Mini-Historias - Relato de Experiencia
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Capítulo 1
AS MINI-HISTÓRIAS À LUZ DE
EXPERIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Elaine Conte
As mini-
histórias à luz
de experiências
contemporâneas
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.862.18-43
CONVERSAS INICIAIS
SUMÁRIO 19
Ao reconhecer e estudar sobre as mini-histórias e outras
práticas diferenciadas possíveis na EI, abordamos a necessidade
da documentação pedagógica e do uso de recursos visuais
para realizar análises e pesquisas com crianças. Vamos explorar
as possibilidades da documentação pedagógica por meio da
experiência com mini-histórias como um processo formativo
usado com o objetivo de encontrar outras formas de produção
de conhecimento na primeira infância, tendo em vista o medo
do trabalho com crianças pequenas, que se transforma em
encantamento e curiosidade epistemológica, para oferecer a essas
crianças condições de possibilidade a novas formas de conhecer e
explorar o mundo, a partir de um trabalho pedagógico qualificado
(SANTOS; CONTE, 2018; SANTOS; CONTE; HABOWSKI, 2019).
SUMÁRIO 20
registros de brincadeiras e narrativas, entre outros, que surgiram nesse
período de acompanhamento via educação remota.
SUMÁRIO 21
Tudo indica que compartilhar essa proposta traz inquietações
e dúvidas de profissionais da educação relacionados ao tema. No
entanto, experimentar as pesquisas com mini-histórias desde a
Educação Infantil provoca o olhar do professor sobre o próprio trabalho
pedagógico e desacomoda-o nas estratégias durante a jornada na
escola com as crianças. Projetar ações e fortalecer novas metodologias
se apresenta como um convite para a produção do conhecimento e
para dialogar sobre o tema com professores em constante formação.
Trata-se de uma oportunidade de ensinar e de aprender, pois ensinar é
um processo indissociável do aprender. O objetivo das oficinas sobre
mini-histórias não era oferecer algo pronto em forma de um manual
de como produzi-las, mas justamente de gerar o processo formativo
e reconstrutivo presente na própria prática pedagógica e na escrita
delas. O professor pesquisador pode encontrar-se com a Educação
Infantil que gera o reconhecimento profissional desde a infância. Além
das oficinas apresentadas e ilustradas ao longo deste ensaio, também
estão relatados os desdobramentos dessa atuação nas participações
em fóruns da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo, em
2017, 2018 e 2019. A seguir, apontamos como ocorreram as oficinas
pedagógicas e os debates em torno dos impactos e inquietações
metodológicas desta investigação na Educação Infantil, assim
como seus desdobramentos e reflexões nos processos formativos e
pedagógicos com as oficinas acerca das mini-histórias.
SUMÁRIO 22
PROCESSOS PEDAGÓGICOS VERSUS
OFICINAS DE MINI-HISTÓRIAS
SUMÁRIO 23
que é apreendido e tecido junto. Vale destacar que tais experiências
foram desenvolvidas com vistas ao próprio processo de formação
e discussão das temáticas, e não para o registro e documentação.
SUMÁRIO 24
Além disso, cabe destacar que o ato de documentar envolve
produzir registros durante a jornada das crianças, a saber: fotografias,
anotações, filmagens, etc.. Esses registros transformam-se em
documentação que é o produto comunicado, neste caso, as mini-
histórias, que são narrativas do episódio vivido pelas crianças, seja
através do olhar do professor, do gesto e dos vínculos entre as
crianças sob a interpretação do adulto (FOCHI, 2019). No entanto, a
documentação pedagógica vai além de um produto final, pois constitui-
se em uma estratégia de investigação com ênfase nos laços formativos
do processo educativo (FOCHI, 2019). Embora o professor esteja
envolvido no projeto pedagógico com as crianças prezando o cuidado,
o acompanhamento e o educar, seu papel na EI precisa também
restabelecer o diálogo sensível por meio da partilha da documentação,
para que a família, a escola e a comunidade possam reconhecer o
plano formativo nesta etapa da criança. Isso significa que no momento
do registro o professor não interfere nas discussões entre as crianças,
mas dá voz e autoria à criança em sua própria ação no mundo. No
entanto, essa documentação agrega também a subjetividade do olhar
pedagógico no tempo/espaço escolar. Isso significa que o educador
inclui em suas escolhas pedagógicas a própria experiência e herança
cultural ao tentar capturar, por meio de fotografias, as cenas mais
significativas do desenvolvimento de cada criança.
SUMÁRIO 25
pouco sobre a história de vida com base na prática com mini-histórias
na Educação Infantil e como vem sendo desenvolvida historicamente e
reelaborada na própria prática investigativa e pedagógica. Em seguida,
partimos para um outro processo que foi a prática experimental da
oficina para explicar um processo de formação e construção de uma
outra narrativa visual que, ao mesmo tempo, era o processo de analisar
as evidências da documentação.
SUMÁRIO 26
Neste ponto, enquanto procurávamos referências sobre a temática,
aprendíamos novos modos de narração visual com os participantes e
construíamos esse relato a partir dos momentos-chave resgatados de
cada uma das experiências desenvolvidas com as oficinas.
SUMÁRIO 27
Ainda, na Universidade La Salle, em 2019, ministramos a mesma
oficina, junto à disciplina de Ação docente na Educação Infantil (0 a
3 anos), na condição de palestrante da aula “Experiências de Mini-
Histórias na Educação Infantil”. A oficina teve uma apresentação inicial
da proposta, contextualizando essa abordagem por meios de teóricos
do Brasil e do exterior que investigam a temática e, na sequência,
desenvolvemos a aplicação prática com mini-histórias em pequenos
grupos, a partir de imagens das crianças atuando em contextos do
cotidiano escolar. Vale ressaltar que o diferencial desta oficina foi que
produzimos um outro desfecho final para a oficina. A intencionalidade
foi contrastar as mini-histórias produzidas na aula com as que já
havíamos produzido com as mesmas sequências de imagens. O
objetivo foi apontar que cada professor tem um olhar sobre as situações
observadas e que essa perspectiva está diretamente ligada à ideia que
o professor tem da cultura da infância e das percepções pedagógicas
acerca do trabalho com as crianças.
SUMÁRIO 28
sobre essa proposta, e a outra escola foi a equipe diretiva que fez
o convite. Apresentamos de forma teórico-prática como na primeira
oficina as vivências das mini-histórias, mas a parte da experimentação
modificamos um pouco. Tratando-se de um grupo específico de uma
escola, solicitamos, com antecedência, que as professoras levassem
fotos digitais com sequências de imagens de crianças de sua turma
e um notebook para a produção das mini-histórias. A modificação foi
pensada para contemplar e incluir o contexto da escola, visto que na
experiência anterior as participantes não conheciam as crianças e
não tinham presenciado a cena. Assim, a prática teria mais sentido e
contemplaria o exercício da produção conjunta de mini-histórias. Além
disso, as participantes poderiam aproveitar o que haviam produzido
para usar na composição dos registros das crianças.
SUMÁRIO 29
Fonte: Imagens de acervo pessoal (2019).
SUMÁRIO 30
• Observe as crianças, perceba, faça os registros e escolha algo
para contar. Busque identificar um fio narrativo que ajude na
construção do texto.
SUMÁRIO 31
Além das oficinas com as mini-histórias, partilhamos a
experiência e desdobramentos delas em fóruns de 2017, 2018 e
2019, da Rede Municipal de ensino de Novo Hamburgo/RS, que abre
espaço anualmente para os professores compartilharem práticas
educativas. O relato apresentado em 2018, foi publicado em 2019,
na Revista Saberes em Foco, produzido pela Secretaria Municipal de
Educação de Novo Hamburgo (SMED). As imagens abaixo são do
acervo pessoal da pesquisadora (2018).
SUMÁRIO 32
não possuíam o hábito da escrita em coautoria. Relataram que
encontraram dificuldade visto que não conheciam a criança e não
sabiam o que ocorreu de fato nesses momentos registrados pela
sequência de práticas. Realizaram relatos diversificados, alguns mais
poéticos, outros mais descritivos e objetivos. Alguns curtos, outros
mais extensos. Mas ficaram orgulhosas no momento de apresentar e
socializar o resultado para o grande grupo.
SUMÁRIO 33
Frente a isso, rejeitamos a hipótese de que as imagens falam por
si mesmas, e em relação à produção de mini-histórias, as interpretações
narrativas e ponderações são condicionadas por percepções e
valores constitutivos do horizonte da própria vivência prática. Ao refletir
sobre o apontado pelas educadoras na primeira experiência, nas
escolas de Campo Bom/RS, resolvemos partir do contexto da escola,
aproximando a prática do trabalho pedagógico. É uma perspectiva de
epistemologia socioconstrutivista que ganha legitimidade no variado
terreno dos conhecimentos pedagógicos, das construções sociais e
das práticas humanas. Na escola onde as educadoras solicitaram a
oficina, a prática foi bem aceita, com entusiasmo e alegria, envolvendo
os múltiplos agentes do conhecimento. Demonstraram satisfação em
expressar as narrativas com base nas imagens e conseguiram realizar
plenamente o que foi proposto. Na outra escola, onde a equipe diretiva
idealizou e agenciou a proposta foi um pouco diferente a recepção
do grupo. Algumas participantes demonstraram interesse e ficaram
felizes. Outras pareciam desmotivadas e não conseguiram concluir a
atividade proposta no dia. Em relação à tecnologia, ficou evidente que
algumas profissionais não sabiam lidar com ferramentas simples como
Power Point e edição de imagens. Esse fato chamou a nossa atenção,
visto que a tecnologia está tão presente no cotidiano das pessoas, mas
ainda não sabemos usar os softwares básicos2. Nas escolas da rede
Municipal de Ensino de Novo Hamburgo/RS, as professoras estavam
motivadas e com muitas dúvidas sobre a escrita. Conversamos que
não existia uma verdade textual a ser seguida, mas que algumas coisas
deviam ser observadas na escrita. Neste dia, pensamos juntas alguns
possíveis enredos a partir das imagens que trouxeram. Posteriormente,
acompanhamos a produção dessas mini-histórias das participantes,
por meio do Facebook da escola.
SUMÁRIO 34
Mini-história produzida a partir da oficina realizada na
rede municipal de ensino de Novo Hamburgo/RS
SUMÁRIO 35
Na partilha de experiências sempre aprendemos, pois
professores estão em constante aprendizado em suas relações
com as crianças – artistas de cem linguagens em seus ateliês,
“onde há tempo para olhar e escutar, para a liberdade de
expressão, e onde existe o compromisso de aprofundar as
questões que devem ser abordadas: as próprias qualidades de
criatividade, imaginação, expressividade [...]” (GANDINI, 2019,
p. 17). Assim, na oficina realizada com o grupo de estudantes da
disciplina de Ação docente na Educação Infantil fomos levadas
a pensar sobre diversos aspectos, sendo um deles os diferentes
olhares que podemos ter diante da mesma situação e das
mesmas crianças. Discutimos sobre isso a partir da comparação
das mini-histórias produzidas pelos graduandos e a produzida
pela professora da turma, que visualizou e realizou a produção
da sequência fotográfica da criança. Não se trata aqui de juízo
de valor, mas de visões diferentes acerca do mesmo fato, da
posição dos participantes, que revela a diversidade e as tensões
que podem surgir durante o processo. Também é interessante
observar que os estudantes de Pedagogia normalmente têm uma
ideia romantizada das crianças. A revisão crítica dessa aula nos
fez ver que muitos perceberam as mini-histórias como uma escrita
inventiva, não dando-se conta de olhar para a criança como um
sujeito real que desenvolve aprendizagens no cotidiano.
SUMÁRIO 36
Mini-história produzida na oficina por um grupo de estudantes
a partir das imagens e contextos disponibilizados
SUMÁRIO 37
Tanto os autores brasileiros quanto os italianos que abordam e
desenvolvem o trabalho na perspectiva da cooperação, do raciocínio
das cem linguagens das crianças e da produção de sentido com
as mini-histórias provocam nossas próprias transformações
profissionais e dos membros da comunidade de aprendizagem.
Nesse cenário, tal proposta tem gerado a participação em diferentes
prêmios, por meio do diálogo dessas práticas integradas ao trabalho
conjunto na Educação Infantil3.
SUMÁRIO 38
falta de comprometimento com a cultura da infância exige do professor
o planejamento de ações e espaços para a aprendizagem das crianças
enquanto garantia de práticas inventivas que façam sentido para as
crianças, famílias e a comunidade. É possível desenvolver práticas
dentro do contexto com intencionalidade educativa e conhecimento
epistemológico, refletindo sobre o que se está fazendo na prática e não
apenas reproduzindo o que sempre se fez nas escolas de Educação
Infantil. É cada vez mais necessário que toda a criança seja respeitada
em seu protagonismo infantil de ser ativo na construção do seu processo
de aprendizagem. Isso engloba as possibilidades relacionadas à
escolha das materialidades e interações, bem como o respeito ao
tempo e ao processo das aprendizagens na infância, da escuta sensível
do educador diante de sua fala, gestos e comportamentos (do corpo
como um todo) da criança no cotidiano escolar.
SUMÁRIO 39
pedagógica e no que acredita. As mini-histórias enquanto registros
das histórias vivenciadas nas infâncias refletem também o profissional,
suas escolhas e formas de narrar aquela criança em ação, alcançando
as mais variadas áreas do conhecimento humano.
Escolher contar algo sobre as crianças diz muito mais do que
querer contar tudo. Ao mesmo tempo em que narramos sobre
as crianças que protagonizaram as histórias, também estamos
falando sobre a infância enquanto uma categoria geracional, e,
portanto, que é histórica e socialmente construída. Por isso, as
mini-histórias transformaram-se em metáforas narrativas que
nos contam sobre os processos de aprendizagem e construção
de significados pelos meninos e meninas. É possível também
saber muito sobre o professor e sobre a escola em cada mini-
história, pois aquilo que é escolhido ser narrado representa o
conjunto de crenças e valores celebrados pela instituição e
concretizado no cotidiano pedagógico. (FOCHI, 2019, p. 23).
SUMÁRIO 40
histórias, além de desvendar os processos de compreensão das
narrativas visuais como dispositivos de engajamento e (co)autoria.
Algumas questões acerca das singularidades das experiências
pedagógicas desenvolvidas com mini-histórias vêm à tona. Afinal de
contas, como e por que documentar os processos de formação desde
a EI? Como desenvolver o olhar investigativo na EI? No que impacta o
comprometimento pedagógico e o trabalho conjunto para a busca de
sentido da cultura infantil? “Pode-se falar do agir humano em geral e
nele englobar as práticas artísticas, ou estas constituíram uma exceção
às outras práticas”? (RANCIÈRE, 2009, p. 63). Talvez um passo
importante para o processo formador esteja no encontro comunicativo
com o outro pela cultura da infância, no sentido de estimular a partilha
do sensível que dá forma à comunidade de investigadores, com
práticas educativas repletas de expressão e (co)autorias. Os exemplos
aqui discutidos, em cada oficina, são evidentemente uma pequena
amostra de tentar desenvolver a autoria dos participantes, dando a
oportunidade de compartilhar práticas e aprender junto em meio aos
desafios da atualidade. Esse processo despertou a criatividade como
qualidade do pensamento e o desejo pela formação permanente de
professores (GANDINI, 2019). Precisamos investir esforços e estudos
para compartilhar conhecimentos na prática pedagógica cotidiana,
pois vemos nos cursos de formação universitária a inexistência
de professores identificados com as experiências da realidade
escolar. Teoria sem prática torna-se um abstracionismo pedagógico
descontextualizado. Formação profissional sem prática sociocultural
não faz sentido. Por acaso, um médico em formação é ensinado por um
professor de medicina que nunca operou alguém? Da mesma forma,
professores de graduação, especialização e outros cursos precisam
saber do que estão falando, e precisam buscar atualização constante,
realizando pesquisas dos contextos educacionais que são moventes e
(re)construídos a todo instante.
SUMÁRIO 41
As mini-histórias projetam experiências complexas de interação
humana, comunicação dos contextos vividos e confirmam sua
autenticidade e relevância ao serem reconhecidas e potencializadas
na produção pedagógica interpares. Se faz extremamente necessário
compartilhar as práticas desenvolvidas na Educação Infantil, para
inspirar outros profissionais a desenvolverem um trabalho mais
respeitoso e honesto com as crianças. Soma-se a isso, o fato da
valorização da Educação Infantil que só ocorrerá se o professor
tiver coragem de buscar formação constante, estar em posição de
aprendente e cultivar saberes epistemológicos da profissão para narrar
seus percursos formativos, tornando-se um professor pesquisador
junto às crianças. A ideia das mini-histórias precisa ser construída na
estrutura mental de um educador que saiba escutar, tirar o invisível
de todas as linguagens (oral, corporal, de estar com o outro), dando
vida ao trabalho pedagógico realizado na Educação Infantil, pois nessa
etapa relacionamos aprendizagens para a vida.
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