O RASTRO DO TEU SANGUE NA NEVE o Process

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ARTIGO

O rastro do teu sangue na neve

O RASTRO DO TEU SANGUE NA NEVE:


o processo de percepção de si pela experiência*

THE TRAIL OF YOUR BLOOD IN THE SNOW:


the process of self-perception by the experience

EL RASTRO DE TU SANGRE EN LA NIEVE:


el proceso de auto-percepción por La experiência

Cláudia Letícia Gonçalves Moraes


Márcia Manir Miguel Feitosa

Resumo: Análise do conto “O rastro do teu sangue na neve”, de Gabriel García Márquez, à luz da tomada
de consciência de si mesmo através da experiência, na relação de um dos personagens com seu entorno e
as novas possibilidades abertas a partir dessa experiência. Ao longo do artigo, pretendemos frisar, utilizan-
do uma base teórica que contempla tanto a crítica literária quanto os estudos culturais, de que maneira o
autor expressa e articula a experiência de seu personagem em um ambiente desconhecido por este último.
A perspectiva da narrativa de uma experiência traumática que releva o lirismo do acontecimento nos nor-
teará no sentido de buscar os desdobramentos culturais e subjetivos no conto através de uma perspectiva
que engloba a crítica de base literária aos conhecimentos teóricos acerca da influência do espaço/lugar,
visando uma análise experiencial física dos fatos postos pelo autor.
Palavras-chave: Sujeito. Subjetividade. Experiência. Narrativa.

Abstract: Analysis of the short story "The trail of your blood in the snow" by Gabriel García Márquez, in the
light of awareness of himself through the experience, the relationship of a character with its surroundings
and the new opportunities that came out from that experience. Throughout the article, using a theoretical
base that includes both literary criticism and cultural studies, it is emphasized how the author expresses
and articulates the experience of his character in an unknown environment. The perspective of the narra-
tive of a traumatic experience which enhances the lyricism of the event will guide this paper in seeking the
subjective and cultural consequences in the short story through a perspective that encompasses the basic
literary criticism to theoretical knowledge about the influence of space / place aiming experiential physical
analysis of facts placed by the author.
Keywords: Subject. Subjectivity. Experience. Narrative.

Resumen: Análisis del cuento “El rastro de tu sangre en la nieve”, de Gabriel García Márquez, con la to-
mada de consciencia de si mismo a través de la experiencia, en la relación de uno de los personajes con su
entorno y las nuevas probabilidades abiertas a partir de esa experiencia. A lo largo de este artículo quere-
mos destacar, con una base teórica que incluye tanto la crítica literaria y estudios culturales, como el autor
expresa y articula la experiencia de su personaje en un entorno desconocido por éste. La perspectiva de la
narración de una experiencia traumática que aumenta el lirismo del evento nos guiará en la búsqueda de
las consecuencias subjetivas y culturales en la historia a través de una perspectiva que abarca la crítica li-
teraria de base a los conocimientos teóricos acerca de la influencia del espacio y lugar, buscando un análisis
de la experiencia de los hechos físicos realizados por el autor.
Palabras clave: Sujeto. Subjetividad. Experiencia. Narrativa.

1 INTRODUÇÃO de uma fonte que às vezes perturba o leitor: as


experiências, na maioria das vezes desolado-
Em obra intitulada Doze contos peregrinos, ras, por que passam seus personagens, ainda
o colombiano Gabriel García Márquez narra as mais levando em consideração o fato de que os
aventuras vividas por personagens reais – e la- personagens são, como já dito anteriormente,
tino-americanos – em suas estadas na Europa. reais. O que quer dizer que os personagens
García Márquez, autor prolífico que é, busca passaram por cada uma das experiências de
nessa obra especificamente uma coerência para fato e de direito.
urdir sua narrativa, e essa coerência procede Os contos são “peregrinos” por terem
sido narrados não só a respeito desses per-
* Artigo recebido em maio 2010
Aprovado em outubro 2010 sonagens nômades, mas ainda pelo fato

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de terem sido construídos quando o autor lizando-as para um conhecimento de si mesmo


estava, ele também, exilado, longe de sua e uma nova perspectiva de estar no mundo é o
Colômbia natal, o que nos leva a crer que o que almejamos investigar na análise do conto.
olhar que se inclina para o contato cultural e
para a transculturação tem ainda mais razão 2 A EXPERIÊNCIA COMO FORMA
de ser do que se suporia a princípio. Todos DE APRENDIZAGEM
os contos, como marca registrada do autor,
Gabriel García Márquez, na obra Doze
possuem um quê de realismo fantástico,
guardadas as devidas proporções, já que são contos peregrinos, trabalha com a perspecti-
a priori baseados em fatos reais e narrados va da experiência do sujeito latino-americano
em tom jornalístico, haja vista esta ter sido fora de seu domínio territorial. Ou seja: como
a primeira profissão do autor. O que não os esse sujeito se comporta e reage em um am-
impede de possuir uma dicção muito própria biente diferente do seu – em certos casos
nas descrições das desventuras em países eu- não só diferente, mas extremamente oposto
ropeus por conta da imensa diferença cultural ao que se tem como referência de lugar e,
entre as personagens que se confrontam e na consequentemente, de cultura. As variadas
contraposição de identidades diversas, cons- reações perante essa nova possibilidade de
tantemente desestabilizadas por aquilo que vida são o ponto comum que une cada um
deixam de fora para enfim se constituírem. dos contos que constituem o livro. Segundo
Uma dessas desventuras, que possui o Beatriz Sarlo (2007, p. 24-25), em obra deno-
belíssimo título de O rastro do teu sangue minada Tempo passado: cultura da memória
na neve, será nosso objeto de análise, onde e guinada subjetiva:
trabalharemos, numa primeira perspectiva, a A narração da experiência está unida ao corpo e
à voz, a uma presença real do sujeito na cena do
redescoberta da identidade advinda de uma
passado. Não há testemunho sem experiência, mas
troca cultural que, a priori, se mostra dramáti- tampouco há experiência sem narração: a linguagem
ca, mas necessária para o crescimento do pro- liberta o aspecto mudo da experiência, redime-a de
seu imediatismo ou de seu esquecimento e a trans-
tagonista dentro da vivência em um ambiente forma no comunicável, isto é, no comum.
completamente diverso do seu, confrontando
um novo leque sócio-cultural à maneira lírica Tendo em vista narrar a experiência e,
e quase fantástica de García Márquez. Nossa muitas vezes, também o desconforto por que
análise se foca na experiência do personagem, passam os latino-americanos em uma Europa
levando em consideração toda a sua teia re- que muitas vezes é descrita pelo autor como
lacional dentro e fora do ambiente em que se fria e hostil, García Márquez centrou-se em
encontra na narrativa e como essa experiên- doze histórias, todas baseadas em fatos reais
cia se mostra significativa para um melhor co- e contadas em tom jornalístico, a respeito dos
nhecimento de si mesmo e também do mundo mais diversos casos vividos em um ambien-
ao seu redor. A forma de escrita do autor, sua te diverso do de origem de seus personagens
maneira de depreender o mundo e a experi- – reiterando: não são personagens ficcionais,
ência real, transportando-as para a linguagem mas sim reais, o que acaba por dar maior den-
literária com todas as suas peculiaridades – e sidade aos fatos narrados. São relatos que
fazendo, assim, uma mediação entre o real e o se tornam livres a partir da linguagem, como
verossímel – também estarão no foco de nossa Sarlo (2007) definiu, pois, antes de serem
atenção ao longo da análise. contados, não podiam sequer ser considerados
É importante frisar que essa experiência só como experiência, ou, em outra perspectiva,
se torna de fato válida para o personagem en- seriam apenas experiências mudas.
quanto passada na solidão, principalmente no Nessa obra do autor, e no conto que vamos
espaço de seu psicologismo, e por isso mesmo trabalhar especificamente, temos todos os ele-
ela se mostra ainda mais intensa, já que não mentos a que se refere Sarlo (2007): um fato
acontece em uma relação direta de alterida- do passado, uma experiência e uma narrativa.
de, não há impressões a serem trocadas com Dessa maneira, comunicar o que aconteceu é
outrem. O personagem tem um reencontro, o mote dos contos do autor, tirando o aconte-
uma tomada de consciência de sua própria cido do esquecimento através da narração da
identidade a partir de sua vivência árdua e so- experiência, narração essa que tem sua própria
litária em uma Paris que em tudo se apresenta temporalidade, ou seja: não importa há quanto
desfavorável. O modo como se pode tirar pro- tempo o fato ocorreu, ele sempre volta a se
veito mesmo das situações mais adversas, uti- atualizar quando lido, quando descoberto em

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sua experiência, quando relembrado através A citação é importante para entender a psi-
das palavras. Assim, por conta da mediação li- cologia que permeia o conto, levando em consi-
terária que o autor propõe como sua versão dos deração o fato de que os subsídios psicológicos
fatos – abrangendo o que lhe parece mais rele- mostram-se muito mais importantes, na nossa
vante na história da vida de seu personagem de perspectiva, que os fatores realistas impulsiona-
uma maneira geral e de sua estada em Paris de dores da narrativa, tal como a mudança gradual
forma mais específica –, pode-se depreender experimentada pelo protagonista na sua estada
uma realidade trabalhada a partir de elementos solitária em Paris, onde tem de lidar com todo
literários que privilegiam os vários matizes psi- tipo de situação adversa, das mais complexas,
cológicos do personagem através de uma abor- como entrar em contato com o diplomata de
dagem que mistura o relato jornalístico a uma seu consulado, até a mais simples, como pedir
prosa carregada de elementos poéticos. o café da manhã ou tomar banho. Todas essas
O que García Marquez intenta fazer – situações se tornam desafiadoras pelo fato de
e consegue, com sua escrita peculiar – é que a pessoa que lida com elas não possui o
injetar lirismo às doze histórias, já carrega- mínimo de traquejo para o modo de vida pa-
das de drama por si próprias: o drama cons- risiense – quase que completamente diferente
tante, e pelo qual todos passamos, de ter de do modo de vida do protagonista em sua cidade
lidar com a diferença – no caso dos contos natal, sendo este o gancho para que retomemos
peregrinos, lidar com a diferença advinda de o ponto que trata da experiência que vai moldar
uma experiência em lugar desconhecido, o o psicológico ao longo de uma narrativa curta,
que torna o exercício duplamente carrega- mas cheia de reviravoltas, característica peculiar
do de significado e, consequentemente, de do conto. A identidade do personagem, tal como
subjetividade, já que se leva em considera- esclarece Stuart Hall (2000), só pode ser perce-
ção a maneira como o personagem percebe bida através de suas relações conturbadas com
e aceita esse novo modo de estar no mundo, outros ao longo da viagem, notando-se que ele
essa nova forma de se adaptar à existência. só consegue reconhecer a si mesmo quando em
O conto que iremos analisar, O rastro do confronto direto com uma vida, uma experiência
teu sangue na neve, aborda, desde o início e diversa da sua: o contato com os parisienses que
continuamente, o tema do deslocamento do o ajudam ou retardam ao longo de sua estadia e
sujeito, seja esse deslocamento físico – quando com a própria cidade: praças, porto, hotel.
da mudança de ambiente do personagem prin- Essa experiência, da maneira como é abor-
cipal –, seja psicológico, este último o que de dada por García Márquez (1992), corrobora as
fato interessa no nosso estudo acerca do des- afirmações acerca do sujeito pós-moderno, des-
centramento e consequente reconhecimento centrado e consciente de si como construção,
advindo de uma nova experiência. Nosso obje- como homem de seu tempo, posto que o perso-
tivo é perceber de que maneira essa nova pers- nagem só faz essa tomada de consciência (de si
pectiva de vida – iniciada quando o protagonis- próprio) quando colocado em uma situação que
ta conhece sua futura mulher – influencia seu se apresenta nova e única para ele, quando tem
comportamento e quais suas reações perante a sensação de viver, se desdobrar, entre dois
os acontecimentos – sempre reportando e re- mundos simultaneamente. Nesse aspecto, o
lacionando sua psicologia presente às experi- conto seria, também, certo tipo de crítica à ideia
ências vividas em sua terra natal. Isto posto, de identidade integral, originária e unificada,
iremos destacar como a formação psicológi- crítica essa, aliás, muito próxima da de autores
ca do personagem e, consequentemente, sua como o próprio Hall ou Homi Bhabha, que, em
maturação, é construída a partir de uma nova seus estudos culturais, frisam esta como uma
perspectiva vivenciada na distância. Stuart Hall questão central para o entendimento do mundo
(2000, p. 110), em texto denominado "Quem pós-moderno em que vivemos.
precisa de identidade?", na coletânea Identida- O rastro do teu sangue na neve tem como
de e diferença: a perspectiva dos estudos cul- protagonista um jovem casal recém-casado que
turais, faz a seguinte colocação: vai passar a lua-de-mel em Paris. Um pequeno
incidente com um buquê de rosas dará o mote
[...] as identidades são construídas por meio da dife-
rença e não fora dela. Isso implica o reconhecimento para que a história seja desenvolvida de forma
radicalmente perturbador de que é apenas por meio não linear, apresentando idas e vindas ao longo
da relação com o Outro, da relação com aquilo que da narrativa e prestando contas ao leitor a res-
não é, com precisamente aquilo que falta [...] que o
significado “positivo” de qualquer termo – e, assim, peito do desenrolar da relação dos dois, sempre
sua identidade – pode ser construído. considerando de que maneira duas personalida-

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des supostamente opostas na aparência mos- Paulo Daniel Farah (2004, p. 53), em capítu-
tram-se tão próximas em essência. As oposições lo denominado Geografia da ausência, de sua
não se mostram apenas na análise da personali- tese de doutorado de título homônimo, discor-
dade de ambos e em sua estada europeia – que re o seguinte a respeito da questão do espaço:
na verdade carece da participação feminina –, A percepção do espaço domina o senso de orienta-
onde Paris é descrita como uma cidade fria de ção do ser humano, sua esfera de ação e o sentido
de ordem. As estruturas e as hierarquias do espaço
habitantes mais frios e mesquinhos ainda, mas ajudam a determinar o status social, as identidades
desde o início de sua vida como casal, ou mesmo coletivas e individuais e o relacionamento com o ou-
desde o momento em que se conheceram: Billy tro. Além disso, a organização do espaço confere um
sentido de continuidade que se contrapõe à transito-
Sánchez e Nena Daconte, apesar de serem os riedade da passagem do tempo.
dois bem nascidos e de famílias distintas de sua
cidade natal, são também o extremo oposto Para o personagem, seu reconhecimento e
um da personalidade do outro na forma de agir, orientação provêm da relação com sua cidade,
mesmo possuindo, e então entramos no campo seu entorno social. Sem essa relação, sem
da essência, certos traços muito próximos em esse “senso de orientação”, a identidade não é
seus âmagos, tal como a voracidade pela vida, constituída por inteiro. No caso de Billy, ela é
talvez imposta pela educação ou demasiada- formada a partir do que pode ser desorganiza-
mente rigorosa, no caso de Nena, ou demasia- do por ele dentro desse entorno: sua relação
damente relapsa, no caso de Billy. com o outro se constitui a partir de um certo
Além desse fator, os dois possuem, ainda, tipo de baderna que ele estabelece, sendo en-
uma afinidade sexual – provavelmente própria coberta pelas relações de poder que seus pais
da idade – e acabam por delinear certos traços possuem na cidade. Dessa forma ele seria uma
psicanalíticos no decorrer de sua relação, tal espécie de rapaz mimado que tinha o aval para
como o seguinte: diante da personalidade selva- fazer o que quisesse dentro de uma hierarquia
gem – ou predatória – de um homem há sempre em que era reconhecido em um alto patamar,
sem maiores preocupações acerca das conse-
uma mulher apta a domá-la e tornar esse
quências que seus atos possivelmente acarre-
homem pouco mais civilizado e, ato contínuo no
tariam, já que dessa questão quem se ocupa-
caso do conto, extremamente dependente dela.
vam eram seus pais.
Existem vários aspectos que se destacam como
Quando de sua chegada em Paris, as rela-
válidos para análise dentro do conto – o psica-
ções estabelecidas são outras, sem protecio-
nalítico é um deles –, mas estaremos focados
nismo de nenhum tipo que possa respaldá-lo
principalmente no aspecto espacial do sujeito
nem ao menos hospitalidade que possa aco-
descentrado, fora de seu território. É justamente
lhê-lo em um momento tão dramático de sua
este que vamos analisar a seguir.
vida. Logo, suas descobertas se constroem a
2.1 A percepção de si partir de uma relação de oposição vivencia-
da na distância e na solidão, no experimento
Billy Sánchez crescera como um órfão, tão de novos tipos de relações consigo e com os
grande era a ausência de seus pais em sua outros. É somente na sua estada em Paris que
vida. Nena Daconte, por seu turno, estudara ele consegue reconhecer-se como sujeito, no
desde sempre em escolas europeias. Ele se sentido de que é apenas no confronto com um
mostrava um jovem indômito e selvagem, e ambiente hostil e sem maiores perspectivas
foi justamente dessa maneira que se apresen- de auxílio de outros que ele desenvolve sua
tara para Nena: em um ataque de bandoleiros maneira de agir, mesmo que de forma tosca
na praia. A primeira impressão passada pelo e sem resultados positivos, ainda com a im-
autor a respeito do personagem, frisando-se pressão de que estava em sua terra natal, Car-
ainda que em presença de sua futura mulher, tagena das Índias. Quando percebe que não
deixa clara sua imagem: “tinha pendurada no obtém resultados com esse tipo de compor-
pescoço uma medalha sem santo que palpi- tamento – vide: beber ou agredir fisicamente
tava em silêncio com o susto do coração” quem não atende suas demandas –, surge uma
(MÁRQUEZ, 1992, p. 227). Em seu territó- mudança de atitude de sua parte. É através
rio ele tinha completo domínio, não só sobre dessa mudança que a identidade de Billy vai
si mesmo, como também sobre os outros e se remodelar, pois é enquanto mergulhado na
mostrava-se como um bruto que nada temia. solidão e na expectativa de seu porvir que se
Era senhor de si enquanto conhecedor de seu molda uma nova consciência de si, capaz de
espaço, do espaço/lugar em que nascera. trazer à tona uma nova personalidade mais

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apta a viver e a conviver no mundo civilizado a direito de Nena Daconte pudesse modificar de
partir de sua experiência em diante. forma drástica e definitiva a vida dos persona-
Esse processo pelo qual o personagem gens de uma maneira geral e de Billy Sánchez
passa é necessário tanto para sua forma- de maneira específica, posto que ele é quem
ção identitária quanto para sua maturação, mais sofre – e aprende – com a tragédia que se
abrindo uma nova perspectiva de vida para si. abate sobre sua jovem esposa. Por meio da ex-
Segundo as palavras de Ernesto Sábato (1993, periência de solidão e perda que um novo Billy
p. 24) em sua Heterodoxia: “Amadurecer é vai se moldar, o que mostra que, pelo menos,
envelhecer, sujar as mãos, tornar-se sensato, há o que se aprender no meio da tragédia.
aburguesar-se, entrar no jogo das conveniên-
cias e das razões”. Billy Sánchez não poderia 2.2 O testemunho do experimento
jamais sair do não-lugar em que estava se não
Para o autor, tão ou mais importante que o
optasse por uma mudança de comportamen-
“vivido” por seu personagem é a forma como
to, mudança essa que implicaria deixar de lado
se pode trabalhar esse relato, como, por que e
sua postura infantil e passiva, buscando uma
com quais recursos narrar um acontecimento
maneira de acabar com a situação desconfor-
de tamanha densidade e dramaticidade. Dessa
tável e imprevisível em que se encontrava, em
maneira é interessante observar o modo como
detrimento de uma vida mais conveniente com
García Márquez dá prioridade a uma história
seu status e até mesmo com a proposta que
real e que, por isso, surpreendente por si só,
Paris lhe oferecia: logicamente que não poderia
porém ainda mais carregada de significado por
passar o resto de sua vida em um quarto de
conta do fato de possuir uma abordagem que
hotel sendo que fora apenas para passar sua
imbrica o relato pessoal à prosa muito peculiar
lua-de-mel. Antes mesmo do tão esperado dia
– enquanto expressiva de uma corrente fantáti-
da visita à esposa, ele já teria que tomar uma
ca – do autor. O rastro do teu sangue na neve é,
atitude a respeito de sua situação, tanto que
além de tudo, também um exercício de estilo.
a ida ao consulado de seu país foi justamente
O fascínio do conto, então, provém de duas
o que Sábato (1993, p.24) descreveu: “entrar
fontes distintas, todavia complementares: o fato
no jogo das conveniências e das razões”.
real aliado à prosa fantástica. É dessa forma que
Segundo as descrições do autor, Billy era,
se constrói o testemunho da experiência, uma
além e acima de tudo, um jovem assustado e
experiência que ganha voz quando relatada
solitário que mal sabia se locomover no mundo
por Billy Sánchez através da prosa prolífica de
sem a ajuda de Nena, apesar de pensar que
García Márquez, ou seja: torna-se não só mais
tinha domínio de si, como sugere a citação:
conhecida, mas também mais palpável quando
“[...] não há maior humilhação para um
narrada. Eis a ambivalência que o autor conduz
homem que se deixar conduzir pela mulher”
com maestria: tomar um fato real como fonte
(MÁRQUEZ, 1992, p. 235). Sua relação com
para uma narrativa de cunho fantástico, posto
Nena se iniciou de maneira turbulenta, mas,
que o conto em questão passaria perfeitamente
com o tempo, Nena percebeu o que havia
por ficção por conta de seu desfecho tão pouco
por detrás da fama de mau de seu bandolei-
próximo da realidade, pelo seu drama iminen-
ro, tanto e com tal traquejo que soube como
temente fantasioso. Em obra intitulada A perso-
conduzi-lo da maneira que fosse mais provei-
nagem de ficção, de Antônio Cândido (1976, p.
tosa para os dois. Mas enquanto não possuidor
23), fala-se da importância do fator humano – o
de sua própria vida, enquanto joguete de sua
personagem – dentro da obra:
mulher, mesmo que as intenções dela fossem
“É geralmente com o surgir de um ser humano que se
as melhores possíveis, ele nunca poderia ama-
declara o caráter fictício (ou não-fictício) do texto, por
durecer como pessoa, tornar-se um ser au- resultar daí a totalidade de uma situação concreta em
tônomo e de fato senhor de sua vida, suas que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a
elaboração imaginária.”
experiências. Essa percepção, por parte de
Billy, só é descrita de forma inconsciente ao García Márquez (1992) subverte essa
longo de todo o conto, já que nem ele mesmo ordem utilizando-se de personagens, sim, mas
tem noção, de fato, do que está acontecen- personagens reais, detentores de cada uma
do, tamanho era o ardil da condução que Nena das experiências narradas. Assim, o autor
dava ao relacionamento dos dois. usufrui de uma autoridade toda própria para
Parece irônico, e provavelmente esse foi um contar essas mesmas histórias através de uma
dos critérios do autor para escolher essa histó- prosa que corrobora ainda mais o “caráter fic-
ria para narrar, que uma única picada no dedo tício” das experiências significativas, ou seja:

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Cláudia Letícia Gonçalves Moraes et al.

o que elas têm de irreal. Ainda que toda a nar- Para conseguir alcançar uma maturidade como
rativa gire em torno de uma situação concreta, pessoa, para conseguir sair do entre-lugar em
o que move o leitor é justamente seu oposto: que se encontra, da condição de não-sujei-
o insólito, o absurdo que permeia o conto. to e descentramento no sentido de que Billy
Sarlo (2007, p. 38-39), ainda em seu Tempo Sánchez não era um indivíduo reconhecido en-
passado, continua a falar de como se pode dar quanto hospedado como cidadão de segunda
essa comunicação num plano que não perten- classe na cidade, ele precisa ultrapassar bar-
ce estritamente à história dos fatos, história reiras – não físicas, mas psicológicas que en-
enquanto seguidora de um método rígido que travam seu processo de amadurecimento e
se baseia apenas em dados concretos: perda de dependência para, enfim, se tornar
A dimensão intensamente subjetiva, um verdadeiro um sujeito com domínio de sua própria vida e
renascimento do sujeito […] caracteriza o presente […] poder de interação com os outros. Para Homi
O sujeito não só tem experiências como pode comuni-
Bhabha (2007, p. 23), em O local da cultura:
cá-las, construir seu sentido e, ao fazê-lo, afirmar-se
como sujeito. A memória e os relatos da memória se- “Além” significa distância espacial, marca um pro-
riam uma “cura” da alienação e da coisificação. gresso, promete o futuro; no entanto, nossas suges-
tões para ultrapassar a barreira ou o limite – o próprio
Parece muito improvável que alguém morra ato de ir além – são incognoscíveis, irrepresentáveis,
de hemorragia por conta de um simples furo sem um retorno ao “presente” que, no processo de
repetição, torna-se desconexo e deslocado.
no dedo causado por um espinho de rosa, e é
justamente o nonsense da situação que causa Para Billy, ir além não estava nos domí-
comoção no leitor que sabe que a história nios de sua compreensão, pelo menos não no
narrada aconteceu de fato. Antônio Cândido exato momento em que as coisas se sucediam
afirma, ainda: “É porém a personagem que em Paris, enquanto aguardava o dia de visitar
com mais nitidez torna patente a ficção, e sua mulher. Nena fora internada por conta do
através dela a camada imaginária se adensa e sangramento em seu dedo assim que chegara
se cristaliza” (CÂNDIDO, 1976, p. 21). Cândido à capital e sem ter ao menos tempo de auxi-
faz um comentário que casa à perfeição com a liar o marido em questões práticas a respeito
história do jovem casal, visto que o que mais de hospedagem e contato com conhecidos;
fica marcado na mente do leitor é o fim tanto logo, foi a partir daí que Billy Sánchez teve
antecipado quanto trágico da protagonista, per- que tomar atitude em relação a si mesmo,
sonagem que tem seus traços de personalida- já que não lhe foi permitido entrar no trata-
de tão delineados quanto os do seu marido, já mento intensivo agarrado à mão da esposa,
que não se consegue esquecer o que aconte- como descreve o autor. Assim, tomar conta de
ceu a ela. Tanto é assim que ela própria, Nena si próprio pela primeira vez foi tarefa árdua,
Daconte, expressa o aspecto romântico da ainda mais quando passada longe de sua
tragédia que está para se abater sobre ela e cidade natal. Este “além” descrito por Bhabha
seu jovem marido: “Imagine só: Um rastro de (2007) representa de maneira contundente
sangue na neve de Madri a Paris. Você não acha o que o personagem estava fazendo, mesmo
bonito para uma canção?” (MÁRQUEZ, 1992, p. que inconscientemente, incognoscivelmen-
236). Tão distante da realidade esse rastro de te. A experiência passada pelo personagem
sangue na neve de uma capital a outra que só não é absorvida de forma plena no momento
poderia se realizar na imaginação, na ficção. mesmo em que acontece, mas se mostrará
O que surpreende, entretanto, é o desfecho importante para urdir seu comportamento
trágico que nem na mais tenra concepção dos no futuro, sua relação com o mundo e com
jovens protagonistas poderia se passar. os outros no porvir como reflexo do que lhe
acontecera enquanto hóspede da cidade-luz.
3 A INTER-RELAÇÃO COM O ESPAÇO Mas para alcançar algo que o aguarda
além, Billy tem que amargar o presente que
O mais interessante é perceber como o lhe parece despropositado, um castigo não
autor se utiliza da noção do espaço em que merecido. Segundo o autor, ele: “sentia-se tão
Billy Sánchez está inserido para criar uma at- atordoado e solitário que não podia entender
mosfera em que a história possa se desenvol- como conseguiu viver algum dia sem o amparo
ver de maneira que este mesmo espaço influa de Nena Daconte” (MÁRQUEZ, 1992, p. 242). É
nos acontecimentos. Não como personagem a partir desse mal-estar que ele poderá se co-
principal, logicamente, mas como algo que nhecer melhor, numa relação consigo mesmo
possui o poder de modificar alguns aspectos e também com o ambiente em que se encon-
da história e da personalidade do protagonista. tra. Apesar de ser uma narrativa curta, em

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O rastro do teu sangue na neve

algumas passagens em que descreve o per- passagem, um pouco da personalidade dos ci-
sonagem dentro de seu quarto de água-furta- dadãos que ali habitam. Farah (2004, p. 52),
da, García Márquez (1992) lembra o Dostoié- ainda em seu Geografia da ausência, afirma
vski que elaborava as elocubrações filosóficas o seguinte: “Toda experiência mental ou física
de Raskólnikov, também preso no ambien- possui uma dimensão espacial […] esta possi-
te claustrofóbico de seu quarto, em Crime e bilita e regula nossa coexistência com o mundo,
castigo. O que queremos dizer com isso é que nos sentidos psicológicos, sociais e físicos”. É
não há, obrigatoriamente, necessidade de um lançando esse tipo de olhar que podemos ob-
vasto espaço para que certos personagens, e servar como o personagem se relaciona com
personalidades, se desenvolvam: dentro de o espaço e qual a influência deste em sua for-
um pequeno quarto, em que mal se pode ficar mação. Surpreende-nos tanto o desfecho do
de pé, grandes reviravoltas – psicológicas – conto quanto de que maneira ele se desenrola,
se formam para transformar o caráter desses isso incluindo também o onde.
mesmos personagens. Uma revolução acon-
teceu em primeiro lugar na mente de Raskó- 3.1 O olhar sobre o outro
lnikov, malgrado seu espaço físico restrito,
para que depois se sucedesse em outro lugar, Para que haja uma compreensão do que
acarretando uma série de acontecimentos. seria o “olhar sobre o outro”, devemos consi-
Podemos observar, porém, que tudo começou derar que vivemos em uma época em que a
dentro e, provavelmente também, por influên- noção de sujeito foi profundamente abalada,
cia daquele quarto minúsculo e sujo. perdendo-se o conceito de sujeito cartesiano
Para Billy Sánchez, em dado ponto da plenamente unificado para dar lugar à ideia de
narrativa, também seu quarto é visto como sujeito pós-moderno e descentrado, aberto às
um microcosmo que precede acontecimen- inquietações que o perturbam. É a partir desse
tos maiores. Aliás, o maior de todos eles: a novo conceito que podemos, enfim, lançar um
descoberta de que sua mulher falecera. Para olhar sobre o outro, pois é a partir do olhar,
Yi-Fu Tuan (1980, p. 3), em obra denominada dessa estranheza perante o que nos é dife-
Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e rente que podemos definir – se é que isso é
valores do meio ambiente: “O lugar é seguran- possível – quem ou o que somos dentro da
ça e o espaço é liberdade: estamos ligados ao chamada “modernidade tardia”.
primeiro e desejamos o outro”. Em que pese No conto, Billy forja sua identidade enquanto
todo sentimento de desolação que entremeia cidadão latino-americano principalmente quando
o conto desde que Billy e Nena são separa- em relação com os outros, os outros não lati-
dos, a impressão que temos é que ele real- no-americanos: só podemos perceber até que
mente parece mais protegido quando em sua ponto sua latinidade se manifesta quando o
água-furtada, onde enfim pode divagar sem as personagem interage – ou entra em choque –
ameaças do espaço amplo da cidade. Isso fica no ambiente e com os cidadãos europeus. Para
muito claro no conto, principalmente no que Charles Taylor (apud FIGUEIREDO; NORONHA,
diz respeito à relação que ele estabelece com 2005, p. 190): “Não adquirimos as linguagens
Paris, quando Billy tem chance de conhecê-la necessárias para a autodefinição de nosso eu,
em parte. A primeira impressão que teve da somos antes levados a elas por interação com
cidade foi a seguinte: as linguagens daqueles com que convivemos”.
Era a primeira vez que saía de sua terra […] A primeira É dessa forma que o autor mostra seu persona-
visão de uma cidade diferente da sua, os blocos de casas
cinzentas com as luzes acesas em pleno dia, as árvores
gem: alguém com imensas dificuldades de comu-
peladas, o mar distante, tudo ia aumentando um senti- nicação e locomoção, distante de sua terra natal,
mento de desamparo que ele se esforçava por manter à alguém que tem que sobreviver nesse ambiente
margem do coração. (MÁRQUEZ, 1992, p. 232).
distinto e muitas vezes também hostil. Além de
Toda a percepção do espaço – percepção tudo Billy Sánchez tem que, em tais circunstân-
no sentido de capacidade do indivíduo para cias, entender a si mesmo, aprender sobre o que
converter estímulos sensoriais em experiência, é ser alguém, seja homem, latino-americano,
organizada e coerente – que o personagem não conhecedor do idioma, ou mesmo todas
molda desde o início de sua viagem vai ajudá- essas características em um só tempo, aprender
-lo a compreender, mesmo que a princípio de a lidar com os outros e com um ambiente dife-
forma caótica, mas consequentemente orde- rente daquilo que ele tinha como referência.
nando esse caos, a realidade daquela cidade Ao longo da narrativa, podemos perceber
tão diferente da sua. E também, diga-se de como o protagonista está, na maior parte do

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Cláudia Letícia Gonçalves Moraes et al.

tempo, perdido e confuso em relação ao am- neve. Na leitura do conto, destacamos alguns
biente em que fora inserido de súbito e sem au- aspectos espaciais e culturais recentes acerca
xílios. Para ilustrar essa suposta “fragmentação do descentramento do sujeito e da noção de
da identidade”, García Márquez (1992, p. 248) identidade, bem como a perspectiva da influ-
relata de forma lírica o seguinte a respeito do ência do lugar nesses dois primeiros aspectos.
Utilizando autores como Homi Bhabha,
personagem: “Enquanto pensava, se viu repe-
Stuart Hall, Beatriz Sarlo e o próprio García
tido muitas vezes e de ângulos diferentes nos
Marquez, procuramos constatar como o sujeito
numerosos espelhos das paredes, e sentiu-se latino-americano típico recebe certas experi-
assustado e solitário, e pela primeira vez desde ências fora de seu território, e de que maneira
seu nascimento pensou na realidade da morte”. essas experiências são válidas para modificar
A metáfora dos espelhos, nessa passagem a percepção de si mesmo e dos outros desse
do conto, é bastante significativa no sentido de sujeito. Também a noção do espaço enquanto
que descreve bem o que se passa interiormen- influência para a constituição do ser foi válida
te com o personagem – fragmentado, perdido e na construção de nossa análise, valendo-nos
aflito com o que lhe está acontecendo. Mas não de autores que trabalham o espaço não só
sem a possibilidade de encontrar o caminho de como conceito físico, mas também psicológico.
Paulo Daniel Farah e Yi-Fu Tuan foram impor-
uma vida que volte a ter sentido. Assim como
tantes nessa perspectiva.
bem definiria Ernest Hemingway em Paris é Enfim, a própria visão de crítica literária
uma festa, também García Márquez (1992, foi a mais enfatizada ao longo da análise, haja
p. 252) finaliza a história, ainda tomando o vista ter sido ela a norteadora de todos os
espaço/lugar como referência, mesclando a conceitos já citados, isto é: a partir de con-
ideia da dor de quem perdeu um ente querido ceitos mais gerais e ligados aos estudos cul-
à imagem de uma cidade festiva, comemoran- turais, intentamos conhecer melhor conceitos
do a chegada da neve: como psicologismo, descentramento e influên-
cia espacial dentro do conto de Gabriel García
Quando saiu do hospital, nem ao menos percebeu que
estava caindo do céu uma neve sem rastros de sangue, Márquez. O rastro de teu sangue na neve abre
cujos flocos ternos e nítidos pareciam pluminhas de um leque de variadas concepções para análi-
pombas, e que nas ruas de Paris havia um ar de festa, ses, todas extremamente válidas para a com-
porque era a primeira nevada grande em dez anos.
preensão das inúmeras percepções a que se
Apesar do acidente que se assombra em propõe. Nosso objetivo aqui foi lançar luz em
sua vida nessa breve e tenebrosa estada em um dos muitos pontos de análise a que o conto
Paris, não é de toda inútil a experiência de se presta, destacando a relação do sujeito
num mundo que não é o seu, desdobrando-nos
Billy, pois o que acontece, para o bem ou
em vários olhares para não perder de vista as
para o mal, acrescenta no crescimento do descrições ficcionais e os aspectos culturais
personagem enquanto ser humano. É apenas do conto; trabalhando para entender uma das
quando mergulhado no turbilhão dos aconte- muitas formas nas quais a identidade pode ser
cimentos em Paris que o personagem pôde forjada e modificada ao longo da vida.
dar conta não só de si mesmo, mas também
dos outros enquanto oposições de identidade REFERÊNCIAS
em uma relação de confronto que o desper-
tou para si e para eles, para o que se apre- BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Hori-
sentava como seu não-eu. A partir de então, zonte: Ed. UFMG, 2007.
dessa dicotomia que se apresentou para Billy
CÂNDIDO, Antônio (Org.). A personagem de
Sánchez, ele próprio viu sua subjetividade
ficção. São Paulo: Perspectiva, 1976.
emergir e conseguiu se conhecer melhor.
FARAH, Paulo Daniel. Geografia da ausência:
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS o espaço na literatura palestina (da terra na-
tal ao Brasil). 2004. Tese (Doutorado) – Uni-
A percepção da realidade, do entorno e, versidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
em consequência, de si mesmo, utilizando os
FIGUEIREDO, Eurídice; NORONHA, Jovita Ma-
critérios trabalhados nos estudos culturais de
ria Gerheim. Identidade nacional e Identidade
uma maneira geral, foi o intento desse traba-
cultural. In: ______. Conceitos de literatura e
lho. Lançar luz sobre como um personagem
cultura. Rio de Janeiro: Ed. UFF; Juíz de Fora:
real tem um encontro consigo mesmo dentro
Ed. UFJF, 2005, p. 189 -205.
de uma situação adversa foi o que pretende-
mos, assim como Gabriel García Marquez in- HALL, Stuart. Quem precisa de identida-
tentou não só relatar, mas também emocio- de? In: SILVA, Tomás Tadeu da. Iden-
nar com o conto O rastro do teu sangue na tidade e diferença: a perspectiva dos

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O rastro do teu sangue na neve

estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura
2000. p. 103-136. da memória e guinada subjetiva. São Pau-
MÁRQUEZ, Gabriel García. O rastro do teu lo: Companhia das Letras; Belo Horizonte:
sangue na neve. In: ______. Doze contos UFMG, 2007.
peregrinos. Rio de Janeiro: Record, 1992,
p. 223-252. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percep-
SÁBATO, Ernesto. Heterodoxia. São Paulo: ção, atitudes e valores do meio ambiente.
Papirus, 1993. São Paulo: DIFEL, 1980.

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