando implantadas em sítios
culares de mamíferos não respondem.4 Tritões ectópicos.6 Dessa forma, está claro que esses
respondem à retirada da córnea com ativação anfíbios mantêm um sistema de memória de
local da trombina, enquanto essa resposta está posição do membro maduro.28
ausente no axolote, um urodelo incapaz de re- O ácido retinóico (AR) está implicado
generar a córnea. Além disso, a inativação in na memória de posição e, quando membros re-
vivo da trombina inibe o processo de regenera- generam num ambiente de excesso de AR, o
ção da córnea. A produção local e regulada de tecido em diferenciação tende a exibir caracte-
trombina, como efeito da ativação do sistema rísticas proximais, ou mesmo induzir duplica-
de coagulação, oferece um estímulo ção de estruturas, ao invés de apenas regenerar
compartimentalizado para regeneração de teci- a parte distal à amputação. Um gradiente de
dos15 (FIGURA 4B). É interessante notar que, AR decrescente do tronco para as extremidades
também em mamíferos, fatores derivados de distais é postulado como mecanismo de me-
plaquetas e da cascata de coagulação estimulam mória de posição. Durante o desenvolvimento,
o crescimento de células envolvidas no reparo, apenas o mesoderma lateral (tronco) produz AR,
tais como fibroblastos, células endoteliais e cé- enquanto os brotos dos membros não sinteti-
lulas parenquimatosas. 1 Os mecanismos zam e, além disso, as extremidades distais ex-
moleculares envolvidos nessa sinalização e os pressam enzimas que degradam AR (FIGURA
fatores derivados da atividade da trombina res- 5A). 29, 30
ponsáveis pelo estímulo de reprogramação ain- Entre os genes induzidos por AR, um
da não foram elucidados. codifica uma proteína de superfície denomina-
Regeneração de membros e memória de da Prod-1, ortólogo do CD59 de mamíferos,
posição que está ancorada à membrana por glicosil-
Entre as questões intrigantes que cercam fosfatil-inositol.31 Os genes homeobox Meis são
a regeneração de membros de urodelos, um também expressos sob o estímulo do AR. Tanto
ponto fundamental diz respeito a como é pos- a proteína de membrana Prod-1 quanto os fa-
sível interpretar a posição tridimensional dos tores de transcrição Meis–1 e Meis–2 são ex-
tecidos para refazer um membro completo. A pressos em abundância no blastema proximal e
regeneração de um membro de um urodelo geram um gradiente decrescente de expressão
adulto difere do que ocorre durante o desenvol- até a extremidade distal (FIGURA 5B). A ex-
vimento, pois não é necessária a recriação de pressão forçada de Prod-1 ou Meis na extremi-
todas as posições. Um membro pode ser rege- dade distal resulta em proximalização do
nerado a partir de uma área pré-existente, a blastema ou relocação/migração das células para
qualquer nível de amputação, e só a área distal posições de localização mais proximais (FIGU-
amputada é refeita. Se o blastema em regenera- RA 5C; FIGURA 5D).32, 33
ção for removido e implantado na câmara ante-
rior do olho, ou numa barbatana, o resultado A memória de posição não é um aspecto
será a formação de um membro ectópico, com importante apenas da regeneração de membros.
forma e tamanho exato da área distal que foi Células da íris transplantadas num blastema
amputada, o que é descrito como autonomia do regenerativo de um membro amputado formam
blastema. Isso significa que, em contraste com uma nova córnea. 34 Tais observações são im-
o princípio geral da morfogênese, o blastema portantes, visto que, mesmo quando a terapia
não depende de um gradiente de sinais e da com células-tronco é bem sucedida no sentido
distribuição espacial de estruturas vizinhas que de induzir o enxerto de células na área de lesão
determinam limiares de estimulação para vias cardíaca, problemas com distúrbios do ritmo

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sugerem que o circuito eletrofisiológico origi- los tróficos de nervos periféricos determinam à
nal não é restaurado, e a contração das novas decisão inicial pela regeneração, enquanto que,
células pode ser independente e não coordena- numa etapa posterior, a epiderme do membro
da com o restante do tecido cardíaco. 35, 36 Ou amputado assume a função de expressar fatores
seja, o mecanismo de regeneração natural de tróficos (FGF-2) e fatores de transcrição (Dlx-
urodelos não promove apenas a diferenciação 3), responsáveis pela autonomia da estrutura
para células originais dos tecidos, mas também em formação.
garante a restauração de relações fundamentais A supressão natural da regeneração axonal
para a preservação funcional. ocorre em mamíferos, e a inibição desse proces-
so potencialmente favorece a recuperação fun-
cional de tecidos agredidos. Por exemplo,
Como perdemos a plasticidade das oligodendrócitos são responsáveis pela forma-
salamandras? ção da bainha de mielina dos axônios no siste-
É difícil determinar que via sinalizadora ma nervoso central e expressam inibidores da
foi perdida durante a evolução dos vertebrados, regeneração axonal associados à mielina, como
o que resultou na incapacidade de regenerar Nogo-A. Anticorpos neutralizantes contra
estruturas complexas, como membros. Uma sé- Nogo-A aumentam a recuperação funcional em
rie de observações clássicas e recentes chama a graus variáveis nos modelos experimentais de
atenção para o papel da regeneração dos nervos lesão da medula espinhal. 38 Em recente relato
periféricos no resultado final do reparo de uma da inibição de Nogo-A em sagüis (Callithix
área perdida. A denervação prévia, ou na fase jacchus), um aumento da regeneração de fibras
inicial da regeneração, após a amputação de um nervosas foi observado após lesão da medula es-
membro da salamandra, impede que um novo pinhal. 39 Ainda não está claro como esses acha-
membro seja restaurado, enquanto a perda da dos podem ser relacionados à capacidade de re-
função nervosa na fase tardia do processo não generar estruturas não axonais. No entanto, eles
tem mais efeito sobre o resultado final.7
demonstram que existem vias inibitórias da re-
Entre os genes homeobox importantes
generação nervosa em mamíferos e que esse po-
para o desenvolvimento dos membros, um de-
deria ser o principal diferencial entre mamífe-
les é o Dll (Drosophila distal-less), que apresenta
ros e urodelos. Além disso, tais vias são aparen-
um gradiente de expressão decrescente da ex-
temente reversíveis clinicamente.
tremidade distal para a proximal na mosca da
Se for possível regenerar completamente
fruta. Uma família de ortólogos do Dll em ver-
órgãos de mamíferos, será que guardamos a
tebrados foi identificada como Dlx. O gene Dlx-
3 é expresso na epiderme do membro em rege- memória de posição para restauração perfeita
neração, e sua expressão é abolida quando a de estruturas perdidas? 6 Embora esteja claro
denervação do membro ocorre no estágio inici- que uma série de mecanismos, durante o de-
al do processo de reparo. Assim, tanto a capaci- senvolvimento e a regeneração, está conservada
dade regenerativa quanto a expressão de Dlx-3 entre todos vertebrados, um aspecto fundamen-
são dependentes de estímulos nervosos. O fator tal da regeneração de urodelos é sua autono-
de crescimento fibroblástico 2 (FGF-2) é outra mia. A regeneração independe de relações espa-
molécula expressa na epiderme dos membros ciais com tecidos vizinhos, que são fundamen-
em regeneração, e a administração de FGF-2 tais durante o desenvolvimento. A avaliação da
exógeno resgata a expressão epidérmica de Dlx- memória de posição em mamíferos é difícil na
3, bem como a habilidade regenerativa de mem- ausência de regeneração nos mesmos contextos
bros denervados. Além disso, recente publica- em que ela é observada em urodelos.
ção demonstrou a expressão de FGF-2 nos CONCLUSÃO
axônios de membros em desenvolvimento. 37
Em conjunto, os achados sugerem que estímu- Um olhar rápido pela capacidade

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regenerativa de alguns anfíbios pode parecer já está em curso, embora sua aplicação clínica
uma característica extravagante desses peque- não esteja num horizonte próximo. Por outro
nos vertebrados. No entanto, uma análise mais lado, o estudo dos mecanismos básicos da rege-
cuidadosa permite concluir que a regeneração neração de urodelos fornece um fascinante con-
não é uma exceção entre os animais, e que vári- junto de informações sobre o desenvolvimento
os de seus mecanismos envolvem vias de sinali- e regulação dos tecidos, que podem ser impor-
zação que são conservadas, inclusive em huma- tantes nas abordagens atuais e futuras da medi-
nos. Uma abordagem para a identificação de cina regenerativa.
agentes farmacológicos que tentam reproduzir
a estratégia de desdiferenciação em mamíferos

Regeneration strategies in urodele amphibians


Abstract
In the age of stem cells, it is interesting to notice that nature has solved the problem of regeneration
with diverse strategies rather than repopulation by undifferentiated cells. Urodele amphibians are unique
among vertebrates as they are able to regenerate lens, retina, jaws, limbs and heart sections. Proliferation
of specialized cells, transdifferentiation and dedifferentiation are important strategies for regeneration
among newts and salamanders. Importantly, some signaling pathways are conserved among mammals
including humans and the implications of our current knowledge on urodele regeneration in the mammalian
context are discussed in this review.

Keywords: regeneration; urodele; amphibian; transdifferentiation; repair

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Recebido em / Received: 26/01/2006


Aceito em / Accepted: 28/04/2006

R. Ci. méd. biol., Salvador, v. 5, n. 2, p. 160-170, mai./ago. 2006

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