Mulheres e Carnavais Na Cidade Do Rio de Janeiro, Representações Do Corpo (1961-1980) - Ellen Maziero
Mulheres e Carnavais Na Cidade Do Rio de Janeiro, Representações Do Corpo (1961-1980) - Ellen Maziero
Mulheres e Carnavais Na Cidade Do Rio de Janeiro, Representações Do Corpo (1961-1980) - Ellen Maziero
Assis
2018
ELLEN KARIN DAINESE MAZIERO
Assis
2018
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca da
Universidade Estadual de Londrina
M476m
Maziero, Ellen Karin Dainese.
Mulheres e carnavais na cidade do Rio de Janeiro: representações do
corpo (1961-1980) / Ellen Karin Dainese Maziero, 2018.
236 f. : il.
396:394.25 (81)(091)
Dedico esta tese aos meus amados pais, José Donizete Maziero e
Cirene Maria Dainese Maziero, os principais companheiros desta
longa e intensa jornada.
AGRADECIMENTOS
Escrever uma tese de doutorado nunca é uma tarefa fácil, ainda mais quando a
pesquisa, a escrita e o desenvolvimento das análises ocorrem conjuntamente aos
compromissos profissionais assumidos. Ao refletir sobre essa longa jornada que não
circunscrevo somente aos anos dedicados à escrita da tese, mas também ao período da
graduação e do mestrado, percebo quantas foram as realizações alcançadas, as amizades
iniciadas em razão da UNESP/Assis e os aprendizados decorrentes da elaboração de duas
pesquisas. Os desafios enfrentados, especialmente nessa última etapa, ajudaram a constituir a
pessoa que sou hoje, e, sem dúvida, o caminho teria sido muito mais árduo se eu não tivesse
ao meu lado pessoas com as quais pudesse contar e que me auxiliaram das mais diversas
formas.
Agradeço, em primeiro lugar, à minha orientadora, Zélia Lopes da Silva, por todos
esses anos de orientação, amizade, paciência, incentivo e pelas fundamentais contribuições a
este trabalho. É certo que o professor orientador desempenha um papel importante na
trajetória intelectual de seus alunos. Posso afirmar, sem recorrer a exageros, que Zélia, pela
dedicação ao ofício da História, pelo rigor profissional e, particularmente, por me instigar a
prosseguir na vida acadêmica, deixa marcas ainda mais profundas no meu ser. A ela minha
eterna gratidão.
Aos meus amados pais por me ensinarem a não desistir diante dos obstáculos da vida
e por estarem sempre ao meu lado. Obrigada pelo amor, pela dedicação e por todo o aporte
fornecido para a realização desta tese.
À minha querida avó, Idalina Bigotto Dainese, pelas orações, pelo afeto e por me
ensinar a ter fé, essencial em determinados momentos da vida.
À professora Tania Regina de Luca, presente em minha trajetória intelectual desde a
graduação, pelas importantes contribuições às minhas pesquisas e, especialmente, pelas
críticas e apontamentos realizados durante o Exame de Qualificação. Sou grata também à
professora Priscila David, pela leitura minuciosa de meu texto e por facilitar, junto à
ENGEMAP, a elaboração dos mapas que constam nesta tese. A elas, agradeço, imensamente,
por terem colaborado, com suas orientações precisas, para o prosseguimento e finalização
deste trabalho.
Aos colegas e amigos da EMEF. Des. Paulo Colombo Pereira de Queiroz, pelo
carinho, pela companhia e pelo apoio. Estendo este agradecimento à Secretaria Estadual de
Educação, à qual está vinculada a escola em que sou titular – E.E. Aristides de Castro –, pelo
afastamento concedido para o desenvolvimento desta pesquisa.
Aos amigos que me acompanharam nesta jornada, pelos momentos de alegria e
distração, pela torcida e por me encorajarem cada um a seu modo. Meu muitíssimo obrigada
a: Joice Serafim, Danilo Bezerra, Wellington Amarante, Rafael Mateus, Roseli Alencar,
Jacqueline de Souza, Carla Lisboa, Jane Pereira e Margaret Vellasco. Sei que ao nomear
alguns amigos, esqueço, eventualmente, de tantos outros que foram e são especiais e me
ajudaram na travessia que é concluir um doutorado. De qualquer modo, não poderia deixar de
agradecer, de um modo especial, às minhas amigas-irmãs Fernanda Aparecida Henrique da
Silva e Pâmela Torres Michelette, pelos anos de cumplicidade e carinho, e, no caso de
Fernanda, pela “presença” quase cotidiana, apesar da nossa grande distância física. Agradeço,
igualmente, ao querido amigo Deivid Aparecido Costruba, com quem pude dividir as
incertezas e alegrias destes últimos anos.
Agradeço, também, aos professores da UNESP/Assis, pela formação durante os anos
de graduação e pelas disciplinas ministradas no mestrado e doutorado, além dos funcionários
da Biblioteca e do Programa de Pós-graduação, pelo esclarecimento de dúvidas e pela
solicitude no atendimento.
Aos funcionários da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da
Universidade de São Paulo, da Biblioteca e Centro de Documentação do Museu de Arte de
São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa
(CEDAP), da UNESP/Assis, e, por fim, aos servidores do Museu da Imagem e do Som (MIS)
do Rio de Janeiro, pela afabilidade e presteza com que me atenderam no acesso às fontes
utilizadas na pesquisa.
À Kátia Mello pela correção do texto e ao Renato Miranda pela elaboração dos
mapas.
À Marilene Maria Lopes Lucena pela elaboração da ficha catalográfica que consta neste
trabalho.
E, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pelo apoio financeiro concedido a esta pesquisa durante os seis últimos meses.
Meu choro não é nada além de carnaval
É lágrima de samba na ponta dos pés
A multidão avança como vendaval
Me joga na avenida que não sei qual é
Na avenida deixei lá
A pele preta e a minha voz
Na avenida deixei lá
A minha fala, minha opinião
A minha casa, minha solidão
Joguei do alto do terceiro andar
Quebrei a cara e me livrei
Do resto dessa vida,
Na avenida, dura até o fim
Mulher do fim do mundo
Eu sou e vou até o fim cantar
[...]
RESUMO
Esta tese se propõe a investigar as representações da imprensa quanto à presença das mulheres
nos carnavais da cidade do Rio de Janeiro, entre 1961 e 1980, período de questionamentos e
mudanças nos papéis femininos e de redefinições na própria festa carnavalesca. Considerado
um festejo libidinoso, o carnaval propiciava ambientes mais livres para transgressão de
antigas normas morais e, também, para reafirmação dos novos valores em construção na
época. Nesse tipo de festividade, as mulheres buscavam formas mais explícitas para
extravasar sua sensualidade e colocar em xeque valores e costumes tradicionais. As mudanças
ocorridas no Brasil nos anos em estudo, especialmente a chamada revolução sexual e as
demandas provenientes do movimento feminista, provocaram transformações irreversíveis no
modo de viver de muitas mulheres e lhes permitiram maior liberdade de ação. No entanto, a
progressiva comercialização do carnaval e a erotização do corpo feminino ocorrida na
sociedade mais ampla trouxeram contornos mais sexuais para as posturas assumidas pelas
mulheres nessas celebrações e para as representações da imprensa. A partir da cobertura dos
carnavais realizada pela imprensa periódica – O Cruzeiro, Manchete e O Globo –, de charges
e fotografias publicadas nas revistas selecionadas e de depoimentos orais de mulheres
envolvidas nos festejos carnavalescos, pretende-se examinar a especificidade da presença
feminina nessas festividades, bem como suas transgressões às proibições e normas existentes
na sociedade da época.
Palavras-chave: Representações. Imprensa e Carnaval. Corpo. Mulheres Cariocas.
Transgressão.
MAZIERO, Ellen Karin Dainese. WOMEN AND CARNIVAL REVELRIES IN THE
CITY OF RIO DE JANEIRO: representations of the body (1961-1980). 2018. 236 p.
Doctoral dissertation (History) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2018.
ABSTRACT
This dissertation was carried out to investigate representations produced by the press
concerning the presence of women in carnival revelries held in Rio de Janeiro from 1961 to
1980, period of questionings and changes in the roles played by women and of redefinitions
of the very carnival celebration. Viewed as a kind of libidinous festivity, carnival provided
favorable surroundings for transgression of old moral rules and, also, for the reaffirmation of
new values in progress at that time. In this kind of festivity, women searched for more explicit
ways to let out their sensuality and keep in check traditional values and customs. The changes
which took place in Brazil in the period at issue, mainly the so called sexual revolution and
the demands resulted from feminist movements, caused irreversible changes in the way of
living of many women and allowed them to enjoy freedom of action. However, the advancing
commercialization of carnival and the eroticizing trend of the female body within a wider
scope of society brought about more sexual profiles for the posture adopted by women in such
festivities and for the representations produced by the press. From the coverage of carnivals
by the periodicals – O Cruzeiro, Manchete and O Globo –, of cartoons and photographs
publishied in the selected magazines and from oral testimonies given by women involved in
carnival revelries, one tries to assess the specificity of women's presence in such festivities, as
well as their transgressions of prohibitions and rules prevailing within the society of the
period at issue.
Keywords: Representations. The press and Carnival. Body. Women from Rio de Janeiro.
Transgression.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 3 – Charge de Carlos Estêvão sobre a proibição do biquíni nos festejos carnavalescos
de 1952 .............................................................................................................................. 130
Figura 4 – Pierrete Saint-Tropez no Baile dos Artistas no Hotel Glória, em 1962. ............. 134
Figura 6 – Charge de Ziraldo acerca do esforço das mulheres negras para participar do
carnaval ............................................................................................................................. 137
Figura 7 – Foliona vestida de noiva no Baile do Hotel Copacabana Palace, em 1964 ........ 138
Figura 11 – Folionas desfilam de tanga no bloco Bafo da Onça, no carnaval de 1974 ........ 185
Figura 13 – Mulher expõe parcialmente seu corpo no baile "Uma Noite em Bagdá", no Clube
Monte Líbano, em 1975..........................................................................................................191
Figura 15 – Uma das páginas da matéria da revista Manchete sobre a suposta "explosão do
sexo" no carnaval em fins da década de 1970.........................................................................206
QUADRO 2 – Alguns dos destaques e passistas das escolas de samba identificados nas
revistas ilustradas selecionadas.................................................................................................77
INTRODUÇÃO........................................................................................................................13
1.2 – Mulheres nas pândegas carnavalescas de rua e dos salões cariocas. ............................. 65
2.1 – A sensualidade feminina nos festejos carnavalescos dos anos 1960 ........................... 114
2.2 – A tensão moral dos anos 1960 e os limites da liberação sexual feminina....................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................215
REFERÊNCIAS......................................................................................................................219
13
INTRODUÇÃO
1
Esses periódicos apresentam um grande número de matérias dedicadas ao carnaval, com edições praticamente
inteiras voltadas à temática, principalmente em relação aos festejos de salão, ainda pouco explorados pelos
pesquisadores se comparados aos carnavais de rua.
2
O jornal O Globo foi fundado por Irineu Marinho, em 29 de julho de 1925, no Rio de Janeiro, tornando-se um
dos principais veículos da imprensa e assumindo ao longo de sua trajetória uma orientação política conservadora
no campo político. Aproximou-se da UDN (União Democrática Nacional) e encampou muitas das ideias
levantadas pelo partido e pela sua principal liderança, Carlos Lacerda, como, por exemplo, a defesa ao
impeachment de Vargas como resultado da ferrenha oposição realizada ao seu segundo governo, o que acabou
por culminar no suicídio do presidente em 1954. É válido destacar, também, o apoio do jornal aos interesses do
capital estrangeiro e às proposições do Fundo Monetário Internacional, o FMI, bem como o caráter opositivo
manifestado pelo periódico ao governo de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, atacando as reformas de base
14
dedicados à folia, abrangendo inclusive os locais dos festejos e os seus pormenores. Além
dessas fontes, integram a pesquisa os depoimentos orais3 de mulheres ligadas ao universo
carnavalesco, presentes no Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, bem como
obras de memorialistas e estudiosos do tema que trazem informações sobre a participação
feminina no âmbito dos folguedos.
As mulheres enfocadas nessa pesquisa pertenciam a diferentes estratos sociais – à
elite e às camadas populares – e suas representações apareciam nas revistas selecionadas para
esta pesquisa, que cobriam tanto os carnavais da elite, nos bailes do Teatro Municipal e do
Hotel Copacabana Palace, por exemplo, quanto os folguedos das classes populares, como os
blocos carnavalescos e, sobretudo, os desfiles das escolas de samba. Além disso, as
representações de si, de porta-bandeiras, por exemplo, permitem explorar igualmente esse
universo popular.
Não obstante as representações presentes nas reportagens da imprensa selecionada
abarcarem segmentos sociais distintos, a noção de transgressão relaciona-se a posturas e
práticas de ambos os grupos, em diferentes momentos, haja vista as proibições da polícia e as
restrições mais implícitas, de ordem moral e de gênero. Além do mais, o escopo documental
escolhido possibilita a compreensão das representações sobre as folionas e também da forma
como as mulheres utilizaram seu corpo durante os festejos para expressarem suas
representações de si, seja como transgressão em um primeiro momento, seja como
reafirmação de valores já existentes, mas ainda debatidos por uma sociedade tradicionalmente
machista e conservadora.
Tendo em vista as transformações políticas, econômicas e sociais que se processaram
no Brasil no período selecionado, com a mudança de um regime democrático para uma
ditadura militar, a partir de 1964, e as mudanças concernentes ao campo dos costumes e da
moral, no sentido de uma progressiva liberação sexual, apesar da rigidez da censura, a questão
propostas por este último e apoiando o golpe militar que o retirou do poder. Em 1963, rompeu com Carlos
Lacerda e, em 1965, houve a expansão das Organizações Globo, com a fundação da TV. O jornal permaneceu no
apoio à ditadura militar, reafirmando os discursos de combate à subversão e à suposta ameaça comunista e, no
momento de abertura política, aprovou os rumos tomados pelo então presidente João Figueiredo na liberalização
do regime. LEAL, Carlos Eduardo; MONTALVÃO, Sérgio. O Globo. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/globo-o>. Acesso em: 21 abr. 2018.
3
Esses depoimentos foram concedidos ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e integram coleção
própria da instituição denominada “Depoimentos para Posteridade”, constituída a partir de gravações, em áudio e
vídeo, de entrevistas com personalidades importantes no campo cultural. Os depoimentos consultados para essa
pesquisa ocorreram de maneira descontraída, de tal forma que espectadores importantes eram eventualmente
convidados a interagir, e os entrevistadores, indicados pelo próprio MIS ou pelo depoente, por vezes
interpelavam a fala do entrevistado e acrescentavam dados, não impossibilitando, no entanto, o caráter
informativo dos depoimentos e sua importância para o estudo em questão.
15
corporal é um assunto de interesse neste trabalho, ainda mais em se tratando de um tema tão
relacionado ao corpo, como é o carnaval. Entende-se o corpo não somente em sua parte física,
mas, sobretudo, nas representações e significados atribuídos a ele no decorrer do tempo.
Assim, o corpo não deixa de ser também uma construção social, cultural e histórica, na qual
as imagens dele produzidas, os gestos, as vestimentas, as intervenções, entre outras coisas,
configuram a sua formação. O corpo também está sujeito aos códigos morais de uma
cultura/sociedade, inserindo-se assim no campo do poder, embora seja possível apresentar
“gestualidades conformadas e transgressoras”4.
Diversos autores, de forma direta ou indireta, contribuíram para o desenvolvimento
dessa discussão, como Michel Foucault5, David Le Breton6 e Pierre Bourdieu7, apenas para
citar alguns, que ressaltaram o papel das normas sociais e do poder na configuração dos
corpos, por meio da expressão de determinados gestos e emoções ou da valorização de certa
aparência. De acordo com Bourdieu, o corpo torna-se um capital simbólico e social na medida
em que o sujeito apresenta comportamentos, aparências e posturas condizentes com o que é
esperado socialmente, ou seja, dentro dos padrões estabelecidos, podendo obter algum
proveito em relação às pessoas que não exercem tais posturas. Considerando essa discussão, é
possível questionar até que ponto havia, no âmbito carnavalesco, a conformação ou não das
folionas em relação às regras estabelecidas, haja vista que o período em estudo é marcado por
mudanças nos costumes, com a progressiva liberdade sexual, enquanto para muitas pessoas o
que estava se processando socialmente era o desmoronamento da boa moral e, com isso, uma
parcela tradicional da sociedade lutava para manter valores cada vez mais ultrapassados.
Em que pese sua relevância, o tema foi discutido transversalmente pela
historiografia, uma vez que as análises realizadas por importantes historiadoras8 no estudo dos
4
GOELLNER, Silvana Vilodre. Corpo. In: COLLING, Ana Maria;TEDESCHI, Losandro Antonio (Org.).
Dicionário crítico de gênero. Dourados: Editora UFGD, 2015. p. 134-137.
5
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. v. I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1982; ______.
História da sexualidade. v. II. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984; ______. Microfísica do poder.
São Paulo: Graal, 2012.
6
BRETON, David Le. Sociologia do corpo. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
7
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
8
O assunto foi discutido no artigo científico de SIMSON, Olga R. de Moraes Von. Mulher e carnaval: mito e
realidade (Análise da atuação feminina nos folguedos de Momo desde o Entrudo até as Escolas de Samba).
Revista de História, São Paulo, n. 125-126, p. 07-32, ago./dez. 1991 a jan./jul. 1992, e nos seguintes capítulos de
livro: SILVA, Zélia Lopes da. A presença das mulheres nos carnavais da cidade. In: ______. Os carnavais de
rua e dos clubes na cidade de São Paulo: metamorfoses de uma festa (1923-1938). São Paulo: Editora Unesp;
Londrina: Eduel, 2008. p. 199-239; SOIHET, Rachel. A interdição e o transbordamento do desejo: mulher e
carnaval no Rio de Janeiro (1890-1945). In:_______. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da
Belle Époque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 153-176; SOIHET,
Rachel. A sensualidade em festa: representações do corpo feminino nas festas populares no Rio de Janeiro na
virada do século XIX para o XX. In: MATOS, Maria Izilda S. de; SOIHET, Rachel (Org.). O corpo feminino em
debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003. p. 177-197.
16
folguedos momescos foram direcionadas especialmente para a participação das mulheres nos
carnavais e para a manifestação da sexualidade e da sensualidade feminina no espaço dos
festejos, enfatizando, muito pouco, a questão do corpo9.
Nesse sentido, a história do carnaval carioca poderia ser escrita, como sugere Heloísa
Turini Bruhns10, tendo como eixo norteador as proibições, resistências e transgressões quanto
ao desnudamento do corpo feminino. Ao discutir as dimensões simbólicas do corpo feminino
no âmbito da estética e da clínica, a psicanalista Joana de Vilhena Novaes considera que os
modelos vigentes ou o “poder das normas organizadoras do ethos socio-cultural” não são
capazes de retirar do corpo seu caráter subversivo, já que “ele transgride, cria, rebela-se”11.
Essa dimensão do corpo forneceu subsídios para as análises empreendidas neste trabalho,
principalmente no que diz respeito às significações que o corpóreo adquiriu na ocasião do
carnaval nos anos em estudo.
Ainda sobre o assunto, é importante salientar que as diferentes interpretações quanto
ao caráter dos festejos carnavalescos levaram igualmente a visões opostas sobre a apreensão
do corpo pela historiografia acerca dos carnavais. Na perspectiva representada, por exemplo,
pela historiadora Rachel Soihet, os festejos momescos eram ocasiões para utilização dos
corpos como focos “para a resistência dos significados oficiais”, sobretudo em períodos mais
conservadores. Além disso, a autora enxerga nas transgressões de mulheres pertencentes a
diversos segmentos sociais no que se refere ao uso do corpo e à manifestação da sensualidade,
em épocas anteriores à abordada nesta pesquisa, atitudes de vanguarda e igualmente
precursoras dos movimentos posteriores de liberação. Assim, a historiadora em questão
reconhece o papel do carnaval na expressão de comportamentos mais livres e nas mudanças
morais da década de 1970, considerando que antes mesmo da plena assunção pelas mulheres
9
Não obstante a escassez de trabalhos sobre a temática em estudo, os autores que pesquisaram o carnaval
distinguem-se entre si pelas próprias interpretações quanto ao caráter da celebração momesca. Os pressupostos
teóricos do linguista russo Mikhail Bakhtin, o qual entendeu o carnaval como momento de inversão da ordem,
orientaram a quase totalidade dos estudos sobre o tema no Brasil. Entre os autores que seguiram tal perspectiva
de estudo no país podem ser citados o antropólogo Roberto DaMatta e as historiadoras Rachel Soihet e Zélia
Lopes da Silva, para mencionar apenas alguns. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento. O contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC/UnB, 1987.
Outras interpretações, no entanto, não corroboraram esse tipo de análise. A socióloga Maria Isaura Pereira de
Queiroz, por exemplo, representa uma linhagem interpretativa oposta à instaurada por Bakhtin, já que não
apreende o carnaval como momento de subversão da ordem, mas sim de manutenção do status quo vigente. Nas
três fases em que dividiu o carnaval (entrudo, grande carnaval e carnaval popular), a autora procurou demonstrar
que nunca houve oposição e incompatibilidade entre a festa e a sociedade tal qual se encontrava estruturada.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval brasileiro. O vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992.
10
BRUHNS, Heloísa Turini. Futebol, carnaval e capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro. Campinas:
Papirus, 2000, p. 123.
11
NOVAES, Joana de Vilhena. Beleza e feiura: corpo feminino e regulação social. In: DEL PRIORE, Mary;
AMANTINO, Marcia (Org.). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 477-506, p. 478.
17
do seu corpo e da sua sexualidade na esfera cotidiana, muitas delas encontraram no espaço
dos festejos uma oportunidade para expressar posturas vistas como “desviantes”12.
A historiadora Zélia Lopes da Silva também compreende o carnaval pelo viés da
transgressão. Em seu estudo sobre os festejos paulistanos dos anos 1920 e 1930, a autora
evidenciou as transgressões femininas expressadas nos trajes e em situações carnavalescas
que projetavam a quebra das regras cotidianas e sugeriam maior liberdade no campo dos
costumes e das intimidades amorosas, como “apalpadelas, beijos e abraços”, e o “uso de
fantasias de tecidos transparentes, sempre forrados, indicativas de possibilidade novas de
sedução e de liberalidade dos costumes”13.
Olga R. de Moraes von Simson, por sua vez, privilegiou os papéis exercidos pelos
elementos femininos na criação, organização e transformações dos festejos carnavalescos,
sem, no entanto, dedicar-se com diligência à questão do uso dos folguedos pelas mulheres na
manifestação de uma sensualidade mais livre, relacionada inclusive à exposição de seus
corpos. Do mesmo modo que Maria Isaura, Simson entende o carnaval como reprodutor dos
“padrões da sociedade mais ampla” e destaca a “valorização das mulheres jovens e bonitas”14
no processo de crescimento e transformação das escolas de samba enquanto elementos
decorativos imbuídos de forte apelo sexual, sem ressaltar, contudo, outros sentidos e aspectos
do desnudar do corpo feminino ao longo da própria trajetória carnavalesca.
No que concerne especificamente ao período em estudo, a socióloga Maria Isaura
Pereira de Queiroz15 apresenta uma compreensão diferente quanto ao uso do corpo nos
festejos. Dentro do seu modelo interpretativo de festa carnavalesca, no qual entende que os
folguedos momescos se realizavam de acordo com as estruturas sociais já existentes, não
passando de um mito a imagem do carnaval como festa do congraçamento e da quebra da
ordem, a autora considera o desvelar do corpo feminino não como transgressão, mas como
mecanismo da dominação masculina e da procura de destaque social pelas mulheres. O corpo
feminino aparece nos folguedos, em seu entendimento, no papel de servir aos interesses
masculinos como uma espécie de mercadoria “que deve ser posta em destaque e amplamente
exibida”. A liberação das mulheres nos carnavais seria, portanto, uma vitória machista16.
12
SOIHET, op. cit., 2003, p. 192-196.
13
SILVA, Zélia Lopes da. Os carnavais de rua e dos clubes na cidade de São Paulo: metamorfoses de uma festa
(1923-1938). São Paulo: Editora Unesp; Londrina: Eduel, 2008, p. 237.
14
SIMSON, op. cit., 1992, p. 31.
15
É importante ressaltar que em diversas passagens deste texto a obra de Maria Isaura Pereira de Queiroz será
aludida para refletir a respeito de algumas questões que envolvem o período em escopo e o sentido do próprio
carnaval. Não obstante esta pesquisa siga uma corrente interpretativa oposta à de Queiroz, questionamentos e
interlocuções sobre pontos de sua obra se fazem necessários e podem enriquecer as análises empreendidas.
16
QUEIROZ, op. cit., p. 136-140.
18
Além disso, é possível apreender da análise da autora que o corpo da mulher transformou-se
em capital econômico e social no âmbito dos festejos.
A despeito de as análises das pesquisadoras citadas representarem perspectivas
diferentes sobre o assunto em destaque, não é possível reduzir a temática em estudo, no
período selecionado, à utilização do corpo como canal para transgressão ou exclusivamente
como mecanismo de ascensão das mulheres e de transformação de seus corpos em
mercadorias. Os anos 1960 e 1970 foram marcados por transformações diversas, relacionadas
à moral, aos costumes, à sociedade e à própria economia, que, consequentemente,
influenciaram mudanças na postura assumida pelas mulheres nos carnavais da época,
considerando que o conservadorismo de épocas anteriores coexistia com as alterações em
curso. Sendo assim, as duas visões sobre o corpo feminino na esfera dos folguedos, por mais
discordantes que possam parecer a princípio, se encaixam na análise da questão no período
em estudo.
Nessa perspectiva, a categoria gênero pode contribuir significativamente para as
discussões empreendidas neste trabalho, considerando que o conceito17, na acepção da
historiadora Joan Scott, diz respeito às “relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos”18, haja vista que o aspecto relacional entre mulheres e homens não pode ser
desconsiderado na apreensão de qualquer um dos dois. A autora refuta, no entanto, a ideia de
um caráter fixo para a oposição binária entre masculino/feminino, uma vez que é somente no
processo histórico que essa representação pode ser compreendida, na produção e reprodução
de discursos em termos da diferença sexual. O conceito se relaciona, ainda, com outras
categorias sociais, como raça/etnia e classe, além de significar as próprias relações de poder.
Partindo da premissa de Michel de Foucault de que a sexualidade é produzida em contextos
históricos, e de que o poder relaciona-se também à produção de saberes sobre as diferenças
corporais, Scott entende o gênero, portanto, como elemento constitutivo das relações sociais e
17
É importante ressaltar que outras análises apontaram as deficiências do uso da categoria gênero tal qual
pensada pela historiadora Joan Scott, com as de Linda Nicholson e Judith Butler. Estas autoras negaram a
dependência do gênero ao sexo biológico, já que entendem que o corpo biológico também é construído
culturalmente e por discursos sociais. Judith Butler, filósofa pós-estruturalista, questionou a correspondência
entre o sexo biológico e a identidade de gênero, uma vez que gays e lésbicas, por exemplo, não se reconheceriam
nessa correlação. Baseando-se igualmente em Foucault, a autora salienta a necessidade de se compreender o sexo
como construção cultural e discursiva, de modo que o gênero não estaria atrelado ao sexo, sendo o próprio
gênero um “artifício flutuante com a consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade,
significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como
um feminino”. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 25. Sobre o assunto, ver: NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000.
18
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n.
2, p. 71-99, jul./dez. 1995. p. 86.
19
19
A obra A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, do linguista e
marxista russo Mikhail Bakhtin, tem como objeto específico de estudo a obra de François Rabelais, autor francês
que viveu de 1494 a 1553, cujos trabalhos abordam a cultura cômica popular da Idade Média e do Renascimento.
Bakhtin considera Rabelais como o porta-voz da cultura cômica popular e, por meio de suas obras, procura
mostrar a unidade desta cultura, bem como o seu valor como concepção de mundo. Assim, Rabelais é
considerado por Bakhtin como uma espécie de enciclopédia da cultura popular, cujo estudo se faz essencial para
a compreensão, mesmo que indireta, das expressões populares. BAKHTIN, op. cit., 1987.
20
Os anos 1960 foram selecionados para pesquisa principalmente pelo seu caráter de
transição, em que regras morais estabelecidas em épocas anteriores coexistiam com os novos
valores em construção e, nesse contexto, o carnaval funcionava como canal de expressão para
comportamentos que ainda eram alvos de críticas no próprio cotidiano, como por exemplo a
manifestação da sensualidade feminina e o desnudamento (mesmo que parcial) de seu corpo
em um ambiente exterior ao da praia. No período, os biquínis ultrapassaram as fronteiras
daquele espaço e invadiram os festejos carnavalescos de salão, mesmo com as proibições da
polícia, o que demonstra o caráter transgressor do carnaval. Os anos 1960 constituem o início
de mudanças mais expressivas em relação à sexualidade e a uma maior liberdade do corpo
feminino. O surgimento da pílula anticoncepcional, em 1961, contribuiu para as mudanças
nos padrões de comportamento das mulheres, mas a sua difusão ocorreu aos poucos, como
afirma Carla Bassanezi:
20
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: relações homem-mulher e revistas femininas,
1945-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992, p. 159-160.
21
PEDRO, Joana Maria. Corpo, prazer e trabalho. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.).
Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 238-259, p. 242.
21
criadas no período22. Aos poucos a sexualidade deixava de ser tabu para ser discutida
abertamente na sociedade, não se restringindo somente ao discurso médico. Era o começo do
prazer para todos, possível, naquele momento, por meio da transgressão de valores, mesmo
em uma época na qual a ditadura militar interferia na vida íntima das pessoas. Mudanças no
campo sexual, evidentemente, não ocorreram de um momento para outro, sem permanências
diversas. O corpo, no início da década de 1960, ainda não era “livre”, nem mesmo no que se
refere às roupas utilizadas23. É possível questionar, portanto, a forma como as mulheres
brincaram o carnaval, um tipo de festejo mais licencioso, nessa conjuntura, e quais foram as
mudanças que ocorreram com o decorrer do tempo, nos modos de festejar e nas suas
representações, à medida que as regras em relação à própria sexualidade foram questionadas e
algumas delas transformadas. Práticas sexuais envoltas em coerções e regras, por exemplo,
aos poucos deixaram de ser vistas como indevidas para tornaram-se comuns entre os casais,
como afirma Mary Del Priore:
As mudanças descritas por Priore representariam apenas o início de uma maior busca
pelo prazer e uma libertação das práticas sexuais, que passaram a ser discutidas por segmentos
da imprensa e evidenciadas na assunção, pelas mulheres, de seu corpo, nas pândegas
momescas. No período em questão, o carnaval se modificava com o ingresso da classe média
22
Em 1961, surgiu a revista Cláudia, da editora Abril, que se tornaria, naquele contexto inicial, a principal
observadora das mudanças ocorridas na liberação corporal feminina, embora apresentasse discursos ambíguos
situados entre as “antigas e as novas formas de conduta”. A revista, já em seus primeiros números, informava
sobre a chegada da pílula no Brasil e gradualmente noticiaria as mudanças acerca da liberação corporal feminina,
oferecendo evidências para o início das transformações em relação à sexualidade da mulher. A revista Nova, por
sua vez, apareceu em 1973, destinada às mulheres de classe média urbana que desejavam exercer a sua
sexualidade ativamente, independentemente de serem casadas ou não. GELLACIC, Gisele Bischoff. Despindo
corpos: sexualidade, emoções e novos significados do corpo feminino no Brasil entre 1961 e 1985. Tese
(Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 21-22.
23
A pesquisadora Nízia Villaça constatou que, no início dos anos 1960, as poses das modelos nos editoriais de
moda ainda apresentavam uma postura rígida e suas roupas, por mais que demonstrassem algumas mudanças,
ainda evocavam os grandes estilistas estrangeiros, com suas criações glamorosas, pouco acessíveis e que não
possibilitavam uma liberdade de movimentos das mulheres em seu cotidiano. VILLAÇA, Nízia. A edição do
corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri: Estação das Letras, 2007.
24
DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012, p. 302.
22
como participante e colaboradora dos desfiles das escolas de samba, a sofisticação dos
cortejos, o esvaziamento das canções carnavalescas25 e o direcionamento do desfile das
agremiações carnavalescas rumo ao espetáculo, à mercantilização e à internacionalização26,
com a venda de ingressos, a partir de 1962 – acompanhando o próprio crescimento do
consumo e a massificação em curso –, que impactaram, de forma direta ou indireta, no modo
como as mulheres se inseriram nos desfiles, brincaram o carnaval, representaram a si próprias
e foram vistas pela imprensa do período. Quanto às mulheres de elite, que brincavam
predominantemente nos bailes fechados, as tendências de mudanças na moral e na liberdade
do corpo feminino, observáveis, mesmo que em menor grau, mas de modo inicial, a partir de
1961, permitiram outras inserções dessas mulheres nos folguedos, transgredindo e afirmando
os novos valores em construção, por meio das posturas apresentadas e das vestimentas
escolhidas para festejar o carnaval.
Assinala-se, ainda, que essas alterações se tornaram mais visíveis na passagem para
os anos 1970, que acentuaria ainda mais o abandono das antigas fantasias para brincar o
carnaval nos folguedos de salão, substituídas em maior proporção pelos biquínis e,
principalmente, pelas tangas. É importante apontar, igualmente, que as mudanças nos festejos
neste período, assim como as conquistas femininas no âmbito social, abriram espaço para que
mulheres, mesmo que em menor quantidade, ocupassem posições de grande visibilidade nas
escolas de samba, como a de carnavalesca27 e a de intérprete de samba-enredo28.
O término da pesquisa no ano de 1980 define-se em razão de alguns dados
relevantes. As modificações que ocorreram no carnaval nos anos 1960 e, sobretudo nos 1970,
assinalados aqui somente em alguns pontos fundamentais, transformaram os desfiles das
escolas de samba em verdadeiros espetáculos, com a sofisticação crescente dos cortejos, na
intenção de atrair um maior número de turistas. O processo de comercialização do carnaval
começou de modo mais contundente ainda em 1962, com a montagem de arquibancadas e a
25
Resultado do desaparecimento dos concursos oficiais/particulares e da indiferença das gravadoras pelo gênero.
COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001, p. 143-144.
26
Sobre o assunto, ver: BEZERRA, Danilo Alves. Os carnavais cariocas e sua trajetória de internacionalização
(1946-1963). Jundiaí: Paco, 2017.
27
Destacam-se os trabalhos das carnavalescas Maria Augusta e Rosa Magalhães. A primeira entrou no universo
das escolas de samba em 1969, quando ajudou na elaboração do carnaval do Salgueiro, tornando-se uma
carnavalesca de sucesso na escola União da Ilha do Governador, especialmente com o enredo “Domingo”, de
1977, conhecido por ser o primeiro a abordar um tema do cotidiano. Assim como Maria Augusta, Rosa
Magalhães também iniciou a sua carreira no Salgueiro, auxiliando o grupo formado por Fernando Pamplona,
Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta e pela própria Maria Augusta, no carnaval de 1971. Rosa Magalhães atuou
em diversas escolas de samba com a também carnavalesca Lícia Lacerda, destacando-se nos carnavais dos vinte
primeiros anos do Sambódromo.
28
No carnaval de 1969, a cantora Elza Soares puxou pela primeira vez o samba do Salgueiro. DINIZ, Alan;
MEDEIROS, Alexandre; FABATO, Fábio. As três irmãs: como um trio de penetras “arrombou a festa”. Rio de
Janeiro: Novaterra, 2015, p. 86.
23
venda de ingressos para o público interessado em assistir aos desfiles, mas adquiriu um
caráter espetacular somente em 1976, com o crescimento de agremiações como Beija-Flor,
Mocidade Independente de Padre Miguel e Imperatriz Leopoldinense, que, a partir de seus
desfiles, apresentaram um novo modelo de fazer carnaval, mais voltado para o luxo visual,
com fantasias ricamente ornamentadas e carros alegóricos gigantescos. A valorização do
aspecto visual dos desfiles sobrepujou, por algumas vezes, as tradições, como em 1980,
quando os quesitos “Comissão de Frente” e “Mestre-sala e Porta-bandeira” foram excluídos
do julgamento das escolas de samba.
Acompanhando a comercialização dos desfiles das escolas de samba, o corpo
feminino, sobretudo o da mulher negra que ocupava o posto de passista, passou a ser
associado, de modo mais explícito, à explosão do erotismo presente no carnaval. Embora a
imprensa ressaltasse constantemente o samba no pé dessas mulheres, era, muitas vezes, a sua
sensualidade, considerada “naturalmente” mais acentuada que a das demais, que ganhava
destaque nas matérias sobre o carnaval. Essa representação tornou-se cada vez mais frequente
no período estudado. Por outro lado, a abertura democrática, nos moldes dos militares, ou
seja, lenta, gradual e “segura”, levou igualmente a uma abertura no campo da moral,
resultando na prática do topless em 1980. É possível encontrar referências na imprensa
periódica de anos anteriores sobre a total exposição dos seios nos bailes carnavalescos; no
entanto, tal acontecimento apresentava-se como algo pontual. A prática do topless difundida
em várias praias brasileiras no verão de 1980, conforme noticiado pela imprensa, apareceu,
com maior expressividade, nos bailes de salão, como aponta Maria Isaura Pereira de Queiroz:
forma mais sutil nas fotografias selecionadas e publicadas pela imprensa, por meio da
exposição de partes do corpo, como pernas e barriga, em 1980, término da pesquisa, o seio
desnudo e até mesmo o bumbum à mostra, o bottomless, ainda menos recorrente, difundiram-
se no âmbito dos festejos, fazendo-se presente nos carnavais subsequentes. À medida que
mudanças no campo dos costumes ocorreram de forma mais intensa, o carnaval se modificou,
as representações da imprensa também mudaram e o aspecto sensual/sexual ficou mais
explícito nas seleções e coberturas realizadas pelos periódicos quanto à postura assumida
pelas mulheres nessas celebrações. Assim, se os corpos foram considerados rebeldes30 nos
anos 1960 e 1970, tendo em vista a construção de novos valores pelos jovens do período, na
década de 1980, o corpo/mercadoria se estabeleceria como decorrência da própria
consagração da sociedade de consumo.
É importante assinalar, ainda, que as mudanças verificadas na cobertura da imprensa
ilustrada sobre os festejos carnavalescos em 1980, com a seleção de imagens mais explícitas
da manifestação da sexualidade feminina, relacionam-se, de forma intrínseca, ao fim das
prescrições do Decreto-lei nº 1.077/7031, voltado para a censura prévia de publicações e de
“exteriorizações” contrárias à moral e aos bons costumes, seguindo a própria revogação dos
Atos Institucionais, que entrou em vigência em 1979, embora o Decreto-lei nº 20.493/46 –
base legal de que se valeu o regime militar para praticar a censura – tenha continuado em
vigência no período posterior ao abordado nesta pesquisa.
Seguindo a legislação que extinguiu os Atos Excepcionais, em 1979, o Decreto-lei nº
1.077 perdeu seu poder no mesmo ano, sendo possível conjecturar que tal fato representou,
para as revistas ilustradas que cobriam o carnaval, a possibilidade de demonstrar o que
acontecia nos festejos de salão sem as restrições da mencionada lei. É perceptível, a partir de
então, o aumento nessas revistas de imagens de mulheres em poses ainda mais sensuais, que
supostamente representariam a permissividade presente em alguns bailes. Isso não significa
afirmar que determinados tipos de poses e comportamentos não se fizeram notar em festejos
de anos anteriores. Entretanto, com a revogação da lei, as revistas expunham mais claramente
30
A moda reverberou as mudanças do período, a ponto de diversas vestimentas se tornarem símbolos da
liberação dos costumes como, por exemplo, a minissaia, que possibilitou às mulheres “um novo sentido de
liberdade e de descoberta do próprio corpo e sexualidade”, conforme afirma a estudiosa do assunto, Nísia
Villaça. A mesma autora denominou a moda dos anos 1960 e 1970 como prótese, já que se constituiu “como
uma extensão do corpo para expressar linhas de liberdade, contestação e novos imaginários”. VILLAÇA, op. cit.,
p. 183-192.
31
Na interpretação de Carlos Fico, o Decreto nº 1.077 foi criado a fim de ampliar o domínio da censura em áreas
não abarcadas pelo decreto anterior, de 1946, ainda em plena vigência durante o regime militar, como, por
exemplo, o controle da TV (que não existia em 1946) e das revistas e livros que se multiplicavam na época
abordando questões comportamentais (sexo, drogas etc.). FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime
militar. Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, p. 251-286, set. 2002.
25
32
É importante esclarecer que no imaginário coletivo a mulher carioca não é tão somente a que nasceu na cidade
do Rio de Janeiro, mas aquela que ao morar nessa localidade incorporou um estilo de vida mais livre ligado à
exposição dos corpos e à assunção de posturas mais despojadas, comumente ditas como peculiares das mulheres
da zona sul. Assim, ainda que não tivessem sua origem relacionada de fato à cidade do Rio de Janeiro, muitas
mulheres foram consideradas como cariocas pela imprensa pelo fato de apresentarem tais características ou por
terem uma trajetória vinculada a aspectos culturais do Rio, como o samba e o carnaval. Desse modo, o termo
“carioca” será usado neste trabalho para se referir às mulheres folionas do Rio de Janeiro por ser recorrente na
imprensa ilustrada e pela impossibilidade de se determinar a origem de muitas das mulheres ali representadas.
26
foi criado por Assis Chateaubriand, em 1928, e tornou-se uma das revistas de maior
vendagem na história do Brasil, alcançando seu auge na segunda metade da década de 1940 e
nos anos 1950, quando atingiu a média de 550 mil exemplares, tiragem que seria mantida até
o início dos anos 196033. O periódico se tornou referência no mercado de revistas devido ao
seu alto investimento técnico, sendo o primeiro a inaugurar a rotogravura em quatro cores na
imprensa ilustrada nacional, ao qualificado corpo de jornalistas, à qualidade do papel
utilizado, ao significativo número de imagens que trazia em suas páginas, além de se
constituir como veículo nacional dedicado à crônica social, política e artística do Brasil e do
mundo, com correspondentes nas principais capitais internacionais34.
Ao introduzir a dupla repórter-fotógrafo em suas matérias e coberturas, a revista O
Cruzeiro modificou o padrão adotado pela imprensa até então, no qual o texto predominava
em detrimento da imagem35. Seguindo os princípios do fotojornalismo, a imagem fotográfica
seria valorizada nesta publicação, assim como em outras que a partir deste momento sofrem
sua influência, como cerne da própria cobertura jornalística, estruturando uma nova
mensagem vinculada a um intenso controle por parte da equipe editorial na correlação
texto/imagem e a uma nova forma de disposição das fotos e do texto36.
No início da década de 1950, o fotojornalismo já estava consolidado como expressão
fotográfica nas revistas ilustradas, quando apareceu um novo produto no mercado de
periódicos: a revista Manchete. Lançada em 26 de abril de 1952, por Adolfo Bloch, a revista
apresentou como principal diferencial na disputa com O Cruzeiro a expressiva qualidade dos
serviços gráficos e jornalísticos. Com trinta anos de experiência no meio gráfico e buscando
inspiração na revista ilustrada francesa Paris-Match, Bloch procurou apresentar um periódico
mais centrado em imagens coloridas, chegando inclusive a contratar agências estrangeiras
para fornecer material fotográfico de qualidade, além de investir em impressoras mais
eficientes. O apogeu do periódico coincidiu exatamente com o declínio de seu maior
concorrente, O Cruzeiro, e com a transferência de vários jornalistas e fotógrafos da revista
dos Diários Associados para sua redação37.
33
VELASQUES, Muza Clara Chaves. O Cruzeiro. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro - pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. v. I. p. 1727-1730, p. 1729.
34
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo:
Olho d’Água/Fapesp, 2013, p. 23.
35
Ibid., p. 23-24.
36
ESSUS, Ana Maria Mauad de S. Andrade; GRINBERG, Lúcia. O século faz cinqüenta anos: fotografia e
cultura política em 1950. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 14, n. 27, p. 129-148, 1994. p. 138-139.
37
SIQUEIRA, Carla; MURILO, Tatiana. Manchete. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro – pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/busca/busca-simples/verbete/verbete-tematico/manchete>. Acesso em: 8 nov. 2015.
27
38
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.
39
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
40
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989; KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na
trama fotográfica. 3. ed. São Paulo: Ateliê, 2002.
41
CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo.
Lisboa: Difel, 1988.
42
JOLY, op. cit., p. 33.
28
necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria
fotografia”43. Ao contrário de outras imagens, a fotografia atesta “o que vejo de fato existiu”
e, portanto, sua singularidade consiste em ratificar o que ela própria representa.
Ampliando ainda mais as discussões quanto ao tema, Kossoy mostra que a fotografia
não está isenta de manipulações e interpretações diversas, relacionadas aos interesses do
fotógrafo, do cliente e da casa publicadora. De modo similar a Barthes, Kossoy considera que
a fotografia, enquanto fixação da imagem do real, “é o que resta do acontecido, fragmento
congelado de uma realidade passada, informação maior de vida e morte, além de ser o produto
final que caracteriza a intromissão de um ser fotógrafo num instante dos tempos”44. Sendo
assim, a fotografia é o resultado de um processo que envolve a escolha do fotógrafo por um
determinado assunto, considerando o tempo e o espaço em que está inserido, e a tecnologia
disponível no momento45. A fotografia é, para Kossoy, um documento, no sentido de informar
a respeito de um fragmento selecionado da realidade passada, e também uma representação,
que contém inúmeras significações, cuja análise deve considerar os elementos técnicos, como
fotógrafo, assunto e tecnologia, e os elementos interpretativos, os quais envolvem a
contextualização do assunto da fotografia, as relações estabelecidas com outros aspectos da
vida social e a compreensão da realidade interior da representação fotográfica46.
Considerando o caráter representacional das fotografias apresentadas pelos
periódicos em suas coberturas dos festejos carnavalescos e a forma como estes apreenderam a
participação das mulheres nessas celebrações, faz-se necessário evidenciar a pertinência do
conceito de representação, conforme pensado pelo historiador francês Roger Chartier, para
análise da temática e do material pesquisado.
Ao estudar a história do livro e da leitura, Chartier desenvolveu as noções de
representação e prática, e contribuiu significativamente para o conceito de apropriação –
fundamentais no campo da História Cultural. Esses conceitos não foram elaborados a priori
pelo autor a fim de fornecer subsídios metodológicos para suas pesquisas, mas, ao contrário,
surgiram como resultado da análise do próprio material que Chartier se propôs a estudar.
Sendo assim, é possível perceber em Chartier uma preocupação em não dissociar a reflexão
teórica do estudo de seus objetos.
43
BARTHES, op. cit., p. 114-115.
44
KOSSOY, op. cit., 1989, p. 22.
45
Ibid., p. 23-24.
46
KOSSOY, op. cit, 2002, p. 57-60.
29
Ao analisar os livros da chamada Biblioteca Azul47, Chartier mostrou que não eram
os textos que podiam receber a denominação de “popular”, mas os objetos tipográficos que os
apresentavam. Esse exemplo é significativo para demonstrar a invalidade da oposição entre
cultura popular e cultura erudita. O autor recusa uma dicotomia entre as duas, em favor de
uma noção abrangente de cultura que contemple as circulações fluidas e as práticas
partilhadas pelos grupos. Assim, evidenciou a necessidade de se compreender o cruzamento
de diferentes formas culturais ao invés de vincular os objetos culturais a determinados setores
da sociedade48.
Essas observações indicam a forma como as noções de prática, apropriação e
representação estão intrinsecamente ligadas às discussões do autor sobre a história do livro e
da leitura. Posto isso, pretende-se explorar especificamente o conceito de representação e a
forma como este se torna imprescindível para o estudo da participação das mulheres nos
festejos carnavalescos cariocas nas décadas de 1960 e 1970.
As representações são constituídas pelas percepções do mundo social. Chartier
considera que essas representações, criadas pelos indivíduos ou grupos sociais para
interpretarem e atribuírem sentido à realidade em que vivem, não são neutras, mas
determinadas por interesses diversos. O conceito de representação permitiria assim articular
as “divisões objetivas do mundo social às estruturas de percepção”.
Pautando-se em antigas definições de “representação”, como as apresentadas pelo
dicionário publicado por Furetière em 1690, Chartier procurou mostrar a duplicidade de
sentidos do termo: a representação como forma de fazer presente o objeto ausente, por meio
de uma imagem capaz de representá-lo adequadamente, ou como exibição de algo, seja a
própria pessoa ou coisa representada49. Na perspectiva do autor, essas duas significações da
palavra permitem compreender a forma como os homens do Antigo Regime explicaram o
47
Livros acessíveis criados no século XVII, na cidade francesa de Troyes e que, vendidos por ambulantes,
contavam com uma ampla circulação. Receberam esse nome porque eram editados, na maioria das vezes, com
capa azul e tinham como objetivo a reedição de textos que teriam boa aceitação popular. A análise empreendida
pelo autor a respeito dos livros da Biblioteca Azul demonstra como os textos que não eram em sua essência
populares, já que pertenciam a diversos gêneros da literatura erudita, ganharam essa conotação quando
adquiriram outros formatos durante o Antigo Regime. O trabalho de adaptação realizado pelos editores
modificava e encurtava os textos, simplificando ao máximo a sua estrutura narrativa a fim de atender as supostas
expectativas e competências do público que procuravam atingir. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na
França do Antigo Regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
48
Ao trabalhar com esse material, Chartier aprofundou ainda outras questões relacionadas ao mundo da leitura,
como a tensão que envolvia as estratégias utilizadas pelos autores e editores para induzir os leitores a uma
determinada interpretação, e os desvios operados pelos mesmos ao se apropriarem de um texto. A leitura é
entendida, assim, como prática criadora, já que cada leitor pode tomar o texto original de uma nova forma, de
modo que a apropriação de um texto ou de qualquer outro objeto cultural é lugar de invenção e criação de
sentido. Ibid., p. 235-285.
49
CHARTIER, op. cit., 1988, p. 20.
30
funcionamento de sua sociedade e como apreenderam o seu mundo social. Este conceito
possibilita, ainda, o entendimento de outras realidades sociais, ou melhor, de outras
percepções do real além daquelas tratadas pelo autor em suas pesquisas.
A partir de Chartier, o conceito de representação tornou-se central para os estudos
empreendidos no campo da chamada Nova História Cultural. No entanto, diversas críticas
foram feitas a essa noção, relacionadas sobretudo ao fato de supostamente distorcer a
realidade. As representações, contudo, ampliaram a própria noção que se tinha até então do
real. Ao mostrar que as representações “não são simples imagens verídicas ou enganosas do
mundo social”, mas maneiras pelas quais os grupos ou indivíduos percebem, interpretam e
constroem uma determinada realidade, Chartier atenta que, para além das coisas expressas, há
outros sentidos muitas vezes não aparentes. O autor pretende com isso acabar com a falsa
dicotomia existente em torno da objetividade das estruturas (identificadas como mais
próximas ao real) e a subjetividade das representações (identificadas como pertencentes ao
campo da ilusão). A noção de representação, tal como a entende, torna a apreensão do real
inteligível, dado o seu papel como lugar de construção de significados. É importante salientar,
assim, que para Chartier não existe representação sem interpretação e sem um real que se
deseja abarcar.
O autor propõe que se considerem como representações as percepções da realidade,
sempre atreladas às práticas sociais, que constituem o seu referente externo. A singularidade
das práticas e a relação de complementaridade entre elas e as representações são explicitadas
pelo autor quando afirma:
A reflexão teórica proposta por Chartier pode servir de suporte à análise das fontes
selecionadas para pesquisa, sobretudo as imagens relativas aos festejos momescos publicadas
pelas revistas ilustradas O Cruzeiro e Manchete. A cobertura dos carnavais realizada pelas
revistas mencionadas fornece, portanto, subsídios para analisar a participação das mulheres
nessas celebrações e ao trabalhar com esse tipo de material é de suma importância valer-se
50
CHARTIER, Roger. Defesa e ilustração da noção de representação. Fronteiras, Dourados, v. 13, n. 24, p. 15-
29, jul./dez. 2011. p. 16.
31
51
PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Dazibao, 1991, p. 45-46.
52
OLIVEIRA JR., Antônio R. de. A luz do social nas imagens: fragmentos teóricos na fotografia de
documentação social. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 32, p. 51-71, 2000. p. 62.
53
Embora as revistas O Cruzeiro e Manchete encontrassem respaldo principalmente nas camadas médias
urbanas, procuravam atingir um público mais amplo. De acordo com Silvana Louzada da Silva, esses periódicos
eram lidos em todo o país por pessoas de diferentes classes sociais e com variado grau de instrução e renda.
SILVA, Silvana Louzada da. Fotojornalismo em revista: o fotojornalismo em O Cruzeiro e Manchete nos
governos Juscelino Kubitschek e João Goulart. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-
Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
32
54
A criação de novas publicações contribuiu, ainda, para o gradual declínio de O Cruzeiro e de outros períodicos
do início do século que ainda resistiam. Não obstante a diversificação no mercado de publicações, O Cruzeiro e
Manchete ainda prevaleciam como as revistas semanais mais lidas pelos leitores em 1969, conforme demonstram
os dados da pesquisa do Ibope sobre a circulação de revistas semanais, quinzenais e mensais, realizada na
Guanabara naquele mesmo ano. Com igual percentual de 16%, O Cruzeiro e Manchete superavam, ao menos
naquele momento, outras publicações semanais como Veja (3%) e Fatos e Fotos (9%). MIRA, op. cit., p. 38-39.
55
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense,
2001, p. 122-123.
56
Ibid., p. 114.
57
Em Dialética do esclarecimento, obra de 1947, Adorno e Horkheimer empregam pela primeira vez o termo
“indústria cultural” em lugar de “cultura de massa”, por entenderem que a segunda terminologia passaria a ideia
equivocada de que os bens culturais seriam criações das próprias massas e não produtos uniformizados
elaborados visando à obtenção máxima de lucros. De acordo com os autores, o conceito de “indústria cultural”
seria, portanto, mais apropriado para elucidar a transformação da arte em mercadoria e a manipulação do
comportamento e gosto dos consumidores, mesmo quando o desejo do público fosse considerado na produção
dos bens culturais. ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o esclarecimento como
mistificação das massas. In: ______. A Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985. p. 113-156.
58
DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 54-55.
33
carnavalescos.
As discussões de Adorno e Horkheimer a respeito da produção de bens culturais
podem ser relacionadas, ainda, ao fato de as fotografias serem apresentadas pela imprensa
como evidências imparciais e objetivas e, portanto, testemunhos diretos da realidade. Segundo
os autores, os meios de reprodutividade técnica, como as fotografias, permitem uma espécie
de reconstrução do mundo, mas que prescindem de interpretações, e, assim, possibilitam à
indústria cultural apresentar seus produtos como o real, ou seja, como o que de fato
aconteceu59.
A perspectiva de investigação da cultura de massas ou da indústria cultural, tal qual
elaborada pelos filósofos e sociólogos alemães, a despeito de sua importância, não considerou
os processos de consumo/apropriação dos bens culturais, como evidenciado nos estudos de
Michel de Certeau e Roger Chartier. Na obra A invenção do cotidiano: artes de fazer, Certeau
interroga-se sobre a suposta passividade e manipulação dos indivíduos diante dos produtos
oferecidos no mercado de bens culturais. Um dos pilares fundamentais da obra de Certeau é o
fato de o consumo de bens culturais pelos sujeitos revelar uma forma de produção que “[...]
não se faz notar com os produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos
impostos por uma ordem econômica dominante”60. Há, no entendimento do autor, um
binômio entre poder e não poder, explicitado nos conceitos de estratégia e tática. A estratégia
postula um lugar próprio onde se produz objetos e normas, podendo ser entendida no cálculo
das relações de força. A tática seria o lugar do não poder, representando a forma como os
indivíduos ou grupos criariam a partir do “lugar do outro”. Apoiando-se nesses dois conceitos
– estratégia e tática –, Certeau enfoca as práticas cotidianas de tipo tático, ou seja, os modos
de fazer daqueles desprovidos de um lugar próprio, que agem de forma astuciosa no seu
cotidiano.
Diferentemente dos estudos vinculados à vertente de investigação da indústria
cultural, que enfatizam os processos de produção dos bens culturais e os meios de
manipulação dos sujeitos, a História Cultural, tal qual é praticada por Chartier e Certeau,
trabalha com os desvios e as diversas significações que os indivíduos ou grupos conferem aos
bens culturais e à realidade em que vivem. Ambos os historiadores negam a passividade que
por muito tempo fora atribuída aos sujeitos diante daquilo que lhes era exposto e evidenciam
o papel de resistência demonstrado na apropriação/consumo dos objetos culturais. Essa
59
DUARTE, op.cit., p. 63.
60
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 39.
34
61
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 9-27, 1995. p. 22.
35
Os anos em estudo foram marcados por diversas transformações nos âmbitos social,
político e econômico, que mudaram significativamente a sociedade brasileira do período. Até
1960, por exemplo, o país apresentava-se, ainda, predominantemente rural, com altas taxas de
natalidade e mortalidade. Essa situação se modificaria a partir de então com o
desenvolvimento de novas tecnologias no campo da medicina e o aprimoramento dos serviços
de saúde, o que ocasionou o crescente declínio da taxa de mortalidade entre os adultos. As
taxas de natalidade, por sua vez, sofreram transformações mais expressivas em meados da
década de 1960, com o uso de contraceptivos pelas mulheres e o aumento dos procedimentos
de esterilização. Em 1960, por exemplo, o número de filhos das mulheres na faixa etária de 14
a 49 era de 6,3, passando para 5,8 em 1970 e 4,4 em 198062.
Embora estivesse em curso uma redução das taxas de natalidade, as capitais dos
estados do centro-sul registraram um expressivo crescimento populacional entre 1950 e 1970,
decorrente do alto índice de migração rural-urbana e também do intenso fluxo migratório
proveniente do Nordeste. Na década de 1960, 1,8 milhão de pessoas deixaram o Nordeste e,
na década seguinte, mais de 2,4 milhões63. Entre as capitais dos estados brasileiros, a cidade
do Rio de Janeiro teve o menor crescimento populacional entre os anos de 1960 e 1970, com
uma taxa de 2,7%, enquanto São Paulo, por exemplo, cresceu a uma taxa de 5,2% e Belo
Horizonte a 5,8% 64.
Estima-se que, entre 1960 e 1980, 27 milhões de brasileiros migraram para a cidade.
Se em 1960 a maioria da população residia no meio rural, a realidade transformou-se
completamente após dez anos, com mais da metade da população sendo recenseada como
urbana, em 1970. O desenvolvimento industrial, conduzido sob a égide do capital
multinacional – acelerado ainda no período anterior –, a consequente geração de empregos, o
crescimento das oportunidades para estudar e a melhoria dos serviços sociais nas principais
cidades brasileiras foram alguns dos fatores que impulsionaram a migração em massa para os
62
KLEIN, Herbert S.; LUNA, Francisco Vidal. População e Sociedade. In: REIS, Daniel Aarão (Coord.).
Modernização, Ditadura e Democracia: 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. v. 5. p. 31-73, p. 31-37
(História do Brasil Nação: 1808-2010).
63
Ibid., p. 48.
64
PATARRA, Neide Lopes. Dinâmica populacional e urbanização no Brasil: o período pós-30. In: FAUSTO,
Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Economia e Cultura (1930-1964).
São Paulo: Deifel, 1984. v. 4. p. 248-268, p. 262.
37
centros urbanos65.
No que concerne especificamente ao Rio de Janeiro, é importante assinalar que o fato
de ter perdido o status de capital do Brasil, quando da transferência da sede do governo para
Brasília, em 1960, passando a partir de então a se constituir como estado da Guanabara –
situação que persistiria até 1975 –, trouxe ao antigo Distrito Federal alguns entraves. Com a
industrialização dos municípios de Caxias, São João de Merití, Nova Iguaçu, Nilópolis, São
Gonçalo, Niterói, Magé e Itaboraí houve um processo de redistribuição espacial da zona
industrial e, consequentemente, um aparente esvaziamento neste setor no estado da
Guanabara. O número de estabelecimentos industriais instalados no Rio de Janeiro passou de
5.693 em 1950 para 3.200 em 1970, enquanto a mão de obra empregada no setor industrial
passou de 171.643 em 1950 para 200.000 em 1970 66.
Os dados demonstram uma diminuição no número de indústrias instaladas na
Guanabara, consequência da própria reacomodação do setor dentro da sua antiga área
metropolitana e do desenvolvimento do setor terciário. No censo de 1970, a agropecuária e as
atividades extrativas ocupavam 1,8% da população economicamente ativa do estado da
Guanabara, o setor secundário (indústrias de transformação) representava, por sua vez, 20,2%
e o setor terciário 78%. A importância da atividade comercial e da prestação de serviços
decorre, em grande parte, do vasto tempo em que o Rio de Janeiro serviu como sede do
governo federal, sendo significativamente afetado com a mudança da capital para Brasília, em
1960, especialmente o setor de serviços administrativos67. De qualquer forma, a cidade do Rio
de Janeiro, transformada em estado da Guanabara, continuou a representar um importante
polo de atração de migrantes e não perdeu, contudo, o seu caráter de centro cultural
cosmopolita, personificação da própria consolidação dos modos de vida metropolitanos, das
mudanças comportamentais e do papel de destaque assumido pelos jovens nas alterações
ocorridas no período em estudo.
Os anos que vão de 1950 a 1980, marcados pela rapidez e profundidade das
transformações em diversos setores – sem paralelo no Brasil do século XX –, são definidos
pelos estudiosos João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais como os mais
representativos de uma sociedade, de fato, em movimento. Sobre o assunto, os autores
afirmam que:
65
KLEIN; LUNA, op. cit., p. 43-44.
66
CARDOSO, Ciro Flamarion; ARAUJO, Paulo Henrique da Silva. Rio de Janeiro. Madri: Mapfre, 1992, p.
219-221.
67
Ibid., p. 221.
38
Os anos 1950 e o início dos 1960, sobretudo, marcaram não somente a construção de
um país com novos padrões de produção de mercadorias, como também de uma mentalidade
pautada no consumo, associada ao próprio valor de progresso. Além disso, forjou-se nesses
anos a ideia de que a liberdade se conquistava no ato de consumir69. Houve, na interpretação
da historiadora Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo, uma distorção da própria noção
de democracia, que passou da esfera pública para a privada, ou seja, na garantia da cultura do
consumo que se estabelecia naquele período. Ao passo que a sociedade brasileira se
desenvolvia do ponto de vista material, com a produção de itens relacionados à modernidade,
como eletrodomésticos, automóveis, roupas e alimentos industrializados, e com a criação de
novos meios de comercialização, como supermercados, lojas de departamento e,
posteriormente, shoppings centers, a fusão entre consumo, liberdade e democracia passou a
ser cada vez mais empregada em anúncios publicitários e em matérias de revistas como O
Cruzeiro e Manchete70.
Uma vez vinculada à liberdade de escolha do indivíduo, a democracia, para ser
exercida em sua plenitude, deveria, conforme o imaginário da época, garantir a aquisição de
bens diversos e assegurar a satisfação total do sujeito consumidor. O desaquecimento da
economia brasileira no início da década 1960, resultado, entre outros fatores, da queda na taxa
de crescimento industrial e da aceleração da inflação, aliado ao medo do comunismo
68
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 4, p. 559-658, p. 560-562.
69
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”:
publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Hucitec/História
Social – USP, 1998, p. 29.
70
Ibid., p. 139.
39
71
FIGUEIREDO, op. cit., p. 116.
72
Percentuais obtidos com base nos dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Censo
Demográfico (1960 a 1980).
73
MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p.
126-147, p. 145.
74
ADÃO, Maria Cecília de Oliveira. Memórias da luta: a participação feminina nas organizações armadas de
esquerda no pós-64. Patrimônio e Memória, Assis, v. 4, n. 1, p. 01-24, out. 2008. p. 07.
40
grupos de luta armada criou um importante canal para sua participação política e constituiu
um momento de avanço na liberação das mulheres75.
As lutas empreendidas pelos movimentos feministas, identificados como os de
“Segunda Onda”, que reivindicavam o direito da mulher ao prazer, ao controle do próprio
corpo e à sexualidade, contribuíram igualmente para que as mulheres conquistassem e
construíssem novos valores morais e sociais. Assim, a partir dos anos 1960, algumas
mudanças significativas ocorreram, como a desvinculação entre sexualidade e maternidade, a
menor importância atribuída à virgindade como valor moral a ser preservado, a maior
aceitação do trabalho fora de casa e o desejo de autonomia financeira pela mulher.
Apesar das conquistas alcançadas pelas mulheres nas décadas de 1960 e 1970,
normas sociais muito estritas e proibições continuavam presentes na sociedade da época,
sobretudo com as regulações impostas pela polícia em relação ao desnudamento do corpo
feminino. O carnaval – espaço de inversão da ordem e de anulação de coerções – cumpria um
papel primordial na transgressão de hábitos e costumes tradicionais e na possibilidade de
assunção pelas mulheres de sua sensualidade. Os festejos carnavalescos, por terem tal
conotação, contribuíram igualmente para afirmação dos novos valores morais em construção
na época.
As importantes mudanças em curso no Brasil se estenderam também à própria forma
de fazer carnaval, já que o período em estudo foi importante para a redefinição e a
consolidação das escolas de samba no cenário carnavalesco, ao passo que as grandes
sociedades e os ranchos decresciam em importância. O carnaval de rua, considerado
decadente pela imprensa na década de 195076, em razão do crescimento dos bailes de salão, da
diminuição da presença de foliões nas áreas centrais do Rio de Janeiro, do contexto
inflacionário do período, das restrições impostas aos foliões, da descentralização dos festejos,
da perda de prestígio de antigas modalidades carnavalescas, como os ranchos e as grandes
sociedades, entre outras motivações, ganhou outras dimensões por parte da imprensa com o
passar do tempo. A afirmação das escolas de samba como atração principal dos festejos
75
RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo social. Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 113-128, jul./dez. 1990. p. 113. Sobre o assunto ver também:
CODATO, Adriano Nervo; OLIVEIRA, Marcus Roberto de. A marcha, o terço e o livro: catolicismo
conservador e ação política na conjuntura do golpe de 1964. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n.
47, p. 271-302, jul. 2004. WOLFF, Cristina Scheibe. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha:
perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, p.
19-38, dez. 2007.
76
MAZIERO, Ellen Karin Dainese. Mundo às avessas: mulheres carnavalescas na ótica dos filmes de chanchada
e da imprensa na década de 1950. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Assis, 2011, p. 53-54.
41
momescos – ainda que os bailes de salão ocupassem uma posição importante no carnaval –
significou o aumento do número de páginas dedicadas às escolas de samba nos periódicos da
época e o reconhecimento que o carnaval havia se transformado nesse processo, ao contrário,
dos recorrentes discursos dos anos 1950, que anunciavam a morte dos carnavais de rua.
Corroborando a ideia de carnaval como quebra da ordem, a revista O Cruzeiro, no
início dos anos 1960, procurou demonstrar a verdadeira essência do carnaval de rua:
Não é apenas uma canção marcada pelo teleco-teco dos tamborins, dos reco-
recos e dos pandeiros. É a crítica sorridente dos acontecimentos, o protesto
em ritmo humorístico contra as aflições da vida, a caricatura dos figurões do
dia. Mais do que pura manifestação de alegria, é uma libertação de
recalques, uma sublevação da hierarquia social, um maneirismo de dizer as
coisas caladas, o ano a fio, no fundo negro dos barracos e das casas pobres.
Quem faz o carnaval de rua são, principalmente, os que não têm dinheiro
para os convites dos grandes bailes e os que se juntam, nos ranchos e
cordões, escolas de samba e préstitos, com um dinheiro amealhado por força
da tradição77.
Os festejos nessas áreas não contavam, em grande parte das vezes, com o apoio da
prefeitura, necessitando do auxílio dos comerciantes locais e dos moradores do bairro para
decorar passarelas e coretos. A decoração das ruas centrais, por sua vez, locais onde
desfilavam ranchos, grandes sociedades, blocos e escolas de samba, fazia parte dos programas
77
BASTOS, Jairo Martins. Carnaval: do morro às ruas. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 105, 04 mar. 1961.
78
CARVALHO, Bernardino de; AMÉRICO, Rubens; ALMEIDA, João de. Rio canta e dança nas ruas. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 55, 24 mar. 1962.
42
da Prefeitura para o carnaval desde 1932, quando o carnaval foi oficializado. A pesquisadora
Helenise Monteiro Guimarães79 percebeu, em seus estudos sobre as ornamentações de ruas e
salões de bailes do Rio de Janeiro, que a partir dos anos 1960 as decorações se relacionaram
especialmente à transformação de “determinados espaços em territórios festivos” com o
propósito de atrair o público – que até então se encontrava descentralizado nas festividades
carnavalescas pela cidade – para as áreas centrais e assim promover o turismo internacional.
Nos primeiros anos da década de 1960, como inferido em enxerto anterior, os
desfiles de ranchos e grandes sociedades apareceram na imprensa como modalidades
carnavalescas ainda escolhidas para brincar o carnaval e apreciadas pelo folião comum, sem
recursos para participar dos grandes bailes do Rio de Janeiro. No entanto, o declínio gradual
desse tipo de carnaval cada vez mais apagado pelo protagonismo assumido pelas escolas de
samba suscitou reportagens que já sinalizavam para a sua extinção. Em 1965, em matéria
intitulada “Ranchos declinam em passeata”, O Cruzeiro levantou as possíveis razões para o
progressivo desaparecimento desse gênero carnavalesco:
No ano seguinte, mais uma vez os ranchos foram relacionados a uma tradição do
passado:
[...] os ranchos dão a nota de saudade nos 4 dias de Momo [...] tudo neles
rescende a passado e poesia ingênua, que ingênuas são as suas fantasias, as
suas borboletas enormes e a própria bandinha tipo interior, que marca as
melodias de ritmo lento.
Segunda-feira foi a noite dos ranchos na Avenida Presidente Vargas.
Apresentaram-se a um público reduzido e desanimado [...]81.
79
GUIMARÃES, Helenise. A batalha das ornamentações: a Escola de Belas Artes e o carnaval carioca. Rio de
Janeiro: Rio Books, 2015.
80
BENEVIDES, Henrique. RANCHOS declinam em passeata. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 95, 13 mar.
1965.
81
PRESENÇA da saudade no Carnaval. Ranchos. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 73, 19 mar. 1966.
43
Observações como estas eram realizadas também para os préstitos das grandes
sociedades, que assim como os ranchos emprestaram elementos diversos para a constituição
dos desfiles das escolas de samba. Sobre as Grandes Sociedades, em 1966, a mesma revista
noticiou que:
82
AS Grandes Sociedades: muita côr e pouca animação. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 80, 19 mar. 1966.
44
encontravam-se espalhados por outras regiões do Rio de Janeiro, sobretudo nas zonas norte e
sul, além de bairros do subúrbio da zona oeste. O mapa 1 evidencia alguns bailes realizados
em parcela significativa do período, considerando a cobertura da imprensa sobre o assunto,
que, por sua vez, selecionava quais deles seriam noticiados e cobertos. Muitos dos festejos
assinalados nessa representação gráfica não se realizaram de modo concomitante em todo o
período analisado83. De qualquer forma, o mapa demonstra a descentralização dos festejos
fechados e as oportunidades carnavalescas contidas em diversas partes da cidade.
O principal núcleo festivo ainda era a região central, considerando o seu reduzido
tamanho diante de outras áreas da cidade, com bailes realizados na Avenida Rio Branco, pela
Associação dos Empregados no Comércio, pelo Clube Naval e pelo Clube Militar, na
Avenida Constituição, pelo Clube Embaixada do Sossego, e na Avenida 13 de maio, pelo
Cordão da Bola Preta, apenas para citar alguns exemplos. Na zona sul eram várias as
possibilidades carnavalescas para as camadas mais ricas da população carioca, que poderiam
se divertir no Hotel Nacional, no Clube Monte Líbano e no Clube Sírio e Libanês, além dos
folguedos promovidos pelas associações esportivas como Botafogo de Futebol e Regatas e
Clube Regatas Flamengo, conforme salientado anteriormente. Os folguedos realizados nessa
região da cidade eram os mais registrados pelas revistas ilustradas O Cruzeiro e Manchete, no
que concerne aos carnavais fechados, principalmente por reunirem muitos membros da alta
classe média e da elite, que manifestavam comportamentos vistos como “livres”.
A zona norte, no entanto, não ficava de fora da folia e realizava diversos carnavais
nos salões do Montanha Clube, Social Ramos Clube, Olaria Atlético Clube e Madureira
Esporte Clube. Vale assinalar, ainda, que a zona norte se notabilizava no cenário carnavalesco
pela presença de escolas de samba tradicionais, como Portela, Mangueira, Salgueiro e Império
Serrano, entre outras agremiações, o que indica o potencial festivo da região. Em menor
proporção, a zona oeste, mais afastada do centro, também possuía clubes e agremiações
esportivas que festejavam o carnaval, como o Floresta Country Club, Campo Grande Atlético
Clube e Grêmio Esportivo Estudantes de Realengo.
83
Entre os bailes que não ocorreram em todo o período analisado, encontram-se os realizados no Teatro Recreio,
que deixou de existir em 1968, quando foi demolido; no Copacabana Palace, que passou a não promover mais
festejos carnavalescos em 1974; e no Teatro Municipal, que no ano de 1976 interrompeu uma tradição de mais
de quarenta anos na organização do principal festejo fechado da cidade.
45
O mapa foi elaborado a partir da Base de Dados Geográficos do SIURB (Sistema Municipal de Informações Urbanas) da cidade do Rio de Janeiro, pela empresa ENGEMAP/Assis, com base nas
informações fornecidas pela autora desta tese. Os dados do mapa foram extraídos do jornal O Globo. O QUE vai pelos Clubes, 17/02/1962, p. 9; CARNAVAL nos clubes, 03/02/1964, p. 10; O
QUE vai pelos Clubes, 18/02/1966, p. 05; O QUE vai pelos Clubes, 05/02/1966, p. 09; O QUE vai pelos Clubes, 10/02/1966, p. 05; PROGRAMA semanal nos clubes, 20/01/1967, p. 11;
ROTEIRO do folião, 20 /02/1971; SERVIÇOS da cidade durante o carnaval, 02/03/1973, p. 06; UM SERVIÇO para quem vai brincar nos salões do Rio, 29/01/1978, p. 19; UM ROTEIRO para o
carnaval de salão do Rio, 18/02/1979, p. 14; ROTEIRO DOS bailes no Rio, 10/02/1980, p. 24.
46
84
MUNICIPAL, oh, que delícia de baile. Manchete, Rio de Janeiro, n. 774, p. 19, 18 fev. 1967.
47
Diante das críticas recebidas, Façanha procurava justificar a medida afirmando que
os homossexuais não seriam proibidos de entrar nos bailes existentes, mas que não se aceitaria
a organização de festejos exclusivos para esse público. O sociólogo Paulo Sérgio do Carmo
compreendeu esse tipo de reação por parte da polícia e as atitudes dúbias da imprensa ao
retratar os bailes de carnaval com a presença significativa de travestis como indicativos de
uma “tensão entre duas vertentes de moralidade”:
85
TRAVESTI bem comportado poderá entrar nos bailes. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 05, 27 out. 1971.
86
BAILE do São José: mais de mil bonecas no salão. Manchete, Rio de Janeiro, p. 54, 13 mar. 1976.
87
CARNAVAL-70 já tem normas: proibidos bailes degradantes. O Globo, Rio de Janeiro, 10 nov. 1969, p. 05.
88
CARMO, Paulo Sérgio do. Entre a luxúria e o pudor: a história do sexo no Brasil. São Paulo: Octavo, 2011, p.
299.
89
Essa década evidencia a entrada de pessoas com formação universitária e originárias das camadas médias, o
que acabou por assinalar uma nova etapa na elaboração dos desfiles, com destaque para as fantasias e alegorias,
que contribuíram para a valorização visual dos cortejos. VALENÇA, Rachel T. Carnaval: para tudo se acabar na
quarta-feira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996, p. 61-62.
48
universo dessas agremiações carnavalescas, mas também pela expansão da temática negra94
nos desfiles. O trabalho desenvolvido por Fernando Pamplona e outros artistas na
Acadêmicos do Salgueiro, a partir de 1960, é comumente ressaltado por parte da bibliografia
sobre o tema como determinante para a recorrência da temática negra pela agremiação, vista,
muitas vezes, como pioneira nesse quesito. O historiador Guilherme Faria, assim com outros
pesquisadores, apreende os enredos do Salgueiro de 1959 a 1964 como uma continuidade do
enfoque negro já dado pela agremiação aos seus desfiles desde 1954 (“Uma Romaria na
Bahia”), além de relativizar o pioneirismo associado ao Salgueiro na introdução de temáticas
afro-brasileiras na década de 1960, demonstrando a existência de outras agremiações que
abordaram a questão do negro no período. Não houve, por parte da imprensa, segundo o autor,
a demarcação do Salgueiro “como o único líder da revolução temática nos desfiles das escolas
de samba”95, ao contrário da interpretação cristalizada pela bibliografia específica sobre tais
escolas.
Danilo Alves Bezerra inferiu que importância de Fernando Pamplona à frente do
Salgueiro não estaria na proposição da temática negra para os sambas-enredos, mas na
transposição do tema para as fantasias e alegorias, algo ainda inédito no universo das escolas
de samba, na ocasião da sua entrada no Salgueiro em 196096. Desse modo, embora referências
ao negro já tivessem sido feitas no âmbito das escolas de samba, em menções diretas ou
indiretas a personagens e aspectos de sua história, a tradução alegórica dessa temática, como
salientou Bezerra, ocorreu, de fato, nos anos 1960 e o período apresentou enredos quase
sequenciais sobre o assunto, a destacar: Quilombo dos Palmares (Salgueiro, 1960), Casa-
Grande e Senzala (Mangueira, 1962), Relíquias da Bahia (Mangueira, 1963), Chica da Silva
(Salgueiro, 1963), Chico Rei (Salgueiro, 1964), História de um Preto Velho (Mangueira,
1964), Glórias e Graças da Bahia (Império Serrano, 1966) e Bahia de Todos os Deuses
(Salgueiro, 1969).
94
A temática negra, embora estivesse presente anteriormente à década de 1950, não foi considerada por alguns
estudiosos como representativa desse universo. Monique Augras considera os sambas anteriores aos do
Salgueiro, a contar de 1954, com Romaria à Bahia, pouco significativos na alusão da temática negra, por
carecerem de referências mais diretas ao conteúdo. O Salgueiro, ao trazer um enredo exaltando a Bahia como
“terra do samba, de gente bamba e do candomblé”, inaugurou, na interpretação da pesquisadora, a presença da
negritude no samba-enredo, que se faria presente também em carnavais de anos subsequentes. AUGRAS,
Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 90-91. Nesse
sentido, podem-se citar também os enredos: Navio Negreiro (Salgueiro, 1957) e Viagens pitorescas através do
Brasil – Debret (Salgueiro, 1959).
95
FARIA, Guilherme José Motta. O G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e as representações do negro nos
desfiles das escolas de samba nos anos 1960. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2014, p. 276.
96
BEZERRA, op. cit., p. 307-308.
50
97
AUGRAS, op. cit., p. 93. Sobre o assunto, ver: MUSSA, Alberto; SIMAS, Luiz Antonio. Samba de enredo:
história e arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
98
As siglas AESB (Associação das Escolas de Samba do Brasil) e CBES (Confederação Brasileira das Escolas
de Samba), que constam na coluna “resultado”, referem-se às entidades de representação das escolas de samba. É
importante ressaltar, no entanto, que pelos idos dos anos 1960, a AESB passou a chamar-se Associação das
Escolas de Samba do Estado da Guanabara (AESEG). Em razão da fusão do estado do Rio de Janeiro com a
Guanabara, em 1975, a entidade adotou a denominação Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de
Janeiro (AESCRJ). Em relação à CBES, a partir de setembro de 1973, ela se torna a “representação máxima
oficial das entidades”, congregando algumas associações e federações de escolas de samba de todo o país.
ASSOCIAÇÃO das Escolas de Samba do Brasil. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/aesb-associacao-das-escolas-de-samba-do-brasil/dados-artisticos>.
Acesso em:14 dez. 2017.
CONFEDERAÇÃO Brasileira das Escolas de Samba. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular
Brasileira. Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/cbes----confederacao-brasileira-das-escolas-de-
samba/dados-artisticos>. Acesso em:14 dez. 2017.
51
1963 G.R.E.S. Osmar Valença Arlindo Rodrigues Chica da Silva Noel Rosa de Campeã do
Acadêmicos Oliveira e Grupo 1
do Salgueiro Anescar (AESB e
Rodrigues CBES) com 93
pontos
G.R.E.S. Amaury Jório Armando Iglesias, A Favorita do Maurílio da 2ª colocada no
Imperatriz Antônio Carbonelli e Imperador, Penha Aparecida Grupo 2
1964 Leopoldinense Paulo dos Santos Marquesa de e Silva (Bidi) (AESB e
Freitas Santos. CBES) com 63
pontos
Escola subiu
de grupo após
o desfile
G.R.E.S. João Severino Sebastião Souza de Vida e Amores Dodô Marujo – 3ª colocada no
1967 Em Cima da Gonçalves Oliveira de Beja Zeca do Varejo Grupo 2
Hora (AESEG e
Zeca do Marujo CBES) com 88
pontos
G.R.E.S. Osmar Valença Fernando Pamplona Dona Beja, a Aurinho da Ilha 3ª colocada no
Acadêmicos e Maria Louise Néri feiticeira de Grupo 1
do Salgueiro Araxá (AESEG e
CBES) com
112 pontos.
G.R.E.S. João Severino Ney Roriz Anita Edinoel – Jair Campeã do
1968 Grupo 2
Em Cima da Gonçalves Garibaldi, Torrada
Hora Amor e (AESEG e
Revolução CBES) com
114 pontos
Escola subiu
de grupo após
o desfile
S.R.E.S. Ovo Paes de José Félix Garcez A Imperatriz Nelzinho, 6ª colocada no
Lins Imperial Aguiar Netto das Rosas Tibúrcio e Grupo 2
(samba-enredo João Banan (AESEG e
sobre D. CBES) com 92
pontos
1969 Amélia, esposa
de D. Pedro I)
G.R.E.S. Não Josafá Pereira Maria Quitéria, Sem 14ª colocada
Unidos de identificado heroína da informações no Grupo 3
Bangu independência (AESEG e
CBES) com 65
pontos
G.R.E.S. Não Joceil Vargas Bravura, amor Rubens Fausto 10ª colocada
Acadêmicos identificado e beleza da [Rubinho] – no Grupo 1
de Santa Cruz mulher Paulo Fernandes (AESEG e
brasileira Lima [Paulinho] CBES) com 37
pontos
Escola desceu
de grupo após
o desfile
1970 G.R.E.S. Não Julio Mattos Salões e damas Renato 5ª colocada no
União de identificado imperiais Nascimento, Grupo 2
Jacarepaguá Jorge Mexeu e (AESEG e
Djandir Bastos CBES) com 71
pontos
52
G.R.E.S. Irani Santos Fernando Pinto Alô, alô, taí Heitor Achiles – Campeã do
Império Ferreira Carmem Wilson Diabo – Grupo 1
Serrano Miranda Maneco (AESEG e
CBES) com 68
pontos
1972
G.R.E.S. Sidney Ferreira Jairo de Souza Chiquinha Alfredo Maia e Campeã do
Tupy de Brás Dam Gonzaga, alma Foguete Grupo 2
de Pina cantante do (AESEG e
Brasil CBES) com 66
pontos
G.R.E.S. Osmar Valença Joãosinho Trinta e Eneida, amor e Geraldo Babão 3ª colocada no
1973 Acadêmicos Maria Augusta fantasia Grupo 1
do Salgueiro (AESEG e
CBES) com 56
pontos
G.R.E.S. Irani Santos Fernando Pinto Dona Santa, Wilson Diabo – 3ª colocada no
Império Ferreira rainha do Malaquias – Grupo 1
Serrano maracatu Carlinhos (AESEG) com
1974 93 pontos
G.R.E.S. Anatólio Izidro Edson Machado Mulata Maior – Joãozinho 2ª colocada no
Unidos de da Silva A Divina Empolgação, Grupo 2
Lucas Elizeth Pedro Paulo e (AESEG) com
Cardoso Zeca Melodia 95 pontos
Esses sambas de enredo que tematizaram as mulheres, por meio de figuras históricas,
personalidades marcantes na história do carnaval carioca e nomes relacionados à religiosidade
afro-brasileira e à música nacional, são importantes para este estudo por evidenciarem as
escolhas realizadas pelas escolas ao elegerem as mulheres a serem homenageadas e o aumento
no número de sambas-enredo que abordaram a temática feminina. Muito embora outros
sambas de enredo tenham abordado as mulheres em suas letras, em algum aspecto, o Quadro
1 enfocou somente aqueles que trouxeram em seu título a tônica feminina, excetuando-se os
relacionados às lendas populares99, à mitologia religiosa100 e às personagens de obras literárias
e musicais101.
Não obstante enredos de anos anteriores aos estudados nessa pesquisa fizessem
referências, em menor ou maior grau, a personalidades femininas, essas poucas menções
homenageavam mulheres pertencentes ao mesmo universo temático: o da história. Enredos
foram dedicados à princesa Isabel (Portela, 1948) e a Bárbara Heliodora (Império Serrano,
1958), enquanto outros enalteciam, indiretamente, figuras femininas como Ana Neri
(Homenagem à Medicina Brasileira, Império Serrano, 1952) ou traziam alusões sobre as
mulheres em temas mais gerais, como Sinhá-Moça (Unidos da Tijuca, 1955) e Bravos e
Heroínas (Unidos da Tijuca, 1959).
É significativo, portanto, o aumento de sambas-enredos que tematizaram alguma
figura ou conteúdo relacionado à mulher no período em estudo, apesar de ainda serem poucos
em comparação ao total de sambas-enredos apresentados. A expansão da temática negra, na
década de 1960, como exposto anteriormente, também se relacionou a uma tentativa de
enaltecimento de figuras femininas negras e de valorização do patrimônio cultural de origem
africana. Os sambas-enredos Chica da Silva, Dona Santa, rainha do maracatu, Catarina
Mina e Mãe Menininha do Gantois evidenciaram esse aspecto, mesmo que com perspectivas
distintas. Os sambas Chica da Silva (Acadêmicos do Salgueiro, 1963) e Catarina Mina
(Unidos de Jacarezinho, 1975) apresentam, do ponto de vista temático, elementos comuns:
contam a história de ex-escravas do período colonial brasileiro que se notabilizaram pelo
prestígio social e pelas riquezas adquiridas a partir de seus envolvimentos amorosos com
99
Podem-se citar os sambas-enredo “Uiara a deusa da Terra grande” (Unidos do Cabuçu, 1975), “A lenda das
sereias rainhas do mar” (Império Serrano, 1976) e “No reino da Mãe do ouro” (Mangueira, 1976).
100
É possível referir-se aos sambas de enredo “Festa de Yemanjá” (Unidos de Padre Miguel/ 1978), “Louvação
às três rainhas” (São Clemente, 1979) e “As três mulheres do rei” (Império da Tijuca, 1979).
101
Entre estes sambas-enredo é possível citar “Peri e Ceci” (Beija-Flor, 1963), “Gabriela, cravo e canela”
(Unidos de São Carlos/Estácio de Sá, 1969), “As Musas de Chico Buarque de Holanda” (Unidos do Cabuçu,
1970), “Marília de Dirceu” (União de Jacarepaguá, 1971), “Heroínas do Romance Brasileiro” (Unidos de São
Carlos/Estácio de Sá, 1974), “Essa Nega Fulô”, baseado no poema do alagoano Jorge de Lima de título similar,
“Essa Negra Fulô” e “A morte da porta-estandarte”, enredo inspirado no conto de Aníbal Machado de mesmo
nome (Imperatriz Leopoldinense, 1975).
54
homens poderosos da época. A representação comum associada a essas mulheres era a de que
utilizaram da sedução como arma para alcançarem uma posição de destaque e de poder em
seus meios sociais, Minas Gerais (Arraial do Tijuco, atual Diamantina) e Maranhão (São
Luís), respectivamente, ainda que a beleza não se constituísse em traço determinante para que
tal conquista ocorresse, como foi o caso de Chica da Silva no samba de Noel Rosa de Oliveira
e Anescar Rodrigues:
102
“Chica da Silva”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1963.
103
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003. Ver também: FURTADO, Júnia Ferreira. Família e relações de gênero no Tejuco:
o caso de Chica da Silva. Varia História, Belo Horizonte, n. 24, p. 33-74, jan. 2001.
55
riquezas. Foi o que aconteceu com Chica da Silva, escrava parda, comprada e alforriada por
João Fernandes, com quem teve treze filhos, o que coloca em xeque as características sensuais
atribuídas a sua figura, de forma mais contundente, na década de 1970. Embora no samba do
Salgueiro, de 1963, a sensualidade apareça de forma mais sutil associada à imagem de Chica,
uma vez que é salientada a pouca beleza de sua figura, dando a inferir que ela usou de outros
artifícios para conquistar o contratador de diamantes, outros aspectos são relacionados à ex-
escrava, como o poder alcançado por meio do seu envolvimento amoroso e a assunção de uma
postura mais altiva diante da sociedade mineira.
Furtado demonstra que grande parte das informações que se tinha de Chica da Silva
foram colhidas na obra de Joaquim Felício dos Santos104, que, se por um lado, transformou
Chica em “objeto historiográfico”, por outro, construiu uma imagem negativa a seu respeito,
retratando-a como “boçal e careca, pois era-lhe incompreensível que uma escrava pudesse
despertar a atenção de um homem branco e chegar a esta posição”105. Este elemento da
representação de Chica, ou seja, a imagem de uma mulher feia, apareceu no samba em
análise, ainda que atenuado, talvez em razão das notas explicativas de Nazaré Meneses,
aditadas ao segundo volume da obra de Joaquim Felício, em 1924, que relativizaram a
aparência de Chica, “boçal, mas nunca odienta e asquerosa”, do contrário, “não teria
inspirado ao desembargador”106 ou da obra de Soter Couto, “Vultos e fatos de Diamantina”,
de 1954, na qual Chica é retrata como uma mulher bela, única razão possível para os seus
romances. Entre representações tão díspares, os compositores do samba a colocaram como
uma mulher que não tinha “grande beleza”.
No entanto, outros aspectos acrescidos pela literatura à figura de Chica
provavelmente influenciaram a composição do samba-enredo do Salgueiro. Pela inexistência
de pesquisas históricas sobre o tema, as interpretações de Joaquim Felício continuaram
presentes por muito tempo, ao passo que a literatura compensou as “lacunas da história” com
o uso da imaginação. A obra de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, de 1953, traz
em alguns poemas a história de Chica e do contratador, na qual ela é retratada como uma
mulher sensual e poderosa, “[...] a Chica que manda”, frase presente no samba do Salgueiro.
Na peça de Antônio Callado, “O tesouro de Chica da Silva”, de 1959, tal figura aparece como
104
Advogado diamantinense que atuou para os herdeiros de Chica na ação de posse dos bens de João Fernandes
e que, a partir disso, dedicou-se à escrita da história da ex-escrava, publicada, primeiramente, nas páginas d’O
Jequitinhonha e, posteriormente, constaria no livro Memórias do Distrito Diamantino, publicado em 1868.
105
FURTADO, op. cit., 2001, p. 43.
106
FURTADO, op. cit., 2003, p. 271.
56
107
FURTADO, op. cit., 2001, p. 73.
108
“Catarina Mina”. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/unidos-do-
jacarezinho/1975/29/>. Acesso em: 14 jun. 2017.
109
Dança que se desenrola em forma de cortejo, ao som de instrumentos de percussão, na representação de uma
corte, que evoca reis, guerras e uma pátria perdida, com referências aos orixás do candomblé.
57
Ana Jacinta, a Dona Beja. Ela foi tema da agremiação Em Cima da Hora, com Vida e Amores
de Beja114, em 1967, e da Acadêmicos do Salgueiro, com Dona Beja, a feiticeira de Araxá,
em 1968. Neste último samba-enredo, Dona Beja é representada como “certa jovem linda,
divinal” que “seduziu com seus encantos de menina/o Ouvidor Geral” e “na Corte, fascinou
toda a nobreza/com seu porte de princesa/e seu jeito singular”. É importante salientar que a
representação perpetuada de Dona Beja – cortesã de grande beleza, de pele branca, cabelos
loiros e olhos claros –, presente na letra do samba-enredo do Salgueiro, na iconografia e
literatura sobre o tema, não foi fundamentada em evidências documentais, mas resultado da
idealização de Sebastião de Afonseca e Silva, conforme demonstram os estudos da
historiadora Rosa Maria Spinoso de Montandon115. A autora identificou na “História de
Araxá” – texto publicado em capítulos pelo semanário Correio de Araxá, em 1914 – a
construção de tal mito em torno da figura de Dona Beja, que seria reafirmado nas notas
pessoais do autor, nos romances e obras de arte produzidos posteriormente, os quais tiveram
Silva como fonte principal.
A autora evidencia, ainda, que a idealização de Sebastião de Afonseca e Silva quanto
à figura de Beja não estava desconectada do “objeto do desejo” da classe média da época,
pensada como moderna e cosmopolita. Sua representação estética traduziu o racismo existente
na sociedade do período, considerando a distância entre a imagem construída de Beja e a
aparência física da maioria das mulheres de Araxá. Os atributos físicos associados a ela
demonstram, portanto, não somente um gosto pessoal do autor, mas as expectativas de uma
coletividade.
Essa imagem já cristalizada de Ana Jacinta aparece igualmente no samba do
Salgueiro. Dona Beja, em representação típica, não se resignou ao rapto do qual foi vítima e
acabou por exercer uma posição de poder na sociedade de Araxá, do século XIX,
prostituindo-se e acumulando fortuna. Tal fato, no entanto, é abrandado na letra do samba do
Salgueiro, de Aurinho da Ilha, que não deixou de ressaltar a subversão dos valores
tradicionais:
formosa que ela/no reino daquele Ouvidor./Ela com seu trejeito reticente/fez
um reinado diferente/na corte de Araxá,/e nos devaneios da festa de Jatobá./
Mas antes, com seu trejeito feiticeiro,/traz o Triângulo Mineiro/de volta a
Minas Gerais,/e até o fim da vida/Dona Beja ouviu falar/e seu nome figurar
na história de Araxá116.
da primeira marcha carnavalesca com letra, Ó Abre Alas (1899), mas também outros
elementos de sua vida, como o fato de musicar a opereta “A corte na roça”, em 1885, e reger
um concerto de violões em 1889. O termo “maestrina”, inexistente até o momento em que
Gonzaga começou profissionalmente na música, é ressaltado no samba-enredo de Alfredo
Maia e Foguete, da Tupy, que, ao escolher homenagear essa importante figura da música
brasileira, acabou por priorizar também uma mulher transgressora, considerando a presença
significativa de sambas-enredos no período sobre rainhas e mulheres com títulos de nobreza:
Imperiais, da União de Jacarepaguá, de 1970, faz menção ao luxo e ao requinte das festas no
período imperial e, consequentemente, de seus frequentantes “damas e cavalheiros
importantes”.
Apesar de pertencerem ao mesmo universo temático, o da história, essas mulheres
homenageadas se notabilizaram por razões distintas: D. Amélia, Marquesa de Santos
(Domitila de Castro) e Baronesa de Taquara pelo envolvimento e/ou pertencimento à nobreza,
Anita Garibaldi e Maria Quitéria, por sua vez, pela coragem e por terem participado de
conflitos armados, como a Revolução Farroupilha – apenas para citar o exemplo mais
conhecido – e a defesa da independência brasileira, como integrante de um batalhão,
respectivamente.
A respeito da personagem tema do carnaval da Imperatriz Leopoldinense, de 1964,
Domitila de Castro Canto e Melo, amante de D. Pedro I e figura antagônica de sua esposa,
que por ironia denomina tal agremiação carnavalesca, foi ressaltada no samba pelas
conquistas de títulos nobiliárquicos como o de Viscondessa e, posteriormente, de Marquesa, a
partir do seu envolvimento amoroso com o imperador. O samba em questão traz alguns dados
sobre a forma como Domitila e D. Pedro I se conheceram, que não constam na historiografia
sobre o tema. A falta de registros sobre esse acontecimento particular talvez tenha incentivado
a imaginação do autor do samba, Maurílio da Penha Aparecida e Silva (Bidi), a criar a cena da
festa ocorrida em São Paulo, quando, na realidade, o que se conhece sobre o encontro é que
ele aconteceu nessa cidade pouco antes da independência do Brasil121, mas ignoram-se as
circunstâncias.
121
Sobre o assunto, consultar: DEL PRIORE, Mary. A carne e o sangue: a imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I
e Domitila, a marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012; REZZUTTI, Paulo. Domitila: a verdadeira
história da marquesa de Santos. 2. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2017.
122
“A Favorita do Imperador, Marquesa de Santos”. Disponível em:
<http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperatriz-leopoldinense/1964/6/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
62
123
“Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira”. Disponível em:
<http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperio-serrano/1975/4/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
124
STUDART, Heloneida. 1975: o ano da mulher. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.187, p. 26-29, 18 jan. 1975;
STUDART, Heloneida. 1975: o ano da libertação da mulher. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.197, p. 42-45, 29
mar. 1975.
63
125
“Bravura, amor e beleza da mulher brasileira”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1970.
126
“Mulher à Brasileira”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1978.
64
127
PORTELA. Mulher à brasileira. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2429, p. 40, 28 jan. 1978.
65
No que se refere aos grandes salões, a imprensa ilustrada demonstrava o luxo dos
bailes por meio das imagens selecionadas e da descrição de detalhes que poderiam dar ao
leitor uma dimensão dessa modalidade de brincar o carnaval, revelando, por exemplo, o
quanto deveria ser desembolsado para brincar em um festejo voltado para as camadas mais
elevadas da população, como o baile do Municipal, sobre o qual a revista O Cruzeiro, em
1964, destacou:
[...] o ambiente que cercou uma multidão de foliões que, não se sabe como,
depois e além de ingerir 2200 garrafas de champanha nacional + 1800
francês, 3500 litros de uísque e 20 mil xícaras de cafezinho, tivesse
estômago para absorver mais de duas toneladas de peru, duas idem de melão,
meia tonelada de maçãs e cem mil salgadinhos, de quebra, pra tirar o gosto.
[...] o folião podia escolher, conforme suas posses ou disposição de espírito,
as seguintes maneiras de viver o Baile do Municipal. Os que quisessem
somente se divertir teriam de desembolsar apenas 20 mil cruzeiros. Já quem
quisesse uma mesa (para ver, ouvir e mesmo cantar) teria de pagar 35 mil
cruzeiros “per capita”. Quem tivesse 42 mil cruzeiros sobrando, à disposição
da noite de segunda-feira, podia adquirir um lugarzinho numa frisa quase ao
rés-do-chão. O preço da animação se elevava à medida que o folião subia
para locais mais altos: o camarote, por exemplo, cotado a 45 mil cruzeiros,
por pessoa. [...] os camarotes mais oficias – o do Presidente da República e o
do Governo do Estado – foram vendidos por 2 milhões de cruzeiros, cada128.
128
OS DEZ mil do Municipal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 18, 29 fev. 1964.
66
Além disso, a preocupação com a estética do desfile, objetivando uma maior inserção
no mercado de consumo cultural, levou algumas escolas, como o Salgueiro, a interessar-se de
modo especial pela dança apresentada pelos passistas. Nesse sentido, é importante ressaltar o
trabalho da bailarina e coreógrafa Mercedes Batista na composição de alas de passo marcado
no Salgueiro e na criação de uma coreografia para a Comissão de Frente do enredo campeão
da escola, “Chica da Silva”, ainda no carnaval de 1963.
Inovações diversas eram realizadas pelas escolas, em maior ou menor proporção, não
apenas como forma de se diferenciarem umas das outras, mas pretendendo a
espetacularização dos desfiles, uma vez que tal intento relacionava-se ao próprio projeto de
internacionalização do carnaval, construído entre 1957 e 1963, conforme aponta a pesquisa do
historiador Danilo Bezerra. Ele identificou, por meio do estudo de jornais e revistas do
129
KALLÁS, André; SOUZA, Juvenil de; CLAUDIO, Edson. Onde nasce o carnaval. Manchete, Rio de Janeiro,
n. 670, p. 88, 20 fev. 1965.
67
período, ações tomadas pela Secretaria de Turismo, em conjunto com a iniciativa privada,
figurada por Jorge Guinle, herdeiro do Hotel Copacabana Palace, e por Harry Stone,
representante de Hollywood no Brasil, que sinalizavam para a divulgação do carnaval no
exterior, a promoção do turismo e a vinda de artistas internacionais. Estes últimos, aliás,
funcionavam como chamarizes para os glamorosos bailes da elite e para os coquetéis
“organizados especialmente para ‘produzir’ notícias em torno das amenidades e das
intimidades das estrelas, aproximando signos culturais de Brasil e Estados Unidos”130.
Os ensaios e desfiles das escolas de samba também não escaparam da presença de
elementos estrangeiros e das visitas de embaixadores e políticos. Outras ações envolviam a
realização de bailes de carnaval pelas embaixadas brasileiras na Rússia e nos Estados Unidos
e a formação de conjuntos musicais compostos por passistas e ritmistas que se apresentavam
em outros países e nos transatlânticos que atracavam na baía de Guanabara na época do
carnaval131.
Do mesmo modo que os desfiles das escolas de samba agigantaram-se no período, as
ornamentações das ruas também se tornaram mais oponentes, figurando como outro ponto
alto do carnaval carioca. É importante ressaltar que as inovações estéticas dos desfiles das
escolas de samba no período abordado se deram em razão da entrada de profissionais da
Escola de Belas Artes, instituição que forneceu artistas para decoração das ruas e salões
durante os festejos. Esse investimento por parte do poder público, na ornamentação de ruas e
salões, indica a afirmação do Rio de Janeiro como centro turístico internacional.
Além do mais, a concorrência estabelecida por meio dos concursos oficiais para
decoração das ruas, com premiações significativas, estimulou a melhoria da qualidade dos
projetos e a inserção de novos profissionais. Os artistas da Escola de Belas Artes foram,
portanto, os responsáveis por uma mudança estética no carnaval, com a experimentação de
materiais e modos de produção132. É válido considerar, ainda, que a participação de artistas de
formação nos desfiles carnavalescos não se deu pela primeira vez no início do período
estudado; Monique Augras informa que as grandes sociedades há tempos recorriam a
“especialistas para montarem seus préstitos”. Também nessa direção, a historiadora Zélia
Lopes da Silva identificou no discurso da imprensa, ainda em 1932 – no momento em que se
discutia a necessidade da institucionalização do carnaval –, evidências da já integração de
artistas plásticos na realização dos festejos da cidade. A pesquisadora cita como exemplo o
130
BEZERRA, op. cit., p. 239.
131
Ibid., p. 290-291.
132
GUIMARÃES, op.cit. Nesta obra, a autora esclarece, ainda, a respeito das ornamentações das ruas e dos
salões cariocas, sendo referencial no assunto.
68
caso do escultor Magalhães Corrêa, que há vários anos atuava no préstito dos Fenianos133. No
que se refere especificamente às escolas de samba, Augras verificou a presença de cenógrafos
em 1935, quando encontrou referências à presença dos mesmos na famosa escola Vizinha
Faladeira134.
A mudança da capital federal para Brasília, em 21 de abril de 1960, não significou
para o então estabelecido estado da Guanabara o abandono do ideal de centro cultural do país,
construído ainda em períodos anteriores. Ao contrário, o primeiro governador eleito, Carlos
Lacerda, procurou reafirmar a Guanabara como capital cultural, local de encontro de diversas
influências culturais e, portanto, “vitrine da nação”135. O carnaval, nessa interpretação,
expressava a alegria do povo brasileiro, sua desenvoltura e a mistura de elementos diversos,
por mais que algumas de suas manifestações, como os desfiles das escolas de samba,
recebessem, de determinados setores, críticas relacionadas à participação e à presença da
classe média nos ensaios, desfiles e também na elaboração dos folguedos.
A imprensa, que acompanhava a espetacularização do carnaval, tecia elogios à
grandeza das escolas, ao mesmo tempo em que dedicava espaço para as críticas concernentes
às transformações que afastavam as agremiações das suas tradições. Em matéria sobre os
desfiles de 1966, a revista O Cruzeiro salientou a busca de elementos diversos pelas escolas
de samba como forma de se diferenciarem dentro da concorrida competição:
133
SILVA, op. cit., 2008, p. 128.
134
AUGRAS, op. cit., p. 86.
135
FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação à segunda edição. In: ______. Rio de Janeiro: uma cidade na
história. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 07-10, p. 08.
136
VASCONCELOS, Ary; CARNEIRO, Glauco. O samba pede passagem. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p.
119, 12 mar. 1966.
69
inserção um desvirtuamento das escolas, como nos informa a revista O Cruzeiro, também
sobre o carnaval de 1966:
A presença de celebridades nos festejos momescos já era algo comum pelo menos no
que se refere aos bailes fechados, como do Municipal e do Copacabana Palace, no qual essa
participação relacionava-se à própria tentativa de internacionalização do carnaval. Com o
carnaval já internacionalizado e sua crescente espetacularização, nos anos aqui estudados,
figuras da society carioca, como Beki Klabin, que se notabilizou no universo carnavalesco por
desfilar na Portela, ocuparam espaços importantes nos festejos, não obstante tivessem
inicialmente recebido críticas por representarem a invasão de “elementos estranhos” nas
escolas.
No trecho da revista O Cruzeiro, reproduzido acima, Regina Helena Esberard, mais
conhecida como Gigi da Mangueira, embora proveniente de uma família rica de origem
francesa e moradora de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, não foi vista como elemento “de
fora”, mas como passista representante do “autêntico samba”, posta ao lado de Isabel Valença
e Paula, figuras da comunidade, possivelmente pela dedicação à referida agremiação e pela
excelência dos passos de samba apresentados. Em entrevista para o Museu da Imagem e do
Som, a ex-porta-bandeira da Portela, Vilma Nascimento, elegeu a socialite Beki Klabin como
uma personalidade importante da agremiação, sendo tal escolha justificada pelo fato de Beki
não ter exigido nada para desfilar no tempo que permaneceu na escola. É possível supor que
Vilma Nascimento optou por Beki Klabin, ao invés de citar algum nome da comunidade, por
137
MULLER, Gilda. Elas sambam no asfalto. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 22, p. 71, 05 mar. 1966.
70
entender que a dedicação à agremiação não era um aspecto comum às muitas mulheres da alta
sociedade ou do mundo artístico, que buscavam as escolas apenas no anseio de aparecerem
nos canais de televisão e nas revistas que cobriam o carnaval. Vilma talvez tivesse visto em
Klabin, representante da alta sociedade, o reconhecimento desse grupo social às escolas de
samba.
Um aspecto importante a ser ressaltado nessa discussão é a ocorrência de uma
situação análoga ao que vinha sendo criticado na época, porém, no seu sentido inverso, ou
seja, a participação de uma integrante de agremiação carnavalesca – Isabel Valença – no
tradicional concurso de fantasias do Teatro Municipal. Enquanto as escolas de samba
representavam o amálgama de diversas manifestações populares no âmbito carnavalesco,
resultado da soma de elementos dos ranchos, cordões e das grandes sociedades, o baile do
Municipal se constituía como o principal divertimento da elite no carnaval. Isabel Valença,
que ganhou destaque na pândega de 1963 por encarnar a personagem tema do vitorioso
enredo do Salgueiro, “Chica da Silva”, participou, em 1964, do concurso de fantasias do
Municipal, trajando a roupa que havia desfilado na avenida, representando, naquele ano,
“Rainha Rita de Vila Rica”, no enredo “Chico Rei”. Assim, Isabel Valença entraria para a
história do carnaval carioca não somente pela interpretação, na avenida, da fase nobre da ex-
escrava Chica da Silva, mas por ter sido a primeira mulher integrante de escola de samba a
concorrer no tão disputado concurso de fantasias do Municipal. Tal acontecimento se tornaria
ainda mais relevante pelo fato de Valença atingir a primeira colocação na categoria feminina
(luxo) do concurso, o que foi visto pela imprensa como mais um indicativo do luxo que
estaria “tanto nos grandes salões como nos terreiros das escolas de samba”138, além de
evidenciar a aproximação de segmentos sociais distintos em suas manifestações culturais e
práticas sociais.
A espetacularização e o destaque assumido pelas escolas de samba no período em
análise acabaram por influenciar outras modalidades de brincar o carnaval, como os blocos de
rua, que se sofisticaram no período e foram acusados de perder sua “fisionomia original”,
ainda no carnaval de 1969:
138
FANTASIAS. Manchete, Rio de Janeiro, n. 617, p. 38, 15 fev. 1964.
71
139
DIAS, Etevaldo. BLOCOS abrem o carnaval da Avenida. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 09, p. 109-111, 27
fev. 1969.
140
COSTA, op. cit., 2001, p. 176-177.
141
4 MILHÕES na Avenida. Manchete, Rio de Janeiro, n. 929, p. 37, 07 fev. 1970.
72
A Banda de Ipanema, criada ainda em 1965, abriu caminho para que outras bandas
surgissem, sobretudo em bairros da zona sul do Rio de Janeiro, apesar de não ficarem
circunscritas somente a essa região da cidade. Albino Pinheiro, principal fundador de tal
banda, explicou para o Jornal do Brasil, em 1972, as razões que justificavam seu sucesso:
O êxito da Banda [...] foi trazer para um público que não entendia de
carnaval de rua uma forma de diversão autêntica. Há oito anos, quando
começamos a sair, Ipanema era muito mais provinciana. Antes da Banda de
Ipanema, praticamente ninguém participava de uma eventual formação de
bloco de sujo. O pessoal da Zona Sul, classe média em geral, sempre se
recusou a participar do carnaval de rua em sua forma legítima143.
MANCHETE: [...] a Miriam aqui, por exemplo, nunca desfilou. Estréia este
ano e já vai como destaque. Você acha justo? Não seria mais honesto, por
142
SÉRGIO, Renato. Os alegres rapazes das bandas. Manchete, Rio de Janeiro, p. 22, 12 fev. 1972.
143
A BANDA e a Bandalha. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 fev. 1972, s.p.
73
exemplo, que esse destaque fosse dado a uma integrante da escola, sambista
autêntica?
MIRIAM: Acontece o seguinte: o enredo do Império é Carmem Miranda.
Serão oito moças representando as várias fases da vida de Carmem Miranda.
Daí eles resolveram chamar artistas, cantoras, pessoas que pudessem
interpretar bem os papéis. Mas a gente não chegou e invadiu a escola, não. A
Olegária, uma figura sensacional, moça maravilhosa, grande destaque do
Império, está na nossa ala. E olha: a Olegária é Império desde criancinha.
Mas nos recebeu como se já fôssemos da casa. E vou dizer mais uma: já fui
convidada muitas vezes para desfilar. Sempre tive medo. Este ano só aceitei
por causa da homenagem a Carmem Miranda [...].
MANCHETE: Há cinco anos atrás, todo mundo aqui já era alguém, gente
conhecida. Porque (sic), então, naquela época, vocês não desfilavam? Medo?
Preconceito? Afinal, samba de escola sempre existiu. Porque (sic) vocês só
descobriram agora? Porque (sic) agora promove mais?...
CIDINHA: Eu não desfilava porque morava em São Paulo. E quando vinha
por aqui ninguém me convidava. Eu também não ia chegar lá na escola,
bater na porta e pedir: posso desfilar um pouquinho? Não ficava bem. [...]
MANCHETE: Peraí: quando uma pessoa quer desfilar mesmo, não fica
sentada esperando convite. Já pensou se todos os componentes de uma
escola fossem esperar que a diretoria os chamasse? Quem vai aos ensaios
aprende a sambar e tem fantasia, está automaticamente engajado nos desfiles
da Avenida.
CIDINHA: Estou morando no Rio há um ano e já estou saindo. É sinal de
que estou na minha.
MANCHETE: É...Mas você esperou o convite. [...]144.
145
AS ESTRELAS, op.cit., p. 24.
146
DE COMO curtir a maior festa popular do mundo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.035, p. 112, 19 fev. 1972.
147
MOURA, Roberto M. Carnaval: da Redentora à Praça do Apocalipse. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986, p.
76.
75
elemento feminino, por exemplo, passou a ser cada vez mais explorado, sobretudo a figura da
mulata, ressaltada em sua beleza e “sensualidade”. A presença feminina foi considerada pela
revista Manchete, no carnaval de 1973, um dos pontos fortes da Portela: “Este ano, a escola
substituiu a Comissão de Frente, tradicionalmente formada com homens vestindo terno, por
mais 15 das mais belas mulatas lançadas nos concursos do Clube Renascença”148. No que
concerne aos bailes fechados, a situação não era diferente. À medida que o carnaval torna-se
um espetáculo para as massas, transforma-se igualmente em um espetáculo televisivo e
editorial. A exposição do corpo feminino nas revistas também aumenta significativamente nos
anos 1970 e os bailes voltados para as camadas mais elevadas da população produziam as
cenas flagradas, selecionadas e publicadas pelas revistas ilustradas que procuravam
demonstrar, sobretudo pelo desnudamento do corpo feminino, a liberação encontrada nesse
tipo de folguedo. No entanto, as representações das mulheres nos festejos carnavalescos
seguiam, na maioria das vezes, direcionamentos distintos, a depender do lugar das pândegas e
das mulheres retratadas.
No que se refere à sexualidade, por exemplo, discutia-se no período em estudo a
libertação sexual das mulheres, o controle do seu próprio corpo e a manifestação mais aberta
de seus desejos. Os festejos carnavalescos historicamente foram vistos como ambientes
propiciadores para demonstração de posturas mais livres pelos seus foliões; no entanto, no
contexto das transformações dos anos 1970, o erotismo esteve mais relacionado às mulheres
que participavam de bailes como do Monte Líbano e do Municipal, por exemplo, ou seja, as
mulheres brancas e de significativo poder aquisitivo. É perceptível no material selecionado,
mesmo que de forma implícita, que a liberdade manifestada no carnaval era mais cara às
mulheres frequentadoras desses bailes por supostamente expressarem aspectos de sua
sexualidade reprimidos em épocas passadas.
As demandas do movimento feminista da década de 1970, relacionadas à questão
corporal, eram indiferentes para as mulheres negras que “tinham que lidar com outras
necessidades do corpo, como comer, agasalhar-se, comprar remédio etc. Enquanto as brancas
discutiam sexualidade, as negras queriam tirar de si o peso de séculos de scxualização”149. No
âmbito dos festejos, enquanto as mulheres brancas de classe média e de elite brincavam mais
livres numa perspectiva sexual, diferentemente de períodos anteriores em que “mundanas” e
148
RIO: O Império encantado do samba. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.091, p. 20, 17 mar. 1973.
O Clube Renascença, criado em 1950 e frequentado pela elite negra do Rio de Janeiro, promoveu, desde a sua
fundação, concursos com a finalidade de valorizar a beleza das mulheres negras, além de preparar suas misses
para disputas estaduais, nacionais e internacionais. BRAGA, Amanda. História da beleza negra no Brasil:
discursos, corpos e práticas. São Carlos: EdUFSCar, 2015. p. 188.
149
FERNANDES, Danubia de Andrade. O gênero negro: apontamentos sobre gênero, feminismo e negritude.
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 691-713, set./dez. 2016. p. 705.
76
Se por um lado essas mulheres eram valorizadas por demonstrarem o samba no pé,
por outro representavam o sensualismo presente nos carnavais das escolas de samba. Embora
tal aspecto fosse ressaltado em relação a outras mulheres participantes dos desfiles, as
mulatas, identificadas com a própria essência das escolas, expressavam o “ritmo quente que
carregam no sangue”. Essa representação da mulata, construída a partir da figura da
mucama152 e da sua articulação com a prestação de serviços sexuais, dentro da sociedade
escravocrata, ganhou uma conotação mais lasciva no âmbito carnavalesco no próprio processo
de comercialização dos folguedos.
Não obstante o destaque assumido por algumas mulheres nos desfiles das escolas de
samba, muitas delas, sobretudo as passistas, não recebiam da imprensa o mesmo espaço ou ao
menos a identificação devida. O quadro abaixo mostra somente os nomes das mulheres
identificadas como passistas e destaques, evidenciando o nome de poucas passistas,
considerando o número de mulheres que apresentavam passos de samba nos desfiles:
150
A estudiosa Danubia de Andrade Fernandes, ao se pautar nas análises de Yann Le Bihan, demonstra como a
premissa “a mulher negra é quente” foi constituída pelo discurso científico no século XVI. Associavam-se às
altas temperaturas da África subsaariana ao aumento do tamanho do clitóris feminino, o que explicaria a suposta
sensualidade exacerbada da mulher negra. Nesse modelo explicativo o calor “modificaria a morfologia e a
morfologia afetaria o comportamento”. FERNANDES, op. cit., p. 695.
151
TOJI, Simone. Passistas da Mangueira: o desfile das emoções na festa carnavalesca carioca. In:
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; GONÇALVES, Renata (Org.). Carnaval em múltiplos planos.
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. p. 195-220, p. 213-214.
152
GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, São
Paulo, p. 223-243, 1984. p. 230.
77
Manequim, atriz,
passista e destaque.
Maria Rosa 1972, 1978 O termo “passista
Imperatriz amadora” consta na
Leopoldinense cobertura de O
Cruzeiro
Sueli Arruda 1972 _
Aparecida 1972 _
Passista e destaque.
Regina Céli é
descrita como a
Império Serrano Regina Céli 1975 “mulata
exportação” do
Império Serrano.
Carioca de Ramos,
sua atuação era
mais como passista
80
Neide 1969 _
Sandra 1978 _
Vera 1967 _
81
Rio de Janeiro, n. 05, p. 06, 30 jan. 1974. VILA ISABEL. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p.
30, 06 mar. 1974. VALE, Gilberto do. Regina Céli. Mulata exportação. O Cruzeiro, Rio de
Janeiro, n. 07, p. 97, 12 fev. 1975. ACADÊMICOS do Salgueiro, op. cit., p. 134. KELLY, João
Roberto. Som Brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2426, p. 112, 07 jan. 1978. PORTELA.
Mulher à brasileira, op. cit., p. 40. ESCOLAS de Samba: o carnaval dos carnavais. Manchete,
Rio de Janeiro, n. 1.454, p. 22, 01 mar. 1980. RIO: o maior show do mundo. Manchete, Rio de
Janeiro, n. 1.403, p. 16, 10 mar. 1979. BATISTA, Tarlis. Beija-Flor. Sob o signo do samba.
Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.300, p. 111, 19 mar. 1977. O FANTÁSTICO show de samba.
Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 06-14, 22 fev. 1975. CABRAL, Edison; SÉRGIO,
Alberto. 67: cada escola um carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 771, p. 111-113, 28 jan.
1967. ESCOLAS: o samba canta a liberdade. Manchete, Rio de Janeiro, n. 774, p. 98 a 102, 18
fev. 1967. ESCOLAS: samba alegria do povo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 829, p. 104-111, 09
mar. 1968. PINHEIRO, Albino. Samba: alegria do povo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 932, p.
60-82, 28 fev. 1970. AS ESTRELAS descem para o asfalto, op. cit., p. 24-26. RIO: O Império
encantado do samba, op. cit., p. 09-16.
É possível inferir, por meio da análise da tabela e das informações colhidas a respeito
de algumas dessas mulheres, que as que assumiram a posição de destaque nos desfiles das
escolas de samba pertenciam em sua grande maioria ao universo artístico, atuando como
atrizes, modelos ou cantoras. Personalidades como Lady Francisco, Míriam Pérsia, Rosemary,
Marlene e Clara Nunes, que já tinham uma carreira artística, foram algumas das mulheres que
desfilaram como destaque. Figuras da comunidade também chegaram a ocupar essa posição,
no entanto, em menor quantidade, como Vilma, da Portela, Olegária, da Império Serrano e
Isabel Valença que, a partir da interpretação de “Chica da Silva”, ganhou espaço cativo na
cobertura da imprensa na representação de figuras importantes nas narrativas escolhidas pelo
Salgueiro. É válido ressaltar, igualmente, a trajetória de Marlene Paiva e de Beki Klabin. A
primeira, conhecida pela participação nos concursos de fantasia do Teatro Municipal,
destacou-se na Mocidade Independente de Padre Miguel, enquanto Klabin, figura da alta
sociedade carioca, desfilou por anos na Portela.
Quanto às passistas é observável o pertencimento da maioria dessas mulheres às
classes populares pelas indicações das ocupações exercidas no tempo ordinário, como, por
exemplo, o ofício de manicure, e os locais de origem vinculados às comunidades das escolas
de samba. No entanto, tal posto não ficava restrito a elas. Uma prova disso é a fama adquirida
no universo carnavalesco por Regina Helena Esberard, conhecida como Gigi da Mangueira,
moradora de Ipanema e oriunda de uma família com posses, como já salientado. De modo
geral, as mulheres identificadas pelas revistas eram aquelas que pertenciam ao universo
artístico ou reconhecidas pelo seu talento e tradição no posto ocupado. No caso das passistas,
no entanto, muitas deixavam de ter seus nomes publicados nas revistas, não obstante sua
desenvoltura no samba estivesse presente nas matérias sobre os desfiles das escolas de samba.
As revistas ilustradas dedicaram, assim, maior atenção às passistas conhecidas e tradicionais
83
das escolas de sambas. Essas mulheres, pela própria trajetória no carnaval e pelo
reconhecimento conquistado em suas respectivas agremiações, representando, muitas vezes, a
principal festividade brasileira no exterior, ensejaram matérias ou comentários diversos. A
revista O Cruzeiro, por exemplo, apresentou matérias exclusivas sobre Paula da Silva Campos
e Narcisa, do Salgueiro, Regina Céli, do Império Serrano e Vânia Regina Meirelles, da
Mangueira.
A sensualidade não se constituía em principal qualitativo para descrever essas
mulheres, ao contrário, era o talento na apresentação de passos de samba e a origem mais
humilde e ligada ao samba que norteava as reportagens e observações sobre a inserção das
mesmas nas agremiações. O aspecto sensual, quando ressaltado, mostra-se mais sutil na
comparação com as passistas anônimas, classificadas somente como “mulatas”. Em frente à
sua casa no morro do Salgueiro, descrito pela revista como “barraco”, Narcisa estampava a
matéria de O Cruzeiro, que salientava sua inclinação precoce para o samba e a decisão de
permanecer naquela comunidade mesmo com a melhora das condições de vida:
Já falei com o Nando (noivo), que ele, apesar de professor, vai ter que morar
aqui no morro. Se ganhar dinheiro mais alto, constrói um barraco melhor. O
importante não é a casa, e sim o local. Já poderia morar em outro bairro, até
mesmo na zona sul. Prefiro ficar aqui mesmo, todos gostam de mim, eu
morreria de saudade. A Escola ficaria sem uma passista. E, neste assunto,
sou muito mais eu153.
153
TEIXEIRA JR., op. cit., p. 92-93.
154
COSTA, op. cit., p. 41, 03 fev. 1968.
84
bordo no Lóide Brasileiro. Além disso, havia sido despejada devido à desapropriação de sua
casa para construção de um hospital.
As passistas não identificadas pelas revistas, mas que eram fotografadas e apareciam
na cobertura carnavalesca, recebiam comentários mais gerais, como este, referente ao desfile
de 1970, no qual a sensualidade constituía o traço principal de sua apreensão:
Isso não significa dizer, entretanto, que o samba das passistas não era ressaltado
nessas representações, mas que não consistia no elemento primeiro a ser associado à sua
figura. A revista Manchete, ainda em 1970, salientou a importância dessas desfilantes e como
eram pouco destacadas individualmente: “Os ritmistas e passistas são a massa e o corpo das
escolas de samba. Não contam pontos e são pouco focalizados individualmente, mas de seu
ritmo e de seu entusiasmo dependem as notas de harmonia e conjunto”156.
O prestígio alcançado por algumas passistas nas escolas e consequentemente
transposto para a imprensa foi demonstrado pela revista Manchete ao afirmar que “Paula e
Narcisa tiveram permissão para desfilar em qualquer ala, movimentando-se à vontade”157. Os
textos e legendas que exaltavam a figura da mulata somente cresceram no decorrer da década
de 1970, mesmo quando se referiam a mulheres conhecidas que desfilaram como destaque –
caso de Aizita, revelada pelo Clube Renascença, sexta colocada no concurso Miss Guanabara
e que tinha seguido a carreira de atriz: “Mulata quer dizer mulata. Mulata vestida de verde e
rosa, enchendo a Avenida de ginga, mumunha e outras milongas a mais. Mulata de Mangueira
é fogo. Tanto faz: Aizita ou simplesmente Maria”158.
Regina Céli, passista do Império Serrano, foi apresentada como “mulata exportação”
pela revista O Cruzeiro, em 1975. A reportagem em questão expunha as razões que
justificariam a atribuição de tal alcunha a Regina Céli:
155
PINHEIRO, op. cit., p. 68-69.
156
Ibid, p. 84.
157
É CARNAVAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 985, p. 09, 06 mar. 1971.
158
FONSECA, Elias. Mangueira: a escola risonha e franca. Manchete, Rio de Janeiro, n. 982, p. 42, 13 fev.
1971.
85
O samba está no sangue de Vânia. Ela é filha de Nananã, uma das figuras
mais conhecidas da Mangueira. No jardim de infância da escola, aos cinco
anos de idade, ganhou vários concursos e medalhas. Uma delas foi a de
Passista da Mangueira. Quando tinha dez anos, venceu o concurso de a
melhor passista no programa do Chacrinha. Entre outros títulos que ganhou
depois, a sua maior glória foi o gesto da Rainha Elisabeth, quando a escola
se apresentou para ela, durante sua visita ao Brasil. A Rainha desceu do
palanque e foi beijar e abraçar a menina lá no meio dos outros sambistas.
Mas, a vida para Vânia se faz de sonhos, de samba e de trabalho. Na casa de
tijolos nus, onde mora com os pais, ela sonha com a glória, que dura uma
hora por ano no asfalto, sob as luzes coloridas da passarela do desfile [...]160.
159
VALE, op. cit., p. 97.
160
FALCÃO, José Cabral. Do morro da Mangueira à passarela de luz. Sonho de uma noite da mulata de ouro. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2434, p. 13, 04 mar. 1978.
86
Em 1979, a revista O Cruzeiro volta a trazer uma matéria com Paula, do Salgueiro,
na época com 61 anos de idade. A matéria rememora a sua trajetória pessoal e profissional,
ressaltando o nascimento em Cantagalo, o desquite, a entrada na agremiação na qual ficou
conhecida e principalmente os empregos que ocupou ao longo da vida: de empregada
doméstica na Tijuca, modelo de nu artístico, vedete nos palcos do Brasil e do mundo, artista
de teatro, dançarina em balé folclórico, até funcionária pública do Museu de Belas Artes, onde
pretendia se aposentar. Nessa entrevista o que chama a atenção é o fato de Paula querer se
opor à imagem já cristalizada no imaginário social e que havia somente se acentuado na
década de 1970, com o progressivo desnudamento feminino, ou seja, a sexualização da
passista: “A beleza que vejo no samba é a do corpo em movimento, a beleza do samba. Não
encontro razão para relacionar mulher sambando com sexo”161.
É importante esclarecer também que, embora a imprensa selecionada corroborasse a
imagem da mulher erótica e sensual presente nos carnavais, outras representações eram
construídas igualmente no âmbito dos folguedos, destacando, contudo, a inversão da ordem
possível no espaço dos festejos momescos, mais comum nas representações de figuras
tradicionais do samba. Em relação às mulheres que atuavam como porta-bandeiras nas
agremiações carnavalescas, seus corpos ganhavam dimensões distintas quando apreendidos na
esfera doméstica e no espaço dos folguedos carnavalescos, como é possível perceber na
matéria abaixo, ainda de 1964, da revista O Cruzeiro:
Além disso, a matéria em questão procurou demonstrar, por meio de fotos diversas e
de pequenos textos sobre o cotidiano de algumas porta-bandeiras, a “dualidade” vivida por
estas mulheres e o simbolismo do carnaval expresso na inversão carnavalesca, evidenciado
nas imagens abaixo, em que Leni Soares, da agremiação Império Serrano, aparece em sua
função habitual, a de doméstica, e como porta-bandeira em um desfile de carnaval:
161
FILHO, op.cit., p. 93-95.
162
RAMALHO, Eduardo; AMÉRICO, Rubens. Samba tem rainhas de uma noite só. O Cruzeiro, Rio de Janeiro,
n. 18, p. 39, 08 fev. 1964.
87
163
RAMALHO; AMÉRICO, op.cit., p. 40.
164
COSTA, Haroldo. A porta-bandeira: rainha por uma noite. Manchete, Rio de Janeiro, n. 984, p. 74-78, 27 fev.
1971.
88
165
Juvenal Pereira, ex- fotógrafo de O Cruzeiro, em depoimento para Silvana Louzada da Silva, revelou a
orientação que recebia para retratar o negro e o pobre quando da impossibilidade de “eliminá-los” da cena:
“Quando você for fotografar uma favela, fotografe a casa mais arrumada, quando você fotografar um negro
fotografe o mais limpo e bonito”. SILVA, op. cit., 2004, p. 152.
89
É importante assinalar que para além das funções habituais exercidas pelas porta-
bandeiras no espaço cotidiano, sempre lembradas pelas revistas ilustradas e contrapostas ao
tempo do carnaval, destaca-se o fato de que muitas dessas mulheres tiveram suas vidas
transformadas também no âmbito ordinário em virtude do carnaval. Vilma, por exemplo,
notabilizada por ocupar o posto de primeira porta-bandeira da Portela, antes mesmo de
participar da escola, já se apresentava nos espetáculos de Carlos Machado (grande nome no
universo dos espetáculos cariocas) empunhando uma bandeira de escola de samba, chegando,
inclusive, a fazer filmes de temática carnavalesca. Mocinha também usou da fama adquirida
na Mangueira, em um período de internacionalização do carnaval, para se apresentar em
eventos e shows, como forma de complementar a renda. Dodô, por sua vez, na primeira
metade da década de 1970, foi encarregada pelo então presidente da Portela, Carlos Teixeira
Martins, o Carlinhos Maracanã, de administrar uma loja dentro da quadra da Portela, que
recebeu o nome da pioneira porta-bandeira, onde ela “recebia os turistas no ritmo de
recordações emocionantes e frases divertidas para vender camisetas e suvenires da Portela”167.
A respeito da importância adquirida por algumas mulheres no desfile das escolas de
samba, a porta-bandeira Vilma Nascimento, da Portela, em seu depoimento ao Museu da
Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, descreve o episódio em que Natalino José
166
PARKER, Richard G. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual no Brasil Contemporâneo. São Paulo:
Best Seller, 1991, p. 226.
167
MOTTA, Aydano André. Porta-Bandeiras: onze mulheres incríveis do carnaval carioca. São Paulo: Verso
Brasil, 2013, p. 49 -50. (Coleção Cadernos de Samba).
90
Nascimento, mais conhecido como “Natal da Portela”, importante figura da escola e sogro de
Vilma, retira a roda de uma alegoria da agremiação para esperar sua chegada à avenida:
[...] teve um ano, que eu não me lembro que ano Hiram, que a Portela
também já tava com o abre-alas, aquela águia, na frente, e eu tava
terminando de bordar o meu sapato. Aí Mazinho: “vamo embora Vilma,
anda logo, deixa isso pra lá”. E eu disse: “não vou, não adianta que eu não
vou”. Aí começa na televisão eles anuncia que quebrou a alegoria da Portela,
a roda caiu, quebrou, e a Portela tava atrasada por causa disso. Eu digo: “ih,
que beleza”. Aí acabei de fazer tudo e vou pra Avenida, quando chego no
cais do porto o pneu do carro fura [...] e pra arrumar táxi ali de madrugada?!
Foi um sufoco, aí conseguimos um e fomos porque a gente já ia já vestida
né, já ia vestida, [...] aí quando chegamos lá vem o seu Natal correndo: “oh
Ilma [ele a chamava assim], você me mata do coração. Pessoal bota a roda aí
no carro e vamos embora” [risos e comentários diversos]. Foi aí que eu tive
consciência do que eu era na minha agremiação, que era a Portela naquela
época. Pô, fazer isso pra me esperar, é porque eu fazia falta. [um dos
entrevistadores comenta] “Valia dez pontos né?!” [Vilma responde]:
“justamente”168.
[...] a minha volta aconteceu por causa de Hiram Araújo [diretor cultural da
Portela], ele que, voltei por causa de Hiram Araújo, porque eu não queria
voltar. Mas ele me convenceu e então eu exigi a presença do presidente e de
Necio, eles foram a minha casa. Porque antes disso seu Natal morreu
168
NASCIMENTO, Vilma. Depoimento. Entrevistadores: Helena Teodoro, Manoel dos Santos Dionísio, José
Carlos Rego, Hiram Araújo, Lygia Santos e Benício Nascimento. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som –
MIS. Entrevista concedida ao projeto “Memória do Povo da Dança do Samba” do MIS/RJ em 30 de julho de
1999 (VI – 00703.1/2).
91
169
NASCIMENTO, Vilma, op. cit.
170
SOUZA, Rivailda do Nascimento. Depoimento. Entrevistadores: Aroldo Bonifácio, José Carlos Rego e
Manoel Dionísio. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao projeto “A sorte é
sua em conhecer” no auditório da LOTERJ para o MIS/RJ em 2000 (VI – 00758.3).
92
[Roberto Paulino] subiu no morro e disse: “eu vou fazer você voltar, como
porta-bandeira”. “Mas, o meu marido não vai deixar, você vai se aborrecer”.
Ele disse: “não, eu vou buscar você”. Foi lá: “onde você mora?” (perguntou
Roberto). Eu dei direitinho a dica, ele foi lá. Chegou lá, o meu marido era
daqueles assim meio turrão [...] “o seu Roberto veio conversar com o
senhor”, aí ele “quem é esse homem?”. “É o presidente da Mangueira”. “Não
tem carnaval” (disse o marido). “Vai lá conversar com o homem, pelo amor
de Deus, vai lá ver o que o homem quer”. Aí ele aceitou a conversa do
homem, seu Roberto falou que queria “sua esposa emprestada” (risos dos
presentes), “carnaval seu Abel”. “Não, não tem dinheiro para vestir, fazer
fantasia pra carnaval não. Eu tenho uma porção de criança aí. Posso não”
(disse o marido). “Mas, eu não quero que o senhor gaste um tostão, eu vou
vestir, a Mangueira vai vestir, vai dar tudo pra sua mulher” (disse Roberto).
“Bom, eu vou pensar” (disse o marido de Mocinha, seu Abel). “Mas e as
criança (sic), onde vão deixar as crianças?” (continua Abel). Aí minha mãe:
“eu tomo conta”. Ela é fofoqueira igual a mim. Minha mãe: “eu tomo conta”.
Aí ele não teve saída né?!, teve que emprestar a mulher dele [...]171.
171
SOUZA, Rivailda do Nascimento, op. cit.
93
trabalho.
Mocinha permaneceu como a segunda porta-bandeira da Mangueira por vinte e seis
anos, assumindo o lugar de primeira em 1966, devido às divergências de Neide – a principal
porta-bandeira da escola – com a direção quanto ao pagamento de sua fantasia, tema, como
visto, controverso e motivador de desentendimentos. No ano seguinte, resolvidos os
problemas com a direção da Mangueira, Neide retornou ao seu posto e Mocinha somente o
assumiria novamente a partir de 1981, com a morte da primeira. No entanto, Mocinha, ainda
como segunda porta-bandeira, conseguiria algo inédito: ganhar, em 1979, o Estandarte de
Ouro. De acordo com o seu depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro, este foi um dos momentos mais importantes de sua vida no mundo do carnaval, já
que se “olhava” somente para as primeiras porta-bandeiras.
Sobre os quesitos necessários para ser uma “boa” porta-bandeira, Mocinha, na
mesma entrevista, elucida o que seria importante em seu entendimento:
[...] eu acho o seguinte: porta-bandeira não precisa ter uma face linda, bonita,
não, eu acho que a porta-bandeira tem que saber dançar, apresentar um
bailado, de acordo com o mestre-sala e o mestre-sala de acordo com a porta-
bandeira [...] então eu acho que existe um comportamento da porta-bandeira
com a bandeira, um respeito, da porta bandeira com a bandeira. Segundo,
porta-bandeira ela tem que ser vaidosa com ela, com ela (enfatiza), não com
os outros. Tem que se importar com ela. Eu sou a Mocinha, eu me considero
hoje a Mocinha, isso na época. Então eu sou uma porta-bandeira que vou
fazer por mim, não quero saber o que os outros fazem, não quero saber se a
porta-bandeira, fulana se ajoelha, se ela beija o mestre-sala, se ela joga a
bandeira pro alto, eu não tenho nada a ver com ela. Eu tenho a ver com o
meu comportamento, que eu sempre tive, eu tenho orgulho de dizer isso. Eu
sempre tive muito carinho, tenho até hoje pela bandeira da minha escola,
sempre me comportei muito bem em qualquer lugar, na minha escola, haja
vista que todas as viagens da Mangueira, aí Aroldo Bonifácio (um dos
escolhidos para entrevistá-la) viajou pra França comigo pode falar, né, me
comportei muito bem, me comporto até hoje como velha guarda, sabe. Eu
acho que, aí uma outra forma, a porta-bandeira tem que ser [...] ela deve ser
elegante, ela deve ser simpática, ela não precisa ser bonita, mas deve ser
simpática, entendeu? Eu acho que uma porta-bandeira deve saber receber um
visitante na sua quadra, que eu vejo isso muito pouco agora sabe? [...] E
saber dançar né?! Eu acho que a coisa mais importante é o saber dançar, se
comportar com a bandeira e saber dançar172.
173
RODRIGUES, Maria das Dores Alves. Depoimento. Entrevistadores: Manoel Dionísio e José Carlos Rego.
Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao MIS/RJ em 28 de julho de 2000 (VI
- 00782. 1/2).
174
MOTTA, op. cit., p. 30-31.
95
Dodô ocupou a posição de primeira porta-bandeira da Portela até 1957, quando foi
substituída por Vilma Nascimento, passando, a partir de então, ao posto de “segunda” porta-
bandeira da agremiação em pauta. Essa transição do posto ocorreu, segundo os memorialistas
e estudiosos do tema, sem maiores atritos, já que Dodô não teria manifestado resistência,
muito pelo contrário, teria deixado a posição à disposição da escola. Sobre o assunto, Aydano
considera que:
No depoimento de Dodô ao MIS, ela, de fato, confirma a versão de que não teria
visto problema na substituição, já que sempre existia a possibilidade dessas mulheres serem
trocadas por outras consideradas melhores para o posto, em decorrência da opinião da
diretoria. No entanto, é perceptível em suas respostas às perguntas dos entrevistadores a
compreensão de razões mais específicas para a sua saída da posição de primeira porta-
bandeira:
175
MOTTA, op. cit., p. 30-31.
96
Dodô: Não, ela não frequentava a Portela. Ela era da União de Vaz Lobo. É
porque ela já tava namorando o Mazinho.
José Carlos Rego: Certo. Que era o filho do Natal.
Dodô: Era filho do Seu Natal, entende? Então houve contras, não comigo. Aí
ele perguntou a Ari: “Ari, qual você quer dançar, com a Dodô ou com a
Vilma?”. O Ari falou: “tanto as duas dançam muito bem. Portela tá boa de
porta-bandeira [...]”. Então, houve aquele rebuliço. Aí o seu Natal falou
assim: “ó, quem se vestir melhor que vai pegar a bandeira”. Eu trabalhava de
dia pra fazer a minha roupa e da minha mãe, é ruim hein. O seu Natal, né,
custeava a roupa dela. A gente tem que ter consciência, não é? A mim
ninguém me ajudava. Tudo bem [...] Porque eu não tenho nada contra ela.
José Carlos Rego: Certo.
Dodô: Não tenho nada com isso, não é? Aí o pessoal olhava pra minha roupa
e olhava a roupa dela. Isso quem tinha que falar era ela no depoimento dela.
José Carlos Rego: certo
Dodô: Acaba aí. Eu não falo mais nada.
José Carlos Rego: tá bom então.
Dodô: quem tem cabeça.
José Carlos Rego: você foi ser a segunda porta-bandeira
Dodô: fui
José Carlos Rego: sem problema176.
Canecão, por sua vez, substituiu o Municipal como baile oficial da cidade do Rio de Janeiro.
Por muito tempo, no entanto, os bailes do Municipal e do Copacabana acompanharam as
mudanças na forma dos foliões se divertirem. A revista Manchete, ao demonstrar essas
mudanças e o ambiente mais livre encontrado nos salões, assinalou razões que talvez
explicassem a não realização conjunta desses dois bailes tradicionais do Rio de Janeiro, a
partir de 1976, sem enfatizar, contudo, os problemas mais concretos, como, por exemplo, a
proibição do Governo de Estado na promoção do Baile do Municipal:
Além disso, o trecho acima evidencia outros aspectos dos festejos carnavalescos. As
escolas de samba, obrigadas a seguir enredos de temáticas nacionais, tinham ainda que lidar
com as regras do desfile carnavalesco, enquanto os foliões da elite e da média burguesia que
brincavam nos salões dedicados ao seu divertimento, encontravam nesses espaços um clima
de maior permissividade para manifestação de comportamentos que fugiam ao estabelecido.
No que concerne ao carnaval de rua, coretos eram montados e bandas contratadas178 para
tocar nos bailes públicos realizados pela cidade. O mapa 2 apresenta, então, os bailes públicos
promovidos em diversos pontos do Rio de Janeiro, no ano de 1976, sendo perceptível uma
maior concentração na zona norte, em bairros como Oswaldo Cruz, Marechal Hermes,
Ramos, Cachambi, entre outros, e zona oeste, com festejos organizados em Campo Grande,
Realengo, Cosmos e Santa Cruz, apenas para citar alguns. Em relação ao primeiro mapa, que
demonstra a predominância das possibilidades carnavalescas no centro da cidade, o segundo,
ao contrário, evidencia a organização de bailes públicos majoritariamente nas ruas de bairros
afastados da região central. É perceptível, portanto, o interesse da prefeitura na promoção de
bailes por toda a cidade, ainda que estes se concentrassem na região norte179.
177
MUNICIPAL e Copa: 20 anos de carnaval. 1955 e 1975. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.246, p. 42-53, 06
mar. 1976.
178
No carnaval de 1976, o jornal O Globo noticia a contratação de 524 músicos para tocar nos bailes públicos
em coretos instalados em diversos pontos da cidade, conforme dados divulgados pela Riotur.
179
É válido notar que a zona norte da cidade do Rio de Janeiro aparece nos dois mapas apresentados como área
importante na realização de alguma modalidade de brincar o carnaval. Os mapas priorizaram os festejos de salão
e os bailes públicos, realizados nas ruas, mas a presença de importantes escolas de samba na região norte, como
Salgueiro, Portela e Império Serrano, apenas para citar algumas, e de pessoas predispostas à folia, possivelmente
explicam o investimento e a realização de festejos diversos nessa parte da cidade.
99
O mapa foi elaborado a partir da Base de Dados Geográficos do SIURB (Sistema Municipal de Informações Urbanas) da cidade do Rio de Janeiro, pela empresa ENGEMAP/Assis, com base nas
informações fornecidas pela autora desta tese. Os dados do mapa foram extraídos do jornal O Globo. OS LOCAIS dos bailes públicos, 24/02/1976, p. 08; NOS CORETOS da cidade a banda
animará bailes em 51 bairros, 29/02/1976, p. 07.
100
A respeito do desfile das escolas de samba, até meados da década de 1970 não havia
muita surpresa quanto ao resultado do campeonato dessas agremiações carnavalescas do Rio
de Janeiro. As escolas Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro alternavam-se no
primeiro lugar da competição, sendo conhecidas por essa razão como as “quatro grandes” do
carnaval carioca. Essa situação se modificou a partir de 1976 com a vitória da até então
pequena Beija-Flor de Nilópolis, que marcaria uma nova fase dos desfiles ao colocar em
xeque as “tradições” e estabelecer o caráter espetacular das apresentações. Outras escolas de
samba cresceram igualmente no período como a Mocidade Independente de Padre Miguel e a
Imperatriz Leopoldinense180.
O ano de 1976, com a vitória da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, pelas mãos
de Joãosinho Trinta, marcou uma verdadeira revolução no carnaval. Essa vitória, assim como
as duas subsequentes, caracterizaria para as décadas seguintes a opção das escolas pelo “luxo
visual, pela grandiosidade dos carros alegóricos (que sob o comando de João Trinta
alcançariam proporções anteriormente inimagináveis) e pela ampliação das fantasias
(incorporando golas, palas esplendores e chapéus cada vez maiores)”181. Foi possível, a partir
de então, agrupar os componentes dos desfiles em duas categorias: samba e visual. A primeira
relaciona-se, de modo geral, a formas de expressão corporal, como o canto, a música e a
dança. Já a segunda refere-se, por exemplo, à visualidade das alegorias, das fantasias e do balé
do mestre-sala e da porta-bandeira, suscitando no público admiração e extasiamento182.
Foi a preocupação com o aspecto visual do desfile que gerou críticas à figura de
Joãozinho Trinta como carnavalesco da Beija-Flor. Acusado de desvirtuar a essência das
escolas de samba, Trinta afirmava que anos antes, em 1973, o Salgueiro, escola da qual fazia
parte, já tinha levado para a avenida um desfile luxuoso e pomposo quando apresentou o
enredo “Eneida, amor e fantasia”. Nesse carnaval havia um carro coberto de espelhos, com
200 pierrôs, “cujas imagens se repetiam infinitamente graças ao material empregado”183. A
despeito da acusação de fugir da realidade nacional e de descaracterizar os desfiles
carnavalescos, ao realçar alegorias e fantasias, Joãozinho respondeu às críticas com uma frase
que se tornaria polêmica e ao mesmo tempo antológica: “Povo gosta de luxo. Quem gosta de
180
FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 361-362.
181
Ibid., p. 364.
182
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. A cidade e o samba. Revista USP, São Paulo, v. 32, p. 90-
101, dez./fev. 1996-97.
183
BERTOLA, Alexandre. Beija-Flor. O carnaval se faz em silêncio: Está todo mundo de olho na gente. O
Globo, Rio de Janeiro, 26 jan. 1979, p. 35.
101
miséria é intelectual”. Além disso, não associava o dinheiro do patrono da escola, o bicheiro
Anísio Abrão Davi, ao luxo apresentado pela agremiação. Ao contrário, destacava a
criatividade e o talento no uso de materiais simples: “Muita gente não acredita e eu não vou
mostrar, mas eu sempre usei material barato. O que a gente tem é muita imaginação, muita
habilidade para explorar o máximo de efeito desse material”184.
Quanto à afirmação de que seus desfiles não retratavam a realidade brasileira, Trinta
argumentava que o carnaval era um momento “de engano” e, por mais que tivesse
“consciência do muito que se havia de fazer para modificar certos aspectos adversos da nossa
realidade”, jamais “isso deveria se expressar durante o carnaval momento de absoluta
fantasia”185. Não obstante o destaque dado pelas agremiações carnavalescas ao luxo e ao
aspecto sensual da mulata, no que se refere à participação das mulheres como puxadoras de
sambas-enredos é bastante significativa sua presença nas agremiações do período. Algumas
cantoras se destacaram nesse campo, como Marlene, Elza Soares, Júlia Miranda186, Sônia
Santos, Eliana Pittman e Clara Nunes (Quadro 3)187. No entanto essas escolhas não se davam
unicamente pelo talento das cantoras convidadas para tal função, mas ao prestígio conferido
às agremiações pela presença em seus desfiles de cantoras já notabilizadas nacionalmente,
como foi o caso de Elza Soares e Marlene.
Mulheres que
puxaram
“sambas- Escola de Samba Samba-enredo Compositor (es) Parceiro Ano do
enredos” desfile
184
BERTOLA, op. cit., p. 35.
185
Ibid., p. 35.
186
A cantora puxou o samba-enredo do G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 1973. No site
“Galeria do Samba”, consta parceria com Dom Barbosa, e na revista Manchete, com Joelson.
187
As cantoras que puxaram sambas-enredos no período estudado foram identificadas no decorrer da realização
da pesquisa dessa tese, no entanto, tal assunto requer mais investigação.
102
Júlia Miranda G.R.E.S. Abc do carnaval Nelson Lima, Dom Barbosa 1973
Imperatriz Caxambu e
G.R.E.S.
Leopoldinense
Imperatriz
Leopoldinense
Sônia Santos G.R.E.S. O segredo das Nininha Rossi, Noel Rosa de 1975
Acadêmicos do Minas do Rei Dauro Ribeiro, Zé Oliveira
Salomão Pinto e Mário
Salgueiro
Pedra
Fontes: ACADÊMICOS do Salgueiro, op. cit., p. 134. O FANTÁSTICO show de samba, op. cit., p. 16-23. RIO
em tempo de samba. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 13, 09 mar. 1974. RIO: O Império encantado do
samba, op. cit., p. 06-07. LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário da história social do samba. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 71.
103
Uma questão que não pode ser esquecida no estudo da temática proposta em relação
ao carnaval das escolas de samba é a participação ou não das mulheres em atividades para
além da atuação na avenida, na apresentação do enredo da escola, considerando que o corpo
feminino era valorizado em algumas funções em detrimento de outras. Sobre o assunto, a
historiadora Olga R. de Moraes von Simson considera que restrições à participação feminina
em cargos de direção nas escolas de samba, por exemplo, foram camufladas ao longo do
desenvolvimento dessas agremiações pela valorização de mulheres jovens e bonitas como
elementos importantes do espetáculo visual carnavalesco, sobretudo no sentido sexual e
decorativo188. O G.R.E.S Unidos de Vila Isabel teve, no entanto, uma mulher à frente da
presidência da escola no curto período de 1972189 a 1974: Pildes Pereira. Ela já havia se
notabilizado também como a primeira destaque da agremiação, tendo, inclusive, ocupado esse
posto no desfile de 1974190. Não obstante a importância de tal fato, a assunção pelas mulheres
desse tipo de posto ainda era exceção no período191.
O surgimento de departamentos femininos nas escolas de samba, como por exemplo,
o dirigido por Dona Neuma192, na Mangueira – figura importante na história da agremiação,
que se destacou pela atuação junto à Escola e por agrupar em sua casa sambistas do morro –,
não significava necessariamente uma valorização das mulheres nas agremiações, como pode
aparentemente figurar. A historiadora Olga Simson, ao estudar os carnavais da cidade de São
Paulo, informa que esses departamentos acabavam por reafirmar os papéis tradicionais
atribuídos às mulheres pela sociedade – fato este que possivelmente pode ser estendido para
os folguedos do Rio de Janeiro –, uma vez que deveriam se encarregar de setores
habitualmente ocupados pelo feminino, como:
188
SIMSON, op. cit., 1992, p. 31.
189
VILA Isabel perde Pildes Pereira. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/noticia/vila-isabel-
perde-pildes-pereira/627/1/>. Acesso em: 17 nov. 2017. É possível inferir, pelas informações encontradas, que
Pildes assumiu a presidência da escola após o carnaval de 1972, já que o presidente na ocasião do desfile era
Djalma Pereira Victorio (Cachimbinho).
190
VILA ISABEL, op. cit., p. 30.
191
No Dicionário da história social do samba, consta que Carmelita Brasil foi a “primeira mulher a dirigir uma
escola de samba na região metropolitana do Rio, tendo exercido a presidência da Ponte de 1957 até 1979”.
LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário da história social do samba. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015, p .71. No entanto, no site <http://www.galeriadosamba.com.br/V41/>, o nome de Carmelita
aparece somente nas posições de autora de samba-enredo e carnavalesca, de 1960 a 1964.
192
Era filha de um dos fundadores da Mangueira, Saturnino Gonçalves, que acabou se tornando seu primeiro
presidente.
104
papel da mulher fica ainda mais reforçada, pois nesses eventos cabe ao
Departamento Feminino cuidar principalmente da cozinha (papel específico
da mulher na sociedade brasileira, principalmente da mulher negra) e
algumas vezes se ocupar também da decoração da quadra para o maior
sucesso das festividades193.
Se por um lado as mulheres estavam conquistando cada vez mais espaço nas
agremiações – como foi o caso de Dona Ivone Lara194, que, em 1965, notabilizou-se no
universo carnavalesco e no da música popular como a primeira mulher a compor um samba-
enredo oficial195 – e verificável uma maior participação delas em posições importantes e de
grande visibilidade nas escolas de samba, como a de carnavalesca, função assumida por Maria
Augusta, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, a de intérprete de samba-enredo, atuando sozinhas
ou conjuntamente, como Marlene e Elza Soares, percebe-se, por outro lado, como apontado
pela historiografia, uma valorização da mulher, em geral, enquanto destaque visual das
escolas de samba à medida que seus corpos compunham, juntamente com as alegorias, o
espetáculo e o extasiamento carnavalesco. A participação feminina ainda continuava restritiva
em postos de comando, já que as principais decisões de uma escola continuavam sendo
tomadas pelos homens. É inegável, no entanto, a projeção assumida pelas mulheres durante os
desfiles das escolas de samba, como baianas, porta-bandeiras, passistas, pastoras e destaques,
ainda que não adquirissem igual prestígio perante a imprensa e a própria escola.
Essas apreciações a respeito dos festejos carnavalescos permitiram traçar os lugares
nos quais as mulheres brincaram o carnaval, seja nos bailes de salão ou nos festejos de rua,
além de evidenciarem os contornos da festa e algumas das discussões em voga na época.
Dada a importância das escolas de samba no período em análise, tornou-se fundamental
inquirir a respeito das representações simbólicas mais amplas atinentes às mulheres, como
aquelas presentes nos sambas-enredos e também às específicas, associadas às figuras da porta-
bandeira, signo da escola, e da passista, ambas apresentando-se como portadoras da
subcultura negra. A compreensão dessas questões e das transformações econômicas e sociais
que se processaram no Brasil nos anos 1960 e 1970 possibilitaram o levantamento de
193
SIMSON, op. cit., 1992, p. 29-30.
194
Dona Ivone Lara enfrentou diversos preconceitos até se tornar a primeira mulher a integrar uma ala de
compositores de sambas-enredos, a do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, em fins dos anos
1940. Como a elaboração de sambas era prerrogativa masculina, ela pedia ao primo, Mestre Fuleiro, compositor
e figura importante da Prazer da Serrinha – dissidentes dessa agremiação formaram a escola Império Serrano,
ainda em 1947 – para que apresentasse seus sambas como se fossem de autoria dele. BURNS, Mila. A dona da
voz e a voz da dona: a trajetória de Dona Ivone Lara. In: VELHO, Gilberto (Org.). Rio de Janeiro: cultura,
política e conflito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 108-127, p. 123.
195
Em conjunto com Silas de Oliveira e Bacalhau, compôs “Cinco bailes da história do Rio”, para a agremiação
Império Serrano. Nessa escola, aliás, Dona Ivone Lara desfilou por diversos anos na Ala das Baianas.
105
hipóteses para as percepções construídas pela imprensa quanto à presença das mulheres nos
carnavais e à sua participação nesse tipo de festejo. A averiguação das possíveis diferenças
entre uma época e outra no que diz respeito ao modo das mulheres brincarem o carnaval e
serem representadas será o foco dos próximos capítulos.
106
196
O carnaval, principalmente em décadas como as de 1920 e 30, em que a sociedade apresentava-se mais rígida
e normatizadora, funcionava como um espaço para as mulheres manifestarem seus desejos e festejarem seus
corpos, expressando sentimentos e comportamentos que não seriam facilmente aceitos em seu cotidiano. Nessas
festividades, o corpo da mulher, comumente sujeito às diversas imposições, podia vivenciar experiências novas
por meio da transgressão de hábitos e costumes tradicionais, como, por exemplo, explorar a sensualidade das
fantasias, nas décadas de 1920 e 1930, ou dançar sobre as mesas, na década de 1950. Sobre o assunto, ver:
SILVA, op. cit., 2008, p. 225-239; MAZIERO, op. cit., 2011, p. 47-48.
197
Por muito tempo persistiu a cobrança de que, para manter uma boa reputação, a mulher deveria apresentar um
comportamento mais recatado, com comedimento nos gestos, nos olhares e na expressão das emoções. De
acordo com a historiadora Carla Bassanezi, que estudou algumas revistas femininas no período compreendido
entre 1945 e 1964 e as relações entre homens e mulheres, o código de moralidade existente na década de 1950,
por exemplo, fazia distinção entre dois tipos de mulheres: as de família e as levianas. As primeiras eram aquelas
que obedeciam aos familiares e mantinham-se virgens até o casamento. As segundas, por sua vez, eram as
mulheres que se deixavam envolver sexualmente antes do matrimônio. Não obstante a rigidez com a qual o
código era exercido, muitas mulheres conseguiram subverter os padrões estabelecidos ao se disporem à leitura de
coisas proibidas, ao questionamento, aberto ou não, da moral sexual vigente, entre outras coisas, que
demonstram outras formas de ser mulher no período em questão. A autora esclarece, no entanto, as
consequências da tomada de certas atitudes – vistas como transgressoras – pelas mulheres no período: “Algumas
se aventuraram até as fronteiras mais distantes do comportamento aceitável, ganhando certa autonomia; outras se
bateram de modo deliberado contra elas, adotando explicitamente novas posturas [...]. Muitas, porém, sofreram
as consequências propaladas para comportamentos desviantes: estigma social, discriminação e abandono”.
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos rígidos. In: ______; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História
das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 469-512, p. 485. BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos
dourados. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 607-
639, p. 610-622.
107
198
CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.
210.
199
BASSANEZI, op. cit., 1997, p. 622.
200
CASTRO, op. cit., 1999, p. 244.
108
Para as “mocinhas” a situação era ainda mais complicada haja vista o rol de
restrições ao qual estavam sujeitas – ir a uma reunião dançante, por exemplo, somente
acompanhada de algum membro da família. As moças de família não deviam abusar de
bebidas alcoólicas e, de preferência, sequer beber; abraços e beijos mais ousados também
tinham que ser evitados, assim como comportamentos que pudessem colocar em xeque sua
honradez e a da família. A juventude apresentava-se como momento importante de definição
da vida adulta, uma vez que seria nesse estágio da vida que se conheceria o futuro marido, ao
menos que ficasse solteira. O “não casar” era sinônimo de fracasso e infelicidade. E uma vez
casadas, as mulheres eram valorizadas pela sua capacidade de cuidar da casa e dos filhos.
Além disso, antes das transformações comportamentais e culturais da década de 1960 e,
sobretudo, da de 1970, “amar” significava o mesmo que “casar”, assim como a reputação
social de uma mulher era medida exclusivamente pela sua capacidade de resistir aos avanços
masculinos.
A partir da década de 1960, no entanto, os jovens estarão diretamente envolvidos nas
mudanças relacionadas à liberação sexual, à flexibilização das hierarquias e à constituição de
novas relações entre o adulto e o próprio jovem. Os movimentos que ocorreram em diversas
partes do mundo na década de 1960, de caráter político e contracultural, tiveram como
característica principal a transgressão de padrões morais estabelecidos. As manifestações
contra a guerra do Vietnã, o “maio de 1968” na França, os “movimentos estudantis que
irromperam em diversos países do mundo”, a negação das práticas políticas existentes e dos
próprios partidos tradicionais da esquerda tiveram os jovens como seus principais agentes.
Transgredir nesse contexto não significava somente negar os valores estabelecidos, mas
construir e afirmar novos valores202. Fundamentada em Foucault, Irene Cardoso considera que
esses movimentos colocaram em xeque o poder instituído: o poder masculino sobre as
mulheres, o poder médico sobre o doente, o poder paterno sobre os filhos, o poder dos adultos
201
HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p. 319.
202
CARDOSO, Irene. A geração dos anos de 1960: o peso de uma tradição. Tempo social: revista de sociologia
da USP, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 93-107, nov. 2005. p. 95.
109
203
CARDOSO, op. cit., p. 97.
204
Apesar da ampliação de visões que sinalizavam mudanças quanto ao papel feminino, ainda era esperado que a
mulher se casasse, tivesse filhos e pudesse se dedicar integralmente à família. Embora também sua participação
no mercado de trabalho estivesse em ascensão, o papel de mãe, esposa e dona de casa continuava prioritário,
conforme demonstram os discursos das revistas femininas da época. DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 308.
205
FIGUEIREDO, op. cit., p. 80-81.
110
Não foi somente a publicidade que focalizou o público jovem; a moda, pela primeira
vez na história, também passou a dedicar-se à juventude. Procurando romper os valores
morais, sociais e políticos vigentes por meio de atitudes de rebeldia e de inconformismo, os
jovens encontraram na moda igualmente um canal de expressão. Com a progressiva liberação
dos corpos nos países ocidentais, os estilistas de moda da década de 1960 – possivelmente
mais que em outros períodos da história – entenderam o corpo como um veículo da própria
criação. As roupas eram eróticas à medida que desnudavam partes do corpo206, deixando de
estar circunscritas necessariamente ao ambiente praiano para uma exibição maior do corpo
também no rol das atividades cotidianas. A partir de então foi possível às mulheres exibirem
as pernas em uma minissaia, bem como evidenciarem mais os contornos de seus corpos por
meio de uma transparência, de uma calça jeans ou até mesmo de um decote mais profundo.
O surgimento do prêt-à-porter, ou seja, do pronto para usar, contribuiu
significativamente para a mudança de enfoque da moda: a alta-costura, voltada para a elite
socioeconômica e centrada principalmente nos estilistas franceses, começou a perder espaço
para uma indústria da moda destinada ao mercado de massa, focada sobretudo no universo
jovem, com destaque para as produções dos Estados Unidos e da Inglaterra. Foi neste último
país, inclusive, que surgiu a peça de moda mais emblemática da década de 1960: a minissaia.
A invenção de Mary Quant, de 1963, atingiu seu auge em 1965, com o gradual encurtamento
das saias, e alcançou as classes mais abastadas com as criações de um importante designer de
moda francês, André Courrèges, responsável pelas versões da vestimenta mais adaptadas à
alta-costura, sem deixar de lado o aspecto jovial207.
Não obstante a difusão e a aparente aceitação da minissaia no Brasil dos anos 1960,
tal traje encontrou resistência entre os segmentos mais conservadores da sociedade. Em 1967,
por exemplo, a atriz Ítala Nandi enfrentou problemas ao passear pela cidade do Rio de Janeiro
vestindo uma minissaia. De acordo com Maria Fernanda Malozzi dos Santos, a coluna “O
Ponto de Vista de Carlinhos Oliveira”, da revista Fatos & Fotos, chegou a noticiar a
adversidade vivida pela atriz, que estava acompanhada de seu professor de inglês, Jeff
Thomas, quando ouviu comentários maliciosos no centro da cidade. Muitas daquelas pessoas
queriam inclusive agredir a atriz, que conseguiu escapar de um possível confronto refugiando-
se em seu automóvel, estacionado em frente à lanchonete onde Ítala e seu professor
conversavam208.
206
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
207
CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010, p. 142.
208
SANTOS, Maria Fernanda Malozzi dos. A Jovem Guarda, a Moda, a TV: o papel do programa de televisão
na difusão dos padrões da cultura Jovem Guarda nos anos 60. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
111
transgrediram os valores tradicionais associados ao feminino por meio da luta política contra a
ditadura militar, havia pelo menos na primeira fase da militância certa conciliação dos novos e
velhos valores, principalmente para se evitar um rompimento familiar. É importante salientar,
uma vez mais, que, mesmo dentro das organizações de esquerda que propunham a construção
de uma nova realidade, as mulheres sofriam discriminação de gênero, manifestadas naquele
momento de maneira sutil e até mesmo imperceptível, uma vez que as tarefas domésticas e
que envolviam cuidado dentro das organizações eram consideradas femininas. Além disso,
muitas vezes, recorria-se à suposta “fraqueza” das mulheres para “enganar os inimigos”213.
Embora o número de mulheres ocupando postos de comando em organizações de esquerda
fosse menor que o de homens, a experiência vivida nesses grupos constituiu-se em um
importante canal para a participação política feminina, ainda mais se for considerado que, até
os anos 1960, as oportunidades políticas eram muito restritas para as mulheres214.
assim deixou de receber dinheiro da propaganda oficial do governo, agravando ainda mais a
crise que o grupo se encontrava. Manchete, por sua vez, manteve uma forte relação com
Juscelino Kubitschek, apoiando-o e divulgando as realizações de seu governo. Em relação ao
período militar, a revista apoiou o regime, beneficiando-se dessa relação para seus negócios.
Se do ponto de vista político as revistas apresentavam posturas mais conservadoras, no campo
da moral, estes veículos oscilavam entre a tradição, os valores dominantes, e o novo,
relacionado à mudança dos costumes, acompanhando dessa forma a passagem do tempo e a
necessidade de se adequar aos interesses dos leitores.
No que se refere ao carnaval, procurava-se selecionar as imagens que mais
chamassem a atenção, considerando a centralidade que as fotografias tinham nesse tipo de
revista. As legendas que as acompanhavam muitas vezes forneciam algumas informações
quanto ao assunto retratado, embora fosse recorrente a apresentação de comentários diversos
que ultrapassavam os puros limites da informação. Para além da interpretação que o leitor
poderia fazer da imagem, havia o direcionamento do seu entendimento por meio das legendas
que sugeriam situações e/ou leituras específicas quanto à situação abordada. Por se tratar de
um assunto amplamente coberto e considerando a concorrência estabelecida entre estas
revistas no mercado editorial – Manchete apresentava um quadro mais favorável diante da
decadência gradual do grupo de Chateaubriand – o carnaval precisava ser “reinventado”. No
período analisado, o carnaval, como será mostrado ao longo da tese, foi abordado à luz da
construção de uma nova moralidade, embora desdobrasse mais adiante na exploração do
próprio corpo feminino.
No entanto, até a primeira metade dos anos 1960, mesmo com a maior inserção das
mulheres no mercado de trabalho e o crescimento de sua aprovação social, a figura da
“mulher trabalhadora” continuava ainda em uma posição inferior à da “boa esposa”, mãe e
“dona de casa ideal”217. Aliás, casamento e trabalho ainda eram vistos como incompatíveis,
sobretudo por se atribuir à atividade remunerada um possível prejuízo à dedicação da mulher
à casa e à família. A desarmonia conjugal, a existência de uma amante e até mesmo de filhos
problemáticos poderiam ser explicados devido ao envolvimento profissional da mulher, uma
vez que esta supostamente não saberia conciliar suas tarefas de profissional às de boa esposa e
boa mãe. O trabalho seria, portanto, mais adequado para as mulheres solteiras, sem
compromissos com marido e filhos. Neste caso, o trabalho era até mesmo recomendado a fim
de garantir às “solteironas” um futuro econômico na falta de um homem que as sustentasse,
217
PINSKY, op. cit., 2012b., p. 508.
116
Não sou santa, não vou ser freira, sou apenas uma moça que vive como todas
de hoje enfrentando os perigos deste mundo, mas procuro viver numa
sociedade sã, que sabe divertir-se mas não se deixa contaminar pela
imoralidade. [...] Até moças de 18 anos já se expõem quase nuas aos olhares
dos que vêem suas fotos nas revistas. Que homem quererá uma esposa
assim?220
218
PINSKY, op. cit., 2012b., p. 484.
219
É possível questionar se as cartas publicadas pelas revistas selecionadas eram escritas por seus leitores ou
pela redação para justificar as escolhas do próprio periódico. Muitas dessas cartas talvez nunca tivessem sido
escritas, mas foram criadas apenas com o objetivo de desafiar e ironizar as críticas que geralmente se voltavam
contra o carnaval. É sabido que tal prática era comum em algumas revistas. Na impossibilidade de constatar essa
hipótese no que se refere às publicações O Cruzeiro e Manchete, as cartas serão consideradas aqui como “reais”,
ou seja, como enviadas pelos leitores.
220
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 466, p. 04, 25 mar. 1961.
117
A fala da leitora reproduzida antes demonstra que muitos “transvios” femininos não
seriam facilmente aceitos, e, apesar de ser jovem e não querer ser identificada como uma
conservadora, a leitora não considerou adequada a exposição dos corpos femininos durante o
carnaval. A distinção entre “mulheres boas e puras”, destinadas ao casamento, e as
“mundanas”, afeitas a comportamentos mais livres, aparece – mesmo que implicitamente –
nessa carta de 1961.
Além disso, tal carta exemplifica a dramatização da mulher como “puta” presente no
carnaval, em oposição à mulher como virgem, conforme tipologia criada pelo antropólogo
Roberto DaMatta222 a respeito do carnaval carioca. Sobre a nudez parcial de algumas
mulheres durante o carnaval, a leitora faz o seguinte questionamento: “que homem quererá
uma esposa assim?”. De acordo com a carta da leitora é possível inferir que não seria a
representação da mulher como “puta”, ou seja, aquela que não se deixa controlar pelos
homens e faz com que aquilo que é particular e íntimo se manifeste, por exemplo, no espaço
dedicado ao carnaval. A esposa desejada seria mais próxima da representação da mulher
como virgem, ou seja, aquela que tem a sua sexualidade controlada pelo homem e que
resguarda a sua intimidade no espaço da casa, local sagrado e seguro223. Essas cartas enviadas
pelos leitores demonstram, de certo modo, um embate entre as mudanças e as tradições, de tal
forma que os novos valores são vivenciados, muitas vezes, como forças antagônicas.
Por meio de seção destinada a “ouvir” a opinião do leitor, encontram-se na revista
Manchete outras cartas de descontentamento com o carnaval praticado no Rio de Janeiro e
também com a suposta ousadia da revista em publicar tais fotografias. Um leitor, em carta
escrita também em 1961, fazia críticas ao “nudismo parcial que é levado aos lares brasileiros”
a ponto de mandar juntamente com sua carta o exemplar da revista comprada. Além disso,
manifestava abertamente o desejo de que a revista entrasse “no caminho da boa leitura, aceita
221
PINSKY, op. cit., 2012b, p. 484.
222
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997, p. 141-142.
223
Ibid., p. 141-142.
118
224
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 465, p. 04, 18 mar. 1961.
225
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 517, p. 05, 17 mar. 1962.
226
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2016, p. 13-14.
119
227
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 567, p. 05, 02 mar. 1963.
228
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 569, p. 83, 16 mar. 1963.
120
Faz 15 anos que deixei o Brasil. Fui criada em São Paulo e vivi sete anos no
Rio. Amigos meus continuam a mandar-me a sua revista, que recebo com
prazer. Fico, no entanto, horrorizada com as fotografias dos foliões
carnavalescos. Minha filha de nove anos estava a meu lado quando eu
folheava um desses números. Deixaram-me encabulada todos aqueles
umbigos de fora. O que aconteceu com a tirolesa, o chinês, a espanhola?
Estou interessada em saber se o nice clean fun de outrora desapareceu para
ceder lugar a uma exibição de mau-gosto?. K. Burns. Sault Ste. Marie –
Ontário, Canadá229.
Em resposta à carta da leitora, Manchete argumenta que de fato muita coisa mudou,
“não só aqui, e não só no carnaval”. No comentário da leitora fica perceptível que mesmo em
se tratando de uma festa carnavalesca, determinados comportamentos e trajes eram vistos
como inadequados. O desnudamento do corpo feminino (mesmo que parcial) não era
entendido por muitos como forma de extravasamento e manifestação da sensualidade
feminina, mas somente como exibição, sem significação alguma. Contudo, se havia restrições
quanto ao desvelamento do corpo da mulher é evidente que sentidos diversos estavam
associados a isso.
Entendido como a festa da licenciosidade e da manifestação da sensualidade, o
carnaval representa uma faceta de uma visão de mundo dividida em duas experiências
opostas:
[...] a sisudez e a severidade da vida diária, que só são possíveis por causa da
repressão dos desejos e dos prazeres, contrastam-se com um mundo rebelde
de sensualidade e satisfação no qual os prazeres do corpo escapam às
restrições impostas por uma ordem social repressiva230.
229
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 830, p. 135, 16 mar. 1968.
230
PARKER, op. cit., p. 208-209.
121
Uma definição geográfica do biquíni diz que ele é dois pedacinhos de pano
cercados de mulher por todos os lados. A definição psicológica é a de que
ele é um maiô de duas peças que se tomaram de antipatia uma pela outra, e
se afastaram. Mas, a definição surpreendente é a histórica, partida da
constatação de que ele é uma novidade que levou dez anos para fazer a
viagem da Riviera francesa às praias do Brasil. Isso é verdade. Depois de se
tornar comum na Côte d’Azur, só de repente, neste último verão, é que
adotaram os corpos bonitos que se amorenam em Guarujá e Arpoador, as
duas praias mais civilizadas de todos os 7.637 quilômetros de nosso litoral.
Por quê? Afinal de contas, não havia no Brasil, como há em Portugal e
Espanha, uma lei contra o biquíni. Os historiadores das praias cariocas e
paulistas explicaram que tudo se deveu a uma falsa modéstia da juventude
brasileira [...]. E, como, no Brasil, ninguém é dado a aturdimentos
prolongados, com poucas semanas de lançamento da “velha bossa nova”, o
biquíni já está incorporado aos nossos hábitos de beira-d’água231.
231
BIQUÍNI com dez anos de atraso. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 80, 18 mar. 1961.
232
É importante esclarecer que o duas-peças diferenciava-se do biquíni pela exposição menor da pele entre o
sutiã e a calcinha, sendo essa exibição, nas mulheres menos ousadas, em torno de 15 cm. As vedetes foram as
primeiras a usar o duas-peças em Copacabana em uma evidente demonstração de corpos torneados. O biquíni,
traje de duas peças de tamanho ainda mais reduzido, foi uma invenção do estilista francês Louis Réard, que se
inspirou no bombardeio atômico no atol de Bikini, no Oceano Pacífico, para denominar a sua criação, ainda em
1946. No entanto, a difusão e aceitação de tal traje de banho ocorreram, de fato, somente a partir dos anos 1960.
CHATAIGNIER, op. cit., p. 135; BRAGA, João. História da moda. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004, p. 81.
122
coexistiam com os novos ventos que sopravam a favor das mudanças no campo da moral. Em
novembro de 1969, a atriz Leila Diniz declarou, em entrevista para o irreverente jornal O
Pasquim, que perdeu a virgindade de 15 para 16 anos, e que no seu entendimento sexo não
deveria vir acompanhado necessariamente de amor, já que eram coisas distintas. Os palavrões
ditos por Leila durante o bate-papo com o pessoal de O Pasquim, substituídos na publicação
por asteriscos, e as declarações sobre sua sexualidade foram capazes de escandalizar “até as
mocinhas consideradas mais avançadas” no período e revelar o “machismo dos mais
conservadores, mostrando que a geração de 1968 não era, assim, tão liberada”233.
Se no final dos anos 1960, com a progressiva liberalização sexual e dos costumes, a
declaração de Leila Diniz já causara polêmica, no início da década, os biquínis, cada vez mais
usados nas praias cariocas, tornaram-se motivo de incômodo quando foram utilizados à guisa
de fantasia nos festejos carnavalescos de salão no período. Em 1962, por exemplo, os biquínis
foram proibidos durante os folguedos, conforme atesta matéria no jornal O Globo:
233
MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos “anos 1968”. In: DEL PRIORE,
Mary; AMANTINO, Marcia (Org.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2013. p. 299-333,
p. 318.
234
PROIBIDO o uso de biquíni e calção nos bailes de carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 27 dez. 1961, p. 06.
123
dos trajes sumários não foi levada a sério e, antes que as autoridades o
notassem, as garotas se descobriram à vontade, num carnaval realista235.
235
VASCONCELOS, Ary; ROCHA, Orlandino; RUDGE, Antonio; SOLARI, Jean; VIOLA, Geraldo;
ALFREDO, Luiz; PASSOS, Hélio; AUDI, Jorge. Alegria e Milhões no Copacabana. O Cruzeiro, Rio de Janeiro,
n. 23, p. 123-129, 17 mar. 1962.
236
TRANSGREDIR. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=transgredir>.
Acesso em: 21 abr. 2016.
124
238
MORAES, Mário de; AUDI, Jorge; PASSOS, Hélio; LUIZ, Walter, op. cit., p. 143.
239
DEL PRIORE, Mary. Um olhar sobre a história do corpo e da moda no Brasil. In: CASTILHO, Kathia;
GALVÃO, Diana. A moda do corpo, o corpo da moda. São Paulo: Esfera, 2002. p. 190-201, p. 191.
126
autorização do marido para exercer uma atividade profissional fora do lar e, embora algumas
mudanças já estivessem ocorrendo, no início da década de 1960 “ainda se utilizava uma
linguagem neutra e distante para falar de sexo – mencionavam-se, entredentes, ‘relações’ e
‘genitais’ [...] Os adolescentes ainda eram ‘poupados’, pelos adultos, de informações mais
diretas”240. Nesse período, de mudanças ainda iniciais, as fantasias cumpriam um papel
fundamental para a liberação das mulheres. Se no cotidiano a sociedade procurava demarcar
os lugares e as posições a serem ocupadas pelas mulheres, no tempo dos festejos,
independentemente das posturas assumidas no seu dia a dia, elas podiam vivenciar com maior
liberdade seus desejos. A mulher no seu afirmado papel social de mãe, esposa e dona-de casa
pouco aparecia no universo carnavalesco. O espaço doméstico e seus compromissos não eram
levados em consideração nos dias dedicados à folia, ao contrário, esperava-se que as exceções
às normas sociais vigentes fossem transformadas em regras durante os folguedos.
As fantasias luxuosas e ornamentadas, típicas dos festejos passados, cederam lugar, a
partir da década de 1950, a roupas mais leves, como shorts, blusas tomara que caia, baby dolls
e vestimentas que permitiam explorar a sensualidade por meio do desnudamento de
determinadas partes do corpo, como as pernas e a barriga241. À medida que as fantasias
sofisticadas foram deixando de aparecer em maior número nos festejos carnavalescos em prol
de formas mais cômodas para brincar o carnaval, acusações diversas relacionadas à perda da
magia dos folguedos momescos foram realizadas. Sendo a moda um produto cultural, ela
acompanha as mudanças de comportamento de uma sociedade e, portanto, o carnaval e suas
“fantasias” não poderiam manter-se sem modificações. Uma vez que adquire novas formas,
adereços e significados com o passar do tempo, a roupagem “desperta ou aumenta a atração
porque revela e esconde ao mesmo tempo”242. No que se refere especificamente ao carnaval, o
desvendar do corpo é ainda mais significativo, uma vez que uma fantasia ou algo utilizado no
lugar pode revelar ou não alguma coisa.
Algumas interpretações, no entanto, não compreendem o carnaval como a festa da
inversão ou transgressão das regras sociais. A socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz,
importante representante dessa vertente de estudos, considera que os comportamentos dos
participantes dos bailes carnavalescos são guiados pelos mesmos valores e normas do
cotidiano. Na interpretação da autora, “[...] as modificações da festa correspondem sempre às
240
DEL PRIORE, Mary. Histórias e Conversas de Mulher. São Paulo: Planeta, 2013, p. 76.
241
MAZIERO, op. cit., p. 35.
242
STREY, Marlene Neves. Mulheres e moda: a feminilidade comunicada através das roupas. Revista
FAMECOS, Porto Alegre, n. 13, p. 148-154, dez. 2000. p. 149.
127
mudanças que se verificam na sociedade urbana”243, logo, não houve e não há oposição entre
as práticas e atitudes expressas nos festejos e a forma como a sociedade está organizada e
estruturada. Dentro dessa perspectiva, embora haja o reconhecimento do papel do carnaval na
quebra da rotina, desconsidera-se qualquer rompimento ou incompatibilidade com o
cotidiano. Ao contrário, a festa traduziria o próprio curso habitual da vida.
É incontestável a influência exercida, por exemplo, pela moda na forma como as
mulheres passaram a brincar o carnaval. O encurtamento das roupas, com a propagação do
biquíni e a criação da minissaia, e a exibição das curvas do corpo por meio do uso da calça
jeans ecoaram os novos papéis sexuais em construção na época e assim tornaram-se símbolos
da própria liberação dos costumes. Mas mesmo as mudanças externas relacionadas ao
vestuário encontraram resistências e críticas, ainda no que se refere à cidade do Rio de
Janeiro, conhecida pelo seu estilo de vida mais livre e moderno, considerando que o ato de
vestir:
243
QUEIROZ, op. cit, p. 218.
244
STREY, op. cit., p. 150.
245
CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008, p. 194.
128
246
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. História da beleza no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, p. 118.
247
STREY, op. cit., p. 153.
129
248
DAMATTA, op. cit, p. 140-141.
249
Ibid., p. 145.
250
Ibid., p. 145.
251
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 123-
126.
252
PARKER, op. cit., p. 224-226.
130
253
ESTÊVÃO, Carlos. Carnaval e biquíni proibido. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 25, 17 mar. 1962.
131
254
PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.
255
Ibid., p. 121.
132
mulheres nos festejos carnavalescos não fossem ainda tão pequenos como os mostrados pelo
chargista, a presença dos mesmos nos folguedos carnavalescos, apesar de estarem proibidos
pela polícia256, evidenciam transgressões por parte dessas mulheres e uma suposta falha do
policiamento. O jogo de palavras entre os verbos “ver” e “virar” constitui a comicidade da
charge justamente por revelar a inconsistência da proibição do biquíni, já que esta não era
respeitada. Além disso, o rigor moralista de tal prescrição é desmascarado quando o próprio
delegado se rende ao clima do carnaval juntamente com as belas mulheres em que os policiais
se transformaram.
Sendo o biquíni um traje de banho cada vez mais recorrente nas praias brasileiras no
início da década de 1960, representando inclusive um símbolo de liberação, haveria alguma
relação entre a praia e o carnaval? De acordo com Roberto DaMatta, tanto a praia quanto o
carnaval seriam espaços sintetizadores das “diferenças e contradições do mundo urbano”, haja
vista a exposição dos corpos e a transformação do espaço público numa grande casa em
virtude da manifestação de comportamentos que só se realizariam, a priori, no âmbito
doméstico. A oposição entre rua e casa, tão presente na sociedade brasileira, é desfeita nestes
ambientes conforme análise de DaMatta257.
É muito provável que o desconforto causado pelo uso do biquíni nos festejos
carnavalescos e até mesmo nas praias seja resultado dessa transposição dos valores privados
para o espaço público. O célebre dramaturgo Nelson Rodrigues, por exemplo, em entrevista
para a revista Manchete, em 1966, condenava o uso do biquíni nas praias cariocas. Segundo
ele:
O biquíni é uma solução suicida como roupa de banho, porque destrói, varre
todo o suspense, todo o mistério que a nudez precisa ter para significar
alguma coisa. Se não houver mistério, nem suspense, a nudez não significa
nada. [...] A mulher que sai por aí, levando o seu biquíni como um troféu,
está dilapidando a sua nudez. E a consequência é que nunca a mulher foi tão
pouco desejada quanto em nosso tempo. Nunca foi tão humilhada pela
indiferença masculina. Eu diria que o amor hoje em dia começa pelo tédio. A
origem desse tédio está na banalização da mulher258.
Nelson Rodrigues, que teve várias de suas peças rotuladas como imorais e obscenas,
parecia não compreender a redefinição da moral e a liberação das mulheres e dos costumes.
Em ambas entrevistas, o dramaturgo vincula a nudez feminina à existência do desejo
masculino, de forma a tornar ilegítima a nudez como pura manifestação da sensualidade da
mulher, ou seja, sem estar necessariamente relacionada a um desejo masculino prévio.
É importante lembrar que Jânio Quadros, no curto período que permaneceu no poder,
em 1961, proibiu o uso de biquínis nas praias e até mesmo de maiôs nos concursos de beleza.
Embora fosse perceptível o uso de biquínis por algumas mulheres nos festejos carnavalescos
de salão de 1961 e 1962, ainda não eram predominantes. As fantasias escolhidas pelas
folionas para brincar o carnaval consistiam sobretudo em roupas que pudessem mostrar a
barriga e o umbigo, conforme a moda da calça Saint-Tropez, com cintura baixa, vinda da
famosa cidade litorânea francesa. O frisson que causava na época a mulher que exibia o seu
umbigo foi retratado, inclusive, em marchinha carnavalesca de Braguinha e Jota Júnior, em
1962, chamada não sem razão de Garota Saint-Tropez:
Ulalá....ulálá
Você é mais você
Com umbiguinho de fora
Garota de Saint-Tropez
Laranja da Bahia
Tem umbiguinho de fora
Por que é que você, Maria
Escondeu o seu até agora?
260
ALBUQUERQUE, João Luiz; NOYA, José Artur. Carnaval 62. O Grande Baile dos Artistas. Manchete, Rio
de Janeiro, n. 516, p. 12-13, 10 mar. 1962.
261
SEVERIANO, Jairo. Yes, nós temos Braguinha. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Música, 1987,
p. 32.
262
É importante considerar que o teatro de revista antecipou o desnudamento do corpo feminino ao passo que o
“silêncio que antes recobria a sexualidade, rotulada como coisa suja e pecaminosa, começou a ser quebrado”. A
partir da década de 20 do século XX as revistas ganharam um ritmo carnavalesco ao incorporarem marchinhas e
músicas da folia, favorecendo ainda mais a sensualidade da apresentação. Com o desnudamento vertiginoso das
vedetes na década de 1950, entre outros fatores, o gênero sofreu um esgotamento. DEL PRIORE, Mary.
Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 110-111.
135
procurava reinventar os grandes bailes de máscaras realizados por todo o Brasil desde 1840.
De acordo com Helenise Guimarães:
Nesta charge uma foliona aparece toda paramentada para o famoso desfile de
fantasias carnavalescas do Teatro Municipal. Os inúmeros adereços do traje escolhido
impossibilitam, no entanto, a identificação da fantasia, fato este recorrente nos desfiles reais
do espaço mencionado, sendo muitas vezes indispensáveis explicações mais detalhadas sobre
as vestimentas para a compreensão de seu conteúdo. O humor da charge reside no exagero
expresso no traje escolhido e também na ligação da foliona para o Municipal: “– Alô...é do
Municipal?...Será que vocês podiam mandar o júri aqui em casa?...”. De acordo com Vladímir
Propp, o exagero265 – presente na charge aqui analisada – é cômico apenas quando desnuda
um defeito, assim como tudo o que é cômico.
Na charge em questão a comicidade é assegurada pelas características inerentes à
caricatura e à hipérbole. Assim, por meio do exagero, a charge desnuda o grande esforço e
investimento dos participantes dos concursos do Municipal em preparar suas extravagantes
fantasias, muitas vezes sem identificação imediata pelos demais foliões.
As charges publicadas nas revistas O Cruzeiro e Manchete retratavam outros
aspectos dos festejos carnavalescos e traziam consigo representações diversas quanto à
participação das mulheres nesses folguedos. Em outra charge (figura 6), ainda de 1963,
Ziraldo demonstra o carnaval popular, especificamente das escolas de samba, por meio da
caricaturização da baiana, figura central nos desfiles dessas agremiações. Se na figura
analisada anteriormente o humor consiste na forma como uma mulher branca, pertencente à
elite, se traveste exageradamente para o concurso do Municipal, na imagem a seguir é a
mulher negra e pobre que guardava dinheiro durante todo o ano para desfilar pela sua
agremiação preferida que provoca o riso do leitor, à medida que manifesta de maneira
humorística um comportamento cíclico, relacionado à vontade de participar dos festejos
carnavalescos, e o grande esforço despendido no decorrer do ano para tanto.
A comicidade, nesse caso, encontra-se vinculada ao próprio sentido atribuído ao
festejo no qual há o entendimento de que todo empenho é válido para brilhar nos desfiles e
libertar os sujeitos – mesmo que em poucos dias – dos recalques acumulados durante o ano. O
265
Este tipo de exagero, segundo Propp, pode ser demonstrado por meio da análise de suas três formas
fundamentais: a caricatura, a hipérbole e o grotesco. Na caricatura “toma-se um pormenor, um detalhe; esse
detalhe é exagerado de modo a atrair para si uma atenção exclusiva, enquanto todas as demais características de
quem ou daquilo que é submetido à caricaturização a partir desse momento são canceladas ou deixam de existir”.
A caricatura não ocorre somente quando há um exagero de fenômenos de ordem física, como um nariz grande ou
uma barriga avantajada, mas também com os fenômenos de ordem espiritual à medida que desvela uma
particularidade qualquer da pessoa caricaturizada em uma representação única. A hipérbole, por sua vez, é uma
variedade da caricatura, distinguindo-se dela pelo exagero do todo e não somente de um pormenor. O grotesco
relaciona-se ao mais alto grau do exagero, de modo que aquilo que é aumentado adquire um caráter mostruoso,
penetrando no domínio do fantástico. PROPP, op. cit., p. 88-89.
137
carnaval seria assim um momento para a própria redenção do indivíduo. A mulher da charge
poderia ser aquela que deixava de lado suas funções habituais e pouco prestigiosas, de
empregada doméstica, lavadeira e costureira, por exemplo, para transformar-se em figura
central da folia. Embora não seja possível identificar a profissão da mulher representada na
charge, a presença do pano em sua cabeça e a situação ali expressa indicam o seu
pertencimento às camadas populares, o que demonstra a persistência e a importância atribuída
aos festejos pelos foliões. Além disso, participar em uma escola de samba como porta-
bandeira ou baiana significava para as mulheres negras das áreas pobres do Rio de Janeiro
uma forma de ganharem visibilidade social durante a realização dos folguedos,
principalmente pela centralidade das escolas de samba no conjunto das atividades
carnavalescas no período em estudo.
Figura 6 – Charge de Ziraldo acerca do esforço das mulheres negras para participar do carnaval266
Garota biquíni
De Copacabana
Espetacular!
Teu biquinininho tá
Tá de matar
Teu biquinininho
É a sensação
Um palmo de serpentina
Dois confetes de salão
266
ZIRALDO, op. cit., p. 62-63.
138
267
CARNAVAL do Copa para o Mundo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 96, 29 fev. 1964.
139
268
SCALZO, op.cit., p. 70.
140
A garota monoquíni
Que beleza de menina
Foi à praia sem confete
Só levou a serpentina
Seu delegado (oi)
Solte a menina (oi)
Que foi à praia (oi)
De serpentina (oi)
Se fosse feia (oi)
Tava indecente (oi)
Mas sendo boa (tá)
Tá inocente...
Na canção em pauta, a nudez é aceita e até mesmo incentivada por se tratar do corpo
de uma moça jovem e bela. O mesmo não aconteceria em relação às mulheres mais velhas e
rotuladas como “feias”. A composição de Braguinha revela, assim, que a exposição do corpo
não era possível para todas as mulheres, somente para aquelas que mantinham os corpos que
se esperavam ver nas praias: jovens, magros e bronzeados. O desnudamento total do corpo
feminino foi representado em Ilha do Sol, de 1966, pela dupla João de Barro e Jota Júnior.
Inspirando-se na ilha localizada na Baía de Guanabara em que vivia a dançarina exótica Luz
del Fuego, adepta do nudismo e fundadora do primeiro clube naturista do Brasil, os
compositores pregavam nesta marchinha a liberdade plena do corpo:
Liberdade, liberdade
Eu vou pra Ilha do Sol
Pois quem fica preso em casa
É marisco ou caracol
Já foi biquíni
Foi monoquíni
269
QUEIROZ, Rachel de. Menina de Carnaval. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 130, 29 fev. 1964.
142
Considerando o cenário musical do período, essas canções nada mais eram do que
exceções carnavalescas, sobretudo observado-se o caráter de transição da época. De acordo
com Rodrigo Faour270, jornalista e crítico musical, em obra em que analisa, por meio da
música popular brasileira, as mudanças dos nossos costumes e comportamentos afetivos e
sexuais, nesse período era comum que canções mais progressivas coexistissem com músicas
retrógradas. Até então havia predominado no universo musical brasileiro músicas em que a
mulher era representada como infiel, ingrata, fútil, por vezes desagradável, leviana e afeita a
pancadas. A mulher esposa/dona-de-casa/mãe, ao estilo de Amélia e Emília, era exaltada nas
canções e a única a ser valorizada.
Em fins da década de 1950, com a bossa nova, uma mulher mais leve, solar e
agradável começa a aparecer nas letras das músicas, resultado não somente de um novo tipo
de música, mas também da emergência de mulheres mais liberadas. A canção Garota de
Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, lançada em 1963, é exemplar da “espécie de
paradigma da mulher carioca: bonita, esportiva, articulada, cheirando a sabonete, com um
infalível senso de humor e dona de sua vida”271. Outras canções, no entanto, estavam atreladas
a visões mais tradicionais de mulheres, trazendo inclusive alguns tabus como o da
virgindade272 e o de ficar solteira273. As músicas da Jovem Guarda exemplificam muito bem o
caráter de transição do período, uma vez que suas letras podiam ser machistas, transparecendo
inclusive a influência dos filmes americanos e de seus jovens rebeldes, com Erasmo Carlos
cantando Vem quente que eu estou fervendo, Minha fama de mau e Carango; românticas, ao
270
FAOUR, Rodrigo. História sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira. 3. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2008.
271
CASTRO, Ruy. Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 162.
272
Sucesso nas vozes de Miltinho e Tito Madi em 1960, a música “Menina moça”, de Luiz Antonio, serviu como
advertência para as moças que mantinham relações sexuais antes do casamento e assim corriam o risco,
conforme a mentalidade predominante da época, de ficarem decepcionadas e talvez sozinhas: “Você botão de
rosa/Amanhã a flor mulher/Joia preciosa cada um deseja e quer/De manhã banhada ao sol/Vem o mar beijar/Lua
enciumada noite alta vai olhar/Você menina moça/Mais menina que mulher Confissões não ouça/Abra os olhos
se puder/Tudo tem seu tempo certo/Tempo para amar/Coração aberto faz chorar/A lua, o sol, a praia, o
mar/Missão de Deus/A vida eterna para amar”. ANTONIO, Luiz. Menina moça. Disponível em:
<http://www.vagalume.com.br/tito-madi/menina-moca.html>. Acesso em: 21 abr. 2016.
273
A canção “Passaporte para titia”, de João Roberto Kelly, gravada por Doris Monteiro em 1961, aborda um
tipo de mulher mais intelectualizada que não se deixava envolver amorosamente por qualquer rapaz, fato este
que justificava a possibilidade de ficar solteirona em uma sociedade na qual o casamento ainda era visto como
essencial para a felicidade feminina, conforme demonstra a letra da música: “Garota diz que veio de Paris/E foi
noiva de um conde/Não casou porque não quis/Não olha pra rapaz de pouca idade/ Pra ter personalidade/Sempre
torce o nariz/Garota nunca deu o seu coração/Todo dia bate um papo/Só na base de Platão/Garota cheia de
filosofia/Sua pinta é o próprio/Passaporte pra titia”. FAOUR, op. cit., p. 127.
143
2.2 – A tensão moral dos anos 1960 e os limites da liberação sexual feminina
No livro 1968: o ano que não terminou, o jornalista Zuenir Ventura evidencia os
novos padrões de comportamento adotados na época por parcela da juventude brasileira,
sobretudo a intelectualizada, acusada de subversiva pelos militares. Segundo o autor:
As mulheres de quarenta anos, por exemplo, ainda estavam presas aos tabus
do passado recente e a uma hipócrita santificação da maternidade, que dava
ao homem o álibi de que precisava para buscar fora de casa, nos prostíbulos
ou na casa das amantes, o livre exercício de sua sexualidade e de suas
fantasias. Havia coisas que ele só podia fazer na rua. O dever legitimava a
sexualidade dela; o direito sancionava os abusos dele278.
O que havia de comum entre os jovens das camadas médias e intelectualizadas era a
vontade de experimentar – alguns no âmbito político, outros no comportamental. No entanto,
em um período ainda inicial de mudanças mais expressivas, discursos ambíguos e ações
muitas vezes contraditórias constituíam-se como parte do universo desse segmento jovem. De
acordo ainda com Zuenir Ventura, a revolução sexual brasileira começou pela teoria,
perceptível no aumento de livros, artigos e palestras que versavam sobre o assunto, para
posteriormente ser realizada na prática. Neste primeiro momento “falava-se e escrevia-se mais
do que se fazia sexo”, em uma clara demonstração de que a “liberação era mais aparente do
que real”. Outra evidência disso é o conselho de Heloísa Buarque de Hollanda para a sua
também amiga de vanguarda Marília Carneiro: “a gente tem que fingir que dá para os caras,
mas a gente não tem que dar para os caras”279.
A juventude queria romper com os valores estabelecidos, estivessem esses
relacionados ou não a tabus, resistências e preconceitos, mas, como é possível perceber na
fala de Hollanda a ruptura dessas normas não era muitas vezes fácil de ser realizada, ainda
mais quando havia sobre si a cobrança de apresentar comportamentos, atitudes e posturas
mais livres em conformidade com os novos tempos e com o fato de ser jovem, o que
277
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 32-34.
278
Ibid., p. 38.
279
Ibid., p. 36-39.
145
Com toda a sua euforia transgressora, ele [o carnaval] dependia de uma certa
inocência circundante para existir. Claro. Pois, sem essa relativa inocência, o
que haveria para transgredir? E inocência foi o que o mundo mais perdeu a
partir da década de 60. O Carnaval viu-se subitamente dispensável como
pretexto para a esbórnia. Suas grandes atrações, como os beijos roubados na
multidão, a sensualidade suada nos salões e nas ruas, a comunhão de mãos e
carnes acima e abaixo do umbigo, as fantasias de árabe sem cueca por baixo,
os bailes que se prolongavam a dois ou a quatro nos apartamentos – tudo
isso era pinto comparado ao que a classe média passou a fazer, sem
problemas e sem culpas, durante todo o ano. A própria nudez esvaziou-se.
Quem queria saber de uma perna saindo de um sarongue ou de um par de
seios entrevisto de relance se tinha à vista um milhão de biquínis nas praias
num domingo de verão? E o que era a ousadia das garotas no baile do High
Life diante da liberação de uma geração inteira de moças? O Carnaval
perdera o sentido. Parecia o fim de uma longa e linda tradição do Rio.
E, então, enquanto os saudosistas olhavam para ontem e suspiravam, as
escolas de samba tomaram conta do pedaço – e, a partir de 1970, salvaram o
Carnaval281.
280
CARMO, op. cit., p. 409.
281
CASTRO, op. cit., p. 107-108.
146
caracterizar a zona norte do Rio em matéria escrita para a revista Manchete, em 1966, Nelson
Rodrigues afirmava que:
282
RODRIGUES, Nelson. Rio. A Zona Norte como ela é. Manchete, Rio de Janeiro, n. 766, p. 65, 24 dez. 1966.
283
MUGGIATI, Roberto. 24 horas na vida de nossas mulheres. Manchete, Rio de Janeiro, n. 766, p. 160-163, 24
dez. 1966.
147
constatou que foi uma relação com alguém que conheciam há muito tempo para 55% das
entrevistadas, que conheceram há pouco tempo para 32% e 13% para aquelas que conheceram
alguém no dia da pesquisa.
Ainda sobre o assunto, a pesquisa constatou que entre as carícias recebidas por essas
mesmas mulheres encontram-se beijos (87%), abraços (74%) e outras (5%). É possível inferir
por meio desses dados que as mulheres solteiras não eram assim tão liberadas como seria
possível supor para o período ou que as mulheres não se sentiam à vontade para responder
com sinceridade esse tipo de questionamento. A pesquisa buscou também investigar o grau de
infidelidade entre as mulheres casadas. Nesse caso, o instituto de pesquisa averiguou que uma
em cada dez mulheres casadas marcou encontro com outro homem. Esse e outros dados
levantados situaram a taxa de infidelidade em 10%, subindo para 15% entre as mulheres mais
ricas. É perceptível uma mudança significativa em termos de carícias nos encontros das
mulheres casadas em comparação com os das mulheres solteiras. As carícias entre as casadas
seguiram a seguinte ordenação: beijos (95%), abraços (82%) e outras (66%). A pesquisa,
apesar de não esclarecer o número exato de mulheres entrevistadas de cada grupo social e não
dar informações relacionadas à faixa etária, possibilita depreender que persistia ainda certo
conservadorismo moral no que se refere à existência de relações sexuais antes do matrimônio,
pelo menos na sua expressão na ocasião da entrevista do IBOPE.
No início do ano seguinte, a revista Manchete publicou uma matéria sobre a vida dos
chamados “brotos”, jovens entre 13 e 17 anos, com o objetivo de perscrutar suas inquietações,
pensamentos e gostos. A revista ressalta a desenvoltura e a desinibição dessas jovens, por
exemplo, para falar de sexo e trocar suas experiências. No entanto, o periódico, em tom
moralista, chamou atenção para as supostas “geladas” em que as jovens se envolviam, como
relacionar-se com homens casados e desiludir-se logo depois da descoberta ou manter
relações sexuais durante um namoro sem significância e perder possivelmente um casamento
futuro pelo fato de não ser mais virgem. Os depoimentos obtidos dos “brotos” e os
comentários do autor da matéria procuram demonstrar a “inconsequência” da juventude e, de
certa forma, alertar para as ações tomadas nessa fase da vida, mesmo que ironicamente:
As matérias em questão trazem também esse entendimento no que diz respeito aos
gostos e hábitos femininos, ou seja, esses elementos são generalizados e considerados
formadores da identidade feminina como um todo. No terceiro capítulo desta tese tal
discussão será empreendida com mais profundidade, assim como o caráter mais ousado
comumente atribuído às mulheres cariocas, especialmente no que se refere à sua participação
nos carnavais.
De qualquer forma, os depoimentos obtidos e selecionados pela revista Manchete
sobre a vida dos “brotos” demonstram que determinados comportamentos da juventude ainda
eram vistos, no final da década de 1960, como inconsequentes e passíveis de julgamentos
diversos. A prática sexual antes do casamento ainda era condenada por muitos, bem como a
separação entre sexo e amor, entendida como típica das mulheres consideradas “prafrentex”.
Mesmo em meio às suspeitas remanescentes de períodos anteriores, muitas jovens
questionaram e divergiram dos antigos costumes, embora seja conveniente lembrar que não é
284
OS BROTOS. Manchete, Rio de Janeiro, n. 770, p. 44, 21 jan. 1967.
285
GONTIJO, Fabiano. Carioquice ou carioquidade? Ensaio etnográfico das imagens identitárias cariocas. In:
GOLDENBERG, Mirian. Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro:
Record, 2002, p. 74.
149
O texto de Carmen demonstra que no final de 1970, apesar de o sexo ser um assunto
de destaque, ainda persistia na sociedade brasileira certo conservadorismo. No mesmo artigo,
286
LUCA, op. cit., p. 456.
287
Ibid., p. 457
288
BUITONI, Dulcília. Mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira. São Paulo:
Loyola, 1981.
289
SILVA, Carmem da. Revolução sexual?. A arte de ser mulher. Claudia, s/p, setembro de 1970 apud
GELLACIC, op. cit., p. 84.
150
Carmen afirma ainda que “[...] a óptica da môça carioca ou paulista não é a mesma da jovem
do interior; o mundo da universitária é muito diferente do da industriária ou comerciária da
mesma idade...”290. A escritora e psicóloga atesta ainda que as mudanças no âmbito da
sexualidade, além de não atingirem naquele momento a sociedade como um todo,
restringiam-se a uma pequena parcela da população, composta pelas jovens dos grandes
centros urbanos.291
A historiadora Carla Bassanezi Pinsky também constata o papel precursor
desempenhado por algumas mulheres no período, no entanto, ao contrário de Carmen Silva,
considera especificamente as “garotas zona Sul”, do Rio de Janeiro, e as “da rua Augusta”,
em São Paulo. Além disso, observa que o ideal de virgindade foi superado consideravelmente
somente décadas depois dos questionamentos das mulheres dos anos 1960, o que demonstra,
uma vez mais, que as mudanças relacionadas à sexualidade ocorreram aos poucos, fato este
que não elimina a relevância das transformações do período em estudo:
[...] as “garotas zona Sul” (do Rio de Janeiro) ou as “da rua Augusta” (em
São Paulo), de classe média ou alta, que colocavam em questão o ideal de
virgindade já no início dos anos 1960, abriam caminhos para o que, duas ou
três décadas depois, seria um comportamento “normal”, quando a
obrigatoriedade da virgindade para as solteiras estaria completamente “fora
de moda”292.
290
SILVA apud GELLACIC, op. cit., p. 84.
291
GELLACIC, op. cit., p. 84.
292
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos flexíveis. In:______; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012a. p. 513-543, p. 516.
293
ORTIZ, op. cit., p. 114.
151
[...] de um lado, ela soube evitar, na criação das obras de ficção, a paralisia
conservadora típica dos censores do regime militar no que se referia aos
padrões morais da vida íntima; de outro, evitou também, na programação em
geral, valer-se de apelos mais grosseiros ou pornográficos. O “padrão globo
de qualidade” constituiu uma forma para a construção de um imaginário
pátrio que era, ao mesmo tempo, um tanto desobediente e flexível nas
esferas íntima e privada e absolutamente conservador e servil nos campos
político e econômico296.
294
BUCCI, Eugênio. Ainda sob o signo da Globo. In: ______; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre
televisão. São Paulo: Boitempo, 1994. p. 220-240, p. 222-223.
295
RIDENTI, Marcelo. Cultura. In: REIS, Daniel Aarão (Coord.). Modernização, ditadura e democracia (1964-
2010). Rio de Janeiro: Objetiva; Madrid: Fundación Mapfre, 2014. v. 5. p. 233-283, p. 240. (História do Brasil
Nação: 1808-2010).
296
BUCCI, op. cit., p. 229 -230.
152
297
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Sempre bela. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria
(Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 105-125, p. 119.
298
DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 302.
155
299
DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 302-308.
300
Casais não casados eram cada vez mais aceitos, já podendo circular publicamente; carícias generalizavam-se
e beijos mais intensos passavam a ser sinônimo de paixão. A separação, antes motivo de crítica social, tornava-se
solução para um casamento infeliz e as mulheres “começavam a poder desobedecer às normas sociais, parentais
e familiares”. Ibid., p. 301-302.
301
PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n.
36, p. 15-23, jun. 2010. p. 16-17.
156
A respeito das mudanças vivenciadas pelas mulheres no período, Joana Maria Pedro
considera que talvez a maior conquista feminina tenha sido o reconhecimento de outras
formas de ser mulher, para além das funções ditas “naturais” de esposa, mãe e dona de
casa302. Seguindo o processo acelerado de urbanização, as lutas empreendidas e a expansão da
escolaridade feminina, as possibilidades de realização da mulher ampliaram-se
significativamente, passando a ser cada vez mais aceitável sua profissionalização, autonomia
financeira, sexualidade e uma posição mais igualitária nas relações amorosas e conjugais.
No que diz respeito especificamente ao carnaval, nos anos de 1970, embora
transgressões às regras continuassem a ocorrer, o contexto de maior liberdade sexual
experimentado no período permitiu que os folguedos momescos cumprissem mais o papel de
confirmar algumas das conquistas no âmbito dos costumes e da vida privada, ao mesmo
tempo em que o corpo feminino passaria a ser objetificado em diversas das representações da
imprensa.
A espetacularização assumida pelos desfiles a partir de 1976, especialmente com o
trabalho de Joãosinho Trinta, conforme mencionado no primeiro capítulo, trouxe também
outra conotação para a participação das mulheres, principalmente às de segmentos médios e
altos. Com o crescimento das escolas de samba e a transmissão dos seus cortejos pela
televisão, pessoas oriundas das camadas endinheiradas da população, buscando relevância
pessoal em nível local e nacional, passaram a participar dos cortejos dessas agremiações.
Muitos foram os participantes anônimos e personalidades de renome que desfilaram em busca
de destaque social. Se antes, participar em uma escola de samba como porta-bandeira, pastora,
baiana ou cabrocha significava para as mulheres de áreas pobres do Rio de Janeiro uma forma
de representar sua agremiação preferida e ganhar visibilidade social, na década de 1970,
figuras da society, como Beky Klabin, passaram a demonstrar interesse em desfilar e exibir
suas luxuosas vestimentas, alcançando ainda mais sucesso nas revistas e programas da época.
Com o decorrer do tempo, características do show business foram incorporadas aos desfiles
das escolas de samba e mulheres em trajes cada vez mais sumários passaram a se apresentar
em imensos carros alegóricos303.
Acompanhando a crescente comercialização dos desfiles, é perceptível o início da
glorificação do corpo feminino, especialmente da mulata, e, conforme estudo de Maria Isaura
Pereira de Queiroz, da transformação do corpo da mulher carnavalesca em mercadoria exibida
e cobiçada. Em relação aos festejos de salão, o biquíni, em seu formato clássico, antes
302
PEDRO, op. cit., 2012, p. 256.
303
VALENÇA, op. cit., p. 64.
157
considerado transgressor no ambiente carnavalesco, ganhou uma versão ainda mais ousada: a
tanga. De modo geral, os biquínis eram tolerados contanto que estivessem disfarçados com
lantejoulas. Além disso, com a proibição do topless nos carnavais, as mulheres procuravam
demonstrar seus corpos por meio de transparências ou de “fantasias” que pudessem expor,
mesmo que parcialmente, os seios. Se ainda no período anterior discutia-se o carnaval
somente sob o viés da quebra da hierarquia e da subversão na manifestação de
comportamentos vistos como avançados, como o desnudar de uma perna e de uma barriga, em
fins dos anos 1970, no entanto, procurava-se explicar o papel do carnaval na explosão do sexo
e do erotismo. A profusão de corpos seminus nos desfiles das escolas de samba e nos festejos
de salão no final do período em estudo suscitaram os seguintes questionamentos: houve um
esvaziamento do significado da nudez (mesmo que a parcial) em fins da década de 1970?
Quais corpos foram priorizados nas coberturas dos festejos carnavalescos pelas revistas O
Cruzeiro e Manchete? E o carnaval ainda funcionava como momento de transgressão para
essas mulheres?
304
GONTIJO, op.cit., p. 74-75.
305
As praias de Ipanema e Copacabana são assim denominadas pelo pertencimento aos bairros de idêntico nome,
localizados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
158
mulheres grávidas evitavam frequentar esse tipo de espaço, ou optavam por usar roupas de
banho que pudessem disfarçar suas barrigas, evidencia a percepção de informalidade e,
portanto, de afrouxamento das regras sociais que as praias cariocas assumiam nesse contexto
de modificações. Leila chocava os setores conservadores da sociedade brasileira da época por
apresentar comportamentos que divergiam do esperado para uma mulher: diversos namoros,
sexo livre e uma linguagem repleta de palavrões. De acordo com a antropóloga Mirian
Goldenberg306, o corpo de Leila tornou-se modelo de transgressão e contribuiu
significativamente para a construção da imagem do Rio de Janeiro como lugar de ousadia e de
rebeldia dos jovens.
As atitudes de Leila e de outras garotas do período, que assim como ela viviam uma
sexualidade mais livre, podem ser relacionadas, conforme descrito por Norbert Elias307 no
estudo do processo de civilização dos costumes, à violação do autocontrole construído
socialmente. Subordinar os impulsos e controlar a libido se firmavam como condutas
necessárias àquelas mulheres que pretendiam se enquadrar nos padrões estabelecidos, visando
à apresentação de um comportamento dito “adequado”. O autocontrole consiste então na
intensa regulação das pulsões e das paixões individuais em nome de um padrão “civilizado”
de comportamento, exercido não somente por outras pessoas, mas também pelo próprio
sujeito, considerando que uma parte de si “proíbe e castiga o que a outra deseja”. Mulheres
como Leila não se curvaram às regras existentes e não renunciaram à sua própria satisfação.
No que diz respeito, ainda, ao processo civilizador e à sua relação com o controle das
pulsões, Elias assinala que o uso dos trajes de banho permitiu uma maior exposição dos
corpos, exigindo dos indivíduos um significativo autocontrole de seus desejos comparado ao
período em que o pudor mantinha os corpos escondidos. Em fins da década de 1920, os maiôs
começaram a ser aceitos e foram em um curto espaço de tempo sobrepujados pelo tomara que
caia e o duas-peças, criados em meados da década de 1930. É importante assinalar, no
entanto, que o último se distinguia dos maiôs somente pela exposição da pele na altura do
estômago, sem mostrar o umbigo308, permanecendo relativamente comportado.
Até os anos 1960, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, era frequentada por
garotas “modernas” que faziam uso das principais inovações no campo dos trajes de banho,
uma das razões pela qual foi considerada como a mais badalada praia da época. Aliás, a praia
é um dos principais elementos definidores de Copacabana e de outros bairros à beira-mar. O
306
GOLDENBERG, Mirian. Toda mulher é meio Leila Diniz. 2. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.
307
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
308
PRADO, Luís André do; BRAGA, João. História da moda no Brasil: das influências às autorreferências. São
Paulo: Disal; Pyxis Editorial, 2011, p. 144.
159
309
VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
310
Ibid., p. 67.
160
era definida cada vez mais como um local moderno e melhor para se viver, traduzindo a
hierarquia dos bairros e da própria sociedade. De acordo com Velho, essa visão permaneceu
“como um fator de estímulo ao deslocamento espacial, a novas despesas e investimentos”311.
De fato, nas décadas de 1960 e 1970, Ipanema apareceu como o local símbolo das mudanças
comportamentais e culturais do Brasil do período, além de abrigar muitos dos jovens ditos de
“vanguarda”. É possível perceber por meio da pesquisa de Velho, e de outros estudos sobre os
jovens da década de 1970, que ser qualificado como de “vanguarda” em um período de
intensas mudanças no âmbito da moral apresentava-se como um valor relevante para as
camadas médias da zona sul do Rio de Janeiro.
A respeito da importância do bairro de Ipanema e de seus habitantes para a quebra
dos padrões tradicionais de conduta a partir da liberação do corpo e da sexualidade nas
décadas de 1960 e 1970, a antropóloga Marisol Rodriguez Valle considera que:
311
VELHO, op. cit, 1975, p. 89.
312
VALLE, Marisol Rodrigues. Ipanema e suas modas: passado x presente. Cadernos de Campo, São Paulo, v.
13, n. 13, p. 47-60, 2005. p. 50-54.
161
Sede do império português e capital federal até 1960, o Rio de Janeiro se destacou
pelo cosmopolitismo, o que influenciou a manifestação de comportamentos mais
independentes por parte das mulheres dessa localidade em comparação com as moças de
outros lugares do país. Ruy Castro, em Carnaval no fogo, atenta para essa questão:
313
PEREIRA, Cláudia da Silva; PENALVA, Germano Andrade. Nem todas querem ser Madonna:
representações sociais da mulher carioca, de 50 anos ou mais. Estudos feministas, Florianópolis, v. 22, n. 1, p.
173-193, 2014. p. 176.
314
Ibid., p. 177.
162
casa por um cavalheiro. Aproveitou também aqueles cem anos para criar
uma imprensa feminina, participar das causas republicanas, escrever poesia
erótica, infiltrar-se em profissões “masculinas”, fundar associações
feministas e lutar pelo direito ao voto [...]. E foi a primeira a sair à rua
usando calças compridas, vestidos sem costas e tomara-que-caia. Mas só
chegou a isso depois que suas avós e bisavós cumpriram uma longa pena –
mais de duzentos anos – de clausura e opressão315
Bilac dizia que inteligentes eram os que viviam em Paris. Mas hoje, para
quem gosta de viver bem, o quente é o Rio, onde pelo menos – como afirma
a propaganda turística – há sol, mar e bom-humor [...]. É que êsse negócio de
cheia de encantos mil é uma verdade tão clara que não há quem deixe de
sentir tôda a mágica atração dessa cidade-mulher. Capítulo à parte é a
carioca. Defini-la é dificílimo. Explicá-la é impossível (mais fácil é explicar
315
CASTRO, op. cit., 2003, p. 137-138.
316
Ibid., p. 127-128.
163
317
SÉRGIO, Renato. Rio mais parece um céu no chão. Manchete, Rio de Janeiro, n. 980, p. 76-88, 30 jan. 1971.
318
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
319
HEILBORN, Maria Luiza. Corpos na cidade: sedução e sexualidade. In: VELHO, Gilberto (Org.).
Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 98-108.
320
Ibid., p. 99.
164
O Rio de Janeiro, enquanto modelo desse atributo nacional, teve em suas mulheres as
principais representantes do imaginário coletivo construído a respeito da sensualidade e da
sexualidade femininas, principalmente quando se refere à sua participação nos festejos
carnavalescos. A matéria citada anteriormente, por exemplo, menciona os ambientes em que a
personalidade da carioca era mais bem expressada: a praia e o carnaval. Ambos se
apresentavam como espaços legitimadores para o desvelamento dos corpos – por suas
características intrínsecas – e para a manifestação de comportamentos informais. Embora
saliente a beleza e o jeito de ser da carioca, de um modo geral, a matéria destaca o bairro de
Ipanema por sua significância para a época e também naquilo que se relaciona ao
comportamento feminino revelado em suas areias, bares e ruas.
Até 1960, segundo Gilberto Velho321, Copacabana322 se distinguia perante outros
bairros da zona sul do Rio de Janeiro por seu caráter cosmopolita, moderno e como um dos
maiores centros de consumo do país na época, conforme salientado anteriormente. No
entanto, a partir da década de 1960, o bairro passa a sofrer um processo de desvalorização
financeira e simbólica resultante do crescimento de outros bairros da zona sul, como Ipanema
e Leblon. De acordo com Gilberto Velho, “[...] Ipanema passa a disputar a primazia,
embalada, por sua vez, por manifestações artísticas, produção cultural e novos tipos de
marketing”323. Sendo assim, a garota de Ipanema – parafraseando a canção de Tom Jobim e
Vinícius de Moraes – era percebida como diferente das demais, ou, em outros termos, como a
própria síntese da essência da mulher carioca.
Para Marisol Goia324, não é possível compreender a representação de Ipanema como
um lugar solar, informal, alegre e espontâneo da cidade do Rio de Janeiro sem considerar o
encontro que existia naquela localidade entre pessoas anônimas e famosas. As atitudes de
Leila, já explicitadas neste trabalho, e de Gabeira, que ousou aparecer na praia de Ipanema
trajando uma tanga – pouco condizente com a sua condição masculina e de ex-guerrilheiro e
militante de esquerda –, somente adquiriram um caráter subversivo porque ocorreram em um
local já “carregado de significado”. De acordo com a interpretação de Goia, a praia de
321
VELHO, Gilberto. Os mundos de Copacabana. In: VELHO, Gilberto (Org.). Antropologia urbana: cultura e
sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 11-23.
322
Na década de 1920, Copacabana já era um bairro importante da cidade, que se beneficiava do discurso
médico de valorização da praia por questões de saúde e sociabilidade para a formação de um estilo de vida
diferenciado, mais informal e esportivo, na comparação com os padrões tradicionais da sociedade patriarcal
ainda existentes no início do século XX. A construção de edifícios, que passaria então a caracterizar o bairro,
ocorreu sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo sido Copacabana o primeiro bairro residencial do
Brasil a apresentar prédios como tipo de habitação preponderante. Como resultado dessas transformações, a
população do bairro também cresceu, atingindo aproximadamente 250 mil em 1970. Ibid., p. 11-13.
323
Ibid., p. 15.
324
GOIA, Marisol. Modos e modas de Ipanema. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). O corpo como capital:
gênero, sexualidade e moda na cultura brasileira. 2. ed. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010. p. 39-53.
165
Ipanema foi a responsável pela notoriedade pública dos atos de Leila e Gabeira, embora
reconheça que seus comportamentos transgressores tenham contribuído igualmente para que a
praia alcançasse ainda mais fama, passando a ser considerada “espaço da ousadia, da rebeldia
e da liberdade dos jovens”325.
A edição da revista Manchete, de 08 de março de 1975, procurou elencar os fatores
que levaram o bairro de Ipanema a conquistar tamanha projeção ainda na década anterior:
325
GOIA, op. cit., p. 62-63.
326
IPANEMA de sol a sol. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.194, p. 62, 08 mar. 1975.
327
Esta imagem está fundamentada significativamente na existência de mulheres que, assim como Leila Diniz,
frequentavam bares, bebiam, fumavam e usavam seus corpos de um modo mais livre.
166
328
ROCHA, João Cezar de Castro. Um conceito ou um baixo contínuo? Venturas e desventuras do homem
cordial. Posfácio de Raízes do Brasil (ed. crítica). In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 457-463, p. 458.
329
HEILBORN, op. cit., p. 99.
330
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 255.
167
331
KUCK, Claudio. Rio de carnaval, futebol e mulher. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 06, p. 64, 06 fev. 1969.
332
ABREU, Regina. A capital contaminada: a construção da identidade nacional pela negação do “espírito
carioca”. In: LOPES, Antonio Herculano (Org.). Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, Topbooks, 2000. p. 167-185, p. 169-170.
333
MULO. In: DICIONÁRIO Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/mulo/>. Acesso
em: 20 ago. 2016.
168
cabrocha, faceira e sensual”334, sendo esta última elemento chave para a construção da
imagem da sexualidade presente nos folguedos.
Embora a imagem da mulata “fácil”, objeto sexual do senhor, produzida durante o
período escravocrata, tenha adquirido, na primeira metade do século XX, outros sentidos
relacionados à sua transformação em símbolo da brasilidade mestiça, ainda assim permaneceu
com o estereótipo de mulher sensual e disponível. Essa representação da mulata se fazia
presente na cobertura da imprensa a respeito dos folguedos momescos, já que era no carnaval
que a mulata supostamente desempenhava melhor o seu papel de mulher-sedução. O assunto
serviu de ensejo para charges das revistas ilustradas, o que demonstra o peso da mulata no
imaginário carnavalesco, como é possível perceber nas charges analisadas na sequência.
334
ABREU, op. cit., p. 170.
335
CLAUDIUS. Turistas e mulatas. Manchete, Rio de Janeiro, n. 881, p. 146, 08 mar. 1969.
169
quadril mais largo, demonstrando assim a coisificação da mulher já que ela se torna um objeto
do desejo masculino.
A mulata contrapunha-se no imaginário e nas suas representações recorrentes à
figura da mãe de família dedicada e recatada, que não expunha abertamente a sua sexualidade.
O papel de mediadora entre culturas e raças atribuído à mulata se deu exclusivamente no
âmbito da sexualidade, sem vislumbrar qualquer relação com as concepções dominantes sobre
os papéis femininos, como afirma a historiadora e antropóloga Sonia Maria Giacomini:
Ao desempenhar este papel mediador, ela o faz acionando seu corpo, sua
sensualidade. Como mulher-corpo, mulher-sedução, a mulata se engaja em
um tipo de mediação/comunicação bastante distante do modelo de mulher
que viabiliza, como signo, através do casamento e das identidades de esposa
e mãe, a aliança entre duas famílias. A mulata não se apresenta como um
valor por referência ao grupo familiar – filha, irmã – que irá funcionar como
valor-signo na mediação entre famílias, mas, ao contrário, como mulher sem
família, exposta, disponível, cujo valor advém exclusivamente da
sexualidade.
Na comunicação estabelecida, com efeito, a mulata opera como signo, não
para instaurar o pacto entre famílias, mas entre países, povos, raças. Seu
valor é o de exprimir sinteticamente a brasilidade-nacionalidade-através de
uma sexualidade exacerbada, posto que não controlada pelos laços de
parentesco no interior da família. Assim, suscita/favorece/estimula a
comunicação/aliança com o Outro, o estrangeiro.
A autêntica mulata brasileira revela-se, então, a mulher sedutora por
excelência – sedutora porque sensual e disponível336.
mesmas mulheres eram rotuladas pela opinião pública e pelos veículos da época como
“simuladoras, desonestas e infiéis” e o carnaval como um “catalisador na explosão de seus
vícios”338. A autora relaciona ainda a exibição dos corpos e a expressão da sensualidade pelas
mulheres, muitas das camadas médias, nos festejos carnavalescos do início do século XX à
posterior emancipação feminina. O carnaval serviu, em sua interpretação, como um “balão de
ensaio” para mudanças vindouras relacionadas à manifestação plena da sexualidade das
mulheres, abarcando também a esfera cotidiana. Além disso, a historiadora em questão
considerou as transgressões femininas evidenciadas nos festejos como contribuições
importantes para o “clamor feminista” dos anos 1970, já que as conquistas nesta seara não
podiam ser creditadas somente ao “restrito grupo de intelectuais dos segmentos médios”339.
Os movimentos feministas brasileiros dos anos 1970, no entanto, não enxergavam
nas transgressões das mulheres inseridas nos festejos carnavalescos qualquer relação com a
luta empreendida pelos movimentos no campo da liberdade corporal. Ao contrário, o
desnudamento do corpo feminino – mesmo que parcial – verificado nos carnavais nos anos
em estudo era visto pelos movimentos feministas não como forma de resistência, mas como
sujeição das mulheres aos desejos masculinos no que se refere à percepção do corpo da
mulher pelo viés do erotismo e da sensualidade.
É importante dizer que o feminismo brasileiro ligado às questões relativas ao corpo e
à sexualidade demorou mais de uma década, desde os anos 1960, quando o movimento
eclodiu nos Estados Unidos e na Europa, para chegar ao Brasil. Diversamente do clima
europeu e norte-americano, marcado pela revolução dos costumes e pelas mudanças culturais,
o contexto brasileiro era pouco propício para questionamentos dessa natureza, considerando a
existência de uma ditadura militar a partir de 1964, que impunha a censura e a repressão como
maneiras de combater ideias e práticas vistas como “desviantes” e “subversivas”.
Uma característica importante de diversos grupos feministas da década de 1970 foi a
luta empreendida contra o regime militar tendo em vista a participação de mulheres em
organizações de influência marxista, muito embora indagações relacionadas especificamente à
condição feminina não tivessem tanta importância naquele contexto no qual o fim da ditadura
e a possibilidade de instauração de outro regime constituíam objetivos cruciais até mesmo
para posteriores transformações em outros domínios. A situação política do país tornava
menos importante, na visão da esquerda brasileira, a discussão sobre assuntos não associados
338
SOIHET, op. cit., 2003, p. 194.
339
SOIHET, Rachel. Violência Simbólica. Saberes masculinos e representações femininas. Estudos feministas,
Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 7-29, 1997. p. 29.
172
à mudança de regime político. Desse modo, parecia haver, pelo menos nos anos iniciais da
década de 1970, certo incômodo por parte de muitos grupos feministas em reivindicar
questões associadas à sexualidade, como afirma a cientista política Céli Regina Jardim Pinto:
“Enquanto no resto do mundo ocidental as mulheres procuravam discutir sua posição na
sociedade, seu corpo e seu prazer, um punhado de mulheres brasileiras fazia a mesma coisa,
mas pedindo desculpas”340.
O chamado feminismo de Segunda Onda teve que contar com o apoio da Igreja
Católica no seu início, tendo inclusive que reproduzir alguns de seus discursos, já que era a
instituição em que as militantes feministas encontravam proteção do terrorismo de Estado
imposto com o regime militar e assim podiam, ao menos, propor ações e discutir
determinados assuntos. Angariar ajuda da Igreja teve como contrapartida a limitação do
movimento no que se refere a questões polêmicas, como o uso de contraceptivos. O
movimento feminista, por exemplo, endossou a tese dos prováveis problemas de saúde
causados pela utilização da pílula anticoncepcional como forma de desencorajar o uso do
medicamento entre as mulheres sem precisar entrar em uma discussão religiosa341.
Essa questão apareceu até mesmo no jornal feminista Brasil Mulher, criado em 1975.
Aliás, o ano da fundação desse jornal, 1975, é considerado o marco de um momento político
fundamental para o desenvolvimento dos movimentos feministas no Brasil em virtude da
decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) em defini-lo como Ano Internacional da
Mulher e o primeiro ano da década da mulher. Em um país marcado até então pelo
autoritarismo e pela repressão aos movimentos feministas, tal acontecimento assinalaria a
entrada “definitiva das mulheres e de suas questões na esfera pública”342. Não obstante este
importante passo rumo à maior atuação do feminismo, o movimento no período vivia um
impasse no tocante à tensão entre aquelas mulheres “que pensavam que o feminismo tinha de
estar associado à luta de classes e aquelas que associavam o feminismo a um movimento
libertário que dava ênfase ao corpo, à sexualidade e ao prazer”343.
Os posicionamentos do movimento feminista brasileiro começaram a mudar, de fato,
a partir do contato que muitas mulheres tiveram no exílio com o feminismo internacional e,
consequentemente, com a organização de grupos de discussão, como o Círculo de Mulheres
340
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2003. p. 51.
341
PEDRO, Joana Maria. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, jul. 2003, p. 254.
342
PINTO, op. cit., 2003, p. 56.
343
Ibid., p. 55.
173
de Paris, fundado em 1976. Este grupo apresentava reivindicações relacionadas aos direitos ao
aborto e à contracepção, ainda pouco discutidas no Brasil, e acabou por contribuir para a
formação de novos grupos e jornais feministas após o retorno de suas integrantes ao país, com
a anistia, em 1979.
São perceptíveis, portanto, na década de 1970, embates ideológicos atinentes ao
próprio caráter do movimento feminista brasileiro, voltado para as lutas consideradas
“gerais”, relacionadas ao combate à ditadura e às mudanças sociais, e também para as pautas
especificamente feministas344, o que torna inteligível a pouca receptividade em relação às
posturas assumidas pelas mulheres nos festejos carnavalescos. Mesmo os comportamentos
diversos dos padrões morais estabelecidos registrados no âmbito cotidiano não eram vistos de
forma positiva pelo feminismo. Quando Leila Diniz, por exemplo, se deixou fotografar
grávida e de biquíni, em 1971, tal atitude não foi lida pelo movimento feminista como uma
postura de liberação, mas de submissão feminina.
É possível questionar até que ponto essas mulheres que aproveitavam o ambiente dos
festejos para revelar atitudes diversas dos padrões desejados podiam ser tomadas como
representantes das aspirações e desejos para o sexo feminino – em conformidade com os
princípios feministas – e em que medida contribuíram para a própria emancipação feminina
no sentido proposto pela historiada Rachel Soihet. No que concerne especificamente à questão
da mulata, é perceptível a vinculação de sua imagem ao oposto do defendido pelo movimento
feminista, haja vista sua representação típica não a relacionar a uma sexualidade livre
associada unicamente à escolha da mulher, mas a uma sexualidade construída pelos homens
ao longo da história como permanentemente disponível. Não obstante as transgressões das
mulheres acontecerem no carnaval independentemente de “cor e raça”, a imagem
predominante da mulata no imaginário coletivo não é somente da mulher sensual, mas da
mulata irresistível e disponível, opondo-se, por exemplo, à imagem da mulher branca no
contexto dos folguedos, que quando apreendida como disponível era em razão da sua própria
liberação e vontade.
A representação da mulata, percebida como naturalmente liberada, não precisando
romper com o sistema moral vigente para manifestar a sua sensualidade, encontrou respaldo
na própria relação de dominação racial e sexual existente na história brasileira, como
demonstra Sonia Maria Giacomini em seus estudos sobre os espetáculos centrados nas
mulatas:
344
PEDRO, op. cit., 2012, p. 252.
174
decorrer do tempo, outras modalidades de brincar o carnaval surgiram, como os desfiles dos
corsos (carros enfeitados), dos ranchos, dos blocos e cordões (tendo estes últimos originado as
escolas de samba), bem como os bailes fechados populares e os de raízes aristocráticas. De
qualquer forma, o carnaval, gradualmente, permitiu às mulheres de diferentes segmentos
sociais vivenciarem novas experiências, relacionadas à manifestação de uma sensualidade e
de um erotismo pouco aceitos na esfera cotidiana.
É evidente, contudo, que a nudez tal qual manifestada no século XIX pelas atrizes e
prostitutas demorou a se expressar entre as demais mulheres no âmbito dos festejos
carnavalescos. Um desnudamento parecido manifestou-se a partir da década de 1970, como
resultado das próprias modificações em curso, embora não seja possível atribuir os mesmos
significados para o desnudamento feminino ao longo da história. Com a crescente
comercialização dos festejos carnavalescos – consequência da entrada de dinheiro de
banqueiros do jogo do bicho que assumiram as escolas de samba como presidentes ou
patronos, na segunda metade da década de 1960, da venda de ingressos para os desfiles, ainda
em 1962, da gravação, a partir de 1968, de discos anuais com os principais sambas-enredos
das escolas e da transmissão dos cortejos por algumas estações de televisão –, os desfiles das
agremiações carnavalescas, de maneira especial, passaram a interessar como fonte de renda e
assim investiu-se em formas de atrair cada vez mais turistas.
Nesse contexto, o corpo da mulata inseriu-se no processo de comercialização do
carnaval das escolas de samba, uma vez que muitas dançarinas passaram a participar dos
shows turísticos de samba, como representantes do carnaval brasileiro e da sensualidade da
própria festa. Com base nisso, surgiu no universo da indústria brasileira de espetáculo a
expressão “mulata-show”, para designar a apresentação dessas mulheres pelo viés da
exposição do corpo como objeto do desejo sexual. O grande nome na produção desse tipo de
espetáculo foi o do empresário, apresentador de televisão e radialista Oswaldo Sargentelli,
que, a partir de 1969, produziu shows nas casas noturnas Sambão, Sucata e Oba-Oba,
contribuindo para a fixação do espetáculo destinado a turistas349.
Na cobertura dos festejos carnavalescos ainda do ano de 1969, a revista Manchete
publicou outra charge do cartunista Claudius com a temática “turistas no carnaval”.
Aproveitando as mudanças em curso no que se refere à comercialização do carnaval e às
atenções voltadas à mulata e à suposta manifestação de sua sensualidade, Claudius satiriza,
em um dos quadros da charge em questão, a construção da figura da “mulata-show”, ao
349
LOPES; SIMAS, op. cit., p. 190-191.
176
atribuir o adjetivo “mulata power” para uma mulata na praia, ou seja, em um ambiente
exterior ao do carnaval. Tal “trocadilho” talvez quisesse indicar que se a mulata dos
espetáculos turísticos de samba era qualificada como “show”, o que dizer da sua presença na
praia? De qualquer forma, a charge representa o imaginário construído em torno da mulata
como “mulher-sedução”.
Assim, o desvelar do corpo feminino nos festejos carnavalescos não pode ser
apreendido da mesma forma ao longo da trajetória do folguedo, haja vista as várias
significações atribuídas ao próprio corpo da mulher – corpo este, aliás, objeto de repressões
diversas, relacionadas ao poder, ao saber e à sexualidade, como apontado pelo filósofo Michel
Foucault351. Resistências e transgressões, no entanto, manifestaram-se historicamente, muito
embora regras procurassem de diversas formas normatizar gestos, corpos e subjetividades.
350
CLAUDIUS. Turistas no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 878, p. 166, 15 fev. 1969.
351
FOUCAULT, op. cit., 1982; FOUCAULT, op. cit., 1984.
177
seios e genitália na tentativa de fugir das restrições mais severas impostas pela censura, que
distinguia erotismo de pornografia. É possível apreender, portanto, a existência de certa
permissividade – ainda que controlada – no campo moral nos anos abarcados pela ditadura.
Não obstante a liberdade sexual propalada no período, as mulheres apareciam nas
revistas estudadas por Neckel como objetos do desejo sexual e não como sujeitos,
demonstrando os limites de tal liberação no que se referia às representações da imprensa.
Além disso, apesar das mudanças em andamento, a intimidade e o amor eram vistos ainda
como sentimentos pertencentes ao universo feminino, tendo a imprensa exercido um papel
importante na constituição das subjetividades sexuais e emocionais no período em análise.
A historiadora Gisele Bischoff Gellacic, ao investigar a sexualidade e os novos
significados que o corpo feminino adquiriu entre 1961 e 1985, por meio das revistas Nova e
Claudia, destacou o papel que a publicidade desempenhou na exposição de imagens de casais
em situações de intimidade e na insinuação da nudez. O corpo feminino passou a significar a
própria liberação sexual em curso e as roupas usadas na época representavam igualmente as
transformações nesse âmbito. O sexo tornou-se um assunto de interesse da coletividade e
chamariz para atrair os leitores e a publicidade explorou esse filão para vender suas
mercadorias, associando, por exemplo, determinadas vestimentas aos ideais de liberação
corporal e sexual. Gellacic demonstra como o fio de lycra – fibra elástica sintética
desenvolvida em fins dos anos 1950 nos Estados Unidos –, usado no Brasil como principal
matéria-prima na confecção de roupas íntimas, foi relacionado a tal liberação, sobretudo por
sugerir liberdade nos movimentos e nas atitudes, como denota o texto da propagada a seguir,
analisado pela autora em questão:
353
GELLACIC, op. cit., p. 98.
179
para a liberação, enquanto as imagens demonstravam mulheres em poses mais contidas, nas
quais modelos apareciam com os braços cruzados, cabeça baixa, deixando pouco do corpo à
mostra que deveria, pela proposta apresentada, sugerir movimento e liberdade com a
utilização de tal produto. Ao longo da década, no entanto, as mulheres ganharam na
publicidade uma conotação mais sensual, principalmente nas propagandas de lingerie, que
não mais apresentavam divergência entre a parte escrita e visual, convergindo ambas para a
apreensão das mulheres pelo viés da sensualidade. A liberação sexual e corporal significou
para a imprensa estudada pela autora a possibilidade de as mulheres tornarem-se ativas no
campo da sedução, assumindo uma postura mais decidida e envolvente na conquista amorosa
e também nas relações sexuais. No entanto, a liberação, tal qual propalada pelas revistas, não
expressava de fato uma postura livre por parte das mulheres, como nos esclarece Gellacic:
O corpo passou assim a se constituir como objeto da publicidade, tanto para vender
uma nova técnica embelezadora quanto para veicular outros produtos, intensificando o
processo de espetacularização do corpo feminino por intermédio da nudez, ainda que parcial
no período aqui analisado. A historiadora Roseane Neckel verificou mudanças mais
significativas nesse âmbito a partir de 1977, ao menos na publicação EleEla, com a exposição
de imagens de mulheres em “poses mais insinuantes em camas e sofás”, sem deixar, no
entanto, “ver os seios e muito menos a genitália”355. Apesar das revistas abordadas por Neckel
e Gellacic expressarem, em maior ou menor proporção, as mudanças referentes à sexualidade
e procurarem discutir o tema com as suas leitoras, a publicidade veiculada em suas páginas
mostrava-se mais ousada ao abordar o assunto, associando suas mercadorias a aspectos
sexuais, demonstrando assim certa permissividade por parte do regime militar, que acabava
354
GELLACIC, op. cit., p. 126.
355
NECKEL, op. cit., p. 120.
180
por dar maior liberdade à publicidade por enxergar ali um estímulo à economia.
Marcas de lingerie, como Valisère, Du Loren, De Millus, Hope e Darling, exibiam
imagens e dizeres em suas propagandas que exploravam a sensualidade, além de ajudarem a
construir o ideal de um corpo liberado. Em fins dos anos 1970 e início dos 1980,
acompanhando de certa forma a discussão sobre o prazer e a busca do orgasmo, muitas
marcas de roupas íntimas associaram seus produtos à produção de prazer. À medida que o
sexo se tornava cada vez mais um produto editorial, “closes” de partes do corpo, como seios e
nádegas, começaram a aparecer na imprensa e em suas imagens publicizadas, culminando por
fim na exposição total do corpo nos anos 1980356.
É possível questionar, a partir dos discursos da imprensa, o que significava ser uma
mulher liberada nos anos 1970: falar e praticar sexo? Demonstrar uma postura mais
descontraída ou sensual em relação ao corpo? Assumir uma conduta ativa diante da
sexualidade? De acordo com Gisele Gellacic todos esses elementos se tornaram símbolos da
liberação feminina no período. Considerando o significado atribuído ao carnaval enquanto
festejo que pela sua própria essência proporcionaria um ambiente mais livre, qual seria o
impacto das mudanças no campo da moral e da sexualidade na forma das mulheres brincarem
os festejos momescos e serem consequentemente representadas pela imprensa? Como a
liberação, tal qual definida no período, relacionava-se ao carnaval? E se a publicidade do
período se mostrava mais ousada ao explorar o tema sexualidade, a cobertura do carnaval
diferenciava-se em algum aspecto disso?
Em relação aos anos 1960, os carnavais do período seguinte se destacaram pela
introdução da tanga como roupa ou base para a elaboração de fantasias usadas nos festejos
carnavalescos. As tangas já estavam presentes nas praias cariocas e foram transpostas para o
espaço da folia, como se trouxessem a necessária atualização em termos de vestimentas e de
significados, uma vez que foram associadas ao estilo cada vez mais livre das mulheres, ao
menos aquelas das camadas privilegiadas. A figura seguinte apresenta uma foliona no baile do
Municipal, de 1971, trajando uma tanga e, aparentemente, adesivos de flores sobre o corpo,
usando-os para esconder os seios, haja vista ser proibida na época a sua exibição. Destaca-se
nessa imagem o cigarro na mão da foliona, ícone da transgressão feminina há tempos, e o
símbolo do gênero feminino na região genital da mulher em destaque. É muito provável que a
presença das flores na composição da “fantasia” da foliona em questão estivesse relacionada
ao “Flower Power” (Força das Flores), vinculado ao movimento hippie, enquanto símbolo da
356
NECKEL, op. cit., p. 122.
181
banho como traje carnavalesco, no entanto, havia muito tempo que os dizeres do tradicional
convite para o baile, no qual se exigia “traje a rigor ou fantasia de luxo”, não era respeitado
por seus frequentadores. A cobertura do carnaval do Copacabana Palace, de 1973, realizada
pela revista Manchete enfatizou o extravasamento visível naquele espaço repleto de artistas
internacionais, como Rock Hudson (ator norte-americano), David Niven (ator britânico),
Roman Polansky (ator, diretor, produtor, roteirista e ator de origem polaca nascido na França),
Jack Nicholson (ator, roteirista e produtor norte-americano), Henri Mancini (compositor,
pianista e arranjador norte-americano) e Raymond Saint-Jacques (ator norte-americano), e os
comportamentos apresentados pelos seus foliões pertencentes às camadas médias e à elite:
Mais de 2.500 foliões pagaram ingresso para brincar com pouca roupa e
nenhuma inibição. Este foi o melhor Baile do Copa nos últimos quatro anos.
A polícia temia que as mulheres aproveitassem o calor da festa para dar uma
de topless. Algumas tentaram livrar-se de mínima roupa que levavam, mas o
Delegado José Gomes Sobrinho, sem escândalos, conseguiu convencê-las a
aceitar resignadamente as disposições da Censura.
Nos trechos reproduzidos o jornalista em questão ressaltou algo muito comum nas
coberturas momescas: o entendimento de que um baile de carnaval para alcançar sucesso
360
ROXO, preto e branco, o baile do Copa teve até gente de top-less. O Globo, Rio de Janeiro, 07 mar. 1973, p.
11.
361
CÂMARA, José Rodolpho. A última tanga em Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.092, p. 06-09, 24 mar.
1973.
184
362
BUITONI, op. cit., p. 105-106.
363
AS TANGAS saíram em bloco. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 48, 09 mar. 1974.
186
barriga fosse magra, firme e bronzeada. Passou a ser feio ostentar alguma
saliência ou flacidez logo abaixo do umbigo. [...] Com a voga internacional
dos três S (sun, sex and sea), o corpo jovial, magro e bronzeado
transformou-se num grande símbolo de beleza, saúde e sensualidade. Em
1944, havia sido criado o primeiro creme de bronzear Coppertone. Mais
tarde, a beleza feminina foi pedir morada entre aquelas que conseguiam uma
aparência cujas marcas do biquíni fossem bem nítidas366.
Mesmo no Rio de Janeiro, em que o carnaval era apresentado como mais ousado e
livre, o uso de biquínis e tangas encontrava restrições em alguns folguedos. É informado que
o Baile do Fluminense, que inaugurava oficialmente o carnaval carioca, não teve excessos na
edição de 1975, pois tangas e biquínis “não puderam dar o ar de suas graças, porque o clube é
um tanto austero”, além de o baile contar com a presença significativa de jovens que eram
“discretamente observados por seus pais”369. Na verdade, a tradicional portaria da polícia que
proibia o uso de “calções de banho, biquínis, maiôs e similares” nos bailes carnavalescos seria
cumprida com mais rigor nos festejos de 1975, ao menos era essa a promessa do Delegado
Edgar Façanha, titular da Divisão de Censura e Diversões Públicas, que afirmava que a
utilização de tais roupas de banho implicaria na retirada de seus portadores dos salões por
“ferir princípios de ordem moral que variam de local para local”370. Por outro lado, Edgar
Façanha permitia as fantasias de fundo erótico, as quais permitiam a exposição do corpo por
meio da utilização de biquínis estilizados, ou seja, roupas de banho com lantejoulas e
adereços que pudessem se constituir em fantasias. A exceção na portaria dizia respeito ao
Baile do Havaí, no Iate Clube, em que o biquíni era permitido por se tratar “de uma promoção
carnavalesca em torno de uma piscina”.
As revistas noticiaram as proibições daquele ano, tendo O Cruzeiro dedicado uma
matéria exclusiva ao assunto. A imagem que abria a matéria trazia uma mulher saindo do mar
com uma tarja na parte de baixo do seu biquíni, indicando censura, com os dizeres: “no
carnaval. A tanga de fora”. A palavra “fora” demonstra a não permissão do uso da tanga no
âmbito dos festejos momescos, ao contrário da sua exibição, o que seria até esperado em se
tratando de carnaval. O jogo de palavras demonstra a possível frustração do leitor e dos
foliões em não haver a exibição da tanga e, consequentemente, de uma maior exposição do
corpo feminino nos festejos naquele ano. Sobre o assunto, Édison Torres, autor da matéria,
afirma que:
No carnaval carioca deste ano, quem quiser ver garota de biquíni ou tanga
tem que se contentar com os banhos à fantasia, já raros [...] A não ser que
consiga um ingresso para o “Baile do Havaí” [...] A medida tomada pela
Polícia anualmente, através de portaria fixando condições para a realização
dos festejos carnavalescos, estabelecendo normas de coordenação,
fiscalização e execução dos serviços de policiamento durante esse período,
salvo em alguns casos, tem razão de ser. Porque, como ela própria
reconhece, há os biquínis, roupas de banho e os estilizados. Estes últimos
representam 80% das fantasias e basta esquentar a música nos salões para
que as odaliscas disfarçadas se transformem, sambando com as mais
sumárias tangas e tentadores biquínis à vista dos policiais, preocupados
369
FLUMINENSE: o baile começou com Rivelino. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 41, 22 fev. 1975.
370
TORRES, Édison. No carnaval, a tanga de fora. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 06, p. 08, 05 fev. 1975.
189
371
TORRES, op. cit., p. 08.
372
MOURA, op. cit., p. 44.
373
TORRES, op. cit., p. 08.
374
MUNICIPAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 108, 22 fev. 1975.
190
É perceptível nas matérias sobre o assunto e nas imagens selecionadas pelas revistas
selecionadas que o erotismo era algo permitido pela censura, ao contrário da pornografia.
Pautando-se nas definições do Dicionário Houaiss e nos estudos semânticos de Greimas,
Valmir Costa esclarece que o erotismo é algo situado entre a decência e a não-indecência,
uma vez que se encontra em “conformidade com os padrões morais e éticos da sociedade”,
enquanto a pornografia estaria entre a indecência e a não-decência. Depreende-se desses pares
significativos que “o erótico é aquilo que aparece, ou o que se deixam aparecer, e o
375
pornográfico é aquilo que não poderia aparecer e aparece por uma imoralidade” . Em
relação ao carnaval de 1975 o permitido em termos de erotismo era a exposição do corpo
feminino por meio do biquíni estilizado. No entanto, ao observar as imagens de algumas
mulheres nos festejos cobertos pelas revistas ilustradas foi possível notar que não havia muita
diferença entre o biquíni comum e o estilizado em grande parte dos registros apresentados. A
imagem abaixo demonstra uma foliona no baile do Municipal com um traje que supostamente
se encaixaria na versão estilizada.
375
COSTA, Valmir. Com repressão, não há tesão: a censura ao sexo no jornalismo de revistas no Brasil do
século XIX ao Regime Militar (1964-79). Caligrama. (ECA/USP. Online), v. 2, p. 01-12, 2006. p. 11.
376
MUNICIPAL, op. cit., p. 108, 22 fev. 1975.
191
Figura 13 – Mulher expõe parcialmente seu corpo no baile "Uma Noite em Bagdá",
no Clube Monte Líbano, em 1975377
377
CÂMARA, José Rodolpho. Uma noite em Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.193, p. 09, 01 mar. 1975.
378
VERENA, Carmem. Tanga é uma boa. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p. 07, 05 mar. 1975.
192
período.
A prática da censura moral tem na sociedade brasileira uma longa trajetória, sendo um
equívoco associá-la somente à ditadura militar. No entanto, a censura, em períodos
democráticos, procurou combater a licenciosidade e garantir a manutenção dos valores éticos
e dos princípios morais. Em regimes autoritários, por sua vez, agregou-se ao cuidado com a
moral e os bons costumes a “preocupação com a manutenção da ordem política”382. Com a
promulgação do AI-5, em 1968, e o consequente endurecimento do regime, passaram a fazer
parte do rol de vigilância não apenas as cenas de nudez e demais elementos que pudessem
ferir, de alguma forma, a “família brasileira”, mas também as músicas de protesto, os filmes
políticos, etc.383
Não obstante o caráter político da censura, faz-se necessário realizar alguns
apontamentos quanto às particularidades da censura de diversões públicas no que tange à
moralidade e suas eventuais relações com os festejos carnavalescos. Para analisar a censura de
diversões públicas no regime militar é necessário retroceder no tempo até o ano de 1946,
quando foi criado, com base no Decreto nº 20.493384, o Serviço de Censura de Diversões
Públicas385 (SCDP), vinculado ao Ministério da Justiça. Este decreto serviu, juntamente com
outros dois, de sustentáculo legal para as práticas censórias no pós-1964.
No que diz respeito especificamente ao carnaval, o inciso VIII, do artigo 4º, da
referida lei, afirma ser de competência do SCDP censurar previamente e autorizar “as
apresentações de préstimos, grupos, cordões, ranchos, etc. e estandartes carnavalescos”; o
inciso IX do mesmo artigo, por sua vez, determina que “as propagandas e anúncios de
qualquer natureza quando feitos em carros alegóricos ou de feição carnavalesca, ou, ainda,
quando realizados por propagandistas em trajes característicos ou fora do comum”386
precisariam do aval da censura. Essas sociedades que promoviam os desfiles deveriam
aguardar, portanto, a licença para a sua apresentação pública e as restrições que, porventura,
pudessem ser feitas.
382
SOUZA, Miliandre Garcia de. “Ou vocês mudam ou acabam”: aspectos políticos da censura teatral (1964-
1985). Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 235-259, jul./dez. 2010, p. 235.
383
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo; MOTTA, Rodrigo Pato Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). São
Paulo: Edusc, 2004, p. 265-275, p. 270.
384
Decreto- lei nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946. Composto de 136 artigos, subdivididos em 13 capítulos, o
Decreto nº 20.493 dispunha sobre o funcionamento interno do SCDP, a censura prévia, o cinema, o teatro e as
diversões públicas, a radiofonia, as empresas, os artistas, o trabalho de menores, o direito autoral, as infrações e
as penalidades.
385
Em junho de 1972, o Serviço de Censura e Diversões Públicas passou à Divisão de Censura de Diversões
Públicas (DCDP).
386
Decreto-lei nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946.
194
387
FICO, op. cit., 2004, p. 269.
388
Cabe colocar aqui, no entanto, algumas considerações quanto à promulgação do Decreto-lei nº 5.536, de
1968, voltado especificamente para as novas regras de censura aplicadas às obras cinematográficas e teatrais.
Além de abordar essas questões, este decreto representou uma tentativa de melhor organizar as atividades
censórias, estabelecendo, por exemplo, a exigência de curso superior para as pessoas interessadas em atuar como
censores, além da criação de um Conselho Superior de Censura (CSC). Embora tivesse um caráter liberal ao
sugerir a institucionalização de uma instância de recurso para as ações tomadas pelo Serviço de Censura de
Diversões Públicas, o CSC não teve os resultados aguardados, já que poucos dias depois foi decretado o AI-5,
que provocou o endurecimento do regime e das normas de censura. Assim, conforme assinalado anteriormente, o
decreto de 1946 continuou a ser usado para justificar as proibições. KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda:
jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro, Boitempo, 2004. p. 101-105.
389
Ibid., p. 101.
390
Para Kushnir, embora este decreto estivesse voltado para a questão da “moral e dos bons costumes”, não
deixou de ser usado para proibições de cunho político. Além do mais, para a autora, toda censura é um ato
político, independentemente de visar a questões morais ou políticas. Assim, em sua visão, o Decreto 1.077
legalizou a censura prévia da imprensa. Na interpretação de Carlos Fico, tal decreto não pode ser compreendido
por essa ótica. A principal diferença, em sua perspectiva, é que a censura de diversões públicas era legalizada
enquanto a censura da imprensa era “revolucionária”, ou seja, feita com base nos poderes atribuídos ao regime
pelo AI-5. Ibid., p. 115; FICO, op. cit., 2002, p. 254-257.
195
“corrupção dos costumes”. A tese dos militares de que vivíamos uma “guerra total, global e
permanente” passou a ser um forte argumento usado nas cartas para exigir uma postura mais
rígida da censura. Aliás, uma vontade de censura mais ampla do que a praticada pela própria
DCDP transparecia em grande parte das cartas, exigindo, por exemplo, restrições para
novelas, programas de auditório, shows musicais etc.
A questão moral prevalecia nas cartas, especialmente em assuntos relacionados à
sexualidade. A licenciosidade presente nos festejos carnavalescos, mesmo com as pressões
exercidas pela censura, não escapou aos olhares daqueles que escreviam à DCDP indignados
com as fotografias exibidas, por exemplo, pela revista Manchete, quando da realização do
carnaval. Esse periódico chocou ao exibir, em 1976, fotos erotizadas de foliões durante os
festejos daquele ano. Um abaixo-assinado foi encaminhado à DCDP, exigindo uma ação mais
rigorosa por parte da censura, e usou como argumentação uma comparação com os carnavais
passados, quando “a mocinha de fantasia simples” ou o “semblante másculo e descontraído do
jovem sincero” eram retratados394.
O estudo realizado por Fico a respeito das cartas encaminhadas para DCDP indicam
que a maior parte delas concentra-se entre os anos de 1976 e 1980, ou seja, durante os
governos de Ernesto Geisel e João Figueiredo. Assim, ao contrário do que se imaginava, não
foi durante o período reconhecido como o de maior repressão (governos da Junta Militar e de
Emílio Médici) que houve mais cartas exigindo censura. Para Fico, a explicação se encontra
na “abertura política” entendida também como uma abertura no campo das diversões públicas.
É possível conjecturar também que a indignação com a cobertura carnavalesca de Manchete
deveu-se ao descontentamento gerado pela própria mudança dos costumes, manifestada
inclusive na forma de brincar os festejos carnavalescos.
As transformações nos costumes, principalmente no campo da sexualidade, apesar de
não atingirem naquele momento a maior parcela da sociedade, causaram desconforto entre os
militares e os segmentos mais conservadores. O Decreto-lei nº 1.077 deve ser entendido,
portanto, também como uma reação da ditadura à mudança dos costumes, já que instituiu a
censura prévia aos livros, revistas, programas de televisão e rádio, e manteve o controle sobre
filmes, peças de teatro, diversões e espetáculos públicos. Os “considerandos” da lei em pauta
explicitam claramente as preocupações do regime com a difusão de publicações e
exteriorizações em conformidade com os novos valores morais e sexuais da época, como, por
exemplo, quando se refere àquelas que “estimulam a licença, insinuam o amor livre” ou
394
FICO, op. cit., 2002, p. 273.
197
A canção de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira somente foi
liberada após a substituição da palavra revolução por evolução396. Esse exemplo demonstra a
censura com viés político que se abateu sobre essas agremiações carnavalescas. Apesar da
possibilidade de censura, a temática da liberdade foi outras vezes abordada pelas escolas de
samba397, o que segundo Kushnir demonstra a presença de contestações e de alusões à
liberdade mesmo em períodos de confronto, expressas, por exemplo, por meio do carnaval398.
395
MOURA, op. cit., p. 27.
396
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, p. 193.
397
Ver, por exemplo, o samba apresentado pelo Salgueiro em 1967: “História da liberdade no Brasil”, de
Aurinho da Ilha.
398
KUSHNIR, op. cit., p. 154.
198
399
CRUZ, Tamara Paola dos Santos. As escolas de samba sob vigilância e censura na ditadura militar: memórias
e esquecimentos. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010.
400
Ibid., p. 98-99.
199
Mesmo que não seja possível verificar a autenticidade das cartas publicadas na seção
“O leitor em Manchete”, uma vez que estas poderiam ter sido escritas pelo próprio periódico
para representar as críticas que costumeiramente eram feitas à sua cobertura do carnaval e,
assim, assumir um posicionamento diante do assunto, os dizeres transcritos demonstram o
destaque dado às mulheres no âmbito dos festejos enquanto os homens apareciam como
meros coadjuvantes da folia. Na mesma página dedicada aos comentários dos leitores daquela
edição, outra carta foi publicada salientando o desnudamento feminino, mas no sentido
contrário da anterior, ou seja, na defesa da permanência da exibição do corpo feminino em
relação especificamente ao uso da tanga (peça muito presente nos bailes do período):
404
O LEITOR, op.cit., p. 138, 15 mar. 1975.
405
Em 1977, o projeto divorcista apresentado por Nelson Carneiro desde 1947 foi aprovado sob protestos da
Igreja Católica e dos segmentos mais conservadores da sociedade. A lei do divórcio possibilitou o
reconhecimento de outras configurações amorosas e familiares, influenciando o comportamento das gerações
seguintes.
406
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.300, p. 122, 19 mar. 1977.
201
Em 1978, por sua vez, foram publicadas cartas que elogiavam a cobertura do
carnaval de Manchete e demonstravam que mesmo com a televisão os exemplares ainda se
apresentavam necessários. É evidente que tais cartas, caso sejam reais ou até mesmo
inventadas pela redação, interessavam ao periódico por demonstrarem a importância da
revista na cobertura do carnaval em tempos de televisão. As cartas a seguir evidenciam esse
aspecto:
Aqui onde moro há dez anos só se pode ver carnaval mesmo nesta revista –
pois televisão ainda não há. E eu, que já fui passista da Mangueira – querida
– quando curto a MANCHETE de Carnaval me consolo um pouco da falta
da passarela. Arnaldo Figueiredo Filho. Codajás. AM.408
Daqui, onde moro, a gente vê o desfile das escolas de samba no Rio pela
televisão, mas MANCHETE, com suas fotos e textos, completa e arquiva a
nossa informação. Peço, por isto, que esta revista não deixe de publicar um
número dedicado especial sobre as escolas na passarela. Mas desejo que não
se limitem às sociedades do Grupo 1. Que venham também as dos grupos 2
de 3. Assim poderemos ter uma idéia de quem vai, no próximo ano, subir ou
descer de grupo. Alziro Alves Torres. Estância. SE.409
407
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.301, p. 122, 26 mar. 1977.
408
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.349, p. 99, 25 fev. 1978.
409
Ibid.
202
transparente ou quase da “cor da pele” pelas mulheres que abriram o desfile da agremiação,
vencedora pela terceira vez consecutiva do carnaval do grupo 1 do Rio:
410
O TRI da Beija-Flor. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.349, p. 126, 25 fev. 1978.
203
alas fez o público vibrar”, que acompanhava a última imagem reproduzida, o periódico
Cruzeiro, no entanto, foi enfático no levantamento das críticas que poderiam ser feitas à
agremiação, entre outras razões, pela presença de mulheres “desnudas”:
[...] as mulheres se despem mais no carnaval por que este atua como um
ladrão de caixa-d’-água, é a válvula de escape que as pessoas escolhem para
fugir por alguns dias da sua vidinha diária. Funciona como a bebida
exagerada e o futebol. No caso específico do carnaval, a permissividade
causada pelo afrouxamento do consciente coletivo dá condições às mulheres
de se libertarem dos padrões impostos415.
412
MANGUEIRA e Beija-Flor, as eleitas do povo. O Globo, Rio de Janeiro, 08 fev. 1978, p. 08.
413
PECORELLI, Maria Rosa; MEDEIROS, Eugênia de; MARIEN, Violeta; LAGE, Otacílio. Por que o sexo
explode no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.350, p. 37, 04 mar. 1978.
414
Ibid., p. 38.
415
Ibid., p. 42.
205
A liberdade [sexual] não pode ser utilizada como escape a uma realidade
alienante. Enquanto a pessoa humana for tratada como mercadoria, e não
como fim último, de pouco vale a liberdade sexual, pois esta será incapaz de
proporcionar a satisfação necessária e desejada. O fenômeno observado
atualmente, mais acentuadamente no carnaval (de erotizar a apresentação
física com a supressão das vestes), é talvez confirmação dessa insatisfação. É
o apelo dos últimos recursos para despertar interesse do parceiro sexual, em
meio a uma sociedade industrializada, tecnológica, capitalista, que reduziu
as relações humanas a nível meramente mercadológico417.
simulando “mãos” tocavam e escondiam partes de seu corpo que não podiam ser exibidas
naquele ambiente, indicando talvez o desejo que havia por parte dos homens em exceder o
tipo de comportamento aceitável em um baile de carnaval ou sugerindo a própria vontade
feminina de ser tocada.
Figura 15 – Uma das páginas da matéria da revista Manchete sobre a suposta "explosão do sexo"
no carnaval em fins da década de 1970 418
418
PECORELLI; MEDEIROS; MARIEN; LAGE, op. cit., p. 40-41.
207
419
PECORELLI; MEDEIROS; MARIEN; LAGE, op. cit., p. 38.
420
CARMO, op.cit., p. 362.
421
MIGUEL, Maria Lúcia Cerutti. A fotografia como documento: uma instigação à leitura. Acervo, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 1-2, p. 121-132, jan./dez. 1993. p. 124.
208
Antigamente, era mole para uma mulher causar furor num baile de carnaval:
bastava usar uma fantasia sumária, tipo odalisca ou cigana. A concorrência
da praia foi feroz: o carnaval copiou o biquíni das areias. E, mais tarde, a
tanga. Agora, para fazer sucesso no salão, a mulher tem de ter alguma coisa
de muito sério para encher tangas e maiôs. As praias estacionaram nas
tangas. O carnaval, bem, quem viver verá422.
422
Canecão: o delírio do carnaval carioca. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.403, p. 118, 10 mar. 1979.
423
SANT’ANNA, op. cit., 2014, p. 143-145.
209
beleza que acabava assim por estimular a exibição de um determinado tipo de corpo424.
As mudanças nos papéis e no comportamento feminino provocaram igualmente
alterações na forma como as mulheres passaram a ser representadas pela música popular
brasileira. A sensualidade e a força feminina, segundo Rodrigo Faour, estavam cada vez mais
presentes nas canções. Chico Buarque de Hollanda, por exemplo, apresentava em suas letras
mulheres ousadas, “cheias de si, de opinião, sem vergonha do corpo e muito provocantes”425.
Temas relacionados à sexualidade, como masturbação, orgasmo e sexo anal começaram a
aparecer nas canções brasileiras na passagem dos anos 1970 para os 80, ainda que de forma
sutil. O grupo feminino “As Frenéticas”, por exemplo, mostrava na segunda metade dos anos
1970 mulheres que poderiam usufruir de um sexo casual e de uma noite regada a muita
bebida426. Se o carnaval funcionava até então como um espaço mais livre para manifestação
da libido e o cinema e o carro como locais mais comuns para se ter intimidades, consolidava-
se em meados dos anos 1970 o motel e o drive-in. O campo sexual ampliava-se
significativamente no período e os assuntos nessa seara ganharam grande destaque na
imprensa, na publicidade e no carnaval, como já salientado.
A revista Manchete, em 1979, mais uma vez publicou uma matéria com o objetivo de
explicar os comportamentos flagrados durante os festejos carnavalescos, em que mulheres
apareciam trajando minúsculos biquínis, com parte dos seios à mostra, galgando ombros de
homens e demonstrando posturas descontraídas. No entanto, dessa vez não foram especialistas
que foram consultados pela revista, mas um jornalista da própria Manchete, Justino Martins,
que deu o seu parecer sobre o assunto. Embora concordasse com os fatores costumeiramente
associados a tais atitudes expressas no carnaval, como euforia inconsciente e narcisismo, foi
neste último aspecto que o jornalista centrou sua argumentação, tendo as imagens
selecionadas para reportagem para corroborar seu ponto de vista. De acordo com o autor: “[...]
é evidente que o carnaval carioca se caracteriza como um momento de grande exaltação e de
culto da personalidade – uma oportunidade única que se tem de emergir do anonimato para a
luz dos refletores”427. Se durante muito tempo as coberturas carnavalescas das revistas
ilustradas ressaltavam a inversão da ordem possível nestas festividades, neste período o
erotismo tornou-se a chave de interpretação para as posturas manifestadas no carnaval. Na
apresentação da sua edição do dia 28 de fevereiro de 1979, a revista O Cruzeiro exprimiu do
seguinte modo a presença feminina nos festejos: “Como sempre, mulheres lindas e seminuas,
424
SANT’ANNA, op. cit., 2014, p. 145.
425
FAOUR, op. cit., p. 207.
426
Ibid., p. 201-226.
427
MARTINS, Justino. A explosão do narcisismo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.405, p. 30, 24 mar. 1979.
210
428
Esta edição. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2.456, p. 03, 28 fev. 1979.
429
AS MULHERES que ficaram na taça, no samba e no Canecão. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2456, p. 06, 28
fev. 1979.
430
PEREIRA, Edmar. Os anos 70: na década do eu, mais continuações do que invenções. Manchete, Rio de
Janeiro, n. 1448, p. 30, 19 jan. 1980.
431
Ibid., p. 33.
211
O topless chegou, enfim, a Ipanema. E, portanto, virou lei. Mas só usa quem
tem peito. O que limita razoavelmente o mais recente desafio feminista aos
costumes [...]. Nos velhos tempos o topless era o monoquíni. Mas, como era
produto nacional, a polícia encanava. Até que as meninas deram um jeito.
Deixaram a moda vingar em Saint-Tropez, correr as outras praias badalas na
Europa e, enfim, chegar aos Estados Unidos. Quando as americanas tiraram
seus sutiãs, todo mundo tirou com elas. Inclusive as garotas de Ipanema. E
como o que acontece em Ipanema no Brasil é lei...433
432
WODTKE, Marina; BRITO; Reynivaldo. Topless: o Brasil descobre os seios. Manchete, Rio de Janeiro, n.
1.450, p. 14, 02 fev. 1980.
433
BIACHI, Ney. Topless: as brasileiras no peito e na raça. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.452, p. 128-130, 16
fev. 1980.
434
CARMO, op. cit, p. 358.
212
informado, por exemplo, que poucas mulheres aderiram ao topless no baile da abertura do
carnaval, o Baile do Havaí, no Iate Clube, embora o bottomless, ou seja, o bumbum exposto,
tivesse aparecido, além de duas folionas pularem nuas na piscina435.
A prática do topless havia sido proibida pela Divisão de Diversões Públicas no
carnaval de 1980, mas não foi cumprida em determinados bailes, como exposto
anteriormente. Além do mais, a realização de tal prática se fez notar não somente no carnaval
do Rio, mas em outras cidades brasileiras. O corpo feminino que antes aparecia associado ao
carnaval como veículo para a quebra de tabus e para afirmação dos novos valores em
construção no período, relacionados à descoberta desse corpo, de sua sensualidade,
transformou-se com o decorrer do tempo em objeto do desejo masculino, amplamente
explorado pelas revistas ilustradas. É importante lembrar que muitos desses corpos eram
identificados pelas revistas, por serem figuras conhecidas. Eram mulheres pertencentes ao
universo artístico e às camadas médias e à elite, que se mostrava dessa forma nos bailes
carnavalescos fechados.
Se a presença feminina há tempos esteve relacionada ao sucesso de um baile, nos
anos 1970, sobretudo a partir da segunda metade, foi associada ao deleite masculino. Uma
leitura mais voltada para o âmbito sexual passou a orientar a construção de legendas que
acompanhavam as imagens selecionadas e os textos que perpassavam as matérias
concernentes ao carnaval. Embora tais imagens já indicassem, pelo caráter das poses
apresentadas e pela exposição do corpo, posturas erotizadas das mulheres, os textos
objetificavam o corpo feminino, como é perceptível nos comentários a respeito do Baile do
Havaí de 1980, que apresentavam o elemento feminino como disponível para os homens:
“Havia mulheres para todos e não houve necessidade de briga: todos tiveram tudo a que
tinham direito”436. Além do mais, como demonstrado anteriormente, a imprensa passou a se
referir aos comportamentos manifestos no carnaval como uma demonstração da sexualidade
feminina e não somente de sua sensualidade, motivando matérias que procuravam explicar a
“explosão do sexo” nesse tipo de festividade. Contudo, para além do erotismo das poses
registradas e da aproximação física entre homens e mulheres, o que poderia se configurar
como sexual no âmbito dos festejos? A revista Manchete informa, por exemplo, que no Baile
do Havaí, de 1980, alguns dos presentes quase chegaram à prática do ato sexual:
435
HAVAÍ – 80: o carnaval da abertura. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1453, p. 08, 23 fev. 1980.
436
Ibid., p. 10.
213
437
HAVAÍ, op.cit., p. 10.
438
CÂMARA, José Rodolpho; BATISTA, Tarlis; BORGES, Humberto. Monte Líbano: valeu tudo na Noite de
Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.455, p. 37, 08 mar. 1980.
439
ESCOLAS, op. cit., p. 06, 01 mar. 1980.
214
440
ESCOLAS, op. cit., p. 06, 01 mar. 1980.
215
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que diz respeito à presença feminina nas escolas de samba, a imprensa construía
representações distintas sobre as desfilantes, a depender da posição ocupada por elas dentro
das agremiações carnavalescas, do reconhecimento que atingiam junto às escolas e da
inserção e projeção alcançada no universo de shows carnavalescos após os dias dedicados à
folia, aproveitando-se da internacionalização do carnaval. As porta-bandeiras, entretanto,
fugiam a esses parâmetros e, independentemente da fama que haviam alcançado em suas
respectivas agremiações, eram exaltadas nas coberturas carnavalescas da imprensa em seus
esforços de sustentar o bailado na apresentação da bandeira, símbolo maior da escola, e nos
sacrifícios realizados para ocuparem tais postos.
As atividades rotineiras exercidas por essas mulheres ao longo do ano eram
contrapostas ao tempo do carnaval na tentativa de demonstrar a inversão da ordem possível no
espaço dos festejos, interpretação esta, aliás, corroborada pela imprensa em vários momentos.
As passistas, identificadas pela imprensa somente as de participação tradicional, tinham como
destaque a qualidade dos passos apresentados e a trajetória em determinada escola. Nesses
casos, a sensualidade, quando ressaltada, mostra-se sutil na comparação com as passistas
anônimas. Estas, por sua vez, eram comumente classificadas como “mulatas”, e, embora o
samba no pé fosse ressaltado pela imprensa, não consistia no aspecto principal de sua
representação. A sensualidade, intrinsecamente associada à figura da mulata, prevalecia.
Considerada símbolo da brasilidade por representar a miscigenação, a figura da
mulata esteve historicamente relacionada ao estereótipo da mulher sensual que, associada à
imagem do carnaval e da mulher carioca, atingiu um caráter ainda mais sintomático. Por meio
de charges e de matérias contidas nos periódicos utilizados como fontes de pesquisa, foi
possível observar a forma como o carnaval se revestiu de uma significativa carga de
sensualidade, principalmente no plano corporal, no processo de (re)afirmação da
representação da mulher carioca como ousada e da difusão da imagem da “mulata-sedução”.
Esta tese abarcou, portanto, um período de mudanças significativas no carnaval e na
forma das mulheres se apresentarem e serem apreendidas pela imprensa nessas festividades.
No decorrer de vinte anos os desfiles das escolas de samba tornaram-se “espetáculo”, assim
como o sexo adquiriu, em decorrência da chamada revolução dos costumes, um status
semelhante. A erotização do corpo feminino passou a ser explorada no mercado de bens
culturais e não poderia escapar ao carnaval, um tipo de festejo que por sua própria essência
propiciava comportamentos transgressores. Da calça saint-tropez até a prática do topless, as
folionas dos festejos de salão, principalmente, lançaram mão do biquíni e da tanga. Buscava-
218
se a exposição física em um grau nunca antes visto no âmbito cotidiano e no dos carnavais,
vinculada ao domínio do corpo e do prazer pela mulher. A imprensa selecionada e a
publicidade, no entanto, exploraram comercialmente essas transformações, objetificando os
corpos femininos. Nos anos subsequentes aos aqui tratados, certas posturas e representações
somente se acentuariam, como, por exemplo, com o desnudamento completo do corpo
feminino alcançado pela modelo Enoli Lara, no carnaval de 1989, provocando no ano
seguinte a proibição da genitália desnuda, e o surgimento, no início dos anos 1990, da
Globeleza, personagem carnavalesca criada pelo canal de televisão Rede Globo, no qual a
sensualidade da festa esteve por muito tempo associada à mulher “mulata”, corroborando
velhos estereótipos de gênero e de raça.
Apesar de algumas semelhanças essas já são mulheres de tempos democráticos e
também de outros carnavais.
219
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