Unidade I - Introdução À História Do Pensamento Geográ Co

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Teoria e Métodos

em Geografia –
O pensamento
Geográfico
Material Teórico
Introdução à História do Pensamento Geográfico

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Introdução à História do Pensamento
Geográfico

·· Introdução
·· Origens do Conhecimento Geográfico
·· Mundo Moderno e o Conhecimento
·· O Conhecimento Científico
·· A Ciência Geográfica

Evidenciar os processos de evolução do conhecimento geográfico até sua


sistematização como Ciência.

É fundamental saber que houve ao longo da história diferentes concepções sobre Geografia,
entre as quais as formuladas por alguns antigos autores gregos e árabes. Na Idade Moderna
houve algumas condições advindas da situação da Europa que foram fundamentais à
produção do conhecimento geográfico e sua sistematização como Ciência.
Para compreender esses processos de formação do conhecimento geográfico torna-se
necessário ler com atenção o texto teórico, observar e ler os mapas, bem como realizar as
atividades propostas.

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Contextualização

Ao longo da história, homens e mulheres ao se relacionarem com a natureza, adaptarem-se


ou transformarem o meio no qual viviam com os conhecimentos que foram aprendendo, de
alguma forma a humanidade foi produzindo conhecimento que interessa ao que atualmente
chamamos de Ciência geográfica.
Mas o que é Geografia? Há diferentes concepções sobre o objeto de estudo da Geografia ao
longo da história e mesmo atualmente existem distintas abordagens teórico-metodológicas para
seu estudo.
Contudo, como a história da Geografia que nos foi contada teve nos países da Europa suas
principais referências, os acontecimentos pós-grandes navegações, ocorridos a partir das viagens
empreendidas pelos europeus foram essenciais para compreender a produção de conhecimento
de interesse geográfico.
Assim, Antonio Carlos Robert Moraes (2003, p. 41) elenca alguns pressupostos que ajudaram
na formação da Geografia:
O primeiro desses pressupostos dizia respeito ao conhecimento efetivo da
extensão real do Planeta. Isto é, era necessário que a Terra toda fosse pensada
de forma unitária em seu estudo. O conhecimento da dimensão e da forma real
dos continentes era a base para a idéia de conjunto terrestre, concepção basilar
para a reflexão geográfica. Esta condição começa a se realizar com as “grandes
navegações”, e as conseqüentes descobertas efetuadas pelos europeus a partir
do quinhentismo. A constituição de um espaço mundial, que tem por centro
difusor a Europa, é elemento destacado do processo de transição do Feudalismo
para o Capitalismo. A formação desse modo de produção exige a articulação
de suas relações a uma escala planetária, o que faz expandir a área de ação
das sociedades européias a todo o globo terrestre. Esse processo da formação
de um espaço mundializado pela primeira vez na História da humanidade só
está plenamente constituído em fins do século XIX. O que não quer dizer que,
nessa época, todos os pontos da Terra já haviam sido visitados, mas que sua
existência era conhecida. Havia consciência dos contornos gerais da superfície
terrestre, das terras existentes.

Entretanto, antes do período quinhentista houve também a produção de conhecimento


geográfico, caso da produção de autores gregos e árabes, por exemplo.
Leia o material teórico desta Unidade e compreenda um pouco dessa história do pensamento
geográfico até sua sistematização como Ciência.

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Introdução

Nesta Unidade trataremos sobre o conhecimento geográfico e sua sistematização como


Ciência, evidenciando os processos históricos de sua existência.
Ao longo da história humana homens e mulheres foram transformando o meio no qual
viviam, alterando a natureza e, de alguma forma, imprimindo um pouco da sua marca no
espaço geográfico e, desse modo, produzindo situações que são do interesse da Geografia.
Apesar de o conhecimento geográfico já existir desde os primeiros povos e civilizações, foram
principalmente os gregos na Idade Antiga (Antiguidade Clássica) os responsáveis pela produção
do saber relacionado à Geografia, cujas obras foram registradas e tornaram-se conhecidas
principalmente no mundo ocidental. Entre esses podemos citar Tales de Mileto, Anaximandro
de Mileto, Hecateu de Mileto, Hipócrates, Heródoto, Eratóstenes, Estrabão e Ptolomeu.
É importante ressaltar que a produção do conhecimento geográfico até sua sistematização
como Ciência tem relação principalmente com a Ciência produzida na Europa. Por isso, embora
possa ter existido outros povos que tenham refletido sobre conhecimentos relativos à Geografia,
nem sempre tivemos acesso às suas teorias. Tal situação ocorreu tanto porque tais obras não
foram traduzidas pelo mundo ocidental ou se perderam, quanto porque a difusão da Ciência
que tivemos contato veio através do processo de colonização empreendida pelos europeus.
A seguir compreenderemos um pouco da história do conhecimento geográfico até sua
sistematização.

Origens do Conhecimento Geográfico

O termo Geografia é antigo e tem origem na Grécia Antiga. Etimologicamente significa Geo
(terra) e grafia (descrição). Contudo, pensar o que é Geografia passa pela forma como os autores
ao longo da história foram designando essa área do conhecimento. Há variadas concepções
sobre o objeto de estudo da Geografia, variando conforme a matriz teórico-metodológica de
cada autor.
Em alguns casos, havia conhecimento no passado, mais próximo do que hoje chamamos de
Cartografia, essa que antes era vista como Geografia, embora em algumas situações estivesse
mais próxima da Matemática e da Astronomia. A concepção sobre o formato da Terra, o desenho
de itinerários de viagens, mapas de diferentes tipos e óticas foram elaborados por inúmeros
povos ao longo da história.
Também havia alguns conhecimentos que no passado não eram considerados Geografia, mas
que hoje são reconhecidos como tal, caso, por exemplo, do trabalho elaborado por Hipócrates e
que atualmente denominamos de Geografia da Saúde.

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Hipócrates, que viveu entre os séculos V e IV a.C., é considerado um dos “pais da Medicina”.
Em uma das obras atribuídas a esse pensador, chamada de Dos ares, águas e lugares, relaciona
as condições de saúde ao meio em que viviam as pessoas, atribuindo certas doenças ao ar, à
água e ao lugar. Desse modo, hoje isto poderia ser considerado conhecimento geográfico, mas
na época não era.
Como afirma Antonio Carlos Robert Moraes (2003, grifos nossos), em sua obra Geografia:
pequena história crítica:
Desta forma, pode-se dizer que o conhecimento geográfico se encontrava
disperso. Por um lado, as matérias apresentadas com essa designação eram
bastante diversificadas, sem um conteúdo unitário. Por outro lado, muito do
que hoje se entende por Geografia, não era apresentado com este rótulo. Este
quadro vai permanecer inalterado até o final do século XVIII. Isto não quer
dizer que inexistam autores expressivos, no decorrer deste enorme período
da História da humanidade, que tenham dado esta rotulação a seus estudos.
Basta pensar em Cláudio Ptolomeu, que escreve uma obra Síntese Geográfica
que, principalmente em sua versão árabe intitulada Almagesto, vai constituir-se
num dos principais veículos que resgatam as descobertas do pensamento grego
clássico, durante a Idade Média.

Almagesto é uma obra escrita por Cláudio Ptolomeu, autor grego que viveu em
Alexandria. Era considerado astrônomo, geógrafo, cartógrafo e matemático. Uma das
teses de sua obra foi a Teoria Geocêntrica, na qual o autor propunha que a Terra fosse
o centro do Universo e que outros corpos celestes girassem em torno de nosso planeta.

Outro autor que ficou conhecido como historiador e geógrafo é Heródoto (século V a.C.), que
relatou inúmeras guerras entre os persas (povo do atual Irã) e os gregos, bem como informações
sobre o Império Persa. Elaborou também um mapa do que se conhecia na época (reelaborado
a partir da obra de Heródoto), onde se pode observar a Líbia, parte da Europa, sobretudo no
entorno do Mar Mediterrâneo, península arábica etc., conforme se vê na Figura 1.

Figura 1 – Mapa de Heródoto.

Fonte:Samuel Butler (1774-1839)/Wikimedia Commons

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Já Eratóstenes (séculos II-III a.C.), considerado matemático, geógrafo e astrônomo, contribuiu
para a discussão da esfericidade da Terra, por meio da Geometria, bem como através de cálculos
matemáticos e da observação da posição do Sol. Em Alexandria e Siena (atual Assuã), previu a
circunferência da Terra com medidas próximas da atualmente definida.
Outro autor grego foi Estrabão (século I a.C.), que viveu em Roma e escreveu uma obra intitulada
Geografia, na qual descrevia os povos e os lugares conhecidos naquela época pelos gregos, tratando
dos costumes, crenças e religiões, em um total de dezessete livros. Tais volumes foram organizados
da seguinte forma: os volumes I e II com uma introdução à obra; do III ao X descreviam a Europa,
principalmente a Grécia, sendo que o III dedicava-se especificamente à Ibéria; do livro XI ao XVII era
descrita a Ásia Menor; e o volume XVII descrevia a África (Egito e Líbia).
Conforme comenta Auro de Jesus Rodrigues (2008, p. 45):

Estrabão (64 a.C.-21 d.C.), filósofo, geógrafo e historiador, era um grego que
viveu em Roma. Após ter viajado pela Europa, Ásia e África, voltou a Roma e
escreveu um importante trabalho de dezessete volumes intitulado Geographia
(Geografia), com a história e a descrição dos lugares e dos povos de todo
o mundo que lhe era conhecido, resultado dos fatos observados durante as
viagens e de informações recolhidas nas obras gregas [...] cabe a Estrabão o
mérito de ter utilizado pela primeira vez, o termo Geografia.

Já Cláudio Ptolomeu produziu estudos enciclopédicos sobre os lugares e produziu mapas do


mundo conhecido até então. Contudo, sua obra mais conhecida foi Almagesto, traduzida pelos
árabes e difundida para outros povos.
A concepção de que a Terra era o centro do Universo foi adotada pela igreja católica na
Europa durante a Idade Média (do século V ao XV), pois segundo a concepção religiosa da
Europa nesse período, se Deus criou o mundo e todas as coisas do céu e da terra, então a Terra
só poderia ser o centro do Universo. Essa tese foi substituída apenas em 1543 pela teoria de
Nicolau Copérnico.

Figura 2 – Mapa T-O.

Fonte: Wikimedia Commons

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Durante a Idade Média na Europa, inclusive, a igreja adotou um mapa que representava o
mundo (Figura 2) a partir da concepção religiosa, ou seja, a Ásia aparece com destaque, pois
foi onde cristo nasceu. Esse documento ficou conhecido como mapa T-O. Do ponto de vista
cartográfico, foi uma regressão em relação aos mapas anteriormente elaborados pelos gregos.
Para além da produção europeia, durante a Idade Média os árabes produziram conhecimentos
relativos à Geografia e à Cartografia, destacando-se Al-Biruni (973-1048), Al-Idrisi (1100-1166)
e Ibn Battuta (1304-1368), como explica Auro de Jesus Rodrigues (2008, p. 53):

No campo da Geologia e da Geografia, Al-Biruni contribuiu para o conhecimento


das erupções geológicas e da metalurgia, para a medição das longitudes e
das latitudes. Explicou o funcionamento das nascentes naturais e dos poços
artesianos. Já Al-Idrisi se ocupou de muitas Ciências, entre as quais a Botânica e
a Farmacologia; porém seu conhecimento se deve principalmente aos trabalhos
de Geografia e de Cartografia.

Desse modo, verifica-se que se em parte da Europa o conhecimento avançou menos


ou esteve mais atrelado à igreja católica, já em parte do mundo árabe, mulçumano, houve
desenvolvimento do conhecimento e da Ciência no período da Idade Média.

Mundo Moderno e o Conhecimento

A chamada Geografia Moderna teve sua formação principalmente na Alemanha, com


Humboldt, Ritter e Ratzel. Antes do final do século XVIII não havia uma unidade temática ou
formulações sistematizadas e contínuas na Geografia, embora tenha havido obras importantes
ao longo da história, como aponta Antonio Carlos Robert Moraes (2003, p. 34):
Designavam-se como Geografia: relatos de viagem, escritos em tom literário;
compêndios de curiosidades, sobre lugares exóticos, áridos relatos estatísticos
de órgãos de administração; obras sintéticas, agrupando os conhecimentos
existentes a respeito dos fenômenos naturais.

Assim, algumas premissas foram importantes à formação da Geografia como Ciência, entre
as quais destacam-se:
··O conhecimento efetivo da extensão da Terra, que começou a acontecer, sobretudo,
com as grandes navegações no século XVI;
··As informações sobre variados lugares. Esta condição refletia uma base empírica da Geografia;
··O avanço do mercantilismo e a formação dos impérios coloniais;
··O aprimoramento das técnicas cartográficas;
··A expansão do capitalismo e os interesses da burguesia;
··A postura progressista do ponto de vista filosófico, que deslegitima o discurso e a ordem
feudal e busca um discurso racional, a razão como fundamento na percepção da realidade;
··As ideias evolucionistas de Lamarck e Darwin.

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Faz-se importante entender um pouco mais essas condições que, de alguma forma, ajudaram
na formação da Ciência Geográfica.
Um dos aspectos principais a serem considerados foram as “grandes navegações”, que
possibilitaram um maior conhecimento sobre os continentes, seus limites e também permitiram
o avanço da Cartografia. Na verdade, os avanços da cartografia e das navegações tinham
relação entre si e ambos permitiram esse maior saber sobre os continentes e mundo. Além
disso, houve a expansão do comércio a partir do século XVI, que demandou a representação
cartográfica e precisa dos fenômenos observados e da localização dos lugares.
No século XVI, a confecção dos mapas passou por uma grande mudança, primeiramente
com a confirmação de que a Terra era redonda, com a viagem de circunavegação ao redor de
nosso planeta, realizada por Fernão de Magalhães, que era um navegador português.
As grandes navegações e a expansão das atividades comerciais exigiam que os mapas
fossem mais precisos, com os contornos das regiões litorâneas mais detalhadas. A utilização
de equipamentos técnicos possibilitou o levantamento da latitude, da longitude, entre outras
informações, permitindo maior precisão sobre a localização e características das costas litorâneas,
de suas formas de relevo, da altitude etc.
Consequentemente, os grandes descobrimentos, como o do chamado Novo Mundo, que viria
a ser o continente americano, permitiu a ampliação do saber geográfico sobre o mundo que,
anteriormente a tais descobertas, era mais circunscrito à Europa e à parte da África e da Ásia.
Outro fator essencial que ocorreu no século XV foi o advento da imprensa e da técnica de
gravação, permitindo que os mapas fossem reproduzidos em maior número. Um desses mapas,
considerado um dos primeiros mapa mundi (Figura 3) foi produzido pelo cartógrafo Gerard
Mercator, já no século XVI.

Figura 3 – Mapa de Mercator.

Fonte: ocw.unican.es

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Nesse mapa já se observa um maior detalhe e rigor em relação à representação da Terra, mas, ao
mesmo tempo, essa representação, que hoje é considerada comum, mostra o Continente americano
na parte Oeste e a Europa na parte Centro-Norte, evidenciando a visão política que também
influenciava na Cartografia, transmitindo a ideia de que a Europa era o centro do mundo.
De qualquer forma, tais avanços da Cartografia, das grandes navegações, da impressão e
da possibilidade de imprimir cópia dos mapas e livros fez com que houvesse maior difusão de
informações provenientes do mundo conhecido até então.
Já com o processo de colonialismo, principalmente do Continente americano, houve interesse
das metrópoles colonizadoras, entre as quais Portugal, Espanha, França e Inglaterra, em melhor
conhecer os territórios ocupados.
De alguma forma, ainda que não fosse conhecimento científico sistematizado, havia muitos
relatos, relatórios e expedições empreendidas no Continente americano e por outros continentes
que permitiram a produção de informações relacionadas com a Geografia ou com Ciências
afins, caso da Meteorologia, Climatologia, Mineralogia, Geologia etc., assim como o próprio
saber sobre a fisiografia dos lugares, dos grupos humanos e suas características raciais e culturais.
Tal produção de conhecimento tem relação com o interesse do próprio processo de colonização,
já que à medida que se conhecia melhor os territórios ocupados, também tornava-se possível aos
países colonizadores uma maior condição de exploração. Logo, esse conhecimento produzido
não era de interesse e finalidade científica, apenas, dado que também havia intenção política e
econômica nessas informações.
Portanto, o avanço do mercantilismo e a formação dos impérios coloniais tiveram relação
com a produção de conhecimento geográfico.
Durante a Idade Moderna houve na Europa outro aspecto relevante, que diz respeito à gradual
mudança da concepção de mundo e da transformação de um discurso que era essencialmente
religioso, teológico, à busca por uma explicação racional do mundo.
A despeito disso, não significa que todos e, sobretudo os mais pobres, tivessem acesso à
Ciência e deixassem de lado suas crenças e religiões, mas parte da sociedade, principalmente os
intelectuais, começava a buscar outras formas de explicação para a realidade, causalidades que
não fossem mediadas apenas pelo discurso teológico, esse que concedia a Deus a explicação
sobre a existência do mundo.
No período denominado de Iluminismo (século XVIII), ou século das luzes, um discurso mais
racional, a razão, ganhava força e passava a ser considerado como uma forma de explicação e
percepção da própria realidade. Buscando legitimar um mundo mais moderno se comparado à
ordem feudal e ao discurso religioso dominante durante a Idade Média na Europa.
Nesse sentido, o geógrafo Paulo Cesar da Costa Gomes (2007, p. 30) explica esse período:

O conhecimento como argumentação deve se submeter à prova pública da


demonstração, seguindo uma prática que já começou no século das luzes. A
aceitação de um julgamento se concretiza pela confrontação com outros pontos
de vista, a partir dos quais o novo julgamento demonstra sua superioridade
explicativa, ou, o seu melhor ajuste. Então, a ideia da racionalidade busca,
portanto, explicar a realidade e, nesse período do século XVIII, sobretudo, a

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Ciência passa a ser vista como uma possibilidade de progresso. Então, a saída
do progresso da humanidade era vista com o avanço da Ciência. Alguns autores
como Francis Bacon, Gandhi, que também foi um filósofo meio geógrafo e
também, já no século XVIII-XIX, avança ainda mais. Esse conhecimento
científico também vai ser importante, não só para a Geografia, mas para a
formação de outras Ciências nos séculos XVIII e XIX.

Nos séculos XVIII e XIX aquelas informações que, em princípio, não eram ainda formalizadas ou
sistematizadas como conhecimento científico, foram se transformando em produção mais formal.
Muitas das viagens e expedições pelos territórios coloniais, por exemplo, passaram também
a trazer cientistas, tanto pelo interesse das metrópoles colonizadoras, quanto também da
emergente burguesia.
Na medida em que esses territórios colonizados do Continente americano, ou também da
África e da Ásia foram sendo pesquisados, os europeus acumulavam conhecimentos sobre
os diversos territórios do mundo. Isto era importante do ponto de vista econômico para a
própria expansão do capitalismo e, portanto, a nova burguesia também tinha interesse nesses
conhecimentos produzidos a partir desses levantamentos feitos pelas expedições científicas.
Bruno Latour (2000) comenta a diferença dessas pesquisas científicas em detrimento do
conhecimento local, citando um exemplo de uma comunidade chinesa de pescadores que
conhecia a localização de uma ilha no Pacífico, bem como seus limites e características. Contudo,
esse conhecimento local, de quem vive o cotidiano, diferenciava-se dos navios das viagens
científicas, porque:
Os dois navios, assim como os satélites científicos de hoje em dia, foram aprisionados com
todos os instrumentos e os conhecimentos científicos disponíveis; neles foram postos os melhores
relógios para leitura do tempo, portanto para mensuração mais precisa da longitude, e bússolas,
para medir a latitude; foram contratados astrônomos para reparar os relógios, vigiá-los e reparar
os instrumentos; botânicos, mineralogistas e naturalistas, foram levados à bordo para colher
amostras; foram recrutados artistas para desenhar e pintar retratos das amostras que fossem
pesadas ou frágeis demais para sobreviver à viagem de volta; na biblioteca do navio foram postos
todos os relatórios de viagem que haviam sido escritos sobre o Pacífico (LATOUR, 2000, p. 351).
Dessa forma, Bruno Latour mostra a diferença desse conhecimento produzido a partir das
expedições científicas empreendidas principalmente pelos europeus, da Ciência universal, cujo
interesse, uso e técnica se distinguem do saber popular e local.
Cita, por exemplo, a forma de coletar os materiais da Botânica, da Zoologia e da Geologia,
criando algumas possibilidades de transportar esses achados, essas coletas de animais, de
vegetais ou mesmo minerais até a Europa.
Uma das formas, por exemplo, no caso da Zoologia foi empalhar os espécimes; no caso da
Botânica foi o processo de secagem das plantas (folhas, flores e caules). Tudo isto é técnica!
Ao mesmo tempo, os cientistas levavam tudo isso à Europa porque a Ciência moderna é
europeia, que se difundiu pelo mundo via processo de colonização e também pela expansão
do capitalismo. Criaram-se museus de animais e jardins botânicos como forma de mostrar essa
Ciência e os conhecimentos científicos na própria Europa.

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

De alguma forma, portanto, certos países europeus passaram a centralizar e a controlar


esse conhecimento produzido e, como diz o próprio Latour (2000), quanto mais dominadora
se tornava a própria Europa, mais formalismo essa exigia, então, o conhecimento científico
tornava-se, portanto, mais formal, organizado segundo alguns princípios.

Desse modo, nos séculos XVIII e XIX as viagens marítimas ganharam novas características:
além de comerciais e exploratórias, tornaram-se também científicas. As viagens científicas
serviam de base aos mais variados interesses de diversas áreas, tanto economicamente quanto
do ponto de vista científico.

Nessas a participação dos naturalistas foi mais expressiva, com o envolvimento de


mineralogistas, botânicos, geólogos, zoólogos ou simplesmente dos cientistas naturais como
eram denominados, já que as Ciências não eram tão divididas como são atualmente.

Havia também a participação de outras áreas do conhecimento, caso de geógrafos,


antropólogos, etnógrafos e também desenhistas e pintores que retratavam as viagens e as diversas
paisagens existentes, assim como após a existência da fotografia, por meio dessa tecnologia.

Nos séculos XVIII e XIX houve também transformações em relação a algumas temáticas que
eram concebidas como verdade universal, caso, por exemplo, da origem do homem.

Se no período da Idade Média na Europa a igreja definia a explicação do mundo, com o


advento da Ciência moderna alguns paradigmas foram repensados, como foram os casos da
própria história da evolução do Planeta e da existência do homem.

É o caso, por exemplo, das teorias de Lamarck e Darwin que, no século XIX, revolucionaram
o que se pensava, por exemplo, sobre a origem das espécies. Charles Darwin, britânico, fez
parte de viagens científicas pelo mundo. Tornou-se conhecido um trecho de sua viagem a partir
de observações nas Ilhas de Galápagos, na América do Sul, onde observou que havia espécies
significativamente diferentes das encontradas em outros lugares, ou ainda de características
diferentes dentro da mesma espécie.

A partir dessas observações, publicou, em 1859, a obra Sobre a origem das espécies por meio
da seleção natural ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida, formulando uma teoria
da evolução das espécies, a chamada teoria da seleção natural, mostrando que essas evoluíam ao
longo do tempo e as mais adaptadas na luta pela vida geraram descendentes mais fortes.

A partir dessa e outras teorias evolutivas da época, a origem das espécies e principalmente
do homem passou a ser questionada, quando comparada com as explicações que eram
estabelecidas pela religião.

Desse modo, todos esses aspectos citados são importantes não apenas à formação da
Ciência geográfica, mas também de outras áreas do conhecimento, sobretudo nos séculos
XVIII e XIX.

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O Conhecimento Científico
A maioria dos geógrafos (MORAES, 2003) considera que a Geografia apenas foi se
organizando como Ciência a partir dos séculos XVIII e XIX, principalmente mediante as obras
de Alexander Von Humboldt e Karl Ritter, ambos alemães.
Nessa concepção, afirma-se que os estudos e as obras anteriores, embora muitas com
importância à Geografia, não necessariamente tinham tal formalidade, sistematização que se
encontra em uma obra científica a partir da Ciência moderna. Afirmação discutível, dado que
não são todos os autores que concordam com tal origem. De qualquer forma, cabe entendermos
o que significa conhecimento científico, antes de continuarmos a história do pensamento geográfico.
Ao longo da história humana, mediante as relações do ser humano com a natureza, em
suas atividades de trabalho, nas interações intergrupais, socioculturais ou intragrupais, homens
e mulheres foram adquirindo conhecimento em suas vivências cotidianas. Esse saber é
denominado de conhecimento popular ou senso comum.
Por outro lado, embora se reconheça a importância do conhecimento popular, há outras
formas de saber, entre os quais o religioso, o filosófico e o científico.
Ressalta-se que não precisamos desconsiderar o conhecimento popular ou o definirmos
como menos importante. Há alguns casos em que tais saberes são transformados também em
conhecimento científico. É o caso, por exemplo, do uso de plantas medicinais que, ao longo
da história a humanidade, foi utilizando e compreendido por meio da empiria – ou seja, da
vivência prática – que tal uso trazia alguns benefícios à saúde. Atualmente para alguns casos
esse uso da planta foi transformado em remédio, estudado cientificamente, tornando-se um
produto da farmacologia, que é uma Ciência.
Ressalta-se que, enquanto cidadãos e principalmente no papel docente, é fundamental
respeitar as crenças e/ou religiões e os conhecimentos distintos das diferentes pessoas. No
entanto, também é relevante perceber que o conhecimento científico tem outras características
que o distinguem dos saberes elaborados pelas religiões ou pela opinião popular.
Assim, pode-se destacar algumas das principais características do conhecimento científico,
entre outras:

·· A primeira refere-se ao fato de que conhecimento científico é organizado, sistematizado,


segundo alguns princípios, regras, métodos e procedimentos. Desse modo, por exemplo,
se perguntarmos a uma pessoa que não teve acesso ao saber científico: “Por que chove?”
Essa poderá explicar embasada por sua crença, por exemplo que: “Chove porque Deus
quis”. Contudo, por ter uma vivência empírica, prática, de seu cotidiano, pode também
explicar o processo da formação e precipitação da chuva. No entanto, não precisa
comprovar sua concepção, não necessita apresentar seus procedimentos metodológicos
para justificar sua definição sobre essa questão;
·· O segundo aspecto a ser considerado no conhecimento científico diz respeito às
evidências, provas, teorias e a forma de explicar uma determinada realidade com
certo formalismo;

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

·· Um terceiro aspecto é a questão do método. Toda Ciência e conhecimento científico


são precedidos de um método. O método é a concepção que o pesquisador tem sobre
um determinado assunto ou realidade, seguindo geralmente alguns passos e formas de
conceber o mundo na busca pela verdade. A partir do método definido para uma pesquisa,
desenvolvem-se também os procedimentos, que podem ser, por exemplo: a observação,
a experimentação, a aplicação de um questionário, a modelagem matemática, o uso de
estatísticas, a comparação, a classificação etc.

A Ciência moderna, que foi difundida pela Europa para praticamente todo o mundo,
tornou-se uma Ciência universal. Tal Ciência é formal e esse formalismo é, portanto,
exigido dentro do conhecimento científico por meio da elaboração de regras, métodos,
procedimentos, hipóteses e teorias.
Cada Ciência possui uma forma de compreender a realidade, cada Ciência tem um objeto de
estudo, ou seja, é a forma daquela Ciência buscar compreender a realidade. Mas nunca deve-se
confundir a própria realidade com o modo de tentar entendê-la.
Nesse sentido, por exemplo, a Geologia é uma Ciência que estuda rochas e minerais; a
Botânica estuda as plantas; a Zoologia estuda os animais. Essas Ciências são chamadas de
Ciências Naturais.
Por outro lado, existem algumas Ciências denominadas de Humanas. É o caso, por exemplo,
da Sociologia, que estuda a sociedade, da Antropologia Cultural que estuda o homem e a sua
cultura e também é o caso da Geografia. Daí dizer que uma Ciência é humana não a define,
mas a classifica como uma área do conhecimento, cujo principal objetivo de estudo é o homem.
No entanto, a Psicologia estuda o homem, a Geografia e a Sociologia também, mas cada uma
dessas Ciências tem um diferente objeto de estudo, ou seja, cada uma procura entender o
homem sob um diferente prisma.

A Ciência Geográfica

E o que é Geografia? Qual seria seu objeto de estudo? Ao longo da história do pensamento
geográfico, a ideia do que seria Geografia e de como se deveria estudá-la foi mudando.
Mesmo a partir do momento em que a Geografia busca ter mais claramente um estudo
formal, sistematizado, organizado, segundo alguns princípios, com um determinado método,
ainda assim, sua definição foi variando conforme a matriz teórico-metodológica dos autores.
Daí que, por exemplo, existem diferentes perspectivas do que seria Geografia. Entre as quais
pode-se destacar as seguintes:
Uma perspectiva mais regional, ou seja, a ideia de que a Geografia estuda as diferentes
regiões do mundo;
··Outra com a ótica do estudo da relação do homem com o meio;
··A outros caberia à Geografia a descrição da paisagem;

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··A Geografia como estudo das diferenciações de áreas;
··A criação de modelos e padrões matemáticos à análise da realidade geográfica;
··A visão dialética do espaço ou da totalidade do espaço geográfico, ou seja, a Geografia
como uma Ciência espacial.

Alguns autores (MORAES, 2003; SODRÉ, 1977) afirmam que essas diferentes formas
de pensar e compreender Geografia são as “escolas ou correntes geográficas”, tais como: o
Possibilismo Geográfico, o Determinismo Geográfico, a Geografia de Diferenciação de Áreas,
a Geografia Crítica, a Geografia Pragmática, ou seja, cada um desses nomes significa uma
concepção diferente do que seria Geografia e, em cada uma dessas “escolas” geográficas,
haveria dessemelhantes autores com distintos métodos e concepções geográficas.
Atualmente, há também autores que definem que para além de escolas ou correntes
geográficas, haveria, na verdade, desiguais concepções desenvolvidas pelos teóricos da
Geografia, como é o caso de Ruy Moreira (2009), pois mesmo na chamada Geografia Crítica
há diferentes concepções e nem todos têm a mesma percepção ou forma de pensar Geografia.
Considera-se que há alguns aspectos comuns em algumas obras de autores que nos permitem
agrupá-los conforme suas concepções, as quais podemos denominar de correntes geográficas,
ou mesmo de matrizes teórico-metodológicas. Isso não significa que todos os autores classificados
como humanistas, por exemplo, sejam iguais, mas sim em ter algo em comum.
Outro aspecto a ser lembrado diz respeito ao fato de a Ciência, seja qual for, possuir um
conjunto de categorias e conceitos que lhe são próprios e comuns. No caso da Geografia, essas
categorias mais importantes são território, paisagem, região, lugar e espaço, já que Geografia é
uma Ciência espacial.
Tais categorias e seus conceitos são a forma de entendermos a realidade e é fundamental
conhecer os termos e classificações próprias da Ciência geográfica.
É importante também perceber que a produção do conhecimento geográfico passou por
diferentes mudanças ao longo da história, principalmente a partir dos séculos XVIII e XIX,
tornando-se mais organizado e sistematizado conforme os princípios da Ciência moderna.
Do século XIX ao XX a Geografia passou por um longo período, o qual alguns autores
denominam de Geografia Tradicional, que era uma Geografia extremamente relacionada à
observação, descrição e memorização de nomes e localizações geográficas, tornando-se um
conhecimento enciclopédico. Contudo, sobretudo a partir da década de 1970, passou-se
também a figurar novas propostas e concepções geográficas. Entre as quais, destacam-se as
abordagens crítica e humanista.
Então, reitera-se que há diversas concepções sobre o que é Geografia ao longo da história do
pensamento geográfico, mesmo atualmente há diferentes concepções sobre essa questão.

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Material Complementar

Um livro sobre a história do pensamento geográfico que pode ser lido como
complemento das ideias e temas desta disciplina é o seguinte:

GODOY, P. R. T. (Org.). História do pensamento geográfico epistemologia em


Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica; Unesp, 2010. Disponível em:
• http://livros.universia.com.br/2012/06/04/baixe-gratis-o-livro-historia-do-
pensamento-geografico-e-epistemologia-em-geografia

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Referências

GODOY, P. R. T. (Org.). História do pensamento geográfico epistemologia em Geografia.


São Paulo: Cultura Acadêmica/Unesp, 2010.

GOMES, P. C. da C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São
Paulo: Unesp, 2000, p. 348-415.

MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Annablume, 2003.

______. A gênese da Geografia Moderna. São Paulo: Hucitec; Edusp, 1989.

MOREIRA, Ruy. O pensamento geográfico brasileiro: as matrizes da renovação. v. 2. São


Paulo: Contexto, 2009.

RODRIGUES, A. de J. Geografia: introdução à Ciência Geográfica. São Paulo: Avercamp, 2008.

SODRÉ, N. W. Introdução à Geografia: Geografia e ideologia. Petrópolis, RJ: vozes, 1977.

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Unidade: Introdução à História do Pensamento Geográfico

Anotações

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