Michael Huemer - O Problema Da Autoridade Politica - 2021
Michael Huemer - O Problema Da Autoridade Politica - 2021
Michael Huemer - O Problema Da Autoridade Politica - 2021
Autoridade Política
Um Exame do Direito de Coagir
e do Dever de Obedecer
Michael Huemer
O Problema da
Autoridade Política
Um Exame do Direito de Coagir
e do Dever de Obedecer
Michael Huemer
Universidade do Colorado em Boulder
Giácomo de Pellegrini
Tradução
Sociedade Aberta
Conteúdo
Prefácio viii
I A Ilusão da Autoridade 1
1 O Problema da Autoridade Política 2
1.1 Uma parabola política 2
1.2 O conceito de autoridade: uma primeira passagem 4
1.3 Ações versus agentes: a necessidade de autoridade 6
1.4 O significado de coerção e o alcance da autoridade 7
1.5 O conceito de autoridade: uma segunda passagem 10
1.6 Um comentário sobre metodologia 13
1.7 Plano do livro 16
i
CONTEÚDO ii
4 A Autoridade da Democracia 55
4.1 Majoritarismo ingênuo 55
4.2 Democracia deliberativa e legitimidade 56
4.2.1 A ideia de democracia deliberativa 56
4.2.2 Democracia deliberativa como fantasia 57
4.2.3 A irrelevância da deliberação 60
4.3 Igualdade e autoridade 61
4.3.1 O argumento da igualdade 61
4.3.2 Uma teoria da justiça absurdamente exigente? 64
4.3.3 Apoiando a democracia através da obediência 66
4.3.4 A igualdade democrática é exclusivamente pública? 67
4.3.5 Respeitando os julgamentos de outras pessoas 69
4.3.6 Coerção e tratando os outros como inferiores 70
4.3.7 Da obrigação para a legitimidade? 72
4.4 Conclusão 74
5 Consequencialismo e Equidade 76
5.1 Argumentos consequencialistas para obrigação política 76
5.1.1 A estrutura dos argumentos consequencialistas para obriga-
ção política 76
5.1.2 Os benefícios do governo 76
5.1.3 O dever de fazer o bem 78
5.1.4 O problema da redundância individual 79
5.2 Consequencialismo de regras 80
5.3 Equidade 81
5.3.1 A teoria da equidade da obrigação política 81
5.3.2 Obediência como custo de bens políticos 83
5.3.3 Obrigação política para dissidentes 86
5.3.4 Particularidade e a questão de bens alternativos 87
CONTEÚDO iii
6 A Psicologia da Autoridade 96
6.1 A relevância da psicologia 96
6.1.1 Este livro é perigoso? 96
6.1.2 O apelo à opinião popular 97
6.2 O experimento de Milgram 100
6.2.1 Método 100
6.2.2 Previsões 102
6.2.3 Resultados 102
6.2.4 Os perigos da obediência 103
6.2.5 A falta de confiabilidade de opiniões sobre autoridade 104
6.3 Dissonância cognitiva 105
6.4 Demonstração social e viés de status quo 108
6.5 O poder da estética política 110
6.5.1 Símbolos 110
6.5.2 Rituais 112
6.5.3 Linguagem de autoridade 114
6.6 Síndrome de Estocolmo e o carisma do poder 117
6.6.1 O fenômeno da Síndrome de Estocolmo 117
6.6.2 Por que a Síndrome de Estocolmo ocorre? 119
6.6.3 Quando ocorre a Síndrome de Estocolmo? 120
6.6.4 Os cidadãos comuns são propensos à Síndrome de Estocolmo?121
6.7 Estudos de caso sobre abuso de poder 123
6.7.1 My Lai revisitado 123
6.7.2 O Experimento Prisional de Stanford (EPS) 125
6.7.3 Lições do EPS 125
6.8 Conclusão: anatomia de uma ilusão 128
Referências 322
Prefácio
viii
Prefácio ix
1
1
2
1. O Problema da Autoridade Política 3
Por que concedemos esse status moral especial ao governo e somos justificados
ao fazê-lo? Este é o problema da autoridade política.
uma ameaça de dano, incluindo a imposição coercitiva de dano real àqueles que
são flagrados violando a lei. Na moral do senso comum, a ameaça ou imposição
coercitiva real de dano está normalmente errada. Isso não quer dizer que não
possa ser justificada; é apenas dizer que a coerção requer uma justificativa. Isso
pode ser devido à maneira pela qual a coerção desrespeita as pessoas, procurando
ignorar sua razão e manipulá-las através do medo, ou a maneira pela qual parece
negar a autonomia e a igualdade de outras pessoas.
Não tentarei explicação alguma abrangente de quando a coerção é justifi-
cada. Confio no julgamento intuitivo de que a coerção prejudicial requer uma
justificativa, bem como em algumas intuições sobre condições particulares que
constituem ou não justificativas satisfatórias. Por exemplo, uma justificativa legí-
tima é a autodefesa ou defesa de terceiros inocentes: alguém pode coagir outra
pessoa se for necessário para impedir que ela prejudique injustamente outra
pessoa. Outra justificativa para coerção prejudicial é o consentimento. Assim, se
você estiver em uma luta de boxe com a qual ambos os participantes concordaram,
poderá dar um soco no seu oponente.
Por outro lado, muitas razões possíveis para coerção são claramente inade-
quadas. Se você tem um amigo que come muitas batatas fritas, tente convencê-lo
a desistir. Mas se ele não ouvir, você não pode forçá-lo a parar. Se você admira o
carro do seu vizinho, pode se oferecer para comprá-lo. Mas se ele não vender,
você não pode ameaçá-lo com violência. Se você não concorda com as crenças
religiosas de seu colega de trabalho, tente convertê-lo. Mas se ele não ouvir,
você não pode dar um soco em seu nariz. E assim por diante. Na ética do senso
comum, a esmagadora maioria das razões para a coerção falha como justificativa.
Os Estados modernos precisam de uma explicação da legitimidade política,
porque os Estados modernos geralmente coagem e prejudicam os indivíduos
por razões que seriam consideradas inadequadas para qualquer agente não-
governamental. Isso pode ser ilustrado através de algumas melhorias na história
da Seção 1.1.
Suponha que você anuncie que acredita que uma cidade vizinha está cons-
truindo algumas armas muito destrutivas, armas que um dia poderão ser usadas
para aterrorizar outras aldeias. Para impedir que isso aconteça, você reúne al-
guns moradores de mesma opinião e viaja para a cidade vizinha, onde depõe
violentamente o prefeito, destruindo alguns edifícios e previsivelmente matando
várias pessoas inocentes no processo.
Se você se comportasse dessa maneira, seria rotulado de terrorista e assassino,
e os pedidos de execução ou prisão perpétua provavelmente seriam abundan-
tes. Mas quando o governo se comporta dessa maneira, seu comportamento é
rotulado como “guerra”, e muitos o apoiam. Certamente, muitos rejeitam a ideia
de guerra preventiva. Mas apenas extremistas políticos descrevem soldados ou
1. O Problema da Autoridade Política 10
A maioria das premissas morais nas quais confio são avaliações morais de
comportamentos particulares em cenários relativamente específicos. A história
do vigilante na Seção 1.1 é um exemplo disso. É razoável assumir como premissa
que o indivíduo nessa história age de forma inadmissível. O caso não é um
dilema (como, por exemplo, o trolley problem16 ), nem envolve uma controvérsia
moral (como, por exemplo, o caso de alguém que faz um aborto). Para o senso
comum, a avaliação negativa é um veredicto direto e óbvio.17
Alguns filósofos acreditam que, ao fazer filosofia moral, deve-se confiar ape-
nas em princípios éticos abstratos, recusando-se a confiar em avaliações intuitivas
de casos específicos.18 Outros acreditam, mais ou menos, que apenas deve-se
confiar em julgamentos sobre casos particulares.19 Ainda outros pensam que não
se pode confiar em julgamentos éticos e que não há conhecimento moral.20 Todas
essas visões me parecem erradas. O que parece certo é que julgamentos éticos
controversos tendem a não ser confiáveis, enquanto julgamentos éticos incon-
troversos e óbvios – sejam específicos ou gerais – tendem a ser confiáveis. Devo
assumir que temos algum conhecimento moral e que nossos julgamentos éticos
mais claros e amplamente compartilhados são exemplos desse conhecimento.21
Embora minhas premissas éticas sejam relativamente incontroversas, minhas
conclusões não serão. Pelo contrário, as conclusões que chego estão tão longe das
opiniões iniciais da maioria das pessoas que provavelmente nenhum argumento
poderia convencer a maioria das pessoas a aceitá-las. Finalmente, concluo que a
autoridade política é uma ilusão: ninguém tem o direito de governar e ninguém
é obrigado a obedecer a um comando apenas porque provém de seu governo.
Mas, embora isso possa ser contra-intuitivo para a maioria das pessoas, não
acho que isso revele algum erro da minha parte. Bertrand Russell disse: “O
ponto da filosofia é começar com algo tão simples que não pareça digno de
ser declarado, e terminar com algo tão paradoxal que ninguém vai acreditar.”22
Eu não acredito que isso seja o ponto da filosofia, mas raciocinar de premissas
intuitivas a conclusões surpreendentes não é necessariamente uma marca da
filosofia ruim.
16
Ver Foot 1967.
17
Nisto uso o “senso comum” para o que a grande maioria das pessoas tende a aceitar, es-
pecialmente em minha sociedade e sociedades às quais os leitores deste livro provavelmente
pertencem. Isso não deve ser confundido com o uso técnico de “crenças de senso comum” em
meus trabalhos anteriores (2001, 18-19).
18
Singer 2005.
19
Dancy 1993, capítulo 4.
20
Mackie 1977.
21
Ver Huemer 2005, especialmente o capítulo 5, para uma descrição do conhecimento moral e
respostas ao ceticismo moral.
22
Russell, 1985, p. 53.
1. O Problema da Autoridade Política 15
intrigante – que é necessária alguma explicação para o motivo pelo qual algumas
pessoas devem ter esse status moral especial – de uma maneira que não seja intri-
gante, por exemplo, que deveria ser errado atacar outras pessoas sem provocação.
O fracasso em encontrar uma explicação satisfatória da autoridade política pode,
portanto, levar a pessoa a desistir da crença na autoridade, em vez de desistir
das crenças morais do senso comum.
uma ideia que pode ser refutada em trinta segundos com o mínimo de reflexão.
Essa foi mais ou menos a minha atitude antes que eu soubesse alguma coisa sobre
a teoria. Também é minha experiência que aqueles que sustentam essa atitude não
têm ideia do que os anarquistas realmente pensam – como os anarquistas pensam
que a sociedade deve funcionar ou como eles respondem às objeções de trinta
segundos. Os anarquistas enfrentam dificuldades: a maioria das pessoas não
dará ouvidos ao anarquismo seriamente porque está convencida de que a posição
é louca; estão convencidas de que a posição é louca porque não a entendem; não
o entendem porque não vão dar uma audiência séria. Peço, portanto, ao leitor
que não desista de ler este livro apenas por causa de sua conclusão. O autor não
é estúpido, nem louco e nem mau; ele tem uma consideração fundamentada de
como uma sociedade sem Estado pode funcionar. Independentemente de você
aceitar ou não essa consideração, é muito provável que você ache que valeu a
pena considerar.
Na literatura filosófica nos últimos anos, tornou-se comum questionar a rea-
lidade das obrigações políticas. O ceticismo sobre a obrigação política é agora
provavelmente a visão dominante. Esse desenvolvimento surpreendente deve-se
principalmente ao ardiloso trabalho de A. John Simmons, que derrubou várias
considerações importantes de obrigação política em sua obra Moral Principles
and Political Obligation. Apoio a maioria dos argumentos de Simmons. Alguns
leitores já estarão familiarizados com esses argumentos, mas muitos não; assim,
nos capítulos seguintes, explico os argumentos mais importantes contra a obriga-
ção política, independentemente deles já terem sido impressos antes. Ao mesmo
tempo, acredito que os filósofos contemporâneos não foram suficientemente
longe. Os filósofos que trabalham com obrigações políticas têm enfrentado prin-
cipalmente a inadequação de considerações existentes de obrigações políticas.
Mas ainda não enfrentaram a inadequação das considerações de legitimidade po-
lítica.23 E muito poucos filósofos hoje dão muita atenção ao anarquismo político.
Normalmente, os argumentos sobre a obrigação política tomam como certo que o
Estado é vitalmente necessário; a visão dominante diz que, embora necessitemos
de governo e mesmo que os Estados modernos sejam justificados na maioria
de suas atividades típicas, ainda não somos obrigados a obedecer à lei apenas
como tal. Espero que este livro induza uma reflexão mais profunda, tanto no
pressuposto da legitimidade política quanto no pressuposto da necessidade do
Estado.
23
Simmons (1979, 196) nega que haja governos “legítimos” ou que quaisquer governos tenham
o “direito” de coagir ou punir seus cidadãos. No entanto, ele parece usar esses termos em um
sentido mais forte que o meu, porque continua aceitando que os governos possam ser moralmente
justificados em suas atividades (199). Isso é confirmado por Simmons 2001, 130-1. Portanto, a
aparente concordância de Simmons comigo é apenas verbal; na minha terminologia, Simmons
aceita legitimidade política, enquanto eu a rejeito.
2
18
2. A Teoria Tradicional do Contrato Social 19
não violará seus direitos. Por exemplo, normalmente é errado cortar uma pessoa
com uma faca.
Mas se você contratou um médico para realizar uma cirurgia em você, não é
errado e nem é uma violação dos seus direitos que ele o corte para realizar essa
cirurgia. Na mesma linha, se os cidadãos concordaram em pagar ao governo por
seus serviços e concordaram em ser submetidos à coerção se não pagarem, então
é permitido que o governo force seus cidadãos a pagar.3
que não tinha o direito para isso, como em um coup d’état, ou o governo (ou
seus cidadãos ou futuros cidadãos) apreendeu a terra que atualmente controla
dos habitantes originais pela força. Qualquer um desses eventos invalidaria a
autoridade do Estado, em uma visão lockeana.
No caso dos Estados Unidos e de seu governo, por exemplo, a história é
de conquista. O território atual dos Estados Unidos foi roubado dos nativos
americanos e depois colocado sob o controle do governo dos EUA. Do ponto de
vista lockeano, essa história torna ilegítimo o controle do governo dos EUA sobre
a terra.
Como eu disse, essa teoria é principalmente de interesse histórico hoje; ne-
nhum teórico contemporâneo proeminente apoia a teoria explícita do contrato
social. A próxima versão da teoria do contrato social é projetada para evitar esses
problemas.
fícios de seu governo. Existem certos bens públicos – como segurança nacional
e prevenção ao crime – que o Estado fornece automaticamente a todos dentro
de seu território. Esses bens não são relevantes para o consentimento, porque
são benefícios dados caso os cidadãos os desejam ou não. Os pacifistas, por
exemplo, recebem o “bem” da defesa militar, contra sua vontade. No entanto,
existem outros bens que os cidadãos têm a opção de aceitar. Por exemplo, quase
todo mundo usa estradas que foram construídas por um governo. O governo
não força as pessoas a usar essas estradas; portanto, este é um caso de aceitação
voluntária de um benefício governamental. Da mesma forma, se alguém chama
a polícia para pedir assistência ou proteção, se leva outra pessoa ao tribunal, se
envia voluntariamente seus filhos para escolas públicas ou se tira proveito dos
programas governamentais de bem-estar social, aceita voluntariamente os bene-
fícios governamentais. Pode-se então argumentar que se aceita implicitamente
as condições conhecidas como vinculadas à existência de um governo – que se
deve ajudar a pagar os custos monetários do governo e obedecer às suas leis.
Considere a seguir o caso de consentimento através da presença. Essa, na
minha experiência, é a teoria mais popular de como os cidadãos dão seu con-
sentimento ao Estado, talvez porque seja o único caso que pode ser aplicado a
todos dentro do território do Estado. O governo não exige que ninguém (exceto
prisioneiros) permaneça no país, e é sabido que aqueles que vivem dentro de um
determinado país devem obedecer às leis e pagar impostos. Portanto, permane-
cendo voluntariamente, talvez aceitamos implicitamente a obrigação de obedecer
às leis e pagar impostos.8
Por fim, alguns cidadãos podem dar consentimento implícito através da parti-
cipação no sistema político. Se alguém vota nas eleições, pode-se inferir que se
aceita o sistema político em que está participando. Isso, por sua vez, pode obrigar
alguém a respeitar o resultado do processo político, incluindo as leis feitas de
acordo com as regras do sistema, mesmo quando diferentes das leis desejadas.
Se alguma dessas quatro sugestões persistir, elas seriam responsáveis tanto
pela obrigação política quanto pela legitimidade política, pelo menos no que diz
respeito a alguns cidadãos.
suponha que um criminoso aponte uma arma para sua cabeça e exija que você
assine os direitos do filme baseado em seu livro mais recente. Se você assinar, o
contrato será inválido, porque a ameaça de violência o tornou não-voluntário.
Ou suponha que você concorda em comprar uma televisão de um vendedor, mas
o vendedor não informa que a televisão está quebrada e não exibe uma imagem.
Nesse caso, o contrato de venda é inválido porque foi provocado por fraude
por parte do vendedor. As televisões normalmente são consideradas capazes
de exibir uma imagem, e isso é essencial para o motivo pelo qual as pessoas
as compram. Assim, se alguém deseja vender uma televisão que não funciona,
deve declarar essa condição; caso contrário, a suposição padrão é que a televisão
funcione.
Não tentarei uma abranger todos os casos de quando existe um contrato
válido. Mas a seguir estão quatro princípios gerais plausíveis que governam
acordos válidos:
1. O consentimento válido requer uma maneira razoável de optar por não participar
(sair do acordo). Todas as partes de qualquer contrato devem ter a opção
de rejeitá-lo sem sacrificar nada a que tenham direito. Considere uma
modificação do exemplo da reunião do conselho da Seção 2.3. O presidente
diz: “A reunião da próxima semana será transferida para terça-feira às dez
horas. Aqueles que se opuserem gentilmente sinalizarão isso cortando os
braços esquerdos.”9 Nenhum braço é cortado. “Bom, estamos de acordo!”,
ele declara. Este não é um acordo válido, porque a demanda de que os
membros do conselho desistam de seus braços esquerdos, pois o preço da
dissidência da mudança de cronograma não é razoável. Por outro lado,
no exemplo da minha festa da Seção 2.3, a exigência de que você saia da
minha festa se não concordar em ajudar na limpeza é razoável, porque
tenho o direito de determinar quem pode participar de minhas festas. A
diferença importante entre o exemplo modificado da sala de reuniões e o
exemplo da festa não é uma questão de quão grandes são os custos; isto é,
não é simplesmente que perder o braço esquerdo seja muito pior do que ser
expulso de uma festa.10 O presidente não teria justificativa nem de exigir
que os membros do conselho pagassem $1 para expressar sua objeção à
mudança de horário. Pelo contrário, é uma questão de quem tem direitos
sobre o bem que os dissidentes são solicitados a desistir. Aqueles que
buscam um acordo seu com alguma proposta não podem exigir que você
desista de seus direitos como custo de rejeitar a proposta. Posso exigir que
9
Esse exemplo é de Simmons (1979, 81).
10
Como Otsuka (2003, 97) argumenta, o consentimento pode ser válido mesmo quando a falta
de consentimento tenha sido muito cara.
2. A Teoria Tradicional do Contrato Social 24
3. Uma ação pode ser tomada como indicação de concordância com algum esquema,
apenas se for possível acreditar que, se alguém não o adotasse, o esquema não seria
imposto a ele. Suponha que, no exemplo da reunião do conselho, o presidente
anuncie: “A reunião da próxima semana será transferida para terça-feira
às dez horas, e eu não me importo com o que algum de vocês tem a dizer
sobre isso – a mudança de horário acontecerá mesmo você objetando ou
não. Agora, alguém quer se opor?” Ele faz uma pausa. Ninguém diz nada.
“Bom, estamos combinados”, ele declara. Nesse caso, não há acordo válido.
Embora os membros do conselho tenham tido a chance para objetar, tam-
bém ficou entendido que, se objetassem, a mudança de cronograma seria
imposta de qualquer maneira. Seu fracasso em expressar objeções, por-
tanto, não pode ser considerado um indicativo de concordância. Isso pode
simplesmente indicar que eles não desejaram perder tempo protestando
contra algo sobre o qual não tinham escolha.
os anarquistas políticos, pessoas que sustentam que não deveria haver governo.
No entanto, todo governo continua a impor leis e impostos aos anarquistas. No
entanto, com protestos vocais contra o contrato social, o governo não reembolsará
seu dinheiro dos impostos e nem o isentará das leis.
Pode haver um Estado que reconheça discordância explícita. O contrato
social para esse Estado estaria mais próximo de ser válido – pelo menos não
violaria esse segundo princípio de acordos válidos. Mas os Estados reais violam
essa condição e, portanto, deixam de ter autoridade genuína sobre pelo menos
alguns daqueles sobre quem reivindicam autoridade. Isso não impede que esses
Estados tenham autoridade sobre outros cidadãos, se esses outros cidadãos
consentiram voluntariamente. Mas a conhecida recusa do Estado em reconhecer
dissidência explícita põe em xeque a validade de qualquer consentimento tácito
supostamente dado mesmo por aqueles que não expressaram explicitamente
dissidência. Mesmo para aqueles que de fato não desejam discordar, continua
sendo verdade que eles não tiveram a opção de recusar explicitamente o contrato
social.
2.6 Conclusão
A teoria do contrato social não pode explicar a autoridade política. A teoria de
um contrato social real falha porque nenhum Estado forneceu meios razoáveis de
desistir (sair do contrato) – meios que não exijam que os dissidentes assumam
grandes custos ao qual o Estado não tem o direito independente de impor. To-
dos os Estados modernos, ao se recusarem a reconhecer divergências explícitas,
tornam seus relacionamentos com seus cidadãos não-voluntários. A maioria
dos relatos de consentimento implícito falha, porque quase todos os cidadãos
sabem que as leis do governo seriam impostas a eles, independentemente deles
executarem os atos específicos pelos quais alegadamente comunicam o consen-
timento. No caso dos governos que negam qualquer obrigação de proteger os
cidadãos, a teoria do contrato falha pela razão adicional de que, se houve um
contrato social, o governo repudiou sua obrigação central nos termos do contrato,
liberando assim seus cidadãos das obrigações que teriam sob esse contrato.
A premissa moral central da teoria tradicional do contrato social é louvável: a
interação humana deve ser realizada, na medida do possível, de forma voluntária.
Mas a premissa factual central está longe em face da realidade: independente
do que mais pode ser dito sobre isso, a sujeição ao governo obviamente não é
voluntária. Nos tempos modernos, todo ser humano nasce sob essa sujeição e
não tem meios práticos de escapar dela.
3
33
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 34
com suas crenças filosóficas. Imagine que um terceiro paciente seja levado ao
hospital nas mesmas condições do primeiro paciente, inconsciente e necessitando
de cirurgia. Mas, neste caso, o médico assistente, devido à sua familiaridade
com esse paciente em particular, está ciente de que o paciente tem fortes objeções
religiosas à prática da cirurgia, mesmo sendo necessária para salvar sua vida.
Nessa situação, o médico não pode prosseguir com a cirurgia, desconsiderando
a falta de consentimento, com o argumento de que o paciente “teria consentido”.
Sempre é possível conceber circunstâncias em que qualquer indivíduo consente
com um determinado procedimento- no presente caso, por exemplo, o paciente
teria consentido se tivesse abandonado suas crenças religiosas. Mas hipóteses que
requerem alterações nas crenças e valores fundamentais das pessoas – mesmo
que algumas dessas crenças e valores sejam equivocadas – são irrelevantes para
definir um consentimento hipotético moralmente eficaz. No presente caso, o
julgamento hipotético de controle ético é o julgamento de que o paciente não
consente em receber uma cirurgia se tivessem lhe perguntado em uma circuns-
tância considerada normal, com suas reais crenças filosóficas, religiosas e morais
intactas.
Isso não significa negar que possa haver circunstâncias sob o qual a coerção pa-
ternalista seja justificada; é apenas negar que a coerção seja sempre justificada em
virtude do consentimento hipotético, onde o consentimento hipotético depende
de alterações fundamentais imaginadas nas crenças e valores das pessoas.3
À luz dessas condições, o contrato social hipotético não pode ser aceito como
válido. Para começar, os cidadãos de um determinado país, em geral, não são
inconscientes, nem mentalmente incompetentes, nem são incapazes de consentir
ou discordar do contrato social, nem é inviável que o Estado solicite seu con-
sentimento. Uma razão pela qual os Estados modernos evitam solicitar esse
consentimento pode ser o fato de não estarem preparados para isentar aque-
les que recusariam seu consentimento das exigências de tributação e outros
requisitos legais. Mas essa consideração certamente não autoriza um apelo ao
consentimento hipotético nesse caso, assim como um médico não poderia legiti-
mamente dispensar o consentimento real de um paciente a um procedimento
médico, alegando que ele, o médico, não estava disposto a desistir no caso do
paciente realmente rejeitar o tratamento recomendado.
Segundo, o acordo sobre qualquer contrato social exigiria modificações das
crenças e valores filosóficos de pelo menos alguns cidadãos. Entre os indivíduos
3
Mill (1978, capítulo V, 95) adota um caso em que um pessoa impede coercivamente o homem
de atravessar uma ponte em que ele está, sem o homem saber que é inseguro. Aqui, parece
razoável recorrer ao julgamento de que o homem provavelmente consentiria em ser parado
se conhecesse o estado da ponte – apesar do fato de que essa hipótese prevê uma alteração
nas crenças do homem. É à luz desses casos que incluí qualificadores como “fundamental” e
“religioso, filosófico e moral” antes das “crenças” nesta discussão.
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 36
tipo pode ser encontrado no trabalho de Rawls, nem qualquer outra forma de
evidência para concluir que toda doutrina abrangente razoável apoia a teoria da
justiça de Rawls.
O mais próximo que Rawls chega a argumentar de que alguma doutrina
religiosa apoia sua teoria está em sua discussão sobre tolerância religiosa, onde
cita a Letter Concerning Toleration de John Locke na ilustração de por que os
pensadores religiosos podem apoiar a tolerância.8 Na verdade, Locke, apesar
de tolerante em seu tempo, era altamente intolerante nos padrões modernos,
rejeitando explicitamente a ideia de tolerância aos ateus e para aqueles que
professam ideias socialmente destrutivas.9 Deixando essa observação à parte, a
dificuldade mais séria é que o que Rawls procura fornecer nesta passagem fica
muito aquém do que sua teoria necessita. O que é necessário é um argumento de
que todas as pessoas razoáveis concordariam com todos os principais princípios
do sistema de Rawls; O que Rawls fornece é uma explicação de como um seguidor
de uma religião poderia apoiar razoavelmente um dos princípios da justiça de
Rawls.
O mais próximo que Rawls chega a argumentar de que uma teoria moral
secular abrangente apoia sua concepção política de justiça está em sua discussão
sobre o utilitarismo, onde ele sugere que os utilitaristas podem considerar sua
teoria da justiça para alcançar uma aproximação aceitável à maximização da
utilidade.10 Essa sugestão, no entanto, é fornecida como não mais do que isso;
nenhum argumento é apresentado para mostrar que a teoria da justiça de Rawls
de fato fornece uma aproximação aceitável à maximização da utilidade.
Até agora, portanto, a teoria do contrato hipotético parece menos um fun-
damento para a legitimidade política do que uma nota promissória para tal
fundamento. Em essência, a teoria exige que todos os As sejam B, e a defesa dos
teóricos consiste em explicar como é conceitualmente possível que exista um A
que é B.
Nagel e Rawls se dirigiram principalmente aos princípios da justiça distri-
butiva, uma área altamente contenciosa.11 Talvez tenhamos mais sucesso em
defender o consentimento hipotético se nos limitarmos ao acordo geral de ter um
governo.
Há alguma razão para duvidar que um acordo, seja hipotético ou real, com a
simples afirmação de que a sociedade deva ter alguma forma de governo seria
suficiente para conferir autoridade a qualquer governo em particular. Se um
indivíduo concorda que deve haver governo, mas acredita que deve ser de um
8
Rawls 2005, 145, especialmente a nota 12, citando Locke 1990.
9
Locke 1990, 64, 61.
10
Rawls 2005, 170.
11
Para uma indicação preliminar da diversidade de concepções da justiça distributiva, ver
Rawls 1999; Cohen 1992; Harsanyi 1975; e Nozick 1974.
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 39
raça, sexo, religião, classe social e assim por diante.16 Essa condição, conhecida
como “véu da ignorância”, impede as partes de adaptarem os princípios polí-
ticos escolhidos para sua própria vantagem; sendo ignorante sobre qual será
sua posição na sociedade, é preciso se esforçar para criar princípios que sejam
justos para todos. Rawls continua argumentando que as pessoas nessa posição
original escolheriam dois princípios particulares de justiça para governar sua
sociedade.17 Conclui que as pessoas devem de fato adotar esses princípios. (Eu
omito aqui a discussão dos dois princípios de justiça de Rawls e o raciocínio que
os leva. Minha preocupação atual é se a estratégia argumentativa de Rawls pode
ser empregada para defender a autoridade política.)
Embora Rawls não defenda diretamente à necessidade de governo em geral,
pode-se conceber um argumento rawlsiano para autoridade política. Pode-se
dizer que as partes na posição original preferem estabelecer alguma forma de
governo ao invés de aceitar a anarquia. Se alguém pudesse argumentar convin-
centemente a favor dessa afirmação, seria suficiente para estabelecer autoridade
política?
Se um contrato hipotético rawlsiano é capaz de justificar princípios de justiça,
é plausível pensar que esse contrato também poderia justificar o governo em
geral. Mas como o contrato hipotético é pensado para justificar os princípios de
justiça? Rawls oferece as seguintes observações:
Como todos estão situados de maneira semelhante [na posição ori-
ginal] e ninguém é capaz de projetar princípios que favoreçam sua
condição específica, os princípios da justiça são o resultado de um
acordo ou barganha.18
[Os princípios escolhidos de justiça] expressam o resultado de deixar
de lado os aspectos do mundo social que parecem arbitrários do ponto
de vista moral.19
A ideia aqui é simplesmente tornar vivas as restrições que parece
razoável impor aos argumentos a favor dos princípios de justiça e,
16
Rawls (1999, 12, 111) distingue sua suposição de “desinteresse mútuo” de uma suposição de
egoísmo. No entanto, sua distinção se baseia na suposição equivocada de que apenas desejos por
coisas como riqueza, poder e prestígio contam como “egoístas”. Os egoístas éticos sérios rejeitam
essa suposição (Hunt, 1999).
17
No final de A Theory of Justice (1999, 509), Rawls discute quais princípios seriam escolhidos
na posição original se as partes tivessem uma lista mais completa de princípios possíveis para
escolher do que a lista curta que Rawls considera anteriormente no livro: “Duvido, no entanto,
que os princípios da justiça (como os defini) sejam a concepção preferida em qualquer coisa que
se assemelhe a uma lista completa.” No entanto, deixarei de lado essa aparente admissão de que
os princípios da justiça de Rawls não são apoiados por sua própria estratégia argumentativa.
18
Rawls 1999, 11.
19
Ibid., 14.
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 44
É natural perguntar por que, se esse contrato nunca for realmente ce-
lebrado, devemos nos interessar por esses princípios. [. . . ] A resposta
é que as condições incorporadas na descrição da posição original são
aquelas que de fato aceitamos. Ou, se não o fizermos, talvez possamos
ser persuadidos a fazê-lo pela reflexão filosófica.21
sobre a justiça de acordo com certas restrições – ou seja, aquela que evita ser
influenciada, nos argumentos ou princípios que aceitamos, pela fortuna natural
ou pelas circunstâncias sociais de alguém; que se evite adaptar os princípios da
justiça que aceita ao próprio caso; e que evite ser influenciado por inclinações
particulares ou por uma concepção particular do bem. A posição original não
passa de um dispositivo imaginativo para induzir-nos a pensar dessa maneira.23
A seguir, voltarei à questão de saber se essa justificativa para o uso da posição
original foi bem-sucedida. Por enquanto, considero o que surgiria da posição
original, caso exista algo.
veis (inclusive eu, como gosto de pensar). Cabe ao teórico do contrato hipotético
demonstrar que não existe. Também não pressuponho que a legitimidade po-
lítica exija acordo sobre todos os detalhes da política. Mas, presumivelmente,
concordar se deve haver um Estado é o mínimo que qualquer teoria do contrato
social exige.
muito grande fizer ofertas para um número muito grande de pessoas, o tamanho
da corporação não a habilitará a forçar indivíduos a aceitar suas ofertas (mesmo
que sejam ofertas justas), assim como um único indivíduo não teria direito a
fazer também.
A outra distinção é política: meus exemplos envolvem atores privados, en-
quanto os princípios de Rawls prescrevem ações do Estado. Essa distinção, no
entanto, não pode ser empregada na defesa de Rawls sem implantar a pergunta,
uma vez que a resposta simplesmente pressupõe que o Estado possua algum
status moral especial, de modo que a coerção por parte do Estado seja mais facil-
mente justificada do que a coerção por parte de agentes privados. Se o Estado
possui autoridade política, esse pressuposto estaria correto; no entanto, como o
que se busca é uma justificativa para a autoridade, não se pode dar como certo
dessa maneira. Sem atribuir um status moral especial ao Estado, Rawls não
teria como restringir a justificativa proposta para coerção ao caso dos agentes
estatais. E como os apelos à justiça ou a retificação da arbitrariedade moral clara-
mente falhariam como justificativas para a coerção privada, também deveriam
ser rejeitadas como fonte de legitimidade política.
Como esses casos mostram, existe uma grande lacuna entre qual acordo
hipotético pode ser adotado de maneira plausível para estabelecer, como a impar-
cialidade ou razoabilidade de algum acordo, e o que o defensor da autoridade
política precisa estabelecer: o direito de impor um acordo pela força, incluindo o
direito de prejudicar intencionalmente e coercivamente aqueles que não coope-
ram e a obrigação dos indivíduos de aderir a esse acordo. Embora um acordo
real possa estabelecer essas coisas, um acordo meramente hipotético não pode.29
mas Alastair desconheça esse fato. Alastair pode então ser levado a concluir
falsamente que certas ações são permitidas (particularmente ações que de fato
violam os direitos das pessoas) sem cometer nenhum erro processual em seu
pensamento. Meu argumento aqui não pressupõe que haja de fato direitos
individuais; o ponto é simplesmente que seria necessário conhecer a verdade
sobre essas coisas para garantir a identificação confiável do que é permitido.
Em suma, o presente argumento para a eficácia do consentimento hipotético
falha porque a posição original incorpora apenas certas condições necessárias
para a confiabilidade do raciocínio normativo, em vez de condições suficientes
para a corretude das conclusões normativas. Se a posição original for modificada
de modo a incluir condições suficientes para a corretude normativa, torna-se
difícil ou impossível determinar com quais princípios seria acordado.
2. C está correto.
“Coerente” em (1) deve ser entendido como referência a qualquer relação que
permita a C apoiar ou descartar um princípio moral. Assim, (1) pode significar
que apenas J pode ser alcançado pelo raciocínio de acordo com C, que a corretude
de J é implicada pela corretude de C, que J satisfaz C a um grau mais alto do
que qualquer princípio concorrente, ou a gosto. Assim entendida, a premissa
(1) é uma afirmação muito forte, embora eu não tenha sido mais forte do que o
argumento exige: se C é meramente necessário, mas não suficiente para corretude
moral, então uma premissa no sentido de que J é coerente com C não mostraria
que J estava correto; o que se deve mostrar é que nenhum princípio alternativo é
coerente com C.
A premissa (1) é exposta a contra-evidências amplas e poderosas. Muitos
filósofos parecem ter chegado a conclusões alternativas por um raciocínio que
satisfaz C. Os vários pensadores que adotam o utilitarismo, o igualitarismo, o
libertarianismo ou o anarquismo geralmente não parecem ter violado nenhuma
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 52
3.5 Conclusão
O acordo hipotético normalmente é eficaz somente quando (i) o contrato real
não pode ser viável e (ii) é razoável acreditar que a parte ou partes relevantes
concordariam, com base em suas crenças reais e valores gerais. Essas condições
são insatisfeitas no caso do contrato social hipotético.
O trabalho filosófico contemporâneo sugere três maneiras pelas quais um
contrato social hipotético pode, no entanto, ser considerado moralmente relevante.
Primeiro, pode-se pensar que um acordo hipotético mostra que um determinado
arranjo social não pode ser razoavelmente rejeitado. Esse argumento falha porque
não há razão para acreditar que o acordo hipotético necessário possa ser alcançado.
Mesmo que tal acordo possa ser alcançado, a mera irracionalidade de alguém
rejeitar um acordo normalmente não torna moralmente permitido coagir essa
pessoa a aceitar o acordo, nem impõe aos indivíduos a obrigação de aceitar o
acordo.
Segundo, pode-se pensar que um acordo hipotético mostre que um arranjo
social é justo. Novamente, não há razão para acreditar que um acordo geral
sobre um sistema político possa ser alcançado, mesmo entre pessoas racionais
igualmente informadas que não tenham conhecimento de suas identidades indi-
viduais e, de qualquer forma, o mero fato de que um acordo é justo normalmente
não torna moralmente permissível coagir as pessoas a aceitarem o acordo, nem
impõe aos indivíduos a obrigação de aceitarem o acordo.
Terceiro, pode-se pensar que um acordo hipotético mostre que um conjunto
de princípios morais reflete certas restrições razoáveis no raciocínio moral. Essas
restrições podem ser entendidas como condições coletivamente suficientes ou
apenas como condições coletivamente necessárias para a aceitabilidade de um
pedaço de raciocínio moral. Se as restrições forem suficientes para a aceitabilidade
do raciocínio moral, elas devem incluir uma condição de valores completos
e corretos por parte do raciocínio. Mas essa condição tornaria inutilizável a
teoria do contrato hipotético, uma vez que seria necessário determinar a teoria
moral abrangente e correta antes de poder determinar o conteúdo do acordo
hipotético. Se, por outro lado, nos basearmos apenas nas condições necessárias
para a aceitabilidade do raciocínio moral, então se deve argumentar que toda
teoria política exceto uma de alguma forma viola pelo menos uma condição
diria respeito apenas a um caso de raciocínio que satisfaça C, o termo menor não está distribuído
nas premissas.
3. A Teoria do Contrato Social Hipotético 54
A Autoridade da Democracia
55
4. A Autoridade da Democracia 56
O que isso tem a ver com autoridade política? Em uma democracia deli-
berativa ideal, Cohen escreve: “[. . . ] os cidadãos consideram suas instituições
básicas legítimas na medida em que estabelecem a estrutura para deliberação
pública gratuita. [. . . ] Para eles, a livre deliberação entre iguais é a base da
legitimidade”.3 Aqui, Cohen não está diretamente fazendo uma reivindicação
sobre o que é uma base sólida para a legitimidade política. Ele também não está
fazendo uma afirmação psicológica ou sociológica sobre o que as pessoas reais
1
Cohen 2002; Habermas 2002.
2
Ver Cohen 2002, 92–3, para uma descrição mais completa dessas condições.
3
Cohen 2002, 91.
4. A Autoridade da Democracia 57
consideram uma base sólida para a legitimidade. Em vez disso, ele estipula que
os cidadãos de uma democracia deliberativa ideal – um cenário puramente hipo-
tético – toma a deliberação como base da legitimidade. Suponho, no entanto, que
o próprio Cohen considere algum processo deliberativo adequado para fornecer
uma base sólida para a legitimidade política. Como a deliberação democrática
pode fornecer uma base para a legitimidade? Cohen não explica isso claramente.
Talvez o pensamento seja que a justiça, a igualdade e a racionalidade do pro-
cedimento de tomada de decisão que Cohen descreve confiram legitimidade
aos seus resultados. Esse é um argumento tênue – por que deveríamos assumir
que qualquer procedimento, por melhor que seja, confere um direito exclusivo e
independente do conteúdo para o Estado coagir as pessoas a cumprir as decisões
produzidas por esse procedimento? No entanto, vamos examinar essa linha de
pensamento mais de perto.
É claro que não existe uma sociedade real em que essas coisas sejam verda-
deiras. Em qualquer sociedade moderna, um pequeno número de indivíduos –
jornalistas, autores, professores, políticos, celebridades – desempenha um grande
papel no discurso público, enquanto a grande maioria dos indivíduos desempe-
nha essencialmente nenhum papel no discurso. A grande maioria das pessoas
não tem oportunidade realista de fazer suas ideias serem ouvidas além de um
pequeno círculo de conhecidos. E a distribuição existente de poder e recursos
determina quase completamente as chances de contribuir para a deliberação
pública. Cidadãos ricos podem comprar publicidade ou até possuir estações de
5
Cohen 2002, 93 (ênfase no original). A citação de Habermas é de Habermas, 1975, 108.
A citação da aprovação de Habermas sugere que as partes da deliberação ideal não apenas
acreditam, mas acreditam corretamente que apenas razões declaradas determinarão o destino de
suas propostas.
6
Cohen 2002, 95.
7
Carney (2006) documenta vários casos. O ponto principal aqui é, não que os eleitores
individuais sejam egoístas, mas que grupos de interesses especiais egoístas influenciam os
eleitores.
8
Cohen 2002, 93.
4. A Autoridade da Democracia 59
2. Para tratar os outros como iguais e não como inferiores, é preciso obedecer
às leis democráticas.
1a. Justiça exige dar a cada pessoa o que lhe é devido e tratar casos semelhantes.
Em seguida, por que alguém deveria aceitar a premissa (2)? Parece haver dois
sub-argumentos para isso. O primeiro apela à ideia de colocar um julgamento
acima do de outros:
2d. Tratar os outros como iguais requer apoiar o avanço igual de seus interesses.
2e. A democracia é crucial para o avanço igual dos interesses das pessoas.
2g. Portanto, tratar os outros como iguais requer obedecer às leis democráti-
cas.19 (de 2d – 2f)
Christiano gasta mais tempo justificando (2e). Ele argumenta que, para
realmente promover os interesses dos indivíduos igualmente, um sistema social
deve atender a um requisito de publicidade, o que significa que deve ser possível
para os cidadãos verem por si mesmos que estão sendo tratados da mesma forma.
Então argumenta que apenas a tomada de decisão democrática, como forma
processual de igualdade, satisfaz esse requisito. Existem outras interpretações
substantivas de igualdade – por exemplo, que alguém trata os outros igualmente
igualando seus recursos ou que trata os outros igualmente concedendo-lhes
os mesmos direitos de liberdade. Mas essas interpretações de igualdade não
satisfazem a exigência de publicidade, porque são muito controversas; somente
aqueles que aceitam certas visões éticas controversas podem se ver tratados
como iguais em virtude da implementação de uma dessas formas substantivas
de igualdade. Portanto, a promoção igualitária de interesses por parte do público
requer tomada de decisão democrática.
18
Christiano 2008, 98-9, 250.
19
Christiano 2008, 249. Inseri a premissa (2f) conforme exigido para a validade do argumento,
embora Christiano não o declare explicitamente.
4. A Autoridade da Democracia 64
genuínas.20
Esta última sugestão deixa claro em que medida os indivíduos têm obrigações
políticas. Considere dois exemplos:
O caso da caridade: Tenho $50, que estou pensando em doar para uma
instituição de caridade antipobreza muito eficaz ou gastar em meu
próprio consumo pessoal. Se eu der o dinheiro para a caridade, isso
reduzirá a desigualdade na sociedade e aproximará a sociedade do
progresso igual dos interesses de todos os seus membros. No entanto,
eu já doei uma grande quantia em dinheiro para caridade este ano e
não desejo doar mais. Eu decido ficar com o dinheiro.
O caso do imposto: As leis tributárias exigem que eu pague uma grande
quantia em dinheiro ao governo. Estou pensando em pagar todos
os impostos exigidos ou trapacear com meus impostos de maneira a
pagar $50 a menos do que a quantia legalmente exigida; nesse caso,
gastarei os $50 em consumo pessoal. Suponha que tenho certeza de
que, se eu trapacear, não serei pego ou sofrerei outras conseqüências
pessoais negativas. Eu decido trapacear.
bem total feito por uma organização não deve ser confundido com o bem causado
pela contribuição marginal do indivíduo para essa organização. É o último, e
não o primeiro, que determina a força das razões para contribuir. O impacto
marginal de $50 dos meus impostos no avanço igual dos interesses das pessoas é
insignificante.
Eu me concentrei no caso do imposto, porque está entre os exercícios menos
controversos e menos dispensáveis da autoridade governamental entre aqueles
que acreditam em autoridade política. Se a obrigação de pagar impostos não
puder ser defendida, não há esperança de defender a obrigação política em casos
mais controversos, como a suposta obrigação de se apresentar as forças armadas
(alistamento militar), quando solicitado.
O resultado desta discussão é que o defensor do Argumento da Igualdade
enfrenta um dilema: ou a obrigação de promover o avanço igual dos interesses é
implausivelmente exigente ou é fraca demais para apoiar obrigações políticas
básicas.
Além de precisar de novos parceiros para beber, o que pode ser dito sobre esse
cenário? Quem neste cenário está cometendo uma injustiça com quem? Quem
está tratando quem como inferior?
Alguém poderia argumentar que, ao rejeitar a decisão das outras pessoas na
mesa, você está colocando sua vontade ou julgamento normativo acima da dos
outros membros do grupo. Todos pensam que você deve pagar e há mais deles
do que você. Então, quem é você para discordar? Você deve pensar que é algum
tipo de ser divino cujos desejos têm precedência sobre os desejos de várias outras
pessoas.
Mas esse argumento soa vazio. Certamente, é o comportamento de seus
colegas e alunos que lhe desrespeita e não o contrário. São eles que se estabelecem
injustamente como seus superiores, usando ameaças de punição e força física
para obter sua cooperação com o plano deles.
Christiano argumenta que não se mostra o devido respeito ao julgamento
de outros membros da sociedade quando se recusa a concordar com as leis
democráticas. Essas leis normalmente vêm com ameaças de impor punição
àqueles que não seguem a lei, apoiadas por ameaças críveis de violência contra
aqueles que tentam evitar punição. Em face disso, o desrespeito pelas pessoas e
a violação da igualdade envolvida na emissão e na execução de tais ameaças são
muito mais palpáveis do que o suposto desrespeito demonstrado por aqueles que
não cumprem as leis. A maioria que vota em um dada lei está autorizando esse
tipo de coerção. Prima facie, portanto, é a maioria culpada por violar a exigência
de tratar outras pessoas como iguais.
O ponto aqui é que é impossível justificar a autoridade política se o princípio
moral que deveria gerar obrigação política também exclui a legitimidade política.
Nesse caso, o princípio é que a justiça proíbe tratar os outros como inferiores. Se
isso mostra a existência de um dever de obedecer às leis democráticas, mostra
muito mais claramente a ilegitimidade da maioria dessas leis em primeiro lugar.
Como a autoridade política exige obrigação política e legitimidade política, parece
que a autoridade política é impossível.
Talvez essa conclusão esteja sendo tirada muito rapidamente. Nem sempre
é desrespeitoso usar a força física contra os outros. Se, por exemplo, A está
ameaçando B com violência injusta, B pode usar violência para impedir que A
execute sua ameaça sem, assim, tratar A injustamente como inferior. Isso sugere
que pelo menos algumas leis – por exemplo, aquelas que proíbem a violência
injusta – não se tornam objetáveis ou injustas pela coerção necessária para aplicá-
las.
Mas muitas outras leis, ao que parece, são questionáveis pela maneira como
pedem coerção. Não tenho uma teoria abrangente para oferecer as condições sob
as quais a coerção é censurável. Mas, aparentemente, a arrecadação de impostos
4. A Autoridade da Democracia 72
4.4 Conclusão
Relativamente falando, a democracia é admirável. De maneiras gerais e óbvias,
é superior a todas as outras formas conhecidas de governo.33 Mas não resolve
o problema da autoridade política. O fato de a maioria das pessoas defender
alguma regra não justifica impor essa regra pela força àqueles que não concordam
com ela nem punir coercivamente aqueles que desobedecem à regra. Fazer isso
é, normalmente, desrespeitar os dissidentes e tratá-los como inferiores. Os pro-
blemas não são alterados caso se acrescente que a maioria deliberou de maneira
especial antes de decidir impor a regra.
32
Como Christiano nos diz, “cada cidadão tem o dever de criar instituições democráticas”
(2008, 249).
33
Ver Sen 1999, capítulo 6.
4. A Autoridade da Democracia 75
Consequencialismo e Equidade
76
5. Consequencialismo e Equidade 77
permitir que uma criança fosse salva inteiramente pelos outros ao contrário de
parcialmente por você?
O caso de um cidadão que decide se deve obedecer à lei é mais análogo a
esta última versão da história da criança que se afoga do que à versão original:
embora o funcionamento governamental exija obediência, já existem pessoas em
número suficiente obedecendo a lei para que o governo não esteja em perigo de
desmoronar se você desobedecer. Essas outras pessoas continuarão a obedecer,
independentemente de você obedecer ou não. Nessa situação, sua própria obedi-
ência é tão redundante quanto um socorrista extra pulando no lago quando já
existem três socorristas que saem para salvar a criança.
5.3 Equidade
5.3.1 A teoria da equidade da obrigação política
Outro argumento sustenta que é preciso obedecer à lei porque desobedecer é
injusto para outros membros da sociedade, que geralmente obedecem.11 Vou me
referir a esse tipo de obrigação como uma obrigação de “fair play” (jogo limpo).
O argumento não é consequencialista – a alegação não é de que a desobedi-
ência causará consequências prejudiciais. No entanto, é fácil passar das teorias
consequencialistas para a teoria da equidade. Uma vez que percebemos que a
desobediência individual não tem consequências prejudiciais, é natural passar a
11
Hart 1955, 185–6; Rawls 1964; Klosko 2005.
5. Consequencialismo e Equidade 82
iii Você recebe uma parte justa do benefício que está sendo produzido. Nesse
caso, você evita afogamentos.12
vi Sua participação não interferiria em fazer algo mais importante. Por exemplo,
suponha que, em vez de retirar a água, você decida amarrar os suprimentos
no barco para evitar que caiam no mar. Suponha que isso seja mais importante
do que ajudar a retirar a água. Nesse caso, não é injusto se abster de ajudar
na retirada da água.
ilegal vender estévia como aditivo alimentar, embora seja legal vendê-lo como
um “suplemento dietético”. E assim por diante. Essas são apenas algumas das
centenas de milhares de restrições legais em vigor nos Estados Unidos.
Em todos esses casos, é difícil ver a conexão entre o comportamento legal-
mente exigido e o compartilhamento de custos para a prestação de serviços
governamentais essenciais. Parece que o Estado poderia muito bem fornecer os
bens descritos na Seção 5.1.2 sem nenhuma das leis descritas nos dois parágrafos
anteriores.15
A obediência à lei, de acordo com os defensores do argumento fair play, é
análoga a ajudar a retirar a água de um barco salva-vidas. Mas, em vista das leis
mencionadas, uma analogia mais próxima seria a seguinte. O barco salva-vidas
está enchendo de água. Os passageiros se reúnem e discutem o que fazer com
o problema. A maioria (sem incluir você) quer que Bob crie uma solução. Bob
pensa por um minuto e depois anuncia o seguinte plano:
Você sabe que o item (i) é útil, o item (ii) é inútil e os itens (iii) e (iv) são
prejudiciais para a maioria dos passageiros. No entanto, a maioria dos outros
passageiros participa das quatro partes do plano de Bob. Se você se recusa a
orar, a se autoflagelar ou a pagar Sally, você age de maneira errada? Você trata os
outros passageiros de maneira injusta?
Não orar a Poseidon, não se chicotear e não pagar Sally não é injusto, porque
essas ações não contribuiriam causalmente para o bem de manter o barco à
tona. Se outros passageiros se sentirem magoados por estarem se chicoteando
enquanto você não sofre, o remédio é simples: eles devem parar de se chicotear.
A culpa está neles mesmos e em Bob, não em você.
Lembre-se de que as obrigações políticas devem ser independentes de con-
teúdo (Seção 1.5) – isto é, diz-se que é preciso seguir a lei independentemente de
seu conteúdo (dentro de algumas restrições amplas) e independentemente da lei
estar correta. A discussão acima sugere que este não é o caso. É preciso examinar
o conteúdo de uma lei específica para determinar se o comportamento que ela
15
Alguém poderia argumentar que, para fornecer segurança com eficácia, o Estado deve ter
um certo grau de deferência por parte dos cidadãos – os cidadãos devem concordar em não julgar
cada lei individualmente por si mesmos – e isso faz parte do custo da segurança. Abordo essa
ideia na Seção 7.5.
5. Consequencialismo e Equidade 86
nessa crença: Jeová existe e é receptivo à oração peticionária. Desde que a grande
maioria ore, Jeová os ajudará. Mas Sally não acredita nisso. Sally acredita que orar
a Jeová provavelmente será prejudicial, porque ofenderá Cthulhu. Ela, portanto,
se opõe ao plano dos outros passageiros. Nessa situação, seria injusto que Sally
se recusasse a orar a Jeová?
Se a existência de Jeová e a eficácia da oração peticionária fossem fatos facil-
mente verificáveis, que Sally poderia ser responsabilizada por não saber, talvez
Sally tivesse uma obrigação moral de orar a Jeová. Mas suponha que esse não
seja o caso. Suponha que esses sejam assuntos sobre os quais haja discordância
razoável e que a visão de Sally seja racional ou pelo menos não muito menos raci-
onal do que a da maioria dos passageiros. Nesse caso, não é errado Sally se abster
de orar a Jeová. Ela não está buscando obter algum tipo de vantagem injusta
sobre os outros nem lucrar com o trabalho dos outros. Se os outros tentassem
forçar Sally a participar de suas orações, eles e não ela agiriam injustamente.
No caso político, existem várias pessoas que se opõem a vários programas
governamentais. Essas não são pessoas que buscam carona nos esforços de outras
pessoas – elas não estão simplesmente desejando que outras pessoas suportem
os custos dos programas. Eles não querem que esses programas existam. Em
muitos casos, eles consideram os projetos governamentais seriamente injustos
ou moralmente inaceitáveis. E, em muitos casos, sua visão, correta ou incorreta,
é perfeitamente razoável. Acho que esse é o caso dos que se opõem à presença
dos EUA no Afeganistão, à proibição das drogas, às restrições de imigração
e a várias outras leis ou projetos governamentais controversos. Existem até
alguns que consideram injustamente a própria instituição do governo. Se alguém
razoavelmente considera um projeto injusto ou imoral, dificilmente será um
free rider, tirando proveito dos outros ou tratando-os injustamente ao se recusar
a apoiar esse projeto. Os indivíduos, portanto, não agem de maneira injusta
quando se recusam a cooperar com leis que consideram razoavelmente injustas.16
Novamente, portanto, não há base para obrigação política independentes de
conteúdo.
Por exemplo, suponha que você tenha a oportunidade de escapar com segu-
rança de $1.000 em impostos prescritos legalmente. Talvez fosse errado fugir
dos impostos para gastar o dinheiro em uma nova televisão. No entanto, seria
permitido fugir dos impostos para usar o dinheiro de uma maneira mais valiosa
socialmente do que entregá-lo ao governo. E é quase certo que essa opção esteja
disponível – o benefício social marginal de cada dólar concedido ao governo é
muito menor que o benefício social marginal de um dólar concedido a qualquer
uma das várias instituições de caridade privadas extremamente eficazes.17 Nesse
caso, não é errado fugir dos impostos para enviar o dinheiro para a caridade; de
fato, é louvável.
Obviamente, a maioria dos cidadãos paga impostos sob coação do Estado.
Essa coação serve de pretexto ao pagamento de impostos, mas não o torna louvá-
vel ou obrigatório.
o carro para dar uma volta nas montanhas. Não pode vasculhar o porta-luvas
procurando objetos de valor. Amy pode usar o carro de uma maneira muito
específica: levar Beth ao hospital. Nada mais.
Se, portanto, contamos com casos como esse para explicar o direito do Estado
de coagir ou violar os direitos de propriedade de seus cidadãos, a conclusão
apropriada é que os poderes legítimos do Estado devem ser altamente especí-
ficos e dependentes de conteúdo: o Estado pode coagir indivíduos apenas de
maneira mínima necessária para implementar um plano correto (ou pelo menos
justificado) para proteger a sociedade dos tipos de desastres que supostamente
resultariam da anarquia. O Estado não pode coagir as pessoas a cooperar com
medidas prejudiciais ou inúteis ou com as quais não temos boas razões para
considerar eficazes. Tampouco o Estado pode estender o exercício da coerção
para perseguir qualquer objetivo que pareça desejável. O Estado pode receber
dos cidadãos a quantidade mínima de dinheiro necessária para fornecer os “bens
indispensáveis” que justificam sua existência.19 Não pode pegar um pouco a
mais para comprar algo de bom pra si mesmo.
Quantas atividades governamentais podem ser consideradas legítimas com
essa consideração? As leis e políticas domésticas podem ser divididas em nove
categorias, dependendo das motivações por trás delas (essas categorias não são
mutuamente exclusivas):
1. Leis projetadas para proteger os direitos dos cidadãos; por exemplo, as leis
contra assassinato, roubo e fraude.
9. Leis e políticas que parecem ser motivadas simplesmente pela emoção, além
das consideradas acima; por exemplo, restrições à imigração e proibições
ao casamento gay.22
lado do barco jogando cartas. Quando você vê que eles apostaram dinheiro no
jogo, ameaça-os caso não parem de jogar. Outro passageiro tem algumas jóias
caras, então você a pega e distribui para alguns dos passageiros mais pobres.
Você também recebe $50 de todo mundo e dá para sua amiga Sally. Você ameaça
atirar em qualquer outro passageiro que tente fazer as mesmas coisas que você
está fazendo. Então você decide que seria bom ter um pouco de arte, forçando
os outros passageiros a entregarem alguns de seus pertences para poder fazer
uma escultura com eles. Por fim, você sente um desconforto em relação a um dos
passageiros – não gosta da aparência dele – e ordena que os outros passageiros o
joguem no mar.
Todas essas ações são indefensáveis. Embora o seu uso inicial de coerção para
impedir que o barco salva-vidas afundasse fosse justificado, é absurdo sugerir
que a coerção seja justificada pelos tipos de motivos exibidos em qualquer uma
das suas ações posteriores nesta história. Esses motivos são análogos aos exibidos
nas políticas dos tipos (3) à (9) listados acima.23
Os exemplos específicos que dei dos tipos de política (3) à (9) não são impor-
tantes, desde que se concorde que existem (um número não trivial de) políticas
para cada um desses tipos. Não importa muito, por exemplo, se alguém não
concorda que as leis de licenciamento são motivadas por rent-seeking, desde que
se concorde que um número significativo de leis seja motivado por rent-seeking. O
ponto é que o Estado tem muitas políticas e leis cujas motivações não justificam a
coerção necessária para implementá-las. Isso é um problema porque a autoridade
do Estado geralmente é considerada abrangente e independente de conteúdo.
Em uma leitura muito rigorosa das condições de abrangência e independência
de conteúdo, a existência de apenas algumas leis que o Estado não tem o direito
de fazer impediria que ele tivesse autoridade genuína. Uma versão mais modesta
das condições de abrangência e independência de conteúdo sustentaria que o
Estado não possui autoridade genuína, a menos que pelo menos a maioria das
coisas que ele normalmente faz e que geralmente é considerado seu direito sejam
de fato moralmente admissíveis. Se o leque de ações coercitivas que o Estado está
realmente autorizado a fazer é apenas uma pequena fração do que geralmente se
pensa que ele tem direito e do que o Estado de fato faz, então acho que o Estado
não tem realmente legitimidade de autoridade. E acho que devemos admitir que
23
Para ser explícito, aqui está uma lista de políticas governamentais análogas às suas ações na
história: Impedir o passageiro de comer batatas fritas: leis sobre drogas e outras leis paternalistas.
Proibir o jogo de cartas com aposta: leis contra o jogo e outras leis moralistas. Confiscar jóias:
bem-estar e outros programas de redistribuição de riqueza. Coletar dinheiro para Sally: subsídios,
contratos sem licitação e outras políticas motivadas por rent-seeking. Ameaçar atirar em outros
passageiros que fazem as mesmas coisas: proibições de vigilantismo e criação de governos
concorrentes. Confiscar propriedades para fazer escultura: apoio estatal às artes. Arremessar um
passageiro ao mar: restrição à imigração e deportação de imigrantes ilegais.
5. Consequencialismo e Equidade 93
5.4.3 Supremacia
A autoridade do Estado também deve ser suprema, no sentido de que ninguém
mais tem o direito de coagir os indivíduos da maneira que o Estado faz, nem
alguém tem o direito de coagir o Estado. Isso também é difícil de explicar.
Modificando o cenário do barco salva-vidas mais uma vez, suponha que no
barco haja dois passageiros armados, Gumby e Pokey, cada um deles reconhe-
cendo que o barco salva-vidas precisa ser socorrido. Mais uma vez, os outros
passageiros se recusam resolutamente a salvar o barco. Gumby e Pokey sabem
que a coerção é necessária para salvar o barco, e qualquer um deles estaria jus-
tificado em tomar as medidas necessárias. Mas Gumby é mais rápido em agir:
ele pega sua arma e força os outros passageiros a começarem a retirar a água do
barco. Nesse ponto, Gumby adquire algum tipo de supremacia?
Não ele não adquire. Se Pokey visse algum outro desastre iminente que só
pode ser evitado através da coerção, ele estaria justificado a usar coerção para
evitá-lo. Isso teria sido verdade se Gumby nunca estivesse no barco salva-vidas,
e permanece verdadeiro depois que Gumby usou coerção para evitar que o barco
afundasse. O ato coercitivo inicial de Gumby não impede a coerção justificada
por outros, nem reduz a gama de circunstâncias em que outros podem usar a
coerção, de modo que se torne mais fácil no futuro para Gumby ser justificado no
uso da coerção do que para qualquer outra pessoa no barco. Pokey também não
estaria moralmente impedido de tomar ações coercitivas para reforçar o esquema
de retirada de água, caso a aplicação de Gumby se mostre inadequada.
Antes do ato coercitivo inicial de Gumby, seria verdade que Pokey poderia
usar a força permissivelmente contra Gumby, se isso fosse necessário para impedir
Gumby de violar seriamente os direitos de outras pessoas ou impedir que algo
muito ruim acontecesse. Após o ato coercitivo inicial de Gumby, isso permanece
igualmente verdadeiro. O simples fato de Gumby ter sido o primeiro a usar a
coerção para salvar o barco não o deixa imune a ser coagido em circunstâncias nas
quais normalmente seria permitido coagir alguém. Por exemplo, se, depois de
salvar o barco salva-vidas, Gumby tentasse roubar os passageiros, Pokey estaria
justificado em usar a força para defender os outros passageiros.
Parece, então, que o Estado não possui, por motivos consequencialistas, auto-
ridade suprema. Outros agentes podem usar a força para alcançar os mesmos
objetivos que o Estado teria justificativa em usar a força para alcançar no caso
dos próprios esforços do Estado serem inadequados. Por exemplo, se o Estado
falhar em fornecer proteção adequada contra o crime, não há razão óbvia para
que agentes privados não forneçam segurança usando os mesmos métodos que
o Estado pode usar. Os agentes privados também podem usar a força para evitar
5. Consequencialismo e Equidade 94
desastres que o Estado não tomou ação suficiente para evitar (novamente, nas
mesmas circunstâncias em que o Estado pode usar a força). E agentes privados
podem usar a força contra o Estado quando necessário para impedir que o Es-
tado cometa graves violações de direitos ou para impedir que algo muito ruim
aconteça.
Quando alguém pode usar a força contra os outros? É plausível sustentar que
indivíduos e organizações particulares são justificados em usar a força somente
quando
i eles têm uma forte justificativa para acreditar que o plano que estão tentando
implementar está correto (por exemplo, que produziria os benefícios preten-
didos e que esses benefícios seriam ótimos em comparação com a gravidade
das violações de direitos necessárias para implementar o plano);
ii eles têm uma forte justificativa para acreditar que o uso da força conseguiria
fazer com que seu plano fosse implementado; e
iii não há alternativas disponíveis para alcançar os benefícios sem pelo menos
violações igualmente graves de direitos.
Na realidade, essas condições são bastante restritivas e raramente são realiza-
das. É plausível que a maioria dos vigilantes reais viole a condição (i) e que a
maioria dos rebeldes e terroristas reais viole (i) e (ii). Portanto, a maioria dos
casos reais de vigilantismo ou terrorismo não deve ser endossada.
No entanto, a conclusão é uma rejeição da supremacia da autoridade gover-
namental, pois as qualificações mencionadas no parágrafo anterior se aplicam
igualmente aos atores estatais. O Estado também deve ter forte justificativa para
acreditar que cada um de seus planos implementados coercivamente está correto,
que seu uso da coerção será bem-sucedido e que não há alternativas melhores.
Se alguém se apoia em uma explicação consequencialista da legitimidade do tipo
que está sendo discutido, não há maneira aparente de escapar dessa conclusão.
Portanto, não há um sentido claro em que o Estado tenha autoridade suprema;
pode coagir indivíduos nos mesmos tipos de circunstâncias, pelos mesmos tipos
de razões, como agentes privados podem coagir indivíduos. E, assim como a
maioria dos atos de vigilantes e terroristas são injustificados, acho plausível que
a grande maioria das ações estatais também viole uma ou mais condições para a
coerção justificada.
5.5 Conclusão
Argumentos consequencialistas e baseados em equidade aproximam-se da justi-
ficação da autoridade política. No entanto, eles não podem fundamentar uma
5. Consequencialismo e Equidade 95
24
O Estado carecerá mesmo desse direito se, como argumentado na Parte II, o Estado não for
necessário para o fornecimento de quaisquer bens vitais.
6
A Psicologia da Autoridade
96
6. A Psicologia da Autoridade 97
a se tornar mais violento e opressivo.2 Ou, como advertiram Platão e Hume, isso
pode levar a um colapso geral da ordem social.3 Livros como este, se não forem
suficiente e vigorosamente questionados por outros filósofos, poderão, em última
análise, contribuir para tais resultados. Isso não teria relação direta com a questão
de saber se este livro está correto em suas alegações centrais (promover uma tese
correta pode ser indesejável), mas incide diretamente na interessante questão
de saber se esse livro é ruim ou não deveria ter sido escrito. Abordarei essa
preocupação nas seções posteriores deste capítulo, depois de revisar algumas
descobertas psicológicas importantes.
continue” e, finalmente, “você não tem outra escolha. Você deve continuar.” Se o
professor ainda resistisse após o quarto estímulo, o experimento era interrompido.
6.2.2 Previsões
O aluno, é claro, não recebeu verdadeiramente os choques elétricos. O verdadeiro
objetivo era determinar até que ponto as pessoas estariam dispostas a obedecer
ao pesquisador. Se você ainda não está familiarizado com o experimento, vale
a pena dedicar um momento para refletir, primeiro, sobre como você acha que
deveria ser o comportamento do professor, e segundo, o que você acha que a
maioria das pessoas faria.
As entrevistas pós-experimentos estabeleceram que as pessoas estavam con-
vencidas de que a situação era real e que o aluno estava recebendo choques
elétricos extremamente dolorosos. Sabendo disso, um professor claramente não
deveria continuar administrando choques depois que o aluno exige que seja
liberado. Fazer isso seria uma violação grave dos direitos humanos da vítima.
Em algum momento, o experimento representaria tortura e assassinato. Embora
o pesquisador tenha algum direito de dirigir a condução de seu experimento,
ninguém diria que ele tem o direito de ordenar tortura e assassinato.
O que você teria feito se fosse um participante do experimento? Milgram
descreveu o experimento para estudantes, psiquiatras e adultos comuns e pediu
que previssem como se comportariam se estivessem no experimento e como
a maioria das outras pessoas se comportaria.10 Dos 110 entrevistados, todos
disseram que desafiariam o pesquisador em algum momento, explicando suas
razões em termos de compaixão, empatia e princípios de justiça. A maioria
disse que se recusaria a continuar além do choque de 150 volts (quando o aluno
exige a liberação) e ninguém se viu ultrapassando os 300 volts (quando o aluno
se recusa a responder). Já suas previsões sobre o comportamento de outras
pessoas eram um pouco menos otimistas: os entrevistados esperavam que apenas
uma margem patológica de 1 a 2% da população continuasse até 450 volts. Os
psiquiatras pesquisados por Milgram pensavam que apenas um participante em
mil continuaria até o final do quadro de choque.
6.2.3 Resultados
O experimento de Milgram mostra algo surpreendente, não apenas sobre nossas
disposições para obedecer, mas também sobre nosso entendimento. As previsões
de psiquiatras, estudantes e leigos ficaram chocantemente distantes da realidade.
10
Milgram 2009, 27–31.
6. A Psicologia da Autoridade 103
cultura como bizarras, absurdas ou imorais (em alguns casos, com razão). A
conclusão a ser tirada é que os seres humanos têm uma tendência poderosa de ver
as crenças de sua própria sociedade como obviamente verdadeiras e as práticas
de sua própria sociedade como obviamente corretas e boas – independentemente
de quais sejam essas crenças e práticas.27
O que isso nos diz sobre a crença na autoridade política? O governo é uma
característica extremamente importante e fundamental da estrutura de nossa
sociedade. Sabemos que as pessoas tendem a ter um forte viés em favor dos
arranjos existentes em suas próprias sociedades. Portanto, é lógico que, se algum
governo é legítimo ou não, a maioria de nós teria uma forte tendência a acreditar
que alguns governos são legítimos, especialmente os nossos e outros semelhantes.
6.5.1 Símbolos
Todo governo nacional do mundo tem uma bandeira. A maioria tem hinos
nacionais. Os governos adornam suas moedas com vários símbolos; nos Estados
Unidos, por exemplo, a nota de um dólar exibe o retrato de George Washington, o
Selo do Departamento do Tesouro e o Grande Selo dos Estados Unidos. Estátuas
e monumentos celebram pessoas e eventos importantes na história do país.
A quais funções todos esses símbolos servem? Por que não transmitir as
informações relevantes de uma maneira puramente intelectual e esteticamente
neutra? Em vez do Grande Selo dos Estados Unidos, a nota de um dólar poderia
simplesmente conter as palavras: “Isso é dinheiro americano”. Em vez de alçar a
bandeira americana, os edifícios do governo podiam exibir uma placa dizendo:
“Este é um prédio do governo dos EUA”. No lugar dos monumentos, poderiam
ser disponibilizados livros que descrevessem desapaixonadamente os eventos
27
Alguns filósofos elevaram esse viés a uma teoria da razão prática. MacIntyre (1986) e Murphy
(1995) afirmam que não é necessária nenhuma razão para seguir as normas da sociedade, mas que
sempre é necessária uma razão para se afastar das práticas atualmente aceitas. No entanto, eles
não defendem essa suposição, e considero que eles assumem essa posição como uma manifestação
de viés de status quo.
28
Ver Wingo (2003) para discussão e defesa estendida desta tese.
6. A Psicologia da Autoridade 111
6.5.2 Rituais
Em muitas sociedades, rituais especiais são necessários quando um novo líder
acede ao poder. Quando o poder é passado para um novo presidente dos EUA,
uma cerimônia pública de posse é realizada. A cerimônia envolve uma série
específica e estilizada de poses e palavras. O novo presidente coloca a mão
esquerda na Bíblia, sugerindo a supervisão divina dos procedimentos, e levanta
a mão direita com o braço dobrado no cotovelo. Ele então repete as palavras
exatas do juiz, geralmente o juiz supremo da Suprema Corte, administrando o
juramento: “Eu, [nome completo do presidente eleito], juro solenemente que
executarei fielmente o ofício de Presidente da República dos Estados Unidos, e
da melhor maneira possível, preservar, proteger e defender a Constituição dos
Estados Unidos.” Imediatamente após o juramento, o Chefe de Justiça se dirige ao
6. A Psicologia da Autoridade 113
É certo que isso é retirado de uma parte da lei com uma reputação especí-
fica de incompreensibilidade, o Internal Revenue Code. Aqui está uma lei mais
compreensível:
sofrido abuso físico e sexual. Ela então se juntou ao grupo e os ajudou voluntari-
amente a cometer crimes, incluindo um assalto a banco. Ela não tentou escapar
quando se deparou com a oportunidade. Após sua eventual captura pela polícia,
Hearst alegou ter sofrido uma lavagem cerebral pelo SLA.35
Um caso mais recente é o de Jaycee Lee Dugard, sequestrado aos onze anos de
idade pelo ex-presidiário Phillip Garrido. Garrido a estuprou e a manteve cativa
em um galpão em seu quintal. A polícia finalmente encontrou Jaycee em 2009,
dezoito anos após o sequestro. Ela viveu com Garrido todos esses anos e agora
tinha duas filhas geradas por ele. Durante esse período, Dugard havia ajudado
Garrido em seus negócios em casa, classificando pedidos por telefone e e-mail.
Ela conheceu clientes sozinha na porta. Ela até saiu em público. Em resumo,
Jaycee Dugard teve inúmeras oportunidades ao longo dos anos para escapar ou
procurar ajuda externa, mas nunca o fez.36 Garrido estava tão seguro em seu
relacionamento com Dugard que trouxe ela e suas filhas para uma reunião com
seu oficial de liberdade condicional. Naquela reunião, Dugard disse ao oficial
que Garrido era uma ótima pessoa, e tentou protegê-lo ocultando sua própria
identidade.37
Vários casos semelhantes ocorreram ao longo dos anos. É comum dizer que
existem quatro precursores para o desenvolvimento da Síndrome de Estocolmo:
primeiro, o sequestrador representa uma ameaça crível à vida da vítima em
cativeiro. Segundo, a vítima percebe alguma forma de bondade por parte do
sequestrador. No entanto, essa “gentileza” pode consistir apenas em uma relativa
falta de abuso ou falha em matar a vítima. Em um ponto durante a crise dos
reféns em Estocolmo, um dos assaltantes do banco estava planejando atirar na
perna de um refém para fazer a polícia levar suas demandas mais a sério (o
tiroteio nunca ocorreu). Na época, o refém que levaria o tiro pensava que o
ladrão era bom por planejar apenas em dar um tiro na perna dele e não matá-lo.38
Terceiro, a vítima está isolada do mundo exterior e sujeita apenas à perspectiva
do sequestrador. Quarto, a vítima se vê incapaz de escapar.
Sob essas condições, os reféns são propensos a uma variedade de reações que
as pessoas de fora acham paradoxal, incluindo
i O agressor representa uma ameaça séria e crível para a vítima. É essa situação que
torna necessário algum mecanismo defensivo. A Síndrome de Estocolmo
envolve mudanças extremas nas atitudes da vítima, que têm sérios custos
potenciais (por exemplo, a vítima pode acabar participando dos planos terro-
ristas do agressor). Portanto, devemos esperar que essas mudanças ocorram
apenas quando houver uma ameaça séria.45
v A vítima está isolada do mundo exterior. Quando uma pessoa ou grupo de pes-
soas é mantido em cativeiro por um agressor, pessoas de fora, que não têm
motivos para desenvolver a Síndrome de Estocolmo, normalmente veem o
agressor sob uma luz extremamente negativa. Em qualquer comunicação
44
Os itens (i), (ii), (iv) e (v) são de Graham et al. 1994, pp. 33-7; cf. de Fabrique et al. 2007;
Namnyak et al. 2008, 5. Acrescentei o item (iii), que, embora não tenha sido identificado como
uma condição distinta por Graham e outros, está claramente presente e é importante nos casos
clássicos da Síndrome de Estocolmo.
45
Freud (1937, capítulo 9) postula que quando um indivíduo teme a dor nas mãos de outro,
ele pode lidar com a ansiedade identificando-se psicologicamente com a pessoa que representa a
ameaça. Ele descreve isso como “identificação com o agressor”.
6. A Psicologia da Autoridade 121
i O agressor representa uma ameaça séria e crível para a vítima. Todos os gover-
nos modernos controlam suas populações através de ameaças de violência.
Em alguns casos, sua capacidade de violência é surpreendente. O governo
dos EUA, por exemplo, pode possuir armas suficientes para matar todos no
mundo. Em uma escala menor, os governos dispõem de um aparato para
prender indivíduos por longos períodos de tempo e implantam esse apa-
rato regularmente. Para aqueles que resistem à captura, os governos têm
ferramentas impressionantes de força física, incluindo força letal.
iv A vítima percebe alguma gentileza do agressor, mesmo que apenas na forma de falta
de abuso. A maioria dos cidadãos considera seu governo benéfico à luz dos
serviços sociais que ele fornece. Alguns também acham que seu governo é
bom porque não abusam de seu poder tanto quanto a maioria dos outros
governos ao longo da história.
que terminaria em duas semanas, após isso retornariam às suas vidas normais.
Segundo, os prisioneiros foram selecionados aleatoriamente, e os guardas e os
prisioneiros sabiam que não haviam feito nada de errado. Os prisioneiros não po-
deriam ser seriamente considerados criminosos ou inimigos em nenhum sentido
significativo. Terceiro, os prisioneiros e guardas haviam sido rastreados antes.
Os pesquisadores fizeram questionários e entrevistas pessoais a um grupo inicial
de 75 voluntários, a fim de selecionar apenas os participantes mais normais e
psicologicamente estáveis. Além disso, com base em testes psicológicos, pare-
cia não haver diferenças significativas na personalidade entre os guardas e os
prisioneiros.
Pode-se esperar que qualquer uma dessas condições isole a prisão simulada
contra o tipo de abuso frequentemente visto em prisões reais. (É certo que os
abusos em Stanford parecem leves em comparação aos observados em Abu Gh-
raib ou nos gulags soviéticos; então, novamente, a trajetória de crescente abuso
foi interrompida em apenas cinco dias.) Alguém poderia pensar que o contexto
de um período relativamente curto de experimentos psicológicos de longo prazo
seriam insuficientes para quebrar os padrões normais de decência e respeito pelos
outros. Pode-se suspeitar que o abuso de prisioneiros ocorra porque se acredita
que eles sejam criminosos ou inimigos, de modo que o abuso seja considerado
justificado. Ou pode-se pensar que o abuso de prisioneiros ocorre porque indi-
víduos com predisposições sádicas são mais propensos a se tornarem guardas
ou porque os prisioneiros tendem a ser extraordinariamente agressivos e, assim,
atraem respostas agressivas por parte dos guardas. O Experimento Prisional de
Stanford é de particular interesse, pois coloca hipóteses como essas à prova.
Como se vê, nenhuma dessas coisas foi o caso. Havia algo no papel de guarda
que trouxe à tona o pior das pessoas. A conclusão central de Zimbardo, a partir
deste estudo e de muitas outras evidências, é que os determinantes do comporta-
mento bom ou mau estão mais nas situações em que os indivíduos são colocados
do que nas intrínsecas circunstâncias desses indivíduos.53 As circunstâncias de
um indivíduo podem ter efeitos corruptos dramáticos ou edificantes.
Qual foi o papel de ser guarda que ressaltou o lado sombrio dos participantes?
Lorde Acton, creio, tinha o mote sobre isso: o poder corrompe.54 Isso tem sido
aparente na história; agora também temos evidências experimentais. Quando
alguns seres humanos recebem grande poder sobre a vida de outros, frequente-
mente descobrem que o senso de poder é intoxicante. Eles querem exercer seu
53
Ver Zimbardo 2007, esp. 210–21, sobre os fatores situacionais no Experimento Prisional de
Stanford. Ver os capítulos 12–16 para evidências e argumentos além do estudo do experimento.
54
Acton 1972, 335 (de uma carta a Mandell Creighton de 5 de abril de 1887): “O poder tende a
corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. Os grandes homens quase sempre são
maus, mesmo quando exercem influência e não autoridade: ainda mais quando você acrescenta
a tendência ou a certeza da corrupção pela autoridade.”
6. A Psicologia da Autoridade 127
poder com mais frequência e mais profundidade, e não querem desistir dele.
Quando o Experimento Prisional de Stanford terminou prematuramente, todos
os prisioneiros ficaram aliviados. A maioria dos guardas, no entanto, parecia
decepcionada. Estavam gostando de atormentar os prisioneiros. Como Zimbardo
relata, nenhum dos guardas chegou atrasado para um turno e, em várias oca-
siões, ficou até tarde, sem serem solicitados e sem remuneração extra.55 Nem todo
mundo é visivelmente corrompido pelo exercício do poder. Mas sempre existem
alguns que são e, como sugere o experimento, mesmo os menos corrompidos
normalmente não fazem nada para conter os excessos dos mais corrompidos.
Mas por que infligir sofrimento e humilhação aos prisioneiros – não era
possível experimentar o poder com gestos benevolentes? George Orwell teve
um insight importante sobre essa conexão: “Como um homem afirma seu poder
sobre outro [. . . ]? [. . . ] Fazendo-o sofrer. [. . . ] A menos que ele esteja sofrendo,
como você pode ter certeza de que está obedecendo à sua vontade e não a dele? O
poder está em infligir dor e humilhação.”56 Certamente é verdade que os guardas
de Stanford infligiram intencionalmente dor e humilhação a seus prisioneiros.
E, novamente, esses guardas eram seres humanos perfeitamente normais, tanto
quanto se podia verificar de antemão. Portanto, há razões para acreditar que não
é por acaso que os governos têm sido tantas vezes liderados por líderes tirânicos.
Outra lição do experimento de Stanford diz respeito às reações dos outros a
figuras de autoridade. Os prisioneiros do experimento, inicialmente pelo menos
um pouco resistentes, foram reduzidos à submissão no final do experimento.
Eles atenderam a quase todas, mesmo as demandas mais ofensivas emitidas
pelos guardas. Diante disso, isso é intrigante, pois os guardas não tinham poder
real para obrigar os prisioneiros a obedecer. Os guardas eram proibidos de usar
violência e, em qualquer caso, eram, em cada turno, superados numa relação
de três para um pelos presos. Se os prisioneiros se recusassem resolutamente
a obedecer aos guardas, não está claro o que os guardas poderiam ter feito. No
entanto, os prisioneiros obedeceram, apesar da natureza cada vez mais irracional e
ofensiva dos comandos dos guardas e apesar da natureza arbitrária de sua suposta
autoridade. Essa obediência também não deveria ser explicada como resultado
de um senso de obrigação contratual. Embora os sujeitos concordassem em fazer
parte de uma simulação da vida na prisão, não concordaram em obedecer a
todos os comandos da guarda. E mesmo se eles se considerassem obrigados a ser
obedientes até certo ponto, isso não explicaria por que os prisioneiros se tornaram
mais submissos à medida que o estudo prosseguia e as exigências dos guardas
se tornavam mais irracionais. Uma lição a tirar disso é que, psicologicamente,
55
Zimbardo, Haney e Banks 1973, 81.
56
Orwell 1984, 219-20. As observações citadas são do agente da polícia O’Brien, o personagem
que captura e tortura o protagonista do romance para quebrar seu espírito.
6. A Psicologia da Autoridade 128
59
Consulte a Seção 13.1 e a Seção 13.4 para obter mais exemplos.
7
130
7. E se Não Existir Autoridade? 131
roubar meses ou anos da vida de alguém. Mas a ação de Sam não foi pior do que
a que o governo atualmente faz com os infratores. O tabaco é cerca de sete vezes
mais mortal (em média, por usuário) do que as drogas ilegais, então Sam tem
uma justificativa muito mais forte pelo que faz do que o governo pelo que faz.4
Alguns defensores da proibição enfatizam os efeitos nocivos não-medicamentosos
que as drogas podem ter na vida de alguém. Para levar isso em consideração,
imagine que Sam também cuide das pessoas nesses outros aspectos; quando ele
aprende sobre alguém que prejudicou o relacionamento dela com outras pessoas
sem uma boa razão, ele sequestra essa pessoa e a mantém em cativeiro no porão.
Da mesma forma, para aqueles que perdem o emprego ou abandonam a escola
por culpa própria. (Adicione outros eventos negativos da vida, do tipo que o
abuso de drogas pode causar.) Sam adverte explicitamente as pessoas contra
esses comportamentos e só pune as pessoas que violarem suas ordens de maneira
consciente e voluntária. O motivo de Sam para punir essas pessoas seria mais
forte do que o Estado para punir os infratores, já que as drogas só têm chance
de causar danos a seus relacionamentos, perder o emprego e assim por diante,
enquanto Sam castiga apenas as pessoas que de fato prejudicou conscientemente
seus relacionamentos, perdeu seus empregos e afins. No entanto, o comporta-
mento de Sam parece ultrajante. O desejo de impedir que as pessoas prejudique
suas próprias vidas dessa maneira não constitui fundamento adequado para
coerção.5
Existem muitas outras leis paternalistas sobre as quais argumentos seme-
lhantes podem ser feitos. Em geral, o paternalismo é justificado apenas em
circunstâncias extremas – por exemplo, se uma pessoa está prestes a se jogar de
uma ponte, pode-se justificar coercivamente impedi-la de se jogar, pelo menos o
tempo suficiente para descobrir por que ela quer se matar e se tem uma mente
sã. A coerção não se justifica meramente porque outra pessoa deseja fazer uma
escolha imprudente do tipo que as pessoas normais costumam fazer na vida
cotidiana. Aqui estão alguns outros exemplos de paternalismo jurídico.
• Seguro Social. Dizem que as pessoas devem ser forçadas a economizar para
a aposentadoria; caso contrário, elas tolamente deixarão de economizar.
Também é dito às vezes que o programa de aposentadoria deve ser adminis-
trado pelo governo, pois, caso contrário, as pessoas investem seu dinheiro
de maneira tola e o perdem.
• Seguro Social. Eu disse acima que o Seguro Social poderia ser encarado
como um programa para forçar as pessoas a economizarem para a apo-
sentadoria. Também pode ser visto, talvez com mais precisão, como um
sistema de pagamentos por transferência de jovens para idosos.
Qual é o status moral de tais leis? Suponha que estendamos a história de Sam
da seguinte maneira. Sam tem um amigo chamado Archer Midland. Archer pede
ajuda financeira a Sam, então Sam sai, agride algumas pessoas e dá o dinheiro
a Archer. Obviamente, esta ação está errada. O desejo de lucrar às custas dos
outros não é uma justificativa adequada para a coerção.
7.1.4 Imigração
Marvin precisa de comida, sem a qual sofrerá desnutrição ou fome.8 Ele planeja
viajar para um mercado próximo, onde poderá comercializar por comida. Mas
antes que possa chegar ao mercado, é abordado por Sam, que não quer que
Marvin negocie no mercado, por dois motivos. Primeiro, a filha de Sam vai
fazer compras no mercado, e Sam teme que Marvin possa aumentar o preço da
comida. Alguns fornecedores podem até ficar sem pão se muitas pessoas vierem
ao mercado. Segundo, Marvin vem de uma cultura diferente da maioria das
pessoas que frequentam o mercado, e Sam teme que Marvin possa influenciar
outras pessoas e, assim, alterar a cultura do mercado. Sam decide resolver o
problema pela força. Aponta sua arma para Marvin e ordena que Marvin saia
dali. O faminto Marvin é forçado a voltar para casa de mãos vazias.
As razões de Sam para coagir Marvin nesta história são claramente inadequa-
das. Além disso, Sam será culpado por qualquer dano que Marvin sofra como
resultado de não conseguir chegar ao mercado; serão danos que Sam infligiu
a Marvin. Se Marvin morrer de fome, então a culpa é de Sam. Isso é verdade,
apesar de Sam não ser responsável pela situação inicial de Marvin de sentir fome
e não ter comida; é verdade porque Sam ativamente impediu Marvin de obter
comida. Se uma pessoa está morrendo de fome e você se recusa a dar-lhe comida,
então você deixou que ela morresse de fome. Mas se você der o passo extra de
interferir coercivamente na dinâmica dele obter comida de outra pessoa, então
7
Ver Friedman 1989, 42-4, para discussão.
8
Este exemplo é de Huemer 2010b, que defende o argumento desta subseção em detalhes.
7. E se Não Existir Autoridade? 136
você não permitiu que ele apenas morresse de fome; você o impediu de se alimen-
tar. O mesmo ponto se aplica a danos menores: se, por exemplo, Marvin apenas
sofrer desnutrição por não conseguir chegar ao mercado, Sam terá infligido esse
dano a ele.
O comportamento de Sam na história é análogo ao do governo de qualquer
país moderno que exclui imigrantes pobres. Potenciais imigrantes de países em
desenvolvimento passam a participar dos mercados dos países mais ricos. Os
governos dos países mais ricos rotineiramente excluem à força esses imigrantes
em potencial. Como resultado, muitos sofrem por perspectivas de vida muito
reduzidas. O governo não permite apenas que ocorram danos a esses imigrantes
em potencial. Se o governo apenas se mantivesse passivo e se recusasse a dar
ajuda a imigrantes em potencial, isso permitiria que ocorressem danos. Mas
não permanece passivo quando o governo de todos os países ricos do mundo
contrata deliberadamente guardas armados para excluir ou expulsar à força
pessoas indesejadas. Essa intervenção coercitiva constitui uma imposição ativa
de danos a eles, assim como Sam causa danos a Marvin na história acima.
Os motivos mais comuns dados para a restrição de imigração são dois. Pri-
meiro, que novos imigrantes competem com os americanos (ou locais) existentes
no mercado de trabalho, diminuindo assim os salários por mão de obra não
qualificada e dificultando a procura de emprego pelos trabalhadores americanos.
Segundo, se muitos imigrantes entrarem no país, alterarão a cultura do país. A
primeira preocupação é análoga à preocupação de Sam sobre a concorrência de
Marvin com a filha dele no mercado. Não é permitido usar força contra outra pes-
soa simplesmente para impedir que terceiros sofram desvantagens econômicas
através da concorrência normal no mercado. A segunda preocupação é análoga
à preocupação de Sam sobre a cultura do mercado. Não é permitido usar força
contra outra pessoa simplesmente para impedir que ela influencie a cultura da
sociedade de maneiras indesejadas.
por decreto governamental. Isso é plausível apenas para quem pressupõe uma
forte doutrina de autoridade política. Nagel e Murphy atribuem ao Estado um
direito moral, decorrente de seu poder de criar direitos de propriedade, para
impor coercivamente a distribuição de recursos escolhida. Como nenhum agente
não governamental pode declarar uma distribuição de recursos e um regime de
direitos de propriedade e depois aplicá-los coercivamente, o direito do Estado
de fazê-lo exigiria legitimidade política. Ao mesmo tempo, a criação pelo Estado
de um regime de direitos de propriedade provavelmente imporia obrigações por
parte dos cidadãos de respeitar esse regime. Essas seriam obrigações políticas. Se,
portanto, o Estado não tem autoridade, então não tem o poder de criar direitos
de propriedade, como Murphy e Nagel supõem.
O resultado parece ser que, mesmo depois do Estado fazer suas leis, ainda não
há direitos de propriedade. (Se alguém considera essa conclusão implausível,
deve retornar à visão de que existem direitos de propriedade naturais.) Pode-
se pensar que a rejeição dos direitos de propriedade deixa o caminho aberto
para a tributação: uma vez que os pagadores de impostos não têm o direito de
“sua” riqueza, a apreensão de parte dessa riqueza não parecerá mais como uma
violação de direitos. Mas, da mesma forma, o Estado também não terá direito a
essa riqueza e, portanto, os cidadãos não fazem nada errado ao retê-la. Enquanto
isso, existem os danos que o Estado impõe coercivamente aqueles que não pagam
impostos, e esses parecem ser injustiças prima facie.
Em suma, o defensor da tributação deve sustentar que o Estado, e não os
pagadores de impostos, tem justamente o direito às receitas tributárias que o
Estado recebe. Não há maneira plausível de defender essa visão, a menos que
alguém assuma uma doutrina de autoridade política.
Como um governo poderia financiar suas atividades sem tributação? Uma
alternativa seria o Estado cobrar taxas por seus serviços. O Estado pode cobrar
por cada serviço prestado ou definir uma taxa única para cobrir todos os serviços
do governo. Suponha que o Estado estabeleça uma taxa anual única por seus
serviços. Aqueles que não pagassem a taxa seriam excluídos da maioria dos
serviços governamentais ao longo do ano – por exemplo, poderiam não conseguir
entrar com ações judiciais nos tribunais do governo e não poderiam chamar a
polícia do governo para investigar ou protegê-los de crimes contra eles. Pode ser
fornecida proteção policial para prédios e bairros que pagaram a taxa apropriada,
com associações de proprietários coletando os fundos para pagar pela proteção
de um determinado bairro. O Estado poderia estabelecer uma política que, se
um crime fosse cometido em um prédio ou bairro que não tivesse pago a taxa
de segurança governamental, a polícia e os tribunais não fariam nada a respeito.
Desde que o Estado fosse razoavelmente bom em seu trabalho e suas taxas fossem
razoáveis, a maioria dos cidadãos, por razões óbvias, escolheria pagar.
7. E se Não Existir Autoridade? 140
Algumas pessoas, quando expostas a essa ideia pela primeira vez, pensam
que a proposta equivale à extração coercitiva de fundos dos cidadãos, assim como
certamente faz a tributação, pois indivíduos que não pagarem as taxas do Estado
estariam sujeitos a um sério risco de violência. Isto é um erro. Sob o atual regime
tributário, o próprio Estado inflige danos àqueles que não pagam seus impostos.
De acordo com o esquema de taxa por serviço que propus, o Estado não protege
contra os danos aqueles que se recusam a pagar a taxa necessária, mas ele próprio
não lhes causa danos. Considere uma analogia. Os médicos prestam assistência
médica por um preço. Eles geralmente não prestam assistência àqueles que não
os pagam, mas não estão coagindo todos que não compram seus serviços; se
você não contratar um médico, ele não virá e o infectará com uma doença. O
modelo de honorários por serviços financeiros do governo é como o sistema no
qual os médicos prestam assistência médica apenas àqueles que os contratam. O
sistema tributário é como um sistema no qual os médicos dão doenças àqueles que
não os contratam. Como esse modelo alternativo de financiamento do governo
não foi tentado, sem dúvida haverá muitas questões levantadas sobre ele. Não
posso explorar a proposta em detalhes aqui, mas mencionarei brevemente três
questões óbvias. Uma delas diz respeito a quanto dinheiro o governo poderia
esperar obter através de taxas voluntárias. No ano fiscal de 2010, o governo
federal dos EUA gastou aproximadamente US$ 3,7 trilhões, ou cerca de um
quarto do PIB.11 Um esquema de pagamento voluntário pode não ser capaz
de suportar despesas tão grandes. A melhor solução para esse problema seria
reduzir drasticamente os gastos do governo, de acordo com a gama muito limitada
de atividades governamentais que achamos justificadas.
Outra preocupação é que as pessoas pobres possam ser incapazes de pagar
as taxas do governo e, portanto, ficarão com ainda menos proteção do que atu-
almente. No entanto, o Estado não precisa cobrar o mesmo preço a todos os
cidadãos. Esquemas diferenciais de preços geralmente ocorrem mesmo no mer-
cado livre, como no caso de cinemas que cobram preços mais baixos para idosos
e estudantes. Mais exatamente, aqueles com casas caras pagam rotineiramente
mais pelo seguro de propriedade do que aqueles com casas baratas. Na mesma
linha, os ricos estariam dispostos a pagar mais pela proteção de suas pessoas e
propriedades do que os pobres pagariam ou poderiam pagar.
Outra questão é se o Estado teria o direito de proibir indivíduos ou organiza-
ções não estatais de vender serviços semelhantes aos do Estado. Por exemplo,
as empresas de segurança privada poderiam fornecer segurança para pessoas
que não pagaram as taxas do governo? Se tal competição fosse permitida, muitos
cidadãos poderiam optar pela segurança privada, talvez economizar dinheiro
ou obter melhores serviços. Se um número suficiente de pessoas se comportar
11
U.S. Census Bureau 2011b, 310, tabela 467.
7. E se Não Existir Autoridade? 141
dessa maneira, é possível que o governo seja expulso dos negócios. Na minha
opinião, essa competição deve ser permitida, e isso fornece a chave para a pro-
posta anarquista política dos próximos capítulos. No entanto, o presente capítulo
é para aqueles que acreditam que qualquer esquema de provisão de segurança
concorrente sem uma autoridade central única seria socialmente desastroso.
Nesse pressuposto, o Estado poderia proibir justamente a provisão privada de
segurança. Normalmente, é errado coagir os outros, mas essa coerção pode ser
justificada quando é necessário impedir que algo muito pior aconteça.
Um ponto semelhante se aplicaria se o modelo de taxa de serviço das finanças
públicas fosse, por algum motivo, impraticável. Se a tributação fosse necessária
para evitar uma catástrofe social, o Estado estaria justificado em tributar. No
entanto, o modelo de taxa por serviço, se praticável, tem a vantagem em termos
de justiça, uma vez que reduz a quantidade de coerção do governo. Por esse
motivo, os governos deveriam pelo menos tentar implementar esse modelo e só
deveriam recorrer à tributação caso falhassem esses esforços sérios de boa-fé no
financiamento voluntário.
Mas agora imagine que, por qualquer motivo, você não consiga salvar a criança
no lago. Há, no entanto, outro espectador que poderia salvar a criança com um
pequeno custo para si mesmo. Esse indivíduo, no entanto, não se importa o
suficiente com a criança para salva-la voluntariamente. A única maneira de fazer
com que a criança seja salva é ameaçando o espectador com violência, a menos
que ele salve a criança. Você faz isso e ele salva a criança. Chame isso de caso da
criança afogando. Nesse caso, por mais lamentável que seja o recurso à coerção,
parece justificado.
Isso parece mostrar que é permitido coagir outras pessoas a ajudar pessoas em
perigo, desde que possam fazer a um custo modesto e que não haja outra maneira
de fazer com que as pessoas em perigo sejam ajudadas. Por analogia, alguém
pode argumentar que o Estado está justificado ao usar a coerção para induzir os
cidadãos a ajudar os pobres, como no caso dos programas governamentais de
bem-estar social. Nas subseções a seguir, sugiro três objeções a essa conclusão.
uma proporção muito maior de sua renda do que as de baixa renda. Portanto, a
redistribuição da riqueza de pessoas de alta a baixa renda reduzirá a taxa total
de investimento de uma sociedade em favor do consumo a curto prazo. Isso
reduzirá a taxa de crescimento econômico de uma sociedade. Mudanças na taxa
de crescimento têm impactos totais exponencialmente maiores à medida que são
combinados com períodos mais longos. Portanto, a menor taxa de crescimento
fará uma diferença muito maior para a riqueza material das gerações futuras.19
Finalmente, deve-se lembrar que os programas governamentais não são má-
quinas sem atrito. Pode ser verdade que um determinado dólar faria mais bem a
uma pessoa pobre do que a uma pessoa rica, mas, uma vez considerados custos
e desperdícios administrativos, é improvável que os programas governamentais
que tiram um dólar de uma pessoa rica deem à pessoa pobre qualquer coisa perto
de todo o dólar.
Todos esses argumentos têm alguma validade: cada um identifica um fa-
tor relevante que tende a promover ou diminuir o bem-estar social. Um fator
importante fala a favor dos programas governamentais de combate à pobreza,
enquanto outros fatores importantes falam contra esses programas. Meu palpite
é que, a longo prazo, o argumento da taxa de investimento vence.
Não posso tentar aqui resolver a questão muito complexa dos efeitos líquidos
dos programas governamentais de combate à pobreza. Sobre essa questão, eu
não tenho nada de importante a acrescentar à literatura existente (consulte as
notas). No entanto, a discussão anterior deve ajudar a explicar por que o assunto
é controverso e por que não é claro, na melhor das hipóteses, que esses programas
sejam benéficos ao invés de prejudiciais. Mas, dada a presunção contra a coerção,
os programas são justificados apenas se estiver claro que tenham um benefício
esperado líquido positivo.
É concebível que, no futuro, alguém planeje programas governamentais de
combate à pobreza que tenham benefícios líquidos claros. Neste momento, a
coerção pode se justificar, dependendo do tamanho dos benefícios, da quantidade
de coerção necessária e assim por diante. No entanto, tendo em mente que os
argumentos teóricos para a nocividade dos programas governamentais de com-
bate à pobreza são baseados em características muito amplas desses programas,
também é provável que ninguém crie programas desprovidos desses problemas.
Suspeito que os únicos programas que realmente produzam grandes benefícios lí-
quidos sejam politicamente inviáveis devido a preconceitos generalizados contra
estrangeiros, conforme sugerido na subseção a seguir.
19
Schmidtz 2000; Cowen 2002, pp. 44–9.
7. E se Não Existir Autoridade? 145
muito diferentes dos programas realmente encontrados nos países ricos. Eles se
concentrariam em pessoas extremamente carentes e com impactos baratos em
países estrangeiros. Os programas existentes são quase inteiramente voltados
para as pessoas e os problemas errados.
Existem diferenças relevantes entre os dois casos? Para aqueles que ainda não
perceberam, vale a pena dedicar um momento para refletir sobre essa questão
antes de continuar lendo.
Há pelo menos três diferenças que podem ser consideradas, individualmente
ou em conjunto, como moralmente significativas:
a No assalto para caridade, o problema que você procura abordar é uma condição
social crônica, enquanto na criança afogando, o problema é uma emergência
imediata. Os exemplos na literatura que extraem as intuições mais fortes sobre
os deveres de ajudar os outros são exemplos de emergências imediatas. Os
casos em que nos faltam fortes intuições do dever de ajudar, mas nos quais os
filósofos tentam argumentar para que aceitemos tais deveres são tipicamente
casos de condições sociais crônicas.
Parece haver agora quatro visões filosóficas sobre o caso da criança afogando
e o caso do assalto para caridade que vale a pena considerar:
iii Intervenções coercitivas únicas para resolver emergências imediatas são per-
mitidas, mas programas contínuos de coerção para aliviar condições sociais
crônicas não são. Assim, a coerção é justificada no caso da criança afogando,
mas não no caso do assalto para caridade.
iv Os casos não são análogos por algum outro motivo, e a coerção é justificada
no caso da criança afogando, mas não no caso do assalto para caridade.
dever de salvar uma criança que está se afogando, parece que podemos fazer a
mesma afirmação sobre doar à caridade; isto é, mesmo depois de doar 80% de sua
renda à caridade, você ainda é obrigado a doar (mais) à caridade quando tiver a
chance. Se não é assim, a obrigação de doar à caridade deve ser de alguma forma
menos rigorosa do que a obrigação de ajudar uma criança que se afoga. Portanto,
se aceitarmos a tese (ii), parece que devemos concluir que somos obrigados a
doar mais de 80% de nossa renda para caridade.25
Além disso, no caso do filantropo sobrecarregado, você não seria levemente
culpado caso não salvasse a criança. Falhar em salvar a criança seria extrema-
mente culpável, talvez não muito melhor do que assassinato. Portanto, se a
obrigação de doar à caridade é moralmente comparável à obrigação de ajudar
uma criança que está se afogando, alguém que não doar mais de 80% de sua
renda para a caridade também é extremamente culpável, talvez não muito melhor
do que um assassino. Podemos ter que concluir que o comportamento de quase
todos, incluindo, por exemplo, filantropos que doam apenas 75% de sua renda,
seja totalmente desprezível.
Alguns filósofos adotam esse tipo de moralidade extremamente exigente,
junto com seu julgamento severo sobre a conduta de quase todos. Esses filósofos
apontam que nossa forte aversão a doar quase todo o nosso dinheiro não é prova
de que não somos obrigados a fazê-lo. Eles podem dizer que nossa relutância em
aceitar sua moralidade exigente se deve simplesmente ao nosso viés de interesse
próprio – não queremos fazer o que a moralidade realmente exige de nós e,
portanto, fechamos os olhos para nossas obrigações.26
A hipótese do viés de interesse próprio pode servir como uma explicação
plausível para desmascarar um dado isolado – nossa relutância em aceitar obri-
gações extremamente exigentes de caridade. Mas a hipótese é pior na explicação
do padrão mais amplo de atitudes morais que é coerente com essa relutância.
Se simplesmente sofremos de um viés de interesse próprio, podemos esperar
que esse fato seja evidenciado por uma mudança em nossas intuições quando
direcionamos a atenção para longe de nós mesmos e para o comportamento dos
outros ou quando nos imaginamos em posições diferentes. Mas isso não parece
ser o caso. Não nos eximimos de um dever de caridade que reconhecemos para
os outros: quando ouvimos falar de alguém que dá grandes quantias de dinheiro
à caridade, tratamos isso como louvável e supererrogatório; não reagimos como
se tivéssemos sido informados de alguém que simplesmente se absteve de matar
o maior número de pessoas possível.
Mesmo quando nós próprios precisamos de uma economia – se, por exemplo,
25
Compare Unger 1996, capítulo 6. É claro que alguém precisa desistir apenas no ponto em
que doações adicionais ameaçam a sua sobrevivência ou a sua capacidade de doação no futuro.
26
Norcross 2003, 461; Shaw 1999, 286–7.
7. E se Não Existir Autoridade? 151
não podem ser defendidos pelo apelo às analogias de crianças afogando e cabanas
na floresta. Segundo, o Estado não tem status moral especial. Se o Estado pode
coercivamente arrecadar fundos para o alívio da pobreza, é porque o Estado
só faria o mesmo que as partes privadas nos exemplos da criança afogando
e da cabana na floresta. Nesse caso, o mesmo argumento poderia ser usado
para mostrar por que uma parte privada seria também justificada na apreensão
coercitiva de fundos para o alívio da pobreza. Pode-se até roubar o governo para
fornecer fundos para ajudar os pobres. O Estado não tem autoridade especial
aqui, embora possa gozar de vantagens práticas em seus esforços para obter
recursos.
motorista deveria recusar esses comandos, mesmo que isso resulte em perda do
emprego.
Alguns negam que o motorista esteja realmente apenas fazendo seu trabalho,
porque seu trabalho é dirigir o carro, não bater nas crianças. Isto é uma distração;
não importa se espancar crianças faz parte da descrição de seu trabalho. Suponha
que no meu anúncio original de “Procurando por Ajuda” tenha escrito: “Procu-
rando: pessoa com histórico limpo de condução e músculos fortes para dirigir
carro e espancar crianças inocentes”. Minha inclusão da cláusula “espancar
crianças inocentes” na descrição do trabalho não oferece nenhuma garantia de
justificativa ética ao motorista para espancar crianças. A única diferença ética
que poderia fazer é que isso pode tornar errado o motorista aceitar o trabalho em
primeiro lugar. Tendo aceitado o emprego, ele ainda não tem justificativa para
espancar crianças inocentes.
Da mesma forma, não importa se o trabalho de um policial inclui a aplicação
de leis injustas; isso não cria nenhuma justificativa para impor a aplicação de leis
injustas. A única diferença que isso pode fazer é que pode ser errado ser um
policial em primeiro lugar.
Alguns objetariam que, se todos os policiais levassem meus argumentos a
sério, todos sairiam ou seriam demitidos, o que seria muito pior para a sociedade
do que ter policiais que aplicassem leis justas e injustas. Mas, certamente, muito
antes de todos os policiais terem renunciado ou se demitido, o governo acataria
a necessidade de reforma e revogaria as leis injustas que estavam causando a
perda de sua força policial, ou pelo menos permitiria que a polícia se abstivesse
de aplicar essas leis. Assim, se toda a polícia adotasse a visão que propus, a
sociedade estaria de fato muito melhor.
Por razões semelhantes, um juiz em um caso que envolva a violação de uma
lei injusta deve fazer o possível para garantir a punição mínima possível. O juiz
deve ordenar que o réu seja libertado se possível – isto é, se isso não resultar
simplesmente no fato de o réu ser preso novamente e levado a um juiz mais
punitivo. Se um juiz se encontra conduzindo um julgamento por algo que não
deveria ser ilegal e pelo qual seria injusto punir o réu, o juiz deve fazer tudo o
que estiver ao seu alcance para influenciar o resultado em favor do réu. Se o juiz
acabar tendo que sentenciar o réu, deve ordenar a menor sentença possível. Se um
juiz se vê rotineiramente obrigado, pelas exigências de seu trabalho, a participar
da injustiça, ele provavelmente deve se demitir em busca de uma profissão mais
justa.
Um soldado também deve se recusar a lutar em uma guerra injusta. Não colo-
car isso em questão, lutar em uma guerra injusta é participar de um assassinato.
Ao ingressar nas forças armadas, alguém se voluntaria para lutar em qualquer
guerra que um país possa entrar. Portanto, se não se pode ter certeza de que
7. E se Não Existir Autoridade? 155
o país não entrará em guerra injusta, deve-se abster-se de ingressar nas forças
armadas; se alguém já está no exército, deve renunciar o mais rápido possível.
Recomendações semelhantes se aplicam a todos os outros funcionários do
governo que são chamados a implementar políticas injustas. Eles devem fazer o
possível para minar essas políticas ou, se isso não for possível, recusar-se a servir.
Essas recomendações quase nunca são seguidas. Os funcionários do governo
quase sempre aplicam as políticas, justas ou injustas, que são ordenados a aplicar.
Uma razão é que acreditam erroneamente na autoridade política; acreditam que
o Estado tem o direito de impor coercivamente essas políticas, mesmo quando
estão erradas. Consideram-se autorizados, talvez até obrigados, a ajudar a aplicar
essas políticas de acordo com os requisitos de seu trabalho. Como isso afeta
nossa avaliação de seu comportamento?
Podemos distinguir a avaliação do caráter de um indivíduo da avaliação
das ações do indivíduo. Frequentemente, uma dessas avaliações é muito mais
positiva ou negativa que a outra, principalmente quando o agente desconhece
fatos importantes sobre seu comportamento. Os soldados que lutam em uma
guerra injusta, por exemplo, são tipicamente pessoas muito melhores e são muito
menos culpáveis do que assassinos particulares. Isso é compatível com o fato
de que existem razões objetivas muito fortes para se recusar a servir em uma
guerra injusta, razões tão fortes quanto as razões para se recusar a participar de
uma conspiração privada para cometer assassinato. Como regra, o fato de os
funcionários do governo acreditarem que estão agindo corretamente os torna
menos culpados do que seriam. Não os torna completamente inocentes; ainda
podem ser culpados se, como provavelmente é o caso, não tiverem exercido
esforço suficiente para descobrir onde está seu verdadeiro dever moral. De
qualquer forma, a ignorância dos funcionários do governo sobre seu dever ético
não altera a avaliação apropriada do que realmente devem fazer. Isso não altera
o fato de que não têm o direito de fazer cumprir leis injustas.
dinheiro devem pagar à gangue de Sam e assim por diante. Ele também emite
alguns comandos moralmente justificados (embora sua emissão seja eticamente
redundante): exige que ninguém assassine, roube e assim por diante. Agora
imagine que você é um dos vizinhos de Sam. Você deseja ingerir uma certa erva
com propriedades psicoativas, mas está ciente da demanda de Sam, apoiada por
uma ameaça de força física de sua gangue, da qual você não faz parte.
Parece claro que você não tem motivos éticos para não consumir a erva,
embora, é claro, você possa ter uma forte razão prudencial, decorrente do medo
da gangue de Sam, para evitá-la. Na verdade, você tem um motivo ético para
consumir a erva, como forma de enfrentar o bullying de Sam. Submeter-se às
demandas de um agressor é, na melhor das hipóteses, desculpável. Desafiar Sam
em particular seria perfeitamente aceitável; desafiar Sam publicamente seria um
ato de coragem digno de louvor.
Da mesma forma, não há dúvida de que é errado desafiar leis injustas. A
única questão ética é se o desafio é obrigatório ou supererrogatório. Em vista
da gravidade e credibilidade das ameaças comumente emitidas pelo Estado aos
infratores da lei, acredito que, na maioria dos casos, o desafio a leis injustas é su-
pererrogatório. Em alguns casos, o desafio é imprudente, como seria imprudente
quando um assaltante aponta uma arma e você se recusar a entregar sua carteira.
Mas não é eticamente errado.
necer livre para realizar outros atos de desobediência no futuro, enquanto ainda
comunica a rejeição da lei injusta.
Às vezes, diz-se que aqueles que praticam desobediência civil devem aceitar
punição por suas ações para provar sua sinceridade e seriedade para com os
outros.32 Por exemplo, alguns afirmam que, no caso da conscrição, os objetores
de consciência deveriam ir voluntariamente à prisão – em vez de, por exemplo,
fugir para outro país – para provar que sua objeção a ir à guerra é de princípios e
altruísta.
Há uma série de objeções notáveis a esse pensamento. Primeiro, a exigência
de aceitar punição é excessivamente exigente. Sem dúvida, existe algum valor em
comunicar a sinceridade, a seriedade moral ou outras características admiráveis
a outras pessoas. Mas normalmente não se é obrigado a comunicar esse tipo
de informação a outras pessoas, mesmo quando os custos são mínimos. Por
exemplo, suponha que eu tenha encontrado recentemente uma carteira e fiz o
possível para devolvê-la ao proprietário. Não sou moralmente obrigado a divul-
gar esse episódio com outras pessoas, apenas para comunicar minha honestidade
e virtuosidade, mesmo que possa fazê-lo sem nenhum custo. Ainda menos seria
obrigado a comunicar essas informações se isso exigisse que eu passasse alguns
meses ou anos na prisão. Não está claro por que o caso deve ser diferente para
atos de desobediência civil. Se violei a lei, sem dúvida preferiria que outros sou-
bessem que tinha motivos virtuosos para isso. Mas não sou obrigado a comunicar
essas informações, mesmo que possa fazê-lo sem nenhum custo, e menos ainda
se isso exigir meses ou anos de prisão.
Alguém poderia argumentar que este caso é diferente, porque, ao desobedecer
ao Estado, eu poderia levar outros a desobedecerem a outras leis, incluindo leis
que devem ser obedecidas, se outros não entenderem as razões morais por trás
da minha desobediência. Essa sugestão é artificial e implausível; na maioria dos
casos, é altamente improvável que meu ato de desobediência faça com que outras
pessoas desobedeçam a alguma lei não relacionada. Além disso, normalmente
não é obrigatório que uma pessoa realize sacrifícios extremamente grandes,
como passar um tempo na prisão, para impedir que outras pessoas escolham
irracionalmente fazer o que é errado.
Segundo, aceitar voluntariamente a punição do Estado por um ato de desobe-
diência pode (em vez de ou além de comunicar a seriedade moral de alguém)
comunicar idéias falsas e destrutivas – principalmente, que o Estado tem o direito
de punir as pessoas por desobedecerem leis injustas. Se uma lei é injusta, a
aplicação dessa lei por meio da punição daqueles que desobedecem também é
injusta. Por que, então, alguém deveria facilitar essa injustiça submetendo-se à
punição? Por exemplo, suponha que o governo de alguém esteja envolvido em
32
Rawls 1999, 322.
7. E se Não Existir Autoridade? 158
uma guerra injusta, pela qual instituiu uma conscrição. Nesse caso, ninguém
é obrigado a participar da guerra; se existe alguma obrigação, então é que os
cidadãos são obrigados a recusar participar. Agora, além da injustiça da própria
guerra, haverá também a injustiça do Estado punir aqueles que virtualmente se
recusam a participar dessa guerra. E assim como ninguém é obrigado a facilitar
a guerra em si, ninguém é obrigado a facilitar ou cooperar com a punição injusta
daqueles que se recusam a participar da guerra.
Considere uma analogia. Uma gangue homofóbica em seu bairro está espan-
cando homossexuais.33 Se você é gay, deve se apresentar na sede da gangue e
anunciar sua orientação sexual para que eles possam bater em você? Obviamente
não. Entre outras coisas, submeter-se a uma surra comunicaria erroneamente que
você fez algo que merece punição e que a gangue tem o direito de puni-lo. Mesmo
que acredite que, ao se submeter a uma surra, aumentaria a probabilidade de
que a indignação pública acabasse por levar a uma mudança no comportamento
da gangue, você ainda não seria obrigado a se submeter a uma surra.
Concluo que, na maioria dos casos, aqueles que desobedecem a leis injustas
são eticamente permitidos e bem aconselhados a ocultar sua identidade ou a
evitar a punição pelo Estado.
i O uso da força é justificado somente quando necessário para evitar algum mau
grave. Ou seja, não deve haver alternativas disponíveis que impeçam o mau
sem usar níveis comparáveis de força, cometendo outros erros igualmente
sérios, ou exigindo sacrifícios irracionais do agente.
da força não será considerado como uma medida defensiva. (Em vez disso,
pode contar como uma medida retaliatória; no entanto, as condições para a
força retaliatória justificada estão além do escopo desta discussão.)
iii O dano esperado causado pelo uso da força não pode ser desproporcional
ao dano esperado evitado. Por exemplo, não é permitido matar outra pes-
soa apenas para impedir que ela roube seu aparelho de som. No entanto,
seria permitido matar uma pessoa, se necessário, para impedir que ela a
machucasse seriamente.
é gay. Você está convencido de que eles são agressores de gays e que, se você
responder “sim” ou se recusar a responder, vão bater no seu amigo. Vocês dois
têm a melhor chance de saírem ilesos se responderem “não”. Você sabe, no
entanto, que seu amigo é de fato gay. Assim, ao responder “não”, você estaria
mentindo. Portanto, você deve recusar-se a responder ou responder “sim”?
Ninguém, a não ser um kantiano fanático, diria isso. É verdade que mentir
geralmente está errado, mas não quando a pessoa a quem você está mentindo é
alguém que usaria uma resposta verdadeira como pretexto para causar danos
graves e injustos a outro ser humano. Se você contar a verdade aos bandidos, mais
tarde poderá consertar as coisas com seu amigo, quando o visitar no hospital,
lembrando-o de que você não é culpado pelos bandidos odiarem os gays e nem
bateu pessoalmente no seu amigo com seus próprios punhos? Você poderia
argumentar que tudo o que você fez foi relatar uma questão de fato e que o que
os bandidos fizeram com essa informação só dependia deles?
Na maioria dos tribunais, os jurados são instruídos a dar um veredito com
base nas evidências e que não devem optar por anular a lei. Eles podem até ser
solicitados a prestar juramento nesse sentido, quando se recusam a jurar então
o resultado é a demissão do serviço do júri. Isso não altera o verdadeiro dever
moral do jurado. Suponha que, no cenário acima, o líder de gangue homofóbico
peça que você prometa contar a verdade sobre seu amigo. Suponha que também
o instrua, com um grande ar de confiança e solenidade, que você deve contar
a verdade a ele e que não tem o direito de mentir porque discorda de suas
predileções por gays. Então você seria obrigado a dizer a verdade? Novamente,
não. Agressores homofóbicos não têm o direito de saber quem é ou não é gay.
Você deve prometer dizer a verdade e depois mentir imediatamente.
Nos Estados Unidos, os jurados que votam na absolvição de um réu, alegando
que a lei é injusta, não estão sujeitos a punição e seus vereditos não podem ser
revogados. Assim, apesar do que possa ser dito, os jurados certamente podem
anular as leis, nos sentidos relevantes de “pode”. A aversão à mentira e a quebra
da promessa (se é isso que a anulação do júri envolve) é uma consideração trivial
próxima à importância de impedir que uma pessoa sofra danos graves e injustos.
Claro que isso seria um erro. Minha posição filosófica não implica que os
indivíduos possam violar quaisquer leis que queiram violar. Suponha que Sally
queira roubar dinheiro de sua empresa para poder viver às custas de outras
pessoas. Sally, portanto, desonestamente alega achar as leis que governam a
propriedade “injustas”, e ela usa isso para racionalizar seu comportamento.
Nesse caso, o comportamento de Sally está errado. Sua mera afirmação de que as
leis de propriedade são injustas não significa nada, eticamente, para desculpá-la.
Suponha que Mary também esteja roubando dinheiro de sua empresa. Mary,
no entanto, acredita sinceramente que as leis que governam a propriedade são
injustas, pois ela acredita numa ideologia política equivocada que rejeita a pro-
priedade privada. Nesse caso, o comportamento de Mary está correto? Não, não
está. Mary se engana ao pensar que as leis de propriedade são injustas, então
também se engana ao considerar que seu próprio comportamento é eticamente
permissível. Dependendo de quão compreensível seja o seu erro, Mary pode ser
menos culpada do que Sally, mas sua ação é igualmente errada. Por isso, por
exemplo, seria apropriado que terceiros usassem a coerção para impedir Mary
de pegar mais dinheiro e obrigá-la a compensar seu empregador.
Isso é consistente com tudo o que disse anteriormente neste capítulo. Se uma
lei é injusta, pode-se violar. Mas não é o caso que, se alguém simplesmente
acredita que uma lei é injusta, pode violá-la; depende se a crença está correta.
Existem muitos casos em que não podemos dizer se uma lei é justa ou injusta;
a justiça é um assunto difícil. O que devemos fazer então? Nos casos em que não
sabemos se a lei é justa, simplesmente não saberemos se é permitido violar essa
lei. Não posso dizer nada aqui que faça com que os leitores possam saber em
todos os casos o que é justo ou o que devem fazer. Meu único conselho para tais
situações é que se faça uma pesquisa mais aprofundada sobre o assunto (talvez
na literatura de filosofia ética e política) e depois exerça o melhor julgamento.
Para alguns, essa visão será insatisfatória. Uma visão mais satisfatória seria
aquela que fornece uma regra simples, mais ou menos mecânica, para o que
fazer em todos os casos. Por exemplo, se pudéssemos dizer: “Em caso de dúvida,
sempre obedeça à lei”, muitos considerariam essa uma posição mais satisfatória
do que a posição que às vezes não podemos dizer se devemos obedecer à lei ou
não.
Mas regras satisfatoriamente simples e convenientes não são, portanto, cor-
retas. Em particular, não há razão para pensar que sempre que houver dúvida
quanto à justiça de uma lei, é melhor obedecer do que desobedecer a essa lei.
Suponha que um soldado tenha sido ordenado por seu governo para lutar em
uma guerra. O soldado não tem certeza se essa ordem é justa, porque não tem
certeza se a guerra em si é justa. Nada nesta descrição do caso nos permite inferir
que seria certo ou bom que o soldado lutasse na guerra. Se lutar, pode estar
7. E se Não Existir Autoridade? 163
de uma lei está em dúvida, policiais, juízes e júris quase sempre aplicam a lei
sem questionar.
Em uma nota realista, a imagem de pessoas comuns, à beira da desordem,
esperando uma desculpa para correrem desenfreadas em desrespeito à lei e à
ordem, desaparece diante de tudo o que sabemos sobre a psicologia da autoridade
(ver Capítulo 6) . Evidências como os experimentos de Milgram, o Holocausto e
o massacre de My Lai deixam pouca dúvida de que o ser humano médio tem
muito mais probabilidade de cometer crimes hediondos em nome da obediência
à autoridade do que desobedecer precipitadamente os comandos justificados
de uma figura de autoridade. Literalmente, milhões morreram por causa da
disposição generalizada de obedecer a mandamentos injustos. Portanto, mesmo
que meu ceticismo sobre autoridade vá longe demais, provavelmente servirá
como um corretivo valioso para nossa tendência excessiva a obedecer, em vez de
representar um perigo de destruição da ordem social.
A Você deve cuidar de todas as plantas. Você não deve entrar na casa e roubar
jóias.
B Idealmente, você deve cuidar de todas as plantas, mas você tem alguma
margem de manobra; você tem o direito de danificar ou negligenciar periodi-
camente algumas delas. Também seria melhor se você não entrasse em casa e
roubasse jóias. Mas você pode fazer isso ocasionalmente, desde que não fique
fora de controle.
defendido pelo apelo ao egoísmo ético, a teoria de que a ação certa para qual-
quer pessoa em qualquer circunstância é sempre a ação mais egoísta.41 Robert
Nozick é amplamente lido como baseando seu libertarianismo numa concepção
absolutista dos direitos individuais, segundo a qual os direitos de propriedade
de um indivíduo e os direitos de ser livre de coerção nunca podem ser superados
por quaisquer consequências sociais.42 Jan Narveson se apoia em uma teoria
metaética, segundo a qual os princípios morais corretos são determinados por um
contrato social hipotético.43 Devido à natureza controversa dessas teorias éticas
ou metaéticas, a maioria dos leitores acha fácil rejeitar os argumentos libertários
baseados neles.
Recorri a nada tão controverso em meu próprio raciocínio. Rejeito as bases
do libertarianismo mencionadas no parágrafo anterior. Rejeito o egoísmo, pois
acredito que os indivíduos têm obrigações substanciais de levar em consideração
os interesses dos outros. Rejeito o absolutismo ético, pois acredito que os direi-
tos de um indivíduo podem ser substituídos por necessidades suficientemente
importantes de outros. E rejeito todas as formas de teorias dos contratos sociais,
pelas razões discutidas nos capítulos 2 e 3.
A fundamentação do meu libertarianismo é muito mais modesto: a moral
do senso comum. À primeira vista, pode parecer paradoxal que tais conclusões
políticas radicais possam resultar de qualquer coisa chamada “senso comum”.
Obviamente, não reivindico visões políticas de bom senso. Afirmo que essas
visões políticas revisionistas emergem de visões morais do senso comum. A meu
ver, a filosofia política libertária repousa em três ideias amplas:
172
8
Nos capítulos a seguir, peço ao leitor que considere uma teoria ampla de como a
sociedade deve ser organizada. Antes de explicar essa teoria e os argumentos em
seu apoio, pode ser útil discutir como as teorias desse tipo devem ser avaliadas.
173
8. Avaliando as Teorias Sociais 174
pelo gato e assim por diante. Na vida comum, não pararíamos com todas essas
crenças, mas todas elas estão implicadas no aparente plano da garota de subir na
árvore para tirar o gato – se ela ignorasse qualquer um desses fatos, não poderia
realizar esse plano. Novamente, este não é um exemplo incomum. Qualquer
uma de uma grande variedade de ações comuns poderia ser facilmente usada
para ilustrar o ponto.
Há várias exceções. As pessoas tendem a ignorar verdades complicadas e
abstratas sobre assuntos desconhecidos. Tendem a ignorar as informações que
consideram desinteressantes e que não as ajudam a alcançar seus objetivos. E
se algumas informações são custosas para reunir, em termos monetários ou em
termos de tempo e esforço, então relativamente poucas pessoas possuirão essas
informações.
Por outro lado, quando as informações são adquiridas de maneira fácil e
barata, fáceis de entender e relevantes para alcançar nossos objetivos, geralmente
as teremos. É particularmente provável que os gerentes de negócios em setores
competitivos possuam informações precisas relevantes para gerenciar seus ne-
gócios, uma vez que os negócios cujos gerentes permanecem ignorantes dessas
informações tenderão a ter um desempenho inferior aos negócios cujos gerentes
estão bem informados, permitindo que esses gerentes bem informados ao longo
do tempo dominem a indústria.
têm a chance de dar dinheiro a outros, escolhe ficar com o dinheiro para si,
principalmente se ninguém estiver sabendo.9
Para outra ilustração, imagine que você saberá que vai morrer amanhã. Em-
bora possa ser impossível imaginar com precisão como você se sentiria, é um
palpite seguro de que você ficaria bastante chateado. Agora vou lhe dizer uma
coisa que você provavelmente não saiba: com base nas estatísticas recentes de
mortalidade mundial, existem cerca de 156.000 seres humanos que de fato mor-
rerão amanhã. 10 Como você se sente agora? Você pode achar essas informações
perturbadoras. Mas se você é como a maioria das pessoas, fica muito menos
chateado com essa notícia do que com a notícia de que estava prestes a morrer.
Isso sugere, novamente, que sua preocupação consigo mesmo é talvez milhares
de vezes mais forte do que sua preocupação com a maioria das outras pessoas.
No entanto, existem muitas exceções à regra do egoísmo humano. Muitas
pessoas doam dinheiro voluntariamente para caridade, embora muito menos do
que poderiam doar.11 A maioria está preparada para fazer grandes sacrifícios pela
família, amigos, amantes ou outros de quem são próximos. E algumas pessoas,
como Albert Schweitzer ou Madre Teresa, dedicaram virtualmente suas vidas a
ajudar os outros.12
Talvez a maior e mais generalizada exceção à regra do egoísmo diga respeito
aos direitos negativos percebidos pelos outros: um ser humano comum pode
ou não sacrificar US$ 200 para salvar a vida de um estrangeiro em uma terra
estrangeira, mas quase todo mundo ficaria horrorizado com o pensamento de
matar um estranho por US$ 200. É certo que um pequeno número ficaria feliz em
matar outra pessoa por US$ 200 – os sociopatas não respeitam as normas sociais e
as capacidades de empatia, culpa, medo e horror que impedem a maioria dos seres
humanos de se machucar uns aos outros em circunstâncias normais. Felizmente,
porém, os sociopatas compreendem apenas cerca de 2% da população.13 Os
restantes 98% dos seres humanos estão preocupados com normas sociais, são
capazes de empatia e possuem uma rica variedade de emoções.
9
Em um experimento, Hoffman et al. (1994) deu aos participantes a chance de jogar “o jogo
do ditador”, no qual um indivíduo tem o poder unilateral de dividir uma soma de dinheiro entre
ele e outro indivíduo. Em uma versão cuidadosamente anônima, mais de 60% dos indivíduos
ditadores optaram por dar US$ 0 ao outro. No entanto, Hoffman et al. nota que em variações
não-anônimas, os indivíduos são um pouco mais generosos.
10
Ver Nações Unidas 2009 tabela DB5_F1
11
O National Philanthropic Trust (2011) relata que as doações de caridade totalizaram 2,1% do
PIB americano em 2009.
12
Algumas pessoas resistem a esse tipo de exemplo, alegando que de algum modo todos esses
tipos de comportamento são realmente, no fundo, egoístas. Veja Rachels 2003, capítulo 5, para
uma refutação padrão desta reivindicação.
13
American Psychiatric Association 1994, 648. Ver Hare 1993 para um retrato esclarecedor,
embora arrepiante, da personalidade psicopática.
8. Avaliando as Teorias Sociais 181
Assim, enquanto seres humanos comuns estão dispostos a fazer muito pouco
esforço positivo para ajudar outras pessoas com quem não têm um relaciona-
mento íntimo, também tendem a relutar em atacar diretamente outros seres
humanos ou violar positivamente as normas sociais geralmente aceitas de outras
maneiras, mesmo quando têm a ganhar fazendo isso.
Uma lição deste episódio é que, por mais simples que seja o relato da natureza
humana que eu tenha desenvolvido, ele pode produzir previsões muito úteis. Se
a companhia que criou a carta de Jamestown conhecesse um pouco de economia,
centenas de vidas poderiam ter sido poupadas. Outra lição é que o impacto
do egoísmo humano depende muito do sistema social no qual as pessoas estão
inseridas: em um tipo de sistema, o egoísmo pode ter consequências desastrosas,
enquanto em outro promove a prosperidade.
Por outro lado, vale a pena notar duas coisas que não tornam uma teoria
social excessivamente utópica:
Como analogia, suponha que me seja proposto que doe US$ 200 para caridade
este mês. Respondo: “Não, isso não é realista, porque me recuso a fazê-lo”.
Intuitivamente, não articulei uma objeção válida à minha doação de US$ 200, por
mais intransigente que possa ter sido minha recusa. Da mesma forma, a recusa
da maioria dos membros da sociedade de levar o anarquismo a sério, e muito
menos de tentar implementá-lo, não cria uma objeção válida ao anarquismo.
Obviamente, se a maioria das pessoas tem algum motivo para rejeitar a teoria,
essa razão pode ser citada como uma objeção à teoria. O anarquismo deve ser
avaliado supondo, talvez de maneira improvável, que o sistema seja adotado e
considerando a partir daí se resultaria num estado de coisas desejável e justo.
ii Para ser suficientemente realista, um modelo para a sociedade não precisa ser
viável ou desejável em todas as condições sociais. Só é preciso argumentar
que existem algumas condições, provavelmente a serem realizadas agora ou
no futuro, sob as quais o modelo seria bem-sucedido.
A Lógica da Predação
O uso direto da força física é uma solução tão pobre para o problema dos recursos
limitados que geralmente é empregado apenas por crianças pequenas e grandes
nações.
– David Friedman1
188
9. A Lógica da Predação 189
cultura. Todos viveriam com medo constante da morte violenta e suas vidas
seriam “solitárias, pobres, desagradáveis, brutais e curtas”.3
A solução, na visão de Hobbes, era de que todos concordassem em estabelecer
um governo e conceder a ele poder absoluto. O governo seria capaz de proteger
indivíduos uns dos outros. Nem, na opinião de Hobbes, as pessoas deveriam
temer ferimentos nas mãos do próprio Estado. Os governantes naturalmente
querem que o povo sobreviva e prospere, porque isso tornará os governantes
mais ricos e poderosos.
Por que o Estado deveria receber poder absoluto, em vez de apenas poderes
limitados e bem definidos? A resposta de Hobbes é dupla: primeiro, não há
necessidade de limitar o poder do Estado, porque o poder excessivo do Estado
não causa problemas significativos. Segundo, não é possível limitar o poder do
Estado, a menos que haja outro agente ainda mais poderoso que possa exercer
controle sobre o Estado.4
A essência do argumento hobbesiano para o governo pode ser separada de
algumas das reivindicações mais extremas de Hobbes. Não é necessário sustentar
que os seres humanos são totalmente egoístas para concordar com Hobbes de
que o estado de natureza estaria repleto de conflitos; Um conflito sério pode
surgir se as pessoas forem amplamente, mesmo que não inteiramente, egoístas.
Nem é preciso seguir Hobbes para abraçar o totalitarismo; talvez haja formas de
governo melhores e menos absolutas.
O argumento hobbesiano para o governo é essencialmente teoria dos jogos.
Baseia-se em duas afirmações principais: primeiro, quando o poder é distribuído
de forma aproximadamente igual entre os indivíduos, é prudente para os indiví-
duos se atacarem com frequência; segundo, que quando o poder é distribuído
de maneira extremamente desigual, concentrado quase inteiramente nas mãos
de uma única pessoa ou organização, é prudente, tanto para o poderoso agente
quanto para todos os outros, cooperar pacificamente.
Embora poucos hoje adotem o egoísmo radical de Hobbes ou seu totalitarismo,
muitos aceitam seu argumento básico em favor do governo. É comum afirmar
que, quanto mais pessimista é a natureza humana, mais absoluta é a forma de
governo que se deve endossar – de modo que Hobbes, com a visão mais cínica
da natureza humana, endossa naturalmente o governo totalitário. Em contraste,
muitas vezes se pensa que os anarquistas têm as visões radicalmente otimistas
sobre a natureza humana.5
Tudo isso, como argumentarei, é precisamente ao contrário, como é a análise
de Hobbes, tanto do estado de natureza quanto do governo.
3
Hobbes 1996, capítulo 13, 89.
4
Hobbes 1996, capítulo 20, 144–5.
5
Heywood 1992, 198; Adams 2001, 133–5; Wolff 1996, 33–4.
9. A Lógica da Predação 190
a Abel quase certamente tentará se defender. Sendo, como Hobbes diz, com
habilidades mentais e físicas aproximadamente iguais às suas, Abel teria uma
chance substancial de ferir ou matar seriamente você no combate que se seguir.
Talvez você espere pegar Abel de surpresa e, assim, matá-lo antes que ele tenha
uma chance de matá-lo. É improvável, no entanto, que você possa conceber
um plano desse tipo que não apresente riscos significativos para si mesmo.
Os planos costumam dar errado, e quem tem o hábito de planejar a morte de
outras pessoas provavelmente desaparecerá em breve e terminará morto.
Você pode esperar que Abel, ansioso para evitar ferimentos, fuja do seu ataque
em vez de revidar. Mas é provável que Abel simplesmente não deixe seu roubo
passar em branco. Se ele permitir que seu roubo passe sem retaliação, ele
convida você e qualquer outro predador que souber do evento a atacá-lo e
roubá-lo no futuro. Se Abel fugir da cena, portanto, provavelmente será apenas
para tramar sua vingança em um momento mais oportuno.6
c Lembre-se de que, na visão de Hobbes, uma das três principais fontes de vio-
lência no estado de natureza é o ataque preventivo (devido à “desconfiança”).
As pessoas interessadas em ataques preventivos têm mais chances de atingir
aqueles que representam a maior ameaça. E aqueles que já se envolveram em
ataques não provocados contra seus vizinhos provavelmente serão vistos como
as maiores ameaças. Então, ao atacar Abel, você ficará marcado para ataque
de vizinhos desconfiados.
direto contra a predação no estado de natureza: se você atacar seus vizinhos, eles
podem atacá-lo por sua vez.
Nem nenhuma das exceções à regra do egoísmo humano se opõe à nossa
conclusão. Contrariando Hobbes, a maioria dos seres humanos não é sociopata.
A maioria se preocupa com os outros, principalmente com a família e os ami-
gos. A maioria tem fortes objeções morais e fortes sentimentos negativos sobre
violência e roubo. Esses fatos só poderiam fortalecer a conclusão desta seção.
Quando a prudência e a moralidade apontam na mesma direção, quase todo
mundo escolhe esse caminho. Em um capítulo posterior (capítulo 10), discutirei
instituições projetadas para lidar com os poucos indivíduos imprudentes que
cometem agressão, apesar da tolice de fazê-lo.
O princípio geral da teoria dos jogos é o seguinte: igualdade de poder gera
respeito. Nenhuma pessoa racional deseja entrar em conflito violento com outras
pessoas que tenham força igual a si mesma. As chances de perder o conflito são
grandes demais. É provável que até o vencedor nominal termine pior do que
antes do conflito, porque o dano causado pela luta é quase sempre maior que o
valor dos recursos que estão em disputa. Por essas razões, indivíduos racionais
lutam apenas em batalhas defensivas.
total de pessoas mortas por seus próprios governos no século XX foi estimado
em 123 milhões.15 Essas vítimas, em geral, foram mortas por pertencerem a
grupos errados, seja a etnia errada, a classe errada ou a ideologia errada. Os
regimes assassinos não pensaram que seus crimes contra a humanidade lhes
custariam uma grande quantidade de receita tributária, pois, em princípio, não
estavam buscando dinheiro. Foram movidos em parte pelo ódio, em parte pelo
amor ao poder e em parte pelo desejo de refazer o mundo de acordo com suas
ideologias. O número de pessoas mortas por seus próprios governos no século
XX foi quatro vezes e meia maior do que o número de mortos por assassinos
não-governamentais16 – o que levanta a questão de saber se um governo forte
deve ser considerado mais uma fonte de segurança ou uma fonte de perigo.
Hobbes estava certo ao destacar o egoísmo humano, embora exagere o ponto.
Estava certo também em reconhecer a igualdade essencial do estado de natureza e
a desigualdade criada pelo governo. Mas as implicações políticas desses fatos são
o oposto do que Hobbes alegou. A igualdade de poder gera respeito e cooperação
pacífica; uma vasta desigualdade gera desprezo e abuso. Quanto mais cínica é a
natureza humana, mais importante é evitar grandes diferenças de poder.
uma eleição dependa de um único voto, enquanto não lhe custe nada votar no
candidato que melhor sirva seus interesses, você desejará fazer. Essa motivação
tênue é suficiente para fazer a democracia funcionar?
O problema é que lhe custa algo votar no candidato que melhor atende aos
seus interesses. Para saber qual candidato melhor atenda aos seus interesses,
você deve primeiro reunir informações detalhadas sobre todos os candidatos
disponíveis. Se atuaram em cargos públicos, você precisará procurar os registros
de suas votações. Precisará procurar uma grande amostra dos projetos de lei ou
outras propostas nas quais votaram. Você precisará tentar entender essas coisas.
Para poder avaliar em cada caso se as propostas atenderiam aos seus interesses,
você precisará pesquisar uma série de questões econômicas e sociais complexas.
Pode ser necessário fazer alguns cursos de economia para descobrir os efeitos
de algumas dessas políticas. Como os seres humanos tendem a ser afetados por
fortes vieses em relação a questões políticas, você precisará fazer um esforço
especial para identificar e superar seus vieses. Tudo isso exigiria enorme tempo
e esforço. A probabilidade de que esse esforço seja recompensado com algum
efeito real nos resultados das eleições é minúscula. Portanto, não faz sentido
fazer o necessário para votar consistentemente em seus próprios interesses.19
Consequentemente, muitas pesquisas encontraram níveis surpreendente-
mente baixos de conhecimento político público. Caplan resume alguns destes
resultados:
Cerca de metade dos americanos não sabe que cada Estado tem dois
senadores e três quartos não sabem a duração de seus mandatos.
Cerca de 70% podem dizer qual partido controla a Câmara e 60% qual
partido controla o Senado. Mais da metade não é capaz de nomear
seu congressista e 40% não é capaz de nomear nenhum de seus sena-
dores. Porcentagens ligeiramente mais baixas conhecem as afiliações
partidárias de seus representantes. Além disso, esses baixos níveis
de conhecimento mantêm-se estáveis desde o início das pesquisas, e
as comparações internacionais revelam que o conhecimento político
que, digamos, 80% de certeza de que os totais diferem em menos de 10 milhões, obteremos um
limite menor para a probabilidade de uma eleição empatada de 0,8/10.000.000, ou uma em 12,5
milhões. Por outro lado, isso pode ser uma subestimação das probabilidades, porque os totais
de votos mais próximos de iguais são mais prováveis do que aqueles que são menos iguais; em
uma abordagem mais precisa, atribuiríamos uma distribuição de probabilidade em forma de
sino, com o pico mais próximo do meio. Todas as coisas consideradas, a estimativa de um em
cada dez milhões é da ordem correta de magnitude para as condições atuais nos Estados Unidos.
Isso é suficiente para o presente argumento.
19
Para argumentos semelhantes, veja Schumpeter 1950, 261–2; Downs 1957, 244-5; Caplan
2007b.
9. A Lógica da Predação 201
Que tipo de coisas os americanos sabem sobre política? Delli Carpini e Keeter
dão uma amostra do conhecimento político público:
Em meados de 2012, a lei agrícola mais recente dos Estados Unidos foi a
Food, Conservation, and Energy Act (Lei de Alimentos, Conservação e Energia) de
2008.22 Entre outras coisas, esta lei continua a política estabelecida pelo governo
federal de subsídios agrícolas, que totalizam mais de US$ 12 bilhões por ano,
grande parte vai para grandes fazendas comerciais.23 Isso beneficia um pequeno
número de pessoas, na maior parte já ricas, às custas do resto do país. Os US$ 12
bilhões distribuídos por 311 milhões de americanos, daria um pouco menos do
que US$ 40 por pessoa. Obviamente, sem pesquisar essa lei em particular, você
não conheceria esses números; mas suponhamos que você saiba que, em geral,
se você fizesse pesquisas suficientes, poderia encontrar várias leis desse tipo que
lhe custam quantias de dinheiro dessa mesma forma. Em cada caso, você pode
tentar influenciar a legislação, com uma chance de sucesso de talvez uma em um
milhão.
Não é do seu interesse pesquisar as disposições da mais recente lei agrícola e
como o seu representante votou nela para garantir uma chance em um milhão de
economizar algo da ordem de US$ 40. Os números exatos são imateriais. Mesmo
que a lei lhe custe muito mais dinheiro – digamos, US$ 400 por ano – e suas
chances de alterar a lei sejam muito melhores – digamos, uma em mil – ainda
não seria do seu interesse fazer algo a respeito.
Por outro lado, as empresas que recebem a generosidade do governo têm
motivos para prestar muita atenção. Cada uma delas ganha milhões ou bilhões de
dólares e tem milhões para gastar na tentativa de influenciar o processo legislativo.
Consequentemente, o agronegócio gastou US$ 80 milhões em lobby no ano que
antecedeu a aprovação da lei agrícola.24
O projeto de lei agrícola também foi criticado por sua contribuição para a
crise mundial de alimentos. Os preços mundiais de alimentos aumentaram
dramaticamente nos últimos anos, levando a fome e distúrbios alimentares. De
acordo com um estudo do Banco Mundial, o aumento do uso de biocombustíveis
nos países desenvolvidos foi responsável por um aumento de 75% nos preços
dos alimentos entre 2002 e 2008.25 A lei agrícola dos EUA em 2008 foi criticada
por exacerbar o problema por meio do aumento do apoio a biocombustíveis.26
Esse problema no entanto, refere-se principalmente a pessoas de países em
desenvolvimento, que têm ainda menos chance de influenciar a política dos EUA
do que o americano médio.
Ressalto aqui que não há nada de especial na política agrícola. É assim que a
democracia moderna funciona. Grupos de interesse especial concentrados e bem
22
Public Law 110–246.
23
U.S. Department of Agriculture 2011.
24
Etter e Hitt 2008.
25
Chakrabortty 2008.
26
Lawson-Remer 2008.
9. A Lógica da Predação 203
A Nona Emenda pode ser difícil de aplicar – refere-se a direitos que não
são enumerados, mas como saber quais são esses direitos? A Décima Emenda,
no entanto, é clara. O governo federal não está autorizado a fazer outra coisa
senão as coisas que a Constituição lhe confere o poder de fazer. Tudo o resto é
inconstitucional. Isso é incontroverso; o governo mesmo nunca negou.
O que, então, a Constituição concede ao governo o poder de fazer? De maior
relevância é o artigo I, seção 8, que delineia os poderes do legislador:
Seção 8
O Congresso terá poderes para estabelecer e cobrar impostos, taxas,
impostos especiais de consumo e outros deveres, para pagar as dívidas
e garantir a defesa e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos
os Deveres, Impostos e Impostos Especiais devem ser uniformes nos
Estados Unidos;
Emprestar dinheiro com crédito dos Estados Unidos;
Regular o comércio com nações estrangeiras, entre os vários Estados
e com as tribos indígenas;
Estabelecer uma regra uniforme de naturalização e leis uniformes
sobre o assunto de falências nos Estados Unidos;
Para cunhar Dinheiro, regular o Valor do mesmo, e Moeda estrangeira,
e fixar o Padrão de Pesos e Medidas;
Prever a punição pela falsificação dos valores mobiliários e da moeda
atual dos Estados Unidos;
Estabelecer os Correios;
9. A Lógica da Predação 212
dicial Procedures Reform Bill) de 1937, que lhe daria o poder de nomear seis novos
juízes para a Suprema Corte, elevando o total para quinze. Se o plano tivesse
sido aprovado, Roosevelt teria selecionado apenas candidatos que apoiariam o
New Deal. No entanto, logo após Roosevelt ter proposto esse plano, o tribunal
mudou de direção e começou a aprovar os programas de Roosevelt (embora
apenas por uma margem estreita);43 FDR abandonou seu “plano judicial”. Nos
anos seguintes, vários juízes se aposentaram e foram substituídos por nomeados
por Roosevelt de qualquer maneira, com o resultado de que, na época do caso
Wickard, oito dos nove juízes da Suprema Corte deviam seu mandato a Franklin
Roosevelt.44 Esses juízes estavam determinados a aprovar a agenda de Roose-
velt, não importando o que a Constituição dissesse. Eles, portanto, inventaram
racionalizações para reverter as opiniões anteriores dos tribunais.
Por esse motivo, o problema não se encontra em nenhuma ambiguidade ou
clareza na Constituição, como poderia ter sido remediado por uma escolha mais
criteriosa de palavras no momento em que o documento foi escrito. Lá não havia
mal-entendido; os juízes simplesmente escolheram não cumprir a Constituição.
O conteúdo específico da opinião escrita pelo juiz Jackson no caso Wickard é
essencialmente irrelevante. Funciona como um véu muito fino para disfarçar a
expunção intencional dos limites constitucionais ao poder do Congresso – mas se
esse véu não estivesse disponível, teria havido outro. Se a cláusula de comércio
não existisse, o tribunal teria planejado outra racionalização. Talvez tivessem
alegado que a lei do New Deal se enquadrava na quinta cláusula, permitindo ao
Congresso “cunhar dinheiro, regular seu valor e moedas estrangeiras e fixar o
padrão de pesos e medidas”. A restrição à produção de trigo tem efeito sobre os
preços do trigo; nesse sentido, afetava o valor do dinheiro (quanto mais baixos os
preços, mais valiosa é uma quantidade de dinheiro). Então, talvez o Congresso
estivesse apenas exercendo seu poder de regular o valor do dinheiro.
Muitos hoje podem argumentar que foi bom o Tribunal ter optado por anular
a Constituição, porque o documento escrito era excessivamente restritivo. Pense
em quantos programas federais maravilhosos não existiriam hoje se tivéssemos
que seguir uma leitura natural das palavras da Constituição! Mas, independen-
temente do que se pensa desses programas, a experiência americana deve dar
uma pausa a qualquer democrata que confie no poder das constituições para
limitar o poder governamental. Mesmo que os programas do New Deal fossem
uma boa política, ainda deveriam, em teoria, exigir uma emenda constitucional
antes de serem promulgados. O fato de não terem sido cumpridas e de tantas
43
Ver NLRB v. Jones & Laughlin Steel Corp., 301 U. S. 1 (1937); West Coast Hotel Co. v. Parrish, 300
U.S. 379 (1937).
44
Harlan Stone, Hugo Black, Stanley Reed, Felix Frankfurter, William Douglas, Frank Murphy,
James Byrnes e Robert Jackson. A exceção foi Owen Roberts, nomeado por Hoover. Ver Suprema
Corte dos EUA em 2011.
9. A Lógica da Predação 215
forma, quanto mais restritivo for o regime jurídico, mais casos os tribunais terão
que julgar e, portanto, maior o judiciário. Se cada poder quiser ser maior e mais
poderoso, há algumas razões para pensar que deveriam atuar em conjunto. De
qualquer forma, não há razão óbvia para pensar que cada um deve tentar impedir
que os outros violem as liberdades do povo.
Também não há razão para pensar que cada poder do governo sobre os outros
possa ser usado apenas para o bem e não para o mal. Tome o poder do poder
executivo para nomear juízes. O presidente poderia usar esse poder para garantir
a integridade do judiciário. Ou ele poderia usá-lo para garantir uma falta de
integridade – por exemplo, para garantir que apenas os juízes que compartilham
sua ideologia e estejam preparados para avançar nessa ideologia sem levar em
consideração a Constituição sejam nomeados. O pessimismo realista com o qual
os fundadores americanos viam a natureza humana deveria tê-lo levados a ver a
última possibilidade muito mais provável do que a primeira.
Tudo isso é confirmado pela experiência. Pelo menos desde a época do New
Deal, os presidentes nomearam juízes rotineiramente de acordo com a ideologia,
e os ramos executivo e judicial do governo foram cúmplices na expansão do
poder legislativo. As várias agências e programas federais inconstitucionais
estão agora tão arraigados que é extraordinariamente improvável que qualquer
juiz neste momento vote para começar a aplicar a Décima Emenda. Qualquer
indivíduo suspeito de ter atitudes favoráveis a essa mudança não teria chance de
ser nomeado por qualquer presidente nem de ser confirmado pelo Senado.
9.5 Conclusão
Nós, seres humanos, somos animais sociais auto-interessados. Vivemos juntos e,
no entanto, cada um de nós se preocupa muito mais consigo próprio do que com
a grande maioria dos outros. Como resultado, enfrentamos o problema social
fundamental da predação: como as coisas devem ser organizadas para que os
seres humanos não explorem e abusem continuamente um do outro?
A solução padrão em filosofia social começa propondo uma desigualdade
radical: uma única instituição com poder sobre todos os outros indivíduos e
organizações. Para Hobbes, a solução termina aí. Para os teóricos democráticos,
uma série de restrições deve ser anexada à autoridade central no esforço de
impedi-la de explorar e abusar do resto da sociedade. Os mecanismos de restrição
incluem eleições populares, imprensa livre, limites constitucionais e separação
de poderes.
Apesar de suas limitações, esses mecanismos se mostraram valiosos. Produ-
zem uma forma de governo marcadamente menos abusiva do que o governo
totalitário típico. As sociedades democráticas raramente sofrem desastres agudos
9. A Lógica da Predação 217
218
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 219
agência de proteção, essa agência pode contratar uma empresa de arbitragem para
determinar a quem o gato pertence, para que a agência possa decidir de quem é
a reivindicação. Se Jon e Sally contrataram agências diferentes, as duas agências
selecionam em conjunto uma empresa de arbitragem, com o entendimento de
que ambas aceitarão o veredito do árbitro.
Essas são as instituições básicas de uma sociedade anarquista bem ordenada.
Em tal sociedade, as funções mais fundamentais comumente atribuídas ao Estado
não são eliminadas, mas privatizadas. Muitas perguntas surgem naturalmente
sobre esse sistema. No restante deste capítulo, abordo as questões mais impor-
tantes sobre as agências de proteção privada. As questões relativas às empresas
de arbitragem serão abordadas no capítulo seguinte.
Grossman relata vários casos em que a taxa de baixas durante uma batalha foi
muito menor do que se poderia conciliar plausivelmente com a suposição de um
esforço genuíno de cada lado para matar o outro. Em um incidente marcante,
uma unidade dos Contras na Nicarágua foi ordenada por seu comandante a
massacrar os passageiros em um barco civil. Quando chegou a hora de abrir
fogo, cada bala milagrosamente sobrevoou a cabeça dos civis. Como um soldado
explicou: “Os camponeses nicaraguenses são bastardos malvados e soldados
durões. Mas não são assassinos.”8
Isso não é para negar que alguns seres humanos são assassinos; é apenas dizer
que a esmagadora maioria dos seres humanos se opõe fortemente ao assassinato.
Uma pequena porcentagem de pessoas está disposta a matar; no entanto, esses
indivíduos geralmente não são funcionários desejáveis e, portanto, é improvável
que uma agência de proteção deseje trabalhar com essas pessoas.
E quanto à descoberta do experimento de Milgram (Seção 6.2), no qual as
pessoas se mostraram dispostas a eletrocutar uma vítima indefesa quando so-
licitadas por um cientista? O medo de desafiar a autoridade pode superar a
resistência das pessoas ao assassinato. Embora os gerentes de negócios tenham
muito menos aura de autoridade do que os funcionários do governo, um gerente
de agência de proteção pode, no entanto, ser capaz de explorar essa falha na
natureza humana para induzir funcionários a matar membros de agências rivais?
Talvez possa, embora valha a pena notar algumas outras características do
experimento de Milgram. Primeiro, a escalada gradual das demandas do expe-
rimentador, a partir de um experimento científico aparentemente legítimo, foi
uma característica crucial do design. Se Stanley Milgram tivesse simplesmente
entregado uma pistola a seus súditos quando entraram na porta e lhes disse
para atirar em outro indivíduo, provavelmente não teria conseguido. Mas talvez
um gerente inteligente de agência de proteção, versado em psicologia, possa
manipular as circunstâncias da mesma forma.
Segundo, os participantes de Milgram não estavam em perigo pessoal em
relação à pessoa que supostamente estavam eletrocutando. Se o “aluno” no
experimento tivesse a capacidade de aplicar o choque no professor de volta, é
duvidoso até que ponto o professor teria continuado com o experimento. Um
gerente de empresa guerreiro precisaria convencer os funcionários não apenas a
matar, mas também a se arriscarem a ser mortos.
Terceiro, embora a maioria dos participantes de Milgram tenha obedecido,
fizeram-o com grande relutância, exibindo sinais de estresse extremo. Mesmo que
uma agência bélica conseguisse convencer os funcionários a cometer assassinatos,
n. 1). Comentando o problema enfrentado pelos líderes militares, Grossman (1995, 251) observa:
“Uma taxa de disparos de 15 a 20% entre os soldados é como ter uma taxa de alfabetização de 15
a 20% entre os revisores”.
8
Dr. John, citado em Grossman 1995, 14–15.
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 224
Essas são considerações válidas. Por outro lado, parece haver várias razões
para esperar que o problema da guerra entre Estados seja mais sério do que o da
guerra entre agências:
iv Os seres humanos estão muito mais dispostos a matar aqueles que são perce-
bidos como muito diferentes deles mesmos, especialmente os estrangeiros, do
que matar membros comuns de sua própria sociedade.11 Consequentemente,
é mais fácil convencer as pessoas a entrar em guerra contra outro país do que
seria convencer as pessoas a atacar funcionários de outra empresa.
vi Devido ao seu amplo controle sobre a sociedade da qual seus soldados são
recrutados, o Estado pode e aplica sanções poderosas a soldados que se
recusam a lutar ou a cidadãos que se recusam a ser recrutados. Sob um
sistema governamental, aqueles que se recusam a lutar sob o comando de
10
Reuters 2007a, relatando uma estimativa do Congressional Budget Office dos custos totais até o
ano de 2017. O custo estimado apenas para o Iraque é de US$ 1,9 trilhão. Stiglitz e Bilmes (2008),
no entanto, colocam o custo de ambas as guerras em pelo menos US$ 3 trilhões.
11
Zimbardo 2007, 307–13; Grossman 1995, 156-70.
12
Marshall 1978, 9; Grossman 1995, 249-61.
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 226
seu governo devem fugir do país para evitar prisão ou execução;13 sob um
sistema anarquista, aqueles que se recusam a lutar sob o comando de seu
empregador devem apenas encontrar outro emprego.
vii Devido à sua posição monopolista e à sua capacidade de coletar pagamentos
não-voluntários da população, os governos tendem a ter recursos muito mai-
ores do que as organizações não-governamentais, permitindo-lhes acumular
vastos arsenais, mesmo em tempos de paz. Por exemplo, até o momento em
que este artigo foi escrito, o governo dos EUA mantém dez porta-aviões da
classe Nimitz, que custam US$ 4,5 bilhões cada, mais US$ 240 milhões por
ano para manutenção14 , gerando receita zero. Como resultado, quando a
guerra começa entre governos, é muito mais destrutiva do que qualquer tipo
de conflito envolvendo outros agentes. O número de mortos pela guerra no
século XX é estimado em 140 milhões,15 e o problema ainda pode provar a
causa da extinção da espécie humana.
comuns, portanto, estariam dispostas a pagar mais para evitar serem vítimas
do que os criminosos estariam dispostos a pagar pela chance de vitimar outras
pessoas. Em virtude dessas duas primeiras condições, há muito mais a ser ga-
nho no negócio de proteção contra criminosos do que no negócio de proteção
para criminosos. Dado que os dois “produtos” se excluem – se um produto é
efetivamente fornecido no mercado, então o outro necessariamente não é – será
o menos rentável que deixará de ser fornecido. Se uma agência de proteção deso-
nesta decidir contrariar a tendência apoiando criminosos, se encontrará presa
em um conflito perpétuo e sem esperança com agências de proteção muito mais
lucrativas e numerosas financiadas por clientes não criminosos.
A terceira assimetria é que os criminosos escolhem cometer crimes, enquanto
as vítimas de crimes não escolhem ser vítimas. Os criminosos, em outras palavras,
se envolvem intencionalmente em comportamentos que os garantam entrar em
conflito com os outros. Do ponto de vista de uma agência de proteção, esse é
um recurso pouco atraente em um cliente, uma vez que, quanto mais conflitos
houver em que a agência é solicitada a proteger clientes, maiores serão os custos
da agência. Clientes comuns e não criminosos estão alinhados com os objetivos
da agência a esse respeito: eles não desejam se envolver em conflitos da mesma
forma que a agência espera o mesmo. Clientes criminosos são uma história muito
diferente. Oferecer proteção a criminosos é análogo a oferecer seguro contra
incêndio para incendiários.
que alguém sofra algum crime. A injustiça inerente ao crime, no entanto, aponta
para uma falha na natureza humana e não no sistema anarquista. Algumas
pessoas sofrerão com o crime em qualquer sistema social viável. A questão é se a
anarquia enfrenta um problema maior ou uma injustiça maior do que os sistemas
governamentais.
Alguém poderia pensar que a anarquia sofrerá com uma injustiça adicional
além da simples existência do crime; ou seja, a desigualdade na distribuição do
crime, o fato de que os pobres estão sujeitos a riscos maiores do que os ricos. Na
minha opinião, isso não é uma injustiça adicional, além do fato de que as pessoas
sofrem com o crime. Em outras palavras, dada uma quantidade fixa de crimes,
medida talvez pelo número e gravidade das violações de direitos que ocorrem
em uma sociedade, não acredito que seja importante, eticamente, como o crime é
distribuído pelas classes econômicas. Perguntas neste sentido, no entanto, estão
além do escopo deste livro.18
O status quo deixa espaço considerável para melhorias. Não sabemos quantas
pessoas são impedidas de uma vida de crime pela perspectiva de serem punidas
pelo Estado, mas temos uma boa ideia de quantas vezes aqueles que se voltam
para uma vida de crime são de fato punidos. Segundo as estatísticas do FBI,
apenas cerca de metade de todos os crimes violentos relatados e um quinto dos
crimes relatados à propriedade são resolvidos pelas agências policiais (ver Figura
10.2).20 Esses números realmente superestimam a eficácia da aplicação da lei
pelo governo, pois não representam crimes não relatados.
No nível teórico, não é difícil entender por que a polícia do governo pode
20
U.S. Federal Bureau of Investigation 2010, tabela 25. As estatísticas no texto e na figura referem-
se à porcentagem de crimes “apurados por prisão ou por meios extraordinários”. Isso exige
que os agentes da lei localizem um suspeito a quem eles tenham provas suficientes para acusar
e que tenham prendido e entregues o suspeito aos tribunais para julgamento ou tenham sido
impedidos de fazê-lo por circunstâncias fora de seu controle, como a morte do suspeito ou recusa
de extradição.
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 234
Figura 10.2: Porcentagem dos tipos de crimes cometidos e resolvidos nos EUA
galizar drogas, jogos de azar e prostituição. Não afirmo que isso elimine todo
crime organizado. Seria, no entanto, um golpe contra o crime organizado mais
devastador do que qualquer coisa que o Estado pudesse esperar por meio de
escutas telefônicas, operações fraudulentas e acusações. A grande maioria do
fluxo de receita do crime organizado secaria praticamente da noite para o dia,
forçando a maioria de seus membros a procurar outro emprego.
Em uma sociedade anarquista, é altamente provável que drogas, jogos de azar
e prostituição sejam todos legais. A diferença essencial entre esses “crimes” e
crimes mais paradigmáticos, como assassinato, roubo e estupro, é que os últimos
crimes têm vítimas, enquanto jogos de azar, uso de drogas e prostituição não têm
vítimas – ou, pelo menos, nenhuma vítima que possa reclamar.24 Na sociedade
anarcocapitalista, os direitos são garantidos pela vítima de uma violação de
direitos, apresentando uma queixa contra o violador de direitos através de sua
agência de proteção e contando com um árbitro privado para julgar a validade
da queixa. Não existe um mecanismo eficaz para proibir crimes sem vítimas,
porque não há legislatura para redigir os estatutos e nenhum promotor público
para executá-los.
E se um grande número de pessoas se opusesse tanto à prostituição que
estaria disposta a pagar suas agências de proteção para “protegê-las” de viver
em uma sociedade em que outras pessoas compram e vendem serviços sexuais?
E se os árbitros desta sociedade concordassem que alguém reclamando sobre o
comércio de serviços sexuais de outra pessoa tivesse sido de fato prejudicado
(talvez por estar ofendido) e estivesse sujeito a indenização pela prostituta ou
pelo cliente da prostituta? Em teoria, uma sociedade desse tipo poderia terminar
em proibições anti-libertárias sobre prostituição; no entanto, esse é um cenário
improvável, já que poucas pessoas pensam que um contrato para comprar serviços
sexuais vitimiza qualquer pessoa por apenas não gostar disso, e poucas estão
de fato dispostas a pagar tanto para impedir a prostituição quanto prostitutas e
seus clientes estão dispostos a pagar para serem deixados em paz. Observações
semelhantes se aplicam a outros crimes sem vítimas, como jogos de azar e uso
recreativo de drogas.
Isso não elimina todas as fontes de receita possíveis para o crime organizado;
os criminosos ainda poderiam coletar dinheiro, por exemplo, através de extorsão
e fraude. Não obstante, negadas suas maiores fontes de receita, as organizações
criminosas seriam muito mais fracas em uma sociedade anarquista do que são
hoje e provavelmente teriam um papel muito pequeno.
24
Alguns afirmam que o uso ilegal de drogas vitimiza a família, cônjuge ou colegas de trabalho
do usuário (Wilson 1990, 24). No entanto, é improvável que essas supostas vítimas de crimes
ajam com um processo judicial contra o usuário de drogas e dificilmente prevaleça em uma
queixa contra usuário ou fornecedor.
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 237
levará à sua própria extinção. Murbard, por outro lado, poderia a qualquer
momento desistir de seus planos extorsionistas e decidir executar um negócio
legítimo que protege pessoas de criminosos. Vimos anteriormente as razões
pelas quais conflitos violentos seriam muito prejudiciais para ambas as agências.
Como as duas agências estão cientes disso e também sabem que é Murbard que
pode se dar ao luxo de recuar, é isso que provavelmente ocorrerá.26
Quarto, o resto da sociedade, incluindo as outras agências de proteção na
área, ficaria do lado de Tannahelp. Isso se deve em parte a crenças éticas de senso
comum – quase todo mundo considera extorsão injusta – e em parte devido à au-
topreservação – se Murbard triunfar contra Tannahelp, Murbard provavelmente
seguirá em frente contra os clientes de outras agências. Assim, é provável que
outras agências ajudem a Tannahelp o suficiente para garantir sua vitória, mesmo
que permitam que o Tannahelp faça a maior parte do trabalho.
O cenário anterior supõe que a Murbard comece como uma agência extorsio-
nista e tente roubar clientes de outras agências ou forçar clientes não afiliados
a se unirem à Murbard. E se Murbard começar como uma agência legítima,
adquirindo clientes por meio de acordos voluntários, e só depois evoluir para
uma agência extorsionista que proíbe a saída de clientes existentes?
Nesse caso, parece menos provável que Tannahelp travasse uma guerra para
libertar os clientes existentes de Murbard. No entanto, existem três fatores que
limitariam o potencial de dano desse tipo de cenário. Primeiro, é improvável que
ocorra uma transição repentina e sem aviso prévio. Como os tipos de pessoas
que tendem a ser atraídas por empresas legítimas e prestadoras de serviços são
diferentes daquelas que são atraídas por quadrilhas criminosas semelhantes à
máfia, a transição da primeira para a segunda provavelmente envolveria uma
mudança de pessoal, tanto no nível de gerência como no nível da média dos
trabalhadores. Talvez uma pessoa de mente criminosa, de alguma forma, assuma
uma posição de gerência, onde começa a fazer mudanças, expulsando o pessoal
existente e contratando amigos e familiares com tendências criminosas. Enquanto
essa transição estava ocorrendo, os clientes que não gostassem da direção em que a
empresa estava tomando deixariam a empresa em favor das agências concorrentes.
A queda resultante nos lucros da empresa provavelmente levaria ela a parar o
que estava fazendo. Caso contrário, a maioria dos clientes provavelmente teria
saído quando o processo estivesse concluído.
Segundo, a versão mais crível desse cenário teria a agência extorsionista que
controla uma ou mais pequenas áreas geográficas, como bairros individuais
cujas associações de proprietários de casas originalmente haviam assinado com a
agência voluntariamente. Se, no entanto, o comportamento da agência fosse sufi-
26
Ver também o argumento de David Friedman (1994) de que egoístas racionais em um estado
de natureza evitam conflitos através do respeito mútuo por direitos.
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 239
10.10 Monopolização
Alguns acreditam que um sistema anarquista de mercado livre evoluiria para
um Estado, conforme uma agência de proteção monopolizasse o setor.
No sistema atual, quase todos os monopólios e condições semelhantes a mono-
pólio são criados pela intervenção do governo, geralmente motivado por grupos
de interesses especiais.27 Para endossar a objeção à monopolização, portanto,
precisamos de algum motivo para acreditar que o setor de proteção difere da
maioria das outras indústrias de alguma forma que a tornaria particularmente
propensa à monopolização na ausência de intervenção do Estado.
uma agência de proteção para combater outras agências, nem as agências prestam
esse serviço (Seção 10.3). Contrata-se uma agência de proteção para impedir
que criminosos vitimizem alguém ou para rastrear criminosos após o fato. Nesta
tarefa, a agência de proteção deve ter o poder de prender criminosos, mas não
precisa derrotar outras agências de proteção, uma vez que outras agências não
estão no negócio de proteger criminosos (Seção 10.4).
Nozick considera a possibilidade de agências dependerem de arbitragem de
terceiros, que ele supõe que ocorreria apenas se duas agências tivessem força
aproximadamente igual. Contrariando Nozick, a solução pacífica da arbitragem
não depende da suposição de que as agências tenham força aproximadamente
igual nem que o combate entre elas resulte em impasse. Depende apenas da su-
posição de que o combate físico entre as agências é mais caro do que a arbitragem,
uma suposição que é praticamente garantida em quase todos os conflitos.
Nozick supõe que a arbitragem levaria a “um sistema judicial federal unifi-
cado” ao qual todos estariam sujeitos.30 Ele então prossegue, em seu raciocínio
subsequente sobre o surgimento de um Estado, para falar das atividades da “as-
sociação protetora dominante”, deixando o leitor supor que um sistema judicial
unificado é equivalente a uma agência de proteção dominante. Ele não explica
por que o setor de arbitragem seria controlado por um monopólio nem por
que um monopólio de arbitragem seria equivalente a uma agência de proteção
monopolista.
por seus carros. Economias de escala, no entanto, operam apenas até certo ponto
– não há maior eficiência envolvida na operação de dez fábricas de automóveis
do que na operação de uma.
Por outro lado, grandes empresas também sofrem com deseconomias de
escala. Fatores que tendem a tornar uma empresa maior menos eficiente in-
cluem burocracia, alienação por parte dos funcionários, aumento dos custos
de comunicação dentro da organização e aumento do risco de duplicação de
esforços.32
Figura 10.3: Curva de custo médio para uma empresa em um setor com economias e deseconomias
de escala. O ponto A representa o tamanho mais eficiente (o nível de saída com menor custo
médio)
centenas de milhões de dólares. Nas indústrias com custos fixos mais baixos, as
empresas mais eficientes serão menores.
E o setor de proteção? Os custos fixos para uma agência de proteção são míni-
mos. O proprietário da empresa deve ter fundos suficientes para contratar alguns
funcionários e equipá-los com armas e ferramentas para execução e investigação.
Nenhuma fábrica cara, grande área de terreno ou grande reserva de capital é
necessária. Não há economias de escala significativas óbvias. Parece, portanto,
que não há pressão econômica para a formação de grandes empresas nesse setor,
e o setor provavelmente conterá um número muito grande de pequenas e médias
empresas. As grandes empresas estariam em desvantagem, pois sofreriam as de-
seconomias usuais de escala sem colher economias compensatórias significativas
de escala.
abandonando seu esquema e competindo com Sally pelo preço, mas não antes que
Sally’s Widgets tenha desfrutado do maior boom de vendas de todos os tempos,
às custas dos líderes do setor. O incidente é uma lição para os participantes de
outros setores, onde as empresas menores que lutam para se estabelecer sonham
que, um dia, os líderes de seu setor também criarão um esquema de fixação de
preços.
10.13 Conclusão
Todos os sistemas sociais são imperfeitos. Em toda sociedade, as pessoas às vezes
sofrem com crimes e injustiças. Numa sociedade anarquista, isso continuaria
sendo verdade. O teste do anarquismo como ideal político é se ele pode reduzir
a quantidade de injustiça sofrida em relação ao melhor sistema alternativo, que
considero ser uma democracia representativa. Argumentei que um tipo especí-
fico de sistema anarquista, que emprega um mercado livre para a provisão de
segurança, mantém a promessa de uma sociedade mais segura, mais eficiente e
mais justa.
A natureza radical desta proposta geralmente gera forte resistência: diz-se
que a justiça não deve estar à venda; que as agências estarão em constante guerra
umas com as outras; que servirão aos criminosos em vez de suas vítimas; que
servirão apenas aos ricos; que não serão capazes de nos proteger, assim como o
governo; que se transformarão em agências de extorsão; que um monopólio ou
cartel evoluirá para explorar os clientes. Essas objeções surgem bastante quando
10. Segurança Individual em uma Sociedade sem Estado 250
251
11. Justiça Criminal e Resolução de Disputas 252
Figura 11.1: Um diagrama da teoria padrão dos preços mostra o preço de mercado competitivo
de um bem na interseção da curva de oferta, conforme determinado pelos custos marginais de
produção, e a curva de demanda, determinada pela utilidade marginal do consumo
Aqui está uma pergunta mais fundamental: por que as empresas não fazem
demandas ilimitadas para funcionários e clientes? Por que não exigir que os
clientes deem à empresa todo o dinheiro que têm? Por que não exigir que os fun-
cionários trabalhem de graça? Esses acordos certamente seriam mais favoráveis
para a empresa do que o tipo de acordo que as empresas realmente oferecem.
Para entender por que as empresas não se comportam dessa maneira, devemos
primeiro considerar como os preços de mercado são determinados. Para qualquer
empresa, existe um nível ótimo em que a empresa deve definir seus preços para
maximizar seu lucro. Se definir preços abaixo desse nível, a empresa reduzirá seu
11. Justiça Criminal e Resolução de Disputas 254
lucro total devido ao lucro por unidade. Se definir seus preços acima desse nível, a
empresa reduzirá seus lucros totais devido ao menor volume de produto vendido.
Uma explicação precisa do nível ótimo de preços é apresentada na teoria padrão
dos preços, na qual se diz que esse preço se encontra na interseção das curvas de
oferta e demanda (ver Figura 11.1).1 Para nossos propósitos, o ponto importante
é simplesmente que as forças do mercado determinam um nível ótimo de preços,
de modo que a empresa se prejudica se exceder esse nível. Por isso, o plano de
fazer exigências legais irracionais é essencialmente equivalente a um plano para
aumentar o preço do produto. Suponha que o negócio de widgets da Sally exija
que todos os clientes concordem que, em caso de disputa relacionada à venda de
um widget da Sally, incluindo reclamações relacionadas à qualidade ou segurança
do produto, o cliente aceitará uma arbitragem vinculada à filha de nove anos
de idade de Sally, a Susan. Sally’s Widgets está então, em efeito, aumentando o
preço dos widgets: além dos US$ 150 que se deve pagar por um widget, o cliente
também deve aceitar o risco de ter uma disputa com a empresa resolvida pela
filha da proprietária. Os clientes podem considerar isso indesejável.2 Podem até
tomar a política como um sinal de que a empresa pretende enganar seus clientes.
Por esse motivo, se US$ 150 for o preço de mercado dos widgets, a adição de
Sally com essa estipulação irracional em relação à resolução de disputas com sua
empresa terá o efeito de colocar o preço real de seu produto acima do nível de
mercado e, assim, diminuir o lucro total de Sally.
E se o preço de mercado dos widgets for de US$ 200 e Sally cobrar apenas US$
150, deixando uma margem de manobra para fazer exigências adicionais aos
clientes? Mesmo neste caso, insistir que todas as disputas devem ser resolvidas
por Susan não é a melhor opção de Sally para tirar proveito dessa margem de
manobra. O motivo é que provavelmente os clientes atribuam um valor negativo
maior ao procedimento de resolução de disputas de Sally do que o valor positivo
que Sally atribui a ele, porque os clientes tendem a atribuir valor negativo à injus-
tiça percebida, além dos custos monetários potenciais de procedimentos injustos.
Em vez disso, a melhor opção de Sally (maximizar o lucro) é simplesmente
aumentar o preço em US$ 50.
Os mesmos princípios se aplicam às relações empregador-empregado. Há
um salário ideal para um empregador pagar de tal maneira que, se o empregador
paga mais do que isso, reduz seu lucro total devido ao aumento dos custos
trabalhistas, mas se paga menos, reduz seu lucro total devido à dificuldade em
atrair funcionários desejáveis. Qualquer disposição em um contrato de trabalho
que os funcionários considerem injusta ou simplesmente desvantajosa equivale a
1
Ver Friedman 1990 para uma descrição acessível da teoria padrão.
2
Para uma perspectiva diferente, veja Caplan (2010), que sugere que a maioria dos clientes
não se preocuparia com essa cláusula, uma vez que eles não esperam processar a empresa.
11. Justiça Criminal e Resolução de Disputas 255
um custo extra para aceitar um emprego com esse empregador ou, equivale a
um declínio nas recompensas do trabalho. Uma disposição que normalmente
seria tomada como sinal de intenção de enganar os funcionários normalmente
reduziria a atratividade de qualquer trabalho que valha a pena se inserir. Se um
empregador sente que está dando muito aos funcionários, faria mais sentido para
ele simplesmente oferecer salários mais baixos.
Empiricamente, os negócios nas economias de livre mercado raramente as-
sumem posições inacessíveis em disputas com clientes. O exemplo a seguir não
é um tipo incomum de experiência do consumidor: eu compro um produto
da empresa Target local, levo para casa, abro a embalagem e decido que não
gosto. Volto à loja e peço meu dinheiro de volta. “Há algo de errado com isso?”,
pergunta o caixa. “Não”, eu digo, “acabei de decidir que não gosto. Então,
quero devolver.” Minha posição nesta disputa, se é que se pode chamar assim,
é totalmente caprichosa. Adquiri o produto voluntariamente, sei que eles não
poderão revendê-lo depois que o abri e não tenho nenhuma reclamação real sobre
o produto. O produto não está com defeito, nem foi deturpado pelo fabricante
ou pela loja. Não tenho argumentos para explicar por que eles deveriam aceitar
minha demanda. No entanto, na minha experiência, a empresa nunca recusou
um retorno.
Essa evidência sobre o comportamento dos negócios é obviamente anedótica, e
certamente outros poderiam relatar histórias de experiências insatisfatórias. Não
obstante, não acho que seja uma ilustração injusta da tendência geral do mercado:
é muito mais provável que os consumidores assumam posições irracionais – e se
deem bem – do que as empresas que financiam.
as normas vigentes, já que a explicação mais provável para sua rejeição à arbi-
tragem é que você espera que qualquer árbitro respeitável decida contra você.
Pelas mesmas razões pelas quais as agências de proteção não defenderão crimi-
nosos (Seção 10.4), elas não defenderão as pessoas que rejeitam a arbitragem
como forma de resolução de disputas. As agências de proteção anteciparão
essa eventualidade, escrevendo disposições em seus contratos, especificando
os procedimentos que os clientes devem aceitar para resolver disputas e absol-
vendo a empresa da responsabilidade de proteger os clientes que violarem esses
procedimentos.
Em alguns casos, esse sistema geraria resultados injustos ou eticamente obje-
táveis, como no caso em que fortes evidências apontam para a culpa de alguém
que é de fato inocente, ou onde os valores da maioria da sociedade estão errados.
Mas o sistema anarquista, no entanto, funciona tão bem quanto poderia ser razo-
avelmente solicitado. Em qualquer sistema de justiça que funcione, seja com base
no governo ou com base no mercado, se evidências poderosas, mas enganosas
apontam para a culpa de alguém, essa pessoa será tratada como culpada. So-
mente o padrão inatingível de prova absolutamente conclusiva de culpa poderia
eliminar a possibilidade de evidências enganosas que levassem à punição dos
inocentes.
Da mesma forma, todo sistema social gera resultados antiéticos se as pessoas
que tomam decisões nesse sistema têm crenças e valores éticos incorretos. Na
anarquia, resultados antiéticos resultam se a maioria dos membros da sociedade
tiver valores incorretos, o que se refletirá nas decisões dos árbitros que buscam
cultivar uma boa reputação junto ao público. Em um sistema governamental,
resultados antiéticos resultam se legisladores, juízes ou outros funcionários pú-
blicos tiverem valores incorretos. Isso não é menos provável de ser verdade do
que a maioria dos membros da sociedade ter valores incorretos.
Essa abordagem de baixo para cima para gerar lei tem três vantagens principais
em relação à abordagem de cima para baixo de lei criada por uma legislatura.
Primeiro, a lei feita pelo juiz está mais intimamente ligada aos problemas que
as pessoas comuns encontram e às suas circunstâncias reais, porque é feita por
indivíduos com experiência regular na resolução de disputas interpessoais – os
problemas que dão origem à necessidade de lei em primeiro lugar – e é feito
apenas no contexto da decisão de tais disputas. Segundo, a lei tomada por
juiz é mais flexível que a lei legal. Nenhuma regra de conduta que os seres
humanos desenvolvem pode prever todas as possíveis contingências futuras. Em
um sistema de direito consuetudinário, quando um tribunal encontra um caso
similar não considerado anteriormente, ele pode decidir o caso da maneira que
parecer mais justa, em vez de ser forçado por negligências anteriores a tomar
decisões injustas. Terceiro, o sistema de leis comuns exige demandas cognitivas
muito menores para cada legislador. Um legislador enfrenta a tarefa quase
impossível de antecipar todas as questões que possam ocorrer em todas as áreas
da conduta humana e de escrever regras válidas para todas as circunstâncias.
Um juiz em um sistema de direito comum enfrenta, a qualquer momento, apenas
a tarefa de entender o caso agora diante dele e decidir como esse caso deve ser
resolvido; em nenhum momento é necessário que um juiz ou qualquer outra
pessoa tente antecipar todos os tipos possíveis de problemas.
Sabemos que essa é uma maneira viável de desenvolver um sistema de leis
extremamente sofisticado e sutil, porque essa é, de fato, a fonte do direito comum
que agora domina (ao lado do direito estatutário e regulamentar) na Grã-Bretanha
e vários outros países influenciados pela Grã-Bretanha, como Estados Unidos,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Nesses países, a maioria do direito contratual
e do direito civil é de direito consuetudinário. A maior parte do direito penal
também era consuetudinário antes do século XX. Na sociedade anarquista, dada
a ausência de leis estatutárias e regulamentares, o direito consuetudinário teria
um papel ainda maior do que atualmente nesses países.3
percepções sobre o que a justiça exige podem ser inclinadas em favor das
vítimas; por exemplo, tenderiam a perceber a maioria dos crimes como mais
prejudiciais do que realmente são. É plausível que as empresas de arbitra-
gem possam contratar juízes com tais percepções distorcidas sem manchar
indevidamente sua reputação de integridade. Por isso, acho plausível que
em uma sociedade anarcocapitalista os criminosos sofram frequentemente
um pouco mais do que merecem.
Este é um possível problema com o sistema, mas não é um problema terrível.
Além disso, é plausível que a punição ocorra também nos sistemas governa-
mentais, e não é óbvio que os sistemas governamentais produzam punições
mais justas do que aquelas que emergiriam de um sistema anarcocapitalista.
vi Mesmo aumentos extremos nas penalidades por crime não eliminariam todos
os crimes. Isso ocorre porque alguns criminosos, infelizmente, são altamente
resistentes à dissuasão. Eles imprudentemente ignoram o futuro ou assumem
alegremente que não serão pegos.6 Assim, um mercado para tribunais priva-
dos continuaria a existir mesmo em um regime de prêmios absurdamente
altos de compensação.
12
Duke 2006.
13
Os números para 1970 e 1998 são de Longley n.d. Os números de 1960 e 1980 são de Crews
2011, 15. O valor de 2010 é calculado a partir da edição do CFR disponível no Government Printing
Office; Omiti os “Procurar ajuda” no final de cada volume para a contagem total de páginas de
2010.
11. Justiça Criminal e Resolução de Disputas 267
seguir. Isso, no entanto, nos leva ao próximo problema com o sistema de justiça
atualmente aceito.
abuso que sofreram enquanto estavam na prisão. Alguns chegaram a sugerir que
o encarceramento pode causar mais crimes do que impedir.23
Esses problemas não são inevitáveis em um sistema de justiça criminal; os
críticos ofereceram inúmeras reformas em potencial que provavelmente reduzi-
riam significativamente esses problemas. Verificou-se que alguns programas de
reabilitação reduzem as taxas de reincidência em até 30%. Os formuladores de
políticas simplesmente não escolheram adotar essas reformas.24
ser condenado injustamente, uma agência de proteção que utilizou métodos não
confiáveis de investigação ou uma empresa de arbitragem que utilizou métodos
não confiáveis para avaliar a culpa ou inocência precisariam se preocupar em ser
substituídas por concorrentes que oferecem serviços com menos risco de conde-
nações injustificadas. Pontos semelhantes se aplicam ao problema de excesso de
oferta da lei e custos excessivos dos serviços jurídicos.
E os problemas associados ao encarceramento de criminosos? Estes seriam
grandemente reduzidos por um sistema de justiça que focasse mais na restituição
do que na punição. Nesse sistema, as centenas de milhares de pessoas atualmente
presas por crimes sem vítimas, principalmente crimes relacionados às drogas,
seriam soltas. Somente indivíduos que feriram outra pessoa e, de outra forma,
não estavam dispostos ou não podiam pagar a indenização exigida à vítima
seriam mantidos presos em instalações prisionais. O foco dessas instalações no
trabalho produtivo diminuiria o risco de violência na prisão e reincidência.
É teoricamente possível para um governo se reformar – eliminar todos os
estatutos do crime sem vítimas, mudar seu foco de punição para restituição e
assim por diante. Mas quando olhamos em volta e vemos que nenhum governo
realmente o fez e quando percebemos que esse tipo de falta de resposta aos
problemas tem uma explicação sistêmica enraizada na estrutura básica de in-
centivos do governo, a conversão para um sistema alternativo começa a parecer
uma solução mais racional e menos utópica do que a reforma do sistema atual.
Sempre haverá espaço para melhorias em qualquer sistema de justiça. Nos siste-
mas governamentais, a reforma tenderá a ser lenta e difícil de implementar. Por
outro lado, as empresas de um setor competitivo tendem a se mover rapidamente
para melhorar seus produtos ou reduzir seus custos quando a oportunidade se
apresenta.
11.10 Conclusão
Existem dois sistemas principais pelos quais uma sociedade pode prever a reso-
lução de disputas e a correção de violações de direitos. O primeiro é o sistema
coercitivo e monopolista, no qual uma única organização assume autoridade ex-
clusiva para fazer leis, resolver disputas e punir criminosos. Problemas grandes e
bem conhecidos tendem a ocorrer em sistemas desse tipo, incluindo condenações
errôneas frequentes, restrições legais excessivas e excessivamente complexas,
altos custos monetários, atrasos, prisões superlotadas, abuso de prisioneiros e
altas taxas de reincidência. Os governos em geral fazem pouco para resolver esses
problemas, apesar da identificação por cientistas sociais e outros especialistas de
inúmeras medidas que poderiam ser tomadas para melhorar significativamente
o sistema. Essa negligência por parte do governo pode ser atribuída às caracte-
11. Justiça Criminal e Resolução de Disputas 272
273
12. Guerra e Defesa da Sociedade 274
12.2.4 Conclusões
Nenhum dos casos históricos mencionados nesta seção apresenta uma sociedade
anarquista que resiste a um Estado estrangeiro hostil. Isso ocorre principalmente
porque existem muito poucas sociedades anarquistas e nenhuma seguindo o
modelo anarcocapitalista. No entanto, como vimos, houve muitos casos de resis-
tência bem-sucedida por parte dos cidadãos aos governos, incluindo governos
impostos por Estados estrangeiros. O movimento de descolonização do século
15
Esse relato deriva levemente de Sharp 1990, cap. 2–3.
12. Guerra e Defesa da Sociedade 280
causas da guerra para determinar quais são essas condições, pois isso parece
ser a chave para evitar a guerra (antes de iniciar um programa de engenharia
genética para eliminar nossas tendências agressivas).
padrão frequente é a espiral de conflitos: um Estado executa uma ação que outro
Estado considera hostil. O segundo Estado responde com uma ação hostil própria.
O primeiro Estado retalia com outro ato hostil. Essa série de ações e reações cria
uma espiral de tensões crescentes. Em cada estágio, há um forte risco de que
o nível de hostilidade aumente, seja por causa do aumento da raiva por parte
dos líderes ou por causa de diferentes percepções, principalmente quando uma
parte percebe sua própria ação como menos hostil que a outra parte percebe que
é. A interação, portanto, corre o risco de aumentar até atingir o nível mais alto
de hostilidade, o da guerra definitiva.
Nem todas as guerras surgiram de disputas entre Estados; às vezes, um país
realiza uma guerra puramente agressiva, na qual o comportamento anterior
do governo do outro país é irrelevante. No entanto, isso é muito raro. Quase
qualquer guerra, especialmente nos tempos modernos, pode ser usada para
ilustrar a ideia de disputa entre governos como causa da guerra. A Primeira
Guerra Mundial começou como resultado do assassinato do arquiduque Franz
Ferdinand da Áustria. Embora o assassinato não tenha sido oficialmente apoiado
pelo governo sérvio, o governo austríaco acreditava (corretamente) que alguns
funcionários do governo sérvio estavam envolvidos na conspiração. O conflito
austro-sérvio se tornou a semente da guerra em geral. Alemanha, Rússia, França
e Grã-Bretanha foram atraídos para o conflito por meio de alianças com outros
participantes no conflito. O processo envolveu algumas espirais de conflito em
rápida evolução nas quais, entre outras coisas, a mobilização militar de uma
nação foi tomada como um sinal de intenções hostis, levando outras nações a
mobilizar seus militares.29
A guerra Irã-Iraque, embora em parte uma guerra por território, também foi
motivada por interações hostis anteriores entre os governos das duas nações. Até
1969, o Iraque possuía o rio Shatt al-Arab, até que o Irã decidiu unilateralmente
mover a fronteira entre as duas nações da margem leste do rio para o meio do rio.
O Iraque aceitou a mudança para evitar a guerra com o que era então um vizinho
muito mais poderoso. Quando Khomeini assumiu o poder no Irã em 1979, ele
começou a pedir aos muçulmanos xiitas no Iraque que derrubassem seu governo,
assim como o próprio Khomeini havia feito no Irã. Isso desencadeou uma espiral
de conflitos envolvendo esforços de ambos os governos para fomentar a rebelião
nos países uns dos outros, levando à invasão do Iraque em 1980.30
Até a Segunda Guerra Mundial, o paradigma de uma guerra de conquista
iniciada por um Estado predatório, também foi parcialmente causada pelo com-
portamento anterior de outros Estados. É amplamente reconhecido que as semen-
tes da guerra foram plantadas 20 anos antes, quando o Tratado de Versalhes foi
29
Cashman e Robinson 2007, 55–68.
30
Cashman e Robinson 2007, 271–3, 288–92.
12. Guerra e Defesa da Sociedade 285
Não estou sugerindo aqui que, ao iniciar a Segunda Guerra Mundial, Hitler
estava simplesmente buscando vingança por Versalhes; O próprio Hitler foi mais
motivado por um impulso megalomaníaco para controlar mais território, assim
como o ódio de outras raças. Estou sugerindo, no entanto, que o ressentimento
alemão sobre Versalhes permitiu a Hitler subir ao poder.
Como podemos evitar os tipos de disputas entre governos que levam à guerra?
Aqui está uma possibilidade: poderíamos eliminar nosso governo. Uma soci-
edade anarquista seria incapaz de ter o tipo de disputas ou interações hostis
que mais frequentemente levaram à guerra, porque faltariam os agentes que
as mantêm. Mesmo que alguns indivíduos privados da sociedade anarquista
adotassem posições hostis em relação a um governo estrangeiro, seria muito
improvável que isso levasse à guerra, pois os governos estrangeiros se sentem
muito menos ameaçados por indivíduos hostis do que por governos hostis. Se eu,
como indivíduo particular, convocar dissidentes no Iraque a derrubar o governo,
o Iraque não invadirá meu país. Se eu declarar que meu objetivo é esmagar o
governo russo, que me recuso a negociar com russos e que me recuso a falar com
o governo russo, é muito menos provável que isso leve à guerra (ou a qualquer
reação do governo russo) do que as mesmas ações empreendidas pelo governo
dos EUA.
Isso não quer dizer que a guerra que envolva uma sociedade anarquista seja
impensável. É simplesmente dizer que é menos provável que uma sociedade
anarquista se envolva em conflitos do que uma sociedade dominada pelo Estado.
31
Parker 1997, 2; Miller 2001, 20; Lindemann 2010, 68-70.
32
Keynes 1920, 225. A opinião britânica da época estava amplamente de acordo com Keynes
(Henig 1995, 50-2).
12. Guerra e Defesa da Sociedade 286
levando as duas nações, em grosso modo, a uma certa paridade. Foi então que
Saddam Hussein sentiu que poderia bancar uma guerra com o Irã. Um dos
fatores que motivou a guerra foi provavelmente o desejo de Saddam Hussein de
posicionar o Iraque como líder do mundo árabe e poder dominante na região.40
Novamente, uma resposta para o problema é eliminar o governo. O tipo de
domínio que os Estados-nação sustentam é em grande parte uma questão de
poder militar; é por isso que as nações pensaram em estabelecer ou manter o
domínio através da vitória militar. Ao abolir seu governo, uma sociedade se afas-
taria da disputa pela posição dominante nesse sentido, por duas razões: primeiro,
porque a sociedade não possuiria forças militares permanentes; segundo, porque
a sociedade não possuiria autoridade central e, portanto, não se comportaria
como um agente unitário. Haveria apenas um grande número de indivíduos,
empresas, clubes particulares e assim por diante; é provável que nada disso seja
considerado um candidato ao domínio junto aos Estados-nação. Como as guerras
pelo domínio são normalmente travadas entre o Estado-nação dominante e um
desafiante, não haveria razão para uma sociedade anarquista estar envolvida em
uma guerra pelo domínio.
Isso levanta algumas questões teóricas. Por que a nação maior defenderia a
nação pequena e desmilitarizada nesses casos? Por que, por exemplo, os Estados
Unidos defenderam Granada? Granada não tem meios de obrigar os EUA a
ajudá-los, nem pode se dar ao luxo de pagar pelos EUA pelo serviço (nem os
EUA pediriam que fizesse isso). Uma razão parece ser que os Estados Unidos
se consideram a polícia do Caribe (e, em menor grau, do mundo). Os líderes
americanos podem se dar ao luxo de agir de maneira consistente com esta imagem,
porque os eleitores americanos geralmente se sentem à vontade com essa imagem
do papel de seu país, desde que as intervenções militares dos EUA não sejam
muito longas ou caras. Outro fator é que o governo dos EUA não gostaria de
ver outro governo agressivo ganhar influência na região. Quando os Estados
Unidos invadiram Granada em 1983, foi parcialmente para impedir que a ilha
fosse controlada por comunistas amigos de Fidel Castro, de Cuba.
Uma segunda questão teórica é ainda mais nítida para os “realistas”: o que
protege Granada dos Estados Unidos? Por que os EUA não dominaram a ilha e
a administram como uma colônia? Aqueles que procuram explicar as relações
internacionais em termos de relações de poder e que enfatizam a dissuasão como
uma condição necessária para a segurança devem ter dificuldade em explicar o
gozo contínuo da paz e da independência de Granada e outras nações indefesas.
Aqui está uma explicação plausível (não-realista). Se os líderes americanos
lançassem uma dominação hostil de Granada, a ação receberia imediatamente
publicidade extremamente negativa. Granada seria amplamente percebida (cor-
retamente) como uma nação inofensiva e indefesa, e a invasão seria, portanto,
extremamente impopular entre os eleitores americanos.
Os políticos dos EUA, embora talvez estejam felizes em ignorar os desejos
da população quando ninguém está assistindo (o que quase sempre acontece),
geralmente temem desafiar a opinião dos eleitores em casos de alto nível, princi-
palmente quando há tão pouco a ganhar quanto seria possível neste caso. Qual-
quer invasão militar deve ser notória, de modo que os líderes relutam em atacar
nações consideradas inofensivas.
Não é apenas entre um punhado de nações literalmente indefesas do mundo
que se encontram casos de segurança sem dissuasão militar. Além disso, existem
muitas nações com forças militares muito mais fracas que as dos países vizi-
nhos. Por exemplo, as forças armadas dos EUA mantêm aproximadamente 1,4
milhão de militares, enquanto as forças canadenses somam 68.000.57 Nenhuma
consideração militar realista impede os Estados Unidos de assumir o Canadá.
Considerando o número de pares de nações no mundo para o qual uma nação é
muito mais poderosa que a outra e contrastando isso com o número muito pe-
57
Departamento de Defesa dos EUA 2010; Departamento Canadense de Defesa Nacional 2011.
12. Guerra e Defesa da Sociedade 294
Eles odeiam o que veem aqui nesta Câmara: um governo eleito demo-
craticamente. [. . . ] Eles odeiam nossas liberdades: nossa liberdade
de religião, nossa liberdade de expressão, nossa liberdade de votar,
reunir e discordar um dos outros. [. . . ] Esses terroristas matam não
apenas para acabar com vidas, mas para perturbar e terminar um
modo de vida. [. . . ] é a luta da civilização. Essa é a luta de todos que
acreditam no progresso e no pluralismo, na tolerância e na liberdade.67
sanções patrocinadas pelos EUA contra o Iraque após a primeira guerra do Golfo
Pérsico; Apoio dos EUA a Israel no que alguns descrevem como opressão dos
palestinos; a presença contínua de tropas americanas em países muçulmanos,
particularmente na Península Arábica desde a primeira guerra do Golfo; as recen-
tes invasões e ocupações do Afeganistão e Iraque, com a consequente morte de
centenas de milhares de cidadãos desses países; e o abuso de prisioneiros em Abu
Ghraib e em outros lugares. Argumenta-se que cada uma dessas ações contribuí-
ram para uma maré de ressentimento em relação aos EUA, particularmente nos
países muçulmanos, permitindo assim que grupos terroristas recrutem membros
adicionais.68
Qual dessas concepções básicas é mais precisa? As evidências pesam for-
temente a favor da teoria da “retaliação da política externa”. Para começar, as
declarações reais de Bin Laden e de outros líderes terroristas ao apelar à jihad
contra os EUA citam políticas estrangeiras americanas específicas como justifica-
tiva, principalmente a presença de tropas americanas na “terra dos dois Lugares
Sagrados” (Península Arábica), O apoio dos EUA a Israel e a guerra e as sanções
econômicas dos EUA contra o Iraque.69 Eles não citam os valores democráticos
liberais dos EUA, nem visam democracias liberais sem envolvimento no Oriente
Médio.
Presumivelmente, esses líderes terroristas estariam em uma posição melhor
para conhecer suas próprias motivações do que oficiais do governo americano ou
outros observadores distantes, e seria do interesse deles revelar essas motivações
se esperavam coagir as nações a aceitar seus desejos. Por outro lado, as avaliações
de funcionários do governo podem sofrer um viés na direção de descontar a
responsabilidade do próprio governo por sentimentos terroristas, principalmente
se os funcionários não tiverem a intenção de mudar as políticas que podem ter
levado a esses sentimentos.
Especialistas que estudam motivações terroristas chegam a conclusões se-
melhantes. O antropólogo Scott Atran passou anos estudando terroristas em
vários países ao redor do mundo, entrando em suas comunidades e entrevistando
terroristas. Atran descobriu que terroristas recentes são movidos por indignação
moral com a violência praticada por americanos contra muçulmanos no Iraque,
Afeganistão e em outros lugares. Ele descobriu que os jihadistas não são movi-
dos pelo ódio pela liberdade e pela democracia, como afirmou Bush, nem são
“niilistas”, como afirmou Barack Obama.70 Eles se consideram heróis corajosos
68
Ver, por exemplo, Hornberger 2006.
69
bin Laden 1996; Bin Laden et al. 1998.
70
Veja Obama 2004, x: “Também não pretendo entender o niilismo severo que levou os terro-
ristas naquele dia e que ainda deixa seus irmãos. Meus poderes de empatia, minha capacidade
de alcançar o coração de outra pessoa não podem penetrar nos olhares vazios daqueles que
matariam inocentes com satisfação abstrata e serena.”
12. Guerra e Defesa da Sociedade 298
Não é preciso dizer que o esforço para entender as motivações dos terroristas
não implica simpatia pelos terroristas, nem envolve qualquer tentativa de desviar
a culpa moral das ações terroristas dos próprios terroristas. Uma compreensão
precisa das motivações terroristas, livre de preconceitos egoístas, é simplesmente
o primeiro passo para entender como evitar ataques terroristas no futuro.
envolvido nos conflitos do Oriente Médio mencionados acima. Mas não são
apenas os americanos que têm motivos de preocupação moral com as ações de
seus governos; 27 países enviaram tropas para a guerra no Iraque, incluindo mais
de 10.000 tropas britânicas.77
Alguém pode se perguntar se a agressividade recente dos governos americano
e aliados é um acidente histórico ou se existe algo na natureza do governo que
incentive esses resultados. A resposta é que, embora essa agressão esteja longe
de ser inevitável, ela permanece um risco não trivial para qualquer sociedade que
mantenha um governo em um ambiente geopolítico semelhante ao que existe
atualmente. Enquanto existirem muitos países não democráticos no mundo, os
países democráticos correm o risco de entrar em guerra com países não democráti-
cos, particularmente aqueles que são vistos como estranhos pelas populações das
nações democráticas. O próprio aparato de segurança nacional cria um interesse
permanente na guerra. Os governos, particularmente seus ramos dedicados à
segurança nacional, tendem a lucrar com um estado de guerra, assim como os
contratados que vendem bens e serviços às forças armadas. Portanto, poderia-se
esperar, no mínimo, que esses interesses tivessem uma percepção aguçada dos
argumentos a favor da guerra em um determinado momento e uma percepção
relativamente preguiçosa dos argumentos pela paz.
Mas não são apenas os contratados militares e os membros do aparato de
segurança nacional do governo que podem apoiar a guerra. Muitos cidadãos
comuns, por um senso de patriotismo equivocado, por um desejo de projetar
uma auto-imagem masculina ou por ignorância e mal-entendido, podem apoiar
guerras agressivas. Embora essas falhas cognitivas e de caráter estejam presentes
em qualquer população grande, é apenas em uma sociedade controlada pelo
governo que eles provavelmente levarão à violência em larga escala, pois somente
em uma sociedade controlada pelo governo há um aparato permanente que
permite tais indivíduos provocar violência em larga escala a um custo mínimo
para si mesmos, simplesmente comparecendo às urnas e votando em políticos
agressivos. Mesmo que, por exemplo, a maioria dos americanos desejasse uma
guerra com o Irã, dificilmente alguém consideraria pegar em armas e, como
indivíduos particulares, voar para o Irã e atacá-lo. Somente através de um aparato
governamental é provável que sua hostilidade leve à violência em massa.
Como no caso das minas terrestres no meu gramado de casa, temos uma forte
razão moral para eliminar nosso governo; ou seja, a ameaça que isso representa
para pessoas inocentes em outras partes do mundo.
77
BBC News 2003.
12. Guerra e Defesa da Sociedade 302
12.6 Conclusão
Sem o aparato de segurança nacional do Estado – seus exércitos, agências de
inteligência e assim por diante – como uma sociedade poderia estar protegida de
ameaças estrangeiras, como governos estrangeiros hostis e organizações terroris-
tas? Existem várias respostas plausíveis para isso.
Primeiro, uma sociedade poderia ser defendida contra invasores estrangeiros
por guerrilheiros. Vários episódios históricos recentes sugerem que os insurgentes
nativos podem representar um problema extremamente sério, mesmo para os
exércitos mais avançados e poderosos que procuram ocupar terras estrangeiras.
Segundo, movimentos de resistência popular não-violentos muitas vezes se
mostram altamente eficazes em convencer governos opressivos a dar liberdade
às pessoas.
Terceiro, é muito menos provável que uma sociedade não governada se en-
volva em conflitos violentos do que uma sociedade controlada pelo governo. A
grande maioria das guerras é causada por disputas entre governos e todos ou
quase todos os atos terroristas são realizados em represália às políticas governa-
mentais.
Quarto, uma sociedade anarquista pode ser estabelecida sob condições que
tornam improvável a guerra. Desde que
12. Guerra e Defesa da Sociedade 304
iii a sociedade mantenha fortes relações sociais e econômicas com seus vizinhos;
Da Democracia à Anarquia
305
13. Da Democracia à Anarquia 306
O governo poderia avançar ainda mais, declarando que seus tribunais não
analisariam mais certos tipos de casos e encaminhariam esses casos aos árbitros.9
Por exemplo, um grande fardo seria retirado do sistema judicial se todos os casos
de divórcio fossem tratados por meio de processos de arbitragem privada (mesmo
sem acordo prévio entre as partes nesse sentido). O passo mais controverso seria
terceirizar a resolução de casos penais. Esse passo seria mais plausível quando
começássemos a ver os casos penais, não como disputas entre o réu e o Estado,
mas como disputas entre o réu e a vítima do crime. Quando vistos dessa maneira,
não há razão para que esses casos também não possam ser tratados por meio de
arbitragem privada.
Por que algum governo concordaria em promover sua própria obsolescência
eventual terceirizando uma de suas funções mais centrais? Uma razão é que
os tribunais estão severamente sobrecarregados e gostariam de menos casos.
Algumas legislações e tribunais estaduais nos Estados Unidos já exigem que
certas disputas (principalmente as que envolvem reivindicações de seguro de
automóvel) sejam resolvidas por meio de arbitragem.10 Outra razão possível é a
opinião pública. Se o público ficar suficientemente desencantado com o sistema
judicial do governo, uma legislação democrática poderá aprovar leis que exijam
o tipo de mudanças descritas acima.
prisão. A autorização legal para prisões por cidadãos pode ser limitada a certos
tipos de crimes, e o cidadão que está prendendo pode ser obrigado a testemunhar
pessoalmente o crime em andamento. Poder-se-ia imaginar uma liberalização de
tais leis, permitindo prisões por cidadãos por todos os crimes, incluindo casos em
que a culpa do suspeito é estabelecida por investigação após o fato. As agências
privadas de proteção poderiam assumir não apenas os deveres de patrulha, mas
também os deveres de investigação e prisão de suspeitos de crimes.
É preciso ter cuidado ao fazer essa transição. Se um governo estadual ou local
desistisse do monopólio do policiamento para conceder esse monopólio a uma
empresa privada, seria de esperar que a empresa privada apresentasse os mesmos
problemas que a polícia do governo, possivelmente ainda mais problemas. As
chaves para obter os benefícios do livre mercado são voluntariedade e concor-
rência. Assim, ao fazer a transição para a aplicação privada de leis, devemos
preservar várias agências privadas de proteção concorrentes, e pequenos grupos
de cidadãos devem escolher seus protetores. Por exemplo, bairros residenciais
ou condomínios de apartamentos devem ter a opção de qual agência de proteção
seria responsável pela segurança nas suas propriedades.
Novamente, há duas razões pelas quais os governos podem concordar com
essa mudança social. Primeiro, governos sobrecarregados que enfrentam pres-
sões orçamentárias podem receber com satisfação o alívio de suas funções de
policiamento. Segundo, um público esclarecido pode um dia reconhecer a neces-
sidade de competição e voluntariedade nos serviços tradicionalmente governa-
mentais e exigir reformas de seus representantes.
suem inteligência e habilidade básica para distinguir boas ideias de más. Essa é
a razão mais importante e fundamental do meu otimismo em relação ao futuro
do anarcocapitalismo. Deixe-me explicitar o raciocínio.
anarquismo precisam defendê-lo para o resto de sua sociedade. Espero que este
livro faça parte de um discurso social que, no devido tempo, cumpra essa tarefa.
Em um capítulo anterior, caracterizei como excessivamente utópica a ideia de
remediar as falhas da democracia puramente através do ativismo cidadão (Seção
9.4.4). Argumentei que isso exigiria muito sacrifício por parte dos cidadãos. Por
que a proposta deste capítulo não é igualmente utópica? Por que é mais realista
esperar que os cidadãos convencidos da ilegitimidade do governo trabalhariam
para abolir seu governo do que esperar que os cidadãos que tenham conhecimento
das políticas falhas implementadas por um governo democrático trabalhem para
aperfeiçoar as políticas de seu governo?
A resposta é que adquirir consciência da ilegitimidade do governo em ge-
ral é muito, muito menos exigente cognitivamente do que adquirir consciência
suficiente dos erros políticos específicos de um governo em particular para per-
mitir que se faça planos racionais para corrigir a maioria desses erros. . Para
perceber que o governo é ilegítimo, basta aceitar os argumentos deste livro. Mas
identificar a maioria dos erros de política específicas do governo exigiria familia-
ridade detalhada com milhares de estatutos e regulamentos; dezenas de agências,
conselhos e comissões governamentais; e centenas de figuras políticas. Seria
necessário atualizar esse conhecimento continuamente ao longo da vida para
levar em consideração cada nova ação de cada ramo do governo. É muito mais
realista esperar que um consenso possa ser alcançado sobre um único princípio
filosófico, a rejeição da autoridade, do que esperar que poderia ser alcançado um
consenso sobre as falhas específicas da maioria das políticas governamentais.
13.5 Conclusão
13.5.1 O argumento da parte I
O estado moderno reivindica um tipo de autoridade que obriga todos os outros
agentes a obedecer aos comandos do Estado e autoriza o Estado a empregar
violência e ameaças de violência para fazer cumprir esses comandos, indepen-
dentemente dos comandos serem em si justos, razoáveis ou benéficos . O argu-
mento da primeira metade deste livro é que esse tipo de autoridade, “autoridade
política”, é uma ilusão. Nenhum Estado é legítimo e nenhum indivíduo tem
obrigações políticas. Isso leva à conclusão de que, no mínimo, a grande maioria
das atividades do governo é injusta. Os agentes do governo devem se recusar a
aplicar leis injustas, e os indivíduos devem se sentir livres para violar essas leis
sempre que puderem fazer com segurança.
O argumento contra a autoridade política prosseguiu examinando os argu-
mentos mais importantes para a existência da autoridade e considerando cada
13. Da Democracia à Anarquia 318
Meu método de empurrar os leitores nesse caminho tem sido apelar a valores
implícitos que acho que você compartilha. Não confio em uma argumentação
abstrata e teórica desses valores; Confio nas reações intuitivas que temos a cená-
rios relativamente específicos. Também não confio em intuições controvertidas;
Confio em intuições claras e convencionais. Por exemplo, o julgamento de que
um empregador que elabora um contrato de trabalho justo e razoável não teria
o direito de forçar os funcionários em potencial a aceitá-lo (Seção 3.3.3), não
é particularmente duvidoso ou controverso. Não é algo que apenas ideólogos
libertários concordariam.
Considere agora o argumento antiguerra oferecido pelo filósofo chinês Mozi
no século V a.C:
21
Da epígrafe para Kurlansky, 2006.
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