Plano de Estudos
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Aqui na Heathenry & Liberdade nós nos baseamos nos princípios tribalistas e no método
reconstrucionista. Isso significa que: (1) entendemos que a prática pagã deve ser desenvolvida
de maneira séria, seja ela em família (mesmo que sozinha ou sozinho), ou em kindred, e (2)
focada na Visão de Mundo Germânica pré-cristã, ou seja, entendemos que o paganismo, ou
Heathenismo, é a recuperação da forma como os antigos pagãos entendiam e se relacionavam
com o mundo natural e humano à sua volta.Assim, embora acreditemos que raça, gênero,
orientação sexual não são fatores que impedem a entrada no paganismo, por um lado, também
não consideramos que qualquer um que não tenha o desejo de entender a Visão de Mundo dos
germânicos pré-cristãos também esteja apto a se chamar, de acordo com o pensamento
tribalista (e não em absoluto), um heathen ou pagão. No passado, essa tradição era passada
de maneira oral. Como com a conversão ao cristianismo houve uma ruptura, tentamos então,
através deste humilde espaço, trazer ela de volta à luz — e é por isso que ler é tão importante.
O estudo guia a prática.
Por isso, oferecemos os seguintes artigos, nos quais você pode estudar e se informar, e
incorporar na sua vida cotidiana, relacionada aos aspectos fundamentais da visão de mundo
dos antigos. Não será algo fácil, mas acredite, é muito recompensador. Sinta-se à vontade para
voltar a essa página quantas vezes quiser e sempre que tiver dúvidas, procurar informações, e
entender melhor os conceitos de nossa visão de mundo pagã. Sugerimos a leitura
na sequência apresentada dos temas a seguir, caso você não saiba como começar ou esteja
começando agora na Ásatrú.
Dicas:
Leia e releia os textos. Ler apenas uma vez geralmente não traz o entendimento
necessário e profundo dos termos. Alguns assuntos se repetem entre um texto e outro,
e outros são abordados em mais de um texto. Preferencialmente, leia todos. Eles
trazem um entendimento bem melhor ao serem analisados em conjunto.
Faça anotações. Sim, o paganismo nórdico é uma religião com lição de casa. Anotar
as coisas que você estudou é muito útil para não perder aquilo que já aprendeu. Um
resumo nas suas próprias palavras ajuda também você perceber o quanto evoluiu e
pode entender melhor certas ideias, depois de um tempo. Muitas vezes entender “meio
certo” por um tempo é a ponte para entender completamente correto, depois.
Debata em grupos e não tenha medo de errar. Você pode ir aos grupos dos quais a
Ásatrú & Liberdade faz parte, o Hvergelmir Brasil, ou o Heathenismo: Construindo a
visão de mundo e debater, perguntar, não tenha medo. O grupo é para ajudar e
qualquer pessoa que for grossa ou mal-educada com iniciantes ou qualquer dúvida será
advertida, ou removida, a depender da gravidade. Lá é um espaço coletivo para tirar
dúvidas.
Se acostume a tentar entender ideias estranhas. Muitas vezes o que você procura
em uma religião não existe. Por exemplo, os antigos não tinham uma noção de
remuneração de pós-vida. No lugar disso, existem outras ideias. Ser pagão exige
pensar diferente. Pensar diferente exige aprender a aplicar em nossa vida ideias que
inicialmente parecem estranhas. Se elas fossem familiares, não estaríamos aprendendo
nada. Por exemplo, wyrd, círculo de presentes, são noções estranhas para nossa
sociedade, mas que são essenciais no modo de pensar dos pagãos.
Pratique na sua vida cotidiana. Nada do que expomos em vídeos, podcasts, textos,
ou posts no facebook é desnecessário. Existem conceitos que são mais populares,
outros que são menos, mas todos tem igual importância. Todos podem ser trazidos
para a vida cotidiana, e aplicados no dia a dia, seja ele qual for. Nada aqui é “utopia”, ou
“romantização do passado”. Não apenas pegue o que aprendeu aqui como ilustração.
Viva.
Heathenry, que pode ser traduzido em português como “paganismo germânico” é um termo
usado para descrever as práticas religiosas de dois grupos principais de pessoas, um histórico
e um moderno.
Os pagãos germânicos originais eram os povos pré-cristãos do norte europeu que viveram há
mil ou mais anos nas terras em torno do que agora é chamado Mar do Norte. Estes incluíram
os povos da Inglaterra anglo-saxã, da Escandinávia, da Alemanha, da Frisia (Friesland), e
tardiamente também da Islândia.
Áreas principais que historicamente abrigaram populações de cultura, idioma e religião
germânicas.
Os grupos pagãos germânicos modernos, também chamados de heathens, em todo o mundo
estão revivendo essas velhas práticas e chamam suas religiões por vários nomes, incluindo
Ásatrú, Tradição do Norte, Odinismo, Forn Sed, Reconstrucionismo Pagão Germânico ou,
simplesmente, Heathenry. É válido destacar que esses termos não são aleatórios e
intercambiáveis, representando na verdade diversos movimentos com ideias e propósitos
diferentes, que têm em comum o antigo paganismo dos povos germânicos como fonte, e
dificilmente muito mais do que isso. Na Islândia, que não se converteu ao cristianismo até o
século XI, o Heathenry voltou a se tornar uma religião oficial (nacionalmente reconhecida), bem
como na Suécia e Dinamarca.
Fontes
Existem fontes literárias que nos dizem como o Heathenry foi praticado antes do advento do
cristianismo. As principais fontes incluem as Eddas e Sagas da Islândia medieval, a poesia
anglo-saxônica, as obras do monge inglês do século VIII, São Beda, e a “Germânia” pelo
historiador romano Tácito. Nenhuma delas possui caráter autoritativo, como uma Bíblia ou texto
canônico, todavia.
Embora a maioria delas tenha sido escrita nos tempos cristãos, essas fontes registram as
crenças e práticas religiosas de uma cultura que existia antes do cristianismo chegar ao norte
da Europa. A evidência arqueológica continua a ser descoberta que apoia esta imagem da
religião pagã obtida a partir de literatura clássica e medieval.
Existem ainda diversos estudiosos contemporâneos que analisam esses textos antigos e
ajudam a clarificar o que de fato era essa religião, até quanto possível, fazendo crítica das
fontes, destacando o que pode ser influência cristã e tardia, tais como Hilda Roderick Ellis,
Gabriel Turville-Petre, Terry Gunnell, John Lindow, dentre vários outros, além do brasileiro
Johnni Langer e seu núcleo de estudos (NEVE).
Outros autores, restritos à religião e com menos reconhecimento acadêmico são bastante
influentes, embora suas obras nem sempre possam ser verificadas historicamente.
Além dos “deuses maiores” mais conhecidos, os nomes de vários deuses locais ou tribais são
conhecidos através da literatura medieval, genealogias, inscrições rúnicas e pedras votivas,
tais como Seaxnéat, Gautr, Francus, Baduhenna e o culto celto-germânico das matronae. A
maioria dos heathens escolheu honrar ativamente um subconjunto de deuses com quem
desenvolveram relacionamentos pessoais, embora as oferendas também sejam muitas vezes
feitas “a todos os deuses e deusas”. Os pagãos se relacionam com seus deuses como
personalidades complexas as quais cada uma tem muitos atributos e talentos diferentes. Por
exemplo, enquanto que Thor é popularmente conhecido fora dos círculos pagãos como o
poderoso Deus do Trovão, na poesia das Eddas, ele é chamado por nomes como Pensador
Profundo, Aquele que Deseja Bem aos Homens e Thor Consagrador, revelando um lado mais
gentil para sua natureza.
Além dos deuses, os heathens reconhecem e se relacionam com uma grande variedade de
seres espirituais ou ‘vaetts’. Estes incluem as Norns – que são três entidades femininas que
tecem a teia da wyrd – e as Dísir – que são espíritos ancestrais femininos ligados a uma tribo,
família ou indivíduo. Heathens também relacioname-se com o “povo escondido”, como elfos,
brownies, anões e etins (gigantes e outras pessoas não tão agradáveis). Eles interagem com
os vaetts da casa que vivem em seus lares e os vaettir da terra que ocupam características da
paisagem, como árvores, pedras, córregos, montanhas, florestas ou campos. Ter um
relacionamento com os vaetts da terra é uma característica importante da religião heathen, e os
rituais pagãos ao ar livre não serão realizados até que a permissão desses vaetts da terra seja
procurada e obtida.
Outra característica da religião heathen é o respeito dado aos antepassados em geral. Estes
podem ser os antepassados literais de uma pessoa, seus avós, tios, pais, etc., ou podem ser
pessoas agora mortas que as inspiraram de alguma maneira, tais como heróis lendários ou
pessoas que fizeram feitos admirados durante a vida. A esses antepassados podem ser feitos
altares no lar com suas fotos e pertences, deixadas oferendas do que eles gostavam em vida,
seus atos podem ser cantados em reuniões e outras mídias atuais, e seu culto não tem menos
importância que o dos deuses ou vaetts.
Carolyne Larrington, tutora em inglês medieval no St. John’s College, Oxford; Heather
O’Donoghue, Vigfusson Rausing, leitor de literatura islandesa antiga no Departamento de
inglês da Universidade de Oxford e John Hines, professor de arqueologia da Universidade de
Cardiff, discutem o papel da teologia e dos deuses na vida cotidiana dos nórdicos da era viking.
Estrutura
Não existem autoridades centrais no Heathenry e nenhuma organização única à qual todos os
heathens pertencem, embora existam organizações nacionais e internacionais criadas para
facilitar a ligação em rede entre Heathens. Não há um sacerdócio amplamente reconhecido,
embora às vezes os indivíduos possam ser reconhecidos como godhis e gydhjas (sacerdotes e
sacerdotisas) dentro de suas próprias comunidades.
Muitos heathens pertencem a pequenos grupos constituídos por amigos e membros da família
Heathen. Esses grupos às vezes são chamados de “lares” (hearths) ou “kindreds” e se reúnem
para rituais religiosos nas casas dos membros ou em espaços ao ar livre. Alguns hearths e
famílias têm líderes reconhecidos. Outros são inteiramente igualitários.
A base da religião pagã é o culto do lar ou hearth. Em torno do fogo os humanos viveram a
maior parte da sua história e ainda hoje ele é de função essencial na vida cotidiana. A lareira
era um espaço sagrado, por propiciar a preparação da alimentação, proteção do frio, e espaço
para reunião social. Em torno da lareira também ocorriam diversos ritos do lar, centrados nos
deuses cultuados internamente pela família. Hoje muitas casas não possuem lareira, mas os
heathens sempre que possível valorizam a manutenção de uma chama acesa ritualmente junto
ao fogão onde ela foi acesa, onde podem deixar as ofertas para o vaett da casa e vaetts bem-
vindos.
As ofertas são uma forma de agradecer cotidianamente ao vaett do lar, deuses familiares,
ancestrais, vaetts da terra que rodeiam a comunidade humana, pelo auxílio que eles dão ou
uma forma de evitar problemas com esses seres. Consiste na forma mais básica de
engajamento espiritual de um heathen ou hearth com esses seres que os heathens acreditam
influenciar a vida humana cotidianamente, pra bem ou pro mal, a depender da forma como são
tratados.
Um blot foi originalmente o sacrifício ritual de um animal para um ou mais deuses, elfos ou
ancestrais. Uma festa seguiu depois em que a carne foi compartilhada entre os participantes.
Blots foram realizados para honrar os deuses ou para ganhar seu favor para fins específicos
como paz, vitória ou bom tempo de navegação.
Symbel é uma cerimônia ritual de beber em que um ou mais chifres de beber ou outro tipo de
copo ou taça são preenchidos com hidromel (ou outra bebida apropriada) e usados para
brindar, fazer discursos ou juramentos. É comum que os Heathens modernos passem o(s)
chifre(s) adiante para todos os que participam depois que o líquido é abençoado. A primeira
rodada de bebida pode ser para os deuses, a segunda rodada para vaetts ou antepassados, e
a terceira rodada pode ser para qualquer outra coisa que os Heathens reunidos desejem
brindar. Pode haver muitas rodadas mais, ou o symbel pode parar depois de um número
designado. Uma libação separada (oferta de bebida) pode ser dada aos deuses, aos vaetts da
terra ou ao vaett do lar, ou alguns dos conteúdos do chifre podem ser derramados como uma
oferta para eles.
Além de grandes ofertas aos deuses ou elfos, os heathens gostam de deixar presentes para
seu povo escondido doméstico: os vaetts que vivem em seu jardim e casa. Para este propósito,
muitos heathens mantêm uma tigela especial para deixar ofertas na casa de bolos e cerveja, ou
podem deixar comida ou bebida em um pequeno altar de jardim ou perto dele.
Festivais
A magia e a vidência do futuro foram praticadas por alguns indivíduos dentro das antigas
culturas heathens, e este também é o caso da comunidade heathen de hoje.
Algumas práticas mágicas do norte da Europa, revividas por Heathens, incluem a gravação de
runas em talismãs e o canto de feitiços chamado galdor. Alguns Heathens também estão
redescobrindo as práticas similares ao xamanismo do norte da Europa conhecidas como seidh.
Em um ritual chamado ‘seidh oracular’, uma vidente ou adivinhadora responde perguntas ou dá
conselhos aos participantes. Muitos Heathens modernos também praticam adivinhação rúnica,
embora ela seja algo inventado na década de 80.
Embora a magia fosse parte da antiga cultura pagã, não fazia parte dos rituais religiosos do blot
e do symbel. Portanto, não é visto como uma parte intrínseca da religião. Embora todos os
heathens compartilhem uma crença na capacidade dos deuses de promulgar mudanças no
mundo, nem todos acreditam na habilidade dos magos de fazê-lo. Em todo o caso, mesmo as
divindades não são onipotentes e oniscientes, estando submetidas aos desígnios da wyrd.
Wyrd
Um dos conceitos centrais no Heathenry é a wyrd, a teia que conecta tudo no universo ao
longo do espaço e do tempo. Os heathens acreditam que todas as suas ações podem ter
consequências de longo alcance através da teia da wyrd. Eles entendem quem eles são, onde
estão e o que estão fazendo hoje é dependente das ações que eles e outros tomaram no
passado, e que todas as escolhas que eles fazem no presente se baseiam nas que eles
fizeram anteriormente.
Com uma compreensão de wyrd vem uma grande responsabilidade. Se sabemos que todas as
ações que tomamos (ou não conseguimos tomar) terão implicações para nossas próprias
escolhas futuras e para as futuras escolhas dos outros, temos a obrigação ética de pensar
cuidadosamente sobre as possíveis consequências de tudo o que fazemos. Assim, uma das
principais éticas do Heathenry é a de assumir a responsabilidade pelas próprias ações,
sumarizada no ditado “nós somos os nossos atos”.
A fridh cria dois grupos distintos: um, o innangardh, “círculo interno”, que compreende as
pessoas com as quais um heathen tem laços de fridh, e o útangardh, o mundo externo que não
está sob o laço de fridh e portanto não compartilha mesmos ritos, valores e costumes que o
innangardh, e portanto não pertence às preocupações imediatas do heathen. Assim, uma
fraternidade universal baseada na religião, como vista no cristianismo, não é uma ideia
heathen.
Como muitos povos que vivem distantes em um clima severo, os heathens pré-cristãos
colocam grande ênfase na hospitalidade, e isso ainda é valorizado pelos modernos Heathens.
Um conceito relacionado é o ciclo de presentes, embora tanto a doação de presentes como a
hospitalidade sejam limitadas pela reciprocidade, um princípio que os heathens consideram
extremamente importante.
Como colocam muito valor na personalidade coletiva em vez da individual, a honra heathen é
baseada na manutenção da fridh, em qualquer caso. Nos tempos antigos, para manter a honra
era necessário que nenhum ato permanecesse impune, pois ferir um membro do grupo era um
injúria para todos, o que podia acarretar longos feudos de sangue, os quais, todavia, podiam
ser resolvidos com um wergild, uma espécie de compensação financeira por algum ato
prejudicial, evitando assim o derramamento de sangue.
Nos dias atuais feudos de sangue não acontecem mais, mas a honra continua tendo o mesmo
sentido, enquanto virtude coletiva e que implica na proteção e ajuda-mútua dentro de um
grupo, para a manutenção da fridh.
O Heathenry está focado na vida correta no aqui e agora e não coloca tanta ênfase na vida
após a morte quanto outras religiões. Enquanto Valhalla – o salão de Odin – é popularmente
visto como o equivalente nórdico ao céu, isso é um equívoco. De acordo com a mitologia
registrada nas Eddas, Valhalla é apenas para guerreiros que morrem em batalha. Além disso, a
metade desses guerreiros assassinados em batalha vão ao salão de Freyja e só então a
metade final para o salão de Odin. Aqueles que se afogam no mar vão para o salão da deusa
Ran. As pessoas que morrem de causas naturais vão para o salão da deusa Hel.
A maioria dos Heathens de hoje vê Hel como um lugar neutro onde eles serão reunidos com
seus ancestrais, muito possivelmente sendo equivalente ao próprio solo onde os mortos são
depositados, sendo esse o destino mais provável da maioria dos mortos.
As fontes não permitem uma reconstrução completa das visões escandinavas e anglo-saxãs
pré-cristãs da alma. A ideia básica é que, diferente do cristianismo, não existia um conceito de
alma unificado, mas composto de vários espíritos e seres quase que independentes entre si.
Um conceito, no entanto, que ainda é mantido em histórias populares, é o da seguidora ou
fylgia, a qual possuía uma forma animal. A fylgia foi pensada como sendo uma parte da pessoa
que pode ser contatada durante a vida, mas que não seria fisicamente vista até pouco antes da
morte. Ver a própria fylgia foi, de fato, um sinal do fim da própria vida.
Além disso havia a aettarfylgia, uma ancestral feminina que se ligava a um humano quando
este nascia e o acompanhava até o fim de sua vida. O poder pessoal podia ser aumentado
quanto mais aettarfylgias cada pessoa tivesse.
Hugr e munr seriam respectivamente memória e pensamento, e o próprio corpo material era
também visto como parte da alma heathen.
Não existem relatos seguros sobre reencarnação, e não há nada que aponte para qualquer
forma de evolução espiritual com vidas sucessivas através das fontes antigas. Alguns heathens
modernos acreditam na continuação de parte (uma vez que a alma não era unificada) de uma
pessoa através da reencarnação, enquanto outros não.
Heathenry é uma religião viva baseada em fontes literárias, acadêmicas e arqueológicas para
as práticas religiosas de uma cultura particular pré-cristã e estendida pelas relações dos
pagãos modernos com seus ancestrais, deuses e espíritos locais além da comunidade humana
ou innangardh ao seu redor. Difere da Wicca e de outros caminhos pagãos não
reconstrucionistas do século XXI de vários modos. Talvez a principal diferença seja que os
pagãos são “politeístas rigorosos”: eles honram um grande número de deuses individuais,
deusas e outros seres espirituais que vêem como existentes independentemente dos humanos,
embora comumente os vejam como manifestação consciente de eventos e elementos naturais,
em harmonia com uma visão animista. E em comum com muitas religiões indígenas em todo o
mundo, eles também honram seus antepassados.
Os heathens diferem dos wiccanos e muitos dos outros pagãos não reconstrucionistas
modernos de muitas outras maneiras. Eles rejeitam o conceito de que todas as deusas são
aspectos da “Deusa” e que todos os deuses são aspectos de seu consorte. Eles também
rejeitam o conceito junguiano de deuses e deusas como arquétipos na mente inconsciente. Os
festividades pagãs não seguem a “Roda dos Oito Festivais” baseada em solstícios e
equinócios. Seus rituais não envolvem “círculos de magia” (casting circles) ou “quartos de
invocação” (calling quarters).
A magia, da forma que é vista na Wicca, não é uma parte essencial ou central do Heathenry, e
a maioria dos heathens não se consideram “bruxos” ou “bruxas”. A magia é uma parte natural
da vida cotidiana e não carrega conotações fantásticas comuns em filmes de fantasia. Não há
“graus de iniciação” dentro da religião heathen e nem “sumo-sacerdotes” ou “sumo-
sacerdotisas”.
Apesar destas diferenças teológicas, muitos heathens estão envolvidos na comunidade pagã
mais ampla por razões sociais e políticas.
Existe uma grande confusão dentro do paganismo germânico brasileiro pois os diversos
movimentos que surgiram lá fora têm apenas reflexos aqui, e mesmo lá fora as informações
não são muito fáceis de se obter. Algum tempo atrás escrevi sobre as diferenças nos diversos
movimentos neopagãos germânicos de uma perspectivas histórica. Aqui no Brasil as
organizações e grupos sempre usaram os termos ásatrú e odinismo como equivalentes. Por
isso várias pessoas pensam que os termos ásatrú, odinismo, heathenismo, etc, são todos
intercambiáveis entre si; o que não é exatamente verdade onde de fato eles acontecem, fora do
Brasil. Aqui temos várias tentativas de se espelhar ou criar novos movimentos, e comumente
as filosofias iniciais dos vários movimentos do neopaganismo germânico são esquecidas e
desconhecidas.
Vou explicar a história do começo aqui: o Neopaganismo germânico é composto por todos
aqueles que se voltam ao culto de divindades, ou seguem a visão de mundo dos povos
germânicos pode ser considerado como englobado nesses espectro e ser chamado de
neopagão germânico.
Ou seja, todos eles fazem parte do “espectro” do neopaganismo germânico. Mas não é porque
um odinista é um neopagão germânico que ele é um theodista. Não é porque um heathen
tribal/heathen reconstrucionista é um neopagão germânico que ele é um irminista, ou um
ásatrúar, ou um praticante urglaawe. Analisemos o surgimento de cada movimento:
A ariosofia surgiu no fim do século XIX na Áustria com Guido von List. Essa ideologia pouco se
distinguia do ocultismo tradicional do ocidente e possuía um forte apelo racial. Uma das
principais características aqui é que von List considerava o monoteísmo de Wotan/Odin como a
religião superior das elites arianas segundo seu dizer, e o politeísmo, pertencia às massas
dominadas por essa elite. O misticismo de von List casava com o ambiente antissemita e anti-
iluminista alemão da época e viria a influenciar o nacional socialismo. Segundo seus criadores,
o movimento estava revivendo a religião dos antigos germânicos.
Principais características:
O odinismo surgiu nos anos 30, a partir de Else Christensen, que foi, todavia, influenciada pela
ariosofia de Guido von List. Ela era dinamarquesa mas o movimento teve início nos EUA. Else
foi casada com um membro ativo de grupos nazistas, ela própria envolvida com isso. Else
manteve a ideia do monoteísmo de Odin, e falava em um comunalismo racial onde grupos
de arianos poderiam viver em igualdade. Ainda hoje o odinismo é o credo mais proclamado por
gangues de neonazistas e terroristas raciais quando se referem ao paganismo
nórdico/germânico. É aqui que surgem as nove nobre virtudes. O misticismo ocidental da
rosacruz e maçonaria ainda tem um grande papel aqui. Segundo seus criadores, o movimento
estava revivendo a religião dos antigos germânicos.
Principais características:
Da ariosofia ainda surge o irminismo, do qual seu criador Willigut vai estar profundamente
envolvido com a SS e toda a cruzada ocultista dos nazistas. Posteriormente, no final do século
XX ainda surgirá David Lane com o wotanismo, onde W.O.T.A.N. é um anagrama para will of
the Aryan nation. Todos eles tem pressupostos teológicos diferentes.
Principais características:
Semelhantes no geral aos anteriores, mas com diferenças teológicas: Willigut tentou através de
constatações pseudo-científicas provar a existência de um “Balder crucificado” e paranoias
pseudorreligiosas similares
Pouco rigor histórico
Prática focada na raça.
Todos esses movimentos citados até agora colocam grande valor no que eles entendem ou
projetam no passado como característica guerreira dos povos germânicos, e o racismo tem
uma parte importante aí: todos eles rejeitam que pessoas não caucasianas, brancas, de olhos
claros, possam ser pagãos; para eles o paganismo germânico é uma religião racial. Todos eles
são profundamente influenciados pelo romantismo alemão.
Principais características:
Na década de 70, também, havia uma vertente wiccana que aplicava a teologia da sua religião
utilizando-se de divindades anglo-saxãs: a Seax-Wica. Desta vertente fazia parte Garman Lord.
Garman Lord rompe com a Seax-Wica e funda seu movimento, que mais tarde viria a se
chamar theodismo. Apesar de nascer dentro do clímax new age e de um movimento
influenciado pelo new age, Garman Lord busca uma alternativa mais próxima do que ele
considerava a cultura anglo-saxã, que ele acreditava que a Seax-Wica passava longe. Não
está bem claro se ele ou se anos depois Eric Wódening trazem o reconstrucionismo para o
theodismo, os documentos sobre esse movimento são escassos e eu não tenho muitas
amizades com o pessoal dessa parte do neopaganismo germânico. Pela primeira vez o estudo
acadêmico no assunto passou a ser mais importante que livros de ocultismo e misticismo. Pela
primeira vez um movimento não surge sozinho, como foi com ariosofia, odinismo, etc., não
sendo apenas influenciado por outro movimento, mas sendo uma ruptura com um movimento
anterior. Foi aí que houve uma abertura mínima que abriu campo para novos movimentos. Aqui
também há uma negação da ideia do monoteísmo de Odin, como o culto mais alto e mais
importante e as nove virtudes. Segundo seus criadores, o movimento estava revivendo a
religião dos antigos germânicos.
Principais características:
Urglaawe é um movimento específico que visa restaurar a cultura pagã da comunidade Deitsch
nos EUA. Eles são descendentes de alemães e holandeses, com uma cultura bastante
singular.
Principais características:
Heathenismo tribal, tribalismo heathen, antigos costumes são vários nomes que são usados
pra definir um espectro de submovimentos como forn siðr, fyrnsidu, thia frankisk aldsido, firne
sitte, etc. Todos esses nomes simplesmente significam “antigo costume” no dialeto do povo
germânico específico que cada grupo segue: nórdico, anglo-saxão, franco, alemânico, etc.
Seus praticantes vão todos aceitar serem englobados como praticantes de “Heathenry”
(palavra mais comum), “Heathendom” ou “Heathenship”, que, grosseiramente, são palavras
inglesas para “Paganismo Germânico”, entendendo os germânicos como define o
artigo Germanos e não como alemães (na verdade, alemães e austríacos são só parte dos
germânicos, que englobam todas as populações descendentes dos falantes de proto-
germânico, incluindo aí nórdicos e ingleses, entre outros). Eles são em parcialmente frutos de
uma ruptura com o theodismo, por sua estrutura altamente hierarquizada, por cismas
teológicos, entre outras coisas. Os theodistas gostam muito de listinhas como “3 wynns”, “lista
de thews” etc. Guias morais. Os heathens que se identificam com o “antigo costume” não
gostam muito disso. A única coisa que se possui em comum é a ideia de retribalização, mas
isso é interpretado totalmente diferente entre theodismo e os heathenismos tribais/antigo
costume. As nove virtudes e tudo que não passe por uma análise crítica e acadêmica é
descartado. Misticismo, ocultismo e new age são evitados por não possuírem fundações no
paganismo pré-cristão e grande influência da civilização cristã. A ideia é, a partir de estudos, ter
uma prática em construção, fazendo ela se tornar mais próxima daquilo que entendemos dos
antigos. A base central desse movimento, em oposição aos anteriores, e mais radicalmente
que no theodismo, é o Reconstrucionismo politeísta. Não há um compromisso de reconstrução
nos movimentos anteriores ao theodismo. Aqui também há uma ruptura com a ideia do
monoteísmo de Odin, como o culto mais alto e mais importante e as nove virtudes e tudo que
não possua embasamento histórico e a negação veemente do racismo e preconceitos. E,
também segundo seus criadores, o movimento estava revivendo a religião dos antigos
germânicos.
Principais características:
Ou seja, assim:
Ou seja, aqui nós temos um problema: comumente as pessoas usam os termos Ásatrú,
odinismo, etc., pra se referir a todo o paganismo germânico. Todos eles consideram que a sua
religião é exatamente a continuação da antiga (com exceção dos heathens tribais, que
entendem que o cristianismo rompeu a tradição pagã, e usam isso como meio de tomar mais
cuidado para interpretar e ressucitar coisas do passado), mas existem diversos
posicionamentos políticos e em relação às fontes de informação que diferenciam as práticas de
todas essas pessoas e as fazem assumir denominações diferentes. A única coisa que elas têm
de fato em comum é o agrupamento sob o título ultra genérico neopaganismo germânico,
ou Heathenry, em inglês — mas lembre que Heathenry muitas vezes é usada como sinônimo
de Heathenry tribal.
Mas, o que esses povos têm em comum? Eles todos vêm, em última análise, da região que
compreende atualmente o sul da Suécia e Noruega, a Dinamarca e norte da Alemanha.
Linguisticamente falando, seus idiomas são bastante relacionados, e, nos tempos antigos, a
religião e o dialeto falado estavam intrinsecamente ligados. Como exemplo superficial, o Sol
para os germânicos era uma deusa feminina e a Lua um deus masculino; isso refletiu-se
linguisticamente, povos germânicos modernos, em muitos casos ainda dizem “a Sol” (feminino),
e “o Lua” (masculino), identificando de forma oposta aos romanos os principais corpos celestes
que povoaram o imaginário religioso antigo. Assim idioma, cultura e religião eram um elo que
unia esses povos.
Esses dialetos não eram idênticos, mas acontecia um processo similar ao que ocorre hoje entre
nordeste e sul do Brasil. Falamos um mesmo idioma, que, todavia, não é igual. Mas
compreendemos, apesar de sentir a diferença de sotaques. Junto com o sotaque, vêm à mente
diversas associações culturais (você ouve sotaque gaúcho e já pensa num chapéu de aba
grande, lenço no pescoço e bombacha), e isso era ainda mais acentuado no mundo germânico.
Ou seja o que estamos querendo destacar aqui é que não havia uma única religião germânica.
Existiam tantas religiões germânicas quanto povos germânicos. O paganismo
germânico nunca foi unificado no passado. Por exemplo, os anglo-saxões e francos tenderam a
absorver vários elementos célticos, embora os francos também tenham assimilado muito dos
romanos. Os visigodos estavam bem próximos de povos bálticos e eslavos, e é impossível que
não tenham sofrido influência do oriente. Repetindo: não existia um paganismo germânico,
mas vários paganismos germânicos.
E os nórdicos?
Os nórdicos eram apenas parte dos povos germânicos. Todavia a produção literária islandesa
tardia foi considerável, além de Eddas temos as dezenas de Sagas, o que os torna bastante
populares, já que a cultura escrita é extremamente mais valorizada na atualidade que a cultura
material, descoberta através de estudos arqueológicos. Os nórdicos possuem diversas
semelhanças em idiomas com outros povos germânicos, e na religião não era diferente. Por
exemplo, Óðinn entre os nórdicos, Wōden em inglês antigo, Wōdan em saxão antigo, Wōtan
em alto alemão antigo referem-se a um deus caolho, da guerra, da magia e da poesia,
associado à casas reais.
Todavia, existem diversas fontes além de Eddas e Sagas que podem auxiliar a trazer o
paganismo de volta à vida hoje, retratando aspectos das religiões germânicas anteriores à
conversão ao cristianismo, as quais fornecem muitas informações inclusive úteis aos nórdicos.
Romantismo europeu
Não dá pra falar de paganismo germânico na atualidade sem analisar o movimento romântico
na Europa. O romantismo surgiu num período de intensa expansão do processo de
industrialização e urbanismo, alterando a forma de viver e pensar das pessoas. Isso aconteceu
após o Iluminismo, quando a crença na razão e na análise de experimentos foi incentivada
pelas elites europeias, e modificou amplamente o imaginário popular, o que, junto da
industrialização, causou o progressivo apagamento de boa parte das crenças populares e
folclore.
O romantismo surge assim como uma tentativa de exaltar aspectos políticos da época, como o
nacionalismo, a língua nacional, a cultura popular que vinha se apagando, destacando-se uma
nostalgia, um desejo de retorno a um modo de vida diferente daquele oferecido no início da
modernidade.
Foi esse o contexto que proporcionou que algumas pessoas não quisessem apenas estudar,
conhecer o passado, suas crenças e ideias; muitas pessoas foram adiante e
decidiram incorporar essas ideias em suas vidas. Isso aconteceu progressivamente, e não sem
influência do movimento romântico e do darwinismo social; na verdade eles foram
os impulsionadores desse fenômeno.
O nome “Asetro” surge pela primeira vez numa ópera do período romântico germânico (final do
século XIX) na Dinamarca, e significa literalmente “Fé dos deuses”, “Lealdade aos deuses”.
Sua cunhagem foi puramente artística, mas reflete muito mais as ideias de religião vigentes, do
que aquelas dos antigos pagãos. A palavra Ásatrú surge como tradução a esse termo algum
tempo depois na Islândia, usado para se referir a tradições populares locais.
Mais ou menos na mesma época, na Áustria, Guido von List, um ocultista antissemita,
nacionalista, uma espécie de nazista antes mesmo da existência oficial do nazismo, começa a
desenvolver a sua doutrina, a ariosofia, o “conhecimento dos arianos”. Suas teorias estavam
profundamente impregnadas com os desejos políticos da época, e culminaram na ideia de
que o politeísmo, para a ariosofia, era uma religiosidade das massas incultas dos
arianos, e que sua elite era monoteísta, cultuadora de Wōtan. Posteriormente essa teoria
seria chamada de wotanismo.
Algum tempo mais tarde, já com o movimento nazista em expansão pela Europa, surge Else
Christensen, na Dinamarca, a qual é profundamente influenciada pelas ideias de List.
Christensen possui um largo histórico de envolvimento com supremacia e separatismo racial, e,
ao migrar para os Estados Unidos, funda a Fraternidade Odinista, com base nas ideias de que
o monoteísmo de Odin/Wōtan era a religião da elite ariana, supostamente agrupada em sua
fraternidade, que praticaria uma variante do wotanismo, o odinismo.
Em 2010, a Associação Asatro da Suécia muda seu nome para Forn Sed da Suécia, forn
sed significando “antigos costumes”. A Forn Sed é amplamente conhecida por uma postura
mais cultural, menos dogmática e bastante embasada em estudos sérios, sendo uma das
organizações mais respeitadas da atualidade, a nível mundial; além de deixar claro seu
posicionamento antirracista.
Como podemos ver, os diversos movimentos não tem vários nomes por acaso. Não são vários
nomes para um mesmo caminho. São diversos caminhos totalmente diferentes, tendo em
comum as antigas religiões germânicas. A nível mundial, o odinismo é conhecido por sua
associação com grupos terroristas de extrema-direita, graças ao seu posicionamento em favor
de uma raça superior, e de uma casta superior nessa raça. Ritualmente falando, obras
odinistas/wotanistas são impregnadas de ocultismo nazista, possuem bem pouco conteúdo de
fato com alguma origem nos tempos antigos, embora aparentemente cultue os antigos deuses.
Ásatrú e Forn Sed lutam para não serem associadas a esse tipo de postura — que é herança
do período romântico –, e já tem mais alguma necessidade de se voltar ao passado de maneira
mais profunda. O theodismo é um movimento bastante amplo; a religião, ao mesmo tempo que
é apenas parte, na verdade é o todo dele, já que toda a vida passa a tentar ser interpretada e
ressignificada pela lente pagã germânica.
O movimento New Age ou Nova Era é datado de cerca dos anos de 1960-70, época em que
também era posta a público a religião Wicca por Gerald Gardner.
Os ensinamentos da Nova Era tornaram-se populares durante a década de 1970 como uma
reação contra o que alguns percebem como o fracasso do cristianismo e o fracasso do
humanismo secular para fornecer orientações espirituais e éticas para o futuro. Suas raízes são
rastreáveis para muitas fontes: Astrologia, Hinduísmo, tradições gnósticas, Espiritismo,
Taoísmo, Teosofia, Wicca e outras tradições neopagãs, etc. O movimento começou na
Inglaterra na década de 1960, onde muitos desses elementos estavam bem estabelecidos.
Grupos pequenos, como a comunidade Findhorn em Inverness e Wrekin Trust formaram. O
movimento rapidamente se tornou internacional. Algumas das principais ideias do movimento
New Age que tem pouco ou nada a ver com o paganismo germânico antigo são: monismo
(ideia de que tudo que existe deriva e uma única fonte de energia), panenteísmo (deus é tudo o
que existe), reencarnação, karma através das vidas, aura, evolução espiritual, e a ideia de que
deus é um estado de consciência a ser alcançado.
A Wicca, por sua parte, é um movimento bastante heterogêneo. Existem diversas tradições,
mas algumas crenças comuns são que o deus cornífero e a deusa-mãe seriam duas faces de
uma entidade superior maior, ou então que essa divindade seria a Deusa. Uma grande ênfase
na magia é colocada, com muitos wiccanos se assumindo como bruxas ou bruxos. Não é
uma regra da comunidade wiccana, mas é comum encontrar-se a noção de patronagem divina,
bem como o desapego por uma cultura específica, voltando-se a vários corpos mitológicos,
fundindo-os em uma espiritualidade pessoal.
Cada pessoa sabe o que é melhor para si, todavia, nem todas as pessoas podem querer
assumir as ideias New Age/wiccanas em suas práticas pessoais, buscando na verdade um
caminho distinto. No ‘mercado de ideias’ onde as pessoas procuram aquilo que mais se
encaixa ao que procuram, muitas vezes as ideias de origem no movimento New Age ou Wicca
são as mais agradáveis para a maioria, e não há mal nenhum nisso. Todavia, existem
caminhos focados na experiência de um único grupo, como reconstrucionismo céltico,
germânico, báltico, eslavo, etc. A ideia desses movimentos é restaurar ou recuperar o que for
possível de uma determinada cultura e vivenciá-la nos dias atuais.
Outros costumes, mais provenientes dos pagãos mesmo, são por exemplo as videntes, bater
na madeira três vezes para se evitar que algo falado aconteça, usar amuletos como pé de
coelho ou ferradura para ter sorte. São práticas condenadas a nível eclesiástico, mas muito
comuns popularmente, simplesmente porque são um hábito. As pessoas não veem mal nisso,
elas simplesmente foram ensinadas a assim fazer, e veem os resultados daquilo que é feito, e
assim fazem.
Mas, voltando aos heathens, como vimos essa palavra tem bastante relação com a palavra
“pagão” (do latim paganus), que designava alguém que nos tempos antigos designava alguém
que mora em uma zona afastada da cidade, uma zona rural (pagus). Um pagus e
um heath transmitem a mesma ideia de afastamento da cidade, que é onde o cristianismo
inicialmente chegou. Livremente, poderíamos traduzir pagus ou heath como “interior” (como
quando pessoas das capitais se referem a quem mora nas partes mais afastadas), “sítio”.
O heathen foi assim associado ao politeísmo porque o avanço do cristianismo foi sempre da
cidade ao campo; podemos fazer um paralelo entre a cristianização e a industrialização.
Quanto mais afastado da cidade, menos chances de se encontrar asfalto, fábricas, empresas,
vários tipos de aparelhos eletrônicos e produtos; quanto mais perto, mais isso é encontrado.
Quanto mais afastado da cidade, mais demorou pra uma determinada região ter sua população
convertida ao cristianismo, e menos influência ele exercia sobre esse povo.
Um pagão ou heathen era literalmente um “caipira”. A palavra podia ser usada como elogio ou
como afronta; depende de quem fala e de quem a ouve. Particularmente, eu não me importo
em ser chamado de caipira. Não considero a cidade essencialmente mais evoluída
mentalmente que o campo. E existem diversas pessoas que assumem o modo de viver na terra
com orgulho; precisamos romper com a ideia de que cidade é equivalente a superioridade e
progresso; principalmente quando falamos de crenças pagãs.
Obviamente um heathen pode ser usado pejorativamente por cristãos para designar qualquer
pessoa não-cristã. Mas associar ateísmo ou qualquer filosofia popular ao politeísmo rural
europeu é, historicamente, algo cristão. Bem como dar a heathen e pagão um caráter negativo.
No Brasil
Aqui nas terras tupiniquins as nomenclaturas são um tanto… fluidas. Indivíduos vão se
identificar indiscriminadamente como odinistas, ou asatruares ou heathens e dizer que é tudo a
mesma coisa, o que, analisando as histórias de todos os movimentos, vimos que não é bem o
caso. Eles possuem ideias diferentes, objetivos diferentes, práticas diferentes, da mesma forma
que um evangélico não é um católico nem um ortodoxo, embora todos acreditem em Jesus.
Infelizmente esse tipo de diferenciação é necessária pois o movimento de reavivamento do
paganismo não é unificado, a Associação Ásatrú islandesa não tenta unificá-lo e qualquer
unificação não pode acontecer sem se destruir a liberdade individual ou ideias divergentes.
No Brasil, temos organizações odinistas que não estão diretamente envolvidas com racismo,
embora a centralidade da figura de Odin seja criticável em uma religião politeísta. Ao mesmo
tempo, a Ásatrú está cada vez mais e mais sofrendo influências da espiritualidade e
neoxamanismo New Age, bem como a associação quase indissociável entre o metal, seus fãs,
seriados como Vikings e outros filmes e produtos da cultura pop como o Thor da Marvel, que
influenciam pesadamente as crenças de quem consome tais produtos, não sabendo os
distinguir do paganismo histórico. Cada um é livre para praticar o que quiser, mas supor que
isso é mais legítimo que aquilo que fontes históricas (textos, arqueologia, folclore, etc.), é
simplesmente non-sense. As liberdades poéticas em tais obras ultrapassam pesadamente o
seu conteúdo histórico. O movimento romântico europeu exerce, apesar de maneira tardia,
influência direta nas ideias e práticas pagãs no Brasil.
Conclusão
Infelizmente não era possível resumir mais que isso tudo que está por trás da escolha de um
nome em detrimento de outro. Há muito tempo vinhamos sendo frequentemente questionados
por indivíduos que se auto-intitulam ‘asatruar’, e nós não acreditamos, há um bom tempo, que o
paganismo germânico seja uma pura e simples fé nos Aesir, que na verdade, ele engloba muito
mais, como o culto ancestral, culto aos vaettir, ética, crença no destino, o que é amplamente
não-praticado na comunidade Ásatrú, e são ideias divulgadas, em sua maioria, por pessoas
que se identificam como heathens. O foco dos heathens é em entender as tradições
germânicas por si mesmas, com plena ciência de que não são 100% recuperáveis, mas que
isso não impede de nos aproximarmos disso sempre que possível.
Por isso, assumimos de agora em diante apenas o nome Heathenry e o adjetivo heathen para
nossas práticas, embora costumes antigos (forn sed, forn sidr, aldsido, fyrnsidu, alteissidus,
alte sittu) é um termo que também se encaixe no fato de encarar o paganismo como uma visão
de mundo, e não como mera espiritualidade ou religião. Na verdade, espiritualidade e religião
fazem parte da visão de mundo, e aqueles que querem separar ambas as coisas, não
compreenderam de fato aquilo que foi o paganismo antigo. Você pode escolher
conscientemente separar as coisas; mas negar sua associação é um tanto danoso, e, para
evitar atritos com aqueles que querem praticar o paganismo de outras formas, esclarecemos
que, ao exemplo de vários grupos no resto do mundo, somos heathens tribais e não asatruares
e nada mais temos a ver com as práticas uns dos outros. Respeite e será respeitado.
Iniciando
Pagão é um termo latino que vem de paganus, homem do campo, rústico, que vem de pagus,
“região delimitada por marcadores”.
Mais relevante ainda, paganus no jargão militar romano era equivalente de civil — combatente
sem talento, ou não-combatente, relacionado a pangere, “atar, fixar ou anexar”. É bastante
provável que o termo tenha adquirido seu caráter (completamente secular) pejorativo por conta
disso, e sua relevância religiosa através desse significado — posto que os cristãos, no início do
desenvolvimento do Cristianismo, se intitulavam “soldados de Cristo” e adotaram muito dos
vocabulário e paramentação militares romano.
O termo só adquiriu sua conotação religiosa no século IV. No século V o termo já era usado
como metáfora para aqueles fora da força civilizatória da comunidade cristã, mas seu uso se
popularizou na Renascença, com o reavivamento do interesse pela cultura clássica romana e
grega, pré-cristã.
Em nosso idioma, assim como outros, o termo foi adotado para se referir àqueles que não são
judeus ou cristãos, a pessoas não batizadas, e a pessoas que seguem o politeísmo (apesar de
existirem religiões tecnicamente pagãs que são monoteístas).
Heathen, por sua vez, acredita-se vir de heath, que se refere a um tipo de arbusto, comum na
Europa, de campos improdutivos. O heathen vive no heath — nesses campos não-civilizados,
fora da força civilizatória do Cristianismo. Este termo, não existente na língua portuguesa, é um
estrangeirismo.
O termo vem do inglês antigo hæðen, via o nórdico antigo heiðinn, significando “não judeu ou
cristão”, através do gótico haiþno (“mulher gentia”), uma tradução para hellenos — outro termo
usado para identificar não-cristãos, referindo-se a eles como gregos.
Então heathen e pagan tem o mesmo significado geral pejorativo, de inculto, não civilizado e
não-cristão (ou judeu).
Mas hoje em dia, naturalmente, esses termos vêm mudando. Com o crescimento e
popularização da reconstrução de religiões pré-cristãs de várias origens (grega, romana, celta e
germânica estando entre as mais populares, assim como as religiões de matriz africana em
geral e o kemetismo), elas vem perdendo a conotação pejorativa e tornando-se descritivo.
Heathen, por outro lado, foi o termo adotado especificamente por aqueles que praticam o
paganismo de origem germânica (honrando a própria origem germânica da palavra, e
favorecendo-a sobre o termo latino “pagão”), e é usado para diferenciar este do neopaganismo
e outras religiões pagãs em geral.
Assim, atualmente, usa-se heathen apenas no contexto germânico — e é por isso que o nome
deste blog é Heathen Brasil! Sobre o que isso significa, bem, é papo para outro post.
Então você quer ser um heathen?
Recentemente, em um grupo do Facebook do qual faço parte, um amigo me fez uma pergunta:
“Digamos que alguém se interesse em se tornar Pagão Nórdico; que conselhos e sugestões
você daria?” Este é um tema que considero muito importante, e como respondemos a essa
questão diz muito do que o Paganismo representa para nós. Sendo Pagão Sueco, há coisas
para as quais minha resposta não funcionará em outros países – diferenças societárias e
culturais podem interferir, ou a forma como o Paganismo funciona nesses lugares pode ser
muito diferente. Ainda assim, vou arriscar.
(Claro, essa não é a única forma de se tornar um heathen, se é que preciso dizer isso…)
Sempre defendo que devemos iniciar praticando, em vez de nos atolarmos de pormenores
religiosos. A Europa e as áreas sob o controle europeu foram fortemente influenciados pelo
Cristianismo nas questões religiosas; talvez possamos até afirmar que nosso entendimento
coletivo do que seja religião tenha sido amplamente moldado pelo Cristianismo, e em particular,
seu foco na fé. Principalmente no nordeste da Europa, onde o Protestantismo domina há
séculos, enfatizando o “somente pela fé”, existe uma tradição em desconsiderar coisas como
os sacramentos e as práticas mais “mágicas” em favor do simples diálogo. E conversar sobre o
que as pessoas deveriam acreditar. Em quê é certo ter fé? Isso leva muitas pessoas
interessadas no Paganismo a fazerem perguntas sobre determinadas coisas em que
acreditamos, esperando que eu os convença, por ser representante de uma organização Pagã,
de que tenho todas as respostas. Ou que eu recomende um livro que as tenha.
Quem quiser entender o Paganismo, precisa começar com ações, fazendo coisas tipicamente
pagãs. A meu ver, ninguém pode superestimar a importância da prática. Eu defenderia que a
prática é a parte mais importante de se tornar um Pagão. Nossa religião requer o fazer. Isso
não significa, como alguns críticos do Paganismo alegariam, que não acreditamos, mas que a
fé é uma questão bastante pessoal. A religião pagã tem um vão de milhares de anos, e as
crenças variaram muito com o tempo e entre lugares. (Assim como, não vamos esquecer, da
prática, que quase exclui a abordagem do Jeito Único de Fazer as Coisas na religião, da
mesma forma). Mas, o Paganismo nunca foi uma religião de poltrona. Apropriar-se de uma
abordagem puramente teórica e filosófica para o Paganismo não é ruim, mas se isso é o que
busca, essa publicação não será de muito interesse para você, receio dizer.
Mas, como começar a fazer coisas Pagãs, então? Mesmo sendo totalmente verdadeiro dizer
que “você pode fazer do jeito que quiser”, também é verdade que essa não é uma ajuda muito
útil. Dizer isso significa validar e empoderar aquele que pergunta a se permitir assumir
responsabilidades por suas próprias conexões com os deuses, mas por muitas vezes é apenas
confuso e paralisante. Quem nunca viu um blót ou qualquer coisa parecida pode se perder
completamente quanto ao que podem fazer. Por isso, normalmente aconselho que tentem
encontrar um grupo existente – blotlag – em sua área e peça permissão para participar de
um blót com eles. Aprender na prática a tradição viva de um grupo que, de fato, atua, foi o
único jeito por milhares de anos. Um grupo com alguns poucos anos de existência, no mínimo,
terá encontrado formas que funcionam para eles e terá desenvolvido relações com os espíritos
locais e certos deuses, o que facilitará as coisas para um iniciante nos caminhos Pagãos.
Mesmo não querendo continuar em um grupo, a experiência e o conhecimento prático obtidos
são inestimáveis quando praticamos sozinhos.
Claro que nem todos os grupos são abertos para estranhos, e mesmo que sejam, pode não ser
o grupo certo para você. Há muitas coisas que podem dar errado em um grupo, e se seu
instinto sinalizar que há algo errado, você provavelmente deveria seguir essa sensação. Mas,
as complexidades de se juntar a um grupo são uma discussão muito mais longa, para a qual
não temos espaço nessa postagem.
Talvez não haja um grupo nas redondezas de onde mora, ou os grupos à sua volta não
estejam admitindo novos membros, ou simplesmente não gosta das pessoas envolvidas. Em
vários países, existem organizações que realizam grandes blóts, abertos para qualquer um
participar, sejam membros ou não. Estes blóts tendem a ser menos frequentes do que aqueles
realizados por organizações locais, e devido ao número de participates, podem ser bem
diferentes de blóts feitos sozinho em sua casa. Contudo, numeros maiores também significam
não ter que se adequar a um círculo existente de amigos, e caso não goste das pessoas ou do
ambiente, você pode simplesmente sair de fininho sem ter que se preocupar em estar ofedendo
alguém. Ao mesmo tempo, você pode ter uma demonstração de como um blót é feito, e
organizações estabelecidas tendem a ter pessoas mais esclarecidas, abertas a responder suas
perguntas, ou mesmo um corpo clerical treinado, cujo trabalho é fazer exatamente isso. Mesmo
que você tenha que viajar para longe a fim de conseguir algo assim, cruzar o país na estrada
não deveria detê-lo. Participar e passar pela experiência de um blót, nos níveis tanto espritual
quanto prático, lhe dirão muito mais do que qualquer leitura poderá dizer.
Pode haver milhões de razões para você não fazer nenhuma das coisas sugeridas acima. Isso
significa que não poderá realizer blóts para os deuses nórdicos? Claro que não. Acredito, de
verdade, que perderia a oportunidade de ver o que boa parte do Paganismo moderno
representa, a experiência compartilhada e o conhecimento acumulado de tradições vivas, mas
existem muitos Pagãos que vivem à margem, fazendo suas coisas do seu jeito e sendo felizes
com isso. Se acabar fazendo isso, seja por escolha ou por necessidade, meu conselho é que
teste formas diferentes de abordar os deuses, formas diferentes de realizer um blót. Descubra
o que funciona para você.
Comece com coisas simples, muito simples, e construa a partir disso. Encontre um local onde
não será perturbado, um lugar que te faça se sentir bem, e traga uma pequena oferenda.
Encontre uma árvore, uma pedra que te passe uma sensação boa, e pense nela como um local
de encontros. Um local onde possa se encontrar e ser encontrado. Converse com o lugar, com
os deuses, e faça isso em voz alta, se puder. Fale de coração aberto ou escreva algo antes,
mas que seja de cunho pessoal. È a sua apresentação para os deuses, afinal de contas. Você
pode se sentir bobo, para começo de conversa, mas isso vai passar depois de um tempo. Diga
os nomes dos deuses que quer conhecer, cumrpimente-os, diga-lhes quem você é, e que lhes
traz uma oferenda. Pendure-a em um galho, jogue-a num lago, ou deixe-a sobre a pedra.
Enterre-a, ou queime-a em uma fogueira. Tenho certeza de que você descobrirá o que fazer,
mas lembre-se de não oferecer algo que possa ser prejudicial à natureza, você está lá para
adorar a deuses que são inerentes à natureza.
Você pode não sentir nada na primeira vez (ou vezes), ou pode se surpreender com a
intensidade da experiência. De qualquer forma, haverá momentos em que nada parecerá
acontecer, mas persistência na prática é o que nos leva onde se quer, no fim das contas. Tente
fazer as coisas de maneira diferente e veja o que funciona melhor para você. Daí então, será o
momento de pesquisar. Não conheço nenhum bom livro de iniciação para Pagãos – mas há
muitas sugestões pela internet. Teste-os. Continue fazendo o que funcionar, e descarte o resto.
Você é o dono do seu nariz, e você está fazendo as coisas da maneira certa.
Observações iniciais: Todos os direitos de reprodução reservados ao autor. We are still waiting
for a complimentary note asked for the author to make this text public.
Diz-se também do reconstrucionismo (no que diz respeito à heathenry) que ele é o processo de
reconstrução de uma antiga religião heathen. Na superfície, isso parece ser verdade, e é até
certo ponto, mas essa definição inerentemente omite qualquer realidade por trás desse
processo. Ela falha em abordar exatamente o que realmente está sendo reconstruído, e
negligencia o processo de como um indivíduo aborda essa reconstrução. Se é uma religião,
então, em que termos está sendo reconstruída? A religião está sendo cifrada a partir de uma
vaga compreensão de uma cultura inteiramente estrangeira como uma joia quebrada de areia e
conectada à forma e à compreensão de um norte-americano moderno com um histórico
[background] judaico-cristão? Se este for o caso, então não se pode afirmar que o resultado
final desse processo seja uma religião reconstruída quando é realmente uma construção
moderna com a aparência superficial de sua forma original. O quadro espiritual original foi
perdido. É com esse entendimento que qualquer pesquisador da religião heathen deve operar.
A realidade é que o quadro espiritual que rotulamos como “heathenry” é inexplicavelmente
ligado à cultura e localidade a partir da qual desenvolveu-se e não pode ser separado. A
própria ideia de que a religião e a cultura podem ser separadas é de fato, intrinsecamente “não-
heathen”.
Uma vez que não nascemos em uma cultura heathen, o maior desafio para entender sua visão
de mundo é o perigo de internalizar e processar o que aprendemos sobre os antigos heathens
através de nossos próprios filtros “não-heathens”, que são inerentemente estranhos aos
costumes e crenças que nós estamos investigando. A mente humana é propensa a
reinterpretar informações que recebe naquilo que entende e quando se depara com o que não
entende, particularmente quando exposto a uma cultura separada, o resultado é muitas vezes
referido como “choque cultural”. É muito fácil para um norte-americano olhar para o sistema de
castas hindu e dizer “isso é injusto”. Da mesma forma, o pensamento de casamentos
organizados na sociedade hindu é inquietante e impensável para nossos ideais norte-
americanos. No entanto, os casamentos tradicionais ainda são o tipo de casamento esmagador
na Índia e para as famílias hindus que seguem esta prática esta é a maneira “correta” de fazer
as coisas. Porque é muito difícil para um norte-americano aceitar a ideia de um sistema de
castas, a verdadeira conversão para o hinduísmo talvez seja impossível. No entanto, o
pesquisador deve pôr de lado suas noções preconcebidas o melhor que puder, para colocar a
visão de mundo do grupo cultural que está investigando em um contexto justo. [7]
Embora seja fácil apontar para diferenças na visão de mundo entre um anglo-americano e um
hindu indiano, e enquanto os americanos que procuram entender completamente a visão de
mundo hindu podem optar por se mudar para a Índia, os heathens norte-americanos não têm
essa opção e devem se proteger conscientemente de uma má interpretação. Para os heathens
que utilizam a abordagem reconstrucionista, é crucial aceitar que temos uma visão de mundo
muito diferente daquilo que estamos tentando estudar e reconstruir. Se não conhecemos os
conceitos de visão de mundo e contexto cultural, reinterpretaremos instintivamente e
subconscientemente o que aprendemos do pensamento germânico pré-cristão através da
nossa lente moderna; nosso “mapa de interpretação” e o inevitável resultado será a
apropriação cultural. [8] Não vamos mais reconstruir uma versão da religião ou visão de mundo
heathens, mas algo completamente diferente e provavelmente construído com esquemas
culturais que são herdados do cristianismo. [9] A pletora de nova era e os movimentos neo-
pagãos dentro dos Estados Unidos são um excelente exemplo desse resultado final, com sua
ênfase nas relações pessoais com deidades, recompensas pós-vida e foco em um
“crescimento espiritual”.
Até então, usei o termo “moderna” para descrever a visão de mundo norte-americana de hoje,
mas isso é de muitas maneiras enganador. Dá a noção de que nossa visão de mundo é mais
desenvolvida e superior à dos antigos heathens. Na verdade, os opositores do
reconstrucionismo tentaram usar este argumento há anos para justificar a interpretação de
informações a partir de uma “perspectiva moderna que moderniza a heathenry”, mas é um
argumento sinceramente falho. A realidade é que nos Estados Unidos hoje, uma grande
proporção de nossa cultura está permeada e moldada pelo cristianismo e pela urbanização.
Este é o fundamento de grande parte de nossa visão de mundo e não se baseia em uma
evolução natural do pensamento germânico ao longo do tempo. Enquanto partes da cultura
heathen sobreviveram, nos mitos, por exemplo, devido ao nosso ambiente “moderno”, nós,
naturalmente, interpretamos e pensamos nos esquemas cristãos. Tais esquemas devem ser
reformulados para se aproximar da heathenry, e a única maneira de fazer isso é reconstruir,
conhecer e compreender o esquema heathen [de pensamento].
A realidade é que a sociedade norte-americana hoje é um produto que foi moldado por camada
após uma camada de mudanças sociais e econômicas, desde a Revolução Industrial até a
Reforma Protestante até o início do Renascimento antes disso e assim por diante. Cada
movimento entre hoje e o tempo dos heathens pré-cristãos enfatizou seus próprios conceitos
de valores e parâmetros ideais de interação humana que estão cada vez mais afastados
daqueles que eram originalmente uma parte das culturas heathens. Os conceitos heathens
de innangarðr e utangarðr, friðr e sorte foram substituídos ou foram dadas formas totalmente
novas repetidas vezes até que perdessem seu contexto nativo. Dois mil anos de esquemas [de
pensamento] cristãos estabelecidos têm uma cultura ocidental tão completamente saturada
que, simplesmente por existir nessa sociedade, a uma pessoa será transmitida uma visão de
mundo decididamente “não-heathen”.
Mesmo o conceito de “religião” é muito diferente entre nossa visão de mundo atual e a visão de
mundo dos povos germânicos pré-cristãos. Não há nenhuma indicação ou evidência de que
essas pessoas sequer tiveram um senso de “religião”. Os termos iniciais mais
próximos [10] traduzem para “costume”, “a maneira que comumente fazemos as coisas”, ou
“tradição”, e de modo algum estão separados do mundo mundano. Não nos deixaram palavras
que impliquem “devocional” ou “espiritual”. Participar conscientemente em uma atividade
estritamente como um exercício espiritual é necessário apenas em religiões que negam o
mundo [world rejecting religions]. [11] O cristianismo, a wicca, o budismo e o islã são todas
religiões modulares, que negam o mundo e podem ser separadas da tradição cultural. Elas são
“transculturais”. O cristianismo e a Wicca são semelhantes na medida em que ambos podem
ser adicionados a uma cultura para produzir uma nova variação centrada em torno do mesmo
tema. Do mesmo modo, grande parte dessas religiões tem sentido de “espiritualidade”
separável da cultura. A sensação de “espiritualidade” encontrada hoje envolve muitas vezes
alguma forma de meditação, reflexão silenciosa, oração ou uma atitude de adoração em que o
indivíduo se conecta ou procura se conectar com alguma entidade do outro mundo ou
revelação oculta, ou simplesmente se sentir em paz e completude com o mundo e si mesmo. A
religião/tradição/visão de mundo germânica, por outro lado, como a maioria das visões de
mundo indígenas, era uma tradição que aceitava o mundo [world accepting tradition] e [estava]
intimamente ligada à própria terra e cultura onde era praticada e não podia ser facilmente
separada dela. Dentro dessas tradições, o direito, as normas culturais e o comportamento
adequado estão todos interligados com a crença religiosa. A manutenção da realização
espiritual neste tipo de sistema que aceita o mundo, é conseguida mantendo a posição dentro
de uma comunidade descrita através da adesão a um conjunto prescrito de princípios sociais
que a comunidade definiu. Geralmente, não se busca a satisfação outro-mundanamente
[otherworldly] no sentido espiritual mencionado acima, mas procura ampliar sua base e posição
em sua comunidade expandindo suas habilidades, responsabilidades e reputação. As
interações com as forças “do outro mundo” que são deuses destinam-se a influenciar
diretamente este mundo em formas numinosas, como a sorte. Elas não se destinam a se
engajar com aqueles que permanecem “outro-mundanamente”.
As religiões “pagãs” modernas, como Ásatrú, Romuva e Religio Romana, entre outras, devem
se esforçar para compreender a visão de mundo pré-cristã e o contexto cultural das crenças e
rituais a partir dos quais estão se esboçando, se quiserem ser revividas. No entanto, o
impedimento primário é o fato de que, para poder fazer isso, seus revivalistas devem coletar e
analisar informações através dos filtros modernos e cristianizados que foram criados pela
cultura que treinou essas pessoas para interpretar subconscientemente primeiramente [as
coisas]. Isso significa que muitas vezes os indivíduos pensaram que eles entendem as
informações que estão estudando em um contexto heathen exato, mas, na realidade, estão
interpretando à sua maneira e tirando a informação do seu contexto e eliminando seu
significado original. O resultado inevitável, então, é o esquema [de pensamentos] cristão e a
visão de mundo permanecendo firmemente estabelecida, sob uma aparência “pagã”. A única
ferramenta mais importante para combater esta questão é simplesmente entender que este é o
caso e estar ciente disso. O pesquisador deve ter a disposição de deixar de lado todas as
crenças e noções preconcebidas ao fazer a pesquisa. Devemos questionar, apesar do fato de
que possamos descobrir, no decurso do exame, que algumas de nossas crenças mais amadas
podem ter sido aceitas com fé cega, tiradas da interpretação errada de nossa visão de mundo
do assunto em questão.
Além disso, é completamente natural filtrar subconscientemente novas ideias através do ciclo
de resposta natural de um indivíduo (visão de mundo). É difícil quebrar o ciclo e deve ser
trabalhado com consciência e honestidade, pouco a pouco e é um processo ao longo da vida.
Esta é a natureza da adoção de uma visão de mundo diferente. Levaram séculos para que os
povos germânicos se convertessem total e verdadeiramente à visão de mundo cristã que
simplesmente não se encaixava na sua, como discutido por James Russell abaixo:
Um forte senso de unidade social e segurança coletiva prevaleceu entre os povos germânicos
no início da Idade Média … (Eles) não tinham necessidades sociais e espirituais imediatas que
o cristianismo poderia preencher. Também a homogeneidade da sociedade germânica
medieval inicial… não predispôs à mensagem cristã, o cristianismo tende a florescer nas
sociedades heterogêneas em que existem altos níveis de anomia ou estabilização social… a
relação da estrutura social com a estrutura ideológica e a expressão religiosa desempenha um
papel significativo neste inquérito [12]
Isto é demonstrado na poesia germânica inicial. Apesar de “cristãos”, poemas como Dream of
the Rood, o Evangelho Anglo-saxão, O Heliand, The Wanderer e Beowulf demonstram
poderosos ideais germânicos que eram estranhos ao cristianismo e que não se encontram
dentro de seu módulo. Cristo é visto como um guerreiro itinerante, Deus o Pai reside no “Forte
da colina no monte mais alto” [13] e a maior fonte de prazer na vida é encontrada no salão de
hidromel ou num symbel em meio à comunidade viva. Russell argumenta que, embora a visão
de mundo germânica nativa tivesse sido eventualmente “cristianizada”, e assim perdida, grande
parte da sua influência no cristianismo também permaneceu até hoje. [14]
A intenção desses exemplos não é desencorajar o leitor, mas sim ressaltar a realidade de que
a “conversão” para a heathenry não é tão simples quanto rejeitar os chamados ensinamentos
cristãos e adotar “novos deuses” no lugar de Cristo. Não se pode se tornar “heathen”, trocando
um corpo de conhecimento por outro. Desligar um conjunto de prática e conhecimento de uma
visão de mundo e conectar outro no slot é semelhante a mudar o sabor da gelatina que se usa,
mas mantendo o mesmo molde. Embora este tenha sido exatamente o caso das religiões
modulares, incluindo as ondas do movimento nova era, os neo-pagãos que varreram os
Estados Unidos nas últimas décadas, simplesmente não pode ser assim se se trata de
reconstruir uma religião étnica como o heathenismo histórico:
A questão relativa aos Vanir foi registrada por Linzie há mais de sete anos [da data de
publicação deste artigo, em 2014]. Pouco depois, Rudolf Simek publicou o artigo “The Vanir: an
Obituary“, no qual ele fornece o argumento convincente de que a noção de que os Vanir
fossem uma tribo historicamente separada de deuses dos Aesir deveria ser deixada de lado de
uma vez por todas. Nunca houve uma tribo separada de “deuses da fertilidade”, como se
supunha anteriormente. [16] Desde então, seu argumento foi desafiado por outros estudiosos,
no que diz respeito à linguística, mas ainda é geralmente aceito que não havia duas tribos
semanticamente separadas de deuses na religião heathen viva. Eu escolhi ainda usar este
exemplo porque, enquanto muitos nos círculos neopagãos foram forçados a repensar suas
crenças e sua prática, os heathens que tomaram uma abordagem reconstrucionista desta
questão não encontraram suas crenças desafiadas, porque essa informação não mudou nada
sobre a visão de mundo heathen como a entendemos. Na verdade, essa ideia tinha sido
suspeita de muitos heathens que se valiam do método do reconstrucionismo há anos, que não
tinham nenhuma prática baseando-se no pressuposto de que eles [os Vanir] fossem mesmo
uma tribo [separada]. Heathens, utilizando o método reconstrucionista, não encontraram suas
tradições de repente estando em conflito com dados recém-descobertos.
Os indivíduos que buscando uma conexão espiritual, próxima com os deuses foi [um
conceito] emprestado do cristianismo um milênio atrás. [18] Uma relação recíproca de
presenteamento e retorno dos deuses é mais apropriada. [19]
Compreender a visão de mundo heathen reconstruída e trabalhar dentro dela cria diferenças
muito reais no desenvolvimento da prática, tradição e crença. A intenção de tal abordagem não
é e nunca foi tentativa de emular a prática heathen. Recentemente, lancei uma pergunta sobre
a prática heathen do blót. A questão baseou-se na observação de que muitos modernos
Ásatrúar usam o chamado “Rito do Martelo” para iniciar a cerimônia. A pessoa observou que
esta ação não está de forma alguma baseada na tradição pagã histórica e é uma construção
moderna. O observador então apontou que existem mais métodos históricos (como fazer a
separação com corda do espaço do blót ou traçá-lo com fogo) que podem ser empregados
para iniciar um blót, e [o observador] queria saber se esses métodos estavam sendo usados
por alguém. Respondi dizendo que não importa “como” você começa a cerimônia se você não
entende a intenção e propósito dos métodos históricos (ou modernos). Se você separar com
corda um espaço de blót, porque é isso que a evidência mostra que pode ter sido feito
historicamente, você ainda está apenas emulando ações e anexando racional[idade] moderna
para elas se você não entende o contexto original do “porquê”. A pergunta correta deveria ser
“por que os heathens históricos começavam o blót como eles faziam? Qual foi o objetivo deles?
Qual foi o propósito?” Investigar a visão de mundo pagã produziria uma conclusão diferente do
que havia sido assumido anteriormente. Neste caso, o propósito de um ato de abertura em blót
não seria “santificar” [hallow] ou “purificar” um espaço ou criar um “espaço separado do mundo
do homem, onde a presença de poderes sagrados pode ser sentida mais fortemente.” [20] O
objetivo seria estabelecer um limite que marca os limites físicos desse espaço sacro; para
declarar o propósito desse evento com regras e diretrizes de ações apropriadas e impróprias
dentro dessa área marcada e declarar quem é e não é bem-vindo. Os deuses teriam sido
reconhecidos como já presentes nos confins da comunidade e não em algum lugar espiritual do
outro mundo. A partir daqui e com esse entendimento, o reconstrucionista é livre para
estabelecer e desenvolver qualquer tipo de ação que seja consistente e que reforce essa
mentalidade ao invés de emular ações enquanto as reinterpreta através da lente de uma
cultura cultural diferente (neste caso, cristã norte-americana/Nova Era). É crucial fazer uma
distinção entre prática e visão de mundo. A primeira surge da última. Se você internalizar a
visão de mundo dos povos germânicos pré-cristãos (que começa com a compreensão), então
as práticas que se originam dessa visão de mundo, embora não idênticas às dela, serão
consistentes com as dela.
Apesar de abordar a heathenry através do método reconstrucionista ser muito difícil às vezes;
ele é necessário para qualquer um e todos os pesquisadores na religião heathen,
independentemente de ser ou não um heathen praticante. Para um indivíduo que tenta reviver
a religião pagã, não é apenas necessário, mas deve ser abraçado. Cada nova descoberta leva
a perguntas sobre como e se isso afeta a visão de mundo do pesquisador e a compreensão da
própria religião de que são parte. Nós passamos o tempo de nossa vida aperfeiçoando,
desenvolvendo e crescendo a partir dessa visão de mundo dos antigos heathens, enquanto
percebemos mais e mais todos os dias, quão compatível essa visão de mundo realmente é
com o mundo moderno. O reconstrucionismo não é uma seita ou um ramo do heathenismo. É
uma abordagem. Através dela, a heathenry, como é conhecida nos Estados Unidos e na
Europa [e no Brasil], foi e só continuará a se desenvolver e prosperar como um reavivamento
consistente da antiga religião heathen.
Notas:
[2] “Heathen/ry”, como é usado neste artigo, descreve as religiões e culturas dos povos
germânicos pré-cristãos em todas as suas várias formas desde o momento em que são
registradas pelos escribas romanos, até seus respectivos períodos de conversão. Também é
usado para descrever grupos de pessoas modernas que afirmam cultuar ou estão tentando
reconstruir as antigas religiões “heathens”.
[4] Linzie 2007.
[5] Merriam-Webster, 2011.
[6] Linzie, 2004.
[7] Deve-se notar que muitos hindus, particularmente nos EUA e na Europa, não mais praticam
casamento arranjado, e em muitos aspectos o sistema de castas está começando a se
transformar. Se essas mudanças sociais estão ocorrendo devido a mudanças dentro da visão
de mundo hindu ou de influência de fora dela, não é o tema deste artigo, mas sobre isso pode
ser lido em A Concise History of Modern India de Barbara e Thomas Metcalf.
[8] Um ensaio interessante e fácil de ler sobre a apropriação cultural foi recentemente publicado
no The Wild Hunt. Kulasundari Devi,”Hinduism, Indo-Paganism, and Cultural Appropriation“, (22
de junho de 2010)
[9] O cristianismo é o principal modelo religioso com o qual a nossa visão de mundo funciona.
[11] Veja Russell, 1994. Russell define as religiões que rejeitam o mundo como geralmente de
natureza escapista e mantendo a crença em uma alma e mundo espiritual que são eternos e
estão separados de um mundo físico transitório. São essencialmente soteriológicas,
escatológicas e de natureza universal. As religiões que aceitam o mundo geralmente são
centradas nas pessoas, são culturalmente específicas e não se concentram na transcendência
para outro mundo, nem para a salvação. Sua religiosidade está ligada à sua cultura e ao meio
ambiente, e não a um “outro-mundo”.
[14] Russell, 1994.
[15] Simek, 2003.
[17] Hall, 1976.
[18] Eu alterei o argumento original de Linzie de que rezar diretamente aos deuses foi
emprestado do cristianismo. Há evidências de que os indivíduos rezaran aos deuses, através
das observações da Rússia pedindo o bom comércio, etc. A natureza do relacionamento
heathen com os deuses e a do relacionamento cristão com Deus no entanto é muito diferente.
Eu mudei a declaração para refletir isso.
[19] Linzie, 2004.
[20] A citação foi tirada de um dos livros mais popularmente lido e comprado sobre Asatru nos
Estados Unidos. Our Troth, Segunda Edição, Vol 2, 2007, The Troth.
Muitas pessoas procuram as diretrizes que compõem o paganismo germânico (ou “Ásatrú”,
“Forn Sed”, entre muitos outros nomes), aquilo que o estrutura e guia, e assim se voltam para
as Nove Nobre Virtudes. Cunhadas na década de 1970 pelo grupo Odinic Rite a partir do
Hávamál, considero-as muito gerais e universais para serem tomadas como autenticamente
pagãs. Por isso, discutirei aqui o que para mim são as características principais do paganismo
germânico, que o diferenciam não apenas de outras religiões como também de outras
manifestações pagãs.
A primeira de todas é uma relação mais direta com os deuses. Durante a Era Viking, os
povos escandinavos não possuíam sacerdotes; os ritos familiares eram comandados pelo pai e
a mãe, enquanto os públicos eram responsabilidade da nobreza e normalmente conduzidos
pelo jarl local. Quando a figura do goði ougyðja (respectivamente, “sacerdote” e “sacerdotisa”)
surgiu na Islândia, era mais como um cargo político que espiritual. Embora muitos grupos
atuais usem estas nomenclaturas para seus líderes, eles não podem falar pelos deuses; cada
um deve buscar sua própria forma de estabelecer um relacionamento com os deuses, sem a
necessidade de um intermediário. Muitos dizem que o Ásatrú possui uma relação de amizade
com seus deuses, onde ambos negociam os termos da relação.
O Ásatrú também não possui um objetivo transcendental; seu enfoque está no presente. Por
suas origens a partir de um povo pragmático e a noção de Wyrd, o pagão germânico não está
buscando uma iluminação ou preocupado com um destino após sua vida terrena. O “aqui e
agora” é considerado uma dádiva, e Miðgarðr um mundo belo e sagrado. O culto à
natureza também é uma característica bem presente, herdada da vida agrária dos
escandinavos e mantida pelo respeito à Miðgarðr; este culto pode nos ensinar sobre os
padrões cíclicos do mundo e da própria vida, no qual a morte é vista como parte e apenas uma
“mudança de estado”, sem haver uma possível punição nos esperando após.
Outra herança dessa época que se mantém presente é a valorização da comunidade. Este
valor era expressado pela palavra friðr, que pode ser entendida como a harmonia entre o
indivíduo e o seu entorno – sua família, o local onde ele mora e o sagrado. A partir disso e da
noção de Wyrd também podemos tomar como característica a observação do peso de nossas
atitudes. O pagão nórdico precisa sempre refletir as consequências de seus atos, tanto como
Orlög pessoal quanto na forma que irá repercutir no ambiente externo. Por isso, ao causar
danos para alguém, espera-se que um pagão tome atitudes para reparar seu erro ao invés
de apenas esperar ser perdoado.
Estas são apenas algumas das características que compõem e orientam o paganismo
germânico. Novamente reforço que são baseadas em minha observação e vivência como
Ásatrú, e não devem ser levadas como definições absolutas. Em cada local que se manifesta o
paganismo se adapta, adquirindo novos aspectos adotados pelas pessoas que o trazem. É
importante nos atentarmos àquilo que o fazem único, diferente inclusive de outas religiões
pagãs.
Gostaria de expor aqui algumas ideias que venho matutando ao longo das minhas pesquisas
sobre o paganismo germano-escandinavo. Resumindo, minha hipótese é que os costumes
pagãos que tentamos acessar tem origens em diversos de povos, cada qual contribuindo para
diferentes aspectos do forn siðr.
Antes de tudo vou salientar aqui algo que meus hábitos de estudante de história não me
deixam omitir. A maior parte das fontes que tive acesso são os escritos islandeses, que todos
sabem ser posteriores a conversão formal dos habitantes dessa ilha ao cristianismo. Isso
significa que ao usar essas fontes, para acessar os costumes e mitos antigos, nós estamos
mais corretamente acessando os costumes islandeses, que derivam majoritariamente dos
costumes noruegueses, e estes derivam majoritariamente dos dinamarqueses, sendo os
costumes suecos, de onde se origina o segundo maior acervo de fontes, um segundo ramo
dessa cultura, muito próximo porém distinto. E todo esse contexto escandinavo da era viking é
ainda apenas uma parte, no tempo e espaço, de uma cultura maior germânica. Não vou entrar
no mérito da questão indo-europeia, pois além de estar fora do meu alcance eu considero um
objeto de estudo generalista demais, quase inócuo quando se trata de resgatar costumes de
povos que viveram milhares de anos depois da dispersão desse suposto povo original das
estepes.
Feitas as considerações sobre as fontes, vou realizar uma delimitação geográfica. Na maior
parte de suas existências os povos germânicos viveram no que pode ser chamado de região
norte-central da Europa. Delimitada a oeste pelo rio Reno, ao sul pelos Alpes e o rio Danúbio,
ao norte pelas regiões férteis da península escandinava, e mantendo à leste uma ampla
fronteira móvel com os povos eslavos, essa região raramente ultrapassava o território do nosso
estado de Minas Gerais. É importante frisar isso para ter uma ideia da unidade desses povos,
assim como do grande isolamento que eles poderiam ter uns dos outros, em especial devido a
presença de enormes florestas entre eles. Ao analisar os costumes aqui, me parece honesto
frisar que meu foco será nos escandinavos, com alguns paralelismos com os anglo-saxões,
povos todos da porção mais ao norte do território germânico.
Paleolítico e mesolítico
As primeiras ocupações humanas nesse território são dos povos do paleolítico. Como esse
período é simplesmente gigantesco, eu vou me limitar a análise sobre os seres da nossa
espécie, o homo sapiens. Houve uma sucessão de culturas, e conforme as geleiras recuavam
o norte foi sendo colonizado. A primeira cultura encontrada na Escandinávia (há onze mil anos)
pertence já ao mesolítico (tecnicamente mais complexo que o paleolítico) e nesse período, que
vai até a introdução da agricultura, várias culturas mais ou menos semelhantes conviveram
lado a lado no futuro território germânico. Como povos caçadores-coletores, eles sempre
viveram em pequenos grupos, que podem ter se refugiado no avanço dos povos neolíticos ao
longo milênios nas áreas impróprias para a agricultura no interior do continente europeu, e
vivido para interagir com os germânicos.
É importante salientar que os povos Sami, habitantes do norte da Escandinávia, apesar de
terem mantido seu estilo de vida caçador-coletor até a era Viking, e aderido lentamente ao
pastoreio de renas e depois a agricultura, não são ancestrais que resistiram a mudança de
vida, mas um outro povo que migrou do leste por volta da mesma época em que os ancestrais
dos nórdicos aderiram a agricultura. Estudos genéticos demonstram que entre os Sami existem
um grande número de homens pertencentes às linhagens masculinas nórdicas, o que aponta
para uma adesão desses homens a cultura Sami, uma evidência de seu poder de influência
sobre os nórdicos antigos.
Para me subsidiar, na análise da possível influência cultural desses povos, eu utilizo aqui
informações retiradas do livro “As máscaras de deus” de Joseph Campbell, especificamente do
volume “Mitologia primitiva”.
Existe grande unidade na cultura material desses períodos, e apesar de variações regionais, a
velocidade com que inovações nas técnicas se difundiam aponta para um constante contato,
com intercâmbio, entre as culturas. Comparando os resquícios das práticas rituais desses
povos antigos com povos contemporâneos que ainda vivem de forma semelhante, é possível
reconstruir alguns elementos de suas religiosidades. Os elementos, que cabem salientar aqui
são o animismo e o xamanismo.
O animismo aparece nos costumes nórdicos, anglo-saxões e francos de forma muito marcante
nas relações com os espíritos da terra, materializados em árvores, rochas e nascentes. Essa
mentalidade também está presente no culto aos espíritos domésticos, ainda que este se
desenvolva somente mais tarde, com o desenvolvimento de habitações permanentes. Outros
elementos são a atribuição de qualidades especiais a armas e montarias. Toda a ideia de um
mundo povoado por seres dotados de vontades próprias, com a qual o pagão deveria se
relacionar são elementos paleolíticos que foram sendo suprimidos em outros povos europeus.
Junto aos germânicos, os celtas e os eslavos apresentarem muitos desses elementos. A visível
importância menor entre latinos, gregos e outros povos do sul da Europa, atribuo a uma
extinção precoce dos povos paleolíticos nessas regiões e a contínua importação de muitos
cultos do crescente fértil pelas populações urbanas ao longo do Mediterrâneo.
Germânicos e celtas ao ocupar as regiões do norte da Europa se depararam com esses povos
ainda vivos e muito aprenderam da cultura deles.
O xamanismo por sua vez é, entre os nórdicos, um elemento diferenciador em relação aos
demais povos europeus. Ainda que os celtas irlandeses apresentem alguns aspectos
xamanisticos, descrições exatamente iguais aos “transes” xamanicos dos Sami, siberianos, e
outros povos primitivos só aparecem entre nórdico-germânicos. Pinturas rupestres da era do
bronze, na Suécia cerca de 1000 a.E.C., quase certamente representam xamãs, ainda que um
estilo de vida paleolítico já tivesse sido abandonado por esses povos a milênios.
No campo da mitologia, eu arrisco dizer que esses povos são representados pelos gigantes.
Para além de serem grandes espíritos da terra, os gigantes interagem com os æsir e vanir
como pessoas germânicas interagiriam com os caçadores-coletores. Eles são uma ameaça,
moram no leste e norte, suas mulheres são vistas como potenciais esposas, e também são
vistos como sábios, detentores de grandes conhecimentos, uma alusão, creio eu, ao fato de
serem eles que na prática ensinaram aos germânicos o xamanismo e, portanto, serem os
grandes dominadores da técnica.
Uma influência duradoura desses povos sobre os nórdicos é a designação do Sol, como uma
divindade feminina. Não existe qualquer referência à Sól, ou Sunna, nas fontes nórdicas, que
contradiga seu sexo feminino. Porém, praticamente todos os povos indo-europeus designam o
sol como masculino, ao mesmo tempo em que os falantes das línguas fino-úgricas, da qual
pertencem os Sami e finlandeses, consideram o sol feminino.
Neolítico
O neolítico se inicia na Europa com a migração de povos agricultores do oriente médio através
do sudoeste europeu, e de norte-africanos através da península Ibérica.
Enquanto os danubianos se instalavam ao sul, no norte vivia a última cultura mesolítica, com
um desenvolvimento de cerâmica próprio, e domesticando apenas cães. Essa cultura irá entrar
no neolítico tomando emprestado o pacote completo de plantas, animais e técnicas dos
danubianos, com ênfase na criação de gado bovino.
A cerâmica, que dará para essa cultura o nome “Funnelbeaker”, no entanto, permanecerá
diferente e contínua a do mesolítico, apontando para um desenvolvimento autóctone, que teria
preservado hábitos antigos, diferente do sul, onde a população mesolítica foi expulsa diante do
avanço dos danubianos. Pesquisas genéticas corroboram a sobrevivência de linhagens antigas
entre os nórdicos, e reforçam a hipótese de continuidade cultural.
Essa cultura, Funnelbeaker, irá se fundir com a danubiana no final do neolítico, formando a
“cultura da cerâmica cordada” que se estendeu por grande parte do norte da Europa. Essa
nova cultura terá hábitos semi-nômades, com menos resquícios de agricultura, pastoreio
principal de animais de menor porte e o abandono dos túmulos coletivos em prol dos
individuais.
O termo “Europa antiga”, criado pela arqueóloga Marija Gimbutas, é usado para definir esse
período que se estende de 6000 a.E.C. até cerca de 3500 a.E.C., na maior parte do continente.
Resquícios dessas culturas se encontram no apreço ao papel feminino na religião, mais intenso
entre os celtas, e nas próprias divindades vanires, em especial Freya.
A ritualística em céu aberto provavelmente é outro resquício.
A ideia de que os vanires habitaram a oeste também faz sentido, quando se leva em conta que
a migração dos germanos veio do leste, estando sempre os últimos sobreviventes dessas
culturas a oeste.
O povo da Europa antiga que sobreviveu por mais tempo foram os Iberos. Os ancestrais dos
Iberos habitaram quase toda a Europa ocidental até que a grande expansão celta lhes tomou
os territórios e os reduziu a uma pequena área da península Ibérica, onde foram “celtizados”,
tendo restado apenas sua língua como distinção, isso ainda nos tempos do Império Romano.
Assim os ancestrais dos germânicos conviveram alguns séculos com os vizinhos Iberos,
mesmo após terem substituído as culturas neolíticas em seu próprio território.
Idade do Bronze
É na idade bronze que os elementos culturais mais característicos dos germânicos se
introduzem na Europa. Fazendo parte de grande migração de povos indo-europeus, os povos
que se tornariam os germânicos chegaram em seu novo lar levando a metalurgia do bronze e o
cavalo.
Ao que tudo indica, em sua terra de origem, os povos da “europa antiga” ancestrais dos
germânicos, aumentaram muito sua capacidade bélica graças ao bronze e o cavalo, se
convertendo numa cultura guerreira e patriarcal.
Atraídos, provavelmente, pelas grandes florestas da Europa central eles migraram para o
oeste. Lá eles submeteram às culturas anteriores causando, infelizmente, uma crise que levou
a redução do tamanho dos povoados e desagregação política. É possível que a cultura da
cerâmica cordada já fosse uma cultura indo-europeia. Nesse caso a expansão dos ancestrais
de germânicos e eslavos pela região ocorreu ainda antes, e eles importaram os cavalos e o
bronze depois.
A redução do tamanho dos povoados se deveu a uma crise do sistema de agricultura de
derrubada-queimada. Após muitos séculos, a população crescente acabou provocando o
desmatamento das melhores áreas que suportavam esse sistema. O resultado foi uma queda
na produtividade agrícola, com dispersão da população por áreas maiores. Antes que
desenvolvessem um novo sistema agrícola para essas terras essas populações foram
obrigadas a viver principalmente do pastoreio. Para maiores detalhes consulte “História das
agriculturas no mundo”, de Mozoyer e Roudart.
A desagregação política, além de ser consequência do dito acima, foi intensificada pela
beligerância da nova cultura que não permitia arranjos políticos muito extensos.
Alguns séculos depois da crise, por toda a Europa, se generalizou um novo sistema agrícola, o
do pousio e arado. Petroglifos mostrando arados puxados por parelha de bois, na Suécia,
datam da idade do bronze. Nesse sistema as populações se recuperaram, e mesmo cresceram
nas áreas mais ao norte, ainda que a fragmentação política tenha se mantido.
Tais gravações devem ter sido muito importantes para consolidar a nova cultura, diante dos
resquícios mais imponentes do período anterior.
Mulheres são muito pouco representadas e, quando são, não apresentam características que
lhes vinculem a deusas nórdicas conhecidas. Símbolos solares, porém, são comuns, e a
representação posterior desse astro enquanto uma deusa pode preencher essa lacuna. A
figura solar carregada sobre carroças ou barcos, lembra as procissões que carregavam figuras
divinas, retratadas por Tácito já no período do império romano.
Aspectos do culto a Freyr, como espadas, javalis e a cópula com éguas, surgem em pinturas
rupestres do período.
Um culto primitivo ao Thor também parece ser representado em figuras que portam um
machado/martelo. Inclusive existe um petroglifo representando um casal ao lado de uma figura
portando o machado, numa cena que lembra a “benção” feita com o Mjollnir à casamentos
durante a era viking.
Possivelmente, uma divindade que se tornaria Odin também era representado em figuras
portando lanças.
É nesse período que deve ter se consolidado o culto aos ancestrais, já que muitos povos
germânicos remetiam sua origem a indivíduos específicos. O culto doméstico e ao fogo, com
seus elementos animistas, também deve ter se consolidado nesse período, em detrimento do
culto público.
Amuletos representando casais, e provavelmente casamentos, surgem e como não deviam ser
muito relevantes os casamentos na anterior cultura matriarcal, é aqui que devem ter surgido as
esposas divinas. Possivelmente a figura de Frigg começa a se separar da de Freiya, para
ressaltar os aspectos de esposa e mãe, em oposição ao de “sacerdotisa”, guerreira e solteira
que sob Freiya lhe relaciona com as mulheres da cultura anterior.
O isolamento Proto-Germânico
Todas as muitas referências a cavalos só podem ter surgido nesse período. O mito da vaca
primordial, Audumbla, está presente em muitos povos indo-europeus, e mesmo que o gado já
existindo antes na região, provavelmente o mito como conhecemos foi levado pelos ancestrais
dos germânicos. Mitos como o de Gefjon, com seu arado, também não podem ter surgido
antes. Os barcos são muito representados nos petroglifos, não há dúvidas de que os povos
anteriores já dominavam a navegação, porém por falta de referências podemos supor que
certos mitos envolvendo embarcações, como os barcos mágicos de Freyr e Ullr, ou a pescaria
de Thor, tenham se consolidado nesse período.
Expansão
inicial dos Germânicos
Idade do ferro pré-romana
Por isso o surgimento da metalurgia do ferro só pode se consolidar por influência externa.
Essa influência se deveu a grande expansão celta. Armados com o ferro, os celtas saíram de
seu pequeno território na península Ibérica e tomaram quase toda a Europa de assalto.
Atingiram as fronteiras oeste do território germânico cruzando o rio Reno e colonizando ambas
as margens. Criaram grandes fortalezas na Belgica, construíram suas mais prósperas cidades
nos Alpes e avançaram por todo o Danúbio, colonizando ambas as margens e seus afluentes
ao norte, penetrando nas florestas da Europa central.
Os povos que compunham a cultura da cerâmica cordada foram empurrados para o norte e
confinados a um território muito menor do que antes, durante pelo menos três séculos. Isso
deve ter favorecido uma unificação cultural e provocado a etnogenese dos proto-germanicos.
Para a felicidade deles, os celtas não possuíam nada equivalente a um império, como o
romano, que lhes assegurasse as fronteiras. Graças a isso os germânicos puderam se
recuperar, aprenderam a forjar o ferro e expulsaram os celtas para além do Reno. Junto a
outros povos também submeteram os celtas do Danúbio.
É por esse período que um culto a Odin deve ter começado a crescer, ainda em seus nomes
“primitivos”. Isso porque Odin está associado a organização das elites guerreiras, que não
teriam bons motivos para crescer sem ameaças externas. A própria denominação “german”
significa lanceiro, e apesar de ser uma forma dos outros povos lhes chamarem, é um termo das
línguas deles e deve ter sido um forma comum dos guerreiros se identificarem.
Império Romano
Quando os romanos se expandiram pela Europa eles acabaram sendo limitados pela
resistência germânica. É possível que os conflitos provocados pelos romanos com os celtas,
ilírios e dácios, tenham enfraquecido esses povos e permitido aos germânicos se expandir,
sobretudo ao sul, até alcançarem as margens do Danúbio. Após quase um século de
tentativas, os generais romanos desistem de avançar e passam a manutenção das fronteiras
fortificadas.
A presença romana, pode ter agregado elementos mediterrânicos a cultura germânica. Por
exemplo, as Nornes podem ser uma adaptação, ainda que modificada, das Moiras gregas. A
ideia de deusas conhecerem o destino das pessoas e deuses é provavelmente anterior, mas a
configuração em três figuras é bem especifica.
Outra influência é a descrição de Odin tomar vinho enquanto os demais æsir, e einherjar,
bebem hidromel ou cerveja. O vinho, bebida típica mediterrânea, era raro e caro no norte da
Europa, sendo uma distinção aristocrática Odin bebê-lo, ao mesmo tempo em que a ausência
de referências mitológicas à fabricação dessa bebida, contra tantas de hidromel e cerveja,
demonstra seu caráter de novidade.
A queda do império romano foi um processo gradual provocado pela migração constante de
povos germânicos para dentro das fronteiras do império. Nas últimas décadas antes de
ninguém mais assumir o risco de se chamar “Imperador romano do ocidente”, grande parte dos
combates se davam entre germânicos servindo ao império, contra germânicos “de fora”.
O ouro romano, nesse período, fluiu em abundância para o território germânico. Espécies de
medalhas, chamadas bactreates, foram feitas a partir de moedas romanas usadas para pagar
mercenários romanos, ou aplacar a fúria de atacantes. Os bactreates continham inscrições
rúnicas, e imagens. Acreditasse que um figura muito frequente, associada a um cavalo e uma
ave, seja Odin, ou seus deuses precursores. Frigg/Freya também aparecem em alguns.
Coincide com esse período a cultura Vendel na Suécia, caracterizada por uma abundante
produção em ferro e o uso de cavalaria pesada nos combates. O ferro suéco foi, junto a peles e
âmbar, um importante produto de exportação para essa cultura.
O mito heroico do Nibelungo, surge após a queda do império romano, tendo como um dos
personagens Átila, líder dos hunos que aterrorizaram os povos germânicos do sul, e se tornou
lendário entre muitos povos. Boa parte dos acontecimentos do mito envolverem a cobiça por
um tesouro demonstra o quanto a pilhagem sobre o império romano impactou o imaginário
germânico com cenas de riquezas fabulosas.
Era Viking
Enquanto a maior parte dos germânicos que se instalaram na Europa ocidental foram
cristianizados através do poder centralizador das monarquias francas e visigodas, os nórdicos
permaneceram distantes dos missionários católicos.
Muitos são os fatores levantados para a ocorrência da era Viking. Importante aqui é salientar o
sentimento de vingança contra os cristãos. Isso se deveu às “guerras saxônicas”, uma série de
conflitos onde os francos carolíngios impuseram o cristianismo aos saxões, assim como a
submissão destes ao seu império, no século VIII. Os saxões eram os vizinhos logo ao sul dos
nórdicos dinamarqueses, e sua submissão significou que os cristãos alcançaram as portas do
mundo nórdico. Fragilizado por conflitos internos, o império carolíngio, junto às ilhas britânicas
e Irlanda entraram no repertório de saques provocados pelos nórdicos, que já desde a cultura
Vendel vinham praticando suas pilhagens entre os povos do báltico e o eslavos.
Outra possível influência do mundo cristão foi a criação de templos fechados para o culto aos
deuses, como o de Uppsala, que continha estátuas de Thor, Odin e Freyr, e onde eram
realizadas grandes festividades a cada nove anos.
Conclusões
Se vc leu até aqui, espero que eu não tenha me expressado de forma muito confusa. A grande
quantidade de elementos dos costumes pagãos germano-escandinavos torna difícil uma boa
análise da evolução histórica da religiosidade desses povos. O fato de nem todos os elementos
de tal paganismo terem sido levados pelos germânicos “do berço” apenas demonstra sua
capacidade de adaptação e renovação ante as adversidades, e o reconhecimento do valor dos
costumes dos povos com quem interagiram.
Certamente um estudo mais aprofundado, utilizando mais fontes, seria mais adequado e
provavelmente irá contradizer algumas das minhas hipóteses. E ficarei muito satisfeito se assim
ocorrer para o melhor entendimento, e uma fiel reconstrução do paganismo germano-
escandinavo.
A Wicca Nórdica
A respeito deste tipo de Wicca não há muito o que dizer a seu favor. A Wicca é uma crença
misteriosa e cerimonial. A Wicca Nórdica é uma mescla de Wicca e Ásatrú. A Wiccatrú
pretende mesclar os procedimentos rito-cerimoniais tradicionais da Wicca com alguns deuses
do panteão nórdico-germânico que possam ter um arquétipo que substitua o “Deus e a Deusa”,
ou “A Deusa Tríplice”. Alguns desses sincretismos poderiam encaixar-se como: Deus e
Deusa/Freyr e Freyja ou Deusa Tríplice/Frigg, Sif e Freyja. Está claro que nas religiões
germânicas não havia uma trindade de deusas (as Nornir não são deusas nem veneráveis),
além disso, as trindades pareciam ser principalmente masculinas, como o são Odin, Vili e Vé.
Um dos principais aspectos da Wicca é que é iniciática, algo que não encaixa com nenhuma
vertente “heathen”. Qualquer dos ramos Odinistas ou Ásatrúar se baseiam no juramento.
A nível moral e ético, ambas as religiões entram em conflito: enquanto a Wicca é uma religião
extremamente pacificista, a Ásatrú pode não sê-lo. A imagem fofinha que muitos Wiccatrú tem
dos deuses nórdicos é pior que a dos hippies, é preciso considerar que muitos deuses
germânicos e nórdicos (Vanir ou Aesir) recebiam sacrifícios humanos e animais, incluindo que
suas imagens eram banhadas em sangue da vítima do sacrifício. Não eram deuses aos quais
se adorava com um círculo e pedras de quartzo e incenso.
A Ásatrú é uma religião reconstrucionista, isto quer dizer que se baseia em feitos históricos
documentáveis e evidenciáveis, para reconstruir suas práticas. Claro que isto não é algo fácil
de se levar a cabo, já que requer um enorme estudo e investigação, incluindo a correção de
nossas práticas com a nova evidência apresentada. Este parece ser um dos principais
motivadores da existência da Wiccatrú, as pessoas que precisam seguir livros com ordens
básicas sobre como praticar uma religião.
Em minha opinião pessoal, se não estão preparados para deixar a Wicca que não o façam, e
se desejam praticar uma religião nórdica como a Ásatrú, então seria recomendável que
comecem a pensar em estudar e ler muito, além de deixar para trás toda crença ou costume de
qualquer outra senda da qual venham anteriormente.
O reconstrucionismo Heathen
O antigo paganismo, depois de intensa guerra religiosa, foi destruído. E agora, como o
recuperaremos?
Por Seaxdēor
Assim, é necessário saber o que nos irá informar sobre nossa prática nos dias atuais. As fontes
primárias que temos são todas registros produzidos por convertidos ou produzidas muito tempo
após a conversão. Entre as principais das fontes destacadas temos: Eddas, Sagas, poemas e
épicos medievais, registros históricos em latim, códigos de leis, com nórdicos ou anglo-saxões,
folclore, grimórios mágicos, achados arqueológicos e pedras ou objetos com runas gravadas.
Nenhum reconstrucionista toma (ou deveria tomar) opiniões acadêmicas a ferro e fogo,
silenciando o debate com argumentos do tipo ad verecundiam, ou seja, apelando à falácia de
autoridade. Como nosso conhecimento é baseado no entendimento que temos, e sempre que
surgem novas evidências mais ele se aprimora, algumas vezes ideias são revistas e deixadas
de lado. A ideia do reconstrucionismo não é usar os textos para justificar ideias, muitas vezes
falaciosas, pré-concebidas, mas checar se o que entendemos está de fato em conformidade
com o que é mais provável ou possível de ser verdade.
O método reconstrucionista
Questão
O primeiro passo é a dúvida. É necessário se querer compreender algo. A dúvida pode ser tão
objetiva quanto “como os antigos entendiam sorte?”, ou tão genérica quanto “quais deuses os
antigos cultuavam?”.
Pesquisa
O bom e velho google.com é um dos seus melhores amigos aqui. Infelizmente, a grande e
maior parte da informação encontra-se disponível em inglês. Muitas vezes as fontes em
Português são simplesmente insuficientes para entender a grossa maior parte da religião e
visão de mundo dos povos antigos. É aqui onde junta-se e lê artigos acadêmicos, fontes
primárias como Eddas, Sagas ou outras. Esta etapa no começo é lenta, ao passar do tempo o
reconstrucionista terá encontrado vários assuntos extras quando pesquisava coisas diferentes
e esse trabalho ficará cada vez mais rápido.
Hipótese
Baseado nas fontes pesquisadas, desenvolva uma hipótese inicial que tente responder à
pergunta que motivou o inicio da pesquisa.
Recorte Histórico
Análise e Conclusão
A ideia básica do reconstrucionismo é reunir tanta informação segura quanto seja possível, e a
partir daí, decidir o que fazer com a informação coletada. Só que comumente quando
reconstrucionistas chegam a esse estágio de aquisição de informação, eles formam
um background que diverge amplamente das práticas esotéricas e ecléticas.
O grande primeiro aspecto é que o paganismo é cada vez menos enxergado apenas em seu
aspecto mágico ou de forma iniciática, passando a ser cada vez mais entendido como um
conjunto de costumes e visão de mundo, indissolúvel de uma certa sociedade, e que requer
que mais fatores, não apenas religiosos, sejam trazidos à tona. Isso levou nos anos 70, 80 e 90
nos Estados Unidos cada vez mais à divisão entre os pagãos reconstrucionistas e outros tipos
de pagãos, uma vez que tais conclusões tornavam as práticas e ideias de ambos praticamente
sem ligação, por mais que fizessem uso de alguma ou outra fonte mitológica em comum e
ambos intentassem trazer um antigo culto para os dias atuais.
Isso porque muitos reconstrucionistas entendem a diferença entre religiões modulares, que
podem ser levadas durante o espaço e o tempo sem tantas alterações, e as religiões tribais, às
quais estão associadas a uma determinada paisagem, à historicidade e costumes populares de
um determinado povo. O Heathenry reconstrucionista possui muito menos espaço para certas
práticas atuais, porque ele reconhece que elas surgem muito posteriormente, ou têm origem
muito alheia ao conjunto de ideias que está sendo reconstruído. Na verdade, o grosso das
informações necessárias à recriação de tradições reconstrucionistas heathens dos povos
germânicos pode ser retirado de fontes específicas sobre os povos germânicos, sem a
necessidade de se misturar visões de mundo de outros povos.
Comumente reconstrucionistas têm uma visão mais diacrônica, visando um projeto multi-
geracional de desconversão e reavivamento da visão de mundo, entendendo que todo povo
possui uma visão de mundo e incentivar o desenvolvimento da reconstrução da visão de
mundo não é um processo de forçar ideias religiosas, apenas de substituir o background de
pensamentos próprios do cristãos por um heathen. Reconstrucionistas comumente
compreendem que a influência do cristianismo é muito mais profunda que meramente a
aparência do culto, ela promoveu uma mudança radical na forma de pensar, e eles visão
combater também isso, enquanto neopagãos ecléticos, que misturam várias tradições visando
encontrar respostas pessoais, geralmente consideram isso algo impositivo (sem perceber o
próprio background cristão que fundamenta seus pensamentos).
A crítica final a ser rebatida é que os reconstrucionistas possuem uma prática menos autêntica
por ser aparentemente desespiritualizada, destituída de misticismo, ou mesmo morta. Com o
estudo profundo das informações restantes é possível perceber que o heathenry não é
impossível de se recuperar, e nem mesmo possui tantas lacunas assim, ao menos se falamos
dos germânicos continentais, anglo-saxões e nórdicos, e usando informações desses três
grupos sob um determinado viés, para a recriação de uma visão de mundo particular a um
deles ou de maneira pan-germânica.
O problema é que quando todas essas informações são reunidas e o culto entra em prática,
percebe-se que ele diverge claramente das formas de religião atual. Afinal, não era de se
esperar que um idioma usado no século V fosse compreendido por pessoas que falam idiomas
que descendem desse idioma antigo, mesmo morando na mesma região. Religiões modificam-
se com o tempo como idiomas, e quando você recupera boa parte da “gramática” e das
“palavras” de uma religião antiga ela se torna incompreensível para quem não conheça essa
estrutura interna. Para os reconstrucionistas a efetividade é sensível.
Olá, criaturas lindas. Anteriormente em Outside the Charmed Circle, falei um pouco sobre a
mentira que tantas vezes nos contamos na comunidade de palavras-p, que o poder pode, de
alguma forma, existir isoladamente da responsabilidade. Claro, não comecei dizendo assim. O
que eu realmente disse foi que a política é inerente à experiência humana [1], no sentido de
“poder de negociação como existente entre as pessoas”. Esse ponto parece ter ressoado com
algumas pessoas e ter ter sido perdido em outras, o que provavelmente significa que estou em
algum lugar nas proximidades do ponto de encontro da definição. Como tal, vou fazer mais
algumas declarações sobre este tópico, que provavelmente provocarão uma gama similar de
respostas.
O paganismo não é apolítico. Aqui, deixe-me lançar um punhado de nomes para sua
consideração: Starhawk, John Michael Greer, Rhyd Wildermuth, Crystal Blanton, Thorn Coyle.
Você pode achar sua escrita inspiradora ou insípida, poderosa ou morna. Você pode dizer que
são escritores bons, ou ruins, ou medíocres. O que você não pode dizer é que seu trabalho é
apolítico, nem que não está inerentemente enraizado em uma cosmovisão pagã. De fato, em
cada caso, suas políticas são uma consequência natural de sua espiritualidade e são tecidas
ao longo de seu trabalho espiritual. Sugerir que seja de outra forma é cair em negação de
evidência.
A bruxaria não é apolítica. Se fosse, seríamos acolhidos por essas imagens nas primeiras
linhas de Aradia, ou no Gospel of the Witches…
Naqueles dias, havia na terra muitos ricos e muitos pobres. Os ricos tornaram escravos todos
os pobres. Naqueles dias havia muitos escravos que foram cruelmente tratados; em todas as
torturas dos palácios, em todos os prisioneiros dos castelos. Muitos escravos escaparam. Eles
fugiram para a área rural; e assim se tornaram ladrões e pessoas doentias. Em vez de dormir
de noite, eles planejaram escapar e roubaram seus mestres e depois os mataram. Então
moraram nas montanhas e nas florestas como ladrões e assassinos, tudo para evitar a
escravidão.
…ou esta diretiva explícita para Aradia de uma autoridade não menos do que a mãe Diana, a
Deusa das Bruxas?
Essa é a coisa: não estou dizendo para mudar suas práticas ou crenças. Não estou dizendo
que você precisa começar a protestar, doar dinheiro para causas ou marchar pelas ruas. (Bem,
não no momento, de qualquer forma. Vamos chegar a isso mais tarde).
O que estou dizendo é que aquilo que chamamos de “política” é, como qualquer outro domínio
do esforço humano, uma maneira pela qual o poder é negociado e exercido. Afirmar que
nossas vidas são removidas desta esfera de poder é nos separar intencionalmente dela e de
nosso próprio poder nesse espaço. Este é um exemplo do que a tradição de Anderson Feri
chama “ceder o seu poder”, e é um grande e enorme non-sense.
Eu suspeito que parte do problema é que, como o mito do Homem Aranha nos ensina, com um
grande poder vem uma grande responsabilidade. Nós olhamos em volta de nós e vemos o tipo
lixo incendiário que tornamos o mundo, e podemos sentir um poderoso desejo de encontrar
alguém, qualquer um culpado por isso, enquanto não sejamos nós mesmos: “Ei, não é minha
culpa, este lugar estava uma bagunça quando cheguei aqui!” Podemos lavar nossas mãos de
qualquer responsabilidade — e, portanto, de qualquer contabilidade — pela bagunça. Se eu
não tiver qualquer poder para influenciar o resultado das eleições, não é minha culpa que os
políticos corruptos sejam eleitos, nem que as políticas ruins sejam promulgadas. Não é minha
culpa quando as pessoas transgênero são assassinadas e legalmente privadas de direitos, ou
quando pessoas de cor são assassinadas pela polícia, ou quando nosso governo se recusa a
ajudar suas próprias pessoas durante desastres naturais. Esse não era eu, afinal. Não tive
nada a ver com nada disso. Não sou político.
O problema é que fracionar nossas vidas para que possamos afirmar ser apolítico é um
privilégio, oferecido a pessoas cujas vidas não estão ameaçadas pela política.
Essa é uma afirmação ousada, eu sei. Eu vou entrar nisso um pouco mais na próxima vez e
oferecer o que espero sejam algumas sugestões úteis para pagãos, politeístas e praticantes
que desejam descompactar essas ideias… e recuperar alguns dos seus poderes. Enquanto
isso, vou deixá-lo com a música que atravessou minha cabeça o tempo todo em que eu escrevi
esse post. Seja bem-vindo.)
[1] Quero dizer, a menos que você seja um eremita totalmente socialmente isolado ou algo
assim, mas isso o tiraria do públco leitor deste blog, então não importa [Nota da Autora].
Por Bil Linzie, publicado originalmente como “Reconstructionism’s Role in Modern Heathenry“,
em inglês, em 13 de julho de 2007.
Tradução de Seaxdēor.
Licensed under the Creative Commons (USA) Attribution-NoDerivs 3.0 Unported
Arquivo em PDF.
1. Introdução
Antes do ano 2000 EC, o termo “reconstrucionismo” raramente era ouvido ou visto em conjunto
com a heathenry moderna. Quando começamos a escrever nossos artigos, [1] recebemos
muitas críticas amigáveis, bem como um punhado de críticas contra o conceito. Sem medo, nós
prosseguimos. Inicialmente, o objetivo era expor as fontes de muitos dos rituais e tradições da
Ásatrú aceitos [na atualidade]. Isso não deveria ser indutor de raiva nem tentávamos prejudicar
os esforços de boas pessoas tentando revitalizar a antiga religião pagã dos povos germânicos.
Simplesmente sentimos que, em um nível pessoal, a heathenry deveria ser reconstruída sobre
fatos históricos e que, incentivando isso, estávamos avançando para sustentar sua validade no
mundo moderno.
Ao longo dos anos, parece ter havido algum mal-entendido sobre o que o reconstrucionismo
realmente significa e como isso pode ser importante para os esforços de revitalização dos
heathens no mundo todo. Abordamos estas questões neste documento. Alguns cresceram para
sentir que o “reconstrucionismo” é o ser-tudo-para-terminar-tudo, e que, se alguém não é
estritamente um reconstrucionista tingido-na-lã, ele simplesmente não é heathen, então nós
assumimos a responsabilidade de esclarecer o termo, seu significado, como ele pode
desempenhar um papel na heathenry moderna.
Para o crédito de nossos detratores que tentaram salientar que o reconstrucionismo tem suas
deficiências, estamos conscientes de que existem deficiências, mas também afirmamos que
estas estão, geralmente, na aplicação da abordagem filosófica e que o que está sendo listado
como as “deficiências” são, na realidade, as limitações naturais da filosofia do
reconstrucionismo. [2] Sentimos que, tendo conhecimento de qual é a ideia, do que é capaz e
qual é a natureza das deficiências, a abordagem deve ser benéfica para todos os adeptos das
religiões pagãs germânicas.
Por último, como um favor para aqueles que talvez não tenham lido nossos outros documentos
que tratam do “reconstrucionismo”, fornecemos alguns antecedentes sobre a lógica do seu
desenvolvimento. Novamente, isso não é feito para provocar, mas é meramente informativo em
relação à evolução da heathenry organizada moderna desde o seu início nos anos 60 até o
presente. O fato é que nós, como pagãos modernos de 40 anos, acreditamos que os pagãos só
melhoraram apesar do que na época pareciam “contratempos”. Com nossas exposições das
fontes modernas da heathenry, esperamos continuar melhorando a qualidade da heathenry,
apoiando e escorando suas bases ricas e históricas.
2. A frase errônea
Nos Estados Unidos, começando no meio dos anos 1950, e através dos 1960, algo novo
estava acontecendo. Um grande número de pessoas que se sentiram enganadas pelas
religiões organizadas, principalmente o cristianismo, estavam experimentando “novas
religiões”. Essas “novas religiões” se baseavam em religiões mais antigas, muitas vezes as
religiões indígenas de povos nativos, já mortas há muito tempo ou ainda vivas, como a asteca,
a maia, as nativas norte-americanas, o xamanismo, o budismo, as celtas antigas, as gregas
antigas, as romanas antigas, as germânicas antigas, etc. Essas novas religiões eram como
novas peças de joias feitas de cordões de fios antigos trançados, e a solda que mantinha a
peça unida era o novo conceito de religião oferecido por Gerald Gardner e seus sucessores
comumente chamados de Wicca. Em meados dos anos 1960, no entanto, os indivíduos
estavam começando a questionar a validade da Wicca e começaram a se perguntar o que as
religiões tradicionais teriam parecido se tivessem ficado vivas. As antigas religiões dos celtas,
gregos, egípcios, romanos, etc. e alguns dos exploradores espirituais, incluindo este autor,
afastaram-se da abordagem alternativa “trançada” oferecida pela Wicca e começaram a se
concentrar em recriar a religião de uma cultura única.
A heathenry moderna se reuniu nos Estados Unidos como um movimento organizado em torno
de 1974 sob Stephen McNallen com a Asatru Free Assembly (Assembleia Livre Asatru)
também conhecida como AFA. Antes disso, haviam pequenos coletivos de indivíduos em todo
o país que sentiam que a religião dos antigos nórdicos poderia ser revivida, mas nenhum deles
estava realmente organizado. A AFA tornou-se o “campus” central com um objetivo comum ao
qual todos os envolvidos poderiam aderir: “Vamos recriar a religião dos antigos germânicos”.
Ao utilizar a AFA como um centro de esclarecimento para informações, os indivíduos puderam
publicar suas pesquisas no The Runestone, o jornal oficial da AFA, para que todos pudessem
compartilhar. A premissa para recriar a religião era simples: ao estudar os nórdicos e a
mitologia germânica bastante detalhadamente, devemos ser capazes juntar pedaço por pedaço
da antiga religião, da mesma forma que um arqueólogo recriará uma ânfora antiga com todas
as suas lindas decorações e desenhos intactos. E então o projeto estava em andamento.
Mas o que apresentamos aqui, até agora, é uma imagem muito unilateral, no entanto. Sem o
conhecimento de muitos de nós envolvidos com a AFA e os grupos desenvolvidos
posteriormente, haviam os grupos de trabalho de pessoas nos Estados Unidos e no exterior
que estavam fazendo coisas muito similares: recriar a antiga religião os povos germânicos.
Sveinbjörn Beinteinsson era o Ásatrúarmenn na Islândia, na Alemanha, o GGG, na Grã-
Bretanha, o Odinic Rite, nos Estados Unidos, Seax Wica sob Raymond Buckland e sob
Garman Lord foi o começo do que mais tarde seria conhecido como o movimento theodista.
Curiosamente, muitos dos grupos utilizaram a mesma abordagem que nós, com exceção dos
islandeses. Cada grupo, de forma independente, em seu próprio tempo e em seu próprio lugar,
estudavam as sagas e a poesia e, pedaço por pedaço, reuniam uma religião para reviver no
século XX.
Uma atividade favorita que naquela época era examinar os dicionários de nórdico antigo em
busca de termos relativos à “alma”, “magia”, “destino” e “religião”. Encontramos muitas palavras
relativas a esses conceitos, mas o mais próximo que podemos chegar à palavra “religião” pode
ser melhor definido como “ter fé em” e tornou-se parte do nome para a heathenry como era
conhecida na época: Ásatrú. Não só tivemos dificuldade em encontrar e antiga palavra
germânica para religião, outras palavras também pareciam estar faltando. Uma palavra para
“crença” não existia até depois da conversão ao cristianismo. Em outras palavras, não
conseguimos encontrar uma palavra pagã que significasse “crença”. Isso não impediu a
revitalização da antiga religião germânica; no entanto; nós decidimos cedo que apenas porque
não havia uma palavra para isso não significava que não existisse durante o período pagão.
Estávamos dispostos a aceitar isso com o valor nominal. [3]
Nos Estados Unidos não foi antes dos anos 1990 que alguns começaram a questionar nossos
pressupostos básicos. Confundiu alguns de nós que os autores acadêmicos, autores educados
em estudos germânicos, após os nossos primeiros 20 anos, ainda não reconheciam nossos
esforços, os avanços que acreditávamos ter feito na recuperação da antiga religião germânica.
Sentimos que isso era simplesmente um descuido da parte deles porque eles passaram a
maior parte do tempo derramando-se sobre fontes materiais antigas e livros de história e não
estavam olhando para ver o que estava acontecendo no mundo real. Por essa altura, no
entanto, muitos dos nossos próprios também estavam recebendo boa educação sob bons
professores e universidades reconhecidas. Muitos de nós estávamos lendo trabalhos
acadêmicos, bem como as dezenas de revistas pequenas e independentes reunidas por
pagãos modernos. O e-mail estava se tornando cada vez mais comum no momento e alguns
começaram a questionar a disparidade entre o que os estudiosos estavam escrevendo e o que
os próprios pagãos estavam escrevendo e esta disparidade tornou-se o foco de muitas
discussões acaloradas nas listas de e-mail da época . Na comunidade heathen moderna, uma
fenda estava começando a se formar. Questionar os pressupostos básicos que impulsionaram
o moderno movimento heathen não era uma atitude popular na época, e aqueles que tomaram
o partido dos estudiosos tornaram-se personalidades relativamente impopulares rapidamente.
Abrimos este ensaio com uma brincadeira com as primeiras linhas de João [4] da Bíblia. Isso
não foi feito apenas por efeito; isso reflete nosso conceito moderno comum de religião. É um
conceito de religião importado dos primeiros impérios, e é um conceito que nós nos Estados
Unidos aceitamos e continuamos a aceitar de todo o coração. “Religião”, em nosso sentido
moderno da palavra, é um ideal divorciado da cultura, da paisagem, da linguagem e da visão
de mundo. Um termo que muitas vezes usei no passado é a “religião modular” em oposição à
“religião étnica”. Uma religião modular é uma religião que pode ser facilmente importada e
exportada através de fronteiras culturais. O exemplo moderno mais comum de uma religião
modular é o cristianismo, que, tecnicamente, deve ser o mesmo conceito espiritual para uma
família grega de segunda geração que vive no Brooklyn, como é para uma família aborígene
que vive no interior australiano, bem como para uma família francesa que vive em Singapura. O
conceito é completamente autônomo, essencialmente, completo com suas próprias regras, leis,
axiomas e corolários, ou seja, um módulo. Uma religião modular está em contraste direto com
uma religião étnica, como as religiões indígenas de África, Austrália, Alasca e Groenlândia. Os
antropólogos nos últimos 150 anos ficaram entretidos, fascinados e frustrados pela proximidade
da religião/cultura/visão de mundo nessas regiões com a paisagem/ocupação/meio ambiente.
Então, a frase “recriaremos a antiga religião germânica” começou a parecer defeituosa para
alguns de nós por causa do uso da palavra “religião”. A maioria de nós estava trabalhando
apenas a partir do conceito moderno de “religião” como uma suposição fundamental.
Além disso, alguns de nós observamos cedo, mas optaram por ignorar o fato de que não há um
“povo germânico”. Alguns grupos, claro, achavam mais fácil concentrar suas atenções nos
materiais anglo-saxões, outros optaram por concentrar suas atenções nos nórdicos antigos,
mas a maioria preenchia as lacunas nas re-criações de ambos os grupos e não era suficiente
para trazer a religião germânica e em concordância com o conceito moderno de “religião”, ou
seja, de ser independentemente culturalmente e elementos independentes foram trazidos
também de religiões alternativas, em particular a Wicca, ou mesmo de rituais católicos. O
problema com nossa abordagem inicial de “preencher as lacunas”, no entanto, é que ela
também ignorou o fato de que não há um único povo germânico. [5]
Nossos pressupostos básicos mais fundamentais, que foram usados como forças motrizes para
gerar o movimento heathen moderno, foram defeituosos desde o início. Nós não acreditamos
que alguém seja culpado pelo erro — não foi intencional. O moderno movimento heathen foi e
é um experimento em espiritualidade alternativa, e pode ter sido completamente necessário
que as primeiras corridas de teste no experimento falhem e que uma nova direção possa ser
tomada. Neste ponto, a nova direção para a heathenry moderna cai sob a rubrica mais recente
do reconstrucionismo.
3. Reconstructionismo
“Os organizadores vêem a expedição como um experimento social interessante à medida que
70 indivíduos dos dias atuais reagem a serem confinados em um navio aberto, com pouco
espaço para vida privada ou conforto doméstico, no mar aberto.
“Eles acreditam que a viagem proporcionará novas reflexões sobre os corações, mentes e
espíritos dos Vikings enquanto nos ensina algo sobre nós mesmos“. [6]
Não há mais nenhuma frase defeituosa; para os reconstrucionistas, ela foi jogada fora e
substituída por… nada.
Para o heathen mediano, aqueles com experiência limitada na agricultura ou aqueles jovens
que vivem de fundos limitados enquanto obtêm educação em ciência da computação ou na
escola de medicina, essas experiências são muitas vezes apenas apanhadas substitutivamente
por meio da leitura sobre experimentos ou não. Por outro lado, há um grande número de
heathens modernos que ganharam alguma experiência nas forças armadas ou que atualmente
vivem no sítio que costumam fazer muitas coisas à mão, mas, em geral, essas experiências
não incluem a construção e manutenção um jardim/fazenda com apenas ferramentas manuais,
trabalhando sem formas modernas de combustível, como eletricidade ou produtos petrolíferos,
nem geralmente incluem trabalhar com produtos de origem, como lã de ovelha, rocha, árvores
ou ferro forjado em vez de aço. Agrupar-se com outros envolvidos em experimentos
antropológicos experienciais, mesmo por um curto período ou trabalhando de forma
independente em um único projeto, como a criação de massa lêveda com farinha moída com
moinho (feito de trigo cultivado em casa) pode ser de grande valor para os heathens
reconstrucionistas modernos.
As próximas perguntas provavelmente devem ser: “Por que alguém deveria se envolver em tais
atividades apenas para pertencer a uma religião?”. Qual a relação entre a reconstrução dos
processos físicos da produção de artefatos e a religião? No entanto, a suposição de que o
reconstrucionista está trabalhando é que não existe uma religião real. Para o reconstrucionista,
a “religião” é algo que é culturalmente independente e autônomo e o que o reconstrucionista
procura experimentar não é a religião, mas a visão de mundo, a mentalidade das pessoas em
questão, que deu origem a certas práticas espirituais específicas . [7] A prática espiritual central
dos pagãos modernos é, por exemplo, um sacrifício aos regin (ON), os deuses, mas o
reconstrucionista não está procurando reconstruir a cerimônia tanto quanto ele está tentando
experimentar por que a cerimônia foi mesmo importante, em primeiro lugar. O reconstrucionista
não procura uma religião, mas aquilo que está subjacente à prática espiritual.
O reconstrucionista aprecia suas experiências pessoais, bem como as relatadas por outros.
Como na antropologia experiencial, as experiências se acumulam umas com as outras para
reconstruir os processos detalhados sobre o que a vida havia sido há 1000 anos atrás, e o mais
importante, não são teorias, isto é, experiências mentais, do que a vida poderia ter sido, mas
probabilidades com base na experiência. Dado o conhecimento físico das ferramentas e
materiais do tempo e do lugar, ela permanece simplesmente uma reconstrução moderna, com
certeza, mas pode-se presumir com um certo grau de certeza que partes do experimento caem
“na estimativa” e o grau de certeza pode ser melhor ajustado quanto à probabilidade. O
reconstrucionista deve sempre estar ciente de que a história não está sendo revivida, nem
pode ser perfeitamente duplicada. Esse não é o ponto do reconstrucionismo na heathenry
moderna; O ponto real é a tentativa de obter a experiência de como a vida era provavelmente,
porque é uma coleção de experiências e percepções sobre o mundo de uma maneira
específica, que era a matriz na qual germinava e crescia a heathenry e, por extensão, em que
ela evoluiu.
A abordagem dos heathens reconstrucionistas pode ser um tanto comparada aos experimentos
de micologistas que, ao tentar recriar as condições exatas (matriz ambiental) de um
determinado fungo, são capazes de encorajar o crescimento do cogumelo em condições
laboratoriais. Concedido, o fungo cultivado não é o mesmo que um cogumelo selvagem, mas a
importância do experimento é que os processos naturais que produzem o cogumelo selvagem
agora são entendidos através da experiência.
O primeiro passo e provavelmente o mais difícil de superar é [a falta de vontade de] querer
mudar a visão de mundo ou, pelo menos, querer alterá-la. Para muitos, isso significa destruir,
ou pelo menos deixar de lado a confortável visão de mundo que eles já construíram, se
inscreveram, investiram e acreditam e esperam. Uma busca comum nos últimos 50 anos foi a
de encontrar um “pós-vida”, que era confortável de se esforçar, o que seria tolerável para viver
após a morte e que seja alcançável. Houve um movimento geral nos últimos 50 anos para
desenvolver um conceito além do cristianismo, onde os resultados finais não levaram “até o fim
do tempo” para ser percebidos, que para esse fim, muitos cristãos modernos desenvolveram
versões modificadas do “pós-vida” e colocá-los no lugar em que o inferno, o purgatório e os
limbo foram todos eliminados e para que o Céu seja alcançável em um período de tempo mais
confortável do que “no fim dos tempos”. Versões alternativas modificadas das religiões orientais
surgiram também para que o “ciclo de reencarnações” tibetano, por exemplo, tenha sido
reduzido a um quadro de tempo e definição confortáveis para que se avance constantemente
para o objetivo final. No momento em que muitos descobrem a heathenry moderna, eles já
desenvolveram o senso de uma Pós-vida. Para o reconstrucionista, o conceito de “Pós-vida”
deve ser suspenso ou descartado, para que ele possa experimentar o sentido de um Pós-vida
adotado pelo grupo germânico estudado. Para aqueles que se aproximam do
reconstrucionismo em sua busca pela religião perfeita e pessoal, esse experimento, “jogar fora
o Pós-vida totalmente confortável” deve parecer uma perversão, uma blasfêmia de tudo o que é
sagrado.
Tomar o primeiro passo, então, é muitas vezes completamente contrário ao sistema de crença
pessoal de alguém com suas proscrições inerentes, talvez, abandonando os objetivos
pessoais, ou seja, aqueles que impulsionaram sua busca de uma “alternativa ao cristianismo”
em primeiro lugar, fazendo o envolvimento em tal experimento ser extremamente difícil e para
alguns, talvez, completamente impossível.
Nós fomos admoestados em um ponto por ousar experimentar o conceito de alterar ou mudar
completamente a visão de mundo de alguém ou mesmo encontrar uma maneira de aceitar
duas visões de mundo separadas.
Se a religião é a vida de alguém, ele não se verá satisfeito olhando a religião como um módulo
dentro de uma visão de mundo, para ser trocado por outro, dependendo do que é necessário
na época, e se uma determinada religião não se tornar a “vida” do adepto, há apenas uma
pequena chance de ter sucesso contra os diferentes módulos de religião competindo.
A declaração acima é um jogo justo. Se alguém realmente “acredita” em alguma coisa, como
pode simplesmente suspender ou, talvez, mudar a crença para outra? Se fosse esse o caso,
então é realmente possível afirmar que ele realmente acreditava em primeiro lugar? Pode uma
“crença” realmente ser uma grande crença, se pode ser alterada para outra? Como se pode
esperar que uma religião baseada em tais crenças lunáticas se mantenha contra outras?
Enquanto um “verdadeiro crente” pode achar que essa situação seja paradoxal, o
reconstrucionista encontra essa posição como um lugar fértil e digno de estudo e pesquisa. A
“suposição” é que a “crença” deve ser um componente necessário para a práxis pagã moderna.
O reconstrucionista questiona o conceito de “crença”, porém: Qual era a palavra nórdica antiga
ou alto-alemã antiga ou saxã antiga para “crença”? A palavra foi usada entre os heathens
[antigos] ou foi criada para representar um conceito cristão primitivo? De fato, Bernard Maier (e
outros também) em sua Die Religion der Germanen fornece evidências substanciais de que o
conceito [de crença] e as construções iniciais de palavras provavelmente não faziam parte das
visões de mundo dos heathens germânicos, pelo menos em qualquer uma das culturas
deixando para trás registros escritos. E quanto a esses homens nas sagas que foram descritos
como “sem deus” confiando apenas na espada e na força do braço? Eles acreditavam em
algo? Ou como os mestres zen do antigo Japão, eles enfatizaram tomar a vida como ela
permanece flexível e fluida, colocando sua confiança em nada, exceto a tarefa a ser concluída?
No nosso alegre tratamento do conceito de “crença”, ou eliminando completamente o conceito,
parece que os reconstrucionistas podem estar pisando em um bom campo heathen sólido com
precedência histórica para o apoiá-los.
1. Por que a separação tribal dos Vanir versus os Æsir não aparece nos textos góticos, alto-
alemães antigos, saxões antigos e anglo-saxões?
2. Óðínn foi visto como “o Deus Alto” em todos os ramos linguísticos germânicos?
3. Por que um Pós-vida heathen aparece apenas em poesia posterior (eddaica) enquanto as
sagas e a poesia dos skalds do período pagão coincide com a maior parte das evidências
arqueológicas de que a vida continuava no túmulo?
1. religião,
2. crença,
3. Uma vida após a morte,
4. Um sentido espiritual de recompensa/punição,
5. Uma alma separável do corpo?
5. Como um gráfico de torta, como a vida espiritual pagã se dividiu? Foi a porcentagem de
devoção igualmente dado a deuses, antepassados e vaettir benéficos, da fazenda e da
natureza?
6. Os povos germânicos tendem a ser muito formais na vida social/governo. É possível que a
razão pela qual a vida/governo social germânico não possa ser facilmente separada da vida
espiritual germânica é porque, para os primeiros povos germânicos, a vida social/governo
realmente foi a sua vida espiritual? Também é possível que os restos da vida espiritual
cerimonial heathen sejam melhor vistas hoje nos procedimentos formais do tribunal, do
Congresso e do Parlamento do Reino Unido?
Nosso conjunto favorito de perguntas no momento envolve a ideia moderna de que “um deus”
nas línguas modernas implica uma figura universal, ou seja, como Jehovah, Thór (Donar) é o
único Thór em todo o mundo para que o Thór na Noruega seja o mesmo Thór no norte da
Alemanha, no sul da Alemanha, na Áustria, em Nova York, no Novo México, etc. Como essa
crença apoia o fato de que Thór ou Wodan eram deidades aparentemente vinculadas e
funcionavam como parte da paisagem? É possível ver essas divindades como tendo
“contrapartes” em todas as várias regiões onde foram adoradas? É possível ver um deus, Thór,
por exemplo, como um título para uma deidade desempenhando um papel específico? O que
acontece com a interpretação de alguém de uma visão de mundo antiga da área estudada? Se
essa abordagem já existisse, ela apoia as evidências existentes em relação às diferenças
culturais, particularmente aquelas diferenças que mostram variações regionais no folclore,
como Óðinn, o escolhedor de guerreiros da Escandinávia, versus Wodan do norte da
Alemanha, cujo cavalo, até o século passado, recebeu feno e grão durante o Yule? Como um
“nome-divino-como-título” afetaria como contos ou poesia são escritas? E há algumas
indicações na poesia antiga ainda existente? A investigação experimental dessas questões
ainda está pendente.
O tipo de questionamento acima não é muito popular entre os heathens praticantes, porque
isso interfere na “crença”. Este é o conteúdo dos críticos que tomam uma posição contra o
reconstrucionismo; e argumento, então, contra isso é muitas vezes formulado assim: porque o
reconstrucionista está envolvido na “experimentação com visão de mundo” especificamente
através da colocação temporária de “módulos parciais de visão de mundo”, ele não pode aderir
a uma religião real. A resposta completa a tal argumento será o tema do restante deste ensaio;
No entanto, o nosso contra-argumento de abertura é o seguinte:
O pressuposto usado por nossos detratores é que “a antiga visão de mundo heathen
germânica já existe e está disponível para todos que desejam a seguir”. No entanto, não
acreditamos que nenhuma das visões de mundo germânicas tenham sido exploradas
completamente o suficiente para as tornar funcionais e, como consequência, escrevemos
vários documentos que indicam onde grandes partes das visões de mundo foram ignoradas ou
substituídas por blocos retirados do moderno [pensamento sobre religião].
Por fim, o reconstrucionismo não é realmente uma abordagem para todos os heathens
modernos e pode ser muito difícil para o tipo de personalidade que está “buscando ativamente
uma visão de mundo como uma alternativa confortável à visão de mundo comum de seu
país/comunidade”. Não podemos defender a abordagem para esses propósitos, porque o
reconstrucionismo geralmente deixa muito mais perguntas do que respostas e, portanto, terá
pouco valor. Para aqueles de nós envolvidos em tal abordagem, fazemos isso não porque
somos buscadores da “verdade universal” ou porque estamos procurando uma “alternativa
possível de se viver” à norma, mas sim porque somos buscadores do conhecimento antigo, das
antigas visões de mundo há muito mal posicionadas e esquecidas e, com sorte, por nossas
obras, outros se beneficiarão.
4. A Lista do “Impossível”
Para todo o bem que o reconstrucionismo pode fazer, há uma lista de coisas que serão
impossíveis para o reconstrucionismo. Nós sentimos que é importante que esta lista seja
colocada por vários motivos. Primeiro, é claro, existe um mal entendimento global do
reconstrucionismo em geral e que os reconstrucionistas acreditam ter algum tipo de acesso
direto à “visão de mundo heathen”. [9] Os reconstrucionistas, se perderem a visão do objetivo
final do reconstrucionismo, podem cair na armadilha de acreditar que estão servindo para
recriar algo que é praticamente impossível de recriar no século XXI, dados as restrições dos
sistemas legais modernos e o sentido moderno dos direitos humanos, nacionais ou pessoais e,
claro, as condições ambientais que já não existem. O reconstrucionismo também pode levar a
uma sensação de “superioridade” sobre os outros. O reconstrucionismo é uma área de estudo
que nunca pode ser completada em 100% porque a história já se foi e nunca pode ser revisada
com algum grau de certeza real – mesmo que seja completa em algum momento, sua
conclusão nunca pode ser conhecida porque não existe nenhuma maneira de voltar no tempo
para comparar o estado atual do conhecimento com o original. Como as condições nunca
podem ser reproduzidas exatamente, o melhor que um reconstrucionista pode esperar é “fracos
feixes de luz de experiências que são semelhantes às de nossos antepassados dentro de um
certo grau de probabilidade. A lista do “Impossível” provavelmente será mais completa do que
qualquer uma das visões de mundo reconstruídas.
Então, aqui está a lista parcial, tal como está nesta data:
1. Primeiro e, acima de tudo, é importante entender que o reconstrucionismo não pode substituir a
adesão a uma visão de mundo. A “adesão” implica que alguém está operando a partir do
“interior”; o reconstrucionismo reúne o seu poder real de estar no “externo” olhando para
dentro. O paradoxo é semelhante ao paradoxo da física quântica, onde se pode investigar o
movimento de um elétron, mas não se pode ao mesmo tempo saber nada sobre sua posição e
vice-versa.
2. O reconstruccionismo não implica que alguém esteja empenhado em reproduzir ou duplicar a
história. Não é uma máquina do tempo onde se é capaz de voltar para a história e experimentá-
lo em primeira mão. É mais uma “abordagem metódica para estudar as forças e processos que
provavelmente geraram a heathenry”. [10]
3. O produto final do reconstrucionismo não é recriar as primeiras culturas germânicas no século
XXI; o conhecimento singular dos processos antigos é o único objetivo.
4. As visões de mundo heathens reconstruídas funcionarão apenas como um auxílio para limpar o
espelho da história, de modo que os adeptos modernos terão a chance de experimentar de
forma mais completa a imagem de uma maneira historicamente precisa, mas mesmo no seu
melhor, o reconstrucionismo nunca será capaz de completamente limpar o vidro.
5. O reconstrucionismo é uma abordagem para estudar os fundamentos históricos da heathenry;
não é, nem pode ser uma abordagem para “viver como um pagão “. “Viver como um pagão”
deve ser dentro de uma visão de mundo ativada.
6. Nossos detratores com todos os seus argumentos contra o reconstrucionismo estão
absolutamente corretos. Seus argumentos vêm de uma “visão de mundo ativada”,
historicamente precisa ou não; nossos argumentos são sempre da perspectiva externa
olhando, geralmente, mais de uma visão de mundo de forma estática.
Por exemplo, uma vez fizemos a pergunta “É a atual distância espiritual percebida entre um
homem e um deus, a mesma que a distância histórica percebida entre um heathen e seu
deus?” Analisamos os conjuntos de dados como não-adeptos olhando para adeptos. Adeptos,
por outro lado, basearam seus argumentos naturalmente na experiência pessoal. As
explicações de nossos resultados foram aceitáveis ou não aceitáveis e, se não fossem
aceitáveis, era porque não podíamos entrar na experiência pessoal do indivíduo. Nós fomos
capazes de ver as posições do elétron espiritual, e por causa do paradoxo fomos incapazes, ao
mesmo tempo, de experimentar seu movimento.
Como reconstrucionistas, podemos obter informações sobre nosso passado histórico, mas no
momento em que estamos envolvidos no reconstrucionismo, não podemos praticar como
adeptos heathens modernos mais do que podemos realizar a neurocirurgia em nossos próprios
cérebros – não podemos ser o paciente e o cirurgião ao mesmo tempo. O envolvimento no
reconstrucionismo deve ser capaz de suspender temporariamente a nossa “heathenidade”, sair
do manto pagão e entrar no colete de laboratório do pesquisador, fazer uma série de pequenas
afinações e ajustes na visão de mundo (como uma coisa estática) e então, de uma forma um
tanto esquizofrênica, ser capaz de dar um passo atrás, recolocar o manto da heathenry,
finalmente, para ganhar a experiência. É um jogo estranho para ter certeza, mas não é mais ou
menos incomum do que as centenas de milhares de cientistas que aderem ao cristianismo e
que devem se envolver em pesquisas cujos resultados estão em conflito com os ensinamentos
de sua própria Igreja. [11]
Até este ponto, confiamos na pesquisa acadêmica de homens e mulheres com pouco interesse
em heathenry além da simples sede de conhecimento do passado, a fim de construir o que
conhecemos como heathenry moderno. É hora de nós, como pagãos, prosseguir com as
tarefas que nos deixaram os estudiosos do passado. Com o reconstrucionismo, temos a
metodologia para realizar essa pesquisa, mas somente enquanto o indivíduo pode lidar com
ambos os trajes de roupas.
Por fim, embora o reconstrucionismo tenha sido o centro dos debates acalorados entre
heathens modernos que desejam se agarrar à Ásatrú como uma religião alternativa e aqueles
que adotaram a heathenry como forma de vida principalmente por seus valores culturais e
históricos, como filosofia [o reconstrucionismo tem] muito para oferecer a ambos grupos. Como
base para regenerar uma “religião alternativa”, ela assegura que o resultado se baseie na
precedência histórica, permitindo que a heathenry se desenvolva em cima do fato histórico.
Para o último, no entanto, oferece uma abordagem filosófica e teórica para estudar o passado e
uma forma de ganhar “experiência pessoal” do passado, embora de forma fragmentada.
Mesmo que já tenhamos determinado que o passado é neve do ano anterior, e que a mesma
neve nunca pode ser revisitada, é a experiência da heathenry no presente que pode tornar a
abordagem do reconstrucionismo sedutora e enriquecedora para todos.
Qualquer conjunto de aplicações práticas, pensamos, seria contraproducente e teria, com toda
probabilidade, o efeito indesejável de gerar uma abordagem dogmática ou prescritiva em vez
de reproduzir o que a heathenry era ou deveria ser: um modo de vida com um componente
espiritual natural ocorrendo inextricavelmente interligado ao tecido das maneiras populares.
Para este fim, todos os nossos trabalhos, até à data atual, só chegam a questionar “crenças
comuns” sobre a heathenry, mas evitamos quaisquer prescrições reais sobre a concepção da
própria maneira popular. O reconstrucionismo dentro da práxis é um tanto paradoxal, como
afirmamos acima e, portanto, apresentamos a seguinte analogia.
Existe um elemento de “encadear” que oferece retorno constante para o indivíduo. Este é um
subproduto da participação e da práxis. Presumivelmente, o ciclo de retorno utiliza a
experiência sensorial da práxis para estabelecer uma nova base sobre a antiga. Desta forma, o
modo de vida heathen é adquirido em pedaços pequenos de cada vez em vez de grandes
partes. Na experiência do autor, este processo está acontecendo nos últimos 15 anos,
permitindo uma absorção muito lenta e limitada.
Escrevemos, desde 1999 EC, que, para que a heathenry funcione, um componente-chave é
que ele deve se desempenhar na própria comunidade geográfica. Embora os críticos da ideia
admitam plenamente que parece ter havido pouca separação entre a antiga “heathenry” e a
antiga “comunidade”, seu ponto de vista de que as comunidades antigas eram homogêneas
sendo compostas principalmente de heathens e que, porque este ambiente antigo não pode ser
reproduzido na cultura moderna manteve muitos retraídos de experimentar a “participação na
comunidade”. Experimentação alternativa na criação de “comunidades de internet” ou
“comunidades temporárias” que se unem de forma esporádica para celebrar as grandes
festas [12], enquanto a diversão para os participantes e, talvez, até mesmo espiritualmente
edificante, não parece ter gerado muito sucesso em melhorar qualquer compreensão das
antigas visões de mundo. Presume-se que as visões de mundo modernas mantidas pela
maioria dos participantes servem para produzir o que poderia ser interpretado como um
churrasco de fim de semana sem fins lucrativos fracamente heathen, com tema nórdico. [13]
A partir da pesquisa da área da sociologia, sabemos, ou pelo menos suspeitamos, que a vida
heathen circundou o ciclo agrícola das estações. O Yule, por exemplo, sempre se concentra
em um período de calma no ano agrícola e variou de região para região quanto a pontos de
parada iniciais, dependendo da indústria específica da região. A abordagem reconstrucionista
do Yule, para seguir o exemplo, seria olhar para o Yuletide já existente da região geográfica e
começar a construir a partir daí; reconstruído, desta forma, os heathens continuam a ser uma
parte funcional da comunidade. Na área do mundo do autor, não só os chiles verdes são uma
cultura comercial primária e um alimento básico da região, mas a abordagem reconstrucionista
sugeriria que uma festa anual primária poderia ser construída em torno da torragem do chile
(após a colheita) pois esse é um momento em que as pessoas se reúnem em um estado de
trabalho semi-lazer/social/comunal. [14]
O reconstrucionismo, como afirmado acima, é muitas vezes confundido por heathens e não-
heathens, como se fosse um chamado para retornar aos “bons velhos tempos”. Na verdade, e
na prática, esse não é o caso. Embora existam limitações inerentes à abordagem, o
reconstrucionismo, como uma parte padrão da heathenry moderna, o funcionando como uma
pedra de toque pode fazer muito para garantir que a heathenry permaneça alinhada com o
patrimônio cultural germânico, impedindo os “mitos” modernos sobre a heathenry de se
desenvolver e propagar. Para os que são novos na heathenry, o reconstrucionismo permite que
o recém-chegado se estabeleça em um modo de vida diferente, incentivando uma abordagem
de um passo a cada vez e prossiga de forma lenta, permitindo que o recém-chegado entre na
nova visão de mundo confortavelmente. Por fim, o reconstrucionismo, devido ao seu foco
restrito em entender e incorporar os fundamentos lógicos das visões do mundo pagãs na vida
diária, pode facilmente se tornar uma atividade amiga da comunidade que não é ameaçadora.
[1] O primeiro artigo, Germanic Spirituality foi publicado sob a Creative Commons Deed em 11
de julho de 2003, em http://www.angelfire.com/nm/seidhman Um total de 3 artigos foram
publicados desta maneira até agora.
[2] A pessoa comum não classificaria a incapacidade de um pássaro para voar para a lua como
sendo uma “falha”, também. A incapacidade é uma limitação natural. Há também algumas
limitações inerentes à ideia de “reconstrução”.
[3] Claro, a premissa é incorreta, de acordo com as regras padrão de lógica. “Se não há
evidências de que existe uma coisa, não há nada para sustentar uma afirmação de que ela
existe. Essa afirmação, então, continua sem sentido até a evidência ser produzida”.
[5] Este é realmente um problema completamente separado, mas que não foi completamente
reconhecido até o momento.
[6] Citado de http://www.rte.ie/vikings/index.html
[7] O argumento foi posto por alguns que a religião ao invés de situar-se abaixo da visão de
mundo está realmente adicionada sobre a visão de mundo. Na era moderna, esse argumento é
verdadeiro: uma religião modular tomada e incorporada afetará e remodelará a visão de
mundo. Por outro lado, as “religiões étnicas” que não podem, por qualquer definição moderna,
ser verdadeiramente consideradas, “uma religião” não são, de fato, retomadas e incorporadas,
mas são suportadas pela própria visão de mundo e, como tal, são completamente inseparáveis
dela. Por último, uma vez que o reconstrucionismo é na verdade sobre a recolha de
experiências (vislumbres nas visões de mundo antigas) e é uma abordagem para pesquisar a
história em oposição a um método para recriar a “religião”, os contra-argumentos desaparecem
como inúteis e como um mal entendimento do que é o reconstrucionismo.
[9] Muitas vezes usamos o termo para significar as visões de mundo heathens de forma
coletiva, independentemente do período ou da região. O fato é que não havia nem uma única
visão de mundo, e que o plural, “visões de mundo de heathens germânicas” é o conceito
apropriado.
[10] Deve-se notar que estas são também a maioria das mesmas forças e processos que,
eventualmente, provocaram e levaram a conversão do norte da Europa ao cristianismo e que
eventualmente evoluiu para a Igreja primitiva do norte da Europa.
[11] O autor já teve um professor de neurologia que sustentava que ensinar a evolução era
adequada porque Deus havia inventado o processo de evolução, cadeias de DNA e micro-
organismos que eventualmente se uniriam para produzir um hominídeo que poderia evoluir o
suficiente para poder investigar adequadamente o próprio passado até mesmo através de
micro-organismos para cadeias de DNA e os efeitos que o processo de evolução teria sobre
eles!
Tribos e Povos
Entenda melhor quem eram os povos Germânicos dos quais buscamos reconstruir a visão de
mundo nos nossos dias.
Indo-europeus
Os povos germânicos e os demais povos da Europa e diversas partes do mundo compartilham
uma cultura que tem origem indo-europeia. Trazemos este artigo para explicar melhor quem
são esses nossos ancestrais — se você fala português, você já é um descendente deles — e o
que fez eles terem uma expansão tão grande e tanta importância pelo mundo.
Não se sabe como essas pessoas chegaram lá, mas a Índia foi um dos primeiros lugares a
serem colonizados pelos primeiros humanos depois que eles deixaram a África há cerca de 90-
70,000 anos atrás. Algumas dessas pessoas ficaram onde estavam e outras continuaram
seguindo pelo litoral para povoar a China e o Sudeste Asiático. Parece provável que, depois de
migrar para o interior, outros migraram para o norte e, ao longo do tempo, formaram
comunidades ao redor das estepes. Se essas comunidades existiram em uma linha ininterrupta
até o seu desenvolvimento em proto-indo-europeus nunca poderá se saber. Mas, no entanto,
eles se desenvolveram, os proto-indo-europeus existiram no sexto milênio antes da Era
Comum (AC), em uma pátria que parece estar localizada em algum lugar entre as Montanhas
do Cáucaso entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, e as margens do norte daqueles mesmos
mares. A migração subsequente é um assunto extremamente complexo e controverso.
Seja qual for o nível de unidade desconhecido que esses primeiros indo-europeus tenham tido,
eles começaram a se dividir no terceiro milênio antes da Era Comum. Vários grupos migraram
para fora da Ásia Central a partir de então, empurrados para o oeste e para o sul por uma
combinação de mudanças climáticas, movimentos populacionais e talvez pressão de outros
povos mais ao leste. Sua linguagem única, gradualmente alterada em vários dialetos que
podem ser divididos em doze ramos, dez dos quais contendo línguas sobreviventes. Muito
brevemente, estes são os anatólios (os hititas, os luwianos, os lídios e os palácios), os bálticos
(como os letões, os lituanos e os antigos prussianos na costa oriental do mar Báltico), os celtas
(que no passado dominaram a Europa Central e ocidental) , os germânicos (originários dos
antigos nórdicos e dos saxões), os gregos (mais notadamente os micênicos e os atenienses),
os ilirianos (da costa norte e leste do Adriático, sobrevivendo na Albânia e com um grau de
herança no sul da Itália), os indianos (os disputados povos indo-arianos em oposição aos
grupos dravídicos preexistentes que geralmente foram empurrados para o sul), os iranianos (na
forma dos alanos, maneses, medianos, persas, citas e outros), os latinos (encarnados pelos
romanos), os eslavos (que emergiram para dominar a Europa Oriental no período medieval), os
trácios (do norte da Grécia e dos Balcãs que também incluem os armênios) e, finalmente, os
tocarianos (no noroeste da China, que eram intimamente relacionados com os ramos anatólio,
celta e latino).
Os indo-europeus são responsáveis por algumas das línguas antigas mais notáveis do mundo,
incluindo o grego, o latim, o pali, o persa e o sânscrito. Muitas das mais importantes línguas
modernas do mundo são indo-europeias, como bengali, inglês, francês, alemão, hindi, russo e
espanhol. Mais de metade da população mundial fala uma ou mais dessas línguas, seja como
língua materna ou linguagem comercial.
Testes genéticos recentes de pessoas vivas e restos antigos estão apontando em uma direção
ligeiramente diferente das montanhas caucasianas como origem para os indo-europeus. Os
homens carregam e transmitem através do cromossomo Y a história da migração masculina,
crítica para traçar os movimentos das sociedades guerreiras. Os cromossomos Y indo-
europeus carregam dois ‘sabores’ [flavours] primários, chamados R1a e R1b por geneticistas.
O R1a é encontrado fortemente em eslavos, baltas e indo-iranianos, e é misturado com R1b
em pessoas de língua germânica. A distribuição geográfica nos tempos antigos para R1a é a
Rússia europeia, a oeste das Montanhas Urais. O R1b é encontrado entre outros indo-
europeus, sendo proeminente entre celtas antigos, itálico e similares (embora seja importante
notar que nem todos os R1b são indo-europeus). A distribuição geográfica parece ter
começado com primordiais pastores de gado no sudeste da Turquia e no norte do Iraque,
alguns dos quais se mudaram para o pasto nas estepes abertas da Ásia ao leste do Mar
Cáspio. O que temos é uma origem na floresta russa e na estepe da floresta para a metade dos
indo-europeus (aqueles que combinam linguisticamente o ramo satema (leste) das línguas
indo-europeias e ocupam metade do território previamente atribuído aos Urálicos) e uma
origem de estepe aberta para todos os outros indo-europeus (que combinam o ramo centeno
(ocidental) das línguas indo-europeias). Isso ameaça invalidar a teoria predominantemente
dominante de uma pátria das Montanhas do Cáucaso para os indo-europeus, em vez disso,
movendo-os para o norte e para o leste. Resta saber se essa teoria baseada em DNA
substituirá a teoria linguística estabelecida.
O professor
Gennady Zdanovich recentemente (2010) realizou novas descobertas no moderno Cazaquistão
na estepe das cidades ‘espirais’ da Idade do Bronze, que apresentam muitos sinais de terem
sido construídas e usadas pelos indo-europeus, tendo sido construídas em torno de 2000 anos
antes da Era Comum
Cerca de 5.800 — 5.000 antes da Era Comum
As migrações populares dos agricultores pioneiros do Oriente Médio atingem o vale do Danúbio
e a borda da estepe Pôntico-Cáspia em cerca de 5800 antes da Era Comum. Depois de vários
séculos de resistência e influência cultural de baixa escala dos agricultores — principalmente
membros da cultura Bug-Dniester — sua nova economia de pastoreio é adotada por alguns
grupos chave de forrageiros no rio Dnieper. Em seguida, difunde-se muito rapidamente na
maior parte da estepe Pôntico-Cáspia, tanto a leste quanto nos rios Volga e Ural. Este evento
revolucionário transforma a economia, os rituais e a política dos habitantes da estepe. Um novo
conjunto de dialetos e palavras se espalha através das estepes com a chegada do novo
sistema econômico e ritual-político — os antepassados do proto-indo-europeu. Os chefes
começam a surgir, junto com líderes religiosos e ministros.
O ramo anatólio da língua indo-europeia já se separou inteiramente dos outros grupos, primeiro
tornando-se pré-anatólio, e depois evoluindo para proto-anatólio. Ele retém muitas
características arcaicas que posteriormente foram perdidas dos outros ramos da língua indo-
europeia. No entanto, ele forma o antepassado da língua hitita, além da luwiana (com muitos
sub-ramos – veja c.1600 da antes Era Comum, abaixo, para detalhes), lidiano e palaico, todos
os quais fizeram parte do movimento anatólio a partir da terra original indo-europeia, indo para
o sul através das montanhas do Cáucaso, eventualmente para alcançar as terras altas da
Anatólia. A partir daí, os hititas conseguem formar um império que engloba a maior parte da
Anatólia, embora tenham chegado tardiamente e levam mais tempo para se instalar do que os
falantes de luwiano. Os falantes de pala são posteriormente invadidos pelos cascanos não-
indo-europeus e seu dialeto desaparece após a absorção pelos frígios.
Cerca de 3.500 — 3.300 antes da Era Comum
Outros grupos já começaram a migrar para o oeste, e também para o sul, longe dos ramos
anatólios e tocarianos. Todos esses grupos a oeste usam vagões de quatro rodas para
transportar seu povo e possuem vocabulário de vagão/roda que é totalmente original para si
mesmos, mas que não é compartilhado pelo grupo dos anatólios e é parcialmente
compartilhado pelo grupo de tocariano, demonstrando uma chegada da roda algum tempo em
torno do ponto em que os tocarianos estavam começando a perder contato com seus povos
parentes.
De acordo com David Anthony, o ‘Horizonte Yamnaya’ explode através das estepes Pôntico-
Cáspias em torno de 3.300 antes da Era Comum, sendo esse grupo o principal vetor através do
qual os proto-indo-europeus se espalharam para o oeste. As várias expressões culturais inter-
relacionadas que formam a base desse ‘horizonte’ são criadas pelos primeiros proto-indo-
europeus que pertencem a tribos semi-nômades e pastorais que podem, mais ou menos, se
entenderem. A partir da migração, essas pessoas chegam às Montanhas dos Cárpatos e ao rio
Danúbio, perto da moderna Budapeste, onde esta migração popular parece parar.
Nature.com (2015) suporta a teoria do ‘Horizonte Yamnaya’. Por volta de 4000-3000 antes da
Era Comum, os agricultores de toda a Europa têm mais ascendência de caçadores-coletores
(forrageiros) do que seus predecessores (mostrando uma mistura gradual de caçadores-
coletores anteriores e os agricultores que chegaram entre cerca de 6000-5000 antes da Era
Comum). Na Rússia, os pastores estepe Yamnaya desta vez são descendentes não apenas
dos caçadores-coletores Pôntico-Cáspios anteriores, mas também de uma população de
ascendência do ‘Oriente Próximo’. Os agricultores neolíticos se expandiram em torno da costa
ocidental do Mar Negro para interagir com os caçadores-coletores no sexto milênio antes da
Era Comum, e parece que, eventualmente, os dois grupos se misturam, produzindo uma
população que foi misturada com um maior grau de agricultores do que na Europa Ocidental.
A teoria do
Horizonte Yamnaya viu muitas tribos pastorais semi-nômadas migrar grandes distâncias ao
longo de muitas gerações, ajudadas pelo uso de vagões e carroças de quatro rodas, e os
petroglifos mostrados aqui (do norte da Mesopotâmia) formam uma das primeiras gravações
da história dessas carroças
Cerca de 3.300 antes da Era Comum
Algo menos óbvio para muitos é que a cannabis pode estar viajando na direção oposta ao ouro
e à prata que vem do sul — desta vez viajando das estepes pôntico-cáspias para a
Mesopotâmia e os primeiros estados da cidade de Sumer. A kdnnabis grega e o proto-
germânico *baniptx parecem estar relacionados com o kuriibu sumério. O sumério morre como
uma língua amplamente falada depois de 2000 anos antes da Era Comum, então a conexão
deve ser muito antiga. O comércio internacional do período de Uruk tardio (cerca de 3.300-
3.100 aEC) fornece um contexto adequado para esse comércio.
O vínculo entre a forma primária, proto-indo-europeia da palavra cannabis (e, portanto, sua
provável origem suméria a partir de kuriibu) na forma proto-germânica requer alguns passos.
No final da Idade do Bronze, os grupos proto-germânicos estão bastante isolados no sul da
Escandinávia e ao longo da margem sul do Mar Báltico, mas teoriza-se que estão em contato
com os proto-celtas (e possivelmente mesmo dominados por eles). Apoiar isso é a percepção
de que a ‘cannabis’ precisaria passar pelo céltico para alcançar sua forma germânica: o ‘k’
inicial seria um ‘kw’ no Q-céltico (da Primeira Onda), transformado em ‘p’ no P-Celtic (da
Segunda Onda), e depois transformado em ‘b’ em belga (celta do norte), e finalmente adotado
em germânico. Isso parece se encaixar na ideia de que os celtas belgas dominam o norte da
Europa antes do surgimento das tribos germânicas ao redor do século V antes da Era Comum.
Além da teoria do “Horizonte Yamnaya”, David Anthony acrescenta que a separação entre os
grupos itálico e os de linguas celtas estreitamente ligadas parece ocorrer entre 3100 e 2600
AEC. Em seguida, a Cultura do Vaso Campaniforme decorou estilos de copos, tipos
domésticos de pote. Tipos de sepultura e de punhal do Danúbio central são adotados em 2600
AEC na Morávia e no sul da Alemanha, possivelmente como resultado do comércio e não de
uma migração imediata. No entanto, esta rede de materiais poderia ser a ponte através da qual
os dialetos pré-celtas se espalharam para a Alemanha. As áreas mais ao sul desta, Áustria e
Baviera, aparentemente se tornaram o local em que o proto-celta originalmente se desenvolve
— ou seja, a terra original da língua.
De acordo com Ellis (1998), o grande número de nomes de lugares celtas ainda sobreviventes
na Suíça e no sudoeste da Alemanha são, portanto, uma indicação de que, quando os povos
celtas aparecem no registro histórico já estão bem estabelecidos nesta área. Ele também ecoa
os pontos de vista de Hubert de que a sobrevivência até hoje de tantos nomes celtas para
características geográficas importantes (como os rios Reno e Danúbio) nas regiões que agora
são de língua alemã aponta para que os nomes sejam de forma indígena e de uso prolongado.
Se a escala de tempo proposta por David Anthony é aceita ou não, uma data de cerca de 3000
AEC ainda é usada como o ponto provável no qual os indo-europeus restantes (exceto o ramo
da Anatólia) começam a se separar em proto-linguas definidas que não são inteligíveis entre si.
Um grupo ocidental evoluirá para os ramos Celta, Itálico, Venético, Ilírio, Liguriano,
Vindelício/Liburniano e Raético. No início da expansão deste grupo ocidental, uma tribo
aparentemente faz a reviravolta acima mencionada e dirige-se para o leste (o que é fácil de
fazer quando você é um nômade da estepe!) para evoluir para o ramo tocariano dos indo-
europeus (veja 2200 AEC, abaixo ).
Um ramo oriental — ou talvez um ramo que permaneça na estepe de origem por um milênio ou
mais e que, portanto, se torna um ramo oriental por padrão, porque o resto se dirigiu para o
oeste — aparentemente chamando-se de Arya ou algo parecido dos antepassados de grande
parte da população moderna da Índia (exceto para as partes mais ao sul — veja 2200 AEC,
abaixo), além de curdos, persas, maneses, medianos e povos relacionados (ver 1200 AEC,
abaixo), possivelmente inclusive incluindo os indo-citas.
Por volta de 3000 AEC, os indo-europeus começaram sua migração em massa para longe da
estepe Pôntico-Cáspia, com a maior parte deles indo para o oeste em direção ao coração da
Europa. Créditos na imagem.
Cerca de 2.500 antes da Era Comum
A Nature.com (2015) tem esse tempo como o tempo aproximado em que as pessoas da estepe
de Yamnaya entram em contato com a população de agricultores da Europa Ocidental e os
caçadores-coletores cada vez mais orientados para a agricultura. A cultura da Cerâmica
Cordada do Neolítico Tardio é um dos primeiros resultados dessa chegada (tendo já feito sua
primeira aparição em torno de 2900 AEC). As pessoas da Cerâmica Cordada da Alemanha
traçam cerca de setenta e cinco por cento da sua ascendência aos Yamnaya, documentando
uma migração maciça para o coração da Europa a partir da periferia oriental. Esta ascendência
das estepe persiste em todos os europeus centrais da amostra até pelo menos 1000 AEC, e é
onipresente nos europeus atuais.
Parece ser por volta desse tempo que um processo começa em que as chamadas tribos indo-
europeias ocidentais, a maioria dos quais falam dialetos que são inteligíveis para as outras
tribos, começam um longo processo de fratura e divisão. Há também uma tribo que não está
tão intimamente relacionada com esse grupo que segue um caminho ao longo dos confins do
norte da Europa em algum ponto desconhecido, e que se torna o povo germânico.
O grupo sulista dos indo-europeus ocidentais parece migrar para o oeste e para o sul nos
Balcãs Ocidentais e Piemontes italianos, e através da Ilíria e do norte da Itália. Devido ao
terreno, eles se dividem em tribos semi-isoladas. Eles se tornaram mais civilizados em hábitos
e tecnologias devido ao contato com gregos do sul e etruscos. Aqueles nos Balcãs em parte
atravessam o mar na península italiana, e se estabelecem principalmente ao longo da costa
sudeste. Os grupos que se separaram do piemonte italiano do norte ocupam partes da Itália
central, com duas tribos, latinos e faliscos, atravessando os Apeninos até a costa oeste. Por
causa de seu semi-isolamento no oeste da Itália, seu idioma não sofre a mudança de ‘qu/kw’
para ‘p’ que ocorre na maioria dos dialetos indo-europeus ocidentais.
Os gutianos, possíveis tribos indo-europeias nas montanhas de Zagros, são mencionados pela
primeira vez, e dominam o sul da Mesopotâmia por um século. No mesmo período, as tribos
indo-europeias sob a forma dos povos luwianos se assentam no sul da Anatólia. Parece mais
do que coincidência que “bárbaros do norte” estão causando problemas nas cidades da Síria,
como Ebla, ao mesmo tempo. Sem evidências escritas para sustentar tal reivindicação, parece
provável que um desses grupos seja responsável por penetrar em expedições mais ao sul.
Também pode ser essa cultura Oxus, ou um grupo indo-europeu vizinho que alimenta sua
natureza progressiva, que forma as “cidades espirais” da estepe do Cazaquistão (veja a
primeira foto na página, acima). Os itens que até agora foram recuperados da exploração
recente nesta região incluem equipamentos de maquiagem, uma carruagem e inúmeras peças
de cerâmica. Os artefatos são pintados em suásticas (símbolos do sol e da vida eterna).
Também são encontradas evidências de enterros rituais de cavalos, que se relacionam com
textos indo-arianos antigos que descrevem os animais sendo cortados e enterrados com seus
mestres.
Dado que eles aparecem no registro histórico ao mesmo tempo, o povo Andronovo e outros
indo-europeus que se integram ao Oxus podem estar relacionados ao ramo anatólio das
línguas indo-europeias que começaram a se dividir dos outros ramos ao redor 3500 AEC (ver
acima). Alternativamente, eles podem estar relacionados com a migração comparativamente
tardia dos indo-iranianos e indo-arianos que se tornaram os alanos, maneses, medianos,
mitanni, persas, citas e indianos, e possivelmente também os indo-citas. A última opção parece
ser a mais provável.
O túmulo
deste rei no assentamento indo-europeu no Karakum (Turcomenistão moderno) contém um
valioso cavalo para acompanhá-lo na vida após a morte
Cerca de 2.000 — 1.700 antes da Era Comum
As mudanças climáticas de cerca de 2000 AEC afetam muito essa civilização, desnudando-a
da água à medida que as chuvas diminuem. As pessoas são forçadas a migrar, abandonando
muitas de suas cidades. Os grupos indo-iranianos se tornam dominantes aqui, e ao longo do
tempo alguns de seus descendentes entram no Irã para encontrar estados como o dos
maneses, o Império Mediano e a Pérsia primitiva. Alguns vão mais longe ainda antes para
formar o império Mitanni. Outros atravessam os rios do Afeganistão moderno e as montanhas
Hindu Kush e entram na Índia entre 1700 a 1500 AEC. Eles finalmente formam seus próprios
reinos lá, como Magadha, Kalinga e o estado de Kaurava.
A análise de DNA em 2015 de três homens deste período reforça a teoria de que a Irlanda é
povoada através de ondas de imigração. Os machos são da Ilha Rathlin e vivem bem logo após
a metalurgia ser introduzida na Irlanda. Eles mostram um padrão de DNA diferente de
populações anteriores, com um terço de sua ascendência proveniente da Estepe Pôntica
(agora cobrindo grande parte da Ucrânia e uma grande área do sul da Rússia), que os liga
diretamente aos indo-europeus. Eles mostram uma estreita afinidade genética com os
irlandeses modernos, escoceses e galeses, mas não tão perto de uma conexão com os
ingleses, que foram diluídos pela mistura anglo-saxônica.
Embora essas chegadas não sejam necessariamente celtas em si, elas podem ser
consideradas como proto-celtas, que brotam do mesmo tronco que se instala na Europa
Central e depois forma a base da cultura celta. Os indo-europeus são nômades, movendo-se
rapidamente em carros de quatro rodas ou carroças. Embora muitos deles possam realmente
se expandir e migrar lentamente, geração por geração, não levaria muito para um grupo
pequeno (menos de 100 mil) deixar os outros para trás. Quando eles alcançam a água, eles
podem aprender a fazer embarcações dos tipos mediterrânicos que já ocupam as áreas
costeiras. Este movimento rápido pode ser comparado de forma favorável com a rapidez com
que os cimbri mais tarde viajam da Jutlândia para a Itália, e a jornada pode ser completada em
bem menos de uma década de viagem.
Após o início de sua migração para a Anatólia em torno de 3500 AEC e o assentamento em
cerca de a partir de 2300 AEC (ver acima), os povos luwianos agora começam a surgir na
história divididos em dois grupos; os arzawans ao oeste e os kizzuwatnans no leste. Os povos
pobremente atestado de Ishuwa, Karkissa e Lukka são provavelmente também indo-europeus.
Os micênicos também surgem na história neste momento, tendo sido localizados na Grécia (e
depois em Chipre) desde pelo menos 2400-2200 AEC. Ao mesmo tempo, um grupo indo-
ariano, talvez parte da migração para a Índia, chega no norte da Mesopotâmia para governar
os hurrianos como uma classe guerreira chamada Mitanni.
O colapso social e a idade das trevas engolfam o Oriente Médio. Durante este período, vários
grupos tribais encontraram novas cidades e reinos, dentre eles os medianos e persas no
planalto iraniano. Os grupos indo-europeus na Europa filtram-se para a Itália, onde formam os
dois principais grupos de povos itálicos, osco-umbros (incluindo os umbri) e os latino-faliscos
(incluindo os latinos).
Na Grécia, o poder micênico é gradualmente erodido pelos dorianos invasores do norte, com a
dominação chegando em 1140 AEC. Os micênicos de fala iónica sobreviventes se reúnem e
prosperam em Atenas, ou em territórios levantinos conquistados, que provavelmente incluem
Filístia, ou em novas colônias fundadas bem longe dos dorianos, como Epirus.
Uma das primeiras culturas proto-celtas já começou a aparecer na Europa Central, sendo esta
a Cultura dos Campos de Urnas da Era do Bronze Final. Os grupos proto-celtas também
migram para o exterior, alguns terminando na Grã-Bretanha, de onde eles eventualmente
voltam ou se integram com a população indígena e se instalam nos sul e leste férteis. Eles
também se infiltram na Irlanda (embora veja c.2000 AEC, acima).
A cordilheira
de Zagros forneceu aos medos sua casa, mas também foi a porta assíria no Irã, uma que foi
usada em ataques posteriores aos persas e medos indo-europeus
Cerca de 1.000 antes da Era Comum?
O mito nórdico menciona deuses que são descritos como membros de dois grupos: os Aesir e
os Vanir. Este último é muito sugestivo de contato inicial entre os germânicos na Escandinávia
e os Veneti marinhos que vivem ao longo do Golfo de Gdansk e do Vístula. No entanto, as
origens exatas dos Vanir e a guerra entre eles e os Aesir estão abertas a intensas
especulações.
Existe uma forte evidência entre os vários povos da diáspora indo-europeia que dois grupos
distintos de deidades são honrados. Isso parece ser melhor preservado entre os hindus, que
falam sobre eles como Devas (suras) e Asuras (não-suras). Algumas culturas mais tarde
preservam a adoração de ambos; outros escolhem um ou outro e indicam algum tipo de conflito
entre eles. Os Aesir parecem ser Asuras. Dois asuras hindus, conhecidos como Thor e Ermin
entre os germânicos, aparecem no panteão nórdico.
Uma coisa que pode ser dita com alguma certeza é que os Vanir não parecem ser
Suras/Devas. Isso deixa a possibilidade de que a guerra dos Aesir/Vanir seja um relato lendário
de uma guerra humana, mas não está claro se entre os germânicos contra os celtas, ou contra
os Kvens, que eles estão constantemente expulsando no sul da Escandinávia. Uma guerra
envolvendo germânicos é uma certeza; na verdade, duas guerras. Sabe-se já que as tribos
indo-europeias que evoluíram para os germânicos entraram na Escandinávia e expulsaram
alguém, quase com certeza, falantes de fino-úgrico. Há também evidências de que os celtas
entram na Jutlândia. Então, quais dessas interações com os germanicos são a causa da
guerra? Essa é uma pergunta muito boa. Ambos têm nomes que podem evoluir ao longo do
tempo em ‘Vanir’. ‘Veneti’ poderia perder seu ‘t’ devido à suavização, enquanto o ‘k’ de Kven se
suavizaria facilmente para ‘ch’, deixando ‘ven’. Então, quem são os wane/vanir? Qualquer coisa
a mais que isso seria especulação.
Um povo indo-europeu conhecido como armênios primeiro entrou na Anatólia pelo norte da
Mesopotâmia, migrando para a região em torno do lago Van, que será sua terra natal nos
próximos 2300 anos. Na Europa, enquanto os celtas indo-europeus começam a se expandir de
seu território tradicional no sul da Alemanha, os primeiros povos germânicos ainda parecem
ocupar uma terra de origem no sul da Suécia e a península de Jutlândia. Ao redor das margens
do Mar Negro, grupos como os cimistas, os citas e os trácios parecem ter semelhanças na
cultura e talvez até na linguagem, o que lhes permite atuar em vários ataques e combates
como forças unificadas contra as cidades-estado estabelecidas na Anatólia e Mesopotâmia.
Jóias celtas de
ouro e âmbar desenterradas de um túmulo mostram que este grupo de indo-europeus alcançou
níveis muito elevados de habilidade em suas criações pelo primeiro milênio antes da Era
Comum
Século VI antes da Era Comum
Os bactrianos indo-europeus são conquistados por seus primos, os persas. Nesta fase, todos
os vários ramos indo-europeus se fragmentaram completamente e se desenvolveram em
grupos que possuem suas próprias histórias individuais e línguas filhas. A própria língua proto-
indo-europeia se apagou em torno de 2500 AEC, quando suas línguas filhas começaram a
aparecer, mas sua linguagem central continua sendo uma parte de todas as suas formas
descendentes, até hoje. Uma grande proporção da terra de origem das estepes ancestrais dos
proto-indo-europeus está hoje dentro das fronteiras do Cazaquistão.
Povos Germânicos
Uma coisa que vocês já devem ter percebido, é que eu falo muito em “povos germânicos”.
Povos, porque são muitos. Germânicos, porque compartilham de um traço em comum — esses
povos idiomas que fazem parte de uma família linguística comum, a chamada família
germânica.
Fazem parte desta família línguas como o islandês, o norueguês e seus dialetos, o sueco e
seus dialetos, o holandês, o alemão, o inglês, entre outras. Todas essas línguas têm uma raiz
comum, chamada comumente de proto-germânico.
Germânicos, também chamados teutônicos ou teutões, tem uma raiz linguística comum. E com
essa raiz, vem certos traços culturais. A linguagem, o idioma, traduz a cultura e vice-versa.
Palavras são como descrevemos e moldamos o mundo onde nos encontramos. Se um
determinado idioma tem uma palavra para “neve”, é porque já teve contato com essa
substância. O mesmo acontece com “leão”, “roda”, “cavalo”, etc..
E se o povo em si não tem contato com esses conceitos, mas com outros povos que os têm, é
provável que este povo, ao conhecê-los, aprenda e adote palavras novas para conceitos
desconhecidos. É seguindo esse caminho linguístico que, muitas vezes, achamos as relações
entre os povos, quando não há outras evidências mais concretas.
É claro, todos nós desenvolvemos afinidade com certas culturas ou até mesmo certos deuses
de certos povos. Vários ásatruár, mesmo tendo uma ênfase bastante escandinava, não
ignoram Eostre, uma deusa primariamente anglo-saxã.
Mas é sempre bom ter em mente que Escandinávia (e, principalmente, Islândia, e muito menos
os famosos Vikings) não é a única fonte. Talvez ao diversificar e ampliar nossa visão,
possamos encontrar coisas bastante interessantes em locais inesperados.
Tribos Germânicas
[Sessão em construção]
Ymbers / Ymbrum
Visão de Mundo
Sobre a maegen
MÆĠEN (substantivo neutro)
Pronúncia: MAIN. Poder (might), força (force), força (strenght), poder (power), vigor, eficácia,
virtude, faculdade, habilidade [1]
Dentro do corpus de textos do inglês antigo, mæġen é usada para transmitir o significado de
força física e metafísica. Os estudiosos modernos costumavam empregar “sorte” (luck) como
uma interpretação para mæġen ao tentar encontrar um termo vernáculo moderno adequado e,
ao fazê-lo, reduziram a definição de mæġen para a ocorrência de uma casualidade fortuita.
Em seu trabalho principal, We Are Our Deeds, Eric Wōdening aprofunda-se em mæġen como
um conceito metafísico e o explica da seguinte forma:
“Pelo menos, sabemos que todos os seres vivos a possuem, dos insetos aos homens aos
deuses (a asmegin, que Þunor [Thor] tem em abundância). A mæġen pode ser transferida de
pessoa para pessoa; por isso, vemos os reis emprestando spēd (outra palavra para mæġen)
aos seus homens antes de entrar em qualquer empreendimento importante. Um homem
também pode perder mæġen através de várias circunstâncias. Finalmente, a mæġen poderia
ser manipulada através das várias artes metafísicas, como galdor e seiðr“. [2]
Com base nesta visão de mæġen como uma força penetrante e metafísica, agora podemos
extrair ideias de conceitos comparáveis como a orenda dos iroqueses, a mana dos polinésios e
o qi chinês, para explicar a mæġen como uma importante faceta da religião anglo-saxônica.
Orenda
“Essa vida é uma propriedade de todos — incluindo as rochas, as águas, as marés, as plantas
e as árvores, os animais e os homens, o vento e as tempestades, as nuvens e os trovões e os
relâmpagos, os meteoros rápidos A luz benigna do dia, a noite sinistra, o sol e a lua, as estrelas
brilhantes, a terra e as suas montanhas — é um postulado fundamental para a filosofia
cosmológica do homem selvagem; e, como concomitante com isso, o homem primitivo assumiu
o pressuposto de que, em todo o corpo de seu cosmos centrado no eu, é inerente um poder
místico de diversidade de eficiência e propósito, pelo exercício do qual o corpo coloca sua
vontade em vigor e que às vezes age de forma independente, e mesmo adversamente, para o
bem-estar de seu diretor ou possuidor”. [4]
Mana
Deve-se notar, uma vez que a mana está ligada a uma variedade de diferentes povos com
diferentes crenças teológicas, está além do alcance deste artigo tocar cada variação
individualmente. Por motivos de simplicidade, daremos uma visão geral, baseada nos atributos
compartilhados de mana entre os povos polinésios.
Nas línguas austronésias, a mana é definida como ‘poder, prestígio ou eficácia’, e é a força
espiritual que existe no universo. Como a orenda, a mana não se limita às pessoas, pois
objetos inanimados, corpos governantes e lugares também podem possuir mana. Por exemplo,
a ilha havaiana de Moloka’i é dito possuir uma abundância de mana, e muitas batalhas foram
travadas entre as tribos na tentativa de obtê-la.
A mana também pode ser recebida através de atos e ações [5], bem como através da guerra,
nascimento e sexo. Joan Metge descreve a mana de uma pessoa como um “lago preenchido
por vários riachos”, em que cada corrente é representativa de um meio diferente de obter
mais mana. [6]
“Mana era a força prática dos kawai tipuna no trabalho em assuntos cotidianos. No mundo
maori praticamente todas as atividades, cerimoniais ou de outra forma têm um vínculo com a
manutenção e o aprimoramento da mana“. [7]
Na cultura melanésia, a mana pode ser dada através de objetos inanimados que são imbuídos
de mana através de meios mágicos. Se um caçador bem sucedido dá um amuleto como
presente, acredita-se que o destinatário receba uma parte de sua sorte e vigor [8]. Desta forma,
podemos identificar semelhanças entre os intercâmbios melanésios e as razões subjacentes ao
círculo de presentes germânico.
Qi
Na cultura tradicional chinesa, o qi é a força de vida ativa ou fluxo de energia que permeia
todas as coisas e transforma o cosmos em um mecanismo coeso e funcional. Através de uma
prática cuidadosa e de um aprendizado avançado, pode-se conseguir ampliar o qi, projetando-o
do corpo.
O filósofo chinês Mo Di comparou qi a um vapor, que poderia ser emitido pelo corpo e
visivelmente manifestado em nuvens. Ele também sugeriu que o qi de uma pessoa precisava
ser protegido dos elementos e poderia ser mantido através de uma nutrição adequada. A
escola confucionista produziu vários filósofos que abordaram o conceito de qi. O mais notável
entre eles foi Mencius, que sugeriu que o exercício das capacidades morais poderia aumentar
o qi, enquanto as forças externas poderiam danificar ou diminuir o qi. [9]
Yuan qi é o princípio vital herdado no nascimento, de acordo com a medicina chinesa. O yuan
qi com o qual alguém nasce é considerado finito e esgotável. De acordo com Manfred Porkert,
esta essência vital pode ser conservada, mas acabará por ser exaurida no culminar de uma
vida. [10] Nisto, podemos estabelecer uma comparação entre qi e mæġen, bem como qi e o
conceito anglo-saxão de orlǣg [orlog].
“Céu (visto aqui como a fonte final de todo ser) cai (duo 墮 , ou seja, desce para a proto-
imanência) como o sem forma. Flutuante, vibrante, penetrante, amorfo ele é, e assim é
chamado de Luminária Suprema. O dao começa no Vazio Brilhante. O Vazio Brilhante produz o
universo (yu-zhou). O universo produz qi. “[11]
Embora isso não represente uma lista exaustiva de conceitos semelhantes, certamente serve
para fornecer uma compreensão fundamental de mæġen através do estudo comparativo.
Atributos fundamentais que vemos em qi ou mana, também vemos no prana dos hindus e na
concepção estoica de pneuma, que sugere uma universalidade básica em termos de uma força
metafísica penetrante.
No Fyrnsidu, esta força metafísica manifesta-se como uma forma de “potência” (might) ou
“poder” (power), que pode ser aumentada através de renome e atos, semelhante ao conceito
maori de mana. A mæġen também pode ser aumentada através da troca de presentes, através
de ofertas (do ut des) aos poderes sagrados e através da associação com indivíduos ou grupos
que possuem mæġen em abundância. Como o yuan qi, a mæġen pode ser herdada.
A mæġen ao nascer é determinada pela mæġen coletiva da família em que nasceu. Da mesma
forma, nomear um bebê com o mesmo nome um senhor ou guerreiro cuja mæġen era
abundante também pode transmitir um pouco dessa mæġen, com o nome tornando-se um
presente para em si mesmo.
A mæġen pode ser perdida com atos equivocados ou associação direta com aqueles que os
cometem. O mau relacionamento com os Deuses, ou ofertas que não são bem recebidas por
eles também podem resultar em perda de mæġen. Um homem ou uma tribo que é rico
em mæġen encontrará sucesso, boa fortuna e renome, enquanto o oposto pode ser dito para
aqueles que não há suficiente mæġen.
Tendo isso em mente, podemos ver a mæġen como a força exercedora subjacente a toda ação
dentro do Fyrnsidu. As oferendas são feitas aos deuses, os deuses retornam as bênçãos sob a
forma de mæġen, a mæġen produz um resultado fortuito e repetimos esse processo para
novas bênçãos. Assim é o círculo de presentes.
[1] Bosworth, Joseph. “An Anglo-Saxon Dictionary Online.” MÆGEN. Ed. Thomas Northcote
Toller and Others. Comp. Sean Christ and Ondřej Tichý. Faculty of Arts, Charles University in
Prague, 23 Feb. 2012. Web. 8 Apr. 2017.
[2] Wōdening, Eric. “We Are Our Deeds: The Elder Heathenry, Its Ethic and Thew.” White
Marsh Press, Baltimore Mariland. Second Edition 2011.
[3] Hewitt, J. N. B. (1902). “Orenda and a Definition of Religion”.40 AMERICAN
ANTHROPOLOGIST [n. s., 4, 1902
[4]Hewitt, J. N. B. (1902). “Orenda and a Definition of Religion”. American Anthropologist.
[5] http://www.maori.org.nz/tikanga/default.php?pid=sp98&parent=95
[6] Joan Metge In and Out of Touch: Whakama in a Cross Cultural Context (Victoria University
Press, Wellington, 1986) 68 [In and Out of Touch]
[7]https://web.archive.org/web/20100522222543/http://www.justice.govt.nz/publications/global-
publications/h/he-hinatore-ki-te-ao-maori-a-glimpse-into-the-maori-world/part-1-traditional-
maori-concepts/mana-and-tapu#171
[8] https://en.wikipedia.org/wiki/Mana#In_general_usage
[9] Lau, D. C. (2003). Mencius (Revised ed.). Hong Kong: Chinese University Press.
[10] Porkert, The Theoretical Foundations of Chinese Medicine MIT Press (1974)
[11] Huai-nan-zi, 3:1a/19
Théaw
O þēaw de uma tribo estava profundamente ligado à sua ǣ, que é traduzida por “lei, estatuto,
costume, rito, casamento”. Os antigos entendiam que haviam dois tipos de lei: a lei popular ou
costumes habituais, e a lei superior, na qual seu descumprimento era tão inaceitável que
culminava em punição, podendo ser até mesmo a morte ou banimento social: ser colocado fora
da lei (būtan ǣ).
Um fora-da-lei, alguém que está ao mesmo tempo fora da proteção da lei e entendido como
alguém que não respeita o þēaw tribal é a pior espécie de inimigo por ser reconhecido como
uma ameaça ao innangarðr tribal; ele é o ponto desestabilizador e destruidor da friðr,
um vargr em nórdico antigo, um lobo pronto para atacar e ferir a comunidade humana. Não
existe nenhum romanceamento nisso ou paralelo com o satanismo, como alguns querem fazer
parecer. O vargr representa o ego descontrolado e aquilo que era mais prejudicial ao grupo,
numa época em que o grupo era a única forma de sobreviver seguramente.
Por fim, temos a última face de þēaw enquanto sidu, ou “costume, hábitos, maneira, rito,
moralidade, boa conduta”, o que está ligado aos þēawas, mas no sentido da contuda mínima
do que pode ser considerado “bom” (good) no sentido daquilo que é benéfico e de acordo com
o desenvolvimento e þēaw da tribo, não “bom” no sentido pós-conversão de “bem” absoluto.
O sidu enquanto þēaw é aquilo que define o heathen enquanto tal e não como membro de
qualquer outra cultura.
A grande importância de þēaw é que enquanto lei ou ǣ ela está fixada nas camadas, no Poço
da wyrd. Podemos ver na palavra lǫg ou lei, presente no composto ørlǫg ou “lei primordial”,
que significa “algo que foi estabelecido (laid)”, ou, literalmente “algo que foi deitado nas
camadas da wyrd“. O þēaw é aquilo que foi estabelecido na origem como maneira, conduta,
hábito correto perante a natureza e comunidade humana.
Na imagem, o herói Beowulf e o Rei Hrothgar, no momento da troca de presentes por ajuda
valorosa prestada.
Um dos componentes, sem dúvida, mais importantes da antiga visão de mundo Heathen [pagã]
é o do círculo de presentes. Simplesmente não pode ser subestimado. Quando pensamos em
dar, ou receber presentes, sejam eles tangíveis, ou não, isso era incrivelmente importante para
os Antigos Heathens. Portanto, uma compreensão disso é absolutamente essencial para
qualquer praticante de Fyrnsidu [costumes antigos, ou paganismo]. Em outras partes
importantes da visão de mundo, como a hospitalidade, bem como as ofertas oferecidas aos
antepassados, espíritos ou divindades, o círculo de presentes ocupa posição central.
… “Pode-se confiar com segurança no presente e dar-lhe todo o poder para falar em seu
nome, pois a alma em si alcançaria a obrigação, honraria, deve unir a sorte e tecer o destino
no destino, produzir vontade, ou colocar um novo elemento nele.”…
Como já foi dito, o ciclo de doações é parte integrante da visão de mundo da visão de mundo
dos antigos Heathens, bem como, claro, a do praticante de Fyrnsidu hoje. Por quê? É bastante
simples: em um tempo muito menos estável que o nosso, quando havia tribos e reinos em
guerra, bem como populações menores e menos densas, presentear tinha a possibilidade de
construir e manter a estabilidade, ou mesmo a sobrevivência.
Se alguém dá presentes a outra pessoa, e eles são aceitos, mas nada é feito em troca, o
cenário provável é que, pelo menos, o que dá presentes é susceptível de deixar de fazê-lo. Dito
isto, cabe aos que estão envolvidos em tal círculo para determinar o que é apropriado em
relação à reciprocidade. Claro, isso geralmente não é feito sob a forma de contrato escrito,
embora isso seja possível.
Esse retorno pode ser, literalmente, um retorno monetário ou material. Outras vezes pode ser
ajudar quem deu os presentes de outras maneiras. Seja dando-lhes uma carona para o
trabalho, talvez ajudando-os em tarefas domésticas ou ajudando-os de alguma outra forma. Há
muitos exemplos, e muitos de vocês podem muito bem, espera-se, conhecer esses assuntos a
partir de uma experiência pessoal.
Também vemos as consequências da falta de retorno nessas situações. O recebedor pode ser
visto como ingrato, não confiável e, possivelmente, não é digno de associação adicional.
Devido a ambos os lados da situação, pode ser considerado sábio não aceitar um presente que
não se tenha o desejo ou a capacidade de corresponder. Assim, o círculo de presentes tem a
possibilidade de fortalecer ou enfraquecer os laços entre pessoas, famílias ou unidades em
escalas ainda maiores.
No Fyrnsidu, onde procuramos ver a visão de mundo dos pagãos anglo-saxões do passado e
achar o que da referida visão de mundo é razoavelmente aplicável e relevante para o mundo
de hoje, o círculo de presentes é uma das pedras angulares que são mais que essenciais. Sua
importância, de fato, ainda é incrivelmente relevante, mesmo depois de um milênio que o
Heathenry [paganismo] anglo-saxão deixou de ser praticado, pois a importância às vezes,
talvez até mesmo colocada na importância da reciprocidade, de fato não morreu.
PORTUGUÊS
A Nossa Religião É Uma Religião Agrária
Publicado originalmente em Wyrd Designs
(Https://wyrddesigns.wordpress.com/2016/02/16/ours-is-an-agricultural-religion/)
A nossa religião não é apenas uma religião de guerreiros, mas infelizmente isso é o mais
alardeado. Nossa religião é uma religião AGRICULTURAL. Se você verdadeiramente examinar
todos os nossos ritos e datas sagradas, eles se enfocam em vitalidade e sobrevivência, e
portanto, especialmente nas principais épocas sagradas, conectam com momentos chave de
uma cultura agrária, da colheita até a organização dos animais. Sim, nós honrávamos os
ancestrais e usávamos nosso tempo honrando aqueles que morreram em bom serviço à
comunidade. Mulheres que morriam no parto eram TÃO altamente honradas quanto homens
que morriam em batalha em algumas comunidades. Um poeta ou skáld poderia ter honras tão
altas quanto qualquer guerreiro, etc…
Os aspectos guerreiros encontrados dentro de nossa religião eram todos focados na proteção
da família e comunidade. O comitatus (termo em latim para o grupo de homens de confiança
que serviam como guerreiros para um líder tribal) era simplesmente a forma na qual alguns
homens serviam a comunidade como um todo, estando disponíveis para lutar contra feras
selvagens, bandidos, ou aqueles que pudessem atacar ou “vikear” suas comunidades. Mas o
valor de um homem era determinado por: 1) Suas contribuições para a comunidade (que
poderiam, mas não NECESSARIAMENTE incluíam luta/defesa) 2) Sua habilidade de falar
extra-temporalmente, sobre o chifre, em honra de seus Deuses, de sua família, etc… 3) Manter
e reforçar o troth (aderência e respeito aos juramentos daquela comunidade) e frith (estado de
fraternidade, igualdade e bem estar entre os indivíduos daquela comunidade) em suas ações e
seus feitos.
Eu acho que as coisas se confundem quando tantos descrevem os antigos povos heathens
como “vikings”. Na verdade não existe nome para esses heathens antigos, pelo menos não no
que os descreve em termos religiosos. Eles simplesmente eram chamados da maneira que
suas comunidades eram chamadas, e parte desta identidade comunitária INCLUÍA a veneração
das Divindades Norte-Européias.
O termo “VIKING” se refere especificamente àqueles que saquearam e pilharam. Bem mais
que 90% dos heathens antigos não seriam considerados vikings neste sentido. E de fato, eles
teriam tanto a temer dos vikings quanto outras comunidades não-heathen, e quando suas
comunidades eram ameaçadas, eles lutariam contra os vikings da mesma maneira.
Infelizmente, como o ápice desta civilização ocorreu durante a Era Viking e a maioria das
publicações acadêmicas de nosso tempo, por muito tempo, foram focadas primariamente nos
Vikings, isto se tornou deturpado e confuso. É necessário se lembrar que esta religião existiu
por milênios ANTES que os vikings sequer entrassem em cena. É claro que também não ajuda
estas questões o fato que acadêmicos e até heathens dos dias atuais se refiram a todos os
povos dos tempos antigos utilizando “Viking” como termo abrangente, mesmo quando estes
povos certamente não eram os saqueadores para os quais esse termo deve ser aplicado.
E nos anais da história, o que é mais interessante se escrever sobre: batalha, ou a colheita a
ser plantada? Obviamente, a primeira opção… e desta maneira não é surpreendente que a
maioria do que foi escrito pelas penas dos estudiosos cristãos após a conversão da Europa
pagã é focado ou em guerra ou batalha, magia ou humor. Por que escrever sobre os eventos
que as pessoas que viviam e dependiam tanto da terra para sua sobrevivência já conheciam
como parte normal de suas rotinas cotidianas? Portanto as histórias se tornam o reino do
extraordinário, e não a melhor fonte dos feitos diários das culturas que elas representam.
O líder tem um compromisso sagrado de proteger seu povo, isso é feito garantindo que haja
alimento, assegurando que a plantação fosse semeada, que os alimentos fossem colhidos,
assegurando que as oferendas fossem feitas aos Deuses e ancestrais, que os vaettir locais
fossem apaziguados e que os vaettir maliciosos fossem mantidos afastados. O líder cuidava dá
saúde e plenitude de seu povo, iniciando relações comerciais, cuidados e as maquinações da
diplomacia. Pegar em armas e liderar homens em batalha era apenas parte de sua função, e
normalmente era a menos frequentemente aplicada de todas as funções administradas pelo
líder.
Odin pode ser um Deus de guerreiros, mas ele também é um Deus de poetas. Tanto a palavra
quanto espada eram igualmente importantes, e é errôneo o enfoque em uma à despeito dá
outra, na medida de que isso deturpa a cultura original do Heathenismo antigo.
Irmandade e Visão de Mundo
É bastante comum ver novos heathens (ou ásatruár, ou até mesmo pagãos em geral),
empolgados com a descoberta de outros heathens ou pagãos, cumprimentá-los da maneira:
“Hail, irmãos!”
Irmandade é uma coisa interessante. A visão de mundo dos povos germânicos pré-cristão é
bastante fundamentada em irmandade, e nos laços familiares. Não é à toa que honramos
nossos ancestrais e que quebrar um juramento é uma das piores coisas que se pode fazer. A
visão de mundo desses povos era profundamente enraizada na comunidade e na solidariedade
mútua intra-tribo, intra-clã, intra-família.
E quando dizemos família, dizemos no sentido mais amplo. Pai, mãe, irmãos, irmãs, tios, tias,
primos e primas, e suas famílias associadas, formam a grande e interconectada rede de
relacionamentos de um germânico antigo. Essa rede é seu ponto de apoio, onde sua sorte é
compartilhada, onde sua reputação importa, onde sua vida e sua fama crescem.
Isso tem consequências. A principal delas é que pessoas fora dessa rede — da sua tribo, da
sua família, do seu clã — não necessariamente irão importar muito. Ao contrário, elas podem
ser prejudiciais à sua tribo, ou família, ou clã. Assim, respeitando-se as leis de hospitalidade, o
estranho é tratado com, no máximo, uma polida desconfiança.
Não será maltratado, claro. Não era bem assim. Mas também não terá a mesma importância ou
privilégio que o seu familiar, seu parceiro de tribo, àqueles a quem você deve, direta ou
indiretamente, sua subsistência, reforçada pelo ciclo de reciprocidade.
Isso é típico de uma religião que é essencialmente tribal. A tribo é, de certa forma, seu
universo.
E isso é também em oposição às religiões universais que, teoricamente, dentro de seu credo,
declaram pertencer e abarcar a todos. Assim, todos que a ela pertencem são irmãos; ela é o
grande traço unificador.
O que isso tem a ver com o início desse post? Simples. Assumir uma relação próxima com um
desconhecido — chamando-o de irmão — é algo bastante contrário à visão de mundo heathen.
Estranhos, mesmo que da mesma religião, não são seus irmãos, simplesmente em virtude da
religião que professam, porque irmandade é mais importante que isso. É mais profunda que
isso. É mais real que isso, dentro do paganismo germânico. Só porque você tem a mesma
religião que eu, não significa que nós compartilhamos nada mais.
Isso quer dizer que é uma ofensa enorme chamar os outros de irmãos? Claro que não. As
gírias, os informalismos da vida, levam a isso. Mas considerar estranhos realmente como
irmãos — isso já apresenta problemas. Nós não somos irmãos sob Odin. Aqui não funciona
como “todos são filhos de deus”. Não é assim que o paganismo germânico funcionava, e não
há absolutamente nenhum motivo para criar essas relações artificiais — até porque, a
diversidade cultural dentro das tribos germânicas existia, e por que não haveria de continuar
existindo?
Um dos grandes problemas de se entender o mundo antigo e portanto adotar uma visão de
mundo de acordo (tanto quanto possível, pelo menos), não se encontra tanto na escassez de
fontes (okay, se encontra nisso também), mas também nos desentendimentos sobre certos
conceitos, que mudam de significado ao longo do tempo.
Um destes conceitos é o conceito de honra. Honra é algo alardeado com bastante frequência
por heathens, pagãos em geral, ásatruár, e todo tipo de pessoas, mas o que se entende como
honra?
Assim, honra é associada a prestígio, e o prestígio tem a ver com os valores da tribo. Quais
valores seriam esses é irrelevante no momento, até porque não vivemos mais em tribos da era
pré-medieval (e tribos diferentes poderiam muito bem ter valores diferentes). Mas o conceito
persiste, que ser mais, e melhor, dentro da tribo, era fundamental para o indivíduo germânico.
Ou seja, parte de sua honra, daquilo que te faz honrado, é justamente sua fama, seu prestígio
dentro da tribo.
Em contrapartida, manchar essa honra — com calúnias, com mentiras, atos e palavras que vão
de encontro à essa honra — é uma ofensa profunda, um crime horrível: manchar a honra de
alguém, principalmente de uma pessoa reconhecidamente honrada, era caso digno de iniciar
um feudo de sangue e causar vingança, que muitas vezes perdurava por gerações.
Assim, honra no tempo antigo era algo externo, mais do que interno, e isso faz completo
sentido em uma visão de mundo que valoriza atos sobre pensamentos: uma sociedade que se
inspira fortemente na aceitação da comunidade. Estar em paz com seus princípios pessoais de
moral, embora algo laudável, não é o bastante para o povo antigo: você deve demonstrar isso,
e mais, a sua moral e honra “internas” são sujeitas à moral e honra externas, às leis e
costumes da tribo em que você está. Não existe honra (no conceito antigo) sem uma
comunidade por trás.
E hoje?
Hoje, penso eu, deveríamos aplicar ambos os sentidos interno e externo, até porque nós não
vivemos em comunidades tribais medievais. Nós vivemos em um mundo em que o que
consideramos honrado pode não estar em harmonia com nossa sociedade como um todo, pois
nossa sociedade não é heathen, mas fundada na visão de mundo judaico-cristã.
Mas isso não anula a necessidade de sermos honrados (ou seja: reconhecidos como tal) diante
daqueles que são importantes para nós: kindred, tribo, família, amigos, enfim, aqueles a cujas
opiniões damos valor, e aqueles para com quem é importante ou relevante ter uma boa
reputação.
Ou seja, a fama importa — não necessariamete a fama do tipo “moderno” (ou até mesmo
infâmia, em alguns casos), mas sim aquela reputação que temos com aqueles que
consideramos tribo, heathens ou não.
“Indivíduo” ou “divíduo”
Por Gabriel O Dubbhghaill
É inegável que hoje vivemos na era do individualismo. Independente do quão falsa seja a real
escolha de nossas características individuais, o fato é que a sociedade é toda orientada para
suprir as necessidades individuais através do consumo. A exclusividade é exaltada e o comum
é menosprezado.
Não vou entrar no mérito de a humanidade nunca ter sido tão interdependente quanto hoje e
que, sendo a autonomia tão mínima, a maioria não é capaz de sequer tentar uma vida
independente. O que interessa aqui é a dimensão psicológica da noção de “indivíduo”, que não
surgiu na sociedade capitalista contemporânea, mas há muitos séculos.
O indivíduo é aquele que não pode ser dividido, um ser único. Como tal, ele tem começo e fim
bem delimitados, assim como limites físicos. Mas será que somos realmente assim? Você não
pode ser dividido entre as diversas facetas da vida fragmentada dos dias atuais? As pessoas
frequentemente dizem: “fulana é mãe, esposa, trabalhadora, negra, cristã”; somam diversas
características para resultar no indivíduo, mas nenhum desses aspectos é exclusivo.
Delimitar o indivíduo também não é simples; a existência de debates, até hoje, sobre quando
um ser vivo pode ser considerado um indivíduo, não se deve por falta de conhecimento
científico, mas porque é uma questão subjetiva do pensamento de nossa sociedade. O mesmo
vale para o momento da morte; com todos esses aparelhos modernos de manutenção da vida,
como definir quando o ser vivo deixou de ser um indivíduo e, portanto, está morto para a
sociedade?
Os limites físicos, tampouco, são fáceis de definir. As pessoas podem ter partes das outras
dentro de si; partes da pessoa podem viver fora dela, mesmo sem estar dentro de outra
pessoa. Se praticamente todas as células do nosso corpo são substituídas a cada sete anos e
para isso é preciso que toda essa matéria entre no corpo através da alimentação, nós somos
mesmo as mesmas pessoas que éramos no passado?
Diante de todas essas evidências “contemporâneas” contrárias, por que a noção de indivíduo é
tão arraigada hoje em dia? Uma resposta fácil seria a de que o capitalismo estimula isso para
manter sua existência. Mas isso é muito simples e ignora que o individualismo é anterior ao
desenvolvimento do capitalismo.
Quando a classe dominante hebreia decidiu copiar a estrutura estatal dos vizinhos, ela copiou
junto as ideias religiosas. Alguns séculos depois um fenômeno de proselitismo judeu levou
essas ideias para todo o império romano e além, resultando no surgimento do cristianismo.
De acordo com suas origens, o cristianismo se manteve como uma religião essencialmente
urbana durante todo o império romano. O campo permaneceu inconvertível e a palavra
“pagão”, que significava “camponês” em latim, virou sinônimo de “não-cristão”; mas não um
não-cristão qualquer, e sim um rústico, bárbaro, incivilizado.
Como esses povos pagãos viam a pessoa em relação ao mundo? Não posso responder por
todos, então vou ficar no que conheço – os povos germânicos. Entretanto, é razoável supor
ideias semelhantes entre celtas, eslavos, etc.
Podemos dizer que esses povos viam cada pessoa como um “divíduo”; Explico: cada pessoa é
formada de muitas partes que se reúnem enquanto ela está viva e se separam após a morte.
Comparando à “alma” cristã, o que os antigos pensavam é que haviam várias “almas” em cada
pessoa; existia uma mente, dividida entre raciocínio e memória, uma alma que vivia os sonhos,
uma que podia sair do corpo para ver coisas, um animal companheiro – que podia informar,
mas também podia ser um veículo para a pessoa agir à distância. Mais que isso, havia um
“espírito da família”, que acompanhava as pessoas através das gerações e podia se manifestar
como uma mulher ou como o animal companheiro. O que mantinha a pessoa viva recebia um
nome que remete simplesmente à “respiração”. A mãe amorosa e a guerreira podiam ser
manifestações distintas de duas almas em uma mesma pessoa. Os limites entre cada aspecto
dessas “almas” não é fácil de delimitar, porém é certo que os antigos viam como coisas
diferentes.
A própria criação da humanidade, segundo a mitologia nórdica, é obra de três deuses que
deram, cada um, uma característica distinta ao primeiro casal; na Voluspá, uma antiga poesia
nórdica, é dito que os deuses animaram dois troncos mortos; eles eram sem “destino” (örlog),
então os deuses lhes deram o “fôlego” (önd), o “entendimento” (ód), o “sangue e os modos” (lá
e læti) e, por fim, a “boa aparência” (litu góda). Essas palavras podem ter outras
traduções; önd pode ser “alma”, ód “inspiração”, lá “emoção’, litu góda “forma dos deuses”. A
dubiedade não é à toa; as partes da “alma” das pessoas eram localizadas no corpo, não eram
transcendentes.
Quando a poesia se refere aos troncos não terem örlog (literalmente, “lei externa”, que
podemos entender melhor como “destino”) demonstra que só criaturas vivas tem destino. O
destino era visto como algo determinado pelas ações dos ancestrais, mas não somente e,
portanto, inevitável, cabendo aos vivos encarar o destino com coragem. Não cabia a espera de
um milagre nessa forma de pensar.
O “espírito da família” tem relação estreita com o “destino”; passado através das gerações, ele
era parte da cada pessoa, sem deixar de ser coletivo. Sendo uma forma de contato com os
ancestrais, ele não dispensava o culto aos ancestrais. Enquanto pessoas distintas – alguns
ancestrais – podiam ser lembrados por muitas gerações, normalmente após algumas eles
entravam na indistinta coletividade, porém sem deixar de serem de uma família específica.
A vida eterna, neste contexto, não era algo imutável; as pessoas não mantinham suas
consciências para sempre – elas terminariam quando todos os esquecessem.
O gado morre,
parentes morrem,
mas o renome
nunca morre
Estas palavras, de outra poesia nórdica – Hávámal -, são atribuídas ao próprio Odin. O senhor
do Valhala não diz para você morrer em batalha e ir viver eternamente junto a ele, mas sim que
a parte de você que nunca vai morrer é aquela que obtiver fama entre os vivos. Isaac Newton,
o astrólogo, morreu há tempos; já o Físico vive e provavelmente ainda viverá muito.
A manutenção de sua existência após a vida era tão ligada aos vivos que uma forma de “punir”
as pessoas que prejudicaram a família ou comunidade era não os enterrar junto ao resto da
família, nem os prestar culto. Ser banido da comunidade era a pior punição, até para os mortos.
Não quero dizer aqui que os antigos não tinham ideias mais concretas da vida após a morte;
tinham, mas se você fosse importante o suficiente para receber um enterro específico que o
levasse para o “reino dos elfos”, ainda assim você seria um ancestral cultuado como tal até o
dia em que ninguém lembraria seu nome e você se tornaria um elfo qualquer. Morrer em
batalha poderia te fazer um Einherjar, um guerreiro que lutaria ao lado de Odin no fim dos
tempos; mas quando você fosse esquecido, você seria só mais um Einherjar. Lembrar os
mortos era a forma de mantê-los com uma identidade distinta.
O “divíduo” existia, portanto, de forma relacional; não apenas pessoas humanas, mas animais,
plantas, rochas e formações geográficas eram igualmente “divíduos”. Uma montanha podia ser
uma ”giganta” esposa de uma divindade, sem deixar de ser a montanha, sem deixar de ser a
morada de “anões” e árvores cultuadas de forma separada dela, e sem deixar de ser parte da
terra, que era em si a “giganta” Jörd.
É importante ressaltar que essa visão não equivale às ideias transcendentais de que somos
uma parte de um todo unificado, ideia antiga em algumas religiões e bastante propagada em
alguns meios neopagãos. Não existe um todo, os próprios deuses morrem e dão lugar a seus
filhos; eles não escapam do destino, não retornam para um todo ou um vazio, eles vivem
através de seus descendentes e um dia podem ser esquecidos.
Também não se trata de um coletivismo que oprime as pessoas como em algumas ideias
políticas contemporâneas; a constatação de sermos “divíduos” não torna o coletivo superior – o
coletivo também é divíduo. Em outras palavras, as coletividades antigas não eram
transcendentes; se as partes que a mantinham se separassem, ela também morria.
Talvez a conversão das elites pagãs germânicas ao cristianismo tenha sido mais rápida do que
a da população rural geral devido à esta ideia de que os deuses morrem.
Em detrimento ao culto a deuses cuja própria tradição afirmava que iriam morrer, eles aderiram
ao Deus imortal cristão, para viver para sempre como indivíduos – algo que seria agradável ao
pensamento da aristocracia. Com isso não quero negar que houve resistência; houveram
verdadeiras guerras, mas as preocupações da aristocracia foram mais rapidamente supridas
pela igreja que as dos camponeses. A memória dos ancestrais, por exemplo, era mantida
graças a pedras erguidas em suas homenagens. Nunca antes do cristianismo se ergueram
tantas dessas pedras na Escandinávia; a grande maioria possui o desenho de uma cruz e um
“que Deus o tenha” após o nome do morto. Alguns séculos depois a prática se extinguiu numa
aristocracia devidamente cristianizada. A maioria das pedras foi parar em construções,
inclusive de igrejas, e os ancestrais foram esquecidos.
Já os camponeses não podiam ver as coisas assim; eles não podiam ver a montanha, nem a
nascente do rio morrerem; foi preciso a proibição com uso da espada para fazer com que eles
deixassem suas práticas e adotassem a prática cristã. Após muitas gerações o individualismo
se estabeleceu e ainda assim foi somente com a urbanização generalizada que ele triunfou
sobre as coletividades camponesas.
Evidente que a situação de hoje é distinta. Tamanha é a visão individualista que não só os
cristãos, mas ateus, pessoas “espiritualizadas” e pagãos das mais variadas origens são
individualistas. De fato, todos somos, porque fomos criados assim; dificilmente alguém nascerá
diferente disso nesta sociedade. Mas se pensarmos bem, nunca fomos indivíduos; sempre
“divíduos”, independente de ideias pessoais. Se começarmos a mudar as ideias e as práticas
hoje, no futuro é possível que o destino de nossos descendentes seja diferente do nosso.
Tendo já relatado aos meus leitores Why I am not a Christian (Por que eu não sou um cristão),
pensei que poderia levar algum tempo para falar sobre o que eu sou: Eu sou um pagão ateu.
Não é raro encontrar ateus modernos que, brincando, referem-se a si mesmos como “Heathens
ateus”. Eles usam o título de maneira satírica, para zombar da injustiça escandalosa que
alguns cristãos derramam sobre uma pessoa por causa do simples fato de que os ateus não
acreditam Deus. Ele remete a um período em que o cristianismo tinha autoridade legal, no
mundo ocidental, e a acusação de ser um “Heathen ateu” era uma ofensa criminal que resultou
em uma pena capital. No entanto, isto não é o que eu quero dizer quando eu uso o termo
“Heathen ateu”, como no título deste artigo. Para ser sincero, eu também pretendo esse tipo de
referência, mas meu uso realmente traz um peso adicional que geralmente não é
compartilhado pela maioria dos outros ateus que eu conheci. Quando eu digo que sou um
“pagão ateu”, estou realmente me referindo ao fato de que eu sou um ateu que
pratica Heathenry Nórdica.
Eu entendo que o pensamento de um ateu aderindo a uma religião politeísta pode parecer
bastante paradoxal, a princípio, permitam-me esclarecer.
O humanismo é uma filosofia progressiva de vida que, sem teísmo e outras crenças
sobrenaturais, afirma nossa capacidade e responsabilidade de levar vidas éticas de realização
pessoal que aspiram ao bem maior da humanidade.
Uma descrição mais completa pode ser encontrada no “Manifesto Humanista III” deles, que
basicamente só expõe sobre este tema. As únicas posições que são realmente estabelecidas
são uma oposição ao sobrenaturalismo, referências vagas à “participação individual no serviço
de ideais humanos”, e adesão ao método científico para a derivação do conhecimento.
Honestamente, não há muito previsto no Manifesto da AHA que eu acharia desagradável, mas
remova as partes que descrevem oposição ao sobrenaturalismo e até mesmo a maioria dos
teístas não encontraria muita coisa para não gostar. Para esse fim, o “humanista” sempre me
pareceu um título redundante – eu já me considero um naturalista, e o humanismo parece ser
apenas um naturalismo filosófico com uma sobremesa de otimismo social. Eu não tenho
necessidade de me adornar com rótulos estranhos.
Eu sou um naturalista. Eu não acredito que os deuses existem. Portanto, eu sou ateu.
Isso, então, nos leva à segunda parte da minha frase. Mesmo antes de me desassociar do
cristianismo, fiquei muito apaixonado pela Heathenry nórdica, lendo muito sobre o assunto e
conversando com os adeptos da religião. Às vezes também chamada neopaganismo
germânico, Odinismo, Asatru, Forn Sidh, Theodism, ou uma série de outros nomes; o
paganismo nórdico é uma tentativa de reconstruir as crenças e práticas religiosas dos povos
pré-cristãos germânicos. Apelando a uma grande quantidade de estudos sobre arqueologia e
documentação histórica, heathens tentaram construir uma religião moderna que se assemelha
ao que foi empregado por essas tribos antigas. Isso envolve muito, muito mais do que
simplesmente aprender as antigas histórias mitológicas e, em seguida, alegando adorar Odin e
Thor e Frigga e Freyja e os outros deuses. Heathenry inclui filosofia sobre parentesco e
ancestralidade e destino e moralidade. Mesmo se alguém fosse ignorar completamente a
teologia da Heathenry [paganismo], ela ainda oferece um rico valor para aqueles com interesse
nela.
A teologia do Heathenry, em si, é uma questão incrivelmente complexa, que vai de toda a
gama de teólogos pessoais sobrenaturalistas a ateus naturalistas. Há aqueles que vêem os
deuses exatamente como você poderia esperar, acreditando que os Aesir e Vanir são seres
pessoais de grande poder que interagem com a humanidade. Outros mantêm uma visão
arquetípica de que os deuses são a encarnação de certos conceitos ou resumos no mundo –
algo parecido com uma versão politeísta do Deísmo ou do Panenteísmo. Finalmente, há
aqueles – como eu – que vêem os deuses como sendo sujeitos de histórias e contos
maravilhosos dos quais se pode extrair um pouco de valor, mas que não acreditam que os
deuses são (ou sempre foram) seres reais existentes .
Eu atribuo grande importância aos meus antepassados, amigos, família e Kindred. Encontro
sabedoria nas Sagas e Eddas – particularmente no Hávamál. Tenho profundamente ponderado
sobre a natureza e as implicações de Wyrd e Orlog. Portanto, eu sou um pagão.
Quando digo que sou um “pagão ateu” [ou “heathen ateu”], isso implica um pouco mais do que
as pessoas muitas vezes percebem, a princípio. Não estou simplesmente satirizando um
insulto imposto pelos detratores cristãos para me desassociar da religião, como é
frequentemente o caso de outros ateus que utilizam uma frase semelhante. Estou realmente
fazendo afirmações positivas sobre minhas crenças e minha religião. Quando digo que sou
ateu, é um método abreviado para afirmar que sou Naturalista, Racionalista e Evidencialista.
Quando digo que sou um pagão, estou anunciando minha fidelidade às filosofias, crenças e
moralidade reconstruídas dos povos germânicos antigos.
PORTUGUÊS
Erros comuns na Ásatrú: Parte 1
Primeiro post do ano. Feliz 2017 pessoal ^^
Sonne Heljarskinn
(Aproveito o espaço e agradeço à Andreia Marques e o Ravn que me indicaram mais pontos
para apresentar, que eu mesmo quase esqueci).
Esses dias, andando pelo Platinorum vi uma tradução de uma lista de “7 erros comuns para
iniciantes na magia”. Percebi que o tema poderia ser bem interessante de ser analisado
também a partir da Ásatrú, ou do paganismo germânico em geral. Surgiu, assim, essa listinha
dos erros mais comuns que os iniciantes (ou nem tão iniciantes assim) cometem quando
passam a fazer parte do Antigo Caminho. Eu mesmo cometi quase todos, senão todos.
Essa aqui virou um costume que dificilmente você vê alguém acertando. A palavra islandesa
“Ásatrú” (com dois acentos, a qual se pronuncia “aussatrú”) é formada pela junção de “Áss”
(divindades Æsir) e “trú” (fé), significando “fé nos Æsir”. Isso você já deve provavelmente saber.
Mas você sabe que a palavra que determina o gênero, e, logo o artigo que você usa, é a última,
nesses termos compostos germânicos? Desta maneira, “trú”, que é uma palavra feminina,
determina que o artigo usado seja “a”, portanto, “a fé nos Æsir”, “a Ásatrú”.
2. Monoteísmo de Óðinn
Esse é de longe o erro mais grave, mas que supõe outros erros, como veremos adiante. A
grande e esmagadora maioria dos que se envolvem com o recriacionismo pagão dos germanos
e escandinavos vem do cristianismo, o credo monoteísta. Além disso, o Ocidente greco-romano
está habituado à ideia de um “deus superior”, como Zeus entre os helênicos e Júpiter entre os
latinos. Logo, deve haver um deus superior entre os germanos, certo? Errado! Óðinn era um
deus das classes nobres – mas vale lembrar que a nobreza germânica tinha um significado
bem diferente da nobreza romana ou grega. Haviam vários cultos dependendo do povo, classe
social e região, direcionados a um ou mais deuses diferentes. Mas o “monoteísmo pagão”
também vêm por influência do “Odinismo”, nome um tanto infeliz para um credo pagão
politeísta.
Este é um dos integrantes dos erros básicos no paganismo nórdico. As Nove Nobres Virtudes,
NNV ou 9NV são dois conjuntos de diretrizes morais e situacionais éticas dentro de certos
grupos de Odinismo e Ásatrú. Um conjunto foi codificado pelo ex-membro da União Britânica
de Fascistas e Nacional-Socialistas de Sir Oswald Mosley, John Yeowell (também chamado
“Stubba”) e John Gibbs-Bailey (também chamado “Hoskuld”) da Odinic Rite em 1974, e o outro
conjunto codificado por Stephen A. McNallen da Asatru Folk Assembly em 1983. Assim
podemos perceber que desde o começo essas NNV foram desenvolvidas por grupos com
orientações duvidosas, racializadas e fascistas, além do fato delas serem um conjunto de
dogmas vazios de significado, uma vez que para os pagãos e para os cristãos, a “honra” por
exemplo, possui significados profundamente diferentes. As NNV são claramente um código ao
estilo “dez mandamentos” do cristianismo, e por isso consegue tanta aceitação irrefletida pelas
pessoas que não conhecem a fundo a religião – e por essa semelhança com o credo
monoteísta que muitos pagãos com mais tempo de caminhada as rejeitam ou simplesmente
não se importam nenhum pouco com elas. Até porque elas não definem “como ser um pagão”,
apenas “como ser um humano honrado”. Lembrando que a “hospitalidade” é sempre
esquecida.
Esse aqui é o erro mais cometido. Leva a outros, como a necessidade de sincretizar deuses de
outros povos, formar panteões, etc. Como já dissemos acima, não havia um panteão fixo – pelo
menos de maneira reconhecida e clara como nos povos mediterrâneos com os quais estamos
acostumados – entre os povos nórdicos e germânicos, até porque nunca foi uma questão só de
culto aos deuses o paganismo antigo. Cada deus é visto como um vættr, um espírito, embora
os deuses sejam vættir superiores. A relação entre os humanos e todo e qualquer vættr não é
de louvor, adoração, mas sim de troca, princípio que é sintetizado na frase latina “do ut des”,
traduzida livremente como “dou-te para que também me dês”. Ou seja, deus nenhum quer você
de joelhos, não o quer adorando de nenhuma maneira, mas oferecendo obras, oferecendo
presentes, sacrifícios, alimento, bebidas, e assim por diante.
Bom, o culto aos vættir menores acontece de forma similar aos deuses (os vættir maiores, os
Æsir e Vanir), embora de maneira mais cotidiana. É interessante sempre deixar uma tigela com
alimento ou bebida em alguma árvore no local que você mora, ou no quintal, ou mesmo, no
caso de apartamentos, ter um vaso de planta de tamanho médio dedicado a esse fim. Assim
você pode estabelecer uma relação de troca com os vættir que dividem o espaço com você e
se tornar bem mais afinado. A “mitologia inferior” (que compreendia seres como os landvættir,
“espíritos da terra”, húsvættir, “espíritos da casa”, álfar, “elfos” e dvergar, “anões”) tinha tanta
importância quanto a “mitologia superior” (deuses Æsir e Vanir). Desprezar essa forma de culto
evidencia total desconhecimento da práxis da antiga ritualística dos germanos.
O culto dos ancestrais é outro assunto polêmico pois quase nunca é abordado, e quando é,
quase sempre é de forma dogmatizada e tendenciosa ao racismo. Qualquer um pode fazer o
culto aos ancestrais, porque você pode cultuar as suas dísir familiares, que são as mulheres
mortas da sua família, como avó, bisavó, ou mesmo os homens, não como dísir, obviamente,
mas como ancestrais, preparando um espaço separado com fotos deles, objetos que eles
gostavam, comunicando-se, deixando ofertas de alimentos e bebidas que eles gostavam, além
de, claro, também coletar dados de sua genealogia, incorporar elementos dos povos dos quais
você provém ocasionalmente na decoração de sua casa, sua alimentação, e mesmo estudar
idiomas/culturas antigos. Estabelecer o laço tanto com seus ancestrais diretos (família) como
indiretos (heróis e pessoas importantes) é de extrema importância e em nada inferior ao cultos
dos vættir superiores (deuses) ou inferiores.
8. Valhalla como “paraíso”
Esse aqui é outro supercampeão. Primeiro de tudo: pós-vida para os germanos é continuação,
não remuneração. Hel não é inferno e Valhalla não é céu. Estamos cansados de dizer, mas
vamos continuar dizendo. Segundo: o lugar em que, por padrão, acredita-se que os mortos
habitavam é a terra. Sim, a terra. O subsolo. O túmulo. Os mortos (ancestrais) serviam como
auxiliares na fertilidade da terra e os túmulos eram como que portais que nos davam acesso a
eles, quando precisavamos de sabedoria. As Valkyrjor pegam mortos nos campos de batalha,
no sentido literal, não na sua “luta contra a depressão” (e perdoe a dureza). “Os tempos
mudaram”: não, você que tá obcecado por uma noção de “paraíso de guerreiros”, ligada ao
“monoteísmo de Óðinn”. Desculpe. Nos vemos, provavelmente, no Hel.
Esse aqui é meio complicado, de começo. Os calendários pagãos são baseados nas estações
do ano, ou seja, plantio, colheita, época de descanso, época em que não se planta, etc. Mas
temos um problema: Europa e Estados Unidos – os locais onde a maior parte dos materiais
sobre paganismo é produzida – está no Hemisfério Norte. O Brasil, no Hemisfério Sul. Isso
significa que quando for verão na Europa e EUA será inverno aqui, e vice-versa. Se você está
em uma religião que cultua as fases do ano, você precisa então adaptar o calendário às suas
fases do ano. Mas acontece que tem muita gente que prefere celebrar o Yule no fim do ano
“porque europeus e norte-americanos fazem nessa época”, se esquecendo que lá eles estão
no inverno, enquanto nós estamos torrando sob o sol escaldante do verão. Então, utilizar o
calendário de comemorações de outro hemisfério é realmente bem esquisito…
Em breve a parte 2…
Por Ceadda Þunoring.
Postado originalmente em inglês em Þunresfolc Heorþ.
Tradução de Sonne Heljarskinn e Raendel.
Quando você gasta tempo aprendendo, debruçado sobre livros, conversando com pessoas
diversas que têm muitas abordagens diferentes sobre como as coisas são feitas, e você
começa a perceber que há um monte de respostas para as mesmas perguntas. Afinal, se você
fizer a dez heathens [pagãos] uma pergunta, esteja preparado para doze respostas. Houve um
tempo em que eu negava esse fato. Afinal, eu só queria respostas claras e concisas. Você faz
isso, por causa disso. Simples. Fácil.
Bem, muitas vezes não é. No entanto, Eu aprendi que isso não era necessariamente pra ser
assim. Não só isso seria chato, mas seria desonesto. Falharia ao retratar a diversidade de
abordagens que a reconstrução de uma visão de mundo antiga de diversos povos lhe daria.A
grande ironia no tempo em que eu me chamei de heathen é: Quanto mais livros eu leio, quanto
mais falo com Heathens, e quanto mais eu apreendo os conceitos da cosmovisão, menos me
preocupo com minha identidade como um Heathen. Em vez disso, acabo por me tornar mais
centrado na identidade do meu lar.
Isto não é, de forma alguma, um fracasso por parte das minhas experiências na comunidade
Heathen. Em vez disso, é um sucesso. Afinal, o Heathenry [paganismo] era local, e cresceu
organicamente, no passado. Apesar das semelhanças dessas culturas, suas experiências
diferiram. Assim, eles se viam como pessoas diferentes de seus vizinhos, pagãos ou não. As
tribos tinham suas próprias identidades. Embora duas árvores da mesma espécie se
ramifiquem e brotem da mesma maneira, elas ainda assim não serão exatamente iguais. Elas
ainda são duas árvores diferentes.
Isso em si é a beleza inerente dos Heathens, e muitas outras tradições politeístas. Eu posso,
por exemplo, entender os mesmos conceitos de cosmovisão que podem fazer com que outro
me veja como um Heathen, um Fyrnsidere, mais especificamente, mas ainda minhas práticas
podem variar da deles, as deles de outro, e assim por diante.
Depois de uma conversa com os amigos, eu percebo que dizer isso faz soar como se eu
estivesse com estas declarações abrindo uma porta para algo “livre para todos”. O que, embora
haja pouco a nada que eu possa fazer sobre isso, mesmo que fosse, não é o que eu estou
tentando dizer. Eu acho que devo esclarecer, e graças a esses amigos, este post foi impedido
de levar uma mensagem que eu não tentei dizer. Aqueles com uma boa compreensão sobre a
visão de mundo poderiam facilmente encontrar-se em seus grupos ou lares construindo
práticas sólidas e significativas que inspiram outros a fazer o mesmo, e criar aquelas deles
mesmos.
Eu passei muito tempo me perguntando sobre o que você faz a partir do momento que você
tem uma compreensão decente da visão de mundo. Se você apenas meio que faz o que quer
que seja que alguém que tenha mais experiência acha que se deve fazer, ou se, por outro lado,
você toma esse conhecimento, e forja algo grande, que põe o mundo, e a compreensão dos
antepassados, wights [vaettir], deuses e outras pessoas em perspectiva. Então, eu não posso
ter a melhor resposta para a pergunta no título, no entanto, esta é a direção em que estou
inclinado.
Nós todos vimos essas “bagunças” na forma daqueles que tentam tirar de culturas que eles
não sabem nada, e apenas transplantam deidades, ou símbolos para vender livros de New
Age. Ou daqueles que usam o Heathenry para promover suas agendas políticas, mais
preocupados em fazer o Heathenry se encaixar nessas agendas do que tentar entender a
cosmovisão, e ver através dessa lente. Às vezes eles ganham alguma popularidade, mas
muitas vezes afundam lentamente, ou pelo menos atraem forte oposição. Incluindo aqueles
que parecem querer usá-lo como uma maneira de chamar a atenção, ou para transformar o
Heathenry em algo como igrejas (Não, isso não é um provocação anticristã.), Instalando um
senso de falsa camaradagem, diminuindo a importância de títulos que nós conseguimos
através de atos ou parentesco (irmã, irmão, amigo). Uma compreensão sólida da cosmovisão
impede essas coisas.
Como eu não vejo um, ou um punhado de tradições, mas centenas, milhares com um núcleo
semelhante, mas diferentes experiências que as moldam. O Heathenry, e o Fyrnsidu são
coisas bonitas. No entanto, eles são guarda-sóis. Então, se alguém tivesse me perguntado meu
costume, ou tradição, ou, acho que a religião, em última análise,ela é Þunresfolc Heorþ.
Baseado em Fyrnsidu [antiga tradição], baseado em Heathenry, Politeísmo, Paganismo, o que
você tiver. No entanto, também é algo próprio. É isso, que eu desejo para quem lê isto.
Fyrnsidu é um termo em inglês antigo para antiga tradição, próximo ao “forn sed” escandinavo.
Refere-se à maneira de viver reconstrucionista dos povos anglo-saxões, e, assim como o
Heathenry, é muito mais que uma religião, mas um modo de viver, interagir com a comunidade,
e não apenas um culto a deuses de determinados povos. É por isso que o autor bate tanto na
tecla de que não adianta fazer o Heathenry ser apenas algo como uma Igreja, uma vez que ele
é muito mais que isso, é uma filosofia de vida, um modo de agir e se organizar socialmente.
Agradecimento à Andressa Berigo que ajudou a gente com algumas coisas confusas na
tradução :}
Cosmogonia nórdica: Nove mundos? — Uma reflexão
Por Seaxdēor
Comumente temos a ideia de que as Eddas retratam fielmente a maneira que os povos tribais
germânicos em geral viam a realidade, o que não é o caso, sempre. Diferentemente de outros
povos letrados, os quais preservavam um conjunto de mitos de maneira razoavelmente intacta
através do tempo, todas as histórias e explicações coletivas da realidade dos povos
germânicos são bastante ligadas a um período no espaço e no tempo.
1. O QUE É UM “MUNDO”?
Por exemplo, na Vǫluspá a vidente diz a seu interlocutor que “níu man ek heima, níu íviði“, na
tradução de Bellows “Nine worlds I knew, | the nine in the tree“, ou “nove mundos conheci, |
os nove na árvore”. Nas estrofes 21 e 47 aparecem menções à árvore Yggdrasil e se assume
que esta seja a mesma árvore que sustenta os mundos.
Todavia, heimr, na verdade possui outros significados, que não são exatamente correlatos
desse sentido de “mundo” que temos modernamente.
Os significados primários de heimr em nórdico antigo são “lar, morada”, aparecendo como
advérbio em expressões como fara heim, “voltar pra casa”. O dicionário de islandês de Zoega
aponta para “abode” (“residência, morada, domicílio”), e daí deduz “terra (land), região e então
mundo (world)”. Zoega ainda explica que “heimr” pode se referir ao local onde cada grupo
diferente de criaturas dominantes vivem. Já o dicionário de Cleasby-Vigfusson oferece a
palavra “Jórsalaheimr“, a qual traduz “Palestina”, indicando quanto heimr era usado para
nomes de regiões, em nosso mundo.
Heimr é uma palavra que tem vários termos correlatos em outros idiomas germânicos antigos e
modernos. “Home“, no inglês moderno (lar) e “Heimat” do alemão moderno são as mais
interessantes. Home é literalmente um local de morada permanente e no qual há laços
emocionais envolvidos. Heimat por sua vez carrega um sentido muito mais intenso que “pátria”,
revelando laços emocionais de uma pessoa com todo um conjunto cultural, paisagem, região e
clima de determinado local.
Como podemos ver, um heimr era uma porção de terra, separada ou não de outras regiões por
água (ou vácuo?) e não corresponde ao nosso conceito de “mundo” enquanto “planeta”.
Christie L. Ward discute que Óláfr Árnarson em sua obra de 1242, Terceiro Tratado Gramatical,
usa a palavra “merkistjarna” (“marking star“, ou “estrela marcante”, “estrela-marca”, “estrela
marcadora”) para definir os “planetæ“, discutindo aqui a tradição astronômica continental,
romanizada e não nativa do norte da Europa, apesar de equivalente à nossa latina atual, o que
dificulta a compreensão da dos germânicos. Aparentemente então a palavra “heimr” não seria
usada para traduzir o que nós chamamos de planetas ou mundos, o qual eles chamavam, de
certa forma de estrelas (stjarna), mesmo que marcantes, diferentes (merki-).
A maioria dos nomes antigos das estrelas e constelações, por um lado, era uma mera tradução
literal dos nomes dados a elas no mundo clássico: fiskikarlar, “pescador”, para Órion; kyndilberi,
“carregador de vela”, para a estrela Algol; dagstjarna, “estrela do dia”, para a estrela
Arcturus; suðrstjarna, “estrela do sul”, para a estrela Vega; Ásar bardagi, “batalha de um deus”,
para a constelação de Auriga. Por outro lado, os planetas em tratados de computus receberam
nomes bastante relacionados às características dos nomes latinos/gregos, sem, todavia,
relacioná-los diretamente aos deuses nativos da Escandinávia e Islândia: Mercúrio = máls
stjarna, “Estrela Falante” (ou possivelmente “Estrela que Mede”) Vênus = blóðstjarna, “Estrela
Sangrenta” Mars = þrekstjarna, “Estrela da Coragem” Jupiter = meginstjarna, “Estrela da
Força”, ou algo como “Estrela Principal”, “Estrela Primordial”, “Estrela Chefe” e Saturno
= gnógleiks stjarna, “Estrela da Abundância”. Nenhuma vez a palavra “heimr” é utilizada aqui
para definir um “mundo”.
Vale lembrar que existia ainda a palavra “verǫld” em nórdico antigo, cognata de “woruld” em
inglês antigo (sobre a qual falaremos adiante), que tem a mesma origem da palavra moderna
em inglês (world) e alemão (Welt) para “mundo”, a qual em nenhuma instância é usada para
nomear planetas visíveis ou estrelas, nem mesmo os locais mitológicos, mas na verdade algo
“material, mundano, do mundo, terreno”, quase no mesmo sentido que cristãos usam para se
referir ao não-sagrado, “do homem”, não pertencente ao que eles consideram divino; veja-se o
termo “veraldligr” o qual significa além de “mundano”, algo que é “secular”.
Em algumas instâncias famosas no local de heimr, todavia, é usado garðr, como no reino dos
Æsir (Ásgarðr) e dos humanos (Miðgarðr) — todavia um garðr é mais propriamente um
cercamento, uma região delimitada dentro de cercas, ou ainda uma região terra, no mesmo
sentido de heimr, e nem de longe significa um “mundo” ou “planeta”.
Outro grande problema é que apesar da Vǫluspá citar nove mundos ela não os nomeia
consecutivamente. Bellows, na nota de sua tradução enumera “Ásgarðr (reino dos deuses
Æsir), Vanaheimr (reino dos deuses Vanir), Álfheimr (reino dos elfos), Miðgarðr (reino mediano,
onde vivem os humanos), Jötunheimr (reino dos gigantes), Musspellheimr (reino de fogo),
Svartálfheimr (reino dos svartálfar), Niflheimr (reino de névoa) e Niðavellir (reino dos anões)”.
Todavia um modelo com nove mundos é quase impossível de ser aceito sem críticas: é
possível que svartálfar e anões sejam o mesmo tipo de criaturas, o que tornaria seus mundos o
mesmo; alguns modelos consideram isso (e então ou Svartálfheimr ou Nidavellir não são
contados), o que nos deixa com apenas oito locais; muitos colocam então Hel(heimr), embora a
morada de Hel, em si, já seja parte de Niflheimr, o que nos deixa na impossibilidade de um
nono mundo ser conhecido na atualidade.
Principalmente porque vários autores consideram que as diferenças entre os Vanir e os elfos
luminosos (ljósálfar) são quase impossíveis de se traçar (elfos e Vanir são ligados à fertilidade,
Freyr é o rei do mundo dos elfos, Sól é a “roda dos elfos” Freyr é conhecido por controlar a Sól,
sem nem contar a ligação entre os elfos, Vanir e os ancestrais — Freyr como senhor dos elfos
e Freyja como senhora das dísir, etc.). Um modelo de nove mundos só se sustenta sem análise
apurada. Então ou Snorri e a Edda Poética retrataram um estágio tardio, e com muitas lacunas
sobre a mitologia, dos quais apenas sete mundos podem ser nomeados com certeza, ou os
nove mundos foram criação de quem registrou o folclore tardio.
Observando que “Middanġeard” (inglês antigo) e “Midjungards” (na Bíblia (!!) de Úlfilas em
gótico) foram atestadas como nomes para o mundo terreno, as quais são versões do nome
Miðgarðr em nórdico antigo, é possível ter certeza que o conceito de mundo humano como
cercamento mediano era algo comum às demais tribos (mesmo a tradução cristã de Úlfilas
preservou esse termo, mostrando que ele estava arraigado na mente dos godos). Disso,
baseado nas evidências internas, podemos supor que os outros mundos também fossem
conhecidos de mais povos germânicos.
Além disso, em pelo menos uma passagem Álfheimr e Jotunheimr são usados para denotar
regiões geográficas não tão distantes da Escandinávia, o que sugere que ou a crença
nos heimr era bastante dúbia, ou que eles foram vistos como regiões geográficas reais por
alguns grupos de pessoas em determinado períodos de tempo. Creio que na verdade
os heimar sempre representasse regiões acessíveis geograficamente; todas as passagens
corroboram com isso pelos meios de transporte utilizados, mesmo por divindades, para acessar
tais locais.
A terceira parte de nossa análise leva em consideração a única fonte que menciona o assunto,
fora das Eddas: o Nine Herbs Charm ou Encantamento das Nove Ervas. Ele foi preservado
num manuscrito anglo-saxão de medicina popular chamado Lacnunga, datado do século X
(portanto cerca de dois séculos antes das Eddas da Islândia).
Vários elementos pagãos são mencionados nesse poema como o deus Wōden (como o Caolho
era chamado por saxões continentais e anglo-saxões na Inglaterra), embora a conversão já
houvesse acontecido. Em uma das linhas se lê:
“Chervil e Fennell, dois de muita força,
O verso que menciona os mundos diz, em inglês antigo: “sette and sænde on VII worulde“,
sendo que worulde é a palavra traduzida por “mundos”. Woruld possuía diversas variantes
como weorld, weoruld, weorold, e é a origem da palavra world em inglês moderno. Significava
“mundo, terra, estado de existência”; Hana Videen a define como “mundo; mundo material,
existência terrena; uma idade; pessoas e coisas na terra”. Woruld é composto de “wer”
(homem) e “eald” (idade), significando, literalmente, “idade do homem”. Seu uso está, na
grande maioria das referências oferecidas no dicionário de inglês antigo Bosworth-Toller, ligado
aos mesmos sentidos que são expressos em nórdico antigo por heimr e verǫld, este último,
termo do qual woruld está ligado tanto na forma quanto no sentido, vale repetir.
O fato mais curioso aqui é que a descrição do Encantamento das Nove Ervas anglo-saxão
oferece o número sete (“VII” no original) para a quantidade de mundos; o que bate com a
descrição da quantidade de mundos que podemos enumerar com certeza resultantes das
fontes nórdicas, embora divirja do número oferecido pela Vǫluspá.
Em vários povos tribais em que um papel similar ao do xamã siberiano existe (ou seja, um
indivíduo que conhece de ervas, histórias mitológicas e folclóricas, dominando o uso do transe,
usando de enteógenos, canto, tambores, ou vários desses elementos, com objetivos curativos,
protetivos ou de ataque) encontra-se um tema comum: uma árvore como eixo sustentando o
universo ou mundo conhecido.
É um tema encontrado no ramo germânico dos povos indo-europeus, nos povos originais da
América do Norte e povos siberianos, entre outros. Árvores do mundo específicas incluem
a világfa na mitologia húngara, Ağaç Ana na mitologia turca, Modun na mitologia da
Mongólia, Yggdrasil (ou Irminsul) na mitologia germânica (incluindo os nórdicos), o Carvalho na
eslávica, finlandesa e báltica, Iroko na mitologia Yorubá, Kien-Mu ou Jian-Mu na mitologia
chinesa, e na mitologia hindu a Ashvattha (uma Figueira sagrada).
Geralmente há uma profunda relação entre cavalos e árvores-eixo; os quais são pensados
como transportadores dos “xamãs” nos vários povos através dos diversos locais da existência.
“Yggdrasil” significa literalmente “Cavalo do Terrível” (Yggr é um epíteto de Óðinn); Sleipnir, o
cavalo de Óðinn, é o que é usado em viagens por esse deus para alcançar os mundos
inferiores.
O xamanismo saami parece ter influenciado a religiosidade dos germânicos. Veja entre os
nórdicos as vǫlur e spákonur, videntes de uma maneira bastante fino-úgrica — origem dos
saami — e quase nada indo-europeia — origem dos nórdicos). Entre os godos Johannes fala
das haljarunnae, de origem incerta mas possivelmente ligadas à helrune anglo-saxã, a qual
sugere-se que correria (run) ao submundo (Hel/Halja), de maneira similar às vǫlur e xamãs.
Nos tambores dos saami é possível encontrar o mundo dividido em três partes:
superior/celeste, mediana/terrestre e inferior/subterrânea, interligados pela árvore. Esse tema é
encontrado em outros povos xamânicos, e de certa forma podemos ver ainda nos mundos
nórdicos: alguns estão na copa da árvore (Ásgarðr, Vanaheimr e Álfheimr), outro no meio
(Miðgarðr), e outros inferiormente (Niflheimr, Jotunheimr, Musspellheimr, Svartálfheimr e
Nidavellir).
5. CONCLUSÕES
Nove ou sete regiões (heimar)? Acho possível que cada tribo germânica tivesse uma ideia
diferente de quantas regiões haviam, embora eu creio que sete seja o número mais comum,
pelas poucas evidências que temos.
Os heimar certamente não eram mundos no sentido moderno, mas regiões, locais, faixas de
terra, e eu chutaria, figurativamente interligados por Yggdrasil através da associação de
árvores tocando o céu (que na época podia ser intra-atmosférico, o topo de uma árvore), e as
raízes, ligando ela a outros locais, exatamente como uma árvore real, mas que poderiam ser
acessados fisicamente como qualquer outro local. É válido lembrar que o mundo não era
completamente conhecido nas suas fronteiras geográficas, o que abria espaço para a
mitificação de regiões distantes, que poderiam ser então transformada em locais mitológicos
(como Jotunheimr).
Se essas regiões eram porções de terra separadas totalmente, com um “vácuo” entre elas é
algo que acho pouco provável. Vejo Yggdrasil de uma forma bastante ligada com a
materialidade, não como “dimensões” que se sobrepunham, uma vez que essa ideia é bastante
recente e me parece pouco ligada à ideia dos mortos vivendo literalmente no subsolo, que era
chamado metaforicamente de Hel.
O número de mundos como nove, todavia, é dificil porque é impreciso: perdemos informações
demais e jamais saberemos quais eram os nove mundos da época heathen antiga. Todavia,
pelo menos sete podem ser apresentados com certeza, o que bate com a descrição anglo-
saxã.
Fica a cada um interpretar e incorporar a cosmogonia como quiser em suas vidas; aqui apenas
faço a discussão oferecendo uma ajuda que pode — ou não — ser valiosa pra quem a ler.
Parte I
“Eu conheço o freixo que se ergue / chamado Yggdrasill, / uma grande árvore,
respingando / com água branca; / de onde vem o orvalho / que cai nos vales, / que cresce
eternamente verde sobre a fonte de Urðr.” – Völuspá, Stanza 19; traduzido por Marcio
Alessandro Moreira
As principais fontes mitológicas e tradicionais sobre ela são o Gylfaginning (“O Engano de
Gylfi”, parte da Edda Prosaica) e a Völuspá (“A Profecia da Vidente”, parte da Edda Poética);
no poema Grímnismál (“Os Ditos de Grimnir”, também da Edda Poética), recebemos mais
detalhes sobre a Yggdrasill e principalmente a cosmogonia nórdica.
Na busca de estudar e trazer para os dias de hoje a Magia Nórdica, os magistas atuais através
do estudo da simbologia contida nas Eddas, vêem a Yggdrasill não apenas como um
mapeamento do Universo como também da psicologia humana. Tanto a Völuspá quanto
o Gylfaginning apontam que a humanidade foi criada a partir de árvores, o que apontaria que
possuímos uma “Yggdrasill interna” também; para muitos, isso é o que nos dá acesso aos
Mundos externos. Nessa abordagem mais psicológica, a Yggdrasill se torna uma boa
ferramenta para o auto-conhecimento.
Nas representações artísticas, normalmente era colocada como uma grande árvore frondosa
com uma águia em seu topo, quatro cervos em torno de seu tronco e uma serpente enrolada
em suas raízes (o dragão dos mundos inferiores Níðhöggr). Ocasionalmente, também era
retratado um esquilo (Ratatoskr, que transitava entre os Mundos levando notícias – muitas
vezes distorcidas – entre o Dragão inferior e a Águia superior) no tronco. Atualmente, muitos
preferem versões planificadas e simplificadas; porém é importante reforçar que essas
representações possuem funções artísticas ou didáticas, o mapa não é o território.
A Árvore possui três Raízes principais, cada uma sobre três Fontes – Urðr, Mimir e Hvergelmir.
A Fonte de Urðr é associada com os Mundos superiores, sendo a morada das Nornir (a tríade
do Destino). Além de tecerem e entremearem os destinos dos humanos, as três deusas
também usam a água e a lama desta Fonte para regar e nutrir a Árvore, reparando os danos
causados pelo dragão. É um local onde mesmo divindades podem obter presságios e
orientação.
Na Raiz equivalente aos Mundos intermediários fica a Fonte de Mimir (nome que significa
“Memória”), onde jaz a cabeça de um gigante – preservada viva através da magia dos Æsir –
que guarda o conhecimento ancestral e místico. Nessa fonte, Óðinn sacrificou um de seus
olhos em uma de suas buscas por conhecimento oculto.
Por fim, na Fonte Hvergelmir brota a Raiz dos Mundos inferiores. Dela jorram os rios
primordiais que passam pelo Mundo dos mortos fluindo até o Mundo dos humanos. Alguns
autores a colocam como a morada de Níðhöggr, dedicado a destruir a Árvore, por isso os
contemporâneos atribuem a ela uma simbologia de morte e ressurreição.
Haviam diversas passagens e pontes entre os Mundos, sendo as mais famosas Bifröst e Gjöll –
respectivamente, a ponte reluzente que liga Miðgarðr (Mundo Humano) e Ásgarðr (Mundo dos
Deuses) e a ponte escura que atravessa um rio gelado de mesmo nome e conecta Miðgarðr
com Helheim (Mundo dos Mortos). Embora sejam desenhados como uma estrutura linear para
facilitar a compreensão e estudo, os Mundos são na verdade uma estrutura 3D e muitas vezes
se entrelaçam. No próximo post, vamos começar a explorar os Nove Mundos e suas
associações atuais com aspectos da mente.
Sjáumst bráðlega!
Parte II
A versão que estou apresentando aqui é aquela que eu me adequei melhor em meus trabalhos,
incluindo também uma correlação recente entre os Mundos e nove runas do alfabeto Elder
Futhark. Estas runas, caracterizadas por terem um desenho simétrico (por isso, durante o jogo
oracular, elas dão a impressão de não possuírem uma “posição invertida”), passaram a ser
consideradas portais que facilitam o acesso aos Mundos e suas energias.
Uma arte que retrata os Nove Mundos de forma simplificada
Miðgarðr: o “Jardim do Meio” localizado no tronco da Yggdrasil, é o Mundo Material criado a
partir do corpo do gigante ancestral Ymir após sua derrocada. Morada da humanidade, se situa
no centro do tronco da Yggdrasill e é ameaçada por gigantes de Jötunheimr. No mar em seu
entorno, está a serpente Jörmungandr (ou “Miðgarðsormr”, “Serpente de Miðgarðr”); tão grande
que seria capaz de envolver o mundo todo e morder o próprio rabo, quando emerge causa
terremotos e tempestades. É não só o mundo em que estamos e interagimos o tempo todo,
como também o nosso estado habitual de consciência. Sua runa correspondente é Jera, que
rege a passagem do tempo e representa os calendários; o deus Þórr é tido como seu protetor,
mas também é associado com deusas da Terra como Jörð.
Ljósálfheimr: a “Morada dos Elfos Claros” logo acima de Miðgarðr. Embora seu nome possa
sugerir uma relação conflituosa com Svartálfheimr, não há uma visão maniqueísta na Magia
Nórdica; a mitologia não aponta conflitos entre ambos, e alguns magistas os veem como
opostos complementares. Os elfos claros são retratados como misteriosos, aparecendo tanto
em cultos agrários quanto familiares (em associação a ancestralidade), porém também
associados a magia; atribuiu-se a esse mundo a criatividade e trabalhos mentais orientados
pelos elfos. Também é um reino associado com a fertilidade e a luz solar, uma vez que é
habitado pelos deuses solares Freyr (deus Vane da colheita) e Sól (deusa condutora do sol).
Sua runa correspondente é Sowilo, a runa do Sol.
Vanaheimr: o “Reino dos Vanir” à oeste de Miðgarðr é um plano pacífico e abundante habitado
pelo panteão de divindades antigas ligadas à terra, à fertilidade e aos ciclos naturais. Os
principais Vanir são o deus do mar Njörðr e seus filhos Freyja e Freyr (embora este habite
Ljósálfheimr). Em seu centro há uma região chamada “Fólkvangr” (“Campos do Povo”), que
serve de destino para parte das almas dos mortos. Internamente, é associado com as emoções
que fazem o papel de fertilizar e fortificar nossas idéias e planos, garantindo seu crescimento.
Sua runa correspondente é Ingwaz, a sucessão natural.
Ásgarðr: o lar dos deuses Æsir, no topo da Árvore, governado por Óðinn e Frigg. Ásgarðr é
associado ao “Eu Superior” e possui vários palácios e salões que servem de morada para os
Æsir, sendo o mais famoso Valhöll – onde as Valkyrias levam as almas daqueles que morreram
em batalha para se juntarem aos seus exércitos. Pode ser acessado de Miðgarðr pela travessia
da ponte Bifröst, brilhante porém estreita, guardada pelo deus Heimdall. Momentos de
“inspiração”- em que nos sentimos realmente extasiados ou motivados – nos colocariam em
contato com o grau de consciência associado a Ásgarðr, além da comunhão com os deuses. É
atribuído à runa Gebo, associada com presentes – um lembrete dos sacrifícios que são
necessários para se obter as dádivas de Ásgarðr.
PORTUGUÊS
Adotando uma mentalidade viking – isso é para você? (Parte I)
Foi apenas durante os últimos anos, com auxílio da crescente fascinação pela Era Viking, que
começamos a olhar para a mentalidade Viking. Neste post, vou tentar explicar como os
homens e mulheres modernos podem adotar essa mentalidade Viking. Não é para todos. Mas
a leia – ela pode ser a mentalidade perfeita para você.
Por que somos fascinados pelos vikings? Eu vou te dizer o porquê: É a mentalidade deles. No
entanto, essa mentalidade é muitas vezes mal compreendida e para o último milênio, o mundo
olhou para os Vikings através de lentes principalmente cristãs e muçulmanas. A mentalidade
Viking pagã não era popular entre os reis que conquistaram a Europa – [foi essa mentalidade]
que fez as pessoas indisciplinadas, extremamente independentes e desobedientes.
Como a história é escrita pelos vitoriosos, os Vikings pagãos antigos eram geralmente
retratados como vilões. Os reis cristãos que os enfrentaram e muitas vezes os mataram ou
escravizaram todas as suas mulheres e crianças também são vistos como heróis. Ainda me
lembro dos livros de história na escola, retratando reis vikings cruéis como os Olafs (ambos)
como valentes cavaleiros enquanto aqueles que lutaram – que estavam provavelmente apenas
tentando proteger suas terras, propriedade e independência – eram «os maus». Mas é a
mentalidade dos «maus» que é interessante para nós. Se pudermos entender sua mentalidade,
não só iremos entender por que eles instintivamente lutaram contra os reis cristãos, mas o mais
importante, nós seremos capazes de adotar essa mentalidade e tornar-nos homens e mulheres
melhores.
Então, eu tentei listar algumas ideias da mente Viking nações que podemos incorporar em
nossas vidas modernas. Outros podem querer adicionar a esta lista, mas vamos começar com
sete ideias básicas:
1, Nunca desista
Ou melhor, a ideia de que desistir é simplesmente impossível. Desistir não só não é uma opção
– isso significaria que você perderia a si mesmo. Isto não é a mesma coisa que ser estúpido e
nunca mudar a mente. Trata-se de lutar pelo que você acredita que é certo, seus objetivos de
vida e sua família. A propósito, não se acanhe sobre isso. Seja honesto e se as pessoas
perguntarem, diga-lhes que não é possível para você desistir, esta é apenas a maneira como
você é.
Sua casa é seu castelo, e se ele precisa ser defendido, você é o exército dela. Você não vai
respeitar a autoridade, se tal respeito é exigido. Você pode optar por fazê-lo, mas então é por
opção e isto não está sendo forçado sobre você. Não me interpretem mal aqui – eu não sou um
defensor da anarquia. Mas para eu aceitar a autoridade de alguém, essa autoridade deve
primeiro ganhar o meu respeito, assunto para o qual eu vou voltar para em um outro momento.
3, Procure aventuras
Você não está destinado a viver a sua vida na frente de sua TV, e você não está destinado a
passar os seus dias fazendo algo que você odeia fazer. Além disso, foi-lhe concedida esta vida
e você deve ser grato o suficiente para fazer algo significativo, enquanto você está aqui. Para
alguns, isso poderia significar viajar. Para outros, pode significar fazer uma mudança em sua
comunidade local. (Ou pode significar tornar-se Viking, sobre o que eu escrevi aqui: Going
Viking).
4, Procure desafios
Esta ideia é fácil de entender. E muito, muito difícil de seguir-se na vida real. Mas você deve
procurar desafios. (Eu escrevi sobre isso no post do blog The Law of Highest Resistance).
5, A sabedoria é riqueza
A riqueza não é apenas material. Sim, os Vikings fizeram invasões, saques e pilhagens,
embora houvesse outros na mesma época histórica que fizeram isso em uma escala muito
maior. Mas precisamos entender que ser Viking era, como mencionado no post do link acima,
não necessariamente motivado pela riqueza material. Na sociedade nórdica, um homem ou
uma mulher sábia era ouvido e altamente considerado. Então, sempre busque o conhecimento.
6, Respeito deve ser conquistado – e isso vale para você também
Você já ouviu isso antes. O respeito deve ser conquistado. Mas isso vai nos dois sentidos, e
enquanto é bastante fácil não respeitar as pessoas, se eles se comportarem mal, pode ser
muito mais difícil de entender que se você se comportar como um idiota, você mesmo não
merece respeito. Aprofunde-se nisso por um momento… Estou certo de que todos nós tivemos
momentos que não nos orgulhamos. Mas nós seguimos em frente, aprendemos com nossos
erros e tornamo-nos homens e mulheres melhores. No entanto, se alguém frequentemente se
comporta mal… Bem, apenas não seja essa pessoa.
Meus antepassados nórdicos pensavam que sua memória era incrivelmente importante. Na
verdade, o ideal entre os guerreiros e muitos outros também, era viver de tal forma que você
fosse lembrado para sempre, e em de uma boa maneira. Hoje eu vejo várias pessoas
recebendo famosa por coisas estúpidas. O que é muito triste. Devemos lembrar cientistas,
exploradores, professores que fizeram a diferença etc. (Não devemos lembrar popstars cuja
principal característica é uma bunda grande ou um estilo de vida extravagante). Portanto,
pense no que você está fazendo, e o que você está planejando fazer no futuro. As chances são
de que, se você vive sua vida de modo que você será lembrado de uma boa forma, você
também vai ter uma boa vida.
Então, você tem isso. Sete ideias que poderiam ser apenas o que você precisa para viver uma
grande aventura e vida. Talvez você já está seguindo algumas dessas ideias. Talvez você
gostaria de adicionar alguma à lista. Mas faça o que você fizer, sempre pense como um Viking.
Quando se imagina uma família, a primeira imagem — aquela nos ensinada desde crianças —
é da família nuclear: mãe, pai e filhos. Atualmente, claro, devido à passagem do tempo e
mudança de estilo de vida, mudanças tecnológicas e sociais, a constituição familiar é mais
fluida. Temos mães e pais solteiros, irmãos que cuidam de irmãos, avós que cuidam de netos,
famílias homosexuais, e toda uma diversidade socio-cultural, correspondente às nossas
evoluções culturais.
Macacos bonobos.
Via Wikicommons.
Pode-se dizer, de certa forma, que a família é a base de qualquer cultura humana. O culto
ancestral, como já mencionamos antes, pré-data até mesmo o culto aos deuses e espíritos,
e em diversas culturas no mundo os próprios deuses são considerados ancestrais, situação
esta encontrada desde as diversas culturas africanas à cultura chinesa pré-dinástica, em povos
nativos americanos e do norte da Europa.
Não é difícil entender porque. A espécie humana, como a maioria dos primatas, é social: ela se
organiza naturalmente em grupos, muitas vezes grupos familiares unidos por laços de sangue
e reciprocidade. Entre primatas, é comum a formação de comunidades com vários machos e
fêmeas, com organização social diversa (entre bonobos elas tendem a ser matriarcais e não-
violentas; entre chimpanzés comuns, patriarcais e mais agressivas), que se auxiliam
mutuamente e possuem hierarquia interna.
A espécie humana, devido à sua grande fragilidade nos primeiros anos de vida, demanda uma
proteção social muito maior que outros mamíferos. O ditado “precisa-se de uma vila para criar
uma criança” expressa isso muito bem: o cuidado com a cria humana demanda muito tempo,
atenção, e esforço por parte dos indivíduos envolvidos — no caso, da comunidade onde o
humano nasce. Principalmente no passado, onde a situação de vida era mais arriscada e os
esforços para, por exemplo, alimentar-se, eram maiores. O mesmo ocorre com pessoas de
mais idade, que já não podem realizar as tarefas diárias com a mesma facilidade, e necessitam
de auxílio muitas vezes inclusive para cuidar de si.
Entre os romanos, o conceito de família seguia a linha patriarcal: a descendência era dada pela
proximidade de consanguinidade na linha masculina (pais, filhos, netos, bisnetos), e as
mulheres eram frequentemente ignoradas ou apenas consideradas como colaterais, ou seja, na
falta de herança familiar masculina.
Mulher e filhos.
Acredita-se representar a família de Valentino III. Via Wikicommons.
Quando a mulher se casava, deixava de fazer parte da família “original”, para ser integrante de
outra família. Ela deixava o convívio social de nascença para aquele adquirido no casamento.
Isso significava também deixar o culto a seus ancestrais de sangue adotar o culto ancestral da
família que passava a integrar, no caso romano. A própria palavra romana para casamento
(matrimonium) indica sua função (gerar filhos, ou seja, criar mães), em contraste com a
palavra consortium, que se refere a unir propriedade; consortium poderia ser usado como
sinônimo para casamento, porém, é mais comum após a conversão ao cristianismo.
De acordo com a antropologia moderna, a família não é necessariamente definida pela linha de
consanguinidade. O conceito de adoção é praticamente universal. Em diversas famílias e
culturas, também é considerada a relação adquirida durante o aleitamento, por exemplo —
irmãos de leite, um conceito relativamente comum e frequente durante a Idade Média,
conjugação de famílias mistas (onde cada adulto traz seus próprios filhos), entre outras formas.
Também era comum que um filho fosse “criado” por outrem, em treinamento profissional como
aprendiz, por exemplo, desde a tenra idade; que cunhados e cunhadas fossem considerados
parte da família e, portanto, dignos de proteção no que se refere a vingança, por exemplo; e
diversas outras configurações, como o irmão de sangue, este sangue referindo-se não à
relação biológica entre ambos, mas o sangue de um juramento de fidelidade e auxílio mútuo,
considerado tão sagrado quanto o laço familiar (se não mais).
Muitas culturas antigas mantinham uma visão mais comunal que individual (salvaguardada
exceções). A saúde e persistência da família muitas vezes tomava prioridade sobre a saúde e
persistência do indivíduo. Não era à toa que os feudos de sangue eram (e são) tão comuns.
Este termo não foi escolhido à toa. Ao contrário de um termo que seria mais adequado (folk,
por exemplo, no sentido de povo), kindred estabelece de cara uma relação próxima, de auxílio
mútuo e de fortes relações interpessoais de confiança e respeito. Kin era um dos mais
importantes aspectos das relações sociais germânicas.
De forma similar, temos o termo inglês kinship, que poderia ser traduzido como parentesco.
mas kinship, em termos antropológicos, vai muito além do que a relação de sangue: muito pelo
contrário, em determinadas culturas, ela se estendia inclusive a associados por (como já
mencionamos) juramento, criação, amizade e até relacionamento de negócios. Não era
incomum ver parceiros de negócios também negociarem laços de sangue entre, por exemplo,
seus filhos, de forma a solidificar alianças.
Assim como não era incomum negociar casamento entre tribos e reinos, pelo mesmo motivo.
Um laço de parentesco estabelecido pelo casamento também gera obrigações e alianças
estratégicas fora do casal.
Família Sami, na Suécia. Via Wikicommons.
Entre os povos germânicos antigos, assim como a maioria dos povos, casamentos não eram
feitos por amor, afeição, ou situações do gênero. Embora fosse possível (como o é entre outras
culturas que ainda mantêm tais práticas) que o amor e a afeição fossem parte da causa, ou até
mesmo que surgisse durante a vida casada, a principal função do casamento era o
estabelecimento, acúmulo e diversificação de propriedade (às vezes, até mais importante que a
geração de filhos; também não era incomum casar uma filha na esperança de ter homens
capazes de vingar alguém).
Nós sabemos que, relativamente recente, o casamento era planejado entre as famílias, sem o
consentimento expresso da noiva (consentimento sendo uma inovação cristã, baseada e
inspirada na lei romana); o pai esperava que interessados em sua filha aproximassem-se dele,
e requisitassem o casamento. A vontade da mulher não era considerada (embora, claro, em
casos particulares).
Antes disso, é bastante provável que o casamento surgisse a partir de raptos e estupro,
considerando-se que muitos dos povos em questão viviam uma vida semi-nomádica e guerras
frequentes. De fato, há certos indícios que tal coisa acontecia até mesmo durante a era viking.
Porcentagem comparada
de filhos nascidos fora do casamento (1980-2007) em países selecionados. Via Wikicommons.
Na Islândia, há certa evidência que o casamento era proibido a pessoas pobres, devido à falta
de recursos disponíveis e a necessidade de manter uma população compatível com o ambiente
hostil em que se vivia. Similarmente, filhos de escravos (quer homem ou mulher) não podiam
se tornar herdeiros. No caso da mãe ser a escrava, o homem poderia libertá-la para casar-se
com ela, mas o oposto não era possível.
Incesto, muito provavelmente, era mal visto em termos de família próxima; mas entre primos,
por exemplo, ou no caso de um homem casar-se com irmãs sucessivamente, ou com uma mãe
e uma filha, existem nas sagas.
Não havia uma idade fixa mínima ou máxima para efetuar-se casamentos; sendo um acordo
econômico mais que de relacionamento, é possível que pessoas se casassem ou fossem
prometidas antes de tornarem-se sexualmente maduras, e que esperassem até tal coisa
acontecer para começar a relacionar-se sexualmente. Assim, via-se que o sexo, e a
reprodução sexuada, não era exatamente necessária para a existência de um casamento.
E assim como o casamento deixou de ser uma transação econômica para uma em que ambas
as partes encontram-se livremente de acordo, não há razão para imaginar que tal família não
possa assumir outras configurações (sem, claro, excluir as famílias “tradicionais”). Nós não
vivemos mais na Idade Média, ou na Idade do Bronze, onde a sobrevivência de uma tribo
depende dos relacionamentos de todos os seus integrantes, onde a mortalidade infantil era
alta, onde a manutenção da propriedade era vital para a sobreviência e continuidade do nome
familiar.
No mundo atual ocidental, todas essas coisas são possíveis, mesmo com configurações
familiares diversas do núcleo, se não na prática, ao menos na teoria. O mundo mudou, e o
paganismo germânico, como era na época, aceita o mundo como ele é — e não de acordo com
um ideal pré-estabelecido.
Isso não quer dizer que os valores associados à família e a tais relações, em termos, por
exemplo, da paz familiar e da união entre pessoas, deve ser abandonado. Claro que não.
Apenas, que eles podem ser adaptados a uma nova realidade, como os próprios germânicos
se adaptam às suas novas realidades.
Nós não vivemos no mesmo mundo que eles, sob as mesmas condições, pressões, e anseios;
então por que nos limitarmos às suas mesmas limitações em um aspecto que, mesmo à época,
apresentava tão grande diversidade e flexibilidade?
PORTUGUÊS
Vida e Espírito dos Pagãos segundo Grönbech
O presente texto é essencialmente uma análise e uma síntese do capítulo “Life and Soul” do
livro de Vilhelm Grönbech, “Culture of the Teutons”.
É importante destacar que há três momentos da análise de Grönbech quando ele se propõe a
fazer quase uma “metafísica” ou “filosofia do ser (existência) enquanto tal”. Inicialmente todas
as coisas são apenas uma, enquanto existentes. A Natureza é entendida próxima da physis
grega aqui, como tudo que existe (aparentemente) independente do humano. A natureza existe
e as coisas são unidas por ela enquanto existentes. O homem e a Natureza são um da mesma
forma que mãe e filho em seu útero, sendo que as coisas gestadas pela Jord (Terra, realidade
material) não podem ter vida independente desta.
E tudo que existe, que está-aí na Natureza possui uma alma, uma consciência, um espírito.
Para o antigo humano do norte a dicotomia entre seres animados e inanimados é inexistente.
Tudo que é, que existe, possui uma parte material e outra espiritual. Mais que isso, essa parte
‘imaterial’ é consciente e passível de ser comparada com a dos humanos. É nesse sentido que
deuses, vaettir (espíritos da terra) e outros seres aparentemente fantásticos não são apenas
‘personificações’. O Deus do Trovão é o espírito, a alma, dos trovões, assim como cada um de
nós possui um corpo e seu respectivo espírito. Nós manifestamos nosso espírito através de
nossos corpos; Freyja através da fertilidade, Odin através da poesia e da guerra. Da mesma
forma os espíritos da pedra, da árvore ou de um animal se manifestam através de suas formas
materiais. Da mesma forma que nosso próprio planeta e universo têm suas vidas e
consciências particulares.
Neste ponto é preciso fazer uma pausa e analisar a relação de contradição (dialética) entre: 1)
a unidade da existência material (ou, melhor, da existência a cada momento dada à luz por
Jord, que gesta cada segundo e o põe na realidade para fora de seu útero); e 2) a
particularização de cada manifestação dentro desse todo para apreender a síntese deste
processo. Percebe-se então que a vida, a existência se manifesta em grupos de proximidade,
por exemplo, o dos humanos, ou de um determinado clã de humanos; o dos ursos; o dos lobos;
o dos deuses. Da mesma forma que os dedos são mais similares entre si do que se
comparados aos olhos, ou aos dentes, sendo que cada um dos dentes são parecidos com os
outros dentes e os olhos entre si. Isso porque o nórdico não falava de “um dedo” ou de “o
dedo”, mas de dedo. Não falava de “um urso”, de “o urso”, mas de “urso”. Indefinido, definido,
singular e plural se fundindo exprimiam uma ideia generalizada, a que para nós é vastamente
fragmentada e temos uma dificuldade tremenda para compreender como unitária. Da mesma
forma que dedos, apesar de serem similares entre si, são diferentes dos olhos e dentes, mas
todos, ainda assim, são partes do corpo humano, integrando e compondo sua essência. Da
mesma forma nós somos partes do corpo de Jord.
Assim, em resumo, para os nórdicos, segundo Grönbech, 1) todas as coisas são uma em Jord;
2) tudo que existe vive pois existir materialmente é manifestar um espírito; 3) Mas cada uma
dessas coisas possui seu próprio grupo ou clã, aqueles aos quais são similar e próximas.
Da bárbarie à civilização?
PORTUGUÊS
Da Bárbarie à Civilização?
Por MARIA KVILHAUG em inglês. Tradução de Seaxdēor.
Notas com comentários de investigação de fonte secundária por Maria Kvilhaug.
Há muito que se presume que a conversão, que aconteceu durante a Era Viking, ou seja, entre
800-1030 da era comum, marcou uma mudança da barbárie Heathen à civilização cristã nos
países do norte. Gro Steinsland [1] faz a pergunta, afinal; É essa visão realmente precisa? Isso
é verdade?
A sociedade da Era Viking foi regulamentada por lei e ordem, mas era uma ordem muito
diferente daquela que veio com o cristianismo. O sistema parlamentar era jovem e firmemente
estabelecido na Noruega. Cada pessoa livre estava sujeito à lei, e isso era verdade também
para reis e chefes e earls. Uma vez que cada pessoa livre tinha que ser capaz de lutar por seus
direitos legais no parlamento, podemos supor que o homem e a mulher comum estavam bem
arraigados em conhecimento jurídico.
As próprias leis também foram revisadas e discutidas nos parlamentos. Todas as pessoas
livres podiam falar no parlamento, e todos os proprietários de terras (por vezes estes eram
também mulheres que, sendo viúvas, poderia falam por si) tiveram voto. Em tempos pré-
cristãos, as leis não foram escritas, e a sociedade era, portanto, dependente das instruídas
pessoas com boa memória. Dizia-se que o pronunciador das leis (law-sayer-man) islandês
devia recitar toda a lista de leis para as pessoas no Parlamento Geral ao longo de três anos.
(Conclusão 1 à pergunta de Steinsland: É seguro dizer que o sistema jurídico Heathen foi
baseado em um consenso democrático tradicional, que em nada parece menos civilizado do
que o sistema que foi introduzido mais tarde – com menos poder para os parlamentos
democráticos tradicionais em favor de um novo, o poder real centralizado e sua religião cristã
medieval).
O codex moral na sociedade Heathen, a ética, foram, pelo contrário, não tão diretamente
ligados a crenças religiosas como é o caso do cristianismo. A ordem social foi baseada em um
sistema não-escrito de honra (Algumas palavras nórdicas para honra são: heiður, æra, sómi e
sæmd). Certo e errado, papéis de gênero e moral sexual, vida diária e dias santos – em todos
os aspectos as ações das pessoas livres reguladas e julgadas baseadas os conceitos de honra
[2].
A pessoa honrada era lícita, justa, modesta, hospitaleira e generosa, um apoio para seus
amigos e um inimigo para os não-amigos. O homem honrado foi cortês para o “brando”, não
usava a violência contra as mulheres, e vingou desprezos e insultos contra si próprio. A mulher
honrada era leal a seu próprio clã de nascimento e se certificou de que seus kindsmen
(parentes) defendiam a honra do clã.
O oposto de honra era vergonha (skömm, ergi). Além de cometer atos vergonhosos, também
poderia ser envergonhado pelas ações dos outros, em forma de insultos e humilhações ou
crimes contra alguém. Uma única vergonha individual poderia lançar uma vergonha para todo o
clã. Uma pessoa livre não poderia viver com vergonha, e a vergonha tinha de ser vingada.
Vingança era, portanto, um resultado necessário de um sistema social baseado na
necessidade de manter a honra.
Um lado não parece particularmente mais (ou menos) “civilizado” do que o outro. No entanto,
foi o cristianismo, que, aos poucos, resolveu o grande problema social da vendetas
hereditárias; A Igreja e o rei assumiram o papel de perseguidores únicos em relação a
questões legais e já não era lícito para os homens serem seus próprios vigilantes vingadores.
Desde então, o conceito de vigilante foi geralmente considerado como uma tomada um pouco
bárbara sobre questões jurídicas. Por outro lado, burocracia centralizada, a perseguição às
vezes impessoal possibilitou problemas de corrupção bem como de injustiça.
O maior problema com a forma bárbara de se resolver as coisas seria a de que não importa o
que era justo, em primeiro lugar, os clãs vingariam a si próprios, e assim as rixas de sangue
poderiam continuar por gerações. Por outro lado, nas sagas, nós vemos muitas (falhas)
tentativas de resolver disputas no parlamento, percebendo que mesmo os pagãos estavam
tentando evitar tais disputas, usando meios legais e “civilizados”. O fato de que tantas
tentativas para resolver tais questões legais falhou nas sagas pode não dizer muito sobre o
quão bem sucedido ou não esses parlamentos democráticos foram- podemos ouvir de
tentativas fracassadas, simplesmente porque apenas as tentativas frustradas poderiam
realmente produzir resultados tão dramáticos que as lendas que acabariam por se tornar, bem,
sagas).
O mundo Heathen era um dos inúmeros poderes diferentes que influenciam toda a vida
humana, em um nível ou outro. A maioria desses poderes foram tratados durante as grandes
festas religiosas. Os maiores feriados foram os três sacrifícios anuais; As celebrações do
outono, pleno inverno (midwinter) e na primavera. O sacrifício era central – o animal era abatido
aos deuses, que receberam o sangue, e então os humanos compartilhavam a carne como uma
refeição sagrada em confraternizações de grandes família/clã . O objetivo mais importante para
o sacrifício era alcançar fríðr.
A palavra traduz-se como “paz”, mas significa muito mais do que a palavra moderna para a
paz. Fríðr era a condição que existe quando tudo funcionou depois de leis dadas por Deus,
quando havia ordem no cosmos, quando houve equilíbrio na ordem social, e quando homens e
mulheres se reuniram com amor. A palavra fríðr também pode se referir ao amor e prazer
sexual pleno de felicidade (blissful). [3] (eu provavelmente usaria a palavra “felicidade” (“bliss”),
como uma melhor interpretação da palavra).
Esta é uma importante diferença entre a vida ritual Cristã e a Heathen; a religião pré-cristã foi
mais uma religião de fertilidade do que uma religião de salvação. Eles não tinham noção de
pecado hereditário, culpa individual ou “a queda do homem”. Eles não consideram esta vida
como pouco mais que um caminho para uma vida após a morte transcendental, nem eles
sabiam da condenação eterna. Quando os pagãos se uniram para comemorar a fertilidade e
rezar para a felicidade (bliss), eles foram santificar a própria existência, neste mundo, a nossa
vida na terra, e para o bem das gerações futuras, para que possam prosperar e ser feliz e viver
suas vidas de acordo com a lei divina.
Mesmo que os pagãos não parecessem particularmente preocupados com a salvação, eles
certamente tinham conceitos de vida após a morte. O clã envolvia tanto os vivos como os
mortos – os mortos eram enterrados perto da fazenda onde eles poderiam estar perto de seus
descendentes. Para manter o monte sepulcral como um monumento que significava que o clã
tinha possuído a terra por muito tempo. Uma grande montanha indicabva que a terra tinha sido
habitada por um clã por muitas gerações e foi, assim, um importante símbolo de status. Os
parentes mortos iriam cuidar bem de seus descendentes.
A conclusão de Gro Steinsland é que não havia nada de bárbaro sobre a visão nórdica antiga
de mundo, a vida de culto ou ordem social em comparação com a nova religião e sistema
político.
A fonte para além de meus próprios comentários são tomadas a partir de Steinsland em: Fra
hammer til kors – 1000 år med kristendom – Brytningstid i Viken; Jan Ingar Hansen (ed.) and
Knut G. Bjerva (ed.) Authors: Gro Steinsland, Anne Pedersen, Bjørn Myhre, Jan Schumacher,
Gro B. Jerpåsen, Christian Keller, Jan Brendalsmo, Jan E.G. Eriksson, Anne Erikse, Jan Ingar
Hansen, Erla Bergendahl Hohler, Elin Graabæk, Asbjørn Bakken, Botolv Helleland. Schibsted
1994
[1] Steinsland in Hansen and Bjerva 1994, p.17-27(«Fra hedendom til kristendom»).
O Eu e a Natureza
PORTUGUÊS
O Eu e a Natureza
Não quero me demorar nesse assunto, mas creio que a mensagem seja importante.
Quando estamos na cidade, existem sempre muitos “Eus” bem definidos. A propaganda nos
oferece muitos produtos para, em determinado momento acompanharmos a maioria, em
determinadas ocasiões aparentar alguma diferença externa.
Mas, quando de coração você deixa isso de lado um pouco, fora da cidade… Percebe o quanto
esse “Eu” é um conceito frágil: mosquitos vêm e levam sem pedir um pouquinho do seu
sangue, você apanha e se alimenta de uma fruta saborosa, admira uma abelha bebendo de
uma flor enquanto a fecunda com o pólen de outra; você deixa seu suor cair, rala-se em
alguma planta, e lá mais um pedacinho de você será engolido pela grande Mãe…
E todos esses entes estão trocando energias, trocando matéria entre si, o tempo todo… De
forma que o que é sempre está em mutação permanente, e é muito complicado tomar uma
parte destacada, seja no espaço, seja no tempo, ou na consciência (o “Eu”) e analisá-lo sem ter
em nenhuma consideração tudo que está à sua volta…
Ou sem pesar tudo que faz parte de si, e tudo do que fazemos parte.
Sábios eram os gregos, ainda: com a palavra phýsis eles, antes de Sócrates, falavam dessa
Natureza enquanto totalidade homem-exterior, sem precisar recorrer a totalitarismos modernos
específicos… E totalmente antinaturais: mas que sempre iludem muitas pessoas. Somente
quando respiramos e sentimos conscientemente a natureza é que podemos dizer a nós
mesmos: somos vivos.
Wyrd e Ørlög
Wyrd e Örlög
Prostradas na Fonte de Urðr, onde se fincam as raízes da Yggdrasill, estão as três Nornir
(singular: Norn) – deusas fiandeiras, regulando e servindo forças tão grandes e absolutas que
os próprios deuses estão submetidos à elas. Para os Nórdicos, o Destino era visto de uma
forma um tanto diferente da visão que o ocidente está acostumado hoje; ao compreendê-lo,
percebemos a forma que os pagãos se relacionam com seus próprios atos e lidam com
conseqüências.
Imagem destacada: Nataša Ilinčić
Já o Wyrd é como uma teia, com fios ditados pelo Orlög, regendo a relação de causa-efeito.
Sempre que tomamos uma ação, uma cadeia de consequências que não podem ser impedidas
é desencadeada, por isso muitos eventos são inevitáveis; e pela natureza de teia do Wyrd,
podem atingir não apenas nós como também pessoas a quem somos ligados. Potenciais estão
emaranhados no tear em que o Wyrd é tecido, sendo liberados e se solidificando de acordo
com as nossas escolhas. Tudo aquilo que somos e que nos tornaremos é determinado pelos
nossos atos; o pagão sempre deve estar pronto para lidar com as conseqüências de suas
escolhas. Não são poucos os poemas e textos eddicos e as sagas que nos lembram não
apenas de como o Destino pode ser implacável, como da necessidade de fazer sacrifícios e
pagar o preço devido por tudo o que desejamos.
Certa vez, uma amiga me contou a seguinte estória: imagine que você está viajando, e você
tem que atravessar um grande campo. Seu objetivo é atravessar este campo, mas você pode
fazê-lo de várias maneiras: você pode escolher atravessar as montanhas, pode seguir o curso
do rio, pode caminhar pelas áreas planas, etc..
E pode ser que não lhe seja dada uma escolha, e você realmente tenha que seguir um
determinado caminho. As circunstâncias nem sempre estão sob seu controle, afinal.
Mas as escolhas e ações e decisões que você toma definirão o quão fácil ou difícil será seu
caminho, e quanto tempo você vai levar para chegar a seu objetivo.
(Wyrd é um termo do inglês antigo, cognato com urd e que tem o mesmo significado — lê-
se weird, como a palavra em inglês moderno para “estranho”, que é derivada de wyrd.)
Nós somos os nossos atos é uma frase frequentemente repetida no meio heathen, e por um
bom motivo, pois nossos atos tem consequências, e nós não somos nada mais que a soma de
todos eles, e de todos os atos praticados sobre nós, também — que fazem de nós, nós
mesmos).
É tão simples e tão complexo quanto isso. Assim, nosso futuro é a soma de tudo que nós
somos e fizemos e os caminhos que nós mesmos determinamos, em ondas sucessivas de
passado-presente.
A urd é uma teia. Não é à toa que ela é representada pelas fiandeiras — pelo tecido, e as
fiandeiras tecendo nosso futuro, a partir de nosso passado. Só é possível construir, tecer algo,
sobre algo que já foi tecido, com as escolhas que já foram feitas, com os fios que já foram
entrelaçados.
Mas estas escolhas são limitadas pelo que é possível. A teia toma a forma e a extensão da
base sobre a qual é fiada.
Nosso universo, a natureza, Midgard, nós mesmos, tudo é restrito pela örlög, e a örlög nada
nem ninguém pode mudar. Ela é nosso passado e as leis naturais (inclusive as leis da física, as
leis biológicas, tudo); ela é tudo que já foi, o substrato sobre o qual nós existimos, e os limites
impostos à nossa existência.
Ou seja, a örlög é o material, a base, sobre as quais podemos trabalhar. Por mais livre que seja
nossa urd, ela não é infinitamente livre (pois é limitada pelos nossos atos passados) e por
nossa própria natureza e circunstâncias, as leis que são alheias à nossa vontade que regem o
universo onde vivemos.
Se a urd são os caminhos que podemos escolher (voltando à metáfora do início), a örlög é
nosso ponto de partida e o nosso ponto de chegada — duas coisas sendo certas: nosso
nascimento, e nossa morte.
Se a urd é uma teia, esta teia é limitada pelo espaço e pelos alicerces sobre o qual ela se afixa,
nossa örlög. Uma tapeçaria limitado pelos materiais e a base a nosso dispor. A örlög é aquilo já
foi determinado, pelo passado, pelos limites do possível, por tudo que existe.
Assim é o destino. Nosso passado, entrelaçado com nosso presente, que impõe limites a um
futuro.
Se você pode aceitar isso, você percorreu um longo caminho para entender o conceito de
destino ativo conhecido pelos anglo-saxões como Wyrd.
A Wyrd é Fado [Fate] ou Destino [Destiny], mas não o “destino inexorável” dos antigos gregos.
“Um acontecimento, evento ou ocorrência”, encontrado na lista do Oxford English
Dictionary está mais próximo da forma como nossos anglo-saxões e nórdicos consideravam
este termo. Em outras palavras, a Wyrd não é um ponto final, mas algo que acontece
continuamente ao nosso redor em todos os momentos. Uma das frases usadas para descrever
este termo difícil é “o que acontece”.
A Concise Anglo-Saxon Dictionary, compilado por JR Clark Hall (University of Toronto Press, 4ª
ed., 1996) enumera como “fado, chance, fortuna, o destino, os destinos, a providência, o
evento, o fenômeno, a transação, o fato, a condição” dependendo da referência literária do
trabalho em inglês antigo que menciona a wyrd. Observe “transação” e “condição”, pois eles
apontam para a ideia de destino ativo e o ambiente em que a vida é executada.
“…Vale ressaltar que a noção moderna de tempo linear ainda era uma abstração científica
entre os anglo-saxões cristãos, cujas atitudes em relação à vida e à morte parecem ter sido
governadas pela visão de mundo de seus ancestrais heathens. Eles acreditavam que, em
determinado momento, alguns homens… estavam condenados a morrer – uma reação às
incertezas da guerra e dos acidentes, não muito diferente daquelas de muitos soldados
modernos que acreditavam na ideia de que “se isso tiver seu nome nele, não há nada que você
possa fazer…”
Ligada a esta ideia é o conceito de wyrd “o curso dos acontecimentos”, que é a estrutura
subjacente do tempo; é esse padrão que os anglo-saxões tentaram ler no mundo ao redor
deles… Como o poeta de Beowulf observou:
A Wyrd, muitas vezes, salva um herói não condenado, desde que sua coragem seja boa
(Linhas 572-3)
A implicação é que, enquanto a coragem de um homem se mantém, ele tem a esperança de
vencer desde que “a maneira que as coisas acontecem”, muitas vezes funcionará para ajudar
esse homem, desde que ele não esteja condenado; por outro lado, se um homem está
condenado, então nem sua coragem pode ajudá-lo a enfrentar “o curso dos acontecimentos”.”
The English Warrior from Earliest Times to 1066, pp166-167 Anglo-Saxon Books 1996
Considere o Tempo não como um rio que flui rapidamente, constantemente nos precipitando
mais longe de nossos nascimentos para nossas mortes, mas sim como um lago ou piscina de
tamanho infinito. Um punhado de seixos jogados na superfície de uma piscina imóvel cria
impressões simultâneas e ondulantes na água que se espalham, se tocam e se sobrepõem.
Cada seixo é distinto do outro. Eles podem ser maiores ou menores e criar um espetáculo de
tamanho maior ou menor, mas o caminho de cada um cria uma impressão na impressão
aquosa de cada outro seixo. Esses seixos representam a wyrd, mas as nossas são as mãos
que os lançam.
Mesmo quando um homem estava condenado pela wyrd, sempre houve consolo, mesmo que
fosse simplesmente aceitar um destino desagradável com coragem. A última linha do poema
conhecido como Resignação, uma meditação no Dia do Juízo, resume bem isso:
Essa ainda é a melhor coisa, já que um homem não pode evitar o seu destino, que ele deve,
portanto, sofrê-lo bem.
(traduzido por S.A.J. Bradley in Anglo-Saxon Poetry, David Campbell Publishers, 1982)
Isto é de The Exeter Book, escrito entre 950 a 1000 da Era Comum, e embora fortemente de
natureza cristã reflete a importância do Fado [Fate] na luta humana.
A World Wide Web é outra rede entrelaçada, e uma bem nomeada. É verdadeiramente uma
teia de nódulos interconectando quase infinitamente (de que esta página é uma) ligada entre
eles por fios invisíveis de conectividade eletrônica. Esta página existe, esperando por você.
Você chegou aqui para aprender sobre a Wyrd por causa do que você selecionou no seu
caminho para esse conhecimento.
[*] Nota do tradutor: Nornas poderiam ser melhor entendidas apenas como entidades
sobrenaturais independentes, e não “divindades”.
Intragrupo e Extragrupo
A visão de mundo tribal não entende que a prática da religião seja algo “universal”. Isso não
significa que delimitamos o acesso da religião a qualquer pessoa. Mas que existem conceitos
que fundamental a base do relacionamento entre um heathen e as pessoas que são próximas a
ele ou ela e os que não.
1. Innangard e Utangard
Útangarðr e Innangarðr
Innangeard-Ūtangeard
Ūtangeard / Innangeard é uma ideia extremamente penetrante que dita como os Heathens
(pagãos) antigos interagiram com sua tribo, seus deuses e o mundo além dele. Este conceito
deu orientações claras sobre quem estava ligado a suas leis, seus costumes e quem não era.
Embora ambos Ūtangeard e Innangeard sejam compostos não atestados em inglês antigo,
cognatos a ambos podem ser encontrados nas palavras nórdicas antigas útangarðr e
innangarðr, respectivamente. ‘innan’ significa ‘interior’ ou ‘dentro’, ‘ūtan’ significa ‘de fora’ ou
‘estrangeiro’ e ‘geard’ pode significar ‘quintal’, ‘habitação’, ‘tribunal’, ‘região’, ‘terra’ ou ‘jardim ‘.
Essencialmente, Innangeard é o que está dentro, onde as pessoas do interior são todas ligadas
pelos mesmos costumes tribais, leis e prática religiosa. Aqueles no ūtangeard não estavam
vinculados por esses costumes e não eram protegidos pela unidade tribal, portanto estavam
“fora da lei”. O exterior era considerado um lugar de selvageria e caos onde espíritos
indomáveis moravam e o perigo se espreitava em cada esquina.
Em We Are Our Deeds, Eric Wōdening explica os perigos que enfrentamos como um “fora da
lei” banido para o mundo selvagem:
“A igualdade da sociedade com a lei talvez possa ser vista melhor no costume de fora-da-lei
(outlawry) como um castigo para os malfeitores. Aquele que foi proscrito foi colocado fora da lei
– isto é, expulso da sociedade. A frase em Inglês Antigo “butan ǣ”, que significa “fora-da-lei”
(outlaw), significava literalmente “sem lei” ou “exterior à lei.” Os proscritos tinham, na melhor
das hipóteses, apenas um estatuto quase-humano. Eles poderiam ser mortos com pouco medo
de represálias. Eles não podiam sequer receber um enterro decente ou cremação. Eles
estavam “estrangeiros à lei” e, portanto, “fora da sociedade”.
O mundo germânico existia em círculos concêntricos, irradiando para fora do lar (hearth) ou da
unidade familiar imediata, com as próximas relações mais abrangentes e parentes (sibb),
enquanto a outra depois cercava a própria tribo. Havia também innangeards em torno de locais
sagrados e de lugares de culto dentro do innangeard tribal, onde existiram como parte do
innangeard tribal e como uma entidade separada, sagrada.
hearth = lar
kin = parentes
O paganismo é uma religião e uma visão de mundo animista, isto é, que acredita que tudo está
à sua volta é vivo. Honramos espíritos locais e não apenas divindades. Entenda melhor nos
seguintes artigos:
Animismo na Heathenry
Mas a Heathenry moderna é mais identificável através de sua adoração aos deuses do norte
da Europa, em vez de qualquer conexão com crenças animistas em espíritos da natureza.
Diana Paxson, em seu livro Essencial Asatru, afirma que “Asatru é a aliança [troth] dos deuses,
e são os deuses e deusas que são o foco da religião como é praticada hoje.” Tanto em fontes
escritas como em rituais esta ênfase está clara; mas há ainda espaço para uma reverência aos
espíritos da natureza em uma tradição tão enraizada em honrar seu panteão?
Kveldulf Gundarsson, em seu ensaio “Mother Earth and her Children“, sugere que “o
escandinavo comum da Era Viking provavelmente iria para os espíritos da
terra [landvaettir], muitas vezes, como para um vizinho e para os deuses nos dias de festa e em
momentos de necessidade ou de agradecimento, como se fosse um cacique…”, o que parece
apoiar os esforços das famílias em enfatizar as ofertas comunais aos deuses, deixando ao
mesmo tempo a honra dos menores para os indivíduos. O problema de basear nossa prática
moderna nesta teoria é o poder que as comunidades mantêm em estabelecer e transmitir
tradição quando o contexto cultural para a antiga Heathenry foi completamente perdido desde a
conversão da Europa. No ritual comunal, estamos reaprendendo a pensar como pagãos, e
quando nossos rituais falham em abordar o que era claramente uma parte integral da prática
antiga, nunca aprendemos a incorporar isso em nossas vidas fora do ritual.
Em última análise, o desejo por esses tipos de conexões está no cerne do movimento pagão
moderno. As pessoas são atraídas pelo paganismo devido à sua ênfase na terra, aos ritmos
naturais das estações e às ideias de uma época mais antiga em que a comunidade era
valorizada e apoiada, e os laços familiares eram fortes. Conectar-se com os espíritos da terra
em que vivemos, os espíritos de nossa própria família, e aprendendo sobre a história dos
lugares que vivemos é o primeiro passo para alcançar a conexão. Para mim, o animismo é a
teologia da conexão, de ir além dos arquétipos teóricos que às vezes impedem nosso
crescimento espiritual e interagem com o indivíduo — o fogo, o rio, o poço de água, a pedra e
as árvores florestais de todos os tipos.
* Isto, naturalmente, levanta a questão de como interagir com as crenças dos povos indígenas
da América — uma questão muito vasta e espinhosa para entrar aqui; Espero escrever um post
futuro explorá-la, no entanto.
Tradução parcial.
“Não há ambiente ‘lá fora’ separado de nós. O ambiente está embutido em nós. Nós somos
uma parte do nosso meio ambiente como as árvores e pássaros e peixes, o céu, a água e as
rochas “. ~ David Suzuki
O que é o animismo?
O animismo é a crença de que tudo tem um espírito e uma consciência, uma alma, desde o
mais pequeno micro-organismo da Terra até os grandes planetas dos céus para todo o
universo. As fés animistas geralmente têm uma crença no renascimento e na reencarnação,
seja como outro humano, ou um animal, uma árvore ou uma estrela. Qualquer coisa pode ser
um antepassado e, de certa forma, isso é verdade, já que os cientistas dizem que cada coisa
no universo é criada a partir do mesmo pó espacial — toda a matéria é reciclada e
reutilizada. Espíritos do lugar (genus loci) são pensados para ser a alma real da terra ou uma
alma que veio residir em uma colina, um córrego ou um bosque como seu guardião e
benfeitor. O animismo é geralmente visto como mais primitivo e o politeísmo sendo visto como
mais avançado (pense a Idade da Pedra versus o Império Romano).
Você pode tentar ter um sem o outro, no entanto, na maioria das culturas os dois andam de
mãos dadas. Os nórdicos tinham seu panteão de deidades, bem como fortes crenças nos
espíritos da natureza, antepassados, elfos, gigantes e trolls. Os antigos gregos tinham uma
forte corrente subjacente ao animismo de personificar tudo em existência como um espírito ou
divindade e adorar espíritos de fontes, rios, colinas e florestas ao mesmo nível de devoção, se
não mais do que o seu panteão de deidades com sacrifícios, oferendas e festivais. Os
antropólogos chamam essas divisões de “baixo culto” (animismo) e de “alto culto” (politeísmo),
mas na verdade eles não eram divididos. Você teria dificuldade em encontrar uma religião pré-
cristã sem uma combinação totalmente integrada de deidades, seres similares a fadas e um
culto aos ancestrais. Você também acharia difícil encontrar uma religião mundial importante
hoje sem vestígios de animismo ainda apegados a ela. O animismo nunca foi destruído ou
substituído, esteve aqui o tempo todo dentro da persistente crença nas fadas e no outro
mundo, no culto católico aos santos [Nota do Editor: existem grandes controvérsias se
poderíamos agrupar o culto aos santos aqui], pela reverência e superstição em torno das
árvores, e nossas canções folclóricas culturais e contos populares. O instinto inicial dos
primeiros folcloristas e dos pagãos modernos era rotular tudo como paganismo, mas era a
sobrevivência do animismo o tempo todo.
O sinônimo de animismo que buscamos na cosmovisão pagã é a crença nas fadas, e a
explicação para isso que o mundo acadêmico tem buscado pode ser encontrada nos cultos
animistas de culto aos ancestrais e do culto ao espírito natural em todas as partes do mundo
e história humana.
Se uma religião tem um culto aos ancestrais dentro dela ou uma crença em seres similares a
fadas, é um sinal forte que evoluiu a partir de uma versão animista anterior de si mesma. Os
deuses geralmente são corpos celestes deificados, espíritos terrestres, espíritos de animais,
forças da natureza e ancestrais (reis, heróis, curandeiros e milagreiros). As deidades não são
separadas do animismo, elas nascem dele. Os restos documentados da crença em fadas na
Irlanda, na Escócia, na Inglaterra e na Europa revelam a presença de um animismo de raiz
antiga que ainda era praticado após a conversão ao cristianismo, como é evidenciado por todas
as leis que proíbem quaisquer práticas ou ritos envolvendo fadas, espíritos terrestres, e
adoração de pedras sagradas, água e árvores. O animismo ainda é muito prevalente nos
sistemas de crenças africanas, sul-americanas e asiáticas e nas religiões populares hoje. Por
exemplo, os budistas adoram o Buda e os muitos bodhisattvas ao lado de um forte culto
ancestral familiar. Embora a população daqueles que praticam a religião Ainu animista
reconhecida seja muito pequena hoje, os japoneses ainda praticam muito xintoísmo e têm uma
crença aparentemente inexorável em yokai, espíritos sobrenaturais, demônios e
fantasmas. Encontre uma tribo indígena na América do Sul ou na África ainda não convertida
no cristianismo e talvez não tenham ouvido falar do termo animismo, mas você pode ter certeza
de que suas práticas espirituais são intrinsecamente animistas com um culto aos ancestrais.
Vou tentar fazer o melhor que eu puder para explicar, mas só será minha própria definição,
experiência e pesquisa. O animismo sempre mudará de forma individual, de pessoa
para pessoa, tribo a tribo, região a região.
O animismo é uma filosofia apoiada pela prática, é um modo de vida e uma forma de pensar. O
animismo é o seu relacionamento pessoal com a natureza e com os espíritos não-humanos
que habitam e compõem a natureza. É uma relação de respeito e valor para todas as coisas e
todos os seres, visíveis e invisíveis. Toda a vida é sagrada e sensível, mesmo aqueles que
estão fora da sua definição atual de vida até aqueles que são considerados malévolos. Dentro
de um ecossistema equilibrado, toda vida serve para um propósito — mesmo aqueles que
podem parecer ser o vilão, à primeira vista. O animismo é o trabalho espiritual de construir uma
consciência e um relacionamento com os espíritos das plantas, árvores, fungos, animais,
insetos, águas, florestas, montanhas, planícies, desertos, forças elementares e os espíritos dos
mortos enterrados sob seus pés. Quando você mora dentro da natureza, percebe que você é
parte dela, não separado disso. Torna-se importante saber sobre o seu entorno, porque sua
sobrevivência depende do seu conhecimento e tratamento respeitoso da terra, plantas e
animais ao seu redor.
As Crenças do Animismo
Dentro da filosofia do animismo não há distinção entre magia e mundano — tudo é mágico e
tudo é mundano simultaneamente. Considere isso por um minuto: cada ato é um ato mágico. O
animismo carece de pretensão e superfluidade — se uma ação ou item não serve de propósito
real, é desconsiderado. Na minha opinião, com base em pesquisa e experiência, é por isso que
o mesmo conjunto de rituais é encontrado na prática animista em todo o mundo. O animismo é
composto de crenças compartilhadas, mas é ainda mais uma série de práticas e rituais
baseados nessas crenças.
Os Rituais do Animismo
Se você quer ir caçar e coletar algo na floresta, pescar em um rio, cortar uma árvore, construir
uma nova casa ou pedir aprovação aos antepassados para casar, você primeiro executaria
estas etapas:
Vá para onde o(s) espírito(s) vive(m) (eles não podem ouvir você se você não estiver perto).
Declare sua intenção em voz alta e solicite permissão do(s) espírito(s) governante(s) desse
lugar.
Envie uma oferta adequada e respeitosa para o(s) espírito(s) mencionado(s) e espere que seja
aceito.
Acalme o(s) espírito(s) com palavras e músicas doces (isso pode ser a oferta).
Peça um sinal de aprovação específico e realista (as chamadas dos animais, a chuva ou a
adivinhação).
Se você não receber o sinal ou algo der errado, não faça isso.
Se você receber o sinal e tudo parecer um mar de rosas, vá fazer a coisa.
Quando você retornar de fazer a coisa com sucesso, agradeça o(s) espírito(s) e deixe uma
oferta maior.
Outro passo às vezes incluído é ameaçar o(s) espírito(s), o que, na maior parte das modernas
tradições pagãs e mágicas, quase não se ouve sobre, mas muito comum em religiões
populares e culturas indígenas animistas. Deve ser uma boa ameaça e você deve saber quais
espíritos você pode afugentar com ameaças e quais seriam incrivelmente desrespeitosos de
ameaçar. As ameaças comuns incluem a retenção de ofertas até que uma petição seja
concedida ou que você fale sobre um espírito como um bicho papão temível ou algum
equivalente a mãe ou chefe do espírito.
Purificação e Bênção
Outras cerimônias comuns são de purificação e benção e muitas vezes estarão de mãos dadas
com a fórmula acima. Purificação do corpo e da alma que se realiza antes de se aproximar dos
espíritos, de modo que um deles os separe fisicamente e espiritualmente como um sinal de
respeito e também para remover quaisquer influências negativas que possam interferir com a
intenção daquele que pede. Uma cerimônia de bênção é realizada antes de qualquer ação ser
tomada para ajudar a influenciar o melhor resultado possível se a ação é uma jornada, um
casamento, um bebê novo, a construção de uma nova casa, ou tão simples quanto um tecido,
indo pescar ou cozinhar refeição. A Carmina Gadelica, uma coleção de encantamentos orais da
Escócia até o final dos anos 1800, está cheio de tais ritos de bênçãos que abrangem tudo,
desde a manteiga agitada e a bênção de gado novo a acordar de manhã e a dormir à
noite. Apesar de algumas imagens e formulações católicas, a maioria dos encantamentos são
cantados ou recitados com a esperança de que as fadas se afastem e não prejudiquem o
trabalho das pessoas ou o cotidiano.
Alinhamento
Não existe um termo técnico real para essa crença e seus ritos. O alinhamento é a prática de
tentar se alinhar mais de perto com um espírito, seja um animal, uma planta ou um
antepassado. Isso pode ser conseguido ingerindo ou fumando uma planta (ou esfregando uma
pomada volante) durante a cerimônia para se conectar melhor a essa planta ou a um espírito
de floresta maior, criando um fetiche de uma garra de animal ou dente para usar para se
imobilizar com os poderes do animal mencionado, ou mesmo a antiga prática de canibalizar os
mortos para reabsorver sua alma e poder na comunidade.
A filosofia é simples: quanto mais você se aproxima do espírito pretendido e quanto mais você
trabalha com isso, mais você assumirá atributos e poderes associados a ele. Quanto mais você
trabalha com os mortos e está em torno da morte, mais fácil será compartilhar com os
mortos. Quanto mais você trabalhar ativamente com um espírito de animal, mais você assumirá
seus atributos positivos e poderá chamá-lo para sua ajuda. O alinhamento também mostra
respeito porque você está conscientemente buscando um relacionamento com o espírito
através de ações e ofertas que provavelmente resultarão em reciprocidade do espírito até se
tornar familiar, aliado ou auxiliar.
Mal olhado
Os rituais que envolvem desviar ou contrariar o mal olhado também provêm do animismo e sua
crença na existência de feitiçaria intencional e não intencional, tanto por pessoas comuns
quanto por meios sobrenaturais. A crença em mal olhado é encontrada em todo o mundo e
através de culturas e pode ser infligida por humanos, mortos, espíritos e divindades. Pode ser
um vizinho invejoso enviando ondas odiosas sobre o quão incrível é sua vaca leiteira ou um
caso de tiro de elfo causado por um svartálfr irritado. A crença no mal olhado pode ser tão
prevalecente e forte que toda uma comunidade baseará sua ética e etiqueta em evitar o mal
olhado praticando a humildade e a deflexão do louvor. Era muito comum na Irlanda e na
Escócia gritar um aviso e uma desculpa simultaneamente, sempre que esvaziava o balde de
lavagem sujo ou o pote de câmara para que os espíritos próximos tivessem a chance de sair do
caminho, em vez de ficarem salpicados de imundície e maldizer você por ser desrespeitoso.
Proteção
Não é uma crença comum dos povos animistas que os espíritos são geralmente benevolentes
e nos querem bem, é de fato o oposto. Os espíritos devem ser apaziguados para evitar danos,
devem ser mantidos a uma distância segura e serem protegidos contra, por qualquer meio
necessário. Os espíritos são considerados benevolentes, malévolos, caóticos ou neutros,
sendo os benevolentes os mais raros e geralmente nascidos de relações benéficas a longo
prazo entre humanos e espíritos. A onipresença e a infinita variedade de encantos protetores e
talismãs encontrados ao longo do tempo e em diferentes culturas demonstram quanta ênfase a
humanidade colocou na necessidade de ser protegida contra danos, doenças, espíritos,
demônios, fantasmas e fadas. (Lembrando que o que se entende por demônios nas culturas
animistas é totalmente diferente da ideia que o cristianismo passa).
A proteção pode ser sob a forma de uma cerimônia ou sob a forma de um talismã consagrado,
que você pode usar ou pendurar na sua casa. Pintando o seu rosto de branco antes de viajar
para o submundo, envolvendo-se em um esconderijo animal antes de visitar o mundo espiritual,
usando uma máscara ou fazendo barulhos altos e ofensivos para espantar os espíritos
malignos, a queima de fogueiras nas noites liminares escuras, a criação de armadilhas
espirituosas, a queima de ervas especiais ou o uso de roupas multicoloridas ou roupas
espelhadas para desviar os espíritos. Os ritos animistas de proteção podem ser qualquer coisa
entre uma pessoa santa que abençoe alguém com poderes de proteção em uma cerimônia, um
talismã sendo trabalhado e consagrado para proteger uma pessoa, uma família ou uma casa, a
uma comunidade inteira se vestindo como demônios e saindo em procissão através da cidade
para espantar espíritos e monstros para o ano que se aproxima (sim, os desfiles sazonais de
Krampus na Europa!)
Uma grande parte da proteção é a prevenção. As culturas animistas tendem a tentar manter os
espíritos longe de lares humanos, assentamentos humanos, áreas agrícolas, pecuária, lugares
sagrados, estradas e caminhos. As proteções são colocadas para manter os espíritos fora, os
espíritos são verbalmente informados de que não são bem-vindos, e mais
respeitosamente, lugares são designados para os espíritos indesejados e ofertas são
feitas para apaziguarem (como a forma como os antigos são tratados no
Druidismo moderno). Eu acho que todos nós podemos aprender a ter limites firmes nas
práticas animistas. Você não convida a fada escura para a bênção do bebê da Bela
Adormecida, mas é melhor você se certificar de enviar uma cesta de presente agradável para
[evitar] sua descortesia! Somente os espíritos que você confia e são conhecidos por significar
algo bom para você, são convidados para a casa e para as cerimônias de uma
comunidade. Estes espíritos bem-vindos são geralmente restritos aos totens da família ou da
tribo e antepassados e, mesmo assim, eles têm nomes muito específicos que ajudam as
pessoas a se certificar de que são os espíritos certos que serão chamados e que nenhum dano
será causado, fazendo com que eles se sintam respeitados e dispostos a estarem presentes e
concederem bênçãos ao povo.
“O animismo é uma postura metafísica monista, baseada na ideia de que a mente e a matéria
não são substâncias distintas e separadas, mas uma realidade integrada, enraizada na
natureza”.
Emma Restall Orr
O animismo é o mesmo que paganismo? Considerando que os membros da comunidade pagã
mal podem concordar com uma definição de pagão/paganismo para si, essa não é uma
questão simples de abordar. Então, em vez de olhar a definição pagã de pagão, vejamos a
definição do mundo de pagão, que, na maioria dos dicionários e enciclopédias, é “um seguidor
ou uma comunidade que pratica uma religião politeísta”. Sob essa definição, não, o animismo
não é sinônimo de paganismo porque o animismo não é politeísmo. No entanto, inclui a crença
em muitos mundos e muitos espíritos, mas não necessariamente o culto prescrito deles. Às
vezes, os espíritos podem ser organizados em categorias (como água, terra, céu, bem como
espíritos mundanos e sobrenaturais), mas não há nenhum panteão definido como um pagão
reconheceria. Todo culto do animismo é diferente, uma vez que uma tribo pode se
reverenciar muito ao urso, pois é a “deidade” principal enquanto outra pode intensificar suas
crenças e rituais em torno de um tipo de árvore. Com toda a honestidade, muitas práticas de
animismo tradicionais envolvem evitar e apaziguar os espíritos em vez de buscá-los ou adorá-
los. O animismo é mais sobre o respeito pelos espíritos e o apaziguamento dos espíritos para
evitar danos ou seu envolvimento em assuntos humanos.
É uma coisa boa. Isso pode ser tão importante para a nossa sobrevivência e para a
preservação da Terra! É hora de parar de procurar apenas dentro da nossa pequena subcultura
de nicho e sair para olhar o quadro geral. Nunca se esqueça que a história está sendo feita
enquanto vivemos e respiramos. As mudanças nos movimentos espirituais e crenças filosóficas
que acontecem agora afetarão nosso futuro a longo prazo. Esta é potencialmente uma grande
troca.
Os Landvaettir
PORTUGUÊS
Os Landvaettir
Pedi sugestões de tema sobre os quais eu pudesse escrever, e meu amigo Rhyd Wildermuth
do Paganarch me pediu que escrevesse sobre os landvaettir.
Os Landvaettir são espíritos da terra. Podem ser tão grandes quanto uma cidade inteira, se
extender ao comprimento de um vale, ou ser tão grandes quanto uma montanha. Podem ser
árvores ou pedregulhos milenares, ou pequenas pedras e pedaços de terra. Eles são o espírito
vivo da terra em si. Compartilhamos cada centímetro e cada momento de nossas vidas com
os landvaettir. Eles estão nas fazendas, na selva e nas cidades. São o nosso lar, e a variedade
de materiais nos quais eles se dividem; eu os chamo housevaettir.
Eu notei que os landvaettir podem se apresentar a nós através de interações próximas, íntimas,
como mensagens diretas ou presságios. Costumo percebê-las em volta da minha casa e em
parques locais. Os landvaettir também podem ser distantes, mal notando nossa presença, ou
simplesmente não desejando interagir com os humanos, algo que percebi na cidade e na
floresta. Também podem ser mais sutis que a messagem direta, como uma sensação de
reverência e presença que senti ao estar de frente ao Mount Beacon, em Nova Iorque, ou ao
lado de um carvalho ancestral na propriedade de um amigo. Os landvaettir, em um mesmo
pedaço de terra, podem ser mais ou menos inclinados a interagir com humanos; nas terras do
meu amigo, o carvalho ancestral é bem amigável, enquanto o salgueiro, nem tanto.
Ser bons aliados e vizinhos dos landvaettir é nosso maior interesse. Quando vivemos bem
sobre e na terra, vivemos bem com os landvaettir, e então, o ambiente e nossas vidas se
tornam melhores por isso. Viver bem com os landvaettir pode ser tão simples quanto manter a
terra livre de coisas como produtos químicos fortes e lixo, ou mais complicado como oferendas
regulares que faço aos housevaettir. Do mesmo jeito que cada relação pessoal será diferente
com um dado Deus, o mesmo vai acontecer com os landvaettir. Eles podem ser mais rápidos
ao se afeiçoar, interagir ou abençoar determinadas pessoas, especialmente aqueles que vivem
bem sobre Eles e vivem bem com Eles.
Vivo numa área semirrural; as bençãos dos landvaettir são visíveis nas fazendas e em nosso
próprio quintal. A temporada de aspargos começou, e na primeira semana de maio, os talos
cresceram bastante, e alto o suficiente para corte. Antes de ir para a colheita, faço uma
pequena prece, dizendo: “Obrigado, landvaettir. Obrigado, Freyr. Obrigado por esta colheita”.
Daí, posso dizer “Ves heil!” ou “Hail!” antes ou durante a colheita. Os landvaettir permitiram que
minha família comesse bem na noite passada, e deram o suficiente para que eu pudesse
comer hoje à noite, no trabalho. Como associo aspargos a Freyer, eu O saudei, também, pois
Ele os abençoou, assim como os landvaettir o fizeram, ajudando-os a crescer bem.
A velha máxima de “toda política é local” muito se aplica à minha própria quanto
aos landvaettir. Porque eles não têm voz na sociedade dominante atual, parte de nosso papel é
ser sua voz, advogado, e/ou ativista. Isso mesmo, todos que trabalham com eles se alistaram
para serem o Lorax (personagem infantil criado pelo Dr. Seuss, na década de 70, com um perfil
ambientalista). E como não? Se esses vaettir, esses parceiros de nossas vidas, devem
perpetuar e crescer, e continuar como ecossistemas vivos, é nosso dever ajudar a protegê-los
de nós mesmos, seja catando lixo no parque, evitando elementos químicos em nossa grama,
cultivando plantas nativas onde for possível e/ou agindo diretamente no sentido de proteger
os landvaettir selvagens. Reprogramar nossa relação com a terra em si, não apenas como um
ecossistema e um habitat, mas também como uma relação bem real com a terra (como a que
existe entre nós e outros seres espirituais bem reais e presentes) será necessária uma atitude
que a mantenha e a ajude a crescer.
Essa relação se extende, quando a desdobramos, em decisões diárias, como aquilo que
compramos, e como lidamos com o que sobra do que compramos e consumimos. Quando
voltei a morar na minha antiga casa novamente, e realmente lidar com os landvaettir alguns
anos atrás, comecei a transfomar em adubo todo lixo orgânico que podia em nossa casa. É
impressionante a quantidade de lixo orgânico que produzimos, e como ele enriquece essa terra
negra argilosa, que então ajuda as plantas a crescer. O que é bem interessante é como isso
me faz bem, quando levo o balde de quase 20 litros para o composto e saúdo os landvaettir,
Niðogg, e Hela. Isso me deixa feliz, deixa os landvaettir felizes, e ajuda a minha família a ser
mais autossuficiente. Agora que eu tenho meu próprio veículo estou preparado para coletar
carcaças de animais e preservar seu couro e ossos seja onde for, devido à quantidade de
animais à beira da estrada que não são comidos por animais necrófagos. Comecei a aprender
a trabalhar com couro e em vez de comprar de um fornecedor, na medida do possível, gostaria
de produzi-lo eu mesmo. É uma longa estrada (sem falar de transporte, abate, e outras coisas
a partir de uma única vaca) a percorrer, desde um distribuidor como Jo-Ann Fabrics ou
diretamente da Tandy, só para conseguir fazer uma bolsa. Assim como a pilha de
compostagem que começamos com um simples balde, cada decisão que tomamos para
melhorar melhora nossa relação com os landveattir.
Conviver com os landvaettir não é uma questão de apenas fazer oferendas e cultivar plantas
nativas, é toda uma consciência com a qual Os abordamos, a terra sobre a qual moramos, o
jeito que vivemos nossas vidas. Por isso mencionei antes as pessoas que moram sobre a terra
e as pessoas que convivem com a terra. Conviver com os landvaettir requer engajamento com
esses seres em Seu nível, física e espiritualmente. É entrar em uma relação viva, na qual
haverá um empurra e puxa, e que definitivamente exigirá Gebo, prêmio por um prêmio.
Os landvaettir oferecem Sua generosidade com a colheita de aspargos; que presente posso
Lhes dar em espécie? Qual o melhor presente que posso Lhes dar em retorno pelo Seu
presente na forma de boa comida? Quando minha capacidade de sobrevivência vem do chão,
através da água e da comida (temos um poço artesiano), que presentes posso dar em retorno
por tudo que dá sustento à minha vida? Se eu estivesse apenas vivendo bem sobre a terra,
essas questões seriam objetivas e práticas, como cuidar do solo, usar métodos naturais de
controle de pragas, manter a água limpa, etc. Uma vez que convivo com os landvaettir, esses
pontos ainda são importantes, e trazem um significado adicional e um peso espiritual. Eu
também tenho que considerar, ao conviver com Eles, o que Eles querem. Até então, Eles estão
felizes com o composto, as orações, e as oferendas que deixamos perto de Suas árvores.
Podem ter outras necessidades no futuro, e para manter uma boa relação com Eles faremos o
possível para attendê-Los. Afinal de contas, somos hóspedes o que é e sempre foi Deles, e
Eles mesmos.
Pertencemos aos landvaettir muito mais do que Eles pertencem a nós. São os Seres a partir de
cujos corpos podemos comer, respirar, beber, nos abrigar, e viver bem. Vivemos sobre Eles;
Seus corpos são o meio pelo qual nos vestimos e construimos nossos lares. Seus espíritos
ressoam à nossa volta, seja debaixo de nossos pés no tapete, concreto ou pó, o vento nos
salgueiros, as páginas de um livro, ou os compostos plásticos e metais que formam seu
computador ou aparelho móvel, e lhe permitem visualizar essa publicação.
Ao entender isso, podemos também entender que somos Ancestrais em formação, assim
como landvaettir em formação. O lich (corpo) é uma parte de nossa alma, e fica para trás,
enquanto outras partes da matriz de nossa alma segue adiante. Nosso corpo, então, se torna
parte da terra, onde quer que acabe ficando, no fim. A terra da qual faremos parte, o que
fazemos com essa terra quando nos tornarmos parte dela, deveria ser algo a se pensar.
Quando morremos nos encomporamos à terra e somos colocados sobre e/ou dentro dela.
Tornar-se um com os landvaettir é inevitável; como vivemos e se morremos bem com Eles é
uma decisão nossa.
A natureza dos landvættir
A crença em landvættir locais vive na Islândia, com muitas fazendas com rochas em torno das
quais não são ceifadas e onde as crianças não podem brincar. Quando a construção estava
prestes a começar na base aérea de Keflavík, o primeiro jurado islandês sonhou que uma
mulher veio até ele pedindo para adiar a remoção de uma rocha para dar tempo a sua família
para se mudar. Ele fez isso por duas semanas sob as objeções dos estadunidenses, até que
ela chegou a ele em outro sonho, dizendo-lhe que os landvættir estavam todos fora.
Outros termos são usados às vezes nos textos para os espíritos, como bergbúi,
ármaðr e spámaðr, mas há uma menção de islandeses pré-cristãos trazendo ofertas
especificamente para landvættir. Em uma seção do Hauksbók, um bispo cristão condena
“mulheres tolas” que levam comida para rochas e cavernas para alimentar a terra na esperança
de serem abençoadas com uma casa próspera.
Egil Skallagrimsson
pelo artista Gustav Vigeland
Uma versão do Livro Islandês de Assentamentos (Landnámabók) diz que a lei antiga da
Islândia proibia ter uma uma cabeça de dragão equiapada na proa de seu navio quando
estivesse entrando no porto ou entrando na terra “com boca aberta ou focinho bocejante”,
porque os landvættir ficariam assustados.
Na Egils Saga, Egil Skallagrímsson criou uma vara de nithing para agitar os landvættir na
Noruega para que eles “se perdessem… até que teivessem conduzido o Rei Eric e a Rainha
Gunnhild” fora do país. Hermann Pálsson e Paul Edwards traduzem landvættir como “espíritos
guardiões” nesta passagem.
Os quatro landvættir da Islândia
Brasão da Islândia com os quatro landvaettir
De acordo com a Saga do Rei Olaf Tryggvason na Heimskringla, o Rei Harald Gormsson da
Dinamarca, com a intenção de invadir a Islândia, tinha um mago que enviou seu espírito sob a
forma de uma baleia para explorá-lo por pontos de vulnerabilidade. Nadando para o oeste em
torno da costa do norte, o mago viu que todas as encostas e os abismos estavam cheios
de landvættir, “alguns grandes e pequenos”. Ele nadou sobre Vopnafjörður, com a intenção de
desembarcar, mas um grande dragão veio voando pelo vale em direção a ele, seguido por
muitas serpentes, insetos e lagartos, todos os que lhe cuspiram veneno. Então ele voltou e
continuou pela costa para o oeste até Eyjafjörður, onde novamente nadou no interior. Desta
vez, ele foi encontrado por um grande pássaro, tão grande que as asas tocaram as encostas
de cada lado, com muitas outras aves grandes e pequenas seguindo. Refugiando-se
novamente e continuando a oeste e sul, ele nadou para Breiðafjörður. Lá foi recebido por um
enorme touro, berrando horrivelmente, com muitos landvættir seguindo-o. Ele recuou
novamente, continuou no sul em torno de Reykjanes e tentou chegar a terra em Vikarsskeið,
mas lá encontrou um gigante das montanhas (bergrisi), sua cabeça mais alta do que as covas,
com um cajado de ferro em sua mão e seguido por muitos outros gigantes (Jötnar). Ele
continuou ao longo da costa sul, mas não viu em nenhum outro lugar onde um navio de guerra
poderia entrar, “nada além de areias e terrenos baldios e altas ondas quebrando na costa”.
A Islândia é protegida por quatro grandes guardiões que são conhecidos como os
quatro landvættir. Os quatro landvættir são agora considerados como os protetores dos quatro
quartos da Islândia: o dragão (Dreki) no leste, a águia ou o grifo (Gammur) no norte, o
touro (Griðungur) no oeste e o gigante (Bergrisi ) no sul.
Criaturas invisíveis
Alguns dizem que os anões do folclore escandinavo viviam como espíritos ou wights
(vättar ou huldrefolk), embora com características um pouco diferentes. Wights vivem no
subsolo, muitas vezes logo ao lado dos assentamentos humanos, e geralmente são uma
ameaça para seus vizinhos moradores.
Aparência
O tomte/nisse era muitas vezes imaginado como um homem pequeno e idoso (o tamanho varia
de alguns centímetros a cerca de metade da altura de um homem adulto), muitas vezes com
uma barba cheia; vestido com a roupa diária de um fazendeiro. No entanto, também há contos
populares em que se acredita que ele tenha a habilidade de trocar de forma, capaz de assumir
uma forma muito maior do que um homem adulto e outros contos em que acredita-se que o
tomte/nisse tenha um olho único e ciclópico. Na Dinamarca moderna, os nisses são muitas
vezes vistos como sem barba, vestindo lã cinza e vermelha com um boné vermelho. Uma vez
que os nisses são pensados como sendo habilidosos em ilusões e às vezes capazes de se
tornar invisíveis, é improvável que você tenha mais que um breve vislumbre dele, não importa o
que ele pareceria. O folclore norueguês afirma que ele tem quatro dedos e às vezes com
orelhas pontudas. Seus olhos brilham no escuro.
Temperamento
Apesar da sua pequenez, o tomte/nisse possuía uma força imensa. Mesmo que ele fosse
protetor e atencioso, ele era fácil de se ofender, e suas retribuições variaram de pequenas
brincadeiras como uma *stout box* nas orelhas para um castigo mais sociopático como matar o
gado ou arruinar a fortuna da fazenda. O tomte/nisse era um tradicionalista que não gostava de
mudanças na forma como as coisas eram feitas na fazenda. Outra maneira fácil de ofendê-lo
era a descortesia: os trabalhadores agrícolas que urinavam nos celeiros, ou não tratando bem
as criaturas, seriam profundamente castigados. Se alguém derrama algo no chão da casa, era
sábio avisar ao tomte abaixo. Um tomte raivoso é apresentado no popular livro infantil da
autora sueca Selma Lagerlöf, Nils Holgerssons underbara resa genom Sverige (A viagem
maravilhosa de Nils Holgersson através da Suécia). O tomte transforma o travesso Nils em
um tomte no início do livro, e Nils então viaja pela Suécia nas costas de um ganso.
Também era necessário que se agradasse o espírito com presentes – um presente particular
era uma tigela de mingau na noite de Natal. Se o tomte não recebesse seu pagamento, ele
deixaria a fazenda ou a casa, ou se engajaria em travessuras, como amarrar as caudas das
vacas juntas no celeiro, virando objetos de cabeça para baixo e quebrando coisas.
O tomte gostava de seu mingau com uma porção de manteiga em cima. Em uma história
muitas vezes recontada, um fazendeiro colocou a manteiga embaixo do mingau. Quando
o tomte de sua fazenda descobriu que faltava a manteiga, ele ficou cheio de raiva e matou a
vaca descansando no celeiro. Mas, como ele ficou com fome, ele voltou para o mingau e
comeu, e encontrou a manteiga no fundo da tigela. Cheio de tristeza, ele então se apressou a
procurar as terras para encontrar outro fazendeiro com uma vaca idêntica e substituiu o
primeiro por este último.
Em outro conto, uma empregada norueguesa decidiu comer o mingau e acabou severamente
espancada pelo nisse. O ser gritou: “Você comeu o mingau que era para o tomte, você tem que
dançar com ele!”. O fazendeiro a achou quase sem vida na manhã seguinte.
O tomte está conectado aos animais da fazenda em geral, mas seu animal mais precioso era o
cavalo. A crença tinha que se podia ver qual cavalo era o favorito do tomte, pois seria
especialmente saudável e bem cuidado. Às vezes, o tomte trançava o cabelo e a cauda. Às
vezes, realmente desfazendo essas tranças poderia causar desgraça ou irritar o tomte.
Outros encontros
Algumas histórias contam como o nisse pode desencadear a raiva das pessoas ou mordê-las.
A mordida de uma nisse era venenosa, e a cura de sobremundana era necessária. Como a
história conta, a menina que foi mordida enfraqueceu e morreu antes da chegada da ajuda.
O tomte nem sempre foi uma figura popular, particularmente durante e depois da cristianização
da Escandinávia. Como a maioria das criaturas do folclore, ele seria visto como pagão (pré-
cristão) e seria demonizado e ligado ao Diabo. Os agricultores que acreditam no tomte da casa
podem ser vistos como adorando falsos deuses ou demônios; Em um famoso decreto do
século 14, Santa Birgitta adverte contra a adoração de tompta gudhi, “deuses tomte”
(Revelationes, livro VI, capítulo 78). O folclore acrescentou outras crenças negativas sobre
o tomte, como o fato de ter um tomte na fazenda significava que você colocava o destino de
sua alma em risco ou que você precisava realizar vários ritos não-cristãos para atrair
um tomte à sua fazenda.
A crença na tendência de um tomte trazer riquezas para a fazenda por seu trabalho invisível
também poderia ser arrastada para os conflitos entre vizinhos. Se um fazendeiro estava
fazendo muito melhor do que os outros, alguém poderia dizer que era por ele ter um tomte na
fazenda, fazendo um trabalho “não-divino” e roubando aos vizinhos. Esses rumores podem ser
muito prejudiciais para o agricultor que se viu acusado, bem como acusações de feitiçaria
durante as Inquisições.
Folclore Similar
O tomte/nisse compartilha muitos aspectos com outros wights/espíritos escandinavos, como
os vättar suecos (dos landvættir Nórdicos Antigos) ou os tusser noruegueses. No entanto,
esses seres são sociais, enquanto o tomte é sempre solitário (embora agora seja retratado com
outros tomtar). Alguns sinônimos de tomte em sueco e norueguês incluem gårdbo (“habitante
do terreiro (fazenda)”), gardvord (“guardião do terreiro”, ver vörðr), god bonde (“bom
agricultor”), fjøsnisse (“gnomo do celeiro”) ou Gårdsrå (“espírito do terreiro”). O tomte também
poderia levar um navio para sua casa, e então era conhecido
como skeppstomte/skibsnisse. Em outros folclores europeus, existem muitos seres
semelhantes ao tomte, como o brownie escocês e inglês, o hob inglês northumbriano, o
alemão Heinzelmännchen ou o domovoi russo. A palavra finlandesa tonttu foi emprestada do
sueco.
O tomte é uma das criaturas mais conhecidas do folclore escandinavo, e ele apareceu em
muitas obras da literatura escandinava. Com a romanização e a coleta do folclore durante o
século XIX, o tomte ganharia popularidade. Nas edições inglesas dos contos de fadas de H. C.
Andersen, a palavra nisse foi incorretamente traduzida como goblin (uma tradução mais precisa
é brownie ou hob).
O moderno tomte
Gradualmente, a mercantilização o fez parecer cada vez mais como o Papai Noel americano,
mas o jultomte sueco, o julenisse norueguês, o julemand dinamarquês e o joulupukki finlandês
(na Finlândia ele ainda é chamado de Bode do Yule, embora suas características animais
tenham desaparecido) ainda têm características e tradições que estão enraizadas na cultura
local. Ele não vive no Pólo Norte, mas talvez em uma floresta nas proximidades, ou na
Dinamarca ele vive na Groenlândia e na Finlândia ele vive na Lapônia; ele não desce pela
chaminé à noite, mas vem pela porta da frente, entregando os presentes diretamente às
crianças, assim como o Bode do Yule fazia; ele não está acima do peso; e mesmo que hoje em
dia às vezes passeie em um trenó guiado por renas, em vez de apenas andar com seu saco,
suas renas não voam — e na Suécia, na Dinamarca e na Noruega, alguns ainda colocam uma
tigela de mingau para ele na véspera de Natal . Ele ainda está retratado em cartões de Natal e
decorações de casa e jardim como o pequeno homem da imaginação de Jenny Nyström,
muitas vezes com um cavalo ou gato, ou cavalgando em uma cabra ou em um trenó puxado
por uma cabra e para muitas pessoas a ideia do tomte da fazenda ainda vive, ainda que
apenas na imaginação e na literatura. O uso da palavra tomte em sueco é agora um pouco
ambígua, mas muitas vezes, quando se fala de jultomten (artigo definido) ou tomten (artigo
definido), está se referindo à versão mais moderna, enquanto se fala de tomtar (plural)
ou tomtarna (plural, artigo definitivo) também poderia estar se referindo aos tomtar mais
tradicionais. A palavra tradicional tomte vive em num idioma, referindo-se ao cuidador humano
de uma propriedade (hustomten), bem como se referindo a alguém em um prédio que
misteriosamente faz um favor para alguém, como pendurar roupa na lavanderia. Uma pessoa
também pode desejar um pequeno hustomte para arrumar o local para eles.
Um tomte protagoniza uma das histórias de crianças de Jan Brett, “Hedgie’s Surprise“.
O paganismo considera a Terra (que pode ser chamada de “Jörð” em nórdico antigo, nome
também dado à giganta mãe de Þórr) como sagrada, vendo a existência em Miðgarðr como
uma dádiva e voltando-se à natureza em culto. Em uma das manifestações mais básicas estão
as oferendas aos Landvættir, um dos principais espíritos naturais das tradições germânicas.
São de índole neutra e pendem para a amoralidade, com pouca preocupação com problemas
ou necessidades humanas, e podem exercer grande influência no ambiente em seu entorno.
Antigamente, ritos agrários visavam a harmonia com os Landvættir para garantir uma boa
colheita; e até hoje na Europa e na Islândia temos locais que se tornaram reservas e que se
mantém a tradição de que “não devem ser perturbados”, pois um dia foram consagrados por
um Landvættr. Eles possuíam poder o suficiente para expulsar a ocupação humana caso
fossem irritados, o que fazia inclusive que expedições viking ou colonizadoras seguissem
certas ritualísticas para não atrair a fúria dos espíritos da terra invadida.
Árvore em meio a avenida Faria Lima, em São Paulo
Porém, com a vida urbana e a forma que se deu a ocupação dos territórios, atualmente a
influência dos Landvættir está sufocada – mas mesmo assim, é possível senti-la até em uma
grande cidade. Um bom exemplo é quando no meio de uma avenida movimentada uma árvore
frutífera é capaz de romper com o concreto e se erguer alta. Perceber essas pequenas
manifestações, que são como se os Landvættir estivessem dizendo “nós ainda estamos aqui“,
é o princípio do respeito que a natureza exige – sendo a fonte do nosso sustento e nossa
relação com ela ditar diversos aspectos de nossa vida, este culto numa era contemporânea se
manifesta não apenas na gratidão como também em atitudes que visam a harmonia com o
ambiente.
Além disso, estas manifestações são exemplos de um aspecto que mais deve ser admirado na
natureza – sua capacidade de remanifestação. A natureza é praticamente perpétua, e possui
uma grande capacidade regenerar a si mesma – podemos observar isso em fotos de lugares
abandonados, que são (re)tomados por vegetação. Outro bom exemplo são rios e córregos que
passam por grandes cidades e são despoluídos – muitas vezes, peixes ressurgem nesses
locais; e isso pode ser um indício do vættr do rio sendo aliviado de seu sufoco.
Este texto é relativo aos francos, outro dos povos germânicos pouco estudados na atualidade.
Todavia, as informações apresentadas por Lacharity servem a todos os pagãos nórdicos e
germânicos.
Todos os seres vivos ao nosso redor, vistos ou não vistos são wihte. Isso vale para
homens, rachine (deuses) e cachorros. O que separa as várias categorias de wihte é o seu
domínio de governo. Como tal, os rachine são rachine porque eles governam todos os destinos
dos homens, eles são suprarregionais. Os hūswihte são housewights porque dominam
o hīwiski (propriedade material familiar, terras). Os homens são homens enquanto dominam
criaturas menores e menos poderosas (e pessoas menos poderosas, isto é, a hierarquia social
da humanidade). Os animais são animais porque são governados por maiores wihte.
Reuze Papa
O Greef: Seu nome significa “o conde” e remete a um tempo inicial dos francos em que esta
função foi realizada pelo grāvio, o homem que era a mão direita do rei. Várias tradições
modernas que cercam esse personagem colocam a sua libertação no meio da
quaresma ou halvfasten (halfvasten). Isto é e sempre foi mesmo antes do cristianismo uma
estação muito festiva. Era o ponto no tempo em que o inverno realmente perdia o controle e a
primavera estava certamente vindo. Em Ypres, ele era um homem que viajava com um burro
em face branca balançando uma lâmpada de um lado para o outro. No seu dia, todas as
crianças corriam dentro quando podiam vê-lo aproximar-se. Em Holstein, ele se
chamava Blumengraf (contador de flores). Seu nome também é encontrado nas celebrações de
maio como Maigraf e Maygravin, o conde e a condessa de maio. Alguns especulam que esta
pessoa representou um ‘Velho Homem-Inverno’ que se libertou e deu início à primavera.
Isso parece representar ainda outro ritual de “expulsão de inverno”, onde as meninas coletam
ovos (fertilidade ou símbolo da primavera) e quando isso foi feito, a efígie da Velha foi
descartada. Esta foi uma maneira pela qual as pessoas de Ypres ‘fizeram a estação’ ou a
primavera forçada chegar como era o caso com o Greef. Em cada caso, há uma tendência
clara que pode ser discernida. Quaresma, aqui referindo-se ao festival cristão, porém, na
realidade, significa primavera, deve ser obrigado a se manifestar com base na cerimônia de
expulsão do inverno. Isso também aconteceu em qualquer forma processional, como com
o reuzen ou uma procissão de Nerthus/Nehalennia, que era um componente do lententīd, seja
sob um veneração cristã ou nos tempos antigos.
PORTUGUÊS
Ofertando aos vaettir
Sonne Heljarskinn
Esse é um assunto que vai reunir as mais diversas opiniões ao redor, e sobre o qual não há
“certo” ou “errado” mas como pessoa x ou y faz.
Primeiro, você precisa entender que tudo à sua volta possui vida. A matéria, mesmo a que
consideramos inanimada, como pedras ou a água, para um heathen (pagão) possui vida.
Segundo você precisa entender que você forma uma comunidade com esses espíritos à sua
volta mesmo quando não os percebe.
Terceiro, você entende que é necessário manter uma boa relação com eles, para o bem da sua
comunidade, família, e do equilíbrio espiritual de sua comunidade ou família.
Tendo isso em mente, o restante é simples e grossamente prático.
Você pode separar bebidas, frutas, alimentos cozidos, ou qualquer outro, e preferencialmente,
algum que os animais comam. Nada de “sobras” ou alimentos podres. Se for alimento que exija
cozimento, faça isso pensando na oferta, e se não, lave, trate, etc. Aplique sua vontade e boas
intenções sobre o que for ofertar. Se puder, evite o que for totalmente industrializado e pelo
qual você não aplicou nenhum trabalho diretamente.
Escolha um local para o ritual e entrega das ofertas. Você pode fazer isso sozinho. Recitar um
chamamento, e então uma prece ou poema em homenagem aos espíritos da terra que o
rodeia. Sempre com muito respeito, o mesmo que teria pelos seus ancestrais e membros da
sua comunidade ou kindred.
Você pode inserir mais coisas aqui como cantos, meditação, enfim, sinta-se livre.
Leve então esse alimentos até uma raíz de árvore, ou sobre pedras, ou mesmo no chão, mas
preferencialmente num local escolhido para isso, como aqui
Despeça-se dos espíritos respeitosamente quando sentir que já cumpriu o que fora fazer.
Se você ver um cão (dependendo da onde more), pássaro, o outro animal, não importa quanto
tempo depois, deixe que coma. Os antigos em geral sentiam-se satisfeitos e que suas oferenda
haviam sido aceitas com esse sinal. Se não ocorrer isso, eu particularmente revolvo a terra
depois de alguns dias e enterro a oferenda. Por isso é bom escolher um lugar com terra
descoberta ou alimento que seja inteiramente consumido para jamais ter de descartar ou mover
a oferta de lugar depois de deixada.
Lembre-se do seguinte. Nenhum espírito é bom ou mau, em sua essência, e os landvaettir são
seres vivos, mesmo que impercetíveis para muitos, à sua volta. Logo, ofertas feitas com boa-
vontade os agradarão, e eles tenderão a estreitar laços e faciltar a vida dos que lhes são
próximos.
Boa sorte!
Divindade do Lar
Uma deidade doméstica é uma divindade ou espírito que protege a casa, cuidando de toda a
família ou de certos membros-chave. Tem sido uma crença comum nas religiões pagãs, bem
como no folclore em muitas partes do mundo.
As divindades do lar se encaixam em dois tipos; em primeiro lugar, uma deidade específica —
tipicamente uma deusa — muitas vezes referida como uma deusa da lareira ou deusa
doméstica que está associada à casa e ao lar, com exemplos incluindo a Hestia grega e a Frigg
nórdica.
O segundo tipo de deidades domésticas são aquelas que não são uma divindade singular, mas
um tipo ou espécie de deidade animista que normalmente têm poderes menores do que
deidades principais. Este tipo era comum nas religiões da antiguidade, como os Lares da antiga
religião romana, o Gashin do xamanismo coreano e os Cofgodas (ver abaixo) do paganismo
anglo-saxão. Estes sobreviveram à cristianização como criaturas de fadas existentes no
folclore, como o Brownie anglo-escocês e o Tomte nórdico.
As divindades domésticas geralmente eram cultuadas não nos templos, mas no lar, onde eles
seriam representados por pequenos ídolos (descritos pelos judeus como os terafins, muitas
vezes traduzidos como “deuses domésticos”), amuletos, pinturas ou relevos. Eles também
podem ser encontrados em objetos domésticos, como artigos cosméticos no caso do Tawaret.
As casas mais prósperas podem ter um pequeno santuário para os deus do lar; o larário serviu
este propósito no caso dos romanos. Os deuses seriam tratados como membros da família e
convidados a participar das refeições, ou recebiam ofertas de comida e bebida.
Tipos
Em muitas religiões, antigas e modernas, um deus presidiria o lar, em que certas espécies ou
tipos de deidades domésticas existiam. Um exemplo disto foram os Lares romanos, e muitas
culturas europeias mantêm os espíritos domésticos no período moderno, como: Brownie
(Escócia e Inglaterra) ou Hob (Inglaterra), Kobold (Alemanha), Goblin, Hobgoblin, Domovoi
(eslavo), Nisse (norueguês ou dinamarquês), Tomte (sueco) ou o Tonttu (finlandês).
Embora o status cósmico das divindades domésticas não fosse tão elevado como o dos Doze
Olimpianos ou os Aesir, eles também eram ciumentos com sua dignidade e também tinham
que ser apaziguados com santuários e oferendas, por mais humilde que fosse. Por causa de
seu imediatez, eles tiveram uma maior influência sobre os assuntos do dia-a-dia dos homens
do que os deuses remotos. Os vestígios de sua adoração persistiram muito depois que o
cristianismo e outras religiões principais extirparam quase todos os vestígios dos principais
panteões pagãos, e, de fato, continuam até hoje, de uma forma ou de outra (e na verdade
podem ter assumido alguns deles, incluindo estátuas para vários santos, como São Francisco
para proteger um jardim, ou gárgulas em igrejas mais antigas).
Durante séculos, o cristianismo empenhou-se em uma guerra para absorver o culto dessas
pequenas divindades pagãs, mas eles se mostraram tenazes. Por exemplo, o Tischreden de
Martin Luther tem inúmeras referências bastante sérias sobre lidar com kobolds.
Eventualmente, o racionalismo e a revolução industrial ameaçaram apagar a maioria dessas
divindades menores, até que o advento do nacionalismo romântico os reabilitou e os
embelezou em objetos de curiosidade literária no século XIX. Desde o século 20, esta literatura
foi minada para personagens para jogos de RPG, videogames e outras personagens de
fantasia, não raramente investidos com traços e hierarquias inventadas um tanto diferentes das
suas raízes mitológicas e folclóricas.
Cofgodas
A palavra do inglês moderno ‘cove’ (do inglês antigo ‘cofa’, ‘caverna, câmara pequena, câmara
interior’) não só significa casa pequena ou habitação, mas também pode significar a abertura
ou lareira da chaminé, que em tempos antigos teria sido bastante grande, usada para cozinhar
e um local conveniente para sentar-se e aquecer-se.
É de grande importância que o fogão (hob) da lareira tivesse a parte de trás elevada ou o nível
lateral com a grelha, para manter os recipientes para aquecer ou cozinhar, algo agora quase
esquecido. “Ele deixou a panela no fogão para ficar quente”. A panela é deixada como se
estivesse nas costas do ancestral para ficar aquecida. Assim, o fogo do lar é entendido em
estreita relação com o guardião ou cofgod e este com os ancestrais, através do fogo.
Os cofgodas residem dentro de um objeto físico na casa. Nos tempos antigos, o objeto mais
frequente para este propósito era uma pedra ao lado da lareira, o que, quando quente,
provavelmente era também um lugar útil para colocar uma panela?
Fontes:
https://en.wikipedia.org/wiki/Household_deity
https://en.wikipedia.org/wiki/Cofgodas
https://blindbrotherhod.wordpress.com/2009/01/06/cofgodas/
Ao falar sobre um Tomte no singular, refere-se a um título que descreve uma função ao invés
de uma classificação de espírito. Ele geralmente é visto como responsável por todos os outros
espíritos no mesmo local. Se mencionado em plural (Tomtar), pode se referir a um grupo de
espíritos localizados. Isso mudou no meados e finais do século 19 com o início da
industrialização quando o Tomte obteve sua imagem de um pequeno anão solitário embora
amável na fantasia romântica de autores como Viktor Rydberg e seu famoso poema “Tomten”
de 1881 e as imagens populares criadas pela artista Jenny Nyström em 1874.
O papel do Tomte na tradição popular está longe deste pequeno ser romântico.
No século XIV, a sueca Santa Birgitta reclama pesadamente sobre a grande importância que
as pessoas colocam no seu “Tomptha-Gud” (referindo-se ao tomte como uma deidade), mas
pouco sabia que esses seres, especialmente a casa Tomte, permaneceriam sendo honrados
na maioria casas e ainda está no campo hoje.
O primeiro que morre em uma casa geralmente se diz ser o Tomte, mas isso não é estático.
Eles podem chegar quando o fogo é aceso pela primeira vez em uma casa ou quando a
terceira ou nona camada do muro está determinada e a função pode ser tomada por outro
espírito ao longo do tempo. Uma casa pode estar sem um Tomte e então foi considerado
necessário obter um. Eles são então contratados na encruzilhada, cemitérios ou moinhos
antigos. Um Tomte, irritado ou maligno, é considerado muito ruim, pois ele pode tirar a sorte e
causar danos. Ele deve ser apaziguado ou removido por certos rituais.
Além de aparecer em forma humana em visões e sonhos, o Tomte geralmente assume forma
física como uma cobra. Estas cobras são chamadas geralmente chamadas “Tomt-orm” e são
alimentadas com leite e costumavam ser veneradas na maioria das partes da Escandinávia.
Matar uma tal cobra significaria que alguém arriscava perder toda a sorte acumulada de um
lugar.
Às vezes, eles também são representados por pequenas estátuas de madeira esculpida,
chamadas Tomtebesar, o que implica por que Santa Birgitta ficou tão enfurecida no século XIV.
Ela pode ter visto pessoas venerando o Tomte da mesma forma que outros Skurd Gudar, que é
o nome antigo de “deuses feitos de madeira”, muitas vezes se referindo aos antigos Deuses e
Deusas da Mitologia Heathen nórdica.
Estes são colocados junto ao fogão ou em um canto isolado, alimentados e solicitados para
todos os tipos de assuntos relativos a uma casa e seus habitantes.
Na cultura popular, o Tomte é muitas vezes descrito como um homem baixo vestido com
roupas de lã cinza e vestindo um chapéu vermelho ou cinza de ponta, piolhento. Com os
espíritos dos mortos em mente e um olhar sobre os velhos trajes folclóricos escandinavos,
pode não ser uma surpresa ver algo semelhante à imagem popularizada em fantasias
românticas dentro e em torno de edifícios anteriores ao século XIX.
Trajes populares suecos de Överkalix, Revsund e Tjockö. Fonte: “Folkdräkter & Bygdedräkter
från hela Sverige” de Inga Arnö Berg & Gunnel Hazelius Berg.
Nas crenças populares mais antigas, pensou-se que Tomte tinha o seu lar em uma colina
próxima, montanha, debaixo de uma grande rocha ou num monte grave ou em uma pedra
semelhante perto da casa. Na tradição mais jovem ele vive em um arbusto de Juniper perto da
casa, na pilha de madeira, em uma dependência ou edifício de armazenamento de alimentos,
bem como a pedra fundadora da casa viva em si mesma. É considerado muito afortunado se
ele mora dentro da casa e, em caso afirmativo, seu lugar é geralmente no canto do fogão, entre
o fogão e a parede, no sótão ou outro lugar escuro e isolado na casa.
Ao fazer as adivinhações anuais na época de Natal, Ano Novo, verão ou outra festa, a primeira
pergunta é geralmente sobre a relação entre o Tomte e as pessoas na casa e o que ele pensa
e sente sobre elas.
Algumas das funções mais comuns do Tomte são:
• Guardar o lugar em que ele é o Tomte e avisar quando há um perigo presente – tal como
acordar os residentes quando há um incêndio – e alertar sobre os perigos futuros.
• Cuidar das crianças e protege-las contra danos.
• Ajudar com as várias formas de trabalho em uma fazenda.
• Desenhar e atrair necessidades para o lar.
• Guardar tesouros.
No que foi dito acima, podemos ver que o Tomte está intimamente associado com a oferta de
presentes e essa é a razão pela qual o banquete no meio do inverno depois se associou ao
grego São Nicolau e ele assumiu o papel de presenteador no Natal. Isso também deu ao tomte
de seu nome Noa como Nissen ou Gonissen nas partes do sul da Escandinávia.
Texto por Ravn
Publicado originalmente em Platinorum.
O sábio Vafþrúðnir
As animosidades nem sempre são alimentadas pelos gigantes; muitas vezes, os deuses
invadem Jötunheimr buscando saques e tesouros. Um exemplo é a descrição do roubo do
Hidromel da Poesia no Hávamál, onde Óðinn se infiltra na morada de Suttungr.
No Gylfaginning, é contado que durante a construção do muro de Ásgarðr os deuses pediram
ajuda de Loki para enganar o gigante que se responsabilizou com a construção e assim não
precisar pagar um débito a ele. Þórr invadia Jötunheimr frequentemente, sendo dignos de nota
os casos descritos na Þórsdrápa – quando o deus procurava enfrentar o gigante Geirröðr
auxiliado por uma giganta – e a expedição à côrte de Útgarða-Loki, descrita no Gylfaginning;
nesta ocasião teve Loki como seu parceiro, porém ambos foram enganados pelos feitiços e
ilusões do astuto lorde jötunn.
As gigantas (em nórdico antigo “íviðja“, pl.”íviðjur“) formam quase que uma categoria separada
de suas contrapartes masculinas. Dotadas de grande beleza, poder e prestígio e muitas vezes
buscadas pelos deuses como esposas, considera-se que possuíam uma ligação ainda mais
forte com a natureza, principalmente devido a giganta Jörð – amante de Óðinn e mãe de Þórr,
seu nome significa “Terra” e atualmente muitos grupos gostam de homenageá-la como uma
personificação da mesma. Associações semelhantes podem ser feitas com Gerðr, descrita no
conto Skírnismál (parte tando da Edda Poética quanto Prosaica), relata como o deus vane
Freyr conquistou o amor da giganta e consumou o casamento, cedendo sua espada mágica
como dote; é considerado por muitos hierogâmico, por se tratar da união de uma divindade
masculina fertilizadora (Freyr) com uma entidade feminina telúrica (Gerðr). Outra íviðja muito
conhecida é Skaði, tida como deusa da caça; filha de Þjazi, exige que os æsir a concedam um
dos deuses em casamento e um lugar entre eles como indenização por terem matado seu pai.
Os þursar são seres muito variados, e seu papel se estende muito além de meros “adversários
dos deuses”. São poderosas personificações de forças ancestrais e primordiais, e devem ser
aproximados primeiramente com respeito. Embora possam se manifestar de formas caóticas e
existam aqueles de natureza destrutiva, devemos sempre lembrar que podem guardar grande
sabedoria e da importância das gigantas principalmente no papel de “Mãe-Terra”.
Entre elfos e ancestrais: um estudo sobre os álfar através da literatura e cultura germânicas
Sonne Heljarskinn
ABSTRACT: The present work has as its objective to analyze, in the Eddic documentation (both
poetic and prose), medieval texts about the pre-Christian Scandinavian culture as well as, with
more recent studies, especially that of Hilda Roderick Ellis, the problem of the origins, the
meaning and the worship of the álfar (elves), in special among the germanic peoples of
Scandinavia. It intends to present a few points of evidence about its relevance to the people that
worshiped them, as well as the differences among the different peoples, as well as an
etymological analysis of the words related to the álfar in the ancient Scandinavian culture.
Considering the difficulties in the analysis of an orally transmitted culture when it is crystallized
into written language, this study proposes thusly to express the similarities between the elves
and other elements in those cultures, such as the Dísir and the ancestor worship. In this way,
we show, following the line of scholars such as Ellis and Turville-Petre, the similarities existing
between these aspects of the heathen Scandinavian culture that are usually taken as divergent
among themselves.
Introdução
Para aqueles não muito habituados às crenças populares particular dos islandeses, tal notícia
pode soar, no mínimo, como estranha. O próprio Skarphéðinsson atesta que a maneira tardia
que o Iluminismo da Europa Ocidental adentrou na comunidade islandesa é responsável por
ajudar a manter tal relação, que, em outros locais seria rechaçada como alucinação (HONORE,
2016). Na verdade, o cristianismo entrou de maneira bem lenta e progressiva (mais ou menos
entre os séculos IX e X) no norte da Europa, e em especial na Islândia, e aconteceu de
maneira bem mais pacífica e tolerante que no continente. Como destacado por Barreiro (2014:
31), para os primeiros convertidos parece não ter havido grande problema em conciliar o credo
monoteísta com o culto de outros seres. Esses detalhes são, em parte, consideráveis para se
manter crenças folclóricas cotidianas, como é o caso dos elfos, no norte europeu, ou de
divindades incorporadas à tradição cristã como santas entre os celtas.
Sendo assim, o que são esses elfos? Quais as suas origens? Que características compartilham
em comum com outros elementos folclóricos? Qual a sua influência na literatura?
Visando responder tais perguntas, através de uma pesquisa documental, decidimos buscar
nas Eddas, que são um conjunto de manuscritos medievais da Islândia onde foi registrado boa
parte do que nos restou dos registros sobre a religião do período pagão escandinavo, e em
alguns casos ainda nas Sagas, que são as narrativas épicas dos feitos dos grandes homens
daquela região, as origens culturais dessa crença folclórica nos elfos. Ainda foram de grande
serventia as considerações de Hilda Roderick Ellis em sua obra The Road to Hel (1968) e
Edward Oswald Gabriel Turville-Petre, com Myth and Religion of the North: The Religion of
Ancient Scandinavia (1964), as quais servem como norte na interpretação de nossa pesquisa,
quando aproximam a importância cultural dos elfos àquela dos ancestrais dos antigos pagãos e
outros elementos ligados à fertilidade. Dividiremos, assim, nossa argumentação em cinco
partes: (1) uma discussão sobre o uso das fontes medievais nórdicas, e as dificuldades em tal
processo; (2) uma breve introdução nos aspectos indispensáveis do paganismo germânico
para se compreender onde os elfos se inseriam nas cosmogonia e cosmografia mitológicas; (3)
buscaremos definir, então, o que são os elfos que nos interessam dentro das fontes literárias
antigas; (4) apresentaremos suas similaridades com o culto aos ancestrais, e as noções de
vida após a morte para os antigos escandinavos pré-cristãos, elementos regularmente tomados
como distintos e estranhos aos elfos; e, por fim, (5) exporemos as conclusões de nossa
pesquisa.
Portanto, como objetivo este trabalho busca visitar as origens de uma crença folclórica nativa
ainda viva, mesmo após séculos de conversão ao cristianismo, discutir as relações entre
oralidade e literatura, analisar etimologicamente e através de análises anteriores sobre o tema,
ainda hoje, em uma sociedade ocidental oficialmente secular, a influência que seres míticos
conseguem ter através da transmissão de uma literatura antiga. Sua importância surge pelo
fato de não se tratar meramente de uma crença morta ou isolada, sendo conhecida através da
literatura em diversas partes do mundo, ainda que de maneira não profunda ou científica,
demonstrando a influência que o imaginário medieval ainda é capaz de ter na produção
artística contemporânea.
Desta maneira, num período que pode ser chamado de oralidade primeira, a cultura está
armazenada não nos livros, mas nas pessoas, pois “em um mundo sem mídia eletrônica isto [a
arte da recitação de poesias] requer a presença de um cantor em cada vila grande, embora
cantores também possam ser itinerantes” (DUNPHY, 2004: 106). Assim a cultura passa por
transmissões orais sem influência direta ou indireta da cultura letrada, pois, como mostram os
argumentos de Dunphy (2004: 108-110), após o letramento de uma mínima parcela da
sociedade, sua cultura já não pode mais acontecer, mesmo para aqueles que não dominam a
capacidade da leitura e escrita, da mesma forma, sendo diretamente influenciados por aqueles
que podem fazê-lo.
Devemos considerar, dessa maneira, que a produção cultural muda drasticamente a partir de
um determinado período justamente por causa do letramento. Assim, se no âmbito da
vocalidade (termo no qual seguimos com Langer 2015b: 114, em oposição ao termo que este e
Dunphy 2004: 103 consideram arcaico: “literatura oral”) a transmissão da narrativa se dava de
maneira coletiva, assim como coletiva era sua memorização; a partir da escrita passa-se a ter
uma transmissão individual do conhecimento, intermediada pelo texto, que separa os
momentos de criação dos enunciados pelo autor daquele da sua decodificação, por parte do
leitor. Todavia, partindo dos argumentos de Langer (2015b: 115-121), destacamos que o
grande número de pedras com inscrições usando-se de runas (o alfabeto germânico)
possivelmente reflita o fato de que, embora boa parte da população pudesse não ter domínio
sobre a técnica da escrita, é importante destacar que aqueles que sabem decodificar textos
simples poderiam ser em maior número que ela, a exemplo da maioria das sociedades, o que
evidencia que as formas oral e escrita de comunicação podem ter coexistido e se influenciado
de maneira mais ampla do que é regularmente considerado. A tradicional ideia de um período
de produção oral “pura” em oposição a um período totalmente distinto, após a introdução da
escrita, torna-se então problemática: “seria, portanto, ingênuo acreditar que a escrita alfabética
veio substituir uma tradição oral repentinamente enfraquecida” (DETIENNE, 1992: 70 apud
LANGER, 2015b: 122). Isso é o que leva Dunphy a categoricamente dizer que “precisamos
dividir a sociedade medieval em subculturas letradas e orais” (2004: 111), salientando que em
um mesmo local tanto uma (sub)cultura não letrada que continua se manifestando e
desenvolvendo paralela, embora influenciada pela que lhe sucede, quanto uma (sub)cultura
letrada podem existir num mesmo dado momento histórico.
Nesse contexto, surgem então as Eddas, poética e em prosa, as duas mais importantes fontes
escritas da mitologia escandinava. A primeira, por tentar reproduzir a métrica e estrutura dos
skålds, é comumente considerada como um relato mais digno e fiel que a segunda, pois, como
diz Dunphy (2004: 107), “a primeira poesia escrita testemunha sua própria pré-história”, sendo
que a Edda poética é composta de vários manuscritos anônimos, em seu corpus principal
datando entre 1270 e 1300 d.C., mas que são entendidas como cópias de textos produzidos
entre 1210 e 1240. Linguistas ainda datam sua origem entre 900 e 1050 d.C. (LANGER, 2015b:
122). Já os manuscritos que a nós chegaram da Edda em prosa são datados entre 1300 e
1350, e sua autoria é em geral atribuída ao estadista e escritor Snorri Sturluson (1179-1241),
conforme indicado pelo manuscrito DG 11 (Codex Upsaliensis), “já possuindo uma estrutura
totalmente coerente e ordenada das narrativas mitológicas” (LANGER, 2015b: 123), com o
texto sendo produzido em cerca de 1220. Assim, a Edda poética representa um período
classificado por Zumthor e citado por Langer (2015b: 124) como oralidade mista, em que a
tradição oral é influenciada pela existência da escrita, enquanto a Edda em prosa pertence à
chamada oralidade segunda, na qual a interferência da cultura letrada já é maior – causada,
além da adoção da forma de escrita romanizada, pela cultura representada pelo uso do latim e
presença forte da intelectualidade na atividade de produção do conhecimento. Neste grupo
da oralidade segunda também encontram-se as Sagas a que recorrermos.
Na Vǫlospá, poema encontrado na Edda poética, podemos ler: “níu man ek heima, / níu
íviðjur, / mjǫtvið mæran / fyr mold neðan” (EDDUKVÆÐI, [2016?]: 5; grifo nosso). Uma
possível tradução: “Nove mundos conheci, | os nove na árvore / Com raízes poderosas | em
baixo do monte” (JACOMINI, 2012). A palavra ali traduzida por “mundos” é heimr (nom.
pl. heimar), um substantivo masculino que simplesmente significa “lugar de moradia”, “uma
região” ou “mundo” (ZOËGA, 1910: 209). Esses nove heimar seriam os locais onde cada uma
das raças de criaturas superiores (como anões, gigantes, elfos, humanos e deuses) viveriam,
assim, em torno da árvore (o freixo de Yggdrasill, como dito na 19ª estrofe da Vǫlospá). Sobre
os elfos de maneira mais específica, o Gylfaginning, a segunda parte da Edda em prosa, diz o
seguinte: “Então Gangleri disse: “Grandes novidades você é capaz de dizer sobre o céu. Há
qualquer outro lugar importante além da fonte de Urðr?” / Hárr disse: “Há muitos lugares
magníficos ali. Há um chamado Álfheimr, e ali vive o povo chamado de Ljósálfar (elfos da luz)”
(STURLUSON, [201-]: 12). Desta maneira os elfos são, em geral, considerados habitando
um heimr (mundo ou país de origem) chamado Álfheimr (heimr dos elfos) na copa da árvore
chamada Yggdrasill, a qual seria o eixo – e o freixo – em torno do qual todo o universo
conhecido se sustenta, como podemos ver na Figura 1.
Figura 1: Representação de Yggdrasil, a Árvore do Mundo nórdica. Podemos aqui ver como os
nove mundos se distribuem em torno dela. Fonte: . Acesso em 05 de julho de 2016.
O local próprio dos humanos seria Míðgarðr, o “cercamento do meio”, mais comumente
traduzida por “terra do meio” – nome que influenciou posteriormente Tolkien, o famoso filólogo
e romancista inglês. Assim, enquanto os elfos dividiriam o espaço da copa da árvore com as
duas famílias de deuses chamadas de Æsir e Vanir, famílias essas que são então habitantes
dos heimar chamados Ásgarðr e Vanaheimr, respectivamente, os seres humanos
permaneceriam no solo/terra, pouco acima do mundo dos mortos, o Helheimr (morada de Hel,
a deusa dos mortos). Como veremos adiante, esse aspecto será de grande importância para se
compreender a função dos elfos dentro da visão de mundo dos antigos nórdicos. Além disso,
o Grimnismál (5: 58 apud BARREIRO, 2014: 35), da Edda em Prosa diz: “Álfheim Frey gáfo i
árdaga tívar at tannfé”, isto é, “Os deuses deram o mundo-dos-álfar [elfos] a Freyr como
presente do dente”. Ora, então Freyr, um importante deus Vanir da fertilidade é reconhecido
como senhor do heimr (mundo ou terra) dos elfos, aumentando ainda mais a proximidade
desses com as criaturas divinas.
Mas temos aqui um problema. O que hoje chamamos de “elfo” não possui um significado
unívoco através da história dos povos da Europa, dependendo estritamente da cultura da qual
são provenientes. Enquanto a origem dos elfos [sidhe] para os irlandeses remonta aos povos
míticos da Tuatha De Danaan (MACDONALD, 1993), a origem dos elfos no discurso da cultura
escandinava antiga não é tão clara assim, apesar de poder se dizer que nascem, assim como
os anões, do gigante Ymir (WODENSDOTTIR, [CA. 2006]), o que (1) faz com que
os álfar nórdicos não sejam, inicialmente, tão dependentes de um espaço geográfico
específico, na história de seu surgimento, como os sidhe para os celtas, ao passo que (2) surge
o problema da confusão entre anões [dvergar] e elfos [álfar] na mitologia germânica, ou de (3)
uma segunda confusão de termos, mas agora com os deuses. Ainda falando dos celtas é
interessante ressaltar que eles, quando vieram para a Islândia, trouxeram muitas crenças sobre
os sidhe, que inclusive habitavam lugares semelhantes (montes) aos elfos [álfar] nórdicos, e
ainda considerando o poema éddico Fjǫlsvinnsmál pode ser uma narrativa de origem céltica
(SVEINSSON, 2003: 174), percebendo que, apesar de não se tratarem da exata mesma ideia
em ambos os povos, ambas as crenças populares se influenciaram.
[…] na Era Viking, houve um distrito na Escandinávia chamado Álfheim. Ele estava no extremo
sudeste da Noruega, entre os rios Gota e Gollen, logo abaixo do Fiorde de Oslo, e agora
pertence principalmente à Suécia. Snorri registra as lutas de Halfdan e Harald Hárfagr com o
rei Gandálfr de Álfheim e seus filhos, a qual não terminou, finalmente, até que Harald matou
Gandálfr em batalha. […] Na época das Fornaldar Sögur, no entanto, Álfheim tornou-se um
país na fronteira da mitologia (ELLIS, 1968: 113).
3. Etimologia, relações linguísticas e literárias dos elfos
Nosso grande problema ao analisar as origens na literatura do que são os elfos é que um “anão
pode muito bem ser um “elfo” […], um anão pode ser referido como um troll ou, pelo menos,
agir como um, e a mesma figura pode muito bem ser caracterizada como um troll, um gigante
(jotunn, risi) e até mesmo um homem na mesma fonte (a Edda Snorra Sturlusonar)” (Ármann
Jakobsson 2013: 205-206 apud TAYLOR, 2014: 21). Todavia, como poderemos perceber, o
que era considerado elfo pode mudar drasticamente de acordo com o período em que é
analisado, já que em “Nórdico Antigo, álfr é um termo muito mais indefinido [unspecified] com
um significado bastante amplo […] o conceito de álfr é muito menos restrito na Idade Média do
que nos dias de Jón Árnason [1819-1888], e elfos do início do século XXI são diferentes ainda
dos elfos apresentados no material popular dos séculos XVII, XVIII e XIX” (Ármann Jakobsson
2013: 203 apud TAYLOR, 2014: 21). Sobre essa dificuldade também Ellis (1968: 112) também
argumentou dizendo que era evidente que o sentido da palavra álfr (elfo) muda de acordo com
a fonte tomada em consideração.
Shippey (2005: 181 apud TAYLOR, 2014: 23) destaca que é Sturluson o primeiro a criar uma
divisão maniqueísta entre os elfos, a partir da dicotomia døkkálfar (elfos negros)
e ljósálfar (elfos luminosos). Em outro momento ainda Shippey (2004: 1) discorre sobre as
origens dos elfos na literatura de Tolkien e Lewis, primeiro aproximando-os daquilo que é
chamado de devas [दे व] entre os hindus (embora seja possível encontrar a origem desta
palavra sânscrita no protoindo-europeu *deywós, “deus”, e não em *albʰós), que ele define
como criaturas brilhantes, divinas, ou bons espíritos da mitologia Hindu, traçando um claro
paralelo com os ljósálfar. Ainda destaca que entre os anglo-saxões os elfos muitas vezes eram
referidos como criaturas malevolentes, ligadas à sexualidade “pecaminosa”, e que não
deixavam de ser temidas. Com isto também concordam outros autores: “nos textos tardios, os
alfs [álfar, elfos] aparecem frequentemente como seres maldosos” (GUNDARSSON, 2007: 59),
e Sveinsson (2003: 172-174) relata como os elfos poderiam ser associados a desaparecimento
de crianças, ou em outros casos, como uma raça irmã da humanidade, como seres corpóreos,
tanto se relacionando amorosamente quanto sendo vistos por determinados humanos
(Sveinsson, 2003: 173). Assim, Shippey continua, debatendo o problema que se inicia com
a Edda em prosa, já que
enquanto Snorri identifica quatro grupos, elfos da luz, elfos escuros, elfos pretos e anões, há
realmente apenas dois: os três últimos são apenas nomes diferentes para o mesmo grupo. O
primeiro grupo, entretanto, é muito como os anjos, ou nesse caso eldila — estes são os “albs”
de Lewis — enquanto o último grupo foi feito para parecer levemente diabólico, exatamente
como os elfos anglo-saxões dos livros de medicina, certamente (SHIPPEY, 2004: 4).
Todavia, é possível que a própria necessidade de diferenciação entre essas criaturas surja com
formas analíticas de pensamento, condição inexistente anteriormente, com sistemas de
entendimento do universo menos precisos (BARREIRO, 2014: 30). Isso poderia, como
analisamos anteriormente, estar estritamente ligado à fase de oralidade primeira, onde não
haveria como se analisar as contradições entre discursos e histórias orais, e sistematizá-las de
maneira tão racionalizada.
Taylor (2014) ainda argumenta que os elfos poderiam ser tidos como criaturas pequenas, ou
invisíveis (associada à crença contemporânea dos islandeses no chamado huldufólk, o “povo
escondido”, outro nome para os elfos SVEINSSON, 2003: 170) ou mágicas, e relata a
capacidade que os elfos femininos tinham de seduzir os humanos, como refletido nas baladas
medievais. Existe, todavia, uma tardia associação cultural dos elfos com criaturas diabólicas,
como já é feito pelo próprio Sturluson.
Consideramos de grande valia a compilação feita por Barreiro (2014) dos momentos em que os
elfos [álfar] são mencionados por Snorri Sturluson na sua Edda em Prosa, e a discussão que
ele faz dessas citações, e, assim, a reproduziremos na íntegra:
Eftir þat fór Loki til þeira dverga er heita Ívalda synir
(“Depois disso, Loki viajou para aqueles dvergar que são chamados filhos de Ivaldi” Edda, II,
p.41).
þá sendi Óðinn Loka í Svartálfaheim ok kom hann til dvergs þess er heitir Andvari
E uma terceira vez, quando eles estão tentando amarrar o lobo Fenrir:
þá sendi Alfǫðr þann er Skírnir er nefndr, sendimaðr Freys, ofan í Svartálfaheim til dverga
nokkurra
(“Então, o Pai-de-todos enviou aquele, que Skirnir é chamado, o mensageiro de Freyr, para
dentro do mundo dos álfar pretos para alguns dvergar”, Edda, I, p.28)
Nestas passagens é evidente que, para Snorri, pelo menos, havia alguma conexão
entre álfar e dvergar, e que, ou alguns dvergar vivem no mundo dos álfar pretos, ou que há
identidade entre eles. A segunda opção é mais provável, porque não há nenhuma menção de
qualquer ser chamado de svartálfr, então podemos supor que isto é em grande parte um
sinônimo para dvergar. Outra passagem acrescenta mais para esta ideia de “álfar negro”:
Sá er einn staðr þar er kallaðr er Álfheimr. þar byggvir fólk þat er ljósálfar heita, en døkkálfar
búa niðri í jǫrðu, ok eru fleir ólíkir þeim sýnum en myklu ólíkari reyndum. Ljósálfar eru fegri en
sól sýnum, en døkkálfar eru svartari en bik.
(“Há um certo lugar lá, o qual é chamado mundo-dos-álfar. Lá residem aquelas pessoas que
são chamadas álfar luminosos, mas os álfar escuros habitam debaixo da terra, e eles são
diferentes na aparência, mas muito mais diferentes no comportamento. Os álfar luminosos são
mais claros do que o sol à vista, mas os álfar escuros são mais negros do que o breu”. Edda, I,
p. 19). (BARREIRO, 2014: 33-34).
Dessa forma, embora não possamos traçar uma diferença muito clara
entre døkkálfar e svartálfar na Edda em Prosa, como percebemos pelo texto de Barreiro, ainda
assim podemos concordar que ao menos ambos são colocados em oposição com os ljósálfar,
enquanto são aproximados, em características e na cosmografia mitológica,
dos dvergar (BARREIRO, 2014: 35). O problema, porém, ao partirmos para a Edda Poética, é
que ali dvergar e (ljós)álfar parecem, como já destacamos, se confundir. Na lista de nomes
citados na Vǫlospá (“Profecia da Vidente”) como filhos dos anões nascidos de Ymir, vemos na
12ª estrofe “Gandálfr” (gandr = cajado mágico, álfr = elfo) e na 15ª, Yngvi, que, por sua vez, é
um dos nomes de Freyr, deus da família dos Vanir (divindades agrárias) que recebe Álfheimr
de presente ainda criança, como seu reino. Não há razão clara para os elfos serem citados
junto dos anões na Vǫlospá, uma vez que eles são claramente distinguidos entre si no
poema Álvissmál, e a diferença não é posta somente entre álfar e dvergar, mas também entre
as divindades Vanir, Æsir, e os gigantes [jǫtnar]. Todavia, a maioria dos estudiosos indica que
o Álvissmál é das obras mais tardias da Edda Poética, provavelmente do final do século XII ou
XIII (BARREIRO, 2014: 36). Assim, se a Vǫlospá se compõe na tradição oral, e assumimos
que há uma sistematização progressiva da narrativa com a influência da cultura do restante da
Europa, e mesmo do letramento que já influenciava a produção oral daquela região, é
compreensível que cada raça de seres apareça de maneira mais clara em textos posteriores
tendo-se avançado mais cronologicamente. Já na Vǫlundarkviða, o personagem Vǫlundr é
apresentado como um álfr (elfo), mesmo que ele não tenha qualquer envolvimento com elfos
ou divindades, sendo sua história mais próxima dos contos heroicos, mas como notam alguns
autores, as características dele mais o aproximam dos dvergar que dos álfar (LANGER, 2015a;
LINDOW, 2001). Não apenas isso, “Além Volund, o único outro elfo explicitamente nomeado é
Dáin (Hávamál, estrofe 143), e que também é mais frequentemente encontrado como um nome
de anão” (LINDOW, 2001: 110).
Þat kann ek it fimmtánda / er gól Þjóðreyrir / dvergr fyr Dellings durum / afl gól hann ásum / en
álfum frama / hyggju Hroptatý / Eu conheço uma décima quinta: / a qual Thjodreyrir cantou, / o
anão, diante das portas de Delling; / ele cantou poder para os deuses, / coragem para os
elfos, / entendimento para Hroptatyr (MEDEIROS, 2013: 599).
Além disso, não apenas aqui no Hávamál, mas mesmo na Vǫlospá, na 47ª estrofe, nós lemos
“Que problemas têm os Aesir, e quanto aos elfos?” (WODENSDOTTIR, [CA. 2006]: 5), e em
ambas as posições os álfar (elfos) são colocados de maneira indubitável como seres quasi-
divinos, o que, sem dúvida, não é equivalente aos dvergar (anões), por mais que eles
produzam, através da técnica, ferramentas maravilhosas e essenciais para os próprios deuses.
Mas ainda é importante ressaltar que os
dvergar [anões] relacionam-se com o artesanato e à terra no sentido físico (pedra, o subsolo,
metais), enquanto álfar [elfos] estão conectados com o aspecto fecundo da terra, luz e saúde.
Ambos também poderiam ter tido associações com os mortos (como muitas figuras ctônicas
têm) (BARREIRO, 2014: 42).
Para reforçar esse detalhe em particular, e cientes que essa exposição esteve longe de
apresentar dados suficientes das fontes para um conhecimento positivo do que são os elfos
através da análise de tais fontes, é necessário ainda lembrar mais uma vez que na própria
cosmografia da mitologia nórdica os elfos possuem um local de destaque.
Por isso, precisamos ainda compreender melhor a relação entre Álfheimr, os seus habitantes,
os elfos [álfar], e Sól, por exemplo. Segundo os mitos, Sól ou Sunna (a Deusa-Sol), todos os
dias percorre o céu, pois há um lobo em seu encalço intentando devorá-la, como citado no
poema da Edda poética chamado Vafþrúðnismál: Óðinn kvað: / 46. “Fjǫlð ek fór, / fjǫlð ek
freistaðak, / fjǫlð ek of reynda regin: / Hvaðan kemr sól / á inn slétta himin, / er þessa hefr fenrir
farit?” / Vafþrúðnir kvað: / 47. “Eina dóttur / berr alfrǫðull, / áðr hana fenrir fari; / sú skal ríða, / þá
er regin deyja, / móður brautir, mær.” (Vafþrúðnismál apud EDDUKVÆÐI, [2016?]: 34; grifo
nosso). Uma tradução:
Por outro lado, o próprio nome ljós-álfar já sugere uma ligação com a luz, e por extensão, à Sól.
Como se isso não fosse o suficiente, o kenning[3] “Álfrǫðull” dado à divindade feminina do Sol,
traça, indubitavelmente, uma relação entre a luz (solar), os álfar, e a fertilidade, com Freyr.
Aliás, deste último o Gylfaginning ainda diz ser o regulador da luz solar. Apesar da Sól ser
apontada como uma humana deificada, ou ainda a chama mais brilhosa tomada do reino de
fogo primordial (Musspellheimr), não seria estranho traçar uma tal aproximação, principalmente
porque aos álfar (elfos) era atribuída uma importante função, presente até hoje, na sorte de
uma determinada região, o que, em tempos antigos, se manifestou, inclusive, na ideia de
fertilidade da Terra [Jǫrð], aspecto central na vida rural (GUNDARSSON, 2007).
É contado em uma das primeiras sagas como um homem ferido em um duelo foi curado por
elfos (álfar). Seguindo o conselho de uma mulher sábia, ele comprou a carcaça de um boi, o
qual foi cerimonialmente morto no local do duelo. Ele espalhou o sangue do boi em um monte
ou colina habitada por elfos, e deu-lhes um banquete de sua carne (TURVILLE-PETRE, 1964:
230).
Os sacrifícios aos elfos [álfablót], aliás, não aconteciam apenas dessa maneira, havia
inclusive uma época do ano agrário própria para isso, nas noites de inverno, em montes. Isso
destaca que, embora tardiamente eles pudessem ser vistos (em especial pelos anglo-saxões)
de maneira malevolente, no passado eram considerados seres importantes e dignos de
festividades. Essa relação com os montes é vista também por Ellis quando ela analisa a
mesma passagem acima referida por Turville-Petre da Kormáks Saga e afirma que “no folclore
escandinavo, particularmente no sueco, os elfos são conectados aos montes [mounds]” (Ellis,
1968: 111). A pesquisadora ainda ressalta que a palavra usada em tal trecho, hóll, no texto
nórdico antigo, significa não o mesmo que “burial mound” (que viemos traduzindo por “monte
fúnebre”) mas a “hillock”, um “pequeno morro”.
Brink (2013: 24-25) argumenta que a Igreja no processo de conversão da Escandinávia
se viu forçada a conduzir proibições de culto a montes, locais sagrados, bosques e pedras, que
estariam ligados a “divindades menores” – os espíritos da terra [landvættir] e elfos – as quais
receberiam oferendas de comida ou bebida. A esse fenômeno de sacralização/personalização
de um determinado espaço, os romanos chamavam numen, ou seja, objetos e fenômenos
imbuídos de poder espiritual ou divino. Além disso, para Brink (2013: 23) o culto dos ancestrais
foi essencialmente feito nos montes fúnebres [burial mounds], e particularmente forte durante a
Idade do Ferro nórdica (500 a.C. – 1050 d.C). Como veremos esse é um dos argumentos que
Ellis (1968) usa para aproximar o culto aos ancestrais àquele dos elfos. Sveinsson (2003: 170-
171) diz que “pelo menos eu considero dubitável se os primeiros colonos da Islândia viram
qualquer conexão entre elfos e homens mortos”, e seu argumento é sólido, mostrando que a
interpretação que relaciona elfos e ancestrais não é passível de generalização, significando
que, no mínimo, nem todos os elfos são originados como ancestrais do povo de uma
determinada região.
Mas, o que vêm a ser essas práticas que a Igreja queria evitar durante tal época? Como
definem Steadman, Palmer & Tilley (1996: 64-65), “a essência do culto aos ancestrais é a
afirmação de que há comunicação entre ancestrais e os vivos”, ou que “os ancestrais podem
influenciar ou ser influenciados pela vida”. Assim, o culto aos ancestrais envolve um conjunto
de crenças e rituais entre povos, em geral tribais, como os antigos nórdicos, que mantenham
os laços de ligação entre os que estão vivos e seus heróis e familiares, sua ascendência direta.
Essa relação, como argumenta Swanson (1964: 210-211 apud STEADMAN, PALMER &
TILLEY, 1996: 65), pode ser de três categorias, considerando Espíritos Ancestrais Ativos: 1) de
natureza não especificada; 2) com os ancestrais ajudando ou punindo os humanos; ou 3)
invocado pelos vivos para ajudar em questões humanas. Seja qual for a natureza dessa
relação que povos tribais nórdicos tiveram com os seus ancestrais, podemos perceber assim
que esses locais de culto tinham uma importância grande, embora poucos relatos tenham nos
restado. Como diz Ellis (1968: 100), no Landnámabók, sacrifícios foram feitos para um homem
chamado Grímr, ancestral de um dos primeiros colonos islandeses, e ainda que Chadwick
compara a isso a alegação de Adão de Bremen que diz que os suecos colunt et deos ex
hominibus, isto é, que eles fizeram deuses a partir dos homens e os cultuaram. Como ainda
dizem os antropólogos, “em sociedades baseadas no parentesco [kinship] a conexão entre
religião e ancestrais é bastante direta. Não só seus líderes religiosos comunicam-se com
antepassados (Steadman e Palmer 1994), eles em geral memorizam as genealogias das
pessoas em sua sociedade”. (STEADMAN, PALMER & TILLEY, 1996: 74). Além disso,
referindo-se a outros povos germanos é importante notar que “há também menções dos cultos
familiares entre os prussianos, que podem ser do mesmo tipo que aqueles suecos; e é
realmente possível que algum culto nas linhas daqueles dos antepassados mortos
[encontrados] nas montanhas seja entendido” (ELLIS, 1968: 100).
Como pode-se observar na Figura 2, uma das várias maneiras de se enterrar os mortos
era (1) em montes, onde camadas sucessivas se sobrepunham, tornando tais montes as casas
dos que ali eram depositados para sua vida após a morte. Também foram encontrados tanto
(2) túmulos feitos com barcos, como (3) conjuntos de pedras dispostos a fazer o túmulo
assemelhar-se a um barco. Todavia, a primeira forma de sepultamento é a que nos interessa
neste trabalho.
Figura 2: Foto de uma tela do Serpent Mound Museum. Nela podemos ver como os familiares
eram enterrados, em sucessivas camadas, formando os montes fúnebres [burial
mounds]. Fonte: . Acesso em 11 de julho de 2016.
Então, o que essa prática tem em comum com aquela relacionada aos elfos, e
praticamente perdida? É que “a forma mais simples da concepção da vida continuando
embaixo da terra é aquela encontrada nas Íslendinga Sögur, do homem morto habitando no
monte-tumular [grave-mound] como em uma casa, e ainda desfrutando de suas posses ali”
(ELLIS, 1968: 65), e é importante lembrar que uma das moradas dos mortos era o Helheimr,
reino de Hel, a deusa dos falecidos, e este é também subterrâneo, localizando-se abaixo das
raízes da árvore de Yggdrasill. Além disso, Ellis (1968: 100) ainda apresenta a passagem
da Hálfdanar Saga Svarta, presente na Heimskringla, que nos conta acerta dos eventos após a
morte do rei Hálfdan o Negro, o qual teve seu corpo dividido em quatro partes, cada uma
enterrada em um lugar diferente, visando manter a prosperidade de todas as regiões para onde
as partes do corpo foram. Desta forma, nós podemos perceber a associação entre montes e os
ancestrais, bem como a influência que estes últimos têm com a fertilidade da terra e a
prosperidade da população tribal escandinava dos períodos pré-cristãos. Como já vimos,
ambos os temas também eram associados aos elfos.
Seguindo tal linha de raciocínio, é interessante observar o que o trio de antropólogos já citados
faz referência em seu artigo sobre a universalidade do culto aos ancestrais: “quando os mortos
envivecidos [living dead] são esquecidos na memória do seu grupo e tirados da genealogia
como resultado da passagem do tempo (quatro ou cinco gerações), acredita-se que eles são
transformados em “espíritos sem nome”, não-ancestrais” (LEHMANN & MYERS, 1993: 284
apud STEADMAN, PALMER & TILLEY, 1996: 63). Ou seja, após acontecer a elevação parente
morto ao grau metafísico, embora importante e influente na vida dos humanos, tornando-o um
“ancestral” (em oposição ao simples “antepassado”), com o passar do tempo, em especial em
uma comunidade onde a cultura é transmitida de maneira oral, acontece a distanciação entre
significado e significante, sendo que o significado perde-se de sua forma sonora (no caso, a
ideia sobre uma determinada pessoa), enquanto o significante agarra-se a uma nova ideia para
o grupo de falantes. Tal processo explicaria tanto um ancestral sendo deificado quanto, mais
especificamente, transformado em um espírito, como um elfo.
Além disso é importante lembrar de outro elemento cultural, fortemente ligado aos ancestrais:
as dísir. Sobre elas o poema éddico Grimnismál diz: “Eggmóðan Val / nú mun Yggr hafa, / þitt
veit ek líf of liðit; / úfar ro dísir, / nú knáttu Óðin sjá, / nálgasktu mik, ef þú megir” (EDDUKVÆÐI,
[2016?]: 41), ou seja, numa tradução: “53-A vida do homem ceifada pelo espada Yggr logo terá.
/ Eu creio que sua vida está acabada. / As Dísir lhe são hostis. Agora você será capaz de ver
Óðinn, venha até Mim se você ousa” (MOREIRA, [201-]a). Como destaca Lindow (2001: 95)
elas são “espíritos coletivos femininos”, que, após a morte, tornam-se responsáveis por
proteger a linhagem das famílias em que nasceram. Como vemos, dentro da própria categoria
dos ancestrais existe um grupo com uma distinção, tanto que
Assim as dísir, são associadas também à fertilidade por serem cultuadas numa mesma época
que um importante deus da fertilidade; mas não é apenas isso. Como Turville-Petre ainda
salienta, a deusa irmã de Freyr, a deusa da fertilidade chamada Freyja, “é
chamada Vanadís (dís dos Vanir); ela é a suprema dís, a qual deve ser procurada em [casos
de] amor” (1964: 224). Desta forma, se Freyr é o deus dos elfos, Freyja, a sua irmã, é a
deidade das dísir. Lindow (2001: 96-97) ainda cita o caso da narrativa de Thidranda tháttr ok
Thórhalls, onde nove dísir atacam uma criança em uma fazenda, como que por maldição,
prevista por um profeta, conferindo-lhes o mesmo status de ambiguidade que os elfos
demonizados para os anglo-saxões, nos encontros entre as religiosidades nativa e a cristã –
que proveu os relatos.
Além disso, Turville-Petre (1964: 225) ainda salienta que a crença islandesa
nas Landdísasteinar (pedras das dísir da terra) que até recentemente eram impedidas de
serem movidas ou que crianças brincassem perto delas, o que as liga, assim, segundo o
próprio estudioso, aos espíritos da terra [landvættir]. Sobre isso é bem curioso ver hoje em dia,
por exemplo, o caso da rocha Ófeigskirkja na Islândia, a qual foi alvo de árdua batalha para ser
protegida, como morada de elfos. Como relata a escritora e folclorista islandesa Bryndís
Björgvinsdóttir, “existem muitos contos de máquinas quebrando e trabalhadores ficando
doentes quando eles intervém em rochas dos elfos” (apud WAINWRIGHT, 2015). Todavia, o
aspecto que chama mais atenção nessa relação entre elfos e dísir é que “o álfablót [sacrifício
para os elfos] teve lugar no início do Inverno, aproximadamente ao mesmo tempo que
o disablót [sacríficio para as dísir], o sacrifício de Frey e ao Völsi [falo]” (TURVILLE-PETRE,
1964: 231).
Todavia, são as passagens do rei Ólafr Geirstaðaálfr que despertam as teorias mais
interessantes sobre os elfos, tanto em Ellis como em Turville-Petre. Primeiro, em sua seção
sobre o Culto aos Mortos, Ellis (1968: 101) nos resume a história encontrada no Flateyjarbók,
sobre esse rei que era irmão de Hálfdan, o Negro, do qual discorremos acima. O rei Ólafr então
teve um sonho no qual previu uma terrível praga e sua própria morte graças a isso. Ele fez seu
povo construir uma grande montanha em um promontório, para onde cada homem importante
carregou uma quantidade de prata, e ele mesmo deveria ser levado quando sua morte
chegasse. Ellis pondera que pelas mãos do compilador cristão entra uma contradição no texto,
onde ele faz Ólafr dizer que não deve haver sacrifícios para ele, e que “Eu [o rei Ólafr] não
acredito que os mortos têm algum poder para ajudar. […] Esse medo do rei era justificado,
pois, quando a próxima fome veio, ‘eles recorreram ao plano de sacrificar ao rei Olaf para a
fertilidade, e lhe chamavam Geirstaðaálfr’” (ELLIS, 1968: 101). Todavia, a precisão do
argumento de Turville-Petre nos ajuda a compreender melhor todos esses aspectos, pois
segundo ele
São registrados outros casos de sacrifício para reis mortos e chefes […], mas a alcunha de
‘elfo’ aplicada a Ólaf, sugere que os elfos, habitando em montes, haviam chegado a ser
identificados com os mortos. Neste caso, eles podem ser equivalentes masculinos das dísir.
Em apoio a esta indicação pode-se acrescentar que a mulher que corava o altar durante
o dísablót era chamada Álfhildr; ela era filha de Álfr, Rei de Álfheimar, considerada
encontrando-se no extremo leste da Noruega (TURVILLE-PETRE, 1964: 231).
5. Considerações finais
Neste trabalho percorremos boa parte das principais discussões referentes aos elfos,
principalmente no que se relaciona a eles na cultura e literatura escandinava e islandesa.
Intentou-se analisá-los enquanto personagens literários, ou mesmo históricos, em alguns
casos. Após a visitação da bibliografia tornou-se para nós evidente apenas uma coisa: o
verdadeiro sentido dos elfos, de maneira objetiva, a qual interessa para uma definição clara e
unívoca acadêmica, é tarefa realmente impossível com as poucas fontes que nos restaram.
Isso não significa que os elfos não mereçam atenção de estudos acadêmicos, apenas que, ao
se discorrer aos elfos, precisamos especificar sobre quando e onde estamos falando acerca
deles. Os elfos das Sagas não são os mesmos das Eddas, que não são os mesmo na Idade
Média ou na literatura de Tolkien ou Rowling. Embora para o caso da literatura tolkieniana
devamos considerar que ela é mais que fantasia inspirada em uma cultura antiga, mas o fruto
de uma recriação de um conjunto de mitos a partir de estudos filológicos, visando suprir uma
carência cultural específica da região anglófona da Europa, ainda assim, todo o trabalho que
temos, enquanto acadêmicos é essencialmente fragmentário e por todos os lados cerceado
pela ausência de fontes mais próximas, quando nos referimos ao método de discurso, do
período pagão escandinavo.
A importância desta pesquisa, inclusive em uma Universidade como a nossa , reflete
também a dificuldade para a sua execução. Embora os estudos na área da escandinavística
estejam crescendo no país, com a atual crise econômica mundial e desestabilidade política
nacional, a qual se faz sentir de maneira ainda mais pesada em áreas carentes de uma maior
qualidade educacional como o estado de Alagoas, muitas vezes acaba desencorajando
profissionais e academias periféricas como a nossa de investir em uma área do conhecimento
que é essencial tanto histórico-social quanto linguisticamente para compreendermos os
processos sociais que engendram nossas relações atuais.
Nesse sentido, a literatura sobre os elfos nos oferece uma reflexão. Turville-Petre (1964: I)
destaca que os primeiros colonos islandeses deixaram a Noruega não por interesse em
conquistas, mas por razões políticas, uma vez que queriam preservar seu modo patriarcal (isto
é, familiar) de gerir as suas tribos em oposição ao governo centralizado de Harald Cabelo Belo
(circa 885) que lhes era estranho. Desembarcando na gelada ilha (Islândia significa algo como
“Terra do Gelo”) onde a natureza era ainda mais hostil, os primeiros colonos foram fixando seu
lar, e ali havia uma harmonia curiosa – embora não queiramos cair aqui em nenhum
romantismo pelo período pagão – entre homem e natureza, que se expressou pelo respeito ao
que em nórdico antigo eram chamados vættir, os espíritos que segundo as crenças antigas
rodeavam o ser humano. Uma noção semelhante é vista, por exemplo, nas religiões afro-
brasileiras, que muito influem na cultura de nosso estado, em suas relações com os Orixás;
todavia, não queremos aqui traçar nenhum paralelo entre elas.
A folclorista Bryndís Björgvinsdóttir resume essa relação curiosa entre o homem e os
meio que o cerca da seguinte maneira: “os elfos são vistos como amigáveis, belas criaturas,
mas você tem que respeitá-los, ou eles vão se vingar” (apud WAINWRIGHT, 2015). Essa
relação, resumida na expressão latina do ut des (“dou-te para que também me dês”, em
tradução livre) demonstra o caráter da religião que embasou o folclore, ainda vivo através das
pedras protegidas pelo governo islandês, para evitar incomodar o huldufólk, o “povo escondido”
desta ilha. Os vættir, e entre eles os elfos, não são senão, em muitos casos, a forma animista e
poética como os nórdicos entendiam e explicavam as relações de causalidade advindas da
ação do homem na natureza, como diz Gunell
A Islândia é cheia de álagablettir ou pontos encantados, lugares que você não toca – assim
como os fortes de fadas e turfeiras da Irlanda. Eles estão protegidos por histórias sobre as
coisas ruins que vão acontecer se você os tocar. Este boca a boca, transmitido ao longo de
gerações, é geralmente mais eficaz do que uma ordem oficial de preservação (Gunell apud
WAINWRIGHT, 2015).
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ZOËGA, Geir T. A concise dictionary of old icelandic. Oxford, Clarendon press, 1910.
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Mais da metade da Islândia acredita em elfos
Elfos são pequenos. Apenas cerca de 92 centímetros de altura no máximo. E apesar deles
terem grandes orelhas e vestir roupas fora de moda, eles não usam chapéus pontiagudos.Tais
fatos podem ser aprendidos numa “caminhada élfica” em Hafnarfjörður, Islândia, uma cidade
portuária nos arredores de Reykjavík, supostamente a capital dos elfos.
Sim, elfos. Cinquenta e quatro porcento dos islandeses ou acreditam neles ou dizem que é
possível que eles existam.
Um passeio temático de inverno por Hafnarfjörður destaca os 13 Meninos de Yule, arteiros com
nomes como Hurðaskellir (Tranca Portas) e Kertasnikír (Rouba Velas). As crianças locais
muitas vezes deixam sapatos para os Meninos de Yule encherem com guloseimas.
As férias são uma época especialmente fortuita do ano para ver elfos; no Natal e no Ano Novo,
eles estão em movimento, procurando por novos lares.
Passeios frequentemente passam por Hamarinn, o penhasco onde se diz que o rei e a rainha
élficos mantêm a corte, e o Parque Hellisgerði, um fluxo de lava solidificado que os elfos
consideram especialmente como lar. Em dezembro, os visitantes podem abraçar ainda mais o
espírito do tempo de Yule no popular mercado de Natal.
Quer aprender mais? Inscreva-se na Escola Élfica de Reykjavík, onde, em um curso de três a
quatro horas, completo com livros didáticos, chá e biscoitos, você ganhará um diploma élfico.
O culto aos ancestrais é algo que, apesar de básico no paganismo germânico, é muito
negligenciado na prática contemporânea. Entenda como ele funciona.
Nota do tradutor:
Sim, este é um texto de uma religião africana. Todavia, a Ásatrú e o paganismo germânico de
maneira geral carecem de um texto sobre o assunto. O culto ancestral foi algum comum em
vários povos animistas pré-cristãos. Tirando muito pouca coisa evidente por si mesma e que é
relativa ao conteúdo das religiões africanas (como a reencarnação que é uma ideia
desconhecida dos povos germânicos), esse texto serve como um grande auxílio àqueles que
buscam uma forma de honrar seus ancestrais na atualidade, pois a maioria das noções
expressas é realmente pagã em sua essência.
A importância do culto aos ancestrais reside no conhecimento que ele fornece a nós que nossa
existência atual não é “tudo o que existe”.
A visão de mundo do Ifa pode ser pensada como a representação espiritual da teoria da
relatividade de Einstein. Nossa crença e prática de culto aos antepassados faz com que o
intervalo de tempo que Einstein acreditou deve existir entre o passado, o presente e o futuro.
No Ifa, entendemos que o mundo invisível de nossos antepassados falecidos combina com o
mundo visível da natureza e da cultura humana para formar uma única verdade orgânica.
Através do ritual, superamos o relacionamento entre o passado e o presente e, no processo,
melhoramos o futuro. O processo ritual de culto aos antepassados pode nos fornecer
mudanças profundas e quantificáveis em nossas vidas cotidianas. Mas o conceito muitas vezes
encontra-se com a resistência.
Por exemplo, muitos anos atrás eu vi um cliente que estava no começo dos seus quarenta
anos e tinha recebido seu Ph.D. em filosofia da Universidade de Chicago. Ela estava
interessada tanto academicamente quanto pessoalmente nas formas de adivinhação não
tradicionais. Seu “projeto” pessoal era um livro sobre a astrologia do ponto de vista de um
acadêmico. Ela imediatamente se atraiu pela beleza e poder do Ifa e dentro de poucos meses
tinha recebido seus guerreiros (Esu, Ososi, Ogun e Osun) e tinha sofrido vários outros
pequenos ritos de iniciação. Uma e outra vez, ela se maravilhou com a conexão que sentia e
com o poder oferecido pelo Ifa. Ela estava tão apaixonada pelo que ela sentiu que ela me disse
que queria se tornar uma sacerdotisa de Yemonja/Olukun, sua orisa guardiã.
Durante este período, ela veio para a adivinhação com frequência. Com uma única exceção,
ela seguiu todos os sacrifícios e ofertas prescritos. A única exceção era que ela não ofereceria
orações e alimentos ao espírito de seu pai morto. A primeira vez que ela foi chamada a fazê-lo,
ela não mencionou seus conflitos internos. Mas o Ifa simplesmente não vai deixar você
deslizar, então a necessidade de culto aos antepassados — e de lidar com ela o pai em
particular — começou a aparecer em todas as leituras.
Finalmente, ela explodiu: “Phil, ele não era tão bom assim e assim, ele me censurou toda a
minha vida. A maioria dos meus problemas foram um resultado direto de seu comportamento
insensível e descuidado. Eu seria uma amaldiçoada se eu o oferecesse meu amor agora!” Eu
não estava particularmente chocado. Muitos de nós tiveram problemas com parentes agora
falecidos, mas eu queria que ela compreendesse o imperativo de seguir as leituras [dos
oráculos].
“Primeiro”, respondi, “não tem sentido em lutar com os mortos. Em segundo lugar, não importa
o tipo de FDP que seu pai fosse quando estava vivo, há dois fatos que você precisa entender:
primeiro, você não estaria aqui sem ele e, segundo, o que quer que ele seja “ele” não é mais!
Essa viagem acabou, essas experiências simplesmente são uma pequena adição às
experiências de vidas anteriores. Agora, em vez de transportar toda essa energia negativa, que
impede o seu crescimento e progresso, em vez de continuar a negar o amor que você nunca foi
autorizada a expressar, você pode compensar e seguir em frente com sua vida. E a maneira de
fazer isso é, finalmente, dizer-lhe o quanto você teve amor para ele e o quanto você precisou
de amor. Eu sei que será difícil, provavelmente catártico, mas o Ifa está dizendo que, a menos
que você disperse a energia negativa, você permanecerá bloqueada e incompleta. A única
maneira de superar essa dor é expressar o amor que a causou. Se você não se tivesse se
importado, não tivesse amado seu pai, não tivesse precisado ser amada de volta, você não
sentiria toda essa raiva e dor. Quando ele morreu, você provavelmente pensou que estava
“acabado”. Não está! Você provavelmente sentiu que era tarde demais para que qualquer coisa
fosse feita. Não é! É hora de fazê-lo e continuar com sua vida. É hora de ser amada por ele de
volta.”
Três dias depois, num domingo de manhã, ela ligou para me dizer que estava “optando por
sair”. Eu expliquei que você não poderia “optar por sair” da vida, você só poderia escolher vivê-
la totalmente ou não. Mas a escolha era dela. Independentemente da decisão dela, ela teve
nosso amor e compaixão. Sua experiência, embora extrema, não é atípica da dificuldade que
muitos de nós têm em enfrentar nossos ancestrais.
Meu bom amigo e professor Afolabi Epega, como a mulher acima, também tem seu Ph.D. O
dele está em química. Afolabi também é um babalawo de quinta geração cujo avô foi talvez o
mais famoso babalawo na história escrita. Na primeira vez que discutimos o culto aos
ancestrais, Afolabi simplesmente me contou a seguinte história:
Eu estava no meio da preparação de um artigo sobre algumas das histórias que compõem o
odu sagrado, quando de repente eu não conseguia lembrar uma história em particular. O
documento seria apresentado em apenas três dias. Em seu país, você pode pegar o telefone e
chamar alguém para encontrar a informação, mas na verdade, esses fatos eram conhecidos
apenas por meu pai, que morava em Lagos e meu avô falecido. Naquela época, a Nigéria
ainda não tinha telefones em muitas casas individuais, então entrar em contato com meu pai
antes da apresentação do meu artigo seria impossível. A menos que eu reestruturasse minha
palestra inteira, eu teria que encontrar a história que faltava. Então, eu “chamei” meu avô no
nosso caminho. Usei nosso ritual de culto aos ancestrais para transmitir a ele a notícia que eu
precisava de sua ajuda. Na noite seguinte, despertei de um sono para ver meu avô sentado na
beira da minha cama. “Qual é o problema, Falo?” ele perguntou. Eu expliquei minha situação, e
ele me mandou pegar um lápis e papel que eu fiquei perto da minha mesa de cabeceira. Ele
passou a me dar a informação que eu tinha esquecido. Quando ele terminou, eu expressei
meu amor e gratidão a ele, e ele expressou a dele a mim. Caí de volta no sono profundo. Na
manhã seguinte, acordei com vagas lembranças da noite anterior, mas pareciam mais oníricas
do que reais até eu olhar para a minha mesa de cabeceira e ver a escrita lá. Então me lembrei
da visita do meu avô. Pude completar rapidamente o meu trabalho e dar uma apresentação
completa à classe.
Para quase 96 por cento da população mundial, ofertas rituais e orações a parentes de sangue
falecidos são parte integrante da vida cotidiana. Pessoas de culturas orientais, como chineses,
coreanos, indianos, japoneses e tibetanos, juntamente com grandes segmentos das
populações da América do Sul, México, Cuba, Bali, Indonésia, Polinésia, Mongólia, Bálticos
orientais, Islândia e Nova Guiné oferecer respeito e buscam orientação de seus antepassados.
No entanto, como a maioria de nós no mundo ocidental foi criado nas tradições judaica e cristã,
que proscreve o culto dos antepassados, os recém-chegados do Ocidente ao Ifa tendem a ser
céticos. O culto dos antepassados se encaixa perfeitamente na visão integrada do devoto do
Ifa no mundo físico e espiritual.
Você imagina que todos estariam emocionados por ter “prova”, ou uma maneira de autenticar o
conhecimento, de uma vida após a morte. Se você perguntasse a 100 americanos “médios” se
eles acreditam na vida após a morte, um ou dois poderiam dizer que sim. Cinco ou dez dirão
absolutamente não. Mas cerca de noventa por cento irá dizer-lhe: “Bem, eu gostaria, mas eu
realmente não sei”. No entanto, quando o Ifa lhes oferece uma maneira de “saber”, eles ainda
resistem.
Deixe-me explicar o que quero dizer com o conhecimento. O conhecimento é o que você
realmente conhece no seu coração ou no seu interior. Não é sempre lógico, mas é totalmente
real e verdadeiro. Uma mãe, por exemplo, “sabe” que ama seu filho. Se alguém ou algo
começa a machucar aquela criança, ela irá instantaneamente, automaticamente, e sem
“pensar” fazer qualquer coisa em seu poder para protegê-la. Mesmo que a criança se
machuque, ou cresça e a ignore, esse amor não irá titubear. O conhecimento vem do
sentimento e da experiência. Não é quantificável. Você sabe quando ama outra pessoa; Você
sabe quando você é movido por um livro, música ou um pôr-do-sol; Você sabe quando você se
sente tranquilo — não porque alguém tenha listado todas as boas características da pessoa
que ama ou explicou a estrutura da oração no livro, a precisão matemática da música ou as
ondas de luz do pôr-do-sol, mas porque você a experimenta, você sente isso. A lógica não tem
nada a ver com isso. De fato, a verdade de saber algo é muito mais poderosa, precisa e
confiável do que os processos lineares de “aprendizagem” ou “compreensão”.
Por que temos tanto medo desse conhecimento? A resposta, acredito, é que, quando
experimentamos esse acesso a outros mundos, somos forçados a questionar os próprios
fundamentos e premissas nas quais construímos nossas vidas — questões que convidam a
mudança. E os seres humanos são naturalmente resistentes à mudança.
Tente imaginar os tipos de decisões que você faria se soubesse que você teria vidas futuras.
Pense no número de escolhas de curto prazo que você faz agora. Afinal, se você acredita que
esta é a sua única vez, então faz sentido prepará-lo com gratificação e sensação. Crescimento
e desenvolvimento pareceriam menos importantes que a aquisição e a indulgência. A dívida
nacional, a destruição ambiental, a poluição, a eliminação de espécies vegetais e animais,
carros rápidos e fast food – todos são produtos da fixação da nossa cultura no momento. Mas
se você soubesse que esta não era sua única vez, você seria muito menos propenso a reduzir
a floresta tropical, usar recursos não renováveis ou envenenar os rios e os oceanos com
resíduos letais. As leis não impedirão que você jogue um saco de lixo da janela do seu carro,
mas entender que você precisa de uma Terra saudável para sua própria sobrevivência a longo
prazo não só pode impedir você de jogar a bolsa, mas provavelmente o impedirá de abusar do
seu corpo com fast food em primeiro lugar. [Observação do tradutor: dentro da Ásatrú não
existe a crença em reencarnação; todavia, também temos essa visão de uma existência que
perdura mais de uma vida, através da continuidade que temos em nossos descendentes e pelo
respeito que temos que ter pelo legado de nossos ancestrais. O sentimento é exatamente o
mesmo aqui.]
Através da adoração dos ancestrais, o Ifa permite que você experimente a vida como um
continuum. E uma vez que você tenha isso, nunca mais será o mesmo. O mesmo tipo de
mudanças de atitude e as mudanças de vida que afetaram quase todos os indivíduos que
passaram pelo que chamamos de experiência de quase morte, que experimentou a outra
dimensão e depois foram trazidas de volta, testemunha o efeito desse conhecimento.
Não é preciso morrer e ser trazido de volta para experimentá-lo; O culto aos ancestrais é a
nossa conexão com o passado e o nosso roteiro para um futuro melhor.
O ritual real do culto aos ancestrais é extremamente simples. Para o ritual básico, tudo o que
você precisa é um copo transparente, água natural, uma vela branca e a disciplina para
reservar treze minutos por dia durante sete dias consecutivos. Durante sete dias consecutivos,
ao mesmo tempo, diariamente, você acenderá a vela e oferecerá orações aos antepassados de
sangue. Você vai chamar cada nome três vezes, e, depois de oferecer seu amor e seus
agradecimentos, depois de oferecer a água para esfriar e refrescar e a vela para luz e energia,
você pode trazer seus problemas para eles. Isso não significa pedir-lhes um novo par de
sapatos ou para que seu amante ligue aquela noite. Nós só pedimos aos nossos antepassados
que intervenham em situações sérias da vida. A perda de um emprego, a doença, a ruptura de
um relacionamento – estes são os tipos de questões para as quais é apropriado pedir sua
ajuda. Se não existirem problemas sérios, basta pedir-lhes orientação em sua vida, saúde para
você e para aqueles que você ama, e prosperidade para sua casa. Por exemplo, minhas
orações são algo assim:
Ajuba (bênçãos) para todos os meus ancestrais que se foram. Bênçãos particulares e
agradecimento ao meu pai, Mortimer Neimark, meu pai, Mortimer Neimark, meu pai, Mortimer
Neimark. Também a minha mãe, Hortense Neimark, Hortense Neimark, Hortense Neimark;
para o meu filho Adam Neimark, Adam Neimark, Adam Neimark e para todos os meus filhos
que não chegaram a viver; para meus avós John e Lillian Peters, John e Lillian Peters, John e
Lillian Peters; Charles e Etta Neimark, Charles e Etta Neimark, Charles e Etta Neimark; para
meus tios-avôs Stanley Neimark, Stanley Neimark, Stanley Neimark, Arthur Peters, Arthur
Peters, Arthur Peters, Norman Peters, Norman Peters, Norman Peters; para as minhas tias-
avós Genevieve Neimark, Genevieve Neimark, Genivieve Neimark e Lucy Ribback Peters,
Lucy Ribback Peters, Lucy Ribback Peters; para minha bisavó Nancy Peters, Nancy Peters,
Nancy Peters, bem como todos aqueles cujos nomes eu não conheço, mas cujo sangue
atravessa minhas veias. Por favor, aceitem a frieza desta água para que estejam frios e
confortável. Aceite a luz e a energia para que vocês possam ter brilho e força. Amo vocês e
sinto sua presença aqui na Terra, mas junto força e sabedoria de sua energia e orientação
contínuas. Que essa orientação continue a abrir meus caminhos e estradas e os caminhos e
estradas daqueles que amo. Que sua força e energia deem saúde para mim e para aqueles
que eu amo. Que sua sabedoria traga amor e prosperidade para minha casa.
Este é simplesmente um esboço, e acho que você achará que, se muita coisa está
acontecendo em sua vida, suas orações serão mais complexas. Além disso, a configuração
pode ser muito mais elaborada. A maioria dos sacerdotes que conheço colocam uma mesa em
um canto de uma sala e colocam o maior número possível de fotografias de seus
antepassados. Uma rápida advertência: as imagens devem conter apenas parentes falecidos; é
aceitável que você apareça nas fotos, mas nenhum outro ser vivo, afim de que não se junte ao
falecido. Você também pode colocar alguns dos itens favoritos de seus antepassados na mesa.
Por exemplo, meu santuário tem cigarros do Parliament para minha mãe e meu pai, cartões
para todos aqueles que jogaram “ponte” e outros jogos, café para todos eles, juntamente com
um charuto ocasional, frutas, doces, mel ou qualquer outra coisa que eu sinta que possam
apreciar.
Esteja ciente de que quando você tomar um problema específico para seus antepassados, a
solução pode vir de várias formas. É possível que um dos seus antepassados apareça nos
seus sonhos e ofereça uma sugestão ou solução. Talvez você de repente tenha um flash ou
uma visão do problema, ou talvez o problema simplesmente deixe de existir sem motivo
aparente. Então, quando você está pedindo ajuda aos seus antepassados, é importante estar
aberto e consciente e manter um lápis e papel na sua cama para que, quando você despertar
de um sonho, você possa anotá-lo antes que ele se desvaneça na manhã.
Você pode, mas não é necessário. Você pode apagar a vela após os treze minutos e reativá-lo
no dia seguinte.
Não. Você pode fazê-lo a qualquer hora do dia ou da noite. Mas, se você começar às 6:00 da
manhã. Você deve fazê-lo exatamente às 6:00 da manhã. Cada um dos sete dias. Se você
“falhar”, você começa de novo.
Dentro do nosso sistema de crenças, há ocasiões para realizar adoração por três dias,
quatorze dias, dezessete dias e vinte e um dias. Estes são para razões específicas e altamente
esotéricas. Noventa e nove por cento do tempo, sete dias é o número correto.
Não. Você nem precisa ter um santuário formal. Tudo o que você precisa é a água, a vela e
suas orações.
Se você sair durante os sete dias, simplesmente continue a sequência onde você estiver
hospedado. Certifique-se de ajustar o tempo até quando você estava fazendo isso em casa.
Por exemplo, se você estivesse rezando todas as noites às 23:14 noite em Chicago, você
oraria às 00:14 em Nova York ou 21:14 em Los Angeles. Lembre-se, você pode fazê-lo em
qualquer lugar — na casa do seu amigo, no Howard Johnson’s, ou na sua casa de verão.
Sim. Você pode trabalhar com seu santuário da maneira que quiser. Você pode reabastecer as
frutas e bebidas e presentes diariamente ou semanalmente, assim como a maioria das pessoas
ao redor do mundo. A veneração formal, no entanto, ocorre em sete dias consecutivos dentro
de cada mês. A única exceção seria se você tivesse uma leitura de um babalawo indicando que
alguma outra abordagem era necessária para resolver um problema específico.
Eu tinha um amigo que estava tão perto ou mais perto de mim do que meus parentes.
Chamava-a de “tia”. Ela pode ser incluída no meu culto?
Embora muitos pagãos não sigam os oito feriados padrão da Roda do Ano a que muitos
Pagãos aderem, o aprofundamento do outono e a chegada do inverno naturalmente se prestam
à honra especial dos ancestrais. Mas para aqueles para quem a ideia de veneração dos
antepassados é nova, saber o que fazer pode ser complicado! Aqui estão cinco dicas para você
começar no seu caminho.
1) Faça um espaço sagrado separado. Esta é uma dica fácil, que muitos não Heathens e não
Pagãos praticam também. Se você está disposto a cavar através da história da família ou
entrar em contato com alguns de seus parentes mais velhos – e realmente, se você está
procurando a começar a veneração dos antepassados, você deve estar fazendo essas coisas –
você provavelmente vai encontrar fotos ou mesmo preciosas coisinhas que pertenciam ou
foram feitas por aqueles que partiram antes de você.
Se você não consegue encontrar imagens ou coisas pertencentes aos seus queridos falecidos,
pequenas coisas que lembrem-no deles também podem ser um grande ponto de foco. Reuna
essas coisas em uma área de sua casa ou espaço de vida, onde você está certo de observá-
los pelo menos uma vez por dia. Esta observação – e talvez uma breve parada no santuário
para lembrar e valorizar as memórias de seus antepassados – é o fundamento da veneração
dos ancestrais.
2) Conte histórias. Meus rituais de antepassados favoritos não são os assuntos sombrios e
negros com silêncio solene e pano preto cobrindo o quarto, embora estes possam ser muito
impactantes. Meu ritual pessoal favorito, onde eu encontro a minha melhor conexão, é no tipo
de rituais onde histórias são contadas e memórias são compartilhadas.
No entanto, essa narrativa não deve ser reservada apenas para o ritual. Sempre que estou com
meus filhos e me lembro de algo sobre meu avô que se foi, eu faço um ponto de pausa e
compartilhar essa memória com eles. Eles eram jovens quando ele se foi, e para o meu filho
mais novo é improvável que se lembre dele vivo acima de tudo – mas através das histórias que
eu digo, eles o conhecem bem, e sua memória é honrada.
3) Visite as sepulturas deles. Este é um tipo de uma sugestão assustadora para algumas
pessoas! Em nossa sociedade, tendemos a associar cemitérios com o escuro e assustador
(que certamente os mortos podem ser), mas esquecemos a proximidade e familiaridade que
uma vez desfrutamos com a morte.
O túmulo é um lugar poderoso. Eu acredito que os ossos dos mortos mantêm seus espíritos
próximos; Não que nunca possam vagar, ou que não tenham consciência de seus
descendentes ou daqueles que os invocam, mas o túmulo é a sede do seu poder. Quando eu
os encontro lá, levo ofertas para seu lugar sagrado, há uma proximidade e um benefício
espiritual que não pode ser subestimado.
Quando eu explico oferendas a pagãos que não seguem um modelo mais devocional, muitas
vezes começo com ancestrais; apenas faz sentido dar presentes a seus parentes. O conceito
de reciprocidade é muitas vezes uma grande característica de famílias saudáveis e funcionais –
todos ajudam uns aos outros quando é necessário, e os dons são dados e compartilhados e
apreciados. Seus falecidos amados ainda são uma parte de sua família, e eles ainda gostam
de obter presentes como fizeram na vida!
5) Pense fora da caixa do “sangue e osso”. Ao falar sobre a veneração dos antepassados, é
muito fácil se envolver no paradigma do ancestral do sangue; me culpo muitas vezes por isso.
Isso pode ser tão alienante para aqueles que têm razões inteiramente boas para não querer
honrar seus parentes diretos de sangue. Todos nós sabemos que as famílias não são sempre
funcionais e saudáveis, e se uma pessoa optar por não honrar um parente que abusou ou a
prejudicou, eu apoio essa decisão.
Mas parentes de sangue não são o fim último, totalidade da ancestralidade. Todos nós temos
ancestrais culturais, as pessoas que construíram nossa sociedade e contribuíram fortemente
para nossas vidas; tanto em uma escala cultural maior e até as pequenas divisões de
subcultura.
Por exemplo, eu incluí em alguns dos meus antepassados devocionais um homem que eu
nunca conheci pessoalmente, mas foi um pioneiro em sua indústria, e cujo blog eu segui por
anos. Sua escrita, pensamentos e interesses tiveram um tremendo impacto na pessoa que eu
me tornei ao crescer, e eu o honro por essa contribuição.
Muitas pessoas também têm amigos que estavam muito perto enquanto viviam, praticamente
como família, a quem honram como ancestrais uma vez que se foram. Isso não é muito
diferente de honrar antepassados adotivos – se você esteve perto de uma pessoa, construiu
uma conexão com eles, não há nenhuma razão pela qual você não pode honrá-los entre os
seus falecidos queridos.
PORTUGUÊS
Três Abordagens para o Culto Ancestral no Heathenry Moderno
Kari Tauring e eu estávamos um escrevendo ao outro hoje sobre o culto dos ancestrais e a
identidade cultural, e isso trouxe à mente três diferentes abordagens que existem dentro do
Heathenry moderno para honrar nossos ancestrais. A maioria dos heathens realmente usam
todas as três abordagens, mas a maioria se concentra em um (ou talvez dois) deles como sua
principal abordagem para honrar seus ancestrais. Eu acho que seja útil examinar todas as três
abordagens e discutir os benefícios de cada uma. Eu progredirei na ordem do menos pessoal
para o de natureza mais pessoal.
A ABORDAGEM IDEALIZADA DOS ANCESTRAIS
No Heathenry moderno, alguns pagãos honram o que equivale a uma imagem idealizada do
ancestral desconhecido ou herói cultural. Esta abordagem tende a ser pan-germânica, com
pagãos modernos tendo um interesse em uma ampla variedade de heróis da Europa nórdica e
imagens idealistas, sem levar em conta se o heathen individual tem uma conexão pessoal com
a nacionalidade ou cultura em que o ideal ou herói originou-se. Ele pode se concentrar em
heróis muito específicos que conhecemos pelo nome por histórias e lendas, ou ele pode se
concentrar em mais de um personagem arquétipo ideal geral. Por exemplo, há um grande
respeito e atenção dadas ao guerreiro germânico corajoso lutando contra o Império Romano. A
forte mulher Indo-Europeia superando todas as dificuldades e lutas de seu tempo para levantar
uma família em condições e clima difíceis. O viking ou o comerciante nórdico, explorando o
mundo, tendo aventuras, e lutando por novas riquezas e novas terras. O colono islandês,
gravando uma vida fora, numa terra dura e desafiadora e inspiradora de Sagas escritos que
têm resistido à prova do tempo.
É esta abordagem, com a sua ligação com os ideais culturais e heróis, que leva muitos
heathens a falar de “nossos antepassados” ao invés de “meus antepassados” quando se fala
sobre o culto dos ancestrais. Eu mesmo já fiz isso no primeiro parágrafo deste ensaio. Eu
posso não compartilhar quaisquer ancestrais específicos com o leitor, mas temos um respeito
mútuo geral por “nossos ancestrais.” Isso na maioria das vezes refere-se a todos aqueles que
vieram antes de nós, com um foco específico em todos aqueles que honraram os nossos
deuses e foram fiéis ao caminho de nosso povo antes das conversões de cristãos em todo o
norte da Europa.
Em muitos lares Heathens você vai encontrar livros, estátuas, pinturas, cartazes, espadas,
machados e símbolos de uma vasta seleção da história e da cultura da Europa nórdica. Esses
objetos mostram o nosso apreço e conexão com esta abordagem ancestral idealizada.
Podemos ler para nossos filhos sobre os vikings e ter uma imagem de um navio viking
pendurado na parede. Podemos desfrutar de um canal de história no “Herman the German” e
garantir que a cerveja que compramos para a próxima celebração de nosso kindred é
totalmente alemã. Podemos ter uma réplica de uma espada dinamarquesa pairando sobre
nossa lareira, uma reprodução do Disco de Nebra pendurado no quarto de nosso filho, um
machado tipo Francisca no corredor, e um martelo ao estilo islandês pendurado em torno do
nosso pescoço, ao mesmo tempo que serve-se comida tradicional sueca em um jantar de
família. Enquanto nós podemos não ter uma linhagem de conexão direta com todas essas
áreas individuais e culturas, sentimos uma forte ligação com a cultura mais ampla representada
por todos os pré-cristãos do norte da Europa.
Entre os benefícios dessa abordagem, está o fato de que a maioria de nós temos ancestrais de
várias áreas do norte da Europa, com realmente nenhuma maneira de saber os nomes,
personalidades, ou histórias de ancestrais específicos de uns 1000 anos atrás. Para quase
todos nós, os registros simplesmente não vão longe o suficiente ou com informações
suficientes para permitir-nos identificar antepassados específicos nem todas as áreas a partir
da qual nossos ancestrais viveram ou se originaram. O interesse que temos em várias culturas,
heróis e personagens arquetípicos do norte europeu dá-nos uma conexão com o passado onde
não existe conexão especificamente conhecida. Outro benefício é o reconhecimento da riqueza
e do triunfo de nossa história como uma cultura mais ampla e um Povo. Claro, uma das
deficiências desta abordagem, é a ausência de uma conexão pessoal, uma conexão de
sangue, e uma conexão de memória com os heróis idealizados ou arquétipos que estamos
honrando.
À primeira vista, isso pode parecer semelhante à abordagem idealizada dos ancestrais, mas há
uma diferença muito clara. Com esta abordagem, o foco é estreitada para as tradições
culturais, comidas, canções, danças, lendas e valores da cultura específica do norte europeu
de seus antepassados reais. Com esta abordagem, você está honrando a cultura específica e
as tradições de seus antepassados imigrantes (para aqueles de nós nos EUA). Por exemplo, o
indivíduo heathen, sabendo que ele ou ela é descendente principalmente de ascendência
sueca, total ou parcialmente, mergulha-se em aprender sobre a história sueca, tradições
suecas, artesanato, alimentos, etc. Outro indivíduo Heathen, descendentes principalmente de
antepassados alemães, foca em todos os aspectos culturais da cultura e história tradicional
alemã.
Esta abordagem pode ter um significado muito mais profundo para o heathen perseguir, porque
há uma conexão mais específica entre seu/sua própria bagagem cultural e história ancestral.
Mas, esta abordagem ainda não é tão pessoal como nossa próxima abordagem.
Enquanto as duas abordagens acima envolvem uma conexão com qualquer uma cultura pan-
germânica em geral ou uma própria cultura ancestral de um heathen específico, esta
abordagem incide sobre antepassados pessoais específicos. Estes são antepassados que
conhecemos pelo nome e com os quais podemos ter realmente nos encontrado. Podemos
conhecer histórias sobre eles, e podemos saber algo sobre sua personalidade, suas
realizações na vida, seus valores pessoais, peculiaridades, crenças e outros detalhes que
contam um pouco ou muito sobre o tipo de pessoa que eles eram. A existência deles entre os
nossos antepassados ou o nosso contato pessoal com eles pode influenciar, inspirar, ou ajudar
a moldar quem somos como uma pessoa individualmente.
Estamos conectados com esses ancestrais pessoais pela família, pelo sangue, pela história e
pelo nosso Orlog, uma parte da nossa alma que é passado de pai para filho através de uma
linha. Essa conexão ou relação com os nossos antepassados pessoais podem ser reforçados e
honrados de várias maneiras. Uma é de conhecê-los da melhor forma possível, através de
recolher e buscar histórias e informações sobre eles de parentes vivos e de outras fontes. Você
pode investigar sua árvore familiar a partir de uma abordagem genealógica, ou mesmo o teste
de DNA. Nunca foi mais fácil para juntar todas essas informações em um só lugar, e
autopublicá-las ou arquivá-las de alguma outra forma, de modo que a informação pode ser
transmitida através de você família para seus descendentes. Preservar e honrar a memória de
seus antepassados pessoais é outro método de construir e fortalecer essa relação. Ensine
seus filhos sobre seus antepassados específicos, crie arte ou poesia que lhes mantenha na
memórias, separe um prato para os antepassados num jantar de família e reserve um tempo
para acolher e compartilhar sua apreciação com os seus antepassados pessoais. Falar deles
num Symbel e crie um altar de antepassados em sua casa. Você pode, então, presentear seus
antepassados neste altar, e mostrar-lhes através de sua memória deles que você realmente os
valoriza. Outra maneira de honrar ancestrais pessoais que é frequentemente negligenciada, é
viver a sua vida de uma forma que iria fazê-los orgulhosos.
Para mim, há vários antepassados pessoais que eu honro com mais frequência do que outros.
Meu relacionamento com eles é mais forte. O primeiro é meu pai, Glen Stinson. Ele era um
veterano da Segunda Guerra Mundial, um pai incrível, e um homem muito forte e ambicioso
que ganhou grande sabedoria durante a sua vida. Também há o meu bisavô Ludwig
Schweiger, um alemão por sangue, mas por nacionalidade húngaro, que veio para os Estados
Unidos no início de 1900 para fazer uma vida melhor para sua futura família. Há também a
minha avó, Elizabeth Shoop (filha de Ludwig), que era alegre, amorosa, imaginativa, e
influenciou-me quando eu era criança.
Como eu disse no início deste ensaio, a maioria dos heathens realmente participam em graus
variados em todas as três abordagens. Dependendo da personalidade de um indivíduo
Heathen e do conhecimento da história da família, bem como suas/seus interesses pessoais,
as circunstâncias, e experiência na vida, cada Heathen tenderá a se concentrar mais em uma
ou duas dessas abordagens mais do que os outros. É uma questão tão pessoal, que é
impossível identificar uma perfeita relação entre essas três abordagens que funciona melhor
para todos.
Uma grande parte da prática pagã envolve honrar os nossos antepassados. Enquanto vivos,
nossos antepassados foram pessoas com aspirações, com esperanças e sonhos, famílias e
amigos que amaram, tiveram sucessos e dificuldades, e se não fosse por seu trabalho duro,
dedicação e sacrifícios, não estaríamos aqui. Uma parte da nossa alma pagã, nosso Orlog, é
passado para nós por nossos antepassados. Nós trabalhamos duro durante toda a nossa vida
para passar Orlog bom para os nossos próprios filhos, assim como aos nossos descendentes.
Nós dividimos sangue e cultura com nossos ancestrais, e é através de nossos antepassados
que encontramos a nossa ligação com nossos Deuses.
Na morte, nós, como pagãos temos idéias diferentes sobre onde eles possam estar. Talvez
uma parte de sua alma pagã esteja no Salão dos Nossos Antepassados em Hel ou talvez
descansando no túmulo. Existem outros conceitos de vida após a morte entre os pagãos
modernos, mas estes são provavelmente os mais comuns. Independentemente de onde
estejam, há uma crença de que nossos antepassados estão conscientes de nós e cuidam de
nós por toda a nossa vida. De que esses nossos Alfar e Dísir são capazes de conferir
conselhos e um pouco de sorte necessária para um descendente de merecimento. Que nossos
ancestrais se interessam por nós e podem olhar por nós durante um momento difícil. Não
obstante, devemos a nossos antepassados nossas vidas, e eles merecem ser homenageados
e lembrados.
Mas os nossos antepassados têm um interesse direto e investido em nós, e como vivemos
nossas vidas. Eles compartilham o frith de parentesco com a gente, e honrá-los devidamente e
deixá-los orgulhosos é de grande importância. Assim, quando novos pagãos abordam você ou
seu kindred em busca de orientação, partilhe com eles a importância de seus ancestrais.
Ensine-os a honrar e valorizar seus antepassados, pelo menos tanto quanto honramos e
valorizamos nossos Deuses.
Às vezes novos pagãos nos perguntam: “Mas o que acontece com todos os meus
antepassados cristãos, como eu deveria honrá-los?” Francamente, não creio que haja qualquer
diferença na forma como honramos nossos ancestrais pagãos de nossos ancestrais cristãos.
Nós os honramos por conhecê-los, lembrando-nos deles, presenteando-os, levando uma vida
que vale a pena, e criando crianças fortes e responsáveis. Todos os antepassados,
independentemente da religião que professavam na vida, apreciariam tudo o que fazemos por
nossos antepassados.
– CONHEÇA-OS
Enquanto seus pais, avós e bisavós ainda estão vivos peça-lhes para contar histórias de suas
vidas. Talvez dê algum trabalho convencer alguns parentes mais calados ou tímidos. Mas
alguns parentes vivos irão te contar todo tipo de histórias de suas vidas. Pergunte-lhes como se
sentiam a respeito ou reagiram a importantes momentos históricos que tiveram lugar durante
as suas vidas. Pergunte-lhes sobre os trabalhos que realizaram, as casas em que viviam, as
escolas que freqüentaram, as aventuras e desventuras que viveram. Uma vez que esses
parentes partirem, suas histórias irão com eles se você não perguntar e ouvir. Faça anotações
cuidadosas e as mantenha em um só lugar onde você não irá perdê-las. Os detalhes são fáceis
de esquecer ou confundir, portanto, manter notas manterá a informações claras e precisas em
sua memória, e darão alguma coisa para refrescar sua memória. Notas também tornam mais
fácil preservar e transmitir a informação que recolhemos.
Esteja você começando praticamente do zero a pesquisar sua árvore de família ou tenha você
recebido avançadas informações de um parente, há uma variedade de fontes on-line de
informações genealógicas. Um desses sites é o http://www.ancestry.com/. Você pode fazer
algumas muito básicas buscando informações gratuitamente no ancestry.com, mas você vai
muito mais longe e mais depressa, se você for adiante e pagar $20 por mês das taxas de
registro com o seu site. O ancestry.com tem documentos de censo pesquisáveis que remontam
até aos anos 1700. Eles também têm todos os tipos de registros de nascimento, registros de
óbito, registros de serviços, os registros de certidão de casamento, registros de imigração,
listas de passageiros dos navios, e muito mais. Tudo isso é pesquisável, e com um pouco de
prática você pode começar a juntar o seu histórico de família a partir de casa pela internet.
Com a tecnologia de hoje, você também tem a opção de ter seu DNA testado e analisado. Há
uma grande variedade de serviços e avaliações baseados nesta tecnologia, mas se você fizer
sua pesquisa e tiver algum dinheiro para gastar, você pode aprender muito sobre de onde seus
antepassados vieram, a quem são atualmente relacionados no mundo, e muitas outras áreas
de informação úteis sobre seus antepassados.
Se você já conseguiu fazer alguns ou todos esses trabalhos para saber mais sobre seus
antepassados, então, definitivamente vale a pena juntar todas as informações em um lugar, e
colocá-la em um formato que pode ser compartilhada com outros parentes e seus
descendentes. Isso pode ser tão simples como tirar fotocópias e grampear o pacote de
informações para compartilhar e passar adiante. Algumas famílias reúnem essas informações
em formato de livro, e imprimem uma efetiva série de livros para compartilhar e passar adiante.
A opção de criação de livros é extremamente fácil usando os atuais serviços de impressão sob
demanda disponíveis on-line. A http://www.createspace.com/ e http://www.lulu.com/ são
ambas excelentes opções nesta área. E com a tecnologia de hoje, ainda é possível usar um
software de árvore de família para inserir todas as suas informações em uma interface de
computador projetados profissionalmente que torna as informações pesquisáveis, facilmente
navegável, e quando copiados para um disco…extremamente fácil de compartilhar e passar
adiante.
Já me perguntaram antes, “E se eu fui adotado e não sei quem são meus antepassados?” Ou,
“eu nunca conheci meu pai, então eu não conheço nenhum dos meus antepassados daquele
lado da família?” Nós não podemos ajudá-lo se as circunstâncias tornam impossível para nós
saber ou aprender mais sobre nossos antepassados em toda ou em parte de nossa família.
Mas, independentemente de você conhecer os seus antepassados ou não, 100% de nós tem
antepassados. Mesmo se não os conhece você pode ter certeza que seus antepassados te
conhecem. Embora você não saiba nada sobre seus ancestrais, eles ainda são dignos de ser
honrados e presenteados.
O ato de conhecer os antepassados e todo o tempo e sacrifício que se pode fazer nesse
processo é um grande presente para seus ancestrais. E o conhecimento que você ganha com
isso torna a sua ligação com eles e sua capacidade de honrá-los muito mais forte.
– LEMBRE-SE DELES
Converse com seus filhos sobre seus antepassados. Conte-lhes as histórias interessantes,
engraçadas, e comoventes que você conhece. Mostre-lhes fotografias e filmes caseiros, se os
tiver. Compartilhe o que você sabe sobre quem foram, com o que se importavam, e do que eles
gostavam. Explique aos seus filhos porque os seus antepassados são importantes e porque é
bom honrá-los. Em essência, tornar estas pessoas “reais” para os seus filhos e dar-lhes as
ferramentas que necessitam para manter contato com eles e sentir como se tivessem um
relacionamento com quem eles eram (são).
Use a criatividade que tiver, e crie arte que eternize seus antepassados. Se você sabe esculpir
em pedra, esculpa uma pedra rúnica em honra de um ancestral específico. Se escreve
canções, poesia ou prosa, escreva algo que eternize um ancestral específico, e manifeste
quem eles realmente eram e porque são importantes para você. Se eles tiveram um ofício
específico em que eram bons ou apreciavam, então pode ser benéfico aprender e praticar o
ofício você mesmo. Se eles tiveram um alimento favorito ou prato que gostavam de preparar ou
uma receita de família, prepare o alimento ou prato tendo esse ancestral em mente. Se você
servir o alimento ou prato em um jantar de família ou encontro mais amplo, conte aos presentes
sobre o prato e o ancestral que inspirou você a prepará-lo.
Durante as refeições em ocasiões especiais prepare um prato e reserve um assento vazio para
os ancestrais à mesa. No início da refeição, convide os antepassados ou um ancestral
específico para jantar com você. Durante a refeição, conte histórias de antepassados e
compartilhe o porquê eles foram muito importantes para você.
As fotos são uma forma incrível para lembrar-se das pessoas, e manter uma grande parede de
sua casa dedicada a fotos de seus antepassados fará com que se lembre deles diariamente.
Se você tiver certos bens ou artefatos que pertenceram aos ancestrais, cuide desses objetos e
os mantenha seguros. Encontre maneiras de preservar e exibir esses itens em sua casa, para
mostrar sua importância para você e também para servir como um lembrete de sua relação
com esse ancestral.
Ao tomar medidas para lembrar e comemorar seus ancestrais, é o ato de fazer algo que lhes
mostra o seu respeito e admiração. Uma coisa é dizer: “Eu honro os meus antepassados”, mas
há algo muito mais significativo para ativamente fazer algo que os honre.
– ALTARES E PRESENTES
Depois de ter um local escolhido e preparado, as coisas ocorrem na área que lembrá-lo de
seus antepassados e representam quem eles eram. Isso pode incluir fotografias, objetos que
pertenceram a eles e objetos que eles gostariam com base em seus interesses em vida.
Estabelecer esse espaço sagrado é um ato que você realizou, que de uma forma concreta
mostra a seus ancestrais como eles são importantes para você e que não estão esquecidos.
Este espaço sagrado em sua casa também serve como um lembrete constante para você e sua
família, de modo que todos os dias ao passarem pelo altar, pensamentos e memórias de seus
ancestrais serão trazidos à mente.
Este altar serve também como um lugar para presentear seus antepassados, e esses
presentes podem assumir muitas formas. Colocar uma bacia de oferendas sobre o altar com
um pouco de sua bebida favorita, comida, doces ou outros objetos ativamente demonstra-lhes
a honra que você está dedicando. É um presente que você está dando-lhes em troca dos
muitos presentes que eles lhe deram. Presentear é uma maneira poderosa de construir
vínculos e amizades entre os vivos, e presentear tem o efeito similar de manter nossa conexão
e as relações com os nossos mortos homenageados.
Maneiras de honrar seus antepassados
Não se fala muito sobre este método particular de honrar os antepassados. Ou pelo menos,
não se fala o suficiente. Um dos maiores presentes que você pode dar a seus antepassados é
viver uma vida da qual eles se orgulhem. Que melhor maneira de honrar os seus antepassados
que levar o tipo de vida responsável, memorável e profícua que iria fazê-los orgulhosos de
quem você é e do que você realizou com o seu tempo na Terra? Ao fazer uma escolha na vida,
vale a pena considerar “o que a avó Hattie pensaria do que eu vou fazer?” Ao decidir sobre a
assistir seis horas de televisão ou realmente realizar alguma coisa, vale a pena considerar se é
isso o que o Grande Tio John quer que você faça com sua vida.
Nós todos desejamos o melhor para nossos filhos e descendentes, e faríamos quase qualquer
coisa para lhes dar o empurrão de que necessitam para levar uma vida responsável e
produtiva. E quando nossos filhos e netos crescem e se tornam adultos fortes e realizados, nós
sentimos muito orgulho deles. Não deve ser diferente para os mortos. Ao viver uma vida da
qual eles possam se orgulhar, nós mostramos que não estamos desperdiçando ou dando
pouca importância ao dom da vida e Orlog que eles passaram para nós. Muitos de nossos
antepassados lutaram e se sacrificaram muito para dar aos seus descendentes uma vida
melhor do que eles tinham, e quando reconhecemos isso e levamos nossas vidas com isso em
mente, vamos mostrar-lhes de uma forma concreta que nós reconhecemos e somos gratos
pelo que eles fizeram por nós.
Outra forma de honrar os nossos antepassados e de que não se fala o suficiente, envolve as
crianças que trazemos a este mundo. Que melhor presente para os nossos antepassados do
que criar, com a melhor de nossa capacidade crianças saudáveis e bem ajustadas? Vemos nos
rostos dos nossos pais vivos, avós e bisavós o orgulho que sentem pelas crianças que são
descendentes deles. E não deve ser diferente para os mortos. Que orgulho eles devem sentir
de ver aqueles que são descendentes deles, a crescer e a prosperar no mundo.
Mesmo uma árvore com raízes profundas, mas sem membros acabará por morrer. Continuar
nossas famílias, e fortalecer e melhorar a vida daqueles que virão depois de nós… traz grande
alegria e honra aos nossos antepassados.
É um processo…
Não é razoável esperar que um pagão novo atinja o fundamento instantaneamente, e consiga
fazer tudo o que foi dito neste ensaio em um dia. Assim como formar e manter relações com os
vivos é um processo e leva tempo, assim é construir e manter nossas relações com nossos
antepassados. Então, se você ler este ensaio e descobrir que você não está fazendo nada que
esteja listado aqui, ou muito pouco disso, escolha uma ou duas coisas e trabalhe para fazê-las
acontecer. Quando essas tiverem um lugar em sua vida e funcionando bem, escolha mais
algumas coisas para acrescentar e trazer para a sua prática pagã. Com o tempo, você vai
estabelecer uma conexão e uma ligação com seus antepassados que irá atendê-lo, sua família
e seu kindred também.
http://www.heathengods.com/
Ceisiwr Serith
Ofertas a deuses, espíritos e ancestrais é uma prática antiga que pode muito bem ser o ato
religioso mais comum do mundo. Muitos dos tesouros que temos de culturas antigas foram
oferendas que foram enterradas ou jogadas na água. O escudo Battersea, as estátuas da fonte
do Sena – que devoção maravilhosa é expressa na doação dessas obras-primas aos deuses. E
quantas oferendas mais humildes de comida e bebida devem ter sido feitas!
Uma oferenda pode às vezes estar na natureza de um negócio, como por exemplo “eu lhe dou
isso, ó Deus; Agora você me dá isso”. Talvez não pareça a mais madura das relações com o
sagrado nos conceitos modernos, mas em tradições antigas isso era muito comum. Na
verdade, é um direito e apenas uma coisa a fazer. Os deuses apreciam a justiça, e
reconhecerão negócios justos.
Uma oferenda pode significar outras coisas, no entanto. Ele pode estar dizendo ao Deus: “Veja;
você é importante para mim, importante o suficiente para eu estar disposto a dar essas coisas
para você.” Pode ser uma expressão de gratidão, um reconhecimento de endividamento. “Eu
sei que tenho o que tenho com a sua ajuda, então esta é a sua parte.” Há muitos altares
criados por romanos que têm inscrições que nos dizem que eles foram estabelecidos em
cumprimento de um voto. E, como todas as trocas, pode ajudar a estabelecer ou solidificar um
relacionamento. “Nós damos coisas uns aos outros; é isso que os amigos fazem. ” Vale lembrar
que isso é válido não apenas quando estamos tratando de deuses, mas com todos os espíritos
menores também.
As ofertas podem ser feitas com muitas coisas e de várias maneiras diferentes. Elas podem ser
bebidas derramadas no chão, comida, incenso, e até mesmo cabelo. O cabelo é comum como
um presente aos antepassados, nós reconhecemos que nossos corpos vêm deles, assim que
nós damos algo desse corpo para eles também. É especialmente adequado para oferendas em
ritos de passagem: renunciamos parte de nós mesmos como um sinal de que o velho está
passando. O corte de cabelo também é tradicional como um sinal de luto (com a morte de um
ente querido, onde perdemos um pedaço de nós mesmos.) Todos os grãos são bons, como é
comida preparada e bebida. Arte, uma música, nosso tempo e trabalho – qualquer coisa de
valor para nós é digno de ser usado como uma oferenda.
Uma tabela de ofertas sugeridas para diferentes tipos de espíritos e divindades são extraídos
de muitas culturas. Uma investigação destas culturas transforma padrões. Certos tipos de
espíritos preferem certos tipos de presentes. A localização também desempenha um papel. Os
espíritos da natureza americana gostam de farinha de milho e tabaco, tanto de plantas que se
originaram neste país.
Se há deidades específicas que você deseja oferecer, mas não sabe que ofertas fazer, há três
cursos abertos para você. Primeiro, você poderia oferecer o que minha filha chama de “o usual”
– grão (de preferência cozido por você, de modo a adicionar o seu próprio dom), e cerveja ou
vinho. Segundo, você pode fazer alguma pesquisa. As referências listam alguns lugares para
começar. O melhor começo é com o dicionário padrão Funk & Wagnall de folclore, mitologia e
lenda. Você vai precisar ler e traçar isso de lá. Em terceiro lugar, você poderia perguntar a
divindade ou espírito em questão. Siga os mesmos passos que para fazer uma oferenda, mas
quando você chegar à parte onde a oferta real seria dada, em vez disso pergunte à divindade o
que ele ou ela gostaria. Ouça com atenção, com a intuição e se você receber uma resposta
agradeça a divindade e vá buscar o item solicitado. Volte e comece a oferecer novamente.
O procedimento geral para fazer oferendas é simples. Primeiro fique parado ou sente-se por
alguns momentos, observe a habitação sobre a sacralidade do local. Todos os pontos são
sagrados. Alguns parecem ser mais do que outros – uma árvore antiga, uma pedra resistida, a
fronteira entre o nosso quintal e o do nosso vizinho, o nosso fogão e como ele cozinha a nossa
comida. Mas a falta de sacralidade que percebemos em outros lugares é em nós mesmos, não
nesses lugares. Somos cegos para sua santidade.
A maneira de superar essa cegueira é abrir os olhos, abrir realmente nossos olhos. O que
vemos geralmente é tão dependente do que esperamos quanto do que está lá. Para ver o
sagrado em cada lugar, devemos parar nossas expectativas e julgamentos e deixar o lugar ser
o que é.
Preste atenção ao local, mas sem fazer qualquer julgamento, até mesmo a extensão de
nomear o que acontece. Por exemplo, suponha que uma vespa voe. Não pense, “Vespa; eu
tenho medo delas. Não pense”, “Vespa; é importante para o controle de pragas”. Nem pense,
“Vespa”. Apenas deixe a vespa voar, sendo o que é. Esta é a maneira de honrar um lugar,
permitindo que tudo nele seja o que é sem interferência.
Depois de ter homenageado o local, você pode começar a chamar o espírito que você está
indo para oferecer. Você pode fazer isso em voz alta, chamando o nome do espírito ou título.
(Muitos espíritos, especialmente espíritos da natureza, não têm nomes, pelo menos nenhum
deles vão nos dizer.) Para eles, você pode seguir a prática romana e chamar “o espírito deste
lugar”, seja deus ou deusa. Você também pode fazê-lo silenciosamente, concentrando-se em
uma imagem mental do espírito. Estas duas formas podem ser combinadas.
Uma vez que você pode sentir a presença do espírito, coloque o objeto a ser oferecido. Se
você não sente o espírito, você pode colocar a oferta sempre que se sente bem. Às vezes, o
próprio ato de dar a oferenda trará um espírito para você. A oferenda parece abrir um canal
entre o nosso mundo e o deles. Ou como eu gosto de dizer, “Os presentes criam presença.”
Quaisquer que sejam as palavras que você está usando podem ser ditas antes, durante ou
depois da colocação da oferta. O que você diz irá variar com sua intenção, com o espírito a
quem a oferta é feita, e com seu relacionamento com esse espírito.
Após a oferta ser colocada, sente-se ou fique ali por alguns momentos, novamente pense
sobre a sacralidade do local. Agradeça ao espírito pela sua atenção e deixe o local
respeitosamente.
Ensine seus filhos a fazer ofertas. Explique por que eles são feitos, faça alguns com eles e
certifique-se de que existem itens adequados para eles para oferecer por conta própria.
Sempre que um ritual exige uma oferta, considere permitir-lhes fazê-lo.
O seguinte modelo destina-se a ser usado como um guia para aqueles que desejam construir
orações à maneiro do Lārhūs, com base no formato de prece de três passos de Austfeld
(conforme demonstrado por H.S. Versnel).
Em seu trabalho, Versnel utiliza termos em latim para distinguir as etapas componentes de seu
modelo de oração tripartite. No formato Lārhūs, estaremos usando esses mesmos elementos
(a invocatio “a invocação”, a pars epica “o argumento” e as preces “o serviço ou a tarefa”), que
são encontrados em todas as expressões religiosas indo-europeias e fornecendo adequados
interpretações em inglês antigo para eles, de modo a torná-los específicos para Fyrnsidu e o
Lārhūs Fyrnsida.
No inglês antigo, a própria oração é conhecida como ‘bēd’ e é pronunciada como “bêd”. As três
partes constituintes da bēd são as seguintes:
Água e Liminaridade
Limítrofe, assim como liminar, vem da palavra latina “limen”, que significa “limiar” [threshold] ou
“entrada” [doorway]. Limítrofe é aquele que ocupa o espaço transicional em uma fronteira ou
limite [threshold] [1]. Geograficamente falando, pontes, nascentes, encruzilhadas, cavernas e
rios possuem características limítrofes e funcionam como porta de entrada para locais novos ou
diferentes [2]. Quando alguém entra na boca de uma caverna, ele está deixando o lado de fora
para trás e entrando em um mundo escuro e subterrâneo e quando alguém atravessa uma
ponte, há uma clara distinção entre a área de origem e o destino.
A liminaridade transcende a geografia e também pode ser usada para descrever as transições
no tempo ou status, com a véspera de Ano Novo e o Ano Novo sendo um excelente exemplo
de um período liminar entre dois anos distintos. Da mesma forma, o período de crepúsculo
representa um período liminar entre o dia e a noite.
Mesmo do modo mais mundano, a água possui qualidades de liminaridade, pois sua superfície
divide a terra firme do reino aquático. O aspecto liminar da água não foi perdido em povos
antigos, e os locais aquáticos estão entre os mais comuns de oferendas votivas depositadas
[como] em rios, lagos, pântanos e poços. Descobertas em toda a Europa de língua celta
sugerem uma crença generalizada na água como uma porta de entrada para o “Outro-Mundo”.
Essa crença parece ser anterior à expansão celta, já que muitas das ofertas se estendem até o
final da Idade do Bronze [3]. As descobertas aquáticas britânicas são particularmente comuns,
com o rio Tâmisa sendo o local de várias descobertas notáveis. O Capacete de Waterloo, o
Escudo Battersea e o Escudo de Wandsworth foram todos dragados do Tâmisa e parecem ter
sido colocados deliberadamente como oferendas votivas.
Outro site que sugere uma crença britânica nativa na água como limítrofe é o Aquae Sulis.
Localizado no que é hoje Bath, Somerset, Aquae Sulis foi o lar de uma fonte termal que os
moradores locais acreditavam possuir poderes curativos. Durante o primeiro século aC, Aquae
Sulis e os arredores foram governados por uma tribo celta chamada Dobunni, que acreditava
que a fonte era sagrada para a Deusa Sulis e fazia oferendas a ela em apaziguamento [6].
Essa prática continuou no período romano-britânico, onde Sulis foi sincretizada com Minerva.
Aproximadamente 130 tabuletas foram encontradas na fonte sagrada de Sulis que pedem à
Deusa que exija maldições em favor de seus devotos [7]. Os pedidos de maldição vão desde a
interrupção de uma boa noite de sono, até danos corporais e eventual morte.
Enquanto ofertas votivas deixadas em corpos aquáticos, fontes sagrados e outros cultos
aquáticos podem ser encontrados em todas as ilhas britânicas, esse fenômeno é mais
pronunciado no País de Gales. O Tesouro de Anglesey, encontrado em Llyn Cerrig Bach, é
facilmente um dos depósitos na água mais impressionantes já encontrados no Reino Unido.
Escondidas dentro da turfa haviam espadas, lanças, punhais, bainhas, escudos, arreios e
acessórios para carruagens, ossos de animais, dois caldeirões de bronze, uma trombeta,
correntes de ferro e barras usadas para moedas [8]. Isso mostra um claro continuum de prática
e sugere uma consideração liminar pela água que foi difundida por todas as ilhas britânicas.
Embora isso não constitua a totalidade dos depósitos ou conhecimento popular [lore]
relacionados à água encontrados no País de Gales, na Inglaterra, na Escócia ou na Irlanda,
está além do escopo deste artigo abranger a profusão de sites e o folclore em profundidade. É
suficiente dizer que os exemplos acima mencionados não são incidentes isolados e sugerem
uma prática de culto maior e disseminada que existe na Grã-Bretanha há milênios antes da
chegada dos anglo-saxões.
A água sendo vista como uma passagem [threshold] para o “outro” não está restrito a pessoas
de língua celta, ou áreas proto-célticas, no entanto. Vários depósitos foram encontrados na
Dinamarca, o que sugere uma concepção compartilhada de liminaridade. Pântanos de turfa,
em particular, parecem ter tido um significado especial, e os depósitos votivos parecem se
estender até o período neolítico. Recipientes cerâmicos cheios de comida, restos de animais
sacrificados e cabeças de machado foram contados entre as coisas depositadas em corpos
aquáticos dinamarqueses. Vasos contendo alimentos eram tipicamente encontrados em corpos
aquáticos abertos, enquanto a deposição ritual de cabeças de machados parece isolada para
pântanos de turfa [9]. A Idade do Bronze viu um aumento nos depósitos rituais de um tipo mais
refinado. As lures, descobertas em 1797 em Brudevælte Mose no norte da Zelândia,
exemplificam os grandiosos depósitos associados com a idade da Idade do Bronze. [10]
O período imediatamente anterior à Idade do Ferro Romana e à própria Idade do Ferro teve
sua parcela de depósitos de turfa. A Zelândia é um lugar de particular importância para este
estudo, já que há vários estudiosos, incluindo Chadwick e Davidson, que acreditam que a
Zelândia era o local onde ocorreu o relato de Tacitus sobre Nerthuz. Em sua Germânia, Tácito
descreve Nerthuz, uma divindade Terra-Mãe adorada pelas tribos suevas. Em seu relato, a
semelhança da Deusa gira em torno de uma carroça e, durante esse período, os homens não
pegam em armas, em vez disso festejam e se regozijam em sua presença. No final de seu
relato, as coisas tomam um rumo menos alegre quando Tácito descreve a lavagem ritual de
sua efígie por escravos, que são subsequentemente afogados como sacrifícios [11]. Esta
evidência é de particular importância, pois Tácito lista os “Anglii” (os anglos) entre as tribos que
adoravam Nerthuz. Considerando que os anglos estavam entre as três tribos germânicas
predominantes que colonizaram a Grã-Bretanha pós-romana, é possível que essa idéia de
água-como-portal tenha viajado com eles.
Em termos de exemplos nitidamente anglo-saxões, temos pouco para trabalhar. Embora nos
faltem os depósitos votivos comuns na Grã-Bretanha pré-germânica e no sul da Escandinávia,
ainda podemos observar ideias similares em Beowulf.
Em Beowulf, a água desempenha um papel fundamental na divisão da terra dos homens vivos
do submundo aquático de Grendel. Segundo Lecouteux, Grendel se encaixa em todos os
critérios de ser uma assombração [revenant]. Grendel emerge dos brejos e pântanos, é maior e
pesa mais do que qualquer homem, devora os vivos e emerge à noite. O fato de que Beowulf
também sente a necessidade de decapitar Grendel depois que ele já está morto também se
encaixa com o folclore europeu. Lecouteux traça paralelos entre essa ideia dos mortos
retornando dos pântanos e o relato anterior de Tácito de que criminosos são jogados em
pântanos como punição ou como sacrifício.
Esta ideia dos mortos que emergem de pântanos e brejos é sugestiva de uma crença na água
como um portal de entrada e, como Lecouteux corretamente aponta, pode ter viajado com os
anglo-saxões de sua antiga casa na península dinamarquesa.
O covil da mãe de Grendel também é encontrado no fundo de um lago e, como tal, Beowulf
deve penetrar na superfície para alcançar seu reino. Este reino é referenciado como “ælwihta
eard“, ou terra de todas as criaturas, o que sugere que é um lugar escuro e paranormal,
separado da terra dos homens vivos [13]. A batalha de Beowulf com a Mãe de Grendel, que
acontece abaixo da superfície do lago, adere à física da luta em terra. Isso também é sugestivo
de uma realidade alternativa alcançada através de um limiar aquoso. Leva o herói do título a
melhor parte de um dia para chegar ao fundo do lago – um lago que podemos concluir é na
verdade o Submundo.
Tal como acontece com Grendel, a mãe de Grendel não pode ser prejudicada com armas de
ferro convencionais, uma característica comum no folclore de assombrações [revenant].
Somente com a ajuda de uma espada de herança, ealdsweord eotenisc, ou “o trabalho de
gigantes”, ele é capaz de decapitar a mãe de Grendel e ganhar o dia.
Sobrevivências pós-conversão
Agora que nós cobrimos, ainda que brevemente, exemplos pré-cristãos de liminaridade da
água, podemos avançar para a sobrevivência pós-conversão. Surpreendentemente, após a
adoção do cristianismo, a prática do culto de fontes e nascentes não cessou e foi preservada
através da adoração dos santos. As fontes sagradas e as nascentes sagradas desempenharam
um papel integral na hagiografia dos santos, que atuaram como substitutos das divindades
preexistentes ligadas a esses locais. As pessoas ainda visitam poços sagrados em todo o
Reino Unido para se beneficiar de suas propriedades curativas, deixando moedas, pinos e
trapos como oferendas votivas. Essa ideia de do ut des através das ofertas votivas ainda pode
ser vista no conceito de “poço dos desejos” e fontes, onde são oferecidas moedas em troca de
desejos concedidos por um suposto poder que habita a água. Segundo uma agência chamada
Teamspirit, um em cada cinco adultos joga regularmente em poços de desejos e fontes. De
acordo com seus cálculos, os ocidentais gastam pouco menos de 3 milhões de libras esterlinas
(3.738.000,00 Dólares dos EUA) a cada ano, o que equivale a 31 pence (aproximadamente 50
centavos dos EUA) por pessoa [14].
“Nascentes e fontes sempre foram veneradas, desde épocas remotas, porque a água é uma
necessidade básica da vida, e para nossos antepassados parecia uma coisa misteriosa e
assombrada-por-espíritos. Uma fonte viva que trouxe fertilidade para a terra onde ela fluía, e
para homens e animais que dependiam daquela terra, era quase universalmente pensada ser a
morada de algum espírito poderoso a quem a oração e o sacrifício eram devidos ”.
Como praticantes modernos, isso leva à questão de como podemos incorporar essa crença na
práxis contemporânea. Se quisermos aceitar a água como a porta na qual o “outro” é
acessado, então colocar uma divindade de água proeminente em um papel limítrofe/ctônico,
semelhante a Roman Janus, seria o mais apropriado. Na teologia dos Lārhūs, Wada
supervisiona todos os corpos de água, grandes e pequenos. É por essa razão que o colocamos
em uma posição de liminaridade, onde ele pode ser invocado no início e no final de cada ritual
como porteiro divino. Trabalhando em conjunto com Frīg como deusa do lar, este papel fornece
um serviço muito necessário de intermediação em nome do devoto, onde Wada é invocado
para “abrir as portas” entre o nosso mundo e o próximo e Frīg embarca a oferta para a seus
desejados destinatários.
Também é óbvio, a partir das informações coletadas neste trabalho, que as ofertas votivas
colocadas em corpos de água são de fato apropriadas para o praticante de Fyrnsidu,
especialmente quando se lida com divindades associadas à liminaridade ou ao submundo.
1. Ética
Mas a vingança é assim. A vingança é pessoal. Ela é visceral. E ela é parte fundamental da
visão de mundo heathen.
A vingança também é algo bastante malignado no mundo atual. Não surpreende. A visão de
mundo vigente no mundo ocidental é, majoritariamente, cristã, e o cristianismo condena a
vingança, preferindo deixar tudo nas mãos de Deus. Assim, se alguém bate; dê a outra face. A
vingança, sob o espectro de punição, vem de Deus, assim como o julgamento.
(O que não impede que a retaliação divina seja executada por forças humanas — como
comumente o era, se levarmos o Antigo Testamento em consideração, entre os hebraicos.)
Os povos germânicos não eram os únicos a aceitar a vingança como algo natural. Desde o
código de Hammurabi, um dos mais (se não o mais) antigos sistemas legais que conhecemos,
vemos o conceito do “olho por olho, dente por dente”, também conhecido como lei de Talião
(Lex Talionis). A vingança não pertence apenas aos povos germânicos, mas a todos os povos,
e, até certo nível, é a primeira base de ordem social que temos, e dos resultados da
transgressão, em toda a humanidade (e em animais não humanos).
Tão presente e tão humana é a vingança, que em várias culturas ela é deificada: as Erinyes
gregas trazem o espírito da vingança sobre alguém quando não há outros que possam fazê-
lo. De acordo com Hesíodo, as Erinyes são filhas do próprio universo (Ouranos), nascidas
quando o sangue deste caiu sobre a terra (Gaia), após seu filho, o tempo (Cronus) castrá-lo.
Não à toa, também são chamadas de Fúrias. E, interessantemente, Eurípides as chama de
Eumênides, “As Bondosas”, partindo da crença que chamá-las pelo nome real atrairia a
atenção delas, o que não poderia terminar bem. Entre os romanos, são chamadas Dirae.
Megara, Tisífone e Alecto, as Erinyes, deidades ctônicas da morte e da vingança. Imagem por
Gustave Doré, via Wikicommons.
Até hoje, o mote oficial da Escócia é nemo me impune lacessit: ninguém me provocará com
impunidade.
Nas Eddas, encontramos a figura de Váli. Filho de Odin, foi concebido unicamente para vingar
a morte de Baldr, morto (acidentalmente) por Höðr, seu irmão. Um crime como a morte de
Baldr não pode passar impune; assim, Odin concebe Váli para vingá-lo. De forma similar, ao
ouvir a profecia da völva, Odin gera Víðarr, chamado o deus da vingança, que irá matar o lobo
Fenris após a morte de Odin, vingando assim a morte de seu pai.
Vídar och Vale, por Gunnar Forssell, para ilustrar a edição de 1893 da Edda Poética.
Via Wikicommons.
E, embora tenhamos adotado o cristianismo há muito tempo, esse sentimento de vingança, que
é tão associado ao sentimento de justiça, permanece, como parte da natureza humana que é.
Vemos isso no movimento Lei e Ordem do Direito Penal, talvez desconhecido pelo nome, mas
presente todos os dias em nosso meio.
Leis mais duras. Punições cada vez mais longas e violentas. Pena de morte. Castração
química (ou física). Desfigurações. Tortura. Quantas propostas de lei não vemos que
favorecem, ou pedem, por tais medidas, muitas vezes seguindo um crime ou evento causador
de grande comoção social?
Quantas delas são inspiradas, não por um senso de justiça no sentido aplicado ao Direito (pois
sabemos que tais medidas em nada resolvem nem diminuem as taxas de criminalidade), mas
pelo sentimento de vingança, misturado com o senso de justiça pessoal? Quantos são movidas
pelo racionalismo, por estatísticas e resultados concretos, e quantas pelo sentimento visceral
de vingança contra os transgressores?
Entre os povos germânicos, a vingança era mais que um sentimento, era um dever. A friðr, o
sentimento de união intra-familiar e, até certo ponto, intra-tribo, deve ser mantida. O
instrumento usado para mantê-la e reforçá-la é a vingança contra aqueles que ferem aqueles
que se enquadram nela, principalmente, ações contra familiares, amigos e aliados.
É natural pensar em vingança como resposta a crimes graves, como assassinatos, estupros, e
até mesmo roubos. Entretanto, há sinais claros que entre os escandinavos antigos, insultos
verbais eram tão graves que exigiam vingança, muitas vezes com a morte daquele que o
insultou. O que faz sentido em uma sociedade em que a honra (ou seja, a fama) de uma
pessoa era parte integral de sua posição na sociedade. Difamação e injúria (ou o que hoje seria
considerado como difamação e injúria) eram crimes graves, tão graves quanto o próprio
homicídio. Tão graves, que eram passíveis de vingança.
Isso traz consequências claras e óbvias. Uma pessoa A ofende uma pessoa B. A pessoa B
vinga-se de A, o matando. Naturalmente, os parentes de A são impelidos, pela friðr, a matar B,
e os parentes de B, a matar os parentes de A… e assim nasciam os feudos de sangue, como
consequência da vingança, feudos que poderiam durar por gerações, às vezes por tanto tempo
que as causas originais são esquecidas.
Tais feudos estão presentes em toda a literatura europeia (e mundial, já que o conceito de
feudos de sangue vingança não são exclusivos da cultura ocidental), assim como suas graves
consequências: Hamlet e Romeu e Julieta, da época elizabetana, mostram algumas delas,
assim como a Oresteia de Ésquilo, entre muitas, muitas outras.
Príncipe Hamlet mata o rei Claudius, seu tio, em vingança à morte de seu pai. Cena final da
peça Hamlet de William Shakespeare. Pintura por Gustave Moreau. Via Wikicommons.
Assim, a vingança é um dever; mas a vingança desenfreada causa, naturalmente, tantos
problemas quanto a falta dela. Não se pode deixar famílias inteiras serem dizimadas por
insultos ou ofensas (ou até por questões maiores).
Veja que, para o conceito antigo, não havia problema em matar inocentes na busca da
reparação de um mal feito. Uma vez que uma ofensa era cometida, independente de qual, não
havia inocentes. Não era apenas uma questão de se vingar no agressor — mas sim, de se
vingar sobre ele e sua família, seu clã, sua comunidade. Isso poderia ser tão efetivo quanto, e
muitas vezes pior, para fins de vingança, que ferir o próprio agressor.
E também não importava se seu parente, o agressor, estava errado. A friðr é maior que isso.
Mesmo que seu primo seja o assassino, e um psicopata, é seu dever e da sua família vingar
sua morte. Mesmo que a morte de seu primo seja consequência de seus próprios atos falhos; a
morte de seu primo exige vingança.
A família, e o bem da família, vem primeiro. A morte de nenhum familiar deve passar sem
justiça.
Assim era. Mas, claro, um sistema assim não pode sobreviver por muito tempo. Feudos de
sangue, como já dito, dizimam famílias. E até mesmo injúrias menores, se deixarmos, podem
tornar-se forças de destruição desastrosas.
Mesmo no tempo antigo isso era reconhecido. Daí surge o conceito de wergild, ou seja, de
retribuição que não necessariamente é paga com sangue, a única alternativa à vingança de
sangue. Se há uma ofensa, exigir-se-á a wergild, um pagamento ou recompensa. Na lei dos
francos, todo e qualquer ser vivo ou propriedade corresponde a uma wergild — ou seja, tudo
tem um preço.
A wergild era paga de um clã ou família a outro clã ou família, como reparação pode danos
feitos. Interessantemente, a punição capital tomou o lugar da wergild no direito antigo com o
processo de cristianização — mas daí, remove-se a vingança da mão do clã e a se põe na mão
dos estados emergentes, com a pena de morte.
Importante observar que, caso a wergild não fosse paga, por impossibilidade ou mera negação
da parte ofendida, isso não invalidava de forma alguma a vingança de sangue. Na própria saga
de Beowulf, Grendel se recusa a recompensar os ofendidos com wergild; e assim, acaba
morto.
A þíng existe por um motivo. Ela existe porque já se sabia que a vingança desenfreada
(embora parte integrante da visão de mundo antiga) não era salutar para a comunidade, muito
menos para o reino, que começam a surgir na Era Viking.
Assim, nós vemos um princípio do que seria o Direito moderno. O que nos traz aos dias de
hoje.
Nós não vivemos mais em tribos. Mais que isso, nós não vivemos em sociecdades que seguem
os mesmos princípos morais dos povos antigos. Nós estamos entre dois conceitos: fridr e
vingança, ambos entrameados, e ambos fundamentais.
A visão de mundo heathen pede vingança. O mundo moderno tem conceitos bastante
diferentes sobre o que é justiça e o que é vingança, e as consequências de cada um.
Não que a vingança ainda não exista no mundo. Em tribos e vilarejos isolados, ela ainda
ocorre. Mas, como no caso da mulher turca que decapitou o homem que a estuprou e
engravidou, para lavar sua honra (caso típico de vingança), nem sempre isso termina bem
dentro do contexto moderno. Pessoas e grupos do mundo todo condenam os assassinatos de
honra, que ainda acontecem em certos locais do mundo, que nada mais são que atos de
vingança contra membros (geralmente mulheres) da própria família.
É fundamental, ao heathen moderno, reconhecer isso. Reconhecer que nem sempre aquilo que
é básico e integral à mentalidade antiga, ou até mesmo à espécie humana, é válida na
sociedade em que vive. O heathen, tanto antigo quanto moderno, deve ser um animal social:
ele faz parte de uma sociedade, de uma tribo, e é a ela, primariamente, que ele deve
obediência (por assim dizer) e responsabilidade. O heathen antigo não é um indivíduo, apenas.
Ele é um em um grupo, em uma comunidade, e tem deveres (assim como direitos) para com
ela. A vontade dele, enquanto indivíduo, se submete àquela de sua família, de sua tribo, de seu
meio.
Isso não quer dizer obediência cega, nem submissão completa à vontade da tribo. Isso quer
dizer mover-se com inteligência e tendo isso em mente, e resolver conflitos de forma pacífica
dentro da própria tribo. Essa união, antigamente e hoje, é fundamental para a estabilidade e
proteção da existência e prosperidade de todos.
Vingar alguém vai fazer bem à sua tribo, à sua família? Talvez sim, talvez não. Talvez
resultados melhores possam ser obtidos com o devido processo legal do estado em que se
vive. Talvez se possa exigir reparações, se ambas as partes compreenderem essa visão de
mundo (e, já de cara: provavelmente elas não compartilharão). Talvez, no grande contexto das
coisas, seja melhor deixar passar… para procurar reparação em outro momento, ou de outra
forma.
Nós não vivemos na Idade Média. Não adianta manter uma ideia de vingança, sem adaptá-la
ao contexto moderno. Seria pouco sábio buscar um fundamentalismo em determinado aspecto
(a vingança sendo efetivamente um fundamento) em detrimento do cenário maior, que é a
manutenção da cultura, do culto, e da família e tribo.
Em nada adianta vinger um mal causado a um familiar ou integrante de uma tribo, se ele
causará danos ainda maiores na eventualidade da prisão, de multa, etc., que recaiam sobre o
executor da vingança.
A vingança continuará existindo. Ela sempre existiu. Sempre existirá. E não é questão de
abandoná-la mas entendê-la de maneira diferente.
Afinal, sempre que encontramos um aspecto da visão de mundo antiga; sempre que algum
conceito, bastante tentado, inclusive, entrar em nossa mentalidade; sempre precisamos pensar,
como podemos conciliar isso com nosso mundo moderno?
Imagem: A Justiça e a Vingança perseguindo o crime, por Pierre-Paul Prudhon, que adorna o
teto do Palácio de Justiça de Toulouse. Via Wikicommons.
Honra: “Eu não penso que a palavra significa o que você pensa que significa”
O tema da “honra” é de interesse para alguns heathens e pagãos, especialmente aqueles que
se vêem num “caminho de guerreiro”. De acordo com o “Heathen Handbook” do Wodens Folk
Kindred:
A honra é o fundamento da sociedade pagã. Honra é a medida de uma pessoa de sua virtude
e valor… A honra de uma pessoa vem de dentro…
Isso me lembra uma cena do filme Rob Roy, em que o protagonista (um guerreiro Highlander
do século 18) diz a seus meninos que a honra é “um presente que você dá a si mesmo”, e que
ninguém pode tirá-lo de você .
Infelizmente, esta não é uma compreensão historicamente exata da honra, seja na sociedade
gaélica retratada no filme ou na antiga sociedade nórdica. No entanto, não é por acaso que o
Wodens Folk Kindred e o roteirista de Rob Roy interpretaram a honra exatamente da mesma
forma, porque a sociedade americana moderna não mais valoriza a honra como antes e
esqueceu em grande parte o que originalmente significava.
Na sociedade americana, não há muito tempo, a honra não tinha nada a ver com sua medida
interna de seu próprio valor, definitivamente não vinha de dentro e outras pessoas poderiam
facilmente tirá-la de você. De acordo com artigo dos arquivos do governo do estado de Missouri
sobre a cultura de duelos sulista:
Se você não tem privilégios suficientes em relação à pessoa com quem você estava em
conflito, você não tem nenhuma honra a perder, então você não tem permissão para se ofender
com qualquer coisa que ele disse ou fez. Por outro lado, se ele ficou irritado com qualquer
coisa que você disse ou fez, ele poderia bater-lhe publicamente com um pau ou um chicote. Se
vocês dois fossem mais ou menos iguais em status, resolveriam o problema através de um
combate letal. Isso não mudou realmente – durante a era do duelo, os principais assassinos de
aristocratas eram outros aristocratas e os principais assassinos de pessoas de classe baixa
eram outras pessoas de classe baixa.
Nos Estados Unidos modernos, assaltos e homicídios geralmente ocorrem entre pares e muito
frequentemente sobre questões de respeito e desrespeito. Isso tem muita relevância em
eventos recentes – se você quiser reivindicar auto-defesa após um tiro, ajuda se tiver status
social mais elevado do que a pessoa em quem você atirou. Se você tem status social ou
privilégio inferior, suas ações provavelmente não serão interpretadas como autodefesa pela
polícia, promotores ou júris. Toda pessoa tem o mesmo direito de se defender de um assalto
violento na lei como está escrito, mas não na lei como efetivamente aplicada. Assim como na
cultura do duelo do século 19, a violência deve ser usada no mesmo nível social ou para baixo
– mas nunca para cima.
Mas isso é o que a honra significava para nossos ancestrais pagãos e politeístas? De acordo
com o falecido Alexei Kondratiev, todas as antigas palavras celtas para honra referem-se a sua
reputação e poder percebido, não a sua integridade interior:
A palavra tradicional irlandesa que normalmente é traduzida como “honra” é “oineach”… o que
originalmente significa “face”… Assim, a idéeia de honra está relacionada principalmente com a
“face” que deve ser salva aos olhos da comunidade. Um conceito intimamente relacionado,
frequentemente mencionado nos mesmos contextos, é o de clú (“reputação” ou “fama”), que
vem de uma raiz indo-européia que significa “ouvir” e, portanto, refere-se ao que está sendo
dito sobre alguém. Ser honorável, então, é manter a “face” diante da comunidade e ser
“ouvido” de uma boa maneira. Desonra vem de perder “face” e ser “ouvido” de uma maneira
ruim. O termo ‘enech’ também expressa a idéia de poder pessoal, desde que alguém tenha
“face” na comunidade é capaz de influenciar os outros: assim, as pessoas ou coisas que são
sua responsabilidade ou sob sua proteção são descritas como sendo “em” ou “sob” a sua
“face”. Quando você perde a “face”, é claro, você não é mais capaz de estender a proteção…
O que emerge disso é um sentimento de honra e desonra sendo muito definido pela
comunidade, ao invés dos códigos de honra individualmente escolhidos que são mais
característicos do nosso modo de pensar moderno.
De acordo com o livro “Honor” de Frank Henderson Stewart, o antigo conceito de honra nórdica
foi originalmente definido pelo mikilmenni ou “Grande homem” – um homem com bons
antepassados, influência social, uma personalidade dominante e riqueza. Em outras palavras, o
privilégio e o respeito da comunidade, assim como em outras culturas. No entanto, os nórdicos
desenvolveram mais tarde um conceito que eles chamaram de drengskappir, que se baseava
mais na coragem individual e na integridade e menos na opinião da comunidade ou no poder
político. Drengskappir estava disponível não só para “Grandes homens”, mas para as pessoas
livres de todas as classes.
A fama e a honra de um homem na vida, e seu bom nome após a morte, eram tão importantes
que um homem era hipersensível à opinião da comunidade. Ele pode não ter medo de nada,
nem hesitar com a morte, mas o respeito da comunidade era de suma importância. Qualquer
ofensa em palavra ou ação, ou qualquer coisa que pudesse borrar a honra de alguém tinha
que ser tratada com firmeza, a fim de manter esse respeito. Assim, um nórdico estava
constantemente em alerta para os equívocos contra sua pessoa ou seu nome. Esses
equívocos eram proclamados abertamente, e depois vingados.
Assim, drengskappir estava disponível para as pessoas de mais de uma classe social, mas
ainda era muito dependente da opinião da comunidade e da vontade da pessoa que alegou ter
drengskappir para defender essa reivindicação por força violenta. É essencialmente um
equivalente menos classista do Código de Duelo posterior, e assim como o ele, requer extrema
sensibilidade ao insulto como uma pré-condição de qualquer reivindicação de honra.
É aqui que toda a questão da honra em um contexto heathen ou pagão se torna irônica. “The
conservative Pagan, Heathen and Traditionalist Webring” (uma organização online), agora
defunto, descreveu-se como colocando “um alto valor na razão, honra e piedade, e nenhum
no politicamente correto.”
O Google define o politicamente correto como “o repúdio, muitas vezes considerado como
levado a extremos, de formas de expressão ou ação que são percebidas excluindo,
marginalizando ou insultando grupos de pessoas socialmente desfavorecidas ou
discriminadas”.
Assim, na verdade, os “pagãos conservadores” estavam dizendo que não tinham intenção de
conceder honra (o direito de se ofender) àqueles que eram de status social inferior (os
“socialmente desfavorecidos ou discriminados”). Assim como no Código do Duelo , a honra só
está em vigor entre aqueles de igual privilégio – uma pessoa de status inferior não pode se
ofender porque eles são percebidos como não tendo nenhuma honra a perder.
Os conservadores geralmente se queixam de que as pessoas se tornaram muito sensíveis aos
insultos. Isso pode ser verdade, mas historicamente um “homem de honra” era, por definição,
uma pessoa que era hipersensível ao insulto. Dizer “ele não se importa com um insulto” era
uma acusação grave de covardia e teria como resultado um duelo – no Velho Sul (dos EUA) ou
na antiga Islândia.
Assim, as pessoas marginalizadas se ofenderem com os insultos pode ser entendido como
uma afirmação de que eles também têm honra ou status, e descartar isso como “politicamente
correto” pode ser entendido como uma tentativa de mantê-los “em seu lugar”.
Como pagãos e politeístas modernos, isso significa que devemos nos livrar completamente do
conceito de honra? Năo acho que possamos. Se a honra é simplesmente sua reputação e
status na comunidade, então a honra estará sempre conosco de alguma forma. Há aspectos
dos velhos códigos de honra que muitos pagãos ainda admirariam, como a ênfase em ser
moralmente corajoso e fiel à sua palavra como uma condição prévia para ser honrado pela
comunidade. Mas criamos nossa própria comunidade, então decidimos por nós mesmos o que
queremos honrar e o que não queremos.
Os antigos noruegueses honravam aqueles que vingavam os insultos com violência, mas não
precisamos. Podemos escolher honrar aqueles que falam quando são insultados mesmo sob a
ameaça de violência daqueles com maior status e poder. Podemos escolher honrar aqueles
que honram a todos em vez de apenas os membros de sua própria classe privilegiada.
Christopher Scott Thompson é um escritor, instrutor de esgrima histórica e membro fundador
de Clann Bhride, os Filhos de Brighid. Era ativo na ocupa Minneapolis e ocupa St. Paul. Sua
escrita política pode ser encontrada em https://alienationorsolidarity.wordpress.com/
Beowulf – Esquema
(Este texto não é de autoria da Ásatrú e Liberdade. Está sendo republicado pois o original está
num blog antigo, que pode sair do ar a qualquer momento, já que o wordpress exclui blogs
inativos.)
1- Dados históricos:
Aproximadamente a partir do ano 285 d.C. os germanos do mar do norte descobriram sua
vocação marítima, infestando a costa da Gália, Bretanha e do norte da Espanha com piratas
oriundos do território, que atualmente designa a Alemanha e Dinamarca. Essa pirataria
primitiva que era intensiva sobre as Ilhas Britânicas foi rapidamente transformada em núcleo de
povoação, o que posteriormente se figurou como colonização. Em 407 d.C o imperador romano
Constantino III buscando engrossar as defesas fronteiriças de Roma contra os “bárbaros”, fez a
transferência das tropas romanas das Ilhas Britânicas para o continente, deixando o território
livre para as incursões germânicas, que tiveram de enfrentar os povos celtas que habitaram
aquela região após o domínio romano.
2- Composição da Obra:
O poema Beowulf, escrito em inglês antigo por entre os anos de 680 e 729 d.C, mas que só
nos foi preservado através de um manuscrito do século X, apresenta muitos aspectos da
cultura pagã germânica desses povos colonizadores, uma sociedade heróica baseada em
condutas militares e na memória oral.
Fruto de um poeta cristão anônimo, não se sabe ao certo se foi genuinamente composto ou
apenas adaptado de um poema de tradição pagã oral anterior. O poema possui um tom
claramente épico, foi composto em 3182 versos, que são divididos em fitts, umas espécies de
capítulos, com a ressalva de que não necessariamente encerram aquela parte da narrativa.
A trama e as principais personagens do poema se referem às tribos germânicas e
escandinavas do continente antes de sua chegada às Ilhas Britânicas, dentre os quais estão os
antepassados dos anglo-saxões.
3- Estrutura do poema
A narrativa do poema pode ser superficialmente dividida em seus três conflitos e no resultado
da morte do Herói, sendo assim nessas quatro partes:
1. A Viagem de Beowulf a terra dos Danos, onde enfrenta uma criatura chamada Grendel que tem
amaldiçoado o recém construído salão Heorot. O monstro consegue fugir da batalha mesmo
que mortalmente ferido (do fitt 1 ao 12).
2. Após o herói ser recompensado junto aos seus companheiros pelo rei dos Danos uma nova
ameaça surge: a mãe de Grendel, sedente de vingança pela morte do seu filho. Beowulf a mata
em seu próprio lar (do fitt 13 ao 24).
3. Após novo banquete Beowulf volta ao seu lar, terra dos Getas. É narrado como ele obteve o
titulo de rei. Em seguida após 50 anos de seu reinado ele tem de enfrentar um Dragão que
ataca o seu povo, neste combate ambos oponentes são mortos (do fitt 25 ao 38).
4. São narradas as implicações que a morte do rei Beowulf vai causar ao povo danês, entre elas a
principal é o fim da trégua com povos inimigos sedentos de vingança por derrotas passadas (do
fitt 39 ao 43).
I- Um rei danês chamado Hrothgar constrói um suntuoso salão de festas conhecido pelo nome
de Heorot.
II- Um monstro denominado Grendel começa a atacar o salão durante as noites, por se
machucar com a felicidade que é emanada de lá todos os dias.
III- Beowulf um nobre do povo Geta ao ouvir falar das dificuldades dos Danos resolve ajudá-los.
IV- Ao chegar a costa marítima dos Danos, os Getas se apresentam como aliados.
VI- Beowulf se apresenta ao rei, dizendo que foi escolhido pelos Getas para matar o inimigo
dos daneses.
VII- O rei se queixa a Beowulf das desgraças que Grendel trouxe ao seu povo.
VIII- Durante o banquete no salão Unferth, um nobre danês provoca Beowulf questionando
seus resultados em ocasiões passadas.
XII- A batalha continua, ao perceber a força do herói o monstro consegue fugir do salão
mortalmente ferido.
XIII- No dia seguinte a batalha todos os nobres vão ao salão contemplar a garra do monstro
arrancada por Beowulf que havia ficado presa ao teto.
XV- O rei recompensa Beowulf com tesouros por livrar os daneses de um grande infortúnio.
XVII- Banquete no salão com o poeta cantando antigas histórias dos Danos.
XVIII- A rainha dos Danos agradece Beowulf por ter derrotado o terrível monstro.
XVIIII- Logo após o banquete enquanto dormiam a mãe de Grendel, sedenta de vingança pela
morte do filho ataca o salão e mata um nobre conselheiro e confidente de Hrothgar.
XX- Hrothgar pede a Beowulf que se livre da mãe de Grendel, prometendo mais tesouros e
honra.
XXII- Beowulf entra no lago, após ser atacado por muitas criaturas, após ser imobilizado dentro
d’agua é levado pela mãe de Grendel ao seu salão submerso.
XXIII- Beowulf vence a mãe de Grendel, no salão ao qual está encontra o corpo de Grendel
morto e arranca-lhe a cabeça, levando como troféu.
XXIV- O herói se apresenta no salão Heorot como vencedor da batalha e com a cabeça de
Grendel como troféu.
XXVIIII/XXX- O herói repassa ao rei a situação dos Danos com os povos vizinhos, além de
narrar seus atos heróicos em terra estrangeira.
XXXI- É narrado como Beowulf chega ao trono dos Getas e reinar por 50 anos.
XXXII- Um súdito do rei dos Getas rouba uma peça do tesouro escondido de um Dragão, este
desperta e começa a atacar todo o reino em busca de vingança pelo tesouro ao qual protege
ter sido violado.
XXXIII- Beowulf deseja vingar o povo Geta dos ataques da criatura, por isso pede ao súdito
causador do problema que o leve juntamente com os nobres ao qual escolheu para o covil do
monstro.
XXXIV- Beowulf enquanto espera o monstro conta sobre a sua vida desde a infância aos atos
heróicos que fez.
XXXV- O Dragão ao ver o herói junto ao seu tesouro o ataca. Os companheiros de Beowulf
fogem da batalha, restando apenas Wiglaf.
XXXVI- Ao ver seu Rei correndo risco de vida e seus companheiros fugindo, Wiglaf socorre
Beowulf.
XVII- O Dragão é cortado em dois por Beowulf, mas este é envenanado pela criatura.
XXXVIII- Após dizer como quer seu rito funerário Beowulf morre.
XXXVIIII- Wiglaf censura os covardes por só voltarem após o fim da batalha e a morte do rei.
XLI- Se narra como a morte do rei pode ser recebida com felicidade pelos povos inimigos dos
Getas, que sabendo da morte do seu protetor irão tentar vingança contra esse povo.
XLIII- É narrado o funeral crematório de Beowulf, o mais nobre de todos os Getas enquanto
esteve vivo.
– Uma das principais características do herói em Beowulf é sua confiança no fado (destino),
têm-se a idéia de que ele é traçado no nascimento e o dia final já está fixado por Deus. Na
tradição escandinava e de forma mais abrangente na tradição da Europa setentrional o destino
era fixado na Orlog – lei fixada na origem – pelas nornas, três entidades divinas chamadas Urd,
Verdandi e Skuld, que assim como as parcas gregas representavam respectivamente o
passado, presente e futuro. Por já estar fixado não deveria se temer a escolha de Deus (no
caso do poeta cristão) no destino do homem, pois ele não falha.
– A morte era algo alegre se gloriosa, já que o destino era fixado por Deus, assim no universo
do poema o que se deve fazer em vida enquanto o fado não chega é buscar a fama, quando
ela é experimentada a morte pode ser considerada plena.
– Os gloriosos mortos na mitologia escandinava iam para Valhalla, um salão em que apenas os
grandes guerreiros escolhidos pelo deus Odin ficariam, treinando todos os dias para a batalha
do “juízo final” dos deuses. Como o poema foi escrito por um cristão e o paganismo foi
suprimido, as almas dos gloriosos vão para o paraíso que seria o lugar dos gloriosos. Quando
Beowulf morre:
“Sua alma
partiu do peito para procurar
o juízo (grande glória) dos justos.”
(Beowulf – XXXVIII)
– A glória é ganha não apenas em nome do herói, mas de todo o seu povo e principalmente de
seu rei. Durante o poema Beowulf exemplifica isso quando pede pra Hrothgar, rei dos Danos
mandar os tesouros ao qual recompensou o herói para o rei dos Getas, Hygelac; e ao morrer
quando o tesouro do Dragão ao qual conquista é dividido aos nobres do seu povo.
4.3- As armas
“Ao guerreiro
o monstro tocou, mas não fez mal: malha
de prélio (elos de laço) protegia-lhe
o corpo (…).”
(Beowulf – XXII)
– Nesse tipo de sociedade a qualquer momento se poderia ser atacado, por múltiplos motivos:
desde inimigos pessoais a confronto de povos. Portar uma arma era uma necessidade, o único
meio de se sentir seguro, por isso não se separava dela.
– O herói épico serve para traçar as características boas e ruins dentro da sociedade na qual
esta inserido. Como em Beowulf é exemplificado uma sociedade guerreira e aristocrática,
algumas de suas virtudes ideais são a:
Justiça: O herói enfrenta os inimigos em nível de igualdade, no confronto contra Grendel ele
tira sua armadura e pede que guardem sua espada, pois o inimigo não usa nenhum desses
equipamentos bélicos. Essa igualdade se torna necessária para a luta ser justa, só em batalha
de condições iguais entre os oponentes é que pode haver glória, pois só assim a coragem pode
ser medida. O herói confia que o seu destino é vencer a criatura:
Verdade: No fitt VIII, Unferth duvida dos feitos heróicos de Beowulf e diz ter pena do destino do
mesmo ao enfrentar Grendel. No fitt seguinte Beowulf defende sua honra e faz o nobre danês
se calar ao dizer que se Unferth fosse tão bom na espada quanto é em difamar os outros ele
mesmo derrotaria a criatura aterrorizante.
Lealdade: Tanto ao rei quanto aos companheiros de batalha a lealdade é algo honroso e por
isso glorificante. Quando ao lutar contra o Dragão os nobres escolhidos por Beowulf fogem eles
quebram o laço de lealdade e por isso são duramente criticados por Wiglaf que permaneceu ao
lado do seu rei até a sua morte.
-Coragem: Confiante em seu destino o herói pode entrar em batalhas sem qualquer temor,
caso seu destino terminasse ali, seria uma morte gloriosa em combate. Além disso, o herói
confiava no sangue de seu povo e nas suas armas que eram artefatos ganhos em outras
circunstâncias. Um exemplo disso é que Beowulf adentra o lago onde vive a mãe de Grendel,
com uma esplêndida cota de malha que o protege de diversos golpes de monstros,
empunhando uma espada lendária entregue por Unferth ele tenta matar a mãe de Grendel,
após a espada falhar ele encontra outra arma no salão submerso, com a qual consegue
derrotar a criatura.
Mæġen
Mæġen é análogo à sua sorte pessoal ou poder. Onde önd é a respiração e análogo ao chi ou
às energias pessoais, mæġen é a força pela qual essas energias são sentidas, como elas são
exercidas, e assim por diante. Todos começamos com önd, e alguns trabalham com eles muito
bem no contexto de construí-lo, como ao aprender o controle da respiração, controle interno,
meditação e artes similares. Mæġen é trabalhada e construída mantendo a sua palavra,
exercitando sua Vontade de maneiras que sejam construtivas.
Hamingja
O peso de um juramento
Quando você faz um juramento ou uma promessa, está literalmente colocando um pedaço de
sua alma em jogo. Você está dizendo para a outra parte “eu confio em você tanto que estou
disposto a apostar uma parte da minha alma por este juramento”. Quando você mantém o seu
juramento, sua mæġen aumenta, assim como sua posição na comunidade, aumentando a
hamingja. O mesmo pode ser verdade no sentido inverso: manter-se bem com a sua
comunidade pode ajudar a aumentar a sua mæġen, ou seja, aparecer quando você diz que vai,
fazendo certo pela comunidade, etc. Afinal, se você está mantendo seus juramentos você está
exercendo o músculos da mæġen, e potencialmente a hamingja, se os juramentos e as
promessas foram feitas diante ou para um grupo.
É por isso que, na Tradição do Norte, a quebra de juramentos é considerada a coisa mais baixa
que você pode fazer, tão baixa quanto ser um traidor. Pense na maioria de qualquer mitologia
onde uma pessoa quebra seu juramento aos deuses, ou a seus parentes; há uma reação
negativa. Às vezes, não há escolha “boa” e é uma questão de sorte de quebrar um juramento
ou outro, como a história maldito-se-você-fizer, maldito-se-você-não-fizer de Cú Cuhulain que
recebeu a invejável escolha de quebrar um ou outro de seus geas. Pode ser que você tenha
que manter tabus estabelecidos, como não comer este animal, usar esse pedaço de roupa ou
não falar certas palavras. Mantendo os juramentos, os tabus, as expectativas são mais
importantes do que posso dizer em palavras. Perdi amigos e machuquei aqueles que amo
emocionalmente e espiritualmente ao não fazê-lo. Eu fui removido de um grupo por isso. Leve
o meu exemplo como uma lição e não o repita. As consequências reverberam através de sua
vida e Wyrd.
Com tantos juramentos quebrados, meias verdades e mentiras completas de trinta anos,
quanto trabalho o governo dos EUA deve fazer para recuperar a confiança? Veja todos os
tratados quebrados que o governo dos Estados Unidos assinou com as nações americanas.
Não, é sério, olhe para eles. É uma lixeira de literalmente centenas de promessas quebradas,
negócios terríveis, golpes e genocídio. Na Declaração de Independência foi declarado “todas
as pessoas foram criadas iguais”, então, quando a Constituição foi ratificada, lançou os negros
a 3/5 de uma pessoa, menos do que humano. Nossa nação fazia parte da criação e ratificação
da Convenção de Genebra, e agora nós o exibimos desavergonhadamente. As empresas
envenenam nossos corpos, mentes, terras, mares e céu estão acumulando ganhos recordes,
enquanto os trabalhadores de nível inferior são obrigados a receber assistência pública.
Qualquer pensamento para o bem-estar do povo, e promessas e juramentos associados para
cuidar do meio ambiente, dos pobres ou de qualquer outra coisa que não tenha um motivo de
lucro embutido, são tidos com desprezo. A mæġen dos EUA diminui à medida que reforçamos
nosso poder decadente com um exército enfermo e mal-preparado, e a hamingja morre em
nossa busca constante “o poder faz o certo/direito” de nossos “interesses nacionais”. Enquanto
isso, temos pessoas em todo o nosso país incapazes de cuidar de si mesmas, metade da
nossa nação vive dentro ou abaixo do nível de pobreza, e a infra-estrutura da nação se
desmorona. Os juramentos são tão importantes para a alma quanto para a fundação de
qualquer sociedade, e quando os juramentos se corrompem, a alma também. Não é diferente
com a alma de uma nação.
O juramento de casamento
Descendo ao nível mais pessoal, deixe-nos falar sobre juramentos matrimoniais. O mais
comum que estamos acostumados a ouvir é “até que a morte nos separe”. Pense sobre isso.
Você está investindo uma parte de sua alma, e o que deve ser uma parte significativa da sua
vida em um relacionamento até que uma ou outra pessoa morra. Não há “fora” na maioria
desses juramentos matrimoniais, não há “se esta pessoa vir a ser um idiota total ou não cuida
das crianças ou é abusivo eu posso deixá-lo”. Pelo menos do lado católico, você deve anular
seu casamento antes de se casar de novo, mas, do ponto de vista católico, isso não é um
juramento. Diz-se que o juramento matrimonial nunca foi válido desde o princípio, e assim o
juramento não pode ser vinculativo.
Há muitas partes do juramento matrimonial que você pode mudar; poxa, você pode escrever o
seu próprio. Pode haver alguns juramentos que os Deuses, Ancestrais e/ou espíritos querem
que você mude ou adapte. Na maioria dos casos, não temos um corpo singular de liturgia que
tenha passado de geração por geração, e nossos Deuses, Ancestrais e espíritos,
especialmente landvættir, podem ter expectativas diferentes quando nos juntamos para nos
casar do que o que temos em mente. Assim, embora haja falta de fundação, há também uma
falta na ossificação do Sagrado, de uma palavra escrita e de um juramento falado.
Eu não espero muito, se alguém da minha vida familiar ampla aparecer quando eu me casar,
mas meu(s) parceiro(s) e eu seremos reconhecidos como casados quando visitarmos a família.
No entanto, juramentos serão feitos, e os fios desses juramentos unirão nossa Wyrd uma à
outra, às nossas comunidades e às nossas famílias. Os laços de mæġen, hamingja e o resto
de nossa alma estarão lá, reconhecidos diante dos Deuses, Ancestrais e espíritos, e as
comunidades que consideram oportuno estarem lá.
Passei um bom tempo falando de juramentos, então agora vou trocar as marchas aqui um
pouco.
A hamingja é afetada por nós, mas também está, em partes, distintamente fora do nosso
controle. Se pertence a qualquer um, ela pertence a nós e com quem compartilhamos nossas
vidas. Nós ajudamos a construí-la na construção de nossa mæġen, mas também ela pode
ajudar a construir a mæġen por sua vez. É, em parte, a nossa reputação nas comunidades em
que vivemos. São as relações que temos com essas comunidades e com elas. É a construção
de parcerias e a queima de pontes. É a vida que você toca para o bem que encoraja uma
pessoa a se destacar. É a pessoa que você prejudicou e ajudou a continuar uma espiral
descendente. É quem você é, e como você é conhecido. É sua reputação, seu(s) nome(s), sua
boa palavra. É o que você fez para a sua comunidade e o que você não conseguiu fazer. É
confiar na comunidade ter suas costas tanto quanto está fazendo para a comunidade. Não
pode ser feito sozinho, embora cada pessoa tenha sua própria parte na construção.
A hamingja é como um grande aumento de um celeiro: melhor feito junto com aqueles que
você confia para não deixá-lo cair enquanto ele é levantado.
Nossa mæġen e hamingja são as correntes que forjamos com cada dever feito, cada juramento
mantido, cada tabu observado, cada ação que ajuda a nós mesmos e outros, e é quebrada, às
vezes elo por elo e, às vezes, toda de uma vez, quando falhamos nesses [elos]. No entanto, há
esperança porque pode ser reforjada. Então, se você estragar, e os Deuses sabe que eu o fiz,
não é o fim do mundo, mesmo que, no momento, pareça assim. A reconstrução
da mæġen e/ou hamingja deste estado é iniciada fazendo a escolha certa: reconstruí-la. Pode
ser difícil e longo, e essa corrente pode nunca mais ser a mesma coisa, mas é tão digno do
trabalho como qualquer um que possamos nos envolver. Boa mæġen e
boa hamingja promovem a boa paz e a ordem social.
Vou tentar ser breve. Breve não, brevíssimo, porque esse assunto dá um livro facilmente. Aviso
inicial: se você está há pouco tempo no paganismo nórdico ou germânico em geral (do qual o
nórdico é só uma parte) você pode talvez não entender este texto de cara. Talvez você precise
de algum tempo e se familiarizar com algumas ideias que raramente são vistas à nossa volta,
mesmo no meio pagão. Vou tentar fazer ele fornecer, resumidamente, tudo o que você precisa
saber para entender a noção de pós-vida pagã, mas talvez não seja o suficiente em uma ou
duas leituras. Lembrando que isso aqui não é verdade absoluta, só o ponto onde meus estudos
chegaram até o momento, e aceito todas as contribuições possíveis.
Existem dois principais tipos de religião: as que aceitam o mundo e as que negam o mundo. As
primeiras são chamadas de ‘world accepting’ e o segundo tipo de ‘world rejecting’. Algumas das
religiões mais famosas do mundo são religiões que negam a realidade: o cristianismo, o
islamismo, o budismo, o hinduísmo, etc. Isso é o traço essencial que as une.
No cristianismo você vive uma vida de sofrimento ou boas obras intentando ir para o céu e
evitando ir para o inferno, no islamismo isso, mas também há uma grande ênfase na
observância correta dos ritos e orações, no budismo há a noção de ‘nirvana’, de não-
preocupação e não-desejo a se alcançar, e no hinduísmo a realidade é simplesmente ‘maya’,
ilusão. Todas essas religiões têm em comum o fato de prometer a seus praticantes algo que
está além daqui, e transforma o aqui ou em algo a se negar, ou em um local de mera transição
rumo a uma elevação.
Mas a maioria dos casos em que religiões pagãs se desenvolveram, elas tiveram um caráter
bem diferente. Elas eram religiões associadas ao dia-a-dia, e estavam muito mais conectadas
com as tarefas da vida cotidiana e a inserção do ser humano na ordem natural das coisas,
como agente e auxiliar dos acontecimentos naturais. O objetivo de religiões que aceitam a
realidade é em geral proteger a vida da família, causar bem-estar e fertilidade, coisas
associadas à vida mesmo, bem materiais. Elas não têm ou têm de maneira confusa uma noção
de remuneração pra depois da vida. O paganismo nórdico-germânico está nesse segundo tipo.
Tempo cíclico versus tempo linear
Existem também basicamente duas noções de tempo, influenciadas por essas religiões. Uma é
a de tempo linear. Essa é a nossa noção de tempo, enquanto ocidentais. O mundo para os
cristãos nasceu em algum momento, e vai terminar em algum momento. Contamos o tempo de
acordo com o nascimento de Cristo de maneira fixa. Estamos no ano 2017 depois disso, e o
que veio antes disso é contado regressivamente. A história é uma grande narrativa, e os
eventos são únicos e irrepetíveis. Essa é a história dos indivíduos.
É importante notar que o tempo linear faz com que as sociedades que se desenvolvem sobre
ele tenham uma tendência maior de dominar a natureza, pois a enxergam como mero objeto,
enquanto grupos tribais ou comunidades humanas sob tempo cíclico entendem que os
indivíduos humanos não são tão poderosos, e estão submetidos às leis da natureza. Basta
abrir a Germania de Tácito e você encontrará relatos de guerras e assembleias tribais sendo
adiadas até determinadas fases da Lua ou eventos naturais. Isso porque a vontade humana
não se sobrepunha à natural. Até hoje ela não se sobrepõe, mas alimentamos essa ilusão de
que sim.
O próximo ponto a se considerar é que as religiões que negam a realidade tendem a focar nos
indivíduos. Aqui é colocada a importância toda na experiência ou na salvação individual, na
premiação depois da vida. Ela tira a consciência coletiva e molda o ego. Ninguém pode salvar
terceiros, ninguém pode levar terceiros ao nirvana. Apenas você mesmo. Se vire.
As religiões pagãs, todavia, são mais focadas na comunidade. Como são religiões que aceitam
a realidade, e se circunscrevem em noções de tempo cíclicas, há a necessidade do trabalho
coletivo para causar o bem-estar. O ser humano aqui não é visto como independente da
natureza e da comunidade humana como um todo, mas como parte. A personalidade é do
grupo, da tribo. Somos, assim, só uma parte disso. É como se a tribo fosse o indivíduo, e nós
apenas partes divididas, dividuais, e não individuais. É como se fossemos apenas uma mão
braço, dedo, ou dente do corpo. “Individualmente” não somos muita coisa. Isso porque no
passado, os humanos tinham consciência da necessidade de se inscrever dentro da
comunidade humana e o banimento, a solidão, era um castigo tão cruel quanto a morte, e que
eventualmente levava a ela.
Não haviam noções tão pessoais de relação com divindades (desculpem, místicos!) mas
‘pagamentos’, remunerações, presentes dados às divindades e seres poderosos, de maneira a
fazer com que a comunidade recebesse sua ajuda. A comunidade era importante porque era
reconhecida como existente e necessária, caso não muito comum hoje, onde o ego sempre fala
mais alto.
O cristianismo, assim como muitas religiões, são formadas na noção de culto através da Fé
(com F maiúsculo). A fé é o que leva suas preces pro deus deles, e é a fé que foi levada a uma
escala absurdamente mais importante do que já era pelo protestantismo. A própria
necessidade de ação vai ser negada, desde que se tenha Fé, crença. Resumindo: faça o que
você quiser, desde que você acredite.
As religiões étnicas (étnicas, não raciais, veja a diferença), ou populares, ou pagãs, ou tribais,
todavia, em vez de serem centralizadas na relação de Fé (individual e com F maiúsculo),
desenvolvem-se mais a partir do costume. Ou seja, partindo da noção de inserção no tempo
cíclico, que também é mantido pela ação humana, da noção de não-dualidade de espírito e
matéria, bem como da de caráter coletivo da religião, e mais importante que todas, a aceitação
da realidade, as religiões tribais e pagãs baseiam-se na preservação de determinados atos, na
troca de presentes com humanos, criaturas (vaettir) e divindades.
Os presentes aqui em geral cumprem o papel da Fé, da mesma forma que na vida real. Um
animal era morto, e compartilhado com o deus X, parte da colheita queimada pra ser enviada
ao deus Y, objetos valiosos eram quebrados para liberarem a força para o ser a quem se
ofertava. Aqui vale ressaltar que há uma troca de megin, isto é, de poder, de energia, que
através do sacríficio/morte/queima envia essa megin para os seres a quem queremos, e eles,
aceitando os presentes, se veêm obrigados a retribuí-los num círculo de fraternidade e
harmonia (friðr).
Enquanto nas religiões baseadas na ortodoxia se visa a crença correta, “acredite em deus
acima de todas as coisas!”, nas religiões baseadas na prática, é mais uma questão de se
manter o equilíbrio natural através da manutenção dos atos tradicionais. Mas, vale lembrar,
esses atos não devem ser feitos mecanicamente, mas com consciência, profundidade, e
respeito. Manter os ritos sem as intenções os esvazia de sentido.
Religiões pagãs, muitas vezes, não têm isso. Para elas não existe uma divisão de matéria
versus espírito, mortal versus imortal. O que existe é matéria-espírito, uma coisa una e
inseparável. Se tem matéria, tem espírito. O espírito não é visto exatamente como uma
consciência individual; na verdade ele é mais uma força, “might”, como no nórdico
antigo megin ou no anglo-saxão mæġen. Ter uma personalidade é diferente de ter uma
individualidade, na verdade, personalidades são coisas relacionais, definidas não através do
sujeito em si, mas de sua interação com outros. Não a toa as virtudes pagãs eram coletivas, e
não individuais como infelizmente as Nove Virtudes inventadas no século XX fazem parecer
ser.
Uma das provas mais cabais em relação a isso é o fato dos antigos caçarem ritualmente.
Comer a carne de determinados animais era assim incorporar parte da essência e
características deles. Se matéria-espírito é uma coisa una, ao alimentar-se de um, você
também incorpora o outro. Assim, não existem duas coisas separadas, para os antigos, mas
apenas uma. O corpo é igual ao espírito e o espírito é igual ao corpo. “Mas isso não faz
sentido, e a morte?”, vamos chegar lá, calma.
Espírito multiparte
Esse aqui eu creio que seja o ponto mais confuso pra todos. Ao passo que o corpo “espiritual”
não era entendido como algo individual, mas dividido, relacional, que tinha sua importância
enquanto parte de um coletivo, e não em si mesmo, ele, em si mesmo, também se dividia.
Pense o seguinte: uma confederação é formada de várias tribos, uma tribo de vários clãs, um
clã de várias famílias, uma família de várias pessoas. Existem níveis de consciência coletiva
diferentes entre cada um desses pontos. A família tem uma postura, o clã, outra, a tribo, outra.
Uma família sozinha pode ser pobre, mas ser rica dentro de uma confederação rica, e contribuir
com essa riqueza.
Da mesma forma nosso corpo possui várias células, vários microorganismos que vivem dentro
de nós. Eles são vivos de maneira particular, mas são dependentes do todo. Todos juntos
esses microorganismos e células formam o que chamamos de “nosso corpo” individual.
Isso acontece também com as forças ou poderes, as criaturas que formam o que chamamos
de “hamr”. A hamr não é um todo dividido em vários órgãos. Hugr,
Munr, Fylgja, Ættarfylgja são seres quase independentes, ligados por um laço
chamado ørlög, o destino. O próprio corpo material (líkr) é considerado parte da hamr. Sabe a
Sociedade do Anel, no primeiro livro da série de Tolkien? Ela nasce com um propósito, não é?
Destruir o Um Anel era o ørlög dela, sua razão de existir. Mas ela é feita de membros distintos,
que se unem com um propósito comum. É isso que as criaturas e forças fazem, ao receber
um ørlög. Assim como a Sociedade do Anel, ganhamos nosso nome. Somos um amontoado de
“espíritos”, de consciências e personalidades juntas, com um objetivo, um destino. Cada um de
nós é uma “Sociedade do Anel” em si mesmo.
Ufa, respira
Nesse ponto você pode ter percebido que o cristianismo e a visão de mundo ocidental, mesmo
quando não-cristã se baseiam nos seguintes pontos: a) negação da realidade, b) tempo linear,
c) religiosidade individual, d) ortodoxia ou crença correta, e) dualismo entre matéria e espírito, f)
espírito indivisível. Enquanto isso, o paganismo dos germânicos e nórdicos a) aceita a
realidade, b) tem tempo cíclico, c) religiosidade coletiva, d) ortopraxia ou agir conforme a
tradição, e) não dualismo, matéria-espírito unificada, f) tem um espírito divisível. Cristianismo e
paganismo são ideias de vida inversamente proporcionais, em vez de passíveis de terem
equivalências a serem substituídas entre si (como trocar um deus por vários, deixar de desejar
o céu e desejar o valhalla, etc.).
(Mantive o espírito entre aspas pois hamr não significa exatamente espírito)
É preciso ter tudo isso em consideração quando vamos falar de vida após a morte aos
germânicos, pra evitar procurar respostas que parecem perfeitamente corretas para nós (a
partir de nossa visão de mundo ocidental, filha do cristianismo!), mas que na verdade não se
encaixam com muita precisão dentro da maneira de ver as coisas tribal. As respostas sobre o
pós-vida parecem estranhas, vagas, sem sentido. Isso é normal: elas fazem sentido dentro do
paganismo dos germânicos, que, como vimos, é um paganismo (caipirismo, algo que gente da
cidade chama de “superstição”), um conjunto de costumes, cultura, e as palavras “religião” e
“espiritualidade” definem muito mais o que nós, humanos ocidentais modernos, entendemos e
praticamos como relação com o divino do que aquilo que os antigos entendiam e praticavam.
Eu morri, e agora?
À primeira vista pode parecer estranho então. A ideia que surge é: se o espírito (na verdade
a hamr, “forma”) é divisível e não-individual, tendo pontos de contato com sua comunidade
humana, não delimitado dentro do “self”, parece ser um pouco confuso entender a razão que
fundamenta uma “religiosidade” ou “espiritualidade”: você está certo, aí que está a entradinha
da toca do coelho pagão.
Hel, o reino dos mortos, se localiza nas raízes do freixo de Yggdrasil. Como sabemos, Midgard
fica na terra do meio, por onde o tronco de Yggdrasil se levanta. Se analisamos isso sem
noções dualistas, e entendemos o subsolo como algo literal, a terra mesmo sob os nossos pés,
onde as gerações anteriores estão enterradas, então, bem, as coisas começam a fazer sentido.
Hel não é um local espiritual. Hel está literalmente sob nossos pés. Hel é feito de solo.
Sim, eu sei que à primeira vista isso parece estranho. Todavia, vamos elucidar alguns fatos. 1)
Odin viaja através do mundo dos mortos, e mais alguns personagens. A descrição, quase
sempre, é de maneira literal — não espiritual! — de idas com cavalos, mantos de falcão, etc. 2)
Os locais onde os mortos eram enterrados, eram considerados locais sagrados. Não
respeitados. Não preservados. Sagrados no mesmo sentido que comumente vemos
relacionados a divindades. 3) Os túmulos eram porta(i)s de acesso ao mundo dos mortos.
Literalmente assim. 4) Mortos reconhecidos por sua influência na sorte e fertilidade durante a
vida eram cultuados com o mesmo respeito dos deuses deuses. Halfdan, o Negro, por
exemplo, tem seu corpo dividido em quatro partes, levada a cada uma das localidades do seu
reino, para poder manter a fertilidade de tais regiões, em vez de uma única. 5) Os mortos eram
comumente enterrados com vários objetos, como armas, alimentos, ferramentas, várias coisas
que indicam não uma homenagem pura e simplesmente por parte dos vivos, mas a entrega de
coisas que podem ser utilizadas no pós-vida.
Perceba que tudo isso corrobora para uma identificação da terra com a casa dos mortos, e da
superfície do solo como porta(l) de contato com eles.
Perceba também que se a matéria e espírito não estão separados, faz todo sentido que
machados, lanças, e todo e qualquer objeto seja deixado junto com quem está sendo
enterrado. Ele pode certamente usar os objetos que foram deixados.
Vemos por exemplo, o monte Helgafjel na Islândia, que, provavelmente era o destino para os
mortos apenas de um determinado grupo tribal, mas que certamente refletia uma crença mais
genérica. É possível que várias localidades tivessem associado a vida após a morte com algum
monte (seja ele de tamanho humano, ou uma montanha), e tais montes eram
considerados altamente sagrados, ao ponto de não se olhar para eles sem antes se lavar o
rosto, como retratado no caso do próprio monte Helgafjel.
Os montes, por sua vez, eram comumente entendidos como habitações de elfos, e os elfos,
então, também eram considerados não apenas como criaturas (vaettir) da natureza e da terra,
mas eles próprios muitas vezes eram vistos como Ancestrais, ou como aqueles nos quais
alguns Ancestrais especialmente honrados se tornaram. Entendendo que a noção de vaettir é
mais próxima de “criatura” do que de “espírito”, percebemos que isso também está em perfeito
sentido com a noção de não-dualidade espiritual que se preserva mesmo após a morte.
Mais claramente associadas a rochas ou pedras, temos as dísir, que são consideradas uma
contraparte feminina dos elfos, as ancestrais femininas responsáveis por tecer o destino dos
recém-nascidos do clã, dando a eles seu ørlög. As ancestrais femininas, isto é, as mulheres
sábias e poderosas da família eram tão importantes que eram consideradas uma parte
da hamr de membro de um clã, raramente de forma individualizada, mas coletiva, e a sorte de
uma pessoa também era medida em quantas aettarfylgjur (acompanhantes familiares) ela
tinha. Entre os germano-célticos continentais nos encontramos os cultos e altares às Matronae,
as quais raramente tinham nomes repetidos, o que atesta que eram cultos familiares ou
regionais, e certamente relacionados à ancestrais femininas. As mulheres ancestrais tinham
então um alto status nas religiões germânicas, seja na Escandinávia e Islândia, seja na
fronteira com Roma.
Ancestrais
O mortos não eram vistos distantes dos vivos, eles eram parte da vida destes, não eram
somente reverenciados em agradecimento pelo que fizeram em vida, na verdade, mesmo após
a morte, eles continuavam fazendo parte da vida da família. Eram o “lado de lá”, subterrâneo
da família, e interagia com os vivos.
Ofertas eram então deixadas para garantir a amizade e o respeito entre vivos e mortos, como
você pode ver, familiares mortos nem sempre se tornam Ancestrais, “Ancestral” é uma
categoria reservada a mortos honráveis. Quanto maior sua reputação e influência em vida,
maior a sua reputação e influência após a morte. Maior a necessidade dos vivos de manterem
boas relações com você. Vivos e mortos faziam parte de uma e mesma comunidade, ligada
pelo orthanc, a herança familiar.
Os draugar
Uma parte muito importante do pensamento sobre vida após a morte, em especial entre os
povos germânicos da Escandinávia e Islândia, eram os draugar, os mortos animados.
Um draugr era ao mesmo tempo um morto-vivo e um fantasma. A melhor definição continua
sendo a mais literal “aquele que caminha depois de morto”.
Embora o draugr continuasse habitando o túmulo, por não estar descansando em paz, ele
continuava assombrando a comunidade humana viva. Nas Sagas isso poderia se resolver com
a decaptação ou cremação do corpo, em casos mais graves. Nesse caso, a destruição do
corpo material parece equivaler à destruição, ou pelo menos à liberação da hamr, a forma
“espiritual”.
Mas… E as Eddas?
Eu sabia que você ia perguntar isso. As Eddas foram escritas bem tardiamente, bem como
as Sagas. O problema é que a Ásatrúarfélag islandesa instituiu o costume de só analisarmos
as Eddas (o próprio sumo-sacerdote da organização admite isso aqui), e as evidências
arqueológicas, esmiuçadas por Hilda Roderick Ellis em The Road to Hel, que servem como
base pra nosso texto, também não parecem ser consideradas.
A versão das Eddas data provavelmente o século XIII e lida somente com temas ligados à
poesia, ou então com a mitologia superior. Snorri Sturluson explica o Gylfaginning como
maneira de situar o poeta no Skáldskaparmál, a parte em que o uso dos nomes poéticos é
explicado, maneira de ensinar a própria arte poética islandesa, não sendo, portanto, um texto
revelado. Pela influência cristã do autor a estrutura da obra acaba lembrando a da Bíblia, o que
facilita o seu uso um tanto irrefletido nos dias atuais, como se possuísse a mesma função.
Mas Valhalla de um lado, e Hel do outro, não são o mesmo binômio que céu e inferno. Se a
morte em batalha valesse mais que a vida, os povos nórdicos tinham se extinguido. Simples
assim. Porque viver, se morrer em batalha leva ao paraíso? Mas essa noção só faz sentido
dentro de religiões que negam a realidade. O paganismo germânico não é uma delas.
Outra coisa que não ajuda no entendimento do real significado do Hel é o fato do Nástrond, o
local onde a serpente Nidhog se encontra, ser localizado no subsolo, mais especificamente, na
terra dos mortos. Nidhog é a serpente que devora as raízes de Yggdrasil, que precisam ser
regadas e curadas pelas Nornir. Todavia, quem alimenta esse dragão são os traidores,
assassinos e aqueles que quebram a palavra. Não sei se vocês repararam, mas essas são
todas qualidades péssimas pra uma vida coletiva, tribal. Eu não posso afirmar que essa é uma
crença antiga dos povos germânicos, todavia, não posso também negá-la. Em todo o caso, ela
parece carregar um sentido forte de punição para aqueles que atrapalham a harmonia (fridr) do
grupo. Me parece mais uma ideia de uma religião que aceita a realidade (por punir atos
egoístas e que atrapalham a vida cotidiana) ao encontrar com uma religião que nega a
realidade (por jogar essa punição para um pós-vida).
Além disso, as Eddas ainda apresentam mais dois destinos: o Bilskirnir de Thor, para onde os
escravos iriam, e servir a Gefjun, destino reservado para as mulheres que morressem virgens.
Chegando nesse ponto não é fácil discernir o conceito de pós-vida pagão do cristão,
as Eddas apresentam muitas respostas, e, embora nenhuma entre em profunda contradição
entre si, é um tanto difícil acreditar que elas eram de fato correntes no período pagão, uma vez
que a evidência arqueológica firma o pós-vida de uma forma tão material e próxima do clã. É
importante, todavia, se notar que as mulheres, infelizmente, eram tratadas como moedas de
troca em alianças entre famílias, e os escravos certamente não gozavam de status de
familiares. Se assumirmos que Hel é só um outro mundo, exatamente como este, mas para os
mortos, parece compreensível que de certa forma pessoas que fossem usadas como
mercadoria de troca por terem uma sub-cidadania tivessem destinos diferentes daqueles
reservados a um membro legítimo do grupo tribal.
Cabe mencionar que os que morriam no mar tinham outro destino: o reino de Aegir e Rán.
Neste ponto fica ainda mais perceptível como matéria e espírito são uma coisa só, e como Rán
enquanto caçadora de marinheiros é algo real. Os antigos andavam com moedas para, uma
vez caídos no mar, poderem ter como negociar com Rán, e terem uma estadia mais vantajosa.
Aqui novamente vemos o elemento material ligado à morte, e que o ouro podia sim ser usado
pela deusa — aliás, Aegir, esposo de Rán, é um colecionador de ouro. Se matéria e espírito
fossem coisas separadas, se o ouro não tivesse uma qualidade útil após a morte, não faria o
menor sentido para os navegantes pagãos tal prática, uma vez que para nós o ouro é um
objeto, algo não-vivo, o que, percebe-se, não era o caso para eles.
Voltando ao Valhalla…
Eu já devo ter dito umas mil vezes em outros textos, mas vou repetir mais uma: quem causa
essa obsessão nas pessoas para ir ao Valhalla é a mídia, a cultura pop. Ela certamente
funciona sob a noção Valhalla versus Hel, Paraíso versus Inferno, Premiação versus Punição,
em suma.
A noção que a maioria das pessoas têm de pós-vida é influenciada por religiões individualistas,
que negam a realidade, são dualistas, e partem de uma noção de espírito indivisível, e eu
aposto muita coisa como a maior parte dos pagãos vê as coisas sob essa ótica. Não estou
falando isso como uma crítica negativa ou senso de superioridade. Mas é que esses detalhes
estão tão profundamente enraízados em nossa mentalidade que é difícil os perceber. Só um
trabalho consciente de mudança desses pensamentos pode fazer sair disso.
Vê-se isso claramente na glorificação da morte em batalha. Eu gostaria de convidar todos que
puderem a ler o poema anglo-saxão Beowulf, ele trata do conceito de batalha de uma forma
muito mais clara, e fica evidente que o guerreiro não se entrega simplesmente pensando no
pós-vida, na verdade, o guerreiro sabe que ele não tem muita escolha, o seu destino já está
definido, e só lhe resta aceitar a ordem das coisas (alguém lembra do tempo cíclico, acima?) e
‘encenar’ o seu papel da melhor forma possível. Quem decide a vitória ou a derrota é a wyrd e
não a sua coragem, ou desejo de ir pra junto de Odin. É muito mais importante a reputação e
honra do guerreiro no mundo dos vivos que o destino hipotético de sua alma.
Por outro lado, se analisarmos os critérios para se ir ao Valhalla — e lembramos que corpo-
espírito é a ideia germânica em vez de um corpo separado do espírito — percebemos que
existem algumas regrinhas, não é só se querer ir para lá. Você precisa ter o seu corpo
destruído em batalha, ou através do fogo. Alguém lembra como as ofertas eram entregues aos
deuses? Através da inutilização, destruição material. O mesmo vale pra ofertas humanas. O
segundo ponto é: o Valhalla é um local pra dois tipos de pessoas: a) nobres (que poderiam
entrar através de cremação do cadáver, se não morto em batalha), ou b) guerreiros. Em todo o
caso a destruição do corpo é uma etapa essencial para se liberar a megin e a hamr.
Você já deve ter notado que, se corpo-espírito não se separam, então a luta do Ragnarök — o
motivo pelo qual Odin pega mortos em batalha ou nobres — essa luta é algo bem real e
sanguinário. Que você precisa ser um guerreiro de verdade. Então, vamos lá, é hora de admitir
que lutar no dia-a-dia contra a realidade não te dará utilidade nenhuma no dia do Ragnarök.
Muito pouco provavelmente existe um motivo para você querer estar lá, exceto o fato de que
todos os programas/quadrinhos/mídia que você vê falando (de maneira superficial) sobre os
vikings fala sobre isso, por ignorar todos os conceitos do paganismo germânico, como te
mostramos até agora.
Mas, antes de encerrar o assunto Valhalla, eu tenho mais uma má notícia pra você: Freyja tem
um acordo com Odin, e direito a metade dos guerreiros e nobres recolhidos. Ela escolhe
primeiro, e não existe garantia nenhuma de que você não vá para Sessrúmnir em vez de ir para
Valhalla.
Conclusão
“O homem que vive atualmente, ó rei, parece-me, em comparação com aquele tempo que nos
é desconhecido, ser como o vôo rápido de um pardal através do salão em que você se senta
para ceiar no inverno em meio a seus oficiais e ministros, com um bom fogo no meio, enquanto
as tempestades de chuva e neve prevalecem no exterior; o pardal, eu diria, voando para dentro
de uma porta e imediatamente indo para fora pela outra, enquanto está dentro fica a salvo do
clima invernal. Mas depois de um curto espaço de tempo bom, ele imediatamente desaparece
da sua visão para o inverno escuro do qual ele surgiu. Então, esta vida humana aparece por
um curto período de tempo. Mas do que foi antes ou o que se segue, somos ignorantes. Se,
portanto, esta nova doutrina [o cristianismo] contém algo mais certo, parece justamente
merecer ser seguido “.
Beda, História Eclesiástica da Nação Inglesa, por volta de 731 da Era Comum
É durante esse processo que se chocam as duas visões de mundo, a tribal e a cristã, e a vida,
sob o paganismo, é comparada com a ave que, enquanto vive, ou seja, está dentro do salão,
está segura do inverno e das tempestades de fora. O mundo fora das duas janelas, pela qual a
ave entra e sai, é a ‘eternidade’, o momento em que a alma estaria fora da vida. Como
podemos ver, o texto termina com a ideia de que a vida cristã, a alma para o cristianismo, não
é como a alma pagã, ela é individual, como a ave que passa no salão, e ao mesmo tempo ela
possui uma verdade, um conhecimento do que há para além da vida, o que não parece ser a
vida dos pagãos.
Há de se considerar que esse argumento de Beda poderia ser, simplesmente, estar fazendo
propaganda negativa do paganismo, como um clérigo. Todavia, o período em que Beda
escreve ainda não está distante o suficiente do período pagão para se supor isso, uma vez que
as pessoas poderiam ler e reconhecer a falsificação dele, se fosse o caso.
Mas eu diria que se isso parece um problema, é pelo nosso costume de ocidentais com a forma
religiosa cristã. Por que uma religião precisa de um promessa de além-vida? Por que é
necessário um destino, algo depois da morte? Tais perguntas são essenciais, uma vez que
precisamos entender: queremos de fato uma nova religião, ou pegar partes de outra religião
que se encaixem no que estamos acostumados? Se analisarmos os argumentos de Bede, e
compararmos com o registro arqueológico da Inglaterra e Escandinávia, veremos que a
hipótese dos mortos vivendo no solo parece ser forte demais pra ser ignorada, mesmo que a
opinião erroneamente tomada como canônica das Eddas vá contra.
Todavia, o que é mais importante de se tirar do trecho de Beda é que, enquanto ele queria
desqualificar o paganismo por não ter uma noção tão clara do que acontece no além da vida,
ele deixa evidente o fato do paganismo aceitar a realidade e a vida como elas são, em todas as
suas facetas. O tiro de Beda sai pela culatra, pois é exatamente isso que, particularmente eu,
como heathen (pagão), mais admiro no heathenismo: a aceitação do mundo da forma que ele
é, e a dose de mistério que tem para excitar a nossa mente, no que se refere ao além da vida.
O paganismo é material, tocável, algo que se vive no dia-a-dia, e não uma doutrina que nos
força ideias absurdas de remuneração depois da morte. Uma das maiores lições do
paganismo é a sua capacidade de abrir nossos olhos para o que está aqui, a relacionalidade de
nosso ‘eu’ com tudo que está ao nosso redor, incluindo vaettir (criaturas da terra), Ancestrais e
deuses. O pós-vida é uma continuidade disso, ou algo que desconhecemos. Isso não faz ele
ser de maneira nenhuma algo negativo.
Essas são as conclusões mais profundas que minhas investigações sobre a noção de
continuidade do espírito entre os germânicos após a vida me fizeram chegar, até o presente
momento. Todavia, parece que o paganismo preferia se basear em algumas dúvidas, em lugar
de meias verdades ao estilo cristão e seus paraísos e punições.
PORTUGUÊS
Uma viagem ao Hel
Muitas pessoas cometeram o erro de pensar que Valhalla (Valhöll – “Salão dos mortos em
batalha” – em Nórdico Antigo) é uma espécie de “Paraíso Heathen”, com Odin como uma figura
paterna benevolente para aqueles que chegam à sua porta. Isto está longe do que podemos
identificar na tradição existente e, para tentar mudar as percepções, oferecemos uma história
curta de alguém que não acaba na casa dos Einherjar (nem, de fato, deveríamos querê-los!) :
Uma criança pequena, com não mais de sete invernos de idade, tropeça através de Gjallarbrú,
a ponte sobre o rio Gjöll. As lágrimas mancham suas bochechas, e o medo marca seus olhos.
Móðguðr pisa diante dela e, por um momento, a criança recua aterrorizada com a dís. O rosto
endurecido pela batalha se amolece e ela se agacha para falar: “Olá, querida criança, não
tenha medo, esta é a entrada para Hel e você não será machucada aí dentro. Sua família
espera por você com amor. Deixe-me levá-lo até eles.” Móðguðr estende uma mão e a garota a
toma cautelosamente.
A dupla percorre o reino dos mortos tranquilos e, embora seja quente como uma manhã de
verão, Móðguðr sente um calafrio enquanto a criança conta a história de um homem covarde.
Ele bebia muito, era miserável com os presentes, e batia na sua esposa e filhos. As marcas da
última surra ainda apresentavam-se cruas na menininha andando de mãos dadas com
Móðguðr através de Hel.
Depois de um curto período de tempo, a dupla chegou a um meadhall, com muitas casas em
torno dele. As pessoas que moravam neste lugar viram a dupla vindo e pararam suas tarefas
para cumprimentar a menina com todo o calor de seus corações. Móðguðr deixou a menina
com sua família e voltou para sua vigília na ponte.
Uma mulher idosa conduziu a menina para uma casa perto do salão e falou: “Querida, eu sou
sua bisavó e, feliz como estou de vê-la novamente, me entristece que nos encontremos tão
cedo.” Enquanto ela falava, a mulher suavemente tirou as roupas sujas, limpou as lágrimas e
as feridas e deu-lhe roupas frescas para vestir. Os olhos da menina perderam o medo e
brilharam de felicidade. Ela agora morava com seus entes queridos em uma terra sem dor.
Algum tempo depois, Móðguðr retornou àquela aldeia em Hel, guiando um homem. O homem
mal conseguia se levantar dos ferimentos, mas Móðguðr não abrandou o ritmo nenhum pouco.
Quando os que moravam ali viam os dois se aproximarem, fizeram uma pausa em suas
tarefas. A menina reconheceu seu pai e bateu em sua bisavó. Desta vez, as pessoas não
saudaram o homem calorosamente. Pelo contrário, os homens da aldeia pegaram-no com as
mãos asperamente, de modo que ele não podia escapar.
Levaram-no da aldeia para o lugar onde a terra encontrou a água em Nástrǫnd. Ossos afiados
cortaram os pés descalços do homem e ele gritou de dor. De repente, o chão se retorceu e o
grande dragão, Níðhǫggr, irrompeu da horda de cadáveres. Os homens da aldeia jogaram o pai
da menina no chão diante do malicioso e voltaram para suas casas e suas tarefas, os sons de
mastigação e sucção desaparecendo em seus ouvidos.
Para onde as pessoas iriam depois de mortas? Comumente dizem apenas “Valhalla” ou “Hel”,
mas veremos aqui que as coisas não eram bem simples assim.
A ideia mais comum era que os mortos permaneceriam nas próprias tumbas, por isso se
explica que muitos eram enterrados com fortunas, escravos, alimentos, animais, etc. Ou que
essa tumba servisse de ligação com o Hel, onde a alma descansava separada do corpo. Além
disso, há que se mencionar:
O lugar mais amplamente mencionado na atualidade como destino após a vida é o palácio do
Valhalla (Valhöll) no mundo dos deuses, Asgaard. Para chegar até lá, nada de ser bonzinho e
justo: você precisava morrer em batalha. Segundo J. Langer, a primeira visão das Valkyrjor era
justamente de seres bestiais que distribuíam a morte aos guerreiros conforme sua vontade;
isso muda aos poucos até se ter uma visão mais romântica dessas filhas de Óðinn, como uma
espécie de guardiãs, e em alguns casos parecem meramente “escolher entre os mortos” os
que vão fazer parte do exército dos Einherjar (o qual lutará ao lado de Óðinn na batalha
final, “Ragnarök”, no fim do ciclo temporal). Mas a visão que parece mais coerente é a de que
elas e Óðinn decidiam os que morriam e os que não, escolhendo entre os primeiros aqueles
que são levados ao Valhalla. Todavia, com base em estudos mais detalhados, percebe-se que
provavelmente o Valhalla possui muito mais um significado poético que literal.
FÓLKVANGR
Mas nosso deus caolho tinha um acordo com outra deusa asgardiana sobre os mortos, a Vanir
Freyja, a qual consta que tinha direito à metade dos guerreiros, e inclusive de escolhê-los antes
do próprio Óðinn, os quais iam ao Asgaard levados pelas Valkyrjor após morte em batalha e
ficariam no palácio da deusa da fertilidade, o Sessrúmnir localizado em Fólkvangr.
É de importância central lembrar que as mortes violentas eram sinal de bravura por significar
principalmente entrega para o clã e a coragem do seu povo e não unicamente a glória
individual.
HEL
O mundo subterrâneo, regido pela deusa Hel que o dá nome, filha de Loki, seria outro destino
(provavelmente o mais comum) dos mortos: para quem morria de doença ou velhice, ou
qualquer causa natural. Hel não era essencialmente um local de punição, é algo mais como um
outro mundo pós-vida, onde viveriam os que saíram de Midgard (e os outros mundos como
Alfheim, Svartalfheim, e Nidavellir, possivelmente). Hel poderia ainda ser interpretado como
uma figuração para o subsolo no qual o corpo era depositado e no qual descansava
eternamente, uma vez que é literalmente a camada inferior da terra.
NÁSTRÖND
Mas também há indícios de que em Helheim haveria um local de punição para aqueles
especialmente corrompidos, chamado Náströnd, destinado para traidores, assassinos,
adúlteros e aqueles que quebravam a palavra. Percebe-se que era um local destinados a todos
aqueles que desestabilizassem a ordem coletivista tribal. Lá o dragão Níðhöggr mastigaria os
que chegavam.
Outro destino era o reino de Rán, Ægir e suas filhas, no fundo do mar, mas apenas para os que
morriam navegando. Era possível que se realizassem cantorias e elogios para a deusa e suas
filhas e marido nas viagens marítimas para acalmar o oceano e impedir tragédias. Caso isso
não funcionasse, era bom levar ouro, porque assim você garantiria algum conforto nos palácios
da deusa; menciona-se inclusive que os bem-recebidos poderiam “viajar” para ver o próprio
enterro.
HELGAFJELL
@ JOHANN ISBERG
Montes destinados aos antigos pertencentes a clãs, etc. Diz-se que era tão sagrado que não se
olhava para lá sem ter lavado a face.
BILSKIRNIR
GEFJUN
ÁLFAR
Dado o caráter agrário da antiga religião, muito mais importante que o guerreiro, os ancestrais
em geral eram associados aos montes onde eram enterrados, e à fertilidade. Também há a
hipótese levantada por estudiosos respeitados como Hilda Roderick Ellis e Gabriel Turville-
Petre, a qual consta que possivelmente figuras reais ou importantes ancestrais poderiam
evoluir após a morte para a figura de elfos (álfar), os quais eram vistos como seres quase
divinos, além de servidores fiéis do deus Freyr, relacionado à fertilidade, e, assim, ao próprio
bem-estar dos descendentes.
DÍSIR
CONCLUSÃO
Deyr fé
deyja frændr
deyr sjálfr it sama
en orðstírr
deyr aldregi
hveim er sér góðan getr
“O gado morre,
parentes morrem,
do mesmo modo eu mesmo morrerei;
mas o renome
nunca morre
daquele que obtém boa fama”.
Introdução
Eu já havia abordado esse tema num texto chamado “Ah..o Mas e o Valhalla: Equívocos Sobre
o Pós-Vida Heathen e o Quase Monoteísmo Odinista”. Senti, ainda assim, a necessidade de
escrever um complemento àquele texto, pois os conceitos ali são expostos de maneira clara,
mas ainda assim ele é um texto mais generalista.
Talvez esse cuidado se deva ao fato de eu ter me aproximado de maneira bem progressiva e
cuidadosa do paganismo nórdico, e não necessariamente pela cultura pop, mainstream.
Durante muito pouco tempo fui um entusiasta da faceta “religião de guerreiros” da Ásatrú, tão
próxima daquilo que Wagner, o cinema e a literatura, além do folk metal adoram, me
aproximando mais do seu lado mágico, xamânico e místico. Por isso é bom esclarecer que nem
tudo é como a maioria diz. Só por ser admitido por uma maioria não significa que,
historicamente, é uma verdade.
Blót da Ásatrúarfelagið
Sobre a vida dos antigos nórdicos
Esse é um ponto delicado pois envolve uma completa inversão da noção tradicional, que está à
nossa volta.
Na verdade, para um heathen, para onde vamos após nossa morte não é muito importante. Ao
contrário das religiões reveladas, não possuímos nenhuma noção de castigo pós-vida
firmemente descrita. Temos raramente aparecendo menções ao Nastronð, ou seja, o local
onde a serpente Niðhoggr mastiga, principalmente, aqueles que quebram palavra, cometem
traição e atos similares. Quem age assim está, de forma absoluta, movido pelo seu egoísmo,
isso é, por colocar sua consciência individual acima do grupo no qual está inserido. É claro
perceber se, para a sociedade pós-Maquiavel, o que interessa é o poder, para os nórdicos ele
não está estritamente ligado com a noção de honra.
Coloquemos isso em um exemplo prático. Se o seu povo estiver perdendo uma guerra, e você
agir como informante do povo inimigo, e levantar armas contra os seus concidadãos,
submetendo-os e ganhando uma posição de destaque ou comando no seu povo, dada pelo
invasor, isso pode ser considerado, segundo um ponto de vista estritamente meritocrático,
como uma glória, um valor, pois você venceu e se tornou líder; mas, do ponto de vista heathen,
isso seria um ato deplorável por envolver a traição do seu coletivo em prol do seu bem
enquanto ser social particular, ou seja, de você mesmo enquanto indivíduo em oposição ao
coletivo. Ou seja, você prejudicou todas as pessoas à sua volta para conseguir se ascender
socialmente. E isso para o heathen não leva a glória, pois envolveu traição, quebra de palavra,
etc.
Percebemos, assim, que para os nórdicos o indivíduo nunca é colocado antes do coletivo, e,
aliás, tal postura é fortemente recriminada, embora em nossa sociedade a palavra tenha pouco
valor e a traição tenha caído em senso comum, para nós, que buscamos nos livrar da hipocrisia
que enxergamos nas religiões que deixamos, tais atitudes são péssimas do ponto de vista
pessoal mesmo, de nós com nossa própria consciência. Aliás, ser excluído do clã/tribo era uma
punição tão grande quanto a morte, enquanto nossa sociedade valoriza uma noção de
“independência” descolada da realidade.
Assim, nos damos conta da luta que enquanto heathens precisamos fazer contra esse ego
contemporâneo, essa noção de suposta independência total do coletivo ao qual pertencemos
(pensamos isso em geral porque trabalhamos, mas o nosso trabalho é usado como moeda de
troca por mercadorias e serviços produzidos por outros, sem contar, é óbvio, que na parte
inicial de nossas vidas somos completamente dependentes dos humanos que nos geraram ou
que nos acolheram). O segundo ponto é, então, abrir os olhos para a realidade à sua volta.
É muito fácil resumir as coisas a “pessoas boas vão para o céu e as más vão para o Valhalla”,
mais ou menos como diz um meme muito amado pelo pessoal na internet. Reduzir tudo ao
local onde vamos depois de morrer facilita muito as coisas, mas desfigura a religião enquanto
tal. Eu, morando no sítio, e tendo uma proximidade maior da natureza, sinto, em muitos
momentos, que a maior contribuição que a Ásatrú me trouxe foi poder voltar a enxergar a vida
na terra, no solo, nas árvores, nas plantas, nas pedras, na água, nas estrelas, na Sól e em
Mani, no ar. O animismo da Ásatrú é importante nesse aspecto, saber respeitar todos os seres
à nossa volta e nos colocar numa postura mais humilde perante o mundo, nos tirando do centro
do sistema solar de nossa imaginação.
Recentemente li um texto da Aliança Ásatrú de Londrina no qual é dito que o sacrifício animal
em nossa sociedade perde o sentido quando não produzimos o animal que está sendo
sacrificado. Em particular eu não veria isso de maneira tão radical, nossa sociedade possui um
nível de desenvolvimento maior da técnica no trabalho: enquanto uma família de escandinavos
antigos produzia desde as suas vestimentas, passando pelos seus alimentos vegetais e
animais, até ir para a guerra, tendo os seus membros envolvidos nessas várias atividades,
embora algumas fossem mais estritamente masculinas (a guerra) e outras mais
especificamente femininas (a tecelagem), outras eram mais abertas e envolviam os dois sexos;
hoje nossa sociedade faz com que trabalhemos mais em uma única atividade como fonte de
renda, nos tornemos especialistas em algo, e compremos os produtos, fruto de trabalho alheio,
de todos os outros que também se especializaram em determinada função. Ora, mas se eu
produzi o equivalente para a compra de um animal vivo, e decido o sacrificar em um blót e
ofertar sua vida e seu sangue aos deuses, além de preparar uma refeição para minha família
ou kindred, isso, não me parece, do ponto de vista lógico, divergir muito da prática dos antigos
germânicos, uma vez que estaremos oferecendo aos deuses o fruto de nosso trabalho, e, com
isso, invocando prosperidade.
Por fim, mas, de forma alguma menos importante, e o que buscamos salientar apresentando
todos os pontos anteriores, é o fato de que a sua vida é muito mais importante que a sua
morte. Ou seja, a maneira como você age com sua vida pessoal, com o coletivo ao seu redor,
com os seres da Natureza… é isso que importa. É essa sensação de conexão com o mundo, é
sentir-se um pouco parte de tudo e sentir tudo um pouco parte de nós. O local para onde você
vai depois da sua morte é totalmente dependente da forma como você vive a sua vida, é, aliás,
uma continuação disso, como mostrarei adiante. Então pense o seguinte, se você gosta da sua
vida, vai gostar de sua morte, pois não haverá nenhuma ruptura, mas uma continuação.
É importante amar o mundo da forma como é, mesmo quando a realidade não parece nos
atrair. Se gostamos de culturas antigas, de lutas de espadas, que não seja por uma rejeição da
realidade tal qual é, mas por gostar das coisas tal qual foram sem descartar como são hoje, por
saber que nossos antepassados usavam isso, para fortalecer os laços entre nós e eles através
da continuidade de seus atos, ou reavivamento de alguns. Ou seja, não devemos usar o
passado como ferramenta de negação do presente; passado e presente estão sempre
influenciando um ao outro (uma vez que a compreensão do passado se faz a partir da
consciência que temos no presente, e os nossos atos decorrem da consciência que temos do
passado e da forma como aceitamos nossas memórias). Por tudo isso, nos preocuparmos com
um futuro hipotético em um local distante daqui, em vez de promover o bem-estar pessoal, do
clã, em busca da friðr (paz) é para mim uma noção tão absurda.
Então, de forma resumida, o respeito aos humanos e aos seres dos reinos animal, vegetal,
mineral, etc., isto é, a Jorð, a Terra em si, e com tudo o que está dentro dela e sendo parte
integrante desta, a nossa conexão com os deuses, e nossos valores, além da aceitação de
nossa vida (mesmo quando ela pareça absurda) é uma postura ainda mais importante do que o
desejo de ir para um lugar específico ao morrer. Em uma palavra: a sua vida aqui é muito mais
importante que qualquer ideia de lugar que você possa ir depois da morte.
Desmistificando o Valhalla e o Helheimr
Fiz questão de dissertar de maneira longa sobre as concepções de vida dos germânicos
pagãos de maneira geral para que possamos perceber a importância de se aceitar estar aqui,
exatamente onde estamos.
Tomemos por exemplo um animal mais próximo da racionalidade, com um macaco. Ele possui
qualquer noção de divindade? De deus único ou deuses múltiplos? De ir para algum lugar
depois dessa vida? Mas com certeza ele terá a mesma repulsa para a dor, e a mesma
capacidade de fugir do sofrimento que um humano.
De forma similar eram os povos pagãos. Sua religião era um culto da Terra, da Natureza, da
vida. Era a sua forma de compreender e explicar a realidade, e não necessariamente o que não
é real (pelo menos para os vivos), como um pós-morte.
Tendo isso em vista é necessário observar outro ponto. Nunca houve uma centralização das
crenças da religião dos nórdicos e germanos quando ela era viva. Isso faz com que as noções
de pós-vida, por exemplo, sejam muito mais baseadas na experiência imediata de cada povo
ou classe em particular dentro de cada povo do que com uma noção aceita de forma genérica e
homogênea por todos. Se temos muitos “locais” para ir depois da morte, isso é porque cada
grupo praticante da religião via isso de uma forma diferente. Quando fazemos uma coleção ou
lista dos locais de destino pós-vida estamos sempre misturando conceitos de povos separados
geográfica e/ou temporalmente. Cabe a cada um ver o que mais se encaixa em sua própria
forma de viver e ao povo germânico (quanto tal relação ainda é possível de encontrar) que se
identifica mais.
O que eu quero dizer é: o Vikings do History Channel é uma série baseada em povos do norte,
mas também não possui nenhuma intenção de ser fiel aos povos escandinavos, e usa os
signos (ideias) e conceitos dos povos do norte que possuímos em nossa cultura, trabalhando
muito mais no campo de aprofundar mistificações do que pura e simplesmente apresentar uma
versão fiel da realidade dos escandinavos pré-cristãos. Não que tudo lá seja mentira; mas o
romance e a realidade se entrelaçam de tal forma que aquele que não possui olhar
acuradíssimo não saberá separar o romance histórico da recriação histórica. Digo isso de
maneira geral sobre esse seriado pois ele é, ainda assim, o exemplo mais popular e menos
distante da realidade que já conhecemos, através da ciência, sobre os escandinavos, e se nele
ainda podemos encontrar vários conceitos que servem apenas para atrair a atenção de um
determinado público se utilizando de noções admitidas por eles de maneira geral (mesmo sem
comprovação científica, e em alguns casos indo contra ela), imagine-se em outras fontes,
romanceadas ou não, sobre o assunto.
Então, baseando nossa análise nessas fontes que abarcam quase a totalidade dos textos,
filmes, séries etc., que primeiro forma a opinião dos que se aproximam da recriação pagã
nórdica, podemos ver nitidamente que elas se usam dos conceitos de Valhalla e Hel de forma a
explicar o além da vida através dessa (falsa) dicotomia. Muitos podem dizer que isso se deve
ao fato de tais produções precisarem de sintetizar as noções, justamente pela forma a qual
usam para apresentar, e servem como porta de entrada para a cultura mais ampla. Okay. Mas,
o que eu não posso concordar é que alguém, uma vez se aproximando do paganismo nórdico,
mesmo depois de dois, três, quatro, cinco anos, não consiga perder a noção de Amon Amarth,
Ensiferium, History Channel, e se aprofundar mais no estudo das fontes, aceitando repetir de
bom grado noções que são frutos de uma cultura que é um produto comercial e não uma
prática e estudo religioso, enquanto se denominam pagãos e querem submeter aqueles que se
dedicam a conhecer mais os nórdicos pelo que eles foram, e não pelo que queremos ver neles.
Essa simplificação do Valhalla como o principal destino e uma espécie paraíso superior nórdico
é falsa por alguns motivos. Ao passo que a grande e maior parte da sociedade masculina se
envolvia em algum momento com a guerra, essa não era um fim em si mesma. Não se
guerreava simplesmente para se morrer em guerra e ir para o salão de Óðinn, carregado pelas
Valkyrjor. Se se guerreava era porque se precisava de ouro, prata, escravos, para se manter as
tribos e clãs, para se sustentar a população e não pura e simplesmente por uma glória pessoal
descolada de um valor social. Logo, a guerra não era fruto de uma decisão egoísta de cada um
que queria morrer em batalha, mas a consequência de uma necessidade social pela qual
alguns perdiam a vida, e por isso era tão honrado se ir para Valhalla: pois sua abnegação, e
não a sua vontade e desejo individualista, te levam para lá, não simplesmente para beber e se
divertir, mas para trabalhar, duramente, na missão de resistir a uma batalha a qual, todos
sabemos, será perdida, mas deve ser perdida com a mesma glória, por exemplo, da batalha de
Canudos, onde os sertanejos lutaram até o último segundo, até o último humano perder sua
vida contra o governo. Longe de discutir os aspectos políticos da questão e legitimidade de
nenhum dos dois lados, da guerra de Canudos, quero apenas mostrar que é justamente esse
sentimento de luta (luta em sentido literal) que não declina perante o absurdo que é necessário
se manter para ir ao Valhalla. Nossos sertanejos foram para lá? Minha opinião pessoal é que
não, pois possuíam outro deus. Ainda assim, não perdem o valor e a honradez por darem as
suas vidas de forma tão heróica.
Outro ponto que jamais podemos esquecer é que, dos mortos em batalha, metade vai para o
Fólkvangr de Freyja e não temos nenhuma ideia de como esses são escolhidos, se há alguma
aleatoriedade, ou qualquer coisa do tipo. Simplesmente não temos nenhuma garantia de que o
morto em batalha servirá para Óðinn até o dia do Ragnarök. Temos de ressaltar também que,
mesmo que você fosse um guerreiro e morresse fora de batalha (por doença, por afogamento,
etc.) muito provavelmente não iria para o Valhalla. Valhalla não é pura e simplesmente o
paraíso dos que vivem guerreando, mas dos que morrem em batalha. Ser guerreiro, pelo
simples fato de ser guerreiro, não lhe é garantia de ir ao Valhalla ou Fólkvangr.
Outro ponto que reforça a ideia errada de Valhalla como destino mais honrado e desejável de
todos está por um lado impregnada com a noção do guerreiro como o principal componente da
sociedade germânica e por outro da sua oposição ao Helheimr, sendo este último considerado
um local de desonra para se estar. Vou citar um exemplo bem claro e prático de como essa
noção se forma. Por exemplo, no seriado Vikings, quando a personagem Siggy morre, Harbarð
diz que ela foi para o Valhalla e estaria junto de sua filha e esposo. Ora, mas Earl Haraldsson
foi o único que morreu em batalha (contra Ragnar), ao passo que Thyri morreu de doença e a
própria Siggy por afogamento/hipotermia. Ali a figura de Harbarð, enquanto Óðinn vagante,
está ligeiramente deslocada de função ao envolver alguém numa morte por afogamento
(função de Aegir/Rán) e proteção materna dos filhos de Ragnar (papel de Frigg). Todos esses
desentendimentos formam, de maneira inconsciente, o pré-conceito, o conceito pré-
estabelecido, de que ou o Valhalla é o melhor destino a se ir, ou que é o único honrado. Numa
leitura mais fiel dos eventos, Siggy teria se envolvido com uma divindade como Skaði ou Ullr,
talvez ainda Njorðr, Aegir ou Rán, e ficaria expressamente claro que o local de Thyri seria
possivelmente Helheimr, pela morte por doença, ou ainda como serva de Gefjon, por ter
morrido virgem.
Aliás, falando do Helheimr em si, muitas pessoas têm a dificuldade de aceitá-lo como um local
natural, mesmo quando já vêm com uma ideia de relacioná-lo ao Hades grego (ou seja, como
um local para os mortos, mas sem punição) justamente por identificar o Valhalla como o local
para o qual por honra se deve ir. Se, em algum momento a morte na guerra fosse mais
importante que viver para comemorar e usufruir da vitória, os germânicos nunca teriam sido tão
vitoriosos quanto foram, porque, segundo essa dicotomia ilógica entre dois destinos pós-vida,
vale mais a pena deixar-se morrer em batalha do que viver e morrer de doença; embora
alguém possa usar o Hávámál para negar essas palavras, se você observar a forma como os
nórdicos lutavam vai perceber justamente que esses versos são para encorajar, não evitar a
batalha, não se deixar submeter simplesmente para manter a paz; não para fazer-se uma
batalha contra quaisquer coisas e buscar uma morte numa batalha tola pra chegar em Valhalla.
A morte por velhice não era incomum; do contrário os povos nortenhos teriam se extinguido por
uma filosofia de vida que valoriza mais morrer em guerra do que viver com glória. Ainda pesa o
fato de que falamos de uma mitologia em uma época pré-científica, onde não tínhamos
antibióticos, vacinas, nada muito elaborado no campo da medicina, e quando pragas e doenças
vinham, elas assolavam e limpavam povos inteiros ou quase inteiros. Logo, o Helheimr, além
de não ser um destino ruim, pode ser até mais comum do que imaginemos e queiramos aceitar.
Mas essa resistência ao Helheimr se deve, também, ao fato de que Hel é uma filha de Loki com
Angrboða, ambos os gigantes mais marginalizados na mitologia nórdica; um por desempenhar
papéis dúbios fazendo o “mal” pelo “bem” do clã e trazendo complicações que na maioria das
vezes terminam sendo úteis aos Aesir (embora em um caso em específico, esteja envolvido
com a morte de Balder, filho de Óðinn, o que lhe rende expulsão de Ásgarðr e punição
interminável até o Ragnarök; a outra por ser mãe de criaturas bestiais como Jormunganðr e o
lobo Fenrir, estes, aliás, assassinos de Thor e Óðinn, respectivamente, na batalha final. Nesse
julgamento não pesa o fato de que (1) Jormunganðr era responsável pelo equilíbrio dos mares,
ao morder sua cauda e contê-los com seu corpo; (2) Fenrir ser poupado da morte, pois a
morte, apesar de não ser algo desejável, não era negado, como discutirei adiante; (3) a Hel é
dado um reinado absoluto e soberano em Helheimr, o qual até mesmo Frigg reconhece quando
precisa se conformar com as condições e acordos de Hel para liberar Balder, ao ponto de não
coagi-la a devolvê-lo a Ásgarðr quando tais condições não são satisfeitas. Hel é, então, uma
divindade com respeito, autonomia e decisões próprias. Apenas por enxergarmos o paganismo
nórdico querendo encontrar “bem” e “mal” é que relevamos o papel de Hel. Quando deixamos
de ver uns como heróis e outros como vilões e percebemos que todos os deuses e seres na
mitologia nórdica fazem, cada um a seu modo, um papel, têm uma função e todos são
interdependentes, ou seja, cada um é o que é porque cada um dos outros são exatamente
como são, logo, nenhum deles pode ser suprimido porque outros são mais heróicos ou
corretos, uma vez que o trickster, os Jötun e todas as outras personagens mitológicas são
essenciais e colaboram, direta ou indiretamente, para a criação de tais figuras ideias e
honradas.
Morte de Balder
Os outros destinos pós-vida
Como falamos no item anterior eram muito variados, de acordo com povo, região e momento
histórico, os destinos que os germanos poderiam acreditar para onde iriam. Além dos já
mencionados Valhalla e Fólkvangr para os mortos em batalha, para os apanhados por pestes e
pela idade, o Hel, o Nastronð, espaço em Helheimr, para aqueles que agiam por egoísmo em
prejuízo coletivo (isso não faz de Hel um lugar ruim; perceba a relação na cosmografia nórdica
entre Helheimr e a serpente Niðhoggr, que mastigava as raízes de Yggdrasil, sob as quais o
reino de Hel se encontrava). Além disso, Hilda Ellis Davidson ainda aponta que muito
provavelmente haviam humanos que tornavam-se elfos (lembre que os elfos, para além de
habitantes de Álfheim são, também, vaettir, espíritos da terra ligados a Freyr – deus da
fertilidade – e ao cultivo e trabalho no campo). Havia, paralelamente ao Hel, a noção da ida de
ancestrais para o Helgafjel, montanhas nas quais os mais importantes e honrados, que haviam
trazido benefícios políticos e sociais aos clãs iriam. As moças que morreram virgens iriam para
junto de Gefjon (sendo que esta poderia ser bem uma faceta de Freyja). Os que morriam no
mar, eram pegos por Rán em sua rede, e levados para o seu palácio, no qual reinava junto de
Aegir, seu esposo. Todavia, como em qualquer sociedade, o número de trabalhadores é muito
maior que o de políticos, guerreiros, etc, e, para esses (na época pagã nórdica reconhecidos
entre os camponeses pobres – karls pobres – e os escravos – thralls), o destino não era nada
desonrado: servir ao deus da chuva, trovão e, por tudo isso, também um deus da fertilidade:
Thor, em seu palácio em Ásgarðr, o Bílskirnir.
Esses foram os destinos os quais nós não perdemos o conhecimento. Muitos deles possuem
apenas ligeiras menções nas fontes, e não podemos inferir muito sobre qual a maneira que
vamos para lá. Na verdade, como eu tentei frisar a todo o momento, isso é de importância tão
pequena perante a forma como decidimos viver, que eu vejo como sintoma do profundo
niilismo pós-moderno essa vontade de passar para a outra vida e saber o que há ali, que deve
ser essencialmente melhor do que aqui.
Mas Bílskirnir merece uma atenção especial de nós. Sabemos que nossas fontes foram
baseadas em registros escritos. Tais registros dependem da técnica da escrita, que, como
sabemos, era privilégio de poucos na época (cerca de 1.000 e 1.200 da era comum). Houve um
hiato entre a produção cultural oral dos povos do norte, portanto, a religião viva, e o que nos foi
dado, isto é, uma visão final “acabada”, feita por indivíduos de maior influência social, já
cristianizados e um bom tempo após o início do processo de cristianização da região. De tudo
isso que ponderei, é possível perceber que, por trás do historiador Snorri Sturluson há o nobre
islandês Snorri Sturluson, autor da Edda em prosa; e entre os próprios cantos que foram
preservados nas Eddas poéticas, o são justamente os que mais interessam à história da
nobreza. Praticamente tudo o que se refere à magia, aos trabalhadores do campo foi perdido,
ou só permaneceu enquanto frutos de sincretismo com o cristianismo.
Logo, uma maior frequência dos mitos e temas relacionados à nobreza não depende deles
serem mais importantes que os mitos dos Vanires e divindades ligadas ao trabalho do campo e
da fertilidade; apenas que as fontes possuem um recorte que visa preservar aquilo que
interessa diretamente aos seus autores.
Podemos fazer um contraponto com isso e perceber o sincretismo das religiões dos
descendentes de escravos, as quais são, muitas vezes, próximas do cristianismo mas, jamais,
exatamente como esta. Mesmo quando uma variedade religiosa é praticada de maneira não
oficial (como as curandeiras que são, oficialmente, católicas), ela possui sua própria identidade,
e divergência quanto ao culto das pessoas de outras classes sociais. É nesse sentido que o
cristianismo (católico) das classes mais abastadas financeiramente e com pele mais clara no
Brasil é diferente daquele de muitos dos descendentes de escravos que não negam suas
origens, nem o cristianismo, por si só.
Com tudo isso queremos mostrar que talvez a função de vários elementos que perdemos ou
chegaram parcialmente para nós pode ser mais relevante do que consideramos, justamente
por falta de acesso a tais informações, que não passaram no crivo da história escrita. Entre
eles está o papel de Bílskirnir o qual é, justamente por se identificar com o grosso da população
nórdica (trabalhadores escravizados ou não), muito maior do que podemos mensurar através
das fontes. Sendo que a nossa sociedade (e mesmo as tribos nórdicas) é baseada no trabalho,
e não na guerra (os nórdicos deixaram de invadir outros povos e, ainda assim, não faliram nem
morreram de fome, justamente pois nunca deixaram de trabalhar), então, é de se supor que ou
os thralls teriam direito ao Valhalla por enfrentarem uma vida difícil, dura, sob o pesar do
trabalho, lutando pela própria sobrevivência numa terra alheia, ou que os trabalhadores de hoje
não têm porque se preocupar com o Valhalla. Se hoje, uns e outros querem ir por Valhalla por
considerar a vida uma luta, peço para comparar sua vida com a de um thrall ou um karl sem
grandes faixas de terra ou mesmo, desprovidos de terras. É a mesma condição, em outra
sociedade. Mas, isso não é um problema quando não temos um fetiche pelo Valhalla, e temos
orgulho daquilo que somos, assim como eu, que não me considero um guerreiro senão
poeticamente, por “romancear” um pouco a vida, mas tenho plena certeza de que não irei para
o Valhalla se continuar levando a vida que levo, isto é, trabalhando, estudando, etc e nem
tenho pretensão de mudar meu modo de vida só pra chegar no Valhalla, como se isso fosse
melhor que qualquer outro destino que eu possa ter, em decorrência de uma vida de trabalho,
honra e justiça.
O Papel da Morte
Já que debatemos o papel da vida, precisamos dar umas palavrinhas sobre a morte. Pense da
seguinte maneira. Vocês está em São Paulo, em sua casa, e gostaria de ir para a casa de um
parente no nordeste, o qual você nunca visitou. Imagine que, todo o caminho, desde você se
arrumar, dentro de casa, até comprar passagens e embarcar no ônibus ou avião, e enfim
chegar até a porta do seu parente é como o processo que vai da sua geração dentro do útero
de sua mãe até o momento exato antes da sua morte. A morte é apenas como a porta da frente
da casa desse parente. Assim que você a passa, ali você estará num ambiente desconhecido,
dependendo da ajuda desse parente e dos que ali moram. E esse é o além da morte. Logo, a
morte é apenas uma passagem, uma porteira numa estrada, a qual em algum momento iremos
passar, pegar um barco, e continuar nosso caminho. É apenas uma nova forma de nossa
existência se locomover através do tempo/espaço.
A morte era completamente aceita em sua presença na vida, não necessariamente temida,
mas não desejada. Imagine da seguinte forma: todos sabemos que vamos nos machucar, cair,
possivelmente quebrar um osso. Mas não é por isso que saímos de casa com a ideia de nos
ferir. Da mesma forma como aceitamos que podemos nos machucar a qualquer momento,
devemos aceitar que a morte é uma parte da vida. Isso, todavia, não deve ser motivo de nos
fazer desejar, mas nem, tampouco, evitar vergonhosamente a morte, fugir de maneira covarde,
ou preferir a submissão à morte.
É preciso entender uma coisa. Os povos germânicos eram pessoas bem simples em suas
explicações da realidade, e tendiam a não criar toda a metafísica das coisas como fazemos, e
tal postura era como um “abrir os olhos” e enxergar, como os olhos, e não somente com a
razão, a natureza. Thor, por exemplo, antes de ser uma entidade que governa e produz
trovões, a qual chamaríamos de deus do trovão, é um deus-trovão, isso é, é a vida, a
consciência que se manifesta através do trovão, assim, como eu seria o “deus” de mim mesmo,
por ser a minha consciência. Fiz essa comparação só pra entendermos esse ponto do
animismo nórdico: nossos deuses não são meros regentes transcendentes de atributos e seres
em específicos, eles são a consciência que se manifesta através desses seres e eventos. Jorð
não é simplesmente deusa da terra, ela é a Terra, enquanto solo, enquanto planeta, enquanto
matéria, e se manifesta através de uma consciência. Disso tudo queremos tirar o fato de que
compreender ir para o Valhalla apenas por considerar que a vida é uma guerra, pode ser uma
ideia um tanto absurda, e o quanto isso se prende, como já dissemos, à recusa de se aceitar
sua condição social, à propaganda que é feita em torno do Valhalla, e, como isso, querermos
achar uma saída, para irmos ao Valhalla, usando metáforas que envolvam a batalha.
Mas, com isso, precisamos perceber que a vida além daqui é, assim como nossa vida aqui,
consequência de nossos atos. Qual a serventia de um “guerreiro” de Call Center, que atura
esporros de pessoas frustradas com serviços prestados via telefone, numa batalha física contra
gigantes de gelo? Não quero menosprezar o trabalho em oposição à atividade guerreira,
apenas demonstrar que elas são esferas diferentes. Iria para o Valhalla o morto em batalha
pois essa era a continuação natural de sua vida, assim como o Bílskirnir é a dos thralls e karls
pobres. Não há uma ruptura com a morte, onde você será ascendido a um posto de guerreiro.
Ou se morre guerreando ou não se morre. Mesmo os guerreiros não morrem na guerra de
forma geral, se forem apanhados por infortúnios. É preciso perceber que as Valkyrjor
selecionam os mortos nos campos de batalha, e, quais outras coisas pesam (virtude, glória,
etc), isso são coisas secundárias. Os thralls e karls que não morrerem em batalha são sim
candidatos sinceros a qualquer outro local como Bílskirnir, por exemplo, pois, de sua vida de
trabalho, ganham um além vida que é continuação disso. Logo, todo esse desejo para ir ao
Valhalla se prova, mais uma vez, infundado em uma sociedade (como a nossa) que separa o
guerreiro do cidadão comum, e, a grande maioria dos últimos, nunca será guerreiro exceto em
períodos específicos.
Eu sou um Guerreiro?
Esse é o aspecto mais importante aqui. Nossa sociedade romantiza muito a função do
guerreiro. Como eu já salientei em outro artigo:
Precisamos entender aqui dois pontos: (1) porque se era guerreiro e (2) quem eram os
guerreiros nas antigas tribos do norte da Europa.
A guerra nunca foi uma diversão. A violência era um meio para um fim, como já salientamos.
Os guerreiros surgiam da necessidade de se (1) defender a tribo/região contra invasões e (2)
atacar as tribos/povos alheios. A guerra era parte da dinâmica social, assim como o trabalho no
campo, e assim como o comércio com os povos estrangeiros. Do ponto de vista econômico, os
três possuem igual valor, pois a guerra não aconteceria sem uma firmeza econômica que
sustentasse os agricultores tornarem-se guerreiros em determinadas épocas em virtude da
acumulação dos bens de seu próprio trabalho e/capacidade de se explorar a terra de maneira a
sustentar o povo que não iria para a guerra durante a saída de parte da população, da mesma
forma que o comércio escoava todos os excedentes, seja de produção, seja de saque, e
ajudava a conseguir aquilo que faltava aos povos do norte. Então, o guerreiro era, em parte,
agricultor, e, como o trabalho não era tão especializado, o contingente daqueles que se
dedicavam exclusivamente à guerra era bem menor que hoje proporcionalmente, uma vez que,
mesmo no período áureo das navegações e incursões ao exterior, os que se dedicavam ao
saque durante um determinado período também e principalmente se dedicavam à sua família e
ao seu povo.
Assim, entendemos que o guerreiro era, muitas vezes, o homem comum lançando-se em prol
do seu grupo, e que, provavelmente, sonhava com o retorno à sua família, e, quando isso não
era possível, tinha ainda a glória de ir para o Valhalla.
Resta, ainda, analisar do ponto de vista mitológico, a imagem das figuras relacionadas à morte.
Como ressaltam Einar Maack e Johnni Langer, o imaginário ligado tanto a Óðinn quanto às
Valkyrjor não era nada paternal e amistoso, como se reproduziu após a produção wagneriana.
As Valkyrjor eram espíritos tenebrosos, assassinos, e não belas donzelas, apaixonadas,
sensuais, etc. A objetificação da mulher através da arte de Wagner nos faz perder o elo com a
função da morte, ao passo que originalmente o que era temível se torna, até, desejável.
Podemos interpretar isso mesmo como a evolução do papel da morte na vida do humano: se
antes era pelo menos temida e evitada, se torna objeto de desejo.
Toda essa transfiguração da valkyrja em uma donzela valorosa, é fruto de um período que
Nietzsche considera como décadence, época eivada pelo pessimismo schopenhaueriano, que
iludiu Nietzsche inicialmente, mas depois, contra o qual se tornou ferrenho inimigo, inclusive do
sentimentalismo e niilismo de sua época. Citar tudo isso é importante para percebermos que
nossa visão de mundo em relação ao imaginário da morte dos povos nórdicos é,
inevitavelmente, muito transformado pelo filtro da arte wagneriana, e em que pontos
precisamos nos rebelar contra ela, e contra o que ela significa.
Aliás, a própria Ásatrúarfélagið islandesa gosta de salientar que a imagem que muitos têm do
paganismo germânico é aquela do militarismo alemão do século XIX, o qual se relaciona muito
com Wagner, por um lado, e com teorias de racismo, por outro. Não queremos analisar como o
racismo se usa do militarismo e do paganismo para alcançar seus fins, apenas pontuar que tal
ligação existe, e que tanto quanto nos afastemos dessa relação, melhor.
Em nossa sociedade, como muitos salientam, as relações são diferentes. Ainda assim, a
guerra cumpre a mesma função. Todavia, os guerreiros, em geral, ou melhor, soldados, em sua
maioria pertencem a um contingente separado da sociedade; e mesmo os que prestam serviço
militar o fazem por um período especifico. Particularmente eu penso que se uma pessoa
prestou serviço militar no passado, e morre de forma pacífica, ou mesmo quando é soldado e
morre de doença, que não vá para o Valhalla justamente por não estar no espaço onde as
Valkyrjor fazem sua colheita.
Cabe, por fim, analisar bem se esse louvor gigante que alguns heathens fazem da guerra, da
morte e da batalha, não se deve, em parte ou em sua totalidade, à vontade inconsciente que
uma fuga da realidade através da morte nos causa. Como diz Grönbech em Culture of the
Teutons, a violência não é uma mera extravagância de poder. Como eu mesmo já disse no
texto supracitado,
“Vejo de maneira muito comum as pessoas fazendo uma apologia irracional da violência como
se isso fosse ser heathen stricto sensu: mas a manutenção da friðr (paz, felicidade harmônica)
é considerado valoroso (Sögumál); “Nunca quebre a paz que homens bons e verdadeiros
fazem entre você e os outros” (Njal’s Saga, c.55); “Melhor é para o homem buscar a paz por
palavras, quando isso é possível” (Heitharvega Saga, c.35); “Uma pessoa deve expor a paz
(friðr) onde quer que vá. Embora muitos desejem o bem, o mal é frequentemente mais
poderoso” (Atlamol en Gronlenzku 34)”. Logo, se a guerra é um meio, e não um fim, devemos
sempre objetivar que desejamos, a paz, a friðr de nosso clã, kindred ou povo e não somente
uma “morte gloriosa” com uma passagem pra esse ou aquele local”.
Óðinn e a nobreza
Temos, ainda, outro ponto a observar, antes de encerrar nossa discussão. Óðinn não é, como
já citado, uma figura nada paterna, amistosa, e pacífica como Wagner tenta mostrar. Óðinn é o
criador de linhagens reais, o deus de morte violenta, o furor, e um psychopomp (ser ou
divindade que guia os mortos no além vida). Óðinn é em especial o que “brinca” com as mortes
de nobres, selecionando uns e outros para a vitória, de acordo com a própria vontade.
Óðinn é um deus muito especificamente ligado à nobreza, às castas reais, as que primeiro se
letraram, e esse é um dos motivos pelos quais temos tantos registros dele.
Dito isso, precisamos compreender o seguinte. O politeísmo germânico possuía uma estrutura
de culto diversa da nossa, o que significa que, por mais que no campo mitológico os deuses
interagissem entre si, determinada região praticamente só cultuava um ou outro deus,
enquanto mesmo em uma única região diferentes grupos sociais cultuassem deuses diferentes,
um culto não se relacionando diretamente ao outro. Não queremos admitir aqui secamente a
estrutura de Dumézil (a qual faz a divisão da religião de acordo com as classes sociais de
maior relevância nas sociedades antigas: Sacerdotes, Guerreiros e Trabalhadores), mas
tampouco rejeitá-la por completo. É quase como se o paganismo germânico fosse feito de
vários “monoteísmos”, ou como se cada deus fosse cultuado pelo seu grupo específico,
enquanto não prestava tanto culto ao outro (Aproveitando a brecha, no alemão a palavra para
culto é Gottesdienst, o que significa, literalmente, “serviço” ou “favor para deus”, apresentando
uma relação não dogmatizada e de maior proximidade com a divindade, fruto de um culto
menos hierarquizado).
Óðinn, pelo que se percebe, então, era um deus muito específico, de um grupo social, e muitos
hoje se vêem como “filhos” dele, mas não possuem um papel equivalente em nossa sociedade
ao dos nobres nas tribos germânicas.
Não é o fato de você ser europeu étnico que o fará um descendente de Óðinn, um nobre. Aliás,
analisando historicamente, e percebendo que os europeus que vieram ao Brasil buscar abrigo
foram em sua maioria pobres ou empobrecidos por guerras na Europa, a probabilidade de você
ser um nobre, tendo essa origem, é nula.
Bom, isso tudo, por fim, não quer dizer essencialmente que quem não for nobre não pode
cultuar Óðinn. Só acho que nós, que não somos exatamente descendentes dele, precisamos
de um respeito e uma identificação com suas qualidades como o furor, a poesia, a magia, as
andâncias, antes de nos proclamarmos “nobres” só por sermos europeus étnicos num país
miscigenado. Ser mais claro num país de pessoas mais morenas e mesmo negras não te faz
um nobre. Nível de melanina na pele e cor dos olhos não tira e nem dá nobreza a ninguém.
Não te garante Valhalla. Óðinn cria guerras, e busca os que quer no campo de batalha.
Mas, para que então eu vou ser heathen?
Suponho que se você leu as 6710 palavras até aqui é porque o texto te interessou mesmo, e
você ou aprendeu, ou concordou com alguns dos pontos de vista que explicitei após minha
rotina de estudo e prática dentro da Ásatrú.
Não fiz esse texto por ego ou para me provar melhor que nenhum praticante isolado ou grupo.
Meu único objetivo era compartilhar uma opinião, e, talvez, ajudar a corrigir alguns erros que se
instituem pela forma como a grossa maioria das pessoas se aproximam da Ásatrú e do
paganismo nórdico em geral.
Não quero desanimar ninguém, pelo contrário. As religiões de massa são em sua maioria,
religiões de rejeição do mundo. Por isso, para elas, toda a escatologia e teleologia, isto é, as
teorias de como as coisas são no fim (da vida pessoal ou do mundo) são muito importantes. O
mundo é considerado para elas um reflexo imperfeito de uma realidade superior.
Para nós, o que está fora do imediato não tem muito importância. Para onde nossa alma vai é
algo que é nenhum pouco importante, perante o fato de que temos uma vida a viver com honra,
coragem, lealdade, justiça, dignidade e força até o último instante. Assim, o que antes era uma
meta, torna-se uma consequência.
Eu não sei e não me importo para onde vou após a minha morte. Mas eu sou heathen porque
eu amo a forma corajosa, destemida e honrada de viver, aprendendo e meditando nas palavras
de nossos antepassados, os cultuando e honrando, fazendo o que deve ser feito, muitas vezes,
deixando a minha marca por onde passo; não faço isso simplesmente para ser alguém
diferente, ajo dessa forma para ser eu mesmo.
E, se eu não merecer o Valhalla por isso, espero que Bragi, e Óðinn, deuses da arte da
escrita/poesia, pelo menos possam aceitar-me em um local para os poetas e escritores, e
também aceitem essas palavras como oferta de alguém que busca imitar suas virtudes em
todos os sentidos, e, o quanto possível, ajudar minha comunidade a pensar e reconhecer tais
valores, como todos nós deveríamos fazer, e, assim isso não me faz ninguém especial perante
os demais, mais cultos ou menos cultos sobre o assunto.
Que os deuses te ajudem a encontrar o seu caminho, assim como sempre me fortalecem,
quando preciso, no meu. Que guiem o seu entendimento e ação, e que possamos fazer a
diferença em uma sociedade eivada por conflitos tão prejudiciais a humanidade; e que
possamos, acima de tudo, usar nossa religião para nos melhorar a nós mesmos, e nossa forma
de agir perante o mundo, em vez de meramente julgar os demais, ou buscar uma “fuga”, com
ideias metafísicas de além vida.
e criaturas dos nove mundos, além dos meus ancestrais e poderosas Dísir,
Sonne Heljarskinn,
19 de maio de 2016.
É totalmente natural que, quando passamos para o heathenism, tragamos muitos vícios de
nossa visão de mundo cristã. Não se sinta ofendido: somos uma minoria entre uma
esmagadora e enraizada sociedade moldada sob parâmetros católicos ou cristãos. Eu e você,
todos nós, possuímos, em maior ou menor grau, em pontos diferentes, resquícios desse modo
de ver o mundo dos cristãos. Aqui eu quero comentar sobre dois fenômenos que vejo muito em
comentários na internet: prender-se a uma visão metafísica de Valhalla e um quase
“monoteísmo” de Odin.
Como foi já dito em um outro artigo, o Valhalla não é o único destino após a morte para as
almas, segundo a cosmovisão Heathen.
Não há segurança nenhuma de que, se morrer em batalha, você irá para junto dos Einherjar e
não para o Fólkvangr de Freyja. Essa é a primeira incerteza daquele que quer ser “guerreiro”
na atualidade. A cultura pop tende a mostrar-nos o Valhalla como uma espécie de paraíso dos
nórdicos, onde lá vivem deuses e guerreiros em harmonia, pro resto da eternidade até o
Ragnarök chegar, com Helheim sendo o seu oposto pejorativo, como o inferno cristão. Essa
divisão binária e maniqueísta é totalmente falha e essencialmente cristã.
Além disso existem outros destinos (Palácio marinho de Aegir e Rán, pros mortos no mar),
montanhas Helgafjel, e, pra aqueles que não gostam muito dos pobres, sinto informar que
Bilskirnir é para onde os escravos e camponeses pobres iriam (e entre os escravos estavam
pessoas de outras raças, embora esse não fosse o único motivo para alguém ser escravizado),
dividindo assim, guerreiros e trabalhadores, a Asgaard com os deuses.
Vivendo para o Valhalla
Religião para o cristianismo e para o Heathenism (Ásatrú) tem significados diferentes. Para o
cristianismo é necessária uma vida que fuja do que se considera “pecado” (com obras, atitudes
que assegurem isso, ou não, dependendo da vertente), a mortificação dos desejos “maléficos”
incutidos por Satã para desvirtuar a humanidade do caminho da salvação, da vida eterna após
a redenção obtida através da morte. E, quanto mais penosa, humilhante, mas embebida em fé,
for a sua vida, mais juntinho você está desse Deus. Já para o heathenism existem algumas
diferenças básicas que mudam toda a essência da coisa. Primeiro, a sua vida não é vivida
pensando no dia da sua morte, em uma salvação pessoal, em sua ida ao Valhalla (essa visão
é-nos muito forçada pela cultura pop, reafirmo). Você não vive para ir para esse ou aquele
lugar no pós-vida. Tampouco a sua glória pessoal é importante se ela não tiver um significado
social. De que adianta você se tornar um poderoso político, por exemplo, e tratar mal a sua
família, sua esposa ou esposo, e não respeitar os seus antepassados, vivos ou mortos, ser um
tirano para seu povo? Antes de pensar em uma glória é necessário se pensar para que(m) é
essa glória? Se a resposta for apenas individual, pode ter certeza que ela nada tem a ver com
heathenism: “Nós encontramos aqui (nos povos germânicos) uma comunidade baseada sobre
uma unidade geral, autossacrifício mútuo, abnegação e espírito social” Vilhelm
Grönbech, Culture of Teutons, Vol. I.
Vejo de maneira muito comum as pessoas fazendo uma apologia irracional da violência como
se isso fosse ser heathen stricto sensu: mas a manutenção da friðr (paz, felicidade harmônica)
é considerado valoroso (Sögumál); “Nunca quebre a paz que homens bons e verdadeiros
fazem entre você e os outros” (Njal’s Saga, c.55); “Melhor é para o homem buscar a paz por
palavras, quando isso é possível” (Heitharvega Saga, c.35); “Uma pessoa deve expor a
paz (friðr) onde quer que vá. Embora muitos desejem o bem, o mal é frequentemente mais
poderoso” (Atlamol en Gronlenzku 34). Ou seja, embora os escandinavos fossem sim o povo
que levou o terror e a dominação ao Império Romano, a violência por violência nunca foi
considerada glória, e sempre foi um meio para um fim, não sobrenatural, para além da vida;
mas por uma necessidade existencial em dado momento histórico e para uma tribo (ou grupo
delas) em específico. Vale ressaltar que todas as “barbaridades” que atribuem-se aos povos
germânicos que invadiram o Império Romano foram cometidas de forma ainda maior lá fora,
pelos próprios romanos, que submeteram por completo os povos que venceram, enquanto os
germanos, em certa medida, até se ‘mesclaram’ com a nobreza de Roma.
Heathenism e Violência
“A violência é organizada a partir das profundezas da alma. É uma energia, que mantém a vida
espiritual desperta e sedenta, e, assim cria a personalidade focada e sólida do nórdico. Estes
homens não são apenas, cada um deles, um momento inspirado, desaparecendo vagamente
no passado e no futuro; são presente, passado e futuro em um só. Um homem corrige a si
mesmo no passado, pelo apego firme às gerações passadas. Tal apego é encontrado mais ou
menos entre todos os povos; mas o nórdico faz do passado uma força viva e orientadora pela
lembrança histórica constante e na especulação histórica na qual ele traça a sua relação com
as antigas gerações e sua dependência de seus atos. Seu futuro está ligado com o presente
tendo por objetivo, a honra e o julgamento da posteridade. E ele corrige-se no presente,
reproduzindo em si um tipo ideal, um tal tipo por exemplo, como o do chefe, generoso,
corajoso, destemido, de raciocínio rápido, severo para com seus inimigos. Fiel a seus amigos,
e franco com todos. O tipo é construído fora da vida e da poesia juntos; primeiro é vivido e
então transfundido em poesia“.
O homem do norte não é apenas o homem da guerra, ansiando a morte pelo Valhalla; é aquele
que busca a retitude de seus atos pelo bem de sua comunidade, sua descendência e para
honrar os seus antepassados. Não é uma pura “brincadeira não-intencionada de superioridade”
ao estilo nietzscheano (muito se confunde o Übermensch com o genuinamente heathen-
nórdico), em Nietzsche não há padrão moral ou honra: apenas vontade de submeter (Wille zur
Macht); no norte há coletividade e a necessidade de um código moral que não seja sufocante
(como o cristão), mas, antes de tudo, libertador, para permitir aos integrantes da tribo
construírem as suas vidas sobre bases sólidas e não-contraditórias, devendo recorrer, assim, à
violência apenas estritamente quando necessário.
Arriscaria, por fim, a dizer que lutar uma guerra injusta e defender ideais absurdos seria motivo
para não merecer o Valhalla, mas talvez Náströnd, porque tais guerras envolvem atos de
traição e quebra de palavra, muitas vezes. Mesmo Hitler (com o qual
muitos odinistas infelizmente simpatizam) foi um mestre em descumprir acordos e fazer
tratados os quais não tencionava cumprir, e isso foi o que lhe garantiu vitórias iniciais, como
aos espanhóis em suas invasões nos impérios indígenas pré-colombianos. A política moderna
é feita da inconstância das alianças entre suas elites e da volatilidade dos inimigos aos quais
fazem seu povo se dirigir contra; pensando apenas nos próprios interesses e não nos de seus
povos.
A figura de Odin
Mas não me digo um odinista. Existem algumas razões para isso. A primeira é que o Odinismo,
enquanto movimento político-religioso (com uma forte ênfase no primeiro termo) possui uma
história bem diferente da Ásatrú, tanto nas origens, quanto na prática diária, quanto em seus
objetivos enquanto “religião”. A Ásatrúarfélag islandesa sempre se pautou nas lições que as
Eddas tinham para nos dar, na importância da ética, e em uma forma de ver o mundo
(Weltanschauung) diferente daquela à qual estamos habituados, senão mesmo superior a ela.
Não trata-se apenas de que não temos um único deus, mas da forma como nos relacionamos
com todos esses deuses que não estão em uma realidade separada, senão junto de nós, se
manifestando a cada momento, através de nós, da natureza, de nossos antepassados e os
quais intentam não apenas nos proteger ou julgar (pois têm muito mais a fazer por si mesmos
que ficar simplesmente se envolvendo nas intrigas humanas).
“Um dos maiores equívocos que as pessoas têm é tratar o Velho Caolho como uma espécie de
Gandalf Papai-do-Céu (e sim, Gandalfr é um dos kennings de Óðinn, mas, na realidade, esse
nome não é tão amigável como Ian McKellen – mas eu vou chegar a isso mais tarde). Como se
Óðinn fosse um deus cuidadoso, amoroso.
Para aqueles que pensam assim e vão ficar ofendidos ao ouvir que ele não é, por favor,
encontrem a porta de saída (e sério … isso não é muito intencionado a vocês). Porque ele não
é. […]
99,9% das pessoas não cumprem essas normas, não gostariam de fazer os sacrifícios
necessários para alcançar o que foi dito e devem considerar talvez um deus que é menos que
um sanguinário-bastardo-guerreiro do que antigo MEDO (Uggr / Yggr), PORTADOR DA
LANÇA (Geirvaldur, Biflindi, Geirölnir, Geirlöðnir, Geirtýr, Gandálfur), PAI DE MORTE
VIOLENTA (Valfaðir), ATACANTE (At-riði), OLHAR-FLAMEJANTE (Báleygr), OPERADOR DE
MALDIÇÕES (Bölverkr, Skollvaldr) , SENHOR DOS MORTOS (Draugadróttinn)” Em: Óðinn – or
Sky-daddy and the world of grievous bodily harm, por Einar V. Bj. Maack.
Odin é, essencialmente, um deus da morte, e com isso da guerra, mas também um deus
sedento por sabedoria que se disfarça de mendigo para negociar, se divertir e obter
conhecimento. Odin é, por outro lado, deus da magia, envolvido com Galdr e Seiðr, o
descobridor das runas, e isso não foi para que um humano entre os bilhões que já nasceram na
história fosse agraciado com a benção do Alföðr (Pai de Todos) em particular. Odin é o
impulso vitalizador (junto de Vili e Ve) de toda a humanidade; além disso adotou elfos
luminosos e escuros (sendo esses últimos anões ou não, o que não há consenso sobre); tendo
então muito mais do que um ego humano para se preocupar: Huginn e Muninn viajam os nove
mundos para dar notícias a Odin para que ele os regule, e não para cuidar da sua vida humana
em particular e agraciá-la ou puní-la. Em casos muito raros os deuses (e especialmente Odin)
se envolvem com a vida da humanidade, mas isso é exceção, e quando será de alguma
serventia nos próprios negócios divinos. Usar os nomes Odinsson ou Odinsdóttir como
“invocação” da força da divindade Odin (ou respectivamente para outro deus) é plenamente
entendível, mas, se por exemplo, com isso se esperar uma vigia 24h sete dias da semana do
deus, isso não é senão um vício extremadamente cristão, pois existe uma diferença enorme
entre a teologia cristã e a ritualística naturalista do norte, no que diz respeito às relações
deuses-seres humanos.
Então… O que Fazer?
E sim, olhe para a beleza da primavera que Eostre carrega, para a potência de Sunna que
corre todos os dias pelo céu, para a fecundidade que Freyr e Freyja trazem, para a fúria
violenta de Aegir revolvendo os mares, para o brilho poderoso dos trovões de Thor e lembre-se
que o mundo é uma soma das ações de todos os deuses. Não apenas Odin.
Uma parte de nossa alma vai para junto de nossos ancestrais, e dali pode voltar ao mundo
para ajudar o clã, e isso tem um significado: o de que você é alguém importante, mas faz parte
de uma essência espiritual maior. Lembre-se também que o Valhalla é para onde todo
guerreiro quer ir: mas é com a vida aqui, no dia-a-dia, sendo fiel a todos aqueles que estão
próximos de você, familiares, amigos, etc. é que o verdadeiro Heathen demonstra para quê
segue o caminho do Norte: por honra, por cravar os dois pés e a mente na realidade e na
Natureza e não por promessas de além-vida e a necessidade de uma tutela divina.
Agradeço a Andreia M., sem a qual esse texto não teria saído 😛
As divindades do lar se encaixam em dois tipos; em primeiro lugar, uma deidade específica —
tipicamente uma deusa — muitas vezes referida como uma deusa da lareira ou deusa
doméstica que está associada à casa e ao lar, com exemplos incluindo a Hestia grega e a Frigg
nórdica.
O segundo tipo de deidades domésticas são aquelas que não são uma divindade singular, mas
um tipo ou espécie de deidade animista que normalmente têm poderes menores do que
deidades principais. Este tipo era comum nas religiões da antiguidade, como os Lares da antiga
religião romana, o Gashin do xamanismo coreano e os Cofgodas (ver abaixo) do paganismo
anglo-saxão. Estes sobreviveram à cristianização como criaturas de fadas existentes no
folclore, como o Brownie anglo-escocês e o Tomte nórdico.
As divindades domésticas geralmente eram cultuadas não nos templos, mas no lar, onde eles
seriam representados por pequenos ídolos (descritos pelos judeus como os terafins, muitas
vezes traduzidos como “deuses domésticos”), amuletos, pinturas ou relevos. Eles também
podem ser encontrados em objetos domésticos, como artigos cosméticos no caso do Tawaret.
As casas mais prósperas podem ter um pequeno santuário para os deus do lar; o larário serviu
este propósito no caso dos romanos. Os deuses seriam tratados como membros da família e
convidados a participar das refeições, ou recebiam ofertas de comida e bebida.
Tipos
Em muitas religiões, antigas e modernas, um deus presidiria o lar, em que certas espécies ou
tipos de deidades domésticas existiam. Um exemplo disto foram os Lares romanos, e muitas
culturas europeias mantêm os espíritos domésticos no período moderno, como: Brownie
(Escócia e Inglaterra) ou Hob (Inglaterra), Kobold (Alemanha), Goblin, Hobgoblin, Domovoi
(eslavo), Nisse (norueguês ou dinamarquês), Tomte (sueco) ou o Tonttu (finlandês).
Embora o status cósmico das divindades domésticas não fosse tão elevado como o dos Doze
Olimpianos ou os Aesir, eles também eram ciumentos com sua dignidade e também tinham
que ser apaziguados com santuários e oferendas, por mais humilde que fosse. Por causa de
seu imediatez, eles tiveram uma maior influência sobre os assuntos do dia-a-dia dos homens
do que os deuses remotos. Os vestígios de sua adoração persistiram muito depois que o
cristianismo e outras religiões principais extirparam quase todos os vestígios dos principais
panteões pagãos, e, de fato, continuam até hoje, de uma forma ou de outra (e na verdade
podem ter assumido alguns deles, incluindo estátuas para vários santos, como São Francisco
para proteger um jardim, ou gárgulas em igrejas mais antigas).
Durante séculos, o cristianismo empenhou-se em uma guerra para absorver o culto dessas
pequenas divindades pagãs, mas eles se mostraram tenazes. Por exemplo, o Tischreden de
Martin Luther tem inúmeras referências bastante sérias sobre lidar com kobolds.
Eventualmente, o racionalismo e a revolução industrial ameaçaram apagar a maioria dessas
divindades menores, até que o advento do nacionalismo romântico os reabilitou e os
embelezou em objetos de curiosidade literária no século XIX. Desde o século 20, esta literatura
foi minada para personagens para jogos de RPG, videogames e outras personagens de
fantasia, não raramente investidos com traços e hierarquias inventadas um tanto diferentes das
suas raízes mitológicas e folclóricas.
Cofgodas
A palavra do inglês moderno ‘cove’ (do inglês antigo ‘cofa’, ‘caverna, câmara pequena, câmara
interior’) não só significa casa pequena ou habitação, mas também pode significar a abertura
ou lareira da chaminé, que em tempos antigos teria sido bastante grande, usada para cozinhar
e um local conveniente para sentar-se e aquecer-se.
É de grande importância que o fogão (hob) da lareira tivesse a parte de trás elevada ou o nível
lateral com a grelha, para manter os recipientes para aquecer ou cozinhar, algo agora quase
esquecido. “Ele deixou a panela no fogão para ficar quente”. A panela é deixada como se
estivesse nas costas do ancestral para ficar aquecida. Assim, o fogo do lar é entendido em
estreita relação com o guardião ou cofgod e este com os ancestrais, através do fogo.
Os cofgodas residem dentro de um objeto físico na casa. Nos tempos antigos, o objeto mais
frequente para este propósito era uma pedra ao lado da lareira, o que, quando quente,
provavelmente era também um lugar útil para colocar uma panela?
Fontes:
https://en.wikipedia.org/wiki/Household_deity
https://en.wikipedia.org/wiki/Cofgodas
https://blindbrotherhod.wordpress.com/2009/01/06/cofgodas/
Mas não é todo e qualquer morto que faz parte deste rito. São aqueles que tem razão e
interesse em preocupar-se conosco — nós, humanos, nas mais diversas culturas, desde as
ameríndias à japonesa, temos por costume venerar nossos ancestrais. Não necessariamente
como deuses — embora em algumas culturas (como na China pré-dinástica, e em algumas
outras culturas asiáticas), absolutamente como deuses. Ou, se não deuses, como seres
bastante próximos deles.
O que, se pararmos pra pensar, faz perfeito sentido. Afinal, de todos os diversos seres e
criaturas que permeiam mitologias e folclores, a única que podemos dizer, sem sombra de
dúvidas, com 100% de certeza, que existiram, são nossos ancestrais. Mesmo que não
saibamos quem são eles.
Se a vida não se encerra aqui, se não há um término, mas uma continuidade (quer separada
do corpo, quer não), quem se importaria mais conosco que nossos ancestrais? A eles, os
ancestrais mortos, é reservado um conhecimento e um poder alheio ao nosso, uma existência
diferente, separada. Na morte eles se tornam mais, outros, seres além de nossa percepção,
mas, de certa forma, ainda presentes.
Entre os gregos e romanos antigos, até mesmo antes do nascimento do culto aos deuses
greco-romanos que conhecemos, havia o culto familiar, o culto doméstico: o culto ancestral,
centrado na casa, no fogo sagrado mantido dentro da propriedade, do domicílio de uma família.
Em Roma, esse culto deu origem ao culto aos Lares, frequentemente confundido com os
Penates (deuses-ancestrais, associados ao fogo sagrado e ao lar) e com os manes (espíritos
ancestrais), inclusive na própria literatura da época. Os Lares, assim como
as matronae germânicas, podiam ser tanto domésticas quanto de um bairro e até mesmo da
cidade, encruzilhadas e caminhos; percebe-se que o culto ancestral muitas vezes se mistura
com o culto a espíritos protetores diversos.
Lararium da casa de Vettii: dois Lares flanqueando um genius (espírito) ancestral, acima de
uma serpente, símbolo de fertilidade e prosperidade. O genius ancestral carrega incenso e uma
tigela de oferenda, e está vestido com a toga cerimonial usada em
sacrifícios. Via Wikicommons.
O fogo sagrado, posteriormente, foi associado à deusa Vesta, considerada a deusa do fogo
doméstico — sempre virgem e pura, assim como as vestais que protegiam o fogo sagrado de
Roma, pois o fogo sagrado não tem máculas: nada impuro é dado a ele, nem atos impuros
acontecem diante dele. Este culto ao fogo sagrado também está presente na religião védica,
sob o nome de Agni.
Isso era tão forte entre gregos, romanos e até mesmo hindus, que a terra onde os ancestrais
estavam sepultados (que era de propriedade da família), a casa onde o fogo ancestral
residia, não podia ser vendida nem passada a terceiros. Perdia-se a liberdade individual por
dívidas, mas a propriedade onde a família se estabeleceu não pertencia a um ou dois
indivíduos, mas à linhagem, e, portanto, não era permitido desfazer-se desta propriedade. A
pior das situações acontecia quando a linhagem (patrilinear) se extinguia.
Bastante diferente da vida moderna, em que dificilmente uma propriedade permanece na posse
de uma família — muitas vezes, nós mesmos nos mudamos durante nossas vidas, múltiplas
vezes. O vínculo com a terra e os ossos ancestrais se desfaz.
Na falta de herdeiros homens (pois o culto ancestral era patrilinear, levando-se em conta que
filhas, ao casar, deixavam de lado sua família de sangue para assumir o culto familiar do
marido, sob o qual criará seus filhos), procurava-se herdeiros colaterais, como sobrinhos, tios e
até mesmo netos — desde que estes fossem relacionados pela linha patrilinear.
Também era permitida a adoção: neste caso, o filho adotivo deixava seu próprio culto familiar,
para assumir aquela da família adotiva. Não era permitido cultuar duas linhagens ancestrais, e
o processo de adoção tinha cunho religioso, assim como a cerimônia de casamento.
Note que fica bastante claro que consanguinidade, embora importante, não era uma
necessidade absoluta. Filhos adotivos podem perfeitamente venerar seus ancestrais adotivos.
Mais importante que o sangue, são os laços de reciprocidade estabelecidos com os ancestrais.
Entre os povos germânicos não era diferente. Acredita-se que a adoração aos ancestrais (ou
veneração), acontecia dentro de casa, e muito provavelmente liderada pelo patriarca da família,
que por sua vez passava a seus filhos (em especial o filho mais velho) os ritos familiares. Ela
era, muito provavelmente, centrada no fogo doméstico, aquele feito no centro da casa, que era
usado tanto para cozinhar os alimentos como para aquecer o ambiente — basicamente, o
coração do lar.
A crença na potência dos ancestrais sepultados em uma propriedade é tão forte, que com o
passar dos anos, começou a dissolver-se a fronteira entre o que é um ancestral humano e o
que são elfos e vettir diversos — algumas seres folclóricos, como o tomte sueco, acredita-se
terem sua origem no culto ancestral e na permanência da essência desses ancestrais na terra,
como protetores. Elfos, muitas vezes, pensava-se protegiam as câmaras funerárias e os
montes onde ancestrais descansavam.
As dísir, assim como as matronae, são protetoras do lar e da família, desde tempos imemoriais,
e consideradas, de certa forma, associadas à urdr da família — Saxo Grammaticus as chama,
inclusive, de norns, embora a relação não seja clara. Sua presença pode ser tanto positiva,
levando a sorte familiar, quanto negativa — há relatos em sagas de dísir vingativas, inclusive
causando a morte de alguns familiares.
Como as matronae, existe um aspecto de fertilidade associado às dísir, mas também são
associadas à guerra: em alguns pontos, as dísir tornam-se indistinguíveis das valkyrjas
(chamadas de “dísir de Odin”). Também há pontos no folclore onde se mencionam landdísir —
versões femininas dos landvettir. A palavra dís (forma singular de dísir), por si só, pode
significar tanto deusa como mulher. Não é a toa que Freyja recebe o nome de Vanadís — dís
dos Vanir.
Dísir, ilustração por Dorothy Hardy em Myths of the Norsemen from the Eddas and Sagas,
1923. Via Wikicommons.
Ou seja, assim como aconteceu em outros pontos do mundo, a distinção entre elfos, vettir,
espíritos guardiões, etc., é bastante tênue.
A beleza do culto ancestral é que ele deve, por força, ser personalizado de acordo com cada
família. As formas mais comuns são a construção de um altar doméstico, onde se encontram
fotos ou itens relevantes aos ancestrais. Neste altar oferecem-se alimentos e outras coisas que
os ancestrais gostavam — de acordo com o gosto deles. Até mesmo flores, velas, incensos,
por que não?
É algo profundamente personalizado e pessoal. Se sua avó era louca por suco de maçã, era a
bebida favorita dela, ou café, ou cerveja de determinada marca, porque não deixar tal item em
honra a ela? Se possível — o que nem sempre é — pode-se deixar no próprio túmulo. Se não,
em um altar dedicado aos ancestrais.
Minha bisavó paterna, por exemplo, tinha fixação por cervejas long neck; se fosse em lata ela
não bebia. Ela bebia cerveja diariamente, até a sua morte. Faria perfeito sentido deixar uma
garrafa de cerveja no túmulo dela, ou fazer uma libação em sua honra.
Este mesmo altar, tradicionalmente, pode ser mantido em uma área reservada, fechada ou
“fora das vistas” de qualquer um, mas também não é incomum que se deixe tal aspecto de
lado, principalmente considerando as dificuldades da vida moderna, onde nem sempre é
possível “esconder” algo com facilidade. Quando possível, há uma preferência por essa reserva
— como era o costume indo-europeu.
E quanto se executam tais rituais? Por que não estabelecer alguns dias — como por exemplo
aniversário, tanto de vida quanto de morte, dia de casamento, datas importantes para a família,
para lembrar e erguer um brinde especificamente à memória deles? Pode-se criar até mesmo
elegias e poemas específicos em sua memória. Talvez até poemas e elegias que perdurem de
geração em geração, criando novas tradições familiares.
Entre os povos escandinavos, a veneração ancestral costumava acontecer no período de
inverno, quando se faziam os sacrifícios, estação essa que iniciava-se em nosso atual outono
(e que pode ser ajustado de acordo com o clima e peculiaridades de cada região, respeitando o
ciclo da natureza local).
Nesse período celebrava-se o Dísablót (após a celebração da colheita, no que hoje chamamos
outono; no hemisfério norte, aproximadamente no mês de outubro), ou Modraniht, celebrado no
período de Yule, entre os anglo-saxões.
O que faz sentido, pois no longo inverno escandinavo, era bastante comum que todos ficassem
em casa, em suas residências, e começavam os abates de gado, para suportarem o inverno,
facilitando tais rituais.
Associado a isso, e atualmente ainda celebrado (embora tenha perdido o aspecto religioso
antigo), há o Disaþing, ou, “thing de todos os suecos”. Sabe-se pouco sobre a origem deste
ritual, mas acredita-se tratar de uma thing geral, das diversas tribos e povos da antiga Suécia,
entre fevereiro e março, onde eram celebrados grandes blót em honra das Dísir. Atualmente,
celebra-se a Disting como um mercado geral em Uppsala, um evento ainda importante na
Suécia.
Disting em Uppsala, 2008. Via Wikicommons.
Não vivendo em tais locais, e muitas vezes sequer na mesma situação rural, podemos criar
nossos próprios ritos e estabelecer nossas próprias datas, de forma consistente. Modraniht, por
exemplo, era comemorada no ano novo — comemorando as mães no nascimento de um novo
ano, o que faz um certo sentido poético.
Os ancestrais que veneramos não são aquelas tênues lembranças de duzentos, trezentos, mil
anos atrás (embora possam ser também); eles são aqueles que nos deram a vida, aos quais
devemos, diretamente, nossa existência. Pais, avós, bisavós, etc..
E nem necessariamente são ancestrais biológicos. Há heathens que incluem nesse âmbito
aquelas pessoas que, embora não sejam familiares, muitas vezes são tão família quanto —
madrinhas e padrinhos (observe que esse costume, embora cristão, muitas vezes cria um
vínculo forte entre os envolvidos; no caso não é a condição de padrinho ou madrinha, mas o
vínculo, que se honra), amigos da família, amigos mesmo, que nos apoiaram e foram presentes
durante nossas vidas, familiares adotados.
Há quem inclua até “heróis”: pessoas estranhas, celebridades, figuras notáveis, etc., que
causaram impacto em nossas vidas.
(Eu, pessoalmente, deixaria estas pessoas em separado, ao culto dos heróis mesmo. Por mais
que admiremos uma pessoa, cientista, celebridade, o que for, eu pessoalmente acho um pouco
de presunção colocá-las no mesmo patamar que aqueles que foram diretamente responsáveis
por nossas vidas.)
E àqueles de nós que, infelizmente, tivemos ancestrais “negativos”? Pessoas que nos
machucaram, nos feriram? Diz-se que a pior coisa que pode ser feita a um morto, é o
esquecimento dele. Não honrar um ancestral é tão significativo quanto honrá-lo. Geralmente,
entende-se que o ideal é fazer as pazes com esse sofrimento gerado, agradecê-los pela
existência pura, se nada mais.
Mas, como tudo relativo ao culto ancestral, isso vai de cada um.
Uma vez estabelecida a conexão — o ciclo de reciprocidade — ela se torna cada vez mais
profunda.
Quais ancestrais?
Quem são nossos ancestrais? Aqueles que nos precederam no mundo obscuro. Pais e mães,
avôs e avós, bisavôs e bisavós… mas também tios e tias, primos, todos aqueles que
influenciaram nossas vidas e existência diretamente. Podemos “olhar” para aqueles ancestrais
antigos, dos quais nem sabemos o nome, que podem talvez ter existido na época pagã pré-
cristã? Afinal, a existência humana é um grande contínuo! Sim, podemos, mas jamais em
detrimento daqueles que, efetivamente, em um passado não-tão-distante, tem razões para se
importar com nossa existência.
Veja, quando falamos em ancestrais, falamos em todos os ancestrais. Como brasileiros, temos
em nós uma grande diversidade de culturas envolvidas em nossa herança. Não é apenas uma
questão de raça: um europeu escandinavo não tem a mesma cultura e tradição de um europeu
basco, ou eslavo, ou italiano. Dentro de todo continente, de toda “raça”, existe uma enorme
variedade de culturas e crenças.
E como o culto ancestral é particular de cada família, por que não incluir aspectos que reflitam
essa ancestralidade diversa em seus rituais? Por que não servir cachaça ao invés de vinho ou
hidromel, por exemplo? Por que não pesquisar sobre outras formas de culto ancestral, que
possam ser influentes ou relevantes, e incorporar aspectos desses cultos a seus rituais?
O culto ancestral também não se limita aos rituais. Respeito é fundamental — respeito à
memória, e aos vivos, assim como aos mortos. Respeitar e honrar aos pais (tanto no sentido
“comum” quanto no sentido pagão da palavra). Manter a memória daqueles que nos
precederam vivas, inclusive passando-a às gerações futuras. Compartilhar e manter vivo o
conhecimento ancestral. Tudo isso faz parte.
Bem, tudo isso faz parte da reverência e culto aos mortos. Tudo isso, a fim de que descansem
em paz, e que possam continuar, assim como nós mesmos continuaremos depois de nossa
morte, protegendo nossas vidas.
Mas, às vezes, os mortos não descansam em paz. Isso será tema do próximo post.
Os mortos estão entre nós. Eles vivem em seus túmulos, em nossas memórias, em nosso
material genético. Existem mais pessoas mortas que vivas; sempre existirá. Nossas civilizações
são construídas sobre os corpos e as vidas de milhões — bilhões — de gerações passadas,
até a tão-falada sopa primordial.
Nós, pessoas modernas, temos uma tendência a encarar a morte como tabu, como algo
negativo, a ser evitado, que não deve ser mencionado. Raros são aqueles que, entre nós,
coexistem ou são confrontados com a morte cotidianamente. Esqueletos e caveiras são
tratados como símbolos maus, negativos, ironicamente, considerando que todos nós temos
ossos e caveiras. Nos afastando do campo e da natureza, e vivendo com uma qualidade de
vida em muito superior àquela da era medieval, também nos afastamos da morte.
Mas as superstições persistem. Nosso folclore, assim como o folclore antigo, está repleto de
zumbis, vampiros e outros seres associados à morte. Às vezes, de maneira até meio bizarra,
imaginamos romances com eles, fantasiamos sua existência e removemos o aspecto
aterrorizante de suas lendas.
Esqueleto de 800 anos, encontrado na Bulgária, com o peito atravessado por uma vara de
ferro. Essa prática, supostamente, evita que o morto se torne um vampiro. Via Wikicommons.
Mesmo assim, volta e meia aparece uma nova lenda urbana, um novo filme, versando sobre os
espíritos inquietos, aqueles que desejam voltar à vida, aqueles que não descansam em paz
sem seus túmulos.
Como já falamos, o culto aos mortos (e aos ancestrais) aparece nas mais diversas culturas
humanas, e resiste até mesmo os fortes laços das culturas abraâmicas. E esses seres que
resistem à ordem natural, à morte, persistem em mito e em folclore, na cultura germânica e nas
outras diversas culturas.
Entre os germânicos, o inverno era uma estação profundamente associada à morte, talvez por
motivos óbvios, já que os invernos do norte da Europa são rigorosos e de grande risco para os
vivos. Assim, acreditava-se que os mortos tornavam-se mais ativos durante o inverno (como já
mencionamos, a maior parte dos cultos ancestrais acontecia nessa época), em vários
fenômenos, de diversas maneiras.
Draugar
Ele resiste à morte: volta à vida em seu corpo reanimado, mas de forma diferente. Ele tem
força extraordinária e carrega consigo o cheiro da decomposição; tem poderes extraordinários
de força e resistência. O draugr sobrevive para resolver questões não resolvidas, e, ao
contrário do zumbi, ele tem inteligência (embora não muita; até mesmo o temível Glámr,
mencionado na Gréttirs saga, não tem lá essa inteligência toda).
O draugr pode ter poderes. Ele pode ter poderes mágicos de ver o futuro, mudar de forma,
aumentar de tamanho, controlar o clima, assim como bruxas e feiticeiros vivos. Ele causa a
insanidade em animais e humanos que o veem. Ele pode tomar a forma do gato que senta
sobre o peito de sua vítima, e torna-se cada vez mais pesado, até sufocá-la; pode ser o touro
flagelado, o cavalo pálido sem orelhas e sem cauda e com a espinha partida, que perseguem e
matam o gado.
Podia, inclusive, ser percebido antes mesmo de seu funeral: o corpo é pesado, e parece
inquieto, e difícil de transportar, crescendo enormemente e não se decompõe.
O draugr tem a natureza do vivo que foi — e, na maioria das sagas, essa natureza é ruim, ou
violenta. Ou seja, mesmo morto, este morto é como o vivo — ele não se altera nem se
modifica, apenas se intensifica. Mas não há uma personalização, ou personalidade; o caminho
do draugr é aquele que ele segue, ou deve seguir, e não necessariamente uma volta à vida
real. Ele não é vivo — mas também não é completamente morto.
Ele inspira terror por sua natureza; ele guarda sua tumba, vaga pelo mundo, e pode vir a
vingar-se daqueles que o fizeram mal no passado.
São quase sempre escuros (“azul como a morte”) ou extremamente pálidos (“pálido como um
cadáver”), ou seja, literalmente corpos reanimados: a tradição escandinava,
inusitadamente, não tem o conceito de fantasma como alma desencarnada, intangível.
Há quem diga que draugar constroem seus próprios túmulos, onde se encerram com seus
tesouros antes mesmo de morrerem — escolhendo assim o momento de sua morte, ao invés
de simplesmente morrerem de idade ou doença, pacificamente.
Pois o draugr se move pela escuridão: à noite, ou trazendo consigo uma névoa que o oculta.
A saga de Gréttir, menciona que o draugr se move nos padrões de luar e escuridão. Eo draugr,
quando mata alguém, pode transformá-lo em draugr também — sua condição pode muito bem
ser contagiosa, como acontece com a maioria dos mortos-vivos.
O draugr tem fome, uma fome insaciável: ele devora tudo que encontra, e não se sacia. Cães,
cavalos, até mesmo humanos, não são suficientes para apaziguar sua fome. Eles têm inveja
dos vivos: eles buscam seus locais de conforto, suas casas e o hall onde costumavam se
reunir, e lá fazem seus festejos e banquetes espectrais.
Nem sempre os mortos causam o mal: a mulher Thorgunna, cristã, levanta de sua morte para
cozinhar para seu séquito funerário, quando a eles foi negado comida e abrigo (Eyrbyggja
saga). Por ela ter uma natureza boa, prudente e tranquila, assim é sua natureza enquanto
morta. Ela faz sua obrigação, até que os donos da casa concedem e acomodar seu séquito.
Um grupo de mortos, todos falecidos em um navio, à noite, vão festejar, beber e brigar como se
estivessem vivos, em um determinado hall, molhando tudo e fazendo algazarra — até que, à
moda antiga, os vivos fazem um julgamento, cada morto se defende e se retira após passada
sua sentença.
Tal estória é contada pelo escritor norueguês Jonas Lie, em seu Trold (1891-1892), que conta
diversas estórias fantásticas de pescadores do Mar do Norte; uma delas, Elias og
Draugen, pode ser lida no site Online Literature (em inglês).
Draugar em forma sub-
humana, em um navio, do folclore norueguês. Ilustração por Laurence Housman,
via Wikicommons.
Prevenindo-se contra os mortos
Matar um draugr (pois os mortos podem morrer novamente) não é tarefa fácil. Eles podem, sim,
ser feridos com ferro frio, mas o ferro sozinho não é suficiente. Estacas de madeira,
decapitação com a espada do próprio draugr (aquela sepultada com ele), depois de levá-lo ao
chão e subjugá-lo, são alguns métodos de desfazer-se do monstro. Além, os restos mortais
deveriam ser queimados, e as cinzas mantidas até esfriarem e depois, enterradas ou jogadas
ao mar.
Mas, cuidado: o ato de matar um draugr, de matar um monstro, muitas vezes também o
transforma em um — no pária, no isolado, naquele que não se pode confiar. Olhar para o
abismo, pode fazer o abismo olhar de volta. Grettir, que mata o draugr Glámr, nunca mais é
tratado como igual na sociedade; ele passa a ser chamado de troll, assim como Glámr antes
dele. Interessantemente, Grettir é chamado de lobo, um termo usado para fora da lei; lobos são
frequentemente inimigos dos mortos-vivos (veja como os lobisomens quase sempre
são inimigos dos vampiros, uma ideia que remonta à Idade Média).
Mas, embora haja similaridades, o draugr não é vampiro. Também não é um fantasma, espírito
ou espectro — ele é um draugr, um dos muitos, e prevalentes, espíritos, demônios, o que quer
que o nomeemos, seres que habitam o imaginário popular, das coisas que se movem durante a
noite, das questões mal resolvidas e dos mortos sempre presente entre nós. Aquele Outro
poderoso e anti-social, que destrói, desafia a natureza e a ordem natural das coisas, com
motivos não identificados e escusos.
Respeitar aos mortos, e reconhecer seu poder, é fundamental. É preciso cuidade para não
tornar-se um deles, não tornar-se aquele que, ao combater os monstros, torna-se um deles.
E, bem, se você ouvir alguém bater em sua janela uma única vez, tenha cuidado e não abra.
Espere a pessoa bater novamente. Pode ser um draugr tentando entrar em sua casa…
Os mortos estão entre nós. E, um dia, nós nos juntaremos a eles. De uma forma ou de outra,
haja uma vida posterior ou não, nossa existência continua: quer no impacto que nossas vidas
causaram, nas lembranças que deixamos na mente dos sobreviventes, quer com um
simbolismo cruel na forma do draugr, quer em um reino, ou mundo, ou estado alterado, onde
os mortos habitam.
O principal destino, de todos nós, é o mound — ou seja, nosso túmulo. Nosso lugar final de
descanso, por assim dizer. E isso não é uma coisa ruim. É a existência natural de um heathen,
tornar-se protetor de nossa família após a morte, tornar-se um ancestral, digno de receber
culto.
Essas mamoas variavam em tamanho, estilo, formato, se eram marcadas ou não. Não existia
padrão, na Escandinávia antiga, de um túmulo, câmara funerária ou sepultamento. Embora na
Suécia fosse comum a cremação, em outros pontos da Escandinávia misturavam-se as
tradições de inumação (sepultamento do corpo) e cremação.
Mas mesmo após a cremação, os corpos eram sepultados, juntamente com seus bens
materiais. Em algumas mamoas, encontramos navios inteiros, corpos de animais, múltiplas
pessoas, crianças junto de (presume-se) seus pais. Em outros locais, os túmulos eram
marcados com fileiras de pedra sugerindo navios.
Navios vikings de pedra, em Bastelunda, próximo de Västerås, Suécia. Via Wikicommons.
Em outros lugares, pessoas poderiam ser sepultadas dentro de caixas, ou de carroças, ou
caixões de forma mais moderna. Em alguns lugares os túmulos são marcados com pedras,
algumas elaboradas, outras não. Em alguns locais, existem verdadeiras câmaras funerárias,
feitas de madeira ou de pedra, e escavadas na terra — quadradas e largas. Dentro delas,
pessoas poderiam ser sepultadas sentadas, deitadas como se dormissem, inclusive com
travesseiros e cobertas, de costas, em poses expressivas (em um túmulo, um homem e uma
mulher foram sepultados juntos, ambos com uma das mãos para trás e uma sobre os genitais,
e a mulher com duas grandes pedras colocadas sobre seu torso), e outras muitas maneiras.
A grande variedade de funerais demonstra que havia uma grande diversidade de tradições
envolvidas, regionais, locais e até individuais, embora alguns pontos permaneçam em comum,
como a presença de itens funerários, geralmente itens que, presume-se, pertenciam à pessoa
morta, e determinadas localidades possuiam determinados padrões, como cremação ou
inumação.
Itens funerários pertencentes a uma völva, incluindo o famoso cetro da völva. Encontrado em
Köpingsvik, Öland, Suécia. Via Wikicommons.
Interessantemente, muitos dos corpos eram sepultados com animais — especialmente
cães. Mesmo antes, na pré-história, dentro do Neolítico e do mesolítico, vemos cães
sepultados com pessoas e, especialmente no Mesolítico, cães sepultados sozinhos. Cavalos
também eram comuns.
De forma um tanto mórbida, tanto cães quanto cavalos, em alguns túmulos, são
desmembrados e decapitados. Outros túmulos contém apenas partes de animais (dois, em
especial, continham apenas a cabeça de um cavalo, disposta mais ou menos no mesmo local,
em túmulos bastante diferentes de outra forma), alguns partes humanas (um túmulo continha
vários dedos decepados). Aves, também, são encontradas, muitas vezes despedaçadas e
distribuídas pelo espaço aberto para o corpo.
Assim como cães e cavalos, animais como vacas e porcos também são encontrados, mas de
forma mais associada com alimentação que com os animais em si.
De qualquer forma, percebe-se que se dá importância aos corpos — e, mais ainda, onde, como
e com o quê são sepultados. A distribuição dos itens são deliberadas; em vários pontos, há
claros sinais de “simulação” de um hall, na distribuição dos itens.
Neil Price, arqueólogo inglês especialista no período viking, teoriza que a disposição dos bens,
e o processo de criar tais funerais, tem componentes dramáticos neles — que cada túmulo, e
túmulos a ele associados, contam uma história, uma dramatização que pode, de tal forma, ser
pessoal e única para o morto, e contínua para com outros túmulos relacionados. Quanto mais
rica a pessoa em questão, mais complexa, numerosa e detalhada sua apresentação — até
suntuosos navios, entre eles o navio do Osenberg, o navio viking mais completo que
conhecemos, sepultado com duas mulheres.
Em contraste, nem todas as pessoas tinham um funeral. Havia aquelas que morriam no mar,
ou aquelas que morriam longe, e temos sinais de memoriais a essas pessoas, construídos por
aqueles que a conheceram, marcando suas mortes mesmo sem seus corpos — e de forma
similar, há túmulos sem corpos. Pessoas muito pobres ou escravos (thralls) muito
provavelmente não tinham um sepultamento da mesma forma que pessoas mais ricas, se
sequer eram sepultadas. Da mesma forma, há poucos túmulos dedicados a crianças, embora
eles existam.
Em alguns lugares (especialmente em Götland), o morto era celebrado por grandes pedras
funerárias, que contam uma história pictórica e provavelmente marcavam um território familiar.
Muitas vezes, as diversas pedras encontradas complementam uma a outra, em sequência
lógica, e tinham a figura de um navio — sendo substitutas para o navio em si.
Uma das pedras funerárias em Stora i Hammar, Götland, Suécia. Via Wikicommons.
Mas, para onde vão as pessoas, depois de mortas?
Normalmente, acredita-se que para seus túmulos. Em várias sagas encontramos menções de
pessoas que, ao passar por uma mamoa, viam os mortos celebrando e bebendo dentro de
suas câmaras funerárias. As pessoas certamente eram sepultadas com seus bens, com
alimentos, sacrifícios eram oferecidos a elas, muito provavelmente nas suas mamoas, e há
menções em sagas, também, de pessoas deitando-se ou sentando-se sobre o monte, de forma
a abrir uma conexão com os mortos, trazê-los de volta e questioná-los.
Assim, mais uma vez, percebemos o quão física é a morte e o quão associada ao corpo ela é.
Snorri Sturloson, em seu prefácio para a Ynglinga saga, descreve uma suposta lei,
supostamente ditada por Odin, na interpretação dele um rei mortal, que os corpos deviam ser
cremados para obter acesso ao Valhöll. Obviamente, como vimos, essa lei aparenta ser furada,
já que muitos corpos simplesmente não eram cremados, e muitas outras tradições existiam
nesse sentido.
De qualquer forma, a ideia do Valhöll como um local glorioso permanece, e continua a permear
o imaginário de heathens diversos. Valhöll é descrito como um hall, pertecente ao deus Odin
(um de muitos outros halls), onde aqueles mortos em batalha lutam durante o dia, sendo
ressucitados ao final do dia, caso morram, e festejam durante a noite. Valhöll, como o deus que
o preside, é um local violento, um campo de treinamento para os einherjar — os soldados de
Odin.
Valhöll é descrito de uma forma bastante específica, como um hall de várias portas (quinhentas
e quarenta, conforme descrito na Grímnismál), com um teto suportado por lanças e coberto de
escudos, onde cotas de malha se encontram espalhadas e um lobo se encontra enforcado
sobre as portas do oeste — claramente um local de guerreiros e, teoriza-se, uma abstração do
próprio campo de batalha.
Assim, Valhöll seria, de alguma forma, o hall daqueles que morreram no campo de batalha, e
cujos corpos, lá deixados, são cobertos pelos seus escudos e suas armas.
Uma Valkyrja, com o chifre nas mãos, recebe os guerreiros nos portões do Valhöll. Pedra de
Tjängvide, Götland, Suécia. Via Wikicommons.
Mas Valhöll, uma destinação bastante específica (guerreiros), não é o único destino. Os
próprios mortos em batalha são divididos, de acordo com as Eddas, com a deusa Freyja, que
os leva para Sessrúmnir (curiosamente, a própria Grímnismál indica que quem escolhe é
Freyja, e Odin leva o remanescente). Outras pessoas, como artesãos, skálds, pessoas
dedicadas a um deus específico e notóreas o suficiente para chamar sua atenção, poderiam
juntar-se a este deus em seu hall específico, já que, presume-se, todos os deuses tem seu hall,
e muitos deles são mencionados, embora não descritos, nas Eddas.
Da mesma forma, pessoas mortas no mar, cujos corpos são impossíveis de recuperar,
destinam-se a Rán — a deusa do mar aberto, do mar revolto, que recebe os afogados. Rán,
cujo nome pode significar “ladra”, é acusada de roubar os homens perdidos no mar.
Rán, por Johannes
Gehrts. Rán puxa o homem para o fundo do mar, onde ele encontrará seu fim.
Via Wikicommons.
E também temos Hel, um mundo em si próprio, presidido, de acordo com as Eddas, por uma
deusa de mesmo nome. Alguns especulam que Hel, o reino subterrâneo abaixo de Midgard,
seja uma referência ao próprio túmulo, ou que este seja uma passagem para aquele.
Embora alguns tratem como um lugar “negativo”, e as descrições nas Eddas, especialmente de
Snorri, certamente acabam por causar uma impressão ruim do local, não há indício que este
seja um lugar especialmente negativo. Afinal, o próprio deus Baldr, quando de sua morte, não
se junta a seu pai, Odin, em Valhöll, mas sim vai para Hel, como, presume-se, vão a maioria
dos seres, inclusive (e especialmente) nós mortais. Funerais, em nórdico antigo, eram
nomeados de Helför, jornada a Hel, e doenças fatais, Helsótt (doença de Hel).
Hel (1889), por
Johannes Gehrts. Via Wikicommons.
Em Hel, moram — de acordo com a mitologia que nós temos atualmente — todos aqueles que
morreram “pacificamente”: de doença, de idade, de causas naturais e não gloriosamente em
batalha, nem afogados no mar, nem tão notórios que seriam levados a outros locais.
Na Baldrs draumar, Odin viaja até Hel, onde ele traz de volta à vida, temporariamente, uma
völva que lhe faz uma profecia, mencionando fatos do Ragnarök. Grímnismál cita que Hel se
encontra abaixo das raízes de Yggdrasil — ou seja, abaixo e no meio da base da própria
existência de todas as coisas.
Dentro de Hel, ou próximo a ele, ficaria Náströnd — a praia dos mortos, onde os corpos
daqueles indignos existiriam. Estes são perjuros, adúlteros e assassinos, que vivem em
tormento, devorados por Nídhöggr, a serpente. Níd é um termo em nórdico antigo, associado
a vilões, criminosos, pessoas com estigma social negativo.
Nídhögg, de acordo com um manuscrito islandês do séc. XVII, roendo as raízes de Yggdrasil.
Via Wikicommons.
De forma bastante peculiar, existe um componente aparentemente sexual na morte, e na forma
como se encara a própria morte. Poemas skáldicos antigos referenciam a morte como “abraço
de Hel”, e o próprio ritual funerário descrito por Ibn Fadlan contém diversas instâncias em que
uma escrava, que se voluntaria ao sacrifício para seguir seu senhor, performa vários atos
sexuais com pessoas próximas ao morto, antes e até mesmo durante o próprio sacrifício.
Há quem diga que as narrativas éddicas têm influência cristã, e que Snorri, em especial, pode
ter sido influenciado por uma visão cristianizada do mundo ao descrever a vida após a morte.
Há quem diga que estes conceitos se entrelaçam, como realidades paralelas.
Similarmente, temos Helgafjell — uma formação montanhosa real, que se dizia tão sagrada
que não se podia olhar diretamente sem lavar o rosto primeiro, e que, se dizia, quem tinha a
visão poderia ver os mortos nela, festejando e vivendo uma vida paralela bastante similar à
vida “real”. Esta montanha seria o destino do(s) clã(s) da região, especificamente, e não um
destino geral.
Então, para onde vamos? A grande verdade é que nós não sabemos — e, provavelmente, não
saberemos até o momento de nossa morte. A teoria mais provável, é que nosso destino
(barrando guerras, afogamento e, quem sabe, certos atos bastante nocivos para com a nossa
sociedade), seja nosso túmulo mesmo, a partir do qual viveremos uma outra vida, e de onde
veremos nossos sucessores.
Independente da morte e da realidade que encontraremos além, a visão de mundo germânica
não a compreendia como um objetivo, uma salvação ou um ponto final — mas preocupava-se
sim como a vida, com o viver, o existir, da melhor maneira possível. Se as Norns fiam nossas
vidas, e nós não temos controle absoluto sobre ela, então, a questão é viver da melhor maneira
possível, com nossos atos.
A morte é inevitável, e nosso destino, no fundo, desconhecido. A vida, entretanto, nós podemos
afetar.
Culto Doméstico
A vida religiosa dos antigos começava em seus respectivos lares. Entenda melhor como isso
acontecia.
Culto Doméstico
“É importante pois o hearth é o único domínio da identidade politeísta que não requer um
sacerdócio formalizado. Tradicionalmente, esse papel teria sido preenchido pelo chefe da
família, mas com o número limitado de pessoas envolvidas no culto doméstico e na identidade
tradicional politeísta, eu estendo isso como sendo qualquer pessoa dentro da casa que está
disposto a assumir o papel. Eu também argumento que o papel do líder de culto doméstico /
sacerdote familiar / intercessor / ou como você quiser chamar é tanto um privilégio quanto
uma obrigação fundamental de qualquer prática religiosa politeísta. Vocês estão mantendo os
deuses tutelares de sua casa (as divindades intercessoras e deuses domésticos [cofgods]
na Heathenry), seus mortos ancestrais (o que inclui alimentá-los e deixá-los saber que eles
ainda têm um lugar em sua casa), e outras obrigações que você tem em ordem para manter a
vida religiosa saudável e espiritualidade de funcionamento do lar.
“O culto doméstico não é realmente muito falado por <razões>, principalmente porque nenhum
dos cultos domésticos seria o mesmo. Cada um é tão diferente quanto os próprios hearths, têm
diferentes deuses familiares, diferentes objetivos, diferentes forças que exercem autoridade
sobre a esfera sagrada. Também estamos construindo práticas de hearth com menos do que
muito pouco em documentação e recursos. Sobretudo, como disse Eliade, existimos num
estado de desacralização em nossas comunidades coletivas por causa de nossas experiências
em um mundo industrial e modernizado. Perdemos de vista a importância da casa na esfera
religiosa, quando ela deveria ser nossa primeira prioridade”.
Divindade do Lar
Uma deidade doméstica é uma divindade ou espírito que protege a casa, cuidando de toda a
família ou de certos membros-chave. Tem sido uma crença comum nas religiões pagãs, bem
como no folclore em muitas partes do mundo.
As divindades do lar se encaixam em dois tipos; em primeiro lugar, uma deidade específica —
tipicamente uma deusa — muitas vezes referida como uma deusa da lareira ou deusa
doméstica que está associada à casa e ao lar, com exemplos incluindo a Hestia grega e a Frigg
nórdica.
O segundo tipo de deidades domésticas são aquelas que não são uma divindade singular, mas
um tipo ou espécie de deidade animista que normalmente têm poderes menores do que
deidades principais. Este tipo era comum nas religiões da antiguidade, como os Lares da antiga
religião romana, o Gashin do xamanismo coreano e os Cofgodas (ver abaixo) do paganismo
anglo-saxão. Estes sobreviveram à cristianização como criaturas de fadas existentes no
folclore, como o Brownie anglo-escocês e o Tomte nórdico.
As divindades domésticas geralmente eram cultuadas não nos templos, mas no lar, onde eles
seriam representados por pequenos ídolos (descritos pelos judeus como os terafins, muitas
vezes traduzidos como “deuses domésticos”), amuletos, pinturas ou relevos. Eles também
podem ser encontrados em objetos domésticos, como artigos cosméticos no caso do Tawaret.
As casas mais prósperas podem ter um pequeno santuário para os deus do lar; o larário serviu
este propósito no caso dos romanos. Os deuses seriam tratados como membros da família e
convidados a participar das refeições, ou recebiam ofertas de comida e bebida.
Tipos
Em muitas religiões, antigas e modernas, um deus presidiria o lar, em que certas espécies ou
tipos de deidades domésticas existiam. Um exemplo disto foram os Lares romanos, e muitas
culturas europeias mantêm os espíritos domésticos no período moderno, como: Brownie
(Escócia e Inglaterra) ou Hob (Inglaterra), Kobold (Alemanha), Goblin, Hobgoblin, Domovoi
(eslavo), Nisse (norueguês ou dinamarquês), Tomte (sueco) ou o Tonttu (finlandês).
Embora o status cósmico das divindades domésticas não fosse tão elevado como o dos Doze
Olimpianos ou os Aesir, eles também eram ciumentos com sua dignidade e também tinham
que ser apaziguados com santuários e oferendas, por mais humilde que fosse. Por causa de
seu imediatez, eles tiveram uma maior influência sobre os assuntos do dia-a-dia dos homens
do que os deuses remotos. Os vestígios de sua adoração persistiram muito depois que o
cristianismo e outras religiões principais extirparam quase todos os vestígios dos principais
panteões pagãos, e, de fato, continuam até hoje, de uma forma ou de outra (e na verdade
podem ter assumido alguns deles, incluindo estátuas para vários santos, como São Francisco
para proteger um jardim, ou gárgulas em igrejas mais antigas).
Durante séculos, o cristianismo empenhou-se em uma guerra para absorver o culto dessas
pequenas divindades pagãs, mas eles se mostraram tenazes. Por exemplo, o Tischreden de
Martin Luther tem inúmeras referências bastante sérias sobre lidar com kobolds.
Eventualmente, o racionalismo e a revolução industrial ameaçaram apagar a maioria dessas
divindades menores, até que o advento do nacionalismo romântico os reabilitou e os
embelezou em objetos de curiosidade literária no século XIX. Desde o século 20, esta literatura
foi minada para personagens para jogos de RPG, videogames e outras personagens de
fantasia, não raramente investidos com traços e hierarquias inventadas um tanto diferentes das
suas raízes mitológicas e folclóricas.
Cofgodas
A palavra do inglês moderno ‘cove’ (do inglês antigo ‘cofa’, ‘caverna, câmara pequena, câmara
interior’) não só significa casa pequena ou habitação, mas também pode significar a abertura
ou lareira da chaminé, que em tempos antigos teria sido bastante grande, usada para cozinhar
e um local conveniente para sentar-se e aquecer-se.
É de grande importância que o fogão (hob) da lareira tivesse a parte de trás elevada ou o nível
lateral com a grelha, para manter os recipientes para aquecer ou cozinhar, algo agora quase
esquecido. “Ele deixou a panela no fogão para ficar quente”. A panela é deixada como se
estivesse nas costas do ancestral para ficar aquecida. Assim, o fogo do lar é entendido em
estreita relação com o guardião ou cofgod e este com os ancestrais, através do fogo.
Os cofgodas residem dentro de um objeto físico na casa. Nos tempos antigos, o objeto mais
frequente para este propósito era uma pedra ao lado da lareira, o que, quando quente,
provavelmente era também um lugar útil para colocar uma panela?
Fontes:
https://en.wikipedia.org/wiki/Household_deity
https://en.wikipedia.org/wiki/Cofgodas
https://blindbrotherhod.wordpress.com/2009/01/06/cofgodas/
Fontes Germânicas
Uma das peças mais convincentes de evidências de apoio para os “cavalos divinos gêmeos”
que atuam como possíveis guardiões de porta, é a dos espigões de cabeça de cavalo
encontrados nas casas da Baixa Saxônia em toda a planície do norte da Alemanha, todo o
caminho do Reno inferior até Mecklenburg [1]. Aqui, eles foram referidos como “Hengst und
Hors” e, segundo Simek, sugerem uma crença nos gêmeos como sendo de aparência equina
[2]. Um motivo paralelo também existe nos países bálticos, onde os cabos de cabeça de
cavalo, chamados žirgeliai, são empregados como guardiões contra espíritos malignos [3].
Na Saga de Egil, o personagem titular erigiu uma vara de nithing para enviar maldições para
Eric Bloodaxe e sua esposa, Gunnhilda.
“E quando tudo estava pronto para a navegação, Egil foi até a ilha. Ele tomou em sua mão uma
vara de avelã, e foi a uma eminência rochosa que dava vista para o interior do continente.
Então ele pegou a cabeça de um cavalo e o fixou na vara. Depois disso, em forma solene de
maldição, ele falou assim: ‘Aqui eu estabeleço uma vara de maldição, e essa maldição eu ativei
no rei Eric e na rainha Gunnhilda. (Aqui ele virou a cabeça do cavalo na direção da terra.) Esta
maldição, eu também direciono contra os espíritos guardiões que habitam nesta terra, para que
todos vaguem perdidos, nem alcancem ou encontrem suas casas até que tenham expulsado o
rei da terra, Eric e Gunnhilda’. Isto falou, ele colocou o poste em uma fenda da rocha, e deixeu-
o ficar parado lá. A cabeça do cavalo virou-se para o continente; Mas no poste ele cravou
runas, expressando toda a forma de maldição“. [5]
Embora o níðstang possa não ser um dispositivo puramente apotropaico, seu uso sugere uma
crença inerente no poder dos cavalos como intercessores espirituais. Esta crença
provavelmente é informada pelo conceito germânico de cavalos sendo veículos para os mortos,
um motivo que aparece em uma variedade de fontes escritas, bem como em achados
arqueológicos [6].
Um relato semelhante de cabeças de cavalos sendo empregados como protetores ocorre no
relato romano do rescaldo da Floresta da Batalha de Teutoburgo. Neste relato, o general
romano, Caecina Severus, atinge a cena da derrota de Varus e vê as cabeças de cavalos
cortadas presas às árvores. Os cavalos, que pertenciam aos auxiliares de Varus, foram
sacrificados pelos Cherusci após a conclusão da batalha [7].
“Foi sugerido que a ferradura de cavalo é colocada na entrada externa de um edifício devido a
uma antiga superstição saxã de que as bruxas não conseguiriam praticar com sucesso as suas
artimanhas sobre as pessoas ao ar livre. A ferradura efetivamente impede a entrada de bruxas
e espíritos malignos, mas em uma entrada já obtida por essas criaturas, [a ferradura] é
impotente em expulsá-las. Portanto, a ferradura dentro das portas perde grande eficácia, mas
ainda é um emblema de boa sorte“. [9]
O limiar da porta desempenha um papel importante na vida religiosa do lar e, segundo alguns
estudiosos, pode ter atuado como o altar familiar original.
“Nos primeiros tempos históricos, e nas comunidades primitivas, a entrada de uma habitação
era considerada um lugar sagrado; e na opinião de estudiosos eminentes que fizeram um
estudo sobre o assunto, o limiar foi o primeiro altar familiar. Uma verdadeira reverência para a
entrada (doorway) e o batente da porta (threshold) prevalecem hoje em muitas partes do
mundo, como é evidente a partir dos numerosos ritos cerimoniais em voga entre tribos
selvagens amplamente separadas e povos não-civilizados. De fato, o costume de colocar
amuletos e encantos dentro e sobre as portas de entrada de casas, estábulos e outros edifícios
é quase universal“. [10]
Os Dioscuri
“Que os Dioscuri eram deuses da casa é provado pelo culto deles. Uma refeição foi
estabelecida e um sofá preparado para eles na casa. Isto é o que fez Euphorion; Phormion foi
punido porque não abriria o cômodo de sua casa para eles. Essas refeições foram chamadas
de theoxenia. Theron de Agrigentum e Iason de Pherae prepararam refeições em homenagem
aos Dioscuri, e Bacchylides em um poema convida-os para uma refeição de onde vinho e
músicas não faltarão. Os atenienses espalharam a mesa no prytaneum para eles com uma
refeição frugal e antiquada de queijo, bolos, azeitonas e alho-poró. Algumas pinturas de vasos
e relevos mostram que os Dioscuri vem à refeição. Aqui estão montados [em cavalos], de
acordo com a concepção comum.”[12] [13]
Em muitos casos, os Dioscuri aparecem ao lado das cobras, uma simbologia comum no culto
do lar grego que os liga a Zeus Herkeios (Zeus da fronteira) e Zeus Ktesios (Zeus do lar),
ambos representados em forma de serpente [14].
Dvarapala
Os Dvarapala têm suas origens em deidades tutelares, algumas das quais, como Acala, são
veneradas por si próprias [15]. Em muitos casos, esses Dvarapala são considerados Yaksha –
um amplo tipo de espírito da natureza que exerce a tutela em lugares específicos [16]. De
acordo com Ram Nath Misra, aos Yaksha eram, como outras divindades, dadas uma adoração
e oferta específicas.
“Uma parte essencial da adoração devocional reside nas ofertas que são feitas à divindade. A
oferta aos Yakshas, composta por flores, incenso (particularmente aguru), carne e vinho, um
prato consistindo em cereais misturados e cozidos, frutas e água, arroz, peixe, bolos de farinha
cozidos ou não cozidos, coisas perfumadas, bebidas e diferentes tipos de grinaldas e
vestuário“. [17]
Conclusão
Agora que exploramos os cultos dos gêmeos divinos em áreas germânicas, bem como na
Grécia antiga e nós demos uma breve visão geral sobre os Dvarapala, podemos ser mais
capazes de ilustrar como um praticante moderno de Fyrnsidu pode integrar esse culto em sua
práxis familiar existente.
Como afirmado no início desta publicação, Hengest e Horsa provavelmente seriam os melhores
para o papel dos guardiões limiares com base nas evidências apresentadas. Suas ligações
com espigões de cavalos baixo-alemães e suas semelhanças com os Dioscuri os posicionam
como os candidatos ideais.
Para o praticante moderno, este culto pode se manifestar sob a forma de ferraduras, ou algum
outro símbolo relacionado com equídeos colocado diretamente acima ou em ambos os lados
da porta. O praticante também pode optar por uma representação mais antropomórfica,
reminiscente dos guardiões da porta oriental. Um feitiço de proteção pode ser falado ou escrito
e pendurado em conjunto com essas imagens para garantir uma maior eficácia.
Uma vez que os símbolos e as palavras apropriados são fixados, o praticante pode então
convidar o numen dos Dūrupālas (Inglês Antigo: Pilares das Portas) nas imagens limiares, ao
mesmo tempo que oferece oferta. Verter a libação fora do limiar, ou deixar uma pequena oferta
junto à porta da frente pode ser preferido [*].
Depois que o limiar sagrado é configurado, o Þingere (sacerdote doméstico) precisará oferecer
mais ofertas ao Dūrupālas conforme necessário. Alguns podem optar por fazer isso
semanalmente e alguns optam por fazê-lo anualmente – isso é deixado à discrição da casa em
particular. Quanto mais frequente você fizer oferecendo aos Dūrupālas, mais provável é que
você fique aos favores deles.
[16]Richards, Richard John. South-East Asian Ceramics: Thai, Vietnamese and Khmer: From
the Collection of the Art Gallery of South Australia. 1995
[*] Pode ser aconselhável ter cuidado com relação aos tipos de bebidas/alimentos deixados
para os Dūrupālas. Derramar um hidromel doce no limiar de sua casa é uma ótima maneira de
atrair formigas. Você quer formigas? Porque é assim que você arruma formigas.
Este texto é feito sob a ótica do reconstrucionismo heathen dos povos germânicos conhecidos
como francos. Embora alguns termos possam soar estranhos, possuem cognatos ou
equivalentes em demais partes do mundo tribal germânico e por isso são de tremenda
importância mesmo para reconstrucionistas anglo-saxões ou nórdicos.
Antes de ter mudado para a nossa casa atual, comecei a refletir sobre o que seria viver no sítio
com minha família em crescimento em um bom terreno. Quando eu olhei o que seria o futuro
Erikhêm, senti um sentimento de completude. Esta seria a minha “casa para sempre” com
minha família, onde eu estaria criando meus filhos e entrando em um círculo de presentes com
os wights da terra.
Pouco antes de obter a aprovação final de todas as partes no que diz respeito à compra da
casa, tirei um pouco de terra do túmulo do meu avô, que eu mantive no enterro e polvilhei
sobre os quatro cantos da terra e na casa . Parece uma coisa tola, mas teve grande
importância para o futuro bem-estar do meu hîwiski (que é o lar: família, terra, dependências,
árvores, quintal, casa, animais de estimação e todas as outras imediações). Eu tinha entrado
em contrato com meus antepassados. Pedi a ajuda do meu avô na compra da casa, pois, por
sua vez, ele também se beneficiaria de nossa melhoria. Você viu, eu tinha feito meu lar fora do
“lar de origem” e, embora eu não esteja muito longe da minha infância e terras ancestrais, duas
horas de distância fazem a viagem maior do que atravessar a cidade. Eu tinha concordado em
visitar muitas vezes meus antepassados e levar meus filhos para visitá-los também (e aprender
os costumes certos) e oferecer-lhes ofertas quando fizermos. Como tal, quando eu vou agora
“de volta para casa de origem”, eu sinto que é imperativo passar o tempo igual (dentro do
razoável, é óbvio) entre meus parentes vivos, saudáveis e meus ancestrais nos túmulos.
Mas, porém, minhas responsabilidades são semelhantes a qualquer outra pessoa, como
trabalhar, fornecer abrigo e uma boa educação para meus filhos. Ser um bom e
saudável hiwun (cônjuge) é primordial, pois em um casamento é preciso membros fortes e
comprometidos para fazer as coisas funcionarem.
Dito isto, eu não simplesmente me vejo como quem põe o pão na casa (principalmente porque
nós dois somos), o Papai e outros títulos desse tipo. Eu sinto que todas essas coisas, sejam
deveres ou prazeres, se encaixam embaixo de um único chapéu. Cheguei à conclusão que a
melhor forma de chamar esse chapéu é Hêmahêto, dentro de uma estrutura de Aldsido Franco,
já que ele melhor descreve o penúltimo papel do “primeiro homem da casa”. Hêma é derivado
da mesma raiz que a palavra inglês moderna “lar” (home), com o significado de “um lugar
estabelecido”. A segunda parte da palavra, hêto, é da mesma raiz que a palavra inglesa
moderna “-hest” e significa “comandar (vocalmente)”. Nesse sentido, o Hêmahêto é “aquele
que comanda o lar”. Isso não significa que eu fico cuspindo ordens na minha família como se
fosse um rei. Não, o Hêmahêto histórico certamente não era o rei, mas ele teria sido
responsável por muito mais do que sou hoje. O Hêmahêto histórico era o líder do lar, que é de
uma unidade familiar multigeracional que ocupava um determinado território ocupado em
comum. Ele teria sido responsável por desempenhar um papel maior na tribo como líder de
homens capazes de suportar os vários estratos superiores da sociedade, sejam eles Comes,
Dux ou Rex (ou qualquer um dos similares).
O termo é referido na Lei Sálica sob o título “Quanto ao roubo de gado” (Fischer Drew), que
estabelece uma série de multas por roubar vacas de várias maneiras. Sob um certo número
dessas composições, menciona-se o ato ocorrendo ou pertencente a uma “villa”. Villa é um
termo usado muitas vezes para traduzir palavras germânicas como thurp (grande fazenda ou
“aldeia”) e hêm (um grande povoado ou “aldeia”), cada um deles sendo bons cognatos e muitas
vezes usados de forma intercambiável. Hêmahêto também é um cognato próximo
do heiwafráuja dos godos (oikedespótes ou Senhor da Casa) (DH Green), ambos por sua vez
relacionados em contexto ao latim Dominus e como o dominus mantém o domínio sobre uma
villa, assim também o Hêmahêto manteve o hêm e hîwiski.
Estou consciente da personalidade histórica do Hêmahêto e eu o respeito pelo que ele era e
tento usar esse conhecimento como um barómetro para mim. É o meu papel nesta vida manter
o bem-estar da minha família, educar os meus filhos, alimentá-los, vesti-los, abrigá-los e
alimentá-los um dia tornar-se líderes de casa fortes por sua vez. Devo defender meus mortos e
cuidar do bem-estar para que eles possam cuidar do nosso e às vezes eu posso ter que buscar
a ajuda dos deuses. Mas, acima de tudo, eu sou apenas um link em uma longa cadeia e, à
medida que esses links vão e vem, da forja ao rolo, é minha única esperança que eu tenha
tornado o hîwiski melhor por me ter como seu Hêmahêto.
A lareira proto-indo-europeia
A importância do fogo na religião indo-europeia (IE) é assegurada pelas línguas IE, por meio de
cognatos como o hitita hashsha, “lareira” [hearth, fireplace], latim ara, “altar”, e sânscrito asa,
“cinzas” [ashes] (Polome, 1982, pág. 392). Um altar, para os IEs, era um fogo, e um fogo
poderia ser usado como um altar. Os IEs não viram um fogo como uma única coisa, no entanto,
distinguindo vários tipos. Este artigo irá explorar esses tipos, propor e modelo original proto-
indo-europeu (PIE) para eles, e fazer sugestões para aplicar esta informação ao ritual da ADF.
A lareira doméstica é o exemplo mais básico de fogo. Possui inúmeras funções práticas – calor,
luz, cozimento, proteção -, mas desde o princípio ela adquiriu associações religiosas e legais.
Na lei galesa, um invasor ganhou posse da terra somente quando um fogo foi aceso em sua
lareira e a fumaça veio da chaminé (Owen, pág. 339). A associação entre a propriedade e o
fogo era tão forte que o direito de um herdeiro galês de ocupar a terra de seu pai era chamado
“o direito de descobrir o fogo” (Rees & Rees, p.194).
A evidência arqueológica dos celtas romenos sugere uma crença semelhante. Algumas das
casas (em Ciumesti e Seica-Mica, por exemplo) que foram escavadas parecem ter sido
abandonadas voluntariamente. As suas lareiras, que estavam no centro da sala, foram
deliberadamente e ritualmente desmanteladas (Zirra, pp. 16-17).
No extremo leste do reino IE, vem mais evidências. Sob a lei védica, um novo território foi
legalmente incorporado com a construção de um altar ao deus do fogo Agni (Eliade, p. 30).
Uma lei similar foi observada no Irã até o século III dC (Varenne, p.26). Neste caso, o ritual
baseado em casa foi estendido para o domínio público. A intenção é a mesma, no entanto. Um
lugar pertence ao grupo cujo fogo queima nele.
Isso lança luz sobre o fogo mais famoso, o das Virgens Vestais em Roma. Em seu templo
redondo (os outros templos em Roma eram retangulares) queimava um fogo que não permitia-
se sair. Foi mantido por virgens, que eram enterradas vivas se perderam sua virgindade. Se o
fogo se apagava, elas eram flageladas pelo pontifex maximus, e então elas reacendiam o fogo
por fricção.
O fogo de Vesta era o coração de Roma. As mulheres casadas eram ligadas a seus maridos.
Uma esposa cuidava da lareira do marido. Isso explica a obsessão com a virgindade das
Vestais. Se elas pertencessem a qualquer homem, a lareira que elas cuidavam não seria mais
o de Roma; seria de seu marido. Para evitar isso, elas devem ao invés disso ser “noivas de
Roma”; elas não devem casar com nenhum homem. Razões semelhantes foram encontradas
na Grécia, onde os fogos eternos de Héstia, em seu templo redondo (outros templos gregos
eram retangulares), eram cuidados por viúvas após a idade do casamento (Plutarco, Numa,
IX).
A evidência de uma variação deste tema vem da Trácia. No palácio real do século III-IV AC,
Seuthopolis era um salão principal elevado com uma lareira elevada em seu centro. A lareira
era quadrada, com uma depressão circular nela. Que isso era equivalente aos incêndios de
Héstia e Vesta, a lareira comum do povo, é mostrado apoiado pela presença de outro altar de
lareira em outra sala do lugar (a lareira doméstica da família real) e altares de lares menores
em muitas das casas da cidade (Maringer, pp. 178-80). O lar de todas as pessoas estava na
casa do rei, onde presumivelmente era acompanhado por sua esposa e/ou filhas. O rei era a
encarnação do povo; a lealdade a ele era lealdade a todos. Não haveria preocupação com os
lealdades divididas.
O famoso fogo de Brighid em Kildare, descrito por Gerald of Wales (76-69) no século XII, é
mais um exemplo de uma lareira cuidada por virgens, desta vez fora, mas dentro de um recinto
circular rodeado. Kildare não está longe de Uisneach e Tara, os centros religiosos e políticos da
Irlanda, formando um triângulo equilátero com eles. No momento em que a existência do fogo é
registrada, as virgens são freiras (“noivas de Cristo”) e Brighid é uma santa, mas suas origens
pagãs são asseguradas por um templo de “Minerva” (como Brighid, uma deusa da arte) na
Bretanha do século III que também tinha uma chama eterna (Puhvel, 1987, p.174).
Um fogo do deus Perkunas na Lituânia do século XV foi cuidado por mulheres que eram mortas
se o fogo se apagasse (Puhvel, 1974, p. 78). Não nos foi dito se não eram casadas; com base
nos paralelos grego, romano e irlandês (e possivelmente o britânico – Minerva é uma deusa
virgem), é razoável supor que elas eram.
No culto doméstico havia uma lareira. Eu mostrei como essa lareira era traduzível em uma
lareira da comunidade. Em sacrifícios públicos, no entanto, as coisas eram mais complicadas.
Nos rituais públicos romanos e védicos havia mais de um fogo. Os romanos fizeram com dois.
O fogo principal estava em um altar quadrado, o ara, que estava em frente a cada templo. Este
foi aquele em que as principais ofertas foram feitas. Ao lado disso, havia outro fogo, em um
tripé redondo de metal, no qual se oferecia incenso e vinho no começo dos sacrifícios. Estas
eram as ofertas padrão no culto doméstico, e esse fogo pode, portanto, ser identificado com a
lareira doméstica (Dumezil, pp. 314-15).
Para o leste está o ahavaniya, o “fogo da oferta”. Este fogo é a conexão entre os deuses e a
terra, representando a presença de Agni, deus do fogo e sacerdote dos deuses. O vedi, uma
almofada de grama sagrada para que os deuses se sentem, está ao lado disso. Este fogo é
quadrado.
O terceiro fogo é o dakshinagni, o “fogo do sul”. Feito na margem sul da área de sacrifício, seu
objetivo é proteger contra os espíritos malignos (identificados com os mortos) que poderiam vir
dessa direção, na cosmologia védica a mais perigosa. É em forma de leque. (Dumezil, pp. 312-
14; Smith, pp. 82-84.)
A questão é se o fogo proto-indo-europeu (PIE), tal como encontrado no ritual, era único, duplo
ou triplo. Podemos primeiro descontar a possibilidade de ser triplicar ao mostrar que o terceiro
fogo do ritual védico, o dakshinagni, é uma inovação védica. Isso pode ser visto tanto em
termos linguísticos como em razão da sua forma.
A justificativa linguística mais simples é a natureza transparente do seu nome. Ao contrário dos
outros dois fogos, o dakshinagni é chamado não por sua finalidade, mas pela sua localização.
Seu nome é formado de uma maneira diferente da dos outros, quase como uma reflexão tardia.
Mais convincente é uma análise baseada nas palavras PIE para “fogo”. Havia de fato dois,
*péh₂wr̥ e *h₁n̥gʷnis). *Péh₂wr̥ era neutro, e provavelmente se referia ao fogo doméstico.
*H₁n̥gʷnis era masculino e se referia ao fogo personificado do culto público (Linke, pp. 364-5).
(Que o fogo doméstico é gramaticalmente neutro em vez do feminino esperado não é uma
dificuldade. O gênero surgiu tardiamente no PIE, um sistema anterior pode ter palavras
quebradas em animadas e inanimadas, com os substantivos animados tornando-se mais tarde
masculino e o inanimado, neutro. O feminino ainda era mais tardio (Gamkrelidze e Ivanov,
1995, p. 242.) Assim, há palavras PIE para ambos os tipos de fogo romanos, e para dois dos
védicos, mas não para o dakshinagni.
Uma distinção entre as formas apropriadas para diferentes fogos já foi sugerida – os templos
redondos de Vesta e Héstia contra os templos retangulares a outros deuses, a combinação
redonda e quadrada (combinava lareira e fogo público) em Seuthopolis, a cobertura redonda de
Brighid. Um último bit de dados vem do cemitério de Tulkar, no sul de Todzhikistan. Estes
iranianos enterraram seus homens com lareiras retangulares e suas fêmeas com lareiras
redondas (Mallory, p. 53).
É claro que os IEs fizeram uma distinção entre um fogo doméstico (mesmo quando era a lareira
de um império) e um usado em rituais públicos. O primeiro estava relacionado com o culto
doméstico e recebeu ofertas para deidades e antepassados da família. Embora o sacerdote
familiar (o *pater) possa ser do sexo masculino, a cuidadora do fogo era feminina. E o fogo era
redondo. O fogo público foi presidido por homens. Ele recebeu oferendas às divindades
públicas, os deuses do povo como um todo, e era quadrado. O dakshinagni não tem lugar
neste sistema, seja por forma, nome ou função. É claramente uma elaboração.
Isso parece mostrar que o sistema PIE é de dois fogos. O fato de que ambos não estão sempre
presentes sugere, no entanto, que um pode ter sido primário, talvez apenas em importância
relativa, mas também cronologicamente.
A lareira doméstica é certamente a principal das duas. O garhapatya é iluminado pelo próprio
coração do sacrificador. Se os outros dois fogos saírem, eles podem ser liberados
do garhaptya; Se ele sair, todo o ahavaniya (incluindo as cinzas) deve ser movido para o lugar
da garhapatya antes que o ritual possa continuar (Aitareya Brahmana 7.5, em Keith, 1998, pág.
292). Em Roma, o fogo ao ar livre ao ara foi oferecido ao primeiro. No ritual grego, Héstia
também foi oferecida para o primeiro.
Sugiro ainda que o fogo doméstico (*péh₂wr̥) seja cronologicamente anterior ao fogo público
(*h₁n̥gʷnis). Em todo o mundo IE, há um culto doméstico, com o *pater fazendo oferendas aos
espíritos guardiões da família através do *péh₂wr̥. Esta parece ser a forma mais básica do ritual
IE, e pode razoavelmente ser postulado como o PIE original. É depois que os clãs semi-
nômades PIE começaram a reunir-se em tribos que a necessidade de rituais públicos sem
conexão com os guardiões de um clã particular surgiu. Com ele surgiu o *h₁n̥gʷnis.
Os aspectos dos conceitos do hearth PIE podem ser absorvidos no ritual da ADF. Confiando na
lei IE que a iluminação de um fogo legaliza a posse (e é inversa, que a extinção do fogo acaba
com a posse), podemos ter certeza de que, sempre que os nossos fogos sagrados são
iluminados, pertencem a nós, pelo menos durante o período do fogo. Se nos encontramos em
nossa própria terra, em um parque público ou em um salão de veteranos de guerra, enquanto o
fogo estiver aceso, estamos em nosso próprio lugar.
Uma vez que um bosque é o ADF equivalente a uma família (embora seja uma na qual
voluntariamente entra-se e é fácil de sair), em rituais de bosque privado pode ser apropriado
usar um *péh₂wr̥, e em rituais públicos tanto e um *h₁n̥gʷnis. Afinal, um ritual público envolve
uma reunião de famílias, cada uma com sua própria lareira; no solo ritual, eles precisam de
uma só lareira para se manter em comum.
A lareira em Seuthopolis fornece um modelo para rituais abertos; um combinado *péh₂wr̥ e
*h₁n̥gʷnis. Tanto público quanto privado, é tanto quadrado e redondo. Uma lareira combinada
semelhante pode ser usada. Uma turfa quadrada é ocupada e usada como base para um
caldeirão ou uma panela de fogo portátil redonda. Desta forma, uma lareira de bosque é
colocada em um altar quadrado para servir como uma lareira comum para que outros possam
se reunir.
Referências:
Dumezil, Georges. Archaic Roman Religion. tr. Philip Krapp. Chicago: Univer-sity of Chicago
Press, 1970 (1966).
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Ao falar sobre um Tomte no singular, refere-se a um título que descreve uma função ao invés
de uma classificação de espírito. Ele geralmente é visto como responsável por todos os outros
espíritos no mesmo local. Se mencionado em plural (Tomtar), pode se referir a um grupo de
espíritos localizados. Isso mudou no meados e finais do século 19 com o início da
industrialização quando o Tomte obteve sua imagem de um pequeno anão solitário embora
amável na fantasia romântica de autores como Viktor Rydberg e seu famoso poema “Tomten”
de 1881 e as imagens populares criadas pela artista Jenny Nyström em 1874.
O papel do Tomte na tradição popular está longe deste pequeno ser romântico.
No século XIV, a sueca Santa Birgitta reclama pesadamente sobre a grande importância que
as pessoas colocam no seu “Tomptha-Gud” (referindo-se ao tomte como uma deidade), mas
pouco sabia que esses seres, especialmente a casa Tomte, permaneceriam sendo honrados
na maioria casas e ainda está no campo hoje.
O primeiro que morre em uma casa geralmente se diz ser o Tomte, mas isso não é estático.
Eles podem chegar quando o fogo é aceso pela primeira vez em uma casa ou quando a
terceira ou nona camada do muro está determinada e a função pode ser tomada por outro
espírito ao longo do tempo. Uma casa pode estar sem um Tomte e então foi considerado
necessário obter um. Eles são então contratados na encruzilhada, cemitérios ou moinhos
antigos. Um Tomte, irritado ou maligno, é considerado muito ruim, pois ele pode tirar a sorte e
causar danos. Ele deve ser apaziguado ou removido por certos rituais.
Além de aparecer em forma humana em visões e sonhos, o Tomte geralmente assume forma
física como uma cobra. Estas cobras são chamadas geralmente chamadas “Tomt-orm” e são
alimentadas com leite e costumavam ser veneradas na maioria das partes da Escandinávia.
Matar uma tal cobra significaria que alguém arriscava perder toda a sorte acumulada de um
lugar.
Às vezes, eles também são representados por pequenas estátuas de madeira esculpida,
chamadas Tomtebesar, o que implica por que Santa Birgitta ficou tão enfurecida no século XIV.
Ela pode ter visto pessoas venerando o Tomte da mesma forma que outros Skurd Gudar, que é
o nome antigo de “deuses feitos de madeira”, muitas vezes se referindo aos antigos Deuses e
Deusas da Mitologia Heathen nórdica.
Estes são colocados junto ao fogão ou em um canto isolado, alimentados e solicitados para
todos os tipos de assuntos relativos a uma casa e seus habitantes.
Na cultura popular, o Tomte é muitas vezes descrito como um homem baixo vestido com
roupas de lã cinza e vestindo um chapéu vermelho ou cinza de ponta, piolhento. Com os
espíritos dos mortos em mente e um olhar sobre os velhos trajes folclóricos escandinavos,
pode não ser uma surpresa ver algo semelhante à imagem popularizada em fantasias
românticas dentro e em torno de edifícios anteriores ao século XIX.
Trajes populares suecos de Överkalix, Revsund e Tjockö. Fonte: “Folkdräkter & Bygdedräkter
från hela Sverige” de Inga Arnö Berg & Gunnel Hazelius Berg.
Nas crenças populares mais antigas, pensou-se que Tomte tinha o seu lar em uma colina
próxima, montanha, debaixo de uma grande rocha ou num monte grave ou em uma pedra
semelhante perto da casa. Na tradição mais jovem ele vive em um arbusto de Juniper perto da
casa, na pilha de madeira, em uma dependência ou edifício de armazenamento de alimentos,
bem como a pedra fundadora da casa viva em si mesma. É considerado muito afortunado se
ele mora dentro da casa e, em caso afirmativo, seu lugar é geralmente no canto do fogão, entre
o fogão e a parede, no sótão ou outro lugar escuro e isolado na casa.
Ao fazer as adivinhações anuais na época de Natal, Ano Novo, verão ou outra festa, a primeira
pergunta é geralmente sobre a relação entre o Tomte e as pessoas na casa e o que ele pensa
e sente sobre elas.
Algumas das funções mais comuns do Tomte são:
• Guardar o lugar em que ele é o Tomte e avisar quando há um perigo presente – tal como
acordar os residentes quando há um incêndio – e alertar sobre os perigos futuros.
• Cuidar das crianças e protege-las contra danos.
• Ajudar com as várias formas de trabalho em uma fazenda.
• Desenhar e atrair necessidades para o lar.
• Guardar tesouros.
No que foi dito acima, podemos ver que o Tomte está intimamente associado com a oferta de
presentes e essa é a razão pela qual o banquete no meio do inverno depois se associou ao
grego São Nicolau e ele assumiu o papel de presenteador no Natal. Isso também deu ao tomte
de seu nome Noa como Nissen ou Gonissen nas partes do sul da Escandinávia.
Já faz pelo menos seis anos que iniciei minha caminhada através do paganismo. Nessa
jornada, sempre habitando fora dos grandes centros de convergência de pessoas que se
autodenominam pagãs, fui obrigado a seguir um caminho solitário, e , não importa quão
paradoxal isso que seja, extremamente dependente da internet.
A grande verdade é que durante a maior parte da minha curta caminhada no paganismo eu
entendia muito pouco do que era ele à exceção de mitologia. Deus disso, deus daquilo. Isso se
devia principalmente a um grave problema: minha dependência praticamente exclusiva do
português como fonte de informação.
Desde que conhecia Andreia Marques, as coisas mudaram. Ela me forçou a desbravar o
mundo anglófono do paganismo, tanto em textos acadêmicos, quanto me possibilitando
conhecer várias pessoas como Einar Valur Bjarnason Maack, Lēoht Steren, Eirin e Jake Shira,
e, mais indiretamente Æsc Adams e Heather O’Brien: o grupo Heathen Hvergelmir
International, para o qual eu, respeitosamente, devo agradecer profundamente. Todas essas
pessoas foram muito importantes nos últimos meses, somada à extensa carga de textos lidos,
dos quais muitos me empenhei em traduzir, tão fascinado me tornei por informações sobre o
paganismo que jamais seria capaz de encontrar em língua vernácula, exceto por algumas
sínteses geniais de Andreia Marques.
Boa parte dessa jornada de estudos ficou registrada na página e blog “Ásatrú & Liberdade”. Eu
não conseguia guardar esse tesouro de conhecimentos só para mim, eu precisava mostrar
para as pessoas no Brasil, que não tinham a oportunidade de ler em inglês, que havia muito,
muito além dessa camada superficial do que vulgarmente se entende por “paganismo nórdico”
no Brasil. Não estou de forma alguma querendo dizer que lá fora é exatamente um paraíso e os
brasileiros são ignorantes completos. Apenas estou falando da realidade que conheço
diretamente.
Aqui, em nosso país, existem essencialmente dois caminhos: ou você tem a sorte de morar em
uma região onde exista um foco de pessoas interessada em paganismo (como em São Paulo e
Rio de Janeiro, principalmente), ou você se torna exclusivamente dependente da internet como
fonte de pesquisa, para não citar materiais mais esdrúxulos e ultrapassados como a obra de
Mirella Faur e autores similares que, a despeito de estarem em português, farão aquele
omelete com opinião pessoal, inverdades e preconceitos históricos, misticismo de péssima
qualidade e um esoterismo incipiente. Não tenho nenhum problema com quem decide escolher
um caminho voltado ao misticismo ou magia, da mesma forma que não tenho nenhum rancor
por não ter podido criar ou participar de um kindred onde moro.
Eu só queria mais. Muito mais. Bem, eu, como 99% dos interessados em paganismo me sentia
como algo que “chamado pelos deuses”, e aquilo que muitos chamam de “caminho de Óðinn”,
eu levei muito a sério como uma busca por conhecimento. O conhecimento exigiria sacrifícios.
E eu não temi em os realizar sempre que isso foi necessário.
Aos poucos eu fui percebendo que havia algo mais que esse tradicional caminho
demasiadamente mais próximo do hinduísmo e do cristianismo do que a maioria das pessoas
que se diz pagã e não estão anexadas a um kindred (ou por vezes estão) conseguem
perceber. Que eu precisava não apenas buscar ascender à essência de um deus, ou de
muitos, que não era sobre ir ao Valhǫll, não era sobre poder beber sem culpa, não era só sobre
força pessoal, resistência, guerra. Havia mais. Havia muito, muito mais.
Posso dizer com bastante segurança que me sinto muito mais livre nos fóruns pagãos virtuais
em língua inglesa do que os em língua portuguesa. Aqui no Brasil reina um “faça como quiser”,
“cada um é cada um”, um individualismo estéril e improdutivo que impede nossa religião de se
manifestar (curiosamente) de maneiras mais atualizadas (como tende a acontecer no exterior,
embora ainda não seja um movimento de nenhuma forma majoritário). Aqui o “faça como
quiser” impede que o reconstrucionismo religioso funcione com seriedade: qualquer fetiche se
usando de símbolos germânicos, nórdicos, qualquer nomenclatura superficial é tomada como
paganismo. A despeito de eu não poder fazer virtualmente “nada” a contra a bagunça total, no
sentido de reprimi-la, por falta de vontade disso, ou mesmo por falta de forças, eu não posso
apoiá-la.
Os primeiros movimentos possuem alguma popularidade entre os meio pagão germânico (que
é quase exclusivamente “nórdico”, o que tende a equalizar os dois termos no Brasil). Porém o
Heathenismo, na profundidade do tribalismo, do animismo, da veneração ancestral, quase
sempre são colocados à margem nas terras tupiniquins. As pessoas pegam as religiões
híbridas com um forte tempero wiccano que geralmente se limitam ao culto de divindades,
magia/misticismo, e dificilmente conseguem desejar ir além, ir à raiz da religião…
Nossa cultura atual tende a privilegiar o consumo “você é o que você tem”, então, se você pode
comprar CD’s dessa ou daquela banda, se você pode comprar um Martelo de Þórr, se você
pode tatuar símbolos pagãos, isso, por si, é quase sempre tratado como “converter-se ao
paganismo”.
Com a fundação do meu hearth, eu objetivo um novo (embora seja desnecessário dizer que
não o “único”) caminho para o paganismo no Brasil. Como ainda ontem Andreia o definiu,
um hearth é
“simplesmente seu lar, sua casa, o local em que você e sua família habitam. O nome vem de
lareira, o fogo central da casa, que a aquecia e que também era o centro do culto doméstico.
No passado (e até no presente, embora seja mais comum para fazendas e sítios — que seriam
a “norma” no passado — e grandes propriedades), era comum dar nomes às propriedades e
casas. Nomear uma propriedade (ou qualquer coisa) é dar personalidade a ela: ela passa a ter
vida, a ter características próprias, que fazem toda a diferença no fim.”
Como podemos perceber isso está profundamente ligado ao animismo tão frequentemente
esquecido. O hearth busca então ser o centro da sua religiosidade, onde você mantém os
espíritos favoráveis (vættir amigáveis, ancestrais e deuses) próximos através da
sacralização/separação de espaços para culto, memória e oferendas, entre outras coisas, e
visa manter os outros, perigosos e mal-intencionados, distantes. Além disso ele visa a
interação entre os membros do local, respeito mútuo, pois sabemos, a família era de
importância central para o paganismo. Sua família/tribo/comunidade era a sua identidade
verdadeira, na qual o indivíduo não tem um papel mais importante do que um sentido físico da
sua percepção individual tem para o todo do seu corpo/espírito. Assim, viso uma prática do
paganismo que, apesar de ter um foco comunitário não exige que toda a minha comunidade
(família) seja pagã. Nem me joga na inércia. Nem no misticismo. Nem na busca eterna por
kinsmen que nunca encontro.
Ao resgatar o caráter tribal da religião antiga, uma questão se levanta: o debate entre ortodoxia
e ortopraxia. Comumente a religião é definida na sociedade moderna pela(s) divindade(s) em
que uma pessoa ou grupo delas creem. Não é raro achar no exterior heathens/pagãos ateus.
“Como assim, ser pagão sem acreditar em Óðinn e nos demais deuses? Absurdo!”, muitos
diriam. Embora eu não me considere ateu, entendo perfeitamente este tipo de foco na religião.
Isso porque o paganismo não é ortodoxo, isto é, não é baseado em “que tipo de crença você
tem”, mas na sua prática, isto é, “que tipo de coisas você faz”.
E que tipo de coisas alguém que busca reviver, reconstruir uma religião antiga faz? Após
debruçar-se sobre todas as fontes que possam lhe oferecer o mínimo de base para sobre como
os povos antigos agiam, resta a ele a mimese, a repetição desses atos. E é dessa forma,
buscando recriar uma cultura, visão de mundo (o que alguns chamariam de “idelogia”
heathen/pagã), a qual eu mesmo já em alguma medida tenho, mas aprofundarei cada vez que
puder, utilizando e a aplicando no meu dia-a-dia, na minha vida, nas minhas relações sociais
com minha família e as pessoas de meu entorno de família e amizades, o meu
innangarðr/frændgarðr (bem como as de fora de meu convívio, de meu utangarðr) , as quais
passarei para meus filhos e todos aqueles que quiserem compartilhar dessa forma de vida
comigo.
Como pude observar, o hearth cult, era essencial para qualquer pagão em grupo, mas
especialmente para aqueles que estão isolados. Todo o dia aprendendo a me relacionar melhor
através de ofertas, com minha comunidade “invisível” de espíritos, bem como com minha
comunidade material, humana, que não precisa ser pagã para que ajamos assim com ela.
Quanto mais eu conhecia o hearth e a “ortopraxia”, o “faça, não creia”, eu me sentia mais
profundamente imerso na realidade dos antigos povos germânicos. Cultura é hábito, é visão de
mundo, e não sangue. Esse é o grande erro de nossos racistas.
A prática do culto do lar é aquela que se tornou imediatamente útil para mim em minha vida
como heathen, ou pagão. Ela é o centro da religiosidade pré-cristã.
Apesar disso, é praticamente desconhecida no Brasil, o que leva muitos grupos online a não
entenderem o porque “cada um cada um”, “faça como quiser, apenas faça” não colam aqui.
Não quero dizer que o culto do lar seja igual para todos, vejam: eu mesmo me encontro em
precárias condições financeiras e de aceitação religiosa que me fazem ter que praticar um
cripto-culto do lar, um culto escondido, disfarçado, não aparente, embora boa parte da minha
família saiba, eu tendo manter os locais sacralizados discretos, apenas por respeito à maioria
cristã que me rodeia. Esse não será o caso para muitos. Por outro lado as pessoas poderão
desenvolver o culto de seus ancestrais de diversas formas, sentirão que diversas oferendas
diferentes serão feitas para cada deus/vættr/ancestral, que práticas precisarão ser adaptadas…
Mas precisamos de um “core”, um “centro”, algo que nos dê identidade: por mais que os
hábitos dos germanos mudassem de lar para lar e de tribo para tribo existia *algo* que os
definia como germânicos. E não era meramente as divindades para as quais prestavam culto.
O problema é que no Brasil a busca por essa identidade esbarra no individualismo extremado,
fruto de ambas a modernidade a ideia de salvação pessoal vindas do cristianismo que está
mais enraizado em muitos pagãos do que eles querem admitir.
Dessa forma, eu crio o Sunnōnizfulką Herþaz (proto-germânico para “Lar do Povo da Sol”).
Tenho plena ciência de que ele não será jamais como um Vaticano no heathenismo ou algo
assim, provavelmente será apenas (e assim espero, pois me sentiria imensamente grato de ver
o heathenismo se expandindo autonomamente) o primeiro hearth do qual a internet brasileira
tem conhecimento. Com ele eu busco eu mesmo vivenciar aquilo que acredito e transmitir para
aqueles que quiserem tomar iniciativas independentemente semelhantes. O que eu quero, com
o Sunnōnizfulką Herþaz é, além de vivenciar minha religião/cultura de maneira mais intensa, é
mostrar que existe um outro caminho, embora seja lento, para o paganismo se ele quiser se
fixar como religião. Que existe uma abordagem que pode ser efetiva materialmente, e
completar espiritualmente. Que cria raízes e pode ser transmitida, como no passado, para
meus filhos. Uma tradição viva, e não apenas uma cultura comercial ou fetiche.
Para mim foram essenciais o Larhus Fyrnsida, Þunresfolc Heorþ,Weiß Alb Hearth, Of Axe and
Plough (Eofores Holt Heorþ), White Dog Hearth, Hvergelmir International, além do livro de
Crisholm, True Hearth. Alguns artigos excepcionalmente relevantes como sobre o assunto
podem ser encontrados no site de Ásatrú & Liberdade, os quais eu traduzi ou foram de extrema
utilidade para mim, após traduzidos por amigos. O lar, a minha relação com a Terra, os
espíritos, os ancestrais, minha família e comigo mesmo mudou muito. Nem sempre de forma
positiva, (inclusive esquecendo o infantilismo de me achar “apadrinhado” por divindade x ou y,
me percebendo mais empurrado pela lei da wyrd como todos nós) mas os frutos que disso
foram muito mais positivos que negativos: e eu tenho muito que agradecer a todos esses que,
cientes disso ou não, me ajudaram enfim a descobrir o caminho da profunda cultura e
religiosidade germânica pré cristãs.
Um agradecimento especial a Andreia Marques, sem a qual nada disso seria possível.
Também à Delaine :}
Em honra de meus ancestrais, dos espíritos que me rodeiam e de meu povo e família,
A nobreza de um hearth se define na força da tradição que preserva e reconstrói, não em sua
aparência material.
O altar interno, onde além de imagens de deuses gravadas com tinta em ossos, o álcool
(espírito), vela para fogo (a qual infelizmente seria correto, mas eu não posso deixar acesa
durante todo o tempo), registros de ancestrais, faca ritual e “horn” improvisado para a bebida
ritual.
Osso canino onde gravei/selei o espírito do meu Hearth, que fica no meu altar (embora,
idealmente, devesse ser objeto de sacrifício e enterrado sob o firmamento da casa, o que, para
mim, não é possível).
Após acender o fogo, aspergir álcool sobre as imagens, e deixar a primeira oferenda
oficialmente para os espíritos e deuses. As imagens ficam (quando não em rituais) dentro desta
caixa para evitarem chamar a atenção/chateação da família.
Por Seaxdéor
Versão comentada.
Ouçam.
Havia, sob o Reino de Tíw, Myspell[6] e seus éotenas[7] de fogo, governados pela espada de
fogo fundidor de Syrt[8], e Nifolham[9], um reino morto de névoa e a mais gélida neve que já se
conheceu.
Entre Myspell e Nifolham, havia o Ġinġesceap[10], um grande abismo preenchido com nada
além de mæġen. Ele era um vazio misterioso, um ponto no qual nem Myspell nem Nifolham
puderam penetrar durante incontáveis eras.
Mas, o que é mæġen[11]? Ela é simplesmente força, energia, tanto física quanto espiritual; um
poder visível que emana de um ser, mas também uma energia invisível, usada em muitos
ofícios (crafts), a própria palavra antiga cræft[12] pode ser a mesma coisa que mæġen. Toda
essa mæġen apavorou os éotenas de fogo, porque eles não podiam simplesmente destruí-la.
Nas mais distantes profundezas do Ġinġesceap, então, havia um segredo: uma fonte estava
escondida ali[13], perdida em sua mais profunda fronteira, onde três irmãs estavam
continuamente tecendo uma teia chamada Wyrd, com um fio puxado da fonte[14]. Esse fio é
chamado Orlæġ[15], que significa “Lei Primordial”, e sua fonte estava estabelecida (laid down)
[16] no fundo do poço da Wyrd.
Durante muitas eras as Wyrdas teceram esta teia. Cada uma com três fios, elas fizeram isso. A
primeira é chamada Wyrd, que significa “Aquilo que foi”, a segunda é Weordende, que significa
“Aquilo que é”, e a terceira é Scyld, que significa “Aquilo que deve ser”, ou “Dívida”[17].
A teia tecida pelas Wyrdas tornou-se tão grande que ela assim se espalhou para fora do
Ġinġesceap, tocando tanto Myspell quanto Nifolham, os quais, ligados pela teia, foram
aproximando-se, lentamente invadindo o Ġinġesceap durante muitas eras[18], até que eles
tivessem alcançado o seu centro, tocando-se mutuamente.
Na primeira vez que fizeram isso, nuvens levantaram-se quando o fogo ancião tocou a neve
primordial em uma explosão de fogo e gelo que se misturaram. Desta poderosa explosão muita
mæġen foi liberada para todos os cantos do espaço infinito, e um estranho mundo surgiu; Wyrd
era a sua estrutura e mæġen o preenchia[19].
A própria terra tornou-se viva[20], abundante em mæġen. Ela foi conhecida por muitos nomes,
sendo Neorþe[21] um dos mais conhecidos. Ela era toda a superfície da terra, contendo e
radiando mæġen em sua parte visível.
Mas, em sua parte subterrânea, uma consciência poderosa também passou a existir, e ela
funcionava de forma oposta. Ela naturalmente começou a puxar a mæġen para a parte
escondida do mundo, como uma consequência da vida de Neorþe. Então, profundamente
penetrando o interior de Neorþe, o submundo nasceu, uma gélida terra também ligada ao
Nifolham. A sua morada tornou-se conhecida como Hell[22], e ela foi o reino da morte, em
oposição à superfície viva, nenhuma vida pode durar para sempre, e aquele era o local para
onde os condenados pela Wyrd tinham de ir.
Enquanto Neorþe existia empurrando a mæġen para fora de seu corpo, Hell existia puxando a
mæġen para dentro. Uma mostrando, a outra cobrindo. Ambas existiram como uma
consequência da outra, e eram inseparáveis. Não há vida sem morte, ou morte sem vida. Em
seu mais profundo reino, as Wyrdas riram. Havia começado. Os sábios éotenas de fogo
ficaram enfurecidos.
Tíw, o Deus Celeste da Justiça, então encontrou Neorþe, a Deusa da Terra que Tudo Envolve,
e eles tiveram dois filhos[23]: o primeiro deles, um terrivelmente grotesco e grande, o qual foi
desde os mais antigos tempos chamado Éomer[24], “O Gêmeo”, e o segundo, Tíwessunu[25],
“O Filho de Tíw”. Os éotenas então perceberam que a espada de Syrt não podia mais derrotar
aquelas abismais criaturas[26].
Éomer e Tíwessunu dormiram durante algumas eras, enquanto uma árvore, chamada
Eormensýl[27], começou a crescer naquela terra de neve. Do corpo de Éomer outros éotenas e
þyrses tornaram-se vivos, mas nenhum deles era tão terrivelmente grande[28]. Quando Éomer
acordou, ele estava faminto. Naquele reino de neve ele era feito de gelo, e sua fome era uma
sensação abissal, procurando por uma satisfação que jamais poderia realmente alcançar[29].
Ele ainda tentou comer Tíwessunu, razão pela qual os irmãos gêmeos se tornaram inimigos.
Tíwessunu deixou Éomer só e desapareceu por eras.
Éomer começou a comer seus próprios filhos e qualquer coisa que ele encontrasse à sua
disposição[30]. Quando a maioria dos éotenas haviam sido comidos, ele vagou por muito
tempo. Quando ele estava estupidamente desesperado ele então encontrou uma vaca, ainda
maior do que ele, e ele viu quatro rios de leite fluindo por suas tetas. Eles viveram por muitas
era, e por muitas eras a vaca, chamada Æþymble[31], lambeu o gelo e alimentou o éoten
terrivelmente infantil. Os éotenas e þyrses então lentamente multiplicaram-se novamente.
IV. O Advento dos Ése
Enquanto a vaca lambia o gelo, um ser brilhante[32] foi sendo descoberto, e nem Æþymble
nem Éomer o perceberam. Os éotenas e þyrses, como os mais sábios seres daquele novo
mundo, perceberam que havia algo para acontecer, mas eles não eram fortes o suficiente para
enfrentar Éomer, para evitar isso. Lentamente o calor das lambidas fizeram aquele ser visível, e
ele finalmente acordou, e, com seu brilho, Éomer ficou atordoado e não lhe ofereceu uma luta.
Ele era Béora[33], o mais antigo ancestral do cynn[34] dos ése[35].
Béora vagou e viveu longe de onde Éomer e seus descendentes habitavam. Ele então teve um
filho, Beorn[36], o qua encontrou uma esposa entre os éotenas. Ela era Beste, e deu à luz a
três filhos: Wóden[37], o qual significa “O Furioso”, Willa[38] “Aquele que tem vontade”, e
Wéoh[39] “O sagrado”. Então, eles foram chamados de ése. Os três filhos cresceram esse
tornaram mais sábios, aprenderam como lutar e como governar, e eles passaram eras caçando
nas florestas, e eles viram Eormensýl tornar-se a maior das árvores[40].
Dia após dia, os mais antigos éotenas de fogo, sob a lei e espada de Syrt, aumentaram sua
preocupação sobre o que estava se passando no novo mundo. Tudo estava acontecendo de
acordo com o que tinha sido tecido na Wyrdeswebb, a Teia da Wyrd[41], e então os éotenas de
fogo estavam lentamente tendo seu poder diminuído. Eles souberam da força dos
descendentes de Beorn e então eles enviaram um dos seus, Loc[42] era seu nome, com uma
proposta: se os ése derrotassem Éomer e destruíssem o mundo, os ése podiam viver entre os
éotenas de fogo no seu reino[43].
Mas Loc tinha seus próprios desejos e ambições[44]. Ele pensou que se ele incitasse a
discórdia entre os éotenas de fogo e os ése, assim eles poderiam fazer os ése matar Éomer,
bem como os regentes de Myspell. Depois disso, ele então encontraria os ése muito cansados
e enfraquecidos, provavelmente com feridas severas, e sua vitória seria mais fácil.
Então, Loc propôs seu próprio plano para os ése, mas eles também tinham seus próprios
planos, quando eles perceberam que eles estavam negociando com um traidor da sua própria
gente. Eles lutaram contra Éomer com a ajuda de Loc e suas traquinagens, e tal luta durou por
muito tempo[45]. Esta foi a primeira batalha mortal daquele mundo. Os ése e Loc começaram
vencendo a luta; então Éomer entrou em um estado de fúria de þyrs. Éomer atacou com um
ódio abissal, totalmente fora de controle[46].
Após a decaptação de Éomer eles todos notaram que apesar do fato de que ele era um þyrs de
gelo, seu sangue era quente e abundante; foi um dilúvio sobre aquela terra nevada, matando
muitos éotenas e þyrses, dos quais apenas uns poucos sobreviveram, boiando até terem
alcançado o seu mundo atual, Éotenham, onde eles começaram a viver entre os lobos da
Floresta de Ferro[48]. Mais uma vez, Tíwessunu partiu, seguindo os desígnios da sua própria
Wyrd, e os ése se tornaram vitoriosos[49].
Após isso, eles foram para Myspell como se fossem lutar contra os éotenas de fogo, mas
todavia eles fizeram Loc de refém. Eles encontram-se com Syrt e os ése fizeram um acordo
com ele. Eles teriam de viver em paz por muitas eras, mas quando a Wyrdeswebb não pudesse
mais sustentar a ordem do mundo do mundo deles, os ése deveriam lutar contra os éotenas de
fogo, mas não deveria haver batalha entre eles antes disso[50]. Os ése juraram bem como
Syrt. Esse foi um agradável tratado de paz para ambos, que temia ser atacados a qualquer
momento[51].
Quando os ése voltaram ao centro de seu novo mundo, e Neorþe, que tudo envolve, viu aquela
centelha de Myspell, ela ficou tão impressionada que ela começou a circularmente dançar em
torno dela[52]. A energia dourada de Sunne e sua carruagem puxada por dois cavalos[53],
chamados Hengest e Horsa[54], os quais significam “Garanhão” e “Cavalo” respectivamente, é
uma luz brilhante que todos os seres amavam admirar; Sunne então rapidamente tornou-se um
dos ése mais amados.
Sua luz fez Neorþe mais quente[55] e do corpo morto de Éomer, na superfície dela muitas
criaturas nasceram: algumas das mais notáveis delas eram os ælfe luminosos e os pequenos e
gananciosos dweorgas[56], e uma nova era começou. Os ælfe então começaram a fazer sons
até que descobriram a música, e eles rapidamente desenvolveram seus instrumentos até que
eles estivessem tocando uma harmônica e bela canção embalando Neorþe e Sunne na dança
deles[57]. Assim, os habitantes de Neorþe puderam contar os dias e os anos, assistindo sua
dança, embora eles antigamente pensassem que Sunna estava correndo ao redor de
Neorþe[58].
O brilho de Sunne era tão intenso que seres distantes vieram apenas para observá-lo. Um
deles chamava-se Mona; ele veio com sua carroça e também começou a dançar em torno de
Neorþe com um grande espelho. Logo, quando Sunne estava dormindo, os habitantes de
Neorþe ainda podiam ver o brilho dela refletido em Mona, e eles então puderam contar os
meses[59].
Wóden, Willa e Wéoh projetaram um novo mundo a partir do corpo de Éomer, e sua vida
barbárica tornou possível que muitas vidas viessem de sua morte[60]. Os ése criaram
montanhas com seus ossos e situaram uma fortaleza usando as sobrancelhas de Éomer contra
os éotenas e þyrses quando eles notaram que alguns deles estavam habitando as
montanhas[61].
Os ése projetaram rios e oceanos a partir do sangue de Éomer, e Wada então veio do
submundo para a superfície da água, regendo sobre os rios, agindo como divindade limítrofe
entre as fronteiras do visível e invisível[62]. Os dweorgas fizeram reinos poderosos em suas
minas no subsolo. Eormensýl estava tão alta agora que ela havia alcançado o reino de Tiw;
suas raízes firmemente penetrando o submundo, mesmo tocando a habitação das Wyrdas;
então elas começaram a cuidar de suas raízes[63].
A terra inteira foi desde então habitada por seres (wights) morando em rochas, árvores, fontes,
lagos e todas as coisas; nossos ancestrais chamaram-lhes wihta nos tempos antigos. Estes
seres eram os primeiros e mais antigos habitantes de toda paisagem, então qualquer forasteiro
ou novo habitante precisa respeitá-los para manter-se a friþ da terra[64].
Quando Tíw percebeu tudo que havia acontecido, como o Deus Celeste e governador justo, ele
soube que seu tempo havia chegado e que ele devia conformar-se à Orlæġ, como seu devoto
primordial. Ele então deu a Wóden seu reinado e seu reino, e os ése retribuíram a isso
fazendo-o um amigo e permitindo a Tíw viver entre eles[65].
Wóden teve um filho com Neorþe[66], o qual era chamado Þunor, o Trovejante. Þunor tinha
uma carroça puxada por bodes brancos, e ele é um deus ferreiro, bem como um guerreiro e
campeão dos ése[67]. As pancadas da sua marreta fazem fagulhas brilharem no céu, e eles
são o que os homens agora chamam de trovão. Ele também é o ós de barba vermelha, aquele
que traz a chuva[68].
Os ése então dividiram o mundo em novos sete[69]. Os primeiros deles, eram os superiores:
sua habitação, Ésaġeard[70], e então Ælfham[71], a morada dos ælfe da luz; ali, alguns dos
mais importantes ancestrais podem viver nos campos de Neorxnawang[72]. Há também
Middanġeard[73], onde os humanos vivem, no meio dos reinos superiores dos ése e dos ælfe e
do submundo. Então, existem os reinos inferiores. Nifolham[74], o reino de gelo e névoa.
Nifolham é onde localiza-se Hell[75], a morada dos mortos, e em sua mais escura e fria parte,
Wyrmsele[76], onde a corrupta serpente Níþhéawere[77] rói as raízes de Eormensýl.
Sweartælfham[78] é o reino dos dweorgas ou ælfe negros, onde eles mineram metais e fazem
instrumentos. Há também Éotenham[79], separado de tudo, com os éotenas de gelo e os
þyrses protegendo a fonte do conhecimento. Há também finalmente o mundo dos éotenas de
fogo, Myspell. Com exceção de Myspell, todos os reinos vieram do Reino Primordial de Lei e
Ordem regido pelo Deus Celeste da Justiça, Tíw. Eormensýl conectou todos eles e foi usado
pelos ése ou qualquer outro viajante desejando alcançar outro mundo.[80]
VII. O Nascimento de Mann, Ingui Fréa, Fríġe e da Humanidade
Tíwessunu então viveu nos locais mais inóspitos de Middanġeard, no seu oeste[81]. Ele então
lentamente moveu-se e teve um filho, chamado Mann. Mann veio para a Jutlândia[82], onde ele
viveu pacificamente entre os ælfe, ali ele teve três filhos com Neorþe[83]; o primeiro tornou-se o
pai dos Ingaevones[84], seu nome é Ingui Fréa, e logo ele tornou-se conhecido como o Senhor
dos ælfe e o regente de Ælfham[85]. Dos outros dois filhos, veio a descendência dos
Istaevones e Hermiones.
Neorþe então, depois de dançar por tanto tempo a dança dos ælfe, apaixonou-se por um deles,
Féorġen[86] era seu nome. Ele tinha uma lira, e eles então amaram-se um ao outro, e tiveram
uma filha chamada Fríġe, a qual era uma bruxa, e ela, com um ser que surgiu das profundezas
da terra, era uma divindade ctônica, tendo encontrado as Wyrdas e conhecendo seus mistérios
e Orlæġ que governou seus atos[87].
Fríġe também conhecia a Orlæġ de todas os seres. Tudo que acontecia e que devia acontecer
havia sido assim designado pelas Wyrdas; mesmo os ése não podiam quebrar as regras
impostas pelo padrão tecido da Wyrd.
Rapidamente Fríġe tornou-se a Senhora das mulheres sábias, coletando as mortas e as dando
a habilidade de conhecer a Wyrd de homens e mulheres, então elas puderam tecer os fios dos
descendentes delas quando eles nasciam[88]. Fríġe também permitiu que algumas delas
seguissem os seus descendentes por toda a vida deles para protegê-los[89]. Os ése e os ælfe
viveram em friþ uns com os outros, e eles frequentemente eram encontrados juntos na
habitação um do outro[90].
Depois disso, os ése começaram a se preocupar com os lobos, éotenas e þyrses de Éotenham.
Eles sabiam que uma ferida devia ser paga com uma ferida, e que os habitantes de Éotenham
não estavam muito felizes com o que havia acontecido ao cynn deles[92]. Um dia, entretanto,
um homem veio a Ésaġeard montado num cavalo. Ele foi ao local de encontro dos ése e seus
amigos ælfe, oferecendo-se para construir para eles um muro de pedras ao redor da habitação
dos ése.
Naquele tempo, o ano era divido em duas estações, verão e inverno. Então ele pediu por três
estações para fazer o trabalho, e por Sunne, Mona e Fríġe como preço pelo seu trabalho. Os
ése e os ælfe então sentiram-se ultrajados com aquela proposta, e então Loc viu uma chance
de prejudicar o cynn dos ése. Ele então pediu por um tempo para discutir aquela ideia com os
ése e eles relutantemente aceitaram.
Quando o estrangeiro foi novamente convidado, os ése apresentaram as suas próprias
condições: que o homem deveria fazer o muro até o fim daquele inverno e quando Éostre
aparecesse novamente todas as pedras deveriam estar no lugar, e aquele homem deveria ser
o único homem a trabalhar ali, não menos que isso. Mesmo esse plano os ése não estavam
dispostos a aceitar, mas Loc disse-lhes que provavelmente o estrangeiro não aceitaria aqui,
assim isso seria uma recusa muito educada.
Mas, surpreendentemente o bastante, isso seria aceito, se os ése pudessem aceitar que ele
tivesse o cavalo dele como única ajuda. Loc então antecipou todos os ése e ælfe reunidos ali,
aceitando aquela duvidosa proposta. Loc então silenciosamente riu, e todos os ése souberam
que algo ruim estava para acontecer.
O construtor e seu cavalo trabalharam pesado mesmo no primeiro dia. Todos os ése sentiram
que havia algo errado, e aquele sentimento angustiante foi crescendo dia após dia. Loc então
ironicamente disse que aquela era a melhor opção, que o innanġeard dos ése deveria ser
protegido[93]. Perto do fim do inverno, aquele muro estava quase pronto, e então os ése
violentamente forçaram Loc a resolver o problema, já que ele tinha feito um juramento por eles
que eles nem mesmo estavam dispostos a fazer por si mesmos.
Então Loc transformou-se numa maravilhosa égua, e o cavalo, o qual estava fazendo a maior
parte do serviço, repentinamente foi atrás da égua, deixando sua tarefa, correndo para dentro
das florestas onde ela tinha ido. O homem correu atrás de seu cavalo por muito tempo; quando
ele percebeu que ele estava no último dia do seu trabalho e que ele ainda tinha que finalizá-lo
mais rápido do que ele podia, ele entrou em fúria, mostrando sua aparência de éoten, atacando
os ése. Mas quando os ése perceberam que eles estavam lidando com uma besta do
útanġeard, eles procuraram pela ajuda de Þunor e ele esmagou a face daquele éoten[94].
Também, depois disso, Loc deu à luz um potro cinza, o qual foi então chamado Slíepescóh[95],
e ele foi dado a Wóden, tornando-se sua montaria através dos sete mundos[96], como uma
forma de pagar o prejuízo que Loc quase deu a todo o cynn dos ése e os ælfe e o innanġeard
deles.
Fríġe então soube do poder dos ése e ela estava faminta de ouro, como uma deusa da
fertilidade[97]. Ela disfarçou sua aparência e foi até o lar dos ése, onde ela foi perfurada por
lanças e queimada por três vezes[98], mas ela não poderia ser morta daquela forma: aquilo
não era o que a Wyrd havia designado para ela.
Quando a griþ foi restabelecida entre eles, os ése e o ælfecynn estavam festejando juntos,
então cada um das tribos deles cuspiram num jarro; eles fermentaram aquele líquido, e um
sábio deus da poesia nasceu; o nome dele era Cwæs[103] ele era o resultado do tratado de
paz entre os ése e o ælfecynn[104].
Cwæs era um sábio e inspirado ós; ele sabia sobre como governar e como fecundar a terra;
mas ele também sabia sobre poesia e aliteração, seus versos tinham metáforas tão vívidas que
suas palavras mesmo tornavam-se nas coisas que ele estava discorrendo sobre na frente
daqueles que o ouviam. Mas Cwæs também sabia sobre o álcool, seu próprio sangue era feito
disso, ele ensinou os mistérios dele na antiga palavra “alu”[105].
Ainda assim, ele viveu uma curta vida e foi morto pelos dweorgas Hýdere e Gælere[106], e
ardilosamente eles prepararam o hidromel com seu sangue, misturando-o com mel. Entretanto,
estes dweorgas mataram o pai do éoten Suttung[107], e como seu wergild[108], eles deram-no
o jarro com hidromel; Suttung o escondeu sob uma montanha após deixar sua filha
Gúþhlot[109] cuidando dele.
Wóden não podia simplesmente ignorar que o sangue de Cwæs tinha uma grande quantidade
de mæġen. Ele roubou o hidromel da poesia das profundezas da montanha do éoten, uma vez
que ele era um ós do êxtase e transe. Wóden matou todos os camponeses de um homem para
oferecê-lo seus próprios serviços, pedindo o hidromel como pagamento. Mas o homem não
tinha o hidromel, apesar de saber onde ele estava escondido.
Então Wóden foi lá; ele disfarçou-se como uma serpente para penetrar na montanha. Então,
ele dormiu com Gúþhlot, a filha do éoten Suttung, e bebeu todo o hidromel em três grandes
goles, deixando a morada do éoten como uma ave. Suttung também tomou a forma de uma
ave e voou atrás de Wóden.
Wóden alcançou Ésaġeard e seu inimigo foi queimado, perdendo a habilidade de voar e caindo
morto no solo. Assim, os ése possuem o hidromel da poesia e inspiração novamente, como sua
bebida sagrada. Se alguém deseja agradar aos deuses, derramar hidromel, cerveja ou
qualquer bebida alcoólica para eles é sempre uma boa escolha[110].
Após isso, Ingi Fréa enviou um mensageiro ao submundo e este pediu a Neorþe[111] para
casar-se com seu Senhor. Ela não estava muito inclinada a fazer isso, mas ela teve de aceitar
para evitar ser amaldiçoada. Ingui Fréa deu-a sua espada e tornou-se um ós de friþ e
prosperidade, garantindo que os homens tivessem boas colheitas, felicidade e abundância se
eles dessem-lhe ofertas[112]. Assim, os homens então aprenderam que quando eles dão
presentes aos wihta ou aos ése eles recebem algo de volta, e que a mæġen deles era
aumentada, permitindo-os viver melhor[113].
Mona era também um importante ós. Desde os tempos mais antigos, os habitantes de
Middanġeard aprenderam como sua luz e sua dança ao redor de Neorþe era importante; como
as colheitas e os mares eram influenciados por sua dança. Por muito tempo as pessoas
esperavam pela fase correta dele para obter vantagem de sua mæġen; e existem homens e
mulheres sábios que desenvolveram um complexo conhecimento sobre como usar sua mæġen
da maneira mais efetiva[114].
Quando as primeiras tribos surgiram, Tíw veio a Middanġeard, o Deus da Justiça também
amava a humanidade; ele ensinou-os a reunirem-se para tomar decisões; ele é o moderador
sagrado da folcġemót[115]. Nenhum homem é permitido entrar o espaço sagrado da folcġemót
carregando uma lâmina ou arma[116]; eles precisam manter a friþ[117] entre eles naquele
tempo sagrado.
Os reis e chefes também tiveram de aprender a ser as crianças do povo em vez de seus
ditadores[118]. Os homens tiveram de aprender a seguir pelo mérito e pelos atos, a seguir pela
virtude e pela coragem[119]; a ser conscientes e a discutir política, bem como a se rebelar
contra os líderes tiranos. Tíw também ensinou-os a sacrificar os chefes incapazes e manter a
friþ, e a evitarem serem controlados sem direito de participar nas decisões políticas que afetam
o cynn de um homem ou uma mulher.
Havia um tempo em que um éoten malicioso, Sceaþa[121] era seu nome, sequestrou a esposa
de um rei guerreiro de uma tribo Ingaevônica[122]. O rei e seus homens procuraram por ela em
todos os lugares, mas não puderam encontrá-la. Sceaþa havia escondido a rainha sob uma
montanha[123], e ali eles viveram por muitos anos. A rainha então teve uma filha, e ela deu-a o
nome de Æðelþryð, que significa “força nobre”.
Æðelþryð tinha todas as características de um nobre, e ela era uma linda garota, embora ela
também tivesse uma força e coragem dignas de um éoten. Quando Tíw veio aos Ingaevones,
ele também se disfarçou como um lobo[124] para vagar e caçar na floresta. Ele estava caçando
javalis[125], e então ele encontrou um local onde encontravam-se os mais gordos deles. Mas
ali ele também encontrou Æðelþryð com uma lança; ela estava vestida em pele de lobo, e a
face dela estava pintada com sangue de lobo[126].
Logo o caçador tornou-se a caça, e a destemida garota começou a perseguir aquele forte lobo.
Æðelþryð atacou Tíw em sua forma animal, e a batalha foi tão difícil que ele quase foi
mortalmente ferido[127]. Então Tíw apresentou-a sua brilhante forma humana, uma vez que ele
estava impressionado com as habilidades, força e nobreza dela. Ela ofereceu-o hidromel, pois
ela havia percebido que ele era um nobre guerreiro.
Æðelþryð contou então a Tíw que sua mãe havia lhe ensinado sobre sua nobreza, e seu pai
éoten ensinou-a a lutar. Ela então vingou sua mãe ao matar seu pai[128], mas ela não se
sentia confortável o suficiente para viver entre os Ingaevones, pois ela era violentamente mais
forte que qualquer homem. Eles então se amaram e tiveram uma filha: o nome dela é Hréðe, e
ela tornou-se a Deusa da Fúria e da Vitória.
Então Tíw fez uma morada para Æðelþryð e Hréðe no topo de uma montanha. Hréðe então
capturou um dragão branco[129] e cuidou dele; assim, o dragão tornou-se o símbolo de sua
força. O dragão guardava as armas que Hréðe obtinha em batalha e levava para sua casa.
Como seu pai, Hréðe podia lutar na forma de um terrível lobo[130].
Seaxnéat também ensinou seu povo que a mæġen pode ser mesmo uma força e influência
política ou pessoal, mas que a mæġen era também uma força espiritual, manipulada através de
artes ocultas por bruxas e aqueles que trabalham com espíritos, ou ainda uma força usada por
guerreiros, especialmente os wulfheodenas[137]. Hréðe era uma provedora de uma mæġen
violenta, e é por essa razão que os antigos anglo-saxões ofereceram sacrifícios para ela[138].
Seaxnéat também ordenou que os saxões construíssem uma grande coluna, um pilar onde
eles poderiam deixar oferendas e mais facilmente contatar os ése e seus ancestrais. Este foi
chamado Eormensýl, como a árvore do mundo, uma vez que ele havia sido feito com a mesma
função[139], e ele foi cultuado por muito tempo, até que Carlos Magno o destruiu e saqueou.
Seaxnéat também mostrou como construir fortes casas, e como construir amplos salões de
hidromel para reunir pessoas dentro deles; ele ensinou a importância de gabar-se de bons atos
e brindar;[140] foi Seaxnéat que ensinou a chamar os cavalos gêmeos Hengist e Horsa usando
emblemas de cabeças de cavalo duplas para garantir a proteção de um ambiente contra bruxas
más e perigosos wihta[141].
Como o ós da tribo, Seaxnéat também ensinou os homens como ser um bom þingere[142], ou
líder espiritual da família, como cuidar das suas famílias; ele ensinou as crianças como cuidar
do conhecimento ancestral bem como aos velhos como ser sábios e passar o seu
conhecimento. Seaxnéat contou histórias aos seus filhos em torno do fogo da lareira, e sobre a
importância do fogo em suas vidas.[143]
Logo, o lar tornou-se repleto de mæġen. Às vezes as pessoas enterravam um falecido nas
fundações da casa; e então ele tornava-se o protetor daquela família. Às vezes um wiht
escolha viver entre os humanos. Em ambos os casos, eles começavam a desenvolver um tipo
de relação baseada numa ajuda recíproca, e este tipo de wiht é conhecido como hob[144].
Ele é comumente visto com uma pessoa pequena, barbada ou mesmo peluda, às vezes com
um gorro vermelho. Este ser pode ajudar a família humana com a qual ele escolheu viver, se
essa família agradá-lo com boas ofertas de comida, mas às vezes ele pode ser malicioso, se
desrespeitado ou não receber recompensado. Esta relação próxima é muito importante na vida
diária, e um wiht do lar não é menos importante que um dos ése, na vida humana diária.
Fosǽta[145] era outro dos filhos de Wóden com Fríġe. Ele era o deus da justiça[146], e ele e
dito ser tão justo que em toda contenda humana ele consegue encontrar uma solução pacífica
que ambas as partes concordam e sentem-se recompensadas[147]. Bealdor foi o mais
brilhante deus; ele também era um filho de Wóden e Fríġe embora ele tenha sido cuidado por
Sunne e a acompanhado muitas vezes, pelo que ele adquiriu seu título.[148] A morte de
Bealdor é o primeiro sinal do colapso do mundo dos ése como ele foi projetado.
Wóden, em vez de ser um rei supérfluo, é um andarilho, procurando por conhecimento. Mesmo
que Wóden seja um verdadeiro Provedor-de-Anéis[149], trocando mæġen com aqueles que
são leais a ele, ele conhece sobre ervas, como as usar e como curar;[150] ele mesmo
pendurou-se em Eormensýl para criar o Tomilho[151] e o Funcho[152]; assim, ele enviou-os
aos sete mundos.
Wóden era um curandeiro e ele ensinou a tradição das ervas e medicina popular para a
humanidade. Ele também aprendeu seið[153] da sua esposa Fríġe, pelo que ele foi
amplamente condenado uma vez que isso era considerado afeminado, mas Wóden não se
preocupou muito com isso: ele estava procurando por mais mæġen, e isso deu a ele mæġen.
Fríġe também contou a Wóden o Orlæġ de todos os homens e outros wihta. Fríġe, como
senhora das wælcyrian, divide metade dos mortos em batalha que elas coletam para si, e eles
são enviados ao salão de Wóden, onde eles lutam todos os dias.[154]
Como Senhor dos Mortos, Wóden é o psicopompo, aquele que guia os mortos ao Hell. No
tempo mais liminar do ano, a Caçada Selvagem, Wóden abre as portas do submundo, trazendo
os espíritos dos mortos consigo, em uma jornada através dos céus que dura até o Ġéol.
Naquela época do ano as fronteiras do visível e invisível ficam borradas, e o outro-mundo
participa mais ativamente na vida dos habitantes de Middanġeard.
Wóden também foi aquele que encontrou as runas e as deu à humanidade. Diz-se que ele
pendurou-se a si mesmo em Eormensýl por nove noites e nove dias até que ele descobriu as
runas[155].
Enquanto Wóden estava procurando por sabedoria, Loc estava procurando por poder e traição.
[156] Ele foi até a Floresta de Ferro[157]; e ali encontrou os lobos e a bruxa éoten.[158] Longe
de seu próprio ġeard ele planejou atacá-lo em quebrar sua friþ; Loc trabalhou para destruir a
ordem dos ése; ele então teve três filhos com a bruxa dos éotenas: o lobo gigante
Fenndwellende[159] e a serpente Éormengand.[160]
Quando os ése souberam disso, eles tentaram muitas vezes prender o terrível lobo
Fenndwellende; o que não pode ser feito sem Tíw perder sua mão num ato de traquinagem e
sacrifício para manter a ordem do Orlæġ, evitando que a condenação do mundo acontecesse
em um tempo anterior ao que devia acontecer.[161]
Os ése pediram ajuda dos dweorgas os quais fizeram uma corrente mágica; ela era tão fina
que mesmo Fenndwellende pensou que ele não poderia quebrá-la facilmente, então Tíw teve
de pôr sua mão na boca da besta, a qual engoliu-a quando não pode quebrar as correntes. É
dito que o lobo irá devorar Wóden no dia final, antes de ser morto por um filho de Wóden,
Wídhár.[162]
Éormengand foi lançada nas profundezas dos oceanos, e Þunor tornou-se seu inimigo; como
ela era um ser selvagem e cheio de ódio do mar, Þunor tentou matá-la muitas vezes, mas é
dito que quando o dia final chegar, Þunor e Éormengand vão matar-se um ao outro.[163]
Mas alguns mortos também podem viver em Neorxnawang, no mundo superior de Ælfham.
Naquela região os mortos que foram cremados ou especialmente poderosos ou honrados em
alguma forma podiam viver entre o cynn dos ælfe e mesmo se tornar um deles; ali eles vivem
em friþ e ajudam a fertilidade da terra e a prosperidade do seu cynn.[167]
Apesar disso, Hell também tem um local de punição, pois aqueles que são injustos com seu
próprio cynn, mentindo, quebrando juramentos, matando seus próprios parentes, eram
enviados ao Wyrmsele, onde a serpente Níþhéawere os engole. Eles não eram considerados
bons o suficiente para desfrutar de suas vidas entre os mortos honrados.[169]
XVIII. Wéland[170]
Wéland teve sua espada roubada pelo rei, e o anel de sua esposa foi dado à filha do rei. Mas
Wéland matou os filhos do rei em uma emboscada; ele então produziu cálices com seus
crânios e joias com seus olhos e um broche com os dentes deles. Quando a filha do rei trouxe-
lhe o anel para ser consertado, Wéland a estuprou, tendo um filho com ela. Ele então voou
usando asas feitas por si mesmo. Mas Wéland também forjou muitas das armas míticas que os
homens empunharam.
Houve um tempo em que Hengest e Horsa foram permitidos por Sunne para vir a Middanġeard
como humanos.[172] Eles o fizeram como irmãos, naquele tempo as tribos germânicas
estavam vagando, lutando e conquistando novas terras. Hengest e Horsa foram poderosos
chefes entre os descendentes dos povos Ingaevônicos.
Naquele tempo, na Grã-Bretanha haviam muitas guerras, e o rei britônico Vortigern convidou
Hengest e Horsa como tropas auxiliares contra seus inimigos. Eles então contaram sobre uma
terra onde éotenas que construíram grandes cidades de pedra um dia habitaram.[173] Eles
ensinaram os anglos, saxões, frísios e jutos como navegar e eles atravessaram o mar para a
Grã-Bretanha.[174]
Hengest e Horsa lutaram contra Vortimer, filho de Vortigern oposto às alianças de seu pai com
os saxões, e na terceira de quatro batalhas, alguns dizem que Horsa foi morto, junto de
Cartigern, irmão de Vortimer. Na quarta, os saxões foram expelidos, saindo da Grã-Bretanha.
Pouco depois, todavia, Vortimer morre, e os saxões e suas tribos aliadas voltam novamente.
Oferecendo paz, os saxões encontram-se com Vortigern, e então eles tinham seaxas
escondidas sob suas roupas. Hengest gritou “nemet oure saxas”, peguem suas adagas; e eles
então mataram todos os homens do rei e fizeram Vortigern prisioneiro. Existem relatos que
Horsa foi morto nesta noite, todavia. Algumas batalhas depois, Hengest foi capturado e morto.
Hengest foi também o primeiro rei de Kent, o Reino Juto da Inglaterra.[175]
Ċerdiċ atracou em Hampshire no final do século V da Era Comum, seguido por seu filho Cynric,
em cinco barcos. Ali eles lutaram contra o rei bretão Natanleod; e depois estabeleceram a casa
de Wessex. Ele também conquistou a Ilha de Wight.
Icel deu seu nome à casa merciana dos Iclingas, e ele é de origem angla. Ele é dito ser filho de
Offa de Angel, um poderoso rei guereiro do Período das Migrações, marido de Modþryð, filho
de Wermund.
O Rei Guerreiro Penda foi um terrível chefe tribal Heathen num tempo em que a maioria dos
reis estavam se convertendo à cultura romana. Ele conseguiu a vitória em muitas batalhas
importantes, tornando-se um dos mais poderosos reis tribais da história da Inglaterra.
Penda matou o rei Edwin em 633, e nove anos depois ele fez o mesmo com seu sucessor,
Oswald, na Batalha de Maserfield. Penda esquartejou o corpo de Oswald, colocando suas
mãos, cabeça e membro em estacas. Ele também repentinamente batalhas contra os reis da
Mércia Oriental e exilou o rei Cenwalh de Wessex por três anos. Penda durou até uma batalha
contra o sucessor de Oswald, quando ele perdeu muitos guerreiros para uma enchente num
rio.
Havia uma mulher chamada Mæðhild, ela apaixonou-se por Ġéat. Mas ela previu a própria
Wyrd dela, e ela soube que ela morreria afogada num rio. Ġéat, todavia, disse que ele
construiria uma forte ponte sobre o rio. Mas Mæðhild sabia que ninguém pode escapar da
Wyrd. Então, ela teve de atravessar o rio, e então a ponte caiu. Ġéat, em seu desespero,
pegou sua harpa e tocou-a tão bem que os espíritos do submundo foram tocados por ela; então
alguns dizem que Mæðhild boiou viva, outros dizem que ela boiou já morta. Depois de a
enterrar, Ġéat então fez novas cordas para sua harpa com os cabelos de sua amada.
Wóden ouviu as preces deles. Então o herói geata Beowulf atravessou o oceano com sua tropa
de guerra. Beowulf ouviu sobre o sofrimento de Hróþgár, e, como filho de Ecgþéow, ele sentiu
que era sua obrigação o retorno de um favor.[182] Beowulf jurou para Hróþgár que ele iria
matar o monstro, no momento que ele tivesse chance de encontrá-lo.
Beowulf fez como ele prometeu, e Hróþgár deu-o muitos presentes;[183] todavia, eles não
sabiam que Grendel tinha uma mãe. Depois de ir à caverna subterrânea da mãe de Grendel
após seus ataques, Beowulf também a matou usando uma espada de éoten que ele encontrou
ali. Ele então voltou para sua terra.
Ali ele se tornou um rei, e ele reinou em friþ; trazendo prosperidade por muitos anos, até que
um dragão acordou e começou a matar seu povo; então o herói mais uma vez pegou sua
espada e matou o monstro do útanġeard, mas desta vez Beowulf foi mortalmente ferido e
envenenado, morrendo após matar seu último inimigo para manter a honra e a friþ de seu
povo.
O poderoso rei merciano Penda foi o último rei guerreiro de seu þéaw anglo-saxão original.
Talvez um dos últimos eventos que deu aos anglo-saxões o sentimento de velhos tempos foi a
batalha de Brunanburh em 937, quando o rei Æþelstan expulsou tanto celtas quanto vikings da
Inglaterra, dado à Ilha muito de sua forma política moderna.[184] Mas provavelmente a mais
importante parte daquele tempo já estava perdida. Aquela fúria de batalha foi provavelmente
dada pelos antigos ése de um tempo não tão distante, naquele momento.
Nessa nova era, os seguidores do antigo þéaw repentinamente ficaram perdidos. Isto
aconteceu por muitas razões, mas alguns deles foram transformados em um eardstapa, um
andarilho. Estes andarilhos foram forçados nos wræclastas, os “caminhos do exílio”,
tristemente enfrentando sua própria Wyrd, uma vez que toda felicidade havia morrido.
Este tipo de andarilho então pode tornar-se um modcearig mann, um homem problemático da
mente, meditando em quão pesada a vida é, como as mortes moldaram sua vida, e como
sobreviver como um estrangeiro nessa nova ordem. A Wyrd também pode ser cruel.
O andarilho então perceberia assim que o mundo tinha mudado; toda a glória do passado
estava morta e o þéaw antigo não existe mais, nem os tesouros, festas, batalhas, nem mesmo
os cavalos, em uma palavra, toda aquela cultura está morta: ele então alcança o estado de
snottor on mode, um “homem sábio”, embora isso pareça ser um estado um pouco pessimista
e sem esperança num mundo pós-anglo-saxão. Isto é o que a ausência do antigo þéaw leva o
andarilho a sentir.
Depois que a religião romana foi imposta, a Era das Trevas começou.[186] Mas o fim apenas
marca um novo ponto de começo. Aquilo foi superado, então isso pode ser. A natureza e o
tempo são cíclicos. Os atores podem mudar, mas os papeis são os mesmos. A semente foi
deixada e esquecida por muitos séculos, mas agora é o tempo de fazer ela crescer novamente.
É dito que um dia Loc e suas bestas do útanġeard vão finalmente voltar e atacar os ése, com
Syrt e os éotenas de fogo e gelo, bem como os tolos þyrses, e muitos dos ése vão morrer,
[187] bem como o mundo será queimado e renovado, como foi designado pela Wyrd.[188] Mas
a terra continua viva e abundante em wihta, nossos ancestrais ainda estão respondendo
nossos chamados e os deuses estão ainda lutando e fazendo a terra fértil. Esse dia ainda não
chegou.[189]
Notas:
[2] Isto é, antes da matéria como conhecemos existir, não é possível o tempo, ou ao menos o
tempo como o conhecemos.
[3] Estes seriam espíritos ancestrais de tempos imemoriais, que não podem mais ser
recordados. Materializados nas próprias estrelas, atualmente. Parece plausível de se supor que
alguém tenha testemunhado o nascimento do cosmos já que na Völuspá nórdica, por exemplo,
a narradora sugere ao interlocutor que teria presenciado ele acontecendo. Julgo que
consciências antigas, possivelmente materializadas em ancestrais poderosos e deuses,
observaram todo o processo de criação do cosmos.
[7] Dada a variedade imensa de palavras para “gigante” tanto de origem germânica quanto
latina usada pelos anglo-saxões, achei por bem simplificar as coisas e dividir os gigantes em
duas categorias principais: de um lado os irracionais þyrses, de outro os sábios éotenas.
Ambos são igualmente fortes e assemelhados, a diferença básica está em sua cultura material.
Os éotenas são associados à ideia anglo-saxã de construções em pedra abissais; já
os þyrses à grande crueldade, perigo ao innanġeard.
[20] Shame on me, por derivação lógica, só posso pensar que a consciência material mais
antiga era feminina, para então seguir a ideia proto-indo-europeia de casamento entre o céu e
a terra, representando talvez a chuva, a fertilidade, mas também os próprios mistérios da
criação.
[21] Vinda da Nerthus de Tácito. Por alguma razão, creio que esse seja o melhor nome, em
oposição ao incerto “Erce” e nomes comuns em inglês antigo. Neorþe aqui é a matéria contida
no espaço; Tíw, como “céu” é o espaço contentor dessa matéria. A reconstrução do nome é do
Ealdríce.
[22] Essa foi talvez a parte mais problemática. O relato de Snorri nas Eddas claramente
demoniza a morte, o Hel e sua homônima governante. A personificação do reino dos mortos
parece algo tardio, e mesmo a imagem meio pútrida pode ser algo não muito mais antigo que a
imaginação de Snorri. Para evitar esse problema haviam dois modelos essenciais: a Kali hindu,
aparentemente linguisticamente relacionada, e Perséfone (Core) entre os gregos,
possivelmente associada por Saxão Gramático no Gesta Danorum à deusa do submundo
nórdica. Nenhuma das duas fornecia um modelo similar à ideia nórdica: Kali é mais próxima de
um psicopompo e Perséfone é uma deusa da fertilidade, que causa morte de maneira passiva,
não ativa, como Hel. Em vez de optar por um princípio de morte eterno como em Kali, ou de
uma morte nascendo em um ponto razoavelmente aleatório, como com Perséfone e Hel, ou de
aceitar o relato de Snorri claramente tentando demonizar a morte, optei por uma via
impensada, no que pude ver de deidades indo-europeias comparáveis: a mote nascendo junto
com a vida, como seu complemento, ambas se alimentando mutuamente.
[26] Perceba que morte é parte do ciclo da existência, com Hell. Mas que a corrupção,
com Syrt e Myspell, é o oposto da existência, sua destruição. A oposição vida e morte é
criadora, a de matéria e corrupção, destruidora.
[37] Atestado nas fontes anglo-saxãs, não oferece problemas. Aqui tentei manter o caráter de
Wóden distinto da variante nórdica, sempre que possível.
[40] Ligando a todos e se tornando a árvore que proporciona o contato entre os diversos seres,
como é comum em visões de mundo tradicionais, possibilitando o papel do xamã.
[41] O trançado de nove fios, com três retos e três vindo de cada lado, cruzando-o em diagonal.
[42] A partir do Loki nórdico antigo. Repare, todavia, que esse não é exatamente Loki, mas uma
personificação do útanġeard. Loki não foi atestado nas fontes anglo-saxãs, todavia, seguindo o
anglo-saxonismo moderno, com certeza ele serve para desempenhar o papel de personificação
de algumas das falhas morais mais indesejadas na visão de mundo anglo-saxã, e é certo que
no passado houve uma figura ou mais que representou isso, como Loki representa entre os
nórdicos.
[44] Ou seja, em um mundo tribal, Loc está sempre agindo de acordo apenas com seu próprio
desejo, em oposição àquilo que é necessário à sobrevivência de seu próprio grupo. Em tempos
antigos – e mesmo hoje – essa é uma falha que prejudica severamente o grupo. Aqui eu busco
também dar sentido à origem de Loki, a qual é um tanto obscura nas Eddas nórdicas.
[47] A batalha indo-europeia dos gêmeos fundadores, passando-se por cima do tradicional mito
nórdico, apesar de em certa medida dependente dele.
[49] Tíwessunu, como uma força natural primordial, está bem pouco interessado em todas os
problemas criados pelos ése e sua tendência civilizacional.
[50] Ou seja, num mundo sustentado pela Wyrd que os éotenas de fogo não eram capazes de
destruir, fica acordado que quando a própria ordem não puder se sustentar, a corrupção então
pode cumprir seu papel. Teoricamente, os éotenas de fogo são prejudicados pela Wyrd, e em
um mundo sem sucessão de eventos, sem acontecimentos, eles podem existir indefinidamente.
Eis o porque os éotenas de fogo são tão contrários ao mundo que surge das Wyrdas.
[51] Esse tratado de paz era necessário, na medida que a primeira guerra relatada nas Eddas é
entre os æsir e os vanir, e não há relatos de conflitos com gigantes de fogo antes do ragnarök.
[53] A carruagem ficou quase sem função aqui… mas ainda assim, dentro do contexto indo-
europeu que o mito se insere, era necessário. É comum que nas mitologias elementos se
tornem menos úteis, com o passar do tempo. A carruagem e os cavalos fazem mais sentido
com a Terra sendo centro do universo, mas, por motivos culturais, achei útil deixa-la.
[55] Isto é, a fermentou.
[56] A pluralidade desnecessária e confusa de elfos de Snorri foi simplificada com elfos
luminosos (ljósálfar) sendo equivalentes de ælfe e todas as outras variantes “escuras”
(svartálfar, døkkálfar e dvergar) foram simplificadas nos dweorgas. Repare, aliás, na relação
entre os ælfe, dweorgas e cogumelos.
[57] Lembre da associação mencionada na nota 56 e a capacidade de fazer música.
[59] Novamente, adaptando o mito para encaixar-se na visão mais acertada atualmente sobre
astronomia, e mais uma vez vemos que a ciência e a mitologia podem andar lado a lado.
[61] Mais uma vez, seguindo o mito nórdico… mas com precedente indo-europeu.
[62] Wada, como divindade liminar aquática, atestada entre os saxões e embasada nas
pesquisas do Lárhús Fyrnsida. Assume também alguns atributos do Ægir nórdico, o qual pode
ser ligado ao conceito de mæġen. Parece bastante plausível que uma divindade do sub/outro-
mundo seja provedora dessa energia.
[69] Seguindo o Encantamento das Nove Ervas aqui ao decidir por sete, e não nove mundos.
Esse é um dos traços essenciais de diferença entre o que sabemos de anglo-saxões e
nórdicos, embora não tenhamos registro de quais sejam esses sete mundos. Todavia, do lado
nórdico os próprios nove são incertos e mal enumerados, e não há como se saber com certeza
quais todos eles quais são.
[72] Neorxnawang é um conceito que demanda muito cuidado. A palavra pode ser decomposta
em Neor (próximo, near), na (não, not) e wang (jardim, garden), dando como resultado
“Garden-not-near” ou “Jardim-não-próximo”. O “x” é de etimologia incerta e
problemática. Neorxnawang aparece em contextos bíblicos e parece se referir a uma espécie
de “Campos Elísios”; todavia, a insistência de Ælfric ao usar esse termo paralelamente a
“Paradisum”, evidencia a possibilidade de Neorxnawang refletir um conceito nativo, em
oposição ao estrangeiro, cristão. É essa ideia que seguimos aqui; e em vez de situá-lo
em Ésaġeard, penso que é mais lógico situá-lo no local onde as criaturas do campo (ælfe)
vivem. Até porque seguindo o palpite de Hilda Ellis Davidson e Gabriel Turville-Petre, um
paraíso associado a campos lembra muito a noção do mundo dos álfar nos quais humanos
poderiam se tornar.
[74] Veja a nota 9.
[80] Os mundos aqui foram divididos essencialmente em três: superiores, mediano e inferiores,
com ligações entre si. Essa é a ideia mais simplista e comum encontrada em povos
“xamânicos”. Dentro dessas três esferas maiores, foram inseridas as divisões particulares, para
totalizar sete mundos. As moradas interiores não são contadas como mundos separados.
[84] Sugere-se que o etnônimo “ingaevone” seja derivado do teônimo “Ing(ui)”, e o mesmo pra
“hermione”, com “Irmin”. Apenas os istaevones ficam com etimologia incerta; possivelmente
sua divindade fundacional teve seus registros perdidos ou jamais escritos.
[91] Esse mito, apesar de proveniente da Edda de Snorri, foi ressignificado para explicar a
dinâmica de innanġeard versus útanġeard, própria do paganismo anglo-saxão moderno, em
especial do theodismo.
[92] Isso por causa da noção de “honra” tribal, na qual uma ferida feita contra o cynn precisava
ser vingada por outros membros ou ele mesmo.
[93] Aqui busca-se em metáforas explicar que o cerco do innanġeard só existe graças ao local
“caótico”, onde a lei tribal e o parentesco (kinship) não funcionam. É do mundo externo que
surgem os principais agentes desestabilizadores e perigosos (ao menos numa sociedade tribal
que funciona sadiamente), e é ele que cria a necessidade dos cercamentos de proteção. O
mesmo acontece hoje em nossa sociedade onde os costumes cristianizados compreendem o
grosso do útanġeard que busca nos desestabilizar, enquanto heathens. Mas, infelizmente,
mesmo entre heathens aqueles que poderiam ser nosso innanġeard comumente se colocam
em posição de lobos, buscando destruir nosso grupo, pelos mais vis motivos, criando a
necessidade dos muros (por favor, não confunda isso com a ridícula xenofobia de Trump.
Tribalismo é bastante diferente de racismo).
[95] Baseado no Sleipnir nórdico.
[97] Se infere que Gullveig era Freyja disfarçada, e, como mencionado na nota 87, Frigg e
Freyja são tratadas como uma deusa só.
[100] Tema que aparece ao menos uma vez nas Eddas, e nos relatos anglo-saxões, quando o
sacerdote pagão atira uma lança contra seu próprio templo ao converter-se ao cristianismo
(provando quão mal cristão ele era, em partes).
[101] Os “elf shots”, contra os quais encantamentos de cura foram feitos muitas vezes pelos
anglo-saxões.
[102] Tentando organizar os eventos do mito nórdico de maneira lógica, e supondo que Frigg e
Freyja são a mesma, obviamente.
[107] O nome foi mantido a versão nórdica antiga, por falta de capacidade de traduzir mesmo.
[110] Avanço aqui o mito eddaico e destaco o papel do do ut des através do álcool como
bebida sagrada. É muito importante se recuperar a função sacra do álcool no paganismo atual,
a qual se perdeu praticamente de forma completa; o álcool é tratado meramente como
uma diversão, num total ato de dessacralidade. Com esse mito, busca-se evidenciar a
função ritual e não recreativa do álcool.
[111] Desta vez foi Gerda que convergiu em Nerthus. O incesto, creio eu, nunca foi um grande
problema no mundo divino.
[114] Aqui busco evidenciar algo que Tácito menciona: a importância das noites e
de Mona para os povos germânicos em geral. É uma vergonha que no paganismo
contemporâneo o conhecimento do uso do poder de Mona esteja tão esquecido.
[117] A friþ é mencionada algumas vezes no corpo do texto, embora em nenhuma delas seja
claramente explicada. É uma espécie de harmonia e acordo de mútua proteção estabelecido
pelos membros de um innanġeard, que reflete-se não apenas na paz, mas na manutenção da
honra tribal.
[119] De acordo com o relato de Tácito sobre a personalidade política dos germânicos.
[120] O mito do nascimento de *Hréðe foi totalmente desenvolvido por mim, mas tentando
encaixá-lo dentro da lógica dos mitos antigos dos germânicos. Essa parte é total recriação,
embora uma recriação baseada na reconstrução e não na mera imaginação. A partir de Rheda,
atestada por Beda e de termos como ureð saxão antigo.
[121] Inimigo, no idioma anglo-saxão.
[122] Aqui busca-se situar logicamente a linha temporal que vai aos saxões, descendendo dos
ingaevones.
[126] O que a situaria como uma protetora do animal totêmico dos saxões, mas usando a força
lupina.
[127] Aqui, em vez de se pintar uma mulher dócil, quis se destacar uma mulher guerreira,
autossuficiente, como existiram – certamente – várias no passado pré-conversão.
[135] Achei que o mais justo para um mito de etnogênese saxão fossem duas divindades
puramente saxãs, como *Hréðe e Seaxnéat.
[136] Situando, assim, Seaxnéat como uma divindade cultural, o deus tribal dos saxões,
explorando suas definições etimológicas.
[139] Aqui segue-se a ideia de que os ritos religiosos humanos são réplicas de eventos
mitológicos/divinos. Inicialmente eu quis dois nomes diferentes para cada um dos eixos (o do
mundo e o simbólico, dos saxões), mas que o Irminsul seja um reflexo da Yggdrasil é algo
plenamente compreensível.
[146] Veja-se o conto medieval contado por Adão de Bremen, onde uma figura identificada
com Fosite ensina as leis aos memorizadores das leis frísios.
[147] Seguindo aqui o relato das Eddas.
[148] Aqui tentando justificar a relação entre Balder e o sol, nos mitos nórdicos.
[158] Da nórdica Angrboða.
[164] A imagem pintada por Snorri de Hel como meio-morta é possivelmente imaginário tardio
ou pessoal, enquanto cristão. Ainda assim, será assumido aqui, uma vez que é bem
característico.
[167] Veja a nota 72. Eu acho que é bastante improvável que o Neorxnawang fosse associado
à habitação dos ælfe, mas hoje a associação me parece bastante lógica, com a escassez de
evidências que enfrentamos, na reconstrução da visão de mundo anglo-saxã.
[168] Veja Gudmund Schutte, The Cult of Nerthus, bem como o quarto capítulo de Road to
Hel de Hilda Roderick Ellis. Aqui busca-se trabalhar a evidência literária e arqueológica que
suporta a ideia do culto ancestral, embora ela seja comumente colocada de lado.
[169] Não creio que seja uma ideia cristã associar os outlaws a uma punição pós-vida. Não
parece de acordo que num pós-vida de continuidade, como é o germânico, tão associado ao
mundo dos vivos, que aqueles que são expulsos da sociedade sejam aceitos livremente após a
morte. Não acredito que isso tenha a ver com o inferno cristão e sim com a noção
de innanġeard e útanġeard levadas ao âmbito além da vida, como eles são levados na própria
vida.
[171] (a) A partir daqui entramos na parte semi-histórica da visão de mundo. Essa parte é a que
mais precisa ser desenvolvida, no sentido de que novos mitos precisam ser criados para
figuras como Hengest e Horsa, Ġesecg, Ċerdiċ, Penda, entre outros. Note a mudança de tom
aqui, que é, obviamente, menos mitológica e mais descritiva, na maioria dos contos. (b) Os
relatos sobre Hengest e Horsa provém das Crônicas Anglo-Saxãs, Historia Brittonum, de
Nennius, Historia Regum Britanniae, de Geoffrey Monmouth e Historia Ecclesiastica Gentis
Anglorum, de Bede, e foram fusionados de forma a fazer sentido. Obviamente, o que faz
sentido para um, pode não fazer para outro(s).
[175] A ideia aqui é que Hengest, além de divindade associada ao sol, seja entendido como um
herói civilizacional, cultural, possibilitando um elo entre a “alta mitologia” e o dia-a-dia
do heathen anglo-saxão, como veremos nos exemplos posteriores dos reis que são
mencionados.
[180] O salão de hidromel, na cultura anglo-saxã, tinha uma função social e religiosa
importantíssima, a qual não creio que consegue ser claramente destacada aqui, mas que no
poema Beowulf é a razão dos ataques da besta vinda do desconhecido.
[181] O gástbona, traduzido por Seamus Heaney como “killer of souls”, apesar de não ser
mencionado o nome, dentro do contexto no poema Beowulf, provavelmente era uma divindade
pagã da guerra e/ou da vitória, logo, Wóden, Tíwaz, *Hréðe ou Seaxnéat. Dada a importância
que Beda parece dar à Rheda em De Temporum Ratione, é bem difícil optar por Wóden; ainda
assim sigo essa opinião. Cabe ressaltar a tentativa (falha) de cristianização dessa parte em
especial de Beowulf.
[184] Æþelstan foi o último grande rei anglo-saxão. Se Harold Godwinson não tivesse caído na
armadilha do tirano bastardo que assumiu o poder na Normandia, após vencer Harald
Hardrada, Godwinson tinha plenas condições de manter a Inglaterra anglo-saxã. Todavia, não
havia como prever que as mudanças instituídas pela conquista normanda seriam tão grandes
em sua época, e que a classe regente anglo-saxã seria limpa da Inglaterra, deixando o país em
mãos de estrangeiros, por quase mil anos, até os dias atuais.
[185] Síntese do poema comumente chamado Se Eardstapa ou “O Andarilho”, encontrado
no Livro de Exeter, datando do final do século X. Aqui a condição existencial anglo-saxã tardia
é discutida, e a terceira fase do texto entra em ação, onde o leitor é convidado a, entendendo
todo o imaginário exposto até aqui, ver como o cristianismo antigo da Inglaterra, numa época
em que o paganismo tardio ainda estava com força, mas as bases da sociedade pagã e anglo-
saxã vinham sendo substituídas, pelo catolicismo, as invasões vikingues constantes e o
domínio normando e como toda a perda de identidade e todos os elos que mantinham os
anglo-saxões unidos, em sua diversidade, era prejudicial à mentalidade subjetiva dos membros
da sociedade anglo-saxã em seus dias finais. A ideia é, conhecendo, se evitar essas
condições.
[187] O ragnarök nórdico.
[189] Em resumo, o paganismo germânico, e mesmo o anglo-saxão, ainda podem ser vividos
na atualidade.
By Seaxdéor
Listen.
Nevertheless, there was the infinite and wide sky inhabited by the shining wise ones of yore.
Tíw, the Sky God of justice, has got rule over it all. Tíw was the ruler because no one had a
word so fair and no one swore oaths as true as he did.
There was, beneath Tíw’s Kingdom, Myspell and its fire éotenas, ruled by the melting fire sword
of Syrt, and Nifolham, a dead realm of mists and the coldest snow ever known. Their birth
predates any known origin.
Between Myspell and Nifolham, there was Ġinġesceap, a great gap filled with absolutely
nothing but mæġen. It was a mysterious void, a point in which neither Myspell nor Nifolham
could penetrate during uncountable ages.
But, what is mæġen? It is simply force, energy, both physical as well as spiritual; a visible power
that emanates from a being, but also an unseen energy, used in many crafts; the ancient word
cræft itself could be the same thing as mæġen. All that mæġen scared the fire éotenas,
because they can’t simply destroy it.
In the most profound depths of Ġinġesceap, then, there was a secret: a well was hidden there,
forgotten in its deepest boundary, where three sisters were continually weaving a web called
Wyrd, with a thread being pulled from the well. This thread is called Orlæġ, which means “primal
law”, and its source was laid down at the bottom of the well of Wyrd.
During many ages the Wyrdas have woven this web. Each one with three threads, they did so.
The first one is called Wyrd which means “what that was”, the second one is Weordende, which
means “what that is”, and the last one is Scyld, which means “what should be” or “debt”.
The web woven by the Wyrdas became so wide that it thus spread out of Ġinġesceap, touching
both Myspell and Nifolham, which, linked by the web, became closer, slowly invading
Ġinġesceap during many ages, until they reached its centre, touching each other.
At the first time that they did so, clouds arose when the ancient fire touched the primal snow in
an explosion of fire and ice mixed together. From this powerful explosion too much mæġen was
released to all the infinite space corners, and a strange world emerged; Wyrd was its structure
and mæġen fulfilled it.
The earth itself became alive, plenty of mæġen. It was known for many names, one of the most
known of them was Nerþus. She was the whole surface of the earth, containing and radiating
mæġen in its visible part.
But, in its underground a mighty conscience also has come to existence, and it worked in the
opposite way. It naturally began to drag mæġen to the hidden part of that world, as a
consequence of Nerþus’ life. Then, deeply penetrating the core of Nerþus, the underworld was
born, a cold land also attached to Nifolham. Its abode became known as Hell, and it was the
reign of death, as opposed to the living surface; no life can last forever, and that was the place
where the doomed by Wyrd ought to go.
While Nerþus existed pushing mæġen out of her body, Helle existed pulling mæġen inwards.
One shows, the other covers. They both existed as a consequence from one another, and they
were inseparable. There is no life without death, or death without life. In their deep realm, the
Wyrdas have laughed. It has begun. The wise fire éotenas became enraged.
III. The Primal Twins
Tíw, the Sky God of justice, then met Nerþus, the all-encompassing goddess of earth, and they
had two sons: two twin creatures, the first one of them, a terribly grotesque and big one, which
since the oldest times is called Éomer, “The Twin”, and the second one Tíwessunu, “The Son of
Tíw”. The fire éotenas then realized that Syrt’s sword can’t defeat that abysmal creatures
anymore.
Éomer and Tíwessunu slept during some ages, while a tree, called Eormensýl, started growing
in that snowy land. From Éomer’s body other éotenas and þyrses became alive, but no one of
them was so terribly large. When Éomer woke up, he was hungry. In that snowy realm he was
made of ice, and his hunger was an abyssal feeling devouring anything it could, yearning for a
satisfaction that never actually could come. He even attempted to eat Tíwessunu, for what
reason the twin brothers became enemies. Tíwessunu left Éomer alone and disappeared for
ages.
Éomer began to eat his own sons and anything he found at his disposal. When most of the
éotenas were eaten, he wandered for many time. When he was stupidly desperate, he then
found a great cow, even larger than him, and he saw four rivers of milk flowing from its tits. They
lived for many ages, and for many ages the cow, called Æþymble, licked the ice and fed the
terribly childish éoten. The éotenas and the þyrses then slowly multiplied themselves again.
While the cow licked the ice, a bright being became uncovered, and neither Æþymble nor
Éomer noticed it. The éotenas and þyrses, as the wisest beings of that new world, realized that
there was something to happen, but they weren’t enough strong to face Éomer, in order to avoid
that. Slowly the heat of the lickings made that being seen, and he finally woke up, and, with his
bright, Éomer became astonished and didn’t offered him a fight. He was Béora, the oldest
ancestor of the cynn of the ése.
Béora wandered and lived far away from where Éomer and his offspring inhabited. He then had
a son, Beorn, which found a wife among the éotenas. She was Beste, and she gave birth to
three sons: Wóden, which means “furious one”, Willa “The one which have got will”, and Wéoh
“The sacred one”. Then, they were called ése. The three sons grew and became wiser, learnt
how to fight and how to rule, and they spent ages hunting in the woods, and they saw
Eormensýl become the greatest of the trees.
But Loc has got his own desires and ambitions. He thought that if he incited strife among the fire
éotenas and the ése, thus he could do the ése kill Éomer, as well as the rulers of Myspell. After
that, he then would find the ése very tired and weakened, probably severely wounded, and his
victory could be easier.
Then, Loc proposed his own plan to the ése, but they also had their own plans, when they
realized that they were dealing with a traitor of his own kind. They fought Éomer with Loc’s help
and treacheries, and that fight lasted for many time. It was the first deadly battle of that world.
The ése and Loc began winning the fight; then Éomer entered in a state of þyrs rage. Éomer
attacked with an abyssal hate, totally out of control.
When the ése and Loc were somewhat hopeless of a victory, Tíwessunu appeared again, and
played his role, as designed by the Wyrdas, fighting his twin brother. The ése and Loc could
only watch that abyssal fight, each blow that Éomer or Tíwessunu struck against the other had
as its result a deafening sound and a strong wind. But Tíwessunu was stronger and killed his
twin brother.
After Éomer’s decapitation they all noticed that despite the fact that he was an ice þyrs, his
blood was warm and abundant; it flooded all that snowy land, killing many éotenas and þyrses,
of which but a few survived floating until they reached their current world, Éotenham, where they
began to live among the wolves of the Iron Woods. One more time Tíwessunu was gone away,
following his own Wyrd’s designations, and the ése became victorious.
After that, they went to Myspell as if they were about to fight the fire éotenas, but they made Loc
captive though. After that, they met Syrt and the ése made a treaty with him. They ought to live
in peace for many ages, but when the Wyrdeswebb couldn’t hold the order of their world
anymore, the ése ought to fight the fire éotenas, but a battle shouldn’t take place among them
before that. The ése swore that as well Syrt. It was a nice peace treaty for both, which were
afraid of being attacked at any time.
As a signal of his good will and a wergild for his plans, Syrt also give to the ése the brightest
Myspell flame, called Sunne. But Syrt also has urged that the ése bring Loc with them as a
hostage and keep him alive, as an ambassador between them, and a pact of non-aggression
was made between Wóden and Loc, and he was brought to the abode of the ése.
VI. Shaping the New World, Wóden’s Kingship and the Birth of Þunor
When the ése came back to the centre of their new world, and the all-encompassing Nerþus
saw that Myspell flame, she was so impressed that she began to circularly dance around it. The
golden energy of Sunne and her chariot pulled by two horses, called Hengest and Horsa, which
means “Stallion” and “Horse” respectively, is a shining light that all beings loved to look up to;
Sunne than soon became one of the most beloved of the ése.
Her light made Nerþus warmer, and from the dead body of Éomer in her surface many
creatures were born: some of the most notable of them are the light ælfe and the small and
greedy dweorgas, and a new age came. The ælfe then started to make noises until they
discovered music, and they quickly developed their instruments until they were playing a
harmonic and beautiful song, packing up Nerþus and Sunne in their dance. Thus, the
inhabitants of Nerþus could count the days and the years, watching her dance, though they
early thought that Sunna was running around Nerþus.
Sunna’s bright was so intense, that distant beings came just to watch it. One of them was called
Mona; he has come with his chariot and he also began to dance around Nerþus with a great
mirror. Therefore, when Sunne was sleeping, the inhabitants of Nerþus still can see her bright
reflected in Mona, and then they could count the months.
Wóden, Willa and Wéoh designed a new world from the body of Éomer, and his barbaric life
made possible that many lives came from his death. The ése created mountains with his bones
and set up a fortress using Éomer’s eyebrows against the éotenas and þyrses when they
noticed that some of them were inhabiting mountains.
The ése designed rivers and oceans from the blood of Éomer, and Wada then came from the
underworld to the water surface, ruling the rivers, acting as a liminal deity between the
boundaries of the seen and unseen. The dweorgas made powerful kingdoms in their mines in
the underground. Eormensýl was so high now that she reached Tíw’s realm; its roots firmly
penetrating the underworld, even touching the abode of the Wyrdas; then they started to take
care of its roots.
The whole land was since then inhabited with wights dwelling in rocks, trees, wells, lakes and
every single thing; our ancestors called them wihta in the old times. These beings are the first
and oldest inhabitants of every landscape, so any outsider or new inhabitant must respect them
in order to keep the friþ of the land.
When Tíw noticed everything that happened, as the Sky God and the ruler in justice, he knows
that his time has come and that he ought to conform to the Orlæġ, as he was its primal devotee.
He then gave to Wóden his kingship and his kingdom, and the ése retributed that making him a
friend and allowing Tíw to live among them.
Wóden had a son with Nerþus, which was called Þunor, the Thunderer. Þunor has got a chariot
lead by white goats, and he is a smith god, as well as the warrior and champion protector of the
ése. The blows of his hammer make its sparks shine in the sky, and they are what men now call
thunder. He is also the red bearded ós, the bringer of rain.
The ése thus split the world in seven new ones. The first of them, were the upper ones: Their
abode, the Ésaġeard, then Ælfham, the dwelling of the light ælfe; there, some of the most
important ancestors can live in the fields of Neorxnawang. There is also Middanġeard, where
humans live, in the middle of the upper kingdoms of the ése and the ælfe and the underworld.
Then, there are the lower realms. Nifolham, the reign of ice and mists. Nifolham is where is
located Hell, the abode of the dead, and in its darkest and coldest part, Wyrmsele, where the
corrupted serpent Níþhéawere gnaws Eormensýl’s roots. Sweartælfham is the kingdom of the
dweorgas, or dark ælfe, where they mine metals and make tools. There is also Éotenham, set
apart from everything, with the ice éotenas and þyrses protecting the well of wisdom. And there
is finally the world of the fire éotenas, Myspell. Excepting from Myspell, all those realms came
from the primal Kingdom of Law and Order ruled by the Sky God of justice, Tíw. Eormensýl
connected them all and was used for the ése or any other traveler aiming to reach another
world.
VII. The Birth of Mann, Ingui Fréa, Fríġe and the Mankind
Tíwessunu then lived in the most inhospitable places of Middanġeard, in its East. He slowly
moved and then had a son, called Mann. Mann came to Jutland, where he lived peacefully
among the ælfe; there he had three sons with Nerþus; the first one became the father of the
Ingaevones, his name is Ingui Fréa, and soon he became known as the Lord of the ælfe and the
ruler of Ælfham. From the other two sons came the offspring of the Istaevones and Hermiones.
Nerþus then, after dancing for so many time the dance of the ælfe, felt in love for one of them,
Féorġen was his name. He had got a lyre, and then they loved each other, and they had a
daughter called Fríġe, which was a witch, and she, as a being that emerged from the depths of
the earth, was a chthonic deity, having met the Wyrdas and knowing its mysteries and the
Orlæġ that governed their actions.
Fríġe also knew the Orlæġ of all beings. Everything that happened and that must happen was
thus designed by the Wyrdas; even the ése can’t break the rules imposed by the woven pattern
of Wyrd.
Soon Fríġe became the Lady of the wise women, collecting the dead females and giving them
the ability of knowing the Wyrd of men and women, so they could weave the threads of their
descendants as they were born. Fríġe also allowed that some of them follow their descendants
through their whole life, to protect them. The ése and the ælfe were living in friþ with one
another, and they often were found together in the abode of each other.
VIII. The Building of Éseġeard’s Wall
After that, the ése started to worry about the wolves, éotenas and þyrses of Éotenham. They
knew that a harm should be paid with a harm, and that the inhabitants of Éotenham weren’t too
much glad to what happened to their cynn. Someday though, a man came to Éseġeard riding
his horse. He went to the gathering of the ése and their fellow ælfe, offering them to build a wall
of stones around the abode of the ése.
At that time, the year was divided into two seasons, summer and winter. Then he asked for
three seasons to do that work, and for Sunne, Mona and Fríġe as the price of his work. The ése
and the ælfe the felt outraged with that proposal, and then Loc saw a chance to harm the cynn
of the ése. He then asked for a time to discuss that idea with the ése and they reluctantly
accepted.
When the foreigner was invited again, the ése did put forward their own conditions: that the man
should make the wall until the end of that winter, and if Éostre appear once again and all the
rocks should be there, and that man should be the only man to work there, no less than that.
Even that plan the ése weren’t willing to accept, but Loc said them that probably the foreigner
shouldn’t accept that, thus it was a very educated denial.
But surprisingly enough, it was accepted, if the ése could accept that he had his horse as the
only help. Loc then anticipated all the ése and ælfe gathered there, accepting that doubtful
proposal. Loc disguisedly laughed, and all the ése knew that something bad was going to
happen.
The builder and his horse worked hard even in the first day. All the ése felt that there was
something wrong, and that harrowing feel was growing day after day. Loc then ironically said
that that was the better option, that the innanġeard of the ése should be protected. Near the end
of the winter, that wall was almost done, and then the ése violently forced Loc to solve that
problem, as he had made an oath for them that they weren’t even willing to swear for
themselves.
Then Loki turned himself into a wondrous mare, and the horse, which was doing the greater part
of that job, suddenly has gone after that mare, leaving away his task, running into the woods
where she has gone. The man ran after his horse for many time; when he realized that he was
in the last day of that job and that he had to finish it faster than he could, he became enraged,
showing his own appearance as an éoten, attacking the ése. But the god then noticed that they
were dealing with an útanġeard beast; they sought after Þunor’s help and he smashed the face
of that éoten.
Also, after that, Loc gave birth to a gray foal, which was then called Slíepescóh, and it was
given to Wóden, becoming his riding through the seven worlds, as a way of paying the harm
that Loc almost did to the whole cynn of the ése and the ælfe and its innanġeard.
Fríġe then learnt of the power of the ése and she was hungry for gold, as a goddess of fertility.
She disguised her appearance and went to the abode of the ése, where she was pierced by
spears and was burnt for three times, but she couldn’t be killed that way: that was not what
Wyrd had designed for her.
When Fríġe’s relatives of the ælfecynn knew that she was in danger, they started a war against
the ése, which answered throwing a spear against them in the battle, as a curse. The ælfe also
shotted the ése many times, poisoning and deeply wounding them. This was the first war, and it
lasted for many time, and after that, no one of the tribes could definitely win the other. So, they
made a peace treaty, exchanged hostages and Fríġe married Wóden.
When the griþ was restored among them, the ése and the ælfecynn were feasting together, so
each one of their tribes spitted out in a jar; they brewed that liquid, and a wise god of poetry
born: his name was Cwæs and he was the result of the peace treaty among the ése and the
ælfecynn.
Cwæs was a wise and inspired ós; he knew about how to rule and how to fecundate the land;
but he also knew about poetry and alliteration, his verses had so vividly metaphors that his
words even turned into the things he was talking about in the front of those hearing him. But
Cwæs also knew about alcohol, his own blood was made of it, and he taught its mysteries in the
ancient word “alu”.
Even so, he lived a short life as he was killed by the dweorgas Hýdere and Gælere, and
cunningly they prepared the mead with his blood, mixing it with honey. Nevertheless, these
dweorgas killed the father of the éoten Suttung, and as its wergild, they give him the jar with the
mead; Suttung hid it under a mountain after he left his daughter Gúþhlot taking care of it.
Wóden doesn’t simply ignore that the blood of Cwæs had a great amount of mæġen. He has
stolen the mead of poetry from the depths of the éoten’s mountain, as he was an ós of ecstasy
and trance. Wóden killed all the peasants of a man to offer his own services, asking for the
mead as a paid. But the man hadn’t the mead, although he knew where it was hidden.
Then Wóden was gone there; he disguised as a serpent in order to penetrate the mountain.
Then, he slept with Gúþhlot, the daughter of the éoten Suttung, and he drank all the mead in
three deep sips, leaving the éoten’s abode as a bird. Suttung also took a bird form and flew after
Wóden.
Wóden reached the Ésaġeard and his enemy was burnt, losing the ability of flying, and dying in
the ground. Thus, the ése have got the mead of poetry and inspiration again, as their sacred
beverage. If one wants to please the gods, pouring mead, ale or any alcoholic drink for them is
always a good choice.
After that, Ingui Fréa sent a messenger to the underworld and he asked Nerþus to marry his
Lord. She wasn’t so inclined to do that, but she had to accept it to avoid being cursed. Ingui
Fréa gave her his sword and became an ós of friþ and prosperity, ensuring that men could have
good crops, happiness and abundance if they gave him offerings. Thus, men then learnt that
when they give gifts to the wihta or to the ése they receive something back, and that their
mæġen was increased, allowing them to live better.
Mona was also an important ós. Since elder times the inhabitants of Middanġeard have learnt
how his light and his dance around Nerþus was important; how the crops and the seas were
influenced by his dance. For many times people waited for the correct of his phases in order to
take advantage of his mæġen; and there are wise men and women that developed a complex
knowledge on how to use its mæġen in the most effective way.
When the first tribes emerged, Tíw came to Middanġeard, the God of Justice also loved the
mankind; he taught them to gather themselves to make decisions; he is the sacred moderator of
the þing. No man is allowed entering the sacred space of the þing carrying a blade or a weapon;
they must keep friþ among them in that sacred time.
The kings and chieftains also had to learn to be the child of the people instead of its dictators.
The men had to learn how to follow by merit and by deeds, to follow by virtue and courage; to
be aware and to discuss politics, as well as to rebel against the tyrant leaders. Tíw also taught
them to sacrifice the chieftains unable to keep friþ, and to avoid being controlled without right to
participate in the political decisions that affect a cynn of a man or woman.
There was a time when a malicious éoten, Sceaþa was his name, snatched a warrior king’s wife
of a Ingaevonic tribe. The king and his men have looked for her everywhere, but they couldn’t
find her. Sceaþa hid the queen underneath a mountain, and there they lived for many years.
The queen then mothered a daughter, and she gave her the name of Æðelþryð, which means
“noble strength”.
Æðelþryð had all the characteristics of a noble, and she was a pretty girl, though she also had
an éotenisc strength and courage. When Tíw came to the Ingaevones, he also disguised as a
wolf to wander and hunt in the woods. He was looking for boars, and then he found a place
where the fattiest of them were found. But there he also found Æðelþryð with a spear; she was
dressed in wolf skin, and her face was painted with wolf blood.
Soon the hunter was turned into the hunt, and the fearless girl began to chase that bold wolf.
Æðelþryð offered a fight to Tíw in his animal form, and the fight was so harsh that he was
almost deadly wounded. Then Tíw has shown her his shining human form, as he was
impressed for her skill, strength and nobleness. She offered him mead, for she noticed that he
was a noble warrior.
Æðelþryð told to Tíw that his mother taught her about her nobility, and her éotenisc father
taught her how to fight. She then has avenged her mother by killing her father, but she wasn’t
comfortable enough to live among the Ingaevones, for she was violently stronger than any man.
They then loved each other, and they had a daughter: her name was Hréðe, and she became
the Goddess of Wrath and Victory.
Then Tíw made a dwelling for Æðelþryð and Hréðe at the top of that mountain. Hréðe then
captured a white wyrm and took care of it; thus, the wyrm became the symbol of her strength.
The wyrm warded the weapons that Hréðe got in battle and took to her abode. Like her father,
Hréðe could fight in the form of a dreadful wolf.
Fríġe and Wóden had many sons. The first one is called Seaxnéat, the “knife companion”.
When Seaxnéat was born, Wóden left him among white horses, and then he had to learn how to
live with but a knife. He grew up and learnt how to understand and how to ride horses; and he
became a fearful warrior.
Then, Hréðe and Seaxnéat found each other; they have married, and the Saxons were born
from them. Seaxnéat gave the seax to the Saxons, their sacred one-sided blade that make them
so powerful. He taught them how to fight and how to rule; he taught how to ride and take care of
the horses; he gave them their first sacred warrior king, Ġesecg, and Seaxnéat also taught to
the Saxons their tribal þéaw. That’s why he is called alternatively “companion of the Saxons”.
Seaxnéat also taught to his people that mæġen could be then even a political or personal might
and influence, but mæġen was also a spiritual force, manipulated through hidden arts by
witches and spirit workers, or even a force used by warriors, specially the wulfheodenas. Hréðe
was a giver of a violent mæġen, and that was the reason that the ancient Anglo-Saxons offered
sacrifices to her.
Seaxnéat also ordered that the Saxons built a great column, a pillar where they could leave
offerings and easier contact the ése and their ancestors. This was called Éormensyl, like the
world tree, as it was made with the same function, and it was worshipped for many times, until
Charlemagne have destroyed and plundered it.
Seaxnéat also has shown how to build strong houses, and how to build wide meadhalls to
gather people within them; he told about the importance of boasting about good deeds and
toasting; it was Seaxnéat that taught to call upon the twin horses Hengist and Horsa using
double horse-head gables to ensure the protection of an enclosure against evil witches or
harmful wihta.
As the ós of the tribe, Seaxnéat also taught to men how to be a good þingere, or spiritual head
of the family, how to take care of their families; he told children how to take care of ancestral
wisdom as well as the old how to be wise and pass their knowledge through. Seaxnéat told their
sons histories around the hearth, and about the importance of the fire in their lives.
Therefore, the home became a place full of mæġen. Sometimes people buried a deceased in
the foundations of the home; and then he became a protector of that family. Sometimes a wiht
choose to live among humans. In both cases, they began to develop a kind of relationship
based in reciprocal help; and this kind of wiht is known as hob.
It is often seen as a small person, bearded or even hairy, sometimes with a red cap. This being
could help the human family he has chosen to live with if that family please him with good food
offerings, but sometimes can be mischievous, if disrespected or not rewarded. This close
relationship is very important in daily life, and a house wiht has no less importance in human
daily life than an of the ése.
Fosǽta was another of Wóden’s sons with Fríġe. He was the god of justice, and he is said to be
so righteous that in every men’s strife he can find a peaceful solution that both parts agree and
feel rewarded. Bealdor was the most shining god; he was also a son of Wóden and Fríġe
though he was cared for Sunne and accompanied her many times, for what he earned his title.
The death of Bealdor is the first signal of the collapse of the world as the ése designed.
Wóden rather than being a superfluous king, is a wanderer, looking for knowledge. Even if
Wóden is a true Ring-Giver, exchanging mæġen with these loyal to him, he knew about herbs,
how to use and how to cure; he even hanged in Eormensýl in order to create Thyme and
Fennel; thus, he sent them to the seven worlds.
Wóden was a Leechcrafter and he taught the herblore and leechdom to mankind. He also learnt
seið from his wife Fríġe, for what he was widely condemned as it was considered effeminate,
but Wóden didn’t care too much about it: he was looking for more mæġen, and this gave him
mæġen. Fríġe also told to Wóden the Orlæġ of all men and other wihta. Fríġe, as the mistress
of the wælcyrian, divides half of the war slain that they collected for her, and they are sent to
Wóden’s hall, where they fight each day.
Wóden also drank from the Well of Wisdom in Éotenham, even if Mími, the Warden of the well,
asked to him his own eye as payment, and then he became known as the One Eyed Grim
Wanderer. Wóden also has two crows whose names mean “Thought” and “Memory”.
As the Lord of the Dead, Wóden is the psychopomp, the one that guides the deceased to Hell.
In the most powerful liminal time of the year, the Wild Hunt, Wóden open the doors of the
underworld, bringing the spirits of the dead with him, in a journey through the skies that lasts
until the Ġéol. In that time of the year the boundaries of the seen and unseen are very blurred,
and the otherworld participates more actively in the life of the inhabitants of Middanġeard.
Wóden was also the one who found the runes and he gave them to mankind. He was said to
have hanged by himself in Eormensýl for nine nights and nine days until he discovered the
runes.
While Wóden was looking for wisdom, Loc was looking for power and betrayal. He was gone to
the Iron Woods; and there he met the wolves and the éoten witch. Far away from his own ġeard
he planned to attack it and break its friþ; Loc worked to destroy the order of the ése; he then
had three sons with the witch of the éotenas: the giant wolf Fenndwellende and the serpent
Éormengand.
When the ése learnt about that, they attempted many times to chain the terrible wolf
Fenndwellende; which can’t be made without Tíw losing his hand in an act of treachery and
sacrifice to keep the order of Orlæġ, avoiding that the doom of the world happened earlier than
it must happen.
The ése called upon the help of the dweorgas which made a magical chain; it was so thin that
even Fendwellende thought he couldn’t break it easily, so Tíw had to put his hand in the mouth
of the beast, which swallowed it when he can’t break the chains. It is said that the wolf will
swallow Wóden in the final day, before being killed by a son of Wóden, Wídhár.
Éormengand was thrown in the deeper oceans, and Þunor became its enemy; as it was a
savage and hateful being of the sea, Þunor attempted to kill it many times, but it is said that
when the final day come, Þunor and Éormengand will kill each other.
But some dead also could live in Neorxnawang, in the upper world of Ælfham. In that region
those that were cremated or were specially powerful or honored in someway could live among
the ælfe cynn and even become one of them; there they lived in friþ and also helped with the
fertility of the land and the wealth of their cynn.
From the otherworld, the dead also send mæġen and are often sought for wisdom by the living.
Powerful ancestors take care of their descendants in Middanġeard, helping their lives and
making them happier and more prosperous. The living often leave them offerings of gold, food,
or anything valuable to the dead; thus the ancestors gave to their relatives something back in
return.
Nevertheless, Hell also had a place of punishment, because those that are unfair with their own
cynn, lying, breaking oaths, killing their own kinsmen were sent to Wyrmsele, where the serpent
Níþhéawere swallow them. They weren’t considered good enough to spend their lives among
the honoured dead.
XVIII. Wéland
There is also a cunning smith, Wéland is his name. He married a wælcyrġe, which after some
time left him, but gave him a ring. He then forged seven hundred duplicates of that ring.
However, the king Niðhad captured Wéland when he was sleeping, and ordered him hamstrung,
and imprisoned him, forcing him to work.
Wéland had his sword stolen by the king, and the ring of his wife was given to the king’s
daughter. But Wéland killed the king’s sons in an ambush; he then fashioned goblets from their
skulls and jewels from their eyes and a brooch from their teeth. When the king’s daughter took
the ring for mending, Wéland raped her, fathering a son. He then flew away using wings made
by himself. But Wéland also forged many of the mythic weapons that men brandished.
There was a time when Hengest and Horsa were allowed for Sunne to come to Middanġeard as
humans. They did so as brothers; at that time the Germanic tribes were wandering, fighting, and
conquering new lands. Hengest and Horsa were powerful chieftains among the descendants of
the Ingaevonic peoples.
At that time, in Britain there were many wars, and the Brittonic king Vortigern invited Hengest
and Horsa as auxiliary troops against his enemies. They then told about a land which was once
inhabited by éotenas which built great towns from stones. They taught the Angles, Saxons,
Frisians and Jutes how to sail and they crossed the sea to Britain.
After settling in the Isle of Thanet, these tribes were offered provisions to fight as mercenaries.
Some night, Hengist made Vortigern be drunk and then the Brittonic king wished to marry
Hengist’s daughter; the marriage happened and Hengist has increased his influence over
Vortigern, he even has brought more and more Germanic troops to Britain.
Hengist and Horsa fought against Vortimer, son of Vortigern opposed to his father’s alliances
with the Saxons, in which at the third of four battles, some say that Horsa was slain, alongside
Cartigern, Vortimer’s brother. At the fourth, the Saxons were pushed back, leaving Britain.
Shortly after, however, Vortimer dies, and the Saxons and their fellow tribes come back again.
Offering peace, the Saxons met Vortigern, and then they had seaxas hidden under their clothes.
Hengist shout out “nemet oure saxas”, get your knives; and they then kill all the kingsmen and
made Vortigern captive. There are accounts that Horsa was killed this night, though. Some
battles later, Hengist was captured and killed. Hengist was also the first king of Kent, the Jutish
kingdom of England.
The Britons fought good, but in any case, they lost Britain, which is now most part of what we
call England; many powerful and honoured warrior kings lived there with their peoples, like
Ċerdiċ, the first king of Wessex, Æscwine, the first king of Essex, son of Ġesecg, son of
Seaxnéat, Ælle, the first king of Sussex, Ælle the first kings of Deira, in Northumbria, Esa, the
first king of the Bernicians in Northumbria, Wehha, the first king of East Anglia, Icel, the first king
of Mercia, as well as the Mercian king Penda and the latter Anglo-Saxon king Ælfréd the Great,
which defended his kingdom from the Viking invasions, developed the education in England, as
well as improved its legal system and military structure.
Ċerdiċ landed in Hampshire at the end of the V century CE, followed by his son Cynric, in five
ships. There they fought the Brittonic king Natanleod; and latter established the house of
Wessex. He also conquered the Isle of Wight.
Icel gave his name to the Mercian house of the Iclingas, and he is Anglian in origin. He is said to
be son of Offa of Angel, a powerful warrior king of the Migration Period, husband of Modþryð,
son of Wermund.
The Warrior King Penda was a dreadful Heathen chieftain in a time when most of kings were
converting to the Roman culture. He achieved victory in many important battles, becoming one
of the most powerful tribal kings of the history of England.
Penda killed king Edwin in 633, and nine years later he did the same with his successor,
Oswald, in the Battle of Maserfield. Penda dismembered Oswald’s body, placing his hands,
head and members onto stakes. He also suddenly won the battles against the kings of Eastern
Mercia and he exiled the king Cenwalh of Wessex for three years. Penda lasted until a battle
against the successor of Oswald, when he lost many of his warriors to a flood in a river.
There was a woman called Mæðhild, she felt in love with Ġéat. But she foreseen her own Wyrd
and she knew that she would drown in a river. Ġéat, however, said he would built a strong
bridge over the river. But Mæðhild knew that no one could escape Wyrd. Thus, she had to cross
the river, and then the bridge collapsed. Ġéat, in his despair, took his harp and played it so well
that the spirits of the underworld were touched by it; then some say that Mæðhild floated alive,
some say that she did it already dead. After burying her, Ġéat then made new strings for his
harp with his beloved’s hair.
XXII. The Legend of Beowulf and the End of the Heathen Times
Beowulf is also a legendary hero; probably descending from the Swedish clan of the
Wægmundingas, he was son of Ecgþéow, which fled to England after killing Heaðolaf from the
clan of the Wulfingas. The king Hróþgár, husband of the queen Wealhþeow, then paid the
wergild for Ecgþéow.
Hróþgár then built a great meadhall called Heorot, but it soon attracted the jealousy of an
útanġeard’s beast: Grendel, the dreadful monster. He then began to attack Hróþgár and to kill
his people, turning impossible for them to gather themselves together in order to enjoy the
king’s mæġen. The people then left offerings following their ancient þéaw, asking for the help of
Wóden, as the Killer of Souls.
Wóden has heard their prayers. Then the Geatish hero Beowulf crossed the ocean with his
warband. Beowulf heard about the suffering of Hróþgár, and, as son of Ecgþéow, he felt the
obligation of returning a favour. Beowulf swore to Hróþgár that he would kill the monster, at the
time he has the chance to meet it.
Beowulf did it as he said, and Hróþgár gave him many gifts; they didn’t know that Grendel had a
mother though. After going to the underground cave of Grendel’s mother after her attacks,
Beowulf also killed her using an éotenisc sword he found there. He then was gone back to his
land.
There he became a king, and he ruled in friþ; bringing prosperity for many years, until the day
that a dragon woke up and began slaying his people; then the hero once again took his sword
and kill the útanġeard’s monster, but this time Béowulf was deadly wounded and poisoned,
dying after slaying his last enemy to keep the honour and friþ of his people.
The mighty Mercian king Penda was the last warrior king of his original Anglo-Saxon þéaw.
Maybe one of the last events that gave the Anglo-Saxons that feeling of old times was the Battle
of Brunanburh in in 937, when the king Æthelstan expelled both the Celts and the Vikings from
England, giving to the Isle much of its modern political form. But probably the most important
part of that time was already lost. That battle fury was probably given by the old ése of a not so
far time, at that moment.
In this new age, the followers of the old þéaw sometimes suddenly became lost. This happened
for many reasons, but some of them were turned into an eardstapa, a wanderer. These
wanderers were forced in the wræclastas, the “paths of exile”, sorrowfully facing their own Wyrd,
once all joy has died.
From a þeġen or an æðeling, a man then became an ánhaga, a “solitary man”, suffering for the
death of his warrior fellows and his lord, lost in a world that had no place for him. This solitary
man realizes that he lost many of the meadhall culture’s pleasures, like the gift-giving, the
loyalty of his lord and his companions. He thus ought to hide his thoughts, in order to keep his
customs.
This kind of wanderer then might become a modcearig mann (a man troubled in mind),
meditating in how harsh life is, how the killings shaped his life, and how to survive as a foreigner
in that new order. Wyrd could also be ruthless.
The wanderer then would notice thus that the world has changed; all the glory from the past was
dead and the old þéaw didn’t exist anymore, nor do the treasures, feasts, battles, nor even the
horses, in one word, that whole culture is dead: he then achieved to be a snottor on mode, a
“wise man”, though it seems to be a bit pessimist and hopeless state of being in a post Anglo-
Saxon heathen world. That’s what the absence of the old þéaw led the wanderer to feel.
After the Roman religion was imposed, the Dark Age started. But the end only marks a new
start point. That was overcome, so this may be. Nature and time are cyclical. The actors may
change, but the roles are the same. The seed was left and forgotten for many centuries, but
now is the time to make it grow again.
It is said that one day Loc and his útanġeard’s beasts will finally come and attack the ése, with
Syrt and the fire and ice éotenas, as well as the foolish þyrs, and many ése will die, as well as
the world will be burnt and renewed, as it is designed by Wyrd. But the land is still alive and
plenty of wihta, our ancestors are still responding our calls and the gods are still fighting and
making the land fertile. That day haven’t come yet.
Post scriptum:
Of course, I don’t intend this became the only attempt of reconstruction of Anglo-Saxon creation
myth.
Special thanks to Richard Patten from Fyrnsidu Facebook group that helped me a lot with many
Old Norse to Old English names.
Yes, there is a lot of Norse lore here. This is not my fault that Anglo-Saxon lore is so
fragmentary. It is better to mix some Norse lore with Anglo-Saxon lore than creating from
nothing. I haven’t brought Norse concepts most of time. I just used Norse characters to reflect
Anglo-Saxon values, attested in Anglo-Saxon sources.
Yes, everytime that I found any Ingaevonic or Anglo-Saxon version, I have chosen it over Norse
or PIE.
This is a story. Keep that in mind. We have almost no preserved data to build a perfectly Anglo-
Saxon story. Therefore, I thought that it was better to became as closer as I could. Of course,
“closer” is a very subjective thing. But every single tale of the heathen period of Anglo-Saxon
England I know is there.
I attempted to avoid that any of the ideas inserted here contradict the lore, but sometimes I
made some additions to things that can’t be proved nor denied.
Tíw is here fulfilled with Dyḗus Ptḗr and the Norse Týr.
The Vanir and the ælfe were renderized in one tribe, following Turville-Petre and Ellis
Davidson’s suggestions.
Myspell as a concept may be supported not only by Norse Musspell, but also by Old High
German late concept of muspilli and the Old Saxon concept of mutspelli or mudspelli, a kind of
destructive force, a thief of the night, associated to the end of the world or a final judgement. In
these contexts the concepts are widely Christianized, though they seem to bear a pre-Christian
origin in themselves.
Yes, Sunne and Mona myths were adapted to fit in our modern understandings of astronomy. It
seems unlikely that the Anglo-Saxons of yore would rather prefer a wrong knowledge when they
knew how the things really happened.
Por Seaxdēor
O ano de 2017 foi grandemente conturbado. Houveram grandes discussões nada amistosas,
amigos bons vieram, amigos ruins se foram, e muito foi dito em dados sobre paganismo no
Brasil. Aqui, do agreste alagoano, eu pude passar por um grande processo de evolução
pessoal, ao mesmo tempo que estudei, pratiquei o paganismo, pude encontrar minha
identidade religiosa após tantas experiências.
Ano passado decidi iniciar a sacralização pagã do meu lar, e esse processo, a despeito dos
problemas com a família cristã, a despeito da ausência de mais heathens na minha região, foi,
no fim das contas, positivo.
Iniciei uma busca pelo caminho ancestral dentro do paganismo germânico que mais fosse
capaz de refletir minha essência, tanto material quanto espiritual. Isso se evidenciou em duas
mudanças que fiz, não no nome, mas no dialeto em que o nome do meu lar se encontrava:
de Sunnōniz Fulka Herþaz, em proto-germânico, objetivando uma prática mais ampla de
paganismo, para uma tentativa com o Sauilaþiudōs Haírþō, em gótico, refletindo a tentativa de
um paganismo mais focado em suevos e visigodos, germânicos envolvidos no processo
cultural de formação do Brasil, até Sunnanfolc Heorþ, em inglês antigo, refletindo minha opção
final pelo paganismo anglo-saxão.
Não foram três desistências. Na verdade, da ideia inicial proto-germânica e da ideia suevo-
visigoda muito foi trazido, e a escolha pelo caminho anglo-saxão não se fez de forma fortuita,
na verdade o paganismo insular sempre esteve no centro de minha prática. O caminho que
escolhi na verdade é um fyrnsidu (heathenry anglo-saxão) com elementos culturais visigodos,
suevos e nativos do Brasil e do nordeste brasileiro, buscando aqui valorizar todos os elementos
mais importantes para mim neste caminho espiritual. O fyrnsidu que pratico certamente não é
igual a um do século V-VII na Inglaterra, mas creio que poderia ser praticado por um anglo-
saxão pagão vivendo no nordeste brasileiro. É uma proposta ousada, mas a qual pretendo
explicar melhor em outra ocasião.
Muito precisou ser entendido pra chegar onde cheguei. Não sou superior a ninguém e nem de
longe líder de nada. Mas eu creio que estou satisfeito com meu caminho. O culto aos wihta da
terra, hob, deuses e ancestrais tem sido uma dificuldade graças aos que não entendem e o
criticam — e se chamam de pagãos –, quanto por, às vezes, ausência do básico em estrutura e
tolerância no âmbito interno. Praticar uma religião pagã na modernidade não é uma tarefa lá
muito fácil, quando você quer se afastar tanto do cristianismo.
Ofertas deixadas em 16 de dezembro de 2017, com parte da nossa colheita de milho para Ingui
Frēa, e pão para o hob.
O fato é que nesse quase um ano de culto doméstico, nesse quase um ano de contato direto
com a espiritualidade familiar, local, e cuidado do meu innanġeard, eu tenho muito que
agradecer. Talvez evitaria alguns confrontos, se dependesse exclusivamente de mim. Mas não
daria um passo atrás. Viver o paganismo é uma forma de resistência. E espero que mais
pessoas que um dia estavam se sentindo vazias, como eu, por estarem solitárias, talvez
possam através do culto doméstico encontrar um pouquinho do que lhes falta, como eu
encontrei. Relacionar-se com os espíritos que nos rodeiam em nosso próprio lar e família é,
certamente, um dos pilares do paganismo no século XXI.
1. Our Heathenry
Basically Heathenry, according to the practice of our *hairþō (hearth), is based over what was
transmitted to us through several historical documents of many Germanic peoples. I decided to
use this broad, but not so broad, approach to a more vivid practice. As time passed, I realized
that many customs were more common than peculiar to each tribe, even though they were cited
only in accounts of Franks, Saxons, Anglo-Saxons, or Norse peoples. I realized that, with great
care and insight, I could take much of the accounts of these peoples, and even draw inspiration
from the Aldsido of the Franks, and the Fyrnsidu from the Anglo-Saxons, or Firne Sitte from the
West Germans. However, I discovered that something really turned to my own Ancestors, if not
mainly blood, but cultural was also possible. Among these Ancestors, the following Germanic
peoples provide an Ancestral focus for those who live in lands with Portuguese or Spanish
culture: Suebi, Visigoths and Vandals. Thus Alþeis Sidus (from Gothic, meaning “Old Customs”)
is the way I call the form of Heathenry that Sáuilaþiudōs Haírþō practices.
Alþeis Sidus is a heathen religion because it moves away from the urban, individualistic, racist,
or what kind of modern ‘ism’ we recognize and kick out from our thought patterns and ways of
acting. We are a religion based in culture and worldview rather than faith. Alþeis Sidus is thus a
reconstructionist and mainly tribal, orthopratic and heathen religion and set of customs, as well
as a way to relate to the human and other-than-human community.
***
A quick discussion about these peoples is needed. The Suebi are often confused with the
Alamanni, and with several other West Germanic tribes. Although there is a region in Germany
that is still called Swabia (Schwaben) that speaks the German dialect Schwäbisch, I believe that
the name “Suebi” was used by several different tribes, and does not necessarily refer to the
same tribal group: it seems that the tribes themselves already had this sense of return to the
old, and that several tribes assumed “dead” denominations such as “Suebi” to revive a kind of
tribal identity. At some points, however, the denomination “Suebi” became a synonym of
“Germanic” or “Teutonic”, in the wide sense, comprising all Germanic tribes.
The Suebi as a confederation of West Germanic tribes was formed, at least during some time,
by the Alamanni, the Angles, the Aviones, the Bucinobantes, the Buri, the Eudoses, the Gotini,
the Gutones, the Jutes, the Juthungi, the Marcomanni, the Marsigni, the Nuitones, the Onsi, the
Quadi, the Reudgni, the Rugii, the Sedusii, the Semnones, the Sithones, the Suardones, the
Suarini and the Suiones. These tribes weren’t together all the time; rather, they joined and
quitted the tribal alliance when it was necessary to them, and the denomination in its latter times
was somewhat fluid. But I do believe, due to my current state of research, that the Suebi where
firstly a single people that had its ethnogenesis in Swabia, and their descendendants, after
dispersed in many newer tribes, gathered themselves together again due to the preservation of
some cultural, ethnic and linguistic resemblances and joined some allies and revived the Suebi
in a similar manner we aim to do in the present day. During Caesar’s time, a group of Germanic
peoples that settled in the area from the Central German Uplands and towards the Baltic Sea
was called the “Suebi”. Many Germanic tribes like the Chatti, Cherusci, Marcomanni and
Hermuduri were seen as Suebic people by the Romans and they were both famous and feared
for their fighting skills in Caesar’s day. It seems that some of the last peoples to take the
denomination crossed through the Rhine, the Gaul (todays France), Hispania, finally settling
mainly in the westernmost part of the Iberian Peninsula, between Hispania, Galicia and
Lusitania, with the Vandals and the non-Germanic Alans. The Kingdom of the Suebi lasted in
the Northwest for near 200 years, created in 409 of the Common Era, and our initial focus was a
purely Suebian Heathenry, mainly by the fact that *Harimanrih (Hermeric, died 441) was still
heathen when he established his kingdom. However, linguistic, religious, and cultural records of
the Suebi were practically lost, and there is not much more than a few tatters of the presence of
the Suebi in that region.
As time passes, the Suebi expanded and dominated neighboring peoples, possessing much of
the Iberian Peninsula. After the departure of Alans and Vandals to Africa, I believe that the
second group has not been completely vanished in the areas neighbouring the Kingdom of the
Suebi, then I believe it is important to remember them in my practices. If the Suebi dominated
the Northwest of the Peninsula (Galicia), the Vandals were mainly in the Southwest (Lusitania,
which comprises most of present-day Portugal).
However, the Kingdom of the Suevi was conquered in 585 of the Common Era by other
Germanic people: the Visigoths. The Visigoths began the process of conversion to Christianity
by crossing the Danube River (in 376 of the Common Era) and they were admitted as refugees
in the Roman Empire, expelled from their land by the Huns. Although we can trace (with some
uncertainties) a common genesis to Goths (who later divided into Visigoths and Ostrogoths),
Jutes and Geats (all names have strong etymological links beyond geographical proximity) to
the island of Gotland in Scandinavia, remnants of their heathen traditions are almost completely
lost, except for the mention of *Gáuts, the tribal God of the Goths, from whom a connection can
be made with the Proto-Germanic *Wōdanaz, which gave rise to the many variants of the god
Odin among the various Germanic tribes. However, concerning the Visigoths, we can appeal
to Origin and Deeds of the Goths by Jordannes, which, although late, and demanding much
care in its use, can serve us for historical purposes.
Thus, what is the present day Portugal has this triple Germanic influence: Suebian, Vandalic
and Visigothic. As none of the peoples we seek have their identity preserved, in Sáuilaþiudōs
Haírþō I chose to consult the Bronze Age and the Nordic Iron Age, adding to it comparisons with
the records of the other Germanic tribes. Our goal may change over time; however, we try to
recreate parts of the culture and worship of these three peoples in order to create a tradition
that, although hypothetical, fulfills the needs of the ancestral seek of the Germanic cultural
origins of the Brazilian (and Portuguese/Galician) Heathens.
At first glance this seems rather paradoxical. Nevertheless, we consider some factors to reach
such decisions: (1) the Suebi had two heathen kings who founded one of the first Germanic
kingdoms in the Romanized West; (2) the Vandals probably dissolved among Suebi and not
only among the Alans; (3) the Visigoths, although they are the last Germanic to settle in Iberian
Peninsula, they already do so after centuries of Christianity, both Aryan and Catholic Roman.
Thus, we do not believe that there is a Germanic “single heathen identity” to appeal to — mainly
because it is impossible to determine for us older and colonized Brazilians from which of these
peoples comes the greater “quantum” of influence, whether cultural, or biological. And, indeed,
we have even discovered that this is of little relevance. We do not have enough records of any
of these peoples to reconstruct one in a peculiarly different way from the other in their
culture/customs (sidus). Also, from a tribalist perspective, we focus in the cultural not only in the
genetic heritage.
***
When we say that the Suebi and Visigoths haven’t enough sources to provide a reconstruction
of them, it is not to say that they haven’t any attestations at all. There are some works covering
the remains of Suebic Kingdom (toponyms in most of cases), and a plenty more of the Visigoths
from Scandinavia, through Eastern Europe, to Iberian Peninsula. But they cannot, alone,
provide enough data to rebuilt a culture.
We have then two options: (a) work alone with the scarce remains, using our worldview, which
is, of course, Western and Christianized, or else (b) we can put together all those remains, like
an archeologist gathering the few old bones he found, which are incomplete, looking towards
the rest of the so-called Germanic peoples and assuming that Suebi and Visigoths were also
indeed one of them, and then sharing several characteristics, to organize the bones, and
looking to each part of the data we found, adding external data found in Germanic or tribal
peoples as well as some other ethnic religions in order to dechristianize our sidus and
worldview, replacing it with a reconstructed heathen one.
It is worthy to note that we have no choice. If we haven’t filled those gaps with heathen and
tribal data, it would be automatically filled with the Western ideas we are already familiar.
We haven’t added data from other peoples in a random manner. We haven’t considered but the
similarities, but firstly the differences between the peoples we used for comparison. That’s why
our sources varied so much: if we compare a people of Germanic culture to another which is not
Indo-European, probably they’ll have only one or two things worthy enough to provide help in
understanding the culture of the Suebi and Visigoths.
(1) Gather information from Suebi and Visigoths. Remove the strictly Christian influence as
much as possible. Suebi and Visigothic data is the most important source and can be never
contradicted by the compared data used in the next steps;
At this point we have some deities, heroes and History and a festival. It wasn’t enough to revive
a practice.
(2) Compare that data to general attested Germanic peoples, being sure to left alone the
Christian influence in those sources as much as possible. Fill the primary gaps with those
informations;
(3) Compare that data to proto-Germanic reconstructed data. Then proceed an analysis of what
in that culture is still relevant in Gothic and Suebic or Allamanic culture;
At this point we have the whole pantheon, and the whole foundation to build up our home
practices walls. What we gathered outside here was nothing but data useful to better interpret
and deepen the meanings of the gods and practices we have found.
(4) Compare that data to Proto-Indo-European reconstructed data. Then proceed with an
analysis of what in that culture is still relevant in Gothic and Suebic or Allamanic culture;
At this point, we detailed the functions of our gods, we tied all the data with the PIE thread, we
developed our practice almost fully. Thus we already have a body about 60% reconstructed.
Everything that came outside this was but a ‘tribalization’ and ‘ethnization’ (be sure you
understood we are not referring to the racist definition of ethnicity) of our sidus.
(5) Using the already gathered data, we then researched how living or later tribal cultures or
ethnic religions understood some concepts that were basic in Germanic worldview but didn’t
survived in a detailed way through the written sources and can’t be recovered through
archeology in order to clean the mindset as much as possible from the Christian framework;
At this point, having developed the core of our worldview, practices and the religious aspects,
concepts like ‘animism’ and ‘Ancestors’ worship’ were deepened, and they reshaped our
worldview and sidus. It could seems somewhat odd to other reconstructionists gathering so
many external sources. But we used them between the strict limits imposed by the Germanic
sources.
(6) Compare the body of practices and worldview to other reconstructed forms of current
Germanic Heathenry like Fyrnsidu, Firne Sitte and Aldsido and Proto-Indo-European
reconstructionism;
At this point we already have more than 90% of the sidus, worldview and deities reconstructed.
We then developed some points, and aligned others. This was like painting the new house
made to function and be like the old one, not only to look like her.
At this point we had built an European Alþeis Sidus. But Sáuilaþiudōs Hairþō is a Brazilian, a
South American hearth. Even if we were Europeans, we would have to gather local information.
There is nothing wrong with that. All the regional and familiar data we’ve added to the worldview
of our *hairþō is strictly necessary, since it (a) doesn’t change the core of the old heathen
practice and (b) it stressess the localism and living aspect of our sidus.
So, everywhere you find a mention to another culture: be sure, we are not a doing mix-and-
match religion. This is the way we find that Alþeis Sidus would be as similar as possible to the
religions and cultures developed by Suebi and Visigoths in their heathen times. If a Suebic or
Visigothic person was alive he or she certainly would point to some errors. But our intention is
not to build a ‘personal’ wiccan-like religion, neither a UPG-based religion. However, it doesn’t
mean that there is no place to develop the practice, where it is needed. We haven’t added
anything in our sidus in a randomic manner.
Once we’ve decided that comparing was a fundamental part of our reconstruction, we have to
decide how we can use the compared data. The esoteric way of using compared data is by
pleasantness. You gather and mix together everything you find ‘cool’. In most of cases it is but
related to pantheons. We are not saying that one cannot proceed that way; we are just saying
that this is not our way to proceed.
Everywhere we used compared data, it was supported by anthropological and historic data
concerning the Germanic tribes as a whole — thus we gathered informations to deepen our
knowledge of attested Suebic, Visigothic or Germanic attested ideas. However, many points we
covered weren’t treated before in a so deep way by reconstructionists simply because Germanic
sources doesn’t cover them so deeply.
In Alþeis Sidus we can’t become satisfied by saying that “we worship our Ancestors by
practicing their religion”. It is not to say that our way is the only way. But we really had the desire
of understand and practice that tribal customs in a far more close way to what our heathen
Ancestors probably did, instead of judging such practices as odd (through Western and
christianized lens!!). In every place where we can’t replace a Western or Christian concept with
a Suebic, Visigothic or Germanic one, we haven’t hesitated to use a tribal one instead. In our
understanding, this is better than keeping Christian prejudices and thought patterns.
Our idea, however, is to recover and reconstruct the identities of Suebi, Vandals and Visigoths
as much as possible. From Proto-Indo-European, Proto-Germanic and anthropological studies
we got our guiding informations. However, rather than reconstruction, reviving the paganism of
such peoples is a recreation, as it is the fusion of a triple identity which was not united in
Heathen times.
Relational personality — Instead of the ideia of single and totally unrelated individual relatives
in the human community, we place heavy importance in strenghtening the links between our
family and friends, building up a communal soul, a relational personality, instead of an individual
one. We understand that each one of us are just a part in the whole tribe, and that even those
parts can be spiritually divided in various semi-autonomous beings, culminating in a ‘dividual’
perception of the existence, based in the co-dependence of every single member of each
tribe/*innagards and the waíhtōs around them.
Animism — We assume animism as the basic and initial premise of our worship. At the basis of
our worldview is the idea that every single material being (stones, trees, natural events, clouds,
etc.) is inhabited by a waíhts (wight), which gives it life and personality. This idea causes the
need to respect all the things around us and relate with them in their terms, through offerings
(do ut des), in order to keep the *freiþs (from Old Norse friðr) of our enviroment. Alþeis
Sidus, however, is a non dualistic religion, what we call ‘spirit’ through this text is not what
Western society commonly understand as a spirit, but, more properly, a principle of animation,
that is common to every single being, not only what Westerns recognize as living.
Ancestor Worship — We honor our dead Airizans (Ancestors), those ones who came before
us and brought us to Midjungards. We keep the link between us and them alive, because they
are alive within us, they worked in and shaped the land we live. They fed our parents, they have
cared for their children when they became diseased, we couldn’t even be here without our
Ancestors. Happy Ancestors that are regarded by Their descendants in rightful way could also
ensure the plenty of their relatives. Also, the very importance that Suebi, Visigoths and Vandals
have in our *hairþō is due precisely to the fact that we place Ancestors worship as an essential
point of our set of customs. We worship our closest ancestors, our directly blood family, and the
collective spirit of ancient tribes. We know that the Amali dynasty deified their ancestors, the
Ansis (Æsir), and that the Tervingi opened battle with songs of praise for their ancestors.
Heroes Worship — It was genuinely a part of Ancestors worship in the religion of the Elder
Germanic Heathens. But in Alþeis Sidus we developed it a bit more to accomodate the need of
receiving external examples from people considered worthy of honor, not only the traditional cult
of those ones considered (semi-)legendary heroes and tribal leaders and warriors such as
*Mannaz, *Harimanrih, *Aþanareiks, *Alareiks, Irmin, Ariovistus, Háma, Vidigoia and so on.
*Innagards and *ūtagards — We consider our family (both heathen and non-heathen
members of it) as the main part of our *innagards. Added to it are all those who help us, who are
mainly heathen. It is the ‘we-ness’ or identity concept. This is not racial but relational. In the
*ūtagards we understand all those who oppose us or those who do not play any positive role
with us. This is the concept of otherness. The former (*innagards) we honor and protect as our
own, the latter (*ūtagards) are not part of our scope of concerns. They are not good and evil, but
rather a fellowship spirit based on law and mutual respect that is shared within
the *innagards but not safely recognized outside the group (*ūtagards).
Gifting Cycle — For both gods and (land or house) waíhtōs, Ancestors, as well for the living,
we try to maintain a cycle of mutual help and reciprocity in order to protect the spirit of our kin.
The gifting cycle provides the exchange of mahts and then it can strenghten bounds and the
people or beings linked by them.
The continuity of the soul — Death occurs because some of the entities of the #hamr# split
up from the other ones. We do not live thinking in afterlife punishments or remunerations. Death
is not a rupture, it is a continuation. What now lives was then dead, what is now dead, will live in
the future. But we do not believe in individual reincarnation, since we do not believe in an
individual spirit itself. Although some soul parts which inhabited someone can find a new human
body, not all of them do it so, and it is quite unlikely that the various parts of what we call “self”
in modern society could then be found in a new human, moreover if the most individual of them
stay in the body until it is totally disintegrated in the Earth. If you live in a honored manner,
keeping good relationships with your own kin, you’ll probably have a good and peaceful life in
the underground as an Ancestor after your death. If you died in a violent manner, and your body
was destroyed or burnt, some parts of your body may go to *Walahalla, the hall of *Wodans. If
you were a diligent worker, you could also end up in #Bilskirnir#, the palace of *Þunrs. Evil
people or an incorrectly honored Ancestor could become an angry #draugr#, a living dead, and
haunt the living community. On the other hand, a kinsman really worthy of honor due to his or
her caring deeds to the whole family, specially to its weaker members, could become an *albs,
an elf.
Waíhtōs — the kind of beings around us could be very wide. Although, under the umbrella
concept of *landwaíhtōs (from Old Norse landvættir) there are some most commonly portrayed:
the *albeis that could be both landspirits, bound to a given place, land, mound, rock or tree and
commonly ruling collectively in a delimited range, being responsible for the plenty and fertility of
the land itself, as well as the spirit of the honored Ancestors that reached this condition;
the *dwaírgeis (dwarfs), inhabitants of the underworld, cunning and greed craftsmen; the
*þauriseis (giants) most commonly inhabiting a large mountain or a wider landscape, as well as
a volcano, and a lot of *landwaíhtōs that even peaceful, may or may not be helpful to the human
community, inhabiting the landscape around us, or particular elements within it. Humans can
develop relationships with these beings in order to keep or to establish the harmony and well
being of the inhabinting human community of a given place. Note that the term ‘waíhts’ appears
in Wright’s glossary as “thing”, “affair” and we take this word and maybe ressignify it both for
being cognate to Old High German and Old English wiht and the Old Norse vættr, as well as for
it may imply a relationship similar to anthropology of contemporary animist peoples which see
persons outside the human category of beings (the “other-than-human persons”).
The World Tree and Nine Lands or Worlds — The whole universe is uphold and
interconnected by a tree called “Horse of *Wodans” (#Yggdrasill#). The strongest
beings, *Ansjus, *Wana and *albeis have their dwellings at the top of that tree, the dead
Ancestors and the weavers of waúrþans (akin to Old English wyrd) in its roots, the mankind
in Midjungards, the middle land between both, and the *þauriseis a bit deeper. This tree is
the axis mundi and it can be used to reach the realms through magical or trance techniques.
In Alþeis Sidus we do not believe in transcendental worlds. We, as a strongly world-accepting
and non-dualistic religion and set of customs, see the nine realms of the Northern Germanic
traditions as parts of this material land, although their inhabitants could be more spirit-like in
their essence. We do not believe, in the wrong way, if compared to most of other heathens, that
the nine worlds are separated realities or dimensions, as spiritual or material universes existing
beyond our own. It seems a bit anachronistic to us to assume that the Elder Heathens viewed
the cosmos in this way, when analyzing the residual evidence. Our gods and *albeis can be
seen shining in the sky, and the *dwaírgeis are excavating the land beneath our feets.
Sidus — Our pagan customs, which are being developed, encompassing all what we have
mentioned above, as well as our worship of divinities, our worldview as a whole and our set of
ethics/law. Recreate and mantain a collective sidus of our *innagards is the most basic aim
of Alþeis Sidus both as a philosophy of life, a worldview as well as a religion. According to
Bosworth-Toller’s dictionary, sidu (cognate of the Gothic word sidus) in Old English refers to “a
custom, use, manner, habit, practice” and “good conduct, morality, modesty”. As an othopraxic
religion, it is the center of our activity.
***
Gods
In the almost total absence of a pantheon to be recreated, we proceeded thus, until then:
(1) We appeal to the oldest deities of the Germanic tribes in the Bronze Age: the Spear God
(*Wōdanaz?), the Hammer/Axe God (*þunraz?), the Swine/Sword God (*Ingwaz?), The Sun
God/dess (*Sunnǭ?). We observed which of them could appear, adapted or modified, more
frequently in the attested sources. So, we assume the reconstructed Gothic deities *Wodans,
*Þunrs, *Iggws–Fráuja and Sáuil.
(2) we have consulted to the main reconstructed proto-Germanic forms, observing the
frequency with which they appeared by diverse peoples and tribes;
(3) we assume the tribal God of the Goths, *Gáuts (Gothic version of *Wōdanaz?) as an
independent deity;
(4) we assume the tribal god of the Saxons, Seaxnēat, as *Saksnōt firstly by the understanding
that he was possibly also adopted by the Vandals, now because he is already incorporated in
our set of practices;
(5) We assume Ēostre/*Ostara as a goddess possibly worshiped by the Suevi (we will use the
reconstructed Gothic name *Áustrō);
(6) We concluded that *Tiwaz is the transition of the Proto-Indo-European *Dyḗus Ptḗr, as Sky
Father, the Heavenly God, who probably was thus worshiped by the three groups. So we
assume *Teiws;
(7) We assume Nerthus as a West Germanic Earth goddess, who was possibly adopted by the
Suevi. We assumed the theory that Earth was always worshiped as a local deity, thus, we can
make a syncretism of all the Germanic Earth goddesses and understand her in her multiple
sides;
(8) The Excerptum ex Gallica Historia of Ursberg (ca. 1135) records a dea Ciza as the patron
goddess of Augsburg. According to this account, Cisaria was founded by Swabian tribes as a
defence against Roman incursions. This deity would be the female consort of Ziu, as Dione was
of Zeus in Greek Mythology. We will adopt her as *Zisa, and consider that she is the same deity
as the ‘Isis of the Suebi’ mentioned by Tacitus in his Germania.
(9) As *Pria was a major Proto-Indo-European deity and her descendent *Frawjjō in proto-
Germanic culture was also an important one, giving rise to the cults of Frigg and Freyja and
their several variations through the attested Germanic peoples and tribes, and as the Gothic
and Suebian Heathenism was also closer to the proto-Germanic one instead of that of the Old
Norse sources where we find Frigg and Freyja more clearly separated (their names and the
names of their consorts are still cognates though). Hence, we assume *Fraujō as a single deity.
(10) We assume the Alcis as *Alkeis through the Vandals. They are interpreted in sincretism
with the Proto-Indo-European *Diwós Sunú, and bear any semblance of the Anglo-Saxon
Hengist and Horsa.
(11) We assume that the Goths worshiped the spirit of the Danube river as *Donaws.
What follows is an interpretation of the deities as Sáuilaþiudōs Haírþō conceives them. This is
not their only or strictly “right” view. This is based on personal experience, though our
experience, as Reconstructionist Heathens, is firmly based on the written sources of the lore,
whenever is possible. We don’t view the gods as purely holy, in an incomprehensible way. They
are respected because they can be felt in the wind, in the waters, through fire, rain, or by
touching the earth. Every being has its own mahts (mæġen in Old English), his own might,
strenght, force or power, both in a physical as well as in a spiritual sense, and the gods (or
spiritual/higher-than-human chieftains) have large amounts of it. Mahts can be exchanged
through gifts and deeds and can be used in widely known and unknown ways. We not only
worship our gods, we honor them through actions, as well as our Ancestors and tribal heroes,
and we rather relate in a ‘dividual’ manner with them.
*Wodans — probably by the time of the Suebi and Visigoths *Wodans wasn’t a widely known
deity. This one eyed god was probably worshiped by the higher classes and mainly by the tribal
chieftains and the warrior comitati assembled around them, as a god of kingship and the art of
war. He was known as a wind god by seafarers, and his Memory and Thought traveled through
the wind of the nine worlds as ravens to gather informations and keep him always a step ahead
in any matter. He was also the embodiment of the ecstasis, fury and madness. He was probably
authentically a powerful psychocomp deity that come from the East through shaman-like
religions. Death and madness are his two faces, and they combine themselves in several
different ways and levels, hence his many sides could arise. Through the Nordic Bronze age he
was probably worshiped as a Spear in itself, and the magic spear #Gungnir# became both his
preferred weapon and symbol. This weapon itself used to be the first one to be thrown against
the enemies in the battlefield, as both an invocation of *Wodans’ power and fury, as well as a
death curse against the enemies. A spear was the key symbol of death, and *Wodans could be
seen as both the bringer of death and the guide of the dead through their world. The spear was
also probably so important to the ancient tribes that the Romans when met them, called them
“the men with spears”, or “spear in hand” (Germani). He is also a god of poetry and inspiration,
as side effects of his madness. As a psychopomp, he is also a deity linked to the dream spirit’s
travels, as a shaman-like deity, and a disguiser, both within the world of the dead and that of the
living. He travelled trough the #Yggdrasill# tree riding his eight legged horse #Sleipnir#, often
summoning the dead to get their wisdom. *Wodans brought the breath spirit to mankind, and
part of his essence is probably contained in alcohol as well as any other substance with trance
powers. He was specially worshiped by Northern warrior classes known as Úlfhednar and
Berserkers, the former being wolf-like and the latter bear-like warriors. Wolfs are also
associated to *Wodans, and he, as a god of war, could then control the perils and famine
caused by them.
*Teiws — The origins of this deity reach back the Proto-Indo-European Ancestors of the
Germanic tribes. He was then the Sky-Father and the soul of the sky itself. He was a god of law,
order and healthy development. In the Old Norse sources, he’s attested as Týr, a god of the
warrior’s courage in the battlefield, the keeper of *freiþs during the þings and every gathering of
people. He is a protector of *uslag (ørlög), and *Teiws acts according to it, as we can see in his
Norse myth, where he gives his own hand as a sacrifice to keep the course of waúrþans in the
way it should happen. *Teiws is also the father of *Tiwisko (Tuisto) “a god, born of the earth”
(deum terra editum), and it may be assumed that he is or was married to #Nerthus# at any
moment. His son *Twisko is the father of *Mannaz (Mannus), one of the honored legendary
Ancestors of tribes near the ocean, the Ingvaeones, those in the middle, the Herminones, and
the rest of Istvaeones. But, according Tacitus, Marsi, Gambrivii, Vandilii as well the Suebi could
have seen themselves as descendants of *Mannaz. *Teiws is also the god of justice, one who
ensures that each one reaps what they have sowed in the lays of waúrþans.
*Gáuts — He is the ethnic deity of the Goths. His name (attested as Gaut or Gaptr, in Old
Norse sources) can be traced back to the proto-Germanic *Gautaz, which itself comes from
*geutaną, i. e., “to pour”. Then we assume that he was the embodiment of the wandering rush
spirit, the will of protection through renovation. His name may also have some other
complementar interpretations. *Gáuts itself could means “god”, as well be linked with “Goth”,
being thus also the Goth god for excellence, as the embodiment of the folk spirit of the Goths. It
could be also linked with *Wōdanaz with some uncertanty, and, among the Anglo-Saxons,
Nennius lists Wōden (*Wodans) as son of Geat (Iat), a name also cognate to *Gáuts. Note also
the resemblance of *Gáuts and the words for “giant” through the several old and new Germanic
languages, what could also allude to this deity’s might. *Aþanareiks is probably one of his more
beloved reiks, once he struggled valiantly to keep the sidus of the Goths against the Christian
religion during the 4th century CE. *Gáuts is the god of sidus and *þaws themselves, the keeper
of the customs and the tribal essence of the Gothic culture. He is thus also a god of ancestry
and the Ancestors.
*Þunrs — In the Snorri Sturluson’s Northern myth his cognate Þórr appears as a fool, hungry
and drunky son of Óðinn (*Wodans). Nevertheless, *Þunrs is a mighty god, a protector of
mankind, a god of storms and rain, walking through the sky in his goat-chariot. He is then, as
side effect, a god of fruitfulness. He is the son of #Nerthus#, whom he protects kindly. When he
faces fire or ice giants, in order to protect her mother, his hammer strikes so starkly that light
sparks almost split the sky. *Þunrs is also a smith-god, and sometimes his work raises clouds of
water and soundly strikes of his hammer. He is a very simple god, and feel pleasure with
makind. *Þunrs could be seen as a protector of one’s *innagards, and a powerful warrior when it
is necessary. He is a workers’ god, known as red *Þunrs due to the color of his hair and beard.
He is also the discipliner of #Jormungandr#, the serpent that inhabits the deep oceans,
confining the waters with its body. Their battle could be seen as the battle of the Nature itself in
order to keep its harmony and balance. He was also possible the same deity as the
Axe/Hammer God of the Bronze Age Germanic cultures.
*Iggws-Fráuja — He is certainly one of the oldest deities of the Germanic tribes. If we look to
the Bronze Age, we will find the petroglyphs showing a figure associated to both the sword and
the swine/boar. This association seems to be far more than a random accident. In the later
Norse Mythology of Iceland, Freyr is regarded as brother of Freyja (*Fraujō ) and a god of
fruitfulness, who governs the Sun (Sáuil) and is the chief god of the *albeis (elves). He, also
became passionate for a giant of the Earth, and gave his own magic sword to marry her. He,
under the name of Yngvi, was regarded as an ancestral of royal families. According to Snorri
Sturluson’s legends and myths, Yngwine or Yngve-Frej was a son of Njord and father of Fjǫlnir,
both as a god or else as a king. *Fráuja is first and foremost a god of harmony, wealth, welfare,
peace and the rightful development of the life of the tribes who worship him. He is then a god of
*freiþs. His animal was the swine or boar, as a symbol of good luck in the hunting. He was also
probably worshiped by seafarers, as his ship is the most incredible of all. His primary simbols
are the sword and the erected phallus. Then, he is a deity commonly regarded for their
associations with pleasure, sex and fertility.
Sáuil — This goddess is the Sun itself. We can see her journey in her chariot through the sky,
we can feel her power at any moment of the day. Among the Nordic Bronze Age Germanic
cultures, she was one of the most worshiped deities, and often portraied as a bright sun disc.
Her cult is one of the most ancient forms of religion which we can find attestations. Sun discs,
swastikas, spirals, wheels, four partitioned wheels, etc. all of them could represent her. The
worship of Sun is the worship of life itself. The eternal dance of Sáuil, during the day, and Ména
(moon) during the night is the event that make the (cyclical) time and the life itself possible. Her
cycles still counting our years and the cycles of Ména still counting our months, even in a
society guided by the progressive linear perception of time. One of Sáuil’s most prominent and
ancient symbols is the four partitioned wheel, representing the four seasons of each year and
the endless repetition of these cycles. Under Sáuil’s hegemony, History wasn’t a sucession of
single events, regarded as independent from the rest. It was like the growing of the crops,
having it’s birth, it’s development and it’s death, but leaving the seeds for the next time the cycle
restarts. Sáuil and Ména are the agents of time, they are those ones which turn the wheel of
events in which we can play our part in accordance to natural laws as well as to what was
doomed to us. Sáuil and Ména are the gods of time. But Sáuil is also strongly linked to
fruitfulness, once her light is responsible for making the crops grow and was strictly necessary
to several human daytime activities. Sáuil is the wheel of the *albeis (Albiliuhadei), the most
shining star of the sky. She is an ancient and always young goddess.
*Saksnōt — From the Old English Seaxnēat. He is the god of the East Saxons (Essex) and is,
as Saxnōte, mentioned in the Old Saxon baptismal vow along with Þunaer and Uuōden; it
seems thus that is not wrong to assume that he was so important than they. *Saksnōt is “the
sword friend” or “the companion of the Saxons”. Today’s Essex flag features the Three Seaxes
(heraldically stylised as three scimitars) as a symbolic reference to *Saksnōt the sword friend.
*Saksnōt is thus like an ancient dagger in the old times. He is made of sharp and hard iron,
forged by fire and strong blows. *Saksnōt is the weapon at hand borne within a ship or a forest,
through the sea or the unknown lands. *Saksnōt isn’t viewed as a strange deity in Alþeis Sidus.
In the same way that the brother Germanic peoples exchanged many cultural traces in the past,
that happens today. *Saksnōt thus was an esteemed god that we adopted in Sáuilaþiudōs
Haírþō from the Saxons and Anglo-Saxons because of his importance among them and the
influence they had in the reconstruction process of Alþeis Sidus. He is seen as a protective god,
akin to *Teiws in this function, but is understood in a more “survivalist”, instinctive way than
*Teiws, who is linked to the war discipline of the warriors. *Saksnōt is seen as the hero in
the Beowulf poem: an honored warrior, challenging the death; instead of using all the weapons
and armor available to him, he chooses the way in which he can earn as glory as possible,
laying all his hope of victory under the doom of waúrþans. He is a warrior and a chieftain, and
he lives under the tribal code of the comitatus: Glory or Death. *Saksnōt is also a god of the
fellowship in hard times, and therefore a god of loyalty and oaths.
*Áustrō — She is the goddess of the dawn, of the reawakening and of the transition from
shade to light. As Sauil comes at morning, bringing back her life over Midjungards, *Áustrō
reachs both the sky and the land; she is like the seed sleeping under the snow waiting to live
again, even if it is not really dead. *Áustrō is the embodiment of progression, evolution and
change. Everything bears within itself its *uslag, its doom, its seeds of starting, growing and
dying. When the light refuses to become shadow again, it turns itself in death instead of life. If
darkness never allows the light penetrate within it, the life never awakes. The dawn is thus a bit
relative to the situations at issue, and not necessarily only associated to light, but more precisely
to the necessary change in the order of things. We commonly associate it to the period of the
dawn of the day and specially to that of the year because it is when we perceive more clearly a
transition. *Áustrō is the goddess of the possibility or chance. But she is not a goddess of the
random chance, but rather the goddess of the better choice in the better moment. It seems self
evident, but you don’t crop when you need to reap nor reap when you need to crop. There are
the most appropriate moments to do the stuffs; each one of our decisions being simultaneously
the end of a cycle and the start of another as the dawn of the year is. *Áustrō is thus the
goddess of the renovation, of the birth of the new from the entrails of the old.
Nerthus — Tacitus call her “Mother Earth”. Certainly she is the allmother, the earthly womb
from which everything had its birth. She is known by many names, each one of them being the
face each tribe saw her. The land is not the same everywhere, although it cannot be said from
the Sky. Maybe this is why all sky fathers or chief male deities look for marrying the Earth. As
the womb of choice, as the potential mother of all and everything, she was then both the void,
the black hole that can be impregnated with the desire, and one of the most sacred known and
worshiped beings due to her power of keep the act of birth of all beings, their nourishment, as
well as for being the place where life have its counterpart: the death. The dead ones live in the
Earth, within the Earth and their life there also make the Earth sacred. The land supports
everything, makes everything alive, counscious and connected; the land keep the lives of the
living, over her, and of the dead, under her. The dead and the living are
exchanging mahts through Nerthus every single moment. The soil is the blood of the Ancestors,
their flesh and bones, the ground has many layers, the more deeper, the more older. Those
layers are in some way like our waúrþans and *uslag, being both ground over which we live in,
as well as the hidden past that brought us here. The human being and the Earth are one, they
are not unrelated beings. Nerthus was then worshiped in a respectful manner, enclosuring all
weapons when the time of her feasts had place. A chariot guided by cows borne her idol, where
the spirit of the goddess itself inhabited for a while.
*Zisa — She is a #cofgoddess# in Sáuilaþiudōs Haírþō. She could be worshiped as the Red
Goddess, and as a Matron Goddess, as she is mentioned in manuscripts from the 12th to 14th
centuries which reference a victory against the Roman Empire attributed to *Zisa. This battle
happened in the 1st century of the Common Era, a day before the *Zisa Feast, and the Romans
then found the best Suebic warriors gathered together, having thus no chance of success. The
anniversary of this victory was celebrated on the festival day of September 28 and involved
games and merrymaking. *Zisa is seen as the founder and protector of the city of Augsburg in
modern Bavaria. Augsburg was known earlier as Zizarim. Fraa Zisa was reported under various
names (including Isis perhaps due to language confusion). She could thus be, as a consort or
relative of *Teiws (continental Germanic Ziw), and could then be reconstructed with some
semblance to him: she is a goddess of victory, but rather than a martial goddess like *Teiws,
she is a maternal one, a protectress of her people. Both men and women often engange in a
conflict in order to defend their sons or relatives; the difference is in how they achieve victory in
their fight: usually, the men by violence, the women by diplomacy. Though she was thanked for
that war victory it seems unlikely that she is herself a warrior goddess but rather a supportive
goddess. Following the tracks left by Tacitus about the “Isis” of the Suebi, we can add Liburnian
longships as her emblem, and from modern Pennsylvanian Urglaawe, she is seen associated to
the pine cone, as a symbol of protection, regeneration and continuity. It seems that the 3rd day
of the week in Augsburg was renamed from “Zistag” (as Day of Zisa instead of Ziu) to
“Aftermontag” due to her worship. The Christian Mary undoer-of-knots is seen in Urglaawe as a
Christian continuity of her worship. Also, the Egyptian Isis is seen carrying maternal functions, a
goddess of the children, as well as a Throne Goddess, mother of Horus, who is associated to
Kingship. Isis was worshipped as the ideal mother and wife as well as the patroness of nature
and magic. She was the friend of slaves, sinners, artisans and the downtrodden, but she also
listened to the prayers of the wealthy, maidens, aristocrats and rulers. All those Isis’ functions
doesn’t appear to be in contradiction to what *Zisa could represent as the founder goddess of
Zizarim (It doesn’t mean that all Isis functions are the same as those of *Zisa).
*Alkeis — They are the twin young brothers, albeit they are some of the oldest deities that
walked through the time within the Indo-European cults. They originally could be the sons of
*Teiws Ancestor in Pro-Indo-European religion, and then one of them could be *Twisko. Their
name, however, is linked to the PIE root *alk- as if it could make the same associations as the
rune *Elhaz or *Algiz (ᛉ): elk and protection. They could thus be understood as agricultural
deities, maybe patrilineal ones. Through the PIE *Diwós Sunú, they also carry horse-like
associations, and can be seen as older reflexes of the Anglo-Saxon Hengist and Horsa, the two
brothers with horse-like names who guided the Germanic peoples through the sea to England.
All these associations with other twins, both older and newer, among the closely related cultures
can offer a more understandable portrait of the *Alkeis. They even bear characteristics assigned
to manly functions, like (paternal) protection, the leading of chariots, strenght, vigour, war,
riding, raiding and conquering. The two brothers are lovers of their kinsmen, and they do
everything that is needed to keep them safe and in harmony. They can be worshiped also as
gods of the youth our those of the young people.
*Donaws — He is the Great Water. Although he is indeed an essencial and sacred god, as the
river Danube itself was for the Gothic peoples, he also bears within him the perils of outsiders
and the benefits of trades and exchanges. *Donaws is himself the necessity and the threat, the
provider of life, the merchant and the outsider warrior. *Donaws can also be seen in
modern Alþeis Sidus as a point of connection between us and the mythic generations of our
forefathers, as they are no longer here, but he still is. But he is, like *Áustrō, a god of renovation.
His course is still flowing, and carrying away from us what is needed to leave. But also he is
bringing to us what it is necessary. The Danube is the second-longest river of Europe, showing
us all its importance even today.
***
Heroes
Note that the worship of the heroes of our *hairþō is heavily based not only in mythic Germanic
tribal heroes, but also legendary Chieftains that lived in Brazil, as our *hairþō is located here.
*Twisko — He is a son of a chief deity, and probably *Teiws, as Sky Father and Nerthus, as the
goddess of the Earth. Through the Indo-European religions the motif of primordial brothers, one
killing the other, is a bit common. So, *Twisko can be seen also as the winner of the twins,
representing the battle itself against the death, his inseparable half. He is also the father of one
of the oldest Ancestors of the mankind, *Mannaz.
*Alareiks — Alaric (the All-chieftain) the Bold or *Alareiks Balþas was born in circa 370 CE in
Peuce Island, Danube, todays Romania. He was a skilled chieftain of the Visigoths, though he
wasn’t Heathen, he still carried the old worldview within his mind, and pulled the Visigoths out of
the dark times they were living as a second class people in Roman Empire due to the
persecution of the Huns. He attempted to build a good relationship with the Romans, but it
became almost impossible: in fact, the Visigoths didn’t get much advantages beyond the (not
so) slow death as sacrificial lambs in the battlefield to protect the Roman civilization from its
enemies. *Alareiks thus plundered Greece and Rome, proving the strenght of the Visigoths and
their inflexibility when facing their own doom. He then died on 25 august 410, in the early age of
36-44 winters old, in Cozenza, Calabria, Italy, and was buried near Cosenza in the bed of the
Busento River. *Alareiks in his time and we in ours face some similar problems. But we also still
carrying his courage and might; as *Alareiks, who was the first to sack Rome in near 800 years,
we have our own enemies today to protect our relatives, and, why not think so, a new Heathen
people inspired by the courage of Suevi and Visigoths. It is up to us to face what was laid down
by the #nornir# and to act according to the situation, as *Alareiks did. We worship him as a
great conqueror, strategist and tribal chieftain, a protector and grantor of victory under hard
situations.
Ariovistus — the original forms and meanings of his name remain uncertain. He was a tribal
chieftain of the Suebi alongside their allies during the 1st century of the Common Era. His date
of birth is unknown, but he died in 54 BCE. Caesar described him as rex Germanorum, a king of
the Germanic peoples. The Celtic tribes were fighting against each other, and to resist the
Aedui, the Sequani and Arverni allied themselves with the Germanic duke Ariovistus. In 71 BC
he then led an army of more than 15,000 fighters and retinue, consisting of Suebi and other
tribes, across the Rhine river. In the years that followed, Sequani, Arverni and Suebi
successfully fought against the Aedui and finally crushed their army in the Battle of Magetobriga
in 61 BC. The Celts asked then for Roman help, once the Suebi established themselves in
Gallia. When Caesar intervened, and called the chieftain of the Suebi, Ariovistus recognized his
own rights as victorious and demanded that the Romans come to him. When Caesar shown his
terms, Ariovistus then faced his doom and said that he couldn’t be lowered by the civilization.
The battle was unavoidable. The Suebi lost the battle and were withdrawn from Gallia through
the Rhine, but they didin’t accepted overwhelmed by the Roman threats. Thus, Alþeis
Sidus keeps the memory of Ariovistus alive as an honored chieftain that resisted agains the
ways of the Empire and was loyal to the tribal code of doom (waúrþans), in the same way we
need act, today, even if the victory is uncertain.
*Bairika — or Berig, “little bear”. According to Jordanes, this legendary king was liable for
crossing in three ships through Scandinavia to the European continent. There, he fought and
defeated the previous inhabitants, and is regarded in Alþeis Sidus as an undaunted chieftain
who once brought well being to his people.
Ajuricaba — Ajuri — “reunion” or “gathering” and caba “marimbondo”, a type of wasp. Under
Brazil’s Portuguese colonization, the Native Indigenous peoples were captured and sold to work
in their own land in the cacao crops as slaves. But many indigenous rebellions had taken place
during the years between 1705 and 1750, like that one leaded by Ajuricaba and his Manaos
people, between the Negro and Branco rivers in Amazônia. The revolt was fed by the
Portuguese pression, that forced the native inhabitants to become closer to the urban centers in
order to fulfill the needs of the colonizers. Ajuricaba thus gathered slowly thousands of tribal
warriors in order to resist against the destruction of their customs and Ancestral lands. Between
1723 and 1727 Ajuricaba as the chieftain of his people started a war of resistance, which
culminated in his death. Even after the slaying of his son in battle he continued fighting in a
brave and honored way, but he ended captured and shackled. But he still didn’t admit defeat,
and launched himself in the waters of the Negro river and incited a revolt of the captured natives
against the troops, while was he was being driven to Belém to be judged by the colonizers.
Cunhambebe — his name come from the Tupi name kunhãmbeba, meaning “woman with little
breast”, and was possibly an allusion to the strenght of this chieftain. He was a Tupinambá and
the supreme authority of the Tamoios’ Confederation, in the Southeast of todays Brazil. It is said
that Cunhambebe and his tribesmen had eaten around sixty Portuguese colonizers.
Zumbi dos Palmares — He was the last king of Quilombo dos Palmares, a settlement of
runaway African and Afro-Brazilian slaves in the present-day state of Alagoas in Brazil. His
mother was Sabina, sister of Ganga Zumba, who was the son of princess Aqualtune, daughter
of an unknown king of Kongo. He born free in the Quilombo of Palmares, and believed to be
descendand of Imbala warriors of Angola. He was then captured, and a priest taught him
Portuguese and Latin, but he escaped in 1670. Zumbi became known for his physical prowess
and cunning in battle and he was a respected military strategist by the time he was in his early
twenties. He resisted as a king against the Portuguese slavery with his people, but was
betrayed, captured and beheaded in 1695.
***
Ancestral spirits
***
6. Fate
We assume the idea that waúrþans was woven by the #Nornir# in the way that the
*uslag determined them.
Thus, *uslag (from Old Norse ørlög) is a law that echoes through the universe, result of the way
the things exist in itself. If you pour water in a square glass, it will not assume a round form. It
will acommodate itself to the square format. This glass is *uslag; it is the primal laws, the primal
layers above which or within the wheel of time develops and unceasingly turns. But *uslag was
also understood in a more strict sense as the limits within any living being can develop their own
lives, or their fate or doom. In this sense, *uslag is a luck and predestination given to us by our
Ancestral Mothers.
This has some implications. Our choices are not totally free. We can choose what we want,
within the available choices. I can’t decide to give someone an amount X of money if I haven’t
earned it somewhere in the past. I can’t decide to reap what I haven’t sow previously. I can’t
choose in the present what I haven’t make possible in the past. I can’t get from waúrþans what I
haven’t stocked there.
But *uslag is also a doom. You can’t choose not to die if you were already doomed. You can’t
choose to leave a situation that was already doomed by *uslag. Your free will is then delimited
for what must happen, for the debt, both as a result of your actions stocked in the layers
of waúrþans, as well as that which was doomed to you by your Ancestral Mothers. You can
always choose the most honored way to accept your doom though. As well as you have the free
will to choose facing the waúrþans with shame.
Waúrþans is the strongest. There is no god that can change or reshape what was doomed.
There is no single being that can escape from the results of its own actions and doom. Every
single thing was born in a given moment, lives and evolves after this, and will finally die. Then,
those beings will compound the layers of the waúrþans in which their descendants will develop
themselves the seeds that their Ancestors have left in this world. Death and life, good and evil,
free will and predetermination, they are just two parts of a single process that can’t stop its own
development, no matter how one tries do to so.
It is also important to note the relationship of the idea of luck and *uslag and waúrþans among
the ancient heathens. Luck is both innate and inherited. It depends on what your Ancestral
mothers had woven and given to you at birth. It was, through the Scandinavian world (and thus
maybe we can presume through the whole body of Germanic tribes), the most important
characteristic of a chieftain. There were kings who could change the weather only with their
presence, as well as grant victory in the battlefield, but luck could also means one’s ability or
capacity to make profitable business, grant good crops, or gain advantage in any affair of
human life. Luck could be somewhat improved when one stocked the right actions in the lays
of waúrþans, but it can’t be essentially changed quickly. Luck and mahts are also interwoven,
as they are with fame or good reputation. Good reputation earns mahts and luck, as well as luck
earns mahts and good reputation. Luck is also essential to the tribe, as individuals that have
plenty of luck can make the *freiþs of the tribe be earned easily. In the Germanic way of thinking
luck has nothing to do with randomness, in the sense of the Latin fortuna. The world of the
heathen tribesmen was guided by rigidly defined laws that weren’t easily changed, instead of it,
they must be respected and understood. You don’t have a “random” luck, whether you are
lucky, you can’t unlucky most of time.
***
7. Sidus
Practices
To develop its set of practices Sáuilaþiudōs Haírþō is heavily indebted mainly to Lārhūs
Fyrnsida, Allodium Francorum and Ceisiwr Serith.
The main part of the ritual side of Alþeis Sidus is developed within one’s *haírþō. This is due to
the importance of the fire among the ancient Indo-European religious practices, and the way the
humans gathered together around it. Even today our lives can’t be so easy without fire, and we
can’t perceive that because of centuries of dessacralization of our domestic lives. Our stoves
are still cooking our food, and there is where the whole family goes certainly more than one time
every day. The fire lost its importance most due to the television. The magic box stole from the
family the right to talk and established the silence and an outsider as source of information,
social interaction and worldview. What TV fiction does, the people repeat. The ideology of the
television is the ideology of the masses.
But reconstructing the old customs demands to gather the family around the fire of
the *haírþō again, and share their experiences with each other. Within a tribal hearth cult
our *haírþō aims to reconstruct a dividual personality and thus approach the divine/spiritual as
the ancient Suebi and Visigoths did, in order to get the most powerful results as possible from
the religious or ritual practices.
***
As soon as we have found out that the tribal identity is collective, we have noticed that the
concept of person was quite large for the Heathens of the old times than it is in our Western
societies today. The heathen landscapes are inhabited by many beings, the waíhtōs, and they
can be our Ancestral spirits, old human inhabitants of the land, as well as non-human spirits
such as *albeis, *dwaírgeis, *þauriseis or the gods themselves. They inhabit stones, trees,
wells, rivers, mountains, lakes, or even a whole landscape. We can affect their lives and they
can do it to ours. Not all waíhtōs are friendly, nor they all can be interested in a relationship with
us. However, it is up to us to work with those helpful waíhtōs through the basic same ways as
that are available to our human community. Even if a given waíhts is not friendly, it is better to
respect it from a safe distance than attack it. They were here a lot of time before of us, and they
will be here even after us. The waíhtōs are essentialy members of the *ūtagards and they
deserve that caution. Although they can accept our offerings and thus fit themselves in the
gifting cycle of a *innagards.
***
Rituals’ Dynamics
It is worthy to note that the Suebi and Visigoths haven’t left tons of records of their religious
practices, as they haven’t left almost none about their gods. Thus, in Sáuilaþiudōs Haírþō we
think it is open to each *haírþō to develop its own practices, but it is not of much help to say if
one doesn’t know how to start. So, first of all, we needed a small space. The polytheistic
practices in the old days were developed from two basic points within a family’s home: the place
that most often people are gathered in a house, or else a place where fire is often lit. If both are
the same, in a heathen house today, well then their inhabitants are surely very lucky. Then, after
choosing the place, we have built an altar.
Altars can vary in form and elements, and there is no single way to make them. However, some
elements are basic, like: fire (a candle would fit good, if one hasn’t a hearth), a water vessel,
incense to ward off the evil spirits and an offering bowl or vessel. Statues of the gods, both
major as well as #cofgods#, are well known elements of an altar. It should be worthy to
emphasize that we place very true importance in honoring our Ancestors in the altar, placing
objects that belonged to them, their pictures, or anything else that helps us to remember them
easily and open a good mental connection to them, as a spirit tablet. It is also useful to have a
statue made to represent the*gardawaíhts of a *haírþō. You can also find a place for depictions
of honored heroes. It is important that the altar could be seen easily and maintain the feeling of
communion with the divine.
Each one has his own Ancestors. Build a sacred place to connect them is a powerful practice.
The Ancestors could be pleased in many ways and are in no way less important — and are
even more important — than the gods in the heathen daily life. A lock of their hair, a clock or
watch that was theirs, pictures, jewelry, anything that they had when alive or that keeps a
connection between a Heathen and his Ancestors could be placed in the altar of
the *haírþō. We also find helpful to open and main this connection using a spirit tablet, as an
influence of Chinese Ancestor worship. There, the name of the Ancestors are written upon a
ware or wooden tablet, and in our *haírþō we do a similar process, creating bindrunes using the
names of our Ancestors, and placing them in our altar. There are no single objects that will
conect two different persons, from different families, to their ancestors.
A *gardawaíhts could be pleased also by having a decorative house where it can inhabit in the
living room. Again, fire would be good to keep him, as well as an offering vessel. It does not
need to be an altar, the idea is to offer a safe place where the *gardawaíhts will feel that he is
welcomed, as well as receive offerings for its work. Specific artifacts can be left there as gifts,
like souvenirs or anything else that would please the *gardawaíhts. If offerings can’t be left
there, at least a decorative house won’t draw too much attention and can be accepted as a
good gift for the rest of the family. Littler dwarfish statues are also common and discrete, and
can represent one *gardawaíhts very well.
Then, we need to understand the heathen relationship towards the divine and the spiritual, once
it is not the same we are familiar to in Western religions. The first point to consider is: ‘religion’
comes from Latin re-ligare, therefore the word supposes a human lost in the Earth looking for
the divine connection he has lost (did you remember the Christian creation myth in Genesis?).
Thenceforth, we have oratio, a form of supplication that concerns fides (faith). The relationship
with the divine then presupposes an allmight god, who is perfect and whole and doesn’t need
anything from us. Faith is the only thing that ensure that this kind of god will be lenient and hear
what we asked him. He must also be good, if he is a bad guy, we are very unlucky and he won’t
hear us. All major forms of religion developed in the West after the christianization follow the
basic lines of this process, with one or more little changes.
If we want to understand the heathen relationship towards the divine, we can then start looking
at the Proto-Indo-European culture. That words for “pray” and “pour (a libation)” were derived, in
different languages, from the same root, *ǵheu-. This root is also in the word for the ‘gods’ itself,
derived from the PIE term *ghutom, or, more literally “those to whom libations are poured”. The
word “spirit” used to mean also alcohol. The exchange of gifts, or, more accurately, the offerings
of alcoholic sacred drinks to the gods then carried the role that faith does in modern religions. If
the gods aren’t perfect and immortal, although they are really powerful, having a plenty
of mahts, they could be really nice guys to deal with. That is our heathen point of view.
Nevertheless, many new heathens have a problem to deal with this idea of exchanging-
reciprocity as the core of a religion (based in orthopraxy rather than orthodoxy). However this is
the way that we in our *haírþō understood as the closest to that of our Suebi and Visigothic
heathen Ancestors. And that is the way we feel we should practice Alþeis Sidus. Let’s take a
look, for example, at an excerpt of Ibn Fadlan’s account on the Rus:
“The moment their ships arrive at this whart, every one of them disembarks, taking with him
bread, meat, onions, milk, and nabidh, until he arrives at a long wooden post fixed in the ground
which has a face resembling that of a man. Around it are small figures, behind which are long
stakes fixed in the ground. He approaches the large figure, prostrates himself before it and
says: “O lord, I have come from a far land. With me there are such and such a number of slave
girls and such and such a number of sable skins,” until he has enumerated all the articles of
commerce that he has. He then says: “And I am come to you with this offering.” And he leaves
what he has with him in front of the wooden post. [He then adds]: “I wish you to provide me with
a merchant possessing many dinars and dirhams, one that will buy from me all that I desire, and
who will not disagree with what I say.” He then departs.
If sale [of the merchandise] proves to be difficult, and the days of his sojourn are prolonged, he
returns with a second and third offering. If [after this] what he wants proves to be difficult of
attainment, he carries a gift to each one of the small figures and asks for their intercession,
saying: “These are the wives of our lord, his daughters and his sons.” He continues to appeal to
one figure after another, imploring their intercession and humbling himself before them. Perhaps
the sale of his merchandise is facilitated and he sells it. He then says: “My lord has answered
my need, and I must repay him.” He then takes a number of sheep or cattle and slaughters
them, giving away a portion of the meat as alms, and carrying the remainder and placing it in
front of the large wooden figure as well as in front of the small ones around it. He hangs the
heads of the cattle or the sheep on the wooden stakes fixed in the ground. When night sets in,
dogs come and eat everything. He who has made the offering says: “My lord is pleased with me
and has eaten my gift”.”
Here we find an account (and by a non-Christian, although being Islamic) of the whole
technique of a way to achieve some objective through divine or spiritual aid. The god is pleased
with the consumable offerings, and helps the man, who gives another offering as a way of
thanks. Here we can see here three basic steps: the invocation, the petition and the offering of
the gift to the waíhts or god.
Petition — Once invoked, then the being invoked should be informed why it was done. You can
ask for help in a given situation or anything else. By doing so you may also tell the
Ancestor/deity/waíhts why you are doing it, to grant the effectiveness of the act. You can
recount your or your Ancestors past deeds, as a way to show your mahts acquired through
renown or fame. Ex.: “We called you here to help person x to find her way to their relatives
through the underworld of the dead”.
Then, this is the basic technique of a heathen prayer. It can be developed when practiced, but
the basic steps would be always rooted in it. It is up to the practioner to know which kind of
being and who among the would be the most appropriate to be invoked in each situation. In
Sáuilaþiudōs Haírþō we place the higher importance in Ancestor’s Worship, and we try to solve
the things firstly through our own actions, then calling upon an Ancestral spirit, but, if the task is
worthy of a god, then the offering should be equivalent. If the question is more local, concerned
to the people of our family or immediate *innagards, calling upon the #cofgods#
or *gardawaíhts as well as neighbouring *landwaíhtōs from a tree (it may be a stone or a
mountain, if we have any of them here) is always pondered. That’s the way we in Sáuilaþiudōs
Haírþō relate to the godly/spiritual beings, and are in no way the unique approach.
To these basic actions at least three can be added: the banishment, the purification and a
farewell.
Banishment — Its purpose is to ward off harmful *waíhtōs that could intervene during the
process, then it should be done before all the role prayer. The gardawaldands or can focuse
his/her whole mahts through the thought, and then draw an *Algiz (ᛉ) rune, focusing in the idea
of protection, building a spiritual barrier using the fingers, a candle or an incense stick, first in
the East, then facing the South, then the West, and then the North, repeating the gesture in
each one of these directions. One can do so also invoking his/her Ancestral spirits, and
preferably then pouring beverage to them. Note: Yes, we know that is most unlikely that the
ancient Suebi or Visigoths had made use of this rune for this purpose, as widely illiterate
peoples, but the original rites are also definetely lost. Thus we created this type of use based in
the meaning of the symbol.
Purification — It is up to the practioner to choose the complexity of this part of the process. In
Sáuilaþiudōs Haírþō we find useful to make a less formal purification when doing an offering to
lesser *waíhtōs and the *gardawaíhts, as well as a minor offering to our Ancestors, collectivelly
or to a specific one, and the whole process when invoking a #cofgod#, an Ancestor or a god to
a more formal purpose.
The simple purification can be done by washing the face and the hands focusing the whole
thought in this act, maybe calling upon *Donaws, as a watery deity, to take the uncleanliness
from the body and the soul, and restore purity again.
The complex process of purification can involve an almost entirely separate rite in itself. For
more sacred purposes Sáuilaþiudōs Haírþō advises the use of a bowl of water and a focus of
fire, like a candle. It is also advisable that any member who will join the ritual take a shower
before it.
The practioner (if not alone, then being the gardawaldands) dips his hands in the bowl, and say:
Then he or she puts all his mahts in this act, focusing the attention and channeling all what is
unclean in the water. Then the practioner says as follows:
Then he or she puts all his mahts in the desire of spiritual cleanliness, and channels it through
him or herself (as well as visualize it through the community, if he or she is not alone) while
touching his or her forehead. Then the gardawaldands dips his hands in the water again and
says, while touching his mouth:
May they be sacred, may our oaths be object of our inner will,
Farewell — this is all about respect and is a bit less formal. The gardawaldands or the lonely
practioner then thanks for the presence of all beings involved in the ritual and let them go,
saying goodbye and calling the names of the most prominent beings evoked. If he or she have
done a banishment, then it should be dismissed, in the four directions, starting then from the
North, anticlockwise, until reach the East again. You can mentally erase the runes you have
drawn, as well as visualizing the walls you created being broken down.
***
After discussing the basic techniques of a ritual, that can be complemented in more complex
events with prefaces, lectures or fore speechs, singing, hallowing, and end speechs, that can be
developed by each gardawaldands in the manner he or she sees fitting better to the given rite,
we will quickly discuss some particular ways of offering.
Offerings to the *gardawaíhts — This waíhts is one of the closest (or the closest) spirit or
being of a *haírþō. Then the offerings can be done in a less formal manner (Invocation-Offering,
or Invocation-Petition-Offering). It is advisable to make regular weekly or daily offerings as a
way of keeping him closer, happy and helpful. In Scandinavia, it is said that the tomte of a
farmstead likes bread and butter. It is advisable to left the butter upon the bread, to avoid
problems. Milk, sometimes alcoholic beverage, rice with beans, cooked manioc, and sweet
potato can be good offerings also. If a practioner lives in an apartment, then it is advisable to
find a good tree in a park and become acquainted with its waíhts, and after a 24 hour period
take the offerings to this place. We place our offerings first before our altar and then we discard
then. Be sure that they will not polute the place where you are discarding it to the *ūtagards’
*landwaíhtōs and thus avoiding to make them angry with you. We in our *haírþō also intent to
make the offerings in a regular period of time, like Sunday’s morning, as the start of a new
week.
Offerings to the *landwaíhtōs — We do not see them generally as our friends in Sáuilaþiudōs
Haírþō. However, working with them is a taming attitude towards the spiritual *ūtagards around
the physical and spiritual community of a Heathen. Develop and befriend some of them and
adjust them in our *innagards is the objective of this practice. Those that accept to join the gift
cycle of our *haírþō by taking our offerings then became part of our tribal identity, and we then
relate in a dividuate manner with them, although the relationship with them is a bit less direct.
We then offer cooked manioc, sweet potato, rice and beans, couscous, guava and other fruits,
mango, a beverage, specially pinga, as our *landwaíhtōs are native, and we leave these
offerings at a little stone gathered for this purpose, placed near a lemon tree, and cover them
with dry straw of bean trees in order to not draw attention. We often follow the Invocation-
Offering format, and less commonly we also make a Petition. There are two more sacred trees
in our household is a hog plum (Spondias mombim) taken from the lands of my mother’s family
and planted here, as well as a mango tree that was taken from there, from an old tree that saw
many of my Ancestors living. Offers to them are also of presence and care, and we carry more
intimacy when relating to them.
Offerings to the Ancestors — Well, this part is complex. Each person has its own preferred
gifts. And they die. What was appreciated by someone when living was will be also a good
offering to that people after his or her death. Yam, couscous, cassava flour, cooked manioc,
jerked beef, sweet potato are some of the most characteristic foods. Pinga and alcoholic
beverages are somewhat avoided to our Ancestors, as none of them liked it too much while
living, but tobacco was very appreciated among them. Fruits like guava, mango and other
characteristic types are also good offerings in our *haírþō to our Ancestors. They are left, in
normal occasions, at our altar, and after an around 24 hour period, we discard them at the same
stone we customary left the offerings to the *landwaíhtōs. We follow most of time a Simple
Purification-Invocatin-Petition-Oferring format when relating to them.
#Blót# and #Sumbl# —
***
Seasonal Rites
The following dates are adapted to follow the seasonal events of the Southern Hemisphere.
This section contains some reconstructed words and ideas from Gutiska Haiþnis
Galaubeins. The names here still may contain some grammatical errors.
*Wintrunáhtōs — the winter nights (30th April). It is the beginning of the Wild Hunt, when
*Gwodans rides through the sky with the spirits of the dead. It is wise to do offerings of alcohol
to him and his companions to make sure they won’t mess with you. The Wild Hunt is also a
good time to stay closer to your own *innagards, as well as dedicate yourself to your spiritual
side(s).
*Midjunwintrublōta — the sacrifices or offerings due to the beginning of the winter and the
winter solstice are held in 21st June.
*Juleis — (21st or 23rd June). The end af the Wild Hunt and the cycle of time. A perfect time for
feasts gathering the whole *innagards, and #symbel# to ensure the strenghtening of the
community’s bounds.
*Þunrablōtan — on 14th July offerings of goat flesh and ale to *Þunrs as a way to ask for his
protection during the winter.
*Blótan to *Deisós and *Albeis — in 31st July generous sacrifices and offerings are left to the
strongest Ancestors of one’s kuni to ensure prosperity and wellfare.
*Áustrō — Spring equinox. In 23rd September are held the rituals of renovation. Fruits and
juices can be offered as gifts to de goddess *Áustrō. Cerimonial fire is also lit through the fire of
the *haírþō as an offering to Sáuil in thankfulness for her arrival.
*Zisa festival — in 28th day of September, games and feasts take place as a way to honour
*Zisa.
*Airizanadaga — in 2nd November, as a traditional holyday, we can deepen it’s meaning, and
make sure that good offerings are made to our personal ancestors, and that we will make the
possible to visit them and keep straight bounds.
*Miþasans — Summer solstice (21st December). The beginning of the summer. Bonfires are lit
in honor of the powerful goddess Sáuil. This day can held public celebrations and dances. It is a
moment of happiness, pleasure and to thanks for the year that passed.
***
Ancestors Worship
This is one of the most complex themes of our practice in Alþeis Sidus. As we already said,
Ancestors worship is one of the main focuses of our practices. However, it is not clearly
distinguished of the whole body of our sidus. It overpasses our heroes’ worship, our praxis of
reciprocity through the gifting cycle, our festivals and has no less importance than the gods’
worship.
To reconstruct the Ancestors Worship we recurred to its remnants through the North Germanic
written sources, as well as the Chinese and African Ancestors Worship, as they are still alive
and are far more documented.
In Alþeis Sidus, as in Chinese folk religion, a person is thought to have multiple souls, there
categorized as hun and po, and as body and dream soul to us. Upon death, separate.
Generally, in Chinese Religion, the former ascends into heaven and latter descends into the
earth and/or resides within a spirit tablet; however, in China beliefs concerning the number and
nature of souls vary. In Alþeis Sidus some of the souls of a deceased then stay in the body
(*hugs, *muns), and some of them are guided by *Wodans to the underworld of de dead. In
accordance with these traditional beliefs, various practices have arisen to address the perceived
needs of the deceased. As no one in our *hairþō died since we started to develop the
reconstruction of Alþeis Sidus, the following ideas on the treatment of a person in mourning,
funeral and burial are still speculative.
Mourning
In Chinese folk religions, the mourning of a loved one usually involves elaborate rituals, which
vary according to region and sect. The intensity of the mourning is thought to reflect the quality
of relationship one had with the deceased. From the time of Confucius until the 20th century, a
three-year mourning period was often prescribed, mirroring the first three years in a child’s life
when they are utterly dependent upon and loved unconditionally by their parents. These
mourning practices would often include wearing sackcloth or simple garb, leaving hair unkempt,
eating a restricted diet of congee two times a day, living in a mourning shack placed beside the
house, and moaning in pain at certain intervals of the day. It is said that after the death of
Confucius his followers engaged in this three-year mourning period to symbolize their
commitment to his teachings.
Funeral rites
In Chinese folk religions, funerals are considered to be a part of the normal process of family
life, serving as a cornerstone in inter-generational traditions. The primary goals, regardless of
religious beliefs, are to demonstrate obeisance and provide comfort for the deceased. Other
goals include: to protect the descents of the deceased from malevolent spirits and to ensure the
proper separation and direction of the deceased’s soul into the afterlife.
Some common elements of Chinese funerals include the expression of grief through prolonged,
often exaggerated wailing; the wearing of white mortuary clothes by the family of the deceased;
a ritual washing of the corpse, followed by its attiring in grave clothes; the transfer of symbolic
goods such as money and food from the living to the dead; the preparation and installation of a
spirit tablet or the use of a personator (shi), often symbolic. Sometimes, ritual specialists such
as Taoist priests or Buddhist monks would be hired to perform specific rites, often accompanied
by the playing of music or chanting of scripture to drive away evil spirits.
Burial
Among the Germanic heathens of the old times, it was very common to bury them in a single
mound, generation after generation, and these mounds are viewed as sacred, as the home of
the Ancestors, as well as a gate to their land. Warriors or noble persons could be burnt, and is
not rare to found burials that or are ships themselves, or stones placed in the format of a ship.
There are no living detailed attestations on how the burial of the dead in Norse or other
Germanic peoples could happen.
Burial is often delayed according to wealth in Chinese ethinic religions; the coffin would remain
in the main room of the family home until it has been properly prepared for burial. More
traditionally, this delay is pre-determined according to social status: the corpse of a king or
emperor would be held in abeyance for seven months; magnates, five; other officers, three;
commoners, one.
In Chinese Folk religions, some instances, a “lucky burial” can take place several years after the
burial. The bones are dug up, washed, dried, and stored in an earthenware jar. After a period of
storage, the contents are then interred in their final resting place in a location selected by an
augur to optimize the flow of qi. A bad qi flow could result in a disgruntled spirit who could
possibly haunt their descendants. Among the Germanic heathens, sometimes a dead spirit
could haunt the living community, and could be decaptated and even burnt after the burial to
bring peace back to the community. In Alþeis Sidus we understand that the correct rites towards
the dead ones can ensure and maximize the mahts (akin to Chinese qi) of a kuni, family or
tribe.
Among the living Chinese peoples the deceased would often be buried with sacrifices, typically
things one was thought to be in need of in the afterlife. This was done as a symbolic
demonstration of filial piety or grandeur. For the wealthy and powerful, bronze vessels, oracle
bones, and human or animal sacrifices often accompanied the deceased into the grave. More
common sacrifices included candles and incense, as well as offerings of wine and food. In the
Germanic heathen burials we also can find several goods buried with a person, weapons, food,
objects, money, or even more complicated artifacts, depending on their importance and wealth.
Among the Germanic peoples, the burial of the kings and chieftains often had human or animal
sacrifices associated to their deaths; and it is said that the king Frey had gold and silver
offerings placed in his burial mound even three years after his death, and that the king Halfdan
the Black had his body divided in four parts, each of which being carried to a region of his
kingdom, to ensure the luck of the inhabitants.
Continued obeisance
After the funeral, Chinese families often install an ancestral tablet at a household altar alongside
other deceased ancestors. This act symbolically unifies the Ancestors and honors the family
lineage. Incense is lit before the altar daily, significant announcements are made before them,
and offerings such as favorite foods, beverages, and spirit money are given bi-monthly and on
special occasions, such as Qingming Festival and Ghost Festival. In Alþeis Sidus we maintain
tablets with bindrunes that represent each of our most remembered and important Ancestors.
Prayer was usually performed at the household altar in a separate room containing the po of
their ancestors, among the Chinese. The eldest male would speak to the altar on a regular
basis. In some belief systems where special powers are ascribed to the deceased, he may
supplicate the spirit to bless the family.
***
This part of the sidus is a bit hard to distinguish. If all our religion is cointained within sidus, it is
contained within *þaws. Our *þaws is the guide of our witōþ (law)
and *þaws guides sidus, while our sidus also guides our *þaws. Sidus is the application of
our *þaws. Sidus can develop faster than *þaws, once it is delimited by it, but *þaws also also
adjust to the sidus, from time to time, as witōþ also is modified to accompany the guidelines
of *þaws. *Þaws is roughly what is called in Western societies as “ethics”. In a sense, *þaws is
very similar to orþanc, the tribal heritage, although orþanc also carries a genetic sense.
We reconstruct *þaws through the Suebi. The Old Saxon word thau and the Old High
German *dou may provide enough evidence that the Suebi understood “Sitte” (sidus) as
somewhat different from thau. Then we will use the reconstructed Gothic word *þaws as a
cognate of the Old English word þēaw. It is sure that or the Suebi or else the Visigoths (and
maybe both) had this concept, once the Suebi were West Germanic and the Visigothic were
also continental Germanic. However, as the attestions of þēaw in Anglo-Saxon are somwhat
poor (excepting the Beowulf poem), we consulted also the Chinese concept of Li ( 禮 ) in
Confucianism, as a living source for comparation.
Let’s start with the point that is already familiar to us. Þēaw and Li are both related to the Greek
concept of ἦθος, “ethos” (“habit”, “custom”), which gave birth to both our concepts of “ethics”
and “aesthetics”. Ethics refers to the best way for people to live and the actions that are right or
wrong in particular circumstances. In practice, ethics seeks to resolve questions of human
morality by defining concepts such as good and evil, right and wrong, virtue and vice, justice
and crime. Ethics, through the Roman colonizations, become the way that Westerns understood
these concepts even in the present day. It is also linked in Germanic languages to words for
“heathen”, in the sense of the norms or customs of a people.
In the Beowulf poem þēaw appears a couple of times, being the most prominent when the poet
narrates that
But the conception of þēaw is not delimited by religious practices. It is also mentioned that the
king Hrothgar gifted the hero Beowulf after he has killed the monster Grendel, according to
their þēaw. Meanwhile in China, the rites of li are not rites in the Western conception of religious
custom. Rather, li embodies the entire spectrum of interaction with humans, nature, and even
material objects.
So, although the difference between sidus and and *þaws be almost confusing, it does
exist. Sidus is the way the customs happens, and *þaws why they should happen in that
way. Sidus is the custom in action, *þaws is the customary way of think about the reality.
So, sidus simply is. We worship our Ancestors today because it was a custom (sidus) in the
past, but also because this is a noble attitude or custom (*þaws) towards our
Ancestors. Witōþ (law) emanates from *þaws, and is a natural consequence of it, as it is the
legal form of the consented *þaws of a folk. It is legal to punish someone through the law if he
didn’t respect the *þaws.
Thus *þaws is the correct pattern of behaviour, the honorable way of acting according to what is
recognized as right and worthy by the kuni or tribe, *þaws is the right action, no matter if it is an
ethic behaviour towards the humans, the nature or the divine, *þaws is the spirit and soul of
the kuni that is transmited though the relationality between the older members to the newers of
a kuni and sometimes chaged to fit in the evolution of the community. It is conservative by its
own nature, but not conservative in the sense that Western politics understand it: *þaws is
guided by the sense of preservation of a set of ideas, but also to protect the persons and
the communty that carries it. The reiks and the gardawaldands are the liable persons to keep
the *þaws of a *haírþō or kuni.
*Þaws itself can be manifested also in a myriad of values. They are not commandments, nor
inspired, nor they have nothing to do with the nine noble virtues of other Norse Pagan
communities. We will cover some of them quickly (and this list will probably grow):
Ancestral piety — Our Ancestors are the holiest part of our *innagards. They are not far from
us, they are within us, with us, they are the past we refuse to let die in our minds, once they are
alive still alive, even after death, as we can’t see it as a break, rather as a change in the way of
being. Keep their memories, worship them, respect them and honour them through actions. Our
devotion to our Ancestors are result of the love we have for them, their ways, and their lives.
Localism — Helping your kuni, tribe, community, family or immediate environment, developing
good relationships and reciprocity is better than encompass the whole world. Your immediate
local community, your *innagards ir worthier of care than the chaotic outside world. Practice all
values within your community always, and outside it whenever is possible — but withiut trying to
absorb it. However, what is not your *innagards or community is not worst or non-human, it
simply isn’t your community.
Honour — It seems to be obvious, eh? It isn’t. Honour is a very complex idea, if compared to
our Western concept of honour. It is not individual. In our Western society honour is something
that you recognize in yourself and no one can take it from you. Well, this was not the case in the
heathen times. Honour could be easily taken and then a bloody feud to recover the honour of
the offendend had begun. Honour and revenge were two faces of the same idea. While honour
was appreciated, and given to and individual by the community, if someone else don’t recognize
and attacks it, well, you had to protect it by any means necessary. Today, the honour could be
seen as a royalty of spirit, once our law doesn’t allow blood feuds. Honour is what compels a
member of a tribe to take revenge for another injured member. Honour is a collective
characteristic, given or denied externally. The honour of someone was the honour of his or her
tribe, if he was an honoured person, then he wasn’t able to be considered in this way if his tribe
was known as oath-breaker, or dishonoured.
***
According to our *haírþō’s view, the ineherent magic of the hearth cult is to bring back
importance to the people that are closest us. I know that, like me, today most of people found
and practice Heathenry alone. But my *haírþō wants to revive the old customs of our Ancestors,
and we understand that the better way to do this is take a tribalist approach to religion rather
than an individualistic one. In the past the culture was born and growth as a social interaction
among a given community. Today, it can rise from our own individual effort, as a start point.
Rather than practicing a ‘personal’ religion, we chose develop a collective set o customs that
can be taught to our sons, as well as develop rites that can be done either alone or not, and we
have a ‘dividual’ approach to the relationship between one’s self within our *haírþō and the non-
human or other-than-human world around us. Our rituals doesn’t happen only as a way of
strenghtening a individual connection to gods, rather they aim to reinsert our *haírþō in the
cosmic order, that is, the heathen perception of the world, which is inherently natural to makind.
It also aims to benefit our family and *innagards for doing so. It is not an easy work, it shouldn’t
be. However, what our *haírþō proposes with Alþeis Sidus is that we ‘retribalize’ our minds, and
daily lives, take back the tribal way of living, and experience it in the 21st century. What
Sáuilaþiudōs Haírþō aims through Alþeis Sidus is that its members create a new ethnicity based
in the historical reconstruction of the worldview of the Suebi and Visigoths. Within
our *haírþō the established law, custom and worldview is the law of our *innagards. But they
should be easily recognizable for other Heathens, as it already happens among the Anglo-
Saxon Heathen community. The worldview, due to its collective characteristic, inserts
each *haírþō in the same spiritual community. This is why Alþeis Sidus lay so much effort in the
collective worldview and reconstructionism: thus we feel that we can really practice a religion as
close as its native context as possible, respecting the ways of our Ancestors and really
departing from the religions we aim to leave, instead of still thinking and acting under its
unconscious laws.
This is why the social aspect of Alþeis Sidus is a hearth-focused religion, and emphasizes the
collective approach, the exchange of gifts and mahts, the do ut des relationship with the godly
and spiritual world, because ours is in an orthopratic approach, based on right action instead of
the right faith, or orthodoxy. This doesn’t means that the beliefs have no place in Alþeis Sidus,
and specially as Sáuilaþiudōs Haírþō practices it, rather that the beliefs are a consequence of
our rituals, deeds and actions. We believe because we do, we don’t simply do because we
believe. Strenghtening the relationship between us and our whole *innagards, our spiritual
environment gives back to us tangible and effective results. The old customs are not dead, and
they aren’t completely forgot. It is up to us to revive them in our lives today.
It could sound a bit odd for those familiar with revealed religions, but spending time together
with your family or those who inhabits the same place as you, no matter if they are heathens, is
a true heathen practice. Caring for them, hearing them, talking to them, living with them. I know
it is not possible in many cases, but it shouldn’t be an excuse for those who can do it. If one
really can’t do that with his family I’m sure that everyone can build an *innagards based in
various different types of relationship. We don’t need to heathenize everybody around us nor
force our worldview, we just need to avoid that they deheathenize us. We can act like a Native
American within the civilization; keep the values we reconstructed and share it with those who
want to learn and share them with us. We could certainly teach our sons; they will get a mindset
by growing, and we can make sure that it will be a Heathen one. There are nothing wrong with
this. The Jews doesn’t addopted the external worldview, rather they adapted their own culture
and also the culture around them, as well as their mindset and ethnic religion to the world
outside without losing the core of it.
In the Heathen times, *innagards had a very strong local sense. One’s life would be lived almost
always with those that shared the same house as you or the people within the boundaries of the
farmstead they lived in. The enclosure of a given heathen community was where the life itself
should be safe, full of *freiþs and the gifting cycle ensured that the collective mahts was at high
levels. Today, for those living in an urban landscape, it should be of great help constructing true,
strong and sincere relationships whenever is possible.
(Hovamol, stanza 44)
Sharing one’s mind have many implications. It could refer to the simple act of telling what you
feel, but, while doing so, we are strenghtening a bond with others, and it will have many
consequences. Today everyone also may have some friends living far, some internet friends,
but we also may find good people around you in your work, school, or anywhere we find
ourselves. Even if the boundaries of *innagards couldn’t be seen delimited by the land, they will
certainly be very clear in our mind. Gifts create presence, and we can put our inner spiritual
essence (mahts) in relationships we identified as healthy, and keep them with reciprocity bonds.
Develop, create and transmit myths and stories from our hearth (*hairþō) and tribe.
***
Witōþ: the Visigothic law
witōdalaus, lawless
witōdeigō, lawfully
Rebuild and apply, as far as possible, the worldview of the Elder Heathens.
Worry about your kin and tribe. *ūtagards is its own responsability. Your reputation is the
reputation of his kin and his tribe. Keep it.
***
As all the things and beings possess at least one spirit or waíhts, one can manipulate these
spirits consciously trough several ways, or using his/her own mahts as a way to shape reality
according one’s own will.
***
9. Organization
*Hairþō — It is the most basic place where Alþeis Sidus suggest that the religious practices
may happen. It is the fire of one’s gards (home), found most likely or in the place where the
family stay together most of time, else the stove or the place where the fire makes the food of
one’s family. By extension, the gards itself could be known as a *hairþō, once it is where
the genius loci and friendly waíhtōs gather themselves together. Around the *hairþō’s fire the
Ancestral family, the living family and the spiritual wights that inhabit a given gards can be found
together, sharing the flame of life.
Reiks — He is the tribal chieftain and the local guardian of the ethnic tradition of a kuni. This
was expressed starkly in the Gothic persecution of Christians in the 370s, when
the reiks Aþanareiks saw their tradition threatened by the Roman religion, responding by the
persecution of converted Goths (but not of Christian foreigners). The reiks is the political-
religious leader of a kuni, a ruler, judge and prince, bearing any semblance to the Northern jarl.
Kuni — The center of the Heathen cult is the village or clan, and the ritual sacrificial meal held
by the villagers under the leadership of the reiks, during the ancient heathen times.
***
10. Lore
Reconstruct and transmit the stories of origin, development, achievements and deeds
concerning the Suebi, Vandals and Visigoths (to develop).
Reconstruct, register and transmit family history (develop).
Under analysis
ahma, wm. spirit
blōtan, sv. VII, to worship, reverence, honour; akin to OE blōtan, OHG bluozan (to sacrifice)
swēran, to honour | swērei, wf honour | swēriþa, sf honour
weihabagms, sacred tree
(please, if you are a linguist or skilled in Gothic language and have any guess on how those
words can be brrowed into Gothic, left your comment below)
hugr -> *hugs?
munr -> *muns?
ætt -> fadreins?
tomte -> *?
blót -> *?
Norn -> *?
Gungnir -> *?
Yggdrasil -> *?
Sleipnir -> *?
Jormungandr -> *?
Valkyrja -> *walakusjo, pl *walakusjōns
Update Log:
After the major editing I did last weeks, now I’ll slowly add new informations.
I found some days ago Garmangabis. She is added as a Suebian goddess.
Tacitus mentions a Isis of the Suebi in Germania. Then, I’ll critically compare it and syncretize
some of her characteristics with *Zisa.
Geralmente faço textos bem objetivos, sobre aspectos generalistas da visão de mundo dos
antigos povos germânicos, mas hoje a conversa é mais pessoal. Tenho estado um pouco
afastado da escrita pois estou sem PC. Isso me deu a oportunidade de ler e viver muitas
coisas, as quais eu gostaria de compartilhar com você.
Se tem um conselho que eu daria a qualquer pagão é: escreva aquilo que aprende, quando
aprende. Eu tenho o costume de sistematizar e compartilhar as coisas que aprendo quando
consigo evidência e fontes suficientes para isso, e termina que meus dois PDFs mais longos,
acabaram ajudando a mim mesmo, não apenas a outras pessoas, e vou explicar a razão.
O que quero dizer com isso? Olha, é claro que sua experiência é válida, mas nem sempre isso
me é o suficiente. Eu sou um politeísta, animista, mas também um henoteísta, isto é, eu
reconheço a verdade de todos os cultos, por exemplo o cristão, o islâmico, etc. Eu só não os
pratico. E também não dou a mínima para que eles se pretendam a “Verdade Única”. Como
eles agem e pensam é problema deles. Eu sou um heathen. Isso significa que por mais que
você viva a sua experiência, se ela não possuir coerência com as diretrizes expostas
na lore das sagas e documentos sobre os antigos pagãos, eu não considero isso legitimamente
germânico.
Acontece que isso levava-me a me bater frequentemente contra todos, uma vez que a
experiência é extremamente valorizada no Brasil. Mesmo quando ela contradiz ou escapa das
diretrizes expostas pela lore.
Isso gera alguns problemas. Como moro em um local estritamente cristão, conservador e com
baixas taxas de escolarização, a cultura local tende a ser um choque de realidade tremendo
para mim. Por outro lado, eu vejo outros pagãos e muitas vezes percebo que nós estamos bem
distantes no que pensamos, e percebo que eles parecem mais com um cristão ou um moderno
que comigo. Vejam, não estou tentando ofender ninguém aqui. É este o ponto. Como absorver
conhecimento, aplicá-lo praticamente, e não se tornar um individualista e egoísta?
E eu vinha pensando isso enquanto caminhava. Volta e meia eu vejo alguns pagãos, ásatrúars,
ou mesmo heathens dos Estados Unidos e percebo que, à exceção de alguns, a grande
maioria está preso no casulo do ego da sociedade estadunidense. Não é à toa que o budismo e
hinduísmo sentiram uma necessidade tão messiânica de “des-egotizar” os estadunidenses. Eu,
como descendente de indígenas sinto que o problema com o ego não é no todo tão importante
como pra uma pessoa de cultura europeia. Não é a toa que eles nos consideravam menos
evoluídos: Freud deixa claro que evolução é “europeização” e isso é individualização. Eu
cheguei ao grave problema de defender a comunidade acima de mim mesmo, mesmo quando
ela me prejudicava, mesmo quando ela negava meu sacrifício, e mesmo quando o meu
sacrifício me prejudicava. Em vez de aceitar a sua lógica e me “egotizar”, preferi me apartar
socialmente e procurar pessoas com mentalidade mais próxima do tribal para se aproximarem
de meu innangard.
Eu achei, inicialmente, que alguém ser pagão era o suficiente para isso. Não era, não
possuíamos identidade comum. Nem com os que são pagãos germânicos ou nórdicos. Aos
poucos eu fui percebendo que dentro dos pagãos existem exatamente os mesmo grupos que
existem entre os cristãos: os interesseiros, os falsos pastores, os fundamentalistas, uma
grande massa sem direcionamento e sem muitas informações, mas também uma boa fração de
pessoas, com conhecimento e controle do ego o suficiente para não serem ausentes de
humildade ou com interesses de dominar os outros em excesso. E eu não queria cair no
egoísmo e numa prática puramente individual.
Mas eu fui percebendo que eu precisava me fechar ainda um pouco mais. Eu percebi que eu
poderia viver com uma mentalidade tribal e pagã na minha família cristã porque eles tinham
um modus operandi muito tribal.
Eu, por exemplo, decidi assumir o hearth cult ou culto doméstico. É uma prática relativamente
recentemente recuperada, que reconhece o lar como centro da prática familiar, e da família
isso emana para a tribo ou kindred, e disso para escalas maiores. Mas ele é exatamente isso:
uma tradição, uma religião pessoal. Eu achei extremamente confortante o fato de que eu
pudesse então não me preocupar com o que outros faziam ou deixavam de fazer.
É até um pouco difícil continuar daqui, pois não sei bem qual é o começo do problema, nesta
parte: se é a forma como somos acostumados a entender “religião”, ou, se meu desejo de viver
uma prática realmente embasada em moldes antigos.
Nesse sentido, eu queria sim ter minha independência no culto, mas há muito tempo me afastei
do esoterismo, e venho procurando simplesmente praticar religiosamente como os antigos. O
mais próximo possível deles. Excluindo toda e qualquer prática que lhes seja estranha. Mas eu
também queria uma comunidade.
E eu descobri que “Fé” era uma palavra que se aplicava muito mais à forma como os cristãos
enxergam a realidade que a que os antigos a enxergavam. Mas que pouquíssimas pessoas
compreendiam quando eu lhes falava isso. Por exemplo, os antigos diziam que o cristianismo
era a “nýi siðr” o novo siðr. E o paganismo, o forn siðr, o antigo siðr. “Siðr“, por sua vez,
significa “costume, hábito”. O cristianismo era assim o novo costume/hábito religioso. Assim, os
antigos definiam o cristianismo a partir de sua noção e, vejam, não está de forma alguma
errado se definir o cristianismo como “costume”. O grande problema é, e quando pegamos a
definição do cristianismo como “Fé”, e a usamos para retroagir ao paganismo, será que não
estamos cometendo algum erro? Que siðr seja entendido como “costume cristão”, e, associado
ao costume cristão, está a “fé cristã”, isso serve para usarmos a definição atual
anacronicamente para definir o antigo?
Não estou com isso querendo dizer que os antigos não acreditavam nos seus deuses. Na
verdade, eles acreditavam em seus deuses da mesma forma que acreditavam uns nos outros.
Isso porque seus deuses eram o Trovão, o Furor, a Terra, a Fertilidade, etc. Eram coisas
perceptíveis, tocáveis. Totalmente diferente do caso do deus cristão, distante, transcendente,
metafísico, intocável. Você precisa *acreditar* que esse deus existe uma vez que você não
pode vê-lo. E para acreditar em algo assim você precisa de *MUITA* fé. Por isso, como minha
religião é uma religião de me relacionar com a comunidade humana, com os vættir (espíritos)
que habitam árvores, pedras, o Trovão, nuvens, a Terra, é uma religião que eu posso ver e
tocar, não é uma religião que me exige acreditar.
Como vocês podem ver, a palavra “Ásatrú” (fé nos æsir) passou a ser algo que não servia mais
muito bem para me definir. Continuo usando por mera conveniência, embora eu me veja muito
mais como um heathen (pagão), alguém que reproduz o costume do povo dos heaths, das
zonas afastadas da cidade, e não pura e simplesmente “crê” nos mesmos deuses que os
antigos heathens. Porque eu posso muito bem começar a tratar os deuses antigos como eu fui
ensinado e vejo à minha volta todos tratando o deus cristão.
Foi aí que eu lembrei de algo que Descartes fala: se tem uma coisa que todo homem acha que
tem o suficiente, é bom-senso, mesmo quando ele é, para os outros, o mais boçal e sem bom-
senso possível. O meu desejo de vivenciar o tribalismo me elevava demais o ego por tão
poucas pessoas quererem viver a mesma coisa. E por menos ainda delas estarem próximas de
mim.
Isso foi gerando vários problemas. A comunidade pagã na internet possui sua própria forma de
pensar e agir. Existem antigos dragões que ainda povoam as cavernas onde o ouro do
conhecimento está depositado. E eles se deitam sobre o ouro; e eles protegem o ouro com
fogo, e eles atacam todos aqueles que queiram se aproximar para olhar para o ouro. Mas para
aqueles que se contentam com lata, os dragões jogam, um pouco, e se riem, se gabam do
quanto são generosos e ajudam os outros. Eu diria que a própria noção que esses dragões tem
sobre o que é ouro e lata é bem confusa e muitas vezes eles não são capazes de reconhecer o
ouro quando veem. E assim, o que eu gostaria de transmitir aos pagãos foi sendo coibido —
simplesmente porque existem pessoas que dominam meios de informação pagã virtual que não
ensinam e não querem que os outros ensinem. Talvez para manter o próprio status de líder de
merda nenhuma. Talvez por preguiça de eles próprios analisarem as informações e se
permitirem evoluir. Talvez por uma mistura de ambos.
Por outro lado eu sinto que algumas pessoas só enxergam dois caminhos: ou o esoterismo ou
a prática de kindreds. Eu já falei sobre o esoterismo, e sobre os kindreds, eu adoraria formar
um… se onde moro houvessem pessoas interessadas também. O kindred é com certeza uma
ótima forma de se relacionar religiosamente, o problema é que num imenso país de cultura
cristã e de origem miscigenada, existem diversos problemas para se achar pessoas suficientes
(2?) para se fazer um kindred começar. Então, o culto doméstico viria a servir muito bem para
muitas pessoas que não tem outras próximas a si, ou mesmo para as que tem, e até para as
que tem kindred, porque o culto doméstico é uma prática caseira, familiar. No caso da minha
família cristã obviamente eu não vou poder participar de ritos com eles, mas pelo menos o
sentimento de tribo e comunidade eu sinto muito forte entre eles. Muito mais que com “pagãos”,
“ásatrúares” ou “heathens” em sua grande maioria. Isso porque muitas vezes a forma de
prática do kindred é simplesmente tomada como o único objetivo possível. E uma ou outra
pessoa de kindreds também acham que só os kindreds podem decidir sobre os rumos do
paganismo no Brasil, quando possivelmente a maioria das pessoas que se auto-identificam
como pagãs é, por vários motivos, obrigada a vivenciar o paganismo de maneira solitária.
Isso tudo me fez perceber o quanto é complexo para um pagão tribalista isolado
geograficamente praticar o heathenismo com enfoque na tribo. Porque nosso objetivo é
a friðr, e esta é *coletiva*. Porque os cultos sazonais eram *coletivos*. Porque os ancestrais
eram enterrados próximos para manter a tribo unida. Como aplicar isso numa prática individual,
mesmo que forçada?
Com paciência, foi o que percebi. Conheci diversas pessoas que fazem parte de meu
“innangard” virtual, que é essencialmente pagão. Mas meu kin, meu sangue, meus parentes,
todos eles são cristãos. Como lidar com isso? Amando a eles e agindo como um pagão.
Presenteando meus ancestrais, aproximando-os mesmo daqueles que não acreditam em culto
ancestral. Me relacionando e ofertando para os vættir da terra para melhorar o ambiente à
minha volta, também para meus familiares cristãos. Agradando o espírito da casa (húsvættir),
para manter a friðr de meu lar. Até que eu e minha companheira estejamos enfim juntos, e
possamos viver como um lar realmente de heathens (e como agradeço por ter te encontrado,
menina!), o meu hearth ou lar atual vai ter essa identidade dividida, meio cristão,
meio heathen. Onde o deus dos meus ancestrais recentes e os dos meus ancestrais antigos
terão que se aceitar. Onde o nýi siðr (novos costumes/fé) cristão e forn siðr (antigos costumes)
pagãos terão que conviver conjuntamente. Um dia, foi o processo inverso. A repaganização de
meus descendentes está começando só agora.
Esse texto pode parecer um pouco complicado até aqui. Se você está um pouco familiarizado
com os conceitos de innangard e útangard vai perceber que meu grande problema aqui foi
definir o que estava dentro e o que estava fora do meu círculo de segurança.
Inicialmente eu pensei que ser pagão era o suficiente, me afastando de minha família/kin.
Depois eu percebi que não era exatamente assim. Hoje em dia eu procedo como um tribal
antigo: analiso, observo e vejo se a pessoa compreende as coisas como eu, ou se é meu
parente. Estes são o meu innangard, aqueles entre os quais eu tento manter a friðr.
Isso porque, dia após dia tem sido um aprendizado. Precisei voltar lá nas minhas raízes, e ver
o que eu pensava lá atrás sobre fundamentalismo e dogmatismo, e entender que não era
simplesmente apresentando coisas (por mais óbvias) que elas pareçam, e tentando auxiliar as
pessoas entenderem isso, que eu conseguiria o que desejava, fazer parte de uma comunidade
pagã “offline“. Eu descobri que eu precisava saber separar o joio do trigo.
Espero que esse amontoado de ideias possa ajudar alguém que esteja caminhando pela
estrada da compreensão da visão de mundo dos antigos povos tribais germânicos. Que auxilie,
talvez, a evitar alguns erros que eu cometi. Para mim, no Sunnôniz Fulka Herþaz (o
meu hearth/lar) ser tribal é ser fechado, é saber que pessoas trazer para seu innangardr para
não desestabilizá-lo. Também é entender que, nessa fase inicial, nem todos os que são parte
de meu innangard compartilham do mesmo siðr (religião) que eu. Mas que, por aqueles que
fazem parte de meu innangard, eu lutarei com unhas e dentes. Já, para quem está
no útangard, mesmo que seja um pagão, ásatrúar ou heathen, esse, se quiser nosso respeito e
ajuda, terá que apresentar razões reais e seguras para tal: da mesma forma que não adoto
determinadas práticas, e ninguém é obrigado a adotar as minhas (sim, eu percebi o quanto é
estéril me dedicar a uma “grande” comunidade heathen, no final das contas ela é como é, e a
maior parte das pessoas continuará praticando uma visão moderna de paganismo).
O Sunnôniz Fulka Herthaz apoia e está a disposição de ajudar todos aqueles que queiram
iniciar o culto doméstico, por sua simplicidade e efetividade. Recentemente publicamos
um livrinho sobre nossas visões no culto doméstico. Esperamos ver mais pessoas também
podendo evoluir e compartilhando suas práticas de culto doméstico, para que possamos não
apenas ser uma comunidade virtual, mas uma comunidade religiosa efetiva, desenvolvendo e
vivendo a tradição pagã germânica na atualidade.
Esta seção é apenas uma formulação inicial das minhas ideias no culto doméstico conforme o
Sauila Þiuda Gards (antes Sunnôniz Fulka Herþaz ou Lar(eira) do Povo da/de Sól) o pratica.
1. Nossa Heathenry
2. Que Sidus (costumes) recriamos?
Uma rápida discussão precisa ser feita sobre esses povos. Os Suevos (Suebi) muitas vezes
são confundidos com os Alamanos, e com várias outras tribos germânicas ocidentais. Apesar
de haver uma região na Alemanha que até hoje é chamada de “Suábia” que fala o dialeto
alemão Schwäbisch, creio que o nome “Suevo” foi usado por várias tribos diferentes, e não
necessariamente se refere ao mesmo grupo étnico: parece que entre os próprios tribais já
havia esse sentimento de retorno ao antigo, e que várias tribos assumiram denominações
“mortas”, como “Suevos”, para reviver uma espécie de identidade tribal. Os suevos então eram
um povo ou confederação de tribos germânicas ocidentais (West Germanic), e parece que um
dos últimos povos a assumir a denominação atravessou com os Vândalos e os não germânicos
Alanos pelo Rio Reno, atravessando a Gália (atual França), Hispânia, se fixando principalmente
na parte mais ocidental da Península Ibérica, entre a Hispânia, Galícia e Lusitânia. No Noroeste
durou por aproximadamente 200 anos o Reino dos Suevos, criado em 409 da Era Comum, e
nosso interesse inicial, era uma Heathenry puramente Sueva, principalmente pelo fato de que
Hermerico ao estabelecê-lo ainda era heathen. Todavia, registros linguísticos, religiosos e
culturais dos suevos praticamente se perderam, e não sobrou muito mais que poucos farrapos
da presença dos Suevos na região.
Com o tempo os Suevos se expandiram e dominaram povos vizinhos, possuindo grande parte
da Península Ibérica. Após a saída de Alamanos e Vândalos para a África, acreditamos que o
segundo grupo (que possui fortes ligações com Anglo-saxões), não foi completamente extinto,
e por isso acreditamos seja importante também lembramo-nos deles. Se os Suevos dominaram
o Noroeste da Península (Galícia), os Vândalos ficaram principalmente na parte Sudoeste
(Lusitânia, que compreende a maior parte do atual Portugal)
Todavia, o Reino Suevo foi conquistado em 585 da Era Comum por outro povo germânico: os
Visigodos. Estes, que desde 376 iniciaram o processo de conversão ao cristianismo ao cruzar
o Rio Danúbio e serem admitidos como refugiados no Império Romano expulsos de suas terras
Pelos hunos. Embora possamos traçar (com algumas incertezas) uma gênese comum a Godos
(que depois se dividiram em Visigodos e Ostrogodos), Jutos e Getas (todos os nomes possuem
forte ligação etimológica além da proximidade geográfica) para a ilha de Gotlândia na
Escandinávia, vestígios de sua tradição pagã também estão vastamente perdidas, com
exceção da menção ao deus Gaut, o deus tribal dos Godos, do qual pode-se traçar uma
ligação com o *Wôdanaz Proto-germânico, que deu origem às diversas variantes do deus Odin
entre as várias tribos germânicas. Todavia, aos Visigodos podemos recorrer à Origem e Feitos
dos Godos de Jordannes, que, embora tardia, e carente de muito cuidado em seu uso, pode
nos servir como uma base cultural.
Assim, o que é o atual Portugal possui essa tríplice influência germânica: Sueva, Vândala e
Visigótica; presentes então membros dos três troncos linguísticos dos germânicos: Ocidentais
(West Germanic), Orientais (East Germanic) e Nórdicos (North Germanic). Como nenhum dos
povos que buscamos tem sua identidade preservada, o Sunnôniz Fulka Herthaz julgou ser mais
interessante recorrer à Idade do Bronze e Idade do Ferro Nórdica, além dos estudos
comparados com os registros das demais tribos germânicas. Nosso objetivo pode mudar com o
tempo; todavia, intento a recriação de partes do culto destes três povos para que consigamos
criar uma tradição que, embora hipotética, cumpra as necessidades de busca ancestral das
origens germânicas dos pagãos brasileiros (e portugueses/galegos).
À primeira vista isso parece um tanto paradoxal. Todavia, consideramos alguns fatores para
chegar a tais decisões: (1) Os Suevos possuíram dois reis pagãos que fundaram um dos
primeiros reinos germânicos no Ocidente romanizado; (2) Os Vândalos provavelmente se
dissolveram tanto entre os Suevos quanto entre os Alanos; (2) Os Visigodos, apesar de serem
os últimos germânicos a se estabelecerem na Península Ibérica, já o fazem após séculos de
cristianismo, tanto Ariano quanto Católico-Romano. Assim, não acreditamos que haja uma
“identidade única” germânica à qual se recorrer — principalmente porque é impossível
determinar, para nós, brasileiros mais antigos, e portanto, colonizados, de qual desses povos
provém o “quantum” maior de influência, seja cultural, seja biológica. E, na verdade,
descobrimos mesmo que isso é pouco relevante. Não possuímos registros suficientes de
nenhum desses povos para reconstruir um de maneira peculiarmente diferente do outro no que
se refere à sua cultura/costumes (sidus).
Culto Ancestral — A própria importância que Suevos, Vândalos e Visigodos têm em
nosso hearth se deve justamente ao fato de que também colocamos como um ponto essencial
de nosso conjunto de costumes o culto ancestral, tanto o de ancestrais mais próximos
(nosso ætt, avós, tios, dísir, álfar de nossa família), quanto de tribos antigas germânicas que
influíram na cultura portuguesa, e, consequentemente, brasileira, quanto o de (semi-)lendários
heróis (Mannus, Hermeneric, Alaric, etc.).
Círculo de presentes — tanto para deuses quanto para vættir (da casa ou da Terra), quanto
para Ancestrais, quanto para os vivos, tentamos manter um círculo de ajuda-mútua e
reciprocidade em vista de proteger o espírito de nosso kin.
Sidus — nossos costumes pagãos, que estão sendo desenvolvidos, que englobam tudo o que
citamos acima, quanto nosso culto a divindades, ética/lei (thēaw). Separamos
o sidus da thēaw por entender o primeiro como algo prático e o segundo como conjunto de
valores e ideias que direcionam o sidus.
4. Divindades
Na ausência quase total de um panteão para recriarmos, procedemos da seguinte maneira, até
então:
(1) recorremos às divindades mais antigas dos germânicos na Idade de Bronze (o Deus Lança
(*Wodanaz?), o Deus Martelo/Machado (*Þunraz?), o Deus Espada/Suíno (*Ingwaz?), a/o
Deus/a Sol (*Sunnǭ?)) e observamos quais delas poderiam aparecer, adaptadas ou
modificadas, com mais frequência nas tribos atestadas;
(4) assumimos o deus tribal dos saxões, Seaxnēat, entendendo que ele possivelmente também
era adotado por Vândalos;
5. Sidus
Ofertas ao húsvætt (aprofundar).
Ofertas aos landvættir (aprofundar).
Ofertas e festividades aos ancestrais (aprofundar).
Blót e Sumbl (aprofundar).
6. Thēaw
(Desenvolver)
7. Lore
Apesar de não serem o centro de nossa prática religiosa, os deuses são uma parcela
importante dela. Entenda melhor quem são os deuses que os germanos conheciam.
Freyja e Frigg
Texto em inglês por Stephan Grundy. Tradução para o português de Sonne Heljarskinn.
Embora a maioria dos mitos da Escandinávia foque as ações desses dois grandes deuses,
Óðinn e Þórr, enquanto as deusas são muito menos bem representadas, no entanto, há pelo
menos duas figuras femininas que desempenham um papel bastante proeminente nas Eddas:
Freyja e Frigg. Aparentemente, as duas parecem ter pouco em comum. Frigg aparece como a
esposa de Óðinn, a matrona da casa e um relativo modelo de virtude social – características
que Wagner caricaturou em Die Walküre, onde Fricka é uma chata terrível! Poderia ser um
pouco precipitado afirmar que Frigg é a “deusa-mãe” do Norte, mas ela é certamente uma
figura materna no mito no qual ela interpreta a parte mais ativa – quando, perturbada por
profecias da morte de seu filho Balder, ela faz tudo no mundo jurar não prejudicá-lo; e o
kenning ‘Friggjar niðjar’ (descendentes de Frigg) é usado para os deuses em geral em Egill
Skalla-Grímsson de ‘Sonatorrek’ (meados/final do século 10), de modo que seu caráter
materno pode, pelo menos, ser tomado como significativo. Freyja, por outro lado, é muito
sexualmente livre e ativa. Ela tem duas filhas, Hnoss e Gersimi, sendo que ambos os nomes
significam “tesouro”, mas, como será discutido depois, o significado deste nome e as
referências sobreviventes à “filha de Freyja” na poesia escáldica emprestam um certo grau de
dúvida para o status materno real de Freyja. Muitas de suas atividades, como a prática de
magia seiðr, colocam-na firmemente fora da esfera da sociedade normal; ela poderia ser
chamada de “mulher selvagem” dos mitos do Norte.No entanto, Frigg e Freyja também
compartilham certas características significativas que colocam em causa a distinção original
entre elas. Ambas têm mantos de falcão, que cada uma delas empresta a Loki em um
momento de necessidade; ambas são possuidoras de jóias obtidas por concupiscência. Frigg é
bem documentada como a esposa de Óðinn, não só a partir dos materiais em nórdico antigo,
mas também no Origo gentis Langobardorum, em que ‘Frea’ trapaceia o marido ‘Godan’ na
concessão de vitória para os lombardos, cujas mulheres imploraram-lhe ajuda . Snorri descreve
Freyja como esposa de Óðr, um andarilho que muitas vezes partiu em viagens longas e deixou-
a, chorando, a procurar por ele. Snorri não identifica Óðr com Óðinn, mas, como apontado por
Jan de Vries, entre outros, há pouca dúvida de que os dois eram originalmente o mesmo (uma
duplicata similar aparece com os teônimos Ullr e Ullinn). O nome Óðinn é simplesmente uma
forma adjetiva de Óðr, ‘fúria’, sugerindo que, como de Vries afirmou, Óðr foi provavelmente a
forma mais antiga (Contributions to the study of Othin, especialmente em sua Relation to
Agricultural Practises in Modern Popular Lore, FFC 94, p. 33), que por sua vez de sugere ou
que o relato de Snorri pode ter preservado um mito mais antigo de Freyja como esposa deste
deus sem entendimento do autor, ou que Snorri, em seu desejo de apresentar uma mitologia
coerente e sistemática, usou as duas formas para enfatizar a distinção entre Frigg, esposa de
Óðinn, e Freyja, a esposa de outra pessoa.
O problema de saber se Frigg e Freyja podem ter sido originalmente uma única deusa é uma
tarefa difícil, ainda mais acentuado pela escassez extrema de referências a deusas germânicas
antes da Era Viking e a qualidade diversa das fontes em que temos de confiar. Possivelmente,
o melhor que pode ser feito é um levantamento dos vários argumentos a favor e contra a sua
identidade e ver como cada um pode ser suportado; e é isso que me proponho a fazer.
A semelhança mais notável entre Frigg e Freyja está nos contos delas barganhando seus
corpos por joias. Em Sörla þáttr, Freyja é a amante infiel de Óðinn, que vendeu seu corpo para
quatro anões por um colar notável (ou possivelmente um cinto), que Loki então rouba dela por
ordem de Óðinn; no Gesta Danorum de Saxo, Frigga submete-se aos abraços de um servo
para fazê-lo pegar o ouro da estátua de Othinus para suas próprias joias, após o que o deus se
afasta em um acesso de raiva com o insulto duplo à sua imagem e sua cama. Parece claro que
um único mito foi duplicado para duas mulheres de Óðinn, ou então a esposa original de Óðinn
foi separada em duas deusas, ambas as quais mantêm a distinção do colar e a infidelidade
associada a isso – infidelidade, além disso, com uma pessoa ou pessoas de status social
inferior, um ato particularmente detestável.
Alguns esclarecimentos para este problema podem ser obtidos através da análise das fontes
das duas versões. Embora ambas foram escritas por historiadores tardios, e nem podem ser
consideradas totalmente confiáveis, alguns elementos da versão do Sörla þáttr da história
podem ser verificados como decorrentes do período pagão (heathen). No poema do século IX
‘Haustlöng’, Þjóðólfr ór Hvini chama Loki de “ladrão do Brisingamen”, e em ‘Húsdrápa’ (983)
Úlfr Uggason descreve Heimdallr lutando com Loki por uma joia, que Snorri afirma ser
Brisingamen; Snorri também menciona que Heimdallr pode ser chamado de “aquele que
recuperou o colar de Freyja”, embora ele não cite um uso particular de skald (Edda Snorra
Sturlusonar, I, 264). O relato da Sörla þáttr termina de forma diferente do conto descrito por
Snorri: em Sörla þáttr, o incidente do colar é um mero prelúdio para o conto da eterna batalha
em Hoy, que Freyja instiga ao comando de Óðinn como penitência para obter o seu colar de
volta. Uma vez que esta versão não aparece em nenhum outro lugar, e a antiguidade relativa
da versão alternativa é atestada, pode provavelmente ser tomado que o compositor do Sörla
þáttr inventou o conto de penitência como ponte entre estas duas histórias antigas; certamente
no mais antigo relato desta batalha, aquele de Bragi inn Gamli (século IX), não há nenhuma
referência à intervenção dos deuses. No entanto, não há nenhuma razão para duvidar do conto
básico da aquisição e roubo do colar; e uma vez que o Brisingamen é atribuído à Freyja onde
quer que ela seja mencionada, enquanto Frigg não tem nenhum tesouro específico, a
autenticidade do mito como uma história de Freyja é difícil de questionar. Em contraste, pode
não haver dúvida que qualquer conto dos deuses nórdicos encontra-se por trás da versão da
história de infidelidade de Saxo, (mas) ela deve ter sofrido alterações consideráveis para
aparecer na forma em que ele apresentou. Certamente não existem outros exemplos de
deuses que espoliam santuários de um outro em qualquer outro lugar do corpus nórdico, e este
parece ser um elemento totalmente improvável de mito autêntico. Também pode-se notar aqui
que Saxo parece não ter sabido da existência de Freyja, embora ele mencione Freyr várias
vezes; é concebível que ele poderia simplesmente tê-la deixado fora de seu texto, mas dada a
sua tendência a moralizar a todo momento, parece improvável que ele teria deixado sem lavrar
um campo tão frutífero como a sexualidade de Freyja. Ao passo que o autor de Sörla þáttr,
embora não mencione Frigg, provavelmente pode ser assumido que a tenha conhecido, pelo
menos, o antiquário panteão como apresentado por Snorri; ele certamente não diz em nenhum
ponto que Freyja é a esposa de Óðinn, só que Óðinn “amou Freyja muito porque ela era a mais
bela de todas as mulheres naquela época”(Flateyjarbók II, cap. 228, p. 275). De fato, Saxo,
enquanto seu material de origem foi extremamente amplo e em alguns casos (como a história
de Baldr) parece ter preservado narrativas alternativas válidas dos mitos conhecidos da
Islândia, não é de nenhuma maneira uma fonte confiável para os mitos nórdicos – tais
elementos de autenticidade como os que sobreviveram em seu trabalho o fizeram apesar do
processo de transmissão e sua mão editorial extremamente pesada. Assim, embora não possa
ser totalmente rejeitada a possibilidade de que o relato da infidelidade de Frigg de Saxo fora
baseado em uma verdadeira lenda pagã, também não pode ser considerada como prova
substantiva em si e por si mesma.
Snorri, escrevendo cerca de duzentos anos após a conversão da Islândia, não tem dúvida de
que Frigg e Freyja são duas deusas diferentes, mas as põe em igualdade em termos
estranhamente ambíguos: “Frigg é a mais excelente … Freyja é a mais gloriosa junto com
Frigg, ela foi casada com o homem que é achamado de Óðr” (Edda Snorra Sturlusonar, I, 114).
Desde que Snorri sempre é suspeito de ter dado aos mitos de seus ancestrais pagãos uma
estrutura e especificidade que podem ter-lhes faltado originalmente, também pode-se suspeitar
que ele tinha esclarecido a divisão anteriormente obscura entre as duas deusas dirigentes (ou
nomes ou aspectos de uma deusa única) do povo do Norte. No entanto, Einarr Skúlason,
escrevendo no meio do século XII, refere-se a Freyja como “Óðs beðvina” (‘Øxaflokkr’ 2); e Óðs
mær é dada aos gigantes em Vsp. 25, um tema que também aparece com Freyja como objeto
específico no relato de Snorri da construção dos muros de Ásgarðr e no ‘Þrymskviða’. Isto
sugere que a distinção entre “esposa de Óðr” e “esposa de Óðinn” existiu, pelo menos, tão
precocemente quanto a conversão da Islândia (se a opinião geral de que Vsp. data de
aproximadamente 1000 CE é correta). Além disso, o nome Óðr em nenhum lugar é identificado
como um outro nome de Óðinn; ele não aparece nas þular (listas de nomes poéticos), nem em
qualquer outro lugar fora da conexão com Freyja. A ausência das þular e materiais
relacionados, tais como a lista de nomes de Óðinn em ‘Grímnismál’ pode ser explicada pela
relação óbvia com ‘Óðinn’; no entanto, o nome ‘Óðinn’ em si está listado entre o resto dos heiti
de Óðinn, assim como as múltiplas formas do mesmo tema geral (como Herjan e Herjaföðr ou
Sigföðr e Siggautr); e a ausência do nome dos kenningar exceto no contexto de Freyja também
sugere que Óðr foi, pelo menos, um nome incomum para Óðinn. É concebível que Óðr pode ter
sido inventado como uma figura separada no período cristão, mas implausível, como o
independente “Wod” também sobrevive no folclore da Caçada Selvagem até o sul da Suíça.
Esta evidência, portanto, parece sugerir que a distinção entre a “mulher de Óðr” e a “mulher de
Óðinn” pode ser arcaica: ou seja, pré-datando a Era Viking.
Em contraste com Frigg, Freyja é a deusa da sexualidade considerável e livre. Loki diz dela que
ela dormiu com “todos os deuses e elfos” no hall (Ls 30), um encargo que, aparentemente, ela
não pôde negar. O conto dela vendendo suas afeições para quatro anões pelo Brisingamen já
foi mencionado; quando ela aparece em ‘Hyndluljóð’ como a deusa matrona do herói Óttarr, ela
não é sua mãe adotiva, mas sua amante. Sua patronagem é também, aparentemente, como
a de Óðinn, tão perigosa quanto protetora: Hyndla a acusa de montar Óttarr (a quem ela
transformou em um javali) em seu ‘Valsinni’, uma viagem para ser morto. Só uma vez ela faz-
se aparecer como uma matrona do parto: em ‘Oddrúnargrátr’, uma oração para ajudar no parto
clama por bons espíritos (wights)/Frigg e Freyja e muitos deuses ‘. Este poema, no entanto, é
muitas vezes pensado estar entre os mais jovens dos (poemas) éddicos estabelecidos. Jón
Kristjánsson percebe a influência geral da cristandade em sua falta de poder e drama (Eddas e
Sagas, 64), enquanto Hollander comenta que a invocação de “Frigg e Freyja” é provavelmente
um arcaísmo deliberado introduzido para dar ao poema um sabor pagão (The Poetic Edda,
279), para que este exemplo de Freyja como uma deusa-do-parto deva ser considerada como
algo de espúrio na melhor das hipóteses. Outra das distinções mais claras entre Frigg e Freya
em sua função mítica é o papel de Freyja como o objeto da atenção de gigantes: de acordo
com Snorri, ela é parte do preço pedido pelo gigante que reconstrói os muros de Ásgarðr, e em
‘Þrymskviða ‘, o gigante Þrymr, que roubou o martelo de Þórr, vai devolvê-lo apenas se a ele
for dada Freyja, por sua vez. A implicação desses mitos é que Freyja está disponível; Frigg, em
contraste (apesar do significado original de seu nome, derivado de um verbo “amar” ou
possivelmente “para ter a atividade sexual”), continua a ser bastante não galanteada,
aparentemente segura de sua posição como esposa de Odin.
Freyja também está associada com a magia de uma forma que Frigg não está. Em ‘Völuspá’,
uma bruxa misteriosa chamada Gullveig (“a intoxicação por ouro?”) aparece para causar
problemas entre os Æsir; depois de ser queimada e reviver três vezes, ela perambula sob o
nome de Heiðr, praticando magia seiðr. Na Ynglinga saga (Ch. IV), Snorri diz especificamente
que Freyja primeiro ensinou esta arte aos Æsir; se ele teve acesso a informações mais
específicas do que temos ou foi simplesmente extrapolando ‘Völuspá’, nós não sabemos, mas
um pequeno argumento sério, se houver, foi levantado pela identificação de Gullveig/Heiðr com
Freyja. Frigg, em contraste, pode ter as capacidades proféticas que distinguem as mulheres
germânicas de posição – “ela conhece todos os destinos …. embora ela própria não fale” (Ls
29.) – Mas ela nunca pratica magia nas fontes em nórdico antigo.
Freyja é muito certamente uma deusa da riqueza: a maioria das referências escáldicas a ela
são baseadas em sua associação com o tesouro. O ouro é o choro de Freyja, um objeto
precioso é referido como sua filha. Einarr Skulason diz em ‘Øxaflokkr’ que “a sobrinha de Freyr
(seja Hnoss ou Gersimi) carrega os cílios de chuva de sua mãe”- significado,”Há ouro no objeto
precioso”. As palavras Hnoss e Gersimi, nomes das filhas de Freyja de acordo com a Snorra
Edda, foram ambas comumente usadas para” tesouro “, o que torna não só possível, mas
provável, que a identificação destas como filhas de Freyja era um produto simples de
convenção poética em que Freyja foi reconhecida como a fonte de tesouro – talvez como
aquela que chora de lágrimas de ouro, talvez como uma deusa dominante sobre a riqueza. O
papel de uma divindade da riqueza é algo que Freyja tem em comum com Óðinn – ele possui o
bracelete (arm-ring) Draupnir, que goteja oito anéis de ouro do peso igual ao seu próprio a cada
nove noites, e a própria Freyja menciona que ele é um doador de ouro (Hynd 2-3) – mas não
com Frigg.
De várias maneiras, Freyja parece muito mais com uma equivalente feminina de Óðinn do que
Frigg é: ambos são geradores de ouro e mágicos, ambos andarilhos, e ambos livres com seus
favores pessoais. Além disso, Freyja também parece funcionar como uma deusa da batalha e
deusa da morte, que Frigg aparentemente não. O nome do salão de Freyja, ‘Fólkvangr’,
significa ‘Planície do Exército’; é, de fato, um campo de batalha, e ‘Grímnismál’14 nos diz que
Freyja escolhe metade os mortos todos os dias, enquanto Óðinn tem a metade. A frase
“escolhendo os mortos” pode parecer um pouco ambígua; ela poderia se referir tanto a escolha
de quem deve morrer ou fazer uma seleção dentre os mortos. No contexto de Óðinn, o
significado normal parece ser “a escolha de quem deve morrer”; mas este versículo em
particular, com a implicação dos dois deuses dividindo um despojo específico, sugere a última
interpretação. Entretanto, o interesse especial de Freyja na coleta de guerreiros parece implicar
um papel de deusa da batalha, como outras referências à vida após a morte nórdicas parecem
nos dizer que os mortos vão para onde eles são mais adequados – quer se juntar a seus
parentes, ou para o salão do deus que corresponde ao seu status social e pessoal. O fato de
que Freyja e Óðinn compartilham uma função como aparentemente iguais, empresta alguma
credibilidade à teoria de que Freyja pode originalmente ter sido vista como a esposa de Odin.
No entanto, também deve ser notado que os deuses nórdicos, muitas vezes duplicam funções,
particularmente entre os Vanir e os Æsir: por exemplo, Njörðr e Þórr são ambos chamados
para bons ventos no mar; Freyr e Óðinn são ambos intimamente associados com a realeza e a
relação do governante com seus antepassados, bem como sendo ambos deuses da batalha
(embora ‘habilidoso em batalha’ Freyr luta bem mais em pessoa do que faz Óðinn). Assim, o
relato de Freyja e Óðinn repartirem entre si os mortos também poderia, eventualmente, ser
interpretado como refletindo a distinção entre os panteões Vanir e Æsir.
Por outro lado, o possível apoio para a identidade próxima de Frigg e Freyja pode ser
encontrado em consideração do fato de que elas aparecem juntas em apenas dois poemas
eddaicos, ‘Oddrúnargrátr’, (discutido anteriormente) e ‘Lokasenna’. A idade do ‘Lokasenna’ é
mais discutível do que a de ‘Oddrúnagrátr’: por um lado, tem-se argumentado que o tratamento
satírico dos deuses sugere um autor cristão; por outro, a linguagem e métrica sugerem uma
data antiga (Eddas and Sagas, 39), e Gurevich propõe a teoria de que esta zombaria, “deve ser
interpretada não como um sinal do “crepúsculo” do paganismo, mas como uma marca da sua
força” (Historical Anthropology of the Middle Ages, 167); em ambos os casos, o poema parece
ter preservado uma quantidade de sabedoria antiga, e não pode ser descartado tão
levianamente. Embora os nomes das duas deusas não sejam mencionados juntos em
‘Grímnismál’ ou ‘Völuspá’, estes poemas parecem conter referências a ambas as divindades.
Em ‘Grímnismál’, com a sua extensa categoria de deuses e suas moradias, somente Freyja é
chamada diretamente; mas Sága, que bebe com Óðinn em Sökkvabekkr, pode ser uma
variante de Frigg utilizada para fins aliterativos (embora o próprio nome de Frigg seja usado
para aliterar com a de seu salão Fensalir em ‘Völuspá’). Hollander sugere que os nomes dos
dois salões, “Bancos Imersos” e “Salão do Pântano”, podem ser comparados, e o próprio
versículo sugere uma estreita relação permanente entre Sága e Óðinn: “Frescas ondas colidem
ao redor do quarto que é chamado Sökkvabekkr. Óðinn e Sága bebem lá alegremente todos os
dias em recipientes dourados” (GRM 7). Em ‘Völuspá’, apenas Frigg é mencionada pelo nome,
mas a doação da “serva de Óðr” aos gigantes também é descrita, como é a aparência da bruxa
misteriosa chamada Gullveig ou Heiðr, a qual inicia a guerra entre os Æsir e os Vanir . Snorri
relata a história anterior como Freyja como o preço; e, como já foi mencionado anteriormente,
há pouca disputa para a teoria de que Gullveig/Heiðr é também uma forma de Freyja. A data
provável de ‘Völuspá’ e a questão da orientação religiosa de seu compositor (geralmente
considerada sendo misturada, como um pagão (heathen) infectado com a teologia milenar
cristã ou um cristão ainda mergulhado na tradição ancestral) levantou questão considerável
para a sua precisão como um reflexo de crença pagã (heathen) escatológica, mas a veracidade
da metade anterior do poema raramente é posta em causa.
Na poesia escáldica, Freyja e Frigg são retratadas como pessoas decididamente diferentes.
Óðinn é “Friggs faðmbyggvi” (“o que mora no abraço de Frigg”) em um dos mais antigos
poemas escáldicos sobreviventes, Haraldskvæði (início do século décimo); Já foi mencionado
anteriormente ‘descendentes de Frigg’ o kenning do final do século X para os deuses. Embora
ambos os nomes sejam usados como partes de kenningar para “mulher”, o mesmo pode ser
dito de todas as deusas e valquírias. Fora isso, eles não se sobrepõem. Frigg é referida em
termos de seus relacionamentos familiares (esposa de Odin, a mãe de Balder, mãe dos
deuses), que são claramente distintos de Freyja (mulher de Óðr, filha de Njörðr, a irmã de
Freyr); na verdade, de acordo com Snorri, a origem Vanir de Freyja é fortemente enfatizada por
tais descrições como Noiva-Vanir e Vanadís. O aparecimento mais comum de Freyja na poesia
escáldica está em kenningar para o ouro, como discutido anteriormente; Frigg não tem essas
conexões.
Até onde se sabe dos materiais literários sobreviventes em nórdico antigo, então, parece
bastante claro que Freyja e Frigg estavam firmemente diferenciadas, não só nas narrativas dos
antiquários, mas provavelmente também na Era Viking. Isso pode, no entanto, ter sido uma
propriedade do processo de criação de mitos: um conto requer um assunto definido, e o mito
não é de forma alguma garantido refletir qualquer crença comum ou prática de culto com
precisão total. Ainda é plausível que os poetas e contadores de histórias podem ter exagerado
a distinção entre dois aspectos da esposa de Odin para atender seus propósitos narrativos –
tanto mais que, uma vez que muitas das fontes me referi provavelmente decorrem do período
pós-pagão, quando o valor da narrativa dos contos em questão era mais importante do que a
descrição da crença religiosa real. Topônimos compostos com “Frigg” são relativamente
poucos, enquanto há um grande número que pode ser composto com Freyja; no entanto, é
difícil distinguir entre os elementos de nome ‘Freyja’ e ‘Freyr “, o que confunde a questão
consideravelmente, como sabemos que Freyr era um dos deuses mais populares. Pelo menos
pode-se dizer que não há uma distinção regional significativa entre os topônimos compostos
com Frigg- e Freyja/Freyr, que de outra forma teria defendido uma identidade básica de Frigg e
Freyja; mas a falta de uma tal distinção prova pouco.
No entanto, um majoritário, e raramente discutido, ponto da questão é esse levantado por
Adam de Bremen do relato do templo pagão em Uppsala. Segundo ele, as três grandes
imagens de deuses, que eram as de Thor, com seu “cetro”, Wodan, armado para a batalha, e
‘Fricco, distribuindo paz e prazer entre os homens, cujo ídolo é formado com um gigantesco
‘priapus’ (falo, pênis)… Se peste e fome ameaçassem, uma libação vertia-se para o ídolo Thor;
se a guerra, a Wotan; Se os casamentos estão sendo comemorados, para Fricco. ‘Este último
foi geralmente identificado com Frey por várias razões. Em primeiro lugar, Þórr, Óðinn, e Freyr
parecem ter sido os deuses mais populares da Era Viking; eles não dominam apenas nos
mitos, mas Þórr e Freyr (ou Freyja) são as divindades mais frequentes a aparecer em nomes
de lugares e pessoas. Freyr é especialmente associado com Uppsala e a Suécia, em geral,
tanto por Saxo quanto por Snorri; é, portanto, natural supor que sua estátua iria permanecer em
um dos três lugares altos no grande templo lá. Além disso, Snorri diz-nos, tanto na Edda em
prosa e na Ynglinga saga, que Freyr é o deus a se recorrer para a “prosperidade e a paz”, e
que ele governa sobre a “chuva e o sol, e assim … o que a Terra produz”. Apesar de tudo isso,
é impossível derivar o nome ‘Fricco’ de Freyr. Como Paulo Bibire apontou-me, ‘Fricco’ é uma
derivação Latina perfeitamente regular do que teria sido a forma masculina fraca de Frigg: isso
indica que Adam de Bremen, ou um de seus informantes, pode ter sabido de um deus nórdico
antigo chamado *Friggi. Se este deus era idêntico a Freyr, esta parece ser prova bastante
conclusiva de uma identidade original de Frigg e Freyja, como parece extremamente
improvável que uma deusa deva compartilhar um nome com um deus com o qual ela não tinha
qualquer relação, ou que um deus único deve ser a metade masculina de dois duplos
masculinos/femininos distintos. Como a palavra-raiz tinha deixado de ser produtiva muito
precocemente, é impossível que este poderia ser um título: deve ter sido um nome pessoal
preservado por alguns séculos ou, eventualmente, uma formação secundária do nome Frigg. A
presença da relação de duplicata em si não é prova suficiente de que *Friggi/Frigg são
idênticos com Freyr/Freyja; existem vários outros exemplos, não só entre o culto Vanir (como
com a dupla provável de Njörðr e ‘Nerthus’, e talvez Fjorgyn/Fjörgynn), mas também entre os
Æsir: a deusa Zisa, duplicata etimológica de Tyr ou Ziw, foi aparentemente adorada na área de
Augsburg (Teutonic Mythology I, 291-99). No entanto, a evidência a favor da identificação de
Adam de Bremen de Fricco com Freyr, embora em grande parte circunstancial, não pode ser
descartada. Isto apresenta problemas consideráveis em si: entre eles o fato de que o nome
*Friggi não é atestado de outra forma; topônimos de Freyja/Freyr superam amplamente
topônimos de Frigg, na Suécia, e também não existe a certeza de que Adam de Bremen não
traduziu os nomes de deuses (teônimos) do nórdico antigo para o alemão, onde ele podia. Na
verdade, ele certamente fez com Óðinn; e Grimm que comenta que “É a confusão de (Freyja e
Frigg) que irá explicar como Adam de Bremen colocou Fricco em vez de Fro para Freyr … ele
teria igualmente dito Fricca para Freyja. Fricco, Friccho, Friccolf estavam em uso como nomes
próprios em Alto-Alemão Antigo”(Teutonic Mythology I, 301). Embora a avaliação de Grimm
pode basear-se mais em seus próprios pontos de vista de mitologia germânica do que uma
avaliação completa do material de origem, como podemos ver com a tradução de Adam de
Óðinn como Wodan, ele teria de fato usado formas alemãs quando ele as conhecia; e mais, ele
não tentou latinizar quer ‘Thor’ ou ‘Wodan’, por isso pode ser justo perguntar por que ele
deveria ter latinizado *Friggi. Desde que os nomes do-tipo-‘Fricco’ não só aparecem em alemão
antigo, mas não eram particularmente raros, há um razoável grau de incerteza se Adam
realmente conhecia ou não uma forma *Friggi, ou se ele poderia ter usado ‘Fricco’ como uma
forma alemã de um conhecimento confuso do panteão.
Na área da tradução, há também o problema vexatório de identificação de Frigg com Vênus, o
que é consistente na maioria das versões germânicas dos dias da semana. No “Solomon e
Saturno” anglo-saxão, o homilista comenta que “o sexto dia estabeleceu-se para a deusa sem
vergonha chamada Vênus, e Frycg em dinamarquês”. Se as correspondências traçadas entre
os teônimos latinos e germânicos eram confiáveis, a identificação de Frigg com Vênus, em vez
de Juno, pode ser um ponto forte em favor de considerar Frigg e Freyja terem sido
originalmente a mesma divindade. No entanto, essas correspondências foram limitadas pelos
nomes latinos existentes para os dias da semana: Vênus foi a única deusa disponível, e ainda
mais, Óðinn não é identificado como Júpiter, mas como Mercúrio. É provável que a “falta de
vergonha” para que o pregador estava se referindo é a de Vênus, associada com Frigg apenas
pela ligação de seus nomes no dia da semana, uma conexão que também parece ter definido o
padrão geral para a tradução de teônimos germânicos em glosas em outros lugares.
A principal dificuldade para avaliar a ausência de “Freyja” na maior parte do mundo germânico,
onde era conhecida “Frigg” é a ausência de harmonização das provas para qualquer uma das
outras divindades de sua família de deuses, os Vanir, nas mesmas áreas. A origem da
distinção entre os Æsir e Vanir é incerta: tem sido sugerido que os Vanir representam um
estrato pré-indo-europeu da religião escandinava; Dumézil também comparou a guerra do Æsir
e Vanir ao conto indiano da guerra entre o Nasayata e o resto do panteão. Em ambos os casos,
esta distinção é provavelmente antiga; isso é feito o mais provável pela dificuldade considerável
de traçar a etimologia do nome “Vanir”. No entanto, encontrar os próprios deuses Vanir fora da
Escandinávia é muito difícil. A não especificidade provável do título fro/frea/frauja já foi
mencionada; Nerthus, a “Terra Mater” dos alemães do Mar do Norte (cujo nome, ou o seu
equivalente masculino, evoluiu para o nórdico antigo Njörðr, pai de Freyja e Freyr), não aparece
ao sul do Mar do Norte. A questão de saber se Freyr, ou melhor, o deus ao qual foi dado esse
título na Escandinávia, foi conhecido em outras partes do mundo germânico, é um pouco mais
torturante. Se ele é, de fato, o mesmo deus que Ing ou *Ingwaz, para o qual existe uma
razoável, embora um pouco disputada, quantidade de evidências, ele era aparentemente
conhecido pelos godos: um nome rúnico Enguz aparece no Salzburg-Wiener Ms. Este nome,
se não a letra para a qual ele estava sendo utilizado, corresponde ao da runa Ing anglo-saxã, o
versículo pelo qual descreve-se o que pode ser uma procissão ritual do tipo que Tácito associa
com Nerthus e Gunnars þáttr helmings atribui a Freyr. Muita tinta foi derramada sobre se o
‘Phol’ do Zweite Merseburger Zauberspruch não pode também ser a mesma divindade que o
nórdico antigo Freyr, mas a evidência é demasiado escassa para permitir uma tal hipótese
como plausível. Também é importante notar que, enquanto as formas da palavra *Ansuz
(singular de Æsir) são encontradas em todos os ramos da língua germânica, “Vanr” aparece,
tanto quanto nós podemos dizer, apenas em nórdico antigo. Se os Vanir eram conhecidos
apenas aos escandinavos e alemães do Mar do Norte (e talvez para os godos), o que torna
muito menos provável que o (nome) comum germânico *Frijjo era originalmente um deles. Além
disso, o nome de Freyja pode muito bem ser uma formação feminina fraca derivada de Freyr, o
que implicaria a sua inseparabilidade básica; e isso é confirmado por suas semelhanças com o
irmão nos materiais em nórdico antigo: eles compartilham um animal sagrado, o suíno (e, de
fato, ambos montam um javali chamado Gullinbursti), algumas das suas funções (a prestação
de riqueza e prazer), e, de acordo com Loki, uma cama; a atração que Freyja detém a
contragosto para gigantes do sexo masculino tem paralelo na direção oposta pelo processo um
tanto tempestuoso dos namoros entre o Vanir masculino e mulheres gigantas. Freyja é definida
por sua associação com os Vanir – ao passo que a importância de Frigg parece ser
principalmente em sua associação com Wodan. Isto é assim não só nos materiais em nórdico
antigo, mas no continente, onde Frija nunca aparece independentemente de seu marido; é uma
suposição razoável que o culto de Frigg espalhou-se com o de Wodan. Não é impossível que,
se a esposa de *Wodhanaz tinha inicialmente sido uma dos Vanir, esse processo de migração
pode ter a separado de seu kin nas crenças das tribos nômades, deixando a relação intacta na
Escandinávia; mas se a separação entre Frigg e Freyja era um produto das migrações
germânicas arrancando a esposa de Wodan de seu clã escandinavo, parece improvável que a
personagem vagante de Frigg devesse ter então retornado a assumir o cargo de chefe esposa
de Óðinn no Norte. Alternativamente, se as teorias sobre o culto de Wodan surgindo pela
primeira vez no sul e chegando mais tarde à Escandinávia estiverem corretas, isso fortemente
sugeriria origens completamente diferentes para Frigg e Freya.
Finalmente, deve-se notar que as características da Frigg nórdica estão intimamente refletidas
nos materiais escassos que temos sobre esta deusa no continente. Isto é visto na semelhança
de caráter entre a Frea do Origio gentis Langobardorum, que engana Óðinn para trair seus
favoritos e conceder a vitória aos dela, e a Frigg do prólogo Grm., que engana Óðinn para
destruir seu filho adotivo que tinha sido o rival dela. Além disso, no Zweite Merseburger
Zauberspruch, Frija tem uma “irmã”, cujo nome, Volla, é idêntico ao da deusa nórdica Fulla, que
Snorri descreve como “serva” de Frigg. Embora o material em nórdico antigo, a respeito de
Freyja tenha sobrevivido, ela não tem nada em comum, tanto quanto nós podemos dizer, com a
Frija continental exceto um certo conhecimento de magia, que foi compartilhado por muitas das
divindades germânicas.
Se Frigg e Freya foram originalmente deusas diferentes, nunca poderá ser definitivamente
comprovado, mas pelo qual um caso mais relevante pode, creio eu, ser feito então ao inverso,
deixamos então com a questão de explicar a relação entre Freyja e Óðr, que tem sido um dos
pontos mais fortes que sugerem uma identidade original de Frigg e Freya. É muitas vezes
esquecido, no entanto, que as pessoas germânicas ocasionalmente praticavam a poligamia.
Em Germania, Tácito comenta que “as poucas exceções (à monogamia germânica) …
consistem daqueles com quem o casamento poligâmico é ansiosamente procurado por uma
questão de alto nascimento” (cap. 18, p. 157). Vários dos reis merovíngios, e os carolíngios,
embora ainda chefes de palácio, são conhecidos por ter tido casamentos poligâmicos; entre os
códigos legais germânicos, tais relações foram proibidas apenas pelo Código Visigótico. Na
Escandinávia, a poligamia também era rara, mas Harald Hairfair, por exemplo, teve várias
esposas ao mesmo tempo. Como as atividades de deuses tendem a refletir as normas sociais
de seus cultuadores, não é, portanto, de nenhuma maneira inconcebível que Óðinn, segundo o
costume de alguns chefes germânicos na terra, poderia ter se alegrado em Freyja e Frigg
simultaneamente em algum momento – uma forma de união cada vez menos comum entre os
seres humanos e, portanto, menos facilmente reconhecida entre os deuses, por meio da Era
Viking e a cristianização do Norte.
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O culto de Nerthus
PORTUGUÊS
O culto de Nerthus
Sonne Heljarskinn
Ao leitor que venha a entrar em contato com este texto por motivos religiosos: ele é um
compêndio histórico dos diversos cultos à fertilidade entre os povos germânicos. Mas não
apenas isso. É um amontoado (muitas vezes desconexo) de informações. Ele requer atenção,
e pesquisa posterior. Ao que me parece Schütte aqui não fez se não um plano para uma obra
maior ou discussão mais ampla. Ainda assim, as informações aqui reunidas são valiosas para
se direcionar pesquisas. É um texto complexo porque diz muito em pouco espaço, assim, exige
paciência e concentração. Possivelmente também releitura. Mas eu aconselho. Fornece
informações e conclusões históricas muito interessantes, tanto aos estudantes dos antigos
germanos, quanto aos reconstrucionistas da religiosidade desses povos. Tendo em vista que
este texto não é um “guia para um ritual a Nerthus”, o leitor não irá se decepcionar,
principalmente se lhe apraz um enigma para resolver.
Agradecimento especial a Natália Freitas que se dispôs a revisar minha (falhíssima) tradução
inicial. Bem como eu, ela sabe o quanto a fonte inglesa estava com erros de ortografia,
concordância e elipses que tentamos preencher conforme a lógica assim nos fazia concluir. Foi
um desafio e tanto traduzir este texto. E espero sinceramente que vocês gostem dele, e que
auxilie nas pesquisas das comunidades Ásatrú e Anglo-saxonista brasileiras e falantes de
português internacionais.
1. Introdução – Tradição
Nenhuma religião tem um lugar tão venerável dentro antigo saber mítico [myth-lore] do norte
como o culto de Nerthus. Isto é percebido através dos textos mais antigos que qualquer outro
culto dentro desse grupo de nações as quais eram chamadas em nórdico antigo de Got-thiod,
em Inglês Antigo “EÞel Gotena” (Widsith) – nós aqui preferimos dizer: o grupo Gottonic (1).
O pequeno esboço que se segue não pretende ser um estudo especial sobre o saber mítico ou
folk-lore. Ele simplesmente coleta aqueles fatos que involuntariamente se apresentam a
qualquer aluno a que ocorre ler as provas em questão. Para particularidades sobre a
discussão, veja os trabalhos dos especialistas, como o alemão: Müllenhoff; o dinamarquês:
Axel Olrik; o sueco: Axel Kock; o inglês: H. M. Chadwick.
A base de nossas noções sobre o culto Nerthus é uma série de identificações linguísticas e
mitológicas. Nerthus, principal deusa dos Anglos, é identificada com Niærth ou Niorðr, principal
deus de algumas tribos escandinavas. O primeiro nome é o exato estágio linguístico mais
antigo do último.
Niorðr é casado com sua própria irmã; eles têm um filho Freyr e uma filha Freyja, que em
tempos posteriores herdam o lugar dos pais. Este par secundário de divindades é como uma
”emanação” do primeiro.
Freyr, também chamado Fricco, é aquele que transmite a paz sagrada, em nórdico antigo:
fróða-friðr. Ele reaparece como um deus destronado no rei sueco Frø, e como o rei
dinamarquês Frið-Fróði ou Frode Fredegod, o que transmite o fróða-friðr.
Uma diferenciação ritual é observada, de acordo com o sexo da divindade: a Nerthus feminina
como um sacerdote, o macho Nerthus (Freyr) como uma sacerdotisa. Cf. Tácito sobre o culto
dos dioscures (“tveir lladdingjar“) entre os Vândalos: os sacerdotes têm vestido feminino.
Um motivo da morte aparece: a morte real ou desaparecimento da divindade está oculto para
as pessoas comuns, ao passo que os sacerdotes continuam recebendo os sacrifícios: Freyr
(duas tradições diferentes), Frode Fredegod. O mais provável é uma mera fortuidade que o
mesmo recurso não aparece na tradição sobre a Nerthus feminina.
O elemento naval é enfatizado mais na tradição sobre Niorðr do que nas tradições sobre a
Nerthus feminina e sobre Freyr.
O elemento de fertilidade é, no culto de Freyr, combinado com ritos fálicos. Esse recurso
especial não aparece na tradição sobre a Nerthus feminina, mas é muito natural que ele fora
eliminado aqui, pois não concordava com a tendência Tácito de idealizar os Gottons.
A maior parte das declarações acima são geralmente aceitas pelos especialistas.
Há alguma discórdia sobre a extensão do grupo dos Inguions. A maioria dos alemães
identificam arbitrariamente o grupo com os anglo-frísios, excluindo os escandinavos. Outros
alemães, como Rieger, Kosinna, têm mostrado a futilidade desta suposição. Nós aqui seguimos
Chadwick, que coloca o centro dos Inguions exatamente em solo dinamarquês.
Em sua “Germania”, C. 40, Tácito fala de uma comunidade religiosa por trás dos Semnons e
Langobardos, já pertencente parcialmente às “partes menos conhecidas do país Gottonic”
(Secretiora Germanicæ). [Estes são] Os membros da comunidade [dos] Reudignos (Reudigni),
Avinhões, Anglos, Varinos, Eudósos, “Suarinos” ou “Suardões” e “Nuitões”; os dois últimos
nomes estão sem dúvida corrompidos – podemos corrigi-los por Charudes e Euthones, ou seja,
“Harudes”, e Jutos. (Veja sob o III.)(3)
Não há nada de especial a dizer sobre essas tribos, exceto que eles adoram Nerthus
conjuntamente, ou seja, a “Mãe Terra”. Em uma ilha no oceano há um bosque virgem, e é aí
que [há] uma carruagem sagrada, coberta por um dossel. Ninguém está autorizado a tocá-la,
exceto o sacerdote; ele percebe quando a deusa está presente no santuário; em seguida, ele
coloca o gado do sexo feminino no carro e o segue com grande veneração. Então eles têm dias
alegres, e estão festejando em todos os lugares, que a deusa honra com sua presença. Eles
não começam guerras, e não tocam em armas; todo o ferro está trancafiado. Paz e bom tempo
é a única coisa que eles conhecem aí e aspiram. E assim vai, até que finalmente a deusa se
cansa da relação com os seres mortais e se retira para seu templo. Então, imediatamente o
carro e as roupas, e, se pode-se acreditar, a deusa são lavados em um lago secreto. Escravos
fazem o serviço de lavagem, e imediatamente depois eles são engolidos pelo lago. Daí é a
origem do misterioso terror e a ignorância sagrada sobre aquilo que pode ser o que ninguém
está autorizado a ver a menos que ele esteja preparado para morrer. “
Depois de descrever a forma como o republicanismo dos Gottons sulistas é substituída pela
realeza entre os godos na Prússia, Tácito continua, tornando os suecos representantes de
realeza absolutista. Os Sitons (= Kvænes), ao norte dos suecos, formam a parte superior do
clímax, sendo reinados por uma rainha. Sobre os suecos, ele diz: “Eles dão muito valor à
riqueza e, portanto, um único homem governa, sem exceções. As armas não são concedidas a
ninguém indiscriminadamente, como entre os outros Gottons, mas trancadas sob a custódia de
um escravo. Pelo oceano proíbem-se incursões repentinas de inimigos, e mãos de homens
armados frequentemente golpeiam (‘lasciviunt’), quando eles estão ociosos”. Toda a descrição
é, obviamente, devido a um relatório exagerado sobre a paz ritual durante os sacrifícios.
Freyr assumiu o governo após Niorðr. Ele foi chamado de Senhor dos suecos, e levou ofertas
tributárias deles; ele foi gentil, e o que concedeu bons anos, como seu pai. Freyr construiu um
grande templo perto de Upsala, e assumiu a sua residência lá, dotando-a de todos os seus
rendimentos e bens. Esta foi a origem da terra real de Upsala, que desde então tem sido
preservada. Nos seus dias a “paz de Frode” começou, com a fertilidade nas terras. Os suecos
atribuíram a Freyr, e, portanto, ele era adorado mais do que todos os outros deuses, de modo
que as pessoas ficaram mais ricas. Sua esposa era Gerd, filha de Gymir; seu filho foi Fiolnir.
Freyr também foi chamado Yngvi. Este nome foi usado por muito tempo como um título
honorário dentro de sua família e os seus homens foram chamados Ynglings. Freyr finalmente
ficou doente. Quando sua morte estava se aproximando, seus homens permitiram apenas
poucas pessoas de vê-lo, enquanto eles próprios construíram uma grande colina com uma
porta e três pequenas janelas. Quando Freyr estava morto, o levaram secretamente para
dentro da colina, dizendo aos suecos que ele ainda estava vivo. Eles o guardaram ali por três
anos, mas todos os tributos eles despejaram dentro da colina, o ouro através de um buraco, a
prata através de um outro, e o cobre através do terceiro. Então, a fertilidade e a paz
persistiram.”
“Freyja continuou os sacrifícios. Ela agora foi deixada como a única ainda viva dos deuses…
Quando os suecos notaram que Freyr estava morto, e que nunca a paz e da fertilidade duraram
tão pouco, eles acreditaram que iria permanecer assim, enquanto Freyr estivesse na Suécia;
portanto não quiseram queimá-lo, mas o chamaram de “deus do mundo”, e trouxeram-lhe
sacrifícios em prol da fertilidade e paz daí em diante. ”
Parte II
O norueguês Gunnar Helming era suspeito de ter cometido um assassinato. Por medo do rei
Olaf ele fugiu para a Suécia. Lá passaram a haver grandes sacrifícios em honra a Freyr, e seu
ídolo tinha um tal poder que o diabo falou através dele, e [o ídolo] tinha sido dado a uma jovem
esposa. As pessoas acreditavam que eles poderiam ter relação sexual. A esposa de Freyr era
bonita (Gerda?), e ela tinha o domínio sobre o templo. Gunnar pediu-lhe por abrigo. Ela
respondeu: “Você não está afortunado, pois Freyr não gosta de você. No entanto, fique aqui
por três noites, e nós poderemos ver.”. Ele disse: “Eu prefiro ser ajudado por você do que por
Freyr.” Gunnar era uma pessoa muito contente e animada. Depois de três noites, ele perguntou
se ele poderia ficar lá por mais tempo. “Eu não sei exatamente”, disse ela. “Você é um pobre
coitado, e ainda, ao que parece, de uma boa descendência, eu gostaria de ajudá-lo, apenas
tenho medo que Freyr lhe odeie. Ainda assim, permaneça aqui metade de um mês, e podemos
ver novamente”. Gunnar agradou os suecos bem por causa de sua animosidade e inteligência.
Depois de algum tempo, ele falou de novo com a mulher de Freyr. Ela disse: “O povo gosta
bastante de você, e eu acho que é melhor você ficar aqui neste inverno e nos acompanhar
quando Freyr faz sua jornada anual. Mas devo dizer-lhe que ele ainda está com raiva de você”.
Gunnar agradeceu-a imensamente…
Agora a época do festival havia chegado, e a procissão começou. Freyr e sua esposa foram
colocados no carro, enquanto os seus agentes e Gunnar tiveram de caminhar ao lado. Quando
guiando pelas montanhas, eles foram surpreendidos por uma tempestade e todos os servos
fugiram. Gunnar permaneceu. Por fim, ele se cansou de andar, entrou no carro e deixou que os
bois que guiavam se fossem como queriam. A esposa de Freyr disse: “É melhor você tentar e
andar novamente, pois de outro modo Freyr se levantará contra você”. Gunnar fez isso, mas
quando ele ficou muito cansado, ele disse: “De qualquer maneira, deixe-o vir, vou enfrentá-lo”
Então surge Freyr, e eles lutam até que Gunnar perceber que ele está ficando mais fraco. Em
seguida, ele pensa consigo mesmo que, se ele superar esse Inimigo poderoso ele vai voltar
para a fé correta e se reconciliar com o rei Olaf. E imediatamente após [isso,] Freyr começa a
dar lugar, e depois a afundar. Agora, este Inimigo salta do ídolo, e ele estava ali vazio. Gunnar
partiu-o em pedaços e deu à esposa de Freyr duas alternativas: que ele fugiria, ou que ela
poderia declará-lo publicamente ser o deus Freyr. Ela disse que estaria disposta a declarar o
que ele gostaria. Agora Gunnar [estava] vestido com as roupas de Freyr, o tempo melhorou e
eles foram para o festival. As pessoas ficaram muito impressionadas com o poder de Freyr,
porque ele foi capaz de visitar o país em tal tempestade, apesar de todos os servos terem
fugido. Eles se perguntavam como ele andava entre eles e falava como os outros homens.
Assim Freyr e sua esposa passaram o inverno indo a festivais. Freyr não era mais eloquente
em relação às pessoas do que sua esposa, e ele não iria receber vítimas vivas, como antes, e
nem oferendas com exceção de ouro, seda e boas roupas. Depois de meses, as pessoas
começaram a perceber que a esposa de Freyr engravidou. Eles acharam isso esplêndido, e
muitos esperavam grandes maravilhas do seu deus Freyr. Além disso, o clima estava bom, e
parecia que haveria uma tal colheita como ninguém se lembrava de ter visto antes. Os rumores
do poder de Freyr foram relatados para a Noruega, e também trazidos diante do rei Olaf. Ele
tinha alguma suspeita da verdade e perguntou ao irmão de Gunnar, Sigurd, o que ele sabia
sobre o exilado. Sigurd de nada sabia. O rei disse: “Eu acredito que este poderoso deus dos
suecos, que é tão famoso em todos os países, não é outra pessoa senão seu irmão Gunnar.
Por outro lado, aqueles que são os melhores homens onde vivem, são abatidos. Então te envio
para a Suécia, porque é terrível saber que a alma de um homem cristão deva estar numa
situação assim. Vou deixar a minha raiva, se ele vier voluntariamente, pois agora eu sei que ele
não cometeu o assassinato”. Sigurd imediatamente foi para a Suécia e levou a seu irmão estas
notícias. Gunnar respondeu:. “Certamente eu poderia voltar de bom grado, mas se os suecos
descobrirem a verdade, eles vão me matar.” Sigurd disse: “Nós devemos secretamente te levar
para longe, e certifique-se de que a misericórdia de Deus, da boa fortuna do rei Olaf é mais
poderosa do que os suecos”. Então Gunnar e sua esposa preparam a sua fuga, levando com
eles tantos bens quanto eles foram capazes de transportar. Os suecos saíram em perseguição
deles, mas perderam o rastro e não encontraram-nos. Então, Gunnar e sua gente chegou na
Noruega e foram até o Rei Olaf, que os recebeu bem e o fez batizar sua esposa.
6. POEMA ÉDDICO SKIRNISMÁL SOBRE O AMOR DE FREYR POR GERÐ – Freyr aqui
aparece como a encarnação do desejo sensual.
7. ADAM DE BREMEN SOBRE FRICCO. – De acordo com Adam, os três deuses principais dos
suecos tiveram um templo em Upsala. O mais venerado era Fricco, que foi representado “cum
ingenti priapo” (com um imenso falo). O nome de Fricco pode conter a mesma raiz indo-
europeia que Priapos (do latim, ‘’falos’’), mas pode ao mesmo tempo ter sido considerado como
uma forma de estimação de “frið-goði”, “o bem-da-paz”.
8. SAXO SOBRE O REI FRØ. – De acordo com Saxo, havia um tempo em que os suecos eram
governados pelo rei Frø, que era um tirano cruel. Depois de conquistar um norueguês, o rei
Siward, ele costumava levar consigo as esposas e filhas dos homens mais notáveis da
Noruega, obrigando-os a uma variedade de infâmias. Por causa de sua crueldade e lascívia ele
foi finalmente morto por Ragnar Loðbrók.
9. SAXO SOBRE OS FILHOS DO REI FRØ. — O campeão Starkad, habitou por sete anos com
os filhos do rei Frø na Suécia. Por fim, ele não podia mais suportar a dança lasciva e renitente
que teve lugar em Upsala durante os tempos de sacrifício. Então ele partiu para a Dinamarca.
[Não Rei Frø, mas o deus parece ser intuído diretamente.] O relatório prossegue com uma
descrição dos ritos bastante semelhantes na corte do Rei irlandês, Hugleth, que é morto por
Starkad e Haki. Snorri tem exatamente o mesmo relatório sobre a destruição do rei lascivo e
sua corte. Mas aqui a cena é em Upsala. Entre o povo do rei Hugleik, Snorri também menciona
feiticeiros (“seiðmenn”). É, obviamente, Snorri que preserva a localização correta; toda a
tradição deve ser encaminhada para o culto sueco de Freyr.
10. SAXO SOBRE O REI FRODE FREDEGOD. — O que Saxo relata em seu quinto livro sobre Rei
Frode Fredegod é misturado com a fantasia das sagas islandesas de produção mais ou menos
individual. Toda a estória das batalhas e conquistas de Frode precisa ser eliminada. O que
resta é uma tradição ritual a qual pode ser resumida da seguinte maneira: Frode estabeleceu
uma paz firme e sagrada (fróða friðr). A fim de manifestar sua firmeza, ele colocou tesouros
destrancados perto das estradas elevadas em dois pontos da Noruega e também em Jutland.
Ninguém se aventurou a roubá-los. Finalmente uma bruxa persuadiu seu filho a roubá-los para
ela, e quando o rei partiu para punir o ladrão, ela se transformou em um peixe-boi (sea-cow) e
chifrou-o com seu chifre. Frode morreu por causa ferida. Mas seus chefes embalsamaram o
corpo dele, colocaram-no em um carro, e arrastaram-no em torno do país; então pessoas
crédulas acreditavam que ele ainda estava vivo, e pagaram seus impostos como antes. O
cadáver, afinal apodreceu tanto que eles não podiam suportar o mau cheiro; então eles o
enterraram perto Værebro, na ilha Sealand. N. B. — Esta localidade fica próxima de Ud-Lejre,
lembrando um nome do famoso lugar de adoração da Sealand.
Nós não levamos em conta os mitos sobre Gefn, Balder, e Rei Skjold, que foram considerados
por vários estudiosos como estreitamente ligadas ao culto de Nerthus. Como a conexão não é
estritamente óbvia, nós pensamos que é melhor deixar este material de lado.
III. LOCALIZAÇÃO DOS POVOS DE NERTHUS DE TÁCITO. – Tácito diz: “Germania”, c. 40:
Nerthus adorada por Reudignos, Avinhões, Anglos, Varinos, Eudósos, Suardões, Nuitões.
Santuário: uma ilha no oceano.
Grupo correspondente em Widsith: Rondings, Brondings, Wærnes, Eoves, Ytes. Os anglos são
deixados de fora, como eles devem ser nomeados no final de toda a lista, segundo a lei de
”retrocesso”.
O Hapax legomenon Reudigni de Tácito sem dúvida deve ser lido Rendingi ou Randingi = os
Rendings do Widsith. (4) Eles podem ter vivido perto do rio Gudenaa na Jutlândia do Norte;
este rio deve anteriormente ter sido chamado Rand, desde que a cidade em sua nascente tem
o nome de Randers, Randar-ós, “boca de Rand.” Além disso, há um delta próximo à Fredericia
chamado Randsfjord.
Anglii, Anglos, são os habitantes do distrito de Angel da South Jutland, talvez também da costa
leste vizinha de Holstein.
Parte III
Suarinos ou Suardões são por Chadwick e outros combinados com os Varini como Su-varines,
e novamente reencontrados na cidade Mecklenburgian de Schwerin. Devemos preferir corrigir
Suarinos, Suardões por Charudes, pois estes são os vizinhos notórios dos Eudósos.
Os Charudes no mapa de Ptolomeu são colocados na costa leste da Jutlândia, e aqui eles são
trazidos à mente pelo bairro medieval de Harz Hæret, hoje em dia Hads Herred. A maior parte
dos Charudes, no entanto, se mudaram para a costa oeste, e vivem aqui como Hardboer, no
distrito de Hard Syssel.
Metade das interpretações acima, é verdade, são questionáveis, mas pelo menos Anglos,
Varinos e Eudósos estão firmemente localizados, e isso é o suficiente para dar uma ideia da
extensão geral da comunidade de Nerthus. Jutland em toda a sua extensão está incluída; isto
é, tanto quanto ela pertence à esfera do Báltico; a parte sul-ocidental, por causa de sua relação
com as regiões do Mar do Norte, parece ter pertencido a uma outra comunidade. Assim, a
comunidade-Nerthus pertencia, além disso, a Mecklenburg, o território dos Varinos. Quanto às
ilhas dinamarquesas, elas não estão diretamente mencionadas. Mas a “ilha no oceano”,
sagrada na opinião de muitos estudiosos, é Sealand. E, de qualquer modo, não podemos saber
se Tácito não tinha conhecimento da extensão da comunidade para além dos Cintos: para aqui
o seu conhecimento geográfico era muito esporádico e pouco confiável.
— Nærild em Varvith Syssel, West Jutland, antigamente uma aldeia igreja = Nerthus-hill?
Njære, vicariato em Aabo Syssel, perto de Randers, = Niarthar-ví, “Santuário-de-Nerthus”.
Nærbjærg, em Aabo Syssel, em Hælghænæs, o “Santo Cabo” = Carro de Nerthus? O “Santo
Cabo” é, sem dúvida, o lugar mais apropriado para um culto marítimo em toda a costa da
Jutlândia do Norte, tal como está longe em Kattegat, amplamente visível com seu banco
íngreme, que é chamado Ellemandsbjerget, “a Montanha-dos-elfos” . “Pedra Rúnica, na ilha de
Funen, mencionando Nora gothi (Nura kuÞi), de acordo com Magnus Olsen,”o sacerdote dos
Cultuadores-de-Nerthus”. Nærthøwæ, agora N. e S. Næraa, no norte e no leste parte de Funen,
= “Colina-de-Nerthus” Niartherum, agora Nærum, em N. Sealand, = “Local-de-Nerthus.”
Närlunda, perto de Helsingborg na Scania = “Bosque-de-Nerthus.” Niærdholm, uma ilhota
desconhecida perto da costa da Scania.
Plínio, Nat. Hist., IV., 96 e 99. Os lnguions consistem dos habitantes de Saevo (Noruega), além
disso de Cimbrians, teutões, ou seja, habitantes da Jutlândia, e de Chauks na Hannoveria do
norte.
GENEALOGIA DOS SIKLINGS, que, de acordo com Saxo, emigraram de Götland para
Sealand. Ungavin [é] o topo da genealogia = Ing-vin.
A procissão sacrificial de condução é claro que não é local. Voltamos a encontrá-lo com os
lascivities, etc., em terreno Renana no ano de 1123 Rodulf’s Chronicon abbatiæ S. Trudonis lib.
XI., see Kögel, Gesch. d. deutsch. Litt I., p. 23, Grimm Mythologie [3] 242, [4] III., 86).
(b) Swebians, etc. De acordo com Plínio, eles pertencem ao grupo dos arminhos, coordenado
com os Inguions. Os bávaros na idade média lembraram sua origem a partir de Ermin ou
“Armen”, que era, por conjectura aprendida, derivado da Armênia. O deus nacional Er é
adorado da Saxônia à Baviera; daí o Ertag bávaro = terça-feira. Símbolo: Irmin-sûl? Compare
aos saxões. O deus Woden é desconhecido para os bávaros; daí o alemão Mittwoch = quarta-
feira. Uma parte dos Swebians, de acordo com Tácito, Germ. c. 9, adoram “Isis”, simbolizada
como um navio. O navio-símbolo também encontrado na província do Rhine (perto de Aachen),
e do Tirol, veja acima. O nome alemão de “Isis”.
Foi talvez Hulda, Frau Holle. Ela pode ter sido o complemento da Nerthus feminina.
(c) Frísios, etc. Um deus nacional deles é Forsete, presidente da “Thing” ou corte da lei,
adorado especialmente em Helgoland, ou “Fosetesland.” Ele parece ser o mesmo que o Mars
Thingsus, adorado por Tuiantes os habitantes de Twenthe, ao sul de Frísia Ocidental. Terça-
feira em alemão é nomeado após Mars Thingsus: Dingstag, Dienstag; essa denominação é
mais freqüente na Alemanha Ocidental e na Holanda. Os noruegueses em tempos mais tarde
adotaram Forsete em sua mitologia, mas a verdadeira adoração dele não pode ser rastreada
em solo escandinavo.
(d) Francos. De acordo com Plínio, as pessoas perto do Reno formaram um grupo chamado
Istiones, ou Istvæones. A declaração é apoiada por um “Generatio regnum et gentium” do
século VI, escrito em Gália; aqui os Francos aparecem como “filhos de Istio.” Mesmo que a
genealogia não seja para ser creditada, a sua declaração sobre a tribo vernácular pode
reivindicar por confiabilidade. Não sabemos nada sobre os deuses da Francônia locais de
maior significado.
A evidência coletiva das tribos sul de Jutlândia parece mostrar que seu culto é caracterizado
por aspectos especiais, em contraste com o dos Inguions. De qualquer forma, não
encontramos nada que justifica a afirmação de que os Inguions pertenciam a um tipo do sul,
limitado ao oeste dos países do Øresund e nitidamente contrastantes com o tipo escandinavo.
NOTAS:
(1) Os nomes comumente usados do grupo são – Godos, Teutões, Germanos “Como todos
esses nomes são enganosos”, Germanos “tem cerca de 8 ou 9 significações – escolhemos a
forma clássica “Guttones, Gothones” que hoje em dia nunca é usada, e pode, portanto, ser
convenientemente privilegiada para significar o mesmo que em nórdico antigo, Got-thiod “todo
o nosso grupo de nações.” Cf. nossa discussão com Karl Blind em volumes anteriores da “Saga
Book”. Também o nosso tratado “Gottonic Names”, The Journal of Engl. e Germ. Philol., 1912.
(Nota no original).
(2) Trecho de tradução dificílima. Há uma confusão geral neste parágrafo e tentei deixá-lo o
mais claro possível. (Nota do Tradutor).
(3) Tácito, Gemânia C. 40: “Quanto aos Lombardos pouco são encarecidos: cercados de
numerosas e valorosas nações, eles se mantêm em meio de combates e quase periclitam. Os
Reudignos em seguida e os Avinhões os Anglos e os Varinos e os Eudósos e os Suardões e
os Nuitões são defendidos pelos rios ou florestas. Nada de notável possuem em particular,
ainda que em geral adorem Herta, que significa a mãe Terra, que intervém segundo acreditam
nas coisas humanas e visita os povos.
Não vão à guerra, não pegam em armas; todo o ferro fica guardado (fechado); a paz e o
repouso apenas são observados, então somente são amados, até que o mesmo sacerdote
retorne ao santuário com a deusa, saciada da companhia dos mortais (homens).
Depois o veículo (carro), o véu e se quereis crer, a própria deusa, são lavados em um lago
secreto; servem ao cerimonial escravos que ao depois o próprio lago consome (absorve). Do
que um terror secreto e uma santa ignorância acerca da natureza do mistério que somente é
desvendado aos que vão perecer (morrer)”
(http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/germania.html#40). (Nota do Tradutor).
4. Chadwick, The Origin of the English Nation, p. 599, combina os Varini com o distrito
peninsular de Varnæs de South Jutland, no bairro de Angel = “promontorium Varinorum em um
documento do século XIII”. Não é totalmente excluída que esta sugestão de Müllenhoff poderia
ser correta. Mas a afirmação de que as palavras citadas foram realmente encontradas em um
documento, “Liber censo Daniæ” é falsa; devido a uma citação descuidada de Müllenhoff no
tratado extremamente confiável de Seelman, em “Jahrbuch des Vereins für niederdeutsche
Sprachforschung” 1886, p.31
PORTUGUÊS
Þórr e Jormungand: uma reflexão
O mito da intriga entre Þórr [Thor], o Vermelho, e Jormungand e suas batalhas frequentes nos
transporta àquele mundo da vasta sabedoria não-escrita dos povos do Norte.
O Campeão dos Deuses, filho da Terra e do Furor, criado por Aquela que Tece as Nuvens, é o
Trovão; aquele que marcha sempre contra a serpente que dá a volta na Terra-do-Meio, embora
não a destrua.
Há ali quase que uma equivalência de forças; o Trovão é o filho do deus multifacetado, que
abrange desde a morte, sabedoria, magia até a guerra, e, por outro lado, também tem pulsando
em suas veias parte da mesma essência dos gigantes que envolve igualmente os filhos de Loki
e a obscura giganta da Floresta-de-Ferro, Angrboda, dos quais Jormungand faz parte.
Þórr contra Jormungand é uma luta de eras, um duelo de forças naturais poderosas tentando
se equilibrar. Thor gosta da humanidade; ajuda a protegê-la, e a manter a harmonia em seu
mundo. Sabemos que a Serpente-do-Mundo não é *apenas* caótica; para além da dualidade
maniqueísta pós-heathen que foi-nos imposta, podemos perceber que esse grande monstro é
responsável por manter os mares contidos entre seu corpo gigantesco, e que as pescas de
Thor talvez não fossem senão uma forma de disciplinar essa força irascível, enquanto o dia do
grande crepúsculo, dos deuses e do Universo que se prende ao Grande Freixo de Yggdrasil,
não tenha chegado.
As grandes aventuras de Þórr contra a serpente, por outro lado, nos inspiram a coragem; a
vitalidade, o desejo de viver e desafiar; fazer-nos ter ciência da força inestimável da luz rápida,
porém profunda e poderosa que, assim como o Trovão, é a nossa existência perante as eras
incontáveis: e que devemos provocar aquela força que nos envolve, mas que apesar disso,
precisamos controlar antes que subleve-se contra nós… e deixe escoar o mar de nossa
existência rumo ao Ginnungagap do esquecimento ou desonra.
Segundo o cristão Snorri Sturluson na Edda em Prosa, ela era invocada também em casos de
sucesso no amor, da onde deriva muito de sua associação com outras divindades, como
Afrodite e Vênus. Embora essas deusas também tenham origem na *Pria proto-indo-europeia,
não são mais do que desenvolvimentos ainda mais diversos de Freyja do que esta própria é em
relação à Frigg, sua “gêmea” no sentido histórico, não mitológico. Não me deterei muito neste
aspecto “sexual” de Freyja não por purismo de minha parte: apenas porque isso é facilmente
encontrado por aí.
Esse aspecto sensual fez com que Freyja fosse extremamente focada como alvo durante o
período de conversão, sendo insultada como “prostituta”, enquanto o ideal da “virgem
imaculada” era colocado como seu oposto. Apesar disso, à mãe do redentor da religião romana
foram atribuídas funções que antes eram de Freyja, como proteger a vegetação e intervir com
recém-nascidos, além do nome de várias plantas que eram associadas com Freyja: ela sempre
foi uma divindade extremamente agrária. Basta analisar mais cuidadosamente o seu mito com
os anões que criaram o Brisingamen: enquanto muitos enfatizam a questão dela ter tido
relações com os anões pelo objeto, acabam esquecendo o que a joia em si significava: gado,
em outras palavras, fartura, prosperidade. Freyja é ao lado de Freyr, vale repetir, a deusa do
bem-estar.
Ainda sobre sua relação com Óðinn não é apenas no que se refere aos mortos em batalha que
ela tem acordos praticamente maritais com ele. Freyja é conhecida por ser a deusa do seiðr,
uma forma de magia que alguns – que a desconhecem – muito demonizam, imputando
divisões de bem/mal essencialmente cristãs sobre a deusa e sua magia. O seiðr é uma forma
de magia muito versátil, sendo em alguns casos sinônimos de spá, a capacidade de ver o
futuro, além de ser usada nas sagas para controlar aspectos naturais, podendo ser utilizada
ainda como magia de ataque, ou com algo que fica entre o xamanismo e a necromancia. Essa
é uma forma de magia extremamente visceral, ligada a aspectos telúricos, mas também
obviamente relacionada com elementos ctônicos, e como sabemos, para os germanos os
mortos, ancestrais e o solo e sua fecundidade estavam em profunda relação.
Na Völuspá é relatado que após ser morta por lanças e queimada três vezes, Gullveig assume
o nome de Heiðr, e sai para praticar magias mundo à fora – enquanto os Æsir e os Vanir
iniciam uma dura guerra. A mim parece uma função extremamente próxima de uma deusa da
guerra ou uma das valkyrjor, das quais Freyja é senhora e são retratadas fiando redes com
cadáveres humanos (lembre da relação do ato de fiar com o destino).
O manto de falcão de Freyja é facilmente associado à função do Sleipnir de Óðinn. É um
animal com um significado xamânico, voltado ao transe e a viagens fora do corpo, muito
realizadas pelas feiticeiras e videntes antigas, para entrar em contato com os mortos – função
para a qual também é utilizada claramente por Loki, quando o usa para fazer viagens através
dos mundos. Freyja e não Óðinn é a deusa do transe; se Óðinn sabe algo de transe, foi a
Senhora völva quem o ensinou.
Quem melhor que alguém que conhece o destino invariável das coisas para distribuir a
fertilidade aos humanos? Quem pode através da magia mudar o curso das coisas se não
conhece esse curso? Por que Freyja ensinaria uma magia tão poderosa como o seiðr para
Óðinn se ele fosse apenas seu amante? Assim, todos os elementos de Frigg, Gefjun, Gullveig
e Freyja casam-se perfeitamente se analisados sob a ótica da magia seiðr. Além disso, basta
lembrar nas sagas como valkyrjor que se casam abandonam os atributos relacionados à Freyja
e se aproximam daquilo que é mais particular à Frigg… A própria deusa ao casar-se não teria
então passado por um processo similar, e deixado os aspectos guerreiros por atividades mais
relacionadas à família e manutenção do clã – ou talvez ainda mantido suas funções guerreiras
e adicionado a elas as obrigações com seus descendentes?
Com isso, todavia, não queremos partir de um ponto de vista wiccaniano, e postular que todas
as deusas são uma. Não são. Todavia, Frigg, Gefjun e Freyja são três derivações, cada qual se
desenvolvendo de maneira particular e independente, de acordo com o culto que recebia, mas
com origem na antiga deusa *Pria, a “amada” dos proto-indo-europeus. Imagine o inverno
nórdico sem a primavera aparecendo para fazer florir e derreter o gelo, operando o milagre de
levar a vida ao que está adormecido sob a neve? É esse o poder que Freyja tem, e também
através do seiðr: o de conhecer o tempo e as estações, o de trazer fartura e bem-estar ou
causar um grande inverno na vida daqueles que por algum motivo não tiverem razão nenhuma
para que ela beneficie seus Ørlǫgs. Freyja é, se levada em consideração que se manifesta na
mitologia a partir dessas quatro figuras, uma deusa do destino, do nascimento, do bem-estar,
da guerra e da morte; uma deusa completa, e uma poderosa força que impulsiona a vida em
todas as suas fases, sejam elas agradáveis ou necessariamente desagradáveis. Para que a
prosperidade pudesse vir ainda mais a ela e sua à família, foi necessário acontecer uma guerra
poderosa. Freyja é assim a riqueza e a miséria, o benefício e o prejuízo, paz e guerra,
nascimento e morte, uma deusa completa: exatamente como a magia seiðr pode ser, de
acordo com seu uso.
Sonne Heljarskinn,
em respeito à poderosa sábia,
12 de janeiro de 2017
asatrueliberdade.com
Fenrir e a Anti-ordem
O lobo Fenrir, um dos três filhos bestiais de Loki e Angrboda, é sem dúvida aquele que carrega
traços mais destrutivos. Desde seu nascimento é apresentado como uma catástrofe. Uma fera
que apenas Týr, deus símbolo da bravura e coragem dos guerreiros, da honra e dos
destemidos, somente um deus dessa envergadura era capaz de alimentar.
Mas não podemos falar de Fenrir sem falarmos dos lobos mais especialmente. Ao contrário dos
dias atuais, é pouco provável que as virtudes das tribos humanas pudessem ser vistas em
conformidade com aquelas dos lobos. O lobo representa a rapina, a solidão, o banimento da
comunidade, coisas que eram necessariamente negativas, pois dispendiosas ou antissociais.
Mesmo os lobos de Óðinn têm um significado semelhante: enquanto os corvos representavam
o domínio sobre a memória e o pensamento, os lobos representavam o perigo apaziguado, as
criações protegidas do ataque de feras, a fome sob controle. Não são os lobos – mas o fato de
ter-lhes amansado – que confere poder a Óðinn.
Apenas pela mentira seria possível controlar Fenrir. Somente com a perda da mão do guerreiro
mais bravo, que já não empunharia espadas como antes. Coisas que tem um alto preço: o
Ragnarök. Mas, uma vez amarrado, o lobo Fenrir não é executado. Óðinn sabe de sua
determinação, daquilo que fora designado em seu örlög. Seria inútil lutar contra o fim – restava
“atrasá-lo”, ou talvez, simplesmente fazê-lo ocorrer na hora certa.
Então se a ilusão (Gleipnir) é aquilo que segura o fim (Fenrir), por outro lado nem mesmo
aqueles que criaram o Universo, segundo os antigos mitos, estavam livres do
desaparecimento, como uma grande árvore que vê muitas e muitas colheitas ao seu redor,
enquanto ela mesma floresce e dá frutos, mas sabe que suas raízes não permanecerão
eternamente no solo. Junto do lobo bestial vêm os gigantes de gelo e fogo, após quatro longos
invernos, dar cabo dos deuses conhecidos em sua quase totalidade.
Fenrir é então o símbolo de que tudo o que vive, carrega em si a semente de sua própria
destruição. Assim como Hel que é metade morta, Fenrir é inteiro destruição; e somente a
Vingança, representada por Vidar, é capaz de restituir ao cosmos sua ordem original. Apenas
com a Vingança o clã é protegido. Apenas com a vingança as coisas se renovam.
O local de Fenrir na mitologia nórdica é muito especial e destacado. Apesar de ser uma força
caótica, seu mito reflete sua necessidade e inevitabilidade. Não existe ordem sem caos. Não
existe justiça sem dívida. Não existe honra sem morte gloriosa. Não existe vida sem um clã, e
sem se doar por ele.
Týr e a coragem
Týr é reconhecido como uma divindade antiquíssima e provavelmente deus principal anterior a
Óðinn, e que em algum momento da história (talvez na mesma época da guerra entre Aesir e
Vanir) perdeu o poder, sendo assim substituído pelo deus Caolho.
Todavia, Týr é reconhecido como um Aesir. E, em nenhum momento ele se revolta contra os
deuses que lhe sucedem, que, de certa forma, ofuscaram-lhe a fama, fazendo com que
tivessemos bem poucos registros dele atualmente.
Pelo contrário. É sabido que Týr foi o único que teve coragem de encarar desafios inevitáveis,
em prol do seu clã. Ele, como o deus-guerreiro (e não apenas chefe destes, como Óðinn),
encarnando em si as virtudes da valentia e falta de medo, alimentava o raivoso cão Fenrir para,
possivelmente, controlá-lo e não fazê-lo ceder ao ímpeto.
Mas mais que isso. Týr é o único que tem coragem para fazer um autossacrifício. Nenhum dos
outros deuses arriscou a colocar a mão na boca de Fenrir quando eles finalmente haviam
conseguido uma corda/corrente realmente eficaz para o prender. Era essa a exigência do lobo
para que se deixasse amarrar. Logo, era preciso se dar uma mão para o retorno da friðr, da
paz, do equilíbrio. Um sacrifício precisava ser feito, mas à sua comunidade.
O que alguns hoje diriam? Que são os mais fortes, os mais destemidos, os que protegem o clã,
logo eles não deveriam fazer tal sacrifício por serem guerreiros, protetores da tribo,
transvestindo sua covardia de coragem. A coragem não está na ausência de medo, mas na
capacidade de superá-lo, não importa o que aconteça.
Jogariam a responsabilidade a alguém mais velho, doente, enfraquecido. Por si só esse ato
faria Fenrir suspeitar e perceber que a moeda de troca não compensava o esforço. De certa
forma apenas o mais bravo e forte fisicamente deveria fazer esse sacrifício: pois daria
confiança ao lobo. Mas também um membro, tornando-se ligeiramente menos apto para o
manejo da espada.
Týr não disse: “Vocês me roubaram um reino, que então alguém perca a mão”.
O sacrifício aqui não é uma chantagem, redentora dos atos dos deuses que os levaram até ali.
O sacrifício de Týr em nada lembra o de outras divindades em outras religiões. É um ato de
virtude, imitável (e não apenas louvável) em respeito ao seu kin.
E assim a lição que o poderoso, honrado e corajoso Týr nos ensina é que ninguém é bom o
suficiente que não deva se sacrificar pelo bem da comunidade. Que não deva oferecer o seu
melhor (e perder isso, se for necessário), para o bem da tribo. Que ninguém é forte o suficiente
para fugir de doar algo essencial de si pelo bem do clã, quando isso se fizer necessário.
Sobre Ragnar Lothbrok, esta é uma leitura curta e interessante, útil para quem assiste a (ou é
atormentado pela) série televisiva Vikings. Para aqueles que gostariam de alguns relatos
históricos, ao invés de pensar que um programa de TV é historicamente correto…
Uma das coisas que torna a questão difícil de discutir é que a pergunta “Ragnar Lothbrok foi
um personagem histórico?” é em si de alguma forma ambígua. Assim, antes de discutirmos a
pergunta, a questão deve ser definida mais claramente.
Para mencionar dois extremos opostos, um cético poderia perguntar se tudo que é dito sobre o
personagem de Ragnar Lothbrok é historicamente correto, perceber que a resposta é
certamente “não”, e então proclamar vitória. No outro extremo, um proponente de um Ragnar
histórico poderia perguntar se um viking com o nome Ragnar existiu, apontar que um viking
com o nome correto (Reginheri) aparece nos anais francos, e declarar que Ragnar Lothbrok foi
então um personagem histórico.
Nenhum dos dois extramos é aceitável em um discurso sério sobre o assunto, portanto eu irei
discutir o assunto da perspective seguinte. O critério que usarei é que, de forma a considerar
Ragnar Lothbrok um personagem histórico, deve existir uma pessoa historicamente
reconhecida com este nome que realmente executou um número significante de atos atribuídos
ao Ragnar Lothbrok lendário. Acredito este ser um critério aceitável, já que ele põe o ônus da
prova onde ele deve estar, ou seja, nos ombros daqueles que defendem que Ragnar Lothbrok
é um personagem histórico. O resto desta discussão é embasado nestes princípios.
Agora, para responder à questão: não, Ragnar Lothbrok não parece ser uma figura histórica,
baseado nos critérios acima. Eu farei alguns comentários sobre porque eu tenho esta opinião, e
então mencionar alguns materiais de leitura para aqueles que desejam mais.
Ragnar
Os registros históricos contemporâneos ao século IX (quando Ragnar Lothbrok supostamente
viveu) mostram apenas um viking com o nome correto, um viking chamado “Reginheri” (uma
forma latina equivalente a Ragnar) na França, que morreu no ano 845, de acordo com os anais
francos contemporâneos (Annales Bertiniani, ou os Anais de St. Bertin). As palavras
enfatizadas na sentença anterior são convenientemente ignoradas por aqueles que desejam
usar Reginheri como um protótipo histórico para Ragnar Lothbrok. Já que Reginheri morreu na
França no ano 845, ele não pode ter participado nos eventos posteriores que formam a parte
principal das aventuras do Ragnar Lothbrok lendário.
Além, não há evidência que Reginheri foi pai de qualquer dos indivíduos que mais tarde foram
declarados filhos de Ragnar Lothbrok. Assim, Reginheri não satisfaz o critério mencionado
acima. Não há registro contemporâneo que mencione um nórdico chamado Ragnar.
Lothbrok
Nenhum registro contemporâneo traz este nome, e é significativo que quando este nome
finalmente aparece nos registros, 200 anos depois, ele aparece sozinho. (Ari, escrevendo no
séc. XII, foi o primeiro escritor reconhecido que menciona Ragnar e Lothbrok como a mesma
pessoa.) O nome aparece pela primeira vez (como “Lothbroc”) na Gesta Normannorum Ducum,
por William de Jumièges, escrevendo em 1070, em que Lothbroc é chamado o pai de Bjorn
Ironside. (Um viking chamado Bjorn é reconhecido nas crônicas contemporâneas, mas sem o
apelido.)
Adam de Bremen, escrevendo logo depois, chamou Ivar o filho de “Lodparchus”. Além deste
Lothbrok não ser atestado por quaisquer das fontes contemporâneas, há ainda outro problema
em potencial: o nome (“Lothbroka”) pode ser um nome de mulher. Veja o artigo sobre
a Ragnars sage, por Rory McTurk em Medieval Scandinavia: an encyclopedia (Nova York e
Londres, 1993). Se este argumento baseado em filologia é correto, este Lothbrok(a), se
histórico, seria uma mulher e claramente não o lendário Ragnar Lothbrok. (Eu não tenho o
estudo em linguística necessário para comentar mais a fundo sobre este argumento.)
Ragnall
Há dois problemas com esta interpretação. Primeiro, Ragnar e Ragnall não são o mesmo
nome, embora semelhantes. Segundo, e mais importante, os Anais Fragmentários não são,
eles mesmos, uma fonte contemporânea, e há boas razões para suspeitar deles.
Entretanto, mesmo se concedermos que os eventos dados são históricos (uma concessão que
muitos historiadores não estariam dispostos a fazer), e então concedermos além disso que
estes eventos formam a base da lenda de Ragnar, então nós ainda teríamos o problema que a
pessoa sobre a qual as lendas se embasam não tem o nome correto.
Nós já vimos que o único Ragnar historicamente atestado (Reginheri) não pode ser
razoavelmente considerado como um protótipo histórico para Ragnar Lothbrok. Assim, parece
que a melhor alternativa para argumentar um Ragnar Lothbrok histórico é propor (como já foi
em várias ocasiões) que Ragnall e Lothbrok foram a mesma pessoa, e então assumir que os
nomes similares (mas diferentes) Ragnall e Ragnar foram confundidos acidentalmente.
Em seu artigo Ragnarr Lothbrok in the Irish Annals? (em Seventh Viking Congress, 1976, pp.
93-123), R. W. McTurk encarou o problema da seguinte perspectiva: olhando as declarações
feitas nas fontes, e vendo que suposições poderiam ser feitas sobre estas declarações de
forma a aceitar um Ragnar Lothbrok histórico que foi membro da família real dinamarquesa.
Na minha opinião, seu requerimento que Ragnar deveria ser membro da família real
dinamarquesa não é realmente necessário de forma a argumentar a existência histórica de
Ragnar Lothbrok, e este requisito leva a uma longa discussão sobre a relação genealógica dos
primeiros reis dinamarqueses (nem sempre convincente) que não é de relevância imediata para
a questão da historicidade de Ragnar Lothbrok.
Assim, eu vou aproximar este problema da mesma forma que R. W. McTurk o fez, mas sem a
necessidade de argumentos sobre a origem genealógica de Ragnar. Suponha que Ragnar e
Lothbrok são a mesma pessoa, do que se pode assumir que “Ragnall Lothbrok” existiu (depois
nomeado erroneamente Ragnar Lothbrok por um erro nas fontes islandesas). Se, em um
exercício mental, nós declararmos que este é o caso, então teremos seis suposições que são
necessárias e uma sétima que é desejável:
1. Nós devemos assumir que Adam de Bremen (fim do séc. XI) estava correto em dar
“Lodparchus” (Lothbrok) como o nome do pai de Ivar (fim do séc. IX).
2. Nós assumimos que o “Goghad Gaedhel re Gallabh” (A Guerra de Gaedhil com Gaill, ed. por
Todd, Londres, 1867), uma fonte irlandesa do séc. XII, está correta em declarar que Halfdan de
Dublin (morto na Irlanda em 877, de acordo com os Anais de Ulster) é filho de um certo
Ragnall, e que este Ragnall é o mesmo que aparece nos Anais Fragmentários da Irlanda.
3. Nós assumimos que a Crônica Anglo-Saxã está correta declarar que um irmão (desconhecido,
mas chamado de Ubbe em fontes posteriores) de Halfdan e Ivar foi morto na Inglaterra em 878,
apesar de evidências testimoniais contraditórias de Aethelweard que dão uma leitura bem
diferente do mesmo evento (veja o 4).
4. Nós assumimos que a crônica de Aethelweard está errada em declarar que Halfdan irmão de
Ivar foi morto na Inglaterra em 878, pois de forma contrária isso provaria que o Halfdan de
Dublin (m. 877 na Irlanda) foi uma pessoa diferente do Halfdan irmão de Ivar.
5. Além de assumir que o Halfdan de Dublin foi a mesma pessoa que Halfdan irmão de Ivar, nós
devemos assumir que este Ivar é a mesma pessoa que o Ivar de Adam de Bremen, mantendo
em mente que a crônica de Aethelweard, se incorreta, implicaria apenas na existência de dois
Ivar nos registros bretões deste período.
6. Nós assumimos que o argumento filológico identificando Lothbrok(a) como um nome feminino
está incorreta.
7. Se Ari, o autor mais antigo a mencionar Ragnar Lothbrok, deve ser considerado uma fonte
confiável neste assunto, então nós devemos assumir também que o Halfdan de Dublin foi a
mesma pessoa que o Halfdan irmão de Sigifrid que aparece nos Anais de Fulda, do ano 873,
apesar de severos problemas cronológicos que isso causaria na genealogia de Ari.
Nas suposições acima, os números (1) a (6) são cruciais se alguém deseja argumentar que
Ragnall e Lothbrok são a mesma pessoa, e (7) é necessária também se assumirmos que a
informação dada por Ari é correta. Dada a não-contemporaneidade dos dois primeiros itens,
assim como as contradições presentes em alguns dos outros, existe pouca probabilidade que
todos os seis pontos cruciais serem corretos.
[Nota: que alguns, se não a maioria, destas suposições são verdadeiras é possível, mas isso
não é suficiente.]
Entretanto, se algum dos seis itens acima for falso, então o caso sobre Ragnall ser o mesmo
que Lothbrok entra em colapso, e nós devemos concluir que a tentativa de criar um “Ragnall
Lothbrok” histórico é insatisfatória. Apesar desta lista ser consideravelmente mais leve que a
lista dada por McTurk em seu artigo, o resultado é similar.
Conclusões
De fato, se há alguma base histórica para a lenda de Ragnar Lothbrok, é bastante provável que
ela seja o resultado de uma combinação de dois ou mais indivíduos distintos em uma só figura
com as características de todos, da mesma forma que pai lendário de Ragnar, Sigurd Ring é
de fato uma composição de dois homens diferentes que lutaram um contra o outro pelo trono
dinamarquês no ano de 814, Sigifridus (“Sigurd”) e Anulo (em que “Ring” é uma tradução do
Latin Annulus). Porém, tais personagens compostos não podem ser considerados históricos, e
não há evidências próximas da contemporaneidade que mostrem que Lothbrok ou Ragnall
realmente existiram.
Leia mais
A tentativa mais ambiciosa de retratar Ragnar Lothbrok como uma figura histórica
é Scandinavian Kings in the British Isles 850-880 por Alfred P. Smyth (Oxford University Press,
1977). Para um exame bastante crítico da perspectiva de Smyth, veja High-kings and other
kings, por Donnchadh O’Corrain, em Irish Historical Reviews, vol 21 (1979), pp. 283-323 (muito
recomendado). Ambas as fontes citam numerosas outras fontes para aqueles interessados em
mais detalhes.
4.
5. Texto por Sonne Heljarskinn
Publicado originalmente em facebook
6. Existem muitos mal-entendidos quando falamos sobre Óðinn. O primeiro é que ele
jamais é a personagem que as crianças que amam quadrinhos gosta de fazer ele.
7. Quando falamos na figura mitológica que conseguimos recuperar e vamos tirando a
poeira que há sobre sua imensa estátua, para tentar entendê-la, vê-la melhor, trazê-la
das profundezas do Helheimr do esquecimento, e torná-la novamente uma poderosa
divindade, objeto de culto e que liga a linhagem que vai de mim até meus ancestrais –
mesmo que eu não me declare um odinista, “filho de Óðinn”, é mais que sabido que ele
está por trás da criação de toda a humanidade, e é nesse sentido que ele é pai de todos
e não como uma babá de adultos que enchem a cara de álcool para gritar “Hail Odin” ao
som de metal.
8. Óðinn não é um papai carinhoso. Óðinn é o deus da guerra e do sangue, o senhor das
valkyrjor, aquele que busca os espíritos e semeia a sua prole por entre os homens. Na
humanidade ele é muito mais como um zangão, aquele que sempre está semeando
conhecimento, existência, etc, mas não porque sejamos seus filhos caçulas amados e
mimados. Os humanos possuem uma ligação e assumem uma responsabilidade com
Óðinn.
9. Ele não é um deus fácil. Não é um deus que se apresenta muito. Nem é sequer um
deus que chama a atenção. Anda por aí com uma roupa discreta, e chama-se “Bolverkr”
quando decide vir à humanidade. Eu quase posso ouvir o som estridente das gargantas
de seus dois corvos passeando pela imensidão.
10. Óðinn não é somente um deus da guerra. Óðinn é um deus do bom governo, da boa
gestão, incluso a gestão pacífica. Óðinn é um guerreiro quando é necessário – mas
nunca é um guerreiro quando isso não é obrigatório. Quem duvidar, que se lembre do
Óðinn tirando onda de Thórr na Harbardsljód ou enganando o gigante para conseguir
chegar até a fonte de Mimir. Óðinn é um deus das decisões sensatas – parece que
desde a guerra entre Aesir e Vanir os primeiros passaram a ser mais estrategistas e
menos guerreiros. Algo que se romperá no Ragnarök.
11. Óðinn não é Woden e não é Wotan ou Wodan. Óðinn não é sequer o Odin moderno.
Óðinn é um deus poderoso, astuto, cortês, em busca de sabedoria e diversão. Óðinn
pode ser uma variante ou ancestral das outras figuras com o seu nome; pode ser
mesmo uma outra personalidade dessa divindade tão ampla. Mas reduzir o Óðinn
islandês ao Wotan alemão é balela. Principalmente se falamos daquele de Wagner –
definitivamente não são o mesmo personagem/entidade.
12. Assim, Óðinn, o poderoso deus, aquele que fala através das runas, do barulho do vento,
das aves, em especial dos corvos e pássaros necrófagos, não pode ser jamais reduzido
a um “portador de Gungnir, a lança que nunca erra o alvo”. Ele é o sábio ancião
andarilho, aquele que se disfarça de tolo – e põe-se a observar os outros e sua
hipocrisias…
13. Não brinque com o Calho – a menos que você esteja disposto a pagar o preço dos
sacrifícios que ele exige. Cultuar Óðinn é muito mais que dizer “Hail Odin” toda a
quarta-feira.
PORTUGUÊS
Woden versus Odin: Diferenças?
Interpretações divinas como Woden e Odin (Wotan e, Óðinn, Wotanaz, etc.) são as mesmas, e
ainda assim elas não são. É uma complicação obscura e contraditória, que, inevitavelmente,
sempre leva à confusão. São os dois deuses o mesmo? Sim, sem dúvida. Muito no mesmo
sentido que eu sou a mesma pessoa, mas eu sou diferente no trabalho, escola, casa, e outras
obrigações sociais. Mas as distinções culturais entre uma interpretação anglo-saxã de Woden e
uma interpretação nórdica de Odin são importantes e informativas, porque apresentam
diferentes faces, aspectos e influências. Esta situação crítica dentro de metafísicas teóricas e
adimitidas tem problemas com a evidência, é claro.
A Mitologia Nórdica tem mais três séculos de desenvolvimento e influência depois que as
mitologias anglo-saxãs foram interrompidas com o processo de cristianização. AL Meaney
disse que “é intrinsecamente improvável, de fato, que os altos-deuses ingleses Woden, Tiw, e
Thunor [sic] teriam mantido quaisquer de seus poderes depois de trezentos anos de
cristianismo”, e nós temos que ter em mente que, mesmo os escritos anglo-saxões, após o final
do século VIII são muito mais propensos a apresentar sombrias e atenuadas memórias parciais
do paganismo combinadas com fortes superstições locais. E as obras de escritores posteriores,
que datam do final do século X (Ælfric e Wulfstan) estão claramente referindo-se a deuses
dinamarqueses, não anglo-saxões.
Odin o caolho nas portas de bronze do
Stockholm’s State Historical Museum
A Mitologia Anglo-Saxã é quase inexistente, portanto, o uso quase obrigatório de estudos
comparativos. É uma razão pela qual Tolkien escreveu o Senhor dos Anéis, na forma que ele
fez — para tentar criar uma mitologia comum dos povos ingleses, porque ela era extremamente
deficiente. Porque não temos mitologia concreta comparável às Eddas, temos de nos
concentrar em obras nativas em poemas, histórias, códigos de leis dos cristãos, e análise de
topônimos.
Como Odin é popularmente retratado como cego de um olho, podemos ver uma alusão a uma
cegueira semelhante nos escritos de Beda em Woden (Cf. North). Solomon e Saturn sugerem
que os últimos anglo-saxões estavam familiarizados com a ideia de Woden ter criado as runas,
bem como equiparar Woden com o Mercurius romano, com a ideia das runas talvez devido à
influência do Danelaw e da nova paganização (re-heathening) do norte da Inglaterra. Mas,
mesmo além disso, de forma nativa, o Encanto das Nove Ervas mostra claramente Woden ser
um mago, usando gloriosos ramos (wuldortanas) para destruir uma serpente, dessa forma ele
possui um intelecto que utiliza princípios e forças esotéricas. Mas Woden não tem palavras de
sabedoria deixadas para os seguidores, nem histórias de beber de uma fonte de sabedoria
cheia com hidromel que igualaria Woden com a mesma força cultivada e aculturada de
conhecimento poético que Odin exibe.
Woden id est furor. Woden, isto é, fúria. Ambos Woden e Odin derivam de suas respectivas
palavras linguísticas e culturais para fúria e inspiração (wod, em anglo-saxão, e orðr em
Nórdico Antigo). Ambos Woden e Odin são fúria e loucura encarnadas, mas Odin é temperado
com um maior sentido do que pode ser chamado de “mais-alta civilização”, dever e obrigação
para com seu povo que é exibido nas histórias de Woden. Para aqueles que concordam ou
com a teoria do Complexo do Múltiplo Espírito (Multiple Soul Complex) de Thorsson, ou uma
versão menor disso, como pretendido por Wodening e outros escritores anglo-saxões (eu entre
eles, por se dizer), veem claramente o Wod de um homem como a fonte de nossa inspiração. A
loucura-de-Wod (Wod-madness) sendo a centelha criativa que consome e se expande dentro
de nós, até que nós completemos ou sobrecarreguemos ou queimemos.
Woden está associado com os locais de culto, com diques e colinas e supostos lugares de
sacrifício/ritual. Seu culto na Inglaterra é identificado com diversos nomes de lugares, embora
Þunor seja mais comum: Wansdyke, Wednesbury, Wensley, Woodnesborough, etc., são todos
atestados academicamente como lugares associados derivando seus nomes a partir do deus.
Há também alguma suposição de que ele é comemorado em um número de lugares que
começam com ‘Grim’, como o Dique de Grim em Hants. Não é tão claro uma ligação definitiva
entre Woden e lugares com ‘Grim’ como há com Odin e da aplicação de ‘Grim’ como um
kenning para equivalentes nórdicos. É oportuno, eu acho, porque Woden é mais
um psychopomp do que Odin. Em alguns casos, nomes de lugares são mais úteis na busca de
Woden na Inglaterra do que o registro arqueológico, porque fornece uma fonte de que a
conexão com um local de culto, templo ou outro ponto de reverência foi tão forte que esses
locais fixaram-se ao nome do deus até o período cristão, onde Woden se tornou um diabo
perigoso antes de seu desvanecimento da memória popular.
Woden é identificado como um líder da Caçada Selvagem, talvez o líder supremo, embora essa
identificação é reconhecidamente tardia dentro do desenvolvimento do próprio personagem. As
ligações entre a Era de Vendel da Suécia e Inglaterra anglo-saxã tornam provável que a
representação de Vendel do cavaleiro com sua ave necrófaga e ave de rapina teria sido uma
imagem reconhecida de Woden. Historicamente falando, existe apenas uma região da
Jutlândia que tradicionalmente marca Óðinn como o líder distinto da caça.
Porque anglo-saxões não têm mitos, não podemos ter certeza de quanta ênfase eles
colocaram sobre a interação de Woden com os outros deuses. Não há palavras para identificar
Woden como um rei dos deuses. Esta é uma suposição feita, talvez não de forma incorreta,
através do mito nórdico. Em vez disso, Woden pode ser descrito com precisão como o criador
de reis. Ele gera as linhagens da maioria dos reinos da Heptarquia, e seu nome é usado como
um agente de solidificação do governo real sacro durante o período de consolidação do reino.
Mesmo Richard Angevin, chamado Coração de Leão, referenciava-se a si mesmo como sendo
a prole de “dois lados do Diabo”. Embora ele fosse o tataraneto de William, o Bastardo da
Normandia, ele também era descendente de casas anglo-saxãs. Com Woden preenchendo o
papel de o/um Diabo em alguns folclores cristianizados, há historiadores que acreditam que ele
está fazendo referência a esta linhagem popular com seu uso do lema da família.
Embora seja provável que ele é um deus-rei, é também evidente que ele é o progenitor das
casas reais anglo-saxãs. Isto pode ser visto de forma semelhante ao deus Mannus sendo visto
como o progenitor do Ingaevones, Herminones, e os Istvaeones. Mesmo que ele não seja o
progenitor literal (Edwin de Nortúmbria alterou sua lealdade e linhagem para Woden antes de
sua cristianização), ele é visto como o início simbólico e metafórico das casas anglo-saxãs.
Todas, é claro, salvo por Essex, que se dizem descendentes de Seaxneat.
Representação moderna de Seaxneat
Sem mitologia existente, é difícil apontar uma clara diferença entre os deuses. Temos que
manter em mente que há duas fases distintas da história anglo-saxã sobre paganismo: a
cultura meadhall dos séculos quinto e sexto, e o período de nova paganização (re-heathening)
sob o Danelaw, no século décimo. A aplicação da mitologia nórdica do século X (ou posterior)
para uma prática cultural precoce anglo-saxã é, de fato, uma forma de miscigenação cultural e
sincretismo, a qual é parcialmente desajeitada e mal ajustada sob esse olhar. Especialmente
se considerarmos que os anglo-saxões também tinham uma aguda distinção em compreender
“Woden” e “Othin”, com usos residuais dos diferentes nomes vindos da análise de topônimos.
Isso não quer dizer que esta prática sincrética está incorreta. Mas muito já foi escrito das
armadilhas de uma aplicação ‘por atacado’ do período posterior do mito germânico com um
anterior. Se houver qualquer período que poderia ser mais competentemente trançado com o
período anglo-saxão, este seria a Era de Vendel da Suécia. Anglo-saxões devem, por
necessidade, tomar outras práticas e recursos para tapar os buracos em sua prática, mas eles
devem estar conscientes de que eles estão arrancando o material de origem de qualquer outro
contexto cultural que pode ser ligado ou anexado àquelas fontes e, acima de tudo, que ele não
está muito disposto a ser transplantado.
Eu tenho uma visão distintamente “primalista” para Woden, em comparação com Odin. Woden
é menos refinado, mais grosseiro, mais perigoso, mais louco, e mais faminto. Ele é a morte. Ele
é a guerra. Ele é o corvo que banqueteia-se nas vítimas de enforcamento. Ele é perigo
encarnado. Ele é a loucura mental, uma loucura em êxtase que ele abraça totalmente,
comparável com o pior do nosso próprio potencial criativo, sem nenhum benefício da
temperança do hidromel da poesia que conhecemos. Ele é identificado como construindo as
grandes obras de terraplanagem da Inglaterra, então podemos assumir um aspecto andarilho
para ele. Woden é um criador de reis, o pai ou pai adotivo de casas reais, mas como um rei
está distante e difícil para todos, nesse sentido ele é quase literalmente um Pai de Todos (All-
Father). Ele é um intelecto esotérico, utilizando marcações mágicas (runas, talvez, talvez não),
e que é um feiticeiro e tecelão de magias, e que é uma fonte de tal conhecimento se se puder
navegar a (sua) fúria. Porque ele foi identificado com Mercurius, ele é uma divindade trickster,
calculista e inteligente em seu próprio direito.
Woden é o mesmo que Odin, mas ele é diferente. Onde começa um e termina o outro é
irrelevante, porque ambos são verdadeiros. As diferenças parecem ir além de variações
culturais simples, pois eles sinceramente se deparam como manifestações distintas da mesma
entidade básica. Por qualquer razão, para qualquer propósito.
Obrigado pela leitura, eu poderei voltar aqui em uma data posterior. Dê-me suas opiniões
abaixo, se você se sentir disposto a isso.
PORTUGUÊS
Primeiro Ensaio sobre a Simbologia de Hel
Por Sonne Heljarskinn
Publicado originalmente em 14 de abril de 2016, no facebook.
Hel é uma poderosa figura na mitologia nórdica, o que provavelmente reflete sua importância
no imaginário popular. Em contrapartida ela possui muito poucas menções nos textos que
chegaram até nós. Apesar disso, desenvolve um papel fundamental em toda a mitologia,
especificamente em seu envolvimento nos trechos que relatam a morte de Balder.
Hel é uma das filhas de Loki com Angrboda. Enquanto Fenrir foi preso pelo que aparenta ser
uma corrente imaginária, ou de magia poderosa, e Jormungand foi lançada ao fundo dos
oceanos, Hel desenvolve um papel bem mais ativo e preservador. Primeiro que dos três, Hel é
a única com características humanizadas. Segundo que ela se torna senhora do reino dos
mortos. E em seu território, apesar de cedido pelos Aesir, seu poder é absoluto. Mesmo Frigga,
como a principal deusa dos Aesir, não foi capaz de a coagir a devolver seu filho sem uma
condição (que todas as criaturas lamentassem a morte de Balder), a qual não é satisfeita, e
acaba desencadeando os eventos que levarão ao Ragnarök, onde a ordem do universo é
renovada por uma guerra entre os deuses de Asgard e seus inimigos.
Há que se reparar, todavia que a imagem de Hel muito se deturpa com a influência, consciente
ou inconsciente das religiões reveladas. Hel, em detrimento de não ser desumanizada, possui
metade de seu corpo descrito como morto. Mas isso não significa que Hel é metade ‘má’. É
interessante reparar que a morte não é algo ruim em essência para os povos germânicos. É
preciso compreender a morte como parte da vida assim como Hel não pode tirar sua parte
pútrida. Como diz o Hávámál, na estrofe 76:
“O gado morre,
os parentes morrem,
você mesmo morrerá;
mas a boa fama
não morre nunca
de todo aquele que a conseguiu”.
A inevitabilidade da morte é algo conhecido até mesmo pelos deuses. Talvez uma das grandes
lições que se pode esperar do mito de Balder é: que mesmo Frigg, conhecedora de todas as
ørlögs que as Nornir usam para tecer a wyrd (‘destino’) dos seres, mesmo ela como como
poderosa deusa é incapaz de fazer com que os atos de todos os levassem para um destino
que não fosse fruto disso. Em uma metáfora: você não chega no norte dirigindo para o sul.
Você não colhe morangos semeando ervas daninhas. E a morte só pode ser evitada não se
vivendo. A morte é parte de nós. E está a cada momento mais próxima. Viver implica a
possibilidade crescente de morrer. Isso é assustador? De forma alguma! E é nesse sentido que
o Hávámál deixa a sua lição: você precisa alcançar a imortalidade através dos atos, fazendo o
bem pela sua comunidade. Não pensando em uma fama egoísta, mas algo que perdure para
seu clã ou tribo. Algo que o faça sempre parte dos que viveram contigo e daqueles que ainda
virão.
É nesse sentido que é preciso rechaçar o medo da morte. É preciso saber que estamos
morrendo a cada momento, ou que algumas pessoas morrem para nós e precisamos tirar o
bom do que passou, e continuar. Usar a morte para motivar nossa vida: outra lição de Frigg.
Apesar da inevitabilidade do destino, ela não se resignou. Lutou com todas as suas forças para
modificar, fazer com novos atos um futuro diferente. É apenas pela ação que destinos se
modificam, e não unicamente pela vontade. Que o destino não é senão fruto de nossos atos
não nos deve levar a inanição, mesmo nas tormentas. Deve nos motivar a construir, com novos
atos um ponto de chegada diferente do que temos agora. Em outra metáfora: se você está indo
para o sul e quer chegar ao norte, vire sua embarcação nesta direção em vez de reclamar que
está indo para o sul e só percebeu agora. Você terá que percorrer um caminho mais longo para
chegar ao seu destino, mas ainda assim poderá chegar lá.
Todavia a maior lição quem nos dá é Hel. Frigg sabia do destino. Óðinn também. Mas deixaram
para reverter a morte de Balder após ele ser ferido e ter sua essência levada para os domínios
de Hel. Lá, Hel propõe quase um trocadilho: mesmo que todos os seres chorem por Balder,
ainda assim ele não pode sair daqui; vocês deveriam ter impedido a morte dele e não tentado a
reparar. Ou seja, devemos estar atentos ao destino de nossos atos. Não construiremos uma
família, ou clã ou whatever melhores deixando para corrigir as coisas apenas quando chegam
em momentos cruciais, de ruptura. Como diz o ditado popular: antes prevenir do que remediar.
Essa lição deveria ser melhor aplicada pelas pessoas em nossa sociedade, desde os mais
baixos atos até os mais altos na política, por exemplo.
Longe de explorar toda a simbologia e importância de Hel, lhes deixo essas reflexões. A morte
não está aí para ser desejada ou evitada. Ela está aí para nos fazer viver com intensidade e
deixar a nossa marca. E nós, como heathens, precisamos entender que da morte não se foge,
mas se encara. E é esse ato de coragem, honra e bravura que nos faz importantes ao nosso
meio, e deixa nosso espírito vivendo entre aqueles que estão em Midgard: e não apenas sai de
nossa carne para algum destino fora daqui.
PORTUGUÊS
Óðinn — ou Papai do céu e o mundo de lesões corporais graves
Óðinn é um deus popular entre pagãos e pessoas que aderem à cultura ou religião germânicas.
Mesmo que hajam pessoas que tratam Óðinn como uma espécie de substituto de Jeová ou se
apeguem a ele apenas, ignorando o resto do panteão germânico.
Não vou entrar em diferenças entre Óðinn e Wotan. Não é minha intenção enfadar tão
profundamente nessa especulação, mas sim tentar provocar o pensamento crítico em relação a
Óðinn e as várias fontes que, em minha opinião, ignoram o que se sabe dele a partir da
tradição [lore].
Um dos maiores mal-entendidos que as pessoas têm é tratar Velho Caolho como uma espécie
de Gandalf Papai do Céu (e sim, Gandálfr é um dos kenningar [nomes poéticos] de Óðinn, mas
na realidade esse nome não é tão amigável quanto Ian McKellen — mas eu vou chegar a isso
mais tarde). Como se Óðinn fosse um Deus carinhoso e amoroso.
Para aqueles que pensam assim e ficarão ofendidos ao ouvir que ele não é, por favor,
encontrem a porta (e sinceramente… isso não demonstra sua fortitude mental). Porque ele năo
é.
Muitas pessoas têm confundido Valhalla com um “paraíso pagão”, o que é totalmente
ignorância tanto da teoria acadêmica de que Valhalla é um kenning [nome poético] para uma
sepultura de campo de batalha, e a descrição de Valhöll na tradição [lore], bem como a
nomeação de vários outros locais de vida após a morte na tradição [lore].
Na Edda em prosa diz-se que os melhores daqueles que são mortos em batalha se dividem
entre Fólkvangr de Freyja e Valhöll de Óðinn.
Somente aqueles considerados dignos entrarão naquele salão, onde se empenharão numa
batalha eterna para se prepararem para Ragnarök. Eles vão lutar desde o nascer do sol até o
pôr-do-sol (ou até serem mortos), de onde os mortos ressuscitarão e os Einherjar recolhidos
festejaram todas as noites em hidromel e javali.
Mas isso não significa que a sua luta com a aceitação da realidade ou luta contra alergias irão
conceder-lhe um bilhete dourado. Combater a doença é bom e respeitável, mas os fisicamente
frágeis não têm lugar em um campo de batalha.
Existem normas.
99,9% das pessoas não cumprem essas normas, não iriam querer fazer os sacrifícios
necessários para chegar ao que foi dito e deviam talvez considerar um deus que é menos um
guerreiro-obcecado-bastardo que o velho MEDO, (Uggr/Yggr), PORTADOR DA LANÇA
(Geirvaldur, Biflindi, Geirölnir, Geirlöðnir, Geirtýr, Gandálfur**), PAI DE MORTE VIOLENTA
(Valfaðir), AGRESSOR (At-riði), OLHOS-FLAMEJANTES (Báleygr), AQUELE QUE TRABALHA
COM MALDIÇÕES (Bölverkr, Skollvaldr), SENHOR DOS MORTOS (Draugadróttinn).
Sério, um monte de gente prefere morrer na cama cercado com aqueles que amam após uma
vida longa fecunda, friðsælt ****, de enriquecer a vida de seus Frændgarðr ***.
As pessoas não percebem que chamar a atenção de Óðinn é um ato de autossacrifício por si
mesmo, pois há poucas pessoas que chamam sua atenção… alguém pode obter a pista
através de seus kenningar e heiti mencionados acima.
E mesmo quando Óðinn é atestado na tradição [lore] éddica como o mais alto dos deuses, ele
provavelmente nunca foi um deus para muitos, mas para apenas alguns, reis e guerreiros de
elite. Não simples homens de família.
Muita gente grotescamente superestima suas proezas físicas e mentais e não tem lido a sua
tradição [lore] bem o suficiente, o que é uma gafe [faux pas] quando se é dedicado ao buscador
do conhecimento.
Óðinn é um deus exigente, e assim as pessoas devem procurar não decepcioná-lo. Eu não
acho que isso iria acontecer de uma boa maneira.
Ele não é seu papai-do-céu docíneo lindíneo [cuddly-wuddly-sweety-pie] que o ama como você
é.
Ele realmente não liga merda nenhuma pra isso (pra qualquer coisa, exceto seus objetivos
determinados) e é melhor as pessoas não desperdiçarem o tempo dele.
* Qual é a razão de estar no politeísmo se você está indo apenas para selecionar um deus?
** Gandálfr é também o nome de um anão. Gandálfr e os outros nomes ali, Geirvaldr etc., todos
apontam para a sua proeza com uma lança.
*** Frændgarðr – o recinto da família – e aqueles que você considera a família. O mesmo
conceito como o linguisticamente errado “innangarðr” que significa “dentro de cerca”. A menos
que você esteja vendo as pessoas como ovelhas, isso não faz sentido.
Cultuando os deuses
Texto de Diana L. Paxson. Originalmente publicado em IDUNNA 20, 1993. Traduzido a partir
do site do Hrafnar por Sonne Heljarskinn com auxílio de Raendel.
Entre as estrofes mais conhecidas do Hávamál está aquela citada acima, que resume as
competências necessárias para runas e religião. Os dois primeiros versos, em que o Altíssimo
se refere à inscrição, leitura, coloração, e interpretação das runas, são frequentemente citados.
O segundo par de linhas é menos familiar, mas os verbos utilizados contêm a essência da
prática religiosa germânica. O primeiro, bithja, tem uma relação próxima com o inglês “bid” e é
geralmente traduzido como “pedir” (ask). De acordo com Grimm, o termo tem a implicação de
súplica. A segunda, blóta, refere-se ao sacrifício em que o sangue foi usado para abençoar as
pessoas e a carne comida depois de ter sido dedicada aos deuses. O terceiro verbo, senda,
pode ser traduzido como “enviar”, com a implicação de que se trata de passar a mensagem aos
deuses, enquanto o quarto, sóa, significa fazer uma oferta que é, em certo sentido “dilapidada”,
talvez algo que é destruído ou deixado aos elementos ao invés de ser compartilhado. Juntos,
eles resumem as principais maneiras em que as pessoas do Norte cultuavam seus deuses.
Prece
(Sigdrifumál:2-3)
Preces a Thor por tais skalds como Vertrlidhi Sumarlidhason e Thorbjorn Dísarskáld são
preservadas principalmente em fragmentos citados por Snorri no “Skaldskarpamál” por causa
das informações que eles contêm. Um exemplo típico (como traduzido por Turville-Petre, p. 85)
segue-se –
John Lindow compara estas linhas a outras da tradição indo-europeia, em que a prece “…
incluiu exatamente os dois componentes de louvor da divindade, não raro, na segunda pessoa,
seguido de um pedido para a divindade.” (P. 132) . Ele especula ainda que o restante da
prece (não citada por Snorri), “… chamou Thor para matar os missionários Thangbrandr e
Gudhleifr e implicitamente lhes atribuiu a categoria de gigantes no sistema mitológico …” (p.
133).
Com estas palavras do Apóstolo São João estancou o sangue nos lábios de nosso Senhor. . .
/(Odin Estancou o sangue quando ele foi cortado pela lança.)
Uma pedra chamada Surtur está no templo. Lá encontram-se nove víboras. Jamais acordarão
ou dormirão antes deste sangue ser estancado. Deixe esse sangue ser estancado em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo./(Em nome de Odin) etc.
(Kvideland & Sehmsdorf, 28.6 )
A fórmula para esse tipo de prece/feitiço pode ser expressa desta forma –
(Resumo do mito, como por exemplo a amarração do lobo Fenris pelos deuses)
(exposição das medidas tomadas em termos que podem aplicar-se ao problema no mito e na
dificuldade atual, como por exemplo as forças de conflito e destruição, sob a forma de uma
afirmação como por exemplo, “O grilhão é rápido, e Fenris preso!” ).
Oh meu Senhor, eu percorri um longo caminho com tantas escravas e tantas peles de zibelina
(e, em seguida, ele menciona todos os bens que ele tem com ele). Agora eu venho a ti com
essas ofertas … Eu quero que você me envie um comerciante que tenha lotes de dinares e
dirhems e que comprará em meus termos, sem dificuldades.
A posição tradicional para a prece tem sido objeto de alguma discussão na comunidade neo-
nórdica. Muitos Ásatrúar preferem uma postura ereta com os braços levantados em saudação
(o stodhyr “Elhaz”), sentindo que esta posição está mais em sintonia com característica da
independência Viking. Embora esta seja uma visão com a qual eu simpatize, a maioria das
evidências parecem sugerir que, pelo menos, às vezes, a prática foi o contrário.
Em seu capítulo sobre Culto (Vol. I: III) Grimm analisa as etimologias de vários termos
relevantes, começando com suas primeiras formas góticas conhecidas. Entre eles
estão inveita, que parece ser um ato de culto envolvendo algum tipo de inclinação do corpo,
embora não esteja claro se isto significava curvar a cabeça ou flexão do joelho. Ele cita uma
série de referências em apoio a esta ideia, incluindo uma na Saga de St. Olaf em que os
homens caíram til iardar fyrir likneski (caíram na terra diante da semelhança) com Thor (Fornm.
sög.2, 108). Os lombardos foram ditos ter curvado seus pescoços diante de uma cabeça de
cabra. Os comerciantes Rus observados por Ibn Fadlan no Dnieper inferior prostraram-se às
estacas de deus que eles tinham estabelecido na beira do rio. Uma variação deste pode ter
sido descobrir a cabeça para mostrar honra (em contraste com a prática romana e judaica de
cobrir a cabeça quando engajados em atividade religiosa), preservada na regra moderna de
etiqueta que exige que os homens para removam seus chapéus na igreja (deve notar-se que
na Igreja medieval, como entre os antigos godos, apenas os chefes dos sacerdotes adoravam
com cabeças cobertas [Grimm, I: 32]).
Mesmo o Antigo Poema Rúnico Norueguês é sugestivo: SOL er landa ljóme; lúti ek helgum
dóme. (Sól é a luz das terras; Eu me curvo ao julgamento dos céus.) O verbo aqui, lúta,
significa “prostrar-se”, se curvar, como quando Thomas o Rhymer conheceu a Rainha das
Fadas e “prostrou-se sobre um joelho”. Uma forma de prece pode ter envolvido braços erguidos
sob a forma de a runa Elhaz, mas Ibn Fadlan descreve os comerciantes Rus como prostrando-
se diante das imagens dos seus deuses. Aparentemente, por vezes, os povos germânicos
também curvaram-se em adoração, especialmente, ao que parece, em homenagem ao sol.
Uma linha no Sólarljodh (41), afirma que “henni ek laut hinnsta Sinni, ægis-heimi í” – “Eu
prostrei-me para ela (o sol) a última vez neste mundo”, o que significa que foi o último dia de
vida do falante, é ainda mais indicativo. “Curvando-se à condenação dos céus”, portanto, não é
necessariamente uma expressão tanto do fatalismo nórdico ou influência cristã, mas poderia
ser uma referência a um ritual diário de alinhamento com as forças que governam o destino de
todos os seres como representado pela jornada diária do sol.
Ofertas
Prece e louvor, quer sejam ditas de pé ou prostrados, eram apenas parte do culto pagão
(heathen). A prática mais antiga era a de dar presentes aos deuses sob a forma de alimentos
— blotan, derramar sangue, sendo o verbo que precedeu as palavras emprestadas para
“oferta” e “sacrifício”. Apesar das origens sangrentas, ele aparentemente incluía todos os tipos
de oferta, sendo cognato, eventualmente, a “Bênção” (Blessing) (presumivelmente a partir da
prática de aspergir os que estavam no culto com o sangue do sacrifício). Entre outras palavras
usadas em gótico para uma oferta é sáudhs referentes à “fervura” (seething) ou cozimento
(boiling) do animal sacrificado para que os cultuadores pudessem compartilhar na festa.
Animais, no entanto, não foram as únicas ofertas. Grãos, frutas e flores podem ser sacrificados
(especialmente os primeiros frutos da colheita), bebida alcoólica foi derramada em libação,
corte de cabelo do topete. Mesmo um juramento pode ser considerado uma oferta. Quando um
animal era sacrificado, a sua cabeça, coração ocultos seriam pendurados como uma oferenda,
seu sangue derramado sobre o hørg e aspergido sobre o povo e o santuário, e sua carne
cozida e comida na festa comunitária. Bacias de sangue e borrifadores faziam parte da mobília
de um hof (espaço sagrado) (2). A participação em tais festas era tanto o privilégio e a
condição de (fazer-se) membro da tribo ou da comunidade.
Estas festas e oferendas eram celebradas nos festivais anuais que marcaram a mudança das
estações, para marcar grandes ocasiões, como casamentos, declarar a morte e o renascimento
do rei, ou para ganhar o favor dos deuses para os projetos planejados ou para acalmá-los em
tempos de desastre. Às vezes os sacrifícios podem incluir homens (embora estes,
provavelmente, não fossem comidos), e em uma temporada desastrosa, até mesmo o rei.
Apenas os animais saudáveis, perfeitos, devem ser oferecidos, guirlandas de flores e ervas
aromáticas. O javali era especialmente sagrado para os Vanir; cavalos parecem ter sido o
sacrifício mais valorizado, e é possível que a sua carne foi comida apenas em ocasiões
sagradas. Touros brancos ou pretos, carneiros e bodes também foram preferidos,
especialmente aqueles que nunca tinham sido usados para o trabalho. É minha a especulação
de que a lebre era sagrada para Eostara e comida apenas em seu festival.
Ofertas também foram feitas por indivíduos para fins específicos, tais como uma viagem
próspera ou a vitória na batalha. De acordo com Ibn Fadlan, os comerciantes Rus ofereceram
pão, carne, cebola, leite, e alguns dos liquores locais aos seus deuses no caminho para o
mercado, e sacrificavam animais a caminho de casa, se sua negociação tinha sido bem
sucedida. Com algumas exceções, como o javali do Yule-tide, ainda comemoravam em
imagens escandinavas de maçapão e no Canto de Natal inglês “Cabeça de Javali”, (mas) os
velhos sacrifícios de sangue foram suprimidos sob o cristianismo. No entanto, as ofertas menos
ofensivas de ramos frondosos, guirlandas de flores e feixes de grãos continuaram a ser feitas,
e o consumo de cerveja em memória, o minnis-öl, ou sumbel, sobrevive até hoje no costume de
beber brindes em banquetes. Mesmo quando foram proibidas oferendas aos deuses antigos,
popularmente continuou-se a derramar o álcool, leite ou caldo para os espíritos caseiros. Vê-se
este costume sobrevivendo no leite e cookies que são deixados para o Papai Noel.
Naturalmente, que a pouca evidência que temos para a prática religiosa antiga tende a se
concentrar no culto público e da comunidade, em vez do individual. Hoje, nós estamos na
necessidade de modelos para os dois trabalhos de grupo e espiritualidade individual. De fato,
considerando como muitos daqueles que seguem o Caminho do Norte são forçados pelas
circunstâncias à prática solitária, uma discussão sobre o trabalho espiritual solo é útil e
necessária. Mesmo aqueles que participam regularmente no culto grupal vão encontrar a sua
experiência enriquecida e suas habilidades melhoradas em trabalho regular sozinhos.
Especialmente no início, é útil para um foco físico para o culto na forma de imagens, altares e
santuários. A criação de um altar é bastante fácil, na verdade, parece ser uma resposta
instintiva, e as pessoas às vezes são surpreendidas ao perceber que isto é o que elas fizeram.
Para os antigos, os pilares do trono e da lareira eram sagrados dentro de casa. Ao ar livre, eles
construíram altares de pedras empilhadas, estabeleceram bosques sagrados ou construíram
“halls” para os deuses. Hoje, uma pedra pode ser colocada ao lado da lareira ou fogão para
fazer uma casa para o espírito caseiro, e um monte de pedras ou uma única pedra colocada no
jardim para ofertas.
Tal altar honra os deuses, mas é mais do que decoração. Cada dia reserve um tempo em que
você tenha privacidade. Acenda a vela, talvez derrame um pouco de hidromel na tigela de
oferta. Sente-se confortavelmente e e contemple o altar. Você pode gastar este tempo
simplesmente no pensamento sobre a divindade, considerando o significado de seus mitos e
sua relevância para a sua vida. Ou você pode compor preces formais no modelo dado acima.
Memorizar uma breve invocação é uma boa maneira de pegar o ritmo enquanto você começa.
Para aprofundar a experiência, cante o(s) nome(s) da divindade, ou entoe uma runa
apropriada.
Feche os olhos e construa uma imagem mental do deus. Quando você puder manter a imagem
com facilidade, repita a sua prece, e espere por uma resposta. Você pode achar que é útil
preceder esta atividade por um relaxamento sistemático dos grupos musculares, ou retardando
e contando suas respirações. Se você é experiente em pathworking ou jornada xamânica,
imagine uma porta que leva do seu quarto através de uma passagem para a Midgard em que
se encontra. Usando a disposição dos nove mundos de Yggdrasil como um mapa, procure
aquele onde sua divindade é mais provável de ser encontrada e construa uma imagem de sua
casa ou templo. Peça para entrar, invoque o deus, e mantenha sua conversação lá. Uma
prática antiga era deitar e envolver-se em uma capa ou ocultar-se para essa jornada e
comunicação.
Com a prática regular, você vai achar mais fácil sentir a presença da divindade, e,
eventualmente, você pode achar que não só está o seu deus sempre à espera quando você
viaja interiormente, mas que a consciência (awareness) de seu/sua presença vem a você
quando você está em um estado de consciência (consciousness) “ordinária”, de modo que o
culto se torna companheirismo. Acredito que nos velhos tempos aqueles que eram conhecidos
como “amigos” de deuses específicos experimentaram a relação desta forma. Tal consciência
pode, por vezes, tornar-se bastante poderosa, ao ponto onde é necessário explicar ao deus
que você precisa ser capaz de trabalhar sem distração, e limitar a interação a momentos
apropriados. Não, por exemplo, contemplar o seu deus ao operar um veículo em movimento (a
não ser é claro que ele seja um piloto melhor do que você é). Conversas com o deus em sua
cabeça não são patológicas, desde que você não faça isso em voz alta em público ou quando
supõe-se que esteja fazendo outras coisas.
Os deuses também irão dizer-lhe o que eles desejam na forma de adornos do altar e ofertas.
Novamente, você pode achar que é necessário explicar que os tempos mudaram, e itens como
braceletes de ouro e carne de cavalo fresco podem ser difíceis de encontrar. É razoável pedir a
um deus que quer algo para cooperar, ajudando-o a encontrar/pagar por isso. De muitas
maneiras, uma relação ativa com um deus é como estar em amor-sedução e inebriante. Se a
relação é resistente, bom senso e cortesia são necessários em ambos os lados.
Embora gostaríamos de ser autênticos, a menos que alguém viva em uma fazenda e tenha
dominado as habilidades envolvidas na humanidade em esquartejar um animal, o sacrifício de
sangue não é uma opção para os pagãos (heathens) contemporâneos. No entanto, em adição
ao sumbel, ofertas podem ser feitos num certo número de maneiras. Quando alguém está
participando de um banquete (ou qualquer festa de família) uma parcela deve ser deixada para
o espírito caseiro (que vive em uma pedra posta junto ao fogão ou forno) e/ou os deuses,
primeiro em um prato ou uma tigela de oferta e, em seguida, em um hørg de pedras
empilhadas ou pendurado em uma árvore no quintal. Na minha casa nós penduramos
apropriadamente figuras de biscoitos de gengibre na árvore de Yule.
Para um ritual mais elaborado, ir para uma área de piquenique deserta para fazer sua oferta.
Procure por um tempo e lugar onde você pode estar razoavelmente sozinho (tal como um meio
de semana à noite). Se você guardar o lugar bem o suficiente é improvável ser perturbado. Crie
uma hørg de pedras empilhadas, coloque as ofertas de carne, etc. em cima dele e despeje o
vinho tinto (como “Sangue de Boi”) sobre ele, enquanto você faz suas preces. Se uma
churrasqueira estiver disponível, leve uma panela e faça um guisado com cevada, cebola e
alho ou outras ervas, e os corações de quaisquer animais são convenientes. É aconselhável
cortar todos os ingredientes e cozinhar, em parte, a cevada antes do tempo. Ferver o cozido
com cerveja ou vinho e quando borbulhar, mexer, cantando runas e magias. Quando isso for
feito, alguns podem ser oferecidos no hørg e o resto compartilhado. A experiência pode ser
incrivelmente poderosa.
Embora existam dias (como quarta-feira para Odin), e os tempos (como Yule ou Ostara),
quando o culto é particularmente apropriado, honrar os deuses não é uma atividade que deve
ser restrito a um dia da semana, ou para aqueles tempos quando se reúne a comunidade de
festa ou festivais. A cada dia, e cada atividade, pode ser dedicada a uma divindade apropriada.
Aqueles que trabalham com os seus deuses em uma base regular, irão encontrar uma relação
em desenvolvimento que irá enriquecer suas vidas. Os deuses nórdicos não são mitos. Eles
são presenças vivas que estão ansiosas para interagir com a gente, e ansiosamente
respondem a quase qualquer convite.
Fontes
The Poetic Edda, trans. Lee Hollander, Austin: University of Texas Press, 1986
Scandinavian Folk Belief and Legend, ed. Reimund Kvideland & Henning K. Sehmsdorf,
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1988
Gabriel Turville-Petre, Myth and Religion of the North, New York: Holt, Rinehart, & Winston,
1964
PORTUGUÊS
Ēostre — Deusa Real ou Invenção de Bede?
* Atenção * Este artigo não tem de modo algum a intenção de fazer proselitismo a favor ou
contra qualquer religião, ou provar que Ostara literalmente existe como uma entidade espiritual.
Esta é uma análise histórica da evidência que é muitas vezes esquecida na avaliação
da historicidade do “culto” de Eostre / Ostara — ou seja, ela era cultuada historicamente pelos
povos germânicos da Inglaterra anglo-saxã e os saxões no continente.
A Controvérsia
Bede o venerável
O Venerável Bede é a fonte mais frequentemente usada em ambos os argumentos, a favor e
contra a existência do culto de Ēostre. O principal argumento de oposição afirma que Ēostre é
uma deusa “composta” inventada pelo historiador da Igreja Medieval, Bede.
O que este argumento deixa de considerar é que Bede era um monge cristão que estava
driblando em conduzir o paganismo fora da Grã-Bretanha. Ele escreveu seu livro, A História
Eclesiástica do Povo Inglês, no século oitavo. Esta foi uma época onde os costumes pagãos
ingleses ainda sobreviviam nas periferias e charnecas (heaths). O termo “Heathen” (pagão)
refere-se ao povo da região excluída na charneca (heath) praticando os “Caminhos Antigos”.
A erradicação da Antiga Religião era uma prioridade essencial da Igreja neste período. Por
que, então, inventaria um monge cristão uma deusa pagã para incentivar a prática pagã? Seu
objetivo seria o de minimizar quaisquer deusas da fertilidade da Primavera e enfatizar a
ressurreição de Cristo.
Mas, espere. Bede tem apoio!
Einhard o escriba
Como acontece, outro monge registrou uma referência para Ostara o que corrobora a
afirmação de Bede. Einhard, n’A Vida de Carlos Magno (escrito no século IX), menciona que o
mês de abril é conhecido pelos saxões como Oster-monath (Ôstarmânot), o apoiando a
menção de Beda de abril como Ēastermōnaþ (mês de Easter, “Páscoa”). Os anglo-saxões na
Inglaterra eram primos dos saxões alemães na Europa continental. Eles falavam uma língua
aparentada e praticavam variações da mesma religião. Ēostre para os ingleses é a
correspondente linguística para a Ostara dos saxões continentais. Ambos os grupos nomearam
o mês que corresponde aproximadamente com o nosso Abril para a deusa cujo festival era
celebrado então.
Em cartões de Páscoa vintage, Cristo raramente é mostrado ou mencionado. 100 anos atrás
era muito mais comum ver coelhos, pintinhos, e, curiosamente, mulheres angelicais.
Anjos de Páscoa do sexo feminino são um
tema comum em cartões vintage. Esta poderia ser uma memória da nossa perdida deusa da
Páscoa?
Os estudiosos têm sugerido que a Igreja Medieval primitiva na Inglaterra ativamente estudou a
religião indígena anglo-saxã como uma estratégia para combatê-la.
O autor e estudioso Brian Bates explora essa tática em seu livro best-seller, The Way of Wyrd.
O autor deste romance de ficção histórica conduziu uma intensa investigação como a estrutura
ao redor da qual que ele construiu sua história. Professor Bates é o estudioso líder em religião
anglo-saxã, e tem ministrado cursos sobre ela na Universidade de Sussex. Sua pesquisa para
o romance incluiu extenso estudo de manuscritos medievais na British Library.
O enredo de sua história gira em torno de um jovem aspirante monge no reino cristão Inglês de
Mercia que é enviado para o território pagão anglo-saxão em uma missão disfarçada para
aprender os costumes e religião dos pagãos. O chefe do mosteiro afirma explicitamente que
através do aprendizado das formas dos pagãos, eles podem melhor combater a religião
indígena e substituí-la por uma nova.
Certo, esta é uma obra de ficção. Mas, como afirmado anteriormente, é uma obra de ficção
histórica escrito por um estudioso e com base em pesquisas aprofundadas.
É provável que Bede, como os monges na história de Bate, estava conduzindo sua própria
investigação sobre os povos pagãos dentro de sua vizinhança geográfica. Ao compreender os
elementos do festival da Páscoa, a Igreja poderia incorporar alguns dos temas para o novo
festival cristão, tornando assim a transição mais palatável para os “nativos”.
Há muitos exemplos de facto para corroborar este cenário proposto. É sabido que durante os
períodos de conversão, templos pagãos foram destruídos, enquanto os cristãos foram erguidos
em seu lugar. Festas cristãs foram colocadas no antigo calendário de festas pagão, e
elementos dos festivais originais foram absorvidos nos novos.
Sabemos que o “culto dos Santos” da Igreja Católica muitas vezes permitiu divindades
sagradas para uma localidade serem adotadas como santos ou representações da Virgem
Maria locais.
Há muitos exemplos disso, mas um que a maioria das pessoas estão familiarizados com é a
deusa celta Brigid, que ainda é realizado em estima especial por católicos irlandeses e cristãos
celtas hoje como Santa Brígida.
Esta Ēostre se encaixa no molde de uma amena deusa pagã da primavera perfeitamente, e
que não foi transformada em uma espécie de animal monstruoso é outro testamento de
confiabilidade de Bede. Mais uma vez, a inclinação dele teria de demonizar a religião pagã.
Essas coisas estão associadas com outras deusas pagãs conhecidas. Brigid, mais uma vez,
serve como bom exemplo. Ela é outra deusa que está associada com a primavera e patrona de
um outro festival pagão.
O feriado celta Imbolc foi celebrado com os primeiros sinais de Primavera. Símbolos
associados com o Imbolc incluem cordeiros recém-nascidos, o leite, outros produtos lácteos e a
chama. Estas coisas representam sustento nutritivo e vida nova, re-nascimento.
O feriado católico Candlemas foi definido no calendário religioso para substituir Imbolc. O
patrono do Candlemas é Santa Brígida. (Será que estamos vendo algum paralelo?)
Uma deusa inventada, construída por alguém culturalmente separado da cultura pagã, que tem
uma inclinação intrínseca forte, provavelmente cairia fora do paradigma do que sabemos da
espiritualidade pagã. Ēostre não. Ela é um ajuste perfeito.
Conexão Etimológica com Outras Deusas da Primavera/Amanhecer
Vamos revisar
A) monges católicos deste período, como Bede, foram instruídos a estudar os costumes
pagãos locais.
B) Os costumes pagãos locais eram rotineiramente absorvidos nos novos feriados cristãos.
C) Os pagãos eram geralmente retratados negativamente por escritores cristãos, por isso, faz
pouco sentido inventar uma benevolente, mantenedora deusa pagã.
D) O objetivo da Igreja era fazer com que os pagãos esquecessem sua religião – não
revivessem-na. Então, novamente, não faz muito sentido para um monge cristão inventar uma
nova deusa pagã.
E) A deusa descrita por Bede se encaixa dentro do quadro estabelecido de outras deusas
pagãs na Europa em seu momento, dando força à ideia de que Bede descreveu uma divindade
local seguida muito realmente em vez de inventar uma fora do ar.
Mas não vamos parar por aí, pois não há ainda mais evidências! Jacob Grimm surgiu no
século XIX, o qual viu um revival em lendas folclóricas locais e mitologia. Embora os Irmãos
Grimm sejam famosos por contos de fadas, eles também realizaram importante trabalho no
florescente campo de Folclore.
Os irmãos pesquisaram os povos locais em toda Alemanha e nas regiões de língua alemã
vizinhas. Jacob Grimm analisou as suas conclusões e escreveu sua obra-prima, Teutonic
Mythology, um estudo ambicioso e abrangente da mitologia alemã continental.
Através de seu estudo da história oral, ele descobriu que a deusa Ostara era encontrada em
quase todas as áreas de língua alemã.
Muitas vezes o folclore existe como a única evidência sobrevivente de idades quando não
havia nenhum registro escrito. O folclore registrado por Grimm demonstrou que pessoas a
milhas e milhas de distância retiveram memórias culturais compartilhadas da mesma
deusa.
Grimm fez a hipótese de que Ostara era uma deusa pan-germânica da fertilidade, da
primavera, e do amanhecer. Se Bede inventou ela na Inglaterra, então como é que
camponeses analfabetos na Alemanha sabem dela mais de um milhar de anos mais
tarde? Ou ela foi realmente adorada, ou Bede tinha uma excelente equipe de relações
públicas!
O que há em um nome?
As pessoas têm sido conhecidas por acreditar que certas outras figuras mitológicas literalmente
andaram na Terra com muito menos provas. Considerando que ninguém está debatendo se
Eostre era ou não uma pessoa real – simplesmente se houve um culto generalizado dedicada à
sua veneração.
Com base em uma revisão das evidências, a única conclusão para uma rejeição tão acalorada
de fato é que a Ēostre pagã ainda é considerada uma ameaça para aqueles que se apropriam
do dia consagrado a ela.
Apesar dos esforços para apagá-la da história, ela vive não só nos símbolos da Páscoa
(Easter), mas na própria palavra “Páscoa” (Easter) em si.
A natureza humana muitas vezes dita que se você não gosta da verdade, apenas a nega.
Felizmente, historiadores, pesquisadores e estudiosos como Bede, Einhard, e Grimm têm
preservado e revivido as origens da Páscoa.
O Deus Bragi
PORTUGUÊS
O Deus Bragi
Tradução de Andarilho do livro “MYTHS OF THE NORSMEN FROM THE EDDAS AND
SAGAS” de H.A. Guerber..
Vou lhes contar a história de um deus, filho de Odin, menestrel e compositor de Asgard, aquele
que toca em Valhalla e recebe os mortos em batalhas com canções tão belas que fariam os
homens mais duros de coração chorar como crianças. Hail Bragi! O deus poeta:
Nos tempos das disputas entre os Aesir e os Vanir, quando a paz havia sido estabelecida, um
vaso foi levado à assembleia e todos os presentes de ambos os lados cuspiram dentro dele. E
desta saliva os deuses criaram Kvasir, um ser reconhecido pela sua sabedoria e bondade, que
percorreu o mundo respondendo todas as perguntas que lhe foram feitas e assim ensinando e
beneficiando a humanidade. Os anões ouvindo falar sobre a grande sabedoria de Kvasir
almejaram-na, e de dois em número, Fialar e Galar, um dia encontraram-no adormecido e
traiçoeiramente o matam para drenar cada gota de seu sangue dentro da chaleira Od-
hroerir (inspiração) e dentro das tigelas Son (expiação) e Boden (oferta). Após devidamente
misturarem o sangue com mel, eles manufaturaram uma espécie de bebida tão inspiradora que
qualquer um que a provasse imediatamente se tornaria um poeta que pudesse cantar com
tanto charme que ganharia todos os corações.
Apesar de os anões terem preparado este maravilhoso hidromel para o próprio consumo, eles
nem ao menos o provam, mas o escondem em um lugar secreto enquanto eles buscam por
novas aventuras. Eles não tinham ido muito longe ao encontrarem o gigante Gilling igualmente
adormecido em um barranco, e eles maliciosamente o rolam para dentro da água, onde ele
morre afogado. Depois, seguindo para as habitações do gigante, alguns escalam no telhado
com uma enorme rocha de moer enquanto os outros, entrando, contam à giganta que seu
marido havia morrido. Estas notícias lhe causam enorme aflição e ela corre para fora para ver
onde Gilling havia perecido. Assim que ela passa pela porta os perversos anões rolam a pedra
por cima de sua cabeça matando-a.
O crime duplo que eles cometem não permanece sem punição, pois o irmão de Gilling,
Suttung, rapidamente foi em busca dos anões, determinado por vingança. Prendendo-os em
seu poderoso aperto, o gigante os levou para mar afora, onde certamente teriam morrido na
maré alta caso não tivessem, em troca de suas vidas, prometido entregar ao gigante o seu
recém fabricado hidromel. Assim que Suttung os solta na costa, eles lhe entregam o precioso
composto, que ele confia à sua filha Gunlod, pedindo-a que o guarde dia e noite e que não
permita que nem deuses nem mortais obtenham ao menos uma pequena prova. Para melhor
realizar este pedido, Gunlod carrega os três recipientes para dentro da montanha oca onde ela
os vigia com o maior cuidado, no entanto ela não suspeita de que Odin tenha descoberto o seu
esconderijo graças aos bons olhos de seus dois corvos Hugin e Munin.
Odin, quando dominou as runas e quando provou das águas da fonte de Mimir, já tinha se
tornado o mais sábio dos deuses, mas ao ficar sabendo do poder da bebida da inspiração feito
do sangue de Kvasir, ele se tornou ansioso para obter posse do fluido mágico. Com este
propósito em mente ele então vestiu seu chapéu de abas largas e seu manto para partir então
a Jötunheim. Em seu caminho para a morada dos gigantes ele passa por um campo onde nove
escravos feios estavam ocupados cortando feno. Odin para por um momento para observá-los
em seu trabalho e percebendo que suas foices estavam muito cegas, ele lhes propõe afiá-las,
uma oferta que os escravos bem aceitaram. Retirando uma pedra-de-afiar de seu manto Odin
procedeu em afiar as nove foices, habilmente dando-lhes um fio tão bom que os escravos,
encantados, imploram pela pedra. Com bom humor Odin joga a pedra por cima do muro, mas
enquanto todos os nove escravos simultaneamente pulam a frente para pegar a pedra se ferem
uns aos outros com suas recém-afiadas foices. Com raiva de seu respectivo descuido eles
começam a brigar e não param até todos estarem mortalmente feridos ou mortos.
Desanimado por essa tragédia Odin continua seu caminho e pouco depois chega à casa do
gigante Baugi, um irmão de Suttung, que o recebeu com hospitalidade. No andar da conversa
Baugi lhe informa que estava num grande embaraço por que era época de colheita e todos os
seus trabalhadores tinham acabado de serem encontrados mortos no campo de feno.
Odin, que nesta ocasião tinha dado seu nome como Bolwerk (fazedor do mal), prontamente
ofereceu seus serviços para o gigante, prometendo completar tanto trabalho quanto os nove
escravos e para trabalhar diligentemente durante todo o verão em troca de um único gole do
hidromel magico de Suttung. Esta barganha foi imediatamente concluída e o novo trabalhador
de Baugi, Bolwerk, trabalhou incessável durante todo o verão e a mais do que seu contrato lhe
obrigava, estocando seguramente a colheita antes das chuvas de outono começarem a cair.
Quando os primeiros dias de inverno chegaram Bolwerk se apresenta para seu mestre
reivindicando sua recompensa, mas Baugi hesitou e objetou dizendo que nem mesmo havia
feito o pedido a seu irmão, mas que iria tentar consegui-lo através da ardileza. Juntos, Bolwerk
e Baugi seguiram para a montanha na qual estava Gunlod escondida e quando não
conseguiram achar nenhuma entrada para o esconderijo secreto, Odin produz sua broca de
confiança chamada Rati e pede para o gigante perfurar com toda sua força um buraco para que
possa atravessar para o interior.
Baugi obedeceu silenciosamente e após alguns momentos de trabalho com a ferramenta diz
que conseguiu chegar do outro lado e que Odin não teria problemas em atravessar. Mas o
Deus, desconfiando do gigante, primeiramente assopra através do buraco e quando a poeira
voltou voando em seu rosto e em seus olhos, ele pede a Baugi continuar a perfuração e a não
tentar enganá-lo novamente. O gigante fez o que lhe foi dito e quando ele atravessou sua
ferramenta novamente, Odin se certificou de que o buraco estava realmente acabado.
Mudando seu corpo para o de uma serpente ele passa pelo buraco com tanta velocidade que
ele evitou a ponta afiada da broca que Baugi enfia no buraco atrás dele com intenção de matá-
lo.
Tendo chegado ao interior da montanha, Odin reassume sua forma normal e então se
apresenta dentro da caverna em frente à bela Gunlod. Ele pretendia conquistar seu amor como
uma maneira de convencê-la a lhe dar um gole de cada recipiente que foram confiados aos
cuidados dela.
CW22MF The
giantess Gunlod was in charge of the Holy Mead, the drink of the gods. Gunlod is giving Odin
the holy mead to drink.
Ganha pelo apaixonante cortejo de Odin, Gunlod consente em se tornar sua esposa e depois
de ter passado com ela três dias inteiros, ela trouxe os recipientes do esconderijo secreto e lhe
diz que poderá tomar um gole de cada um dos recipientes.
Odin fez bom uso dessa permissão e bebeu tão profundamente que esvaziou os três
recipientes. Então, tendo conseguido o que desejava, ele emerge da caverna vestindo suas
penas de águia, se erguendo alto nos céus, e após planar por um momento sobre a montanha
dirigiu seu voo em direção a Asgard. Ele ainda estava longe do reino dos Deuses quando se
deu conta de um perseguidor. Suttung, tendo-se transformado também em forma de águia,
estava vindo rapidamente atrás dele com a intenção de recuperar o hidromel roubado. Odin
então voa mais rápido e mais rápido esforçando cada músculo para chegar a Asgard antes que
seu inimigo o alcance, e enquanto se aproximava os deuses com ansiedade observavam a
corrida.
Vendo que Odin iria escapar com dificuldade, os Aesir rapidamente juntaram todo material
combustível que conseguiam encontrar e quando Odin finalmente voa por cima dos muros de
Asgard, acendem o combustível que acabaram de juntar de maneira que as chamas, voando
altas, queimam as penas de Suttung enquanto ele perseguia Odin, e assim ele cai em meio às
chamas, queimando até a morte.
Odin então voa ate onde os deuses tinham preparado recipientes para o hidromel e regurgita o
mesmo em tão aflita pressa que algumas gotas caem dispersas sobre a terra. Lá se tornaram a
porção para poetas inferiores. Os deuses reservaram o hidromel para consumo próprio,
permitindo o privilégio de tomar um gole para alguns ocasionais favorecidos mortais que,
imediatamente após tomarem o gole, ganhariam fama mundial com sua reputação pelas suas
inspiradoras canções.
O Deus Da Música
Enquanto os Deuses e homens deviam o impagável presente a Odin, estavam sempre prontos
a demonstrar-lhe gratidão, o cultuavam como patrono da eloquência, da poesia, da música e de
todos os skalds.
Entretanto Odin assim ganhou a dádiva da poesia e raramente usou para si mesmo. Foi
reservado para seu filho Bragi, filho de Gunlod, para se tornar deus da poesia e música, e para
encantar o mundo com suas músicas.
Assim que Bragi nasceu na caverna onde Odin ganhou as afeições de Gunlod, os anões o
presentearam com uma harpa mágica de ouro e colocando-o num de seus próprios barcos o
mandaram mundo a fora. Assim que o barco suavemente saiu das profundezas subterrâneas, e
flutuou sobre os limiares de Nain, o reino do anão da morte, Bragi, o justo e imaculado jovem
Deus, que até o momento não havia demonstrado sinal de vida, subitamente sentou-se, e
erguendo a harpa de ouro, começou a cantar a estonteante canção da vida que se ergueu até
os céus e depois decaiu até o pavoroso reino de Hel, deusa da morte.
“Yggdrasil o freixo,
É de todas as árvores a mais excelente,
E de todos os barcos, Skidblandir;
Dos Aesir, Odin,
E cavalos, Sleipnir;
Bifröst de pontes,
E Bragi dos Skalds.”
Enquanto ele cantava, o navio suavemente flutua sobre iluminadas águas e logo tocou a costa.
Bragi então procedeu a pé, fazendo seu caminho pela nua e silenciosa floresta, tocando
enquanto caminhava. A sua música fez as árvores florescerem e incontáveis flores nasciam
debaixo de seus pés.
Aqui conheceu Idunn, filha de Ivald, A Deusa da imortal juventude, a quem os anões permitiam
visitar a terra de tempos em tempos, quando, com sua presença, a natureza mostrava a sua
mais bela forma. Era de se esperar que dois seres assim se sentissem atraídos um pelo outro,
e logo Bragi ganhou esta Deusa como esposa. Juntos seguiram para Asgard, onde ambos
foram calorosamente recebidos, e onde Odin, após traçar runas na língua de Bragi, decreta
que ele deveria ser o sagrado menestrel e compositor de músicas em honra aos Deuses e
heróis que recebia em Valhalla.
O culto à Bragi
Como Bragi é o Deus da poesia, eloquência e da música os povos do norte chamaram a poesia
pelo seu nome e Skalds de ambos os sexos foram denominados como Homem-Bragi ou
Mulher-Bragi (tradução sem fontes desses dois termos). Bragi recebeu muita honra de todas as
culturas nortenhas, portanto suas homenagens eram sempre bêbadas em ocasiões festivas,
mas especialmente em funerais ou festas de Yule. Quando era hora de beber este brinde, que
sempre era servido em copos em formato de barco, e que era chamado de Bragaful, o sagrado
símbolo do martelo sempre era colocado em cima antes. Então o líder ou chefe solenemente
prometia a si mesmo algum dever de moral, ao qual estava laçado a praticar durante o
desenrolar do ano, a não ser que quisesse ser considerado sem honra. Seguindo seu exemplo,
todos os convidados fariam promessas similares e falariam sobre o que fariam durante o ano, e
alguns deles, devido à bebida, falavam com demais liberdade sobre suas intenções sobre estas
ocasiões. Este costume parece ligar o nome Bragi com o vulgar, mas muito expressivo verbo
“to brag”(que em inglês significa gabar-se).
Na arte Bragi é geralmente representado como um homem de idade com cabelos e barba
longos e brancos, e geralmente segurando sua harpa dourada da qual seus dedos podem
entoar notas tão mágicas.
PORTUGUÊS
A Primeira Guerra – Asen contra Vanen
Aesir and Vanir War. Artista: Milivoj Ceran
Publicado originalmente em Alemão. Tradução e revisão ao português por Sonne Heljarskinn.
Asgard é a residência dos Asen, os deuses e deusas da guerra, tais como Odin e Thor. No
mesmo nível do mundo localiza-se Vanaheim, casa dos Vanen, deuses e deusas da fertilidade,
como Freyr e Freyja.
Na “Era de ouro” do passado distante, os deuses viviam em harmonia, e jogavam nos prados.
Um dia, Gullveig visitou Odin em seu salão em Asgard. Gullveig não podia falar nada de seu
amor por ouro. Os Asen eram muito ciumentos com seu ouro, e decidiram que o mundo seria
melhor sem ela. Eles agarraram-na, perfuraram seu corpo com varas e lançaram-na ao fogo,
no meio do salão. Ela queimou até a morte, mas saiu das chamas inteira. Duas vezes mais, ela
foi capturada, morta e queimada. Mais duas vezes, ela saiu inteira para fora das chamas. Ela
era uma bruxa e Serra, de magia negra.
Quando os Vanen ouviram sobre como os Asen tinham acolhido Gullveig, eles juraram
vingança. Odin cuidou dos preparativos para a guerra a partir de seu trono em Valaskjálf.
Os deuses ficaram cara a cara. Odin brandiu sua lança Gungnir sobre os Vanen. Assim
começou a primeira guerra.
Njörd, seu filho Freyr e Freyja sua filha, que estavam liderando os Vanen viajaram para Asgard.
Em troca, os Asen Hoenir e Mimir foram enviados para Vanaheim.
Os Vanen nomearam Hoenir para ser um de seus líderes. Com o sábio Mimir ao seu lado. Mas
sem Mimir, Hoenir parecia incapaz de tomar uma decisão. “Deixe outra pessoa decidir”, dizia
ele sempre.
Os Vanen suspeitavam de que tinham sido enganados e que eles tinham recebido a parte mais
pobre do acordo em troca dos líderes. Em vingança cortaram a cabeça de Mimir e mandaram-
na de volta para Odin.
Odin balançou a cabeça, untou-a com ervas e pronunciou magia rúnica sobre ela. A cabeça foi
conservada antes de degradar-se e recebeu o poder da fala, de modo que Mimir sempre
poderia compartilhar sua sabedoria com Odin. Ele a trouxe para Mímisbrunnr e então ali Mimir
deve ser o guardião da Fonte da Sabedoria.
Freyja ensinou a Odin a magia do Seiðr, que lhe garantiu um grande poder. Ele poderia
aprender destino dos homens, para ver o futuro, trazer morte e miséria, ou levar a inteligência e
força de um homem para outro. Mas essa magia era tão fora de controle, que trouxe
principalmente danos. Por isso, muitos homens tentaram apoderar-se dessa força.
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Aparentemente falta muito dessa história. Alguns historiadores argumentam que ela lembra um
tempo da pré-história nórdica (talvez dois mil anos antes de Cristo) quando dois cultos lutaram
pelo domínio na Escandinávia. Um grupo teve a supremacia (os povos nórdicos avançados
‘Indogermanos de machado-de-guerra’ [Indogermanischen Schlachtaxtleute]), e os dois cultos
se uniram no passado.
Conforme a tradição, a batalha começou na Era Escandinava com uma lança, ela foi atirada
contra o exército inimigo, em homenagem a lança que foi lançada por Odin na primeira guerra.
Este dardo condenou o inimigo, à derrota e à morte.
Com a primeira guerra a idade de ouro dos deuses nórdicos tinha acabado. Nenhum dos lados
poderia derrotar o outro, então eles decidiram formar um acordo de paz. A energia incansável
de guerra Odin foi combinada com a energia de cura incansável de Freyja.
PORTUGUÊS
Balder: O Deus Brilhante que não Brilha Mais
Como a palavra tende a viajar rápido no reino dos deuses, não demorou muito para que Loki,
irmão de Odin que tinha prazer em todas as coisas perniciosas, fazer uma lança (ou em alguns
casos uma flecha) com a própria planta. Os outros deuses tinham decidido fazer um jogo com a
nova impenetrabilidade de Balder e foram passar seu tempo jogando todos os tipos de objetos
e armas perigosas em Balder, divertindo-se enquanto eles não podiam prejudicá-lo. Loki foi
para este encontro e ficou ao lado de Höðr o irmão cego de Balder, convencendo Höðr para
jogar a arma de Loki em Baldr para o divertimento de vê-lo falhar em prejudicá-lo.
Inocentemente usado, Höðr fez como Loki solicitou e, inadvertidamente, matou seu irmão
brilhante, levando a sua própria morte nas mãos de outro filho de Odin, Váli.
O mundo inteiro chorou por Balder. A ele foi dado o funeral adequado de um guerreiro Viking,
colocado sobre uma pira ardente em seu navio Hringhorni, o maior de todos os navios. Com ele
queimou seu cavalo, um anão chamado Litr, e sua esposa que não podia suportar viver sem
ele. Quando a pira brilhou alta, a giganta Hyrrokin foi encarregada de empurrá-la para o mar,
fazendo com que toda a terra tremesse furiosamente com a força de seu impulso. Frigg fez
uma última tentativa de ver o seu filho novamente após a sua descida para Niflheim, a variação
dos noruegueses do Inferno — governado, bastante curiosamente, pela própria filha de Loki,
Hel [NDT: Helheim não é um equivalente do Inferno, mas um dentre os vários destinos pós-
vida segundo os nórdicos. Confira mais aqui]. E ao contrário de seu pai, Hel julgou como
razoável o pedido da mãe de luto. Se todas as coisas na terra chorassem e lamentassem pelo
deus morto, Hel devolveria Baldr para a superfície, permitindo-lhe derrotar a morte. Frigg viajou
pelos nove mundos do reino nórdico imediatamente, pedindo a tudo e todos a chorar para o
deus perdido.
Mas as profecias não podem ser derrotadas, mesmo que a morte possa. Loki, disfarçado como
a giganta Thokk, recusou-se a chorar para o deus por despeito, condenando assim Balder para
Niflheim até Ragnarök, o fim dos tempos. Como a völva anunciou desde o início, Balder estava
destinado a ser o primeiro sinal de que o fim do mundo dos Æsir estava por vir. Quando ele
ressurgisse novamente, ele traria os restos mortais do mundo para fora sob a destruição de
Ragnarök e lideraria a sua renovação. Baldr iria se reunir com Höðr novamente revivido e,
juntamente com dois dos filhos de Thor, o mundo seria ressuscitado sobre o fundamento do
perdão, e purificado dos antigos costumes – um tema reconhecido e valorizado pelos
escandinavos cristãos que uma vez seguiram essas antigas tradições.
Bibliografia
Guerber, Helene A. Myths of the Norsemen (Barnes & Noble, Inc.: New York, 2006.)
Unknown. The Poetic Edda. trans. Lee Hollander (University of Texas Press: Austin, 2011.)
Folklore
Inglês
Tom Hickathrift
Daniel Seaxdéor
Tom Hickathrift (ou às vezes Jack Hickathrift) é uma figura lendária do folclore da Ânglia
Oriental, na Inglaterra – um personagem parecido com Jack, o Matador de Gigantes. Ele é
famoso por ter lutado contra um gigante, e às vezes é dito ser um gigante, embora
normalmente ele é apenas representado como possuindo a força de um gigante.
Várias histórias de suas façanhas surgiram. Em uma versão, é contado que ele é um
trabalhador simples no momento da conquista normanda da Inglaterra e ter matado um gigante
no pântano em Tilney, Norfolk armado apenas com o eixo das rodas de uma carroça, usando
uma das rodas como escudo. Esta façanha lhe valeu o governo de Thanet. Na igreja em
Walpole, St. Peter, há uma deformação no chão, onde se diz que uma bala de canhão caiu
depois que ele atirou para espantar o demônio; nesta versão, Tom é um gigante.
No conto de fadas como contado por Joseph Jacobs, Tom viveu no pântano da ilha de Ely e
embora fosse inicialmente preguiçoso e comilão, ele foi prodigiosamente alto e logo ficou claro
que ele tinha a força de vinte homens. Várias provas de sua força são dadas: ele carregava
200 quilos de palha e uma árvore como se não pesassem nada, chutou uma bola de futebol tão
longe que ninguém conseguiu encontrá-la e virou a mesa sobre quatro homens que tentaram
roubá-lo. Ele finalmente conseguiu um emprego para tomar cerveja em Wisbech, mas a longa
jornada o cansou, então um dia ele atravessou a terra do Gigante Wisbech. O gigante não
gostou disso e buscou seu porrete para bater em Tom, mas neste momento Tom levou o eixo
das rodas da carroça como arma e usou a roda como escudo, lutando contra o gigante. Depois
de uma batalha furiosa, o gigante foi morto. Tom tomou sua terra e foi desde então estimado
por pessoas da área.
Continental
Iringsweg
the-milkyway
Bifrost é a ponte mágica do céu , que liga nosso mundo com Asgard, a terra dos deuses no céu
nórdico. Sobre ela queima um fogo eterno que impede gigantes e outros monstros de entrarem
ali.
Durante o dia vemos Bifrost como um cintilante arco-íris, mas e de noite? A ponte dos Ases
desaparece?
Não! Mesmo à noite, ela nos mostra que estamos em união com os deuses. Hoje ela chama-se
preferencialmente como “Via Láctea”, mas o seu antigo nome pagão é “Iringsweg”, o Caminho
de Iring. Os seus artísticos ornamentos feitos de ouro puro brilham para nós nos como milhares
de estrelas.
Iring ou Rig é o nome do sentinela dos Aesires Heimdall quando ele caminha sobre a Terra. Ele
vigia a ponte mágica para a terra dos deuses de dia ou de noite. E nós olhamos para o céu e
vemos o seu brilho…
Durante a noite, porque não sair olhando para cima? Talvez você mesmo também poderia
descobrir o caminho de Iring.
Rübezahl
Nas lendas, Rübezahl aparece como um gigante caprichoso, gnomo ou espírito da montanha.
Com pessoas boas, ele é amigável, ensinando-lhes remédios e dando-lhes presentes. Se
alguém zomba dele, no entanto, ele exige uma vingança severa. Ele às vezes faz o papel de
um trapaceiro (trickster) em contos populares.
As histórias se originam dos tempos pagãos. Rübezahl é o fantástico Senhor do Clima das
montanhas e é semelhante à Caçada Selvagem. Inesperadamente ou de brincadeira, ele envia
raios e trovões, nevoeiro, chuva e neve de cima da montanha, mesmo enquanto o sol está
brilhando. Ele pode ter a aparência de um monge em um vestido cinza (como Uuôden em seu
manto de nuvens); ele segura um instrumento de cordas em sua mão (a harpa da tempestade)
e anda tão pesadamente que a terra treme ao redor dele.
Em contos de fadas tchecos locais, Rübezahl (em checo: Krakonoš) deu massa fermentada às
pessoas e inventou a tradicional sopa regional kyselo. Há também uma montanha chamada
Kotel (polonês: Kocioł, alemão: Kesselkoppe) que significa caldeirão. Quando o nevoeiro sobe
do vale no fundo do Kotel, as pessoas dizem que o Rübezahl está cozinhando o kyselo. O
Rubezahl é visto como o guardião das Montanhas Krkonose. Fisicamente ele varia, ele pode
assumir qualquer forma que deseje de uma velha vovó para um gigante cruzando suas
montanhas com um único passo. Historicamente, seu personagem continuou se expandindo;
de um demônio ruim causando tempestades e neve pesada, ele evoluiu para um guardião das
pessoas pobres que viviam em suas montanhas. Diz-se que ele poderia testar uma pessoa a
qualquer momento para saber se o seu coração é puro (ex. Conhecê-lo como uma velhinha
pedindo ajuda) e que, se o fizer, será mostrado o caminho para os tesouros escondidos em
suas montanhas. Ele puniu os latifundiários alemães maltratando os tchecos bem como
quaisquer invasores.
Escandinavo
Huldra
closeup-copy
Huldra (ou chamada Tallemaja em sueco) é um tipo de mulher troll que vive na floresta.
Ela é alva e bonita, mas selvagem e tem uma cauda longa de vaca que esconde atrás das
costas ao encontrar um ser humano (por vezes representada com um “buraco” semelhante ao
de uma árvore nas costas).
Sua história é uma mescla de paganismo e cristianismo. Diz-se que Adão e Eva tiveram muitos
filhos, e que um dia, quando Eva estava dando seus filhos um banho, Deus veio visitar. Eva
não tinha terminado de dar banho em todos os seus filhos, e assim escondeu aqueles que
ainda estavam sujos. Deus perguntou: “Não tem mais crianças ainda?”, E quando Eva disse
que não, Deus disse: “Então deixe tudo o que está escondido, permanecer oculto”, e as
crianças escondidas tornaram-se De Underjordiske (os que vivem no subsolo), almas perdidas
que vivem sob a superfície da terra, chamando alguém para estar com eles, geralmente
transeuntes humanos. Huldra era um deles, mas de alguma forma ela permaneceu acima do
solo.
Huldra é dotada de uma força grande e alta resistência a ferimentos, apesar disso é uma
menina sensual e namoradeira, que não é boa nem má. Diz-se que aqueles que eram
seduzidos por ela, para recuperar a liberdade, precisavam satisfazê-la sexualmente… O que
podia acabar os levando a procurar por ela doentiamente.
Kraken
Dos mares profundos da consciência imaginativa humana o terror de uma criatura assolava os
marinheiros dos povos nórdicos, e toda a mitologia marinha posterior: o Kraken.
Talvez nenhuma criatura seja tão obscura, embora tão mencionada popularmente. O Kraken é
um monstro marinho com o formato de uma lula gigantesca (“do tamanho de uma ilha”); dotado
de cem tentáculos imensos, tal como de gigantescos e horrendos olhos. Habitava
preferencialmente o Mar da Noruega, que separa a Islândia das terras escandinavas, mas
poderia migrar por todo o Atlântico Norte.
Pelo seu imenso tamanho, seria capaz de revolver grotescamente o mar, o que, por si, tornava-
o tão perigoso quanto sua ira contra as embarcações dos humanos, meros brinquedos
indefesos de seus membros gigantescos, úmidos e asquerosos.
Animais marinhos que influenciam o imaginário do Kraken ainda hoje são as lulas colossais
(Mesonychoteuthis hamiltoni), seres que podem ultrapassar os 15 metros de comprimento,
presentes no Oceano Antártico e que são conhecidos em geral por habitar as camadas mais
superficiais do oceano, ao contrário dos parentes polvos, que ficam preferencialmente nas
partes com maior profundidade. As lulas colossais também são famosas por suas batalhas
contra cachalotes, mamíferos dentados marinhos gigantescos (até 25m de comprimento).
O grande problema do Kraken é que ele não era como Aegir e Rán, poderosos deuses
marítimos, possivelmente não muito bem-humorados, mas que poderiam aceitar ofertas em
troca de relativo sucesso nas travessias marítimas. O Kraken era uma criatura livre gigantesca
comparada a um humano (e, portanto, caótica), pronta para arrasar viagens, para além dos
seus infortúnios habituais.
Influenciando a literatura desde Júlio Verne, passando pela figura do deus marinho monstruoso
Cthulhu de Lovecraft, incorporado em diversas histórias e jogos modernos, e no cinema em
filmes como a popular série Piratas do Caribe, o Kraken possui uma popularidade incomum até
mesmo para um mito nórdico. Há uma tradição de associá-lo com criaturas da mitologia grega,
o que parece não totalmente provido de sentido, uma vez que Cetus é uma criatura com
funções bem distintas das do Kraken.
Adicionando uma pitadinha de conspiração: da mesma forma que hoje os tubarões são
minúsculos comparados aos monstruosos megalodontes, não seria possível que um ancestral
das lulas atuais fosse terrivelmente gigante?
O certo é que o Kraken foi um dos monstros marítimos mais temidos de todos os tempos. Seu
poder misterioso e sua fúria silenciosa era capaz de apagar do oceano diversas ínfimas vidas
humanas. E ainda hoje ele habita a consciência mitológica coletiva da humanidade,
demonstrando a pequenez do ser humano perante o mundo, mas, ainda assim, a potência de
sua capacidade imaginativa.
Nisse
Nisse
Espíritos caseiros são chamados de: Nisse (Noruega e Dinamarca), Tomte (Suécia), Tonttu
(Finlândia), Kabouter (Países Baixos), Kobold (Alemanha), Leprechaun (Irlanda), Hob
(Inglaterra), Brownie (Escócia), Domovoi (Folclore Eslavo).
Eles foram descritos como entes muito pequenos, com uma longa barba branca, e vestindo um
chapéu cônico ou gorro geralmente vermelho ou verde.
Pensava-se, por vezes, que eles habitavam dentro das lareiras ou uma pedra especial dentro
de casa. Outras vezes, eles foram descritos morando em pedras ou colinas ao redor da
propriedade ou em celeiros com o gado. Ao contrário de outras criaturas ou Alfar, eles não
eram limitados a um local em si, mas em vez disso se apegaram a uma casa em particular.
Alguns poderiam ficar com uma propriedade particular, enquanto outros seguiam uma linha
familiar onde quer que fossem. Eles são geralmente ligados de maneira especial aos animais.
Cavalos normalmente recebem atenção extra, muitas vezes tendo suas crinas e caudas
trançadas em padrões estranhos por esses espíritos.
Espíritos caseiros eram vistos como uma força positiva dentro da casa e que iria protegê-la
ferozmente. Às vezes, eles ajudavam com as tarefas, curavam animais ou encontravam objetos
perdidos. No entanto, se eles fossem ignorados ou irritados, iriam pregar peças, acordar a
família com ruídos durante a noite, e na hora certa infligir dor a quem agiu particularmente com
desrespeito em relação a eles. Em último caso sempre ocorriam problemas depois que alguém
comia uma oferta dirigida ao espírito.
Para manter o espírito feliz oferece-se leite, cerveja, mingau com manteiga, mel ou creme
diariamente. As ofertas eram vistas como sendo “aceitos” por animais domésticos. Um espírito
caseiro poderia ser convidado para uma casa nova com essas ofertas.
Skogsrån
Islandês
Selkie
Selkie é uma palavra para ‘foca’ encontrada nos modernos dialetos de Shetland, Orkney,
Caithness e Moray (em Cromarty também sealchie). Na mitologia feroesa e escocesa, selkies
(ou silkies) são focas que podem tomar a forma humana quando tiram a sua pele de foca.
Existem várias versões sobre quando elas tiram essa pele: algumas histórias dizem que ocorre
uma vez por ano, na véspera de verão, outras afirmam que as selkies se transformam em
seres humanos a cada nove noites. Quando elas tiram suas peles, elas dançam e ficam felizes
nas cavernas ou nas costas solitárias. Selkie masculinos são excepcionalmente atraentes para
as mulheres da raça humana. Se uma mulher (casada ou solteira) deseja encontrar um selkie,
ela tem que ir à praia e derramar sete lágrimas no mar. Se uma menina está desaparecida no
mar, eles dizem que ela foi para o amante selkie dela.
As garotas Selkie não são menos atraentes para os homens mortais. No entanto, se um
homem consegue roubar a pele de foca de uma selkie, ela não pode voltar para o mar e se
torna uma esposa para esse homem. De acordo com os contos populares, casamentos como
esse são felizes, mesmo que as selkies capturadas sejam vistas sentadas e olhando o oceano
com saudade. No momento em que são capazes de recuperar a pele (sempre por negligência
de seus maridos), elas o colocam e correm para o mar, tendo se despedido de seus filhos
humanos.
Quanto às origens das selkies, elas não são claras. De acordo com uma versão, são as almas
dos homens que se afogaram. Seja como for, o mito é comum no folclore Faroês, Escocês,
Irlandês e Islandês e parece ser pelo menos tão antigo quanto a Era Viking. Para a versão
islandesa do conto, veja The Seal’s Skin, uma joia da rica coleção de contos populares
islandeses de Jón Árnason, publicada em dois volumes em 1862 e 1864.
Comemorações
Blót
Blót
Trouxe para vocês aqui uma das muitas possibilidades para se fazer um Blót, lembrando que
cada grupo ou pessoa pode fazer de maneira diferente, e existem infinitas possibilidades para
se fazer um Blót, das quais se pode adotar algumas. Dedico este post aos iniciantes e aos que
tem curiosidade, mas para realizar o ritual, antes de mais nada, deve-se pesquisar é claro e ver
como outros fazem o ritual e o que cada coisa significa, para se ter uma ideia. E aqui uma das
possibilidades de uma maneira bem resumida:
A consagração do espaço sagrado pode ser feita de várias maneiras. Alguns grupos dão a
volta pelo espaço onde será realizado o ritual com alguma forma de fogo ou chama
acompanhando com uma musica, Outros farão o rito do martelo, abençoando o espaço em
nome do sagrado martelo. Você pode marcar a área consagrada se não houver marcações
naturais. Se você usar um lugar fixo para realizar os rituais você pode consagrar apenas uma
vez e posteriormente apenas abençoar e marcar o inicio e fim de rituais.
Segunda parte – Chamado
O ritual geralmente começa com um toque, muitas vezes de corneta ou alguma especie de
berrante, para chamar a todos para participarem do sacrifício, tanto os seres visíveis quanto os
invisíveis. No entanto o chamado pode ser visto como uma maneira de invocar os deuses e
ancestrais, pedindo para que se juntem a celebração. Se pode fazer um discurso de abertura
pré-escrito ou apenas usar um trecho de poesia ou simplesmente improvisar algo que é
entoado pelo responsável no ritual. O chamado é um convite, por isso algumas pessoas o
fazem cantando juntos uma canção.
Pode ser adotado algum discurso proferido para todos ouvirem o motivo do ritual, o objetivo do
ritual ou qualquer outra coisa para ser dita aos presentes, inclusive aos ancestrais e deuses
que estão presentes.
Nesta parte se molha os participantes com um galho molhado que representa a benção dos
deuses e para alguns o presente que os deuses dão em troca do que lhes foi oferecido, alguns
ingerem a carne do sacrifico como benção, outros bebem um gole do liquido sacrificado.
Geralmente se usa o galho molhado para abençoar os participantes, pois o brinde aos deuses
e com os deuses é deixado para o final.
Sexta parte – Sumbel
O famoso ritual do brinde, sobre o qual eu recomendo fazer pesquisas separadas, pois existem
vários tipos de brindes realizados em diferentes tipos de rituais ou simplesmente em reuniões.
É basicamente um ritual em que se faz oaths, ou juramentos, promessas e discursos honrosos
sobre o que for, acompanhado por um gole de hidromel ou cerveja que é passado adiante entre
os presentes, quem tiver o chifre fala.
Um discurso para encerrar o Sacrifico pode ser adotado para demarcar o fim de um ritual.
O sumbel não precisa ser colocado dentro da pratica e pode ser feito também após o
encerramento para complementar a prática. Muitos grupos também adicionam coisas como
teatro, dança, canto, meditação, recitação de poesia, pois existem muitas possibilidades para
se realizar o ritual por isso o recomendável é sempre a boa e velha pesquisa. Lembrando que o
Blót deve ser de preferencia praticado em conjunto com outras pessoas, por ser um ritual
social, mas pode ser praticado caso não se tenha outras pessoas para o fazer, se encontra
muitas possibilidades em vários sites, basta procurar. Boa sorte!
Calendário Viking
Escrito por Thor Lanesskog. Publicado originalmente em
inglês em Thor News.
Calendário rúnico norueguês de Worm descrito em seu livro Fasti Danici que remonta a 1643.
O desenho mostra apenas a temporada de inverno que vai de 14 de outubro a 13 de abril. A
temporada de verão do outro lado do osso de uma baleia ou peixe grande nunca foi copiado, e
tanto o pingente quanto o calendário infelizmente foram perdidos.
Até onde sabemos, o islandês Ari “o Sábio” Þorgilsson foi o primeiro que no início dos anos de
1100 tentou converter as entradas do tempo nórdico em uma cronologia europeia absoluta.
Calendário
O calendário viking refletia as estações: o quão alto o sol estava no céu, significava o acesso à
alimentação e fertilidade. O ano foi dividido em dois períodos igualmente longos – verão e
inverno. A idade de uma pessoa era contada no número de invernos que ela tinha vivido. Isso
pode indicar que “Ano Novo” foi no dia 14 de abril, ou seja, o primeiro dia do verão.
O ano foi dividido em fases da lua – de lua nova a lua nova ou lua cheia à lua cheia. A
contagem de dias provavelmente não foi particularmente precisa: As noites escandinavas são
tão brilhantes que é quase impossível detectar a lua.
O período mais escuro foi chamado de “Skammdegí” (os dias escuros) e o período mais
brilhante do ano “Nóttleysa”, que significa “insônia” que muitos escandinavos ainda
experimentam hoje.
Alguns anos podem parecer que tiveram um 13º mês adicional para ajustar o calendário:
Silðemanuður (o Mês Final).
Mês Nórdico
Estação
(nome em Período de Mês Nórdico (nome
Nórdica Comentários
Português) Tempo em Islandês)
14 de
Inverno Mês do Abate outubro – 13 Gormánuður
de novembro
14 de
Ýlir/Jólnir: um dos
novembro –
Inverno nomes de Odin, o Ýlir Mês de Natal
13 de
“Pai de Todos”
dezembro
Inverno Época de 14 de Mörsugur “Mör”: medula óssea
ou gordura. Importante
consumir medula dezembro –
para sobreviver aos
óssea 12 de janeiro
invernos escandinavos
Figura mítica nórdica
13 de
Congelamento do inverno, filho da
Inverno janeiro – 11 Þorri
Negro “Neve”. Também o
de fevereiro
mês dos homens
12 de
Inverno Filha de Þorri fevereiro – 13 Gói, góa, gjø Mês das mulheres
de março
14 de
Inverno Um mês março – 13 de Einmánuður
abril
Mês do Cuco/
14 de abril –
Verão Figura mítica Gaukmánuður/ Harpa
13 de maio
desconhecida
Mulher
desconhecida/ 14 de maio –
Verão Skerpla
Nome de figura 12 de Junho
mítica
13 de junho –
Verão Mês da Sól Sólmánuður
12 de julho
Mês do feno/ Mês 13 de julho – Heyannir/
Verão
do verme 14 de agosto Ormamánuður
15 de
Dois meses/ Mês Tvímánuður/
Verão agosto – 14
do corte do milho Kornskurðarmánuður
de setembro
15 de
Verão Mês de Outono setembro – 13 Haustmánuður
de outubro
? Último mês Silðimánuður 13º mês
(Pesquisa e interpretação de Arild Hauge em cooperação com Jón Julius Filippusson,
interpretação inglesa por ThorNews)
Dias da semana
Alguns dos dias de semana da Era Viking ainda estão em uso. A “quinta-feira” [Thursday],
literalmente Thor’s Day, soa familiar? Outro exemplo é a palavra alemã para quinta-feira,
Donnerstag (Dia do Trovão) – apontando de volta para Thor, o Deus do Trovão.
Dia da semana
Hoje Significado
Nórdico
Todo ano, mais ou menos nessa época, inevitavelmente aparece alguém do meio pagão
associando a celebração da Páscoa com a deusa saxônica Ēostre (e agora, mais ou menos
frequentemente, à deusa Ishtar). Daí surgiu a ideia desse post, para esclarecer algumas
coisas.
Primeiramente, é fato que na língua inglesa o que chamamos “Páscoa” se chama “Easter”, e é
quase certo que “Easter” vem de Ēostre, significando “aurora”. É fato que havia um mês do
ano, Ēosturmōnaþ, que supostamente seria dedicado a esse deusa. Sabemos disso única e
exclusivamente através do relato do Venerável Bede, do século VIII, em seu De temporum
ratione. Neste relato, Bede diz que os pagãos anglo-saxões celebravam a deusa no mês
de Ēosturmōnaþ:
Eosturmonath tem um nome que hoje é traduzido como mês pascal, que já foi chamado assim
devido a uma deusa deles, em cuja honra celebravam-se banquetes durante este mês. Agora
eles chamam as celebrações pascais por seu nome, nomeando as graças do novo rito, pelo
celebrado nome da tradição antiga.
E só. É a única menção associativa feita entre a deusa Ēostre e a Páscoa. Observe que neste
contexto não se diz quais são esses banquetes e ritos celebrados à deusa. Não há menção
nenhuma a coelhos, ovos ou qualquer outra coisa do gênero.
A existência de Ēostre como uma deusa recebedora de honrarias ainda é questionada. Existem
algumas evidências na forma de topônimos (nomes de locais específicos fazendo referência à
deusa), tanto na Inglaterra quanto na Alemanha, a existência de alguns nomes pessoais
derivados desses termos.
Então, de onde vem a conexão dessas deusas com ovos e coelhos? Simplesmente, de Jacob
Grimm — o único a fazer esta associação. Note que Jacob Grimm, folclorista e linguista, traça
essa conexão em 1835.
Ovos também são associados à celebração de Nowruz, o ano novo iraniano, que existe há pelo
menos 3000 anos e era celebrado por vários povos ao redor, nas Bálcãs e no Cáucaso, e por
sua vez também é associado ao Zoroastrismo.
Também não existe nada em específico que associe coelhos a Ostara/Ēostre, além da menção
de Jacob Grimm.
Assim, é bastante errôneo dizer a tradição de coelhos e ovos deriva destas deusas,
principalmente considerando que a tradição de ovos coloridos pré-data o contato com os povos
germânicos, e a tradição de coelhos é antiga e ampla na tradição cristã (e, de forma diferente,
na tradição judaica), e especificamente a associação do coelho à Páscoa é muito posterior ao
fim do paganismo germânico nestas regiões.
Tician
o, A Madona do Coelho, 1530, óleo sobre tela. Fonte: Wikicommons.
É bastante provável que, se existia realmente uma deusa com o nome Ēostre (ou uma com o
nome Ostara), algo que ainda é questionado, ela era exclusivamente saxônica ou anglo-
saxônica, já que não há nem menções nem sinais de sua presença em outros lugares. Não há
nada que diga que ovos e coelhos são associados a ela(s), e nem que eram deusas de
fertilidade, e não apenas da aurora, como Eos (embora não seja improvável; Rudolf Simek
acredita que eram sim deusas da fertilidade).
Eu, pessoalmente, não vejo mal em tal associação, pois o simbolismo do ovo e dos coelhos
realmente se presta a isso, o mês associado à deusa era realmente o princípio da primavera
(ou do verão, já que os antigos raramente dividiam o tempo em quatro estações, mas em
apenas duas: verão e inverno), e ovos e coelhos realmente são associados à fertilidade,
renascimento e primavera. Devemos ter em mente que, relativo a qualquer celebração de
Ēostre e/ou Ostara, já que não sabemos nada sobre tais celebrações, será uma inovação ou
especulação moderna.
Mas, já que não sabemos de qualquer forma, por que não criar nossas próprias tradições (com
embasamento, claro)?
Alma
1. Alma/Espírito para Nórdicos e Germânicos
2. Parte do livro “Primeiros Passos na Ásatrú”
Por Seaxdéor
3. Esse é um dos assuntos mais polêmicos, complicados, e equívocos (ou seja, que tem
muitas interpretações) no paganismo nórdico. A reconstrução do conceito de “alma” é
extremamente difícil pois parece que não houve muito interesse em se registrar isso, ao
contrário dos movimentos espiritualistas modernos, no qual esse conceito desenvolve
um papel central. Por outro lado, os relatos são além de escassos bastante parciais e
contraditórios.
4. O problema inicial é: os germânicos parecem não terem um conceito de alma. A
palavra sál, cognata do inglês moderno soul, só entra no vocabulário dos povos
germânicos a partir do cristianismo e expressa o conceito cristão e ocidental de alma.
5. Todavia, o conceito de “alma” tem mais algumas complicações. Quando falamos
do dividualismo anteriormente, dissemos que a personalidade de cada pessoa era na
verdade a personalidade da tribo, o que significa que o que chamamos de “indivíduo”,
na verdade, era o que eles entendiam por “família”. Cada pessoa era apenas uma parte
de algo maior; e mesmo assim cada pessoa era dividida em várias outras partes, e não
era uma consciência ou alma indivisível. O que tínhamos, todavia, eram várias
entidades ou seres quase autônomos, que, unidos, formavam cada pessoa. As “partes
da alma” não eram exatamente partes, e só podem ser consideradas assim no mesmo
sentido que cada pessoa é, ela mesma, parte de um grupo.
6. O que de mais seguro podemos afirmar aqui é: os germânicos conheciam pelo menos
três entidades básicas da alma: uma era a fylgja, a outra a hamingja e a outra, por fim,
era o próprio corpo material ou líkr.
7. O termo fylgja significava “orientação”, “espírito guardião feminino”, “espírito assistente
em forma animal”. A palavra hamingja (do nórdico antigo, “espírito guardião” ou “sorte”,
“bom destino”) ligava-se a termos como ham–far “viajar na forma de um
animal”, hamast “assumir a forma de um animal”, hamr, “forma”, “pele”. Enquanto
a fylgja poderia representar o que de mais instintivo e bestial havia na natureza
humana, por um lado, e, por outro, o animal protetor (mas não no mesmo sentido dos
animais xamânicos!), se materializando e “vasculhando” o caminho que seu dono
intenta percorrer, e é invisível para o seu dono, exceto em casos de morte próxima,
sendo então um mau agouro ver a própria fylgja. Geralmente ver a própria fylgja é sinal
de azar, e morte iminente. A fylgja geralmente morre junto com seu dono, e a morte
da fylgja ocasiona a morte do próprio dono.
8. Já a hamingja pode ser vista como um escudo protetor em torno de seu dono, ou ainda
como uma “reserva de energia”, usada em atos mágicos. Hamingja é literalmente
“sorte”.
9. Não é nada estranho que os povos germânicos entendessem o líkr como parte de sua
“alma”. Na verdade, eles não possuíam uma noção metafísica de alma, como nós. A
disposição dos corpos em enterros fornece evidências de que de certa forma o corpo
permanecia vivo mesmo após a morte, e a “alma” não era vista como algo que
transcende e apenas cria raízes na realidade. Os povos germânicos aceitavam a
realidade como ela era, e, por isso, o corpo integrava de sua parte “espiritual”.
10. A realidade não era vista como um local de aprendizado, no qual as pessoas cometiam
erros, e reencarnavam até aprender a se aprimorar. Na verdade, os antigos povos
germânicos simplesmente desconheciam o conceito de reencarnação. Primeiro, pois se
a alma não é individual, ela é formada de diversas partes que se soltavam após a
morte, dificilmente essas partes se encontrariam todas novamente (algumas inclusive
permaneciam no corpo por eras, até sua total dissolução na terra). Segundo, porque os
germânicos entendiam que a vida deles continuava através de seus descendentes, e
não em ‘reencarnação’. Essa parte que é transmitida familiarmente é a orþanc ou
herança. Ela une todos os membros de uma mesma família (podendo ser passada aos
que são adotados ou amizades juramentadas, as quais tornam-se laços familiares).
11. Hamr, por sua vez, é o nome que podemos dar ao conjunto das partes da “alma”,
incluindo o corpo. “Hamr” significa literalmente “forma”. Suas partes,
incluindo fylgja e hamingja eram entendidas como fazendo parte dessa realidade nossa,
uma vez que os antigos desconheciam uma ideia de “multiverso” ou várias realidades
coexistindo.
12. Duas partes que sabemos que permaneciam no corpo até sua dissolução
eram hugr “pensamento” e munr, a “memória”. Elas compreendiam a parte mais volátil
de nossa existência.
13. Ættarfylgjur são as “acompanhantes familiares”. As ættarfylgjur é talvez a parte mais
individual e autônoma da hamr. Elas estavam intrinsecamente ligadas à sorte de cada
pessoa; e quanto mais ættarfylgjur cada pessoa tivesse, mais forte e agraciada ela era
considerada. Elas são literalmente as mães ancestrais da família que zelam por uma
pessoa até sua morte, ligando-se a outra, após isso.
14. Önd, por sua vez, é a respiração. É considerada a parte que une todas as outras, uma
vez que após a saída do önd do corpo a vida se esvanece. Foi aquilo que Óðinn deu
aos humanos quando os criou.
15. Óðr, intensamente ligado ao önd, óðr é aquilo que causa êxtase, é nossa parte que
pode ser entendida com tendo capacidade de tocar o divino.
16. Podemos dividir a hamr em duas partes essenciais: o corpo físico ou corpo onírico, o
qual pode viajar através de seiðr, etc. Ele seria composto pelo hugr, munr, líkr,
e hamingja. A segunda parte seria o “corpo de respiração”, formado obviamente
pelo önd, pelo óðr e pela fylgja. Poderiam fazer parte de ambos o orþanc e
as ættarfylgjur.
Antes de tudo, é importante entendermos a mitologia por trás do “dom de Óðinn” e o uso do
nome “óðr”. Na Edda Poética, é citado que o Alföðr teria concedido o “önð” à humanidade,
palavra que pode ser tanto “alma” quanto “respiração”; em algumas interpretações
contemporâneas, chamam de “önð” a energia vital que o corpo adquire ao respirar. A versão
em prosa é mais específica, dizendo que Óðinn nos concedeu “o espírito e a vida”. Além disso,
temos um mito onde Freyja possui um marido chamado “Óðr” que parte em uma jornada e
nunca mais volta, deixando a deusa chorando de tristeza; teorias de pesquisadores
contemporâneos partindo da raíz etmológica dizem que Óðr seria na verdade um disfarce do
próprio Óðinn, que teria enganado a deusa para aprender seus segredos.
Enxergo o Óðr como o parte do presente da consciência nos dado pelo Alföðr, principalmente
no sentido de “inspiração”. Mais do que uma parte elevada da alma, é quase que como um
sentido que só é ativado em determinados momentos, mas nos permite sintetizar informações,
conceitos e conhecimento de forma única e muitas vezes produzir algo novo. “Inspiração” é
algo valorizado na cultura nórdica, associada aos skalds (bardos) e a bebida mágica “Hidromel
da Poesia”, roubada dos gigantes por Óðinn; por isso, sentimos nossa mente acelerar,
inundada com criatividade e idéias quando estamos no estado de Óðr. Momentos de
concentração profunda (como na expressão do inglês “in the zone”) também são momentos em
que estamos em contato com o Óðr.
Algumas pessoas, quando enebriadas por estes estados, dizem estar sentindo uma verdadeira
“inspiração divina”. A partir disso, podemos compreender que em momentos que conseguimos
perceber no cotidiano um sinal que nos orienta, que responde nossas dúvidas, que esclarece a
um pouco da trama do Wyrd, entramos rapidamente em contato com nosso Óðr. São pequenos
instantes em que houve uma manifestação deste sentido, porém profundamente significativos.
Quando buscamos nossa espiritualidade e começamos a perceber o mundo como algo além do
que material, nos aproximamos mais do Óðr nos aspectos de “entendimento” e “senso”,
aguçando nossa percepção.
Porém, Óðr também pode ser “fúria” ou “furor”. O berserker, um guerreiro capaz de entrar em
um transe furioso em batalha, é muito associado com Óðinn. O Óðr pode se manifestar como
um ímpeto, muito semelhante a raiva, que nos compele a ir em frente e buscar aquilo que
queremos. Também pode ser um estado em que a inspiração nos encheu com idéias
que precisamos dar vazão de alguma forma, manifestar mesmo que como um rascunho, ao
ponto de ser doloroso não colocarmos para fora. Às vezes, quando estamos impelidos atrás de
algo que queremos ou repletos de idéias ousadas e inovadoras, podemos nos sentir próximos
da loucura.
Mas, uma das formas mais intensas de contato com o Óðr, seria o ato da magia. Sua ligação
com estados alterados (seja através da loucura do berserker ou da inebriação de um hidromel)
permite uma associação com a prática magística, onde buscamos uma elevação de nossa
consciência normal para podermos manipular aspectos mais sutis da mente e energias que
percorrem a Árvore, para materializar uma idéia. Por isso, a inspiração é um grande motor para
a magia, que também é uma forma de usarmos ativamente o Óðr.
Busquem o dom que Óðinn nos deu, este sentido que é capaz de se manifestar de tantas
maneiras e é capaz de adquirir formas únicas para cada indivíduo. Despertem seus sensos que
percebem o sutil, deixem a inspiração dar vazão, entrem em fúria e atinjam a loucura.
Encontrem essa energia divina dentro de nós, que nos impulsiona e motiva sempre em frente,
nos conduzem a feitos que ecoarão nas Sagas de nossas vidas. O Óðr precisa ser cantado!
Texto por Ravn
Publicado originalmente em Platinorum.
Os povos germânicos desenvolveram seus próprios conceitos a respeito de uma estrutura para
a alma humana, hoje debatida por diversos autores. Enquanto alguns apresentam estruturas
complexas com muitas subdivisões outros apresentam mais simples, sendo possível
encontrar até mesmo fazem esquematizações ilustradas. Este estudo pode ser uma boa
ferramenta para autoconhecimento, por isso apresento aqui em uma versão mais sucinta e
prática.
O conceito nórdico para a alma era chamado principalmente de Hamr, palavra que pode ser
traduzida como “forma”. Com crenças profundas em projeção astral, era dito que
o hamr poderia deixar o corpo temporariamente e transitar com menos restrições de espaço e
tempo, tanto pelo mundo espiritual quanto físico; também acreditavam que, durante estas
projeções, o hamr poderia assumir a forma de um animal. Muitos vêem cenas onde heróis e
magos se metamorfoseiam em animais presentes nas lendas como metáforas para práticas
xamânicas e de projeção astral.
É importante também observamos e controlarmos nossas reações. Muitas coisas podem nos
causar uma aversão ou emoção imediata, desencadeando diversos pensamentos que acabam
controlando nossas reações; e elevar-los ao nível da consciência nos permitirá neutralizar
estímulos. Ao notar padrões repetitivos, podemos por exemplo consagrar um pouco de água
para diluirmos os pensamentos improdutivos ou apenas nos concentrarmos de forma que se
dissolvam.
Münr: à primeira vista, o depósito da “memória” e das impressões captadas pelo hügr. Porém,
devermos ter em mente de que nossas experiências nos moldam e também são nosso
referencial para ações futuras; por isso, muitos vêem o münr como uma fonte de sabedoria. O
nome “Mímir”, dado a uma fonte onde Óðinn bebeu em busca de conhecimento quanto ao
gigante que a guarda, também é um sinônimo de “memória”, “lembrar” e “sabedoria”. Buscar
contato com münr é procurar em nossa própria essência quais são as memórias que definem
aquilo que somos hoje e através de onde que estamos tomando nossas decisões.
Alguns autores contemporâneos entendem a depressão como uma doença que ataca a münr.
A apatia que faz com que não vejamos mais sentido naquilo que antes nos motivava é vista
como resultado da deterioração deste aspecto da mente, significando também em uma perda
de nossa identidade. O 20º verso do poema éddico Grimnirsmál, onde Óðinn afirma temer que
seu corvo Muninn não retorne de sua vigília dos Nove Mundos, é tomado como uma metáfora
para o medo de perder o referencial de si mesmo.
Resumido e traduzido [para o inglês] por Maria Kvilhaug da dissertação da Professora Else
Mundal: “Fylgjemotiva i norrøn litteratur” (Universitetsforlaget, Oslo, 1974).
Uma fylgja mulher é uma entidade sobrenatural feminina que age como um espírito guardião
para o clã, e especialmente para o chefe do clã. Elas também estavam ligadas a indivíduos,
mas eram imortais e parecem ter sido anexadas a linhagens particulares seguindo uma pessoa
de cada geração. Mundal acredita que elas representam os espíritos das mães ancestrais, uma
parte do culto materno ancestral que conhecemos que existiu entre os nórdicos da Era Viking.
Todo ser humano pode ter uma ou mais mulheres fylgja. Alguns são visíveis enquanto outros
são invisíveis. Das fylgjur visíveis uma pessoa tem um número limitado (2-3-9), dos invisíveis
um bando inteiro. As seguidoras são portadores da sorte de um indivíduo ou do clã. A mulher
seguidora aparece frequentemente em sonhos, mas também em visões.
Morte
Às vezes, ver a fylgja de alguém é um presságio da morte – isto é, se ela monta um corcel
cinzento ou convida uma pessoa para casa de si mesma. Dizer que alguém foi convidado para
a casa das dísir/fylgjur é o mesmo que dizer que este alguém está prestes a morrer. (Assim,
a fylgja, como eu, a tradutora [inglesa], a vejo, está relacionada com Hel, Rán ou com as suas
nove filhas, pois também convidam as pessoas para casa antes da morte. Pode-se também
dizer que a fylgja vive no reino dos mortos, e que ela é o espírito de uma pessoa morta – um
conceito que fortalece a hipótese de Mundal, que as fylgjur são mães ancestrais).
Ela pode aconselhar as suas pessoas e deixá-las saber que se eles não aceitam seu aviso,
eles podem acabar morrendo. Enquanto as pessoas tiverem o auxílio de sua fylgjur, terão
sorte, mas se as deixar, sofrerão e logo morrerão. As pessoas sabem/reconhecem
sua fylgja quando a vêem.
A fylgja pode ajudar na defesa e ataque contra inimigos. Elas ficaram perto de sua pessoa e
podem parecer aos outros como um aviso de que sua pessoa chegará em breve. Elas
respondem orações por ajuda, e eles machucam os inimigos de suas pessoas. Para ela ou seu
clã ela é muito benéfica e útil, mesmo quando ela vem para levar uma pessoa ao mundo dos
mortos, ela é descrita como um ser amigável, muitas vezes lamentando pela pessoa morta, ela
mesma.
Então, por um lado, ela é uma conselheira útil, protetora e proporcionadora de sorte, por outro
lado, ela é portadora da morte. Antes que as batalhas ou as mortes violentas
as fylgjur aparecem como ogras sombrias.
Alguns viram as fylgjur em conexão com a alma e alter egos. Isso porque a distinção
entre fylgjur e hamingjur é muito fluida e se confunde. As hamingjur (singular: hamingja) são
partes da alma de uma pessoa que podem mudar de forma e andar fora do
corpo (hamingja = ham = “forma” + gengja = “vagante”). Estes são sempre mulheres também.
Outros os vêem como partes do grande coletivo de dísir – “deusas” – os poderes femininos. A
razão para isso é porque a distinção entre fylgjur e dísir são, novamente, confusas e fluidas:
como todas as outras entidades femininas, uma fylgja também pode ser chamada
de dís. Muitas vezes, ela é chamada de spádís – “deusa profética” – refletindo seu papel nas
visões sobre o destino e o futuro.
Outros novamente, como Mundal, vêem as fylgjur exclusivamente em conexão com o culto das
mães ancestrais. Nós sabemos que o culto aos ancestrais, especialmente os reis, eram
comuns, e o culto das dísir é uma reminiscência do culto aos ancestrais. (Eu, a tradutora
[inglesa], acredito pessoalmente que devemos tentar ser tão fluidos em nossa distinção entre
os vários poderes como obviamente os nórdicos da Era Viking. Estamos confusos sobre a
forma como as fontes nórdicas parecem “estragar a ordem das coisas” ao descrever entidades
míticas, porque estamos condicionados a ver tudo como entidades separadas em caixas
separadas. Meditar na arte nórdica antiga pode nos ajudar a entender isso na mente nórdica
antiga, as entidades eram fluidas, mudando de forma, superando-se gradualmente. Podemos
ter que perceber que a distinção entre deusas do destino, deusas da morte, espíritos pessoais
guardiões, espíritos dos antepassados e nossas almas pessoais pode simplesmente não ter
sido clara e que é por isso que as fontes são tão confusas para nós).
De acordo com Else Mundal, a função mais importante da fylgja mulher é ser um espírito
guardião para o clã, e há vários exemplos de como eles estão conectados ao culto aos
ancestrais, pois aparecem exatamente como os ancestrais e com as mesmas funções. O
exemplo de Torgerd Hordabrud é importante aqui: ela era a mãe ancestral dos condes de Lade
na Noruega, que foi adorada como deusa por seus descendentes e que atuou como
a fylgja (espírito guardião) da liderança do clã Lade.
Que os espíritos guardiões dos clãs são mulheres é, por si só, muito interessante. As fontes
apontam para o conceito de famílias maternas deificadas após a morte. Não podemos ignorar a
possibilidade de que a crença nas dísir se originasse em uma ordem social mais matriarcal do
que a que temos na era nórdica.
A crença em fylgjur é uma sobrevivência de uma fase cultural mais antiga do que os nórdicos,
mas é uma sobrevivência que se adaptou às ordens sociais alteradas e ainda tinha uma
função. Assim, a crença em fylgjur é uma “sobrevivência viva” (de um momento em que o culto
ancestral das mães refletiu a sucessão matrilinear dentro de cada clã – um fato que é
testemunhado em sepulturas comuns da Escandinávia que remontam milênios atrás – as
mulheres de uma sepultura comunal de clãs eram todas relacionadas, os homens não
estavam, mostrando que os homens se mudaram para as famílias das esposas e não o
contrário, como era durante a era viking. A fylgja animal pode ser um remanescente de crenças
xamanísticas).
O tema da fylgja existe em várias fontes escritas nórdicas antigas, tanto nas sagas dos
islandeses, como no förnaldarsögur, nas sagas dos reis e na poesia. O tema literário
da fylgja pode construir-se diretamente sobre crenças nórdicas antigas em fylgjor, ou em uma
adaptação de conto de fadas do mesmo.
A fylgja animal
Quando a fylgja animal aparece para outra pessoa que não seu dono, isso normalmente
acontece em um sonho. As pessoas clarividentes também podem ver as fylgjor de outras
pessoas enquanto estão acordadas. Quando o animal aparece para seu dono, é sempre um
presságio claro da morte se aproximando. Pode acontecer acordado ou enquanto sonha. Na
visão, o animal atuará exatamente como o próprio ser humano irá agir um pouco mais tarde.
Exemplo: Quando Eyolfr na Ljósvetninga saga sonha com um touro vermelho e um touro
cinzento raivoso levando um rebanho de gado contra ele, ele sabe que seus inimigos, que são
os donos dessas fylgjor, farão o mesmo. Quando Einarr na mesma saga em um sonho vê esse
touro agindo exatamente como ele sabe que seu irmão Gudmund o poderoso costuma fazer, e
finalmente afunda morto no alto do assento, Einarr sabe que seu irmão está condenado.
A fylgja animal parece ser idêntica ao humano, compartilhando seu destino, morrendo com ele
(ou mais corretamente, um pouco antes). O pensamento era que realmente andava antes do
humano durante a vida. Quando a fylgja animal estava morta, mas o humano ainda estava vivo,
esse ser humano logo morreria. Uma parte do humano já havia se movido pelas fronteiras da
morte e seu ser humano agora estava em uma esfera liminar no caminho para outro mundo.
Nessa condição, as pessoas mudam de comportamento e atitude, a pessoa cuidadosa pode se
tornar muito corajosa e a pessoa corajosa pode ficar muito assustada. Ao agir de forma muito
incomum, o mundo circundante poderia concluir que a pessoa estava prestes a morrer.
Folke Ström acredita que a fylgja animal também pode ser um espírito protetor: “A fylgja animal
– o eu interior da pessoa, sua alma, agindo de vez em quando fora do corpo em forma de
animal, percebido como um alter ego ou um protetor espírito “. Jan de Vries teve uma
abordagem semelhante: “Denn wohl kann hamingja “Schutzgeist” bedeuten, aber das wird
doch eigentlich durch das Wort fylgja ausgedrückt, d.h. die Seele, die in unsichtbar Gestalt dem
Menschen folgt.” [“Porque hamingja provavelmente pode significar “espírito guardião”, mas isso
é realmente expresso pela palavra fylgja, isto é, a alma que segue o homem em forma
invisível”.]
Em muitas religiões primitivas, existem entidades que podem caber, mas na área nórdica,
Mundal não consegue achar que a fylgja animal teve essa função, se alguém se basear nos
temas da fylgja literários e outros materiais que não precisamos nos basear. [Por isso, Mundal
permanece estritamente e cientificamente apenas na fonte material nórdica, enquanto Ström e
de Vries interpretaram o motivo à luz de outras mitologias comparativas. Pessoalmente,
acredito que Ström e de Vries estavam certos, mas eles não podem ser comprovados com
base apenas nas fontes nórdicas, o que Mundal está, corretamente, apontando. Nota da
tradutora inglesa.]
A fylgja animal que aparece na literatura nórdica está completamente sem sua própria
identidade e vontade, uma parte indivisível do ser humano a que pertence. Elas não têm
nenhuma influência mútua sobre o outro – um é apenas uma imagem espelhada do outro. As
ações da fylgja animal são apenas um reflexo do que o ser humano está fazendo.
Não há, como tal, nenhuma ajuda para um homem ter uma forte e poderosa fylgja animal. Se o
fizer, é apenas porque ele mesmo é forte e poderoso. As fylgjor que na era nórdica podem ser
caracterizadas como espíritos auxiliares, não têm forma animal, são mulheres.
Tanto o animal no tema de hamferd, no tema de húgr e no tema de fylgja são almas humanas
em forma animal, mas existem distinções literárias claras entre os três temas.
A fylgja animal, por outro lado, aparece como uma alma externa que os humanos têm, além da
alma do corpo/alma livre (body-soul/free-soul). Ela não pode agir por conta própria, é apenas
um espelho de seu dono, mas existe fora [dele]. Ela parece estar intimamente associada ao
destino da pessoa. Vemos assim que, como em muitas tradições xamânicas, os nórdicos
acreditavam em uma variedade de almas ou aspectos da alma em uma única pessoa.
A fylgja mulher
Quando se trata da fylgja mulher, elas também são conhecidas por muitos outros nomes, tais
como:
A fylgja animal e mulher compartilham um nome e uma função comum: podem parecer aos
outros antes que a pessoa humana chegue, alertando aos outros sobre a aproximação do seu
humano.
O segundo grupo também é um coletivo de fylgjor, invisível, mas auxiliar em vez de hostil. Elas
podem ajudar uma pessoa fazendo seus inimigos caírem. Elas geralmente são chamados
de fylgjur, dísir ou spádísir.
O terceiro grupo é como o segundo grupo, apenas que seu principal objetivo é ajudar as
mulheres no parto. Aqui, sua função supera as das nornir e é difícil
distinguir nornir de fylgjor [no entanto, Mundal acredita que é importante fazer essa distinção.
Eu não posso.]
O quarto grupo é visível e as mulheres aparecem para seres humanos. Muitas vezes, elas são
chamadas ættarfylgjur ou kynfylgjur, nomeação que enfatiza que estas são fylgjor que
pertencem à linhagem do clã. Elas também podem ser conhecidas como hamingjur.
Um quinto grupo é bastante semelhante ao quarto, mas pode aparecer sozinha, tanto individual
como coletivo. Elas podem ser visíveis ou invisíveis. Elas são portadoras de sorte e muitas
vezes chamadas de Hamingja.
Esses temas enfatizam que a sorte estará com uma pessoa das fylgjur que está com essa
pessoa. Ela aconselha sua pessoa. Se ela a deixar, a pessoa sofrerá. Situações em que
a fylgja deixa sua pessoa acontecem, se ela não gosta dela, e geralmente levam à morte logo
depois de ter deixado.
Edda Poética
O sexto grupo é o fylgjur como aviso de morte. Se ela é um mau presságio, ela monta o corcel
cinzento da morte (cavalo ou lobo), ou ela convida as pessoas para casa para si mesma.
Nestes motivos ela é sempre visível. Ela geralmente é chamada dís [deusa].
Nós vimos que a fylgja mulher muitas vezes se chama dís nas fontes. Parece óbvio que temos
que fazer [isso] com a mesma entidade feminina, tanto onde ela é chamada fylgja como onde
se chama dís, mas a palavra não está necessariamente ligada à fylgja mulher.
A palavra também existe nas línguas germânicas. Saxão antigo: ides, alto alemão antigo: itis,
inglês antigo: ides.
Nas fontes escritas nórdicas, o uso da palavra é muito amplo – poeticamente, pode ser usada
para descrever uma mulher humana [um grande elogio para a mulher em questão] e na
literatura cristã é usada para descrever as santas femininas (como na Sólarljód, onde elas são
as dísir que falam com o Senhor). No islandês atual, landdísir [deusas da terra (f.pl.)]
Descrevem os espíritos femininos da terra, substituindo a palavra landvættir [espíritos da terra
(f.pl.)].
Esta transição de nomes pode ter acontecido como tal: em uma cultura em transição,
as dísir especializadas receberam novos nomes, assim como o nome antigo ainda era mantido.
[Mundal basicamente diz que as dísir originais tinham todas as várias funções, mas agora
foram reduzidas a grupos especializados e as fylgjur tornaram-se mais como espíritos
protetores]. Há muito poucas semelhanças entre a fylgja animal e a mulher, exceto isso: ambas
poderiam possuir a função de um vardøger [esta é uma palavra norueguesa moderna que eu
não poderia encontrar tradução para. Refere-se à parte de um ser humano que pode chegar
antes do corpo para que outras pessoas possam ouvir e até às vezes vêem uma pessoa um
pouco antes de ele/ela chegar].
Folke Ström acredita que a mulher fylgja é um produto misto secundário do antigo culto
das dísir e conceitos de um alter ego. Eu diria que se a mulher fylgja fosse, como a animal, um
alter ego, ela teria sido a propriedade estrita de um humano. Este não é o caso com
a fylgja [mulher]: ela tem sua própria identidade e sua própria vontade, ela pertence a um
mundo fora do mundo humano, e ela não morre com o humano dela, mas parece ser imortal.
Ela pode se mover de geração para geração e pode estar mais conectada ao clã do que ao
indivíduo.
Ao contrário, ela tem muito em comum com as nornir e as valkyrjur. É impossível estabelecer
uma distinção nítida entre estas.
Hjalmar Falck tem em seu artigo “The soul in heathen faith” (1926), deu uma explicação
etimológica do nome hamingja (feminino singular). Ele afirma que hamingja realmente é ham-
gengja, isto é, “alguém que caminha em uma forma (estranha)”. Jan de Vries aceitou esta
interpretação com certas modificações, vendo-a como ham-hleypa “correr em uma forma”.
Turville-Petre apontou que a palavra hamingja foi usada de forma sinônima com fylgja e
acredita que deve se referir a uma “aparição”, uma dupla (doppelganger). Anne Holtsmark
escreve que uma hamingja foi percebida como uma manifestação corporal do homem humano
(o pensamento, a intenção, o desejo, a alma). Pode tomar uma forma de animal, e alguém que
possui um hamingja é chamado de “hamram” e pode usá-la, por exemplo, para atacar um
inimigo. Se a hamingja for ferida ou morta, isso também acontecerá com seu/sua dono/a.
Uma hamingja forte é uma sorte e, portanto, a palavra também veio a significar “sorte” ou
“fortuna”.
Eu [Mundal] penso que não há nenhuma prova nas fontes escritas de que a Hamingja poderia
usar a forma animal, ou que uma pessoa que possui é hamram (alguém que pode enviá-la
contra um inimigo). Em hamram, é a alma que toma forma, e não a hamingja. Em nenhum
lugar vemos um exemplo de Hamingja sendo ferida ou morta [Nota do tradutor: Eu acredito que
a razão pela qual o dono de uma Hamingja pode ser idêntico ao Hamram é porque
a Hamingja pode ter sido idêntico à alma (que assume uma forma), a Mundal não vê isso dessa
maneira porque:] Que a hamingja tem algo a ver com os conceitos de alter-ego não é verificado
nas fontes. Ao contrário, parece haver uma conexão entre a hamingja e o espírito guardião. Na
verdade, onde quer que uma hamingja seja descrita, ela parece ser sinônimo da fylgja mulher.
Nas fontes, uma pessoa poderia ter várias ou apenas uma hamingja, assim como com a fylgja.
Ela pertence ao coletivo de dísir.
Kindreds
Kindreds: O que são, como funcionam
Por Helena Pereira
Blót em
Ásatrúarfélagið
Olá Povo!
Algumas pessoas me perguntaram o que é “Kindred” e como funciona, então resolvi
escrever a respeito e tentar esclarecer. Acaso alguém encontre algum erro ou discorde,
por favor escreva. Não sei tudo e gosto sempre de aprender.
Os kindreds ou famílias, são formados por pessoas que comungam da fé
Asatru/Vanatru/Odinista e celebram juntos os ritos para os Deuses. O interesse comum,
a confiança, o respeito e a fidelidade são fundamentais. Um kindred precisa ter 98% de
afinidade e concordância, os 2% ficam para as desavenças que sempre acontecerão, é
fato.
O Asatru/Vanatru/Odinismo não é uma religião iniciática, não há graus a serem
galgados, não é proselitista, homofóbica, sexista, racista ou intolerante.
Existe um sacerdote Ghodi ou sacerdotisa Ghydia que inicia as cerimônias e orienta o
grupo, prezando pelo bem de todos e tem poder de decisão se alguma situação
acontecer e não houver consenso entre os membros.
É uma posição de destaque e respeito, por isso a escolha dessa pessoa deve ser feita
levando em consideração o que o grupo quer para si e geralmente ela é escolhida por
votação. Outra forma de resolver um impasse é o Ghodi ou Ghydia, abdicar do poder de
decisão e pedir a leitura das runas, que indicará o que deve ser feito. Nos tempos dos
vikings era o chefe da família ou o que hospedava que desempenhava esse papel, hoje
em dia o líder será a pessoa que possui mais conhecimento e deve oficiar o rito.
Os kindreds se reúnem nas datas importantes do calendário nórdico, onde se realizam
os Blóts, em que honram e celebram os Deuses. Esses rituais podem acontecer tanto
em ambientes fechados quanto ao ar livre.
Seguimos uma cultura tribal, o Asatru/Vanatru/Odinismo dá importância máxima à
família e à comunidade, visto que no tempo dos vikings um único erro poderia sujar o
nome da família para sempre. Honrar a palavra também é de valor intrínseco à cultura
nórdica. É recomendável que os membros do kindred não se reúnam somente nas
datas comemorativas, mas que tenham uma vida social em comum. O sentido de
família para a fé Asatru/Vanatru/Odinista é literal. Os membros passam a ser um, não
podem pensar só no individual, mas no e para o grupo.
O Blót, oficiado pelo Ghodi ou Ghydia, começa geralmente com o Rito do Martelo
depois faz-se a oferta ou oferenda que é um meio de honrar os Deuses e são realizadas
sempre (comida, bebida, objetos) que receberão a benção e aceitação simbólica Deles.
Os brindes as Divindades e leitura , declamação ou canções dedicadas a Elas
acontecem e depois se faz o Sumbel ou Feast ou simplesmente a degustação dos
alimentos.
OBS.: De acordo com alguns Odinistas, não realiza o Rito do Martelo em suas
celebrações, já outros o fazem. Não chega a ser uma questão polêmica, pois temos
liberdade de culto, ou seja, os membros do kindred resolvem como iniciar suas
celebrações.
Para que um grupo passe a ser um kindred existe o que chamamos Juramento, que é
assumir o compromisso com os Deuses a Fé e a Família.
É uma cerimônia simples, realizada na presença de um Godhi ou Gydhia e os
membros. Geralmente se passa a usar um anel, pulseira ou colar como símbolo
sagrado.
Como membro de um kindred, é preponderante que se aceite totalmente a
espiritualidade, cultura e costumes dos antepassados, se aprenda a história e a
mitologia dos povos nórdicos e zele pelo crescimento espiritual dos outros membros e
por último, mas não menos importante que se viva sob as Nove Nobre Virtudes:
Coragem, Verdade, Honra, Fidelidade, Disciplina, Hospitalidade, Auto-Suficiência,
Perseverança e Laboriosidade.
Outra coisa a ser levada em consideração é a aceitação dos dogmas. Não encaremos o
conceito de dogma algo que é imposto, mas aquilo que é essencial para uma fé e que é
aceito livremente. Um dogma não pode ser imposto, deve ser aceito com honra, como
uma herança e fazer parte do ser.
Creio que existe uma coisa importantíssima que precisa ser sempre exposta. Nossa
religião foi maculada pelo nazismo e é nossa obrigação como Heathens, esclarecer,
divulgar, demonstrar que não pensamos dessa forma.
Nossa o texto ficou enorme e peço que me desculpem por isso. Volto a dizer que se
não concordarem ou perceberem algum erro, por favor, escrevam. Espero ter ajudado!
Hail!
Por Mark Stinson
Tradução de Seaxdéor
Introdução do tradutor: Para entender o que é thew, clique aqui. Kindred, aqui. Frith, aqui.
Todo kindred ou tribo tem thew, quer eles percebam que não. Thew representa os costumes
coletivos, a história, as tradições e as expectativas do kindred em relação a seus membros, os
membros em relação ao kindred e os membros uns em relação aos outros. Thew é muito fluido
e orgânico, e toda decisão ou ação tomada por membros do kindred ou pelo kindred como um
todo, aumenta a profundidade e a complexidade do thew de um kindred. Mesmo que um
kindred não reconheça que o tem “thew” ou não o chame “thew”, o thew ainda desempenha um
papel em tudo o que faz, e é vantajoso entender como ele funciona e como desenvolvê-lo
ativamente.
Thew não é o mesmo que regras escritas ou estatutos. As regras e estatutos são um tanto
estáticas em sua natureza e, pela sua essência, abrangem apenas um número limitado de
circunstâncias específicas. Embora uma pequena parte do thew de um kindred possa ser
codificada dentro dos estatutos do kindred, a grande maioria permanece como um
entendimento não escrito entre os membros do kindred.
Quando um kindred está no processo de formação e ainda é muito novo, o thew desse kindred
será um pouco não-desenvolvido. Quase toda nova situação ou escolha que o kindred enfrenta
é algo novo para eles.
Em qual dia da semana devemos realizar a maioria dos nossos eventos? Onde nos
encontramos? Que tipos de atividades fazemos como um grupo? Como decidimos? E se nós
discordarmos? Quando devemos celebrar blots ou fainings? Como nos comunicamos ou
tratamos alguém que vem a um evento pela primeira vez? Cada um leva um prato de comida,
ou os banquetes de nosso kindred são totalmente providos pelo anfitrião? Quem fornece o
hidromel para symbel? Durante Symbel, nós brindamos em turnos ao redor do círculo, ou
levantamos um chifre e esperamos ser reconhecidos pelo Senhor do Salão? Quem é o senhor
do salão? Quando viajamos para uma reunião, fazemos uma caravana ou viajamos para lá
individualmente? Planejamos refeições em grupo para o kindred ou cada família traz a sua?
Quando um problema de segurança se desenvolve quem lida com isso? Você pode continuar
indefinidamente com estas perguntas. Basicamente, tudo está no ar quando um kindred é
novo.
Então, muito cedo, algumas conversas importantes precisam acontecer dentro de um kindred
em formação. Todos os envolvidos na formação do kindred devem estar presentes nessas
conversas, e alguns entendimentos básicos precisam ser alcançados. Os parentes terão um
Chefe e/ou Godhi e/ou Thyle? Quais responsabilidades cada uma dessas posições terá? Como
a tomada de decisões ocorrerá dentro da família? Como os problemas relacionados ao kindred
serão resolvidos? Como os problemas interpessoais serão resolvidos? Os seus parentes são
mais uma tropa de guerra (warband), uma família ou uma tribo? Quão orientada para a família
é o seu kindred e que tipo de eventos de kindred vocês realizam?
Se o kindred discute longamente como eles irão tomar decisões dentro do grupo, que tipos de
decisões devem ser decisões tomadas por todo o grupo, e os passos que serão tomados para
alcançar essas decisões, então isso se torna thew. Quando a liderança do kindred ou um
membro individual se desviar desse entendimento, o kindre trabalhará para corrigir o problema
e fazer sua liderança novamente alinhada com o thew do kindred.
Mas lembre-se, o thew de seu novo kindred vai mudar e evoluir ao longo do tempo.
A Thew também desenvolve e é alterada com base em decisões e ações dentro do parentesco,
e se essas decisões e ações funcionam bem ou deixam algo a desejar. Quando um
determinado curso de ação é tomado pelo grupo ou por um membro do grupo, e é bem-
sucedido … é mais provável que, quando confrontados com circunstâncias semelhantes, esse
mesmo curso de ação seja tomado. Se o curso original da ação acabar mal… é muito provável
que, quando confrontados com circunstâncias similares, um curso de ação diferente seja
tomado. As decisões e ações passadas e seu nível de sucesso tendem a informar decisões e
ações futuras, e isso se torna uma força motriz na evolução do thew ao longo do tempo.
Digamos que um membro do kindred fique doente e esteja de cama por uma semana, e o
kindred checa este membro, trazem comida e outras necessidades, e ajuda a cuidar dos filhos
do membro do kindred. Se tudo isso vai muito bem, e ajuda a construir laços mais profundos
entre todos o kindred… então o thew foi estabelecido. A próxima vez que um membro da
família ficar doente, é muito provável que todos os membros da família sigam este caminho e
ajudem de maneira muito semelhante. Se na próxima vez que um membro da família adoecer,
o kindred não ajudar esse membro do kindred da mesma forma que antes, surgirão problemas.
O fato de o kindred não seguir seus próprios costumes e tradições sobre o assunto é uma
violação do thew que é improvável que passe despercebido.
Se o dia depois de organizar um encontro, o kindred comentar como a reunião foi e decidir que
poderiam ter feito A, B e C de forma diferente… eles farão todo o possível para garantir que
durante seu próximo evento A, B e C sejam feitos de forma diferente. Desse modo, as pessoas
estão constantemente se ajustando e mudando, à medida que novas circunstâncias e
problemas são enfrentados, e o kindred aprende o que funciona melhor para eles.
Esta evolução do thew com base em experimentar sucessos e fracassos está constantemente
em curso. Sabendo disso, quando você reconhece que apenas um momento como esse
aconteceu, pode ser útil articular isso ao resto de seu kindred. Isso permitirá que o assunto seja
discutido, um consenso seja alcançado e um claro e cuidadosamente considerado thew seja
estabelecido.
Um kindred em formação pode ter cinco membros, nenhum dos quais é particularmente focado
nas runas. Assim, enquanto eles podem aprender e respeitar as runas, os kindreds em
formação podem não ter um interesse sério em manter grupos de estudo rúnicos ou trabalhar
as runas em todos os aspectos do que fazem. Mas esse mesmo kindred em formação três
anos depois pode ter acrescentado cinco novos membros, três dos quais estudaram as runas
pesadamente. É provável que esses três novos membros influenciem a forma como o kindred
vê e usa as runas como um kindred.
Um kindred em formação pode começar com cinco membros, nenhum dos quais é casado ou
tem filhos. O que se desenvolverá dentro deste kinred que se ajustará às suas circunstâncias
naquele momento. Mas esse mesmo kindred em formação, três anos depois, pode ter
acrescentado várias famílias com filhos a seus membros. Além disso, alguns dos membros
originais podem ter se casado e/ou tido filhos. Eles naturalmente evoluirão com o passar do
tempo dentro deste kindred que é mais voltado para a família e se ajusta às novas
circunstâncias.
Essa evolução do thew baseada nas circunstâncias do kindred e de seus membros individuais
está constantemente em andamento. Se entendermos essa necessidade de mudança e
adaptação ao longo do tempo, você poderá antecipar as mudanças que serão necessárias,
discuti-las entre os membros e, com muita propriedade, fazer os ajustes necessários em tempo
hábil.
Uma vez que cada kindred tem membros diferentes, personalidades diferentes envolvidas,
circunstâncias diferentes … o que não é apenas natural … mas também é necessário que cada
kindred tenha o seu próprio conhecimento. Nem podem ou devem dois kindreds ter o mesmo
thew. Reconhecendo e aceitando que todos nós iremos desenvolver nossas próprias tradições
e costumes locais, nós permitimos que cada kindred e tribo desenvolvam exatamente as
tradições e o que melhor funciona para eles.
Quase todos nós fomos criados em uma cultura que é completamente influenciada e moldada
pelo cristianismo. O estudo e o aprendizado contínuos são necessários em nossa tentativa de
retornar a uma visão de mundo mais próxima da visão de mundo de nossos ancestrais pagãos
e de nosso caminho popular nativo. Entendendo essa necessidade, os kindreds devem
encorajar seus membros a ler individualmente, estudar e explorar a visão de mundo dos
nossos antepassados e a desenvolver o thew como um grupo que não apenas funciona bem,
mas também representa tradições e uma mentalidade que nossos ancestrais provavelmente
reconheceriam e apreciariam.
Em primeiro lugar, estamos todos ligados pelo thew de nosso kindred ou tribo. Estamos todos
ligados pelas tradições da nossa tribo, ou expectativas coletivas e nossos caminhos. Nosso
mais novo membro, nossos membros mais seguramente definidos, e a liderança de nosso
kindred estão todos ligados pelo thew. Às vezes, você ouvirá alguém se referindo aos líderes
de nosso kindred como “ditadores” ou “cultos da personalidade”, ou pior. Mas um bom líder
serve sua tribo. Um bom líder é o menos livre de sua tribo. Um bom líder é o mais pobre de sua
tribo, tanto no tempo quanto financeiramente. Um bom líder carrega fardos para sua tribo, que
ninguém mais na tribo é encarregado de levar. Quando a liderança de um kindred bom e pleno
em frith viola o thew, os membros desse kindred os desafiarão e exigirão uma explicação sobre
por que a liderança está agindo fora de seus costumes e thew.
Quando um novo membro está sendo trazido para o seu kindred, é importante que eles sejam
informados a estar de acordo com o thew do seu kindred. Muito disso eles aprenderão
simplesmente passando tempo com seus parentes e interagindo com eles frequentemente
durante um período de tempo suficiente. Mas não há razão para que você não possa
ativamente e propositadamente guiá-los através do aprendizado do thew de seu kindred. O
Jotun’s Bane kindred tem um processo educativo e de mentoria de um ano para novos
membros. Um mentor designado garante que nossos Membros Candidatos participem,
aprendam e entendam como os membros da comunidade trabalham juntos. O Thyle da nossa
família desempenha um papel em garantir que os novos membros aprendam algo da nossa
história, experiências e temas.
A incapacidade de trazer novos membros para incorporar o thew do kindred em relação ao que
lhes pertence inevitavelmente levará a problemas dentro do kindred. Enquanto as dores do
crescimento ocorrerão naturalmente dentro de um kindred, com um pouco de esforço, muitas
delas podem ser evitadas.
Assim como as pessoas podem aprender umas com as outras, as famílias e tribos também
podem. Se o Jotun’s Bane kindred participa de uma reunião regional organizada por outros
membros da nossa região, temos a oportunidade de ver como eles se organizam, como eles
interagem, o que eles fazem durante o Symbel e o Blot, e vários outros aspectos do thew de
seu kindred. Se virmos algo que eles gostam, provavelmente levaremos essa casa conosco e
tentaremos nós mesmos. Se funciona bem, ela se torna incorporada no thew de nossa família.
Essa troca de thew é recíproca. A família anfitriã do evento que assistimos, pode muito bem
participar de um evento organizado pelo Jotun’s Bane Kindred. E eles podem levar ideias para
casa com eles. Com reuniões aqui no Centro-Oeste regularmente frequentadas por 6 a 23
famílias, e encontros sendo realizados ao longo do ano, essa troca recíproca de ideias e
assuntos é frequente e contínua.
Magia
Apesar de chamar a atenção de muitos, a magia germânica não é algo que se consiga
compreender destacado da Visão de Mundo desses povos (e é por isso que colocamos ela
aqui por último, pois pressupomos que para você fazer magia germânica, você precisa já ter
consciência e prática suficiente na religião). Tentar entender a magia de maneira separada da
Visão de Mundo desses povos provavelmente o levará apenas a produzir simulacros, na
melhor das possibilidades.
Este texto foi feito a partir da tradução de vários outros de Sarah Anne Lawless, e eu, o
tradutor, não posso me considerar autor, apenas compilador das palavras de Sarah, as quais
organizei de uma forma a não ficarem repetitivas, mantendo a lógica e expondo o melhor
possível a bela visão da autora original. Não fiz inserções no texto, me limitando a apenas
encaixar suas partes.
***
Minhas crenças e práticas caem no reino da bruxaria tradicional. É mais por causa do meu
mergulho na bruxaria e magia popular escocesa-escandinavas. Eu fui atraída e obcecada com
a bruxaria tradicional antes que a pletora de livros, fóruns, e websites viessem à existência. Eu
fui criada na carne e ossos em contos de fadas, folclore, lendas e mitologia. Isto significa que
eu, entenda, não fui influenciada por Andrew Humbley e o Cultus Sabbati nem fui eu
influenciada por Robin Artisson. Eu continuo não sendo influenciada por eles nem interessada
neles. Eu não sou atraída pelo alto cerimonialismo e linguagem enfeitada de Chumbley e
Shulke (embora eu admita que a poesia de Chumbley é deslumbrante e as ilustrações de
Shulke podem ser “bruxescas” num sentido que é orgasmático). Eu também não estou atraída
pelo ofício (craft) pseudo-corneano e o reducionista germânico de Artisson que toma muito de
praticantes como JackDaw e Gemma Gary. Eu, todavia, admito ter uma antiga paixão pelo
cérebro de Robert Cochrane e ter amado Doreen Valiente mais do que uma bruxa comum. Mas
certamente são Baba Yaga, Habetrot, Holda e a Rainha de Elphame que têm meu coração. Em
vez de juntar-me a uma tradição da moda, eu escolhi a Crença das Fadas e mergulhei
profundamente no trabalho com espíritos.
Eu acho estranho e curioso que, embora eu seja considerada uma bruxa tradicional, eu não fui
influenciada pelas mesmas tradições e escritos que a maioria das bruxas tradicionais modernas
comumente são. E não li Jackson e Howard, eu li Jones e eu queria não ter o feito (ele
precisava de um editor realmente bom). Eu ignorei Xoanon, Pendraig, e Fulgur e li Paul Huson,
herbários e livros velhos e empoeirados de folclore, em vez disso. Eu li os escritos de Robert
Cochrane e os amei, mas segui os passos de Joe Wilson de volta à terra com meu tambor.
Meus heróis são mulheres folcloristas como a Dra. Hilda Ellis Davidson e F. Marian McNeill. A
despeito de não compartilhar as mesmas influências com minhas companheiras bruxas, eu
terminei sendo uma e não menos que uma.
Qual é a minha explicação para vocês, outras bruxas tradicionais novas e antigas? Que não é o
que ou quem você lê, mas o que você faz que compõe o que você é. Um autor ou publicador
não define nosso caminho ou faz alguém mais bruxa que outra pessoa. Não deixe ninguém
intimidar você dizendo outra coisa. Coloque de lado seus livros e segure seu cajado ou bastão
e encontre-se numa encruzilhada e invoque o mais antigo professor de todos se você for
capaz. Vá lá fora e encontre o seu caminho.
A maioria dos caminhos de bruxaria mais tradicional são de origem europeia, mas não todos.
Semelhanças centrais seriam trabalhar e se comunicar com os espíritos, trabalhando com
elementos da natureza, culto aos antepassados, um certo nível de animismo e um uso geral
da magia popular (baixa magia) em oposição à alta magia, mas algumas tradições usam
magias superiores. No geral, eu diria que a bruxaria tradicional é principalmente um caminho
de indivíduos, famílias e grupos muito pequenos. Para mim, pessoalmente, o que distingue a
bruxaria tradicional é que os praticantes baseiam suas práticas nas velhas tradições,
encantamentos, baladas, superstições, coletâneas de conhecimento oral, práticas de bruxaria
documentadas e rituais… Considerando que muitas bruxas tradicionais veem wiccanos e
neopagãos como praticantes cerimoniais baseados em conhecimento (lore), bem como
conhecimentos (lore) e práticas modernas – não necessariamente falso conhecimento
(fakelore), mas rituais e crenças decorrentes dos dias modernos. Muito do que praticamos é da
Idade Média e mais tarde, mas muitas bruxas tradicionais incorporam tradições e crenças mais
antigas em seu ofício. Então, se você ouvir quaisquer bruxas tradicionais ou grupos que
reivindicam ancestrais há milhares de anos ou que descendem de uma linha contínua de
bruxas por centenas de anos, não acredite nisso.
A maioria das pessoas acha que é uma tradição como a wicca, mas é realmente um termo
genérico sob o qual muitas tradições de bruxaria florescem. A bruxaria tradicional atraiu muitos
recém-chegados desde 2004, pois é atualmente a “coisa da moda” para se rebelar contra a
wicca e buscar algo que não seja “falso”. Essa é uma mentalidade ridícula, já que as partes que
compõem a wicca não são de modo algum falsos e muitos são tão antigos quanto as crenças e
práticas dos reconstrucionistas e das bruxas tradicionais. Só porque a wicca não é sua xícara
de chá, não significa que a bruxaria tradicional será, não é um refúgio para se correr, mas um
caminho extenso e exigente a seguir.
As definições mais comuns tendem a dizer que a bruxaria tradicional é: a) a bruxaria tradicional
das Ilhas Britânicas (Irlanda, Escócia, Gales, Cornuália, Inglaterra, etc.) variedade que é “tudo
menos wicca”; b) bruxaria tradicional baseada na Europa (comumente apenas as bruxarias e
magias populares germânica, celta, basca, italiana e grega), mas não neopaganismo ou
reconstrucionismo, e é também da variedade que é “qualquer coisa, menos a wicca”; c) uma
tradição de bruxaria longamente estabelecida (tradição, todavia, sendo usada no sentido
moderno derivando do seu uso em tradições wiccanas), comumente referindo-se à bruxaria
hereditária tanto ficcional como não ficcional – a última sendo mais da magia popular ou da
categoria de habilidade psíquica hereditária; d) e por fim a mais ambígua forma de qualquer
coisa que não seja a wicca, não-neopagã, não-“fofa”, não-religioso “ofício” (craft) ou
“habilidade” (skill), uma bruxaria comumente praticada por pessoas solitárias.
As definições acima realmente não servem para mim (já que eu prefiro minhas definições sem
ataques à wicca) e também não explicam bem como o termo é aplicado hoje comparado com o
que ele realmente representa quando o assunto é um caminho ou tradição de magia e
espiritualidade hoje.
Definições
1. Bruxaria do Início do Período Moderno (1500-1900s)
Desambiguação
Crenças
Estados alterados
Culto Ancestral
Animismo
Espíritos familiares
Responsabilidade pessoal
O espírito multifacetado
Práticas
Ritual extático
Magia operativa
Possessão e Montaria da bruxa
Vidência
Troca de forma
Voo espiritual
Robert Cochrane
Doreen Valiente
Victor Anderson
Sybil Leek
Paul Huson
Conclusão
No geral, a essência da bruxaria tradicional é levar as coisas adiante em seu caminho – estudo
avançado, prática e experiências. Tentando encontrar as fontes, a história, e como e porquê
para tudo o que as bruxas acreditam e fazem. A maioria das bruxas tradicionais eu sei que não
leem livros pagãos – lemos textos antropológicos, arqueológicos, históricos e religiosos –
então, como eu, elas podem complementar esse conhecimento com o folclore e praticar o que
aprenderam em suas vidas diárias. Como uma bruxa tradicional, eu tento incorporar minhas
artes e crenças em todas as partes da minha vida e em tudo que faço, não importa o quão
aparentemente mundano seja o que eu estou fazendo. Há uma longa história de magia em
qualquer ato cotidiano – e acho que uma curiosa bruxa tradicional sabe disso melhor que
ninguém.
***
Fontes:
Disclaimer of a Traditional Witch
Traditional Witchcraft
Sonne Heljarskinn
O paganismo germânico no Brasil, e não só aqui, tem sido tratado muitas vezes de forma
equivocada. E uma delas diz respeito ao que as pessoas esperam dele.
Apesar do título, este não é exatamente um texto místico. Quero dizer, não que o antigo
caminho (Forn Siðr) não desenvolva o conhecimento de si mesmo e o aprimoramento
“alquímico” (repare bem nas aspas antes de ler o que está dentro delas). Não que, por
semelhança com métodos mágicos, ele não exija uma mudança de hábitos. Mas, bem, não se
trata apenas de se ver como pagão, de consumir produtos que hoje em dia são direcionados a
consumidores que se autodenominam pagãos. Não se trata apenas de cultuar deuses pagãos,
no lugar do deus da maioria das pessoas. A coisa é mais profunda. Bem mais.
Quanto mais eu me aprofundo na Ásatrú (“Fé nos Æsir”), mais essa palavra me parece
inapropriada para descrever aquilo que eu já vivencio ou o que eu ainda busco. Quero dizer, as
palavras “fé” e “religião” tem um significado tão diferente quando quero me referir ao
paganismo germânico que eu simplesmente acho que é como se eu tentasse transmitir uma
imagem em 1280 pixels através de um televisor preto e branco de tubo dos anos 70: muito do
que se busca mostrar – inclusive as cores – se perdem. Mas eu desconfio que seja mais
correto dizer que televisores em preto e branco dos anos 70 sequer conseguem pegar sinal
digital em alta definição.
Mas essas discussões linguísticas tornam-se mais claras quando se pode ver a sua aplicação
prática. Quando dizemos “a Ásatrú é a religião reconstruída baseada nos rituais dos povos
antigos”, faz com que nossos cérebros, treinados pelo cristianismo, procurem maneiras de nos
livrar daquilo que reconhecemos claramente como suas influências. A primeira delas muitas
vezes é o “Deus” – com “D” maiúsculo – que, uma vez que se assume pagão, deve-se
substituir pelo “panteão” nórdico ou germânico em geral.
Altar para vættir
O segundo problema é: uma vez que deixamos de lado o culto de um único deus, e
reconhecemos a multiplicidade de entidades responsáveis por reger a Natureza, precisamos
perceber que não se trata apenas de cultuar mais deuses. Existem outros tipos de entidades
quase materiais, tão presentes quanto deuses, como os espíritos da terra ou landvættir por
exemplo, ainda os húsvættir, espíritos da casa, que povoam o mundo tanto quanto nós
mesmos. Existem mesmo os nossos ancestrais tão dignos de culto quanto as próprias
divindades, uma vez que estão em nosso sangue – e aqui a gente volta rapidinho ao ponto de
conexão com o “conhecimento de si mesmo”, uma vez que o culto ancestral é o culto a uma
parte de nós que é comum a mais pessoas com as quais dividimos o sangue. Assim,
estabelecer um culto multifocal é necessário.
Mas, da mesma forma que precisamos deixar o culto de um único deus pelo culto de mais
deuses, e deixar o simples culto de mais deuses por uma forma mais elaborada de culto, na
qual nos conectamos às diversas entidades da terra, precisamos entender que não se trata
apenas de culto.
O que eu quero dizer com isso é que o paganismo não é só uma maneira diferente de cultuar.
O Heathenry pode trazer respostas individuais, mas porque ele em si é uma resposta comum.
O antigo caminho não é algo que pode ser vivenciado de maneira isolada, mas, ao contrário,
necessita de todos que estão à sua volta. O desafio dos pagãos “solitários” é conseguir todas
as informações que são necessárias para desenvolver seus ritos de maneira correta: desde
informações sobre divindades, sobre história, sobre cultura, até a parte pessoal, das
genealogias familiares e informações dos seus ancestrais (sim, o seu avô, sua avó, os que
vieram antes dele, você sabe quem foram e o que faziam?). Além de um altar, velas,
meditação, você trabalha a terra? Planta? Conhece ervas, animais?
Mas, mais que isso, o paganismo rechaça o individualismo (pós-)moderno. Nossas relações
atuais são todas baseadas em cima do individual, e por isso a traição é um problema contínuo,
uma vez que é “cada um por si e Deus por todos”. Para o pagão, é cada um pela tribo, e a tribo
por todos. E pra isso eles invocam a proteção dos deuses: porque possuem uma unidade para
com aquilo que são. O pagão precisa auxiliar, sorrateiramente, a recriação desses laços,
buscando dissolver o seu ego no seu clã (ou ætt); sua essência pessoal precisa ter menos
valor que a identidade do grupo – e isso protegerá você, e não o inverso. Se o seu círculo de
pessoas não é capaz de te proporcionar isso, talvez seja hora de você arejar o
seu frændgarðr, ou círculo/rede de relações, trazendo-lhe novas pessoas e mostrando como e
porque as coisas com você são assim e não de outra forma.
Ser pagão não é ser ovelha, mas tampouco é ser lobo: e sim uma matilha. A matilha caça para
todos, protege os mais fracos, e se fortalece pela sua união. O lobo não é forte pelas suas
garras – mas pelo número de lobos que com ele atacam suas presas ou ofensores.
A ovelha acha que após a morte terá um céu – por isso pode ser ofendida, e dar a outra face.
O lobo irá lutar com fúria, isoladamente, para proteger a si mesmo, e se isso não for possível, o
Valhǫll serve como prêmio. Para a matilha não interessa o além da vida. Interessa que os seus
estejam vivos, e com friðr (paz e felicidade). Interessa a força da unidade comum entre todos:
interessa submeter a ameaça para o grupo.
O caminho antigo é uma questão de atitude. E não estou falando de aparência física. Nem
tampouco de um simples “curtindo a vida a doidado”, ou de “juventude transviada”. O pagão se
faz no dia a dia, e não apenas em cultos e sacrifícios, datas especiais. O paganismo é também
uma maneira de se viver, de reagir à realidade. O pagão é aquele que trabalha a terra e a
modifica. O pagão é aquele que muda o mundo a sua volta. O pagão não é nunca apenas um
entre a multidão. Ele é heathen, ele é alguém sem o qual as coisas não seriam como são. Ele
abraça a própria ørlǫg como o único caminho possível, e entende que é parte de todo o
engendrar das coisas, utilizando a própria wyrd da melhor maneira possível. O pagão é aquele
que age, é aquele que aplica sua força no mundo e faz com que ele não seja de forma alguma
uma pessoa desnecessária na história total das coisas, apenas algo levado pela maré. Não
importa apenas lutar até a morte bravamente – importa também proteger o seu ætt e o
seu frændgarðr com sua bravura.
Deus Týr, reconhecido por sua bravura e coragem, dando a mão para proteger seu clã.
É aí onde chegamos ao ponto de começo de nosso texto. O encontro consigo mesmo para o
pagão não acontece com a ascensão a um Deus transcendental. Nem muito menos com a
liberdade individual desenfreada. Acontece, antes disso, com a identidade entre sujeito e
mundo à sua volta, incluindo as outras pessoas – para os habituados com filosofia, os gregos
com a palavra “φύσις” (phýsis) referiam-se à soma de si mesmos com o mundo e os outros
humanos e seres. O encontro consigo mesmo surge do saber quem faz parte de sua teia de
relações e quem não. Mas também lutando e vivendo por uns e com uns e não contra todos.
Quando o pagão se diz “reconstrucionista” ele fala de reconstruir uma ritualística, uma
realidade, uma maneira de viver, e tudo o que for possível e viável se trazer daquela época. O
desafio do paganismo é reconstruir tudo aquilo que ele exige para ser vivenciado de maneira
autêntica: sociabilidade, organização coletiva, e tanto quanto possamos adaptar às nossas
realidades no século XXI.
Para os nórdicos, a magia era parte do cotidiano. Não tinham ordens e iniciações – era vista
como uma habilidade que poderia ser aprendida por qualquer um que tivesse acesso
(normalmente, a nobreza ou famílias tradicionais); por isso, ao invés de uma única palavra
significando “magia”, seu idioma antigo possui várias descrevendo práticas bem específicas
cada (embora alguns pesquisadores assumam que a palavra “fjölkynngi” – algo como
“conhecimento” – seria usada para a magia em geral). Hoje, entenderemos um pouco mais
sobre algumas dessas numerosas práticas que chegaram até a nossa época.
Imagem destacada: Ræveðis
É importante frisar que temos muito pouco registro escrito das práticas magísticas
escandinavas antigas – a maioria era passado de forma oral. As práticas contemporâneas são
reconstruções, partindo de poemas dedicados às runas, relatos mitológicos e diversos sistemas
ocidentais. Assim como tudo em relação a tradições e práticas nórdicas, existem divergências e
conflitos entre diferentes autores, e nem sempre as práticas de hoje parecerão “coerentes” de
um ponto de vista acadêmico.
Outro aviso importante é que a Magia Nórdica é um “sistema pagão“. Está intimamente
amarrado com a religiosidade pagã nórdica (Ásatrú-Vanatrú), sendo impossível dissociar um do
outro. Quando removida de uma relação com a espiritualidade nórdica e seus símbolos, muito
pouco do potencial das práticas é acessado e uma quantidade grande do conhecimento é
perdido. Em outras palavras: nenhuma forma de magia nórdica deveria ser praticada por
pessoas que não seguem a religiosidade pagã germânica.
Os diferentes tipos de práticas magísticas não eram isolados entre si. Embora determinadas
classes e épocas favorecessem um ou outro, não era incomum um praticante saber várias e
inclusive elas se misturavam o tempo todo durante feitiços e rituais. Todos os tipos de magia
tinham os mais amplos usos, e entre os relatos mitológicos, literários e arqueológicos vemos
desde encantar uma espada, obter eloqüência, descobrir mentiras, controle climático, amor,
curas até maldições.
“Runas você pode encontrar/ e letras auxiliadoras, / letras muito poderosas, / letras muito
fortes, / as quais o sábio poderoso pintou / e os deuses fizeram / e que Hroptr dos deuses
gravou.” – Hávamál (“Palavras do Altíssimo“), stanza 142; trad.Elton Medeiros
“Como me sinto quando pratico Magia Nórdica…”
Magia Rúnica: a forma mais conhecida atualmente, consistia da magia escrita – quando uma
inscrição era feita com o propósito de consagrar um objeto ou confeccionar um amuleto. A
palavra “Rún” significa também “segredo”; embora sejam alfabetos usados para escrita, o nome
de cada runa também indica sua função ao ser usada para fins magísticos. É importante
lembrar que existem diversos alfabetos rúnicos de diferentes locais e épocas, sendo incerto
quais runas e de que forma eram usados para magia. O estudioso das runas – normalmente
membro da nobreza – era chamado de Rúna-meistari (“mestre-rúnico“).
Não havia uma palavra única que descrevesse a prática como um todo, porém várias
descrevendo a destinação das runas (como sigrrúnar – “runas da vitória” – ou málrúnar –
“runas da fala”). Embora atualmente usar uma única runa ou uma combinação delas
(bandrunar) seja mais comum, registros arqueológicos mostram que era muito comum
escreverem um encantamento ou oração inteiro no objeto, muitas vezes em versos. Exemplos
mitológicos do uso magístico das runas podem ser encontrados na Völsung Saga (no capítulo
em que Sigurdr conhece Brynhild, e para demonstrar sua sabedoria e poder ela canta uma
canção revelando seu conhecimento na magia rúnica) e na Egil Saga (a história de Egil
Skallagrímsson, um viking e skald mestre-rúnico). O poema éddico Hávamál, entre os versos
138 à 145, descreve o auto-sacrifício de Óðinn para obter as runas – fazendo o trecho ficar
conhecido atualmente como Rúnatal.
Galdr: palavra que possui a mesma raiz de “canto”, define a magia ativada através da voz.
Embora atualmente sejam associados as runas e executados através de seus sons (de forma
semelhante a mantras), eles podem ser frases recitadas ou mesmo uma canção – na literatura
islandesa, chegou a ser criada a galdralag (“métrica para feitiços“). Assim como a Magia
Rúnica, atribui-se a Óðinn a criação desse estilo de magia, sendo “Galdrsfaðir” (“Pai dos
Galdrar”) um de seus nomes. As sagas islandesas citam que um feitiço de paralisia para ser
usado em batalha seria um Galdr famoso, e o poema éddico “Gróugaldr” possui o exemplo
“Que a fechadura de Urðr te proteja, se ficares em perigo” (“Urðar lokurhaldi þer öllum megum,
er þú á sinnum ser” – Trad.Johnni Langer).
Seiðr: o mais polêmico entre os tipos de Magia Nórdica, consiste nas práticas associadas ao
xamanismo, transe e mediunidade, associada com a deusa Vane Freyja; elementos naturais,
como ervas, também eram comuns de serem usados. Um homem praticante dessa arte era
chamado de “seiðrmaðr”, e uma mulher “seiðrkonna”. Controversas sobre o Seiðr vêm de
certos mitos e poemas o apontarem como “magia feminina”, indigna dos homens (que seriam
excluídos da sociedade caso a praticassem); porém, existem exemplos em sagas onde
um seiðrmaðr realiza sua função sem nenhum tipo de tabu ser associado (como a Laxdæla
saga, onde o seiðrmaðr Kötkell faz um ritual combinando o Seiðr com um Galdr para conjurar
uma tempestade). Além disso, existem evidências de que rituais hierogâmicos faziam parte das
práticas do Seiðr, o que obviamente exigiria participação masculina. Minha teoria é que o uso
do transe e teor sexual do Seiðr teria escandalizado os cristãos em épocas de transição,
fazendo com que o estilo fosse demonizado e tornado exclusivamente “coisa de mulheres
indignas”.
Porém, ao falar sobre mistérios nórdicos associados a gênero, não podemos deixar de
mencionar as Völvur (profetisas). Assim como as pitonissas helênicas, era um cargo
exclusivamente exercido por mulheres e seu ritual oracular envolvia que a praticante entrasse
em um transe profundo, fazendo com que fossem associadas ao Seiðr. As sagas e eddas
costumam a retratá-las com muito respeito e temor, sendo sempre detentoras de segredos que
nem mesmo os deuses conhecem (como no poema Baldrs Draumar).
Embora os três mencionados acima sejam os mais populares, também é bom mencionar os
seguintes:
“Vegvísir”, um dos mais famosos galdrastáfur islandeses
Magia Islandesa: também chamada de “Galdrastáfir“, a magia escrita islandesa se
desenvolveu de forma única aos outros países nórdicos. Conhecida por seus intrincados sigilos
e amuletos, foi registrada principalmente em grimórios conhecidos como “Galdrabók” – um dos
fatores que os tornam controversos, uma vez que na maioria das vezes são fontes pouco
confiáveis dentro da magia. Na época em que se consolidou, a Islândia passava pelo processo
de cristianização – por isso, muitos sigilos são resultado da combinação das runas com
ciências ocultas populares do período medieval; essa mistura também é presente em
encantamentos em versos para ativar os sigilos, havendo por exemplo algumas fórmulas em
grimórios que incluem rezas para a Virgem Magia afastar “Óðinn, o Maligno”. Alguns apontam
que certos galdrastáfur teriam sido descobertos a partir da “tentativa&erro”. Sua estética é bem
conhecida, e pode derivar tanto da estilização pessoal do autor original quanto de tentativas de
“disfarçar” os sigilos (para que não evidenciassem o uso de runas, condenado a partir de
determinada época). Muitos magistas europeus que seguem o caminho nórdico buscam os
meios que eram feitos, e produzem galdrastáfur contemporâneos a partir destes registros.
Espero que estas pequenas introduções tenham tirado algumas dúvidas, e sirvam de ponto de
partida para pesquisas futuras!
As völvas são mulheres que nas tribos nórdicas desenvolviam funções *semelhantes* mas não
idênticas às dos xamãs. Elas tinham a liberdade de viajar e fazer oráculos, sendo bem
recebidas e gratificadas por seu saber. Ainda assim, não nos interessa falar das völvas em
geral aqui, mas de uma em particular, tamanha a sua importância: aquela que Óðinn foi buscar
no mundo dos mortos, em sua sede de conhecimento.
Descrita na Völuspá, a passagem pode ser uma alusão a mesmo uma viagem “xamanística” –
embora não estritamente xamânica – que o deus Caolho faz em busca de sabedoria. O próprio
processo de seiðr envolve esse ato de ir ao mundo dos mortos com perguntas em busca
respostas – e aqui abre-se uma brecha rápida para mencionar a GRANDE importância de Hel
como deusa dos que morreram -, e existe uma grande identidade entre o que a Völuspá narra e
aquilo que völvur ou seiðkonur praticam.
Isso dá-nos a oportunidade para uma coisa importante ser notada: é preciso compreender,
ainda que ligeiramente, o papel da mulher na sociedade e na Heiðni, ou forn siðr, a antiga
ritualística pagã do norte da Europa. Embora mulheres tivessem direito ao divórcio, à
propriedade, e em alguns casos ainda pudessem se representar na thing, cabe lembrar que a
maioria – mulheres pobres – ainda era forçada a se casar, o que só mudou ligeiramente com a
entrada do cristianismo.
Todavia, se a mulher histórica da Escandinávia possui essa complexidade, a Völva que Óðinn
chama dos mortos não tem tanta dificuldade em ser compreendida: ela conta a história do
nascimento dos nove mundos até o seu fim. E, por que Óðinn a invocaria sem uma razão
grande? Como o fato dela testemunhar os fatos que narrara? Essa Völva, essa grande völva,
ao contrário das mulheres das religiões reveladas que possuem um papel misto entre o
desastre, a irresponsabilidade e que contrastam com uma sexualidade desenfreada, é uma
grande sábia fora de todos esses padrões e é procurada por Óðinn tanto quanto Mimir, para
fins de aumentar o saber do velho Andarilho.
Essa völva que viu o fogo lamber o gelo primordial, que viu Ymir nascendo, que viu Auðumbla
dando-lhe de comer, que viu o primeiro Aesir saindo do gelo a partir das lambidas dela, é a
fonte de sabedoria desse poderoso deus, e chama a sua atenção por aquilo que tem a
oferecer. Óðinn, como um seiðmann, busca esse poderoso espírito para se instruir.
Assim, a Völva, e aquilo que ela aprendeu mexendo com espíritos é muito útil. Sonhos,
viagens, tudo isso serve na hora de contar suas histórias para Óðinn; e ainda assim ela é
conhecida só o suficiente para alguém poderoso, mas humilde procura-la. O que a Völva não
viu seu conhecimento das teias passadas e presentes do wyrd a faz inferir com precisão
cirúrgica do que está por vir.
Pois a Völva precisa ser manifestada naquilo que ela arquetipiza: a poderosa mulher livre,
sábia, autossuficiente, dona de si e do conhecimento universal – e perante a qual até mesmo o
Furor precisa partir em busca para chegar a um nível de saber superior.
Nota prévia do tradutor: Optamos por deixar a palavra “stave” sem tradução, uma vez que
essa palavra não possui um equivalente suficientemente bom em português. “Stave” está
relacionado tanto a um cajado ou bastão mágico, quanto à símbolos, glifos, sigilos ou qualquer
espécie de escrita/desenho com propósitos sobrenaturais.
Propriedades mágicas foram instiladas pelo criador do sigilo, muitas vezes um mago da velha
escola, bruxa/feiticeiro ou xamã. As lendas islandesas contam de magos, quase todos
escolarizados no exterior (Alemanha ou outros países nórdicos), com a finalidade de se
tornarem clérigos cristãos. A população geral era em grande parte analfabeta. Na Islândia,
essas pessoas eram chamadas de galdramenn ou seið-maðr/kona. Especula-se que
desenhariam, arranhariam, esculpiriam ou gravariam linhas e símbolos, muitas vezes de
caráter rúnico, e empregariam processos ritualísticos à medida que formassem os sigilos.
Use o senso comum. Como escrever uma runa em um pedaço de papel resolve alguma coisa?
Isso soa supersticioso não é? Por outro lado, se a runa é usada para provocar ação, ou outra
perspectiva, ou como um lembrete – então você vê que pode ter algum tipo de impacto. – Tyriel
2011
Antigo/Elder Futhark
(ca. 200 to 800 CE)
Futhark Dinamarquês
Modificado (ca. 1300 CE)
A seguinte pedra rúnica inscrita é datada do Era Viking, usando uma combinação transicional
de nova futhark e modificadas e inclui runas pontilhados de “m” – uma forma que pode explicar
os pontos vistos no símbolo vegvísir discutido mais tarde.
DR 68 (DK MJy 79) – AARHUS, MIDTJYLLAND 19
TRANSLITERAÇÃO:
(-)usti × auk × hufi × auk × þiR × frebiurn × risþu × stin × þonsi × eftiR ×
× osur × saksa × filaka × sin × harþa ×
kuþan × trik × saR × tu × × mana × mest × uniþikR ×
saR × ati × skib × miþ × arno +
TRADUÇÃO EM NÓRDICO:
[T]osti ok Hofi ok þeir Freybjôrn reistu stein þenna eptir
Ôzur Saxa, félaga sinn, harða
góðan dreng. Sá dó manna mest óníðingr,
sá átti skip með Arna.
TRADUÇÃO:
Tosti e Hofi e Freybjôrn, levantaram esta pedra em memória de
Ôzurr Saxão / (manejador de) Espada, seu parceiro, um
Bom homem valente. Ele morreu como o mais inocente dos homens;
Ele possuía um navio com Árni.
No entanto, há muito poucos registros escritos na Islândia antes de 1200 EC. A história foi
mantida pela narração de contos, que foram transmitidos através dos séculos. Foi só mais
tarde que alguns documentos de magia, as histórias e tradições foram escritos, incluindo a
Edda em Prosa, a Edda Poética e as Sagas dos islandeses nos séculos XIII e XIV. Grimórios,
livros de magia, raramente eram feitos ou mantidos, no entanto alguns sobreviveram. O melhor
deles é o Galdrabók, que fornece informações detalhadas sobre a criação dos sigilos. Todos
estes foram escritos usando caracteres latinos, embora muitas vezes a escrita antiga torna
difícil de ler. As runas aparecem como listas alfabéticas em manuscritos eruditos islandeses do
século XVII, mas a entrada mais significativa é o poema islandês de runas escrito
aproximadamente em 1300 EC.
Assim como Galdrastafir pode ser pagão, cristão ou nenhum, assim também poderiam ser
reivindicados de outro lugar ou serem recém-criados, ou uma combinação dos dois. Visto
várias vezes ao longo dos manuscritos islandês é o completo “quadro mágico Rotas-Sator”, ou
então instruções para recitar sator arepo tenet opera rotas, como parte da fórmula ao criar
um stave particular. Este quadro/verso mágico é datado ao longo do primeira milênio, mesmo
desde tempos romanos de Pompeu. Outro símbolo copiado é o “Escudo da Trindade”, usando
as palavras latinas Pater non est Filius non est Spiritus Sanctus. Este símbolo muito cristão
remonta ao início dos anos 1200.
7. Mantém a
5. A energia 6. “Amplifica” 8. Retorna
energia “concentrada”;
pode fluir para fora e ou “Carrega” a energia energia de volta à sua
‘Não-difundida’ e ‘não
é impedida de entrar à medida que percorre fonte
diluída’
1 * Greg Crowfoot difere aqui. Ele escreve: “O garfo de terminal rígido age para irradiar energia
mágica para fora e evitar o fluxo de retorno”. Este conflito é uma questão importante na
compreensão dos fluxos de energia de muitos galdrastafir, especialmente no sigilo Vegvísir.
Embora essas teorias sobre os fluxos de energia pareçam plausíveis, eu tendo a favorecer
minhas próprias ou outras teorias. Eu acredito que os copos para dentro e para fora estão a
invocar Deus ou deuses. Também estou bastante confiante de que um círculo normalmente
representa uma pessoa ou pessoas, com um círculo central sendo o Eu.
(No sentido
horário a partir do canto superior esquerdo) 1. Draumstafir – para sonhar com desejos ainda
não realizados, 2. Svefnthorn – coloca-se sobre o travesseiro de alguém para o fazer dormir, 3.
Óttastafur – para colocar medo em um inimigo, 4. Lukkustafir – má sorte ou prejuízo não virá a
qualquer um usá-lo. Fonte: O Manuscrito Huld
Publicado originalmente em inglês por Pollyanna Jones. Tradução de Sonne Heljarskinn.
O Galdrakver,
traduzido livremente como “pequeno livro mágico”, datado de 1670
A fim de compreender os símbolos islandeses, precisamos de olhar para a sua utilização no
seio da sociedade da Islândia.
A maioria dos símbolos e feitiços parecem ser para o uso em problemas simples da vida, desde
a captura de um ladrão, até derrubar um inimigo. Outros ajudam a curar o gado, enquanto
outros foram feitos para amaldiçoar os animais de outrem. Vemos também encantos para
ajudar a preservar alimentos e cerveja, símbolos para abençoar o portador com força ou
coragem, ou símbolos para ajudar com a pesca ou impedir a morte por afogamento.
Tudo isto pinta um retrato da vida na Islândia do século XVII. Com longos invernos escuros,
pouca terra arável para culturas e mares gelados, a vida aqui era implacável. A sorte parecia
brincar com seu papel na sociedade, e os habitantes fariam o possível para influenciar suas
próprias fortunas. Em tempos de fome, vizinhos seriam tentados a roubar uns dos outros, e as
disputas geralmente acabavam de forma violenta. A reputação e a capacidade de intimidar
parece ter sido um fator importante para a sobrevivência, e muitos símbolos foram criados para
permitir que o portador pudesse fazer isso ou lançar de volta negatividade sobre seu oponente
declarado. Foi uma época de muita superstição.
A bruxaria foi usada por alguns em segredo como “remédios populares” para uma situação
particular, enquanto outros praticavam mais abertamente, às vezes cobrando por seus
serviços. Ao utilizar estes símbolos místicos, um indivíduo sentia que era capaz de controlar e
influenciar a sua situação sem confronto direto.
Os manuscritos mais antigos datam do século XVII, com os outros sendo um pouco mais
jovens. Pensa-se que estes volumes registraram símbolos e fórmulas utilizadas ao redor da
Islândia por uma linhagem de determinada família, ou dentro de uma certa região. Assim, a sua
utilização pode ter sido muito mais velha do que os próprios manuscritos.
O Manuscrito Huld [1] contém várias páginas no início do tomo com tabelas de runas gravadas.
Isso mostra os vários estilos de runas que às vezes eram personalizadas pelo mago, que nos
ajuda a reconhecer o surgimento delas dentro de símbolos mágicos (stave symbols)
islandeses. Parece que muitos símbolos (staves) são feitos de moldes destas runas que
ampliam os efeitos do símbolo (symbol). Outros símbolos parecem não ter qualquer padrão
lógico por trás de sua forma, e é provável que foram criados por meio de “tentativa e erro” pelos
magos ao longo dos anos.
Entre os séculos XIV e XVII, as bruxas eram caçadas minuciosamente e julgadas e punidas por
suas artes de feitiçaria. Curiosamente, ao contrário da Europa continental, a maioria dos bruxos
islandeses que foram executados eram do sexo masculino; queimando na fogueira como
punição. As mulheres foram afogadas.
Como tantos outros exemplos de histeria e amargura, que atingiu o auge durante esses tempos
de perseguição, acusações de feitiçaria pareciam ser uma ferramenta poderosa para se livrar
dos inimigos e melhorar a sua própria situação. Um desses contos sugere uma superstição
maníaca, ou possivelmente uma vingança pessoal contra uma família.
Em 1656, em Kirkjuból (agora conhecido como Ísafjörður), um pastor chamado Jón Magnússon
estava sofrendo de problemas de saúde e outros infortúnios. Ele acusou dois membros de sua
congregação de feitiçaria contra ele. Os acusados eram pai e filho, ambos chamados Jón
Jónsson, que cantavam no coro da igreja. Depois de ser interrogado, o pai confessou ter usado
magia contra o pastor e ter um livro de magia em sua posse. Jón Jónsson júnior confessou
atacar a saúde do pastor, e de usar Fretrúner contra uma menina. O último foi um símbolo que
fez a tal peidar constantemente. Longe de ser uma piada, ele tinha a intenção de humilhar e
causar terrível desconforto abdominal. Os dois foram considerados culpados e foram
queimados na fogueira. Pastor Jón Magnússon foi premiado com todas as propriedades dos
Jónsson, mas depois acusou a filha de Jón Jónsson sênior (irmã de Jón Jónsson júnior) de
bruxaria, uma vez que sua saúde ainda continuava má. Thuridur Jónsdóttir foi julgada e não foi
considerada culpada. Ela fez um então um processo contra o Pastor e ganhou. Em
compensação, ela foi premiada com os pertences do Pastor [3].
A magia popular passou à clandestinidade, e tornou-se oculta. Alguns registros que existem
dos símbolos, as respectivas utilizações e outras práticas mágicas dos islandeses foram feitos
pelos tribunais durante esses julgamentos. Ironicamente, é esta atitude que preservou alguns
dos antigos costumes para o presente. Sem serem arquivados, eles simplesmente seriam
esquecidos ou teriam morrido com seus praticantes.
Foi só no século passado que se tornou mais seguro explorar as práticas de magia popular na
Europa e na Escandinávia. Embora ainda desaprovada como superstição e absurdo, os
símbolos islandeses têm tido um aumento na popularidade, particularmente dentro
descendentes de colonos americanos nórdicos e também heathens.
Os símbolos têm sido tema de livros por recentes autores esotéricos. Edred Thorsson foi
fundamental na ascenção destes símbolos em sua edição atual do “Galdrabok”. Outros que
figuram entre os tomos arcanos incluem “Aegishjalmur”, de Michael Kelly.
Muitos dos símbolos são utilizados em arte e decoração de louças, enquanto algumas pessoas
tornaram a tê-los tatuados em seus corpos. A cantora e compositora islandesa Björk tem o
símbolo Vegvísir tatuado em um dos braços.
Os símbolos islandeses têm evoluído ao longo dos séculos, e enquanto certamente
incorporaram runas nórdicas, eles não podem ser considerados exclusivamente da cultura
“Viking”, uma vez que eles são influenciados por outras práticas esotéricas do continente
europeu e de além dele.
Embora muitos dos símbolos aparecem com a arte nos corpos, há muita especulação e
confusão sobre sua autêntica aplicação. Para qualquer interessado em estudar os símbolos
islandeses de forma mais abrangente, eu recomendo fortemente a obtenção de cópias dos
tomos originais que podem ser encontrados na lista de fontes abaixo. Litografias dos livros
podem ser comprados a partir dda loja online do Museum of Icelandic Sorcery and Witchcraft’s.
Uma visualização discreta é aconselhada ao ver o vídeo acima, que apresenta itens dentro do
Museum of Icelandic Sorcery and Witchcraft. Contém partes do corpo humano.
Referências
[1] The Huld Manuscript http://handrit.is/en/manuscript/imaging/is/IB04-0383#0000r-FB
[2] Galdrakver http://handrit.is/en/manuscript/view/is/Lbs08-0143
[3] http://www.galdrasyning.is/
PORTUGUÊS
Seidhr – Magia dos Nórdicos
Essas pessoas eram geralmente mulheres e foram descritos nas Eddas como Völvur (islandês,
plural de Völva) ou Seiðkonur (islandês, plural de Seidkona). Outros termos foram dados a
essas pessoas, incluindo Spákona ou Spækona (usado para aquele que “fala”, ou seja, dá
profecias) e às vezes Vísendakona (mulher sábia).
Outros termos aplicados aos que trabalhavam com magia em toda a mitologia nórdica incluem
Seiðskratti (um feiticeiro “do mal”), Galdramaðr ou Galdrakarl (homem praticante de galdr),
Galdrasnót (mulher praticante de galdr) Gýgr, Fala, Hála, e Skaas (bruxa), Heiðr,
Fjölkyngiskona, e Vitka (feiticeira), Tauframaðr (lançador de encantos), e myrkriða (um
cavaleiro das Trevas) [2].
“Então eles foram enviados para duas parceiras bruxas, Heid e Hamglom, e pagaram-nas para
enviar sobre Fridthjof e seus homens uma tão poderosa tempestade que todos eles deveriam
ser destruídos. Assim, as bruxas cantaram suas canções de feitiçaria, e ascenderam a
fogueira com feitiços e encantamentos “. [3]
Cajados Assalariados
Histórias descrevem como um grande trono será tomado, e a Völva, com a ajuda de um
assistente (ou assistentes) entra em transe. Seu cajado pode ser batido contra o chão de uma
forma rítmica, ou um tambor pode ser tocado (conhecido como “bater em um vett”). Cantos
podem ser usados, particularmente um vardlokkur (ou vordlokur). O propósito desta canção é
atrair e capturar espíritos, e também proteger a Völva de danos durante o seu ritual. Fusos e
tecelagem também foram relacionados com magia, como estes ofícios estão associados às
Nornir que tecem a teia do Wyrd, que conecta tudo e todos.
“Já quando ela entrou todos se sentiram obrigados a oferecer-lhe cumprimentos formais e
próprios, os quais ela recebeu estando de acordo que seus concessores encontrassem favores
com ela. Mestre Thorkel levou a profetisa pela mão e conduziu-a para o assento que havia
sido preparado para ela. Thorkel então pediu-lhe para correr seus olhos sobre os membros da
família, o rebanho e do mesmo modo a casa. Ela tinha pouco a dizer a fazer sobre qualquer
coisa. Durante a noite, as mesas foram postas, e aquele alimento que foi preparado para a
vidente deve agora ser anunciado. Havia mingau feito para ela de colostro de cabra, e também
a carne do coração de todas as criaturas vivas que poderiam ser encontradas ali. Ela tinha
uma colher de bronze e uma faca feita do marfim do dente de uma morsa montada com um
anel duplo de cobre, com a ponta quebrada. Então, quando as mesas foram limpas, Thorkel
caminhou até Thorbjorg e perguntou o que ela achava daquela residência e o estado e
condição dos homens, e em quanto tempo ele seria informado sobre as coisas que ele tinha
perguntado a ela e que os homens queriam saber. Ela respondeu que não teria nada a
anunciar até a manhã seguinte, quando ela teria dormido ali a noite inteira. Mas no dia
seguinte, na parte final do dia, estava equipada com o aparato que ela precisava para realizar
seus feitiços. Pediu também para trazerem-na aquelas mulheres que detinham o conhecimento
necessário para a realização do feitiço, e eram conhecidas por Vordlokur. Mas nenhuma
dessas mulheres foi encontrada, por isso houve uma pesquisa feita na própria casa para
descobrir se alguém estava versado nestes assuntos. ‘Eu não sou versada em magia ‘, foi a
resposta de Gudrid,’ e eu não sou uma profetisa, ainda que Halldis, minha mãe adotiva, tenha
me ensinado na Islândia a tradição que ela chamou de Vordlokur .’…. As mulheres agora
formavam um círculo em torno de todos, enquanto Thorbjorg tomou seu lugar em cima da
plataforma de feitiços. Gudrid recitou o canto tão lindamente e bem que ninguém presente
poderia dizer que já ouvira o cântico recitado por uma voz mais bela “. [4]
Um praticante de magia poderia ser contratado para ajudar a melhorar a fortuna de uma
habitação, ou para amaldiçoar um inimigo. Não era incomum que fossem usados na guerra. Há
relatos do começo do primeiro século antes da era comum que descrevem o Cimbri, uma tribo
do que é hoje o sul da Dinamarca, usando magia em sua guerra:
“Suas esposas, que iriam acompanhá-los em suas expedições, foram assistidas por
sacerdotisas que eram videntes; estes tinham cabelos grisalhos, vestidas de branco, com
mantos de linho presos com fechos, cingidos com cintos de bronze, e descalças; agora a
espada na mão destas sacerdotisas se encontrava com os prisioneiros de guerra em todo o
acampamento, e tendo os coroado primeiro com grinaldas iriam guiá-los a um recipiente de
bronze de cerca de vinte ânforas, e eles tinham uma plataforma elevada que a sacerdotisa
subiria e, em seguida, inclinando-se sobre a chaleira, iria cortar a garganta de cada preso
depois de tê-lo erguido, e do sangue que derramou-se no vaso a frente algumas das
sacerdotisas poderiam fazer uma profecia, enquanto outros ainda abririam o corpo para uma
inspecção das entranhas para fazer uma profecia de vitória para o seu próprio povo, e durante
as batalhas que iria bater nos couros que foram esticados sobre as estruturas de vime das
carroças e, desta forma produzem um ruído sobrenatural”. [5]
Fonte: Freyja
Desperta Hyndla, de Hyndluljóð (1908)
Explicando o Seiðr
Rimando com “lathe” (torno), muitas tentativas foram feitas para traduzir a palavra Seiðr, mas
parece difícil de definir com qualquer nível de satisfação. Os irmãos Grimm traduziram como
“ferver” (to seethe) ou “por em ebulição” (to boil), enquanto outras traduções incluem “snare”
(rede ou armadilha), “cord” (corda, cabo ou linha), “a sitting” (sessão), e “to shout” (gritar).
“No antigo Norte uma raça de deuses e deusas, chamada pelos escandinavos de Vanir, era
adorada. Central para a sua teologia era a adoração do Senhor e Senhora, chamado em sua
língua Freyr e Freyja. A “mágica” ou tecnologia operativa espiritual, praticado por essas
divindades, especialmente a Senhora (Freyja) foi chamado Seiðr. Esta tecnologia mágica foi de
certo intimamente relacionado com, se não virtualmente idêntica com, aquilo que era
conhecido no mundo Inglês Antigo ou Anglo-Saxão como wiccecræft.” [6]
Katie Gerrard dá sua própria definição de Seiðr em seu livro, “Seiðr: A Porta Está Aberta”
(“Seidr: The Gate is Open”).
“Minha definição do termo seiðr para este livro, portanto, torna-se: seiðr é um termo que denota
ações sobrenaturais dentro das antigas sagas em nórdico antigo e é usado de uma maneira
similar às palavras ‘sorcery’ (feitiçaria) e ‘witchcraft’ (bruxaria). Seiðr em uma prática moderna,
portanto, torna-se rituais e ações que são inspirados pelos acontecimentos sobrenaturais
chamados de seiðr na literatura nórdica antiga.
“Em muitos casos, os rituais eram provavelmente misteriosos para os próprios escritores das
Sagas, que podem ter aprendido sobre eles a partir da história escrita ou narrativa oral” [7]
Forças Notáveis
Um praticante de Seiðr pode trabalhar com os espíritos locais em sua área. Conhecidos como
os espíritos da terra ou Landvættir, esses espíritos podem ser influenciados para o bem ou
para o mal por aqueles que têm um bom relacionamento ou sabe como trabalhar com eles.
Espíritos ancestrais, como as matriarcais Dísir também pode invocados.
De acordo com a mitologia, Freya ensinou a arte de Seiðr a Odin aparentemente em um ato de
amizade após a guerra entre os Aesir e Vanir ter acabado.
Freya usa um manto de penas de falcão para viajar, o que é visto como uma metáfora do
“trabalho de saída”, que um praticante de Seiðr usa para viajar enquanto está em transe para
buscar uma visão.
Embora seja difícil de definir, a magia nórdica pode ser classificada em três categorias
principais.
Eu prefiro descrever Seiðr como as habilidades que lidam com subconsciente. Isso pode incluir
a arte de glamoury e confusão para atordoar, truques mentais e psicológicos, incluindo um
repertório de algumas habilidades que agora estão sob o que hoje chamamos PNL,
consciência alterada, espíritos, viagens em transe, e manipulação da energia.
Spá pode ser considerado como o trabalho de um profeta ou vidente e abrange profecia e a
manipulação e influência do destino ou fado de uma pessoa.
Galdr abrange toda e qualquer prática mágica que usa o poder da vontade e da mente
consciente, que inclui magia de runas e cantos mágicos, remédios de cura, encantos e
maldições. É a parte da magia em que se foca a intenção em torno da palavra proferida ou
canto. Odin é o principal padroeiro de Galdr, já que foi para ele que as runas foram dadas.
O que foi dito acima é muitas vezes interpretado de maneiras diferentes, e não há nenhuma
definição consensual que prescreve uma disciplina mágica particular dentro de uma categoria
específica.
Essencialmente, não há muita. Há vários termos usados para aqueles que praticam o caminho
mágico do norte, mas a interpretação moderna resultou em certas pessoas categorizando a si
mesmas dentro deste com certos títulos.
Referências
[1] The Poetic Edda, The Lay of Hyndla (Hyndluljoth, Bellows Translation)
[2] The Viking Way: Religion and War in Late Iron Age Scandinavia, Dr Neil Price – ISBN 978-
1842172605
[Esta tradução é passível de críticas, e foi feita apenas para facilitar a leitura de quem não lê
em inglês. Está sujeita a imperfeições e aceita opiniões construtivas].
PORTUGUÊS
O legado do Seiðr: história, experiências e o caminho à frente
© 2013 Annette Høst and A Journal of Contemporary Shamanism
Traduzido por Sonne Heljarskinn, com permissão da autora
Durante os últimos 25 anos, a velha tradição xamânica nórdica chamada seiðr tem
experimentado um renascimento internacional. Diferentes grupos xamânicos e pagãos, bem
como indivíduos, têm vindo a explorar este património experimentalmente. Neste artigo, a
professora xamânica Annette Høst examina o seiðr tradicional, bem como o novo seiðr
perguntando: O que aprendemos sobre o velho e o novo seiðr? O que é preciso para fazer um
seiðr seguramente claro, respeitando a tradição? E, olhando para frente, quais as
possibilidades e os desafios que ele oferece para a prática xamânica de hoje e amanhã.
SEIÐR NÓRDICO ANTIGO
Seidr é originalmente uma tradição xamânica nórdica, ou poderia ser visto como uma forma de
magia escandinava antiga com fortes traços xamânicos. Seidr, em nórdico seiðr (pronuncia-se
algo como “sei-th”, onde “ð” é pronunciado como “th” em “there”), foi uma tradição viva usada
para a adivinhação e transformação até a Era Viking tardia e [Idade] média.
A estrutura ritual do seidr consiste de canção mágica [magic song], cajado [staff], e um assento
ritual [ritual seat]. É a combinação de todos os três elementos, usados de uma maneira
xamãnica, que dá a qualidade única de seidr.
Nossas únicas fontes escritas são pedaços e fragmentos nos poemas míticos das Edda, e as
sagas da Era Viking tardia e início da Idade Média. Nessa literatura um praticante de seiðr é
chamado de uma mulher-de-seiðr (seiðkona), homem-de-seiðr (seiðmaðr), ou vǫlva – o que
significa aquela que carrega um cajado [staff] – ou spákona, o que significa vidente. Por vezes,
a pessoa experiente na arte de seiðr é simplesmente chamada fjǫlkunnigr, ou seja, uma pessoa
perita na mágica. Os poemas éddicos e as sagas mencionam principalmente as mulheres
como praticantes de seiðr, mas isso poderia ter sido diferente em uma idade precoce. O seiðr é
muito mais antigo do que ambas as fontes escritas e os Vikings. Muito provavelmente, as suas
raízes estão em cultos da fertilidade na Idade do Ferro e xamanismo inicial, e a tradição, assim,
tem uma vida de mais de mil anos. Os textos antigos só nos oferecem vislumbres da prática em
seus últimos dias, e claramente ela deve ter sofrido muitas mudanças através de sua longa
vida.
Para imaginar como uma sessão seidr poderia se desenrolar na Era Viking, podemos recorrer
ao relato mais famoso de seidr, o de Thorbjörg Pequena-Volva na Saga de Eric o Vermelho.
Thorbjörg – uma experiente e profissional sábia e seiðkona – está sentada no assento [seat] de
seidr (seiðhiall) com seu cajado [staff]. As pessoas que a convocaram para ajudar a resolver os
problemas de doença e má sorte na caça em seu assentamento, cercam-na cantando a canção
[song] de seidr. Os aliados espirituais de Thorbjörg se reúnem ao redor dela, chamados pelo
canto que assombra, e a canção a transporta em um estado alterado de consciência, para o
mundo espiritual. Lá devemos imaginar como ela se encontra com espíritos, seres divinos ou
forças da natureza, pedindo ajuda em nome da comunidade sofredora, mas a saga é silenciosa
sobre esta parte íntima do ritual. Sua tarefa terminou, ela sinaliza para que a canção termine. A
saga então diz que ela canta (kuað) o resultado de sua magia: Tanto a saúde quanto a
fertilidade retornarão rapidamente ao assentamento. No “espaço” silencioso que acompanha a
canção, Thorbjörg ainda está entre os mundos e de lá dá respostas divinatórias (spá) às
perguntas que lhe são colocadas pelos indivíduos das fazendas sobre saúde, as colheitas e o
futuro.
A história de Thorbjörg nos fala sobre seidr feito como um grande ritual comunitário, mas o
seidr também pode ser feito com apenas algumas pessoas. Na Laxdoela Saga, Kotkel, Grima e
seus dois filhos fazem um seidr ao ar livre juntos, cantando músicas fortes levantando uma
tempestade para destruir um navio. Em outras sagas, Thuridr executa seidr para trazer peixes
de volta para um fiorde estéril, e Halgrim usa seidr para fazer seu machado-lança invencível. O
seidr pode ser feito sozinho na natureza, como as poucas dicas ambíguas no poema
éddico, Vǫluspá (A Visão da Vidente) podem estar indicando.
Como em todo o trabalho xamânico, há sempre um propósito para o seidr. E em suma, ele
pode ser usado para transformar, tanto para prejudicar quanto para curar, e para buscar visões,
incluindo o conhecimento sobre o futuro. Pesquisadores acadêmicos anteriores mantiveram a
visão de que o seidr com o propósito de mudança ou transformação é por natureza prejudicial,
magia negra. Não há mais sentido nessa afirmação do que reivindicações similares sobre o
trabalho xamânico como tal. Se um ato é prejudicial ou útil é determinado pela intenção do
praticante, não pelo método. Pesquisadores recentes nos últimos quinze anos parecem ter se
libertado da idéia de “seidr negro”. Isso ainda criou a incerteza entre estudantes de seidr
modernos, levando algumas comunidades a se contentar em fazer apenas seidr divinatório
para evitar todo o problema.
O seidr tem sido objeto de pesquisa acadêmica por várias gerações, e muitos aspectos da arte
ainda são discutidos, contestados ou completamente desconhecidos. Desde meados dos anos
oitenta/noventa, diferentes grupos e pessoas, dos círculos xamânicos às comunidades ásatrú,
se juntaram à pesquisa, perguntando: O que podemos aprender sobre o seidr, combinando o
conhecimento com a prática experiencial do próprio método?
Alguns pesquisadores e profissionais modernos vêem seidr como um termo genérico para toda
a magia nórdica, bem como um método distinto. Da maneira como eu entendo as fontes
escritas, lendo com olhos “xamânicos”, o seidr é um tipo de magia nórdica. Mas nem todos os
tipos de magia nórdica são seidr. Nas sagas iniciais pelo menos, o seidr é claramente distinto
de ambos os outros ramos da magia e da tradição xamânica noaide dos Sami.
Existem quatro ramos principais da magia descritos na tradição nórdica: galdr, magia rúnica,
seidr e utiseta. Utiseta (sentar-se durante a noite em busca de sabedoria) compartilha muitos
traços com as buscas de visão de outras culturas, e foi praticado por leigos, bem como
profissionais magicamente treinados. Galdr (uma arte de canto mágico), magia rúnica e seidr
são tradições mágicas qualificadas não encontradas em outras partes do mundo. São artes que
demandam treinamento substancial, mesmo profissional, para aprender. Froeði (traduzido por
habilidade [skill], sabedoria [wisdom]) é uma palavra usada tanto para referir-se à canção de
seidr quanto sobre outras habilidades mágicas, indicando que leva um certo esforço e
paciência para aprendê-las.
Chamo o que fazemos de novo seidr, reconhecendo que, naturalmente, deve ser diferente do
antigo. Meus pés estão plantados aqui no xamanismo moderno do Norte da Europa, e meu
objetivo nunca foi reconstruir o passado ou fazer o seiðr da Era Viking. Em vez disso, minha
paixão foi descobrir como ela funciona e então perguntar: O que a tradição seidr traz para as
práticas mágicas e espirituais de hoje, e que habilidades xamânicas exige de nós?
Hoje existem várias abordagens diferentes para o novo seidr. Eu me encontrei trabalhando com
seidr como um método distinto, definido como um trabalho xamânico usando
cajado [staff], música [song] e assento [seat] mágico em combinação, para ser coerente com as
fontes históricas e a tradição xamânica. Em outras palavras: há quatro S’s em um
seidr: Staff [cajado], Song [canção], Seat [assento] e Spirits [espíritos]. Se algum desses quatro
está faltando não é seidr como eu vejo, mas algum outro método que podemos chamar de
“inspirado em seidr”, em vez de seidr propriamente dito. Vamos dar uma olhada em cada um
dos elementos: música [song], cajado [staff] e assento [seat] para entender melhor como eles
agem em conjunto com os espíritos [spirits].
A canção de seidr
Em seidr usamos cantos em vez de toque de tambor para entrarmos em contato com o outro
mundo. Thorbjörg afirma que, sem cantar, os espíritos se afastam dela. E sem espíritos, ela
não pode “ver” para fazer o seidr. “Doce foi o canto” ou “ninguém presente nunca tinha ouvido
uma música mais equilibrada” são algumas das descrições das velhas canções de seidr. Em
outras vezes eles são referidos como “fortes” ou “ásperos”. Tanto naquela época quanto agora
a canção de seidr é conhecida por muitas vezes tornar-se extática.
Não foram transmitidas canções antigas de seiðr, então eu tive que me voltar para as tradições
relacionadas de canto mágico e ritual dos países nórdicos, especialmente o galdr nórdico,
o runolaulo finlandês, o joik sami, para aprender as velhas habilidades esquecidas de canto
mágico. O canto mágico tradicional caracteriza-se por ser repetitivo e contínuo por muito
tempo, facilitando assim o transe ou uma mudança de consciência, semelhante ao modo como
batidas de tambor funcionam. Este é o velho significado literal da
palavra encantamento [enchantment]. Hoje, isso é experimentado tanto pelo praticante de seidr
como pelos que cantam no círculo, e que, talvez pela primeira vez em suas vidas, conhecem a
experiência humana básica de deixar-se ir completamente no canto.
Em diferentes tipos de seidr, outras pessoas cantam para você, ou você pode cantar para si
mesmo em sua jornada. No exemplo da Laxdoela Saga mencionado anteriormente, a família
de Kotkel, como uma malha sem brechas unida, cantou seu próprio seidr. Tão importante, no
entanto, o cantar é freqüentemente usado pelo seidr-worker para se comunicar com os
participantes e para manifestar o resultado do trabalho do seidr. Quando Thorbjörg, por
exemplo, canta “Esta doença terminará mais cedo do que qualquer um de vocês espera!”, Ela
está fazendo mais do que relatar uma visão: ela está cantando isso na existência! As
mensagens cantadas, ao contrário das palavras faladas, têm uma maneira de ir diretamente ao
coração do ouvinte, sem ser primeiro filtradas pelo cérebro. É uma forma de transferir poder,
fortalecendo o impacto mágico e tocando profundamente o ouvinte.
Tanto na tradição espiritual nórdica como na celta, esta é uma forte característica conhecida
como poesia inspirada (“inspirada” no sentido literal), e é muitas vezes extática. Também é
usada em todo o mundo em rituais xamânicos de muitas tradições, incluindo a Sibéria e a
América do Sul. Facilita e fortalece nossa própria cura e outros trabalhos xamânicos modernos.
O Assento do Seidr
No passado, muitas vezes eu traduzi seiðhiall por “high seat” [assento alto] ao falar inglês,
como fazem muitas traduções escritas das fontes nórdicas. Mas esta tradução imprecisa
mistura dois termos, que historicamente e energeticamente são muito diferentes. Por exemplo,
no caso de Thorbjörg, ela é levada para o hásæti na noite em que ela chega. No dia seguinte,
fazendo o seidr, ela sobe para o seiðhiall. O assento alto de hásæti é um assento da honra
social no salão, mantido frequentemente na família por gerações. É ele deste mundo, um
assento VIP – cheio de ego. O assento de seidr, seiðhiall, é um assento mágico ou plataforma,
construído para a ocasião, e não tem espaço para o ego.
O cajado
O cajado [staff] (vǫlr, que deu nome à vǫlva) é – também literalmente falando – o centro
do seiðr. Quando você se senta no assento mágico em um mar de vozes humanas e
espirituais, ou senta-se nas visões da floresta twilit, é o cajado em suas mãos que segura a
direção de sua jornada e mantém você centrado. Ao mesmo tempo, o cajado é a sua terra,
como a Árvore da Vida, conectando terra e céu.
Na literatura antiga outra palavra usada para a cajado [staff] é gandr. Mas gandr também pode
significar espírito aliado, ou mágica, ou todos os três ao mesmo tempo. Como em uma
experiência xamânica onde a alma do cajado [staff] pode se transformar em um cavalo ou se
mover como uma cobra. No trabalho de seidr, é o lado interno do espírito que faz um cajado
[staff] poderoso, não como aparenta ser sua superfície exterior.
No entanto, um grande grupo seidr está longe de ser sempre o método mais adequado ou
eficaz. Tudo depende da tarefa. Muitas vezes uma versão mais simples – feito a portas
fechadas ou ao ar-livre – pode ser uma escolha melhor para a sua missão. Se vocês são
apenas algumas pessoas juntas, você pode ainda deixar uma pessoa viajar, carregada pela
canção dos outros.
Há também uma prática relacionada para quando você trabalha sozinho, que eu chamo seidr
solitário. O termo “seidr solitário” não é usado na literatura antiga, mas no poema
mítico Vǫluspá é indicado que tal método ritual foi usado. Se você o faz na natureza, seu
assento do seidr pôde ser uma rocha ou uma raiz de uma árvore. Com seu propósito ou
intenção claro em seu coração, você simplesmente senta-se com seu cajado e canta para si
mesmo em contato com o vento, a noite, com os animais e espíritos lá fora, e deixa suas
músicas se harmonizar com o seu espírito para guiá-lo e curá-lo.
Às vezes o caráter de um seidr é na maior parte delicado e claro. Mas de vez em quando, em
um forte e extático seidr você pode encontrar um poder bruto da natureza que vem da terra ou
girando na canção, correndo através do cajado [staff] ou você mesmo. E às vezes esse poder
tem um caráter claramente erótico ou sexual. Esta pode ser uma experiência espiritual
profunda em si mesma. Mas o ponto é que este é o poder que foi dado você a partir do
espírito-mundo para o propósito declarado de seu seidr, seja ele cura, transformação ou uma
visão mais profunda na teia da vida. E a maneira de lidar com isso é através da rendição sem
esquecer a sua missão. Para mim, este é o belo mistério crucial do seidr.
É digno de nota que toda a questão do ergi e da reputada falta de masculinidade teve mais
impacto nos círculos modernos que estudaram as sagas e a pesquisa acadêmica, e adotaram
sua visão de ergi antes de experimentá-la em primeira mão no seidr.
Minha compreensão pessoal é que ergi é uma maneira hábil de lidar com o poder do espírito
através da rendição focada, recebendo o poder e expressando-o magicamente. A perda
voluntária de controle, a união de êxtase e consciência, também é conhecida tanto pelo
antigo noaide dos Sami quanto pelo xamã siberiano. Hoje é experimentado de novo pelas
pessoas, que se aventuram no caminho do xamanismo. Devo enfatizar que um seidr,
especialmente para adivinhação, pode facilmente ser eficaz sem êxtase profundo e ergi: Tudo
depende da tarefa. O poder que precisa ser manuseado através de ergi só se revela de vez em
quando, e não é nem algo a temer nem perseguir.
Magia e heathenry
Estamos agora em um ponto onde sabemos o que é preciso para fazer um bom seidr, e
sabemos algo sobre as habilidades que ele exige de nós. Que possibilidades e desafios estão
à nossa frente agora? Por que queremos fazer seidr hoje?
Muitas vezes eu tenho visto que as pessoas estão em uma tal reverência pelo seidr porque ele
é uma antiga arte mágica do Norte da Europa, que eles querem usá-lo para tudo em sua
prática xamânica. Quando começarmos a nos familiarizar com isso, veremos que é realmente
apenas uma maneira de trabalhar em conjunto com espíritos e poderes da natureza. É outro
método xamânico ou ferramenta ritual em nosso kit de ferramentas. Quando você o incorpora
em sua prática você irá usá-lo somente quando é a ferramenta a mais apropriada para sua
tarefa dada. A pergunta é sempre: Será que funciona? Isso o aproxima do mistério e do poder?
Faz o trabalho? Com a canção [song], cajado [staff] e assento [seat] integrados em nosso
repertório xamânico juntamente com tambor, chocalho, dança, podemos nos tornar mais livres
para escolher a ferramenta ritual certa para a tarefa certa.
Como faço para censeguir treinar seidr? Perguntam-me muitas vezes. Minha resposta é que
todo treinamento xamânico é bom treinamento de seidr. Seu seidr não fica mais forte do que
sua prática de trabalho xamânica geral: sua conexão com seus espíritos aliados, suas
habilidades de viagem e sua capacidade de lidar com o poder.
Dito isto, aqui estão algumas sugestões de treinamento para sua inspiração: Encontre (ou
consiga ser encontrado por) um cajado [staff]. Um cajado [staff] mágico é seu companheiro de
viagem, seu guia espiritual. Familiarize-se com seu caado viajando com ele em ambos os
mundos. É o seu trabalho em conjunto como uma equipe que importa, mais ou menos da
maneira como você e o chocalho podem trabalhar juntos.
Além disso, consiga ficar confortável cantando suas experiências de viagem em voz alta
enquanto eles estão acontecendo. Durante séculos, xamãs em todo o mundo têm estado
simultaneamente falando ou cantando em voz alta seus encontros com espíritos e poderes.
Alguns praticantes modernos já estão acostumados a falar sua jornada em voz alta, por
exemplo, trabalhando com diferentes tipos de aconselhamento xamânico. Basta começar a
cantar em vez de falar, até que se torne uma forma natural de expressão.
Estes exercícios nos preparam para realizar um grande ou pequeno ritual de seidr. Eles
também são valiosas disciplinas xamânicas em seu próprio direito, e iram melhorar a nossa
arte xamânica e habilidades.
O caminho adiante
O seidr pode de fato renovar e inspirar nossa moderna prática xamânica de muitas maneiras.
Os maiores desafios que vejo para o novo seidr é que respeitamos a tradição e, ao mesmo
tempo, mantemos nosso foco nos aspectos atemporais. Como disse Gustav Mahler, “… a
tradição é a manutenção do fogo, não a adoração das cinzas.” Para mim, manter o fogo
significa manter o nosso seidr ritualmente simples, e livre do ritual “Viking” excessivo, liturgia e
romantismo. Em outras palavras: Mantê-lo simples, mantê-lo xamânico, mantê-lo perto da
natureza! Isso também significa que nós sustentamos que o seidr pertence a homens e
mulheres, deixando a angústia-ergi da idade de Viking descansar com os Vikings.
É fácil diluir uma prática e eu sinto que devemos lembrar de distinguir entre seidr e o trabalho
inspirado em seidr. Podemos fazer isso lembrando os quatro S’s em um seidr
completo: Song [canção], Staff [cajado], Seat [assento] e Spirits [espíritos].
Finalmente, para honrar o seidr é importante que respeitemos que a arte e as canções
são froeði, exigindo habilidade, e devemos tomar nosso tempo para aprendê-las bem. Vale a
pena fazer o esforço para fazer o nosso melhor com cada seidr, sabendo que os passos que
tomamos hoje criam a tradição do amanhã.
Este artigo foi escrito pela primeira vez para “A Journal of Contemporary Shamanism” Volume
6, Nr. 1, Primavera de 2013. Ver http://www.shamansociety.org
PORTUGUÊS
Vardlokkur – A Canção da Völva
As Nornas, de
Siegfried e o Crepúsculo dos Deuses. Arthur Rackham. Fonte: Wikimedia Commons
Publicado originalmente em inglês por Pollyanna Jones. Tradução para o português de Sonne
Heljarskinn.
As Videntes Nórdicas
A völva pode ser melhor descrita como uma espécie de vidente. Com algumas semelhanças na
prática com os noaidi do norte da Escandinávia, existem alguns debates sobre se essas
mulheres tiveram alguma influência dos métodos xamânicos dos povos do norte da Noruega e
da Suécia.
Estas mulheres seriam capazes de fazer profecias, ler presságios, falar com os mortos, e
interceder sobre os poderes ocultos do wyrd ou ‘carma’ para melhorar as chances de uma
pessoa aumentar a sua riqueza e reputação. Elas trabalhariam com as Nornir, e seriam
capazes de ler e até mesmo influenciar os fios tecidos (do destino). Como as fadas madrinhas
do conto de fadas popular da Bela Adormecida, uma völva iria abençoar um recém-nascido
com dotes de caráter. Elas também tinham o poder para manejar e batalhar com forças
invisíveis para o mal ou bem.
Havia no povoado uma mulher cujo nome era Thorbjorg. Ela era uma profetisa (spae-queen), e
foi chamada Litilvolva (“sibilinha“, pequena profetisa). Ela tinha nove irmãs, e todas elas eram
spae-queens, e ela era a única que ainda vivia …
… E quando o (próximo) dia já estava bem avançado, foram realizados para ela os
preparativos que ela solicitou para exercer seus encantamentos. Ela rogou-lhes para trazerem-
na as mulheres que estavam familiarizadas com a sabedoria (lore) necessária para o exercício
dos encantamentos, e que são conhecidas pelo nome de Canções Misteriosas (Vardlokkur),
mas nenhuma dessas mulheres destacou-se. Com isso, foi pesquisada em toda a propriedade
se alguma mulher teria então aprendido (as Vardlokkur).
Então respondeu Gudrid, “Eu não sou habilitada nos ensinamentos profundos, nem eu sou
uma mulher-sábia, embora Halldis, minha mãe adotiva, me ensinou, na Islândia, a sabedoria
(lore) que ela chamou de Canções Misteriosas”
“Então és detentora do saber em boa hora”, respondeu Thorbjorg; mas Gudrid respondeu:
“Esse conhecimento e a cerimônia são de uma tal natureza que eu tenciono não tomar parte
disso, pois eu sou uma mulher cristã.”
Então respondeu Thorbjorg, “tu poderias talvez pagar a tua ajuda para os homens dessa gente,
e ainda não será uma mulher pior do que eras antes; mas para Thorkell ceder eu providencio
aqui as coisas que são necessárias.”
Thorkell pediu logo após isso para Gudrid consentir, e ela cedeu aos seus desejos. As
mulheres formaram um anel em torno deles, e Thorbjorg subiu ao cadafalso e o assento
preparado para os encantamentos dela. Então Gudrid cantou a canção-misteriosa de uma
maneira tão bela e excelente, que ali a ninguém pareceu que tinha antes ouvido a canção em
voz tão bonita como agora.
A spae-queen agradeceu-lhe pela canção. “Muitos espíritos”, disse ela, “estiveram presentes
sob seu encanto, e ficamos satisfeitos por ouvir a música, que antes iria se desviar de nós, e
sem conceder-nos tal homenagem. E agora muitas coisas estão claras para mim que antes
estavam escondidas tanto de mim quanto dos outros. E eu sou capaz de dizer isso, que a
escassez não vai mais durar muito, a temporada há de melhorar com o avanço da primavera. A
epidemia de febre que há muito oprime-nos vai desaparecer mais rápido do que se poderia
esperar. E tu, Gudrid, vou recompensar logo, por esta ajuda tua que nos colocou em uma boa
situação, porque o teu destino está agora claro para mim, e eu o previ. Deverás ter uma união
aqui na Groenlândia, a mais honorável de todas, embora não haja uma longa vida aqui para ti,
porquanto o teu caminho encontra-se fora da Islândia; e ali, há de surgir a partir de ti uma linha
de descendentes tão numerosa e boa, e ao longo dos ramos da tua família deve brilhar um raio
luminoso. E assim agora passarás bem e felizmente, minha filha.” [1]
Na categoria mágica mais ampla de Seiðr, que descreve a magia nórdica,está uma prática que
é conhecida como Spá, que cobre profecia e mediunidade.
O Spá é mais comumente realizado por um völva, que entra em um estado alterado de
consciência e fala com os espíritos. Ela pode lançar seu manto sobre si mesma para melhorar
sua concentração. Ela poderia metaforicamente fazer o manto de Freya para viajar em uma
jornada espiritual, a qual poderia incluir terras distantes, ou mesmo para outros reinos do
universo nórdico.
A sessão espiritual (seance) da völva incluiria a mulher que toma uma posição sobre uma
plataforma ou Alto Trono (High Seat), enquanto batia o cajado no solo de uma forma rítmica.
Um tambor poderia ser usado. A völva ou seu assistente iria cantar uma vardlokkur, que é uma
canção ritual usada para ajudar a sessão. Na saga de Erik, o Vermelho, a canção é descrita
como soando amável e cativante. No entanto, na Saga de Hrolf [2], ela é descrita como sendo
um som terrível.
As mensagens serão entregues durante ou após o ritual, para as pessoas da casa que tinham
solicitado os serviços do völva. Estas poderiam ser geralmente em resposta a um problema
particular, ou mensagens dos falecidos, ou mesmo poderes sobrenaturais ou deuses.
O Significado da Canção
É também usado para proteger a völva de maus espíritos ou energias prejudiciais, embora
muitos que praticam esta arte dentro da senda espiritual nórdica reconstruída também podem
realizar as precauções adicionais de proteção antes de descer, tais como falar com as suas
Dísir, pedindo um guia Ancestral ou entidade nomeada para ajudá-los, ou a criação de um
círculo de proteção.
Lokkur neste contexto significa uma atração, ou algo que é usado para atrair, do verbo “ad
lokka”. Ele não se traduz como “canção espiritual”, como algumas teorias estabeleceram.
Assim, “vardlokkur” é um meio de atrair e seduzir espíritos, e que também tem um propósito de
proteção.
Nós não podemos dizer com certeza com o que a vardlokkur parecia. Aqueles que usam isso
em seu próprio trabalho espiritual nos tempos modernos, tomaram influências dos Saami yoik,
cantos guturais nórdicos, e outras tradições ritualísticas populares do norte da Europa. Alguns
buscaram inspiração ainda mais longe.
Nós sabemos que havia algo chamado “batidas de vett”. Isto poderia ser um cajado golpeado
ritmicamente no solo, um tambor tocado com um batedor. Chocalhos poderiam também ser
usados.
Dependendo do tipo de energias que estão sendo forçadas, poderíamos especular os estilos
de cantoria usados. Para fins mais agressivos, então o “som terrível” da saga de Hrolf seria
esperado. Para rituais suaves, como a cura ou o acolhimento dos espíritos para ver a chegada
de um novo bebê, então uma canção mais semelhante a uma cantiga de ninar poderia ser
usada.
Infelizmente, enquanto nós temos registros dos mitos nórdicos, não temos exemplos claros de
vardlokkur gravados. Nós só podemos imaginar, olhando para músicas e estilos de canções
folclóricas das regiões onde as völur poderiam ter andado.
Exemplos de Estilos Musicais que Podem Ser Usados para uma Vardlokkur
Abaixo estão alguns vídeos de artistas que usam estilos tradicionais e espirituais em sua
música. Muitos destes são de inspiração àqueles que estão na senda espiritual nórdica. Uma
vardlokkur pode ter usado algumas dessas técnicas de canto, e outras pistas, como o uso de
um cajado ou de tambor, e os vocais de um assistente.
Runas
Como homenagem ao Andarilho Cinzento que propicia àqueles que estiverem dispostos a
entender suas antigas runas, que falam sobre a vida, honra, coragem, glória e a morte.
As palavras são chaves que abrem conceitos, ideias, entendimentos. Entender a origem e
evolução de uma palavra ajuda a compreender mais profunda e corretamente o que uma coisa
significou ou significa em determinada cultura. Muitas vezes ideias
que superficialmente parecem compreensíveis em si mesmas, aprofundando-se em sua
história, revelam nuances inimagináveis que nos aproximam do acesso a um mistério, uma
sabedoria, um conselho ancestral, uma runa. De uma discussão com Ravn, do Platinorum, do
qual ele também produziu um texto do ponto de vista magístico (link), surgiu essa análise.
Mas, o que seria uma “runa”? Em boa parte dos idiomas germânicos atestados a palavra surge,
vinda do proto-germânico *rūnō, o qual significa “segredo, mistério”, a partir do qual se deriva o
segundo significado, como “letra, caractere do alfabeto rúnico germânico”. O termo tem origem
no proto-indo-europeu *rēwH-, que significa “rugir, resmungar, murmurar, sussurrar” e tem uma
possível origem como uma onomatopeia, ou seja, imitação de som natural não-verbal.
Compare com o latim rūmor, que além do significado como “rumor” carrega a maioria das
mesmas conotações do termo proto-indo-europeu com o qual tem uma origem em comum com
o termo *rūnō proto-germânico.
Nos idiomas germânicos, *rūnō deu origem ao termo gótico rúna, “conselho, mistério”; o saxão
antigo rúna, “conselho, conferência”; o alto-alemão antigo rûna, “sussurro, mistério, letra”.
Todavia, os sentidos dos derivados de *rūnō parecem sempre mais associados, primeiramente,
a mistério, e só então a algum tipo de símbolo gráfico, geralmente entalhado, nos tempos
pagãos. Isso fica mais evidente analisando os derivados de *rūnō nos dois idiomas germânicos
mais bem preservados: nórdico antigo e inglês antigo.
Voltando a Bēowulf, encontramos o composto mais interessante e que requer uma melhor
atenção: rūnwita. No poema encontramos:
[…] Dēad is Æschere,
Yrmenlāfes yldra brōþor,
mīn rūnwita ond mīn rǣdbora,
Eaxlgestealla […] (versos 1323-1326).
(“Æschere está morto, o irmão mais velho de Yrmenlāf, meu sábio em conselhos e aquele
que me traz recomendações, o companheiro de ombro…”).
(Muitos foram, os que as suas mentes pediram, que eles comecem a considerar a palavra de
deus/a boa palavra, os mistérios, de que o poderoso Cristo sob a humanidade realizou
milagres com palavras e com obras).
A segunda ideia geral associada às letras rúnicas é a que vem do proto-germânico *stabaz.
Esse termo originariamente significa algo como “pau, galho, vareta, cajado”. Dá origem à
diversos termos, que veremos mais detalhadamente:
Em nórdico antigo, stafr é um “cajado, poste em um prédio”, veja-se a expressão ganga við
staf, “andar com cajado”, ou uma “letra escrita, sinal”. No plural, stafir é “sabedoria,
conhecimento, tradição (lore), sabedoria”, veja-se o termo fornir stafir, “antiga tradição”,
“antigas coisas que se dizia”. Staf aparece em compostos como stafróf, “alfabeto”, stafanǫfn,
“nomes de letras”, stafsetning, “arranjo das letras”, stafaskipti, transposição de
letras, stafasnúning, “metátese (troca de lugares de fonemas ou sílabas dentro de uma
palavra)”.
Cabe lembrar aqui que os germânicos usavam primariamente dois materiais para escrita: a
pedra, em construções permanentes como túmulos, e galhos de madeira, de forma similar a
que usamos o papel, para carregar mensagens. A associação de letras e galhos ainda é vista
até hoje, por exemplo, no alto-alemão moderno, na palavra Buchstabe, ou, numa grosseira
tradução literal, “graveto-do-livro”, que significa “letra”, e invoca a associação da escrita antiga
em galhos ou o seu formato reto, ou ambas as coisas.
A dialética de rúnar e stafir no Hávamál
No Codex Regius, do século XIII, foi preservado um dos poemas mais conhecidos entre
os heathens e outros pagãos germânicos: o Hávamál, escrito em nórdico antigo, é um
compêndio de vários poemas diferentes agrupados em conjunto, e sua temática central são
conselhos do deus Óðinn. Vamos analisar alguns dos seus versos onde rúnar e stafir são
mencionados, comparando seus significados e usos, tendo em mente a discussão feita até
aqui. As traduções são de minha autoria, feitas literalmente para se destacar o imaginário e
lógica do pensamento do autor original, e então será feita a discussão dos significados.
annars konu
teygðu þér aldregi
eyrarúnu at (estrofe 115).
(a mulher de outro nunca seduza para [ser] segredo de orelha (amante) para si).
[…] góðan mann
teygðu þér at gamanrúnum
ok nem líknargaldr meðan þú lifir (estrofe 120)
(conquiste para si com jogos de palavras (charadas) um bom homem e aprenda
encantamentos de ajuda durante sua vida).
Aqui encontramos a primeira situação mais complexa do uso do termo rúnar. “Um bom homem”
é o que se visa obter com o uso de gamanrúnar, e em seguida são mencionados
os líknargaldr onde galdrar podem ser “encantamentos” ou “magia”. O texto então parece
trabalhar um dúbio sentido para rúnar, embora um dos sentidos pareça ser mais proeminente:
o de charadas, ficando a magia em segundo lugar, embora não descartada.
Gaman é cognato do termo inglês antigo gamen, e ambos significam “alegria, prazer, regozijo,
esporte, passatempo”, o qual deu origem ao inglês moderno game. Em inglês antigo, no Codex
Exoniensis ou, como é mais conhecido, Livro de Exeter do século XI, encontramos dezenas de
charadas (riddles), jogos de adivinhações onde o interlocutor é convidado a pensar no
significado do enigma proposto de forma poética e dizer ao que ele se
refere. Gamanrúnar então pode ser sugestivo de se conquistar a amizade de uma boa pessoa
através de brincadeiras, enigmas, e isso não seria uma oposição às traduções que comumente
sugerem “palavras alegres” ou “palavras agradáveis”, mas um aprofundamento do significado
disso, uma vez que essa era uma forma de diversão da época.
Gamanrúnar como “charadas” aqui pode ter sido usada num sentido similar mas mais
específico, a estratégia de sedução então não seriam somente palavras agradáveis, mas
charadas, brincadeiras com palavras e a imaginação e conhecimento. Creio que o sentido
de gamanrúnar aqui esteja em algo no meio entre “palavras agradáveis”, ou “charadas para
divertir”.
Na seguinte menção de rúnar é a primeira vez que isso acontece de maneira mais claramente
definida, possibilitando uma interpretação que não só dá margem de entendê-las como letras,
como na estrofe 115, o começo do Loddfáfnismál, mas mesmo joga a interpretação quase
inequivocamente neste sentido, ao discutir uma sequência de crenças populares da época que
serviam como remédios para problemas do cotidiano, como doenças, bruxaria, etc., no qual
diz-se que
Substituindo-se aqui “letras rúnicas” por “conhecimento, sabedoria, mistério” teríamos um efeito
similar, porém, todas as outras ferramentas de defesa contra os males na estrofe são de
natureza física, para problemas físicos; é mais sugestivo então que esse mistério ou sabedoria
tenha sido materializado, condensado em forma material: transformado em letras rúnicas. É
sugestivo de se crer que um encantamento escrito ao estilo do Encantamento das nove
ervas, Contra um disparo de elfo, ou Contra um anão, encontrados nos livros de cura
tradicional anglo-saxões, mas mais resumido, como em evidências arqueológicas como o Cinto
de Pforzen, onde runas entalhadas contam uma passagem com possíveis fins encantatórios,
teriam sido usadas para se repelir maldições.
A partir daqui entramos no Rúnatal, a quinta parte do Hávamál, onde relata-se a famosa
passagem de Óðinn pendurado na árvore, privado de comida e bebida, até que, em primeira
pessoa, relata-se que
nam ek upp rúnar
œpandi nam fell ek aptr þaðan (estrofe 139)
(peguei (e levantei) os mistérios, gritando os peguei e caí (para trás) dali).
Nesse sentido, é provável que aqui Óðinn tenha acessado a sabedoria ancestral através do
seu sacrifício, sendo a técnica da escrita de caráter secundário: aprendendo-se o mistério, a
forma de escrevê-lo viria como consequência, como parte disso, e isso ficará mais evidente
quando comparado com a estrofe 142, que veremos adiante.
Esta passagem, novamente, apoia e é apoiada pelas estrofes 139 e 142. Óðinn deixa claro que
ele entalha (rísta) runas, o verbo usado evoca o ato de cavar sulcos sob uma superfície. A
sabedoria ancestral é um encantamento necromântico, aqui, no qual Óðinn é capaz de fazer
um cadáver voltar a andar e falar, ideia suportada pelos aptrgangar ou draugar, algo similar ao
que entendemos como “morto-vivo” contemporaneamente, que são literalmente “aqueles que
caminham após a morte (no mundo dos vivos, e com seu corpo material)”. O encantamento é
traduzido e inscrito por Óðinn na forma de letras rúnicas, gravando no seu alvo as palavras
mágicas capazes de trazê-lo de volta à vida. Todavia, você só pode gravá-las em runas se
passar pelo processo de aprendizado do mistério.
As passagens a seguir são relacionadas aos stafir, esses sim mais inequivocamente voltados a
letras escritas, onde referem-se às palavras ditas como um kenning, ao oposto do que
acontece com rúnar:
Hinn er sæll
er sér of getr
lof ok líknstafi (estrofe 8)
(É bem-afortunado aquele que para si consegue elogios e letras de agrado).
Logo na primeira aparição na oitava estrofe, os stafir são usados “letras (rúnicas)”. Comumente
após a morte de pessoas renomadas eram erigidas pedras rúnicas em sua homenagem, e
durante a sua vida eram cantadas canções e poemas retratando suas histórias. Isso casa
perfeitamente com os dois termos usados: lof seriam os elogios, canções de louvor
dos skalds aos heróis e pessoas com boa fama, enquanto líknstafir seriam possivelmente
palavras usadas post mortem, eternizando em inscrições o feito e a fama dessas pessoas.
Na seguinte aparição de stafir, todavia, elas aparecem como um kenning, é um tanto fora de
contexto definir stafir aqui como símbolos escritos, dado que toda a discussão se centra na
prudência do uso da fala:
staðlausu stafi (estrofe 29)
(palavras (letras) sem fundamento).
Toda essa passagem lida com uma gama de complexos significados. A análise completa da
passagem só parece mais esclarecida se considerarmos que o significado primário de rúnar é
“mistério” e de stáfir é “letra rúnica, caractere gravado sobre uma superfície e que pode ser
lido”. Óðinn aqui sugere de maneira quase indubitável que o mistério é a primeira coisa a se
encontrar, para então chegar às letras de conselho, as letras importantes e “rígidas”. Os ráðnir
stafir, por sua vez, são as letras que quando lidas, desvendam conselhos. Stórir stafir são letras
“grandiosas, amplas, vastas, poderosas, importantes”, pois são capazes de codificar e
materializar o mistério. Já as stinnir stáfir são letras “rígidas, fixadas, determinadas”: letras que
estão bem estabelecidas, por um poder divino, pintadas pelo grande sábio (fimbulþulr) Óðinn.
Teoria
Após verificarmos com detalhes a forma que rúnar, rūne e outros termos são usados, é
possível se compreender que:
Dessa forma, uma “runa” ou “conselho” pode ser acessada através de diversas
formas, inclusive através de fontes escritas nas quais foram registradas, embora, muitas vezes,
essas runas sejam apenas fragmentos daquilo que foram no passado, atestadas de forma
indireta ou não intencional por escritores medievais, as quais podemos ter acesso em diversas
fontes como a poesia e prosa dos povos germânicos, encantamentos e livros de medicina
popular, registros arqueológicos, etc. Tudo aquilo que é capaz de nos fornecer informações
sobre a antiga tradição é uma runa.
As runas estão, assim, em diversos locais: elas podem ser acessadas através do contato com
a natureza, através dos escritos medievais, através de nossa experiência prática, de nosso dia-
a-dia. Uma runa é um conhecimento que é transmitido, e boa parte desse conhecimento foi
compilado no Hávamál, mas também em outras fontes.
Na era dos Vikings (800-1100 da Era Comum), a Escandinávia usou um alfabeto rúnico
conhecido como Novo ou Younger Futhark (fuþark). Ele era composto por 16 símbolos sonoros
conhecidos como runas. O Novo Futhark desenvolveu-se a partir do Antigo ou Elder Futhark
(150 a 800 da Era Comum), uma forma mais antiga de linguagem germânica composta por 24
runas. Ambos os alfabetos são chamados após as primeiras seis runas F-U-þ-A-R-K. O Novo
Futhark é basicamente a forma escrita do Nórdico Antigo – a língua dos Vikings.
O Novo Futhark tornou-se conhecido em toda a Europa como o ‘Alfabeto dos Nórdicos’. Ele
está dividido em dois conjuntos:
Você notará que as seis primeiras runas de cada futhark são idênticas. As runas do ramo longo
eram formais e geralmente usadas para documentos oficiais ou públicos, mas o galho curto,
sendo informal e um pouco mais fácil de escrever, era usado em cartas pessoais e
comunicação privada.
F fe riqueza
U ur chuva
A as/oss deus
R reid cavalgar
K kaun úlcera
H hagal granizo
N naud constrangimento
I iss gelo
A ar abundância
S sol Sol
T tyr Týr
B bjarkan bétula
m madr homem
L logr água
Estes nomes e sons foram classificados em um Poema Rúnico Islandês de 1500 da Era
Comum. Embora exista também um Poema Rúnico Norueguês (uma cópia do século 17 de um
manuscrito original do século XIII), o Poema Rúnico Islandês é considerado mais autêntico,
pois vem de um catálogo do ano 900 da Era Comum, chamado Abecedarium Nordmannicum.
O poema foi traduzido [para o inglês] por B. Dickins e publicado em 1915.
Cada verso do poema tem o som e o nome da runa, seguido de uma explicação do seu
significado.
Hagall er kaldakorn
Hagall, ‘granizo’
ok krapadrífa
Grão frio e chuva
ok snáka sótt.
De granizo e doença de serpentes.
grando hildingr.
Há também uma forma simplificada que se chama runas “sem linhas”. O uso apenas dos
risquinhos do Novo Futhark para um formato minimalista.
Runas Norueguesas
Embora o Novo Futhark Dinamarquês e Sueco-Norueguês sejam considerados runas “padrão”,
cada área desenvolve sua própria variação, assim como os dialetos. Mesmo que houvesse
vários ‘ramos’, apenas alguns deles são conhecidos. O diagrama abaixo é considerado uma
variação das Runas Norueguesas:
Mesmo que a Era Viking tenha terminado (em grande parte devido à introdução do cristianismo
na Escandinávia – com os métodos de ‘conversão pela espada’ de Santo Olav), o Nórdico
Antigo continuou a seu desenvolvimento para as línguas escandinavas. Para consternação da
igreja, runas vikings foram comumente usadas até o século XV. Em algumas partes da
Noruega, as runas ainda estavam sendo usadas ainda no século XVIII. Os calendários e a
decoração rúnicos foram realmente utilizados tão tardiamente quanto o início do século XX.
Os dois principais motivos pelas quais as runas foram ‘chutadas’ primeiro do uso formal e então
do uso em geral, foi a introdução do alfabeto latino e o esforço de livrar a Escandinávia da
prática pagã da magia rúnica. As runas foram usadas pela primeira vez como um sistema de
escrita, mas os vikings acreditavam que o nórdico antigo era um presente do divino – uma
crença da mitologia nórdica. Os vikings adotaram o significado de ‘segredo, algo escondido’
para as runas e costumavam escrever encantamentos e maldições – a palavra de feitiços mais
comum sendo ‘alu’, que geralmente era escrita em amuletos.
Houve alguns anéis vikings encontrados com inscrições de poder mágico (pense em Senhor
dos Aneis). O Anel Kingmoor foi encontrado no noroeste da Inglaterra em 1817 com uma
inscrição que se traduz em um feitiço de proteção para ‘estancamento de sangue’.
Algumas runestones (tabletes de pedra) têm feitiços para afastar o mal e alguns podem ter sido
feitos como ‘oráculos’. As ‘runas da vitória’ também foram esculpidas em espadas para garantir
vitórias gloriosas. As plaquetas de runas foram usadas para contar destinos. Um monge cristão
chamado Rimbert relata de sobre Vikings desenhando a sorte para decidir qual cidade
conquistar. As plaquetas foram marcadas com sangue ‘sacrificial’ e jogados como dados. O
lance seria lido para dar um resultado positivo ou negativo.
Um dos últimos métodos dos escritos rúnicos é o bastão calendário norueguês conhecido como
Primstav. Desenvolvido no começo dos tempos dos Vikings, um primstav foi tipicamente usado
para acompanhar os dias da estação de crescimento. Como os dias de sol são diferentes em
cada região da Noruega, cada fazendeiro ou aldeia teve seu próprio primstav para marcar o
tempo para a semeadura de sementes. Durante o inverno, os agricultores entalharam os dias
em um bastão quando o sol não aparecia no horizonte até o dia em que ele voltava a aparecer.
Isso ajudou os agricultores a se preparar para a estação de crescimento.
Um exemplo de primstav.
Tornou-se comum que as runas marcassem dias e festas pagãs especiais no stav. As imagens
também foram usadas para representar dias diferentes. Quando o cristianismo atingiu o norte,
tornou-se importante marcar dias espirituais no stav, como os domingos e os dias santos.
Embora o cristianismo tenha estado em pleno andamento em 1500, as imagens e símbolos
pagãos foram mantidos nos stavs como parte da cultura antiga, mas também a igreja adotou
celebrações pagãs e lhes deu um significado religioso.
Escrevendo em runas
A maneira de traduzir o idioma moderno para as runas dos vikings é escrever fonicamente. Não
há letras silenciosas ou duplas na escrita em runas, então ignore essas letras na sua tradução.
As palavras são escritas sem espaçamento ou com um ponto entre cada letra. As palavras
completas podem ter um espaço, um ponto duplo ou um ponto triplo entre elas. É melhor não
misturar runas, ou seja, use o ramo longo, galho curto ou sem linhas, mas não misture e
combine, pois você perderá a estética.
Elder Futhark
Retornando à magia rúnica, hoje falaremos do Elder Futhark – o alfabeto rúnico mais popular
entre os praticantes contemporâneos. Composto de 24 runas, foi estruturado a partir dos
significados dos nomes de cada uma em proto-germânico e do poema anglo-saxão. Esta é
uma rápida apresentação das principais propriedades associadas às runas deste alfabeto.
Sendo o primeiro alfabeto rúnico de que temos notícia, foi usado até por volta de 750 D.C. (ou
até a Era Viking). Acredita-se que tenha surgido de uma combinação entre antigos sinais já
usados pelos povos germânicos e os alfabetos de povos com que tinham contatos comerciais.
Era usado para escrever o idioma proto-germânico, e é importante lembrar que muito pouco
restou desta época; a maioria das frases e palavras nessa língua são reconstruídas. Uma vez
que o proto-germânico possui sons e regras que mudaram na transição de épocas, para a
escrita em nórdico antigo (o idioma da Era Viking, e em que foram registradas originalmente as
eddas) o younger futhark seria mais adequado.
Como sistema magístico, o elder futhark se mostra como um dos preferidos dos praticantes
atuais; seja por ser o mais antigo, ou pela quantidade de runas que ele oferece trazer também
mais facilidade. Como poemas rúnicos referentes diretamente à ele foram perdidos, costumam
a embasá-lo no anglo-saxão – que inclui todas as runas do elder futhark, porém com 5
adicionais referentes ao idioma saxão antigo. Embora tenha sido registrado em um período
pós-conversão, o poema possui uma mistura de referências cristãs e pagãs (como se referir
“ao Senhor” quando fala do divino, porém citando simbologias claramente pagãs); acredita-se
que tenha sido modificado de um original antigo para ser aceito pela igreja.
Novamente reforçando, é importante definir bem o alfabeto com que trabalharemos antes de
começar uma prática magística; temos não apenas divergências de significados (às vezes
sutis, às vezes grandes) como também alguns caracteres que se referem à outro fonema em
cada um. Para apresentar os usos magísticos mais comuns para cada runa, usarei a tradução
de Márcio Alessandro Moreira para o poema rúnico anglo-saxão e apresentarei seus nomes
tanto em proto-germânico quanto saxão; porém, os versos referentes às 5 runas adicionais não
encontradas no elder futhark foram omitidos. Também só serão apresentadas as formas proto-
germânicas de grafia das runas.
Fehu [Gado]
Valor fonético: f
Fehu possui um significado material forte, sendo muitas vezes empregada em trabalhos
voltados para a prosperidade. Porém, também é uma runa que puxa energia motora e desperta
o movimento; por isso, muitas vezes é usada para dar o “impulso inicial” em um projeto. Sua
ligação com o gado faz com que possua ser associada ao deus vane Freyr.
Uruz [Auroque]
Valor fonético: u
Nome anglo-saxão: Úr [Auroque]
“Os auroques são orgulhosos e têm chifres grandes; é uma besta muito selvagem e combate
com seus chifres; um grande ranger dos pântanos; é uma criatura de muita coragem”
O auroque era um tipo antigo de bovino, provavelmente caçado pelos germânicos e associado
com ritos de passagem de meninos. Devido à força associada com esse animal, esta runa
ganhou uma atribuição de saúde e é muito usada para feitiços de cura. Pela associação com
ritos de maioridade, também pode ser usada para catalizar mudanças e evoluções.
Þurisaz [Gigante]
Valor fonético: þ/ð
Nome anglo-saxão: Þorn [Espinho]
Embora haja uma diferença notável na associação proto-germânica à anglo-saxã, para ambos
os povos esta permanece como uma runa de agressividade. Associada também ao deus Þórr,
pode ser usada tanto para o ataque (como o martelo do deus, ou uma tempestade) quanto para
defesa (como a associação com os espinhos); além de funcionar como contra-feitiço,
rebatendo intenções hostis. Porém, o potencial destrutivo de Þurisaz pode facilmente sair de
controle e se voltar contra o magista caso não seja usada com o devido foco e concentração.
Ansuz [Divindade áss]
Valor fonético: a
Nome anglo-saxão: Os [Boca]
Valor fonético: r
Nome anglo-saxão: Rad [Viagem]
“A viagem parece fácil a todo guerreiro enquanto estiver no salão, e com muita coragem que
ele atravessa as grandes estradas nas costas de um cavalo robusto.”
Em todos os poemas esta runa está ligada ao movimento. Pode ser usada para trazer
estabilidade, controlando e ordenando as circunstâncias ao nosso redor para permitir avanço.
Também é capaz de mudar o ritmo de acontecimentos, tornado-os mais rápidos (além de
acelerar o efeito de outras runas quando associada).
Kenaz [Tocha]
Valor fonético: k
Nome anglo-saxão: Cen [Tocha]
“A tocha é conhecida de todo homem vivo pela sua palidez, flama brilhante; sempre arde onde
os príncipes se sentam junto dela.”
Associada com o fogo, é apontada como uma oposta à runa Isa. Por trazer o calor, é capaz de
gerar entusiasmo e energia nas pessoas. Assim como uma tocha ilumina caminhos, Kenaz é
capaz de trazer estímulo mental e facilitar a compreensão. Além disso, também pode ser útil
em rituais que buscam purificação ou afastar influências negativas.
Gebo [Presente]
Valor fonético: g
Nome anglo-saxão: Gyfu [Generosidade]
O principal uso atribuído à runa dos presentes é na composição de bandrúnar, onde outras
runas são distribuídas em suas pontas. Também pode ser usada como um atrativo de
abundância e dos aspectos positivos de outra runa, sendo muito comum em amuletos de sorte.
Ainda pode ser vista como uma runa de união, que traz a harmonia em um grupo ou relação.
Wunjo [Alegria]
Valor fonético: w/v
“A felicidade aprecia aquele que sabe viver sem sofrimento, tristeza ou ansiedade, e tem
prosperidade, felicidade e uma casa suficientemente boa.”
Uma runa muito positiva, associada à vitórias. Atratora do sucesso, é capaz de promover
alegria e otimismo nas pessoas. Outro uso recorrente é no reforço de uma relação positiva,
criando laços de amizade ou gerando ligações empáticas. Alguns apontam que seria uma runa
recorrente em amuletos voltados para o amor.
Hagalaz [Granizo]
Valor fonético: h
“O granizo é a mais branca das sementes; é girada da abóbada do céu e é lançada entre as
rajadas do vento e então derrete na água.”
A chuva de granizo era um evento muito temido antigamente, por causa dos danos que
causavam às propriedades e plantações. Por isso, Hagalaz é uma runa que representa fatores
externos e fora do nosso controle, porém que diretamente nos afetam – muitas vezes causando
rupturas. Magisticamente, pode ser usada para nos adaptarmos melhor à estes fatores ou
mesmo para ter algum controle – mesmo que apenas para amenizar seus impactos. Também
pode ser usada como uma catalisadora de mudanças.
Naudiz [Necessidade]
Valor fonético: n
Embora seja associada à bloqueios, Naudiz também é associada com fogueiras e outras
sinalizações que eram usadas para pedir ajuda. Podemos usar esta runa para obter resiliência
em momentos difíceis, além de ajudar a chamar uma ajuda externa para a resolução do
problema. Também pode ser usada para remover amarras e impedimentos em nossos
caminhos.
Isa [Gelo]
Valor fonético: i
Jera [Ano ou Colheita]
Valor fonético: j
“O verão é uma alegria aos homens, quando Deus, o rei santo do Céu, padece a terra para
trazer frutas brilhantes para os ricos e para os pobres.”
Jera representa os grandes ciclos das estações, sendo capaz de promover um crescimento
próspero – lento, porém contínuo. Sua associação com colheitas também faz com que seja
vista como uma runa fertilizadora, que promove a geração de idéias e traz abundância. Ao usá-
la, é necessário lembrar que a natureza possui seu próprio ritmo e deve ser respeitado – não é
uma runa de ação rápida.
Eihwaz [Teixo]
Valor fonético: ei
“O teixo é uma árvore com casca áspera, dura e firme na terra, suportada por suas raízes, uma
guardiã da flama e uma alegria em uma propriedade.”
Uma das árvores usadas para representar a própria Yggdrasill, o teixo é uma árvore lembrada
por sua resistência e por permanecer verde mesmo no inverno. Esta runa é vista como uma
transmutadora, capaz não apenas de promover a perseverança e tenacidade como também de
renovar e regenerar. Também é uma runa de proteção, porém apresenta uma agressividade
que exige cautela.
Valor fonético: p
Algiz [Proteção]
Nome anglo-saxão: Eolh-secg [Junco]
“O junco pode ser encontrado em um pântano; cresce na água e faz uma ferida horrível,
cobrindo com sangue todo guerreiro que toca-la.”
Outro nome proto-germânico para esta runa é “Elhaz” (“alce“), sendo esta a principal runa de
proteção; muitos sigilos contemporâneos voltados para isto a tomam como base. Funciona
como uma via de mão dupla; além de fortalecer e proteger o usuário, também agirá rebatendo
intenções agressivas.
Sowilo [Sol]
Valor fonético: s
“O Sol é sempre uma alegria para os navegadores quando frequentemente viajam sobre o
cardume dos peixes, até o curso das terras profundas dos ursos.”
A runa solar, é uma atratora do sucesso e fortalecedora, energizando a mente do usuário. Ela
permite ter uma maior clareza e entendimento da situação, encontrando o melhor caminho para
prosseguir. Também é usada em processos de purificação e para afastar energias de
estagnação.
Tiwaz [deus Týr]
Valor fonético: t
Nome anglo-saxão: Tir [Týr]
“Týr é uma estrela-guia; que mantém a fé com os príncipes; está sempre em seu curso sobre
as névoas da noite e nunca falha.”
Uma runa de justiça associada diretamente com Týr, o deus que domou o lobo
Fenrir. Irá impregnar o invocador com o espírito do áss, tornando-o corajoso e o impulsionando
para a vitória; além de poder ser usada para resolver uma situação onde alguém foi injustiçado.
Porém, a índole da divindade jamais pode ser ignorada; Týr é um deus de auto-sacrifício, e
corrigirá a conduta de todas as partes envolvidas.
Berkano [Bétula]
Valor fonético: b
“A bétula não carrega nenhum fruto; ainda que sem semente traz adiante brotos, que para ela
é gerado de suas folhas. Esplêndidas são suas folhas e gloriosamente adornadas e sua coroa
elevada alcança aos céus.”
Ehwaz [Cavalo]
Valor fonético: e
Nome anglo-saxão: Eh [Cavalo]
“O cavalo é uma alegria dos príncipes na presença dos guerreiros. Um cavalo no orgulho de
seus cascos, quando homens ricos sobre o dorso do cavalo reúnem palavras sobre ele; e é
sempre uma fonte do conforto ao impaciente.”
Outra runa associada com rapidez, sendo usada para remoção de obstáculos e facilitar
mudanças. Alguns gostam de associá-la a Sleipnir, o cavalo de Óðinn, e por isso usam Ehwaz
como uma facilitadora de projeção astral. Por causa da ligação cavalo-cavaleiro, muitos a
consideram uma runa de conciliação.
Mannaz [Homem]
Valor fonético: m
“O homem alegre é querido por seus parentes; ainda cada homem é julgado ao falhar com seu
companheiro, desde que o Senhor por seu decreto cometerá uma destruição desprezível á
terra.”
Laguz [Água]
Valor fonético: l
Nome anglo-saxão: Lagu [Oceano]
A simbologia de água e oceano de Laguz cria uma ligação entre esta runa e nosso
subconsciente, sendo uma runa introspectiva que pode melhorar nossa compreensão interior e
intuição. Também pode ser usada para acalmar nossas emoções. Muitos apontam que esta
runa possui uma propriedade capaz de ampliar o magnetismo pessoal.
Valor fonético: ng
“Ing foi primeiro visto pelos homens entre os Dinamarqueses do Leste, até que, seguido por
seu carro, ele partiu ao oriente sobre as ondas. Então os Heardingas nomeou o herói.”
Yngvi é um herói da Yngling Saga, o fundador da dinastia Yngling, muitas vezes associado com
o deus vane Freyr. É outra runa de fertilidade, capaz de conter em si energias que serão
liberadas posteriormente. Por causa disso, alguns gostam de usar o seu traçado
como perímetro magicamente isolado, para deixar em seu centro amuletos em processo de
ativação ou objetos para consagração por exemplo. Também é usada para ter foco e
centralizar o pensamento.
Othala [Propriedade]
Valor fonético: o
“Uma propriedade é muito querida por todo homem, se ele puder apreciá-la em sua casa tudo
o que é direito e apropriado na constante prosperidade.”
Enquanto Fehu pode ser vista como a energia potencial e liberada para um objetivo, Othala
pode ser vista como este objetivo concretizado ou o retorno que ele trouxe. É uma runa de
prosperidade, porém voltada para empreendimentos duradouros. Por causa disso, também era
usada para a proteção de lares e propriedades. Pode ser associada com os ancestrais, e por
isso ajudar na reconexão com eles.
Dagaz [Dia]
Valor fonético: d
A runa do dia promove uma plena conclusão. Tal qual a noite termina e vem o amanhecer,
pode ser usada para fechar ciclos e superar dificuldades. Também é vista como uma
canalizadora de inspiração, com potencial para promover transformações e ampliar a
percepção sutil de seu usuário.
Este é um pequeno resumo com algumas propriedades do Elder Futhark; pode ser usado
como um ponto de partida para estudos práticos. Para quem quiser se aprofundar no uso
magístico, este é o alfabeto com mais bibliografia disponível – porém praticamente nada em
português; recomendo Futhark (de Edred Thorsson) e Teutonic Magic (de Kveldulf
Gundarsson), ambos apresentando sistemas ligeiramente diferentes baseados no Elder
Futhark de acordo com a visão de cada autor. Aos que procuram sobre o uso oracular, temos
em português o livro O Oráculo Sagrado das Runas, também de Edred Thorsson.
“Então eu comecei a entender/e fiquei sábio/e cresci e prosperei muito bem,/minhas palavras a
partir de palavras/e palavras encontrei,/minhas proezas a partir de proezas/e proezas
encontrei.” – Hávamál (“Palavras do Altíssimo”), stanza 144; trad.Elton Medeiros
Younger Futhark.
Como dito em posts anteriores, existiram mais de um alfabeto rúnico (“futhark“) no decorrer da
história, além de diversas variações regionais. Através dos Poemas Rúnicos que chegaram até
nós e das mudanças nos próprios nomes usados às runas, é possível entender cada alfabeto
como um sistema magístico próprio. Hoje, analisaremos o Younger Futhark e seus usos.
Adotado na Escandinávia durante a Era Viking (por volta de 750-1100 D.C.) e usado também
na Islândia, é nesse alfabeto em que foram gravadas a maioria das inscrições rúnicas
encontradas por arqueólogos hoje. Constituído de 16 runas, é uma simplificação do Elder
Futhark (de 24 runas, usado entre 50-750 D.C.) voltado para comportar mudanças lingüísticas
acontecendo no início deste período.
A maioria dos livros voltados para magia nórdica trata apenas do Elder Futhark, dando pouca
atenção a outros alfabetos rúnicos. Embora alguns deles indiquem que as runas de outros
alfabetos sejam apenas caracteres variantes do Elder Futhark (por exemplo, apontando o
desenho da runa “kaun” do Younger Futhark como apenas uma variação para a runa “kenaz”
do Elder), isso é uma simplificação muito grande do potencial que os diferentes alfabetos
podem nos fornecer e desconsidera aspectos como as diferenças do significado atribuído a
runas de mesmo valor fonético em Poemas Rúnicos diferentes. Por isso, devemos prestar
bastante atenção ao escolhido durante uma prática.
Apontarei aqui algumas possibilidades para o uso magístico para o Younger Futhark, junto de
dois Poemas Rúnicos que tratam dele – o Norueguês e o Islandês, abreviados respectivamente
para “P.R.N” e “P.R.I”. A tradução usada para os versos é a de Márcio Alessandro Moreira. As
formas apresentadas para as runas são as mais comuns de ocorrerem na época, havendo em
alguns casos variações regionais.
Fé [Riqueza]
Valor fonético: f
Fé é uma runa com ênfase material muito grande, sendo útil em trabalhos voltados para
prosperidade. Muitos também a vêem como algo para acumular energias que serão liberadas
posteriormente, e também a associam com vitalidade.
Úr [Escória ou Chuva]
Valor fonético: u/o/v
Devido ao verso norueguês, Úr é associada com purificação – remover aquilo que enfraquece,
mesmo que seja dolorido, e deixar a força aparecer. É ligada a resistência, tenacidade e força
de vontade pela associação com a rena sobre um terreno difícil de ser percorrido. Alguns
autores defendem que ela manteria o mesmo aspecto curativo da Uruz do Elder Futhark.
Þurs [Gigante]
Valor fonético: þ/ð
“O gigante causa angústia para mulheres; infortúnio faz poucos homens felizes.” – P.R.N
“O gigante é a tortura das mulheres; e o habitante da montanha; e o marido de Varðrúna.” –
P.R.I
Uma runa agressiva, sua associação com gigantes pode ser vista também como forças da
natureza (como tempestades). Apesar disso, alguns autores apontam que sua forma é parecida
com a de símbolos usados para o Mjölnir, o martelo de Þórr – por isso, pode ser uma boa runa
para equilibrar e direcionar forças destrutivas. Também é frequentemente usada como contra-
feitiço. É preciso muito foco e cuidado ao utilizar suas forças, uma vez que podem facilmente
sair de controle.
Valor fonético: æ/á/ó
A palavra “Áss” é o singular para “Æsir”, e assume-se que o poema islandês fale
especificamente sobre Óðinn. Pode ser usada para obter conhecimento, inspiração artística e
estados de êxtase, facilitar o aprendizado ou agir de forma mais astuta. Pela significação
norueguesa, também podemos associar essa runa com jornadas e vê-la como uma facilitadora
de projeção astral.
Reið [Montar]
“Montar é dito ser a pior coisa para os cavalos; Reginn forjou a melhor espada.” – P.R.N
Associada com movimento, pode ser usada para ditar o ritmo de algo – normalmente,
acelerando acontecimentos. Em conjunto com outras runas, tende a tornar suas ações mais
rápidas. Também pode ser usada para obter conselhos e facilitar encontrar os melhores
caminhos para uma solução.
Kaun [Úlcera]
Valor fonético: k
Hagall [Granizo]
Valor fonético: h
“O Granizo é o mais frio dos grãos; Kristr criou o velho mundo.” – P.R.N
“Granizo é a semente fria; uma chuva de granizo; e a doença das cobras.” – P.R.I
Esta runa costuma a nos lembrar de fatores externos, além do nosso controle, mas que nos
afetam diretamente tal qual uma chuva de granizo sobre a plantação. Magisticamente, pode ser
usada para nos proporcionar o entendimento de tais fatores ou um controle mínimo, que
permita amenizar seus impactos. Seu desenho também foi usado como um sinal de proteção
por muitos povos germânicos, e é apontado como a base para muitos bandrúnar.
Nauð [Necessidade]
Valor fonético: n
Nauð é uma runa que representa amarras e momentos em que estamos com poucos recursos
para agir. Ela nos ensina a lidar com a necessidade, e pode ser usada para remover bloqueios.
Também é um poderoso meio de aliviar o stress e outras perturbações para nossas mentes.
Íss [Gelo]
Valor fonético: i/e/j
“Gelo, nós chamamos a ampla ponte; o homem cego deve ser conduzido.” – P.R.N
“O gelo é a barca dos rios; o telhado das ondas; e destruição do sentenciado.” – P.R.I
Valor fonético: a
“A plenitude é boa para os homens; eu digo que Froði foi generoso.” – P.R.N
Ár é uma runa de generosidade, representando o efeito das estações e a boa colheita. Seu uso
magístico pode promover um crescimento lento, porém contínuo; sincronizado com os ciclos
naturais. Além disso, também pode ser usada para promover a paz e harmonia.
Sól [Sol]
Valor fonético: s
Týr [deus Týr]
Valor fonético: t/d/nd
Esta runa leva o nome do deus Týr, que perde sua mão enquanto prendia o lobo Fenrir. Pode
ser usada para trazer vitória, coragem e para justiça; porém é devemos nos atentar ao invocar
sua força, pois sacrifícios podem ser necessários. Além disso, caso não haja plena certeza de
nosso mérito e da retidão dos nossos atos ao usá-la, pode acabar se voltando contra o usuário.
Bjarkan [Bétula]
Valor fonético: b/p/mb
“A bétula tem as folhas mais verdes do que qualquer arbusto; Loki foi afortunado em sua
decepção.” – P.R.N
A bétula era cortada pelos escandinavos para usar como lenha e aquecer as casas, o que fez
com que esta runa recebesse associações com abrigo e maternidade. Através dela, podemos
obter a proteção e o conforto de um abrigo seguro e aquecido. Também pode ser usada em
processos de concepção, facilitando a concretização de algo que ainda está em seus estados
iniciais.
Maðr [Homem]
Valor fonético: m
Esta runa nos lembra da importância das relações entre as pessoas. Seu uso pode promover
harmonia e união entre grupos. Também pode atrair ajuda externa quando precisamos, ou ser
usada para equilibrar nossa personalidade e tornar mais fácil a convivência com os outros.
Lögr [Cachoeira ou Água]
Valor fonético: l
“A cachoeira é o rio que cai de um lado da montanha; mas ornamentos são de ouro.” – P.R.N
Ýr [Teixo]
Uma runa muito poderosa, pois além de servir como madeira para arcos e flechas (como o
poema islandês nos lembra) o teixo também é a árvore que é referenciada como a Yggdrasill –
que a Völuspá aponta estar “sempre verde”, assim como o poema norueguês cita. Ýr é uma
runa tanto de proteção quanto de ataque. Também pode ser usada para obter resistência e
superar dificuldades que se impõem em nosso caminho, e para melhorar o contato com o
espiritual.
Fica esta rápida introdução a um alfabeto rúnico diferente do Elder Futhark. Busquem conhecer
diferentes alfabetos e poemas rúnicos, antigos ou contemporâneos, enquanto desvendamos
essa dádiva que Óðinn nos concedeu.
Bindrunes Nórdicas
PORTUGUÊS
Bindrunes Nórdicas
Publicado originalmente por Justin Foster.
Tradução por Sonne Heljarskinn.
Inicialmente usadas durante a Era Viking em lápides nórdicas gradualmente caiu em desuso,
juntamente com todos os outros escritos rúnicos, exceto na Islândia, onde a tradição continuou.
Não só eles foram usados lá com a finalidade de escrever em geral, mas eles também foram
usados na magia, incluindo encantos, feitiços e seus Galdrastafir – símbolos mágicos.
Datado do século XVII, esta lápide rúnica tem alguns caracteres usando letras latinas (o “H” e o
“BR”), bem como várias bindrunes. O bind “er” aparece várias vezes e emprega sobreposição
considerável das runas “e” e “r”, o “son” mostra que a colocação de runa (por exemplo, uma
ordem de cima para baixo) não é rigorosa e com o bind “ar” nem é a direção que uma runa está
se voltando (à esquerda ou à direita). Essa última regra exigiria cautela devido à runa “a” ser
um espelho da runa “n” e a runa “t” sendo um espelho da runa “l”.
Também digno de nota é a runa “s” estranha visualmente na palavra final “blessan”. Tem sido
sugerido que estas são em vez disso, runas “z” muito raras. Finalmente, eu não consegui
encontrar qualquer cidade de Stórholt em Skagafjarðar ainda que as fontes afirmem que a
pedra foi encontrada enterrada no pátio da igreja Stórholt em 1918 e mais tarde transferida
para o Museu Nacional.
IS IR;145 (I) -Fragmento de Lápide, século XVII
Também do século XVII, esta é uma de duas partes encontradas perto da porta da igreja da
paróquia de Holt no condado de Ísafjarðar na Islândia. Desenhos passados mostram que a
segunda peça tinha o nome de Bjarn também escrito com uma bindrune.
JS 149 fol 24r JS 149 fol 66r JS 149 fol 108r
Einkaeign Stafabók:
Rún pág. 34v
O Caminho às Runas
Todas as ilustrações deste artigo são de autoria de Nataša Ilinčić (Sim, vemos muito ela por
aqui…)
“Eu sei que eu pendi/numa árvore balançada pelo vento/por nove noites inteiras,/ferido por
uma lança,/e dedicado a Odin,/eu mesmo a mim mesmo;/naquela árvore/que não sei/de onde
suas raízes vêm.” – Hávamál (“Palavras do Altíssimo”), stanza 138; trad.Elton Medeiros
Como eu já disse em textos anteriores, os sistemas de magia nórdica estão profundamente
amarrados com a religiosidade pagã germânica e é impossível dissociar um do outro. E os
versos que abrem o Rúnatál já nos falam sobre um processo interno, de você com você
mesmo, envolvendo a Yggdrasill – é o momento em que o aspirante à mestre-rúnico se envolve
com a religiosidade, começando a compreender a visão de mundo pagã e a estrutura da
Árvore. Isso também envolve compreender a estrutura nórdica para a alma (com aspectos
como o óðr) e a percepção sobre o Destino.
Depois, é necessário buscar uma proximidade com um dos Deuses da Magia – no caso das
runas, Óðinn (em um processo voltado para seiðr, por exemplo, a divindade buscada teria que
ser Freyja). Ao estudar a faceta de mago do Fimbulþulr*, não apenas aprendemos um pouco
sobre como a magia por si só funciona e está estruturada – compreendemos seu preço.
Mesmo o Hávi* precisou fazer profundos sacrifícios para obter o poder da magia. Ocorrerem
mudanças em nós mesmos quando passamos por este tipo de processo, e precisamos estar
abertos para isso.
Por isso, não adianta outra pessoa declarar alguém um “iniciado em runas”. É um processo
muito pessoal, onde apenas você é capaz de dizer se as compreendeu ou não. Ter o apoio de
um grupo, seja um voltado apenas ao estudo magístico ou realmente um kindred (ou “ætt”, um
grupo de culto ásatrú), pode ajudar e facilitar o processo – porém em essência, estamos
sozinhos nele.
Isso faz muitas pessoas se perguntarem se o Ásatrú é uma “religião de segredos”. Realmente,
não existem “segredos” para a prática do paganismo, é uma religião sem “véus” que apenas
poucos podem enxergar além – porém, no RúnatálÓðinn faz diversas perguntas e não nos dá
respostas, principalmente no verso 144 (que pode ser chamado, justamente, de “Os Oito
Segredos”). Falamos em “segredos” (lembrando que a palavra “rún” significa “segredo” em
nórdico antigo) na magia porque são questões que envolvem autodescoberta e onde cada
pessoa encontrará sua própria resposta para elas; não obtemos progresso ao apenas seguir as
respostas de outras pessoas. Algumas vezes, as respostas são ligadas a experiências, coisas
que não podemos colocar em palavras; uma boa associação seria quanto a diferença entre
assistir o show de uma banda pela TV ou PC, e presencia-lo pessoalmente – a transmissão ou
uma boa descrição não são capazes de substituir a experiência de estar lá.
“Você sabe como deve entalhar?/Você sabe como deve interpretar?/Você sabe como deve
pintar?/Você sabe como deve testar?/Você sabe como deve perguntar?/Você sabe como deve
sacrificar?/Você sabe como deve enviar?/Você sabe como deve cessar?”
– Hávamál (“Palavras do Altíssimo”),stanza 144; trad.Elton Medeiros
E como podemos descobrir as respostas de tantas perguntas? Há apenas um meio: estudar e
praticar. Ao buscarem as runas, lembrem-se do preço que o conhecimento exige. Estejam
prontos para um sacrifício de vocês para vocês mesmos, se abram para as mudanças que a
assimilação da visão de mundo pagã provoca e depois para a inspiração que o Velho Caolho
causa nos aspirantes à mestres-rúnicos. Deixem o óðr cantar enquanto buscam as respostas e
a magia dentro de si, no mundo e em Óðinn.
Por Seaxdēor
Na edição anterior da revista Heathen Brasil foi-me sugerido fazer algo como que uma sessão
exclusiva para falar sobre uma runa a cada número. Apesar de agradecer a sugestão, sou
obrigado a declinar, mas não por desconsideração, e sim pelo papel que as runas têm na
minha prática.
No lugar disso, vamos bem brevemente analisar uma forma reconstruída de usar as runas,
baseadas no uso que os antigos pagãos davam para elas. Mas, por que isso?
A maioria das pessoas que entra no paganismo associa runas com leitura de futuro, com
previsões, e veja, lá pelos meados de 2011 quando eu estava no começo do meu contato e
não conhecia muitas coisas em muitos detalhes, eu escrevi um poema épico chamado Nauta
Umbrarum, onde um mago tirava runas e dizia o futuro. Eu mesmo tirei runas para mim várias
vezes, e eu posso dizer que isso funciona, mas, para mim, funcionar não é medida de
satisfação.
Então, se você tira runas para ler o futuro, tudo bem. Este texto não é uma apologia contra o
seu uso das runas, ele apenas mostra que existem outras formas de uso delas.
A atual forma que a maioria dos pagãos no Brasil (e possivelmente no mundo) usa runas é
baseada em última instância na forma que Johannes Bureus, um sueco do século XVII propôs
em seu livro Adalruna rediviva, de 1605. Bureus foi um típico expoente do sincretismo platônico
da renascença: ele combinou o estudo de esoterismo prático (mágica, amuletos, astrologia e
alquimia) com um interesse em teosofia, Kabbalah, hermetismo e chilaísmo. Sua contribuição
mais original foi tentar encontrar e descrever uma Kabbalah nórdica baseada em ruas, a qual
incluía tópicos alquímicos.
Isso inspirou o arianista Guido von List na criação de suas “runas armanen”, às quais ele alega
terem sido reveladas a ele através de divinações. Segundo von List elas seriam baseadas nos
18 encantamentos de Óðinn descritos no Hávamál.
As runas armanen influenciaram várias esotéricos até que nos anos 80 Ralph Blum, baseado
no sistema de divinação “I Ching” chinês, criou o sistema de leitura de runas baseada em
pecinhas individuais, no que foi logo recebido calorosamente por Diana Paxson e Edred
Thorsson (conhecidão como Estevão Flores, no Brasil), que foram mais adiante associando
métodos do Tarô com a leitura de runas. Desde então dezenas de livros sobre leituras de runas
foram publicados, e o assunto se tornou praticamente um dogma, com as runas sendo vistas
como uma forma de oráculo, e essa sendo sua função primária entre os nórdicos e germânicos
em geral.
Do alfabeto fenício (usado entre cerca de 1500 e 150 anos antes da Era Comum), surge o
alfabeto grego, e deste suas variantes como os alfabetos latino, copta, gótico cirílico e rúnico.
Todos esses alfabetos, graças à cadeia de relações comerciais e culturais, se influenciaram
mutuamente e carregam várias semelhanças. Compare-se por exemplo as letras usadas para
representar o som /a/, /b/ e /k/ entre todos eles e se verá pouca ou quase nenhuma variação
em sua forma. O primeiro alfabeto rúnico, mesmo que tenha sido ensinado aos germânicos por
*Wōdanaz (nome proto-germânico de Óðinn) teve a forma de suas letras feitas dentro de um
paradigma cultural indo-europeu (confira a tabela).
A raiz “run-” nos idiomas germânico está bastante associado ao sentido “sussurro, mistério,
segredo, conselho”, mas não é o único sentido. A palavra para runas também estaria associada
a “sulco”, ligado ao ato de como elas eram gravadas: entalhadas, principalmente em madeira
ou pedra. A palavra para “letra” em alemão até hoje é Buchstabe, fazendo alusão literal à
escrita entalhada em gravetos.
“São os que mais observam tiragem de sorte e oráculos. O modo de tirar a sorte é simples.
Cortam uma vara de árvore frutífera e dividem-na em partes, marcando-as com símbolos, e as
jogam de maneira completamente aleatória por sobre uma alva toalha”.
Antigo Fuþark
Essa é a forma mais antiga de escrita desenvolvida e usada pelos povos germânicos. É
teorizado que tenha sido a forma de escrita da maioria das tribos germânicas, entre os séculos
II e VIII, tendo sido substituído no final do século VIII na Escandinávia pelos Novos Fuþark, e
pelos anglos, saxões e frísios continentais pelo Fuþorc, o qual foi levado também para a
Inglaterra.
Nos alfabetos mais novos, o nome dos caracteres também equivale ao primeiro fonema da
palavra, à primeira letra, se assim preferirem. Esse processo é chamado de acrofonia, e não é
um fenômeno exclusivo dos germânicos. Grego, alfabeto glagolítico, círilico antigo, copta,
Ogham, antiga escrita irlandesa entre outros todos utilizavam esse mesmo sistema de nomear
as letras a partir de seus sons.
O alfabeto latino parece ter sido uma das poucas exceções a essa regra, adotando os próprios
fonemas como forma de designar as letras; embora comumente ainda hoje nós falemos “A de
amor”, “B de baixinho”, “C de chocolate”, ou o alfabeto internacional NATO, que em vez de falar
“A, B, C, D, etc” usa “Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo, Foxtrot, Golf, Hotel, India, Juliett, Kilo,
Lima, Mike, November, Oscar, Papa, Quebec, Romeo, Sierra, Tango, Uniform, Victor, Whiskey,
X-ray, Yankee, Zulu” quando quer se referir às letras, para agilizar a comunicação, e é muito
utilizada por policiais, militares, e guardas de trânsito, para evitar confusão, quando, por
exemplo, soletram placas de veículos.
Entretanto, o Antigo Fuþark não foi usado pelos víkingr, os piratas do norte europeu que
fascinam tantas pessoas. Alguns praticantes modernos ainda assim enfatizam que
magicamente o Antigo Fuþark teria algo como que propriedades mágicas superiores, e que o
alfabeto da Era Viking, o Novo Fuþark não possuiria as mesmas capacidade. Mas, tudo o que
se sabe sobre os nomes do Antigo Fuþark é reconstruído através de técnicas
linguísticas. Não existem poemas rúnicos sobre o Antigo Fuþark, e seus nomes são inferidos
através de comparação dos alfabetos rúnicos posteriores, como os Novos Fuþark e o Fuþorc
anglo-saxão.
Por exemplo: a runa ᚠ no Antigo Fuþark tem seu nome inferido a partir das que lhe
correspondem nas variantes mais novas, retratadas nos poemas rúnicos:
ᚠ no Fuþorc: “Feoh” (gado)
ᚱ: Novo Fuþark “reið” (“montaria”), Fuþorc “rād” (“montaria”) → Antigo Fuþark “*raiđō” (“vagão,
carroça, transporte, montaria”).
ᚷ: Novo Fuþark “gjǫf” (“presente”), Fuþorc “ġyfu” (“presente”) → Antigo Fuþark “*ǥeƀō”
(“presente”).
A mesma regra vale para ᛁ (“*īsaz”, “gelo”), ᛏ (“*tīwaz”, “deus Týr”), ᛒ (“ƀerkaną”, “bétula”,
“árvores da família Betulaceae”), ᛗ (“*mann-?”, “homem”), ᛚ (“*laǥuz”, “água, lago”).
Só que nem todas as runas caem fácil nessa maneira de reconstruir seus nomes. Muitas delas
não fazem parte do Novo Fuþark, como ᚹ, ᛜ, ᛟ, ᛞ, já que este só tem 16 runas. Isso atrapalha o
trabalho de reconstrução, uma vez que o nome das runas no Fuþorc pode simplesmente não
ser o que foi usado no Antigo Fuþark. Se os significados de todos os nomes das runas do Novo
Fuþark fossem iguais ao do Fuþorc anglo-saxão, isso não seria um problema, todavia…
Outras runas não possuem o mesmo significado para seus nomes nos alfabetos posteriores,
que é o caso de ᚢ, que no Novo Fuþark é chamada de “úr”, “ferro” ou “chuva, mas no Fuþorc
seu nome “ūr” significa “auroque”. ᚦ (Novo Fuþark “þurs”, “gigante”, Fuþorc “þorn”, espinho), ᚨ
(Novo Fuþark “Ass, Oss”, “deus”, Fuþorc “ōs”, “deus”, “boca”), ᚲ (Novo Fuþark “kaunan”,
“úlcera”, Fuþorc “cēn”, “tocha”), entre várias outras que se encaixam nessa mesma regra. O
problema é que como os significados dos nomes derivam basicamente de duas fontes, a
probabilidade de cada uma delas estar errada é de pelo menos 50%, se houvessem mais
alfabetos rúnicos para reconstruir os nomes, poderíamos inferir com mais certeza, uma vez que
o nome que apareça de maneira mais recorrente indica que provavelmente é o nome mais
arcaico, e seria o equivalente no Antigo Fuþark. Ou seja, muitas das runas, graças a isso
possuem mais de uma forma reconstruída, sem se saber qual delas é mais correta, como é o
caso de ᚦ e ᛋ entre outras.
Além disso runas como ᛉ e ᛈ têm seus nomes inferidos apenas por conjectura, o que torna
ainda mais difícil qualquer certeza as utilizando. A lição que temos aqui é: o que sabemos
atualmente das runas não seria possível sem um esforço conjunto de arqueologia, história e
linguística. Embora as funções das runas do Antigo Fuþark sejam comumente associadas a
algo similar ao Tarô, esse uso seria impossível sem incontáveis horas de trabalho acadêmico.
E esse trabalho, como tudo que é acadêmico, tem seus limites. Em alguns pontos as
conjecturas estão provavelmente corretas, em outras muito possivelmente, em outras não há
segurança e em outros casos é simples tiro no escuro, a partir de pouquíssimos dados
disponíveis.
Particularmente, eu creio que isso não seja uma grande dificuldade para aqueles que usam as
runas como oráculos. Basta-se apenas convencionar os significados dos objetos que estão
sendo usados. Essa convenção pode ser feita de maneira bastante intuitiva e subjetiva (que é o
caso da leitura com ossos, canto de pássaros, geomancia, etc.). Em outros casos, existe uma
parte subjetiva, mas outra marcada previamente pelos usuários, o que é o caso do Tarô e das
runas, no uso moderno que lhes é dado. Nesse caso, o oráculo pode funcionar sem maiores
problemas, apesar da completa falta de evidências de uso de runas para tais propósitos entre
os antigos heathens germânicos.
Todavia, para aqueles que desenvolvem atividades utilizando os significados individuais das
runas com outros propósitos, para algumas pessoas, essa margem de erro é simplesmente
absurda. Enquanto alguns podem a aceitar sob o argumento da fé, para outros as coisas são
um tanto mais complicadas. Principalmente porque: se você tem fé que a runa ᛈ chamava-se
*perþō, a partir de um palpite acadêmico sobre isso, porque muitas pessoas têm dificuldade de
aceitar que as runas não são mágicas em si mesmas, como sugere a academia, e que
dependem do poder (mæġen) que seu utilizador aplica nelas? Por que têm tanta dificuldade de
aceitar outras evidências acadêmicas?
1. Sequência de runas: runas repetidas, com propósitos muitas vezes não claros;
2. Nomeação: Por exemplo: “Eu sou chamado [nome], e fiz [objeto]”;
3. Encantamentos: palavras mágicas como *alu, *laukaR, *lina, *auja, ou *laþu;
4. Símbolos como triskelia, suásticas e símbolos associados ao divino;
5. Descrição de itens: “Esse é o chifre [nome]”, “Este [objeto] pertence à [nome do dono]”.
Logo, seu uso principal é a partir do seu valor fonético, o que em vez de nos dar algumas
(poucas) combinações seguras, sendo a maior parte delas intuitiva, nos fornece uma gama
quase infinita de significados. O idioma usado para se escrever com o Antigo Fuþark é uma
gama de dialetos que hoje chamam-se de proto-germânico, ou germânico-comum (Proto-
Germanic, Common Germanic). É um idioma bem complicado de se encontrar materiais, e,
principalmente, é reconstruído e altamente hipotético, para fins de fala. Ele é útil para
pesquisas etimológicas, mas não estou tão confiante para o uso mágico. Por isso,
pessoalmente, prefiro: ou usar o Novo Fuþark e escrever em nórdico antigo, ou usar o Fuþorc e
escrever em inglês antigo, idioma dos anglo-saxões.
Alguns podem achar isso complicado demais. Eu particularmente não falo nenhum idioma
antigo; busco então palavras ou sentenças simples que possam indicar aquilo que quero. Por
exemplo, escrever a palavra vitória em runas “sigr” → ᛋᛁᚴᛦ e gravar isso em um objeto, na
forma de uma ligação de runas (bindrune) e carregar em um cinto, por exemplo. Uma regra
importante é que duas runas não se repetem ao serem escritas em seguida, seja na mesma
palavra ou em palavras diferentes. Não posso entrar nas minúcias da escrita com runas aqui,
mas é possível encontrar materiais em inglês ou na asatrueliberdade.com/runas.
Particularmente fiz bons experimentos usando o inglês escrito em runas anglo-saxãs, o Fuþorc.
O alfabeto comporta todos os sons do idioma moderno, o que facilita a transcrição. Não
experimentei usar o português para escrever em Antigo Fuþark, mas eu realmente
desaconselharia isso, e sugeriria o uso de palavras simples e expressões básicas no Novo
Fuþark, que não exigem conhecimento profundo de gramática do nórdico antigo. Uma coisa
importante aqui é: as runas traduzem sons, e não letras. Ou seja, você escreve em runas como
você pronuncia, não como está na grafia.
Boa parte da magia das runas está em poder lê-las, gravar o encantamento nelas, e assim
fazer com que esse encantamento permaneça ali. Ele é ativado através da mæġen de quem o
criou, e então torna-se portador de algum poder que poderíamos chamar de “mágico”, em
termos vulgares. O segredo é a parte final. O segredo das runas não estava em seus nomes,
segundo vejo. Mas na capacidade de gravar frases, em uma sociedade pouco letrada, que não
poderiam ser decifradas. Escrever em runas era mais ou menos como criar mensagens
cifradas, hoje. A grande diferença de nossa época para os tempos antigos é que poucas
pessoas sabiam ler e escrever.
Para finalizar, gostaria de dizer que essa não é a única ou mais correta forma de se utilizar as
runas na atualidade. A magia rúnica durante muitos séculos esteve envolvida com Kabballah,
esoterismo, alquimia, etc. Não que isso seja intrinsecamente ruim, mas hoje, diferente de
séculos atrás, possuímos vários gigabytes de informação sobre a cultura germânica, e as runas
nesse contexto. Para aqueles que quiserem, a magia do passado, mais próxima daquilo que
era feita por nórdicos e germânicos, pode ser reconstruída de forma bastante usual, e
independente de sistemas alheios. Infelizmente, ela exige ainda um conhecimento de inglês,
uma vez que não há materiais em língua portuguesa sobre o assunto.
Para aqueles que praticam divinação rúnica e qualquer outra forma, também fiquem tranquilos,
todos respeitam as práticas alheias. Apenas é importante divulgar informações quando se
acha, e mostrar que existe sim um conhecimento dos antigos, e que isso não é ruim, e a magia
não precisa ser feita simplesmente em cima da maneira esotérica usual. A magia rúnica
reconstruída é uma poderosa ferramenta, viva, e que, a despeito de ter sido redescoberta pela
academia, exige um lado prático que jamais pode ser feito apenas com estudos: ela é para ser
experimentada e vivida.
Por Seaxdéor
A Antítese
Runas são um assunto complexo. Elas não foram usadas pelos germânicos como um oráculo.
A primeira vez que elas são claramente assim mencionadas é a partir da obra de Ralph
Blum, The Book of Runes: A Handbook for the Use of an Ancient Oracle, um livro dos anos
1980. O título em si é um erro não muito bem intencionado. Dentro do livro, as descrições das
runas possuem uma interpretação completamente subjetiva, além do claro uso anacrônico de
runas do período antigo, o Fuþark Antigo (usado entre os séculos II e VI), dizendo que elas são
“Vikings”, sendo que estes usavam as novas runas do Fuþark Jovem com 16, e não 24 runas.
Não fossem esses erros suficientes, despontam, no corpo do texto, inúmeras citações de livros
totalmente alheios culturalmente aos germânicos, inclusive da própria Bíblia cristã, no livro de
Blum.
Mas muitos que usam as runas como oráculos afirmam, sem nenhuma base segura, que
Tácito, no final do primeiro século da nossa era, menciona a tiragem de runas. O argumento é
visivelmente falho. O primeiro artefato rúnico encontrado data de cerca de 170 da nossa era, o
que é cerca de 72 anos depois da obra de Tácito. É bastante improvável que em 98, se as
runas fossem realmente conhecidas a ponto de serem usadas como oráculo, Tácito tivesse
usado o termo mais que genérico notæ, e não as reconhecesse de outros objetos que as
portavam como veículos de escrita normal, examente como os romanos usavam o seu próprio
alfabeto. As notæ de Tácito pouco provavelmente são runas, e podem ter sido qualquer
símbolo particular ou mesmo aleatório. Não há suporte histórico que comprove que as runas já
eram amplamente difundidas em 98, nem em fontes escritas, nem arqueológicas.
Em ocasiões anteriores já falei do uso das runas como veículo de magia escrita. Esse é o único
uso do qual temos evidências históricas, tanto pelo uso de palavras e poemas mágicos, como,
ocasionalmente, mensagens cifradas e pouco comumente as runas sendo usadas a partir do
significado de seu nome, como ideogramas. Sobre essa forma de uso as runas podem ser
usadas de forma totalmente coerente com a visão de mundo dos germânicos, e com evidências
arqueológicas que não deixam muitas dúvidas sobre como fazer isso; e nesse aspecto elas não
divergem muito no uso mágico do alfabeto latino.
Entretanto, os oráculos citados por Tácito, tanto as varas com os símbolos (notæ), quanto os
oráculos com cavalos, vozes e voos de aves e a passagem da Eiriks saga rauða que retrata a
mulher sábia Þorbjǫrg Lítilvǫlva fazendo uma predição do futuro através do ritual de spá,
atestam que oráculos tinham uma função dentro do mundo dos germânicos. Nosso grande
problema é que não mais que esparsos fragmentos e menções dúbias e inconclusivas como as
do Hávamál são tudo o que nos restou sobre como usar as runas, e geralmente são tomadas
como verdades absolutas a partir de interpretações baseadas no costume moderno,
cristianizado, e em tradições externas, e não nos próprios povos germânicos.
Além disso, uma interpretação bastante forçada e subjetiva dos poemas rúnicos geralmente
desconsidera os aspectos culturais básicos dos povos germânicos, não havendo a empatia
básica necessária para compreender seus significados e origens. Os poemas são
ressignificados a bel prazer por cada um dos “exploradores” espirituais em busca de um
conhecimento antigo que geralmente é posto de lado em prol de uma liberdade interpretativa
que desconsidera todo o ambiente nativo das runas — e, assim, o conhecimento antigo em si
mesmo.
Os próprios poemas rúnicos parecem-se mais com fórmulas mnemônicas, ou seja, para facilitar
a memorização de seus significados, e assim, de suas formas e sons, em vez de algo
esotérico, extraordinário. Além disso, o conjunto de runas mais utilizado, o Fuþark Antigo, não
possui um poema rúnico atribuído a si, tendo as runas deste conjunto seus nomes e
significados reconstruídos a partir de poemas mais recentes, como o dos islandeses e anglo-
saxões. Isso faz com que seus significados sejam muitas vezes incertos e sem dúvida alguns
deles não estão exatamente corretos historicamente falando.
Os oráculos não são necessariamente uma forma de ver o futuro; muitas vezes eles servem
como ferramentas de autoconhecimento, auxílio de tomada de decisões, uma forma de se olhar
de outra perspectiva. Toda a argumentação que busca basear o oráculo rúnico em algo antigo,
sobrenatural, pode ser facilmente provada imprópria com as evidências históricas. Todavia,
num sistema espiritual pagão germânico carecemos de um oráculo prático.
Outro problema está na interpretação da própria palavra “runa” que pode significar “segredo,
conselho”, mas também está ligada ao ato de entalhar. Em nossa sociedade a escrita é uma
tecnologia amplamente básica e ensinada à maioria dos cidadãos, o que não era o caso dos
tempos germânicos tribais. O que para nós é algo evidente, nos tempos antigos era algo
mágico, oculto. Por isso, muitas vezes as pessoas procuram por significados ocultos, segredos,
etc. que na verdade estão nas próprias palavras escritas, em muitos casos, que para nós é
algo cotidiano, mas em tempos antigos era um sinal de poder e distinção.
Isso tudo nos levou ao surgimento de uma verdadeira elite esotérica que mistura diversas
culturas as quais não entendem muito bem, associando diversos tipos de sistemas e ideais
totalmente discrepantes e reagrupando isso sobre o nome de “oráculo das runas”. Não
raramente o misticismo (em seu sentido pobre e negativo) deturpa completamente o significado
das runas, seu uso, etc. Mais comumente ainda, as runas são usadas como ferramentas de
monetização e elitização, hierarquização do paganismo, tudo baseado em um suposto
conhecimento oral que pessoas propagandeiam ter, sem nenhuma base histórica ou mesmo de
bom-senso.
A síntese
Fora do Brasil, o uso de oráculos rúnicos tem caído em desuso, e boa parte da comunidade
mais influente no exterior tem descrédito com o uso das runas para qualquer coisa que não
escrita ou magia escrita. O uso de runas como oráculos se popularizou a partir das influências
do movimento new age, da Wicca, e de autores tradicionalmente ligados ao esoterismo
ocidental, muito mais baseados em tradições espirituais alheias que ao mundo dos germânicos,
como Edred Thorsson e Diana Paxson.
São (entre outros povos) os que mais acreditam (observam) nos augúrios e oráculos
(sortilégios). O modo (costume) de tirar a sorte é simples. Cortam uma vara de árvore frutífera
e espalham discretamente, ao acaso assinalando-as, por sobre uma alva toalha, (pano
branco). Então, o sacerdote da cidade, se a consulta é pública, ou o pai da família, se for
privada, oferece uma oração aos deuses e, olhando para o céu, pega três varas, uma de cada
vez, e lê o significado dos sinais previamente marcados nelas. Se a sorte proibir uma
empreitada, não há deliberação nesse dia sobre o assunto em questão; se a permitir, é
necessária a confirmação pela aceitação de auspícios.
Os símbolos cravados ou assinalados nas varas poderiam ser qualquer coisa. Mas, qual a
vantagem de se usar runas para isso?
Basicamente temos descrições dos poemas rúnicos que nos fornecem uma introdução no
modo de pensar antigo. Pegue, por exemplo, os versos da primeira runa, do Poema Rúnico
Anglo-Saxão, a Feoh:
Mas a questão é, o que isso significava na sociedade antiga, principalmente entre os anglo-
saxões, que deram origem a esse poema? O mesmo vale para aqueles que usam os poemas
nórdicos, quando usando o conjunto de runas do Fuþark Jovem, por exemplo (repare como o
uso do Fuþark Antigo se torna problemático, graças à falta de descrições seguras). Entender o
significado de cada uma dessas coisas na sua cultura nativa, e então aplicar esse
conhecimento à nossa vida atual é uma alternativa dificilmente considerada. Geralmente a
interpretação subjetiva é tomada como único caminho, através principalmente da meditação;
esse é sim o caminho mais fácil, mas e a cultura antiga que pretendíamos usar para nos
ensinar e guiar… onde fica nisso?
Por exemplo, supondo que a runa Feoh tenha saído em uma determinada ocasião, qual é,
então, o seu significado em nossa vida? Essa resposta será sempre variável e dependente das
condições como o que estamos consultando e o que acontece nas nossas vidas. Ninguém
melhor do que si mesmo para entender como o arquétipo bruto será aplicado em nossa vida. O
que aquele que tira as runas, se não for o próprio a ser consultado, pode fazer é fornecer uma
interpretação genérica, a qual aquele que está consultando decidirá como aplicar à própria
vida.
Se formos falar de material, creio que existam algumas importantes razões para o uso de
galhos cortados em pequenas varas em vez de corte em rodelas ou o uso de pedras. Primeiro,
é a importância espiritual da madeira e das árvores para os povos germânicos em geral, os
quais a trabalhavam de forma singular e que a usavam como principal material na construção
de suas habitações e boa parte de seus utensílios cotidianos. A segunda, é que o próprio relato
de Tácito fala de varas e não qualquer outra forma. A terceira é o poder espiritual inerente à
madeira, a qual é coletada viva e pode ter seu espírito trabalhado por aquele que a tirou da
natureza.
Falando de método, creio que o lançamento que Tácito menciona está um pouco distante do
método utilizado atualmente: primeiro, as varas com runas seriam lançadas sobre um pano
branco e então, após oferecer uma prece aos deuses, três seriam escolhidas ao acaso ou
intuitivamente, e então seriam interpretadas. Como podemos ver, elas não falam sobre o futuro
diretamente, mas sobre as condições presentes e o auxílio na tomada de decisões. Se o
auspício com os símbolos fosse negativo, uma decisão deixaria de ser tomada; Tácito não
menciona as pessoas vendo fatos objetivos e singulares acontecendo no futuro — essa função,
aparentemente, era ocupada pelo spá, como relatado nas sagas islandesas.
Comentário Final
Apesar da total ausência de evidências do uso das runas como oráculos entre os antigos,
atualmente elas podem ser usadas como uma espécie de oráculo, de forma similar a outras
tradições. Nos dias atuais, não existem descrições seguras de como funcionavam a maioria
dos oráculos germânicos, sendo o mais detalhado, embora ainda assim bastante pobre, o
relato do funcionamento da sessão de spá.
Sobre o relato de Tácito é improvável se concluir que fossem runas, mas parece bastante
razoável que, dado o conjunto de símbolos oferecidos pelos poemas rúnicos, que eles sejam
utilizados para cumprir essa função.
O fato das runas não serem um oráculo histórico não tira a sua utilidade e função; ele apenas
aponta para o fato de olharmos para o heathenry sem idealizações, observando que algumas
novas práticas podem surgir para ocupar funções que existiam antigamente, mas cujos relatos
nós perdemos praticamente por completo, não sabendo de fato como essas coisas
funcionavam. Todavia, um uso de runas como oráculos possui um teor bem menos misterioso
e esotérico do que comumente se julga, uma vez que, importante repetir, o uso de símbolos
para gravar mensagens entre povos iletrados comumente possuiu um caráter mágico em si
mesmo, o que não é o caso de nossa sociedade atual, o que coloca uma cortina de névoa em
nosso entendimento, abrindo espaço para interpretações que muitas vezes carecem de bom-
senso.
Todavia, como podemos ver, em determinadas situações chave, tais oráculos de varas com
símbolos eram utilizados. Não creio pessoalmente que fosse algo feito a todo o instante;
todavia, em situações complexas que demandem um discernimento específico, sob o céu os
deuses eram consultados para auxiliar os humanos a tomar decisões, e a maneira que eles
usavam para se comunicar eram símbolos gravados em varinhas de madeira.
Sugestões de Livros
Essa lista contém os textos mais importantes para se ler relacionados ao paganismo nórdico, e
poderão firmar as ideias dos que estão chegando ou que estão há algum tempo. Infelizmente a
maior parte dos textos ainda está em inglês. Todavia, fica aqui a sugestão, e, para os
interessados de verdade, o idioma não é uma barreira (eu mesmo não sou fluente, e a maior
parte do que aprendi foi graças ao paganismo).
Muitos dos livros aqui podem ser encontrados gratuitamente, apenas não coloquei o link dos
pdfs pra evitar problemas com copyright. Mas nada que um Google não resolva pra vocês.
ESTÁGIO 1:
Básicos da visão de mundo. Entendendo a visão de mundo dos povos germânicos vai lhe
auxiliar a melhor interpretar as histórias e valores apresentados nas Eddas, Sagas e Saxo
The Gift: The form and reason for exchange in archaic societies por Marcel Mauss
PDF | Amazon
ESTÁGIO 2
Sagas: especialmente Egils saga, Gísla saga, Hrafnkels saga, Njáls saga, Laxdæla saga,
Grettis saga e Ynglinga saga. The Saga Hoard Volumes 1 (Amazon) e 2 (Amazon) bem
como The Saga of Icelanders (Amazon) são excelentes coleções de sagas
Hammer of the Gods (Amazon) ou The Belief of the Tribe (Amazon) por Swain Wodening,
ambos são ótimos mas são mais ou menos focados nos mesmos temas
ESTÁGIO 3
Edda Poética
Tradução de Jackson Crawford (Amazon)
Tudo com exceção de The Germanization of early Medieval Christianity, Lost Beliefs e The
Mead Hall custam cerca $25 e muitos encontram-se gratuitamente na internet em formato PDF.
Leitura Adicional
Racismo ou Preconceito?
Sonne Heljarskinn
Busco manter, sempre que possível, uma distância da política quando falo abertamente
e para leigos sobre a Ásatrú, isto é, a fé nos deuses do Norte Europeu. Tal cuidado é
por respeito ao interlocutor e para evitar possuir um discurso sectário e viciante.
Mas eu, como filho de brancos, negros e índios não posso silenciar sobre alguns
pontos. Porque eles encontram-se na Ásatrú, no Brasil, no mundo. Alguns fingem ser
contrários a eles enquanto os reproduzem em seus discursos, e o que mais me
incomoda, pessoalmente, é o racismo, embora eu não negue a existência dos demais.
Na verdade o preconceito não é um problema exclusivo dos seguidores do caminho do
norte. Como um produto social de nosso meio, é reproduzido incessantemente até ser
naturalizado e passar despercebido. De um machismo mesquinho, homofobia
desmoralizadora, e mesmo desprezo pelos pobres e pessoas que possuem mais
melanina na pele.
É cada vez mais comum encontrarmos na internet pessoas que assumem que são
chamadas de racistas ou preconceituosas de qualquer espécie sem saber por que,
segundo as mesmas. E isso porque o preconceito não se manifesta apenas de forma
consciente, mas porque é um hábito, passado de geração pra geração, estando
enraizado na cultura mundial.
Nos locais de maioria branca e/ou onde há um forte nível de miscigenação, como o
Brasil, esse tipo de discurso torna-se mais visível por ser repetido com maior
frequência. Não se é racista apenas por ostentar suásticas e frases e imagens de Hitler
ou do nazismo; mas também aquele que faz piadinha com feijão preto, que tipifica um
negro de boné e bermuda como “marginal”, “malandro”. Aquele que acha que
nordestino sem faculdade só serve pra trabalhar em construção ou carregando peso.
A maioria das pessoas mais brancas não têm a menor ideia de quanto argumentos que
partem de princípios lógicos similares a esses são comuns em suas falas.
Quando dizemos que “raça” é um construto social queremos dizer que é porque as
pessoas numa sociedade real procuram divisões metafísicas para separarem-se. Por
que ser “branco”, é, na verdade, a ideologia que é criada posteriormente ao
nascimento, logo socialmente quando as pessoas manifestam uma consciência
baseada em quanta melanina suas peles têm. Que o quanto de melanina uma pessoa
têm, o quão seu cabelo é maleável ou não (aliás, as únicas diferenças reais entre as
pessoas) NÃO definem biologicamente sua cultura. Não queremos dizer que as
pessoas são brancas ou negras em suas peles por construção social e sem influência
genética; mas que até mesmo a modificação genética depende das relações sociais, a
partir dos indivíduos com os quais as pessoas se reproduzem. Um filho de brancos não
terá pele negra, ou vice-versa, não é isso que queremos dizer. Mas um filho de alemães
loiros de olhos azuis criado entre etiópios terá a cultura daqueles que estão à sua volta.
Um filho de negros africanos criado por europeus absorverá a cultura européia. Simples
assim. Da mesma forma que esse ódio canalizado na teoria de raça é apenas um
produto do meio em que os humanos se inserem. Assim, religião, língua, valores e
cultura não são determinadas biologicamente.
Isso é tão verdade que após a ruptura na cultura europeia, com a introdução do
cristianismo, ninguém mais era pagão só por ser filho de pagãos. Com a conversão
pessoal e a adoção da nova cultura, que gradativamente buscou apagar as anteriores,
os deuses e espíritos pagãos foram perdendo sua influência no imaginário humano até
quase se apagarem.
E eis que centenas, quiçá alguns milhares de anos depois estamos tentando
reencontrar o que restou, usando esses resquícios pra reconstruir uma visão de mundo.
As relações sociais mudaram muito de lá para cá. De um mundo escravagista
passamos para uma realidade diferente; e se a Rigsthula fosse escrita hoje parece
óbvio que possuiria um teor diferente: a religião do Norte Europeu não era um todo
imutável histórica e geograficamente. Era diferente em dados momentos e ainda que no
mesmo momento, não era igual em diferentes lugares. Era fruto dos humanos que
interagiam com ela.
A história que influencia muitos brasileiros, e inclusive os que querem seguir a Ásatrú
não se limita à história do paganismo (germânico) europeu. Muitos de nós, exatamente
como eu, possuem uma ou mais origens no sangue; fruto histórico de tudo aquilo que
alguns fanáticos louvam, como as incursões de uns povos sobre outros, dominação e
exploração. Somos filhos dos ancestrais que orgulham a vocês e dos que vocês
odeiam. Ao menos para alguns. Temos em nosso sangue a mesma origem que vocês,
e, mesmo quando não temos isso, possuímos uma cultura que foi imposta aos nossos
antepassados e torna negro e branco, em intelecto, tão similares: exceto pela
intolerância de alguns.
Por isso, para pessoas como eu que tem sangue misturado seguir um caminho
ancestral exclusivo sempre significa se fechar para outro lado de si mesmo; o que exige
saber colocar as coisas em equilíbrio. A mim bastar estudar, conhecer melhor as
matrizes religiosas negras: minha prática e cosmovisão está firmada seguramente no
paganismo nórdico. Para outros que não possuem o sangue branco torna-se forte esse
chamado ao norte por diversas razões; por que possui örlog diferente direi que não
possui örlog? Que não pode vivenciar o paganismo germânico com autenticidade?
Todavia, se os vejo (brancos, índios e negros, principalmente) como iguais em essência
nas capacidades intelectuais e físicas, é inegável que os mais brancos possuem maior
facilidade para muitas coisas.
Esse talvez seja o ponto mais crítico: você não percebe o quanto é privilegiado com
base na cor da sua pele, olhos e cabelos até ter esses direitos tirado de si. Por
exemplo, em São Paulo, onde fui criado, sentia bem pouco impedimento racial, uma vez
que a população lá é muito misturada, e eu não sou tão escuro quanto alguém que
possua menos miscigenação. No nordeste, onde a Sól não tem piedade de meus
conterrâneos, fazendo a melanina reagir mais fortemente (sem contar que algumas
áreas dessa região, assim como em locais em estados do sudeste, receberam muitos
cativos africanos como mão de obra na época da Colônia/Império), é possível sentir que
sou ligeiramente diferente por provir de uma cultura urbana e clima mais ameno. Mas só
percebi isso quando morei no sul, em áreas de imigração alemã, onde me sinto “negro”
automaticamente. Minha pele dourada e cabelos e olhos castanhos contrastam
fortemente com a maioria da população que não deixa de olhar estranho, muitas vezes
julgando abertamente com olhares inquisidores quando passeava com minha namorada
na época, descendente de alemães, e quando meu sotaque e pele são usados como
pretexto pra me colocar em subempregos mesmo quando possuía um nível de
formação similar a um descendente de europeus com sobrenome típico. Só senti que
era “neutro” no sudeste, “privilegiado” no nordeste ao ser “inferiorizado” no sul.
Isso chegou ao ponto de só perceber que não era exatamente um branco quando me
choquei com uma população em que os mestiços e negros eram minoria em muitos
locais, sendo claramente afastados de certos lugares, não por regra legal,
um apartheid institucional, como houve na África do Sul. E, sim, essa separação há no
Brasil ainda hoje como em vários outros países e é clara quando um local é frequentado
majoritariamente por brancos de classe média/alta e seguranças te olham com suspeita,
te seguem com os olhos por uma pele menos clara e uma roupa um tanto mais
desbotada, embora em perfeitas condições de uso. Quando as pessoas claramente te
passam a mensagem “o que você está fazendo aqui?” com os olhos. Quando, no
trabalho, entre conhecidos, piadinhas com sua pele surgem e todos riem e você não viu
um pingo de graça. Quando você prefere comer uma comida mais pesada em vez de
algo mais sutil e as pessoas acham isso estranho e beirando o ridículo. Quando você vê
negros sendo revistados pela polícia por sua forma de se vestir mesmo quando são,
“pretos tipo A”, como diz uma música, isto é, estão com roupas que, mesmo não sendo
exatamente o que brancos consideram como padrão de moda, são perceptivelmente
caras, limpas e bem arrumadas. Quando a sua forma de falar se torna motivo de
estranheza e ridicularização.
E quando as pessoas aderem à Ásatrú, sejam brancas ou negras ou o que for, esses
traços não desaparecem por mágica. O preconceito velado permanece. Não é
“vitimismo”. É reconhecer que muitas pessoas só falam de igualdade quando querem
reclamar de cotas (essas mesma que estão formadas ou em graduações, em sua
maioria). É lutar (e quão heathen é isso!) para se ter respeito e que sua honra seja
reconhecida.
Vi muitas vezes pessoas de extrema-direita racista, como White Power, nazistas, neo-
nazistas, ou simpatizantes de totalitarismo racial alegando que aproximam-se de tais
teorias pois querem se sentir “diferentes”. Em inúmeros documentários esses relatos
são colhidos, como de militantes da racista Blood and Honor, e, me desculpem: mas a
maioria dessas crianças (mesmo as crescidas) que querem se sentir como “deuses” ou
filhos deles, quase como que querendo usurpar o lugar de figuras como Thor, já
possuem tantas vantagens em relação a um negro europeu, a um morador dos guetos
estadunidenses, de uma favela do Brasil que eu não entendo o que mais eles ainda
querem a não ser se provar crianças carentes. Caso exemplar são imigrantes de
europeus do sul que não toleram os haitianos (!) porque são “de fora”, mas, na verdade,
porque são negros. Quando falam de serem reconhecidos como diferentes, querem, na
verdade, serem reconhecidos como melhores e apagarem os traços reais das
diferenças entre as pessoas, suprimindo as que consideram inferiores. O problema é
que o discurso desses falsos Übermenschen geralmente é tão limitado e se vale de
argumentos ad hominem tão infantis que nem vale a pena os repetir,
atacando somente a sexualidade, usando pseudociências, dogmatismo, e na verdade,
tudo isso só pra disfarçar seu ego inflado e frágil.
O racismo não surge com o advento das redes sociais. Mas com brancos e negros se
manifestando pela internet, os discursos de ódio aberto ou inconsciente se tornam
claros e constantes. É a reprodução de uma cultura racista desde os primórdios, com o
extermínio de indígenas e escravização de negros, de uma ferida aberta na
humanidade e que está longe de ser fechada, pois aqueles que conseguiram privilégios
historicamente e não os reconhecem, querem comparar a crítica aos seus privilégios
com o dano real que as relações sociais causaram no país (e no mundo) a etnias
inteiras. Surge quando alguns julgam que porque as pessoas com pele mais escura se
reconhecem em uma comunidade informal que luta por seus direitos (que em nenhum
caso são iguais aos dos mais brancos) é desculpa para lutar por (mais) direitos (ainda‼)
por uma outra etnia, já vastamente privilegiada. É evidente o seu preconceito quando
você acha que negros denunciando o racismo é (pejorativamente) um “vitimismo”!
Quando você acha que tudo isso tem que ficar fora da Ásatrú como se ela fosse uma
bolha separada da realidade, quando ela é sim uma parte da realidade, mesmo que
aparentemente inexpressiva.
E porque os brancos falando sobre o assunto são vistos de forma tão negativa, na
maioria das vezes? Pois lhes falta, enquanto humanos, o bom-senso de se
reconhecerem enquanto privilegiados, mesmo quando têm que ralar duro por alguma
coisa, pois acham que tudo se resume ao seu ego fazendo e desfazendo as coisas,
quando, na verdade, tudo depende da aceitação, interação e cooperação social. Nem
mesmo um rei possui importância alguma sem um povo que lhe sirva de apoio, e lute
por ele. Porque muitos brancos não reconhecem quando negros apontam seu discurso
como racista e dizem que estamos sendo “chatos, igualitários hipócritas”, isto é, quando
queremos justamente mostrar que para os humanos serem iguais socialmente eles
precisam ser socialmente reconhecidos como iguais. E isso independe de biologia, mas
de cultura. São vistos de forma negativa porque “preto, nego, africano” quase sempre
são cuspidos por eles em contextos ou tom de voz que não mascaram o desprezo que
sentem pelas pessoas que assim qualificam. Por isso é tão diferente negros se
chamando assim de brancos chamando outros da mesma forma. E, mais uma vez, isso
não desaparece como o Mjollnir de Thor, e é levado para a distante Jotunheim, apenas
por você se declarar Ásatrú e jurar pelos deuses que não é racista.
Por isso sim, queremos ter direito à nossa identidade. Somos humanos e queremos ser
reconhecidos nessa igualdade. Mas queremos ser reconhecidos como humanos
também em nossas peculiaridades. Nas chaga abertas nas histórias de (todos) os
nossos ancestrais. Não existe uma borracha histórica, que apague as coisas e façam
elas ser de uma forma diferente e não influenciar o presente. Por isso queremos ser
reconhecidos como Ásatrúares, como mestiços, negros, e queremos respeito por isso.
E vamos lutar e mostrar nossa coragem e que ela não se submeterá ao jugo de
ninguém que quiser nos calar. Não queremos privilégios, não queremos nada “dado”.
Mas o que é nosso, podem ter certeza, permaneceremos com nossas lanças, espadas
e escudos prontos para lutar por isso. E que vença o mais forte.
PORTUGUÊS
A Saga Não Contada do Viking Negro
H
jør e Lufvina com os gêmeos Geirmund e Håmund Heljarskinn por Anders Kvåle Rue
Texto original em inglês (link) por EYGLÓ SVALA ARNARSDÓTTIR. Tradução de Sonne
Heljarskinn & Andarilho. This translation has no commercial purposes.
Eu (já) tinha ouvido falar do Viking Branco (White Viking) antes, mas o Viking Negro (Black
Viking) … quem era? Como eu sempre fui interessada na história e nas sagas islandesas, eu
ouvia atentamente quando este personagem misterioso apareceu em um evento social recente.
Ele disse ter viajado o país com nada menos que 80 homens armados e esteve na posse de
um grande grupo de escravos, que estavam estabelecidos em torno das regiões Oeste Fiordes
e Dalir, a partir dos exuberantes Breiðafjörður no sul para o irregulares Hornstrandir no norte.
Geirmundur era um homem de grande riqueza, mas como ele alcançou esse status é
desconhecido. Alguém poderia pensar que ele deveria ter se provado um protagonista valioso
para uma saga, no entanto, apenas fontes fragmentadas e lendas existem sobre ele.
O autor islandês e doutor em estudos nórdicos Bergsveinn Birgisson perguntou-se por que
(isso) era (assim). Uma década de investigação levou à publicação de Den svarte Vikingen (‘O
Viking Negro’) na Noruega, em 2013, uma fusão entre um ensaio acadêmico e romance
histórico.
Os rumores sobre a Islândia devem ter circulado em Dublin por um longo tempo… Talvez
Geirmundur e seus homens haviam conversado com alguém que tinha navegado há ali
anteriormente. Ali provavelmente tinha havido uma expedição nórdica à Islândia em algum
momento no passado, e quando uma próxima expedição surgiu, deve ter chamado a atenção
da elite dos noruegueses em Dublin que se apressou a adentrar com os seus representantes
nesta corrida por recursos.
Geirmundur e sua comitiva podem ter navegado em torno de toda a ilha para avaliar cada
região … Em Hornstrandir eles observaram um grande número de animais que estavam (nas
terras) atrás, mas perceberam que não era o lugar ideal para povoarem. Deve ter havido um
grande esforço para localizar boas rotas de transporte entre Breiðafjörður e Hornstrandir.
Sabemos, pelo menos isto: Quando Geirmundur e seus homens navegaram para o norte dos
Breiðafjörður eles encontraram exatamente o ambiente e os precisos recursos que eles
estavam procurando. Esses caras não teria tido a nossa moderna visão turística quando
examinaram os fiordes; eles desejavam a terra. O colono deseja um fiorde, deseja um vale e
os recursos que eles oferecem, e ele pensa: “Isto será meu”.
De acordo com Bergsveinn, morsas são o que Geirmundur foi (procurar) depois: a pele para
fazer corda, gordura para fazer o óleo e marfim. Estes produtos foram extremamente valiosos
para os colonos Viking em Dublin e aos comerciantes de mais longe.
Nas fontes, Geirmundur é descrito como “preto e feio” e seu apelido Heljarskinn significa “pele
negra” (literalmente: ‘pele como Hel’). Bergsveinn raciocina que Geirmundur foi realmente
meio-mongol, que seu pai tinha encontrado sua esposa através de negociação com os
indígenas que caçavam morsas em um país dos Vikings chamado Bjarmaland, a atual Sibéria.
Para defender sua teoria, Bergsveinn cita a pesquisa de Agnar Helgason sobre o fundo
genético islandês da deCODE (Empresa Biofarmacêutica de Reikjavik – Islândia) e a
descoberta de uma mutação especial dentro do haplogrupo Zia por Dr. Peter Forster de
Cambridge, que confirma antecedentes nacionais de origens mongóis. Esta ainda é evidente
em alguns islandeses hoje, Bergsveinn aponta, como em Björk, que tem um olhar asiático,
apesar de ser etnicamente islandesa.
Não apenas sua aparência, mas também suas práticas não se enquadram muito bem na
imagem que os autores de saga queriam promover ao documentar dois séculos de história de
sua nação ou logo após a povoação, Bergsveinn escreve.
Foi suposto que a Islândia seria uma nação de iguais, uma nação de homens independentes
que escaparam da tirania do rei Harald Fairhair e fundaram uma democracia, enquanto o
império de Geirmundur foi muito dividido em classes com os escravos sendo os mais baixos
dos baixos.
Talvez fosse o fato de que Geirmundur foi considerado principalmente ser um homem de
negócios engenhoso pelos autores saga e não ser pego no drama o suficiente para ser
incluído, embora Bergsveinn pense que uma vez que as morsas desapareceram e o império de
Geirmundur desabou, houve certamente bastante drama digno de uma saga emocionante.
Há muito mais direcionado a O Viking Negro que Bergsveinn escavou fora das profundezas da
história, desafiando a imagem largamente aceita dos Vikings e da história da colonização da
Islândia.
Bergsveinn me deixou em chamas, com certeza, então baseado em seu livro e minha
entrevista com ele, eu vou elaborar (um texto) sobre a saga anteriormente não contada de
Geirmundur Heljarskinn em um artigo na próxima edição da Iceland Review Magazine.
Heathens contra o ódio: entrevista com o sumo-sacerdote da associação pagã islandesa
PORTUGUÊS
Heathens contra o ódio: Entrevista exclusiva com o Sumo Sacerdote da Associação
Pagã Islandesa
Não importando qual possa ser a razão para o crescimento da Ásatrúarfélag, ela não é um
proselitismo heathen agressivo. Hilmar Örn Hilmarsson, o sumo sacerdote ou Allsherjargoði da
Ásatrúarfélag, nos atesta que nem ele, nem qualquer outro membro da congregação, se
envolveu com trabalho missionário.
“Nós não saímos por aí tentando recrutar novos membros. As pessoas vêm até nós porque
eles vêem algo que eles gostam, eles testemunham nossas cerimônias, seja um casamento ou
um funeral, e eles vêem que essas são belas cerimônias, e sentem que Ásatrú pode ter algo a
oferecer-lhes.”
Hilmar Örn salienta que a Ásatrú é uma religião de paz e respeito. “É uma religião que ensina
como viver em harmonia com seu exterior e consigo mesmo, e como lidar com as diferentes
fases da sua vida. Como se tornar maior de idade e, em seguida, como envelhecer”. Fiel a isso,
a Ásatrú, tal como é praticada na Islândia, é uma religião de respeito e tolerância. “Nós
refletimos sociedade islandesa e valores islandeses”, diz-nos Hilmar.
Entre outras coisas, a ênfase que a Ásatrúarfélagið coloca sobre a igualdade e o respeito pelos
direitos humanos, especialmente os direitos de LGBT, irritou alguns pagãos reacionários no
exterior.
Hilmar argumenta que a base dessa visão equivocada da Ásatrú, como uma religião obcecada
com glorificação de heroísmo, batalhas e sangue é encontrada no século XIX.
“Esta leitura errada da Ásatrú vem do fato de que muitos parecem vê-la através da lente do
nacionalismo alemão do século XIX. No século XIX, nacionalistas alemães, artistas, poetas e
compositores olharam para a Edda Poética por uma inspiração artística e viram nela um tipo de
militarismo, culto de heróis, e deificação de guerreiros que dominou o zeitgeist alemão naquele
momento.”
Hilmar também ficou sob o ataque do que ele chama de pagãos “fundamentalistas” por ter
proclamado que ele não toma as histórias dos deuses em sentido literal.
“Eu já disse que eu não acredito em um homem de um olho só, montando um cavalo de oito
patas, e alguns consideram isso blasfêmia. Há sempre pessoas que querem coisas para serem
gravadas em pedras. Mas a Edda Poética é fundamentalmente sobre como a vida muda, e
como você deve estar preparado para responder às mudanças que ela traz.”
Odin, é claro, era caolho, tendo sacrificado seu olho para Mimir, junto ao poço de Urdur na raiz
da árvore do mundo, Yggdrasill. Seu cavalo, Sleipnir, é o filho do deus Loki (sob a forma de
uma égua) e Svaðilfari, um gigante da raça de Hrimthurs, que construiu os muros do reino dos
deuses, Asgard. Esta é uma história que deve lembrar-nos de que os deuses podem envolver-
se em inversões de gênero bastante dramáticas.
Outra história importante da Edda envolve Thor (Þór), o deus do trovão e a personificação da
virilidade, representando a deusa Freyja. O rei Jötun Þrymr havia roubado o martelo Mjölnir de
Thor, e exigiu a mão de Freyja em troca do martelo. Por transvestir-se e se casar com o rei,
Thor foi capaz de recuperar o martelo.
Na verdade, Hilmar argumenta que os habitantes da Era Viking dos países nórdicos e da
Islândia estavam livres do tipo de homofobia que se tornou padrão entre os conservadores
culturais hoje.
Após a notícia da construção prevista do templo pagão ter caído na mídia internacional no
início de 2015, a Ásatrúarfélagið tornou-se novamente centro de atenção internacional.
“A construção do templo havia sido discutida aqui na Islândia desde 2006, mas foi só em 2015
que a mídia estrangeira interessou-se. E após isso, nós começamos a receber mais críticas de
pessoas que sentiam que estávamos a praticar a nossa fé de forma errada, que estávamos de
alguma forma profanando a Ásatrú por sermos muito tolerantes. No começo eu não levei isso
muito a sério, mas, em seguida, fomos informados de que o templo e a Ásatrúarfélag estavam
sendo discutidos em grupos fechados, onde as pessoas estavam planejando visitar o templo
para o ‘re-consagrar’ com algumas cerimônias de sangue, para “corrigir” o que essas pessoas
acham que é a nossa perversão da Ásatrú. Algumas das coisas que lemos foram
extremamente perturbadoras.”
Como consequência, o templo de Ásatrúarfélagið não será tão aberto ao público, como
originalmente planejado. “Não temos cofres cheios e todo o nosso trabalho é feito por
voluntários, por isso não vamos ser capazes de manter guardas. Como resultado, nós não
seremos capazes de ter o tipo de política de porta aberta que tínhamos planejado.”
Mas nem toda a atenção externa tem sido negativa. Após a Iceland Magazine ter publicado
uma história em seu site sobre as correspondências odiosas que a Ásatrúarfélag recebeu, a
congregação e Hilmar foram regados com o apoio de pagãos estrangeiros. Um evento no
Facebook foi criado por um grupo de pagãos europeus para assegurar a Hilmar e a
Ásatrúarfélag que “heathens islandeses não estão sozinhos nesta matéria e que os signatários
desta declaração plena e verdadeiramente apoiam sua causa. … Nós não vamos deixar
algumas pessoas com pontos de vista reacionários e intolerantes determinar a essência de
nossa abordagem religiosa!”.
Hilmar foi profundamente comovido com esse apoio. “Fiquei agradavelmente surpreendido. Os
faladores e os tagarelas sempre abafam as vozes da sanidade e da razão, assim você acaba
percebendo-os mais. [E assim] Eles começam a dominar.”
Não importa o que esses reacionários pagãos — os “trolls e malucos da internet” — possam
dizer, Hilmar afirma, a Ásatrúarfélag não vai mudar a forma como ela pratica a antiga religião.
“A Edda Poética e estas tradições foram preservadas aqui na Islândia, e não vamos tolerar
alguns reacionários estrangeiros vindo aqui para nos dizer como praticar a nossa fé.”
Hilmar nos lembra que o Ásatrúarfélag é uma congregação islandesa, que representa os seus
membros islandeses, e que é responsável apenas por eles.
“Mas se os estrangeiros querem olhar para nós como um modelo, eles são bem-vindos a fazê-
lo. Vamos continuar a ser nós mesmos, e não vamos mudar a forma como fazemos as coisas
para satisfazer as opiniões e crenças de racistas ou nacionalistas.”
PORTUGUÊS
A batalha do Heathenism contra os brancos supremacistas
A palavra Heathen é bem antiga e significava morador do campo, ou a pessoa que vivia nas
áreas selvagens.
Eventualmente, quando o cristianismo veio para o norte da Europa, passou a tornar-se “aquele
que continua a cultuar os deuses antigos”. Ainda significa que em algumas partes do mundo,
como na Islândia, onde também atende pelo nome de Ásatrú (“crença nos Aesir”).
Aesir é só uma palavra bem antiga para os deuses tradicionais da Escandinávia. Você
provavelmente já ouviu falar de alguns desses deuses: Odin, Thor, Freyr e Freyja.
O que você talvez não saiba é que muitas tradições, histórias e celebrações nunca deixaram de
existir.
Isto pode ser tão simples como a crença escandinava nos vaettir (espíritos da natureza) ou tão
complexas quanto os poemas e canções sobre os Aesir que foram escritas e ainda não
cantadas e encenadas na Islândia.
Muitas dessas histórias foram preservadas nos poemas e sagas islandesas, escritas nos
séculos 13 e 14. Outras foram preservadas nos contos folclóricos e nos costumes folclóricos.
Atualmente, Asátrú, cujo qual pode ter muitas denominações, é a maior religião não cristã na
Islândia e é oficialmente reconhecida na Noruega, Suécia e Dinamarca. Graças ao
multiculturalismo, que existe em muitos países ao redor do mundo, incluindo E.U.A., Canadá e
a maior parte dos países da Europa.
Infelizmente, há pessoas neste mundo que tentam usar essas belas histórias e tradições por
razões egoístas e odiosas.
Todas as religiões têm sido usadas por pessoas para justificar o que eles sabem que é errado.
Todos os mitos estão sujeitos a deturpação. Nós já vimos isso ao longo da história.
Ásatrú não é mais imune a isto do que qualquer outra religião. Mitos e símbolos não podem se
defender. No caso do Ásatrú e os deuses e os símbolos do norte da Europa, eles foram
forjados e usados por indivíduos e movimentos que tentam alavancar ideais racistas,
nacionalistas e violentos.
É preciso entender que esses movimentos não evoluíram de Ásatrú. Eles evoluíram a partir de
movimentos racistas (White Power) que se prenderam ao Ásatrú, pois a religião que veio do
Norte da Europa é mais útil ao nacionalista branco do que aquela que aquela que se originou
em outro lugar.
Mas isso não é o que Ásatrú é, e as comunidades religiosas, cujas crenças e símbolos estão
sendo seqüestrados estão tentando fazer sua voz ser ouvida pela sociedade.
Deve-se saber que Ásatrú não tem nada a ver com ser algum tipo de “guerreiro” separatista.
Não é a religião dos Vikings mais do que o cristianismo é a religião dos cruzados. Não é a
religião de nacionalistas brancos mais do que o cristianismo é a religião da KKK (Klu Klux
Klan).
A Ásatrú fellowship da Islândia é a maior e mais antiga organização Ásatrú e está aberta a
qualquer um e a todos que vivem na Islândia. Se você fosse perguntar a uma pessoa aleatória
nas ruas de Reykjavík o que é Ásatrú, independente de sua religião, eles provavelmente vão te
responder alguma variação de “É a religião tradicional da Islândia.”.
Eles não iriam pensar em uma conexão com o racismo ou a violência, porque a conexão não
existe. Da mesma forma, nos Estados Unidos, onde é reconhecidamente difícil representar o
Heathenism, devido às leis federais sobre as organizações religiosas, as comunidades Heathen
são muito multiculturais, formada por pessoas com uma variedade de origens étnicas.
Há grupos e pessoas que estão tentando usar símbolos pagãos para promover ideais de ódio,
e eles são ativos, publicando materiais e tentando recrutar.
Isso significa que eles vão a eventos, eles tentam entrar em contato com as comunidades
gerais Ásatrú, e eles tentam passar suas agendas por fora como sendo uma parte do Ásatrú.
Isto deixa-nos com o desafio de mostrar ao público em geral que, enquanto há pessoas
deturpando nossos símbolos, há mais de nós abertamente contra. Os meios de comunicação e
público em geral podem ajudar com isso.
A minha esperança é que este artigo pode ajudar com o processo de fazer esta distinção ser
publicamente conhecida e reconhecida.
Se conseguirmos isso, então o artigo ajuda a sociedade como um todo para neutralizar o White
Power e outros movimentos extremistas, porque vai tornar-se mais claro para eles que eles não
são bem-vindos em qualquer lugar na sociedade, incluindo na religião Ásatrú.
…………………………
Joshua Rood está estudando para a graduação do mestrado das artes na religião nórdica
antiga na Universidade da Islândia. Ele é um membro da Ásatrúarfélagið (Asatru fellowship) da
Islândia e fundador da revista Heathen. As opiniões expressas nesta coluna pertencem a
Rood.
N.T. a palavra Heathenism não tem um equivalente preciso no português o mais próximo é o
Paganismo, mas pelo histórico cristão e latino do uso da palavra muitos preferem adotar a
primeira terminologia.
Certa vez me perguntaram como eu, a autora, conciliava minha fé (nos deuses, ancestrais,
vættir, o que for) e minha condição de deficiente física. Se eu não tinha raiva desse seres
“permitirem” que eu fosse assim, etc.. Minha resposta, à época, é que simplesmente não há
conflito: enquanto pagã e heathen, eu não espero um milagre, salvação, ou algo do gênero, e
sentir raiva da realidade é meio improdutivo.
Uma grande parte do pensamento heathen é aceitar o mundo. Isso envolve não crer em uma
salvação divina, ou em uma existência melhor do outro lado, uma existência transcendente e
perfeita, em recompensas eternas se apenas nós acreditarmos o bastante. Ao contrário, o foco
do heathenismo é o hoje — o presente continuamente construído por nossas próprias ações.
Aceitar o mundo significa aceitar a vida como ela é, em suas coisas positivas e negativas.
Nosso mundo não é perfeito. Ele tem problemas, transtornos e delícias, também. Nossa
Miðgard é do jeito que ela é, com sua harmonia peculiar, de acordo com sua própria örlög.
Pra quem não sabe, eu sou deficiente física, cadeirante, desde sempre. Fui diagnosticada com
uma doença autoimune, incurável e de causa desconhecida com menos de um ano de idade,
que deixou sequelas profundas e irrecuperáveis em meu corpo.
Em situações como essa (e uso a minha apenas por ser, bem, a realidade que conheço), vê-se
claramente a distinção entre o que é aceitar o mundo e rejeitá-lo. Enquanto criança, em uma
sociedade cristã, eu ouvi várias vezes a ideia que Deus cura. Deus opera milagres, Ele o faz
por amor a seus filhos, basta apenas aceitá-Lo e amá-Lo. E se isso não acontecer, bem, é a
vontade d’Ele.
Certo ou errado, esse tipo de pensamento nunca me agradou. Não cabe a mim criticar a
religião alheia (apenas respeitá-la e aos que a praticam), mas, de qualquer forma, não era um
pensamento que fazia sentido para mim. Outras pessoas pensam diferente. Tranquilo.
É importante lembrar que o pagão não necessariamente encara a morte com temor fervoroso.
Ela é parte natural da vida. Embora seja algo a ser evitado, não faz sentido ter medo ou pudor
para com algo inevitável e mais: algo que, à época, era presente na vida diária deles.
Também importante lembrar que crianças saudáveis, mas indesejadas, também poderiam ser
expostas aos elementos e, assim, efetivamente mortas, se houvesse necessidade de preservar
a vida de outrem, em caso de fome, por exemplo. Também é comum o assassínio ou
abandono de bebês do sexo feminino em culturas onde o homem é mais
socialmente relevante.
Mesmo crianças aceitas corriam o risco de morrerem, por doenças e acidentes. A mortalidade
infantil ainda é alta em diversos locais do mundo e, até relativamente recente aqui no Brasil
mesmo, ainda era bastante alta (ela caiu 73% em 25 anos). Em vários lugares, é comum não
se dar nome às crianças até que passem do tempo de risco — até que cheguem a uma certa
idade.
Nós, em grande parte, não vivemos nesse mesmo mundo. A mortalidade infantil caiu
drasticamente, em todo mundo. A taxa de natalidade é decrescente em diversos países,
principalmente nos países desenvolvidos. Mais pessoas escolhem não ter filhos, e os que
nascem, tem mais condições de sobreviver até a idade adulta. Vacinação e saneamento básico
eliminaram muitos dos riscos a crianças, como, por exemplo, a poliomielite, doença que causa
efeitos devastadores sobre crianças que a contraem.
Nascida eu na época antiga, é bastante provável que não chegasse à idade adulta. Talvez
fosse exposta aos elementos, ou simplesmente morresse com as febres altas que tive. Febres
reumáticas e reumatismo, como é popularmente conhecida a artrite, não eram desconhecidas
dos povos antigos, mas pouco ou nada se poderia fazer contra seus efeitos deformadores
sobre o corpo.
Claro, nem todas as deficiências começam na infância. Muitas vem depois, de acidentes, da
guerra, doenças adquiridas na idade adulta, e muitas outras. A artrite reumatóide, por exemplo,
é mais comum em adultos; a osteoartrite, quase uma certeza entre pessoas de mais idade. E
nesses casos, quando a pessoa não simplesmente morre, bem, havia diversas maneiras de se
lidar com isso.
E estas estrofes (70 e 71) tem um conselho interessante. É melhor estar vivo que morto,
e todos tem uma função na sociedade. O cego, aquele sem a mão, aquele sem a perna, o
surdo, enquanto vivos, têm utilidade.
Em tempos de Paralimpíadas, podemos ver que essas coisas não impedem uma vida
produtiva. Talvez sejam obstáculos; mas não exatamente deterrentes (é claro, havendo casos
e casos, e deficiências e deficiências, algumas sendo mais incapacitantes que outras).
Em alguns casos, pode-se dizer que a própria deficiência vem do contato com o divino, e que o
contato com o divino pode ser a causa de, por exemplo, uma perda de visão ou audição.
Temos profetas cegos em diversas culturas, e os próprios deuses trocam partes de seus
corpos em favor de outras coisas, como é o caso do deus Týr, que demonstra sua bravura
excepcional quando perde a mão para o Fenris-úlfr, e o caso de Odin, quando deixa seu olho
como tributo pela sabedoria de Mímir.
Desenho representando o lobo Fenrir e Tyr, inspirado em uma bracteate do período migratório,
encontrada em Trollhättan, em Västergödland, Suécia. Desenho por Gunnar Creutz.
Via Wikicommons.
Em outras culturas, pessoas que hoje seriam consideradas doentes, como pessoas com
problemas psiquiátricos (esquizofrenia, por exemplo), ou epilepsia, poderiam ser consideradas
como detentoras de grandes poderes mágicos.
Partindo do que sabemos através dos poucos registros escritos que temos, podemos entender
que os povos germânicos pré-cristãos não consideravam uma deficiência como
necessariamente ruim, em um nível pessoal (embora indesejável, ela não transforma a vida de
uma pessoa em uma tragédia); ela é potencialmente um problema social, quando pode se
tornar um risco à sociedade como um tudo. Em um tempo em que a sociedade vive ou morre
de acordo com a participação de seus membros, uma pessoa que não pode participar de forma
completa, ou que tem um ponto fraco, é por si só um ponto onde a tribo pode ser atacada.
(Curiosamente, o incidente com Loki e Hödr não existe em outras versões do mesmo mito.)
Portanto, não é que a cura seja impossível, ou que pessoas não a buscassem nos mais
diversos lugares; apenas que não havia, exatamente, um estigma para com a pessoa que
porventura apresentasse deficiência. Não era, necessariamente, um fator determinante sobre
como a pessoa era percebida, mas sim, mais uma de suas muitas características. Um fato da
vida.
Posteriormente, após a conversão, temos a ideia de que essas pessoas possuiam espíritos
impuros; deformidades ou deficiências poderiam ser consideradas influência de demônios,
possessão, e coisas afins. Isso se vê na forma como pessoas que hoje seriam consideradas
doentes eram tratadas como possuídas por espíritos malignos, ou amaldiçoadas, e muitas
vezes mortas.
Isso gerou a marginalização das pessoas deficientes. Se antes elas poderiam (e, por força da
cultura da época e da necessidade, assim como os recursos escassos, deveriam) ser
totalmente integradas à sociedade, se encaixando no que podiam, agora elas eram isoladas da
mesma, sendo tratadas como alvo de caridade cristã e, muitas vezes, isoladas em
monastérios. Essa ideia perdurou até relativamente recente, com a existência de vários
sanatórios e institutos onde se deixavam pessoas deficientes, partindo-se do paradigma
religioso para o médico, em que a doença deve ser curada.
Ironicamente, em uma época onde a vida era significantemente mais difícil, em termos de
recursos, havia mais integração social de pessoas deficientes que em épocas posteriores.
Trazendo de volta à realidade atual: acredito eu que essa mentalidade (que todos são úteis,
que não há nada particularmente especial ou trágico em circunstâncias da vida) é bastante
compatível com o mundo moderno, e com a religião que desejamos reavivar. Lidar com a
realidade, e com as possibilidades que ela traz, é bastante — a meu ver — mais saudável que
esperar um milagre que, muito provavelmente, não virá — e, francamente, nem precisa vir.
PORTUGUÊS
Adolf Hitler e o Paganismo
Tradução por Sonne Heljarskinn a partir do inglês do post da página “Norse Mythology”, que é
de 18/04/2014, mas continua plenamente atual. Infelizmente fãs nazistas de Vikernes e
Lusvarghi vão ficar desapontados com a posição do Führer acerca do paganismo/interesse em
(reviver) antigas culturas pagãs:
HITLER ODIAVA PAGÃOS
Em suas memórias, o arquiteto nazista Albert Speer cita Hitler em seu desdém para o interesse
do líder da SS Heinrich Himmler no misticismo pagão e seu próprio apoio para o assassínio de
saxões pagãos pelo cristão Carlos Magno:
“Que absurdo! Aqui nós finalmente chegamos a uma época que deixou todo o misticismo para
trás de si, e agora [Himmler] quer começar isso tudo de novo. Poderíamos muito bem ter ficado
com a igreja. Pelo menos ela tinha tradição. E pensar que eu possa algum dia ser transformado
em um santo da SS! Você consegue imaginar isso? Eu me reviraria no meu túmulo …
“Himmler fez outro discurso chamando Carlos Magno ‘o açougueiro (butcher) dos saxões.
Matar todos aqueles saxões não era um crime histórico, como Himmler pensa. Carlos Magno
fez uma coisa boa subjugando Viduquindo e matando os saxões fora da linha. Ele assim tornou
possível o império dos Francos e a entrada da cultura ocidental no que é hoje a Alemanha”.
Aqui estão algumas citações-chave do “Mein Kampf” de Hitler (“Minha Luta”, autobiografia de
Hitler e declaração de crenças), no qual ele afirma claramente o que ele pensa de quem segue
os Deuses Antigos.
“É totalmente fora de harmonia com o espírito da nação continuar a insistir nessa distante e
perdida nomenclatura esquecida que pertence aos tempos germânicos antigos e não
despertam qualquer associação distinta em nossa era. Este hábito de tomar emprestadas
palavras do passado morto tende a desinformar as pessoas na ideia de que as armadilhas
externas de seu vocabulário são a característica mais importante de um movimento. É
realmente um hábito pernicioso; mas é bastante comum hoje em dia “.
Sobre aqueles mais interessados em estudar pacificamente a prática antiga do que juntar-se à
sua luta anticomunista:
“É típico dessas pessoas que falam sobre antigos heróis teutões das eras distantes, machados
de pedra, lanças de batalha e escudos, quando na realidade são os mais medíocres dos
poltrões imagináveis. Essas mesmas pessoas levantam espadas de lata que foram
cuidadosamente modeladas nos moldes antigos e usam peles de urso acolchoadas com chifres
de touro montados sobre suas caras barbadas, proclamam que todos os conflitos
contemporâneos devem ser resolvidos com armas mentais apenas. E assim eles fogem
quando a primeira clava comunista aparece. A posteridade vai ter poucos motivos para
escrever sobre novos épicos sobre esses gladiadores heróicos”.
Sobre aqueles que estudam folk-lore vs. aqueles que lutam por sua visão de um Estado
alemão:
“Eu vi bastante que esse tipo de pessoas não sentem um profundo desprezo por sua miserável
encenação. Para as massas da nação eles são apenas um objeto de vergonha; mas o judeu
encontra-o para seu próprio interesse em tratar estes comediantes folk-lore com respeito e
preferindo-os aos homens reais que estão lutando para estabelecer um Estado alemão. E
ainda esses comediantes são extremamente orgulhosos de si mesmos. Não obstante a sua
irresponsabilidade completa, o que é um fato estabelecido, eles fingem saber tudo melhor do
que outras pessoas, tanto é assim que eles se tornaram um verdadeiro incômodo para todos os
patriotas sinceros e honestos, para aqueles que não só o heroísmo do passado é digno de
honra, mas que também se sentem obrigados a deixar exemplos de seu próprio trabalho para a
inspiração da geração que está vindo”.
Por Ceadda Þunoring.
Postado originalmente em inglês em Þunresfolc Heorþ.
Tradução de Sonne Heljarskinn e Raendel.
Quando você gasta tempo aprendendo, debruçado sobre livros, conversando com pessoas
diversas que têm muitas abordagens diferentes sobre como as coisas são feitas, e você
começa a perceber que há um monte de respostas para as mesmas perguntas. Afinal, se você
fizer a dez heathens [pagãos] uma pergunta, esteja preparado para doze respostas. Houve um
tempo em que eu negava esse fato. Afinal, eu só queria respostas claras e concisas. Você faz
isso, por causa disso. Simples. Fácil.
Bem, muitas vezes não é. No entanto, Eu aprendi que isso não era necessariamente pra ser
assim. Não só isso seria chato, mas seria desonesto. Falharia ao retratar a diversidade de
abordagens que a reconstrução de uma visão de mundo antiga de diversos povos lhe daria.A
grande ironia no tempo em que eu me chamei de heathen é: Quanto mais livros eu leio, quanto
mais falo com Heathens, e quanto mais eu apreendo os conceitos da cosmovisão, menos me
preocupo com minha identidade como um Heathen. Em vez disso, acabo por me tornar mais
centrado na identidade do meu lar.
Isto não é, de forma alguma, um fracasso por parte das minhas experiências na comunidade
Heathen. Em vez disso, é um sucesso. Afinal, o Heathenry [paganismo] era local, e cresceu
organicamente, no passado. Apesar das semelhanças dessas culturas, suas experiências
diferiram. Assim, eles se viam como pessoas diferentes de seus vizinhos, pagãos ou não. As
tribos tinham suas próprias identidades. Embora duas árvores da mesma espécie se
ramifiquem e brotem da mesma maneira, elas ainda assim não serão exatamente iguais. Elas
ainda são duas árvores diferentes.
Isso em si é a beleza inerente dos Heathens, e muitas outras tradições politeístas. Eu posso,
por exemplo, entender os mesmos conceitos de cosmovisão que podem fazer com que outro
me veja como um Heathen, um Fyrnsidere, mais especificamente, mas ainda minhas práticas
podem variar da deles, as deles de outro, e assim por diante.
Depois de uma conversa com os amigos, eu percebo que dizer isso faz soar como se eu
estivesse com estas declarações abrindo uma porta para algo “livre para todos”. O que, embora
haja pouco a nada que eu possa fazer sobre isso, mesmo que fosse, não é o que eu estou
tentando dizer. Eu acho que devo esclarecer, e graças a esses amigos, este post foi impedido
de levar uma mensagem que eu não tentei dizer. Aqueles com uma boa compreensão sobre a
visão de mundo poderiam facilmente encontrar-se em seus grupos ou lares construindo
práticas sólidas e significativas que inspiram outros a fazer o mesmo, e criar aquelas deles
mesmos.
Eu passei muito tempo me perguntando sobre o que você faz a partir do momento que você
tem uma compreensão decente da visão de mundo. Se você apenas meio que faz o que quer
que seja que alguém que tenha mais experiência acha que se deve fazer, ou se, por outro lado,
você toma esse conhecimento, e forja algo grande, que põe o mundo, e a compreensão dos
antepassados, wights [vaettir], deuses e outras pessoas em perspectiva. Então, eu não posso
ter a melhor resposta para a pergunta no título, no entanto, esta é a direção em que estou
inclinado.
Como eu não vejo um, ou um punhado de tradições, mas centenas, milhares com um núcleo
semelhante, mas diferentes experiências que as moldam. O Heathenry, e o Fyrnsidu são
coisas bonitas. No entanto, eles são guarda-sóis. Então, se alguém tivesse me perguntado meu
costume, ou tradição, ou, acho que a religião, em última análise,ela é Þunresfolc Heorþ.
Baseado em Fyrnsidu [antiga tradição], baseado em Heathenry, Politeísmo, Paganismo, o que
você tiver. No entanto, também é algo próprio. É isso, que eu desejo para quem lê isto.
Fyrnsidu é um termo em inglês antigo para antiga tradição, próximo ao “forn sed” escandinavo.
Refere-se à maneira de viver reconstrucionista dos povos anglo-saxões, e, assim como o
Heathenry, é muito mais que uma religião, mas um modo de viver, interagir com a comunidade,
e não apenas um culto a deuses de determinados povos. É por isso que o autor bate tanto na
tecla de que não adianta fazer o Heathenry ser apenas algo como uma Igreja, uma vez que ele
é muito mais que isso, é uma filosofia de vida, um modo de agir e se organizar socialmente.
Agradecimento à Andressa Berigo que ajudou a gente com algumas coisas confusas na
tradução :}
PORTUGUÊS
“Pureza Racial” na Ásatrú
Como o
NORSKK define a si mesmo: “Somos uma irmandade Víkingar dos dias modernos vivendo nas
tradições ancestrais nórdicas pré-cristianização, incluindo o Víkinga Code: coragem, honra,
força, fraternidade, lealdade, integridade, Disciplina, Determinação, Simplicidade.
Compartilhamos nossas tradições ancestrais, nossas habilidades e nossa sabedoria para
torná-lo um verdadeiro Víkingr, ou podemos usá-las para garantir sua sobrevivência em
ambientes agressivos ou hostis”.
“Pureza racial”, um conceito ao qual aderiram os grupos folkish, não faz parte da Ásatrú, nossa
história, cultura, ou tradições.
Não obstante o fato de que a própria ideia de pureza racial não pode realmente ter qualquer
base científica, as Eddur envolvem um grande número de personagens que não são nórdicas
ou de ascendência nórdica, e ainda assim, são parte integrante da fé.
Claro, devemos também lembrar a todos que os filhos de Thorr, Magni e Modi, eram de sangue
“impuro”, porque tinham sido dados à luz por Járnsaxa, uma giganta. No entanto, eles ainda
eram considerados tão poderosos e divinos, que não só eles eram parte integrante dos Æsir,
mas eles herdariam Mjölnir de Þórr após Ragnarök para se tornarem os defensores de deuses
e homens.
A ideia de pureza racial, portanto, não tem base na Ásatrú.
__________________________________
PORTUGUÊS
Sobre os recentes enfrentamentos na Ásatrú
Todo mundo anda puto porque a página não fica em cima do muro em relação a nada só pra
ser pop. As babaquices do que se chama “politicamente incorreto” (uma postura birrenta e
infantil, para não dizer mimada e de apartamento) dominam boa parte da Ásatrú/paganismo
nórdico/heathenry, desde sempre. E esse “politicamente incorreto” ama o nazismo, ama o
fascismo, é xenófobo, misógino, racista, homo/transfóbico. Ele simplesmente não respeita a
liberdade do outro de ser da maneira que quiser. Lhes pergunto, amigos, se um Bjorn amasse
um Óláfr, o que mudaria na minha vida em especial? Em contrapartida, no momento que me
digo contra isso, tal fato interfere na liberdade deles de forma absurda.
Os mesmos hipócritas que tomam as nove nobre virtudes como suas novas tábuas de Moisés,
arrumam mil excusas pra não praticarem a hospitalidade. Como isso fede o cristianismo
contemporâneo eu nem vou comentar.
E vocês julgam que a página entra em contradição com a liberdade quando nós combatemos
(e sempre combateremos) aqueles que não entendem que a sua liberdade acaba onde começa
a do outro. São vocês que fazem uma fusão bizarra de “conservadorismo+liberdade”, não nós.
Não fechamos nem nunca fecharemos com racistas e preconceituosos. O paganismo não é
uma espécie de irmandade em que temos de acobertar nossas escrotices mutuamente só
porque colamos o rótulo “pagão” na testa ou penduramos no pescoço um Mjollnir comprado
online.
A página sempre foi, e, não importa quantas críticas façam, continuará sendo progressista.
Aqueles que nós desagradamos são aqueles que nos desagradam. Estamos quites. Mas
jamais defendemos aqui qualquer ditadura de esquerda, só por acreditarmos em coletivismo
(pois o humano é um ser social e não uma bolinha de vidro com um ego do tamanho do de um
banqueiro ou Ayn Rand ou um pirralho anarcocapitalista qualquer). Acreditar em uma
sociedade coletivista não implica aceitar como boa toda a falha tentativa ou ditadura que se
autodenomina socialista.
Não fechamos, nem nunca fecharemos, com nazistas e preconceituosos. Nem mesmo se eles
se disserem pagãos. São eles que querem separar e dividir, o que fazemos é uma legítima
resposta e defesa.
Nosso grupo no whatsapp será excluído pois não havia interesse da moderação em manter um
falatório desnecessário. Discordamos da maioria das opiniões lá expressas, e, cortesmente,
avisamos que o grupo seria excluído em vinte e quatro horas para os membros interessados se
reorganizarem em qualquer lugar. A promessa será cumprida.
Acho que já falei suficiente. Que os deuses possam nos ajudar nessa nossa caminhada. Um
abraço aos amigos, e uma boa lança no peito dos inimigos.
Esta é a hora!
PORTUGUÊS
Esta é a hora!
Muitos grupos reivindicam a “autenticidade” do heathenismo, autoproclamando-se, portanto,
originais, verdadeiros, únicos capazes de praticar com dignidade, ou mesmo veracidade, o
paganismo germânico. Segundo tal lógica, todos os outros grupos e indivíduos são falsos,
incapazes racial e espiritualmente de praticar os ritos aos deuses, ancestrais e vaettir, desde os
mais simples até os mais complexos.
A interpretação é algo enraizado na essência do homem como animal político: não há como
não interpretar. Mas nem é necessário entrar nesse âmbito filosófico da interpretação como
sendo algo intrínseco do sujeito a quem se apresenta qualquer coisa. Todavia, é interessante
ressaltar isso para enfatizar que o humano forçosamente interpreta as coisas através de suas
experiências passadas para criar representações mentais, valores e dar sentido às coisas.
Como não se tem nenhum texto que descreva perfeitamente como era a cultura dos povos do
norte europeu, como não existe nenhuma fonte absolutamente confiável, várias vertentes do
heathenismo acabaram por criar suas bases em pesquisas acadêmicas em geral, seja por via
da arqueologia, como também filologia, antropologia ou história. Outros grupos ainda se
baseiam em fontes esotéricas, que prezam por um rigor científico menos apurado. Mas, nos
delimitando por hora ao primeiro caso, e considerando essa condição do heathenismo
contemporâneo, que se limita a se construir com poucas coisas que de fato sobraram das
culturas originárias, sua base é por essência erguida através da interpretação. Por esse motivo
existem tantas vertentes com tantos nomes dentro do que poderia ser englobado como
paganismo nórdico.
Tendo isto em vista, temos que considerar que o fascismo e as noções de supremacia racial
que são encontradas em algumas vertentes do paganismo nórdico são por natureza
interpretações de uma mesma cultura originária. Não se pode tomar, no entanto, essas
vertentes como as únicas, ou mesmo as majoritárias, dentro do paganismo nórdico. Elas
tendem a se difundir através de alguns grupos heathens, é claro, mas não em todos os casos.
De acordo com seus momentos históricos, as várias faces dos paganismos foram bem menos
reguladoras que os credos monoteístas. Estes, assim como os fascistas, não permitem o plural:
e somos absolutamente contrários a esse centralismo ditatorial religioso. É nos claro que o
paganismo não é lá a terra de leite e mel; houveram guerras entre povos pagãos, combates, e
tudo o mais que a humanidade apresenta desde o início de sua história registrada. A guerra é
um conceito que na mitologia e na cultura da humanidade em geral está muito enraizado. Ela
tem por isso, suas diferentes faces e seus diferentes motivos e não precisa necessariamente
ser violência generalizada no mau sentido, ela pode servir como manutenção da paz e ser
honrosa se não for em nome de ódio gratuito e ambições desumanizadoras: lutar para não ter
que lutar mais.
“Melhor é para o homem buscar a paz por palavras, quando isso é possível.”
Sendo assim, reconhecemos o direito e a liberdade de cada grupo ou indivíduo cultuar o que
quiser e da maneira que quiser. E, aliás, de agir sob as leis de suas próprias crenças pessoais.
Mais que isso: afirmamos que ninguém deve ser coagido a praticar aquilo que não deseje
realmente. Procuramos, assim, nos afastar do fundamentalismo e doutrinação presente nas
religiões de massa, colonialistas, intolerantes e aversas aos princípios de liberdade individual e
bem social esboçados no norte da Europa, de maneira realmente vanguardista para sua época,
se comparado com o restante do continente cristianizado. Mais que isso: procuramos combater
traços desse fundamentalismo em nossa prática contemporânea.
Mas precisamos fazer aqui uma crítica pesada e estraçalhadora como o machado de um
berserker: antes de mais nada, precisamos por os radicais de cabeça para baixo para que
entendam que não devemos interpretar os textos antigos usando os nossos conceitos
modernos, sempre que isso for possível; mas ao contrário, buscar entender os textos por si
mesmos, e, quando essa tarefa traz frutos, transportar seus conceitos para a nossa realidade.
Em uma palavra: é preciso reler o presente através do passado, entendendo que ambos são
mutáveis* e não apenas adorar o passado com um olhar idealizado proporcionado pelo
presente.
de pele escura,
e o chamaram de Þræll.
Neste trecho é narrado o nascimento daquele que seria o antepassado dos escravos, e ora, ele
possui pele negra! Isso parece-lhes evidente como o brilho da Sól, por exemplo, como
justificativa da superioridade e a escravidão racial. Pois bem, os escandinavos possuíam
escravos, a Rígsþula cita-os como mais escuros, logo eles eram negros e devem ser
submetidos: os filhos superiores de Ríg têm esse direito. A lógica parece impecável: exceto por
alguns fatos históricos: a escravidão escandinava não era racial; europeus (ingleses, latinos e
eslavos, por exemplo) foram escravizados; até hoje os negros no Norte Europeu são minoria,
não havendo o indício (como no Brasil ou EUA) de forte fluxo de mão-de-obra escravizada
africana. Levando em conta, aliás, que essa forma de escravidão baseada em cor da pele
surge com as expansões marítimas a partir do século XVI, é improvável que tenha havido
similaridade na Escandinávia. Fica evidente que nossa realidade atual nos faz julgar de forma
errônea o trecho se não ponderarmos todos esses pontos.
Mas, se é tudo fruto de interpretações precisamos, todavia, tentar compreender quais mais se
aproximam daquilo que eram os povos antigos. Ressaltamos ainda mais uma vez a
necessidade de buscar não tatuar signos de ódio ou separação racial nos nórdicos porque esse
conceito era simplesmente inexistente entre eles. Houve miscigenação dos nórdicos com todos
os povos com os quais se relacionaram, seja pelo comércio, seja pela guerra. Da Ásia à
América do Norte. “Qualquer um que requeira das pessoas passar um quantum [mínimo] de
sangue, ou ter um padrão de pureza étnica, ou defenda isso, é um racista, e está apoiando
instituições racistas” (Sarenth Odinsson, The Northern Gods Are Not White**). Transformar os
nórdicos em gladiadores raciais, como se fossem a patrulha de elite de Hitler, a SS, mas com
lanças e drakkares seria tão absurdo como dizer que eles são anarquistas avant la lettre por
que possuíam um sistema legal e político bem amplo e popular, quando comparado mesmo
com governos dos séculos XX e XXI.
“Os Deuses da Heathenry e Tradição Pagã Nórdica não são brancos. Eles são deuses que
foram historicamente adorados pelos europeus, continentais ou não-continentais, do norte.
Branco, como uma definição para descrever pessoas de uma certa cor da pele, e de um modo
geral certas origens étnicas, é relativamente recente na descrição moderna. É completamente
socialmente construído, e seu uso tem sido, ao longo da história, para marginalizar outras
pessoas e situar a “brancura” como superior” (S. Odinsson, op. cit.).
Nesse ponto temos que ressaltar que os grupos que se definem como “folkish”, acabam
dançando perigosamente com o totalitarismo racial. E sim, eles são racistas. Eles não são alvo
das atitudes dos racistas raidicais até que se posicionem contra eles. Eles não sofreriam
prejuízos por polítcas racistas. Eles não são afetados por esse tipo de postura, todavia
colaboram com sua construção quando dizem que determinadas pessoas por não possuírem
ancestralidade (exclusivamente) europeia não podem praticar a Ásatrú. Todas essas ideias de
exclusividade racial na prática de uma religião ancestral provém de movimentos mais políticos
que religiosos que rasgaram a pele do reconstrucionismo nórdico desde seu início.
Todos nós acabamos por nos servir amplamente dessas adaptações. O que acaba nos
diferenciando é: como e para que esses conceitos são adaptados. Numa visão fascista de
paganismo, por exemplo, esses conceitos não são entendidos tais quais eram, sendo
negligenciada tal compreensão, simplesmente os substituindo por ideias modernas e
militaristas, objetivando justificar atos de violência indiscriminadamente contra todo o tipo de
pessoas que não se encaixem em seus padrões (heterossexuais, de pele clara, muito
preferencialmente de classes mais abastadas financeiramente), tudo isso enquanto se
autoglorificam. Conceitos essencialmente voltados para a comunidade são substituídos por
conceitos egoístas de manifestação de ódio desenfreado.
Além disso, uma interpretação reacionária não reconhece a si mesma como apenas mais uma
entre tantas interpretações, se autoproclamando como verdadeira, e, como tal, única. Em vez
do benefício da comunidade e manutenção da paz, essas ideologias tomam como base a
guerra como meio para homogeinização de opinião, para o extermínio, justamente quando
deveria haver a tolerância, o reconhecimento das várias maneiras de enxergar o mundo. Tais
pessoas e grupos injetam na cultura originária ideologias totalitárias contemporâneas e do
passado recente. Colocam seus próprios interesses na boca dos ancestrais alegando ter a
“Verdade”, em vez de deixar a cultura, os mitos e o pouco material que nos restou falarem por
si mesmos, deturpando e calando aquilo que de honroso poderiamos construir, em nome da
paz, do bom senso (citado várias vezes no Hávámál) e daquilo que seria uma fuga, justamente
dos non-senses contemporâneos de querer transformar todas as palavras num único discurso,
sem probabilidade de discussão e discordância. O nazi-fascismo no paganismo nórdico é
apenas mais uma face daquilo que a história já nos marcou profundamente através desse
longo século de guerras que tivemos.
“Na sua essência,” — Joshua Rood destaca — “Ásatrú é uma celebração dos deuses, histórias
e costumes que foram passados adiante do Norte da Europa para o mundo moderno”***.
Simples assim. Rood se refere nestes termos aos que pregam o separatismo racial: “É preciso
entender que esses movimentos não evoluíram de Ásatrú. Eles evoluíram a partir de
movimentos racistas (White Power) que se prenderam à Ásatrú, pois a religião que veio do
Norte da Europa é mais útil ao nacionalista branco do que aquela que aquela que se originou
em outro lugar. […] Deve-se saber que Ásatrú não tem nada a ver com ser algum tipo de
“guerreiro” separatista. Não é a religião dos Vikings mais do que o cristianismo é a religião dos
cruzados. Não é a religião de nacionalistas brancos mais do que o cristianismo é a religião da
KKK (Klu Klux Klan)”.
Logo, não podemos silenciar perante tais usurpações e deturpações da fé nos deuses do norte
e nossos ancestrais, sejam eles europeus ou não. Uma reconstrução prática que se baseia na
cultura germanica pré-cristã, para no mínimo se considerar séria, e digna de respeito, precisa
analisar o máximo de informação que puder daquela cultura para deixar a cultura exprimir-se
em sua magnitude por si mesma. O objetivo é modificar quem somos através do conhecimento
dessa cultura e não enxertar nossos dogmas contemporâneos em uma cultura muito anterior a
nós, principalmente, se for para rebaixar o mundo aos nossos próprios pés, como os grupos
racistas procuram fazer, intencionalmente ou não. Como diz um skald da organização heathen
Hvergelmir: “essas politicagens não são relevantes para a reconstrução Heathen prática e são
francamente prejudiciais, pois elas lançam o intragável e sinceramente nauseante perfume da
Supremacia Branca sobre o Heathenismo” (Einar V. Bj. Maack, Honest cheesemongering — or
the perils of shopping for knowledge)****.
É preciso superar-se enquanto indivíduo, para ser melhor e viver melhor em nome, não só de si
próprio, mas também da comunidade, da nossa nova tribo ou clã. Os fascistas, nazistas e
racistas, em seu complexo de superioridade, não querem ser ‘apenas’ humanos, dão-se o grau
de deuses, e esperam ser reconhecidos como tais, ditando a ordem de funcionamento do
mundo. Quanto “puros” eles sejam biologicamente não interessa, quando suas ideias estão
totalmente contaminadas e viciadas por ideologias cancerígenas política e socialmente. Dessa
forma queremos sublinhar a diferenciação entre as origens da prática do paganismo germânico
e do racismo que assim se transveste. Reforçamos que para ser heathen é preciso agir, e é a
ação que nos faz importantes para nosso grupo, ancestrais e deuses. Reiteramos que todas as
ideias de supremacia racial que desde muito se confundem com a reconstrução pagã não
equivalem ao todo ou sequer à maioria do paganismo germânico. E, por fim, destacamos que
por mais que alguns grupos queiram monopolizar a opinião sobre a prática do paganismo, nós
sempre existiremos para contestar. O mesmo tipo de pessoas que não se converteu ao
cristianismo e foi condenado às fogueiras no passado é obrigado a se defender hoje de todos
aqueles fundamentalistas (sejam eles de religiões reveladas ou não), protegendo o direito a
uma religiosidade plural e livre, não atrelada a totalitarismos de nenhuma espécie. É a hora de
percebermos que a nossa raça é a humana.
Homossexualidade na Ásatrú
PORTUGUÊS
Homossexualidade na Ásatrú
Como o
NORSKK define a si mesmo: “Somos uma irmandade Víkingar dos dias modernos vivendo nas
tradições ancestrais nórdicas pré-cristianização, incluindo o Víkinga Code: coragem, honra,
força, fraternidade, lealdade, integridade, Disciplina, Determinação, Simplicidade.
Compartilhamos nossas tradições ancestrais, nossas habilidades e nossa sabedoria para
torná-lo um verdadeiro Víkingr, ou podemos usá-las para garantir sua sobrevivência em
ambientes agressivos ou hostis”.
Pessoas folkish[1] amam referir-se a algum trecho da Germânia de Tácito, o que sugere que a
homossexualidade foi condenada por algumas tribos germânicas. Eles também apontam para a
existência de duas múmias do sexo masculino no pântano de Weerdinge na Holanda, alegando
que eles foram mortos porque eles eram homossexuais. Eles ainda parecem convencidos de
que sabem o significado dos textos em nórdico antigo melhor do que ninguém, incluindo
aqueles de nós que compreendem verdadeira e atualmente o nórdico antigo.
Primeiro, é importante saber que essas tribos germânicas precedem os Vikings por
aproximadamente um milênio, e enquanto eles podem ter sido alguns dos nossos ancestrais,
de fato, muita coisa pode acontecer em cerca de mil anos (veja a Irlanda, há 10 anos eles
odiavam homossexuais, agora a grande maioria da população apoia o casamento de pessoas
do mesmo sexo, na medida em que isso se tornou lei por referendo). Essencialmente, não se
pode razoavelmente esperar que nós Víkingar teríamos seguido os modos (de qualquer coisa
que eles podem ter sido) de alguma antiga tribo depois de tanto tempo ter se passado!
Quanto às próprias as múmias, as pessoas folkish afirmam que eles foram mortos porque eram
homossexuais, mas muitos estudiosos têm uma explicação diferente: um guerreiro morto em
batalha foi enterrado com… seu parceiro masculino!
Finalmente, as pessoas que não falam a língua, ou seja, nomeadamente o nórdico antigo, não
podem adequadamente fingir compreender remotamente o real significado de vários textos
históricos e materiais, especialmente quando sua própria compreensão da cultura nórdica, em
primeiro lugar parece ser mais do que limitada.
Alegando que a Ásatrú Nórdica é o mesmo que o Paganismo Folkish Germânico, de qualquer
forma, só porque ambos compartilham a mesma origem, seria como dizer, por um lado, que o
cristianismo e o islamismo são a mesma e exata religião porque ambas originalmente
ramificaram-se a partir da mesma idéia, e por outro lado, que os conceitos e crenças não
evoluem com o tempo … neste caso, cerca de 1.000 anos.
Além disso, era costumeiro aos Vikings estuprar inimigos que haviam perdido as batalhas,
tanto homens como mulheres, e o controle sexual também era um método para manter os
þrælar[2] na linha.
Devemos também lembrar a todos que Loki se transformou em uma égua, a fim de ser
fecundado por um garanhão, para finalmente dar à luz a Sleipnir! Enquanto Loki certamente
não é o deus nórdico com as maiores virtudes, o fato de que Óðinn levou Sleipnir como seu
amado cavalo, mostra claramente que o comportamento de Loki certamente não foi um
problema para os deuses …
Como uma útilma observação, os Vikings evoluíram com o seu tempo, e, sem dúvida,
desviaram dos caminhos de algumas tribos germânicas arcaicas que os precederam por cerca
de mil anos. Na nossa sociedade moderna, temos nós mesmos evoluído a partir da era Viking:
Nós já não estupramos os inimigos que derrotamos, já não invadimos outros países por suas
mulheres e riquezas, e não mais escravizamos nossos vizinhos. Evolução das idéias e crenças
é simplesmente um aspecto fundamental da nossa espécie.
No fim das contas, folkish “Heathens” são, naturalmente, livres para acreditar em qualquer
coisa que eles queiram. Porque a sua liberdade termina abruptamente quando nossa liberdade
começa, no entanto, devem abster-se de empurrar seus pontos de vista sobre as pessoas no
NØRSKK, The Víkinga Order, Ásatrúarfélagið, ou quaisquer outras organizações que não
compartilham seus pontos de vista. Nós, como indivíduos, decidimos aquilo em que
acreditamos, e como vivemos nossas vidas.
[1] Pessoas ou grupos folkish são em geral aqueles que acreditam que apenas os
descendentes genéticos e/ou contidos em um determinado espaço geográfico europeu é que
podem praticar o antigo caminho dos deuses do norte. Nota do tradutor.
PORTUGUÊS
Homossexualidade, Naturalidade e Paganismo Nórdico
Recorrentemente vocês veem a gente falando da homossexualidade. Isso tem vários motivos,
entre eles: a) geralmente doutrinas políticas/esotéricas de ódio (Nazismo – que hoje se
autointitula falaciosamente “terceira via” -, Arianismo, White Power) possuem uma posição
completamente abjeta em relação às relações entre pessoas do mesmo sexo; b) na mesma
linha, mesmo entre muitos pagãos não alinhados com a extrema-direita, consideram-se os atos
homossexuais como “antinaturais”.
Como não é a primeira, nem a segunda vez, que tocamos no tema, decidimos, desta vez,
sintetizar da forma o mais completamente possível as informações sobre o tema. Eu não sou
homossexual: simplesmente acho ridículo que alguns heterossexuais queiram impor o seu way
of life a todos em pleno século XXI. E é ridículo o quanto o discurso de um pagão homofóbico
se assemelha ao de um cristão homofóbico, bastando apenas substituir o termo Deus pela
mesma palavra com letra minúscula e no plural para que ambos se igualem.
Bem, vamos lá
NO REINO ANIMAL
Ao contrário do que os mais conservadores e preocupados com a vida alheia dizem sob suas
supostas preocupações com a natureza, nos seres vivos não-humanos não existem evidências
que comprovem que a homossexualidade seja algo essencialmente prejudicial à espécie.
Então, mesmo que casais homossexuais não possam fecundar entre si, eles possuem em
diversas ocasiões muito mais vantagens que indivíduos heterossexuais sem companhia das
mesmas espécies.
NOS HUMANOS
Ao contrário do que os mais conservadores e preocupados com a vida alheia dizem sob suas
supostas preocupações com a manutenção da espécie, a homossexualidade não fornece
perigos ao desaparecimento da raça humana.
Nós já saímos faz tempo da casa dos seis bilhões de pessoas no mundo, e eu posso garantir
que o pior perigo para a raça humana não é a falta, mas o excesso de reprodução dos seus
indivíduos.
Por outro lado, pesquisas entre países da Europa e América (mais liberais em relação ao
assunto) revelam um número entre 1,2 % e 3,5 % dos indivíduos assumindo-se homossexuais.
Ou seja, um número inexpressivo e incapaz de limitar a capacidade reprodutiva da espécie.
“Ah, mas se é um número tão pequeno, nós temos mais com que nos preocupar…” isso porque
você tem seu direito ao casamento garantido por leis e pelo status quo social.
E, por fim, em pesquisa realizada em 1996 nos EUA, 64 homens foram submetidos a ver 3
filmes pornôs de 4 minutos de duração, com um equipamento que media a intensidade de sua
ereção (pletismógrafo). No primeiro, relações homem com mulher, no segundo, mulher com
mulher e no terceiro, homem com homem. Os que se assumiram não tolerantes com relações
homossexuais registraram um aumento peniano de três a quatro vezes maiores que os que
não se importavam com tais relações. “Aí os cientistas perguntavam a cada um se eles
tinham tido ereção. Os homofóbicos que o pletismógrafo flagrou olhavam para os
pesquisadores e respondiam, convictos: “não”” (Super Interessante).
NOS ESCANDINAVOS E GERMANOS
Ao contrário do que os mais conservadores e preocupados com a vida alheia dizem sob suas
supostas preocupações com a tradição de seu povo/raça, os germanos, e principalmente os
escandinavos não pareciam manifestar a homofobia ou puritanismo sexual – nem no passado,
nem no presente –, da forma como os ultrarreacionários gostariam.
O primeiro problema no entendimento da sexualidade entre essas tribos é justamente que elas
não possuíam fontes escritas e quase tudo foi então compilado por cristãos, que com certeza
purgaram ou simplesmente não manifestaram atenção sob determinados pontos. E assuntos
como homossexualidade sempre foram tabus para o cristianismo católico ou evangélico.
O segundo problema é justamente a visão romanizada sobre os esses povos que perdura até
hoje: a) os vikings eram uma classe apenas dos povos do norte/oeste europeu: os
viajantes/saqueadores marítimos. Mas existiam fazendeiros, comerciantes, nobres, artesãos,
etc. Logo, os vikings não representam o conjunto da população nórdico-germânica; b) os elmos
de chifres atribuídos aos vikings são justamente parte do ideário cristão de demonizá-los; c) é
improvável que mercadores sujos, ignorantes e mau-vestidos tivessem qualquer sucesso
ontem ou hoje (e sabemos que os escandinavos foram exímios comerciantes), em detrimento,
é claro, de alguns vikings que poderiam ser mais rústicos (como em qualquer povo).
A arquelogia vem esclarecer sobre esse suposto puritanismo de grupos brasileiros e do exterior
que embora alguns ironicamente pensem que “The Teutonic tribes of Europe originally lived by
their indigenous law, racial spirit and morality of such elegance, intelligence and purity since
time immemorial”, foi encontrado um pênis entalhado em um chifre datado de cerca de 8.000
anos, na atual Suécia; o uso do termo “níð” na formação das palavras linguisticamente atesta
que sim, havia homossexualidade sob diversas circunstâncias na sociedade escandinava, uma
vez que essa palavra era usada para referir-se tanto aos indivíduos que tinham relações
homossexuais entre si, como de forma pejorativa, como “covarde”. Isso porque embora os
escandinavos fossem relativamente liberais em relação ao assunto, um homem que vivia sob
outro homem era entendido como alguém que entrega seu poder de decisão a outro.
A homossexualidade tanto poderia ser uma etapa da vida masculina (antes de determinada
idade ou ato iniciático); um ato punitivo (ato sexual anal como forma de submissão); quanto
relacionamento afetivo (homoafetividade); poderia ser um ato “efeminado” ou ultramasculino
(como guerreiros que valorizavam tanto a força que desprezavam o feminino); abundam
registros arqueológicos retratando casais do mesmo sexo… Ufa, é muita informação pra
resumir.
NA MITOLOGIA
Dessa forma podemos ver que os povos antigos tinham, também em sua mitologia, ciência da
homossexualidade, e que em determinados momentos a inversão sexual era responsável por
ajudar a solucionar problemas graves nos quais os deuses haviam se metido.
Na Lokasenna os deuses trocam acusações entre si, e Loki é quase sempre indicado como
“efeminado”; crítica que ele devolve ao próprio Odin, que era instruído no Seidr (magia
centralmente feminina, na qual a Vanir Freyja instruiu os Aesires). Ou seja, o próprio deus
guerreiro-mago sabia que era necessário incorporar a totalidade dos sabers (nas tribos
germânicas o seidr era uma magia tida como efeminada).
Antes de mais nada vale ressaltar que Johanna Sigurdardottir foi eleita, em 2009, primeira-
ministra da Islândia. Além de mulher ela é lésbica. O preconceito não afeta os povos nórdicos
da forma que o moralismo nazista/arianista deseja MESMO. Mas, voltando…
Entre outros méritos dessa “Associação da Fé nos Aesir”, está a criação do primeiro templo
direcionado à fé nos deuses nórdicos na Islândia em 1.000 (MIL!) anos.
CONCLUSÃO
Eu sei que o texto ficou longo, mas era muita coisa a se debater sobre esse assunto. Eu sei
que os que são contra a homossexualidade não irão aceitar esse texto. Mas ele foi feito pra
provar que as suas crenças (cegas) não passam de falácias. Os registros históricos abundam,
bem como os atos dos povos nórdicos, em evidências do quanto a mentalidade homofóbica é
baseada tão somente em achismos, e não apenas quando se refere à homossexualidade de
humanos, bem com na natureza como um todo.
Sim, as pessoas têm direito de se relacionar como querem: e isso não oferece nenhum perigo
à nossa espécie/cultura: já passou da hora de respeitar a tradição de purgar sua mente da
homofobia.
REFERÊNCIAS
Homossexualidade na Escandinávia
http://super.abril.com.br/blogs/mundo-novo/2013/04/29/homofobia-e-coisa-de-veado/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade_no_reino_animal
http://www.caiofabio.net/conteudo.asp?codigo=04981
https://homofobianaoexiste.wordpress.com/topicos-interessantes/quantos-lgbts-ha-no-mundo/
http://www.vikinganswerlady.com/gayvik.shtml
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI25287-15227,00-
LESBICA+ASSUME+POSTO+DE+PRIMEIRAMINISTRA+NA+ISLANDIA.html
http://www.gayiceland.is/2015/viking-weddings-trending/
http://www.bbc.com/news/world-europe-31437973
http://super.abril.com.br/ciencia/atracao-entre-iguais
O paganismo e o preconceito, I
Relacionamentos já foram quebrados por conta disso. Um relato de uma amiga, por exemplo,
diz que a mãe de um ex-namorado (e também a mãe do atual) usava a condição dela de pagã
e bruxa como argumento para separá-los: naturalmente, uma bruxa jamais poderia ser capaz
de manter um bom relacionamento. Em outro relato, esta mesma amiga diz que sua mãe,
quiroprata, já foi chamada de “curandeira” por pessoas de sua cidade, o que a obrigou a
mudar-se de onde morava para escapar da perseguição. Observe que a relação dela com o
ocultismo sequer existia; mas, uma vez associada a fama, ela persiste e perdura.
Neste último caso, o preconceito transcende a mera religião. É o imaginário perigoso, cruel e
violento da bruxa, da magia, do pagão, que leva a um pânico moral. Que leva a conclusões
que, claramente, causam a morte de pessoas. Principalmente quando se junta a outras formas
de preconceito, como a misoginia. Uma simples busca por “mulher acusada de bruxaria” (como
foi o caso de Angela Sanford), traz diversos casos em que mulheres foram mortas e, muitas
vezes, queimadas, sob tal acusação.
No Brasil mesmo, uma mulher foi morta no Guarujá, São Paulo, depois de acusada na Internet
de bruxaria e de fazer rituais satânicos com crianças. A vítima era inocente.
No Brasil, a mais comum forma de preconceito se perpetua contra aquelas de matriz africana,
como o candomblé e a umbanda. Todos os praticantes destas religiões, praticamente, já
passaram por situações constrangedoras, quando não de preconceito direto. Um amigo,
umbandista, já teve um colar arrancado de seu pescoço por uma pessoa que gritava dizendo
ser coisa do demônio.
Uma menina foi apedrejada no Rio de Janeiro ao sair de um ritual de candomblé, ação essa
atribuída à intolerância religiosa.
Estas religiões tem seu preconceito marcado ainda mais pelo racismo inerente à sociedade. É
bastante comum suas figuras serem “branqueadas”, como é o caso de Yemonjá, quando não
abertamente demonizadas. Embora isso aconteça com outras religiões pagãs, como já dito,
essa associação se torna mais visível nas religiões de matriz africana no Brasil, quando
percebemos a relevância dela para a construção cultural brasileira, e o quão naturalizada é a
discriminação a elas.
Macumba. Originalmente, o
termo se refere a um instrumento musical africano. Via Wikicommons.
O termo macumba é frequentemente usado de forma pejorativa para se referir às oferendas
deixadas por praticantes desta religião. E, de fato, quem de nós nunca ouviu (e, algumas
vezes, até repetiu) a expressão “chuta que é macumba”? Ora, que interessante, “chutar” uma
oferenda religiosa. O mesmo certamente não seria dito de um santo católico, ou de um pastor
(OK, talvez sobre alguns determinados tipos de pastores).
Isso quando estes mesmos filhos e filhas não são hostilizados dentro de suas próprias casas,
por familiares, devido ao seu paganismo. Bastante comum quando a família é fundamentalista
cristã (que, como a visão de mundo, é a mais comum, principalmente no Brasil). Ou expulsos
de suas casas por comunidades que rejeitam sua religião.
Essa corrente da cultura popular se propaga no imaginário popular, dentro e fora, e muitos
vezes pouco ou nada tem a ver com paganismo real. Em larga parte devido à ignorância que o
paganismo (em suas diversas vertentes) sequer existe enquanto religião, ou como algo mais
que apenas uma “distração” ou “fase”. Principalmente no Brasil, onde, embora a população
pagã seja grande, muitas vezes continua no anonimato e, em relação à população geral, é
quase nula. A maioria das religiões pagãs não são sequer reconhecidas como tal pelo governo
brasileiro…
… o que pode ser positivo, de certa forma. Afinal, nós temos projetos de lei que visam coibir o
sacrifício animal para fins religiosos, que são parte integrante de muitas religiões antigas, mas
cujo alvo, claramente, são aquelas de matriz africana que ainda o fazem. Felizmente, este
projeto caiu por terra a nível federal.
Observe que, embora o termo sacrifício animal possa parecer cruel, muitos desses animais são
consumidos após seu sacrifício. O blót, principal ritual religioso do heathenismo, consiste de
sacrifício animal, que depois é consumido em um grande banquete, sendo uma parte dedicada
aos deuses (geralmente o sangue). Em nenhum momento se advoga a tortura ou crueldade
para com os animais, e de fato, tal coisa afeta o ritual, quando não o invalida.
Não é, de forma geral, muito diferente da indústria alimentícia. Talvez seja até melhor,
considerando as condições de criação que estes animais passam já que, geralmente, são bem
criados e sacrificados de maneira rápida e o menos estressante possível, ao contrário do que
acontece em muitos abatedouros, principalmente clandestinos.
Às vezes, o anonimato pode nos proteger mais que a legitimidade aos olhos da lei.
Mas, é sempre bom estar alerta. O mundo ao nosso redor nem sempre estará preparado para
aceitar o que somos, quem somos, e como pensamos.
Saber lidar com isso é apenas um dos desafios pelo qual passamos e passaremos.
O paganismo e o preconceito, II
No post anterior, eu falei extensivamente do risco que pagãos das diversas vertentes correm,
devido a associações com uma visão “popular” do satanismo, da bruxaria e da macumba. Hoje,
falemos sobre outro assunto, que é a pura falta de reconhecimento da própria existência de
nossos deuses, enquanto deuses, ou de respeito pelo culto a eles.
Nossos deuses pagãos são muitos, e vastos. Eles vem em todas as formas, cores, gêneros e
sexualidades. Os deuses pagãos, de certa forma, foram a primeira frente entre humanos e
aquilo que, geralmente, é considerado mais que humano: são um passo a mais que o
animismo puro (e, em muitos casos, o próprio animismo em si).
Durante séculos, milênios até, os deuses considerados pagãos foram adorados. Existem
pouquíssimas, ou nenhuma, culturas que não cultuam algum tipo de deus ou deuses, e a
grande maioria é ou foi politeísta.
O motivo pra isso é simples. O paganismo de uma maneira geral, principalmente o europeu, foi
conquistado. Quando da expansão do cristianismo pelo Império Romano, os deuses pagãos
foram condenados e associados a demônios e espíritos malignos. Durante a Idade Média, seu
culto foi condenado, reprimido e ridicularizado.
Isso faz muito tempo. Séculos. Eventualmente, esses cultos, embora não totalmente
esquecidos, perdem ssu significado e tornam-se mero folclore, contos fantásticos, e uma
mistura de cristianismo e paganismo. Nas áreas rurais da Noruega talvez ainda existam
pessoas que dão alimento ao fogo, celebrando Lokke, mesmo sem saber a razão disso. O culto
se torna superstição e mero costume. Mas permanece.
O mito tem um papel fundamental na sociedade humana. Mitos, de maneira geral, funcionam
como uma força de integração social e cultural. Através do mito passamos o conhecimento de
geração em geração, os costumes e as crenças de uma cultura e de um povo. O mito é
personalíssimo da cultura onde se criam: mitos tupis não serão idênticos a mitos astecas, ou
norte-americanos, ou semitas, ou árabes.
Nossas religiões têm mitos. Todas tem. E não existe nada de particularmente degradante em
mitos serem reconhecidos como tal — muito pelo contrário.
A concepção moderna, popular, entretanto, associou o mito à ficção e à fantasia, a algo que
não é necessariamente real. Então quando falamos em mitologia grega, ou nórdica, a
percepção de ficção permanece. A visão de contos de ficção permanece.
Quando eu era criança, eu tinha muito apreço pela mitologia greco-romana. Tinha livros que
tratavam da mitologia do ponto de vista da arte — que tratavam dos mitos como parte
integrante da cultura local. À época, eu nunca entendia por que aqueles mitos eram tratados
como tal, e outros não. O mito grego era sagrado para os gregos; ou melhor, o mito grego
contava estórias sobre o sagrado pagão grego. Então por que estes eram fantasias, e outros
não?
Imagem em uma ânfora antiga da Ática, representando o renascimento da deusa Atena da
cabeça do deus Zeus. Via Wikicommons.
Por que os deuses das religiões modernas podem ser tratados como existentes, ou no mínimo
com respeito, mas os deuses do passado apenas como um erro, ou uma crença tola que as
pessoas tinham, mas que transcenderam, como a crença em uma terra plana?
Mas é fato que alguns mitos são tratados como ficção pela visão de mundo vigente. E, por
serem tratados como ficção, aqueles que se voltam para eles são encontrados com atitudes
que podem variar de incredulidade a ironia e à ridicularização de uma crença.
E isso afeta a percepção de um culto religioso diante da sociedade em geral. Meus símbolos
sagrados não são reconhecidos como tal. Eu, a autora, não tenho nenhum interesse em
particular para que eles sejam; mas é claro que há uma diferença muito grande entre o
tratamento dado ao mjölnir, por exemplo, e a uma cruz.
Eu me pergunto como algumas pessoas reagiriam se, ao invés da típica cruz de madeira na
parede de um gabinete (algo que, como servidora pública, já vi muitas vezes), encontrassem
um pentagrama. Um mjölnir. Ou pior, uma fylfot (também conhecida como suástica; um símbolo
religioso solar, datando de muito antes de sua apropriação pelo nazismo alemão).
Buddha do navio de Osenberg, portando quatro suásticas. Decoração em um balde.
Via Wikicommons.
Religiões que não são tratadas como religiões, mas como bobagens, alucinações, ou até
mesmo modismos. E como tal, que não tem as mesmas proteções e privilégios de religiões
oficiais.
Não que isso seja necessário para legitimar a fé (ou falta de fé) de qualquer pessoa. Mas
quando sua religião não é sequer reconhecida como tal, é normal que existam muitos com uma
visão distorcida de suas práticas, ou que as mesmas sejam colocadas em segundo plano.
Principalmente, quando o praticante é jovem ou dependente de terceiros.
Quando sua religião não é reconhecida como tal, necessidades específicas dela são rejeitadas.
Por exemplo, uma visita em seu leito hospitalar por um sacerdote de sua religião; restrições
alimentárias específicas, se cabíveis; procedimentos específicos para seu funeral; o respeito e
o espaço para seu local de culto; o reconhecimento de seus símbolos religiosos como tal; entre
tantas outras coisas em que uma religião afeta a vida de um ser humano, no seu dia a dia.
Isso sem falar nos incômodos diários, nos comentários maldosos, em ter que explicar e
racionalizar sua crença para que outros a respeitem — se é que respeitarão. Mais de uma vez
tive que ouvir piadinhas relativas ao deus Thor (e sua associação, naturalmente, com o
personagem da Marvel), porque como heathen, eu mantenho culto a esse deus. Não me
incomodo; mas depois de um tempo, ouvindo pela milésima vez, cansa.
Um homem persegue Hildur e cai
no abismo. Presente no livro Icelandic Legends: Collected by Jón Árnasson, 1864.
Via Wikicommons.
Isso se estende até a mídia formal. Como esta reportagem: Elfos alteram até projetos de
estrada na Islândia. Durante o vídeo, o narrador menciona “até os projetos de construção
levam os elfos a sério”. Mas, claro, quem conhece um pouco a cultura islandesa, sabe que a
crença em elfos (e outros seres) é parte da cultura e do folclore local, e muito presentes no
país, até hoje, pré-datando o cristianismo em séculos.
O reconhecimento religioso não existe, neste caso. O assunto é tratado como uma curiosidade,
apenas, e não como parte integrante de uma crença antiga e profundamente enraizada na
cultura islandesa. Esta notícia veiculada no portal UOL, trata como “coisa de maluco”, e embora
reconheça ao fim a real motivação da ação movida (preservação ambiental), desconsidera
completamente a existência de uma crença muito real no local.
Pastores já pediram, inclusive, que a estátua da deusa africana Iemanjá fosse retirada do rio
São Francisco (a ironia presente até no nome), em Petrolina, em nome do estado laico. E no
entanto, como bem aponta a notícia, uma imagem cristã é cartão postal e ponto turístico no
Brasil.
As mesmas religiões de matriz africana não tem espaço reservado na Vila Olímpica, em seu
espaço ecumênico. Aparentemente, não são religiões o suficiente para meritar inclusão.
O reconhecimento de religiões como tal, pelo próximo e pelo estado (mais pelo primeiro que
pelo último, em termos práticos), como culto real, que deve ser respeitado e tratado como tal, é
apenas um dos muitos desafios de pagãos em geral.
Não é uma questão de proibir ou coibir piadas, usos de figuras mitológicas na cultura popular,
ou coisas do gênero. Mas respeito — no sentido amplo da palavra — e reconhecimento que
sua fé é, realmente, uma fé, importa.