Mulheres e Carnavais Na Cidade Do Rio de Janeiro, Representações Do Corpo (1961-1980) - Ellen Maziero

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ELLEN KARIN DAINESE MAZIERO

MULHERES E CARNAVAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:


representações do corpo (1961-1980)

Assis
2018
ELLEN KARIN DAINESE MAZIERO

MULHERES E CARNAVAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:


representações do corpo (1961-1980)

Tese apresentada à Faculdade de Ciências e


Letras de Assis – UNESP – Universidade
Estadual Paulista para a obtenção do título de
Doutora em História (Área de Conhecimento:
História e Sociedade)

Orientadora: Profa Dra. Zélia Lopes da Silva

Assis
2018
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca da
Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M476m
Maziero, Ellen Karin Dainese.
Mulheres e carnavais na cidade do Rio de Janeiro: representações do
corpo (1961-1980) / Ellen Karin Dainese Maziero, 2018.
236 f. : il.

Orientadora: Zélia Lopes da Silva.


Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho. Faculdade de Ciências e Letras, Assis.
Inclui Bibliografia.

1. Mulheres - Brasil. 2. Mulheres cariocas. 3. Carnaval. 4. Transgressão.


I. Silva, Zélia Lopes da. II. Título.

396:394.25 (81)(091)
Dedico esta tese aos meus amados pais, José Donizete Maziero e
Cirene Maria Dainese Maziero, os principais companheiros desta
longa e intensa jornada.
AGRADECIMENTOS

Escrever uma tese de doutorado nunca é uma tarefa fácil, ainda mais quando a
pesquisa, a escrita e o desenvolvimento das análises ocorrem conjuntamente aos
compromissos profissionais assumidos. Ao refletir sobre essa longa jornada que não
circunscrevo somente aos anos dedicados à escrita da tese, mas também ao período da
graduação e do mestrado, percebo quantas foram as realizações alcançadas, as amizades
iniciadas em razão da UNESP/Assis e os aprendizados decorrentes da elaboração de duas
pesquisas. Os desafios enfrentados, especialmente nessa última etapa, ajudaram a constituir a
pessoa que sou hoje, e, sem dúvida, o caminho teria sido muito mais árduo se eu não tivesse
ao meu lado pessoas com as quais pudesse contar e que me auxiliaram das mais diversas
formas.
Agradeço, em primeiro lugar, à minha orientadora, Zélia Lopes da Silva, por todos
esses anos de orientação, amizade, paciência, incentivo e pelas fundamentais contribuições a
este trabalho. É certo que o professor orientador desempenha um papel importante na
trajetória intelectual de seus alunos. Posso afirmar, sem recorrer a exageros, que Zélia, pela
dedicação ao ofício da História, pelo rigor profissional e, particularmente, por me instigar a
prosseguir na vida acadêmica, deixa marcas ainda mais profundas no meu ser. A ela minha
eterna gratidão.
Aos meus amados pais por me ensinarem a não desistir diante dos obstáculos da vida
e por estarem sempre ao meu lado. Obrigada pelo amor, pela dedicação e por todo o aporte
fornecido para a realização desta tese.
À minha querida avó, Idalina Bigotto Dainese, pelas orações, pelo afeto e por me
ensinar a ter fé, essencial em determinados momentos da vida.
À professora Tania Regina de Luca, presente em minha trajetória intelectual desde a
graduação, pelas importantes contribuições às minhas pesquisas e, especialmente, pelas
críticas e apontamentos realizados durante o Exame de Qualificação. Sou grata também à
professora Priscila David, pela leitura minuciosa de meu texto e por facilitar, junto à
ENGEMAP, a elaboração dos mapas que constam nesta tese. A elas, agradeço, imensamente,
por terem colaborado, com suas orientações precisas, para o prosseguimento e finalização
deste trabalho.
Aos colegas e amigos da EMEF. Des. Paulo Colombo Pereira de Queiroz, pelo
carinho, pela companhia e pelo apoio. Estendo este agradecimento à Secretaria Estadual de
Educação, à qual está vinculada a escola em que sou titular – E.E. Aristides de Castro –, pelo
afastamento concedido para o desenvolvimento desta pesquisa.
Aos amigos que me acompanharam nesta jornada, pelos momentos de alegria e
distração, pela torcida e por me encorajarem cada um a seu modo. Meu muitíssimo obrigada
a: Joice Serafim, Danilo Bezerra, Wellington Amarante, Rafael Mateus, Roseli Alencar,
Jacqueline de Souza, Carla Lisboa, Jane Pereira e Margaret Vellasco. Sei que ao nomear
alguns amigos, esqueço, eventualmente, de tantos outros que foram e são especiais e me
ajudaram na travessia que é concluir um doutorado. De qualquer modo, não poderia deixar de
agradecer, de um modo especial, às minhas amigas-irmãs Fernanda Aparecida Henrique da
Silva e Pâmela Torres Michelette, pelos anos de cumplicidade e carinho, e, no caso de
Fernanda, pela “presença” quase cotidiana, apesar da nossa grande distância física. Agradeço,
igualmente, ao querido amigo Deivid Aparecido Costruba, com quem pude dividir as
incertezas e alegrias destes últimos anos.
Agradeço, também, aos professores da UNESP/Assis, pela formação durante os anos
de graduação e pelas disciplinas ministradas no mestrado e doutorado, além dos funcionários
da Biblioteca e do Programa de Pós-graduação, pelo esclarecimento de dúvidas e pela
solicitude no atendimento.
Aos funcionários da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da
Universidade de São Paulo, da Biblioteca e Centro de Documentação do Museu de Arte de
São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa
(CEDAP), da UNESP/Assis, e, por fim, aos servidores do Museu da Imagem e do Som (MIS)
do Rio de Janeiro, pela afabilidade e presteza com que me atenderam no acesso às fontes
utilizadas na pesquisa.
À Kátia Mello pela correção do texto e ao Renato Miranda pela elaboração dos
mapas.
À Marilene Maria Lopes Lucena pela elaboração da ficha catalográfica que consta neste
trabalho.
E, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pelo apoio financeiro concedido a esta pesquisa durante os seis últimos meses.
Meu choro não é nada além de carnaval
É lágrima de samba na ponta dos pés
A multidão avança como vendaval
Me joga na avenida que não sei qual é

Pirata e super homem cantam o calor


Um peixe amarelo beija minha mão
As asas de um anjo soltas pelo chão
Na chuva de confetes deixo a minha dor

Na avenida deixei lá
A pele preta e a minha voz
Na avenida deixei lá
A minha fala, minha opinião
A minha casa, minha solidão
Joguei do alto do terceiro andar
Quebrei a cara e me livrei
Do resto dessa vida,
Na avenida, dura até o fim
Mulher do fim do mundo
Eu sou e vou até o fim cantar
[...]

“Mulher do Fim do Mundo” – Elza Soares, 2015.


(Romulo Fróes e Alice Coutinho)
MAZIERO, Ellen Karin Dainese. MULHERES E CARNAVAIS NA CIDADE DO RIO
DE JANEIRO: representações do corpo (1961-1980). 2018. 236 f. Tese (Doutorado em
História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Assis, 2018.

RESUMO

Esta tese se propõe a investigar as representações da imprensa quanto à presença das mulheres
nos carnavais da cidade do Rio de Janeiro, entre 1961 e 1980, período de questionamentos e
mudanças nos papéis femininos e de redefinições na própria festa carnavalesca. Considerado
um festejo libidinoso, o carnaval propiciava ambientes mais livres para transgressão de
antigas normas morais e, também, para reafirmação dos novos valores em construção na
época. Nesse tipo de festividade, as mulheres buscavam formas mais explícitas para
extravasar sua sensualidade e colocar em xeque valores e costumes tradicionais. As mudanças
ocorridas no Brasil nos anos em estudo, especialmente a chamada revolução sexual e as
demandas provenientes do movimento feminista, provocaram transformações irreversíveis no
modo de viver de muitas mulheres e lhes permitiram maior liberdade de ação. No entanto, a
progressiva comercialização do carnaval e a erotização do corpo feminino ocorrida na
sociedade mais ampla trouxeram contornos mais sexuais para as posturas assumidas pelas
mulheres nessas celebrações e para as representações da imprensa. A partir da cobertura dos
carnavais realizada pela imprensa periódica – O Cruzeiro, Manchete e O Globo –, de charges
e fotografias publicadas nas revistas selecionadas e de depoimentos orais de mulheres
envolvidas nos festejos carnavalescos, pretende-se examinar a especificidade da presença
feminina nessas festividades, bem como suas transgressões às proibições e normas existentes
na sociedade da época.
Palavras-chave: Representações. Imprensa e Carnaval. Corpo. Mulheres Cariocas.
Transgressão.
MAZIERO, Ellen Karin Dainese. WOMEN AND CARNIVAL REVELRIES IN THE
CITY OF RIO DE JANEIRO: representations of the body (1961-1980). 2018. 236 p.
Doctoral dissertation (History) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2018.

ABSTRACT

This dissertation was carried out to investigate representations produced by the press
concerning the presence of women in carnival revelries held in Rio de Janeiro from 1961 to
1980, period of questionings and changes in the roles played by women and of redefinitions
of the very carnival celebration. Viewed as a kind of libidinous festivity, carnival provided
favorable surroundings for transgression of old moral rules and, also, for the reaffirmation of
new values in progress at that time. In this kind of festivity, women searched for more explicit
ways to let out their sensuality and keep in check traditional values and customs. The changes
which took place in Brazil in the period at issue, mainly the so called sexual revolution and
the demands resulted from feminist movements, caused irreversible changes in the way of
living of many women and allowed them to enjoy freedom of action. However, the advancing
commercialization of carnival and the eroticizing trend of the female body within a wider
scope of society brought about more sexual profiles for the posture adopted by women in such
festivities and for the representations produced by the press. From the coverage of carnivals
by the periodicals – O Cruzeiro, Manchete and O Globo –, of cartoons and photographs
publishied in the selected magazines and from oral testimonies given by women involved in
carnival revelries, one tries to assess the specificity of women's presence in such festivities, as
well as their transgressions of prohibitions and rules prevailing within the society of the
period at issue.

Keywords: Representations. The press and Carnival. Body. Women from Rio de Janeiro.
Transgression.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Leni Soares em dois momentos de sua vida: doméstica e porta-bandeira do


Império Serrano ................................................................................................................... 87

Figura 2 – Rol de proibições para os festejos carnavalescos de 1962 ................................. 122

Figura 3 – Charge de Carlos Estêvão sobre a proibição do biquíni nos festejos carnavalescos
de 1952 .............................................................................................................................. 130

Figura 4 – Pierrete Saint-Tropez no Baile dos Artistas no Hotel Glória, em 1962. ............. 134

Figura 5 – Charge de Ziraldo, de 1963, sobre o exagero das fantasias apresentadas no


concurso carnavalesco do Municipal .................................................................................. 135

Figura 6 – Charge de Ziraldo acerca do esforço das mulheres negras para participar do
carnaval ............................................................................................................................. 137

Figura 7 – Foliona vestida de noiva no Baile do Hotel Copacabana Palace, em 1964 ........ 138

Figura 8 – Charge "Turistas e Mulatas" ............................................................................. 168

Figura 9 – Charge "Turistas no Carnaval" ......................................................................... 176

Figura 10 – Foliona “hippie” no Baile do Municipal, em 1971.............................................181

Figura 11 – Folionas desfilam de tanga no bloco Bafo da Onça, no carnaval de 1974 ........ 185

Figura 12 – Foliona diverte-se com seu biquíni estilizado no carnaval do Municipal, de


1975.........................................................................................................................................190

Figura 13 – Mulher expõe parcialmente seu corpo no baile "Uma Noite em Bagdá", no Clube
Monte Líbano, em 1975..........................................................................................................191

Figura 14 – Desfilante simulando a exposição dos seios na abertura do carnaval da Beija-


Flor, de 1978 ..........................................................................................................................202

Figura 15 – Uma das páginas da matéria da revista Manchete sobre a suposta "explosão do
sexo" no carnaval em fins da década de 1970.........................................................................206

Figura 16 – Desfilante da Beija-Flor no carnaval de 1980....................................................214


LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Sambas-enredos de temáticas femininas dos carnavais cariocas de 1961 a


1980..................................................................................................................................... 51

QUADRO 2 – Alguns dos destaques e passistas das escolas de samba identificados nas
revistas ilustradas selecionadas.................................................................................................77

QUADRO 3 – Mulheres que “puxaram” sambas-enredos nas décadas de 1960 e 1970.......101


LISTA DE MAPAS

MAPA 1 – Bailes em clubes esportivos, recreativos, grêmios, boates, hotéis, associações


diversas, cinema e teatros (1961-1980)................................................................................. 45

MAPA 2 – Bailes públicos carnavalescos do Rio de Janeiro em 1976....................................99


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................13

CAPÍTULO 1 – O Rio de Janeiro, os espaços de seus carnavais e as representações femininas


nos sambas-enredos, bailes e folias de rua (1961-1980)........................................................ 36

1.1 – Representações de mulheres nos sambas-enredos de agremiações cariocas .................. 50

1.2 – Mulheres nas pândegas carnavalescas de rua e dos salões cariocas. ............................. 65

CAPÍTULO 2 – ENTRE A LIBERAÇÃO FEMININA E O CONSERVADORISMO: a


manifestação da sensualidade das mulheres cariocas nos carnavais dos anos 1960 ............... 106

2.1 – A sensualidade feminina nos festejos carnavalescos dos anos 1960 ........................... 114

2.2 – A tensão moral dos anos 1960 e os limites da liberação sexual feminina....................... 143

CAPÍTULO 3 – Sexualidade e desnudamento do corpo feminino nos carnavais dos anos


1970 .................................................................................................................................................... 154

3.1 – Corpo, beleza e ousadia na representação da mulher carioca. .......................................... 157

3.2 – Liberação ou objetificação do corpo feminino no carnaval? ............................................ 177

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................215

REFERÊNCIAS......................................................................................................................219
13

INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa procurou-se perscrutar as representações da imprensa sobre a


presença das mulheres nos festejos momescos do Rio de Janeiro, entre 1961 e 1980,
considerando a importância do carnaval como momento de transgressão e de afirmação dos
valores morais em construção no período, sem ignorar nesse processo, no entanto, a crescente
comercialização do corpo feminino. Os anos em questão foram marcados por mudanças
significativas no próprio modo de fazer o carnaval e no papel das mulheres, que
acompanharam as transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas no país durante
essas décadas. A chamada revolução sexual e a intensificação dos movimentos de
emancipação feminina propiciaram o questionamento dos valores morais vigentes e a
expansão das possibilidades de realização da mulher, para além das funções idealizadas de
esposa, mãe e dona de casa. O carnaval, por explorar desejos libidinosos, e evidenciar
posturas escarnecedoras e subversivas, permitiu às mulheres, nesse período de intensas
mudanças e de coexistência de formas distintas de práticas sociais, transgredirem normas e
regras, bem como reafirmarem no espaço festivo as transformações em curso.
É importante salientar que a noção de transgressão, significativa na análise da
temática em questão, não se refere apenas ao sentido de fazer, no âmbito dos festejos, o que
normalmente seria proibido, mas de construir e afirmar novos valores, observando,
evidentemente, as particularidades de cada período. A análise do assunto em estudo pautou-se
em um material diversificado, composto por reportagens relativas ao carnaval, fotografias,
letras de músicas, charges e a cobertura da imprensa diária. Esse material encontra-se
sobretudo nas revistas ilustradas O Cruzeiro e Manchete1, que representam significativamente
a cobertura fotojornalística da grande imprensa a respeito dos carnavais da cidade do Rio de
Janeiro, trazendo o clima dos festejos de salão e a especificidade das mulheres nessas
celebrações, e, também, no jornal diário O Globo2, importante para pesquisa pelos registros

1
Esses periódicos apresentam um grande número de matérias dedicadas ao carnaval, com edições praticamente
inteiras voltadas à temática, principalmente em relação aos festejos de salão, ainda pouco explorados pelos
pesquisadores se comparados aos carnavais de rua.
2
O jornal O Globo foi fundado por Irineu Marinho, em 29 de julho de 1925, no Rio de Janeiro, tornando-se um
dos principais veículos da imprensa e assumindo ao longo de sua trajetória uma orientação política conservadora
no campo político. Aproximou-se da UDN (União Democrática Nacional) e encampou muitas das ideias
levantadas pelo partido e pela sua principal liderança, Carlos Lacerda, como, por exemplo, a defesa ao
impeachment de Vargas como resultado da ferrenha oposição realizada ao seu segundo governo, o que acabou
por culminar no suicídio do presidente em 1954. É válido destacar, também, o apoio do jornal aos interesses do
capital estrangeiro e às proposições do Fundo Monetário Internacional, o FMI, bem como o caráter opositivo
manifestado pelo periódico ao governo de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, atacando as reformas de base
14

dedicados à folia, abrangendo inclusive os locais dos festejos e os seus pormenores. Além
dessas fontes, integram a pesquisa os depoimentos orais3 de mulheres ligadas ao universo
carnavalesco, presentes no Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, bem como
obras de memorialistas e estudiosos do tema que trazem informações sobre a participação
feminina no âmbito dos folguedos.
As mulheres enfocadas nessa pesquisa pertenciam a diferentes estratos sociais – à
elite e às camadas populares – e suas representações apareciam nas revistas selecionadas para
esta pesquisa, que cobriam tanto os carnavais da elite, nos bailes do Teatro Municipal e do
Hotel Copacabana Palace, por exemplo, quanto os folguedos das classes populares, como os
blocos carnavalescos e, sobretudo, os desfiles das escolas de samba. Além disso, as
representações de si, de porta-bandeiras, por exemplo, permitem explorar igualmente esse
universo popular.
Não obstante as representações presentes nas reportagens da imprensa selecionada
abarcarem segmentos sociais distintos, a noção de transgressão relaciona-se a posturas e
práticas de ambos os grupos, em diferentes momentos, haja vista as proibições da polícia e as
restrições mais implícitas, de ordem moral e de gênero. Além do mais, o escopo documental
escolhido possibilita a compreensão das representações sobre as folionas e também da forma
como as mulheres utilizaram seu corpo durante os festejos para expressarem suas
representações de si, seja como transgressão em um primeiro momento, seja como
reafirmação de valores já existentes, mas ainda debatidos por uma sociedade tradicionalmente
machista e conservadora.
Tendo em vista as transformações políticas, econômicas e sociais que se processaram
no Brasil no período selecionado, com a mudança de um regime democrático para uma
ditadura militar, a partir de 1964, e as mudanças concernentes ao campo dos costumes e da
moral, no sentido de uma progressiva liberação sexual, apesar da rigidez da censura, a questão

propostas por este último e apoiando o golpe militar que o retirou do poder. Em 1963, rompeu com Carlos
Lacerda e, em 1965, houve a expansão das Organizações Globo, com a fundação da TV. O jornal permaneceu no
apoio à ditadura militar, reafirmando os discursos de combate à subversão e à suposta ameaça comunista e, no
momento de abertura política, aprovou os rumos tomados pelo então presidente João Figueiredo na liberalização
do regime. LEAL, Carlos Eduardo; MONTALVÃO, Sérgio. O Globo. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/globo-o>. Acesso em: 21 abr. 2018.
3
Esses depoimentos foram concedidos ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e integram coleção
própria da instituição denominada “Depoimentos para Posteridade”, constituída a partir de gravações, em áudio e
vídeo, de entrevistas com personalidades importantes no campo cultural. Os depoimentos consultados para essa
pesquisa ocorreram de maneira descontraída, de tal forma que espectadores importantes eram eventualmente
convidados a interagir, e os entrevistadores, indicados pelo próprio MIS ou pelo depoente, por vezes
interpelavam a fala do entrevistado e acrescentavam dados, não impossibilitando, no entanto, o caráter
informativo dos depoimentos e sua importância para o estudo em questão.
15

corporal é um assunto de interesse neste trabalho, ainda mais em se tratando de um tema tão
relacionado ao corpo, como é o carnaval. Entende-se o corpo não somente em sua parte física,
mas, sobretudo, nas representações e significados atribuídos a ele no decorrer do tempo.
Assim, o corpo não deixa de ser também uma construção social, cultural e histórica, na qual
as imagens dele produzidas, os gestos, as vestimentas, as intervenções, entre outras coisas,
configuram a sua formação. O corpo também está sujeito aos códigos morais de uma
cultura/sociedade, inserindo-se assim no campo do poder, embora seja possível apresentar
“gestualidades conformadas e transgressoras”4.
Diversos autores, de forma direta ou indireta, contribuíram para o desenvolvimento
dessa discussão, como Michel Foucault5, David Le Breton6 e Pierre Bourdieu7, apenas para
citar alguns, que ressaltaram o papel das normas sociais e do poder na configuração dos
corpos, por meio da expressão de determinados gestos e emoções ou da valorização de certa
aparência. De acordo com Bourdieu, o corpo torna-se um capital simbólico e social na medida
em que o sujeito apresenta comportamentos, aparências e posturas condizentes com o que é
esperado socialmente, ou seja, dentro dos padrões estabelecidos, podendo obter algum
proveito em relação às pessoas que não exercem tais posturas. Considerando essa discussão, é
possível questionar até que ponto havia, no âmbito carnavalesco, a conformação ou não das
folionas em relação às regras estabelecidas, haja vista que o período em estudo é marcado por
mudanças nos costumes, com a progressiva liberdade sexual, enquanto para muitas pessoas o
que estava se processando socialmente era o desmoronamento da boa moral e, com isso, uma
parcela tradicional da sociedade lutava para manter valores cada vez mais ultrapassados.
Em que pese sua relevância, o tema foi discutido transversalmente pela
historiografia, uma vez que as análises realizadas por importantes historiadoras8 no estudo dos

4
GOELLNER, Silvana Vilodre. Corpo. In: COLLING, Ana Maria;TEDESCHI, Losandro Antonio (Org.).
Dicionário crítico de gênero. Dourados: Editora UFGD, 2015. p. 134-137.
5
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. v. I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1982; ______.
História da sexualidade. v. II. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984; ______. Microfísica do poder.
São Paulo: Graal, 2012.
6
BRETON, David Le. Sociologia do corpo. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
7
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
8
O assunto foi discutido no artigo científico de SIMSON, Olga R. de Moraes Von. Mulher e carnaval: mito e
realidade (Análise da atuação feminina nos folguedos de Momo desde o Entrudo até as Escolas de Samba).
Revista de História, São Paulo, n. 125-126, p. 07-32, ago./dez. 1991 a jan./jul. 1992, e nos seguintes capítulos de
livro: SILVA, Zélia Lopes da. A presença das mulheres nos carnavais da cidade. In: ______. Os carnavais de
rua e dos clubes na cidade de São Paulo: metamorfoses de uma festa (1923-1938). São Paulo: Editora Unesp;
Londrina: Eduel, 2008. p. 199-239; SOIHET, Rachel. A interdição e o transbordamento do desejo: mulher e
carnaval no Rio de Janeiro (1890-1945). In:_______. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da
Belle Époque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 153-176; SOIHET,
Rachel. A sensualidade em festa: representações do corpo feminino nas festas populares no Rio de Janeiro na
virada do século XIX para o XX. In: MATOS, Maria Izilda S. de; SOIHET, Rachel (Org.). O corpo feminino em
debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003. p. 177-197.
16

folguedos momescos foram direcionadas especialmente para a participação das mulheres nos
carnavais e para a manifestação da sexualidade e da sensualidade feminina no espaço dos
festejos, enfatizando, muito pouco, a questão do corpo9.
Nesse sentido, a história do carnaval carioca poderia ser escrita, como sugere Heloísa
Turini Bruhns10, tendo como eixo norteador as proibições, resistências e transgressões quanto
ao desnudamento do corpo feminino. Ao discutir as dimensões simbólicas do corpo feminino
no âmbito da estética e da clínica, a psicanalista Joana de Vilhena Novaes considera que os
modelos vigentes ou o “poder das normas organizadoras do ethos socio-cultural” não são
capazes de retirar do corpo seu caráter subversivo, já que “ele transgride, cria, rebela-se”11.
Essa dimensão do corpo forneceu subsídios para as análises empreendidas neste trabalho,
principalmente no que diz respeito às significações que o corpóreo adquiriu na ocasião do
carnaval nos anos em estudo.
Ainda sobre o assunto, é importante salientar que as diferentes interpretações quanto
ao caráter dos festejos carnavalescos levaram igualmente a visões opostas sobre a apreensão
do corpo pela historiografia acerca dos carnavais. Na perspectiva representada, por exemplo,
pela historiadora Rachel Soihet, os festejos momescos eram ocasiões para utilização dos
corpos como focos “para a resistência dos significados oficiais”, sobretudo em períodos mais
conservadores. Além disso, a autora enxerga nas transgressões de mulheres pertencentes a
diversos segmentos sociais no que se refere ao uso do corpo e à manifestação da sensualidade,
em épocas anteriores à abordada nesta pesquisa, atitudes de vanguarda e igualmente
precursoras dos movimentos posteriores de liberação. Assim, a historiadora em questão
reconhece o papel do carnaval na expressão de comportamentos mais livres e nas mudanças
morais da década de 1970, considerando que antes mesmo da plena assunção pelas mulheres

9
Não obstante a escassez de trabalhos sobre a temática em estudo, os autores que pesquisaram o carnaval
distinguem-se entre si pelas próprias interpretações quanto ao caráter da celebração momesca. Os pressupostos
teóricos do linguista russo Mikhail Bakhtin, o qual entendeu o carnaval como momento de inversão da ordem,
orientaram a quase totalidade dos estudos sobre o tema no Brasil. Entre os autores que seguiram tal perspectiva
de estudo no país podem ser citados o antropólogo Roberto DaMatta e as historiadoras Rachel Soihet e Zélia
Lopes da Silva, para mencionar apenas alguns. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento. O contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC/UnB, 1987.
Outras interpretações, no entanto, não corroboraram esse tipo de análise. A socióloga Maria Isaura Pereira de
Queiroz, por exemplo, representa uma linhagem interpretativa oposta à instaurada por Bakhtin, já que não
apreende o carnaval como momento de subversão da ordem, mas sim de manutenção do status quo vigente. Nas
três fases em que dividiu o carnaval (entrudo, grande carnaval e carnaval popular), a autora procurou demonstrar
que nunca houve oposição e incompatibilidade entre a festa e a sociedade tal qual se encontrava estruturada.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval brasileiro. O vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992.
10
BRUHNS, Heloísa Turini. Futebol, carnaval e capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro. Campinas:
Papirus, 2000, p. 123.
11
NOVAES, Joana de Vilhena. Beleza e feiura: corpo feminino e regulação social. In: DEL PRIORE, Mary;
AMANTINO, Marcia (Org.). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 477-506, p. 478.
17

do seu corpo e da sua sexualidade na esfera cotidiana, muitas delas encontraram no espaço
dos festejos uma oportunidade para expressar posturas vistas como “desviantes”12.
A historiadora Zélia Lopes da Silva também compreende o carnaval pelo viés da
transgressão. Em seu estudo sobre os festejos paulistanos dos anos 1920 e 1930, a autora
evidenciou as transgressões femininas expressadas nos trajes e em situações carnavalescas
que projetavam a quebra das regras cotidianas e sugeriam maior liberdade no campo dos
costumes e das intimidades amorosas, como “apalpadelas, beijos e abraços”, e o “uso de
fantasias de tecidos transparentes, sempre forrados, indicativas de possibilidade novas de
sedução e de liberalidade dos costumes”13.
Olga R. de Moraes von Simson, por sua vez, privilegiou os papéis exercidos pelos
elementos femininos na criação, organização e transformações dos festejos carnavalescos,
sem, no entanto, dedicar-se com diligência à questão do uso dos folguedos pelas mulheres na
manifestação de uma sensualidade mais livre, relacionada inclusive à exposição de seus
corpos. Do mesmo modo que Maria Isaura, Simson entende o carnaval como reprodutor dos
“padrões da sociedade mais ampla” e destaca a “valorização das mulheres jovens e bonitas”14
no processo de crescimento e transformação das escolas de samba enquanto elementos
decorativos imbuídos de forte apelo sexual, sem ressaltar, contudo, outros sentidos e aspectos
do desnudar do corpo feminino ao longo da própria trajetória carnavalesca.
No que concerne especificamente ao período em estudo, a socióloga Maria Isaura
Pereira de Queiroz15 apresenta uma compreensão diferente quanto ao uso do corpo nos
festejos. Dentro do seu modelo interpretativo de festa carnavalesca, no qual entende que os
folguedos momescos se realizavam de acordo com as estruturas sociais já existentes, não
passando de um mito a imagem do carnaval como festa do congraçamento e da quebra da
ordem, a autora considera o desvelar do corpo feminino não como transgressão, mas como
mecanismo da dominação masculina e da procura de destaque social pelas mulheres. O corpo
feminino aparece nos folguedos, em seu entendimento, no papel de servir aos interesses
masculinos como uma espécie de mercadoria “que deve ser posta em destaque e amplamente
exibida”. A liberação das mulheres nos carnavais seria, portanto, uma vitória machista16.

12
SOIHET, op. cit., 2003, p. 192-196.
13
SILVA, Zélia Lopes da. Os carnavais de rua e dos clubes na cidade de São Paulo: metamorfoses de uma festa
(1923-1938). São Paulo: Editora Unesp; Londrina: Eduel, 2008, p. 237.
14
SIMSON, op. cit., 1992, p. 31.
15
É importante ressaltar que em diversas passagens deste texto a obra de Maria Isaura Pereira de Queiroz será
aludida para refletir a respeito de algumas questões que envolvem o período em escopo e o sentido do próprio
carnaval. Não obstante esta pesquisa siga uma corrente interpretativa oposta à de Queiroz, questionamentos e
interlocuções sobre pontos de sua obra se fazem necessários e podem enriquecer as análises empreendidas.
16
QUEIROZ, op. cit., p. 136-140.
18

Além disso, é possível apreender da análise da autora que o corpo da mulher transformou-se
em capital econômico e social no âmbito dos festejos.
A despeito de as análises das pesquisadoras citadas representarem perspectivas
diferentes sobre o assunto em destaque, não é possível reduzir a temática em estudo, no
período selecionado, à utilização do corpo como canal para transgressão ou exclusivamente
como mecanismo de ascensão das mulheres e de transformação de seus corpos em
mercadorias. Os anos 1960 e 1970 foram marcados por transformações diversas, relacionadas
à moral, aos costumes, à sociedade e à própria economia, que, consequentemente,
influenciaram mudanças na postura assumida pelas mulheres nos carnavais da época,
considerando que o conservadorismo de épocas anteriores coexistia com as alterações em
curso. Sendo assim, as duas visões sobre o corpo feminino na esfera dos folguedos, por mais
discordantes que possam parecer a princípio, se encaixam na análise da questão no período
em estudo.
Nessa perspectiva, a categoria gênero pode contribuir significativamente para as
discussões empreendidas neste trabalho, considerando que o conceito17, na acepção da
historiadora Joan Scott, diz respeito às “relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos”18, haja vista que o aspecto relacional entre mulheres e homens não pode ser
desconsiderado na apreensão de qualquer um dos dois. A autora refuta, no entanto, a ideia de
um caráter fixo para a oposição binária entre masculino/feminino, uma vez que é somente no
processo histórico que essa representação pode ser compreendida, na produção e reprodução
de discursos em termos da diferença sexual. O conceito se relaciona, ainda, com outras
categorias sociais, como raça/etnia e classe, além de significar as próprias relações de poder.
Partindo da premissa de Michel de Foucault de que a sexualidade é produzida em contextos
históricos, e de que o poder relaciona-se também à produção de saberes sobre as diferenças
corporais, Scott entende o gênero, portanto, como elemento constitutivo das relações sociais e

17
É importante ressaltar que outras análises apontaram as deficiências do uso da categoria gênero tal qual
pensada pela historiadora Joan Scott, com as de Linda Nicholson e Judith Butler. Estas autoras negaram a
dependência do gênero ao sexo biológico, já que entendem que o corpo biológico também é construído
culturalmente e por discursos sociais. Judith Butler, filósofa pós-estruturalista, questionou a correspondência
entre o sexo biológico e a identidade de gênero, uma vez que gays e lésbicas, por exemplo, não se reconheceriam
nessa correlação. Baseando-se igualmente em Foucault, a autora salienta a necessidade de se compreender o sexo
como construção cultural e discursiva, de modo que o gênero não estaria atrelado ao sexo, sendo o próprio
gênero um “artifício flutuante com a consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade,
significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como
um feminino”. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 25. Sobre o assunto, ver: NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000.
18
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n.
2, p. 71-99, jul./dez. 1995. p. 86.
19

como criador de significados no âmbito das diferenças sexuais.


Esta categoria de análise poderá, assim, contribuir para a presente pesquisa na
investigação das percepções implícitas de gênero expressadas nas representações de mulheres
durante a realização dos folguedos, tendo em vista que os fotógrafos e jornalistas responsáveis
pela cobertura dos carnavais eram, em sua grande maioria, homens que atribuíam significados
aos comportamentos dos foliões, muitas vezes pautados na oposição binária
masculino/feminino.
Do ponto de vista da festa carnavalesca, os fundamentos teóricos do linguista
Mikhail Bakhtin19 orientaram a presente pesquisa na tentativa de compreender como as
mulheres usaram essa festividade para transgredir as regras sociais e assumir a sua
sensualidade, considerando, também, que a temática foi pouco explorada até o presente
momento. Ao estudar o carnaval da Idade Média, Bakhtin demonstrou a importância desse
folguedo para a abolição, mesmo que temporária, das relações hierárquicas e de poder, uma
vez que se constituía em espaço para a manifestação de tudo aquilo que era marginalizado e
excluído do cotidiano e onde os indivíduos podiam manter contato independentemente das
relações estabelecidas no tempo ordinário. Além do mais, os festejos permitiam o
destronamento de pessoas e objetos, bem como o rebaixamento de elementos pertencentes ao
mundo elevado e abstrato, por meio do realismo grotesco e de sua ênfase na vida corporal e
material, abarcando imagens do corpo, da comida, da satisfação das necessidades naturais e
da vida sexual.
Ao estudar as representações das mulheres nos festejos momescos, a partir de fontes
diversas, que evidenciaram, como será demonstrado, o desnudamento crescente dos corpos
femininos por meio de roupas que se tornaram símbolos da liberação dos costumes, como
biquínis e shorts, além da manifestação de determinados comportamentos, vistos, muitas
vezes, como transgressores, essa pesquisa se insere em uma problemática ainda maior, que é a
da sexualidade e das mudanças que ocorreram nesse âmbito ao longo do período estudado. À
medida que as transformações no campo da sexualidade se processavam na conjuntura em
escopo, com novas formas de se cuidar e de manifestar os desejos, o corpo ganharia uma
dimensão mais significativa no sentido de resistir às expectativas tradicionais impostas a ele.

19
A obra A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, do linguista e
marxista russo Mikhail Bakhtin, tem como objeto específico de estudo a obra de François Rabelais, autor francês
que viveu de 1494 a 1553, cujos trabalhos abordam a cultura cômica popular da Idade Média e do Renascimento.
Bakhtin considera Rabelais como o porta-voz da cultura cômica popular e, por meio de suas obras, procura
mostrar a unidade desta cultura, bem como o seu valor como concepção de mundo. Assim, Rabelais é
considerado por Bakhtin como uma espécie de enciclopédia da cultura popular, cujo estudo se faz essencial para
a compreensão, mesmo que indireta, das expressões populares. BAKHTIN, op. cit., 1987.
20

Os anos 1960 foram selecionados para pesquisa principalmente pelo seu caráter de
transição, em que regras morais estabelecidas em épocas anteriores coexistiam com os novos
valores em construção e, nesse contexto, o carnaval funcionava como canal de expressão para
comportamentos que ainda eram alvos de críticas no próprio cotidiano, como por exemplo a
manifestação da sensualidade feminina e o desnudamento (mesmo que parcial) de seu corpo
em um ambiente exterior ao da praia. No período, os biquínis ultrapassaram as fronteiras
daquele espaço e invadiram os festejos carnavalescos de salão, mesmo com as proibições da
polícia, o que demonstra o caráter transgressor do carnaval. Os anos 1960 constituem o início
de mudanças mais expressivas em relação à sexualidade e a uma maior liberdade do corpo
feminino. O surgimento da pílula anticoncepcional, em 1961, contribuiu para as mudanças
nos padrões de comportamento das mulheres, mas a sua difusão ocorreu aos poucos, como
afirma Carla Bassanezi:

A pílula anticoncepcional, que começa a ser difundida, ainda que


timidamente, no Brasil, nos primeiros anos da década de 60, representa um
fator de liberação sexual e uma peça fundamental nas possibilidades de
questionamento de antigos valores como a castidade feminina. Entretanto,
estas influências da pílula nos padrões de comportamento e na mentalidade
social só se fazem sentir com intensidade mais visível na segunda metade
dos anos 60. A falta de informações, a moral vigente, as dificuldades de
acesso às pílulas e seus efeitos colaterais pesam enormemente contra o uso
destes anticoncepcionais na época20.

A chegada da pílula anticoncepcional ao Brasil contribuiu para a dissociação entre


sexualidade e procriação, até então aceitas somente no âmbito da instituição matrimonial.
Acreditou-se, por muito tempo, que o prazer sexual era prerrogativa exclusivamente
masculina, sendo as mulheres “distintas” e “respeitáveis”, desprovidas de qualquer desejo e
prazer, uma vez que deveriam destinar-se à maternidade21. Com a liberação de uma gravidez
indesejada, as mulheres podiam manifestar seus desejos mais abertamente, ao mesmo tempo
em que as discussões sobre a sexualidade feminina e a afinidade sexual ganhavam espaço nas
revistas voltadas a esse público.
O tema da sexualidade, de fato, expandiu-se e se fez presente em algumas revistas

20
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: relações homem-mulher e revistas femininas,
1945-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992, p. 159-160.
21
PEDRO, Joana Maria. Corpo, prazer e trabalho. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.).
Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 238-259, p. 242.
21

criadas no período22. Aos poucos a sexualidade deixava de ser tabu para ser discutida
abertamente na sociedade, não se restringindo somente ao discurso médico. Era o começo do
prazer para todos, possível, naquele momento, por meio da transgressão de valores, mesmo
em uma época na qual a ditadura militar interferia na vida íntima das pessoas. Mudanças no
campo sexual, evidentemente, não ocorreram de um momento para outro, sem permanências
diversas. O corpo, no início da década de 1960, ainda não era “livre”, nem mesmo no que se
refere às roupas utilizadas23. É possível questionar, portanto, a forma como as mulheres
brincaram o carnaval, um tipo de festejo mais licencioso, nessa conjuntura, e quais foram as
mudanças que ocorreram com o decorrer do tempo, nos modos de festejar e nas suas
representações, à medida que as regras em relação à própria sexualidade foram questionadas e
algumas delas transformadas. Práticas sexuais envoltas em coerções e regras, por exemplo,
aos poucos deixaram de ser vistas como indevidas para tornaram-se comuns entre os casais,
como afirma Mary Del Priore:

Carícias generalizavam-se e o beijo mais profundo – o beijo de língua ou


french kiss – antes escandaloso e mesmo considerado um atentado ao pudor
passava a ser sinônimo de paixão. Na cama, novidades. A sexualidade bucal,
graças ao avanço da higiene íntima, estende-se a outras partes do corpo. Esse
fica inteiro à mercê dos lábios. As preliminares tornam-se mais longas. As
sucções mais profundas. A limpeza do corpo e certo hedonismo alimentam
carinhos antes inexistentes. O cheiro da pele torna-se atraente, envolvendo o
desejo. No quarto, a maior parte das pessoas ficava nua24.

As mudanças descritas por Priore representariam apenas o início de uma maior busca
pelo prazer e uma libertação das práticas sexuais, que passaram a ser discutidas por segmentos
da imprensa e evidenciadas na assunção, pelas mulheres, de seu corpo, nas pândegas
momescas. No período em questão, o carnaval se modificava com o ingresso da classe média

22
Em 1961, surgiu a revista Cláudia, da editora Abril, que se tornaria, naquele contexto inicial, a principal
observadora das mudanças ocorridas na liberação corporal feminina, embora apresentasse discursos ambíguos
situados entre as “antigas e as novas formas de conduta”. A revista, já em seus primeiros números, informava
sobre a chegada da pílula no Brasil e gradualmente noticiaria as mudanças acerca da liberação corporal feminina,
oferecendo evidências para o início das transformações em relação à sexualidade da mulher. A revista Nova, por
sua vez, apareceu em 1973, destinada às mulheres de classe média urbana que desejavam exercer a sua
sexualidade ativamente, independentemente de serem casadas ou não. GELLACIC, Gisele Bischoff. Despindo
corpos: sexualidade, emoções e novos significados do corpo feminino no Brasil entre 1961 e 1985. Tese
(Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 21-22.
23
A pesquisadora Nízia Villaça constatou que, no início dos anos 1960, as poses das modelos nos editoriais de
moda ainda apresentavam uma postura rígida e suas roupas, por mais que demonstrassem algumas mudanças,
ainda evocavam os grandes estilistas estrangeiros, com suas criações glamorosas, pouco acessíveis e que não
possibilitavam uma liberdade de movimentos das mulheres em seu cotidiano. VILLAÇA, Nízia. A edição do
corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri: Estação das Letras, 2007.
24
DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012, p. 302.
22

como participante e colaboradora dos desfiles das escolas de samba, a sofisticação dos
cortejos, o esvaziamento das canções carnavalescas25 e o direcionamento do desfile das
agremiações carnavalescas rumo ao espetáculo, à mercantilização e à internacionalização26,
com a venda de ingressos, a partir de 1962 – acompanhando o próprio crescimento do
consumo e a massificação em curso –, que impactaram, de forma direta ou indireta, no modo
como as mulheres se inseriram nos desfiles, brincaram o carnaval, representaram a si próprias
e foram vistas pela imprensa do período. Quanto às mulheres de elite, que brincavam
predominantemente nos bailes fechados, as tendências de mudanças na moral e na liberdade
do corpo feminino, observáveis, mesmo que em menor grau, mas de modo inicial, a partir de
1961, permitiram outras inserções dessas mulheres nos folguedos, transgredindo e afirmando
os novos valores em construção, por meio das posturas apresentadas e das vestimentas
escolhidas para festejar o carnaval.
Assinala-se, ainda, que essas alterações se tornaram mais visíveis na passagem para
os anos 1970, que acentuaria ainda mais o abandono das antigas fantasias para brincar o
carnaval nos folguedos de salão, substituídas em maior proporção pelos biquínis e,
principalmente, pelas tangas. É importante apontar, igualmente, que as mudanças nos festejos
neste período, assim como as conquistas femininas no âmbito social, abriram espaço para que
mulheres, mesmo que em menor quantidade, ocupassem posições de grande visibilidade nas
escolas de samba, como a de carnavalesca27 e a de intérprete de samba-enredo28.
O término da pesquisa no ano de 1980 define-se em razão de alguns dados
relevantes. As modificações que ocorreram no carnaval nos anos 1960 e, sobretudo nos 1970,
assinalados aqui somente em alguns pontos fundamentais, transformaram os desfiles das
escolas de samba em verdadeiros espetáculos, com a sofisticação crescente dos cortejos, na
intenção de atrair um maior número de turistas. O processo de comercialização do carnaval
começou de modo mais contundente ainda em 1962, com a montagem de arquibancadas e a
25
Resultado do desaparecimento dos concursos oficiais/particulares e da indiferença das gravadoras pelo gênero.
COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001, p. 143-144.
26
Sobre o assunto, ver: BEZERRA, Danilo Alves. Os carnavais cariocas e sua trajetória de internacionalização
(1946-1963). Jundiaí: Paco, 2017.
27
Destacam-se os trabalhos das carnavalescas Maria Augusta e Rosa Magalhães. A primeira entrou no universo
das escolas de samba em 1969, quando ajudou na elaboração do carnaval do Salgueiro, tornando-se uma
carnavalesca de sucesso na escola União da Ilha do Governador, especialmente com o enredo “Domingo”, de
1977, conhecido por ser o primeiro a abordar um tema do cotidiano. Assim como Maria Augusta, Rosa
Magalhães também iniciou a sua carreira no Salgueiro, auxiliando o grupo formado por Fernando Pamplona,
Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta e pela própria Maria Augusta, no carnaval de 1971. Rosa Magalhães atuou
em diversas escolas de samba com a também carnavalesca Lícia Lacerda, destacando-se nos carnavais dos vinte
primeiros anos do Sambódromo.
28
No carnaval de 1969, a cantora Elza Soares puxou pela primeira vez o samba do Salgueiro. DINIZ, Alan;
MEDEIROS, Alexandre; FABATO, Fábio. As três irmãs: como um trio de penetras “arrombou a festa”. Rio de
Janeiro: Novaterra, 2015, p. 86.
23

venda de ingressos para o público interessado em assistir aos desfiles, mas adquiriu um
caráter espetacular somente em 1976, com o crescimento de agremiações como Beija-Flor,
Mocidade Independente de Padre Miguel e Imperatriz Leopoldinense, que, a partir de seus
desfiles, apresentaram um novo modelo de fazer carnaval, mais voltado para o luxo visual,
com fantasias ricamente ornamentadas e carros alegóricos gigantescos. A valorização do
aspecto visual dos desfiles sobrepujou, por algumas vezes, as tradições, como em 1980,
quando os quesitos “Comissão de Frente” e “Mestre-sala e Porta-bandeira” foram excluídos
do julgamento das escolas de samba.
Acompanhando a comercialização dos desfiles das escolas de samba, o corpo
feminino, sobretudo o da mulher negra que ocupava o posto de passista, passou a ser
associado, de modo mais explícito, à explosão do erotismo presente no carnaval. Embora a
imprensa ressaltasse constantemente o samba no pé dessas mulheres, era, muitas vezes, a sua
sensualidade, considerada “naturalmente” mais acentuada que a das demais, que ganhava
destaque nas matérias sobre o carnaval. Essa representação tornou-se cada vez mais frequente
no período estudado. Por outro lado, a abertura democrática, nos moldes dos militares, ou
seja, lenta, gradual e “segura”, levou igualmente a uma abertura no campo da moral,
resultando na prática do topless em 1980. É possível encontrar referências na imprensa
periódica de anos anteriores sobre a total exposição dos seios nos bailes carnavalescos; no
entanto, tal acontecimento apresentava-se como algo pontual. A prática do topless difundida
em várias praias brasileiras no verão de 1980, conforme noticiado pela imprensa, apareceu,
com maior expressividade, nos bailes de salão, como aponta Maria Isaura Pereira de Queiroz:

[...] no momento em que algumas vozes se levantavam sugerindo a limitação


da nudez feminina, surgiu nos bailes de 1980 “a maravilha moderna do
topless” [...]. A permissividade representada pela nudez do busto instalou-se
primeiramente na rotina cotidiana das praias, antes de se introduzir no
período excepcional da festa. Embora saudado de maneira entusiasta e
adotado em algumas festas, o topless permaneceu proibido em 1980. [...] A
“liberação” dos vestuários femininos coincidia curiosamente com a liberação
política do país: 20 anos de ditadura militar, a abertura democrática
expandia-se pouco a pouco a partir de 1980, instalando-se plenamente em
198529.

Embora o seio desnudo estivesse proibido no carnaval, o topless apareceu em várias


coberturas carnavalescas da imprensa, que relacionou a liberdade expressada nas fotografias à
própria abertura política. Se no início do período estudado a sensualidade se evidenciava de
29
QUEIROZ, op. cit., p. 134-135.
24

forma mais sutil nas fotografias selecionadas e publicadas pela imprensa, por meio da
exposição de partes do corpo, como pernas e barriga, em 1980, término da pesquisa, o seio
desnudo e até mesmo o bumbum à mostra, o bottomless, ainda menos recorrente, difundiram-
se no âmbito dos festejos, fazendo-se presente nos carnavais subsequentes. À medida que
mudanças no campo dos costumes ocorreram de forma mais intensa, o carnaval se modificou,
as representações da imprensa também mudaram e o aspecto sensual/sexual ficou mais
explícito nas seleções e coberturas realizadas pelos periódicos quanto à postura assumida
pelas mulheres nessas celebrações. Assim, se os corpos foram considerados rebeldes30 nos
anos 1960 e 1970, tendo em vista a construção de novos valores pelos jovens do período, na
década de 1980, o corpo/mercadoria se estabeleceria como decorrência da própria
consagração da sociedade de consumo.
É importante assinalar, ainda, que as mudanças verificadas na cobertura da imprensa
ilustrada sobre os festejos carnavalescos em 1980, com a seleção de imagens mais explícitas
da manifestação da sexualidade feminina, relacionam-se, de forma intrínseca, ao fim das
prescrições do Decreto-lei nº 1.077/7031, voltado para a censura prévia de publicações e de
“exteriorizações” contrárias à moral e aos bons costumes, seguindo a própria revogação dos
Atos Institucionais, que entrou em vigência em 1979, embora o Decreto-lei nº 20.493/46 –
base legal de que se valeu o regime militar para praticar a censura – tenha continuado em
vigência no período posterior ao abordado nesta pesquisa.
Seguindo a legislação que extinguiu os Atos Excepcionais, em 1979, o Decreto-lei nº
1.077 perdeu seu poder no mesmo ano, sendo possível conjecturar que tal fato representou,
para as revistas ilustradas que cobriam o carnaval, a possibilidade de demonstrar o que
acontecia nos festejos de salão sem as restrições da mencionada lei. É perceptível, a partir de
então, o aumento nessas revistas de imagens de mulheres em poses ainda mais sensuais, que
supostamente representariam a permissividade presente em alguns bailes. Isso não significa
afirmar que determinados tipos de poses e comportamentos não se fizeram notar em festejos
de anos anteriores. Entretanto, com a revogação da lei, as revistas expunham mais claramente

30
A moda reverberou as mudanças do período, a ponto de diversas vestimentas se tornarem símbolos da
liberação dos costumes como, por exemplo, a minissaia, que possibilitou às mulheres “um novo sentido de
liberdade e de descoberta do próprio corpo e sexualidade”, conforme afirma a estudiosa do assunto, Nísia
Villaça. A mesma autora denominou a moda dos anos 1960 e 1970 como prótese, já que se constituiu “como
uma extensão do corpo para expressar linhas de liberdade, contestação e novos imaginários”. VILLAÇA, op. cit.,
p. 183-192.
31
Na interpretação de Carlos Fico, o Decreto nº 1.077 foi criado a fim de ampliar o domínio da censura em áreas
não abarcadas pelo decreto anterior, de 1946, ainda em plena vigência durante o regime militar, como, por
exemplo, o controle da TV (que não existia em 1946) e das revistas e livros que se multiplicavam na época
abordando questões comportamentais (sexo, drogas etc.). FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime
militar. Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, p. 251-286, set. 2002.
25

o desnudamento crescente do corpo feminino, no cotidiano e no carnaval, a ponto de


apresentar, em 1980, diversas imagens da prática do topless no âmbito dos folguedos de salão.
Sobre os pressupostos explicitados até o presente momento, foram definidos
objetivos que buscam o entendimento de aspectos relacionados às representações em torno do
feminino nestas festividades nos anos em estudo. Sabe-se que as avaliações, da bibliografia e
da imprensa, expressam posturas mais ousadas por parte das mulheres cariocas32,
especialmente as da zona sul, comumente representadas como vanguardistas. Essas leituras
serão arguidas para as demais mulheres folionas e para as mulheres negras que integravam as
escolas de samba, considerando suas performances nessas festividades. Além disso, é válido
inquirir nesse estudo se a liberdade apregoada nos festejos momescos evidenciavam os novos
padrões de comportamento da época e a inversão das próprias normas sociais.
Considerando tais formulações, o encaminhamento da investigação ampara-se nos
seguintes questionamentos: de que modo as transformações que se processavam na sociedade
brasileira dos anos 1960 e 1970 se articularam e modelaram a especificidade da presença das
mulheres nos festejos cariocas, nos espaços públicos e fechados? Tendo em vista as
conquistas femininas no período analisado, principalmente no campo da sexualidade, como as
mulheres, por meio do carnaval, transgrediram as normas e proibições existentes na sociedade
da época e expressaram desejos vinculados a essas mudanças? E, por fim, a dita “revolução
sexual” permitiu a apreensão das mulheres no carnaval pelo viés da liberação ou da
objetificação de seus corpos?
A investigação com relação à forma como as mulheres brincaram o carnaval no
período selecionado, considerando as transgressões praticadas quanto às normas sociais e às
proibições existentes na época, centra-se nas representações sobre as mulheres – contidas nos
periódicos e demais fontes consultadas – para a apreensão de sua participação nos festejos
carnavalescos e para o entendimento de aspectos relacionados ao imaginário em torno do
feminino.
Para compreendemos o papel dos periódicos de ilustração nesses festejos e na
própria pesquisa, alguns de seus traços são demarcados, a seguir. O Cruzeiro, por exemplo,

32
É importante esclarecer que no imaginário coletivo a mulher carioca não é tão somente a que nasceu na cidade
do Rio de Janeiro, mas aquela que ao morar nessa localidade incorporou um estilo de vida mais livre ligado à
exposição dos corpos e à assunção de posturas mais despojadas, comumente ditas como peculiares das mulheres
da zona sul. Assim, ainda que não tivessem sua origem relacionada de fato à cidade do Rio de Janeiro, muitas
mulheres foram consideradas como cariocas pela imprensa pelo fato de apresentarem tais características ou por
terem uma trajetória vinculada a aspectos culturais do Rio, como o samba e o carnaval. Desse modo, o termo
“carioca” será usado neste trabalho para se referir às mulheres folionas do Rio de Janeiro por ser recorrente na
imprensa ilustrada e pela impossibilidade de se determinar a origem de muitas das mulheres ali representadas.
26

foi criado por Assis Chateaubriand, em 1928, e tornou-se uma das revistas de maior
vendagem na história do Brasil, alcançando seu auge na segunda metade da década de 1940 e
nos anos 1950, quando atingiu a média de 550 mil exemplares, tiragem que seria mantida até
o início dos anos 196033. O periódico se tornou referência no mercado de revistas devido ao
seu alto investimento técnico, sendo o primeiro a inaugurar a rotogravura em quatro cores na
imprensa ilustrada nacional, ao qualificado corpo de jornalistas, à qualidade do papel
utilizado, ao significativo número de imagens que trazia em suas páginas, além de se
constituir como veículo nacional dedicado à crônica social, política e artística do Brasil e do
mundo, com correspondentes nas principais capitais internacionais34.
Ao introduzir a dupla repórter-fotógrafo em suas matérias e coberturas, a revista O
Cruzeiro modificou o padrão adotado pela imprensa até então, no qual o texto predominava
em detrimento da imagem35. Seguindo os princípios do fotojornalismo, a imagem fotográfica
seria valorizada nesta publicação, assim como em outras que a partir deste momento sofrem
sua influência, como cerne da própria cobertura jornalística, estruturando uma nova
mensagem vinculada a um intenso controle por parte da equipe editorial na correlação
texto/imagem e a uma nova forma de disposição das fotos e do texto36.
No início da década de 1950, o fotojornalismo já estava consolidado como expressão
fotográfica nas revistas ilustradas, quando apareceu um novo produto no mercado de
periódicos: a revista Manchete. Lançada em 26 de abril de 1952, por Adolfo Bloch, a revista
apresentou como principal diferencial na disputa com O Cruzeiro a expressiva qualidade dos
serviços gráficos e jornalísticos. Com trinta anos de experiência no meio gráfico e buscando
inspiração na revista ilustrada francesa Paris-Match, Bloch procurou apresentar um periódico
mais centrado em imagens coloridas, chegando inclusive a contratar agências estrangeiras
para fornecer material fotográfico de qualidade, além de investir em impressoras mais
eficientes. O apogeu do periódico coincidiu exatamente com o declínio de seu maior
concorrente, O Cruzeiro, e com a transferência de vários jornalistas e fotógrafos da revista
dos Diários Associados para sua redação37.

33
VELASQUES, Muza Clara Chaves. O Cruzeiro. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro - pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. v. I. p. 1727-1730, p. 1729.
34
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo:
Olho d’Água/Fapesp, 2013, p. 23.
35
Ibid., p. 23-24.
36
ESSUS, Ana Maria Mauad de S. Andrade; GRINBERG, Lúcia. O século faz cinqüenta anos: fotografia e
cultura política em 1950. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 14, n. 27, p. 129-148, 1994. p. 138-139.
37
SIQUEIRA, Carla; MURILO, Tatiana. Manchete. In: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro – pós 1930. Rio de Janeiro: FGV; CPDOC, 2001. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/busca/busca-simples/verbete/verbete-tematico/manchete>. Acesso em: 8 nov. 2015.
27

Como o trabalho se alicerçará, em grande parte, no estudo de imagens fixas em que a


mulher aparece festejando o carnaval, são utilizadas, como aportes teóricos e historiográficos
da pesquisa, as obras de Martine Joly38, Roland Barthes39, Boris Kossoy40 e Roger Chartier41.
Esses autores foram escolhidos para pesquisa em meio a um crescente debate sobre os usos da
imagem como fonte histórica, pelas importantes análises empreendidas e por seu caráter
referencial, uma vez que orientaram outros estudos na área, embora outros autores que
discutiram o tema tenham também contribuído para subsidiar as análises realizadas neste
estudo, como será evidenciado ao longo do trabalho.
Considerando a imagem como uma subcategoria do ícone, a partir da classificação
dos signos realizada pelo estudioso Charles Peirce, Joly procurou demonstrar que a análise de
uma imagem é algo complexo e que envolve uma série de significações. Partindo do
pressuposto de que um signo é “[...] algo que está no lugar de alguma coisa para alguém, em
alguma relação ou alguma qualidade”42, a autora considera que a imagem está inserida no
campo das representações justamente por evocar, por meio da semelhança, outra coisa que
não ela própria, razão pela qual deve ser entendida como um signo.
O caráter analógico da imagem ou, numa linguagem mais semiótica, a relação
existente entre o referente e o seu significante, torna o estudo desse tipo de material ainda
mais complexo, já que não se pode perder de vista que parecer com algo não significa ser a
própria coisa. É necessário, portanto, atentar para as significações que a “naturalidade”
aparente das mensagens visuais implica. Nesse sentido, Joly propõe que se considere a análise
de outros tipos de signos, como os plásticos (cores, formas, composição interna, textura) e os
linguísticos (linguagem verbal), além de conhecer para quem a imagem foi dirigida, sua
função, seu contexto de produção e recepção.
Outro importante teórico para o campo das imagens é Roland Barthes, que refletiu
sobre a especificidade da imagem fotográfica, particularmente importante para esta pesquisa,
já que o autor coloca pontos que devem ser levados em consideração na análise desse tipo de
imagem. O autor entende a fotografia como a representação visual de seu referente, concebido
não como a “coisa facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa

38
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.
39
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
40
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989; KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na
trama fotográfica. 3. ed. São Paulo: Ateliê, 2002.
41
CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo.
Lisboa: Difel, 1988.
42
JOLY, op. cit., p. 33.
28

necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria
fotografia”43. Ao contrário de outras imagens, a fotografia atesta “o que vejo de fato existiu”
e, portanto, sua singularidade consiste em ratificar o que ela própria representa.
Ampliando ainda mais as discussões quanto ao tema, Kossoy mostra que a fotografia
não está isenta de manipulações e interpretações diversas, relacionadas aos interesses do
fotógrafo, do cliente e da casa publicadora. De modo similar a Barthes, Kossoy considera que
a fotografia, enquanto fixação da imagem do real, “é o que resta do acontecido, fragmento
congelado de uma realidade passada, informação maior de vida e morte, além de ser o produto
final que caracteriza a intromissão de um ser fotógrafo num instante dos tempos”44. Sendo
assim, a fotografia é o resultado de um processo que envolve a escolha do fotógrafo por um
determinado assunto, considerando o tempo e o espaço em que está inserido, e a tecnologia
disponível no momento45. A fotografia é, para Kossoy, um documento, no sentido de informar
a respeito de um fragmento selecionado da realidade passada, e também uma representação,
que contém inúmeras significações, cuja análise deve considerar os elementos técnicos, como
fotógrafo, assunto e tecnologia, e os elementos interpretativos, os quais envolvem a
contextualização do assunto da fotografia, as relações estabelecidas com outros aspectos da
vida social e a compreensão da realidade interior da representação fotográfica46.
Considerando o caráter representacional das fotografias apresentadas pelos
periódicos em suas coberturas dos festejos carnavalescos e a forma como estes apreenderam a
participação das mulheres nessas celebrações, faz-se necessário evidenciar a pertinência do
conceito de representação, conforme pensado pelo historiador francês Roger Chartier, para
análise da temática e do material pesquisado.
Ao estudar a história do livro e da leitura, Chartier desenvolveu as noções de
representação e prática, e contribuiu significativamente para o conceito de apropriação –
fundamentais no campo da História Cultural. Esses conceitos não foram elaborados a priori
pelo autor a fim de fornecer subsídios metodológicos para suas pesquisas, mas, ao contrário,
surgiram como resultado da análise do próprio material que Chartier se propôs a estudar.
Sendo assim, é possível perceber em Chartier uma preocupação em não dissociar a reflexão
teórica do estudo de seus objetos.

43
BARTHES, op. cit., p. 114-115.
44
KOSSOY, op. cit., 1989, p. 22.
45
Ibid., p. 23-24.
46
KOSSOY, op. cit, 2002, p. 57-60.
29

Ao analisar os livros da chamada Biblioteca Azul47, Chartier mostrou que não eram
os textos que podiam receber a denominação de “popular”, mas os objetos tipográficos que os
apresentavam. Esse exemplo é significativo para demonstrar a invalidade da oposição entre
cultura popular e cultura erudita. O autor recusa uma dicotomia entre as duas, em favor de
uma noção abrangente de cultura que contemple as circulações fluidas e as práticas
partilhadas pelos grupos. Assim, evidenciou a necessidade de se compreender o cruzamento
de diferentes formas culturais ao invés de vincular os objetos culturais a determinados setores
da sociedade48.
Essas observações indicam a forma como as noções de prática, apropriação e
representação estão intrinsecamente ligadas às discussões do autor sobre a história do livro e
da leitura. Posto isso, pretende-se explorar especificamente o conceito de representação e a
forma como este se torna imprescindível para o estudo da participação das mulheres nos
festejos carnavalescos cariocas nas décadas de 1960 e 1970.
As representações são constituídas pelas percepções do mundo social. Chartier
considera que essas representações, criadas pelos indivíduos ou grupos sociais para
interpretarem e atribuírem sentido à realidade em que vivem, não são neutras, mas
determinadas por interesses diversos. O conceito de representação permitiria assim articular
as “divisões objetivas do mundo social às estruturas de percepção”.
Pautando-se em antigas definições de “representação”, como as apresentadas pelo
dicionário publicado por Furetière em 1690, Chartier procurou mostrar a duplicidade de
sentidos do termo: a representação como forma de fazer presente o objeto ausente, por meio
de uma imagem capaz de representá-lo adequadamente, ou como exibição de algo, seja a
própria pessoa ou coisa representada49. Na perspectiva do autor, essas duas significações da
palavra permitem compreender a forma como os homens do Antigo Regime explicaram o

47
Livros acessíveis criados no século XVII, na cidade francesa de Troyes e que, vendidos por ambulantes,
contavam com uma ampla circulação. Receberam esse nome porque eram editados, na maioria das vezes, com
capa azul e tinham como objetivo a reedição de textos que teriam boa aceitação popular. A análise empreendida
pelo autor a respeito dos livros da Biblioteca Azul demonstra como os textos que não eram em sua essência
populares, já que pertenciam a diversos gêneros da literatura erudita, ganharam essa conotação quando
adquiriram outros formatos durante o Antigo Regime. O trabalho de adaptação realizado pelos editores
modificava e encurtava os textos, simplificando ao máximo a sua estrutura narrativa a fim de atender as supostas
expectativas e competências do público que procuravam atingir. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na
França do Antigo Regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
48
Ao trabalhar com esse material, Chartier aprofundou ainda outras questões relacionadas ao mundo da leitura,
como a tensão que envolvia as estratégias utilizadas pelos autores e editores para induzir os leitores a uma
determinada interpretação, e os desvios operados pelos mesmos ao se apropriarem de um texto. A leitura é
entendida, assim, como prática criadora, já que cada leitor pode tomar o texto original de uma nova forma, de
modo que a apropriação de um texto ou de qualquer outro objeto cultural é lugar de invenção e criação de
sentido. Ibid., p. 235-285.
49
CHARTIER, op. cit., 1988, p. 20.
30

funcionamento de sua sociedade e como apreenderam o seu mundo social. Este conceito
possibilita, ainda, o entendimento de outras realidades sociais, ou melhor, de outras
percepções do real além daquelas tratadas pelo autor em suas pesquisas.
A partir de Chartier, o conceito de representação tornou-se central para os estudos
empreendidos no campo da chamada Nova História Cultural. No entanto, diversas críticas
foram feitas a essa noção, relacionadas sobretudo ao fato de supostamente distorcer a
realidade. As representações, contudo, ampliaram a própria noção que se tinha até então do
real. Ao mostrar que as representações “não são simples imagens verídicas ou enganosas do
mundo social”, mas maneiras pelas quais os grupos ou indivíduos percebem, interpretam e
constroem uma determinada realidade, Chartier atenta que, para além das coisas expressas, há
outros sentidos muitas vezes não aparentes. O autor pretende com isso acabar com a falsa
dicotomia existente em torno da objetividade das estruturas (identificadas como mais
próximas ao real) e a subjetividade das representações (identificadas como pertencentes ao
campo da ilusão). A noção de representação, tal como a entende, torna a apreensão do real
inteligível, dado o seu papel como lugar de construção de significados. É importante salientar,
assim, que para Chartier não existe representação sem interpretação e sem um real que se
deseja abarcar.
O autor propõe que se considerem como representações as percepções da realidade,
sempre atreladas às práticas sociais, que constituem o seu referente externo. A singularidade
das práticas e a relação de complementaridade entre elas e as representações são explicitadas
pelo autor quando afirma:

Penso que não existe história possível se não se articulam as representações


das práticas e as práticas da representação. Ou seja, qualquer fonte
documental que for mobilizada para qualquer tipo de história nunca terá uma
relação imediata e transparente com as práticas que designa. Sempre a
representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários
particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para entender as
situações ou práticas que são o objeto da representação50.

A reflexão teórica proposta por Chartier pode servir de suporte à análise das fontes
selecionadas para pesquisa, sobretudo as imagens relativas aos festejos momescos publicadas
pelas revistas ilustradas O Cruzeiro e Manchete. A cobertura dos carnavais realizada pelas
revistas mencionadas fornece, portanto, subsídios para analisar a participação das mulheres
nessas celebrações e ao trabalhar com esse tipo de material é de suma importância valer-se
50
CHARTIER, Roger. Defesa e ilustração da noção de representação. Fronteiras, Dourados, v. 13, n. 24, p. 15-
29, jul./dez. 2011. p. 16.
31

das considerações teóricas de Chartier a respeito da noção de representação. Para tanto,


tornam-se necessárias, primeiramente, algumas observações quanto ao sistema de produção
desse material, a fim de permitir uma posterior correlação com o referido conceito.
As revistas selecionadas para esta pesquisa eram especializadas em jornalismo
ilustrado, ou seja, no fotojornalismo, e foram as primeiras a usar a imagem como cerne da
cobertura jornalística, de tal modo a formar discursos. A fim de direcionar o leitor a uma
interpretação predefinida das fotografias exibidas, haja vista a multiplicidade de sentidos que
uma imagem pode gerar, articulavam-se a elas textos e legendas. A produção de uma
fotorreportagem, ou seja, de uma história formada a partir de uma série de imagens, é um
processo fragmentado, que envolve a seleção da foto, o trabalho do editor de fotografia e a
editoria geral. A partir do fato a ser retratado e das significações que se pretende dar a tal
acontecimento, o editor de fotografia de um jornal ou revista seleciona, entre as imagens
registradas, aquelas que vão ser publicadas, e, por fim, a editoria geral determina o espaço que
as fotografias ocuparão na publicação juntamente ao texto51.
A fotografia, seja ela de imprensa ou não, é uma representação do passado e,
portanto, um discurso sobre o mesmo. Relacionando essas discussões a respeito da
especificidade da fotografia ao conceito de representação, é possível perceber que nesse
domínio os conteúdos expostos podem ter outros sentidos além dos manifestados.
Considerando o fato de que as representações fazem referências a objetos ausentes, as
imagens, situadas dentro desse campo, não coincidem exatamente com o real. De acordo com
Antônio R. de Oliveira Jr., a fotografia é “tão somente verossímil com o fenômeno histórico
que revela visualmente”52. Ela é produzida de acordo com o objetivo que se quer atingir,
implicando nesse processo seleções e enquadramentos, de maneira que cabe ao estudioso
perscrutar seus sentidos implícitos.
Outro aspecto fundamental para a análise das fotografias e das charges publicadas na
imprensa é o conhecimento do público para o qual estavam voltadas. Os periódicos O
Cruzeiro e Manchete atingiam um número significativo de leitores pertencentes
principalmente às camadas médias urbanas53 e traziam como diferencial o grande número de

51
PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Dazibao, 1991, p. 45-46.
52
OLIVEIRA JR., Antônio R. de. A luz do social nas imagens: fragmentos teóricos na fotografia de
documentação social. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 32, p. 51-71, 2000. p. 62.
53
Embora as revistas O Cruzeiro e Manchete encontrassem respaldo principalmente nas camadas médias
urbanas, procuravam atingir um público mais amplo. De acordo com Silvana Louzada da Silva, esses periódicos
eram lidos em todo o país por pessoas de diferentes classes sociais e com variado grau de instrução e renda.
SILVA, Silvana Louzada da. Fotojornalismo em revista: o fotojornalismo em O Cruzeiro e Manchete nos
governos Juscelino Kubitschek e João Goulart. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-
Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
32

imagens apresentadas. O mercado de revistas demonstra o crescimento verificado no setor das


comunicações neste período, sendo que entre 1960 e 1975 o número de exemplares
publicados passou de 104 para 202 milhões. Esse aumento explica-se também pelo
surgimento de produtos que procuravam atingir públicos cada vez mais especializados54,
buscando explorar o potencial interesse dos leitores de grupos sociais diversos55.
Ao trabalhar com as fotografias veiculadas pela imprensa visando apreender o
desnudamento crescente dos corpos femininos nos festejos carnavalescos, bem como as
transgressões praticadas em relação às normas e proibições existentes na época, não é possível
desconsiderar o fato de que essas imagens eram pensadas e direcionadas intencionalmente
para determinados consumidores, o que nem sempre pode parecer evidente. O período em
estudo é marcado pela consolidação de um mercado de bens culturais, com setores como o
editorial sendo estruturados em forma de indústria56. As discussões concernentes ao campo
teórico da indústria cultural, constituído ainda na década de 1940 pelos pensadores Adorno e
Horkheimer, expoentes da chamada Escola de Frankfurt – uma das principais correntes
ideológicas críticas em relação à cultura de massa57 –, fornecem aportes importantes para a
reflexão da imagem. As fotografias, enquanto meios de sua reprodução, foram entendidas
como pertencentes a esse universo, especialmente aquelas relativas à imprensa. Selecionando
aspectos das coisas, das pessoas e dos fatos, essas imagens, conforme interpretação desses
autores, usurpariam dos sujeitos a capacidade de interpretar os dados da realidade por si
próprios. Além disso, os produtos da indústria cultural seguiriam uma espécie de
“previsibilidade quase absoluta”58, o que permite inferir em relação à temática em questão que
os leitores das revistas ilustradas já sabiam o que esperar das coberturas dos festejos

54
A criação de novas publicações contribuiu, ainda, para o gradual declínio de O Cruzeiro e de outros períodicos
do início do século que ainda resistiam. Não obstante a diversificação no mercado de publicações, O Cruzeiro e
Manchete ainda prevaleciam como as revistas semanais mais lidas pelos leitores em 1969, conforme demonstram
os dados da pesquisa do Ibope sobre a circulação de revistas semanais, quinzenais e mensais, realizada na
Guanabara naquele mesmo ano. Com igual percentual de 16%, O Cruzeiro e Manchete superavam, ao menos
naquele momento, outras publicações semanais como Veja (3%) e Fatos e Fotos (9%). MIRA, op. cit., p. 38-39.
55
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense,
2001, p. 122-123.
56
Ibid., p. 114.
57
Em Dialética do esclarecimento, obra de 1947, Adorno e Horkheimer empregam pela primeira vez o termo
“indústria cultural” em lugar de “cultura de massa”, por entenderem que a segunda terminologia passaria a ideia
equivocada de que os bens culturais seriam criações das próprias massas e não produtos uniformizados
elaborados visando à obtenção máxima de lucros. De acordo com os autores, o conceito de “indústria cultural”
seria, portanto, mais apropriado para elucidar a transformação da arte em mercadoria e a manipulação do
comportamento e gosto dos consumidores, mesmo quando o desejo do público fosse considerado na produção
dos bens culturais. ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o esclarecimento como
mistificação das massas. In: ______. A Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985. p. 113-156.
58
DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 54-55.
33

carnavalescos.
As discussões de Adorno e Horkheimer a respeito da produção de bens culturais
podem ser relacionadas, ainda, ao fato de as fotografias serem apresentadas pela imprensa
como evidências imparciais e objetivas e, portanto, testemunhos diretos da realidade. Segundo
os autores, os meios de reprodutividade técnica, como as fotografias, permitem uma espécie
de reconstrução do mundo, mas que prescindem de interpretações, e, assim, possibilitam à
indústria cultural apresentar seus produtos como o real, ou seja, como o que de fato
aconteceu59.
A perspectiva de investigação da cultura de massas ou da indústria cultural, tal qual
elaborada pelos filósofos e sociólogos alemães, a despeito de sua importância, não considerou
os processos de consumo/apropriação dos bens culturais, como evidenciado nos estudos de
Michel de Certeau e Roger Chartier. Na obra A invenção do cotidiano: artes de fazer, Certeau
interroga-se sobre a suposta passividade e manipulação dos indivíduos diante dos produtos
oferecidos no mercado de bens culturais. Um dos pilares fundamentais da obra de Certeau é o
fato de o consumo de bens culturais pelos sujeitos revelar uma forma de produção que “[...]
não se faz notar com os produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos
impostos por uma ordem econômica dominante”60. Há, no entendimento do autor, um
binômio entre poder e não poder, explicitado nos conceitos de estratégia e tática. A estratégia
postula um lugar próprio onde se produz objetos e normas, podendo ser entendida no cálculo
das relações de força. A tática seria o lugar do não poder, representando a forma como os
indivíduos ou grupos criariam a partir do “lugar do outro”. Apoiando-se nesses dois conceitos
– estratégia e tática –, Certeau enfoca as práticas cotidianas de tipo tático, ou seja, os modos
de fazer daqueles desprovidos de um lugar próprio, que agem de forma astuciosa no seu
cotidiano.
Diferentemente dos estudos vinculados à vertente de investigação da indústria
cultural, que enfatizam os processos de produção dos bens culturais e os meios de
manipulação dos sujeitos, a História Cultural, tal qual é praticada por Chartier e Certeau,
trabalha com os desvios e as diversas significações que os indivíduos ou grupos conferem aos
bens culturais e à realidade em que vivem. Ambos os historiadores negam a passividade que
por muito tempo fora atribuída aos sujeitos diante daquilo que lhes era exposto e evidenciam
o papel de resistência demonstrado na apropriação/consumo dos objetos culturais. Essa

59
DUARTE, op.cit., p. 63.
60
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 39.
34

abordagem de estudos distingue-se, portanto, da representada pela indústria cultural e, embora


sejam diferentes, ambas contribuem em aspectos diversos para as análises do material em
estudo.
As discussões sobre indústria cultural, especificamente, fornecem subsídios para a
compreensão das seleções realizadas pela imprensa na cobertura dos festejos momescos e da
apresentação de imagens de maior impacto visual. O caráter mercadológico das fotografias de
imprensa não impossibilita, no entanto, a sua utilização para o estudo das representações das
mulheres nos festejos carnavalescos e suas eventuais transgressões às regras sociais vigentes.
Para que tenham aceitação social, as representações precisam apoiar-se na “concreticidade das
condições reais de existência”, ou seja, precisam apresentar verossimilhança com o mundo
social e com o que se pretende retratar61.
Considerar essas imagens e as crônicas como indícios do “haver sido” significa
cruzar as representações e as práticas que designam, tornando possível a apreensão da
realidade interior das representações fotográficas, das caricaturas e da cobertura da imprensa
sobre as protagonistas flagradas nesses momentos carnavalescos. Tendo como pressupostos
teóricos a noção de representação, de Chartier, e as abordagens relativas às imagens, será
possível examinar a especificidade das mulheres nessas celebrações e a forma como a
imprensa apreendeu a sua participação nos festejos, traduzindo uma determinada forma de ver
e pensar o feminino.
A fim de responder e encaminhar os questionamentos da temática proposta, esta tese
está estruturada em três capítulos:
O capítulo inicial apresenta informações sobre a cidade do Rio de Janeiro, a
conjuntura social e econômica da época e as modificações dos festejos carnavalescos, além de
evidenciar a espacialidade desse carnaval, imprescindível para traçar os diferentes perfis de
mulheres que brincavam as pândegas em suas múltiplas possibilidades, seja nos blocos de rua
e bailes de salão, seja nos desfiles das escolas de samba. As representações de si, por meio da
análise de depoimentos de porta-bandeiras, e as representações dos outros, mediante a
investigação da cobertura da imprensa sobre a temática em questão, são igualmente
examinadas nessa primeira parte da tese e estendidas ao longo do trabalho. Os dados mais
gerais sobre a temática em estudo são importantes, pois possibilitam, nos capítulos
subsequentes, uma melhor investigação da presença das mulheres nos folguedos, bem como
suas representações.

61
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 9-27, 1995. p. 22.
35

No segundo capítulo procura-se discutir os padrões morais e sexuais da década de


1960 para verificar quais normas sociais foram transgredidas pelas mulheres durante os
carnavais e como estas utilizaram o ambiente mais livre dos festejos para expressar atitudes
que permaneciam como objetos de censuras e preconceitos em seu cotidiano. Por meio das
imagens registradas pelos periódicos, dos textos produzidos pela imprensa, das charges e
músicas, averiguou-se até que ponto o carnaval permitia às mulheres a manifestação de
comportamentos já existentes, mas que ainda estavam envoltos por estigmas e proibições.
O último capítulo trata do caráter mais ousado comumente atribuído às mulheres
cariocas, especialmente no que se refere a sua participação nos carnavais. As mulheres
cariocas das classes média e alta eram consideradas mais liberadas que as jovens de outras
cidades brasileiras. Nesse sentido, pretendeu-se explorar o impacto de tal estereótipo na
cobertura que a imprensa realizava dos carnavais do Rio de Janeiro e a veiculação da figura
da mulata, como “mulher-sedução”, ao ideal de mulher carioca. O terceiro capítulo aborda,
também, as transformações nos papéis femininos na década de 1970, especialmente aquelas
comportamentais propiciadas pela revolução sexual e pelos movimentos feministas,
relacionando as modificações nesse campo às alterações na forma das mulheres brincarem o
carnaval. Nas décadas selecionadas para estudo, os festejos passaram por significativas
transformações, sobretudo os desfiles das escolas de samba, que se tornaram efetivamente
populares e passaram a centralizar os festejos carnavalescos, com a sofisticação de seus
cortejos e o reconhecimento mais amplo da sociedade brasileira. As mudanças nos costumes,
a comercialização do carnaval e a erotização associada ao corpo feminino, nessa conjuntura,
trouxeram mudanças nas representações da imprensa ilustrada quanto à postura assumida
pelas mulheres nessas celebrações, em que o aspecto sexual, de forma mais contundente,
passou a ser explorado pelas revistas na leitura do desnudamento crescente do corpo feminino
e na apreensão dessas mulheres pelo viés da objetificação.
36

CAPÍTULO 1 – O Rio de Janeiro, os espaços de seus carnavais e as representações


femininas nos sambas-enredos, bailes e folias de rua (1961-1980)

Os anos em estudo foram marcados por diversas transformações nos âmbitos social,
político e econômico, que mudaram significativamente a sociedade brasileira do período. Até
1960, por exemplo, o país apresentava-se, ainda, predominantemente rural, com altas taxas de
natalidade e mortalidade. Essa situação se modificaria a partir de então com o
desenvolvimento de novas tecnologias no campo da medicina e o aprimoramento dos serviços
de saúde, o que ocasionou o crescente declínio da taxa de mortalidade entre os adultos. As
taxas de natalidade, por sua vez, sofreram transformações mais expressivas em meados da
década de 1960, com o uso de contraceptivos pelas mulheres e o aumento dos procedimentos
de esterilização. Em 1960, por exemplo, o número de filhos das mulheres na faixa etária de 14
a 49 era de 6,3, passando para 5,8 em 1970 e 4,4 em 198062.
Embora estivesse em curso uma redução das taxas de natalidade, as capitais dos
estados do centro-sul registraram um expressivo crescimento populacional entre 1950 e 1970,
decorrente do alto índice de migração rural-urbana e também do intenso fluxo migratório
proveniente do Nordeste. Na década de 1960, 1,8 milhão de pessoas deixaram o Nordeste e,
na década seguinte, mais de 2,4 milhões63. Entre as capitais dos estados brasileiros, a cidade
do Rio de Janeiro teve o menor crescimento populacional entre os anos de 1960 e 1970, com
uma taxa de 2,7%, enquanto São Paulo, por exemplo, cresceu a uma taxa de 5,2% e Belo
Horizonte a 5,8% 64.
Estima-se que, entre 1960 e 1980, 27 milhões de brasileiros migraram para a cidade.
Se em 1960 a maioria da população residia no meio rural, a realidade transformou-se
completamente após dez anos, com mais da metade da população sendo recenseada como
urbana, em 1970. O desenvolvimento industrial, conduzido sob a égide do capital
multinacional – acelerado ainda no período anterior –, a consequente geração de empregos, o
crescimento das oportunidades para estudar e a melhoria dos serviços sociais nas principais
cidades brasileiras foram alguns dos fatores que impulsionaram a migração em massa para os

62
KLEIN, Herbert S.; LUNA, Francisco Vidal. População e Sociedade. In: REIS, Daniel Aarão (Coord.).
Modernização, Ditadura e Democracia: 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. v. 5. p. 31-73, p. 31-37
(História do Brasil Nação: 1808-2010).
63
Ibid., p. 48.
64
PATARRA, Neide Lopes. Dinâmica populacional e urbanização no Brasil: o período pós-30. In: FAUSTO,
Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. Economia e Cultura (1930-1964).
São Paulo: Deifel, 1984. v. 4. p. 248-268, p. 262.
37

centros urbanos65.
No que concerne especificamente ao Rio de Janeiro, é importante assinalar que o fato
de ter perdido o status de capital do Brasil, quando da transferência da sede do governo para
Brasília, em 1960, passando a partir de então a se constituir como estado da Guanabara –
situação que persistiria até 1975 –, trouxe ao antigo Distrito Federal alguns entraves. Com a
industrialização dos municípios de Caxias, São João de Merití, Nova Iguaçu, Nilópolis, São
Gonçalo, Niterói, Magé e Itaboraí houve um processo de redistribuição espacial da zona
industrial e, consequentemente, um aparente esvaziamento neste setor no estado da
Guanabara. O número de estabelecimentos industriais instalados no Rio de Janeiro passou de
5.693 em 1950 para 3.200 em 1970, enquanto a mão de obra empregada no setor industrial
passou de 171.643 em 1950 para 200.000 em 1970 66.
Os dados demonstram uma diminuição no número de indústrias instaladas na
Guanabara, consequência da própria reacomodação do setor dentro da sua antiga área
metropolitana e do desenvolvimento do setor terciário. No censo de 1970, a agropecuária e as
atividades extrativas ocupavam 1,8% da população economicamente ativa do estado da
Guanabara, o setor secundário (indústrias de transformação) representava, por sua vez, 20,2%
e o setor terciário 78%. A importância da atividade comercial e da prestação de serviços
decorre, em grande parte, do vasto tempo em que o Rio de Janeiro serviu como sede do
governo federal, sendo significativamente afetado com a mudança da capital para Brasília, em
1960, especialmente o setor de serviços administrativos67. De qualquer forma, a cidade do Rio
de Janeiro, transformada em estado da Guanabara, continuou a representar um importante
polo de atração de migrantes e não perdeu, contudo, o seu caráter de centro cultural
cosmopolita, personificação da própria consolidação dos modos de vida metropolitanos, das
mudanças comportamentais e do papel de destaque assumido pelos jovens nas alterações
ocorridas no período em estudo.
Os anos que vão de 1950 a 1980, marcados pela rapidez e profundidade das
transformações em diversos setores – sem paralelo no Brasil do século XX –, são definidos
pelos estudiosos João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais como os mais
representativos de uma sociedade, de fato, em movimento. Sobre o assunto, os autores
afirmam que:

65
KLEIN; LUNA, op. cit., p. 43-44.
66
CARDOSO, Ciro Flamarion; ARAUJO, Paulo Henrique da Silva. Rio de Janeiro. Madri: Mapfre, 1992, p.
219-221.
67
Ibid., p. 221.
38

Entre 1950 e 1979, a sensação dos brasileiros, ou de grande parte dos


brasileiros, era a de que faltava dar uns poucos passos para finalmente nos
tornarmos uma nação moderna [...]. Entre 1945 e 1964, vivemos os
momentos decisivos do processo de industrialização, com a instalação de
setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de
grande parte; as migrações internas e a urbanização ganham um ritmo
acelerado. O ano de 1964 marca uma inflexão, com a mudança do “modelo”
econômico, social e político de desenvolvimento, e esta transformação vai se
consolidando a partir de 1967-68. Mas nesse período (1964-79), as
dimensões mais significativas dessa mudança não eram perceptíveis,
deixando a impressão de uma continuidade essencial do progresso,
manchada, para muitos, pelo regime autoritário [...]. Num período
relativamente curto de cinquenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e,
mais aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década de
70, tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna,
incorporando os padrões de produção e de consumo próprios aos países
desenvolvidos68.

Os anos 1950 e o início dos 1960, sobretudo, marcaram não somente a construção de
um país com novos padrões de produção de mercadorias, como também de uma mentalidade
pautada no consumo, associada ao próprio valor de progresso. Além disso, forjou-se nesses
anos a ideia de que a liberdade se conquistava no ato de consumir69. Houve, na interpretação
da historiadora Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo, uma distorção da própria noção
de democracia, que passou da esfera pública para a privada, ou seja, na garantia da cultura do
consumo que se estabelecia naquele período. Ao passo que a sociedade brasileira se
desenvolvia do ponto de vista material, com a produção de itens relacionados à modernidade,
como eletrodomésticos, automóveis, roupas e alimentos industrializados, e com a criação de
novos meios de comercialização, como supermercados, lojas de departamento e,
posteriormente, shoppings centers, a fusão entre consumo, liberdade e democracia passou a
ser cada vez mais empregada em anúncios publicitários e em matérias de revistas como O
Cruzeiro e Manchete70.
Uma vez vinculada à liberdade de escolha do indivíduo, a democracia, para ser
exercida em sua plenitude, deveria, conforme o imaginário da época, garantir a aquisição de
bens diversos e assegurar a satisfação total do sujeito consumidor. O desaquecimento da
economia brasileira no início da década 1960, resultado, entre outros fatores, da queda na taxa
de crescimento industrial e da aceleração da inflação, aliado ao medo do comunismo
68
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 4, p. 559-658, p. 560-562.
69
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”:
publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Hucitec/História
Social – USP, 1998, p. 29.
70
Ibid., p. 139.
39

disseminado em razão das exigências de reformas mais profundas na sociedade e da


sinalização de Jango ao realizá-las de modo substancial, levaram determinados grupos a
apoiar o golpe71. O que estava em jogo para esses grupos e para uma parcela significativa da
sociedade era a manutenção da cultura de consumo sistematizada ao longo dos anos 1950 e
1960.
Isso quer dizer que, em grande parte do período desta pesquisa, o Brasil se
encontrava sob uma ditadura militar que colocava obstáculos à liberdade de expressão e à
manifestação de comportamentos que pudessem significar uma afronta aos padrões morais e
sexuais estabelecidos. Não obstante tal tolhimento, a industrialização e o crescimento
econômico alcançados pelo país nessa época favoreceram uma maior atuação das mulheres no
mercado de trabalho. Os dados demonstram que a participação da mão de obra feminina
aumentou 53,6 % entre 1960 e 1980, passando de 17,9% para 27,5% em tais anos72. A
crescente incorporação da mulher ao mercado de trabalho pode ser explicada também pela
ampliação da escolaridade feminina em diferentes níveis e áreas do conhecimento. Entre 1970
e 1975, por exemplo, a presença das mulheres nas universidades aumentou cinco vezes,
enquanto o número de homens dobrou no mesmo período73.
A conquista de novos espaços pelas mulheres na sociedade e na política e, em seu
âmbito, nos movimentos sociais, evidencia-se nessas décadas com particularidades distintas.
As mulheres desempenharam um importante papel nas contestações políticas dos anos 1960 e
1970, quer para apoiar o golpe de 1964, quer para combatê-lo. A capacidade de mobilização
de grupos femininos conservadores pode ser verificada, por exemplo, nas “Marchas da
Família com Deus pela Liberdade”, as quais arrastaram às ruas milhares de pessoas favoráveis
à deposição do presidente João Goulart, acusado de ser comunista. Instaurada a ditadura
militar, muitas mulheres, oriundas principalmente do movimento estudantil, passaram a
integrar organizações políticas de esquerda e grupos guerrilheiros que propunham a luta
armada como via principal para a redemocratização do país ou para o estabelecimento do
socialismo74. Marcelo Ridenti, observa que, embora não gozasse das mesmas oportunidades
dadas aos homens, sobretudo na ocupação de postos de comando, a militância feminina nos

71
FIGUEIREDO, op. cit., p. 116.
72
Percentuais obtidos com base nos dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Censo
Demográfico (1960 a 1980).
73
MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p.
126-147, p. 145.
74
ADÃO, Maria Cecília de Oliveira. Memórias da luta: a participação feminina nas organizações armadas de
esquerda no pós-64. Patrimônio e Memória, Assis, v. 4, n. 1, p. 01-24, out. 2008. p. 07.
40

grupos de luta armada criou um importante canal para sua participação política e constituiu
um momento de avanço na liberação das mulheres75.
As lutas empreendidas pelos movimentos feministas, identificados como os de
“Segunda Onda”, que reivindicavam o direito da mulher ao prazer, ao controle do próprio
corpo e à sexualidade, contribuíram igualmente para que as mulheres conquistassem e
construíssem novos valores morais e sociais. Assim, a partir dos anos 1960, algumas
mudanças significativas ocorreram, como a desvinculação entre sexualidade e maternidade, a
menor importância atribuída à virgindade como valor moral a ser preservado, a maior
aceitação do trabalho fora de casa e o desejo de autonomia financeira pela mulher.
Apesar das conquistas alcançadas pelas mulheres nas décadas de 1960 e 1970,
normas sociais muito estritas e proibições continuavam presentes na sociedade da época,
sobretudo com as regulações impostas pela polícia em relação ao desnudamento do corpo
feminino. O carnaval – espaço de inversão da ordem e de anulação de coerções – cumpria um
papel primordial na transgressão de hábitos e costumes tradicionais e na possibilidade de
assunção pelas mulheres de sua sensualidade. Os festejos carnavalescos, por terem tal
conotação, contribuíram igualmente para afirmação dos novos valores morais em construção
na época.
As importantes mudanças em curso no Brasil se estenderam também à própria forma
de fazer carnaval, já que o período em estudo foi importante para a redefinição e a
consolidação das escolas de samba no cenário carnavalesco, ao passo que as grandes
sociedades e os ranchos decresciam em importância. O carnaval de rua, considerado
decadente pela imprensa na década de 195076, em razão do crescimento dos bailes de salão, da
diminuição da presença de foliões nas áreas centrais do Rio de Janeiro, do contexto
inflacionário do período, das restrições impostas aos foliões, da descentralização dos festejos,
da perda de prestígio de antigas modalidades carnavalescas, como os ranchos e as grandes
sociedades, entre outras motivações, ganhou outras dimensões por parte da imprensa com o
passar do tempo. A afirmação das escolas de samba como atração principal dos festejos

75
RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo social. Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 113-128, jul./dez. 1990. p. 113. Sobre o assunto ver também:
CODATO, Adriano Nervo; OLIVEIRA, Marcus Roberto de. A marcha, o terço e o livro: catolicismo
conservador e ação política na conjuntura do golpe de 1964. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n.
47, p. 271-302, jul. 2004. WOLFF, Cristina Scheibe. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha:
perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, p.
19-38, dez. 2007.
76
MAZIERO, Ellen Karin Dainese. Mundo às avessas: mulheres carnavalescas na ótica dos filmes de chanchada
e da imprensa na década de 1950. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Assis, 2011, p. 53-54.
41

momescos – ainda que os bailes de salão ocupassem uma posição importante no carnaval –
significou o aumento do número de páginas dedicadas às escolas de samba nos periódicos da
época e o reconhecimento que o carnaval havia se transformado nesse processo, ao contrário,
dos recorrentes discursos dos anos 1950, que anunciavam a morte dos carnavais de rua.
Corroborando a ideia de carnaval como quebra da ordem, a revista O Cruzeiro, no
início dos anos 1960, procurou demonstrar a verdadeira essência do carnaval de rua:

Não é apenas uma canção marcada pelo teleco-teco dos tamborins, dos reco-
recos e dos pandeiros. É a crítica sorridente dos acontecimentos, o protesto
em ritmo humorístico contra as aflições da vida, a caricatura dos figurões do
dia. Mais do que pura manifestação de alegria, é uma libertação de
recalques, uma sublevação da hierarquia social, um maneirismo de dizer as
coisas caladas, o ano a fio, no fundo negro dos barracos e das casas pobres.
Quem faz o carnaval de rua são, principalmente, os que não têm dinheiro
para os convites dos grandes bailes e os que se juntam, nos ranchos e
cordões, escolas de samba e préstitos, com um dinheiro amealhado por força
da tradição77.

Não obstante o crescimento das escolas de samba e a atração de um grande público


nas ruas centrais da cidade, muitos bairros e subúrbios do Rio de Janeiro festejavam o tríduo
momesco em grupos de foliões, blocos, além da decoração dos coretos existentes visando à
premiação da Secretaria de Turismo, uma tradição no que se refere ao carnaval popular. Os
jornais cobriam mais esses festejos, enquanto as revistas ilustradas noticiavam, por vezes,
alguns aspectos dessa forma de brincar o carnaval. O periódico O Cruzeiro, por exemplo,
procurou demonstrar a animação das ruas não centrais da cidade em comentários mais
generalizantes, como este referente ao carnaval de 1962:

Da Penha a Jacarepaguá, de Bangu ao Largo da Abolição, do Grajaú a


Gamboa, o samba veio a público, em grupos de foliões e blocos [...] Os dois
quilômetros da Rua João Ribeiro, em Pilares, as ruas da Abolição, Rocha
Miranda e outros subúrbios estiveram, da noite de sábado até a madrugada
da quarta-feira de cinzas, cheias de uma multidão alegre [...]78.

Os festejos nessas áreas não contavam, em grande parte das vezes, com o apoio da
prefeitura, necessitando do auxílio dos comerciantes locais e dos moradores do bairro para
decorar passarelas e coretos. A decoração das ruas centrais, por sua vez, locais onde
desfilavam ranchos, grandes sociedades, blocos e escolas de samba, fazia parte dos programas

77
BASTOS, Jairo Martins. Carnaval: do morro às ruas. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 105, 04 mar. 1961.
78
CARVALHO, Bernardino de; AMÉRICO, Rubens; ALMEIDA, João de. Rio canta e dança nas ruas. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 55, 24 mar. 1962.
42

da Prefeitura para o carnaval desde 1932, quando o carnaval foi oficializado. A pesquisadora
Helenise Monteiro Guimarães79 percebeu, em seus estudos sobre as ornamentações de ruas e
salões de bailes do Rio de Janeiro, que a partir dos anos 1960 as decorações se relacionaram
especialmente à transformação de “determinados espaços em territórios festivos” com o
propósito de atrair o público – que até então se encontrava descentralizado nas festividades
carnavalescas pela cidade – para as áreas centrais e assim promover o turismo internacional.
Nos primeiros anos da década de 1960, como inferido em enxerto anterior, os
desfiles de ranchos e grandes sociedades apareceram na imprensa como modalidades
carnavalescas ainda escolhidas para brincar o carnaval e apreciadas pelo folião comum, sem
recursos para participar dos grandes bailes do Rio de Janeiro. No entanto, o declínio gradual
desse tipo de carnaval cada vez mais apagado pelo protagonismo assumido pelas escolas de
samba suscitou reportagens que já sinalizavam para a sua extinção. Em 1965, em matéria
intitulada “Ranchos declinam em passeata”, O Cruzeiro levantou as possíveis razões para o
progressivo desaparecimento desse gênero carnavalesco:

Os ranchos estão no fim. O que se viu no Maracanãzinho foi sintomático:


arquibancadas quase vazias (700 pessoas no máximo em todo Estádio), e os
ranchos a desfilar com uma média de 30 a 40 pessoas.
Descobrir de quem é a culpa é quase impossível. O fato é que o público já
não tem mais interesse nas “passeatas” de ranchos. As fantasias são pobres,
se bem que sinceras, e a organização praticamente não existe.
Mas a marcha-rancho, ou simplesmente “o rancho”, está aí nas paradas de
sucesso [...] Então a conclusão é simples: sob o ponto de vista de espetáculo
de massa, as Escolas de Samba tomaram há bastante tempo o lugar dos ditos
ranchos carnavalescos. [...] Agora os ranchos estão em declínio mas ainda
não morreram. Alguns poucos ainda fazem suas “passeatas” no segundo dia
do Carnaval, mas como fantasmas de carnavais passados80.

No ano seguinte, mais uma vez os ranchos foram relacionados a uma tradição do
passado:
[...] os ranchos dão a nota de saudade nos 4 dias de Momo [...] tudo neles
rescende a passado e poesia ingênua, que ingênuas são as suas fantasias, as
suas borboletas enormes e a própria bandinha tipo interior, que marca as
melodias de ritmo lento.
Segunda-feira foi a noite dos ranchos na Avenida Presidente Vargas.
Apresentaram-se a um público reduzido e desanimado [...]81.

79
GUIMARÃES, Helenise. A batalha das ornamentações: a Escola de Belas Artes e o carnaval carioca. Rio de
Janeiro: Rio Books, 2015.
80
BENEVIDES, Henrique. RANCHOS declinam em passeata. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 95, 13 mar.
1965.
81
PRESENÇA da saudade no Carnaval. Ranchos. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 73, 19 mar. 1966.
43

Observações como estas eram realizadas também para os préstitos das grandes
sociedades, que assim como os ranchos emprestaram elementos diversos para a constituição
dos desfiles das escolas de samba. Sobre as Grandes Sociedades, em 1966, a mesma revista
noticiou que:

Com a presença de vedetes já um tanto gorduchas [...], as Grandes


Sociedades marcaram os momentos finais do Carnaval – 66, desfilando nas
Avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. Um final melancólico e de mau
gosto.
De ano para ano vem-se acentuando a decadência das Sociedades, que já
constituíram o grande sucesso de antigos carnavais82.

É perceptível nos fragmentos acima selecionados que ranchos e grandes sociedades


representavam não somente formas mais antigas de brincar o carnaval, mas traduziam valores
de tempos passados, expressos em frases como: “que ingênuas são as suas fantasias, as suas
borboletas enormes e a própria bandinha tipo interior, que marca as melodias de ritmo lento”
e: “com a presença de vedetes já um tanto gorduchas”. Ao contrário dessa representação, a
imprensa exaltava a beleza das passistas das escolas de samba, sobretudo das “mulatas”, que
contribuíam para o espetáculo carnavalesco com sua “beleza cheia de graça, de charme e de
sensualismo”. Essa questão será explorada em profundidade nos capítulos subsequentes,
assinalada aqui somente para marcar o declínio de modalidades tradicionais de brincar o
carnaval, que eram associadas inclusive ao uso de fantasias não envolventes pelas mulheres,
no caso dos ranchos, e à presença de mulheres vistas como pouco atraentes nos préstitos das
grandes sociedades.
Os bailes fechados, dedicados à elite, também eram amplamente cobertos pela
imprensa ilustrada, considerando que alguns faziam parte das festividades oficiais do carnaval
carioca. As possibilidades de divertimento para a classe média e para a elite eram diversas,
podendo brincar em hotéis – Glória e Copacabana Palace –, clubes – Monte Líbano e Sírio
Libanês –, teatro – Municipal – e em clubes esportivos – Flamengo, Fluminense e Vasco, para
citar apenas alguns. Muitos desses bailes atraíam diversos segmentos da imprensa, como
estações de rádio, revistas, jornais e emissoras de televisão, uma vez que contavam com a
presença de personalidades do universo artístico nacional e internacional. Além disso,
participar de bailes como do Municipal e do Copacabana Palace significava para muitas
mulheres a oportunidade de estar sob os holofotes da imprensa e assim buscar projeção social.
Embora intensamente realizados na área central da cidade, os bailes carnavalescos

82
AS Grandes Sociedades: muita côr e pouca animação. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 80, 19 mar. 1966.
44

encontravam-se espalhados por outras regiões do Rio de Janeiro, sobretudo nas zonas norte e
sul, além de bairros do subúrbio da zona oeste. O mapa 1 evidencia alguns bailes realizados
em parcela significativa do período, considerando a cobertura da imprensa sobre o assunto,
que, por sua vez, selecionava quais deles seriam noticiados e cobertos. Muitos dos festejos
assinalados nessa representação gráfica não se realizaram de modo concomitante em todo o
período analisado83. De qualquer forma, o mapa demonstra a descentralização dos festejos
fechados e as oportunidades carnavalescas contidas em diversas partes da cidade.
O principal núcleo festivo ainda era a região central, considerando o seu reduzido
tamanho diante de outras áreas da cidade, com bailes realizados na Avenida Rio Branco, pela
Associação dos Empregados no Comércio, pelo Clube Naval e pelo Clube Militar, na
Avenida Constituição, pelo Clube Embaixada do Sossego, e na Avenida 13 de maio, pelo
Cordão da Bola Preta, apenas para citar alguns exemplos. Na zona sul eram várias as
possibilidades carnavalescas para as camadas mais ricas da população carioca, que poderiam
se divertir no Hotel Nacional, no Clube Monte Líbano e no Clube Sírio e Libanês, além dos
folguedos promovidos pelas associações esportivas como Botafogo de Futebol e Regatas e
Clube Regatas Flamengo, conforme salientado anteriormente. Os folguedos realizados nessa
região da cidade eram os mais registrados pelas revistas ilustradas O Cruzeiro e Manchete, no
que concerne aos carnavais fechados, principalmente por reunirem muitos membros da alta
classe média e da elite, que manifestavam comportamentos vistos como “livres”.
A zona norte, no entanto, não ficava de fora da folia e realizava diversos carnavais
nos salões do Montanha Clube, Social Ramos Clube, Olaria Atlético Clube e Madureira
Esporte Clube. Vale assinalar, ainda, que a zona norte se notabilizava no cenário carnavalesco
pela presença de escolas de samba tradicionais, como Portela, Mangueira, Salgueiro e Império
Serrano, entre outras agremiações, o que indica o potencial festivo da região. Em menor
proporção, a zona oeste, mais afastada do centro, também possuía clubes e agremiações
esportivas que festejavam o carnaval, como o Floresta Country Club, Campo Grande Atlético
Clube e Grêmio Esportivo Estudantes de Realengo.

83
Entre os bailes que não ocorreram em todo o período analisado, encontram-se os realizados no Teatro Recreio,
que deixou de existir em 1968, quando foi demolido; no Copacabana Palace, que passou a não promover mais
festejos carnavalescos em 1974; e no Teatro Municipal, que no ano de 1976 interrompeu uma tradição de mais
de quarenta anos na organização do principal festejo fechado da cidade.
45

O mapa foi elaborado a partir da Base de Dados Geográficos do SIURB (Sistema Municipal de Informações Urbanas) da cidade do Rio de Janeiro, pela empresa ENGEMAP/Assis, com base nas
informações fornecidas pela autora desta tese. Os dados do mapa foram extraídos do jornal O Globo. O QUE vai pelos Clubes, 17/02/1962, p. 9; CARNAVAL nos clubes, 03/02/1964, p. 10; O
QUE vai pelos Clubes, 18/02/1966, p. 05; O QUE vai pelos Clubes, 05/02/1966, p. 09; O QUE vai pelos Clubes, 10/02/1966, p. 05; PROGRAMA semanal nos clubes, 20/01/1967, p. 11;
ROTEIRO do folião, 20 /02/1971; SERVIÇOS da cidade durante o carnaval, 02/03/1973, p. 06; UM SERVIÇO para quem vai brincar nos salões do Rio, 29/01/1978, p. 19; UM ROTEIRO para o
carnaval de salão do Rio, 18/02/1979, p. 14; ROTEIRO DOS bailes no Rio, 10/02/1980, p. 24.
46

O mapa 1 demonstra, assim, que os moradores do Rio de Janeiro podiam brincar o


carnaval não somente acompanhando os desfiles das escolas de samba, das grandes
sociedades e de outras modalidades carnavalescas, mas nos diversos bailes fechados que
ocorriam pela cidade.
Muitos dos bailes mencionados se notabilizaram pelo clima de maior permissividade,
constantemente ressaltado pela imprensa, que procurava selecionar e publicar imagens que
pudessem demonstrar o extravasamento emocional daqueles foliões. Mudanças relacionadas à
moralidade no âmbito carnavalesco eram consideradas mais perceptíveis nos festejos
fechados. Em 1967, por exemplo, a revista Manchete assinalou as modificações percebidas na
forma das mulheres brincarem o carnaval no Municipal: “No princípio, as mulheres
brincavam acompanhadas. Depois evoluíram, dançando em cima das mesas. Hoje pulam
sozinhas no salão em adorável igualdade com os homens”84.
É importante assinalar que a liberação do corpo tinha especial apelo aos segmentos
mais ricos da sociedade. Além disso, é possível conjecturar que as mulheres que participavam
dos bailes mencionados sentiam-se seguras em manifestar comportamentos considerados
ousados, pois encontravam nesses locais espaços mais protegidos, com a existência de um
forte sistema de segurança e a cobrança de ingressos caros, o que acabava por “selecionar”
pessoas que compartilhavam de valores similares e as resguardava em relação à multidão.
Outro baile muito coberto pelas revistas selecionadas era o dos Enxutos, realizado
em parte significativa do período, no Cine Teatro São José, notabilizado pela presença de
travestis. Criado pelos irmãos Álvaro Marzullo e Vicente Marzullo, esses bailes se
destacavam de acordo com a imprensa pela “audácia” das chamadas bonecas que apareciam
nas páginas dos periódicos ilustrados em meio a plumas e pedrarias. Se, por um lado, os
travestis eram fotografados e ganhavam destaque em reportagens que procuravam destacar a
liberdade encontrada no Baile dos Enxutos para exibirem os corpos transformados e a beleza
das roupas utilizadas nos concursos realizados, por outro o aspecto “exótico” permanecia
como tom em algumas imagens selecionadas para noticiar a realização de tal baile.
Além disso, havia proibições e exigências por parte da Divisão de Censura e
Diversões Públicas quanto à realização de bailes voltados para o público homossexual. Nos
festejos de 1971, por exemplo, Edgar Façanha, então diretor da Divisão de Censura, proibiu a
realização de bailes exclusivamente para travestis, alegando que essa forma de divertimento

84
MUNICIPAL, oh, que delícia de baile. Manchete, Rio de Janeiro, n. 774, p. 19, 18 fev. 1967.
47

se configurava como uma “berrante e afrontosa apologia da homossexualidade”85. Antes


disso, em 1969, uma portaria já havia proibido a utilização da denominação “Enxuto” para o
baile promovido pelos irmãos Marzullo, razão pela qual passou a se chamar somente “Baile
de Galã do São José”86, embora fosse de conhecimento geral a participação dos travestis. O
jornal O Globo, na ocasião, divulgou a portaria “N”, nº 0064, da Secretaria de Segurança, que
trazia entre suas proibições:

[...] a realização de qualquer festejo que tenha o propósito de explorar a


degradação humana, por seus vícios ou defeitos, ou a pública apologia
desses males, tais como Baile das Bonecas, Baile dos Enxutos etc., conforme
estabelece a letra f do Capítulo das Proibições, da Portaria do Secretário de
Segurança87.

Diante das críticas recebidas, Façanha procurava justificar a medida afirmando que
os homossexuais não seriam proibidos de entrar nos bailes existentes, mas que não se aceitaria
a organização de festejos exclusivos para esse público. O sociólogo Paulo Sérgio do Carmo
compreendeu esse tipo de reação por parte da polícia e as atitudes dúbias da imprensa ao
retratar os bailes de carnaval com a presença significativa de travestis como indicativos de
uma “tensão entre duas vertentes de moralidade”:

Por um lado, a moralidade religiosa tradicional, que associava o


“homossexualismo” a uma aberração antinatural; por outro, a tolerância ou
aceitação resultante da existência de homens efeminados – as “bichas” – e
travestis como algo inevitável e como personagens relativamente inofensivos
do cenário carnavalesco88.

As mudanças verificadas na sociedade brasileira da época, provocadas pelo


desenvolvimento econômico e pela expansão cultural, relacionam-se à própria
comercialização do carnaval. Esse processo ocorreu de fato a partir da década de 1960,89 com
a contratação de especialistas em decoração e artes plásticas – muitos pertencentes à Escola
de Belas Artes –, o crescente interesse de outros segmentos sociais – especialmente da classe

85
TRAVESTI bem comportado poderá entrar nos bailes. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 05, 27 out. 1971.
86
BAILE do São José: mais de mil bonecas no salão. Manchete, Rio de Janeiro, p. 54, 13 mar. 1976.
87
CARNAVAL-70 já tem normas: proibidos bailes degradantes. O Globo, Rio de Janeiro, 10 nov. 1969, p. 05.
88
CARMO, Paulo Sérgio do. Entre a luxúria e o pudor: a história do sexo no Brasil. São Paulo: Octavo, 2011, p.
299.
89
Essa década evidencia a entrada de pessoas com formação universitária e originárias das camadas médias, o
que acabou por assinalar uma nova etapa na elaboração dos desfiles, com destaque para as fantasias e alegorias,
que contribuíram para a valorização visual dos cortejos. VALENÇA, Rachel T. Carnaval: para tudo se acabar na
quarta-feira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996, p. 61-62.
48

média90 – em assistir, desfilar e participar ativamente da elaboração dos folguedos e a


transformação da festa em espetáculo. Além do mais, o estreitamento de relações com os
bicheiros, responsáveis pelo enriquecimento de muitas das agremiações91, e a transmissão
pela televisão92 dos seus cortejos carnavalescos também contribuíram para que essa
modalidade de brincar o carnaval ganhasse ainda mais projeção.
A massificação da festa pode, portanto, ser facilmente identificada na intensa
divulgação dos desfiles das escolas de samba pelos meios de comunicação, no crescimento do
turismo atrelado ao carnaval e na gravação anual dos principais sambas-enredos. Até o fim
dos anos 1960, por exemplo, poucos eram os sambas-enredo gravados e divulgados pelos
meios de comunicação. O interesse mercantil por essa modalidade de música se deu, de fato,
em 1968, com o lançamento do primeiro LP de sambas de enredo, segmento que cresceria
significativamente na década seguinte. O caráter espetacular da festa, por sua vez, é
evidenciado pela centralização que a visualidade assumiu nos desfiles das agremiações
carnavalescas com a estreita relação estabelecida entre a Escola Nacional de Belas Artes e o
carnaval produzido pelas escolas de samba93.
As modificações temáticas, plásticas e visuais pelas quais passaram as escolas de
samba no período em estudo foram resultado do trabalho do folclorista Dirceu Néri, da artista
plástica e figurinista Marie Louise Nery, do cenógrafo e professor da Escola de Belas Artes
do Rio de Janeiro, Fernando Pamplona, e do cenógrafo e figurinista Arlindo Rodrigues, na
escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, ainda no começo dos anos 1960. As
transformações logo se expandiram para as demais agremiações e, mais tarde, Joãosinho
Trinta, Rosa Magalhães e Maria Augusta aprofundaram ainda mais as modificações na
estética do carnaval, fazendo com que os desfiles se tornassem, de fato, produtos de consumo
das massas.
A presença de artistas pertencentes à Escola de Belas Artes nas escolas de samba, na
década 1960, foi entendida como importante não somente pelas inovações estéticas no
90
Para a estudiosa do carnaval Olga Simson, quanto mais os cortejos das escolas de samba foram se mostrando
importantes no conjunto das atividades carnavalescas, mais essas agremiações tiveram que se adaptar ao gosto
das classes médias, responsáveis por elaborar e julgar os desfiles e espectadoras por excelência dessa modalidade
de brincar o carnaval. É possível inferir das colocações de Simson que a aceitação dos desfiles das escolas de
samba como principal atrativo do carnaval carioca se deu por meio da incorporação de outras camadas da
população. SIMSON, Olga R. de Moraes Von. Transformações culturais, criatividade popular e comunicação de
massa: o carnaval brasileiro ao longo do tempo. Cadernos Ceru, São Paulo, n. 17, s.p., dez. 1981.
91
QUEIROZ, op. cit., p. 97-103.
92
Os desfiles das escolas de samba passaram a ser televisionados ainda na década de 1960, pela extinta TV
Continental. Nos anos 1970 inicia-se a transmissão em cores, o que contribuiu para consumar os desfiles como
festa-espetáculo. LENHARO, Alcir. Cantores do rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio
artístico de seu tempo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995, p. 215.
93
Sobre o assunto, ver: GUIMARÃES, op. cit.
49

universo dessas agremiações carnavalescas, mas também pela expansão da temática negra94
nos desfiles. O trabalho desenvolvido por Fernando Pamplona e outros artistas na
Acadêmicos do Salgueiro, a partir de 1960, é comumente ressaltado por parte da bibliografia
sobre o tema como determinante para a recorrência da temática negra pela agremiação, vista,
muitas vezes, como pioneira nesse quesito. O historiador Guilherme Faria, assim com outros
pesquisadores, apreende os enredos do Salgueiro de 1959 a 1964 como uma continuidade do
enfoque negro já dado pela agremiação aos seus desfiles desde 1954 (“Uma Romaria na
Bahia”), além de relativizar o pioneirismo associado ao Salgueiro na introdução de temáticas
afro-brasileiras na década de 1960, demonstrando a existência de outras agremiações que
abordaram a questão do negro no período. Não houve, por parte da imprensa, segundo o autor,
a demarcação do Salgueiro “como o único líder da revolução temática nos desfiles das escolas
de samba”95, ao contrário da interpretação cristalizada pela bibliografia específica sobre tais
escolas.
Danilo Alves Bezerra inferiu que importância de Fernando Pamplona à frente do
Salgueiro não estaria na proposição da temática negra para os sambas-enredos, mas na
transposição do tema para as fantasias e alegorias, algo ainda inédito no universo das escolas
de samba, na ocasião da sua entrada no Salgueiro em 196096. Desse modo, embora referências
ao negro já tivessem sido feitas no âmbito das escolas de samba, em menções diretas ou
indiretas a personagens e aspectos de sua história, a tradução alegórica dessa temática, como
salientou Bezerra, ocorreu, de fato, nos anos 1960 e o período apresentou enredos quase
sequenciais sobre o assunto, a destacar: Quilombo dos Palmares (Salgueiro, 1960), Casa-
Grande e Senzala (Mangueira, 1962), Relíquias da Bahia (Mangueira, 1963), Chica da Silva
(Salgueiro, 1963), Chico Rei (Salgueiro, 1964), História de um Preto Velho (Mangueira,
1964), Glórias e Graças da Bahia (Império Serrano, 1966) e Bahia de Todos os Deuses
(Salgueiro, 1969).
94
A temática negra, embora estivesse presente anteriormente à década de 1950, não foi considerada por alguns
estudiosos como representativa desse universo. Monique Augras considera os sambas anteriores aos do
Salgueiro, a contar de 1954, com Romaria à Bahia, pouco significativos na alusão da temática negra, por
carecerem de referências mais diretas ao conteúdo. O Salgueiro, ao trazer um enredo exaltando a Bahia como
“terra do samba, de gente bamba e do candomblé”, inaugurou, na interpretação da pesquisadora, a presença da
negritude no samba-enredo, que se faria presente também em carnavais de anos subsequentes. AUGRAS,
Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 90-91. Nesse
sentido, podem-se citar também os enredos: Navio Negreiro (Salgueiro, 1957) e Viagens pitorescas através do
Brasil – Debret (Salgueiro, 1959).
95
FARIA, Guilherme José Motta. O G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e as representações do negro nos
desfiles das escolas de samba nos anos 1960. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2014, p. 276.
96
BEZERRA, op. cit., p. 307-308.
50

A temática afro-brasileira, na década de 1970, apareceu predominantemente em


enredos que enfocaram lendas e mitos, como: Festa para um rei negro (Salgueiro, 1971), Ilu
Ayé (Portela, 1972), Rainha mestiça em tempo de lundu (Mocidade, 1972), Lendas do Abaeté
(Mangueira, 1973), Dona Santa, rainha do maracatu (Império, 1974) e Festa dos deuses
afro-brasileiros (Em Cima da Hora, 1974). Outros aspectos da cultura negra também se
fizeram notar no período compreendido entre 1972 e 1975, como esclarece a estudiosa
Monique Augras, que elencou os sambas-enredo: Banzô Ayê (Unidos do Jacarezinho), Ganga
Zumba (Unidos da Tijuca), Zumbi dos Palmares (Unidos de Manguinhos), Chico Rei
(Império de Campo Grande), Samba, dança para orixás (Unidos da Ponte), A Deusa dos
orixás (União de Vaz Lobo), Lendas e festas dos iabás (União da Ilha), Mulata maior
(Unidos de Lucas), Duduca Lunga, a maravilhosa arte negra (Unidos do Jacarezinho), Magia
africana e seus mistérios (Unidos da Tijuca) e Ajuim-Obá (Arranco)97.

1.1 – Representações de mulheres nos sambas-enredos de agremiações cariocas

O surgimento e a expansão de temas renegados por muito tempo na história do


Brasil, como os relacionados à cultura negra, podem ter igualmente contribuído para o
crescimento de enredos que abordaram figuras femininas no período em escopo. O Quadro 198
sintetiza os temas dos sambas-enredo de diferentes agremiações que apresentaram as
mulheres como protagonistas nas exibições carnavalescas ao longo do período selecionado,
acompanhando, de certa forma, as próprias mudanças temáticas em curso e as discussões que
se faziam presentes na sociedade sobre o “ser mulher”:

97
AUGRAS, op. cit., p. 93. Sobre o assunto, ver: MUSSA, Alberto; SIMAS, Luiz Antonio. Samba de enredo:
história e arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
98
As siglas AESB (Associação das Escolas de Samba do Brasil) e CBES (Confederação Brasileira das Escolas
de Samba), que constam na coluna “resultado”, referem-se às entidades de representação das escolas de samba. É
importante ressaltar, no entanto, que pelos idos dos anos 1960, a AESB passou a chamar-se Associação das
Escolas de Samba do Estado da Guanabara (AESEG). Em razão da fusão do estado do Rio de Janeiro com a
Guanabara, em 1975, a entidade adotou a denominação Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de
Janeiro (AESCRJ). Em relação à CBES, a partir de setembro de 1973, ela se torna a “representação máxima
oficial das entidades”, congregando algumas associações e federações de escolas de samba de todo o país.
ASSOCIAÇÃO das Escolas de Samba do Brasil. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/aesb-associacao-das-escolas-de-samba-do-brasil/dados-artisticos>.
Acesso em:14 dez. 2017.
CONFEDERAÇÃO Brasileira das Escolas de Samba. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular
Brasileira. Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/cbes----confederacao-brasileira-das-escolas-de-
samba/dados-artisticos>. Acesso em:14 dez. 2017.
51

QUADRO 1 – Sambas-enredos de temáticas femininas dos carnavais cariocas de


1961 a 1980

ANO ESCOLA DE PRESIDENTE CARNAVALESCO SAMBA- COMPOSITOR RESULTADO


SAMBA ENREDO (ES)

1963 G.R.E.S. Osmar Valença Arlindo Rodrigues Chica da Silva Noel Rosa de Campeã do
Acadêmicos Oliveira e Grupo 1
do Salgueiro Anescar (AESB e
Rodrigues CBES) com 93
pontos
G.R.E.S. Amaury Jório Armando Iglesias, A Favorita do Maurílio da 2ª colocada no
Imperatriz Antônio Carbonelli e Imperador, Penha Aparecida Grupo 2
1964 Leopoldinense Paulo dos Santos Marquesa de e Silva (Bidi) (AESB e
Freitas Santos. CBES) com 63
pontos
Escola subiu
de grupo após
o desfile
G.R.E.S. João Severino Sebastião Souza de Vida e Amores Dodô Marujo – 3ª colocada no
1967 Em Cima da Gonçalves Oliveira de Beja Zeca do Varejo Grupo 2
Hora (AESEG e
Zeca do Marujo CBES) com 88
pontos
G.R.E.S. Osmar Valença Fernando Pamplona Dona Beja, a Aurinho da Ilha 3ª colocada no
Acadêmicos e Maria Louise Néri feiticeira de Grupo 1
do Salgueiro Araxá (AESEG e
CBES) com
112 pontos.
G.R.E.S. João Severino Ney Roriz Anita Edinoel – Jair Campeã do
1968 Grupo 2
Em Cima da Gonçalves Garibaldi, Torrada
Hora Amor e (AESEG e
Revolução CBES) com
114 pontos
Escola subiu
de grupo após
o desfile
S.R.E.S. Ovo Paes de José Félix Garcez A Imperatriz Nelzinho, 6ª colocada no
Lins Imperial Aguiar Netto das Rosas Tibúrcio e Grupo 2
(samba-enredo João Banan (AESEG e
sobre D. CBES) com 92
pontos
1969 Amélia, esposa
de D. Pedro I)
G.R.E.S. Não Josafá Pereira Maria Quitéria, Sem 14ª colocada
Unidos de identificado heroína da informações no Grupo 3
Bangu independência (AESEG e
CBES) com 65
pontos
G.R.E.S. Não Joceil Vargas Bravura, amor Rubens Fausto 10ª colocada
Acadêmicos identificado e beleza da [Rubinho] – no Grupo 1
de Santa Cruz mulher Paulo Fernandes (AESEG e
brasileira Lima [Paulinho] CBES) com 37
pontos
Escola desceu
de grupo após
o desfile
1970 G.R.E.S. Não Julio Mattos Salões e damas Renato 5ª colocada no
União de identificado imperiais Nascimento, Grupo 2
Jacarepaguá Jorge Mexeu e (AESEG e
Djandir Bastos CBES) com 71
pontos
52

G.R.E.S. Irani Santos Fernando Pinto Alô, alô, taí Heitor Achiles – Campeã do
Império Ferreira Carmem Wilson Diabo – Grupo 1
Serrano Miranda Maneco (AESEG e
CBES) com 68
pontos
1972
G.R.E.S. Sidney Ferreira Jairo de Souza Chiquinha Alfredo Maia e Campeã do
Tupy de Brás Dam Gonzaga, alma Foguete Grupo 2
de Pina cantante do (AESEG e
Brasil CBES) com 66
pontos
G.R.E.S. Osmar Valença Joãosinho Trinta e Eneida, amor e Geraldo Babão 3ª colocada no
1973 Acadêmicos Maria Augusta fantasia Grupo 1
do Salgueiro (AESEG e
CBES) com 56
pontos
G.R.E.S. Irani Santos Fernando Pinto Dona Santa, Wilson Diabo – 3ª colocada no
Império Ferreira rainha do Malaquias – Grupo 1
Serrano maracatu Carlinhos (AESEG) com
1974 93 pontos
G.R.E.S. Anatólio Izidro Edson Machado Mulata Maior – Joãozinho 2ª colocada no
Unidos de da Silva A Divina Empolgação, Grupo 2
Lucas Elizeth Pedro Paulo e (AESEG) com
Cardoso Zeca Melodia 95 pontos

G.R.E.S. Irani Santos Fernando Pinto Zaquia Jorge, a Alvarese 3ª colocada no


Império Ferreira vedete do Grupo 1
Serrano subúrbio, (AESEG) com
estrela de 105 p
Madureira
1975 G.R.E.S. Mario José Não identificado Catarina Mina Rode 12ª colocada
Unidos do no Grupo 2
Jacarezinho (AESEG) com
87 pontos
G.R.E.S. Não Júlio Matos Obra e Vida de Noca da Portela 7ª colocada no
Paraíso do identificado Cecília e Poliba Grupo 2
Tuiuti Meirelles (AESEG) com
92 pontos
G.R.E.S. Osman Pereira Arlindo Rodrigues Mãe Toco – Djalma 3ª colocada no
Mocidade Leite Menininha do Cril Grupo 1
Independente Gantois (AESCRJ)
de Padre (homenagem à com 116
Miguel Maria pontos
Escolástica da
1976 Conceição
Nazaré,
conhecida
como Mãe
Menininha do
Gantois –
Iyálorixá “mãe-
de-santo”
brasileira)
G.R.E.S. Não Não identificado Baronesa da Zardino e Iran 16ª colocada
Acadêmicos identificado Taquara no Grupo 2
1977 da Cidade de (AESCRJ)
Deus com 37 pontos

G.R.E.S. Carlos Teixeira Rosa Magalhães Mulher à Jair Amorim – 5ª colocada no


1978 Portela Martins Brasileira Evaldo Gouveia Grupo 1
(AESCRJ)
com 148
pontos
Fontes: Sambas-enredos compilados pela LIESA; MUSSA; SIMAS, op. cit., p. 191-203; Escolas de sambas.
Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/>. Acesso em: 01 jul. 2017.
53

Esses sambas de enredo que tematizaram as mulheres, por meio de figuras históricas,
personalidades marcantes na história do carnaval carioca e nomes relacionados à religiosidade
afro-brasileira e à música nacional, são importantes para este estudo por evidenciarem as
escolhas realizadas pelas escolas ao elegerem as mulheres a serem homenageadas e o aumento
no número de sambas-enredo que abordaram a temática feminina. Muito embora outros
sambas de enredo tenham abordado as mulheres em suas letras, em algum aspecto, o Quadro
1 enfocou somente aqueles que trouxeram em seu título a tônica feminina, excetuando-se os
relacionados às lendas populares99, à mitologia religiosa100 e às personagens de obras literárias
e musicais101.
Não obstante enredos de anos anteriores aos estudados nessa pesquisa fizessem
referências, em menor ou maior grau, a personalidades femininas, essas poucas menções
homenageavam mulheres pertencentes ao mesmo universo temático: o da história. Enredos
foram dedicados à princesa Isabel (Portela, 1948) e a Bárbara Heliodora (Império Serrano,
1958), enquanto outros enalteciam, indiretamente, figuras femininas como Ana Neri
(Homenagem à Medicina Brasileira, Império Serrano, 1952) ou traziam alusões sobre as
mulheres em temas mais gerais, como Sinhá-Moça (Unidos da Tijuca, 1955) e Bravos e
Heroínas (Unidos da Tijuca, 1959).
É significativo, portanto, o aumento de sambas-enredos que tematizaram alguma
figura ou conteúdo relacionado à mulher no período em estudo, apesar de ainda serem poucos
em comparação ao total de sambas-enredos apresentados. A expansão da temática negra, na
década de 1960, como exposto anteriormente, também se relacionou a uma tentativa de
enaltecimento de figuras femininas negras e de valorização do patrimônio cultural de origem
africana. Os sambas-enredos Chica da Silva, Dona Santa, rainha do maracatu, Catarina
Mina e Mãe Menininha do Gantois evidenciaram esse aspecto, mesmo que com perspectivas
distintas. Os sambas Chica da Silva (Acadêmicos do Salgueiro, 1963) e Catarina Mina
(Unidos de Jacarezinho, 1975) apresentam, do ponto de vista temático, elementos comuns:
contam a história de ex-escravas do período colonial brasileiro que se notabilizaram pelo
prestígio social e pelas riquezas adquiridas a partir de seus envolvimentos amorosos com

99
Podem-se citar os sambas-enredo “Uiara a deusa da Terra grande” (Unidos do Cabuçu, 1975), “A lenda das
sereias rainhas do mar” (Império Serrano, 1976) e “No reino da Mãe do ouro” (Mangueira, 1976).
100
É possível referir-se aos sambas de enredo “Festa de Yemanjá” (Unidos de Padre Miguel/ 1978), “Louvação
às três rainhas” (São Clemente, 1979) e “As três mulheres do rei” (Império da Tijuca, 1979).
101
Entre estes sambas-enredo é possível citar “Peri e Ceci” (Beija-Flor, 1963), “Gabriela, cravo e canela”
(Unidos de São Carlos/Estácio de Sá, 1969), “As Musas de Chico Buarque de Holanda” (Unidos do Cabuçu,
1970), “Marília de Dirceu” (União de Jacarepaguá, 1971), “Heroínas do Romance Brasileiro” (Unidos de São
Carlos/Estácio de Sá, 1974), “Essa Nega Fulô”, baseado no poema do alagoano Jorge de Lima de título similar,
“Essa Negra Fulô” e “A morte da porta-estandarte”, enredo inspirado no conto de Aníbal Machado de mesmo
nome (Imperatriz Leopoldinense, 1975).
54

homens poderosos da época. A representação comum associada a essas mulheres era a de que
utilizaram da sedução como arma para alcançarem uma posição de destaque e de poder em
seus meios sociais, Minas Gerais (Arraial do Tijuco, atual Diamantina) e Maranhão (São
Luís), respectivamente, ainda que a beleza não se constituísse em traço determinante para que
tal conquista ocorresse, como foi o caso de Chica da Silva no samba de Noel Rosa de Oliveira
e Anescar Rodrigues:

Apesar/de não possuir grande beleza/Chica da Silva/surgiu no seio/da mais


alta nobreza./O contratador/João Fernandes de Oliveira/a comprou/para ser a
sua companheira./E a mulata que era escrava/sentiu forte transformação,/
trocando o gemido da senzala/pela fidalguia do salão./Com a influência e o
poder do seu amor,/que superou/ a barreira da cor,/Francisca da Silva/do
cativeiro zombou ô-ô-ô-ô-ô/ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô./No Arraial do Tijuco,/lá no
Estado de Minas,/hoje lendária cidade,/seu lindo nome é Diamantina,/onde
nasceu a Chica que manda,/deslumbrando a sociedade,/com orgulho e
capricho da mulata,/importante, majestosa e invejada./Para que a vida lhe
tornasse mais bela,/João Fernandes de Oliveira/mandou construir/um vasto
lago e uma belíssima galera/e uma riquíssima liteira/para conduzi-la/quando
102
ia assistir/à missa na capela .

O samba-enredo em questão mesclou algumas das representações construídas ao


longo do tempo em relação à figura de Francisca da Silva de Oliveira, conhecida como Chica
da Silva, e a relação estabelecida com o seu companheiro, o contratador de diamantes
português, João Fernandes de Oliveira. É importante esclarecer, contudo, em um primeiro
momento, a trajetória dessa figura histórica para uma melhor compreensão dos aspectos
associados a ela e selecionados para compor o samba do Salgueiro. A historiadora Júnia
Ferreira Furtado103, amparada em uma vasta documentação, demonstra o que, de fato, pode
ser afirmado em relação a Chica da Silva, à origem de determinadas representações e às
mudanças e nuances que sua figura foi adquirindo com o passar do tempo, acompanhando as
mudanças sociais, os interesses em jogo e a permanência de determinados estereótipos. Chica
não foi uma exceção no período, como demonstra a autora, mas exemplo da busca das
mulheres forras de atenuarem o estigma social ao qual estavam sujeitas.
As relações de concubinato tornaram-se comuns na época e possibilitavam às
mulheres forras que viviam com homens brancos alcançarem algum pecúlio ou até mesmo

102
“Chica da Silva”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1963.
103
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003. Ver também: FURTADO, Júnia Ferreira. Família e relações de gênero no Tejuco:
o caso de Chica da Silva. Varia História, Belo Horizonte, n. 24, p. 33-74, jan. 2001.
55

riquezas. Foi o que aconteceu com Chica da Silva, escrava parda, comprada e alforriada por
João Fernandes, com quem teve treze filhos, o que coloca em xeque as características sensuais
atribuídas a sua figura, de forma mais contundente, na década de 1970. Embora no samba do
Salgueiro, de 1963, a sensualidade apareça de forma mais sutil associada à imagem de Chica,
uma vez que é salientada a pouca beleza de sua figura, dando a inferir que ela usou de outros
artifícios para conquistar o contratador de diamantes, outros aspectos são relacionados à ex-
escrava, como o poder alcançado por meio do seu envolvimento amoroso e a assunção de uma
postura mais altiva diante da sociedade mineira.
Furtado demonstra que grande parte das informações que se tinha de Chica da Silva
foram colhidas na obra de Joaquim Felício dos Santos104, que, se por um lado, transformou
Chica em “objeto historiográfico”, por outro, construiu uma imagem negativa a seu respeito,
retratando-a como “boçal e careca, pois era-lhe incompreensível que uma escrava pudesse
despertar a atenção de um homem branco e chegar a esta posição”105. Este elemento da
representação de Chica, ou seja, a imagem de uma mulher feia, apareceu no samba em
análise, ainda que atenuado, talvez em razão das notas explicativas de Nazaré Meneses,
aditadas ao segundo volume da obra de Joaquim Felício, em 1924, que relativizaram a
aparência de Chica, “boçal, mas nunca odienta e asquerosa”, do contrário, “não teria
inspirado ao desembargador”106 ou da obra de Soter Couto, “Vultos e fatos de Diamantina”,
de 1954, na qual Chica é retrata como uma mulher bela, única razão possível para os seus
romances. Entre representações tão díspares, os compositores do samba a colocaram como
uma mulher que não tinha “grande beleza”.
No entanto, outros aspectos acrescidos pela literatura à figura de Chica
provavelmente influenciaram a composição do samba-enredo do Salgueiro. Pela inexistência
de pesquisas históricas sobre o tema, as interpretações de Joaquim Felício continuaram
presentes por muito tempo, ao passo que a literatura compensou as “lacunas da história” com
o uso da imaginação. A obra de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, de 1953, traz
em alguns poemas a história de Chica e do contratador, na qual ela é retratada como uma
mulher sensual e poderosa, “[...] a Chica que manda”, frase presente no samba do Salgueiro.
Na peça de Antônio Callado, “O tesouro de Chica da Silva”, de 1959, tal figura aparece como
104
Advogado diamantinense que atuou para os herdeiros de Chica na ação de posse dos bens de João Fernandes
e que, a partir disso, dedicou-se à escrita da história da ex-escrava, publicada, primeiramente, nas páginas d’O
Jequitinhonha e, posteriormente, constaria no livro Memórias do Distrito Diamantino, publicado em 1868.
105
FURTADO, op. cit., 2001, p. 43.
106
FURTADO, op. cit., 2003, p. 271.
56

astuciosa, em oposição ao seu companheiro, e igualmente como a mulher que “manda”. A


pesquisadora Júnia Ferreira Furtado desmistifica a imagem de “rainha ou bruxa” atribuída a
Chica, ao mostrar, por meio da análise da documentação consultada, uma mulher
conservadora que possuía escravos e participava das principais irmandades religiosas do seu
tempo, como uma forma de ascender socialmente e “procurar diminuir o estigma que a
condição de mulata e forra imprimia”107, além de fornecer pistas que possibilitam conjecturar
as possíveis obras consultadas por Noel Rosa de Oliveira e Anescar Rodrigues para compor o
samba vitorioso do Salgueiro.
Ao contrário, Catarina Mina passou para história como uma negra escrava que
comprou a própria liberdade à custa de seu trabalho em uma barraca ao pé da ladeira da Rua
da Calçada e das relações sexuais mantidas com ricos comerciantes portugueses da Praia
Grande, que se encantavam com sua beleza e sensualidade, como descreveu Rode:

Trazemos para este carnaval/Um fato importante/Da era colonial/Uma


escrava que viveu no Maranhão/Era linda e sedutora/Despertava a
atenção/Foi, foi Catarina Mina/Preta bela, preta fina/Empolgava a
multidão/Êra, êra, êra /Lá vem Catarina toda faceira/Era esbanjadora de
riqueza/Em São Luis, cidade dos azulejos/Satisfez o seu desejo/Muitos
cobiçavam seu amor/Mas com um cafuzo ela se casou/Olha o boi-
108
bumbá/Olha o catimbó/Salve o batuque/No terreiro da vovó .

As mulheres cantadas nesses sambas-enredos são exaltadas por terem conseguido


superar sua condição de escravas e por atingirem a alta sociedade, numa inversão dos valores
tradicionais, expressados em versos como: “E a mulata que era escrava/sentiu forte
transformação,/trocando o gemido da senzala/pela fidalguia do salão” (Chica da Silva) ou “Lá
vem Catarina toda faceira/Era esbanjadora de riqueza/Em São Luis, cidade dos
azulejos/Satisfez o seu desejo” (Catarina Mina). O primeiro samba-enredo traz o escárnio de
tal situação ao mostrar que Francisca da Silva não somente “do cativeiro zombou ô-ô-ô-ô-ô”,
como se tornou a “Chica que manda”, “importante, majestosa e invejada”.
Os sambas-enredos Dona Santa, rainha do maracatu e Mãe Menininha do Gantois
homenageiam, por sua vez, mulheres negras que simbolizam manifestações culturais e
religiosas de origem afro-brasileira, como o maracatu109 e o candomblé, respectivamente.

107
FURTADO, op. cit., 2001, p. 73.
108
“Catarina Mina”. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/unidos-do-
jacarezinho/1975/29/>. Acesso em: 14 jun. 2017.
109
Dança que se desenrola em forma de cortejo, ao som de instrumentos de percussão, na representação de uma
corte, que evoca reis, guerras e uma pátria perdida, com referências aos orixás do candomblé.
57

Representando ao longo de vários carnavais a figura da rainha, no chamado maracatu elefante,


Dona Santa110, que antes já havia participado de inúmeras congadas, demonstrando o gosto
pelo batuque da zabumba, foi exaltada no samba de Wilson Diabo, Malaquias e Carlinhos, da
Império Serrano, em 1974:

Vejam em noite de gala/As nações africanas/Que o tempo não levou/É


maracatu/Olhem quanto esplendor/Na festança real/Vêm as nações
importantes/Saudando a rainha Dona Santa/Cantarolando num baque virado
alucinante/Ô ô ô ô ô/Olha a costa velha do batuque do tambor/Ô ô ô/
“Maracatu Elefante” chegou/Perto do pálio da soberana/Um festival em
cores/Enfeita a nação/Vejam a garbosa rainha/Na matriz do Rosário/Depois
da coroação/Chegou maracatu no Império original/Maracatu tradição do
carnaval 111.

O samba-enredo, de Toco e Djalma Cril, apresentado pela escola Mocidade


Independente de Padre Miguel, em 1976112, sobre a iyálorixá Maria Escolástica da Conceição
Nazaré, conhecida como Mãe Menininha do Gantois, presta uma homenagem a essa
importante figura do candomblé, religião em que as mulheres ocupam uma posição central:

Já raiou o dia/A passarela vai se transformar/Num cenário de magia/Terra da


velha bahia/E do famoso Gantuá/Arerê, arerá/Candomblé vem da
Bahia/Onde baixam os orixás/Oh, meu pai Ogum na sua fé/Saravá Nanã e
Oxumaré/Xangô, Oxossi, Oxalá e Iemanjá/Filha de Oxum pra nos
ajudar/Vem nos dar axé/Nos erês dos orixás, (...minha mãe)/Oh, minha mãe,
Menininha/Vem ver como toda a cidade/Cantem seu louvor a Mocidade.

A sensualidade de mulheres negras, como Chica da Silva e Catarina Mina, explorada


nos sambas-enredos mencionados, embora não fugisse ao estereótipo vigente, no qual tal
apanágio era considerado típico da figura feminina negra/mulata, representou do ponto de
vista temático e musical uma mudança importante no universo carnavalesco, já que priorizou
mulheres transgressoras. De acordo com Monique Augras, Chica da Silva (1963) e Chico Rei
(1964) passaram “uma imagem de negro insubmisso, bem diferente do estereótipo do ‘bom
escravo’, caro à sociedade brasileira”113.
No entanto, tal sensualidade foi também destacada em relação a outra figura
feminina que por duas vezes apareceu no período estudado nos desfiles das escolas de samba:
110
Dona Santa liderava um cortejo real, voltado para a reprodução das antigas cortes africanas. Nessa
manifestação cultural, Dona Santa, assim como outros integrantes, deixavam suas posições cotidianas para se
transformarem em personalidades da realeza, ou seja, a mediação nesse âmbito ocorria dentro da esfera
carnavalesca.
111
“Dona Santa, rainha do maracatu”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1974.
112
“Menininha do Gantois”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1976.
113
AUGRAS, op. cit., p. 138.
58

Ana Jacinta, a Dona Beja. Ela foi tema da agremiação Em Cima da Hora, com Vida e Amores
de Beja114, em 1967, e da Acadêmicos do Salgueiro, com Dona Beja, a feiticeira de Araxá,
em 1968. Neste último samba-enredo, Dona Beja é representada como “certa jovem linda,
divinal” que “seduziu com seus encantos de menina/o Ouvidor Geral” e “na Corte, fascinou
toda a nobreza/com seu porte de princesa/e seu jeito singular”. É importante salientar que a
representação perpetuada de Dona Beja – cortesã de grande beleza, de pele branca, cabelos
loiros e olhos claros –, presente na letra do samba-enredo do Salgueiro, na iconografia e
literatura sobre o tema, não foi fundamentada em evidências documentais, mas resultado da
idealização de Sebastião de Afonseca e Silva, conforme demonstram os estudos da
historiadora Rosa Maria Spinoso de Montandon115. A autora identificou na “História de
Araxá” – texto publicado em capítulos pelo semanário Correio de Araxá, em 1914 – a
construção de tal mito em torno da figura de Dona Beja, que seria reafirmado nas notas
pessoais do autor, nos romances e obras de arte produzidos posteriormente, os quais tiveram
Silva como fonte principal.
A autora evidencia, ainda, que a idealização de Sebastião de Afonseca e Silva quanto
à figura de Beja não estava desconectada do “objeto do desejo” da classe média da época,
pensada como moderna e cosmopolita. Sua representação estética traduziu o racismo existente
na sociedade do período, considerando a distância entre a imagem construída de Beja e a
aparência física da maioria das mulheres de Araxá. Os atributos físicos associados a ela
demonstram, portanto, não somente um gosto pessoal do autor, mas as expectativas de uma
coletividade.
Essa imagem já cristalizada de Ana Jacinta aparece igualmente no samba do
Salgueiro. Dona Beja, em representação típica, não se resignou ao rapto do qual foi vítima e
acabou por exercer uma posição de poder na sociedade de Araxá, do século XIX,
prostituindo-se e acumulando fortuna. Tal fato, no entanto, é abrandado na letra do samba do
Salgueiro, de Aurinho da Ilha, que não deixou de ressaltar a subversão dos valores
tradicionais:

Certa jovem linda, divinal,/seduziu com seus encantos de menina/o Ouvidor


Geral./Levada a trocar de roupagem,/numa nova linhagem/ela foi
debutar./Na Corte, fascinou toda a nobreza/com seu porte de princesa/e seu
jeito singular./Ana Jacinta, rainha das flores,/dos grandes amores,/dos salões
reais,/com seus encantos e suas influências/supera as intrigas/e os
preconceitos sociais./Era tão linda, tão meiga, tão bela,/ninguém mais
114
A letra de tal samba não foi encontrada.
115
MONTANDON, Rosa Maria Spinoso de. Dona Beja: racismo e preconceito na concepção estética do mito.
ArtCultura, Uberlândia, v. 7, n. 10, p. 111-120, jan-jun. 2005.
59

formosa que ela/no reino daquele Ouvidor./Ela com seu trejeito reticente/fez
um reinado diferente/na corte de Araxá,/e nos devaneios da festa de Jatobá./
Mas antes, com seu trejeito feiticeiro,/traz o Triângulo Mineiro/de volta a
Minas Gerais,/e até o fim da vida/Dona Beja ouviu falar/e seu nome figurar
na história de Araxá116.

Ainda que a figura de Dona Beja evocasse igualmente a chave da sensualidade, a


pesquisadora Monique Augras apreendeu diferenciações entre a sua representação e a da ex-
escrava do Arraial do Tijuco:

Se comparada com Chica da Silva, aparece nova inversão: contrariando as


representações corriqueiras, a feiticeira é uma branca. É claro que a palavra
“feiticeira” é usada em sentido figurado, mas não deixa de ser curiosa a
adjetivação, quanto mais que a negra Chica é considerada feia, enquanto a
branca Ana Jacinta é descrita como “linda, divinal”. Seu feitiço é, por assim
dizer, obra da natureza, e não de algum “trabalho” mágico117.

Personalidades ligadas à música popular brasileira também ganharam destaque nos


carnavais das escolas de samba no período, uma vez que foram encontrados três sambas-
enredos que homenagearam mulheres nesse viés temático: Carmen Miranda, Chiquinha
Gonzaga e Elizeth Cardoso. A agremiação Império Serrano, em 1972, além de escolher a
figura de Carmem Miranda para o enredo daquele ano, teve outra mulher em uma posição de
destaque, a cantora Marlene, que puxou o samba-enredo da escola. Celebrando a famosa
cantora e, de certa forma, justificando a escolha de Carmen para o enredo de 1972 pela sua
intrínseca relação com o carnaval, visto que gravou diversas marchinhas carnavalescas e
projetou a figura da baiana no mundo, o Império, com o samba de Wilson Diabo, Heitor
Rocha e Maneco, entoou:

Uma pequena notável/Cantou muito samba/É motivo de carnaval/Pandeiro,


camisa listrada/Tornou a baiana internacional/Seu nome corria chão/Na boca
de toda a gente./Que grilo é esse?/Vou embarcar nessa onda/É o Império
Serrano que canta/Dando uma de Carmen Miranda/Cai, cai, cai, cai,/Quem
mandou escorregar/Cai, cai, cai, cai,/É melhor se levantar/Cai, cai, cai,
cai,/Quem mandou escorregar/Cai, cai, cai, cai,/É melhor se levantar 118.

A agremiação Tupy de Brás de Pina explorou não somente o aspecto carnavalesco


da figura tema do samba-enredo de 1972, a pianista e compositora Chiquinha Gonzaga, autora
116
“Dona Beja, a feiticeira de Araxá”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1968.
117
AUGRAS, op. cit., p. 139.
118
“Alô, Alô taí Carmem Miranda”. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperio-
serrano/1972/4/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
60

da primeira marcha carnavalesca com letra, Ó Abre Alas (1899), mas também outros
elementos de sua vida, como o fato de musicar a opereta “A corte na roça”, em 1885, e reger
um concerto de violões em 1889. O termo “maestrina”, inexistente até o momento em que
Gonzaga começou profissionalmente na música, é ressaltado no samba-enredo de Alfredo
Maia e Foguete, da Tupy, que, ao escolher homenagear essa importante figura da música
brasileira, acabou por priorizar também uma mulher transgressora, considerando a presença
significativa de sambas-enredos no período sobre rainhas e mulheres com títulos de nobreza:

Apaixonada e atraída/Pela beleza/Das luzes da ribalta/Compôs de


admirável/Partitura para opereta/A corte na roça/Dirigiu um concerto/De
cem violões/Engalanando a platéia/Dos nobres salões/Nesta melodia/Vamos
recordar/A maestrina/Da música popular/O abre-alas, que eu quero
passar/Eu sou da lira não posso negar/Ó Chiquinha Gonzaga, Chiquinha/Ó
Chiquinha Gonzaga, Chiquinha/Ó Chiquinha Gonzaga, Chiquinha/Alma
cantante do Brasil119.

O samba-enredo da Unidos de Lucas, de 1974, composição de Joãozinho


Empolgação, Pedro Paulo e Zeca Melodia, sobre a cantora Elizeth Cardoso, fez alusão ao seu
último álbum, Mulata Maior, lançado ainda no ano anterior, e utilizou-se deste título para
nortear a sua homenagem:

Lucas, em tempo de carnaval/Na imaginação/Do nosso escritor,/Ensinando


coisas belas,/Pra você mulata,/Eu tenho música/Ouvi-la cantar é um
prazer/Em nosso dia-a-dia/E nesta festa popular/A você exaltamos/Com
grande alegria/Arrasta mulata, sua sandália de ouro,/Levanta poeira do
asfalto,/“Mulata maior”, meu tesouro/No Municipal você/Foi sensação,/No
interior Brasil,/Em forma de canção/Hoje nossa escola/Está feliz porque,/Ao
invés de ouvi-la/Está cantando pra você/Vem mulata, vem sorrir/E cantar
com esta gente/Que está sempre a aplaudir120.

Embora temáticas como as expostas anteriormente fossem exploradas no período em


estudo, as relacionadas às figuras da história ainda permaneciam muito presentes, totalizando
o maior número de sambas-enredos, com: A favorita do Imperador, Marquesa de Santos,
Anita Garibaldi, Amor e Revolução, Imperatriz das Rosas (samba-enredo sobre D. Amélia,
esposa de D. Pedro I), Maria Quitéria, heroína da independência e Baronesa da Taquara.
Mesmo não fazendo referência a nenhuma figura específica, o samba-enredo Salões e Damas
119
“Gonzaga, alma cantante do Brasil” Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/tupy-de-
bras-de-pina/1972/154/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
120
“Mulata Maior”. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/unidos-de-lucas/1974/207/>.
Acesso em: 15 jun. 2017.
61

Imperiais, da União de Jacarepaguá, de 1970, faz menção ao luxo e ao requinte das festas no
período imperial e, consequentemente, de seus frequentantes “damas e cavalheiros
importantes”.
Apesar de pertencerem ao mesmo universo temático, o da história, essas mulheres
homenageadas se notabilizaram por razões distintas: D. Amélia, Marquesa de Santos
(Domitila de Castro) e Baronesa de Taquara pelo envolvimento e/ou pertencimento à nobreza,
Anita Garibaldi e Maria Quitéria, por sua vez, pela coragem e por terem participado de
conflitos armados, como a Revolução Farroupilha – apenas para citar o exemplo mais
conhecido – e a defesa da independência brasileira, como integrante de um batalhão,
respectivamente.
A respeito da personagem tema do carnaval da Imperatriz Leopoldinense, de 1964,
Domitila de Castro Canto e Melo, amante de D. Pedro I e figura antagônica de sua esposa,
que por ironia denomina tal agremiação carnavalesca, foi ressaltada no samba pelas
conquistas de títulos nobiliárquicos como o de Viscondessa e, posteriormente, de Marquesa, a
partir do seu envolvimento amoroso com o imperador. O samba em questão traz alguns dados
sobre a forma como Domitila e D. Pedro I se conheceram, que não constam na historiografia
sobre o tema. A falta de registros sobre esse acontecimento particular talvez tenha incentivado
a imaginação do autor do samba, Maurílio da Penha Aparecida e Silva (Bidi), a criar a cena da
festa ocorrida em São Paulo, quando, na realidade, o que se conhece sobre o encontro é que
ele aconteceu nessa cidade pouco antes da independência do Brasil121, mas ignoram-se as
circunstâncias.

Nos salões (Em pleno salões)/Imperiais (Imperiais)/Domitila de Castro


Canto e Melo/Consolidou seus ideias/Em São Paulo numa festa
exuberante/Conheceu o triunfante Imperador/D. Pedro I, que a fez
favorita/do seu nobre amor/E como se não bastasse/Para fazê-la
feliz/Nomeou-a primeira dama/da Imperatriz/E, logo após, Viscondessa de
Santos/Engalanado a corte com/os seus encantos/Domitila alcançou o
pedestal da nobreza/Recebendo o pergaminho/que a tornava marquesa/Fez
vibrar a corte com/um baile colossal/Valsando radiante/Com sua majestade
Imperial/Lá, laiá, laiá/A bela Titila foi glorificada/Num suntuoso beija-
mão/Onde esteve sentada/Ao lado do soberano/Que solenemente quis/Dar-
lhe a glória de alguns/momentos/Como Imperatriz122.

121
Sobre o assunto, consultar: DEL PRIORE, Mary. A carne e o sangue: a imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I
e Domitila, a marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012; REZZUTTI, Paulo. Domitila: a verdadeira
história da marquesa de Santos. 2. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2017.
122
“A Favorita do Imperador, Marquesa de Santos”. Disponível em:
<http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperatriz-leopoldinense/1964/6/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
62

Questionar quanto às fontes consultadas pelos compositores para escrever os sambas


das agremiações carnavalescas torna-se importante para investigar os recortes realizados e as
leituras da história. No entanto, tal assunto precisa ser ainda investigado. Outras mulheres
também foram mote de sambas-enredos, como a jornalista e pesquisadora do carnaval Eneida
– conhecida pela sua dedicação à folia por promover todos os anos o “Baile do Pierrô” –, que
ganhou homenagem da escola Acadêmicos do Salgueiro, em 1973, e foi representada como
“amiga dos sambistas” e mulher de “coração puro e nobre”. A escritora Cecília Meireles
também teve seu nome inscrito no rol dos sambas-enredos que homenagearam mulheres. A
Paraíso do Tuiuti exaltou a poetisa, em 1975, como figura “que a mulher brasileira
simboliza”. No mesmo ano, a Império Serrano, com o samba de Fernando Pinto, prestou uma
homenagem à atriz e vedete do teatro de revista Zaquia Jorge, falecida ainda em 1957, que se
destacou por inaugurar o primeiro teatro de revista no subúrbio, no bairro de Madureira, local
pouco contemplado com espetáculos culturais, fato este exaltado pela escola:

O Império deu o toque de alvorada/Seu samba a estrela despertou/A cidade


está toda enfeitada/Pra ver a vedete que voltou/Com seu viver de alegria/Fez
tanta gente sonhar/Outra vez se abre o pano/Pra todo o céu suburbano/Ver
sua estrela brilhar/Viagem, revista, aquarela/O passado é presente/E neste
teatro-passarela/Ela resplandece novamente/Baleiro, bala/Grita o menino
123
assim/Da Central a Madureira/É pregão até o fim .

Como demonstrado, os sambas-enredos sobre personalidades femininas cresceram


significativamente no período em escopo, no entanto, é relevante destacar o surgimento de
dois sambas que tematizaram, de modo mais geral, a figura da mulher brasileira: Bravura,
amor e beleza da mulher brasileira, da Acadêmicos de Santa Cruz (1970), e Mulher à
Brasileira, da Portela (1978). Escritos na década de 1970, os sambas, de certa maneira,
reverberam as mudanças da época no sentido de valorização das conquistas femininas. O ano
de 1975, escolhido pela Organização das Nações Unidas como o “Ano Internacional da
Mulher”, ensejou discussões em vários países sobre a situação de preconceito e desigualdade
em que as mulheres se encontravam124.
Embora as letras dos sambas citados não exprimissem questões relacionadas às
demandas dos movimentos feministas e não denunciassem os problemas enfrentados pelas

123
“Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira”. Disponível em:
<http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/imperio-serrano/1975/4/>. Acesso em: 15 jun. 2017.
124
STUDART, Heloneida. 1975: o ano da mulher. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.187, p. 26-29, 18 jan. 1975;
STUDART, Heloneida. 1975: o ano da libertação da mulher. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.197, p. 42-45, 29
mar. 1975.
63

mulheres, o fato de abordarem a “mulher brasileira”, numa perspectiva generalizante, indica


como este era um tema em voga na sociedade do período. A agremiação Acadêmicos de Santa
Cruz, procurando exaltar a “bravura” da mulher nacional, optou por citar nomes da nossa
história que se relacionaram a esse qualitativo como: Clara Camarão (indígena brasileira que
lutou contra a invasão holandesa em Pernambuco), Anita Garibaldi (figura que já havia sido
homenageada no carnaval), Bárbara Heliodora (poetisa e participante do movimento
Inconfidente brasileiro) e Ana Neri (enfermeira brasileira). Nesse sentido, os autores do
samba-enredo Bravura, amor e beleza da mulher brasileira, Rubens Fausto e Paulo
Fernandes Lima, acabaram por exaltar figuras associadas à coragem feminina em um tom
nacionalista:

Brasil/És um gigante encantado/Representado por teu pavilhão/Brasil/Hoje


exaltamos o teu passado/Simbolizando as glórias em nossos anais/A
despontar desta história/Com bravura, amor e glória/Da mulher que o mundo
criou/Exuberância de Clara Camarão/Que em Pernambuco/Cumpriu sua
missão/Brasil/Simbolismo de riqueza/Desde a época colonial/Com heroismo
da mulher/Houve transformação em geral/Ao desbravar tua nobreza/Com
angústia e tristeza/Nos campos irmanadas para lutar/Anita Garibaldi,
Bárbara Heliodora/Gênios imortais de nossa história/Ana Néri, a famosa
enfermeira,/Que orgulhou todo torrão brasileiro/Independência e
Abolição/Foram os fatos mais importantes desta nação/Quando os negros
envaidecidos de alegria/Comemoravam a libertação/Brasil/Simbolismo de
riqueza/Da beleza universal/Do samba altaneiro/E do patriotismo
nacional125.

O samba-enredo de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, do carnaval da Portela de 1978,


também se refere às mulheres que se notabilizaram na história brasileira, no entanto, não cita
nenhum nome específico. Ao descortinar o passado, o heroísmo não é a única característica
atribuída à mulher nacional, mas também a beleza e a sensualidade, expressas em sorrisos,
olhares e no “feitiço” da mulata, que se estende para toda brasileira, seja ela branca, negra ou
morena:

Amor, amor, amor/A mulher em festival/Traz a Portela/É riso, é luz, é cor/É


poema, o carnaval/Falando nela/Tanta história pra contar/Tantos nomes pra
lembrar/Com ternura e emoção/Das heroínas que são/Nosso orgulho e nossa
tradição/Dessas mulheres gentis/Que fizeram o meu país feliz/(Vou cantar
para exaltar)/Um sorriso em sua boca/Um olhar daquele jeito/Nossa alma
fica louca/Coração bate no peito/Brancas, negras e morenas têm (ora se
têm)/O feitiço que a mulata tem (e como tem)/Brasileira é uma beleza em
flor/E beleza não tem cor/Olê, olê, olê, olá/Podem falar/Mas mulher como
a nossa igual não há/(Meu amor...)126.

125
“Bravura, amor e beleza da mulher brasileira”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1970.
126
“Mulher à Brasileira”. Departamento Cultural LIESA, Sambas-enredo, 1978.
64

Se o samba-enredo da Portela não citou nenhum nome feminino, tratando da mulher


brasileira de um modo geral, o mesmo não se pode dizer do seu desfile, que priorizou
personalidades femininas de diversos momentos da história e relacionadas a diferentes
universos temáticos, seja da música, da política, da história, da literatura, do carnaval ou das
artes, apenas para citar alguns, para serem homenageadas. À frente da escola como
carnavalesca estava igualmente uma mulher, Rosa Magalhães, o que pode explicar muitas das
escolhas realizadas, além de Lícia Lacerda, na elaboração dos figurinos, adereços e alegorias,
e Iarema, na escultura. As figuras femininas escolhidas para compor e dar sentido ao enredo
da escola foram: índia Paraguaçu, Marquesa de Santos, Anita Garibaldi, Chica da Silva,
Princesa Isabel, Nísia Floresta, Chiquinha Gonzaga, Tia Ciata, Tarsila do Amaral, Maria
Bonita, Carmem Miranda, Darcy Vargas, Maria de São Pedro, Eneida, Cacilda Becker, Leila
Diniz, Vilma Nascimento (porta-bandeira da escola) e Rachel Queiroz. Algumas dessas
mulheres já haviam aparecido no carnaval anteriormente, como Eneida, Carmem Miranda,
Chiquinha Gonzaga e, sobretudo, aquelas vinculadas à história, como Marquesa de Santos,
Anita Garibaldi, Princesa Isabel e Chica da Silva, quase todas no período aqui analisado.
A escolha da atriz Leila Diniz, símbolo da liberdade feminina, e da escritora e
feminista Nísia Floresta como representantes da história que seria contada na avenida
demonstra como temas discutidos na época, como o feminismo e a liberdade sexual da
mulher, começavam, aos poucos, a aparecer nos enredos carnavalescos, embora esses nomes
não constassem na letra do samba em questão e as demandas associadas a essas figuras
femininas não se fizessem presentes. Tal enredo foi apontado por Hiram Araújo, estudioso do
carnaval, como “inédito”, já que nunca havia sido “focalizado” daquela forma. Quanto ao fato
de o desfile destacar duas mulheres ainda vivas na época – Rachel de Queiroz e Vilma do
Nascimento –, a justificativa da escola era a de que a primeira se tornou “imortal ao ingressar
na Academia Brasileira de Letras” e a segunda era “integrante da escola”. As outras mulheres
foram escolhidas “pelas diversas atividades que desenvolveram nos mais diversos campos”127.
É importante lembrar que, naquela época, os sambas e os enredos se referiam quase sempre ao
tempo passado, sendo poucos os que faziam alusões ao presente.
Como salientado anteriormente, os sambas Bravura, amor e beleza da mulher
brasileira e Mulher à Brasileira, embora carregassem estereótipos diversos, podem ser
considerados, em nível temático, inovadores na exaltação da mulher brasileira,
acompanhando, de certa forma, a projeção que tal assunto ganhou na década de 1970. O

127
PORTELA. Mulher à brasileira. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2429, p. 40, 28 jan. 1978.
65

estereótipo presente no segundo samba refere-se principalmente ao fato de a sensualidade da


mulher brasileira ser descrita como mais livre e associada originalmente à mulata,
representação já muito conhecida no imaginário social, servindo, nesse caso específico, como
paradigma para avaliar a beleza das demais mulheres do país. Se por um lado, os sambas se
destacaram por abordarem o “ser mulher”, por outro não acompanharam as discussões da
época e o questionamento das representações correntes. As lutas femininas ressaltadas nos
dois sambas atrelavam-se a um passado mais remoto, sem qualquer menção ao presente de
mudanças. Essas breves considerações a respeito dos sambas-enredos relacionados às figuras
femininas indicaram, portanto, a diversidade de nomes de mulheres que apareceram como
mote para os desfiles e o crescimento de enredos com tal temática no período estudado, a
destacar os anos 1970, com treze sambas.

1.2 – Mulheres nas pândegas carnavalescas de rua e dos salões cariocas

No que se refere aos grandes salões, a imprensa ilustrada demonstrava o luxo dos
bailes por meio das imagens selecionadas e da descrição de detalhes que poderiam dar ao
leitor uma dimensão dessa modalidade de brincar o carnaval, revelando, por exemplo, o
quanto deveria ser desembolsado para brincar em um festejo voltado para as camadas mais
elevadas da população, como o baile do Municipal, sobre o qual a revista O Cruzeiro, em
1964, destacou:

[...] o ambiente que cercou uma multidão de foliões que, não se sabe como,
depois e além de ingerir 2200 garrafas de champanha nacional + 1800
francês, 3500 litros de uísque e 20 mil xícaras de cafezinho, tivesse
estômago para absorver mais de duas toneladas de peru, duas idem de melão,
meia tonelada de maçãs e cem mil salgadinhos, de quebra, pra tirar o gosto.
[...] o folião podia escolher, conforme suas posses ou disposição de espírito,
as seguintes maneiras de viver o Baile do Municipal. Os que quisessem
somente se divertir teriam de desembolsar apenas 20 mil cruzeiros. Já quem
quisesse uma mesa (para ver, ouvir e mesmo cantar) teria de pagar 35 mil
cruzeiros “per capita”. Quem tivesse 42 mil cruzeiros sobrando, à disposição
da noite de segunda-feira, podia adquirir um lugarzinho numa frisa quase ao
rés-do-chão. O preço da animação se elevava à medida que o folião subia
para locais mais altos: o camarote, por exemplo, cotado a 45 mil cruzeiros,
por pessoa. [...] os camarotes mais oficias – o do Presidente da República e o
do Governo do Estado – foram vendidos por 2 milhões de cruzeiros, cada128.

128
OS DEZ mil do Municipal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 18, 29 fev. 1964.
66

Alguns itens servidos, como champanhe, uísque e peru, revelam a sofisticação do


festejo. Sobre os valores a serem gastos para participar do baile, para efeitos de comparação,
um exemplar da revista O Cruzeiro custava Cr$ 150,00 em 29 de fevereiro de 1964, enquanto
o valor mínimo a ser pago para brincar nos salões do teatro era de 20 mil cruzeiros no mesmo
período.
Quanto aos desfiles das escolas de samba, o luxo poderia ser percebido nas fantasias
dos componentes das principais agremiações, como Mangueira, Portela, Salgueiro e Império
Serrano. A revista Manchete, ao mostrar os preparativos para o carnaval de 1965, informa que
a Portela desfilaria naquele ano com mais de três mil figurantes e com uma verba de 90
milhões de cruzeiros, enquanto o Salgueiro gastaria 80 milhões de cruzeiros na realização de
seu carnaval. O propósito desse tipo de matéria era evidenciar também o crescimento das
escolas de samba, com os seus milhões, e a “guerra” estabelecida em busca da vitória. A
dedicação de um integrante a uma única agremiação já não era tão recorrente no contexto de
modificações dos anos 1960, como é perceptível no texto a seguir, também referente ao
carnaval de 1965:

Silvana, cantora do Império Serrano, foi para Portela. O Trio Fluminense


saiu do Salgueiro e entrou na Portela. Jaburu, comandante de ala da Portela,
mudou-se para o Império. A bateria da Mocidade Independente, sensação do
carnaval do ano passado, recebeu diversos convites da Portela e do Império,
mas não os aceitou. [...] É a guerra das escolas, a guerra do samba, a mais
bonita, envolvente e feérica dos últimos quatrocentos anos129.

Além disso, a preocupação com a estética do desfile, objetivando uma maior inserção
no mercado de consumo cultural, levou algumas escolas, como o Salgueiro, a interessar-se de
modo especial pela dança apresentada pelos passistas. Nesse sentido, é importante ressaltar o
trabalho da bailarina e coreógrafa Mercedes Batista na composição de alas de passo marcado
no Salgueiro e na criação de uma coreografia para a Comissão de Frente do enredo campeão
da escola, “Chica da Silva”, ainda no carnaval de 1963.
Inovações diversas eram realizadas pelas escolas, em maior ou menor proporção, não
apenas como forma de se diferenciarem umas das outras, mas pretendendo a
espetacularização dos desfiles, uma vez que tal intento relacionava-se ao próprio projeto de
internacionalização do carnaval, construído entre 1957 e 1963, conforme aponta a pesquisa do
historiador Danilo Bezerra. Ele identificou, por meio do estudo de jornais e revistas do

129
KALLÁS, André; SOUZA, Juvenil de; CLAUDIO, Edson. Onde nasce o carnaval. Manchete, Rio de Janeiro,
n. 670, p. 88, 20 fev. 1965.
67

período, ações tomadas pela Secretaria de Turismo, em conjunto com a iniciativa privada,
figurada por Jorge Guinle, herdeiro do Hotel Copacabana Palace, e por Harry Stone,
representante de Hollywood no Brasil, que sinalizavam para a divulgação do carnaval no
exterior, a promoção do turismo e a vinda de artistas internacionais. Estes últimos, aliás,
funcionavam como chamarizes para os glamorosos bailes da elite e para os coquetéis
“organizados especialmente para ‘produzir’ notícias em torno das amenidades e das
intimidades das estrelas, aproximando signos culturais de Brasil e Estados Unidos”130.
Os ensaios e desfiles das escolas de samba também não escaparam da presença de
elementos estrangeiros e das visitas de embaixadores e políticos. Outras ações envolviam a
realização de bailes de carnaval pelas embaixadas brasileiras na Rússia e nos Estados Unidos
e a formação de conjuntos musicais compostos por passistas e ritmistas que se apresentavam
em outros países e nos transatlânticos que atracavam na baía de Guanabara na época do
carnaval131.
Do mesmo modo que os desfiles das escolas de samba agigantaram-se no período, as
ornamentações das ruas também se tornaram mais oponentes, figurando como outro ponto
alto do carnaval carioca. É importante ressaltar que as inovações estéticas dos desfiles das
escolas de samba no período abordado se deram em razão da entrada de profissionais da
Escola de Belas Artes, instituição que forneceu artistas para decoração das ruas e salões
durante os festejos. Esse investimento por parte do poder público, na ornamentação de ruas e
salões, indica a afirmação do Rio de Janeiro como centro turístico internacional.
Além do mais, a concorrência estabelecida por meio dos concursos oficiais para
decoração das ruas, com premiações significativas, estimulou a melhoria da qualidade dos
projetos e a inserção de novos profissionais. Os artistas da Escola de Belas Artes foram,
portanto, os responsáveis por uma mudança estética no carnaval, com a experimentação de
materiais e modos de produção132. É válido considerar, ainda, que a participação de artistas de
formação nos desfiles carnavalescos não se deu pela primeira vez no início do período
estudado; Monique Augras informa que as grandes sociedades há tempos recorriam a
“especialistas para montarem seus préstitos”. Também nessa direção, a historiadora Zélia
Lopes da Silva identificou no discurso da imprensa, ainda em 1932 – no momento em que se
discutia a necessidade da institucionalização do carnaval –, evidências da já integração de
artistas plásticos na realização dos festejos da cidade. A pesquisadora cita como exemplo o
130
BEZERRA, op. cit., p. 239.
131
Ibid., p. 290-291.
132
GUIMARÃES, op.cit. Nesta obra, a autora esclarece, ainda, a respeito das ornamentações das ruas e dos
salões cariocas, sendo referencial no assunto.
68

caso do escultor Magalhães Corrêa, que há vários anos atuava no préstito dos Fenianos133. No
que se refere especificamente às escolas de samba, Augras verificou a presença de cenógrafos
em 1935, quando encontrou referências à presença dos mesmos na famosa escola Vizinha
Faladeira134.
A mudança da capital federal para Brasília, em 21 de abril de 1960, não significou
para o então estabelecido estado da Guanabara o abandono do ideal de centro cultural do país,
construído ainda em períodos anteriores. Ao contrário, o primeiro governador eleito, Carlos
Lacerda, procurou reafirmar a Guanabara como capital cultural, local de encontro de diversas
influências culturais e, portanto, “vitrine da nação”135. O carnaval, nessa interpretação,
expressava a alegria do povo brasileiro, sua desenvoltura e a mistura de elementos diversos,
por mais que algumas de suas manifestações, como os desfiles das escolas de samba,
recebessem, de determinados setores, críticas relacionadas à participação e à presença da
classe média nos ensaios, desfiles e também na elaboração dos folguedos.
A imprensa, que acompanhava a espetacularização do carnaval, tecia elogios à
grandeza das escolas, ao mesmo tempo em que dedicava espaço para as críticas concernentes
às transformações que afastavam as agremiações das suas tradições. Em matéria sobre os
desfiles de 1966, a revista O Cruzeiro salientou a busca de elementos diversos pelas escolas
de samba como forma de se diferenciarem dentro da concorrida competição:

No afã de sobrepujarem as rivais, as escolas têm lançado mão de diversos


expedientes, sempre visando ao espetacular: violinos, passos de “ballet”,
tímpanos, artistas famosos, guitarra elétrica, travestis etc. O protesto geral
não coibiu de todo, mas atenuou os abusos e fez com que algumas escolas
dessem um oportuno meia-volta-volver nesse caminho perigoso136.

A participação de mulheres provenientes do universo artístico nos desfiles das


escolas de samba também foi associada a uma descaracterização do carnaval, já que muitas
não tinham nenhum envolvimento com as escolas e as buscavam somente no anseio de se
projetarem ainda mais no cenário nacional. Enquanto alguns críticos entendiam a presença
dessas mulheres como “prova de que o samba está cada vez mais forte, mais entusiasmado”, e
que elas poderiam contribuir para enaltecer ainda mais os desfiles, outros enxergavam nessa

133
SILVA, op. cit., 2008, p. 128.
134
AUGRAS, op. cit., p. 86.
135
FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação à segunda edição. In: ______. Rio de Janeiro: uma cidade na
história. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 07-10, p. 08.
136
VASCONCELOS, Ary; CARNEIRO, Glauco. O samba pede passagem. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p.
119, 12 mar. 1966.
69

inserção um desvirtuamento das escolas, como nos informa a revista O Cruzeiro, também
sobre o carnaval de 1966:

Quem não conhece a famosíssima Isabel Valença? A Gigi da Mangueira? A


dupla Wilma e Odila, que acompanham a Portela? A incomparável Paula? E
tantas outras. Mas entre estas “outras” existe gente que dizem não pertencer
ao samba autêntico, ao samba do morro. Gente que nem do asfalto veio, mas
dos palcos e dos “shows” sofisticados, vedetes autênticas que só pisam no
morro nas vésperas do Carnaval, e que desfilam e são faladas tanto ou mais
que o primeiro grupo aqui citado.
Falaram muito, criticaram mesmo. A intromissão de elementos “de fora” nas
Escolas de Samba. Esta gente que só aparece no Carnaval estaria tirando a
autenticidade das Escolas. Verdade ou não?
[...] Os do contra diziam entre outras coisas que era simplesmente ridículo,
desleal, esta intromissão de gente de fora. [...] Mas afinal contra quem êles
lutavam? De princípio, contra os elementos não brasileiros como Anik
Malvil e Lennie Dale, anunciadas como integrantes dos desfiles das Escolas.
Em seguida, contra tôda e qualquer intromissão de gente que durante os 365
dias do ano está inteiramente desligada das Escolas e que só aparece ou é
chamada nas vésperas do Carnaval137.

A presença de celebridades nos festejos momescos já era algo comum pelo menos no
que se refere aos bailes fechados, como do Municipal e do Copacabana Palace, no qual essa
participação relacionava-se à própria tentativa de internacionalização do carnaval. Com o
carnaval já internacionalizado e sua crescente espetacularização, nos anos aqui estudados,
figuras da society carioca, como Beki Klabin, que se notabilizou no universo carnavalesco por
desfilar na Portela, ocuparam espaços importantes nos festejos, não obstante tivessem
inicialmente recebido críticas por representarem a invasão de “elementos estranhos” nas
escolas.
No trecho da revista O Cruzeiro, reproduzido acima, Regina Helena Esberard, mais
conhecida como Gigi da Mangueira, embora proveniente de uma família rica de origem
francesa e moradora de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, não foi vista como elemento “de
fora”, mas como passista representante do “autêntico samba”, posta ao lado de Isabel Valença
e Paula, figuras da comunidade, possivelmente pela dedicação à referida agremiação e pela
excelência dos passos de samba apresentados. Em entrevista para o Museu da Imagem e do
Som, a ex-porta-bandeira da Portela, Vilma Nascimento, elegeu a socialite Beki Klabin como
uma personalidade importante da agremiação, sendo tal escolha justificada pelo fato de Beki
não ter exigido nada para desfilar no tempo que permaneceu na escola. É possível supor que
Vilma Nascimento optou por Beki Klabin, ao invés de citar algum nome da comunidade, por

137
MULLER, Gilda. Elas sambam no asfalto. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 22, p. 71, 05 mar. 1966.
70

entender que a dedicação à agremiação não era um aspecto comum às muitas mulheres da alta
sociedade ou do mundo artístico, que buscavam as escolas apenas no anseio de aparecerem
nos canais de televisão e nas revistas que cobriam o carnaval. Vilma talvez tivesse visto em
Klabin, representante da alta sociedade, o reconhecimento desse grupo social às escolas de
samba.
Um aspecto importante a ser ressaltado nessa discussão é a ocorrência de uma
situação análoga ao que vinha sendo criticado na época, porém, no seu sentido inverso, ou
seja, a participação de uma integrante de agremiação carnavalesca – Isabel Valença – no
tradicional concurso de fantasias do Teatro Municipal. Enquanto as escolas de samba
representavam o amálgama de diversas manifestações populares no âmbito carnavalesco,
resultado da soma de elementos dos ranchos, cordões e das grandes sociedades, o baile do
Municipal se constituía como o principal divertimento da elite no carnaval. Isabel Valença,
que ganhou destaque na pândega de 1963 por encarnar a personagem tema do vitorioso
enredo do Salgueiro, “Chica da Silva”, participou, em 1964, do concurso de fantasias do
Municipal, trajando a roupa que havia desfilado na avenida, representando, naquele ano,
“Rainha Rita de Vila Rica”, no enredo “Chico Rei”. Assim, Isabel Valença entraria para a
história do carnaval carioca não somente pela interpretação, na avenida, da fase nobre da ex-
escrava Chica da Silva, mas por ter sido a primeira mulher integrante de escola de samba a
concorrer no tão disputado concurso de fantasias do Municipal. Tal acontecimento se tornaria
ainda mais relevante pelo fato de Valença atingir a primeira colocação na categoria feminina
(luxo) do concurso, o que foi visto pela imprensa como mais um indicativo do luxo que
estaria “tanto nos grandes salões como nos terreiros das escolas de samba”138, além de
evidenciar a aproximação de segmentos sociais distintos em suas manifestações culturais e
práticas sociais.
A espetacularização e o destaque assumido pelas escolas de samba no período em
análise acabaram por influenciar outras modalidades de brincar o carnaval, como os blocos de
rua, que se sofisticaram no período e foram acusados de perder sua “fisionomia original”,
ainda no carnaval de 1969:

Na noite quente do sábado, os blocos desceram para a Avenida Presidente


Vargas. E as milhares de pessoas que lá se encontravam viram um
espetáculo que, a cada ano que passa, vai assumindo características
completamente diferentes: é que os blocos, na competição pelos prêmios
oferecidos, estão perdendo sua fisionomia original e cada vez mais parecem
com escolas de samba [...]. Hoje é muito diferente. Com exceção do Cacique

138
FANTASIAS. Manchete, Rio de Janeiro, n. 617, p. 38, 15 fev. 1964.
71

de Ramos e do Bafo da Onça, os blocos viraram mini-escolas de samba.


Saem com temas, alegorias, fantasias luxuosas e tudo o mais. De original
não sobrou nada. O culpado disto, para Ricardo Cravo Albim, diretor do
Museu da Imagem e do Som da Guanabara, é o modismo. Escola de Samba
é bacana para todo mundo, atrai turistas, dá cartaz. Assim, os blocos, pouco
a pouco, foram se transformando e chegaram ao que são hoje139.

É inegável o crescimento de blocos e bandas no Rio de Janeiro do período. Os blocos


podiam ser classificados em sujos, de embalo e de enredo. Os primeiros eram constituídos por
foliões que não seguiam nenhum padrão de fantasia e saíam às ruas de bairros como
Botafogo, Lapa e Laranjeiras. Os blocos de embalo, por sua vez, eram aqueles nos quais os
brincantes saíam com a mesma fantasia, no bairro de origem ou no local dos desfiles, a
Avenida Presidente Vargas, a partir de 1963, antes da exibição das escolas de samba do grupo
1. Nessa categoria, destacaram-se os blocos Cacique de Ramos, Bafo da Onça e Boêmios de
Irajá. Por fim, havia os blocos de enredo, parecidos em escala reduzida com escolas de samba,
como os Canarinhos das Laranjeiras, Arranco, Vai Se Quiser, Os Foliões de Botafogo,
Cometas do Bispo e Império do Pavão, apenas para citar alguns, que desfilavam e concorriam
aos prêmios oferecidos140. A crítica apresentada pela revista O Cruzeiro, em 1969,
provavelmente se relacionava aos blocos de enredo, que buscavam inspiração nos desfiles das
escolas de samba. Ainda que essas agremiações carnavalescas tivessem exercido influência
sobre os blocos em diversos aspectos, ambas as modalidades de brincar o carnaval perderam a
centralidade de tempos passados, como ressalta a revista Manchete, no carnaval de 1970:

[...] outrora, o carnaval era mais centralizado: isto é, os blocos, as


agremiações carnavalescas, as escolas, eram constituídos por moradores de
uma região, de um bairro, de uma rua. Hoje ao contrário, a Mangueira, por
exemplo, ostenta uma ala inteirinha formada por moças de Copacabana141.

Se por um lado a imprensa tecia críticas à descaracterização dos blocos de enredo,


devido à aproximação com as escolas de samba, por outro elogiava o crescimento das
chamadas bandas, “versões modernas dos antigos cordões”, que expandiam o carnaval de rua,
visto como menos expressivo em comparação com os festejos do passado. Mais do que isso, a
imprensa considerava as bandas as responsáveis por trazer o povo novamente para as ruas,
como é perceptível no trecho a seguir, retirado da revista Manchete, de 1972:

139
DIAS, Etevaldo. BLOCOS abrem o carnaval da Avenida. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 09, p. 109-111, 27
fev. 1969.
140
COSTA, op. cit., 2001, p. 176-177.
141
4 MILHÕES na Avenida. Manchete, Rio de Janeiro, n. 929, p. 37, 07 fev. 1970.
72

As bandas cariocas estão devolvendo uma das manifestações mais autênticas


da racionada alegria popular: o carnaval de rua. Avós à parte, ninguém
poderia imaginar que, um dia, o asfalto pudesse se encher outra vez de gente
cantando e dançando. Isso era coisa dos chamados bons tempos. Pois agora –
e cada vez mais – isso é coisa de gente como a gente, jovem, se não na
carteira de identidade, pelo menos na cuca142.

A Banda de Ipanema, criada ainda em 1965, abriu caminho para que outras bandas
surgissem, sobretudo em bairros da zona sul do Rio de Janeiro, apesar de não ficarem
circunscritas somente a essa região da cidade. Albino Pinheiro, principal fundador de tal
banda, explicou para o Jornal do Brasil, em 1972, as razões que justificavam seu sucesso:

O êxito da Banda [...] foi trazer para um público que não entendia de
carnaval de rua uma forma de diversão autêntica. Há oito anos, quando
começamos a sair, Ipanema era muito mais provinciana. Antes da Banda de
Ipanema, praticamente ninguém participava de uma eventual formação de
bloco de sujo. O pessoal da Zona Sul, classe média em geral, sempre se
recusou a participar do carnaval de rua em sua forma legítima143.

A imprensa procurava ressaltar o papel das bandas na animação do carnaval de rua


da cidade e a sua capacidade de atingir “tanto quem mora no morro do Cantagalo quanto a
quem reside na Vieira Souto”. A questão é que bandas surgiram no Leme, Leblon, Tijuca,
Largo do Machado, Penha, entre outros locais, ganhando destaque da imprensa ilustrada,
sobretudo as da zona sul, que atraíam artistas como Leila Diniz, Clementina de Jesus, Elza
Soares, Marília Pera, Zezé Motta, Elizeth Cardoso, Clóvis Bornay e Emilinha Borba, apenas
para citar alguns.
A despeito da presença de artistas nos desfiles das escolas de samba e da polêmica
que envolvia tal assunto, em 1972 a revista Manchete entrevistou cinco personalidades com e
sem experiência nesse universo, sendo apenas um homem, o cantor Jorge Ben, sobre as razões
que as teriam levado a “sambar no asfalto”. As mulheres entrevistadas foram a cantora
Marlene, que puxaria o samba-enredo do Império Serrano, Miriam Pérsia (atriz de teatro e
televisão), Cidinha Campos (apresentadora de vídeo) e Iara Marques (manequim, atriz e
passista). Em tom provocativo, considerando a discussão que havia na época sobre a invasão
de elementos externos à comunidade nos desfiles das escolas de samba, Manchete questionou:

MANCHETE: [...] a Miriam aqui, por exemplo, nunca desfilou. Estréia este
ano e já vai como destaque. Você acha justo? Não seria mais honesto, por

142
SÉRGIO, Renato. Os alegres rapazes das bandas. Manchete, Rio de Janeiro, p. 22, 12 fev. 1972.
143
A BANDA e a Bandalha. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 fev. 1972, s.p.
73

exemplo, que esse destaque fosse dado a uma integrante da escola, sambista
autêntica?
MIRIAM: Acontece o seguinte: o enredo do Império é Carmem Miranda.
Serão oito moças representando as várias fases da vida de Carmem Miranda.
Daí eles resolveram chamar artistas, cantoras, pessoas que pudessem
interpretar bem os papéis. Mas a gente não chegou e invadiu a escola, não. A
Olegária, uma figura sensacional, moça maravilhosa, grande destaque do
Império, está na nossa ala. E olha: a Olegária é Império desde criancinha.
Mas nos recebeu como se já fôssemos da casa. E vou dizer mais uma: já fui
convidada muitas vezes para desfilar. Sempre tive medo. Este ano só aceitei
por causa da homenagem a Carmem Miranda [...].
MANCHETE: Há cinco anos atrás, todo mundo aqui já era alguém, gente
conhecida. Porque (sic), então, naquela época, vocês não desfilavam? Medo?
Preconceito? Afinal, samba de escola sempre existiu. Porque (sic) vocês só
descobriram agora? Porque (sic) agora promove mais?...
CIDINHA: Eu não desfilava porque morava em São Paulo. E quando vinha
por aqui ninguém me convidava. Eu também não ia chegar lá na escola,
bater na porta e pedir: posso desfilar um pouquinho? Não ficava bem. [...]
MANCHETE: Peraí: quando uma pessoa quer desfilar mesmo, não fica
sentada esperando convite. Já pensou se todos os componentes de uma
escola fossem esperar que a diretoria os chamasse? Quem vai aos ensaios
aprende a sambar e tem fantasia, está automaticamente engajado nos desfiles
da Avenida.
CIDINHA: Estou morando no Rio há um ano e já estou saindo. É sinal de
que estou na minha.
MANCHETE: É...Mas você esperou o convite. [...]144.

O trecho transcrito evidencia o debate proposto pela revista na discussão da crescente


presença de artistas, de diversas áreas, nas escolas de samba. Enquanto as mulheres
entrevistadas tinham uma carreira artística anterior à participação nas escolas, Jorge Ben era o
único, conforme informação do periódico, que havia desfilado antes mesmo de ficar famoso.
Diante da acusação de estarem usando as escolas como promoção de suas carreiras e imagens,
as entrevistadas esclareceram que o interesse na realidade era das escolas, que as convidavam
para participar dos desfiles na posição de destaque. Não ressaltaram, no entanto, a visibilidade
que tal posto já possibilitava no período. O entendimento das escolas de samba como
espetáculo, show, justificava a presença de artistas nos desfiles, como pode ser verificado na
resposta de Miriam, quando questionada se não estava havendo cada vez menos cariocas no
samba:

MIRIAM: E por acaso o samba é propriedade exclusiva do Rio? O samba


não é carioca, é brasileiro...
MANCHETE: ...Mas o carioca é que tem o samba no pé...
MIRIAM: Baiano, mineiro, paulista e gaúcho também têm. O que a gente
pode dizer é que, no Rio, o samba floresce melhor. Aí sim, porque o clima
144
AS ESTRELAS descem para o asfalto. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.034, p. 24-26, 12 fev. 1972.
74

carioca – sei lá – ajuda mais. Da mesma forma, as escolas de samba, hoje,


não pertencem apenas ao morro. São do Rio, dos que vivem no Rio, dos que
fazem o Rio. Elas formam o maior show do mundo. E justamente por isso é
que considero válido convidar artistas, representantes de todas as artes para
participar dos desfiles145.

As apresentações espetaculares das escolas de samba estavam associadas não


somente às inovações trazidas pelos profissionais da arte e da dança, mas à presença de
artistas de diferentes segmentos, que proporcionavam às escolas o “show” esperado, por
exemplo, pela Secretaria de Turismo, interessada em atrair turistas. A fim de possibilitar a tais
turistas um espetáculo mais organizado e aumentar os lucros com a exploração do carnaval,
algumas medidas foram tomadas nesse sentido, como aponta a matéria da revista Manchete,
que, de maneira debochada, sugere ao leitor:

Um detalhe importante: coma em casa. Não vá para a cidade com idéia de


fazer piquenique. Este ano não haverá aquelas barraquinhas tradicionais, que
vendiam tudo. A Secretaria de Justiça proibiu, para não impressionar mal
os turistas. Também os churrasqueiros, as baianas vendendo acarajés ou
bolinhos de tapioca foram proibidos: nada de fogareiros na cidade. Mas se
você estiver na pior, poderá encontrar angu, pastel, mate, leite, pipocas,
amendoim e cachorro-quente (sanduíche e salgadinho só poderão ser
vendidos se estiverem embrulhados em plástico ou papel impermeável). O
chope e a cerveja foram liberados, mas só podem ser servidos nas barracas
devidamente licenciadas. Outra coisa: a partir do momento em que você
entrar nas arquibancadas da Presidente Vargas, não poderá mais sair, sob
risco de ter de comprar novo ingresso. Não haverá ticket de saída, uma vez
que lá dentro funcionarão bares com bebidas e cigarros, além de sanitários
para homens e mulheres, telefones e caixas de medicamentos para primeiros
socorros. Os portadores de ingressos passarão por duas roletas, para que o
sistema de vigilância não seja burlado146.

A respeito das mudanças nas escolas de samba, Roberto M. Moura considera


significativo o período em estudo não somente pela entrada de cenógrafos, artistas plásticos,
engenheiros, arquitetos e profissionais liberais na organização dos desfiles, mas também pela
incorporação de outros valores e de novos costumes nas agremiações carnavalescas. De
acordo como o autor, “Práticas como amor à agremiação, desprendimento, sacrifício” foram
progressivamente rompidas147.
Entender as modificações nos desfiles das escolas de samba é fundamental para a
compreensão das próprias mudanças na participação das mulheres nessas agremiações. O

145
AS ESTRELAS, op.cit., p. 24.
146
DE COMO curtir a maior festa popular do mundo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.035, p. 112, 19 fev. 1972.
147
MOURA, Roberto M. Carnaval: da Redentora à Praça do Apocalipse. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986, p.
76.
75

elemento feminino, por exemplo, passou a ser cada vez mais explorado, sobretudo a figura da
mulata, ressaltada em sua beleza e “sensualidade”. A presença feminina foi considerada pela
revista Manchete, no carnaval de 1973, um dos pontos fortes da Portela: “Este ano, a escola
substituiu a Comissão de Frente, tradicionalmente formada com homens vestindo terno, por
mais 15 das mais belas mulatas lançadas nos concursos do Clube Renascença”148. No que
concerne aos bailes fechados, a situação não era diferente. À medida que o carnaval torna-se
um espetáculo para as massas, transforma-se igualmente em um espetáculo televisivo e
editorial. A exposição do corpo feminino nas revistas também aumenta significativamente nos
anos 1970 e os bailes voltados para as camadas mais elevadas da população produziam as
cenas flagradas, selecionadas e publicadas pelas revistas ilustradas que procuravam
demonstrar, sobretudo pelo desnudamento do corpo feminino, a liberação encontrada nesse
tipo de folguedo. No entanto, as representações das mulheres nos festejos carnavalescos
seguiam, na maioria das vezes, direcionamentos distintos, a depender do lugar das pândegas e
das mulheres retratadas.
No que se refere à sexualidade, por exemplo, discutia-se no período em estudo a
libertação sexual das mulheres, o controle do seu próprio corpo e a manifestação mais aberta
de seus desejos. Os festejos carnavalescos historicamente foram vistos como ambientes
propiciadores para demonstração de posturas mais livres pelos seus foliões; no entanto, no
contexto das transformações dos anos 1970, o erotismo esteve mais relacionado às mulheres
que participavam de bailes como do Monte Líbano e do Municipal, por exemplo, ou seja, as
mulheres brancas e de significativo poder aquisitivo. É perceptível no material selecionado,
mesmo que de forma implícita, que a liberdade manifestada no carnaval era mais cara às
mulheres frequentadoras desses bailes por supostamente expressarem aspectos de sua
sexualidade reprimidos em épocas passadas.
As demandas do movimento feminista da década de 1970, relacionadas à questão
corporal, eram indiferentes para as mulheres negras que “tinham que lidar com outras
necessidades do corpo, como comer, agasalhar-se, comprar remédio etc. Enquanto as brancas
discutiam sexualidade, as negras queriam tirar de si o peso de séculos de scxualização”149. No
âmbito dos festejos, enquanto as mulheres brancas de classe média e de elite brincavam mais
livres numa perspectiva sexual, diferentemente de períodos anteriores em que “mundanas” e
148
RIO: O Império encantado do samba. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.091, p. 20, 17 mar. 1973.
O Clube Renascença, criado em 1950 e frequentado pela elite negra do Rio de Janeiro, promoveu, desde a sua
fundação, concursos com a finalidade de valorizar a beleza das mulheres negras, além de preparar suas misses
para disputas estaduais, nacionais e internacionais. BRAGA, Amanda. História da beleza negra no Brasil:
discursos, corpos e práticas. São Carlos: EdUFSCar, 2015. p. 188.
149
FERNANDES, Danubia de Andrade. O gênero negro: apontamentos sobre gênero, feminismo e negritude.
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 691-713, set./dez. 2016. p. 705.
76

“prostitutas” eram as únicas autorizadas a manifestar determinados tipos de comportamento, a


mulher negra, nesse campo representacional, era associada ao trabalho desempenhado em
uma escola de samba e valorizada em razão disso. A “mulata”, porém, tinha sua imagem
vinculada a uma sexualidade impulsiva e exacerbada não decorrente das mudanças da
chamada revolução sexual, ou seja, este aspecto atribuído à mulher negra já era aceito como
algo naturalizado e que encontrava respaldo no discurso científico em períodos anteriores150.
Nas representações e no imaginário a respeito dos folguedos, a mulata, celebrada nessa
ocasião, expressava a dimensão corporal do samba dentro do desfile, ao ocupar o posto de
passista. E sambar, como esclarece Simone Toji, é:

[...] movimentar quadris, realizar invenções com pernas, braços e expressões


faciais. Sambar é sentir com o corpo, ao som da música samba-enredo. Os
passistas das escolas de samba são a demonstração mais engenhosa do que
seja o sambar, carregam a responsabilidade de traduzir a música e o evento
no movimento e gestos de seus corpos151.

Se por um lado essas mulheres eram valorizadas por demonstrarem o samba no pé,
por outro representavam o sensualismo presente nos carnavais das escolas de samba. Embora
tal aspecto fosse ressaltado em relação a outras mulheres participantes dos desfiles, as
mulatas, identificadas com a própria essência das escolas, expressavam o “ritmo quente que
carregam no sangue”. Essa representação da mulata, construída a partir da figura da
mucama152 e da sua articulação com a prestação de serviços sexuais, dentro da sociedade
escravocrata, ganhou uma conotação mais lasciva no âmbito carnavalesco no próprio processo
de comercialização dos folguedos.
Não obstante o destaque assumido por algumas mulheres nos desfiles das escolas de
samba, muitas delas, sobretudo as passistas, não recebiam da imprensa o mesmo espaço ou ao
menos a identificação devida. O quadro abaixo mostra somente os nomes das mulheres
identificadas como passistas e destaques, evidenciando o nome de poucas passistas,
considerando o número de mulheres que apresentavam passos de samba nos desfiles:

150
A estudiosa Danubia de Andrade Fernandes, ao se pautar nas análises de Yann Le Bihan, demonstra como a
premissa “a mulher negra é quente” foi constituída pelo discurso científico no século XVI. Associavam-se às
altas temperaturas da África subsaariana ao aumento do tamanho do clitóris feminino, o que explicaria a suposta
sensualidade exacerbada da mulher negra. Nesse modelo explicativo o calor “modificaria a morfologia e a
morfologia afetaria o comportamento”. FERNANDES, op. cit., p. 695.
151
TOJI, Simone. Passistas da Mangueira: o desfile das emoções na festa carnavalesca carioca. In:
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; GONÇALVES, Renata (Org.). Carnaval em múltiplos planos.
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. p. 195-220, p. 213-214.
152
GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, São
Paulo, p. 223-243, 1984. p. 230.
77

QUADRO 2 – Alguns dos destaques e passistas das escolas de samba identificados


nas revistas ilustradas selecionadas

Agremiação Destaques das Recorrência dos Informações


Carnavalesca escolas de samba nomes nas adicionais
assim identificadas coberturas
nas revistas carnavalescas -
ilustradas Anos
selecionadas
Maria da Penha
Ferreira Ayoub,
conhecida como
Beija-Flor Pinah 1977, 1980 Pinah – a cinderela
negra do carnaval.
Dançou com o
Príncipe Charles
em 1978
Ana Rosa 1974 Manequim

Dalva Pereira 1975


Imperatriz _
Leopoldinense
Teresinha Sodré 1980 Atriz

Leina Krespi 1980 Atriz

Célia Regina 1975 _

Ivanoy Pereira 1971, 1972, 1978 _

Lady Francisco 1980 Atriz

Míriam Pérsia 1973, 1980 Atriz de teatro e


televisão. Desfilou
Império Serrano como destaque
Primeira mulher a
sair como destaque
feminino luxuoso.
Olegária 1972, 1973, 1975 Esposa de Calixto,
homem
responsável por
introduzir os pratos
na bateria
Rosemary 1973 Atriz
78

1968 (Salgueiro) Revelada pelo


Aizita 1971 Clube Renascença
e sexta colocada no
concurso de Miss
Brasil. Atriz
Mangueira Iara Marques 1972 Manequim e
atriz
Ilca 1975 –
Neide 1969 –
Rosemary 1971,1975 1980 Cantora
Mocidade Marlene Paiva 1978 Tradicional
Independente de participante do
Padre Miguel concurso de
fantasias do Teatro
Municipal
Beki Klabin 1972, 1974, Figura da alta
1975, 1976,1978 sociedade carioca
Cidinha Campos 1971, 1972 Apresentadora de
vídeo. Ocupou o
posto de africana
na Portela (1972)
Odile Rubirosa 1972, 1975 Atriz francesa
atuante na década
de 1950. Foi
casada com Paulo
Marinho,
empresário
Marlene 1972 Cantora
Portela
Clara Nunes 1971 Cantora
Odila 1966, 1974 –
Wanda Batista 1978 –
Vilma 1972, 1974 Tradicional porta-
bandeira da Portela
que desfilou como
destaque por
alguns anos, antes
de voltar a desfilar
no seu tradicional
posto
Dalva Gonçalves 1975 _

Isabel Valença 1963, Notabilizou-se no


1964,1966,1967, universo
1968, 1969, carnavalesco a
1971, 1972,1974, partir da
Salgueiro 1975, 1976,1980 interpretação na
avenida de “Chica
da Silva”, destaque
do desfile de 1963.
Esposa do
presidente da
escola, Osmar
Valença
79

Unidos do Cabuçu Teresinha Monte 1978 Jornalista e futura


presidente da
escola Unidos do
Cabuçu
Unidos de Lucas Elizete Cardoso 1975 Cantora

Unidos de São Ivone Martins 1975 _


Carlos
Neusa Maria 1975 _

Martha Anderson 1979, 1980 Atriz

Pildes Pereira 1970, 1974 Desfilou como


destaque no
Unidos de Vila carnaval de 1974 e,
Isabel por dois anos,
assumiu a
presidência da
escola
Agremiação Passistas das Recorrência dos Informações
Carnavalesca escolas de samba nomes nas adicionais
assim identificadas coberturas
nas revistas carnavalescas -
ilustradas Anos
selecionadas
Lúcia Rodrigues 1977 Manicure em Nova
Perez Iguaçu

Beija-Flor Odaléa Coutinho 1977 Auxiliar


Correia administrativa do
Funrural

Manequim, atriz,
passista e destaque.
Maria Rosa 1972, 1978 O termo “passista
Imperatriz amadora” consta na
Leopoldinense cobertura de O
Cruzeiro
Sueli Arruda 1972 _

Aparecida 1972 _

Passista e destaque.
Regina Céli é
descrita como a
Império Serrano Regina Céli 1975 “mulata
exportação” do
Império Serrano.
Carioca de Ramos,
sua atuação era
mais como passista
80

Neide 1969 _

Vânia Regina 1978 Nascida e criada na


Meirelles Mangueira. É
descrita como “a
mulata de ouro” da
agremiação
Mangueira
Sônia 1971 –

Gigi da Mangueira 1964, 1965, Gigi, em 1969,


1967, 1968, desfilou pela
1971, 1975,1978 Mocidade
Independente de
Padre Miguel em
razão de um
desentendimento
com a Mangueira.
Foi uma das
personalidades
femininas ligadas
ao carnaval que
mais recebeu
atenção e matérias
das revistas
Mocidade
Independente de Mariângela 1967 _
Padre Miguel
Cacilda 1967 É informado que
Cacilda tornou-se
passista de Renome
Internacional
Irene 1967 _

Portela Iva 1967 _

Maria Lata d’Água 1967, 1970, 1974 Recebeu essa


alcunha por
equilibrar uma lata
d’água na cabeça
enquanto sambava
Nívia 1968 _

Sandra 1978 _

Vera 1967 _
81

Paula da Silva 1962,1964, 1967, Começou a desfilar


Campos 1969, 1971, 1972 no Salgueiro em
(Paula do Salgueiro) 1954, como figura
de destaque. Ela
costumava desfilar
na frente da bateria
ou isolada, com os
ritmistas. A
imprensa dedicava
algumas matérias à
sua presença no
carnaval,
ressaltando a
passagem de Paula
Salgueiro pelo exterior
Irmãs Marinho 1965, 1966, As irmãs se
(Mary, Olivia e 1967, 1968, apresentavam em
Norma) 1969, 1971. boates e, com o
sucesso, em shows
pelo Brasil e pelo
exterior. Fizeram
sucesso nos
espetáculos
musicados
Narcisa 1967, 1968, Moradora do morro
1970, 1971 do Salgueiro. É
considera a
“primeira passista
da agremiação”
Sandrinha do 1970 _
Salgueiro
O quadro acima foi elaborado pela pesquisadora desta tese a partir da consulta às revistas O
Cruzeiro e Manchete. As informações aqui apresentadas não compreendem todas as
participações das mulheres mencionadas nos carnavais do período, uma vez que a construção do
quadro considerou somente a recorrência dos nomes dessas mulheres nas revistas selecionadas
no que foi possível averiguar. Fontes: TEIXEIRA JR., Antônio. Narcisa – sou muito mais eu. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p. 92-93, 10 mar. 1971. FILHO, Ribeiro. “Minha paixão é
vermelho e branco”. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2456, p. 93-95, 28 fev. 1979. MORAES,
Mário de; AUDI, Jorge; PASSOS, Hélio; LUIZ, Walter. Portela campeã do samba. O Cruzeiro,
Rio de Janeiro, n. 24, p. 139, 24 mar. 1962. ACADÊMICOS do Salgueiro. O Cruzeiro, Rio de
Janeiro, n. 08, p. 10-11, 19 fev. 1975. SEGUNDO, Jorge. Beki Klabin: do society à Portela. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2430, p. 50-51, 04 fev. 1978. MOCIDADE, reisado, maracatu,
bumba-meu-boi. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2429, p. 39, 28 jan. 1978. SARDA, Rosinha.
Gigi: as duas faces do samba. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 29, p. 20-25, 15 abr. 1967.
ROCHA, Orlandino. Gigi da Mangueira morreu: nasceu a senhorita Regina Helena Esberard. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 14, p. 44-49, 11 jan. 1964. CARVALHO, José Cândido de. Gigi da
Mangueira, quem é você? O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 15, p. 20-25, 13 abr. 1968. IMPÉRIO
Serrano, Mocidade Independente, Unidos de Padre Miguel. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 02, p.
27, 12 jan. 1972. IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 08, p. 59,
19 fev. 1975. PORTELA. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p. 97, 06 mar. 1974. AMORIM,
Oswaldo. Bateria é o forte da mocidade. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 20, p. 27, 11 fev. 1967.
COSTA, Haroldo. É o Salgueiro que chega! O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 05, p. 41-42, 03 fev.
1968. SAMBA de escola. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 05, p. 130, 09 mar. 1968. SOARES,
Afrânio Brasil. Rosemary: a grande esperança da TV em cores. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n.
02, p. 64, 12 jan. 1972. SOARES, Afrânio Brasil. Clara Nunes: a cantora do ano. O Cruzeiro,
82

Rio de Janeiro, n. 05, p. 06, 30 jan. 1974. VILA ISABEL. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p.
30, 06 mar. 1974. VALE, Gilberto do. Regina Céli. Mulata exportação. O Cruzeiro, Rio de
Janeiro, n. 07, p. 97, 12 fev. 1975. ACADÊMICOS do Salgueiro, op. cit., p. 134. KELLY, João
Roberto. Som Brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2426, p. 112, 07 jan. 1978. PORTELA.
Mulher à brasileira, op. cit., p. 40. ESCOLAS de Samba: o carnaval dos carnavais. Manchete,
Rio de Janeiro, n. 1.454, p. 22, 01 mar. 1980. RIO: o maior show do mundo. Manchete, Rio de
Janeiro, n. 1.403, p. 16, 10 mar. 1979. BATISTA, Tarlis. Beija-Flor. Sob o signo do samba.
Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.300, p. 111, 19 mar. 1977. O FANTÁSTICO show de samba.
Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 06-14, 22 fev. 1975. CABRAL, Edison; SÉRGIO,
Alberto. 67: cada escola um carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 771, p. 111-113, 28 jan.
1967. ESCOLAS: o samba canta a liberdade. Manchete, Rio de Janeiro, n. 774, p. 98 a 102, 18
fev. 1967. ESCOLAS: samba alegria do povo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 829, p. 104-111, 09
mar. 1968. PINHEIRO, Albino. Samba: alegria do povo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 932, p.
60-82, 28 fev. 1970. AS ESTRELAS descem para o asfalto, op. cit., p. 24-26. RIO: O Império
encantado do samba, op. cit., p. 09-16.

É possível inferir, por meio da análise da tabela e das informações colhidas a respeito
de algumas dessas mulheres, que as que assumiram a posição de destaque nos desfiles das
escolas de samba pertenciam em sua grande maioria ao universo artístico, atuando como
atrizes, modelos ou cantoras. Personalidades como Lady Francisco, Míriam Pérsia, Rosemary,
Marlene e Clara Nunes, que já tinham uma carreira artística, foram algumas das mulheres que
desfilaram como destaque. Figuras da comunidade também chegaram a ocupar essa posição,
no entanto, em menor quantidade, como Vilma, da Portela, Olegária, da Império Serrano e
Isabel Valença que, a partir da interpretação de “Chica da Silva”, ganhou espaço cativo na
cobertura da imprensa na representação de figuras importantes nas narrativas escolhidas pelo
Salgueiro. É válido ressaltar, igualmente, a trajetória de Marlene Paiva e de Beki Klabin. A
primeira, conhecida pela participação nos concursos de fantasia do Teatro Municipal,
destacou-se na Mocidade Independente de Padre Miguel, enquanto Klabin, figura da alta
sociedade carioca, desfilou por anos na Portela.
Quanto às passistas é observável o pertencimento da maioria dessas mulheres às
classes populares pelas indicações das ocupações exercidas no tempo ordinário, como, por
exemplo, o ofício de manicure, e os locais de origem vinculados às comunidades das escolas
de samba. No entanto, tal posto não ficava restrito a elas. Uma prova disso é a fama adquirida
no universo carnavalesco por Regina Helena Esberard, conhecida como Gigi da Mangueira,
moradora de Ipanema e oriunda de uma família com posses, como já salientado. De modo
geral, as mulheres identificadas pelas revistas eram aquelas que pertenciam ao universo
artístico ou reconhecidas pelo seu talento e tradição no posto ocupado. No caso das passistas,
no entanto, muitas deixavam de ter seus nomes publicados nas revistas, não obstante sua
desenvoltura no samba estivesse presente nas matérias sobre os desfiles das escolas de samba.
As revistas ilustradas dedicaram, assim, maior atenção às passistas conhecidas e tradicionais
83

das escolas de sambas. Essas mulheres, pela própria trajetória no carnaval e pelo
reconhecimento conquistado em suas respectivas agremiações, representando, muitas vezes, a
principal festividade brasileira no exterior, ensejaram matérias ou comentários diversos. A
revista O Cruzeiro, por exemplo, apresentou matérias exclusivas sobre Paula da Silva Campos
e Narcisa, do Salgueiro, Regina Céli, do Império Serrano e Vânia Regina Meirelles, da
Mangueira.
A sensualidade não se constituía em principal qualitativo para descrever essas
mulheres, ao contrário, era o talento na apresentação de passos de samba e a origem mais
humilde e ligada ao samba que norteava as reportagens e observações sobre a inserção das
mesmas nas agremiações. O aspecto sensual, quando ressaltado, mostra-se mais sutil na
comparação com as passistas anônimas, classificadas somente como “mulatas”. Em frente à
sua casa no morro do Salgueiro, descrito pela revista como “barraco”, Narcisa estampava a
matéria de O Cruzeiro, que salientava sua inclinação precoce para o samba e a decisão de
permanecer naquela comunidade mesmo com a melhora das condições de vida:

Já falei com o Nando (noivo), que ele, apesar de professor, vai ter que morar
aqui no morro. Se ganhar dinheiro mais alto, constrói um barraco melhor. O
importante não é a casa, e sim o local. Já poderia morar em outro bairro, até
mesmo na zona sul. Prefiro ficar aqui mesmo, todos gostam de mim, eu
morreria de saudade. A Escola ficaria sem uma passista. E, neste assunto,
sou muito mais eu153.

Nesse discurso Narcisa procura reafirmar sua posição de “primeira passista” do


Salgueiro e demonstrar sua dedicação e ligação à escola, o que importava à revista,
considerando que esse tipo de representação era recorrente. Ao fotografá-la em seu lugar de
origem, O Cruzeiro somente reforçava esse aspecto. Quanto à Paula, a revista demonstrava
sua importância para o carnaval e o destaque alcançado pela posição ocupada no Salgueiro:
“E quem não conhece a Paula do Salgueiro? A Paula é internacional, já foi à Europa e tudo
mais”154 . Além disso, é ressaltado o fato de ela ter sido capa de revistas famosas como Life e
Ebony e razão de diversas reportagens no Brasil. Tais fatos foram salientados pela revista
para, na sequência, apresentar o dilema vivido pela passista no ano de 1968, corroborando,
desse modo, a imagem de excepcionalidade da festa carnavalesca. Paula encontrava-se
desempregada e aguardava a Capitania dos Portos chamá-la para atuar como camareira de

153
TEIXEIRA JR., op. cit., p. 92-93.
154
COSTA, op. cit., p. 41, 03 fev. 1968.
84

bordo no Lóide Brasileiro. Além disso, havia sido despejada devido à desapropriação de sua
casa para construção de um hospital.
As passistas não identificadas pelas revistas, mas que eram fotografadas e apareciam
na cobertura carnavalesca, recebiam comentários mais gerais, como este, referente ao desfile
de 1970, no qual a sensualidade constituía o traço principal de sua apreensão:

Esta esplêndida mulata da Imperatriz Leopoldinense não ganhou pontos da


comissão julgadora, mas certamente foi uma das coisas mais bonitas do
desfile das escolas. As mulatas trazem ao desfile a poderosa contribuição de
sua beleza cheia de graça, charme e de sensualismo, além do ritmo quente
que carregam no samba. Identificadas com a própria essência das escolas,
elas valem 10 pontos extras na visão de todos os homens155.

Isso não significa dizer, entretanto, que o samba das passistas não era ressaltado
nessas representações, mas que não consistia no elemento primeiro a ser associado à sua
figura. A revista Manchete, ainda em 1970, salientou a importância dessas desfilantes e como
eram pouco destacadas individualmente: “Os ritmistas e passistas são a massa e o corpo das
escolas de samba. Não contam pontos e são pouco focalizados individualmente, mas de seu
ritmo e de seu entusiasmo dependem as notas de harmonia e conjunto”156.
O prestígio alcançado por algumas passistas nas escolas e consequentemente
transposto para a imprensa foi demonstrado pela revista Manchete ao afirmar que “Paula e
Narcisa tiveram permissão para desfilar em qualquer ala, movimentando-se à vontade”157. Os
textos e legendas que exaltavam a figura da mulata somente cresceram no decorrer da década
de 1970, mesmo quando se referiam a mulheres conhecidas que desfilaram como destaque –
caso de Aizita, revelada pelo Clube Renascença, sexta colocada no concurso Miss Guanabara
e que tinha seguido a carreira de atriz: “Mulata quer dizer mulata. Mulata vestida de verde e
rosa, enchendo a Avenida de ginga, mumunha e outras milongas a mais. Mulata de Mangueira
é fogo. Tanto faz: Aizita ou simplesmente Maria”158.
Regina Céli, passista do Império Serrano, foi apresentada como “mulata exportação”
pela revista O Cruzeiro, em 1975. A reportagem em questão expunha as razões que
justificariam a atribuição de tal alcunha a Regina Céli:

155
PINHEIRO, op. cit., p. 68-69.
156
Ibid, p. 84.
157
É CARNAVAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 985, p. 09, 06 mar. 1971.
158
FONSECA, Elias. Mangueira: a escola risonha e franca. Manchete, Rio de Janeiro, n. 982, p. 42, 13 fev.
1971.
85

O balanço do corpo no ritmo quente da batucada, a ginga dolente no andar


são algumas das características de uma mulata que tem no sangue o samba
que ela diz no pé. Regina Céli é um produto nacional tipo exportação que
empolga os gringos que vão para Avenida assistir aos desfiles das Escolas de
Samba do carnaval carioca159.

Apesar de o autor do texto, Gilberto do Vale, ressaltar outros aspectos da vida de


Regina, tal qual a sua atividade como professora de judô e de defesa pessoal, e a sua
dedicação às aulas de piano, o objetivo da matéria, como é explicitado em seu título –
“Mulata exportação” –, era apresentar os qualitativos que faziam de Regina Céli símbolo da
sensualidade manifestada no samba e que possibilitava demonstrar para os turistas
estrangeiros a ginga da “mulher” brasileira. No ano da matéria, Regina assumiria o papel de
destaque no Império Serrano, representando Zaquia Jorge, figura que inspirou o enredo da
escola “Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira”, após 13 anos atuando
como passista na agremiação. Além disso, o predicado “exportação” – relacionado à própria
comercialização do desfile das escolas de samba e da inserção internacional de figuras desse
universo – foi usado pela revista para se referir também ao fato de Regina Céli almejar uma
carreira no exterior. Após o desfile daquele ano, ela se dedicaria, segundo a publicação, a
apresentações em boates dos Estados Unidos, onde já tinha um contrato assinalado, com
validade de um ano.
Outra passista que ganhou notoriedade na revista O Cruzeiro foi Vânia Regina
Meirelles, na cobertura de 1978, com a alcunha “de mulata de ouro” por sua agremiação, a
Mangueira. O foco da matéria em questão era demonstrar, no entanto, o contraste de sua vida
cotidiana em relação ao universo carnavalesco, expresso nos dizeres a seguir e em imagens de
Vânia em atividades cotidianas no morro da Mangueira e, posteriormente, trajada com sua
roupa carnavalesca:

O samba está no sangue de Vânia. Ela é filha de Nananã, uma das figuras
mais conhecidas da Mangueira. No jardim de infância da escola, aos cinco
anos de idade, ganhou vários concursos e medalhas. Uma delas foi a de
Passista da Mangueira. Quando tinha dez anos, venceu o concurso de a
melhor passista no programa do Chacrinha. Entre outros títulos que ganhou
depois, a sua maior glória foi o gesto da Rainha Elisabeth, quando a escola
se apresentou para ela, durante sua visita ao Brasil. A Rainha desceu do
palanque e foi beijar e abraçar a menina lá no meio dos outros sambistas.
Mas, a vida para Vânia se faz de sonhos, de samba e de trabalho. Na casa de
tijolos nus, onde mora com os pais, ela sonha com a glória, que dura uma
hora por ano no asfalto, sob as luzes coloridas da passarela do desfile [...]160.
159
VALE, op. cit., p. 97.
160
FALCÃO, José Cabral. Do morro da Mangueira à passarela de luz. Sonho de uma noite da mulata de ouro. O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2434, p. 13, 04 mar. 1978.
86

Em 1979, a revista O Cruzeiro volta a trazer uma matéria com Paula, do Salgueiro,
na época com 61 anos de idade. A matéria rememora a sua trajetória pessoal e profissional,
ressaltando o nascimento em Cantagalo, o desquite, a entrada na agremiação na qual ficou
conhecida e principalmente os empregos que ocupou ao longo da vida: de empregada
doméstica na Tijuca, modelo de nu artístico, vedete nos palcos do Brasil e do mundo, artista
de teatro, dançarina em balé folclórico, até funcionária pública do Museu de Belas Artes, onde
pretendia se aposentar. Nessa entrevista o que chama a atenção é o fato de Paula querer se
opor à imagem já cristalizada no imaginário social e que havia somente se acentuado na
década de 1970, com o progressivo desnudamento feminino, ou seja, a sexualização da
passista: “A beleza que vejo no samba é a do corpo em movimento, a beleza do samba. Não
encontro razão para relacionar mulher sambando com sexo”161.
É importante esclarecer também que, embora a imprensa selecionada corroborasse a
imagem da mulher erótica e sensual presente nos carnavais, outras representações eram
construídas igualmente no âmbito dos folguedos, destacando, contudo, a inversão da ordem
possível no espaço dos festejos momescos, mais comum nas representações de figuras
tradicionais do samba. Em relação às mulheres que atuavam como porta-bandeiras nas
agremiações carnavalescas, seus corpos ganhavam dimensões distintas quando apreendidos na
esfera doméstica e no espaço dos folguedos carnavalescos, como é possível perceber na
matéria abaixo, ainda de 1964, da revista O Cruzeiro:

Nos dias comuns, passam despercebidas entre o povo. Moças humildes,


domésticas, costureiras, donas-de-casa, fabricantes de doces. Mas no
carnaval, numa só noite, surgem como Rainhas do Samba, em passarela de
asfalto, com suas vestimentas rendadas, enchendo os olhos de turistas
suburbanos, turistas de outros Estados do Brasil e turistas mesmo, que vêm
de outros países para apreciar a bossa do maior carnaval do mundo. Delas,
dessas rainhas anônimas, depende, muitas vezes, a vitória de uma Escola de
Samba. Falamos das porta-bandeiras, “prima-donas” do batuque quente que
desce dos morros e com suas gingas e malemolências tomam conta do
samba, ostentando com garbo os brasões das Escolas162.

Além disso, a matéria em questão procurou demonstrar, por meio de fotos diversas e
de pequenos textos sobre o cotidiano de algumas porta-bandeiras, a “dualidade” vivida por
estas mulheres e o simbolismo do carnaval expresso na inversão carnavalesca, evidenciado
nas imagens abaixo, em que Leni Soares, da agremiação Império Serrano, aparece em sua
função habitual, a de doméstica, e como porta-bandeira em um desfile de carnaval:
161
FILHO, op.cit., p. 93-95.
162
RAMALHO, Eduardo; AMÉRICO, Rubens. Samba tem rainhas de uma noite só. O Cruzeiro, Rio de Janeiro,
n. 18, p. 39, 08 fev. 1964.
87

Figura 1 – Leni Soares em dois momentos de sua vida:


doméstica e porta-bandeira do Império Serrano163

Em matéria intitulada “A porta-bandeira: rainha por uma noite”, de 1971, a revista


Manchete ressaltou igualmente a importância dessa figura para o carnaval, a notabilidade
alcançada por meio dos festejos e o paradoxo vivido por essas mulheres em relação à vida
cotidiana:
A glória desta mulher que carrega, balançando ao vento e no sabor do seu
gingado, uma bandeira que pesa entre quatro a seis quilos, está no fato único
e simples de levar as côres e o brasão de sua escola quilômetros a fio,
motivando os componentes e despertando aplausos e admiração do público
que se comprime nas arquibancadas e por detrás nos cordões de isolamento
[...]. Quem entra no mercado do Centro de Abastecimento do Estado da
Guanabara, em São Cristóvão, encontra um bar caprichadamente decorado
em verde e rosa. É o bar da Neide, a famosa porta-bandeira da Mangueira.
Nascida e criada no morro que deu nome à escola, Neide aos sete anos já
desfilava na Ala das Rosas e não esconde que a escola é a grande alegria da
sua vida. Seu marido, Carlos Dias de Santana, assistente da diretoria de uma
fábrica de produtos químicos, também sai na mesma escola, na Ala dos
Duques. Garante que não tem ciúmes de Neide mas quando ela se empolga
além da conta, ele põe defeito no vestido do desfile, no sapato e até na
confecção da bandeira [...]. A sua rotina diária inclui abrir o bar às seis horas
da manhã, cozinhar mais de cinquenta refeições diárias enquanto canta os
sambas-enredo e de terreiro da sua escola, e ficar até a saída do último
freguês, o que nunca acontece antes das oito horas da noite. Não tendo muito
tempo para cultivar a sua vaidade de mulher, Neide enfeita o bar com o
maior requinte, mas sempre em verde e rosa, as côres de sua vida, que há 19
anos ela faz tremular na Avenida164.

163
RAMALHO; AMÉRICO, op.cit., p. 40.
164
COSTA, Haroldo. A porta-bandeira: rainha por uma noite. Manchete, Rio de Janeiro, n. 984, p. 74-78, 27 fev.
1971.
88

O corpo da porta-bandeira é apreendido de uma forma distinta em relação à


participação da passista nos desfiles das escolas de samba ou da mulher presente nos
folguedos momescos de salão, uma vez que era no esforço realizado para participar do
carnaval, para carregar a bandeira de sua agremiação e no gingado apresentado que a figura
da porta-bandeira se sobressaía. A matéria transcrita, ao retratar, entre outras histórias, a de
Neide, porta-bandeira da Mangueira, ressaltou aspectos relacionados à sua dedicação e
competência no posto em contraposição à beleza física, elemento este tão presente nas
matérias sobre a participação feminina nos carnavais. Até mesmo para descrever o cotidiano
de Neide, a reportagem destacou o seu amor pela escola, ligando a falta de tempo “para
cultivar a sua vaidade de mulher” à dedicação ao carnaval e principalmente ao bar do qual era
proprietária.
Se a rotina diária de privações e o esforço realizado por essas mulheres para
participar do carnaval eram sempre enfatizados pela imprensa nessas ocasiões festivas, o
mesmo não poderia se dizer em relação à vida das demais mulheres negras que tinham um
cotidiano marcado pela desigualdade e pelo racismo, distante do destaque alcançado no
carnaval, embora algumas de suas mazelas estivessem presentes no noticiário da época.
Embora seja possível conjecturar que as participantes do carnaval enfrentassem também em
suas vidas ordinárias o preconceito racial existente na sociedade, tal aspecto acabava por não
ser salientado nas matérias que saíam na imprensa na época carnavalesca. A pesquisadora
Silvana Louzada da Silva, em sua dissertação de mestrado, demonstrou o mascaramento da
pobreza165 pelas revistas O Cruzeiro e Manchete nos governos de Juscelino Kubitschek e João
Goulart. Esses periódicos desejavam, por meio de suas páginas, construir uma identidade
brasileira ao buscarem um repertório comum que não passava pelas figuras do índio e do
negro e no qual a pobreza deveria ser esquecida.
É possível supor que a exceção ao que Louzada apreendeu em relação às revistas
selecionadas era a presença do negro nas escolas de samba e a importância do carnaval na
construção da imagem do Brasil que se queria vender no exterior. Se as ocupações das
mulheres negras desfilantes ganhavam realce nas reportagens das revistas ilustradas era
porque tal fato possibilitava corroborar a ideia de carnaval como quebra da ordem e também
diferenciar essas mulheres do restante do grupo negro, invisibilizado pela imprensa e pela
sociedade mais ampla, revelando o preconceito e a exclusão provenientes do período colonial

165
Juvenal Pereira, ex- fotógrafo de O Cruzeiro, em depoimento para Silvana Louzada da Silva, revelou a
orientação que recebia para retratar o negro e o pobre quando da impossibilidade de “eliminá-los” da cena:
“Quando você for fotografar uma favela, fotografe a casa mais arrumada, quando você fotografar um negro
fotografe o mais limpo e bonito”. SILVA, op. cit., 2004, p. 152.
89

e da escravidão. Entende-se, assim, que foi a representatividade cultural alcançada pelas


escolas de samba que permitiu aos seus criadores, os negros, destacarem-se em diversas
reportagens de O Cruzeiro e Manchete.
Sobre o carnaval propiciar, mesmo que momentaneamente, outras possibilidades
para as mulheres de setores marginalizados da sociedade brasileira, o antropólogo norte-
americano Richard Parker, seguidor da vertente de estudos que entende o carnaval como
inversão da ordem, considera que:

Assim como o samba desce das favelas, também os sambistas – os mais


pobres (e escuros) segmentos da sociedade urbana, cujas lutas e sofrimentos,
num sistema econômico e social opressivo, nunca são demasiadamente
denunciados – tornam-se o foco do carnaval. Libertados momentaneamente
da miséria e da opressão, disfarçam-se de reis e rainhas, homens e mulheres
ricos e poderosos que exercem influência e atraem a atenção, o que seria
impensável no mundo da vida diária166.

É importante assinalar que para além das funções habituais exercidas pelas porta-
bandeiras no espaço cotidiano, sempre lembradas pelas revistas ilustradas e contrapostas ao
tempo do carnaval, destaca-se o fato de que muitas dessas mulheres tiveram suas vidas
transformadas também no âmbito ordinário em virtude do carnaval. Vilma, por exemplo,
notabilizada por ocupar o posto de primeira porta-bandeira da Portela, antes mesmo de
participar da escola, já se apresentava nos espetáculos de Carlos Machado (grande nome no
universo dos espetáculos cariocas) empunhando uma bandeira de escola de samba, chegando,
inclusive, a fazer filmes de temática carnavalesca. Mocinha também usou da fama adquirida
na Mangueira, em um período de internacionalização do carnaval, para se apresentar em
eventos e shows, como forma de complementar a renda. Dodô, por sua vez, na primeira
metade da década de 1970, foi encarregada pelo então presidente da Portela, Carlos Teixeira
Martins, o Carlinhos Maracanã, de administrar uma loja dentro da quadra da Portela, que
recebeu o nome da pioneira porta-bandeira, onde ela “recebia os turistas no ritmo de
recordações emocionantes e frases divertidas para vender camisetas e suvenires da Portela”167.
A respeito da importância adquirida por algumas mulheres no desfile das escolas de
samba, a porta-bandeira Vilma Nascimento, da Portela, em seu depoimento ao Museu da
Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, descreve o episódio em que Natalino José

166
PARKER, Richard G. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual no Brasil Contemporâneo. São Paulo:
Best Seller, 1991, p. 226.
167
MOTTA, Aydano André. Porta-Bandeiras: onze mulheres incríveis do carnaval carioca. São Paulo: Verso
Brasil, 2013, p. 49 -50. (Coleção Cadernos de Samba).
90

Nascimento, mais conhecido como “Natal da Portela”, importante figura da escola e sogro de
Vilma, retira a roda de uma alegoria da agremiação para esperar sua chegada à avenida:

[...] teve um ano, que eu não me lembro que ano Hiram, que a Portela
também já tava com o abre-alas, aquela águia, na frente, e eu tava
terminando de bordar o meu sapato. Aí Mazinho: “vamo embora Vilma,
anda logo, deixa isso pra lá”. E eu disse: “não vou, não adianta que eu não
vou”. Aí começa na televisão eles anuncia que quebrou a alegoria da Portela,
a roda caiu, quebrou, e a Portela tava atrasada por causa disso. Eu digo: “ih,
que beleza”. Aí acabei de fazer tudo e vou pra Avenida, quando chego no
cais do porto o pneu do carro fura [...] e pra arrumar táxi ali de madrugada?!
Foi um sufoco, aí conseguimos um e fomos porque a gente já ia já vestida
né, já ia vestida, [...] aí quando chegamos lá vem o seu Natal correndo: “oh
Ilma [ele a chamava assim], você me mata do coração. Pessoal bota a roda aí
no carro e vamos embora” [risos e comentários diversos]. Foi aí que eu tive
consciência do que eu era na minha agremiação, que era a Portela naquela
época. Pô, fazer isso pra me esperar, é porque eu fazia falta. [um dos
entrevistadores comenta] “Valia dez pontos né?!” [Vilma responde]:
“justamente”168.

A circunstância à qual a famosa porta-bandeira se refere ocorreu em 1965, quando


Vilma chegou atrasada ao desfile da Portela por ter recebido tardiamente o dinheiro
necessário para a confecção de sua fantasia, terminando-a prestes a começar o desfile. Esse
depoimento revela significativamente a percepção de Vilma sobre a sua importância para a
Portela na ocasião daquele desfile, quando afirma: “pô, fazer isso pra me esperar, é porque eu
fazia falta”. Não obstante o reconhecimento de sua excelência no posto, já naquele período,
um dos entrevistadores observa a verdadeira motivação por trás da atitude de Natal da Portela:
o medo de perder a pontuação referente ao quesito mestre-sala e porta-bandeira. Para Vilma
tal episódio demonstrava mais a consideração da agremiação por sua figura do que
propriamente pelo posto de porta-bandeira.
Ao longo de sua trajetória na Portela, Vilma deixou de desfilar como porta-bandeira
entre 1969 e 1977, em razão do não recebimento do dinheiro prometido pela escola para a
confecção de sua fantasia. Sobre o assunto, Vilma esclarece que:

[...] a minha volta aconteceu por causa de Hiram Araújo [diretor cultural da
Portela], ele que, voltei por causa de Hiram Araújo, porque eu não queria
voltar. Mas ele me convenceu e então eu exigi a presença do presidente e de
Necio, eles foram a minha casa. Porque antes disso seu Natal morreu

168
NASCIMENTO, Vilma. Depoimento. Entrevistadores: Helena Teodoro, Manoel dos Santos Dionísio, José
Carlos Rego, Hiram Araújo, Lygia Santos e Benício Nascimento. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som –
MIS. Entrevista concedida ao projeto “Memória do Povo da Dança do Samba” do MIS/RJ em 30 de julho de
1999 (VI – 00703.1/2).
91

magoado com o presidente, da Portela, porque ele queria que eu voltasse


antes a sair, quando ele saiu da Ilha Grande ele queria que eu voltasse a sair
de porta-bandeira e o presidente disse: “negativo”. Então como ele disse
negativo eu disse que ele deveria vir na minha casa. Aí ele foi, conversamos,
ele “não, quero sim, tudo bem”, aí eu fiz a minha exigência, porque sempre
era eu que fazia as minhas roupas e a minha irmã. Então eu disse a ele que
queria escolher, porque quando, depois que eu saí, a porta-bandeira, um mês
antes recebia a roupa dela já pronta. Eles pagavam. Então eu disse “não vou
ser mais explorada, vou escolher um costureiro e vocês vão lá e pagam”.
Assim foi feito, escolhi Evandro e Antônio que até hoje Antônio faz as
minhas roupas [...] então eu cheguei à conclusão [...] que eles não pagavam a
minha fantasia, eu dava condições a eles de arrumar dinheiro para pagar a
minha fantasia, com essa festa que eu dava todo ano [Vilma se refere a uma
festa organizada por ela e seu marido na Portela, que recebia inclusive
setores da imprensa], entendeu?!. Pago não, dou condições, o que arrumava
dava para pagar quatro fantasias minhas e do Benício, quer dizer, então
começou aí a minha briga com isso tudo [...].169

O depoimento de Vilma demonstra mudanças diversas relacionadas à organização


dos cortejos carnavalescos, considerando que, diferentemente do passado em que as porta-
bandeiras faziam e pagavam as suas próprias fantasias, o crescimento das escolas permitiu
que muitas tivessem suas roupas pagas, haja vista a própria importância do casal de mestre-
sala e porta-bandeira para a pontuação da escola. O relato, no entanto, revela que o pagamento
da roupa usada no desfile não se dava prontamente pelas escolas, sendo muitas vezes
necessário usar de pressões diversas para conseguir tal atitude das agremiações carnavalescas.
Além disso, a famosa porta-bandeira da Portela fez questão de assinalar que o pagamento da
sua fantasia se devia ao trabalho desempenhado, na realização de festas, na geração de renda
para a agremiação, e não resultado de uma simples concessão por parte da escola.
O pagamento da fantasia constituía muitas vezes um impeditivo ou entrave para
participação das mulheres nas escolas de samba. Além do mais, o ciúme do marido podia
atrapalhar a entrada ou a continuidade de uma porta-bandeira em uma agremiação
carnavalesca. O depoimento de Mocinha, porta-bandeira da Mangueira, que deixou de desfilar
por alguns anos em razão da negativa do marido, é significativo a esse respeito:

É, o meu marido não gostava de carnaval, gostava de fazer presença com a


minha fotografia porque aparecia na Manchete, Cruzeiro né? A mocinha
bonita [...] era por causa do corpo pra mostrar, mas antes ele brigava, “não,
carnaval o quê?! porta-bandeira o quê?!”, sabe? Aí fiquei um tempão170.

169
NASCIMENTO, Vilma, op. cit.
170
SOUZA, Rivailda do Nascimento. Depoimento. Entrevistadores: Aroldo Bonifácio, José Carlos Rego e
Manoel Dionísio. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao projeto “A sorte é
sua em conhecer” no auditório da LOTERJ para o MIS/RJ em 2000 (VI – 00758.3).
92

Sobre seu retorno à Mangueira, Mocinha esclarece como o presidente da escola,


Roberto Paulino, em 1960, colaborou no processo de convencimento do seu marido:

[Roberto Paulino] subiu no morro e disse: “eu vou fazer você voltar, como
porta-bandeira”. “Mas, o meu marido não vai deixar, você vai se aborrecer”.
Ele disse: “não, eu vou buscar você”. Foi lá: “onde você mora?” (perguntou
Roberto). Eu dei direitinho a dica, ele foi lá. Chegou lá, o meu marido era
daqueles assim meio turrão [...] “o seu Roberto veio conversar com o
senhor”, aí ele “quem é esse homem?”. “É o presidente da Mangueira”. “Não
tem carnaval” (disse o marido). “Vai lá conversar com o homem, pelo amor
de Deus, vai lá ver o que o homem quer”. Aí ele aceitou a conversa do
homem, seu Roberto falou que queria “sua esposa emprestada” (risos dos
presentes), “carnaval seu Abel”. “Não, não tem dinheiro para vestir, fazer
fantasia pra carnaval não. Eu tenho uma porção de criança aí. Posso não”
(disse o marido). “Mas, eu não quero que o senhor gaste um tostão, eu vou
vestir, a Mangueira vai vestir, vai dar tudo pra sua mulher” (disse Roberto).
“Bom, eu vou pensar” (disse o marido de Mocinha, seu Abel). “Mas e as
criança (sic), onde vão deixar as crianças?” (continua Abel). Aí minha mãe:
“eu tomo conta”. Ela é fofoqueira igual a mim. Minha mãe: “eu tomo conta”.
Aí ele não teve saída né?!, teve que emprestar a mulher dele [...]171.

O depoimento de Mocinha revela as dificuldades enfrentadas pelas mulheres após o


casamento e o nascimento dos filhos, uma vez que o papel de “rainha do lar-esposa-mãe” não
era considerado compatível à participação feminina nas agremiações carnavalescas, embora
essas mulheres ocupassem atividades remuneradas no âmbito cotidiano. Além disso, o posto
de porta-bandeira exigia o seu complemento masculino, o mestre-sala, que poderia, no
imaginário do marido, roubar-lhe a esposa. O alto custo das fantasias também constituía um
empecilho, considerando que as mulheres até então confeccionavam seus próprios vestidos,
contando, quando possível, com o dinheiro fornecido pelas escolas. O retorno de Mocinha à
Mangueira ocorreu em consequência do pagamento dos custos da fantasia utilizada, além do
comprometimento de sua mãe com o cuidado dos filhos, tranquilizando o marido e
conseguindo assim o “aval” necessário para prosseguir na folia. A partir de então, Abel,
marido de Mocinha, deixou de enxergar problemas em sua participação no carnaval,
passando, por sua vez, a gostar de “fazer presença” com as fotografias da esposa que
apareciam nas coberturas carnavalescas das revistas O Cruzeiro e Manchete, segundo o
entendimento de Mocinha em entrevista anteriormente citada. É possível inferir, a partir desse
depoimento, que Abel aceitou de forma mais contundente a participação de Mocinha no
carnaval quando ela passou a ganhar visibilidade com o posto e também oportunidades de

171
SOUZA, Rivailda do Nascimento, op. cit.
93

trabalho.
Mocinha permaneceu como a segunda porta-bandeira da Mangueira por vinte e seis
anos, assumindo o lugar de primeira em 1966, devido às divergências de Neide – a principal
porta-bandeira da escola – com a direção quanto ao pagamento de sua fantasia, tema, como
visto, controverso e motivador de desentendimentos. No ano seguinte, resolvidos os
problemas com a direção da Mangueira, Neide retornou ao seu posto e Mocinha somente o
assumiria novamente a partir de 1981, com a morte da primeira. No entanto, Mocinha, ainda
como segunda porta-bandeira, conseguiria algo inédito: ganhar, em 1979, o Estandarte de
Ouro. De acordo com o seu depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro, este foi um dos momentos mais importantes de sua vida no mundo do carnaval, já
que se “olhava” somente para as primeiras porta-bandeiras.
Sobre os quesitos necessários para ser uma “boa” porta-bandeira, Mocinha, na
mesma entrevista, elucida o que seria importante em seu entendimento:

[...] eu acho o seguinte: porta-bandeira não precisa ter uma face linda, bonita,
não, eu acho que a porta-bandeira tem que saber dançar, apresentar um
bailado, de acordo com o mestre-sala e o mestre-sala de acordo com a porta-
bandeira [...] então eu acho que existe um comportamento da porta-bandeira
com a bandeira, um respeito, da porta bandeira com a bandeira. Segundo,
porta-bandeira ela tem que ser vaidosa com ela, com ela (enfatiza), não com
os outros. Tem que se importar com ela. Eu sou a Mocinha, eu me considero
hoje a Mocinha, isso na época. Então eu sou uma porta-bandeira que vou
fazer por mim, não quero saber o que os outros fazem, não quero saber se a
porta-bandeira, fulana se ajoelha, se ela beija o mestre-sala, se ela joga a
bandeira pro alto, eu não tenho nada a ver com ela. Eu tenho a ver com o
meu comportamento, que eu sempre tive, eu tenho orgulho de dizer isso. Eu
sempre tive muito carinho, tenho até hoje pela bandeira da minha escola,
sempre me comportei muito bem em qualquer lugar, na minha escola, haja
vista que todas as viagens da Mangueira, aí Aroldo Bonifácio (um dos
escolhidos para entrevistá-la) viajou pra França comigo pode falar, né, me
comportei muito bem, me comporto até hoje como velha guarda, sabe. Eu
acho que, aí uma outra forma, a porta-bandeira tem que ser [...] ela deve ser
elegante, ela deve ser simpática, ela não precisa ser bonita, mas deve ser
simpática, entendeu? Eu acho que uma porta-bandeira deve saber receber um
visitante na sua quadra, que eu vejo isso muito pouco agora sabe? [...] E
saber dançar né?! Eu acho que a coisa mais importante é o saber dançar, se
comportar com a bandeira e saber dançar172.

Como salientado anteriormente, a beleza física, qualitativo importante no que se


referia à presença feminina nos festejos carnavalescos de salão, não era algo valorizado no
universo das porta-bandeiras. No início dos desfiles das escolas de samba, o bailado da porta-
bandeira não era avaliado, mas sim a bandeira com o símbolo da escola. A partir de 1958, a
172
SOUZA, Rivailda do Nascimento, op. cit.
94

dança do mestre-sala e da porta-bandeira começou a pontuar na competição carnavalesca. No


depoimento em questão, Mocinha elenca o que seria, em seu ponto de vista, fundamental para
uma porta-bandeira: dançar bem, apresentar a bandeira da escola da melhor forma possível e
respeitar o posto, cumprindo as obrigações inerentes a ele.
Outra renomada porta-bandeira, Maria das Dores Alves Rodrigues, mais conhecida
como Dodô da Portela, em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, também ressaltou
os qualitativos de uma “boa” porta-bandeira, considerando que na época da entrevista, o ano
2000, ela era responsável por apresentar as novas porta-bandeiras à escola, assim como passar
a bandeira da agremiação, além de evidentemente transmitir a experiência alusiva ao período
em que representou a Portela e, portanto, significativa para este estudo:

Eu acho que qualquer porta-bandeira e mestre-sala tem que andar bem


vestido, seja a escola que for. Num bloco. Agora sendo da Portela, eu faço
questão, eu falo, eu cobro delas e deles, entende? Tem que saber sentar. Tem
que saber conversar com as pessoas. Tem que saber lidar com as pessoas.
Tem que saber se vestir, porque muitas começam a se vestir quando vai pra
Portela. A roupa é outra [...]. Porque às vezes tem uma saída, uma festa, vai
de qualquer maneira? Que é isso, não pode. Então não é porta-bandeira, nem
é mestre-sala. Tem que ter o teu lugar. Tem que ter [...]173.

De forma poética, o jornalista Aydano André Motta, no livro Onze mulheres


incríveis do carnaval carioca: histórias de porta-bandeiras, descreve o papel e a magia de tal
posição em uma agremiação carnavalesca, o que, de certa maneira, corrobora a importância
atribuída ao posto pelas próprias porta-bandeiras entrevistadas:

A dança tem, como centro e motivo, o pavilhão, que deve permanecer


esticado durante todos os movimentos. A moça gira para um lado e para o
outro, veloz e sorridente, o mastro preso à cintura num talabarte e envolvido
pelo braço, de um jeito único. Sorriso cristalizado no rosto, ela transforma a
bandeira numa extensão do próprio corpo. O vestido, com sua roda generosa,
complementa o bailado. Não há, a olho nu, esforço na evolução – somente
graça e beleza. A porta-bandeira não demonstra angústia nem sofrimento;
flutua, soberana, no altar do Carnaval.
Ao mestre-sala cabe um par de funções: cortejar a dama e guardar o pavilhão
que ela carrega, referência simbólica à proteção dos primórdios da festa, o
tempo das “brigas” dos ranchos. Durante a apresentação, ele segura a ponta
da bandeira e saúda o emblema da escola – sem jamais tocá-lo. Por várias
vezes, os dois se curvam ao público, retribuindo os aplausos apaixonados174.

173
RODRIGUES, Maria das Dores Alves. Depoimento. Entrevistadores: Manoel Dionísio e José Carlos Rego.
Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao MIS/RJ em 28 de julho de 2000 (VI
- 00782. 1/2).
174
MOTTA, op. cit., p. 30-31.
95

Dodô ocupou a posição de primeira porta-bandeira da Portela até 1957, quando foi
substituída por Vilma Nascimento, passando, a partir de então, ao posto de “segunda” porta-
bandeira da agremiação em pauta. Essa transição do posto ocorreu, segundo os memorialistas
e estudiosos do tema, sem maiores atritos, já que Dodô não teria manifestado resistência,
muito pelo contrário, teria deixado a posição à disposição da escola. Sobre o assunto, Aydano
considera que:

No fim da década de 1940, a escola ganhou um patrono lendário, o bicheiro


Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela, líder forte na harmonia da
Avenida e no xadrez dos bastidores. Para o Carnaval de 1957, ele estava
encantado com o talento de uma jovem porta-bandeira chamada Vilma, e
procurou a titular. “Dodô, ela quer ser porta-bandeira”, arriscou, recebendo
resposta lacônica – e digna: “O pavilhão está às ordens”.
Como o amor, quando legítimo, despreza postos e vaidades, a primeira
campeã com a Portela aceitou o capricho do chefe e foi ser segunda porta-
bandeira175.

No depoimento de Dodô ao MIS, ela, de fato, confirma a versão de que não teria
visto problema na substituição, já que sempre existia a possibilidade dessas mulheres serem
trocadas por outras consideradas melhores para o posto, em decorrência da opinião da
diretoria. No entanto, é perceptível em suas respostas às perguntas dos entrevistadores a
compreensão de razões mais específicas para a sua saída da posição de primeira porta-
bandeira:

José Carlos Rego: [...] bom, agora, um acontecimento extraordinário na sua


vida e que você se conduziu de uma forma muito bonita, que foi em 1957,
quando a direção da Portela anuncia pra você que você seria substituída.
Dodô: foi, teve reunião.
José Carlos Rego: como é que se deu, como é que foi esse processo?
Dodô: antigamente pra tirar uma porta-bandeira de uma escola não era assim
não [...] não era assim, tinha muito respeito, respeitíssimo (sic). Fizeram uma
reunião pra me chamar, entendeu? Eu e o Ari (mestre-sala da época) [...] Aí
o Seu Natal falou assim pra mim “Dodô, eu te chamei aqui, pra mim (sic)
falar um negócio com você, o que que você acha?”, eu disse assim: “o que
é?” “A Vilma quer sair na Portela, o que que você acha?”. Eu disse pra ele,
“Seu Natal a primeira bandeira tá à espera dela, não tem problema”. Porque
antigamente não via essa, ninguém caçando de porta-bandeira, de só quer ser
a primeira, só quer, não era assim, entendeu? Era muito liberal. O importante
é a gente tá na escola. Eu nunca dei nota a menos. Então houve assim um
rebuliço por causa da minha nota, mas ficou tudo ali em casa. Eu disse: “a
primeira bandeira é dela”. Ué, ela queria isso mesmo e ele também, pra que
briga?!
Maria Augusta: já conhecia, já tinha visto ela dançar?

175
MOTTA, op. cit., p. 30-31.
96

Dodô: Não, ela não frequentava a Portela. Ela era da União de Vaz Lobo. É
porque ela já tava namorando o Mazinho.
José Carlos Rego: Certo. Que era o filho do Natal.
Dodô: Era filho do Seu Natal, entende? Então houve contras, não comigo. Aí
ele perguntou a Ari: “Ari, qual você quer dançar, com a Dodô ou com a
Vilma?”. O Ari falou: “tanto as duas dançam muito bem. Portela tá boa de
porta-bandeira [...]”. Então, houve aquele rebuliço. Aí o seu Natal falou
assim: “ó, quem se vestir melhor que vai pegar a bandeira”. Eu trabalhava de
dia pra fazer a minha roupa e da minha mãe, é ruim hein. O seu Natal, né,
custeava a roupa dela. A gente tem que ter consciência, não é? A mim
ninguém me ajudava. Tudo bem [...] Porque eu não tenho nada contra ela.
José Carlos Rego: Certo.
Dodô: Não tenho nada com isso, não é? Aí o pessoal olhava pra minha roupa
e olhava a roupa dela. Isso quem tinha que falar era ela no depoimento dela.
José Carlos Rego: certo
Dodô: Acaba aí. Eu não falo mais nada.
José Carlos Rego: tá bom então.
Dodô: quem tem cabeça.
José Carlos Rego: você foi ser a segunda porta-bandeira
Dodô: fui
José Carlos Rego: sem problema176.

Vilma Nascimento, por sua vez, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som,


esclareceu que não aceitou inicialmente os vários convites feitos por Natal, pai do seu então
namorado, que desejava que ela ocupasse o posto de primeira porta-bandeira da Portela, em
virtude do carinho pela sua escola de origem, a “União de Vaz Lobo”, e pelo respeito à então
primeira porta-bandeira da agremiação, Dodô. É importante assinalar que antes mesmo de
conhecer o futuro marido, Mazinho, filho do famoso bicheiro da Portela, Vilma já tinha
recebido de Natal o convite para desfilar como porta-bandeira na referida agremiação, em um
encontro na boate Night and Day, a famosa casa noturna de Carlos Machado, na qual Vilma
se apresentava na época com a bandeira da Portela. Natal tinha se dirigido até lá para
recuperar justamente a bandeira da escola, que teria sido roubada e estava sendo usada no
espetáculo encenado por Vilma. Esse episódio ocorreu em 1952 e teria originado o
encantamento de Natal pela porta-bandeira, que a partir de então receberia propostas para
integrar a Portela.
No entanto, em 1957, quando já namorava Mazinho, Vilma acabou concordando em
desfilar pela Portela, mas afirmou que só desfilaria como segunda porta-bandeira para não
prejudicar a veterana da escola. Em seu depoimento, Vilma assegurou que somente passou ao
posto de primeira porta-bandeira após Dodô ceder o seu lugar, reconhecendo que Vilma
dançava melhor, enquanto ela ficaria, sem contrariedade, como segunda porta-bandeira da
agremiação.
176
RODRIGUES, Maria das Dores Alves, op. cit.
97

O confronto de ambos os depoimentos demonstra perspectivas diferentes para o


assunto em questão, uma vez que Vilma não menciona a “competição” proposta por Natal e
se refere somente ao fato de Dodô não ter manifestado objeção à sugestão do patrono da
escola, elemento igualmente afirmado pela até então primeira porta-bandeira da Portela.
Porém, ao ser questionada sobre a qualidade da dança apresentada pela concorrente, Dodô diz
que desconhecia o seu bailado já que Vilma não participava da Portela, mas, na sequência,
explicita a razão pela qual, em seu ponto de vista, foi escolhida: “porque ela (Vilma) já tava
namorando o Mazinho”.
O depoimento de Dodô deixa transparecer que a “competição” criada por Natal para
definir quem ocuparia a posição de primeira porta-bandeira da escola foi apreendida como
desigual, uma vez que ela não tinha a roupa custeada, ao contrário de Vilma: “O seu Natal, né,
custeava a roupa dela. A gente tem que ter consciência, não é? A mim ninguém me ajudava
[...] Aí o pessoal olhava pra minha roupa e olhava a roupa dela. Isso quem tinha que falar era
ela no depoimento dela”. Embora tenha assinalado as possíveis razões para a sua saída do
posto de primeira porta-bandeira, Dodô, ao rememorar os acontecimentos daquela época, fez
uso de um discurso conciliatório, expresso nos termos “nada contra ela” e “sem problema”.
O depoimento de Dodô sobre tal episódio é elucidativo do fato de que ser conhecida
e ter participação tradicional em uma escola de samba não garantia necessariamente a
continuidade de uma porta-bandeira no posto ocupado, sendo possível a sua substituição por
outra mulher considerada mais bem preparada para a posição. É possível presumir que a
atitude de Dodô, ainda na segunda metade da década de 1950, demonstre mais um preciso
entendimento da situação vivenciada, já que a questão da substituição se apresentava
enquanto possibilidade real, do que propriamente um desprendimento em nome da escola,
sem contestar, é claro, seu carinho e dedicação à agremiação.
Essas considerações a respeito da posição de porta-bandeira, mesmo aquelas não
concernentes diretamente ao período estudado, são importantes para o presente trabalho na
medida em que auxiliam no estabelecimento de diferenciações nas representações quanto à
participação das mulheres nos festejos carnavalescos, suas mudanças e a percepção dos usos
dos corpos em diferentes modalidades de brincar o carnaval.
No decorrer da década de 1970, em meio a diversas mudanças e ao incontestável
sucesso das escolas de samba, antigos locais da folia deixaram de existir, enquanto outros
surgiam como se trouxessem a necessária renovação dos valores. Em 1976, por exemplo, o
Rio de Janeiro já não contava mais com dois bailes que durante muito tempo foram os mais
badalados da cidade: o do Hotel Copacabana Palace e o do Teatro Municipal. Com o
propósito de substituir o baile do Copacabana Palace, no sábado gordo, o Hotel Nacional se
tornou o novo lugar de encontro da jet-set nacional e internacional para brincar o carnaval. O
98

Canecão, por sua vez, substituiu o Municipal como baile oficial da cidade do Rio de Janeiro.
Por muito tempo, no entanto, os bailes do Municipal e do Copacabana acompanharam as
mudanças na forma dos foliões se divertirem. A revista Manchete, ao demonstrar essas
mudanças e o ambiente mais livre encontrado nos salões, assinalou razões que talvez
explicassem a não realização conjunta desses dois bailes tradicionais do Rio de Janeiro, a
partir de 1976, sem enfatizar, contudo, os problemas mais concretos, como, por exemplo, a
proibição do Governo de Estado na promoção do Baile do Municipal:

Surgiram a pílula, a permissividade sexual e a tanga. Tudo isso misturado


tinha de dar numa boa. E deu. Enquanto na passarela da avenida os bons
crioulos se sentiam obrigados a cantar as glórias de Santos Dumont e a
literatura de Monteiro Lobato, nos salões da alta e da médias burguesias a
turma entrava para valer na grossura e mandava pegar no ganzá. [...] A tanga
mudou a ética e a estética do carnaval. Por isso mesmo, o velho Municipal e
o cansado Copa não abrirão esse ano suas portas177.

Além disso, o trecho acima evidencia outros aspectos dos festejos carnavalescos. As
escolas de samba, obrigadas a seguir enredos de temáticas nacionais, tinham ainda que lidar
com as regras do desfile carnavalesco, enquanto os foliões da elite e da média burguesia que
brincavam nos salões dedicados ao seu divertimento, encontravam nesses espaços um clima
de maior permissividade para manifestação de comportamentos que fugiam ao estabelecido.
No que concerne ao carnaval de rua, coretos eram montados e bandas contratadas178 para
tocar nos bailes públicos realizados pela cidade. O mapa 2 apresenta, então, os bailes públicos
promovidos em diversos pontos do Rio de Janeiro, no ano de 1976, sendo perceptível uma
maior concentração na zona norte, em bairros como Oswaldo Cruz, Marechal Hermes,
Ramos, Cachambi, entre outros, e zona oeste, com festejos organizados em Campo Grande,
Realengo, Cosmos e Santa Cruz, apenas para citar alguns. Em relação ao primeiro mapa, que
demonstra a predominância das possibilidades carnavalescas no centro da cidade, o segundo,
ao contrário, evidencia a organização de bailes públicos majoritariamente nas ruas de bairros
afastados da região central. É perceptível, portanto, o interesse da prefeitura na promoção de
bailes por toda a cidade, ainda que estes se concentrassem na região norte179.

177
MUNICIPAL e Copa: 20 anos de carnaval. 1955 e 1975. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.246, p. 42-53, 06
mar. 1976.
178
No carnaval de 1976, o jornal O Globo noticia a contratação de 524 músicos para tocar nos bailes públicos
em coretos instalados em diversos pontos da cidade, conforme dados divulgados pela Riotur.
179
É válido notar que a zona norte da cidade do Rio de Janeiro aparece nos dois mapas apresentados como área
importante na realização de alguma modalidade de brincar o carnaval. Os mapas priorizaram os festejos de salão
e os bailes públicos, realizados nas ruas, mas a presença de importantes escolas de samba na região norte, como
Salgueiro, Portela e Império Serrano, apenas para citar algumas, e de pessoas predispostas à folia, possivelmente
explicam o investimento e a realização de festejos diversos nessa parte da cidade.
99

O mapa foi elaborado a partir da Base de Dados Geográficos do SIURB (Sistema Municipal de Informações Urbanas) da cidade do Rio de Janeiro, pela empresa ENGEMAP/Assis, com base nas
informações fornecidas pela autora desta tese. Os dados do mapa foram extraídos do jornal O Globo. OS LOCAIS dos bailes públicos, 24/02/1976, p. 08; NOS CORETOS da cidade a banda
animará bailes em 51 bairros, 29/02/1976, p. 07.
100

A respeito do desfile das escolas de samba, até meados da década de 1970 não havia
muita surpresa quanto ao resultado do campeonato dessas agremiações carnavalescas do Rio
de Janeiro. As escolas Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro alternavam-se no
primeiro lugar da competição, sendo conhecidas por essa razão como as “quatro grandes” do
carnaval carioca. Essa situação se modificou a partir de 1976 com a vitória da até então
pequena Beija-Flor de Nilópolis, que marcaria uma nova fase dos desfiles ao colocar em
xeque as “tradições” e estabelecer o caráter espetacular das apresentações. Outras escolas de
samba cresceram igualmente no período como a Mocidade Independente de Padre Miguel e a
Imperatriz Leopoldinense180.
O ano de 1976, com a vitória da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, pelas mãos
de Joãosinho Trinta, marcou uma verdadeira revolução no carnaval. Essa vitória, assim como
as duas subsequentes, caracterizaria para as décadas seguintes a opção das escolas pelo “luxo
visual, pela grandiosidade dos carros alegóricos (que sob o comando de João Trinta
alcançariam proporções anteriormente inimagináveis) e pela ampliação das fantasias
(incorporando golas, palas esplendores e chapéus cada vez maiores)”181. Foi possível, a partir
de então, agrupar os componentes dos desfiles em duas categorias: samba e visual. A primeira
relaciona-se, de modo geral, a formas de expressão corporal, como o canto, a música e a
dança. Já a segunda refere-se, por exemplo, à visualidade das alegorias, das fantasias e do balé
do mestre-sala e da porta-bandeira, suscitando no público admiração e extasiamento182.
Foi a preocupação com o aspecto visual do desfile que gerou críticas à figura de
Joãozinho Trinta como carnavalesco da Beija-Flor. Acusado de desvirtuar a essência das
escolas de samba, Trinta afirmava que anos antes, em 1973, o Salgueiro, escola da qual fazia
parte, já tinha levado para a avenida um desfile luxuoso e pomposo quando apresentou o
enredo “Eneida, amor e fantasia”. Nesse carnaval havia um carro coberto de espelhos, com
200 pierrôs, “cujas imagens se repetiam infinitamente graças ao material empregado”183. A
despeito da acusação de fugir da realidade nacional e de descaracterizar os desfiles
carnavalescos, ao realçar alegorias e fantasias, Joãozinho respondeu às críticas com uma frase
que se tornaria polêmica e ao mesmo tempo antológica: “Povo gosta de luxo. Quem gosta de

180
FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 361-362.
181
Ibid., p. 364.
182
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. A cidade e o samba. Revista USP, São Paulo, v. 32, p. 90-
101, dez./fev. 1996-97.
183
BERTOLA, Alexandre. Beija-Flor. O carnaval se faz em silêncio: Está todo mundo de olho na gente. O
Globo, Rio de Janeiro, 26 jan. 1979, p. 35.
101

miséria é intelectual”. Além disso, não associava o dinheiro do patrono da escola, o bicheiro
Anísio Abrão Davi, ao luxo apresentado pela agremiação. Ao contrário, destacava a
criatividade e o talento no uso de materiais simples: “Muita gente não acredita e eu não vou
mostrar, mas eu sempre usei material barato. O que a gente tem é muita imaginação, muita
habilidade para explorar o máximo de efeito desse material”184.
Quanto à afirmação de que seus desfiles não retratavam a realidade brasileira, Trinta
argumentava que o carnaval era um momento “de engano” e, por mais que tivesse
“consciência do muito que se havia de fazer para modificar certos aspectos adversos da nossa
realidade”, jamais “isso deveria se expressar durante o carnaval momento de absoluta
fantasia”185. Não obstante o destaque dado pelas agremiações carnavalescas ao luxo e ao
aspecto sensual da mulata, no que se refere à participação das mulheres como puxadoras de
sambas-enredos é bastante significativa sua presença nas agremiações do período. Algumas
cantoras se destacaram nesse campo, como Marlene, Elza Soares, Júlia Miranda186, Sônia
Santos, Eliana Pittman e Clara Nunes (Quadro 3)187. No entanto essas escolhas não se davam
unicamente pelo talento das cantoras convidadas para tal função, mas ao prestígio conferido
às agremiações pela presença em seus desfiles de cantoras já notabilizadas nacionalmente,
como foi o caso de Elza Soares e Marlene.

QUADRO 3 – Mulheres que “puxaram” sambas-enredos nas décadas de 1960 e 1970

Mulheres que
puxaram
“sambas- Escola de Samba Samba-enredo Compositor (es) Parceiro Ano do
enredos” desfile

Carmem G.R.E.S. Império Aquarela Silas de Oliveira Não foi 1964


Silvana Serrano brasileira informado

Surica da G.R.E.S. Portela Memórias de um Paulinho da Viola Catoni e 1966


Portela sargento de Mazinho
milícias

184
BERTOLA, op. cit., p. 35.
185
Ibid., p. 35.
186
A cantora puxou o samba-enredo do G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 1973. No site
“Galeria do Samba”, consta parceria com Dom Barbosa, e na revista Manchete, com Joelson.
187
As cantoras que puxaram sambas-enredos no período estudado foram identificadas no decorrer da realização
da pesquisa dessa tese, no entanto, tal assunto requer mais investigação.
102

G.R.E.S Império Alô, Alô, taí Wilson Diabo, _ 1972


Serrano Carmem Miranda Heitor Rocha e
Maneco

G.R.E.S Império Viagem Wilson Diabo, 1973


Serrano encantada Malaquias e
Pindorama Carlinhos _
adentro
Marlene Dona Santa, Wilson Diabo,
G.R.E.S Império Abílio 1974
Serrano rainha do Malaquias e Martins
maracatu Carlinhos

G.R.E.S império Zaquia Jorge, a Alvarese 1975


Serrano vedete do
subúrbio, estrela _
de Madureira

G.R.E.S. Bahia de todos os Bala e Manuel 1969


Acadêmicos do deuses Rosa
Salgueiro _

G.R.E.S Mocidade Rio Zé Pereira Tião da Roça e Tião da Roça 1973


Independente de Edu
Padre Miguel
Elza Soares
G.R.E.S. Mocidade A festa do Tatu, Nezinho e Ney Vianna 1974
Independente de Divino Campo Grande
Padre Miguel

G.R.E.S. Mocidade O mundo Tatu, Nezinho e Ney Vianna 1975


Independente de fantástico do Campo Grande
Uirapurú
Padre Miguel

G.R.E.S. Mocidade Mãe menininha Toco e Djalma Ney Vianna 1976


Independente de do Gantois Crill
Padre Miguel

Júlia Miranda G.R.E.S. Abc do carnaval Nelson Lima, Dom Barbosa 1973
Imperatriz Caxambu e
G.R.E.S.
Leopoldinense
Imperatriz
Leopoldinense

Sônia Santos G.R.E.S. O segredo das Nininha Rossi, Noel Rosa de 1975
Acadêmicos do Minas do Rei Dauro Ribeiro, Zé Oliveira
Salomão Pinto e Mário
Salgueiro
Pedra

Eliana Pittman G.R.E.S. Unidos Aruana-Açu Paulinho da Vila e Martinho da 1974


de Vila Isabel Rodolpho Vila

Clara Nunes G.R.E.S. Portela Macunaíma, David Correa e Silvinho da 1975


herói de nossa Norival Reis Portela e
gente
Candeia

Fontes: ACADÊMICOS do Salgueiro, op. cit., p. 134. O FANTÁSTICO show de samba, op. cit., p. 16-23. RIO
em tempo de samba. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 13, 09 mar. 1974. RIO: O Império encantado do
samba, op. cit., p. 06-07. LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário da história social do samba. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 71.
103

Uma questão que não pode ser esquecida no estudo da temática proposta em relação
ao carnaval das escolas de samba é a participação ou não das mulheres em atividades para
além da atuação na avenida, na apresentação do enredo da escola, considerando que o corpo
feminino era valorizado em algumas funções em detrimento de outras. Sobre o assunto, a
historiadora Olga R. de Moraes von Simson considera que restrições à participação feminina
em cargos de direção nas escolas de samba, por exemplo, foram camufladas ao longo do
desenvolvimento dessas agremiações pela valorização de mulheres jovens e bonitas como
elementos importantes do espetáculo visual carnavalesco, sobretudo no sentido sexual e
decorativo188. O G.R.E.S Unidos de Vila Isabel teve, no entanto, uma mulher à frente da
presidência da escola no curto período de 1972189 a 1974: Pildes Pereira. Ela já havia se
notabilizado também como a primeira destaque da agremiação, tendo, inclusive, ocupado esse
posto no desfile de 1974190. Não obstante a importância de tal fato, a assunção pelas mulheres
desse tipo de posto ainda era exceção no período191.
O surgimento de departamentos femininos nas escolas de samba, como por exemplo,
o dirigido por Dona Neuma192, na Mangueira – figura importante na história da agremiação,
que se destacou pela atuação junto à Escola e por agrupar em sua casa sambistas do morro –,
não significava necessariamente uma valorização das mulheres nas agremiações, como pode
aparentemente figurar. A historiadora Olga Simson, ao estudar os carnavais da cidade de São
Paulo, informa que esses departamentos acabavam por reafirmar os papéis tradicionais
atribuídos às mulheres pela sociedade – fato este que possivelmente pode ser estendido para
os folguedos do Rio de Janeiro –, uma vez que deveriam se encarregar de setores
habitualmente ocupados pelo feminino, como:

[...] coordenar o trabalho das costureiras, cuidando para que sigam os


figurinos fornecidos pela sede central e cumpram os prazos estipulados pela
direção.
É entretanto, nas promoções de meio de ano que essa visão tradicional do

188
SIMSON, op. cit., 1992, p. 31.
189
VILA Isabel perde Pildes Pereira. Disponível em: <http://www.galeriadosamba.com.br/noticia/vila-isabel-
perde-pildes-pereira/627/1/>. Acesso em: 17 nov. 2017. É possível inferir, pelas informações encontradas, que
Pildes assumiu a presidência da escola após o carnaval de 1972, já que o presidente na ocasião do desfile era
Djalma Pereira Victorio (Cachimbinho).
190
VILA ISABEL, op. cit., p. 30.
191
No Dicionário da história social do samba, consta que Carmelita Brasil foi a “primeira mulher a dirigir uma
escola de samba na região metropolitana do Rio, tendo exercido a presidência da Ponte de 1957 até 1979”.
LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário da história social do samba. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015, p .71. No entanto, no site <http://www.galeriadosamba.com.br/V41/>, o nome de Carmelita
aparece somente nas posições de autora de samba-enredo e carnavalesca, de 1960 a 1964.
192
Era filha de um dos fundadores da Mangueira, Saturnino Gonçalves, que acabou se tornando seu primeiro
presidente.
104

papel da mulher fica ainda mais reforçada, pois nesses eventos cabe ao
Departamento Feminino cuidar principalmente da cozinha (papel específico
da mulher na sociedade brasileira, principalmente da mulher negra) e
algumas vezes se ocupar também da decoração da quadra para o maior
sucesso das festividades193.

Se por um lado as mulheres estavam conquistando cada vez mais espaço nas
agremiações – como foi o caso de Dona Ivone Lara194, que, em 1965, notabilizou-se no
universo carnavalesco e no da música popular como a primeira mulher a compor um samba-
enredo oficial195 – e verificável uma maior participação delas em posições importantes e de
grande visibilidade nas escolas de samba, como a de carnavalesca, função assumida por Maria
Augusta, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, a de intérprete de samba-enredo, atuando sozinhas
ou conjuntamente, como Marlene e Elza Soares, percebe-se, por outro lado, como apontado
pela historiografia, uma valorização da mulher, em geral, enquanto destaque visual das
escolas de samba à medida que seus corpos compunham, juntamente com as alegorias, o
espetáculo e o extasiamento carnavalesco. A participação feminina ainda continuava restritiva
em postos de comando, já que as principais decisões de uma escola continuavam sendo
tomadas pelos homens. É inegável, no entanto, a projeção assumida pelas mulheres durante os
desfiles das escolas de samba, como baianas, porta-bandeiras, passistas, pastoras e destaques,
ainda que não adquirissem igual prestígio perante a imprensa e a própria escola.
Essas apreciações a respeito dos festejos carnavalescos permitiram traçar os lugares
nos quais as mulheres brincaram o carnaval, seja nos bailes de salão ou nos festejos de rua,
além de evidenciarem os contornos da festa e algumas das discussões em voga na época.
Dada a importância das escolas de samba no período em análise, tornou-se fundamental
inquirir a respeito das representações simbólicas mais amplas atinentes às mulheres, como
aquelas presentes nos sambas-enredos e também às específicas, associadas às figuras da porta-
bandeira, signo da escola, e da passista, ambas apresentando-se como portadoras da
subcultura negra. A compreensão dessas questões e das transformações econômicas e sociais
que se processaram no Brasil nos anos 1960 e 1970 possibilitaram o levantamento de

193
SIMSON, op. cit., 1992, p. 29-30.
194
Dona Ivone Lara enfrentou diversos preconceitos até se tornar a primeira mulher a integrar uma ala de
compositores de sambas-enredos, a do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, em fins dos anos
1940. Como a elaboração de sambas era prerrogativa masculina, ela pedia ao primo, Mestre Fuleiro, compositor
e figura importante da Prazer da Serrinha – dissidentes dessa agremiação formaram a escola Império Serrano,
ainda em 1947 – para que apresentasse seus sambas como se fossem de autoria dele. BURNS, Mila. A dona da
voz e a voz da dona: a trajetória de Dona Ivone Lara. In: VELHO, Gilberto (Org.). Rio de Janeiro: cultura,
política e conflito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 108-127, p. 123.
195
Em conjunto com Silas de Oliveira e Bacalhau, compôs “Cinco bailes da história do Rio”, para a agremiação
Império Serrano. Nessa escola, aliás, Dona Ivone Lara desfilou por diversos anos na Ala das Baianas.
105

hipóteses para as percepções construídas pela imprensa quanto à presença das mulheres nos
carnavais e à sua participação nesse tipo de festejo. A averiguação das possíveis diferenças
entre uma época e outra no que diz respeito ao modo das mulheres brincarem o carnaval e
serem representadas será o foco dos próximos capítulos.
106

CAPÍTULO 2 – ENTRE A LIBERAÇÃO FEMININA E O CONSERVADORISMO: a


manifestação da sensualidade das mulheres cariocas nos carnavais dos anos 1960

A continuidade da discussão sobre as mulheres nos carnavais requer outras


dimensões do tema que apontam para a compreensão, em um primeiro momento, dos padrões
morais e sexuais da década de 1960, considerado um período de transição que levou,
gradualmente, da interdição ao direito ao prazer. A assunção pela mulher de seu próprio corpo
e de sua sexualidade foi um processo lento, conquistado mediante lutas, resistências e
transgressões às normas sociais vigentes196. Decidir o que fazer com o próprio corpo, até
meados do século passado, estava circunscrito ao universo dos libertinos, homossexuais e
prostitutas. As mulheres que manifestassem comportamentos não condizentes com as normas
estabelecidas estavam propensas ao julgamento da comunidade à qual estavam inseridas. O
corpo feminino deveria estar moldado às regras de conduta197 para ser respeitado pela
coletividade, já que este não era um assunto restrito à esfera íntima.
Não obstante a rigidez do código de conduta, muitas mulheres, antes mesmo da
chamada revolução sexual, adiantaram-se em relação a alguns comportamentos e quebraram
tabus. O jornalista Ruy Castro assinala, por exemplo, que Leila Diniz, símbolo da mulher
livre dos anos 1960, “foi o resultado final de uma longa linhagem de moças que, nos anos 40

196
O carnaval, principalmente em décadas como as de 1920 e 30, em que a sociedade apresentava-se mais rígida
e normatizadora, funcionava como um espaço para as mulheres manifestarem seus desejos e festejarem seus
corpos, expressando sentimentos e comportamentos que não seriam facilmente aceitos em seu cotidiano. Nessas
festividades, o corpo da mulher, comumente sujeito às diversas imposições, podia vivenciar experiências novas
por meio da transgressão de hábitos e costumes tradicionais, como, por exemplo, explorar a sensualidade das
fantasias, nas décadas de 1920 e 1930, ou dançar sobre as mesas, na década de 1950. Sobre o assunto, ver:
SILVA, op. cit., 2008, p. 225-239; MAZIERO, op. cit., 2011, p. 47-48.
197
Por muito tempo persistiu a cobrança de que, para manter uma boa reputação, a mulher deveria apresentar um
comportamento mais recatado, com comedimento nos gestos, nos olhares e na expressão das emoções. De
acordo com a historiadora Carla Bassanezi, que estudou algumas revistas femininas no período compreendido
entre 1945 e 1964 e as relações entre homens e mulheres, o código de moralidade existente na década de 1950,
por exemplo, fazia distinção entre dois tipos de mulheres: as de família e as levianas. As primeiras eram aquelas
que obedeciam aos familiares e mantinham-se virgens até o casamento. As segundas, por sua vez, eram as
mulheres que se deixavam envolver sexualmente antes do matrimônio. Não obstante a rigidez com a qual o
código era exercido, muitas mulheres conseguiram subverter os padrões estabelecidos ao se disporem à leitura de
coisas proibidas, ao questionamento, aberto ou não, da moral sexual vigente, entre outras coisas, que
demonstram outras formas de ser mulher no período em questão. A autora esclarece, no entanto, as
consequências da tomada de certas atitudes – vistas como transgressoras – pelas mulheres no período: “Algumas
se aventuraram até as fronteiras mais distantes do comportamento aceitável, ganhando certa autonomia; outras se
bateram de modo deliberado contra elas, adotando explicitamente novas posturas [...]. Muitas, porém, sofreram
as consequências propaladas para comportamentos desviantes: estigma social, discriminação e abandono”.
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos rígidos. In: ______; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História
das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 469-512, p. 485. BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos
dourados. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 607-
639, p. 610-622.
107

e 50, lutaram por sua independência” e questionaram a moral vigente198. Transgredir


significava explorar a sensualidade das roupas, inclusive nos festejos carnavalescos, buscar
colocação profissional, fumar, contestar a moral sexual e abandonar o ideal de casamento e
virgindade. Os questionamentos dessas mulheres em períodos anteriores à revolução sexual
“contribuíram para a ampliação dos limites estabelecidos para o feminino” e abriram espaço
para mudanças199.
Em meio às mulheres que se destacaram, entre outras coisas, pelas atitudes ousadas
para a época, podem-se citar Liliane Lacerda de Menezes, Tônia Carrero, Danuza Leão, Vera
Barreto Leite, Ira Etz, Marina Colasanti e Marília Kranz, apenas para citar algumas. O que
havia em comum entre elas era o fato de estarem construindo uma nova moral e um novo jeito
de ser. De acordo com Ruy Castro, essas mulheres faziam parte de uma geração que, em fins
dos anos 50, “cortavam Ipanema na garupa das lambretas”, não acreditavam no casamento
tradicional, desejavam trabalhar, morar sozinhas e não permitiam que certos padrões sociais
interferissem em suas decisões amorosas200.
Embora esse tipo de comportamento denote certa abertura para “licenciosidade”
antes mesmo da chamada revolução sexual, ainda era minoritário. É possível afirmar,
contudo, que transformações mais significativas no campo da moral e dos costumes –
algumas delas gestadas em períodos anteriores – serão sentidas de fato, no Brasil, a partir da
década de 1970, assunto este a ser discutido no terceiro capítulo da tese.
Os jovens, considerados como os grandes responsáveis pela liberalização dos
costumes nas décadas aqui estudadas e principais alvos da consolidação de uma sociedade de
consumo, foram, por muito tempo, desqualificados em sua capacidade de mudança social. Ser
jovem significa estar em um período de transição, da infância para a maturidade, em que
valores, normas e comportamentos estão sendo interiorizados para constituição plena do
sujeito social e livre, capaz de desempenhar papéis adultos. Embora os rapazes fossem
estimulados desde muito cedo a serem livres e independentes, e a desenvolverem o seu senso
de competitividade, a sociedade não esperava deles grandes façanhas nesta etapa da vida. De
acordo com Hobsbawn:

Até a década de 1970 o mundo do pós-guerra era na verdade governado por


uma gerontocracia, em maior medida do que na maioria dos períodos

198
CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.
210.
199
BASSANEZI, op. cit., 1997, p. 622.
200
CASTRO, op. cit., 1999, p. 244.
108

anteriores, sobretudo por homens – dificilmente por mulheres ainda – que já


eram adultos no fim, ou mesmo no começo, da Primeira Guerra Mundial.
[...] Um líder com menos de quarenta anos era uma raridade mesmo em
regimes revolucionários surgidos de golpes militares, um tipo de mudança
política em geral promovida por jovens oficiais subalternos, porque esses
têm menos a perder que os mais graduados. Daí muito do impacto
internacional de Fidel Castro, que tomou o poder com 32 anos201.

Para as “mocinhas” a situação era ainda mais complicada haja vista o rol de
restrições ao qual estavam sujeitas – ir a uma reunião dançante, por exemplo, somente
acompanhada de algum membro da família. As moças de família não deviam abusar de
bebidas alcoólicas e, de preferência, sequer beber; abraços e beijos mais ousados também
tinham que ser evitados, assim como comportamentos que pudessem colocar em xeque sua
honradez e a da família. A juventude apresentava-se como momento importante de definição
da vida adulta, uma vez que seria nesse estágio da vida que se conheceria o futuro marido, ao
menos que ficasse solteira. O “não casar” era sinônimo de fracasso e infelicidade. E uma vez
casadas, as mulheres eram valorizadas pela sua capacidade de cuidar da casa e dos filhos.
Além disso, antes das transformações comportamentais e culturais da década de 1960 e,
sobretudo, da de 1970, “amar” significava o mesmo que “casar”, assim como a reputação
social de uma mulher era medida exclusivamente pela sua capacidade de resistir aos avanços
masculinos.
A partir da década de 1960, no entanto, os jovens estarão diretamente envolvidos nas
mudanças relacionadas à liberação sexual, à flexibilização das hierarquias e à constituição de
novas relações entre o adulto e o próprio jovem. Os movimentos que ocorreram em diversas
partes do mundo na década de 1960, de caráter político e contracultural, tiveram como
característica principal a transgressão de padrões morais estabelecidos. As manifestações
contra a guerra do Vietnã, o “maio de 1968” na França, os “movimentos estudantis que
irromperam em diversos países do mundo”, a negação das práticas políticas existentes e dos
próprios partidos tradicionais da esquerda tiveram os jovens como seus principais agentes.
Transgredir nesse contexto não significava somente negar os valores estabelecidos, mas
construir e afirmar novos valores202. Fundamentada em Foucault, Irene Cardoso considera que
esses movimentos colocaram em xeque o poder instituído: o poder masculino sobre as
mulheres, o poder médico sobre o doente, o poder paterno sobre os filhos, o poder dos adultos

201
HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p. 319.
202
CARDOSO, Irene. A geração dos anos de 1960: o peso de uma tradição. Tempo social: revista de sociologia
da USP, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 93-107, nov. 2005. p. 95.
109

sobre os jovens e o poder da moral tradicional sobre os costumes e os comportamentos, entre


outros203.
Embora apresentassem questionamentos comuns e contassem com uma participação
atuante dos jovens, esses movimentos da década de 1960 não foram homogêneos e, portanto,
não tiveram o mesmo impacto no decorrer do período. Além disso, as numerosas
transformações ocorridas no campo dos costumes e da vida privada, sobretudo com a eclosão
de mais uma etapa do movimento feminista, que procuraria quebrar os preconceitos e os
valores profundamente arraigados nas sociedades, permitiram mudanças no papel da mulher
em muitos países ocidentais. No Brasil, entretanto, até meados da década de 1960, as normas
sociais e os padrões estabelecidos nas décadas anteriores continuavam ditando as regras de
comportamento, de forma que as mulheres permaneciam sob a mira da aprovação social e a
sua profissionalização ainda era vista com restrições, tal qual a manifestação de sua
sexualidade204. Dessa forma, qual foi o caráter desses movimentos no Brasil da época,
considerando o fato de que vivíamos em plena ditadura militar a partir de março de 1964?
Será que a tão aclamada geração de 1968 e os seus questionamentos concernentes à moral e
aos bons costumes conseguiram, de fato, reverter o conservadorismo existente nos padrões
morais e sexuais? E, diante desse quadro, o carnaval apresentava-se como momento de
transgressão de estigmas e proibições ainda existentes ou de afirmação de novos valores?
No decorrer da década de 1960, com o protagonismo assumido pelos jovens nas
mudanças sociais, a publicidade vinculou com maior intensidade peças em que a juventude
aparecia como símbolo da liberdade e do lazer, associados igualmente ao consumo. De acordo
com Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo:

A tendência para o hedonismo presente na publicidade, a valorização do


lazer e o clima de descontração que ela inspira, ganharam sua mais perfeita
expressão nos anúncios da Coca-Cola, uma das primeiras empresas
anunciantes a associar sistematicamente seu produto às imagens de lazer. Foi
também uma das primeiras a utilizar, quase que exclusivamente,
personagens adolescentes. [...] Aos poucos, a grande maioria das peças
publicitárias foi aderindo a essa preferência pelo universo ocioso da
juventude. Em meados dos anos 60, os anúncios abusavam das cenas ao ar
livre, das fotos de grupos festivos de rapazes e garotas brincando nas areias
das praias, dançando em bailinhos ou nadando nas águas turquesas de uma
piscina. Gradualmente, o lazer ia identificando-se nos anúncios com o
universo do consumo, até que se tornasse difícil imaginar um sem o outro205.

203
CARDOSO, op. cit., p. 97.
204
Apesar da ampliação de visões que sinalizavam mudanças quanto ao papel feminino, ainda era esperado que a
mulher se casasse, tivesse filhos e pudesse se dedicar integralmente à família. Embora também sua participação
no mercado de trabalho estivesse em ascensão, o papel de mãe, esposa e dona de casa continuava prioritário,
conforme demonstram os discursos das revistas femininas da época. DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 308.
205
FIGUEIREDO, op. cit., p. 80-81.
110

Não foi somente a publicidade que focalizou o público jovem; a moda, pela primeira
vez na história, também passou a dedicar-se à juventude. Procurando romper os valores
morais, sociais e políticos vigentes por meio de atitudes de rebeldia e de inconformismo, os
jovens encontraram na moda igualmente um canal de expressão. Com a progressiva liberação
dos corpos nos países ocidentais, os estilistas de moda da década de 1960 – possivelmente
mais que em outros períodos da história – entenderam o corpo como um veículo da própria
criação. As roupas eram eróticas à medida que desnudavam partes do corpo206, deixando de
estar circunscritas necessariamente ao ambiente praiano para uma exibição maior do corpo
também no rol das atividades cotidianas. A partir de então foi possível às mulheres exibirem
as pernas em uma minissaia, bem como evidenciarem mais os contornos de seus corpos por
meio de uma transparência, de uma calça jeans ou até mesmo de um decote mais profundo.
O surgimento do prêt-à-porter, ou seja, do pronto para usar, contribuiu
significativamente para a mudança de enfoque da moda: a alta-costura, voltada para a elite
socioeconômica e centrada principalmente nos estilistas franceses, começou a perder espaço
para uma indústria da moda destinada ao mercado de massa, focada sobretudo no universo
jovem, com destaque para as produções dos Estados Unidos e da Inglaterra. Foi neste último
país, inclusive, que surgiu a peça de moda mais emblemática da década de 1960: a minissaia.
A invenção de Mary Quant, de 1963, atingiu seu auge em 1965, com o gradual encurtamento
das saias, e alcançou as classes mais abastadas com as criações de um importante designer de
moda francês, André Courrèges, responsável pelas versões da vestimenta mais adaptadas à
alta-costura, sem deixar de lado o aspecto jovial207.
Não obstante a difusão e a aparente aceitação da minissaia no Brasil dos anos 1960,
tal traje encontrou resistência entre os segmentos mais conservadores da sociedade. Em 1967,
por exemplo, a atriz Ítala Nandi enfrentou problemas ao passear pela cidade do Rio de Janeiro
vestindo uma minissaia. De acordo com Maria Fernanda Malozzi dos Santos, a coluna “O
Ponto de Vista de Carlinhos Oliveira”, da revista Fatos & Fotos, chegou a noticiar a
adversidade vivida pela atriz, que estava acompanhada de seu professor de inglês, Jeff
Thomas, quando ouviu comentários maliciosos no centro da cidade. Muitas daquelas pessoas
queriam inclusive agredir a atriz, que conseguiu escapar de um possível confronto refugiando-
se em seu automóvel, estacionado em frente à lanchonete onde Ítala e seu professor
conversavam208.

206
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
207
CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010, p. 142.
208
SANTOS, Maria Fernanda Malozzi dos. A Jovem Guarda, a Moda, a TV: o papel do programa de televisão
na difusão dos padrões da cultura Jovem Guarda nos anos 60. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
111

É possível conjecturar que as mudanças em curso na época não se processaram tão


rapidamente como se pode imaginar, ou que as posturas esperadas das mulheres e as
representações quanto aos seus papéis sexuais tendiam a permanecer na sociedade
conservadora, independentemente da intensidade das transformações. Mesmo os jovens – os
verdadeiros protagonistas da década – carregavam ainda tabus provenientes de tradições
morais, superados significativamente na década seguinte. No entanto, é inegável o papel
inédito assumido por eles durante o período aqui estudado, tanto no que diz respeito à política
quanto nas relações de gênero. Muitas mulheres que participaram dos movimentos de
esquerda no período contribuíram, mesmo que indiretamente, para revolucionar os costumes,
os valores e as relações sociais e afetivas vigentes.
Nesses movimentos de esquerda as reivindicações feministas não estavam em
discussão, embora a experiência adquirida pelas mulheres nos grupos guerrilheiros tenha
contribuído para a construção de uma consciência nesse domínio pós-ditadura, além do
contato que muitas delas tiveram no exílio com os movimentos feministas internacionais. O
número de mulheres que integravam as organizações guerrilheiras no período em questão
superava a quantidade de mulheres que haviam participado dos partidos tradicionais de
esquerda em épocas anteriores209.
A historiadora Cristina Scheibe Wolff discute, em alguns de seus textos210, a
participação direta das mulheres na resistência armada à ditadura em ações que se localizaram
especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, com exceção do Araguaia, entre os anos de
1968 e 1973. A autora considera que embora não existissem no Brasil da década de 1960
organizações feministas que pudessem dar às ações de resistência à ditadura outros sentidos
além daqueles relacionados ao fim do regime vigente e à mudança do sistema econômico,
tendo em vista que os demais questionamentos e transformações deveriam ser realizados, de
fato, após a revolução, não é possível supor que o feminismo de “Segunda Onda”, de caráter
internacional, e a luta armada estivessem “totalmente isolados um do outro”. A inserção de
mulheres nos movimentos de esquerda se fez principalmente entre as universitárias, em
número crescente no Brasil, de modo que a sua identificação nesses grupos ocorria mais como
estudantes do que como mulheres, uma vez que se imputava aos jovens universitários uma
responsabilização pelo futuro da nação.
209
WOLFF, op. cit., 2007, p. 20.
210
WOLFF, op. cit., 2007; WOLFF, Cristina Scheibe. Amazonas, soldadas, sertanejas, guerrilheiras. In:
PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012. p. 423-446.
112

Apesar disso, a discriminação de gênero, presente na sociedade, fazia-se perceptível


também em muitas organizações guerrilheiras à medida que era atribuído às mulheres um
papel fundamental no cuidado dos enfermos, na preparação da alimentação e na transmissão
de mensagens, já que elas poderiam circular sem levantar tantas suspeitas, considerando a sua
suposta aparência “frágil”. Mesmo assim, algumas mulheres romperam as tradicionais
representações de gênero e destacaram-se como combatentes na luta armada, embora não
tivessem as mesmas oportunidades de reconhecimento de capacidade política em comparação
com os homens. No entanto, o fato de as mulheres estarem nas universidades e de se sentirem
também convocadas para a luta social é significativo das mudanças nos papéis concernentes
ao sexo feminino211.
Ainda sobre esse assunto, é importante destacar a obra Mulheres e Militância:
encontros e confrontos durante a ditadura militar212, que aborda a trajetória de jovens
mulheres que participaram de movimentos de oposição ao regime militar, permitindo uma
análise, no campo psicossocial, de questões ligadas às relações de gênero em sua interconexão
com a esfera política. Por meio das entrevistas realizadas, as pesquisadoras perceberam
semelhanças entre algumas trajetórias, relacionadas sobretudo ao período da militância, o que
permitiu, a fim de facilitar a análise, a separação dos depoimentos dessas ex-militantes em
dois subgrupos: o primeiro grupo é formado pelas mulheres que militaram juntas até 1968 e o
segundo, por aquelas que iniciaram a militância em 1971, ambos ligados ao movimento
estudantil da cidade de Vitória, no Espírito Santo. É importante salientar que as mulheres do
Grupo 1, antes mesmo de participarem do movimento estudantil via curso superior,
engajaram-se na militância política por meio de movimentos religiosos e estudantis
secundaristas. As mulheres do Grupo 2, por sua vez, iniciaram a militância nos primeiros anos
de faculdade, filiando-se a um partido político clandestino através do movimento estudantil.
A participação feminina nas organizações militantes é um indicador importante das
mudanças que estavam ocorrendo no período nos tradicionais papéis vinculados à mulher.
Além de atuarem no âmbito político, combatendo a ditadura militar, essas mulheres
subverteram o padrão de comportamento esperado, desempenhando um importante papel na
questão de gênero. A respeito de tal questão, importante para a compreensão da conjuntura do
período aqui estudado, cabe destacar algumas diferenciações quanto aos grupos de mulheres
211
WOLFF, op. cit., 2007, p. 35.
212
GIANORDOLI-NASCIMENTO, Ingrid Faria; TRINDADE, Zeide Araujo; SANTOS, Maria de Fátima de
Souza. Mulheres e Militância: encontros e confrontos durante a ditadura militar. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2012. As autoras são integrantes de diferentes Programas de Pós-graduação em Psicologia no Brasil e
desenvolvem estudos nos seguintes temas: gênero, representações e práticas sociais.
113

abordados na pesquisa supracitada, segundo a interpretação das autoras. As mulheres do


primeiro período de militância (1964-1968) contestavam os padrões dominantes da chamada
“família tradicional”, mas procuravam conjugar o não rompimento com suas famílias,
vinculadas ainda ao que era exigido pela “boa moral”, à dedicação aos projetos pessoais.
Procurando atender, mesmo que parcialmente, aos critérios conservadores familiares, algumas
dessas mulheres se casaram no civil e no religioso, embora tenham rompido com a cerimônia
tradicional, uma vez que dispensaram as damas de honra, o véu e a grinalda e optaram pela
minissaia no lugar do vestido habitual. Esse é um exemplo, entre outros citados na obra, que
demonstra como as mulheres do primeiro período de militância, em uma época de mudanças e
rupturas significativas, desejaram romper com as normas e códigos existentes, sem que isso
significasse necessariamente um rompimento com certos padrões familiares.
As mulheres do segundo período de militância (1971-1972), por sua vez, nas
entrevistas dadas às autoras da obra em discussão, sequer mencionaram o rito do casamento,
embora muitas delas tivessem se casado no civil como forma de fortalecer suas defesas em
processos políticos, já que seus comportamentos morais seriam levados em consideração na
análise de suas atuações políticas. A ausência desse ritual nas falas das entrevistadas do
segundo grupo demonstra que as transformações já se mostravam mais consolidadas no
período e que o casamento religioso deixou de ser importante para esse segmento de
mulheres. Além do mais, as mulheres do segundo período, em seus depoimentos, não
consideravam a vida afetiva como um impedimento para a vida política. A militância não
estabelecia fronteiras. Já as mulheres do primeiro período pareciam separar o universo afetivo
do público e político, como se fosse difícil uma conciliação entre eles. Naquele contexto, a
luta contra o regime ditatorial voltava-se para o mundo político e muitas daquelas mulheres
assumiram compromissos afetivos mais sérios somente após o período da militância. Ambos
os grupos de mulheres analisados, considerando as particularidades do momento histórico no
qual militaram, contribuíram, de acordo com a interpretação das autoras, para mudanças nos
modelos de gênero, seja propriamente por sua participação política, seja pelos padrões de
comportamento, promovendo assim um rompimento com o “estereótipo da mulher restrita ao
espaço privado” e doméstico.
Embora o estudo mencionado a respeito das mulheres militantes esteja circunscrito
ao estado do Espírito Santo, é possível, a partir dele e de outros trabalhos sobre essa mesma
temática, corroborar análises a respeito do conservadorismo existente na sociedade brasileira
em parcela significativa da década de 1960. Mesmo entre as mulheres militantes, que
114

transgrediram os valores tradicionais associados ao feminino por meio da luta política contra a
ditadura militar, havia pelo menos na primeira fase da militância certa conciliação dos novos e
velhos valores, principalmente para se evitar um rompimento familiar. É importante salientar,
uma vez mais, que, mesmo dentro das organizações de esquerda que propunham a construção
de uma nova realidade, as mulheres sofriam discriminação de gênero, manifestadas naquele
momento de maneira sutil e até mesmo imperceptível, uma vez que as tarefas domésticas e
que envolviam cuidado dentro das organizações eram consideradas femininas. Além disso,
muitas vezes, recorria-se à suposta “fraqueza” das mulheres para “enganar os inimigos”213.
Embora o número de mulheres ocupando postos de comando em organizações de esquerda
fosse menor que o de homens, a experiência vivida nesses grupos constituiu-se em um
importante canal para a participação política feminina, ainda mais se for considerado que, até
os anos 1960, as oportunidades políticas eram muito restritas para as mulheres214.

2.1 – A sensualidade feminina nos festejos carnavalescos dos anos 1960

As mudanças em termos de valores e comportamentos socialmente aceitos, bem


como modificações na forma dos foliões brincarem o carnaval, já se manifestavam nas
páginas dos periódicos O Cruzeiro e Manchete. As revistas, em geral, para conseguirem
aceitação do público e consequentemente serem vendidas, dialogavam com o seu tempo,
apresentando “diferentes perspectivas e projetos, compartilhados coletivamente”215. É
perceptível, portanto, permanências e mudanças em seus discursos, relacionados, por
exemplo, aos valores dominantes e àqueles em construção no período, constituindo-se, muitas
vezes, em veículos portadores de tensões e posturas divergentes, associados a demandas e
contextos específicos216.
Não é possível desconsiderar o posicionamento político dessas revistas no período
analisado. A revista O Cruzeiro, por exemplo, do grupo Diários Associados, pertencente a
Assis Chateaubriand, apresentou posturas conservadoras em diversos momentos de sua
trajetória. Alguns fatos que podem ser citados é a oposição da revista a Getúlio Vargas e às
propostas nacionalistas do seu governo, bem como a participação na desestabilização de
Goulart. Com a ditadura militar instaurada, Chateaubriand, se colocou contrário ao regime e
213
WOLFF, op. cit., 2012, p. 440-441.
214
Ibid., p. 443.
215
LUCA, Tania Regina de. Mulher em revista. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.).
Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 447-468, p. 457.
216
Ibid., p.465.
115

assim deixou de receber dinheiro da propaganda oficial do governo, agravando ainda mais a
crise que o grupo se encontrava. Manchete, por sua vez, manteve uma forte relação com
Juscelino Kubitschek, apoiando-o e divulgando as realizações de seu governo. Em relação ao
período militar, a revista apoiou o regime, beneficiando-se dessa relação para seus negócios.
Se do ponto de vista político as revistas apresentavam posturas mais conservadoras, no campo
da moral, estes veículos oscilavam entre a tradição, os valores dominantes, e o novo,
relacionado à mudança dos costumes, acompanhando dessa forma a passagem do tempo e a
necessidade de se adequar aos interesses dos leitores.
No que se refere ao carnaval, procurava-se selecionar as imagens que mais
chamassem a atenção, considerando a centralidade que as fotografias tinham nesse tipo de
revista. As legendas que as acompanhavam muitas vezes forneciam algumas informações
quanto ao assunto retratado, embora fosse recorrente a apresentação de comentários diversos
que ultrapassavam os puros limites da informação. Para além da interpretação que o leitor
poderia fazer da imagem, havia o direcionamento do seu entendimento por meio das legendas
que sugeriam situações e/ou leituras específicas quanto à situação abordada. Por se tratar de
um assunto amplamente coberto e considerando a concorrência estabelecida entre estas
revistas no mercado editorial – Manchete apresentava um quadro mais favorável diante da
decadência gradual do grupo de Chateaubriand – o carnaval precisava ser “reinventado”. No
período analisado, o carnaval, como será mostrado ao longo da tese, foi abordado à luz da
construção de uma nova moralidade, embora desdobrasse mais adiante na exploração do
próprio corpo feminino.
No entanto, até a primeira metade dos anos 1960, mesmo com a maior inserção das
mulheres no mercado de trabalho e o crescimento de sua aprovação social, a figura da
“mulher trabalhadora” continuava ainda em uma posição inferior à da “boa esposa”, mãe e
“dona de casa ideal”217. Aliás, casamento e trabalho ainda eram vistos como incompatíveis,
sobretudo por se atribuir à atividade remunerada um possível prejuízo à dedicação da mulher
à casa e à família. A desarmonia conjugal, a existência de uma amante e até mesmo de filhos
problemáticos poderiam ser explicados devido ao envolvimento profissional da mulher, uma
vez que esta supostamente não saberia conciliar suas tarefas de profissional às de boa esposa e
boa mãe. O trabalho seria, portanto, mais adequado para as mulheres solteiras, sem
compromissos com marido e filhos. Neste caso, o trabalho era até mesmo recomendado a fim
de garantir às “solteironas” um futuro econômico na falta de um homem que as sustentasse,

217
PINSKY, op. cit., 2012b., p. 508.
116

além de não as tornarem um peso para os seus parentes.


É importante ressaltar, no entanto, que embora esse discurso também recaísse sobre
as mulheres das classes populares, não era assim tão forte na comparação com as mulheres de
setores médios, por exemplo. As mulheres populares sempre tiveram que trabalhar por uma
questão de sobrevivência de si próprias e de sua família, o que evidentemente tornava os
discursos que combatiam a participação das mulheres no mercado de trabalho sem muito
efeito.
No início da década de 1960, havia ainda a preocupação de muitas mulheres em
apresentar um comportamento dito adequado para conseguir um casamento. Embora algumas
mudanças já estivessem ocorrendo, relacionadas sobretudo ao papel de destaque social
assumido pelos jovens, “as regras sobre o que era apropriado ou não para uma ‘moça de
família’ eram de conhecimento geral”218 e continuavam ainda muito presentes. Nem mesmo o
carnaval servia como justificativa para a manifestação de comportamentos mais livres, como
demonstra o fragmento a seguir, da carta219 enviada por uma leitora à revista Manchete:

Não sou santa, não vou ser freira, sou apenas uma moça que vive como todas
de hoje enfrentando os perigos deste mundo, mas procuro viver numa
sociedade sã, que sabe divertir-se mas não se deixa contaminar pela
imoralidade. [...] Até moças de 18 anos já se expõem quase nuas aos olhares
dos que vêem suas fotos nas revistas. Que homem quererá uma esposa
assim?220

É perceptível no comentário da leitora a associação entre imoralidade, supostamente


expressa nas imagens do carnaval exibidas pela revista Manchete, e a provável perda de um
casamento futuro. Ao dizer “não sou santa, não vou ser freira”, a leitora procurou esquivar-se
de uma possível identificação com os valores tradicionais defendidos, por exemplo, pela
Igreja Católica, talvez por se tratar de uma moça imersa em uma sociedade em que os jovens
passaram a desempenhar papéis importantes na mudança dos costumes. De acordo com
Bassanezi, já na segunda metade dos anos 1950:

218
PINSKY, op. cit., 2012b., p. 484.
219
É possível questionar se as cartas publicadas pelas revistas selecionadas eram escritas por seus leitores ou
pela redação para justificar as escolhas do próprio periódico. Muitas dessas cartas talvez nunca tivessem sido
escritas, mas foram criadas apenas com o objetivo de desafiar e ironizar as críticas que geralmente se voltavam
contra o carnaval. É sabido que tal prática era comum em algumas revistas. Na impossibilidade de constatar essa
hipótese no que se refere às publicações O Cruzeiro e Manchete, as cartas serão consideradas aqui como “reais”,
ou seja, como enviadas pelos leitores.
220
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 466, p. 04, 25 mar. 1961.
117

A juventude ganhava, então, um destaque social nunca visto, diferenciando-


se do mundo adulto nas maneiras de se vestir, na linguagem usada entre
amigos, em boa parte dos ambientes frequentados e no consumo de filmes,
discos e livros. [...] Os jovens, particularmente os de classe média, viviam
em uma cultura que, em geral, aprovava sua vitalidade, tolerava pequenas
excentricidades como comportamentos “próprios da idade”, e acreditava
com otimismo que, se protegidos, disciplinados e educados corretamente
seriam “o futuro promissor da nação”. [...] A palavra “transviada” rotulava
uma minoria insignificante e muito mais masculina221.

A fala da leitora reproduzida antes demonstra que muitos “transvios” femininos não
seriam facilmente aceitos, e, apesar de ser jovem e não querer ser identificada como uma
conservadora, a leitora não considerou adequada a exposição dos corpos femininos durante o
carnaval. A distinção entre “mulheres boas e puras”, destinadas ao casamento, e as
“mundanas”, afeitas a comportamentos mais livres, aparece – mesmo que implicitamente –
nessa carta de 1961.
Além disso, tal carta exemplifica a dramatização da mulher como “puta” presente no
carnaval, em oposição à mulher como virgem, conforme tipologia criada pelo antropólogo
Roberto DaMatta222 a respeito do carnaval carioca. Sobre a nudez parcial de algumas
mulheres durante o carnaval, a leitora faz o seguinte questionamento: “que homem quererá
uma esposa assim?”. De acordo com a carta da leitora é possível inferir que não seria a
representação da mulher como “puta”, ou seja, aquela que não se deixa controlar pelos
homens e faz com que aquilo que é particular e íntimo se manifeste, por exemplo, no espaço
dedicado ao carnaval. A esposa desejada seria mais próxima da representação da mulher
como virgem, ou seja, aquela que tem a sua sexualidade controlada pelo homem e que
resguarda a sua intimidade no espaço da casa, local sagrado e seguro223. Essas cartas enviadas
pelos leitores demonstram, de certo modo, um embate entre as mudanças e as tradições, de tal
forma que os novos valores são vivenciados, muitas vezes, como forças antagônicas.
Por meio de seção destinada a “ouvir” a opinião do leitor, encontram-se na revista
Manchete outras cartas de descontentamento com o carnaval praticado no Rio de Janeiro e
também com a suposta ousadia da revista em publicar tais fotografias. Um leitor, em carta
escrita também em 1961, fazia críticas ao “nudismo parcial que é levado aos lares brasileiros”
a ponto de mandar juntamente com sua carta o exemplar da revista comprada. Além disso,
manifestava abertamente o desejo de que a revista entrasse “no caminho da boa leitura, aceita

221
PINSKY, op. cit., 2012b, p. 484.
222
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997, p. 141-142.
223
Ibid., p. 141-142.
118

nos lares por todos”224.


Em 1962, outro leitor de Manchete escreve para o periódico a fim de demonstrar a
sua insatisfação com o carnaval e, consequentemente, com as reportagens e fotografias
publicadas pela revista, consideradas previsíveis em sua opinião: “Os senhores não deviam se
dar ao trabalho de fotografar esses bailes. Todos os anos acontecem exatamente as mesmas
coisas e as mesmas poses. Se MANCHETE publicasse fotografias do carnaval de cinco anos
atrás, ninguém repararia”225.
Por mais que houvesse certa regularidade nas imagens apresentadas, uma vez que as
revistas procuravam exibir as fotografias que mais pudessem atrair os leitores, não é possível
afirmar que o carnaval estava se mantendo sem mudanças no período selecionado ou que os
periódicos retratavam sempre o mesmo universo de coisas. O mais adequado seria afirmar que
as revistas ilustradas souberam aproveitar as transformações verificadas no papel da mulher e
os novos valores morais em construção na época – presentes e intensificados no carnaval –
para apresentar imagens de maior impacto visual, como forma inclusive de aumentar a
vendagem de seus números.
É importante ressaltar que as revistas, em geral, surgiram com dois objetivos
definidos: o da educação o do entretenimento. De acordo com a jornalista Marília Scalzo:

as revistas nasceram, por um lado, sob o signo da mais pura diversão –


quando traziam gravuras e fotos que serviam para distrair seus leitores e
transportá-los a lugares aonde jamais iriam, por exemplo. Por outro,
ajudaram na formação e na educação de grandes parcelas da população que
precisavam de informações específicas, mas que não queriam – ou não
podiam – dedicar-se aos livros226.

É evidente, no que concerne às matérias relativas ao carnaval, que o intento era


distrair e entreter. O carnaval constituía um assunto “velho” na imprensa, no entanto,
interessava aos leitores, sobretudo àqueles que não tinham acesso à folia, que acompanhavam
a repercussão dos festejos pelas páginas das revistas ilustradas. Era preciso, portanto,
encontrar uma forma de apresentar o conteúdo se não de um jeito novo ao menos dando
destaque para algum aspecto ou mesmo atualizando as imagens dos folguedos em relação a
anos anteriores. A imprensa corroborava a ideia de carnaval como quebra da ordem e as fotos
selecionadas sugeriam esse tipo de leitura ao apresentar mulheres em posições descontraídas e

224
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 465, p. 04, 18 mar. 1961.
225
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 517, p. 05, 17 mar. 1962.
226
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2016, p. 13-14.
119

demonstrando comportamentos mais arrojados. O desnudamento (mesmo que parcial) do


corpo feminino também se revelava como um mecanismo de atrair o leitor e é possível supor
que as revistas ilustradas, mesmo que não estivessem necessariamente comprometidas com as
modificações nos papéis femininos e com a chamada revolução sexual, acabaram divulgando
assuntos referentes a essa temática, pois se tornava necessário acompanhar os leitores e suas
transformações e no que se refere especificamente à cobertura carnavalesca tal enfoque
permitia dar às imagens registradas outros significados, relacionados às mudanças no âmbito
feminino.
As fotos de publicações como O Cruzeiro e Manchete, ainda mais no tocante aos
festejos momescos, procuravam “excitar, entreter e surpreender” o leitor. O carnaval era uma
temática extremamente explorada pelas revistas ilustradas na ocasião de sua realização e os
números dedicados à sua cobertura alcançavam enorme sucesso de público, embora fosse
objeto de críticas de pessoas pouco afeitas à folia, ao tipo de cobertura realizada e até mesmo
às mudanças atinentes ao carnaval. A revista Manchete trazia na seção “O leitor em
Manchete”, em 1963, outra opinião negativa em relação ao grande destaque dado pelo
periódico ao carnaval: “Vendo na última MANCHETE a reportagem sobre o Baile dos
Pierrôs, julguei oportuno lembrar-lhes uma piada do humorista Arapuã: o carnaval ainda
passa; o pior é aturar, depois, as revistas ilustradas”227.
Ainda em 1963, outro leitor insatisfeito com as edições de carnaval da Manchete tem
sua carta publicada pela revista:

Prometo-lhes que não comprarei os próximos exemplares de MANCHETE.


Já no número 567, os senhores deram injustificado destaque às reportagens
de carnaval. É nessas ocasiões que MANCHETE perde sua condição de
grande revista para transformar-se num amontoado de fotografias vulgares.
Lúcia Teresa Grauskopp, Curitiba, PR228.

Apesar de esses escritos serem pertencentes ao início da década de 1960, em que


ainda prevaleciam regras de comportamento muito estritas, é possível encontrar comentários
semelhantes a estes no final dos anos 1960.
Em 1968, uma leitora indignada com as imagens vistas na revista Manchete escreve
para o periódico a fim de demonstrar o seu espanto com o carnaval praticado no Rio de
Janeiro:

227
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 567, p. 05, 02 mar. 1963.
228
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 569, p. 83, 16 mar. 1963.
120

Faz 15 anos que deixei o Brasil. Fui criada em São Paulo e vivi sete anos no
Rio. Amigos meus continuam a mandar-me a sua revista, que recebo com
prazer. Fico, no entanto, horrorizada com as fotografias dos foliões
carnavalescos. Minha filha de nove anos estava a meu lado quando eu
folheava um desses números. Deixaram-me encabulada todos aqueles
umbigos de fora. O que aconteceu com a tirolesa, o chinês, a espanhola?
Estou interessada em saber se o nice clean fun de outrora desapareceu para
ceder lugar a uma exibição de mau-gosto?. K. Burns. Sault Ste. Marie –
Ontário, Canadá229.

Em resposta à carta da leitora, Manchete argumenta que de fato muita coisa mudou,
“não só aqui, e não só no carnaval”. No comentário da leitora fica perceptível que mesmo em
se tratando de uma festa carnavalesca, determinados comportamentos e trajes eram vistos
como inadequados. O desnudamento do corpo feminino (mesmo que parcial) não era
entendido por muitos como forma de extravasamento e manifestação da sensualidade
feminina, mas somente como exibição, sem significação alguma. Contudo, se havia restrições
quanto ao desvelamento do corpo da mulher é evidente que sentidos diversos estavam
associados a isso.
Entendido como a festa da licenciosidade e da manifestação da sensualidade, o
carnaval representa uma faceta de uma visão de mundo dividida em duas experiências
opostas:
[...] a sisudez e a severidade da vida diária, que só são possíveis por causa da
repressão dos desejos e dos prazeres, contrastam-se com um mundo rebelde
de sensualidade e satisfação no qual os prazeres do corpo escapam às
restrições impostas por uma ordem social repressiva230.

Embora o carnaval seja celebrado justamente pela instauração de um clima de maior


permissividade e pela transgressão dos valores tradicionais, não conseguiu escapar ao longo
de sua trajetória das críticas conservadoras, vinculadas à manutenção das regras sociais e
morais mesmo que nos poucos dias de desordem instituída. Muitas das cartas dos leitores,
mencionadas anteriormente, foram escritas por mulheres e revelam aspectos de
conservadorismo no que se refere ao carnaval. Essas não se colocavam contra a folia em si,
mas o desnudamento do corpo feminino cada vez mais perceptível nos bailes fechados e a
seleção desse tipo de imagem pelas revistas ilustradas. A permanência da cobertura
carnavalesca pelas revistas O Cruzeiro e Manchete, com números quase inteiros voltados ao
registro do que acontecia nos salões e ruas, é indicativo do interesse de grande parte de seus
leitores quanto à temática, ainda que não agradasse aqueles que se sentiam saudosos dos

229
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 830, p. 135, 16 mar. 1968.
230
PARKER, op. cit., p. 208-209.
121

festejos de tempos passados, entendidos como mais ingênuos na comparação com os


folguedos dos anos 1960.
O biquíni, que seria tão criticado por ser incorporado como fantasia no carnaval,
embora já fizesse parte de algumas praias brasileiras desde o final da década de 1950,
enfrentava suspeições quanto ao seu uso no início da década de 1960. A revista O Cruzeiro,
de forma bem humorada, explica da seguinte forma a chegada tardia do biquíni nas praias
paulistas e cariocas no ano de 1961:

Uma definição geográfica do biquíni diz que ele é dois pedacinhos de pano
cercados de mulher por todos os lados. A definição psicológica é a de que
ele é um maiô de duas peças que se tomaram de antipatia uma pela outra, e
se afastaram. Mas, a definição surpreendente é a histórica, partida da
constatação de que ele é uma novidade que levou dez anos para fazer a
viagem da Riviera francesa às praias do Brasil. Isso é verdade. Depois de se
tornar comum na Côte d’Azur, só de repente, neste último verão, é que
adotaram os corpos bonitos que se amorenam em Guarujá e Arpoador, as
duas praias mais civilizadas de todos os 7.637 quilômetros de nosso litoral.
Por quê? Afinal de contas, não havia no Brasil, como há em Portugal e
Espanha, uma lei contra o biquíni. Os historiadores das praias cariocas e
paulistas explicaram que tudo se deveu a uma falsa modéstia da juventude
brasileira [...]. E, como, no Brasil, ninguém é dado a aturdimentos
prolongados, com poucas semanas de lançamento da “velha bossa nova”, o
biquíni já está incorporado aos nossos hábitos de beira-d’água231.

O estilo da roupa de banho no final da década de 1950 e início da de 1960 era o


chamado “duas-peças”, de tamanho grande, mas que já provocava escândalos e desaprovação
entre algumas famílias232. Outro lançamento no campo da moda que marcou o período foi a
calça Saint-Tropez, com a cintura baixa e que deixava a mulher com o umbigo à mostra. As
mudanças nas vestimentas faziam-se presente também no carnaval, com a adoção de biquínis
e fantasias que pudessem deixar a barriga exposta, tendência da época. Mas, no clima festivo
e transgressor do carnaval, comportamentos que já eram vistos no cotidiano e muitas vezes
alvos de preconceitos, encontravam nesta festividade espaço para sua plena expressão.
O carnaval desempenhou um papel importante na transgressão de costumes
tradicionais, principalmente em um período em que regras morais um pouco rígidas

231
BIQUÍNI com dez anos de atraso. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 80, 18 mar. 1961.
232
É importante esclarecer que o duas-peças diferenciava-se do biquíni pela exposição menor da pele entre o
sutiã e a calcinha, sendo essa exibição, nas mulheres menos ousadas, em torno de 15 cm. As vedetes foram as
primeiras a usar o duas-peças em Copacabana em uma evidente demonstração de corpos torneados. O biquíni,
traje de duas peças de tamanho ainda mais reduzido, foi uma invenção do estilista francês Louis Réard, que se
inspirou no bombardeio atômico no atol de Bikini, no Oceano Pacífico, para denominar a sua criação, ainda em
1946. No entanto, a difusão e aceitação de tal traje de banho ocorreram, de fato, somente a partir dos anos 1960.
CHATAIGNIER, op. cit., p. 135; BRAGA, João. História da moda. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004, p. 81.
122

coexistiam com os novos ventos que sopravam a favor das mudanças no campo da moral. Em
novembro de 1969, a atriz Leila Diniz declarou, em entrevista para o irreverente jornal O
Pasquim, que perdeu a virgindade de 15 para 16 anos, e que no seu entendimento sexo não
deveria vir acompanhado necessariamente de amor, já que eram coisas distintas. Os palavrões
ditos por Leila durante o bate-papo com o pessoal de O Pasquim, substituídos na publicação
por asteriscos, e as declarações sobre sua sexualidade foram capazes de escandalizar “até as
mocinhas consideradas mais avançadas” no período e revelar o “machismo dos mais
conservadores, mostrando que a geração de 1968 não era, assim, tão liberada”233.
Se no final dos anos 1960, com a progressiva liberalização sexual e dos costumes, a
declaração de Leila Diniz já causara polêmica, no início da década, os biquínis, cada vez mais
usados nas praias cariocas, tornaram-se motivo de incômodo quando foram utilizados à guisa
de fantasia nos festejos carnavalescos de salão no período. Em 1962, por exemplo, os biquínis
foram proibidos durante os folguedos, conforme atesta matéria no jornal O Globo:

Figura 2 – Rol de proibições para os


festejos carnavalescos de 1962234

Apesar das proibições existentes, muitas mulheres ousaram ao comparecer no baile


do Hotel Copacabana Palace vestindo “trajes sumários”, assim como muitos foliões fizeram
uso do lança-perfume, embora estivesse proibido, conforme a descrição de O Cruzeiro:

Embora o lança-perfume, entre outras proibições esquecidas, como a dos


trajes sumários, tenha sido vetado, vez por outra tropeçava-se nos frascos
metálicos ainda rescendentes ao éter cheirado às escondidas [...]. A proibição

233
MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos “anos 1968”. In: DEL PRIORE,
Mary; AMANTINO, Marcia (Org.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2013. p. 299-333,
p. 318.
234
PROIBIDO o uso de biquíni e calção nos bailes de carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 27 dez. 1961, p. 06.
123

dos trajes sumários não foi levada a sério e, antes que as autoridades o
notassem, as garotas se descobriram à vontade, num carnaval realista235.

É possível notar, nesse caso, a constância de determinadas proibições em relação ao


uso do lança-perfume e de trajes sumários no espaço dos folguedos, demonstrando que
mesmo diante da mudança de valores e do não cumprimento de determinadas normativas –
vistas como ultrapassadas – as regras persistiam, o que nos permite dizer que quanto menor a
possibilidade de uma norma ser obedecida, maior o esforço para reafirmá-la. Há, portanto, um
descompasso entre as leis e as práticas já vigentes na sociedade, evidenciando a dificuldade
do Judiciário em acompanhar a velocidade das alterações sociais e culturais.
Ao longo da história diversas mulheres transgrediram e subverteram as regras morais
e sociais vigentes, construídas a partir de um determinado ideal de mulher e de sociedade. A
palavra transgredir significa “ir além dos termos ou limites; não observar, não respeitar (as
leis ou regulamentos); infringir; deixar de cumprir; postergar”236. É importante ressaltar que a
dicionarização de qualquer palavra está atrelada aos significados associados ao termo na
esfera social, trazendo, muitas vezes, ideologias e preconceitos relacionados a determinado
período. O dicionário não cria valores e sentidos, mas traz aquilo que já está posto na
sociedade mais ampla. Muitas mulheres transgrediram por meio da escrita, já que muitas delas
foram negadas como autoras, escritoras, artistas e cientistas. A transgressão era ainda maior
quando estas mesmas mulheres defendiam em seus textos outros papéis para o sexo feminino,
além dos de mãe e esposa. A militância política de muitas mulheres também foi motivo de
transgressão, conforme discutido anteriormente, assim como a exposição de seus corpos – o
que nos interessa particularmente neste trabalho. No que se refere ao carnaval, o termo
transgressão, para além dos seus significados dicionarizados, deve ser associado à própria
acepção da festa, considerando a interpretação do teórico Mikhail Bakhtin. A transgressão,
nessa celebração festiva, ocorre pela quebra das normas sociais, pela inversão dos valores
estabelecidos e por se constituir em diversos momentos como espaço de resistência. Portanto,
torna-se necessária a compreensão de aspectos da sociedade da época para a apreensão do que
estava sendo satirizado, colocado em xeque, ainda que por algumas horas ou dias de folia, ou
mesmo alvo das brincadeiras típicas dos festejos de rua e de salão.

235
VASCONCELOS, Ary; ROCHA, Orlandino; RUDGE, Antonio; SOLARI, Jean; VIOLA, Geraldo;
ALFREDO, Luiz; PASSOS, Hélio; AUDI, Jorge. Alegria e Milhões no Copacabana. O Cruzeiro, Rio de Janeiro,
n. 23, p. 123-129, 17 mar. 1962.
236
TRANSGREDIR. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=transgredir>.
Acesso em: 21 abr. 2016.
124

A transgressão, nesse caso, ocorria sobretudo na forma como as mulheres se


deixavam fotografar e no desnudamento gradual do corpo feminino em um período de
mudanças nos papéis das mulheres. O desvelar do corpo, ainda que de forma indireta,
questionava os tabus de comportamento e recato impostos durante tanto tempo sobre as
mulheres e que vinham sendo colocados em xeque naquele período de modo mais incisivo. É
possível indagar se havia uma intenção consciente por parte das mulheres em apresentar tais
atitudes como forma de transgressão. Muitas talvez já estivessem acostumadas a agir de
maneira mais livre no seu cotidiano e em seus grupos, ainda que pudessem ser vistas com
certo preconceito pela sociedade mais ampla no contexto inicial de mudanças. É possível
conjecturar que outras encontravam nos espaços carnavalescos a oportunidade de exibir
posturas mais descontraídas na exposição de seus corpos, amparando-se no comportamento
das demais e na própria liberdade propiciada pela festa. Considerando evidentemente os
interesses mercadológicos existentes na seleção de determinados tipos de imagem pela
imprensa, ao se deixarem fotografar, é possível presumir que essas mulheres tinham
conhecimento da exposição a qual estavam sujeitas.
A partir da década de 1950, fantasias inspiradas em temas indígenas, pela
possibilidade de desnudarem mais os corpos, começaram a aparecer em maior número nos
folguedos de salão, considerando que foram pouco utilizadas em épocas anteriores por revelar
partes do corpo normalmente encobertas no cotidiano. Assim, a escolha de trajes indígenas
para brincar o carnaval não se dava por acaso, já que possibilitava às mulheres uma exposição
maior de seus corpos e a manifestação de uma sensualidade, tantas vezes sujeita a regulações
e proibições.
Embora os povos indígenas tenham sido marginalizados e oprimidos ao longo da
história brasileira, suas representações ganharam destaque nos folguedos momescos, a ponto
de influenciarem o surgimento de blocos carnavalescos com tal temática. A respeito da
apropriação pelo carnaval das figuras de inspiração indígena, Richard G. Parker considera
que:

Elas evocam um violento passado brasileiro, mas integram-no a uma forma


derivada originalmente da Europa [o carnaval]. Na verdade, em feição
propriamente canibalística, elas devoram aquela forma: elas a ingerem,
digerem e cospem numa forma distintamente brasileira. Relembrando a
tradição oculta de um passado em que tudo era permitido e o pecado não
existia, elas criam um presente que é, claramente, parte de uma tradição
carnavalesca e, ao mesmo tempo, unicamente brasileira – a expressão da
quintessência do espírito brasileiro237.
237
PARKER, op. cit., p. 216.
125

O autor salienta a particularidade do carnaval brasileiro por meio da analogia com a


questão indígena e a prática canibal. Entende-se que a tradição carnavalesca assumiu no
Brasil um novo sentido, relacionado ao próprio caráter da realidade nacional, evidenciado na
manifestação de uma sensualidade exacerbada e na convicção de que é possível experimentar
a liberdade total no âmbito dos festejos. É possível inferir que vestir-se de indígena, em um
período de intensas transformações nos trajes, na moral sexual e no próprio papel das
mulheres na sociedade, significava uma forma de reviver, mesmo que em poucos dias, um
passado sem proibições e moralismos, ao mesmo tempo em que tal ideal era buscado no
cotidiano das mudanças da época em estudo.
O desnudamento parcial do corpo possibilitado pelo uso de fantasias indígenas
ocasionou algumas críticas ao desfile da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, no
carnaval de 1962:

Com perto de 1.500 figuras, a vermelho e branco (Salgueiro) vinha


“Descobrindo o Brasil” e trazia muitas atrações nas suas alas, como a
Fabulosa Paula, que, apesar de alegar que o joelho estava “meio
atrapalhado”, deu um “show” de requebrado, e as mulatas de Mercedes
Batista, vestidas de índias, assunto de discussão para os que se encontravam
na Rio Branco. Quando alegaram que elas estavam seminuas, o mestre-sala
Casemiro “Calça-Larga” saiu em sua defesa: –- “Índia é assim mesmo, com
pouca roupa”238.

Baseando-se na própria temática da escola e no estilo de vida dos povos indígenas, o


mestre-sala da referida agremiação procurou justificar a presença de mulheres mais desnudas
nos festejos daquele ano. Ao longo da história a relação entre roupa e corpo foi uma
constante, uma vez que “suas várias funções, condicionam as formas que implicam em
comportamentos, em posturas, em gestos que, por sua vez, influenciam essas formas em
função da roupa”239. No que diz respeito especificamente ao carnaval, as roupas utilizadas
pelas mulheres durante os festejos funcionavam como elementos importantes para as
transgressões e manifestações do desejo. Isso não quer dizer que as mulheres não faziam uso
de vestimentas mais ousadas para a época em seu próprio cotidiano, mas nos festejos
momescos tais roupas ganhavam uma dimensão ainda maior, já que incidiam sobre as
mulheres em geral.
É preciso considerar que, até 1962, as mulheres casadas precisavam de uma

238
MORAES, Mário de; AUDI, Jorge; PASSOS, Hélio; LUIZ, Walter, op. cit., p. 143.
239
DEL PRIORE, Mary. Um olhar sobre a história do corpo e da moda no Brasil. In: CASTILHO, Kathia;
GALVÃO, Diana. A moda do corpo, o corpo da moda. São Paulo: Esfera, 2002. p. 190-201, p. 191.
126

autorização do marido para exercer uma atividade profissional fora do lar e, embora algumas
mudanças já estivessem ocorrendo, no início da década de 1960 “ainda se utilizava uma
linguagem neutra e distante para falar de sexo – mencionavam-se, entredentes, ‘relações’ e
‘genitais’ [...] Os adolescentes ainda eram ‘poupados’, pelos adultos, de informações mais
diretas”240. Nesse período, de mudanças ainda iniciais, as fantasias cumpriam um papel
fundamental para a liberação das mulheres. Se no cotidiano a sociedade procurava demarcar
os lugares e as posições a serem ocupadas pelas mulheres, no tempo dos festejos,
independentemente das posturas assumidas no seu dia a dia, elas podiam vivenciar com maior
liberdade seus desejos. A mulher no seu afirmado papel social de mãe, esposa e dona-de casa
pouco aparecia no universo carnavalesco. O espaço doméstico e seus compromissos não eram
levados em consideração nos dias dedicados à folia, ao contrário, esperava-se que as exceções
às normas sociais vigentes fossem transformadas em regras durante os folguedos.
As fantasias luxuosas e ornamentadas, típicas dos festejos passados, cederam lugar, a
partir da década de 1950, a roupas mais leves, como shorts, blusas tomara que caia, baby dolls
e vestimentas que permitiam explorar a sensualidade por meio do desnudamento de
determinadas partes do corpo, como as pernas e a barriga241. À medida que as fantasias
sofisticadas foram deixando de aparecer em maior número nos festejos carnavalescos em prol
de formas mais cômodas para brincar o carnaval, acusações diversas relacionadas à perda da
magia dos folguedos momescos foram realizadas. Sendo a moda um produto cultural, ela
acompanha as mudanças de comportamento de uma sociedade e, portanto, o carnaval e suas
“fantasias” não poderiam manter-se sem modificações. Uma vez que adquire novas formas,
adereços e significados com o passar do tempo, a roupagem “desperta ou aumenta a atração
porque revela e esconde ao mesmo tempo”242. No que se refere especificamente ao carnaval, o
desvendar do corpo é ainda mais significativo, uma vez que uma fantasia ou algo utilizado no
lugar pode revelar ou não alguma coisa.
Algumas interpretações, no entanto, não compreendem o carnaval como a festa da
inversão ou transgressão das regras sociais. A socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz,
importante representante dessa vertente de estudos, considera que os comportamentos dos
participantes dos bailes carnavalescos são guiados pelos mesmos valores e normas do
cotidiano. Na interpretação da autora, “[...] as modificações da festa correspondem sempre às

240
DEL PRIORE, Mary. Histórias e Conversas de Mulher. São Paulo: Planeta, 2013, p. 76.
241
MAZIERO, op. cit., p. 35.
242
STREY, Marlene Neves. Mulheres e moda: a feminilidade comunicada através das roupas. Revista
FAMECOS, Porto Alegre, n. 13, p. 148-154, dez. 2000. p. 149.
127

mudanças que se verificam na sociedade urbana”243, logo, não houve e não há oposição entre
as práticas e atitudes expressas nos festejos e a forma como a sociedade está organizada e
estruturada. Dentro dessa perspectiva, embora haja o reconhecimento do papel do carnaval na
quebra da rotina, desconsidera-se qualquer rompimento ou incompatibilidade com o
cotidiano. Ao contrário, a festa traduziria o próprio curso habitual da vida.
É incontestável a influência exercida, por exemplo, pela moda na forma como as
mulheres passaram a brincar o carnaval. O encurtamento das roupas, com a propagação do
biquíni e a criação da minissaia, e a exibição das curvas do corpo por meio do uso da calça
jeans ecoaram os novos papéis sexuais em construção na época e assim tornaram-se símbolos
da própria liberação dos costumes. Mas mesmo as mudanças externas relacionadas ao
vestuário encontraram resistências e críticas, ainda no que se refere à cidade do Rio de
Janeiro, conhecida pelo seu estilo de vida mais livre e moderno, considerando que o ato de
vestir:

[...] precede à comunicação verbal ao estabelecer uma identidade individual


de gênero, assim como as expectativas para outros tipos de comportamento
(papéis sociais baseados nessa identidade). A importância do vestir na
estruturação do comportamento procede do fato de que a informação que é
transmitida de pessoa a pessoa pela roupa, não é claramente traduzida em
palavras244.

É possível inferir que as roupas, na condição de produtos culturais, ajudaram a


materializar muitos dos comportamentos transgressores do período, e, por mais que
determinadas condutas e vestimentas já pudessem ser vistas na sociedade, ainda eram
encaradas como estigmas no meio social, sendo possível as mulheres encontrarem no
ambiente mais livre do carnaval espaço para a sua expressão. No que diz respeito
especificamente às vestimentas, algumas roupas estavam circunscritas a determinados
espaços, ocasiões e faixas etárias, como, por exemplo, o uso de biquínis nas praias e da calça
jeans pelos jovens.
Em fins da década de 1950, o jeans já fazia parte do guarda-roupa de quase todos os
jovens da classe média dos Estados Unidos, no entanto, até meados dos anos 1960, este traje
ainda era associado a grupos desordeiros e por essa razão não contava com a total aceitação
da sociedade da época245. Considerando as mudanças e permanências no que diz respeito às

243
QUEIROZ, op. cit, p. 218.
244
STREY, op. cit., p. 150.
245
CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008, p. 194.
128

regras morais, a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, em estudo sobre a história da


beleza no Brasil, afirma que não é possível acreditar “numa suposta linearidade histórica” no
que tange, por exemplo, à liberalização do corpo. Apesar das transformações em curso,
persistia ainda, em várias partes do Brasil, a crença de que mulheres solteiras e casadas,
jovens e maduras, sérias e vadias, deviam apresentar comportamentos e aparências
distintas246. Associadas ao universo jovem, as calças compridas ou minissaias quando usadas
por mulheres casadas podiam suscitar críticas diversas. Nesse cenário, as mulheres que
apostavam na calça de cintura baixa que deixava o umbigo à mostra, no estilo Saint-Tropez,
eram consideradas ousadas, o que acabou por inspirar muitas das fantasias usadas pelas
mulheres na primeira metade da década de 1960.
Essa situação modificou-se significativamente nos anos 1970 quando “as mulheres
de todas as idades vestiam trajes com calças para trabalhar, ir a festas, teatro, restaurantes
elegantes e viajar em vôos internacionais. Os/as editores/as de moda afirmavam e as mulheres
247
acreditavam, que os velhos tempos tinham acabado para sempre” . Porém, na década de
1960, algumas restrições continuavam a persistir e o carnaval, ao contrário das análises que o
compreendem como continuação do cotidiano, permitia a manifestação de comportamentos já
existentes, mas que ainda estavam envoltos em proibições e preconceitos.
Além disso, o desnudamento parcial representado pelas roupas e/ou fantasias
utilizadas pelas mulheres nos carnavais assumiu um caráter particularizado em relação ao
cotidiano no qual tais vestimentas apareciam restritas a determinados espaços e grupos. No
âmbito dos festejos, o corpo não somente se desnuda, mas, conforme analisa Roberto
DaMatta, movimenta-se:

[...] revelando todas as suas potencialidades reprodutivas. O corpo exibido


no carnaval, então, mesmo quando visto sozinho, exige seu complemento
masculino ou feminino. É um corpo que “chama” o outro, tornando-se
alusivo ao ato sexual [...]. Além disso, aquilo que no mundo diário é
considerado um “pecado”, ou seja, a provocação intensa do público e dos
homens pelas mulheres, passa a ser tomado como algo normal, como parte
do estilo do festival. A norma do recato é substituída pela “abertura” do
corpo ao grotesco e às suas possibilidades como alvo de desejo e
instrumento de prazer [...]. Ficam suspensas, as regras que controlam o olhar.
No carnaval, o mundo não só se abre ao poder ver e ao poder fazer – com os
pobres despertando a inveja dos ricos –, mas também é possível o
estabelecimento de relações de desejo, inveja e cobiça pelo olhar aberto e
apaixonado, o olhar desejoso [...]. Todos se interpenetram e se tocam
profundamente por meio desses olhares de cobiça, inveja e profunda

246
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. História da beleza no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, p. 118.
247
STREY, op. cit., p. 153.
129

lascívia. É precisamente isso que permite a exibição do corpo das mulheres


[...]248.

Mesmo que em escalas diferentes, a marchinha e o samba asseguravam o movimento


dos corpos durante os festejos carnavalescos. Embora favorecessem mais o canto que a dança,
as marchinhas, pelo seu caráter vivo, malicioso e brincalhão, permitiam que o corpo fosse
“remexido provocativamente”, mesmo que em menor grau que o samba, além de suscitarem
inversões e sátiras. O samba ensejava, por sua vez, como ainda é hoje, a dança. De acordo
com DaMatta, no samba, “as coisas são dançadas, de um modo corporal e visceral mais ligado
ao mundo dos trabalhadores e dos marginais do mercado de trabalho, dos ex-escravos”249,
enquanto as marchinhas constituíram-se como “veículos privilegiados para exprimir os
dramas, as aspirações e as críticas implicadas numa visão de mundo pequeno-burguesa e
citadina”250.
Em Pequena História da Música Popular, José Ramos Tinhorão também reconheceu
a marcha e o samba como produtos de classes sociais distintas. Enquanto a primeira teve
origem na classe média, o segundo nasceu entre as camadas populares e compositores da
baixa classe média carioca. A marcha, especificamente, sofreu influência de cadências
estrangeiras, como as marchas portuguesas difundidas pelas companhias de teatro musicado e
os ritmos norte-americanos ragtime e one-step251. Cantadas principalmente nos bailes de
salão, as marchinhas predominaram no cenário carnavalesco de 1920 a 1960, perdendo espaço
a partir de então para os sambas-enredos das escolas de samba.
Com a ascensão do carnaval popular, o samba, pelo seu próprio ritmo e movimento,
incitava a libertação dos corpos em épocas nas quais as restrições diárias pesavam sobre o
indivíduo, permitindo a própria reprodução erótica do simbolismo carnavalesco. Ao estudar a
cultura sexual no Brasil contemporâneo, o antropólogo e sociólogo estaduniense Richard G.
Parker considera que o samba, nos seus movimentos, letras e ritmos, “reinventa o corpo,
libertando-o [...] da disciplina do trabalho e abrindo-o para a experiência do prazer [...]. Como
o simbolismo do carnaval, celebra a carne. Focaliza a sensualidade do corpo. Oferece uma
visão do mundo em que há prazer e paixão, alegria e êxtase”252. Nos festejos momescos da
década de 1960, as roupas escolhidas pelas folionas para compor suas fantasias adquiriram,

248
DAMATTA, op. cit, p. 140-141.
249
Ibid., p. 145.
250
Ibid., p. 145.
251
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 123-
126.
252
PARKER, op. cit., p. 224-226.
130

portanto, outros significados além daqueles relacionados ao cotidiano.


O fato de o biquíni estar proibido no carnaval de 1962 e mesmo assim ser escolhido
por algumas mulheres como vestimenta para os festejos de salão, conforme demonstram
algumas imagens e reportagens do período, evidencia uma postura feminina transgressora,
considerando o conservadorismo ainda existente durante a década de 1960. O não
cumprimento da proibição do biquíni, em 1962, serviu de mote para uma charge de Carlos
Estêvão, importante colaborador da revista O Cruzeiro, o que indica, uma vez mais, a pouca
seriedade com que determinadas regras eram levadas em consideração, sobretudo em se
tratando de carnaval.

Figura 3 – Charge de Carlos Estêvão sobre a proibição do biquíni


nos festejos carnavalescos de 1962 253

Na charge, o delegado, possivelmente de Costumes e Diversões, questiona os


policiais quanto à presença de mulheres vestindo biquínis – traje proibido – nos festejos

253
ESTÊVÃO, Carlos. Carnaval e biquíni proibido. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 25, 17 mar. 1962.
131

carnavalescos de salão daquele ano. A postura e os dizeres do delegado denotam indignação


com a suposta permissividade dos policiais diante da apresentação de mulheres vestindo
biquínis nos folguedos momescos. O humor da charge encontra-se no trocadilho realizado
com as conjugações dos verbos ver e virar. Ao serem perguntados pelo delegado se viram
biquínis, os policiais, ao contrário de responderem “vimos”, o que seria a conjugação correta
para o verbo “ver” no pretérito perfeito, responderam, até mesmo de forma inusitada,
“viramos”. O suposto erro acontece para dar ensejo à transformação gradativa dos policiais
em mulheres de biquínis. O delegado, antes carrancudo, aparece satisfeito com o resultado da
transfiguração dos policiais, o que provavelmente explicaria a própria “conivência” dos
policiais com as mulheres de biquíni durante os folguedos. Resistir à beleza feminina e ao
clima dos folguedos seria uma tarefa difícil até mesmo para os policiais responsáveis pela
garantia da segurança dos festejos e do cumprimento das regras.
O linguista russo Vladimir Propp254, em importante estudo sobre o riso e o cômico,
afirma que a língua é rica em instrumentos de comicidade e de zombaria. Um dos mais
significativos é o trocadilho, também chamado de calebur, que acontece “quando um
interlocutor compreende a palavra em seu sentido amplo ou geral e o outro substitui esse
significado por aquele mais restrito ou literal; com isso ele suscita o riso, na medida em que
anula o argumento do interlocutor e mostra sua inconsistência”255. O trocadilho pode tornar-
se, portanto, uma forma de aniquilar o argumento do interlocutor e revelar, assim, seus
defeitos. Propp salienta, ainda, que os próprios erros da língua tornam-se cômicos quando
desnudam um defeito do pensamento. Por meio de exemplos diversos e de um grande esforço
teórico, Propp demonstra que a comicidade, em seu sentido mais geral, costuma estar
associada ao desnudamento de defeitos, expressos ou não, daquele ou daquilo que se pretende
fomentar o riso.
Ao estabelecer uma tipologia do cômico, Propp conclui que o tipo de riso mais
ligado à comicidade é o de zombaria, sendo os demais risos (bom, maldoso, cínico, alegre,
ritual e imoderado) somente variantes e aspectos de um único gênero de riso, relacionado
sempre ao desmascaramento de defeitos de ordem moral ou espiritual do homem. Propp
utiliza a palavra “desmascarar”, pois os defeitos estão escondidos e o talento do humorista
reside justamente em escancarar sua inconsistência de forma repentina.
Posto isso, é possível perscrutar quais seriam os defeitos desvelados na charge de
Carlos Estêvão, de modo a provocar o efeito cômico. Embora os biquínis usados pelas

254
PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.
255
Ibid., p. 121.
132

mulheres nos festejos carnavalescos não fossem ainda tão pequenos como os mostrados pelo
chargista, a presença dos mesmos nos folguedos carnavalescos, apesar de estarem proibidos
pela polícia256, evidenciam transgressões por parte dessas mulheres e uma suposta falha do
policiamento. O jogo de palavras entre os verbos “ver” e “virar” constitui a comicidade da
charge justamente por revelar a inconsistência da proibição do biquíni, já que esta não era
respeitada. Além disso, o rigor moralista de tal prescrição é desmascarado quando o próprio
delegado se rende ao clima do carnaval juntamente com as belas mulheres em que os policiais
se transformaram.
Sendo o biquíni um traje de banho cada vez mais recorrente nas praias brasileiras no
início da década de 1960, representando inclusive um símbolo de liberação, haveria alguma
relação entre a praia e o carnaval? De acordo com Roberto DaMatta, tanto a praia quanto o
carnaval seriam espaços sintetizadores das “diferenças e contradições do mundo urbano”, haja
vista a exposição dos corpos e a transformação do espaço público numa grande casa em
virtude da manifestação de comportamentos que só se realizariam, a priori, no âmbito
doméstico. A oposição entre rua e casa, tão presente na sociedade brasileira, é desfeita nestes
ambientes conforme análise de DaMatta257.
É muito provável que o desconforto causado pelo uso do biquíni nos festejos
carnavalescos e até mesmo nas praias seja resultado dessa transposição dos valores privados
para o espaço público. O célebre dramaturgo Nelson Rodrigues, por exemplo, em entrevista
para a revista Manchete, em 1966, condenava o uso do biquíni nas praias cariocas. Segundo
ele:
O biquíni é uma solução suicida como roupa de banho, porque destrói, varre
todo o suspense, todo o mistério que a nudez precisa ter para significar
alguma coisa. Se não houver mistério, nem suspense, a nudez não significa
nada. [...] A mulher que sai por aí, levando o seu biquíni como um troféu,
está dilapidando a sua nudez. E a consequência é que nunca a mulher foi tão
pouco desejada quanto em nosso tempo. Nunca foi tão humilhada pela
indiferença masculina. Eu diria que o amor hoje em dia começa pelo tédio. A
origem desse tédio está na banalização da mulher258.

Em 1969, em entrevista à revista Veja e Leia, Rodrigues condenou igualmente o uso


do biquíni pelas mulheres, mas agora se referindo também à sua utilização nos festejos
carnavalescos:
256
A presença da charge de Carlos Estêvão e os comentários das revistas ilustradas sobre as transgressões das
mulheres ao fazerem uso de biquínis nos festejos carnavalescos denotam a tensão presente no período no tocante
à liberação, mesmo que de forma tímida, e o conservadorismo nos costumes e normas morais.
257
DAMATTA, op. cit., p. 143.
258
DIÁLOGOS impossíveis: Nelson Rodrigues e Guilherme Guimarães. Manchete, Rio de Janeiro, n. 726, p.
96-98, 19 mar. 1966.
133

O carnaval está morto pra burro. E o que mata o carnaval é o impudor.


Antigamente, quando havia pudor, o carnaval era a festa mais erótica do
mundo. Hoje, o pudor é um anacronismo intolerável. E, então, o carnaval
está morto! [...] No tempo em que a nudez tinha mistérios, tinha suspense,
era um dos mais altos bens da mulher. [...] O biquíni acabou com esse
encanto [...]. Quer dizer, a nudez do biquíni tem a maior solidão da Terra: a
mulher mais invisível do mundo é a mulher de biquíni259.

Nelson Rodrigues, que teve várias de suas peças rotuladas como imorais e obscenas,
parecia não compreender a redefinição da moral e a liberação das mulheres e dos costumes.
Em ambas entrevistas, o dramaturgo vincula a nudez feminina à existência do desejo
masculino, de forma a tornar ilegítima a nudez como pura manifestação da sensualidade da
mulher, ou seja, sem estar necessariamente relacionada a um desejo masculino prévio.
É importante lembrar que Jânio Quadros, no curto período que permaneceu no poder,
em 1961, proibiu o uso de biquínis nas praias e até mesmo de maiôs nos concursos de beleza.
Embora fosse perceptível o uso de biquínis por algumas mulheres nos festejos carnavalescos
de salão de 1961 e 1962, ainda não eram predominantes. As fantasias escolhidas pelas
folionas para brincar o carnaval consistiam sobretudo em roupas que pudessem mostrar a
barriga e o umbigo, conforme a moda da calça Saint-Tropez, com cintura baixa, vinda da
famosa cidade litorânea francesa. O frisson que causava na época a mulher que exibia o seu
umbigo foi retratado, inclusive, em marchinha carnavalesca de Braguinha e Jota Júnior, em
1962, chamada não sem razão de Garota Saint-Tropez:

Ulalá....ulálá
Você é mais você
Com umbiguinho de fora
Garota de Saint-Tropez

Laranja da Bahia
Tem umbiguinho de fora
Por que é que você, Maria
Escondeu o seu até agora?

A figura 4, de 1962, apresenta uma mulher fantasiada de pierrete no estilo Saint-


Tropez, ou seja, com o umbigo à mostra. A identificação de tal personagem ocorre
unicamente pela parte de cima da fantasia, com os pompons e a gola franzida, representando
uma nova elaboração da tão conhecida figura da comédia italiana que já tinha adquirido em
épocas anteriores outras adaptações conforme o gosto das folionas.
259
MERCADANTE, Luiz Fernando. Entrevista: Nelson Rodrigues. Eu sou um ex-covarde. Veja e leia, São
Paulo, n. 39, p. 05-06, 04 jun. 1969.
134

Figura 4 – Pierrete Saint-Tropez no Baile dos Artistas no Hotel Glória, em 1962260

Acompanhando os modismos e as mudanças nos costumes, Braguinha, mais


conhecido pelo pseudônimo de João de Barro, já tinha, em 1933, representado na marchinha
Moreninha da praia o costume das mulheres cariocas daquele período em suprimir o uso das
meias, evidenciando as canelas com o também encurtamento das saias. Essa marchinha deu
início ao chamado strip-tease das musas de João de Barro, como bem ressaltou Jairo
Severiano261, importante pesquisador da música popular brasileira, que percebeu nas canções
carnavalescas compostas por Barro um gradual desnudamento do corpo feminino262, resultado
das transformações das vestimentas e dos costumes.
Embora estivessem em curso transformações nas vestimentas carnavalescas, foliões
com fantasias sofisticadas continuaram a aparecer nos bailes do Teatro Municipal e do Hotel
Copacabana, motivados principalmente pelos concursos, pelas premiações e pela visibilidade
social possibilitada por tal competição. Criado em 1932 – ano da oficialização, pelo poder
público, da festa carnavalesca no Rio de Janeiro –, o Baile de Gala do Teatro Municipal

260
ALBUQUERQUE, João Luiz; NOYA, José Artur. Carnaval 62. O Grande Baile dos Artistas. Manchete, Rio
de Janeiro, n. 516, p. 12-13, 10 mar. 1962.
261
SEVERIANO, Jairo. Yes, nós temos Braguinha. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Música, 1987,
p. 32.
262
É importante considerar que o teatro de revista antecipou o desnudamento do corpo feminino ao passo que o
“silêncio que antes recobria a sexualidade, rotulada como coisa suja e pecaminosa, começou a ser quebrado”. A
partir da década de 20 do século XX as revistas ganharam um ritmo carnavalesco ao incorporarem marchinhas e
músicas da folia, favorecendo ainda mais a sensualidade da apresentação. Com o desnudamento vertiginoso das
vedetes na década de 1950, entre outros fatores, o gênero sofreu um esgotamento. DEL PRIORE, Mary.
Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 110-111.
135

procurava reinventar os grandes bailes de máscaras realizados por todo o Brasil desde 1840.
De acordo com Helenise Guimarães:

O que diferencia o Baile de Gala de outros bailes, além da escolha do mais


nobre teatro da cidade, é a atenção que ele desperta pelo investimento no seu
potencial de atrair não só as elites, mas também a mídia internacional, como
uma nova forma elegante de brincar o carnaval [...]. O estímulo aos bailes
para a alta sociedade representava uma aliança entre o poder público e as
elites, ao mesmo tempo em que diferenciavam do carnaval mais popular as
festas realizadas em espaços mais nobres. O Baile de Gala do Municipal
estabeleceria mais um degrau nessa diferenciação quando em 1936 lança o
primeiro desfile de fantasias carnavalescas, que passaria a disputar a atenção
do público e que no futuro estenderia seu espaço cênico para o exterior de
sua entrada, com uma grande passarela para a plateia observar a chegada dos
concorrentes e dos frequentadores famosos263.

Muitos foliões se notabilizaram por suas participações nos luxuosos bailes do


Municipal, como os carnavalescos Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima. Outros artistas,
como Zélia Hoffman, Wilza Carla, Núcia Miranda, Mauro Rosas e Marlene Paiva, apenas
para citar alguns, também foram nomes marcantes dos concursos. A complexidade das
fantasias apresentadas pelos foliões durante essas competições serviu de mote para uma
charge de Ziraldo, publicada na revista O Cruzeiro em 1963 (figura 5):

Figura 5 – Charge de Ziraldo, de 1963, sobre o exagero das fantasias


apresentadas no concurso carnavalesco do Municipal 264
263
GUIMARÃES, op. cit., p. 130-134.
264
ZIRALDO. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 65, 16 mar. 1963.
136

Nesta charge uma foliona aparece toda paramentada para o famoso desfile de
fantasias carnavalescas do Teatro Municipal. Os inúmeros adereços do traje escolhido
impossibilitam, no entanto, a identificação da fantasia, fato este recorrente nos desfiles reais
do espaço mencionado, sendo muitas vezes indispensáveis explicações mais detalhadas sobre
as vestimentas para a compreensão de seu conteúdo. O humor da charge reside no exagero
expresso no traje escolhido e também na ligação da foliona para o Municipal: “– Alô...é do
Municipal?...Será que vocês podiam mandar o júri aqui em casa?...”. De acordo com Vladímir
Propp, o exagero265 – presente na charge aqui analisada – é cômico apenas quando desnuda
um defeito, assim como tudo o que é cômico.
Na charge em questão a comicidade é assegurada pelas características inerentes à
caricatura e à hipérbole. Assim, por meio do exagero, a charge desnuda o grande esforço e
investimento dos participantes dos concursos do Municipal em preparar suas extravagantes
fantasias, muitas vezes sem identificação imediata pelos demais foliões.
As charges publicadas nas revistas O Cruzeiro e Manchete retratavam outros
aspectos dos festejos carnavalescos e traziam consigo representações diversas quanto à
participação das mulheres nesses folguedos. Em outra charge (figura 6), ainda de 1963,
Ziraldo demonstra o carnaval popular, especificamente das escolas de samba, por meio da
caricaturização da baiana, figura central nos desfiles dessas agremiações. Se na figura
analisada anteriormente o humor consiste na forma como uma mulher branca, pertencente à
elite, se traveste exageradamente para o concurso do Municipal, na imagem a seguir é a
mulher negra e pobre que guardava dinheiro durante todo o ano para desfilar pela sua
agremiação preferida que provoca o riso do leitor, à medida que manifesta de maneira
humorística um comportamento cíclico, relacionado à vontade de participar dos festejos
carnavalescos, e o grande esforço despendido no decorrer do ano para tanto.
A comicidade, nesse caso, encontra-se vinculada ao próprio sentido atribuído ao
festejo no qual há o entendimento de que todo empenho é válido para brilhar nos desfiles e
libertar os sujeitos – mesmo que em poucos dias – dos recalques acumulados durante o ano. O

265
Este tipo de exagero, segundo Propp, pode ser demonstrado por meio da análise de suas três formas
fundamentais: a caricatura, a hipérbole e o grotesco. Na caricatura “toma-se um pormenor, um detalhe; esse
detalhe é exagerado de modo a atrair para si uma atenção exclusiva, enquanto todas as demais características de
quem ou daquilo que é submetido à caricaturização a partir desse momento são canceladas ou deixam de existir”.
A caricatura não ocorre somente quando há um exagero de fenômenos de ordem física, como um nariz grande ou
uma barriga avantajada, mas também com os fenômenos de ordem espiritual à medida que desvela uma
particularidade qualquer da pessoa caricaturizada em uma representação única. A hipérbole, por sua vez, é uma
variedade da caricatura, distinguindo-se dela pelo exagero do todo e não somente de um pormenor. O grotesco
relaciona-se ao mais alto grau do exagero, de modo que aquilo que é aumentado adquire um caráter mostruoso,
penetrando no domínio do fantástico. PROPP, op. cit., p. 88-89.
137

carnaval seria assim um momento para a própria redenção do indivíduo. A mulher da charge
poderia ser aquela que deixava de lado suas funções habituais e pouco prestigiosas, de
empregada doméstica, lavadeira e costureira, por exemplo, para transformar-se em figura
central da folia. Embora não seja possível identificar a profissão da mulher representada na
charge, a presença do pano em sua cabeça e a situação ali expressa indicam o seu
pertencimento às camadas populares, o que demonstra a persistência e a importância atribuída
aos festejos pelos foliões. Além disso, participar em uma escola de samba como porta-
bandeira ou baiana significava para as mulheres negras das áreas pobres do Rio de Janeiro
uma forma de ganharem visibilidade social durante a realização dos folguedos,
principalmente pela centralidade das escolas de samba no conjunto das atividades
carnavalescas no período em estudo.

Figura 6 – Charge de Ziraldo acerca do esforço das mulheres negras para participar do carnaval266

Retomando o desnudamento por meio das canções de Braguinha, depois das


mulheres se desfazerem das meias, na década de 1930, e deixarem o umbigo de fora, em
1962, João de Barro e Jota Júnior, agora no carnaval de 1964, evidenciam mais uma vez o
corpo feminino em Garota biquíni:

Garota biquíni
De Copacabana
Espetacular!
Teu biquinininho tá
Tá de matar

Teu biquinininho
É a sensação
Um palmo de serpentina
Dois confetes de salão

266
ZIRALDO, op. cit., p. 62-63.
138

Ao contrário de Nelson Rodrigues, que imputava ao biquíni a perda do sentido da


nudez, Braguinha e Jota Júnior o exaltavam pela possibilidade de expor parcialmente o corpo.
De fato, os biquínis se tornaram comuns nos festejos carnavalescos do período. Segundo a
reportagem da revista O Cruzeiro sobre o luxuoso e requintado baile do Hotel Copacabana
Palace, foram muitas as mulheres que compareceram ao tradicional festejo da elite, realizado
no sábado gordo, trajando biquínis como forma de comporem suas fantasias. Com a legenda
“As noivas ‘prêt-à-porter’ (semidespidas) foram muitas e belas no baile”, a revista exibe a
imagem de uma mulher vestida de noiva estilizada (figura 7), facilmente identificada como tal
pelo uso de grinalda, buquê e coroa.

Figura 7 – Foliona vestida de noiva no Baile do Hotel Copacabana Palace, em 1964267

A expressão prêt-à-porter refere-se ao mundo da moda, especificamente à produção


de roupas em escala industrial, no entanto, na legenda da imagem tal locução adquire uma
conotação sexual em uma clara alusão à noite de núpcias. A legenda direciona o leitor a
determinada interpretação da imagem, fazendo-o “entrar no assunto ao invés de afastá-lo
definitivamente dele”. A analogia proposta pela jornalista Marília Scalzo quanto ao papel da
legenda em publicações em geral pode nos indicar o grau de importância que tal escrito

267
CARNAVAL do Copa para o Mundo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 96, 29 fev. 1964.
139

adquiriu em revistas pautadas no fotojornalismo, como O Cruzeiro e Manchete: “E, se as


fotografias são as principais portas de entrada, em uma página, para os leitores, as legendas
têm que funcionar como maçanetas”268.
É importante ressaltar a dimensão dialógica da imagem acima e do carnaval como
um todo. Na página da revista em que tal fotografia foi selecionada outras mulheres aparecem
brincando o carnaval, no entanto, essa imagem demonstra que apesar da foliona fazer
referência à cerimônia do casamento e ao uso da vestimenta branca para as mulheres, não é o
tradicionalismo que envolve o ritual aludido que prevalece na montagem da fantasia pela
mulher em questão. Ao contrário, a forma como a foliona se apresenta no Baile do Hotel
Copacabana Palace contrasta com a ideia mais comum relacionada ao ritual do casamento, no
qual a noiva representa a castidade e a pureza por meio do vestido utilizado e de outros
elementos associados à cerimônia religiosa. Apesar das mudanças na moral e na sexualidade
no período retratado, relacionadas ao abandono por parte de algumas mulheres da ideia de
preservar a virgindade até o casamento, a cerimônia em si permanecia ainda muito forte.
A postura assumida pela foliona, com o uso de um biquíni estilizado, deixando
aparecer pernas e barriga, não significava o abandono do ideal de casar na igreja, mas a
quebra dos rígidos códigos que se associavam às expectativas sociais quanto ao ritual
cerimonialístico e ao recato comumente vinculado à ocasião, além da fantasia se moldar ao
desnudamento parcial presente nas vestimentas usadas pelas mulheres no carnaval. Essa
imagem exemplifica algumas possibilidades de transgressões praticadas pelas mulheres no
âmbito dos bailes fechados, sinalizando para as contradições da própria sociedade, em que
tradições, apesar de mantidas, eram questionadas em alguns aspectos. Com a virgindade
sendo contestada nos anos 1960, a “noiva” carnavalesca afastava-se dos significados
tradicionais associados a essa figura como, de certa forma, contribuía para a construção de
outros sentidos para o casamento.
No entanto, não é possível ignorar o suporte no qual tal imagem se insere e os
significados atribuídos pela imprensa a esse tipo de situação. É preciso considerar que as
fotografias que compunham as matérias sobre o carnaval eram realizadas por homens e as
legendas igualmente pensadas pelo sexo masculino, interessados em dar ao leitor um
panorama dos carnavais do Rio de Janeiro, com o registro dos momentos considerados mais
significativos para transmitir uma determinada visão sobre os folguedos. Não é possível
desconsiderar, no entanto, que os corpos expostos nas imagens selecionadas tinham especial

268
SCALZO, op.cit., p. 70.
140

apelo entre os leitores, curiosos naquele tipo de imagem, o que consequentemente


influenciava na venda dos exemplares da revista. Se por um lado as mulheres ganhavam
destaque por apresentarem uma liberdade ainda sujeita a restrições no cotidiano, por outro,
essa “liberdade” adquiria, muitas vezes, uma conotação mais sexual, na representação da
mulher enquanto objeto do desejo masculino.
É importante assinalar que a escolha desse tipo de imagem na cobertura do carnaval
das revistas ilustradas não se dava por acaso, ou simplesmente pela presença do biquíni no
espaço dos festejos. A seleção e a publicação ocorriam, sobretudo, na tentativa de chamar a
atenção do leitor, considerando a concorrência estabelecida entre as revistas pelas melhores
imagens dos bailes e dos desfiles carnavalescos. É possível supor, pelos números dedicados à
cobertura do carnaval e pela permanência desse tipo de reportagem nas revistas do gênero,
que a temática momesca tinha forte apelo entre os leitores. Ao mesmo tempo em que a
imprensa direcionava o interesse dos leitores para determinados assuntos, ela não se mantinha
alheia aos desejos dos mesmos, captando aquilo que poderia se tornar rentável. A imprensa
debatia e orientava sobre temas que estavam na ordem do dia, como as relações matrimoniais,
a sexualidade e o corpo, e aproveitava para vender esses mesmos assuntos. Por se constituir
em conteúdo que aparecia todo ano, o carnaval era atualizado nas revistas por meio de
imagens diversas, nas quais as mulheres eram focalizadas apropriando-se de roupas do
cotidiano para brincar o carnaval e em poses que sinalizavam a liberação feminina.
As imagens fotográficas demonstram fragmentos selecionados do real, ou, em outros
termos, representações criadas sobre uma determinada realidade. Ao analisar as imagens
produzidas e veiculadas pela imprensa sabendo que são o resultado de uma indústria que
almeja vender seus produtos, vale ressaltar, a necessidade de se considerar seus significados
não expressos, as possíveis omissões e a sua intrínseca relação com o mercado. Embora
Barthes compreenda que na fotografia o poder de autentificação do real se sobrepõe ao poder
de representação, atenta para o fato de que o sujeito, ao saber que está sendo observado pela
objetiva de uma máquina fotográfica, pode alterar o seu comportamento, assim como estar
suscetível aos interesses do fotógrafo. Muitas dessas fotos eram apresentadas como se fossem
espontâneas, quando, na realidade, eram posadas e talvez até mesmo tiradas em situações
sugeridas pelos fotógrafos. Além do mais, é preciso considerar, como salienta Barthes, o
papel exercido pela câmera na manifestação de determinados comportamentos pelas folionas,
sabendo que suas imagens poderiam estampar as revistas, e, portanto, como se deixavam
fotografar e como queriam ser vistas. Essas questões, além das relacionadas ao caráter
141

mercadológico das fotografias de imprensa, não podem ser desconsideradas na análise do


material e se devem perscrutar as razões que motivaram a seleção e o destaque a determinado
tipo de imagem.
Sobre a disseminação do uso de biquínis nos carnavais, a escritora Rachel de
Queiroz, em sua crônica habitual na revista O Cruzeiro, na sessão “Última página”, sugere
que: “Fantasia de índio é fresca e sai da obrigação de biquíni que já está enchendo [...]”269.
Com efeito, o uso de biquínis na folia parecia irreversível. No campo da música, o strip-tease
continuou com Garota monoquíni, de 1965, em que a mulher é presa por fazer um topless em
uma praia. Apela-se para o delegado para que a tal menina fosse inocentada:

A garota monoquíni
Que beleza de menina
Foi à praia sem confete
Só levou a serpentina
Seu delegado (oi)
Solte a menina (oi)
Que foi à praia (oi)
De serpentina (oi)
Se fosse feia (oi)
Tava indecente (oi)
Mas sendo boa (tá)
Tá inocente...

Na canção em pauta, a nudez é aceita e até mesmo incentivada por se tratar do corpo
de uma moça jovem e bela. O mesmo não aconteceria em relação às mulheres mais velhas e
rotuladas como “feias”. A composição de Braguinha revela, assim, que a exposição do corpo
não era possível para todas as mulheres, somente para aquelas que mantinham os corpos que
se esperavam ver nas praias: jovens, magros e bronzeados. O desnudamento total do corpo
feminino foi representado em Ilha do Sol, de 1966, pela dupla João de Barro e Jota Júnior.
Inspirando-se na ilha localizada na Baía de Guanabara em que vivia a dançarina exótica Luz
del Fuego, adepta do nudismo e fundadora do primeiro clube naturista do Brasil, os
compositores pregavam nesta marchinha a liberdade plena do corpo:

Liberdade, liberdade
Eu vou pra Ilha do Sol
Pois quem fica preso em casa
É marisco ou caracol

Já foi biquíni
Foi monoquíni
269
QUEIROZ, Rachel de. Menina de Carnaval. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 130, 29 fev. 1964.
142

Amanhã o que será?


Liberdade, liberdade
Nerisquíni do Leblon a Guarujá!

Considerando o cenário musical do período, essas canções nada mais eram do que
exceções carnavalescas, sobretudo observado-se o caráter de transição da época. De acordo
com Rodrigo Faour270, jornalista e crítico musical, em obra em que analisa, por meio da
música popular brasileira, as mudanças dos nossos costumes e comportamentos afetivos e
sexuais, nesse período era comum que canções mais progressivas coexistissem com músicas
retrógradas. Até então havia predominado no universo musical brasileiro músicas em que a
mulher era representada como infiel, ingrata, fútil, por vezes desagradável, leviana e afeita a
pancadas. A mulher esposa/dona-de-casa/mãe, ao estilo de Amélia e Emília, era exaltada nas
canções e a única a ser valorizada.
Em fins da década de 1950, com a bossa nova, uma mulher mais leve, solar e
agradável começa a aparecer nas letras das músicas, resultado não somente de um novo tipo
de música, mas também da emergência de mulheres mais liberadas. A canção Garota de
Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, lançada em 1963, é exemplar da “espécie de
paradigma da mulher carioca: bonita, esportiva, articulada, cheirando a sabonete, com um
infalível senso de humor e dona de sua vida”271. Outras canções, no entanto, estavam atreladas
a visões mais tradicionais de mulheres, trazendo inclusive alguns tabus como o da
virgindade272 e o de ficar solteira273. As músicas da Jovem Guarda exemplificam muito bem o
caráter de transição do período, uma vez que suas letras podiam ser machistas, transparecendo
inclusive a influência dos filmes americanos e de seus jovens rebeldes, com Erasmo Carlos
cantando Vem quente que eu estou fervendo, Minha fama de mau e Carango; românticas, ao
270
FAOUR, Rodrigo. História sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira. 3. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2008.
271
CASTRO, Ruy. Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, p. 162.
272
Sucesso nas vozes de Miltinho e Tito Madi em 1960, a música “Menina moça”, de Luiz Antonio, serviu como
advertência para as moças que mantinham relações sexuais antes do casamento e assim corriam o risco,
conforme a mentalidade predominante da época, de ficarem decepcionadas e talvez sozinhas: “Você botão de
rosa/Amanhã a flor mulher/Joia preciosa cada um deseja e quer/De manhã banhada ao sol/Vem o mar beijar/Lua
enciumada noite alta vai olhar/Você menina moça/Mais menina que mulher Confissões não ouça/Abra os olhos
se puder/Tudo tem seu tempo certo/Tempo para amar/Coração aberto faz chorar/A lua, o sol, a praia, o
mar/Missão de Deus/A vida eterna para amar”. ANTONIO, Luiz. Menina moça. Disponível em:
<http://www.vagalume.com.br/tito-madi/menina-moca.html>. Acesso em: 21 abr. 2016.
273
A canção “Passaporte para titia”, de João Roberto Kelly, gravada por Doris Monteiro em 1961, aborda um
tipo de mulher mais intelectualizada que não se deixava envolver amorosamente por qualquer rapaz, fato este
que justificava a possibilidade de ficar solteirona em uma sociedade na qual o casamento ainda era visto como
essencial para a felicidade feminina, conforme demonstra a letra da música: “Garota diz que veio de Paris/E foi
noiva de um conde/Não casou porque não quis/Não olha pra rapaz de pouca idade/ Pra ter personalidade/Sempre
torce o nariz/Garota nunca deu o seu coração/Todo dia bate um papo/Só na base de Platão/Garota cheia de
filosofia/Sua pinta é o próprio/Passaporte pra titia”. FAOUR, op. cit., p. 127.
143

retratar as desilusões amorosas, as dificuldades das garotas em arrumar um namorado “bom


partido” e o desejo de ter alguém, como demonstram as canções de Celly Campello Estúpido
Cupido, Broto Certinho e Querido Cupido; ou até mesmo trazer um pouco mais de ousadia
em canções nas quais as mocinhas apareciam decididas e com uma postura mais agressiva em
relação ao namorado, como em Prova de Fogo, sucesso na voz de Wanderléa274.
Rodrigo Faour, por meio de outros exemplos musicais, evidencia o quanto a
sociedade da década de 1960 estava presa aos valores estabelecidos em períodos anteriores e
como as mudanças no campo da moral, irreversíveis por um lado, sucederam-se de maneira
gradual e lenta. O final da década de 1960 já sinalizava algumas dessas transformações. A
virgindade, até então entendida como necessária para a mulher conseguir um bom casamento,
começava a se tornar obsoleta, assim como a crença de que cabia ao homem o controle da
mulher. Embora a maioria das mulheres ainda se casasse virgem, tornou-se possível o
surgimento de uma música como Juliana275, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, que
alcançou a segunda colocação no IV Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em
1969, abordando, mesmo que de forma sutil, a “descoberta do sexo por uma mulher”276. A
revolução sexual brasileira estava somente começando e algumas dessas mudanças já
transpareciam nas letras das canções. Em um período no qual Leila Diniz destacava-se como
exemplo de mulher livre, ainda com poucas partidárias, vale a pena explorar um pouco mais a
suposta permissividade da década, comumente representada como liberada.

2.2 – A tensão moral dos anos 1960 e os limites da liberação sexual feminina

No livro 1968: o ano que não terminou, o jornalista Zuenir Ventura evidencia os
novos padrões de comportamento adotados na época por parcela da juventude brasileira,
sobretudo a intelectualizada, acusada de subversiva pelos militares. Segundo o autor:

A moda – ou a vida que “pregava” essa geração de jovens mulheres entre


vinte e trinta anos – consistia em questionar os valores institucionais que
274
FAOUR, op. cit., p. 129-132.
275
“Num fim de tarde, meio de dezembro/Ainda me lembro e posso até contar/O sol caía dentro do
horizonte/Juliana viu o amor chegar/A lua nova perto da ribeira/Trançava esteiras sobre os araçás/Entrando em
relva seu corpo moreno/Juliana viu o amor chegar/Botão de rosa perfumosa e linda/tão menina ainda a
desabrochar/Pelos canteiros do amor primeiro/foi chegada a hora do seu despertar/E a poesia então fez
moradia/na roseira vida que se abria em par/Entre suspiros junto à ribeira/Juliana viu o amor chegar/E Juliana
então se fez mulher/E Juliana viu o amor chegar”. ADOLFO, Antonio; GASPAR, Tibério. Juliana. Disponível
em: <http://www.letras.com.br/#!antonio-adolfo-e-a-brazuca/juliana>. Acesso em: 21 abr. 2016.
276
FAOUR, op. cit., p. 136.
144

davam sustentação ao que chamavam com desdém de “casamento burguês”:


a monogamia, a fidelidade, o ciúme, a virgindade. [...] A disposição dessas
jovens mulheres era, pelo menos, não repetir o erro de suas mães. Elas não
queriam ser tão infelizes quanto julgavam ter sido a geração anterior. [...] As
mutações desses tempos de ruptura deveriam passar pela destruição do que
viera antes – fossem tabus, resistências, preconceitos, mas também os
legados da emoção. Agiam como se à vontade correspondesse sempre o
desejo277.

As mudanças mencionadas por Ventura não atingiram igualmente todas as classes


sociais e gerações. Ao se pautar nas reflexões feitas por Carmem Silva – psicóloga, colunista
da revista Claudia e importante divulgadora da Revolução Sexual –, Ventura elucida a
complexidade cultural e comportamental existente no período:

As mulheres de quarenta anos, por exemplo, ainda estavam presas aos tabus
do passado recente e a uma hipócrita santificação da maternidade, que dava
ao homem o álibi de que precisava para buscar fora de casa, nos prostíbulos
ou na casa das amantes, o livre exercício de sua sexualidade e de suas
fantasias. Havia coisas que ele só podia fazer na rua. O dever legitimava a
sexualidade dela; o direito sancionava os abusos dele278.

O que havia de comum entre os jovens das camadas médias e intelectualizadas era a
vontade de experimentar – alguns no âmbito político, outros no comportamental. No entanto,
em um período ainda inicial de mudanças mais expressivas, discursos ambíguos e ações
muitas vezes contraditórias constituíam-se como parte do universo desse segmento jovem. De
acordo ainda com Zuenir Ventura, a revolução sexual brasileira começou pela teoria,
perceptível no aumento de livros, artigos e palestras que versavam sobre o assunto, para
posteriormente ser realizada na prática. Neste primeiro momento “falava-se e escrevia-se mais
do que se fazia sexo”, em uma clara demonstração de que a “liberação era mais aparente do
que real”. Outra evidência disso é o conselho de Heloísa Buarque de Hollanda para a sua
também amiga de vanguarda Marília Carneiro: “a gente tem que fingir que dá para os caras,
mas a gente não tem que dar para os caras”279.
A juventude queria romper com os valores estabelecidos, estivessem esses
relacionados ou não a tabus, resistências e preconceitos, mas, como é possível perceber na
fala de Hollanda a ruptura dessas normas não era muitas vezes fácil de ser realizada, ainda
mais quando havia sobre si a cobrança de apresentar comportamentos, atitudes e posturas
mais livres em conformidade com os novos tempos e com o fato de ser jovem, o que
277
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 32-34.
278
Ibid., p. 38.
279
Ibid., p. 36-39.
145

significava, para determinado grupo social, o dever de promover as necessárias


transformações no campo político, moral e sexual.
Embora as alterações nos costumes e nos padrões comportamentais estivessem em
decurso em diversas partes do mundo a partir da segunda metade da década de 1960, no
Brasil, o sociólogo e filósofo Paulo Sérgio do Carmo, amparado em outros estudos, considera
que foi somente no final da década de 1970 que “aumentou o contingente da juventude que
viveu momentos de sexo, surfe, praia, drogas e rock and roll”280. Sendo assim, ao contrário do
que se imaginava para o período, o carnaval funcionava como momento de transgressão de
costumes tradicionais e também de afirmação de novos valores em construção na época. Esse
entendimento, no entanto, não é compartilhado pelo jornalista Ruy Castro, que percebeu nas
mudanças relacionadas à revolução sexual um aniquilamento do caráter transgressor do
carnaval:

Com toda a sua euforia transgressora, ele [o carnaval] dependia de uma certa
inocência circundante para existir. Claro. Pois, sem essa relativa inocência, o
que haveria para transgredir? E inocência foi o que o mundo mais perdeu a
partir da década de 60. O Carnaval viu-se subitamente dispensável como
pretexto para a esbórnia. Suas grandes atrações, como os beijos roubados na
multidão, a sensualidade suada nos salões e nas ruas, a comunhão de mãos e
carnes acima e abaixo do umbigo, as fantasias de árabe sem cueca por baixo,
os bailes que se prolongavam a dois ou a quatro nos apartamentos – tudo
isso era pinto comparado ao que a classe média passou a fazer, sem
problemas e sem culpas, durante todo o ano. A própria nudez esvaziou-se.
Quem queria saber de uma perna saindo de um sarongue ou de um par de
seios entrevisto de relance se tinha à vista um milhão de biquínis nas praias
num domingo de verão? E o que era a ousadia das garotas no baile do High
Life diante da liberação de uma geração inteira de moças? O Carnaval
perdera o sentido. Parecia o fim de uma longa e linda tradição do Rio.
E, então, enquanto os saudosistas olhavam para ontem e suspiravam, as
escolas de samba tomaram conta do pedaço – e, a partir de 1970, salvaram o
Carnaval281.

Ruy Castro desconsidera que as mudanças comportamentais não atingiram naquele


momento todos os grupos sociais e, tendo em vista somente o Rio de Janeiro, nem mesmo
todos os bairros da capital. O jornalista menciona os comportamentos mais livres das classes
médias facilmente perceptíveis nas praias e nos bares da zona sul do Rio de Janeiro.
Entretanto, não é possível tomar a parte pelo todo e ignorar o que acontecia, por exemplo, em
outras partes do Rio, como na zona norte. Aliás, Nelson Rodrigues pautava-se nas diferenças
entre as zonas norte e sul do Rio de Janeiro para criticar os novos costumes. Procurando

280
CARMO, op. cit., p. 409.
281
CASTRO, op. cit., p. 107-108.
146

caracterizar a zona norte do Rio em matéria escrita para a revista Manchete, em 1966, Nelson
Rodrigues afirmava que:

Sair de Copacabana e mergulhar numa piscina da Zona Norte é uma


experiência que vale a viagem. É como se o sujeito estivesse recuando no
tempo, voltando a 1940. Na Zona Sul, parecemos caminhar para a folha de
parreira, ou talvez menos. Eu já morei na Zona Norte e posso lhes contar.
[...] Se der uma volta turística pelas piscinas da Zona Norte, há de verificar
que, lá, não existe o biquíni. Só maiô. [...] Por aí se vê que a Zona Norte, ao
contrário da Sul, preserva a sua timidez e vê o biquíni como uma audácia282.

Além disso, como já salientado, durante parcela significativa da década de 1960


alguns padrões morais estabelecidos em períodos anteriores continuavam em plena vigência,
coexistindo com os novos valores em construção na época e tão somente superados por estes
na década seguinte (ainda que de modo parcial). Mesmo entre as camadas médias as
mudanças comportamentais geravam, muitas vezes, práticas controversas. No entanto, a
nudez a que Ruy Castro se refere nos idos de 1960, que acabou, em sua interpretação, com a
razão de ser do carnaval, é a mesma que incomodava tanto Nelson Rodrigues: a mulher de
biquíni. A nudez era ainda parcial e com o tecido usado para a confecção de um biquíni na
época seria possível, de acordo com Zuenir Ventura, fabricar hoje aproximadamente três fios-
dentais, tal era o tamanho do referido traje de banho.
A respeito das mudanças em curso na época, a revista Manchete283, do dia 24 de
dezembro de 1966, divulgou os resultados de uma pesquisa encomendada ao IBOPE sobre as
24 horas da vida da mulher carioca. De acordo com a matéria, 500 mulheres, de diversas
camadas sociais e de vários bairros, foram entrevistadas com o objetivo de averiguar seus
hábitos e costumes. Embora a revista não tenha esclarecido com maiores detalhes o perfil
social das entrevistadas pelo IBOPE e os bairros pesquisados, no que diz respeito à questão
profissional a pesquisa concluiu que duas em cada três mulheres que trabalhavam fora de casa
preferiam ser exclusivamente donas de casa, caso pudessem. Ainda de acordo com a pesquisa,
apenas 15% das mulheres que trabalhavam o faziam por questão de gosto.
Quanto às relações afetivo-amorosas, a pesquisa demonstrou que 20% das mulheres
entrevistadas tiveram experiências vistas como interessantes no dia do inquérito, sendo estas
mais frequentes entre as solteiras do que entre as casadas. No caso das solteiras, o IBOPE

282
RODRIGUES, Nelson. Rio. A Zona Norte como ela é. Manchete, Rio de Janeiro, n. 766, p. 65, 24 dez. 1966.
283
MUGGIATI, Roberto. 24 horas na vida de nossas mulheres. Manchete, Rio de Janeiro, n. 766, p. 160-163, 24
dez. 1966.
147

constatou que foi uma relação com alguém que conheciam há muito tempo para 55% das
entrevistadas, que conheceram há pouco tempo para 32% e 13% para aquelas que conheceram
alguém no dia da pesquisa.
Ainda sobre o assunto, a pesquisa constatou que entre as carícias recebidas por essas
mesmas mulheres encontram-se beijos (87%), abraços (74%) e outras (5%). É possível inferir
por meio desses dados que as mulheres solteiras não eram assim tão liberadas como seria
possível supor para o período ou que as mulheres não se sentiam à vontade para responder
com sinceridade esse tipo de questionamento. A pesquisa buscou também investigar o grau de
infidelidade entre as mulheres casadas. Nesse caso, o instituto de pesquisa averiguou que uma
em cada dez mulheres casadas marcou encontro com outro homem. Esse e outros dados
levantados situaram a taxa de infidelidade em 10%, subindo para 15% entre as mulheres mais
ricas. É perceptível uma mudança significativa em termos de carícias nos encontros das
mulheres casadas em comparação com os das mulheres solteiras. As carícias entre as casadas
seguiram a seguinte ordenação: beijos (95%), abraços (82%) e outras (66%). A pesquisa,
apesar de não esclarecer o número exato de mulheres entrevistadas de cada grupo social e não
dar informações relacionadas à faixa etária, possibilita depreender que persistia ainda certo
conservadorismo moral no que se refere à existência de relações sexuais antes do matrimônio,
pelo menos na sua expressão na ocasião da entrevista do IBOPE.
No início do ano seguinte, a revista Manchete publicou uma matéria sobre a vida dos
chamados “brotos”, jovens entre 13 e 17 anos, com o objetivo de perscrutar suas inquietações,
pensamentos e gostos. A revista ressalta a desenvoltura e a desinibição dessas jovens, por
exemplo, para falar de sexo e trocar suas experiências. No entanto, o periódico, em tom
moralista, chamou atenção para as supostas “geladas” em que as jovens se envolviam, como
relacionar-se com homens casados e desiludir-se logo depois da descoberta ou manter
relações sexuais durante um namoro sem significância e perder possivelmente um casamento
futuro pelo fato de não ser mais virgem. Os depoimentos obtidos dos “brotos” e os
comentários do autor da matéria procuram demonstrar a “inconsequência” da juventude e, de
certa forma, alertar para as ações tomadas nessa fase da vida, mesmo que ironicamente:

E as conversas dos brotos? Posam de sabidas, botam banca e... falam de


sexo. Assunto predileto. Trocam impressões, checam as suas descobertas.
Ouviram cantar o galo, coitadinhas, mas não sabem onde. E não se dão por
achadas. Vão derramando a sua sapiência, e falam das coisas mais
disparatadas. Tocam de ouvido, os brotos. São tão sabidas, que muitas delas
caem numa “gelada”, como esta de 17 anos, que agora está passando pelo
maior aperto: “Namoro um rapaz de 24 anos e ele quer se casar. Amo-o
148

intensamente, mas me sinto vil e mentirosa, ocultando dele – tão bom e


sincero – que não sou a santa que ele pensa que sou. Aos 14 anos dei um
passo em falso, indo atrás da conversa de um vigarista. Eu não sabia nada da
vida. Pensava que sabia, mas era uma boba. Nunca falei a ninguém da minha
infelicidade. Agora me arrependo de ter agido tão insensatamente. Mas aos
14 anos, nós, as mocinhas, achamos que não temos mais nada que aprender,
que já somos donas do nosso nariz e que não precisamos dos conselhos dos
mais velhos...” 284

Embora ambas as matérias da revista Manchete retratassem a vida das mulheres


cariocas, uma vez que as pesquisas empreendidas restringiam-se somente à cidade do Rio de
Janeiro, seus resultados eram estendidos para todo o Brasil. Com esse entendimento, a
primeira matéria traz um título bem elucidativo: “24 horas na vida de nossas mulheres”.
Embora os questionamentos do IBOPE estivessem voltados especificamente às cariocas, em
alguns momentos a matéria dispensou a comparação entre a zona sul, o Centro, e os subúrbios
da Leopoldina e da Tijuca para referir-se aos resultados como hábitos da mulher brasileira. De
acordo com o antropólogo Fabiano Gontijo, existe:

[...] uma espécie de ideologia (sutil) da carioquice permeando os escritos da


maioria dos cientistas sociais e intelectuais brasileiros (de todos os tempos),
que generaliza os traços cariocas para o resto do Brasil, transformando-os
em traços culturais nacionais, formadores da própria ‘identidade nacional
brasileira’”285.

As matérias em questão trazem também esse entendimento no que diz respeito aos
gostos e hábitos femininos, ou seja, esses elementos são generalizados e considerados
formadores da identidade feminina como um todo. No terceiro capítulo desta tese tal
discussão será empreendida com mais profundidade, assim como o caráter mais ousado
comumente atribuído às mulheres cariocas, especialmente no que se refere à sua participação
nos carnavais.
De qualquer forma, os depoimentos obtidos e selecionados pela revista Manchete
sobre a vida dos “brotos” demonstram que determinados comportamentos da juventude ainda
eram vistos, no final da década de 1960, como inconsequentes e passíveis de julgamentos
diversos. A prática sexual antes do casamento ainda era condenada por muitos, bem como a
separação entre sexo e amor, entendida como típica das mulheres consideradas “prafrentex”.
Mesmo em meio às suspeitas remanescentes de períodos anteriores, muitas jovens
questionaram e divergiram dos antigos costumes, embora seja conveniente lembrar que não é
284
OS BROTOS. Manchete, Rio de Janeiro, n. 770, p. 44, 21 jan. 1967.
285
GONTIJO, Fabiano. Carioquice ou carioquidade? Ensaio etnográfico das imagens identitárias cariocas. In:
GOLDENBERG, Mirian. Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro:
Record, 2002, p. 74.
149

adequado considerar pensamentos e atos da juventude como exemplos da sociedade total.


A tensão moral presente na década de 1960 podia ser observada também nos
discursos e nas posturas contraditórias e, por vezes, excludentes da imprensa do período. Um
exemplo é a revista feminina Claudia, publicação iniciada no país em 1961 e voltada para as
mulheres de classe média urbana, especialmente as casadas e mães. Embora a revista contasse
a partir de 1963 com os textos de Carmen da Silva, psicóloga e escritora, que discutia na
coluna A arte de ser mulher a sexualidade feminina, os novos espaços e papéis ocupados
pelas mulheres e as relações entre estas e os homens, recomendava, de modo paradoxal,
“recato e virgindade antes do casamento, fidelidade feminina, paciência e resignação diante
do marido adúltero”286. Assim, os velhos e os novos valores em construção na época
combinavam-se nessa e em outras publicações que, mesmo sugerindo antigos costumes, não
podiam “ignorar as mudanças em curso” sob o risco das leitoras não mais se identificarem
com as mensagens veiculadas.287
Considerada pela jornalista Dulcília Buitoni, no momento em que escreveu sua obra
Mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira288, como a mais
conhecida “pensadora feminina” em termos de comunicação de massa, Carmen da Silva
notabilizou-se pelos posicionamentos libertários para a época, ao compreender, por exemplo,
que o casamento deveria basear-se em uma relação mútua e igualitária entre os pares e
defender o papel ativo que as mulheres deveriam assumir em todos os aspectos de sua vida.
Em relação às mudanças no âmbito da sexualidade, em setembro de 1970, Carmem
da Silva reconheceu que o Brasil não tinha realizado até aquele momento, de fato, uma
revolução sexual:

[...] o brasileiro em geral pensa e exerce o sexo em moldes tradicionais e


patriarcais. Continuam gozando de ampla aceitação os velhos chavões do
tempo da vovó: a mulher foi feita para casar – virgem, naturalmente pois as
outras os homens só querem é para se divertir; mãe é sagrada; ‘certas coisas’
não se fazem com a mulher legítima”289.

O texto de Carmen demonstra que no final de 1970, apesar de o sexo ser um assunto
de destaque, ainda persistia na sociedade brasileira certo conservadorismo. No mesmo artigo,

286
LUCA, op. cit., p. 456.
287
Ibid., p. 457
288
BUITONI, Dulcília. Mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira. São Paulo:
Loyola, 1981.
289
SILVA, Carmem da. Revolução sexual?. A arte de ser mulher. Claudia, s/p, setembro de 1970 apud
GELLACIC, op. cit., p. 84.
150

Carmen afirma ainda que “[...] a óptica da môça carioca ou paulista não é a mesma da jovem
do interior; o mundo da universitária é muito diferente do da industriária ou comerciária da
mesma idade...”290. A escritora e psicóloga atesta ainda que as mudanças no âmbito da
sexualidade, além de não atingirem naquele momento a sociedade como um todo,
restringiam-se a uma pequena parcela da população, composta pelas jovens dos grandes
centros urbanos.291
A historiadora Carla Bassanezi Pinsky também constata o papel precursor
desempenhado por algumas mulheres no período, no entanto, ao contrário de Carmen Silva,
considera especificamente as “garotas zona Sul”, do Rio de Janeiro, e as “da rua Augusta”,
em São Paulo. Além disso, observa que o ideal de virgindade foi superado consideravelmente
somente décadas depois dos questionamentos das mulheres dos anos 1960, o que demonstra,
uma vez mais, que as mudanças relacionadas à sexualidade ocorreram aos poucos, fato este
que não elimina a relevância das transformações do período em estudo:

[...] as “garotas zona Sul” (do Rio de Janeiro) ou as “da rua Augusta” (em
São Paulo), de classe média ou alta, que colocavam em questão o ideal de
virgindade já no início dos anos 1960, abriam caminhos para o que, duas ou
três décadas depois, seria um comportamento “normal”, quando a
obrigatoriedade da virgindade para as solteiras estaria completamente “fora
de moda”292.

É importante salientar que os novos padrões morais e sexuais em construção na


época, combatidos pelas camadas mais conservadoras da sociedade, desenvolveram-se
durante o processo de modernização empreendido pelos militares. Assim, esses, mesmo que
indiretamente, contribuíram para a mudança nos costumes. Além da repressão, censura e
tortura, os militares foram os responsáveis pela reorganização da economia brasileira e pela
aceleração da internacionalização do capital. O crescimento do parque industrial e do mercado
interno de bens materiais não foram as únicas consequências da política econômica adotada
no período, já que o mercado de bens culturais também se fortaleceu293.
Além disso, na década de 1970, a televisão assumiu a missão de integrar a
nacionalidade, a fim de viabilizar o próprio projeto militar, sendo que para tanto houve
significativos investimentos em infraestrutura de telecomunicações. Acreditava-se que o

290
SILVA apud GELLACIC, op. cit., p. 84.
291
GELLACIC, op. cit., p. 84.
292
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos flexíveis. In:______; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012a. p. 513-543, p. 516.
293
ORTIZ, op. cit., p. 114.
151

território brasileiro precisava de um veículo de comunicação abrangente, como a televisão,


para “unificar no plano do imaginário o povo brasileiro”. Assim, seria mais fácil, segundo a
ótica dos militares, afastar qualquer ameaça subversiva dos comunistas. A TV Globo, pela
adesão ao regime e pela “competência empresarial”, tornou-se a preferencial dos governantes
que esperavam que ela informasse e entretivesse, mas, acima de tudo, pacificasse e unisse o
país diante de tensões e desigualdades294.
O papel desempenhado pelos meios de comunicação na formação ou solidificação
dos novos paradigmas comportamentais da época, especialmente a televisão e suas
telenovelas, é ressaltado por Marcelo Ridenti quando afirma:

Embora reproduzindo estereótipos sobre a mulher, em particular, e a


sociedade, em geral, elas ajudaram a difundir, país afora, certa abertura
comportamental vigente nas classes médias e altas brancas metropolitanas,
cujo cotidiano retratavam, como a quebra do tabu da virgindade feminina
antes do casamento, a aceitação das uniões não legalizadas, o sexo por
prazer, a possibilidade de separações e novos matrimônios. Contrariavam-se
interesses mais conservadores, como aqueles da Igreja Católica, que
continuou sendo a religião mais importante do Brasil nesse período, mas
perdendo cada vez mais espaço para outras, como as neopentecostais295.

A capacidade da televisão de representar os valores morais em construção na época é


abordada também pelo jornalista Eugênio Bucci, que considera significativa a forma como as
novelas, por exemplo, “inventariaram, consolidaram e sistematizaram o repertório da vida
privada brasileira”. O autor, no entanto, demonstra a postura ambígua assumida pela Rede
Globo na consolidação dos novos costumes, ao constatar que:

[...] de um lado, ela soube evitar, na criação das obras de ficção, a paralisia
conservadora típica dos censores do regime militar no que se referia aos
padrões morais da vida íntima; de outro, evitou também, na programação em
geral, valer-se de apelos mais grosseiros ou pornográficos. O “padrão globo
de qualidade” constituiu uma forma para a construção de um imaginário
pátrio que era, ao mesmo tempo, um tanto desobediente e flexível nas
esferas íntima e privada e absolutamente conservador e servil nos campos
político e econômico296.

Ao menos no campo ficcional, a TV contribuiu para a difusão de novos

294
BUCCI, Eugênio. Ainda sob o signo da Globo. In: ______; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre
televisão. São Paulo: Boitempo, 1994. p. 220-240, p. 222-223.
295
RIDENTI, Marcelo. Cultura. In: REIS, Daniel Aarão (Coord.). Modernização, ditadura e democracia (1964-
2010). Rio de Janeiro: Objetiva; Madrid: Fundación Mapfre, 2014. v. 5. p. 233-283, p. 240. (História do Brasil
Nação: 1808-2010).
296
BUCCI, op. cit., p. 229 -230.
152

comportamentos em voga na época, tendo inclusive enfrentado problemas com a censura e


com os segmentos mais conservadores da sociedade, que a entendiam como colaboradora na
dissolução dos costumes.
Com o propósito de investigar a participação das mulheres nos carnavais cariocas da
década de 1960 – embora seja importante assinalar que este assunto não findou aqui, uma vez
que será retomado em aspectos pontuais em outros momentos desta tese – fez-se necessário,
no presente capítulo, compreender os padrões morais e sexuais da época. Como demonstrado,
ainda que importantes mudanças estivessem em curso na década de 1960, muitas delas
relacionadas à conquista de uma maior liberdade do corpo feminino, a partir, por exemplo, da
utilização da minissaia e da calça jeans – não obstante essas vestimentas estivessem em
diversas regiões do Brasil restritas às mulheres jovens e solteiras –, algumas regras morais
estabelecidas em épocas anteriores continuavam a persistir, a moldar comportamentos e a
coexistir com as transformações então em processo no país.
Tendo em vista o espaço de transgressão propiciado pela festa carnavalesca, muitos
comportamentos já existentes, mas que ainda eram compreendidos pela ótica do preconceito e
da estigmatização, encontravam lugar para sua expressão, mesmo que críticas continuassem a
ser feitas e estivessem presentes nas próprias revistas incumbidas de realizar a cobertura dos
folguedos, por meio das cartas de leitores e dos comentários diversos. Assim, o carnaval
permitia às mulheres, em um período de transição de costumes, a transgressão de normas
morais ainda muito rígidas, como aquelas que proibiam no âmbito da folia o uso do biquíni.
O desenvolvimento dos meios de comunicação e a consolidação de uma cultura de
massa, na qual representações sexuais eram difundidas, acabaram, por fim, favorecendo os
questionamentos concernentes à sexualidade e às mudanças no campo da moral. Nesse
contexto, o corpo, sobretudo o feminino, adquiriu um novo aspecto a partir da sua integração
na própria era das massas. A industrialização e a mercantilização crescentes, associadas à
expansão do interesse pela moda, contribuíram para a construção de uma nova moralidade
que ganhou expressão significativa no Rio de Janeiro, local onde a temperatura elevada e as
praias favoreceram o desnudamento dos corpos.
Nesse cenário, o corpo, progressivamente, foi se transformando em símbolo da
própria liberação sexual e moral, na medida em que mudanças nesse campo se sucediam e
muitos dos princípios em construção passaram a ser difundidos pela imprensa, bem como pela
publicidade. Essas questões – concernentes especialmente à década de 1970 – serão
examinadas e aprofundadas no capítulo a seguir, com o propósito de possibilitar inferências a
153

respeito da especificidade das mulheres nas celebrações momescas, considerando as próprias


transformações nos carnavais do período e as percepções das revistas e jornais selecionados
quanto à temática em estudo.
154

CAPÍTULO 3 – Sexualidade e desnudamento do corpo feminino nos carnavais dos anos


1970

Dando prosseguimento às discussões sobre a temática em estudo, sobretudo no


tocante à década de 1970, com a ampliação dos significados e práticas resultantes da liberação
sexual da segunda metade dos anos 1960, consequência do surgimento da pílula
anticoncepcional e das mudanças nos costumes, neste capítulo serão debatidas
especificamente as transformações nos papéis femininos propiciadas pela revolução sexual e
pelos movimentos feministas, relacionando as modificações nesse campo às alterações no
próprio carnaval carioca por meio da cobertura da imprensa selecionada. Para uma parcela da
sociedade brasileira, as interdições e limitações existentes em épocas anteriores no campo da
moral tinham definitivamente ficado para trás no decorrer dos anos 1970, embora
estivéssemos em plena ditadura militar com o predomínio da censura e da repressão. As praias
mais consagradas da cidade do Rio de Janeiro representavam, pelo seu cenário mais livre, as
próprias modificações comportamentais do período, além de revelar as transformações no
modo de se vestir naquela cidade, o que acabou por servir de modelo para outras localidades
brasileiras.
No entanto, como já explorado no capítulo anterior, as modificações no âmbito da
moralidade ocorreram aos poucos e em meio a diversos avanços e recuos. Um exemplo
representativo de certo conservadorismo ainda arraigado na sociedade brasileira do início dos
anos 1970 foi o fato de Leila Diniz ter sido duramente criticada por posar grávida de biquíni
na praia de Ipanema, em 1971. A atitude da atriz fora entendida como um atentado ao papel
sagrado da maternidade, manifestado na roupa escolhida para as fotos, pouco condizente com
a nobre missão de ser mãe. Este acontecimento é significativo das suspeições que ainda
recaíam sobre o corpo feminino no começo da década de 1970297.
Apesar das importantes mudanças no papel da mulher verificadas no período, como o
aumento de sua participação no mercado de trabalho, a conquista de novos espaços na
sociedade e na política, a liberação dos costumes, as novas formas de relacionamento entre os
sexos e a flexibilização da moral sexual, é relevante destacar, como demonstra Mary Del
Priore, que os adultos dos anos 1960 foram educados por “pais extremamente conservadores”
e regras de comportamento muito “estritas lhes devem ter sido inculcadas”298.

297
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Sempre bela. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria
(Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 105-125, p. 119.
298
DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 302.
155

Além disso, estruturas de longa duração continuavam presentes, e, em plena década


de 1970, conforme mostram os debates levantados por Priore, o lar ainda era entendido como
o lugar da mulher, e a vida pública, como espaço primordial das ações masculinas299. É
importante destacar, contudo, que outras representações de mulheres também foram feitas no
período, incorporando os novos papéis sociais assumidos pelo feminino. Embora as mulheres
continuassem a ser vistas como mães e esposas, não eram mais definidas exclusivamente por
essas funções. A contestação de antigos valores e as conquistas alcançadas no período
permitiram novas possibilidades de realização à mulher.
A própria “revolução sexual”, sentida mais intensamente no Brasil na década de
1970 promoveu uma flexibilização dos costumes e comportamentos anteriormente
condenados tornaram-se recorrentes300. Tais movimentos de transformação do papel da
mulher foram influenciados pelo movimento feminista, que surgiu com novas contestações
primeiramente na Europa e nos Estados Unidos, provocando mudanças nos padrões de
comportamento das mulheres. O feminismo da década de 1960 propunha ir além da luta pela
igualdade jurídica de direitos e por um maior espaço das mulheres no mercado de trabalho e
na vida pública. Objetivava, principalmente, novas configurações nos relacionamentos entre
homens e mulheres, garantindo a estas liberdade e autonomia para decidir sobre sua vida e seu
corpo. A historiadora e cientista política Céli Regina Jardim Pinto considera essa fase do
movimento feminista como libertária e rica em possibilidades para as mulheres,
especialmente na Europa e nos Estados Unidos, que estavam em um momento propício para o
despontar de tal movimento301.
No Brasil, essa fase do movimento feminista, repleta de novas demandas, teve que
esperar até os anos 1970 para se manifestar efetivamente, em um contexto político marcado
pela repressão da ditadura militar e pela desconfiança do governo em relação às feministas,
entendidas como ameaças para a moralidade da maioria das mulheres. Nesse período outras
reivindicações ganhavam força, voltadas para os assuntos referentes à sexualidade (direito ao
prazer) e ao corpo (aborto e contracepção). “Nosso corpo nos pertence” passou a ser o lema
das mulheres que lutavam pela liberdade de decidir o que fazer com os seus próprios corpos,
sem as normas e regras impostas pela sociedade.

299
DEL PRIORE, op. cit., 2012b, p. 302-308.
300
Casais não casados eram cada vez mais aceitos, já podendo circular publicamente; carícias generalizavam-se
e beijos mais intensos passavam a ser sinônimo de paixão. A separação, antes motivo de crítica social, tornava-se
solução para um casamento infeliz e as mulheres “começavam a poder desobedecer às normas sociais, parentais
e familiares”. Ibid., p. 301-302.
301
PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n.
36, p. 15-23, jun. 2010. p. 16-17.
156

A respeito das mudanças vivenciadas pelas mulheres no período, Joana Maria Pedro
considera que talvez a maior conquista feminina tenha sido o reconhecimento de outras
formas de ser mulher, para além das funções ditas “naturais” de esposa, mãe e dona de
casa302. Seguindo o processo acelerado de urbanização, as lutas empreendidas e a expansão da
escolaridade feminina, as possibilidades de realização da mulher ampliaram-se
significativamente, passando a ser cada vez mais aceitável sua profissionalização, autonomia
financeira, sexualidade e uma posição mais igualitária nas relações amorosas e conjugais.
No que diz respeito especificamente ao carnaval, nos anos de 1970, embora
transgressões às regras continuassem a ocorrer, o contexto de maior liberdade sexual
experimentado no período permitiu que os folguedos momescos cumprissem mais o papel de
confirmar algumas das conquistas no âmbito dos costumes e da vida privada, ao mesmo
tempo em que o corpo feminino passaria a ser objetificado em diversas das representações da
imprensa.
A espetacularização assumida pelos desfiles a partir de 1976, especialmente com o
trabalho de Joãosinho Trinta, conforme mencionado no primeiro capítulo, trouxe também
outra conotação para a participação das mulheres, principalmente às de segmentos médios e
altos. Com o crescimento das escolas de samba e a transmissão dos seus cortejos pela
televisão, pessoas oriundas das camadas endinheiradas da população, buscando relevância
pessoal em nível local e nacional, passaram a participar dos cortejos dessas agremiações.
Muitos foram os participantes anônimos e personalidades de renome que desfilaram em busca
de destaque social. Se antes, participar em uma escola de samba como porta-bandeira, pastora,
baiana ou cabrocha significava para as mulheres de áreas pobres do Rio de Janeiro uma forma
de representar sua agremiação preferida e ganhar visibilidade social, na década de 1970,
figuras da society, como Beky Klabin, passaram a demonstrar interesse em desfilar e exibir
suas luxuosas vestimentas, alcançando ainda mais sucesso nas revistas e programas da época.
Com o decorrer do tempo, características do show business foram incorporadas aos desfiles
das escolas de samba e mulheres em trajes cada vez mais sumários passaram a se apresentar
em imensos carros alegóricos303.
Acompanhando a crescente comercialização dos desfiles, é perceptível o início da
glorificação do corpo feminino, especialmente da mulata, e, conforme estudo de Maria Isaura
Pereira de Queiroz, da transformação do corpo da mulher carnavalesca em mercadoria exibida
e cobiçada. Em relação aos festejos de salão, o biquíni, em seu formato clássico, antes

302
PEDRO, op. cit., 2012, p. 256.
303
VALENÇA, op. cit., p. 64.
157

considerado transgressor no ambiente carnavalesco, ganhou uma versão ainda mais ousada: a
tanga. De modo geral, os biquínis eram tolerados contanto que estivessem disfarçados com
lantejoulas. Além disso, com a proibição do topless nos carnavais, as mulheres procuravam
demonstrar seus corpos por meio de transparências ou de “fantasias” que pudessem expor,
mesmo que parcialmente, os seios. Se ainda no período anterior discutia-se o carnaval
somente sob o viés da quebra da hierarquia e da subversão na manifestação de
comportamentos vistos como avançados, como o desnudar de uma perna e de uma barriga, em
fins dos anos 1970, no entanto, procurava-se explicar o papel do carnaval na explosão do sexo
e do erotismo. A profusão de corpos seminus nos desfiles das escolas de samba e nos festejos
de salão no final do período em estudo suscitaram os seguintes questionamentos: houve um
esvaziamento do significado da nudez (mesmo que a parcial) em fins da década de 1970?
Quais corpos foram priorizados nas coberturas dos festejos carnavalescos pelas revistas O
Cruzeiro e Manchete? E o carnaval ainda funcionava como momento de transgressão para
essas mulheres?

3. 1 – Corpo, beleza e ousadia na representação da mulher carioca

Antes de percorrer propriamente as representações das mulheres nos carnavais dos


anos 1970 e investigar as questões há pouco levantadas, é preciso refletir quanto à imagem da
mulher carioca, cujo corpo é comumente associado à beleza e à sensualidade, além de
representar o espírito livre, irreverente e festivo da cidade do Rio de Janeiro, lugar percebido
como formulador de identidades diversas e de comportamentos que ultrapassam as fronteiras
do próprio território para serem lidos como traços culturais nacionais304. Para tanto se
perscrutou o papel do carnaval na construção desse perfil de mulher carioca e como esse ideal
feminino influenciava a cobertura que a imprensa realizava dos carnavais do Rio de Janeiro
no período selecionado. Além disso, discute-se a exaltação da figura da mulata no carnaval e
sua consequente relação com a própria identidade da festa momesca.
As praias cariocas – especialmente as de Ipanema e Copacabana305 – transformaram-
se em locais privilegiados para as mudanças que ocorreram a partir dos anos 1960,
considerando que transgressões a algumas das normas corporais e morais existentes no
período sucederam-se nesses espaços vistos como naturalmente libertários. O fato de a atriz
Leila Diniz surgir na praia de Ipanema grávida e trajando um biquíni em uma época em que

304
GONTIJO, op.cit., p. 74-75.
305
As praias de Ipanema e Copacabana são assim denominadas pelo pertencimento aos bairros de idêntico nome,
localizados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
158

mulheres grávidas evitavam frequentar esse tipo de espaço, ou optavam por usar roupas de
banho que pudessem disfarçar suas barrigas, evidencia a percepção de informalidade e,
portanto, de afrouxamento das regras sociais que as praias cariocas assumiam nesse contexto
de modificações. Leila chocava os setores conservadores da sociedade brasileira da época por
apresentar comportamentos que divergiam do esperado para uma mulher: diversos namoros,
sexo livre e uma linguagem repleta de palavrões. De acordo com a antropóloga Mirian
Goldenberg306, o corpo de Leila tornou-se modelo de transgressão e contribuiu
significativamente para a construção da imagem do Rio de Janeiro como lugar de ousadia e de
rebeldia dos jovens.
As atitudes de Leila e de outras garotas do período, que assim como ela viviam uma
sexualidade mais livre, podem ser relacionadas, conforme descrito por Norbert Elias307 no
estudo do processo de civilização dos costumes, à violação do autocontrole construído
socialmente. Subordinar os impulsos e controlar a libido se firmavam como condutas
necessárias àquelas mulheres que pretendiam se enquadrar nos padrões estabelecidos, visando
à apresentação de um comportamento dito “adequado”. O autocontrole consiste então na
intensa regulação das pulsões e das paixões individuais em nome de um padrão “civilizado”
de comportamento, exercido não somente por outras pessoas, mas também pelo próprio
sujeito, considerando que uma parte de si “proíbe e castiga o que a outra deseja”. Mulheres
como Leila não se curvaram às regras existentes e não renunciaram à sua própria satisfação.
No que diz respeito, ainda, ao processo civilizador e à sua relação com o controle das
pulsões, Elias assinala que o uso dos trajes de banho permitiu uma maior exposição dos
corpos, exigindo dos indivíduos um significativo autocontrole de seus desejos comparado ao
período em que o pudor mantinha os corpos escondidos. Em fins da década de 1920, os maiôs
começaram a ser aceitos e foram em um curto espaço de tempo sobrepujados pelo tomara que
caia e o duas-peças, criados em meados da década de 1930. É importante assinalar, no
entanto, que o último se distinguia dos maiôs somente pela exposição da pele na altura do
estômago, sem mostrar o umbigo308, permanecendo relativamente comportado.
Até os anos 1960, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, era frequentada por
garotas “modernas” que faziam uso das principais inovações no campo dos trajes de banho,
uma das razões pela qual foi considerada como a mais badalada praia da época. Aliás, a praia
é um dos principais elementos definidores de Copacabana e de outros bairros à beira-mar. O

306
GOLDENBERG, Mirian. Toda mulher é meio Leila Diniz. 2. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.
307
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
308
PRADO, Luís André do; BRAGA, João. História da moda no Brasil: das influências às autorreferências. São
Paulo: Disal; Pyxis Editorial, 2011, p. 144.
159

desenvolvimento do bairro de Copacabana se deu relativamente rápido, visto que a sua


ocupação ocorreu de modo sistemático somente no final do século XIX, como consequência
da inauguração do Túnel Velho, em 6 de julho de 1892, ligando Botafogo a Copacabana. No
século XX o bairro cresceu juntamente com a cidade do Rio de Janeiro, que verificava uma
significativa expansão industrial, e, assim, a partir de 1940, Copacabana foi passando
aceleradamente por um processo de verticalização, que permitiu aos poucos o aumento da
população do bairro.
O período de maior crescimento populacional de Copacabana foi a década de 1960,
resultado do deslocamento de pessoas de nível econômico mais reduzido para o bairro em
busca das diversões propiciadas por um local praiano, das comodidades dos serviços, da
facilidade de condução, entre outros fatores, mesmo que para tanto fosse preciso morar em
apartamentos pequenos. Em estudo sobre a Copacabana dos anos 1970, o antropólogo
Gilberto Velho309 verificou as razões que motivaram pessoas de lugares diversos a buscar o
bairro para morar. Partindo da análise de entrevistas realizadas com os moradores do
condomínio Estrela, localizado na Rua Bolívar, entre os Postos 4 e 5 de Copacabana, e com
copacabanenses não residentes no edifício, o pesquisador procurou constatar as categorias,
denominadas por ele de unidades mínimas ideológicas, que apareciam com maior frequência
nas respostas aos seus questionários.
Entre as principais categorias mencionadas para residir em Copacabana, é possível
destacar a existência de um intenso comércio no bairro, considerado, por vezes, como o
melhor do Rio, a presença de parentes, a maior liberdade vivenciada naquela localidade, a
modernidade relacionada aos comportamentos apresentados e aos divertimentos propiciados
como cinema, teatro e praia, a variedade em termos de coisas para fazer e ver e a facilidade de
vivência em um lugar com tantos atrativos. Velho constatou ainda que essas unidades
mínimas ideológicas foram construídas a partir do princípio de oposição. Assim, algumas
representações típicas do bairro somente foram possíveis com base em um referencial, como
por exemplo “a alegria de Copacabana se opondo à tristeza do Grajaú, ou a liberdade da Zona
Sul se opondo ao ‘abafamento’ da Zona Norte”310.
Das pessoas pesquisadas que não moravam em Copacabana e expressaram o desejo
de mudar de residência, todas citaram como preferência os bairros de Copacabana e Ipanema.
O autor percebeu que, para determinados setores das camadas médias, Copacabana passou a
representar um lugar “cafona”, “sujo”, entre outros predicados negativos, enquanto Ipanema

309
VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
310
Ibid., p. 67.
160

era definida cada vez mais como um local moderno e melhor para se viver, traduzindo a
hierarquia dos bairros e da própria sociedade. De acordo com Velho, essa visão permaneceu
“como um fator de estímulo ao deslocamento espacial, a novas despesas e investimentos”311.
De fato, nas décadas de 1960 e 1970, Ipanema apareceu como o local símbolo das mudanças
comportamentais e culturais do Brasil do período, além de abrigar muitos dos jovens ditos de
“vanguarda”. É possível perceber por meio da pesquisa de Velho, e de outros estudos sobre os
jovens da década de 1970, que ser qualificado como de “vanguarda” em um período de
intensas mudanças no âmbito da moral apresentava-se como um valor relevante para as
camadas médias da zona sul do Rio de Janeiro.
A respeito da importância do bairro de Ipanema e de seus habitantes para a quebra
dos padrões tradicionais de conduta a partir da liberação do corpo e da sexualidade nas
décadas de 1960 e 1970, a antropóloga Marisol Rodriguez Valle considera que:

A praia serve como o cenário privilegiado das imagens mais emblemáticas


do passado de Ipanema, como a da atriz Leila Diniz grávida de Ipanema; a
do ex-guerrilheiro Fernando Gabeira de “tanga” tomando uma limonada ou a
de um grupo de mulheres com os seios à mostra, rodeadas de repórteres e de
curiosos [...]. São muitas as representações evocadas pela palavra
“Ipanema”, podendo designar tanto estilos de vida “livres”, “transgressores”
e “modernos” quanto “boêmios”, “criativos” e “informais”. De uma maneira
ou de outra, “Ipanema” é uma categoria repleta de significados312.

Ao mesmo tempo em que a praia de Ipanema se notabilizava pelos comportamentos


transgressores de seus frequentadores, um novo modelo de mulher estava sendo construído na
época acompanhando as próprias mudanças em curso. O corpo feminino apresentado nas
praias cariocas da zona sul e, de maneira especial, na de Ipanema, é de uma mulher que se
mostra seminua. Porém, o que diferencia ainda mais a mulher carioca do restante das
brasileiras é o fato de ser vista como naturalmente bela, jovem e livre. Um exemplo dessa
representação típica em relação à carioca é a canção “Garota de Ipanema”. Nessa música,
composta ainda em 1962, a beleza da mulher ipanemense é ressaltada, sobretudo pela
apresentação de um “corpo dourado”, de uma ginga especial, percebida “a caminho do mar”,
que ultrapassa o espaço daquela praia para definir a mulher brasileira em geral, de tal forma a
se tornar “um dos produtos culturais nacionais que mais contribuem para a construção da

311
VELHO, op. cit, 1975, p. 89.
312
VALLE, Marisol Rodrigues. Ipanema e suas modas: passado x presente. Cadernos de Campo, São Paulo, v.
13, n. 13, p. 47-60, 2005. p. 50-54.
161

imagem da beleza feminina brasileira em outros países”313.


Essa representação da mulher carioca também pode ser estendida à sua participação
nos carnavais e ao próprio caráter dos festejos no Rio de Janeiro. Os folguedos momescos
eram considerados mais animados e ousados, sobretudo em comparação aos carnavais
paulistas, e a imprensa difundia essa ideia fundamentada nas fantasias utilizadas e na
manifestação de determinados comportamentos pelos foliões. Tendo em vista essa imagem
construída dos carnavais cariocas, os periódicos procuravam registrar situações que pudessem
mostrar a irreverência dos festejos e a inversão dos valores estabelecidos. As mulheres
ganhavam destaque nas coberturas dos festejos carnavalescos, sobretudo nos bailes fechados,
enquanto os homens apareciam sem maior expressão nessa forma de brincar o carnaval,
obtendo mais espaço nas matérias relativas às escolas de samba, embora seja conhecido o
papel desempenhado pelo sexo masculino na organização dos folguedos de modo geral.
O carnaval contribuiu para a construção da imagem diferenciada da mulher
brasileira, alicerçada em grande medida na representação da própria carioca, elaborada
significativamente no período em estudo. A respeito do assunto, Cláudia da Silva Pereira e
Germano Andrade Penalva consideram que:

Faz parte da subversão do carnaval, também, a alegria – a alegria da


permissividade, de poder parecer um quando se é outro. A mulher que
desfila exibindo seu corpo nas ruas do carnaval, portanto, é alegre e
transgressora, e a alegria é uma das características que compõe esse
imaginário da mulher brasileira bela e jovem. A mulher carioca, seminua,
que se exibe sem medo no carnaval é, portanto, um capital simbólico da
cultura brasileira, que reúne juventude e uma alegria jovial314.

Sede do império português e capital federal até 1960, o Rio de Janeiro se destacou
pelo cosmopolitismo, o que influenciou a manifestação de comportamentos mais
independentes por parte das mulheres dessa localidade em comparação com as moças de
outros lugares do país. Ruy Castro, em Carnaval no fogo, atenta para essa questão:

Tanto ou mais do que os negros, imigrantes e mestiços, as mulheres


estrelaram revoluções fascinantes no Rio entre 1830 e 1930. Enquanto, nas
províncias, a brasileira média continuava condenada a usar véus e a passar o
dia em casa rezando, a carioca acostumou-se a sair para olhar vitrines, a
fazer seus vestidos na modista, a ir ao teatro, a sentar-se em confeitarias para
tomar chá ou sorvete, a almoçar ou jantar fora e a ser levada de volta para

313
PEREIRA, Cláudia da Silva; PENALVA, Germano Andrade. Nem todas querem ser Madonna:
representações sociais da mulher carioca, de 50 anos ou mais. Estudos feministas, Florianópolis, v. 22, n. 1, p.
173-193, 2014. p. 176.
314
Ibid., p. 177.
162

casa por um cavalheiro. Aproveitou também aqueles cem anos para criar
uma imprensa feminina, participar das causas republicanas, escrever poesia
erótica, infiltrar-se em profissões “masculinas”, fundar associações
feministas e lutar pelo direito ao voto [...]. E foi a primeira a sair à rua
usando calças compridas, vestidos sem costas e tomara-que-caia. Mas só
chegou a isso depois que suas avós e bisavós cumpriram uma longa pena –
mais de duzentos anos – de clausura e opressão315

No que se refere a períodos posteriores da história do Brasil, o jornalista Ruy Castro,


em seu propósito de assinalar o pioneirismo das mulheres cariocas em diversos campos da
vida social e moral, sem embasar, contudo, as suas asserções, considera que:

No Brasil, a mulher carioca foi a primeira a fazer um curso superior, a


trabalhar fora, a ter um salário e um carro, a fumar em público, a se separar
do marido e, em vez de entrar para um convento, a achar isso ótimo e ir
viver a vida. Estou falando de um número considerável de mulheres de
classe média no começo do século XX, não de casos isolados que podem ter
acontecido anteriormente, aqui ou ali. Foi também, na década de 50, a
primeira a pôr um biquíni, enfiar-se na camisa social do irmão, amarrá-la na
altura do umbigo e ir à praia vestida desse jeito num dia de semana,
atravessando ruas cheias de homens engravatados a caminho do escritório.
Naquele tempo, isso era ousadia suficiente. Mais até do que ir grávida e de
biquíni à praia, com o barrigão à mostra – como fez a carioca Leila Diniz em
fins dos anos 60, inaugurando uma prática que, de tão inocente, seria logo
adotada pelas mulheres mais convencionais. Muito antes disso, nos anos 40,
a carioca já tinha sido a primeira a alugar apartamento e morar sozinha, a
não dar bola para a virgindade e, invertendo um jogo masculino de séculos, a
escolher quais homens eram “para casar” e quais eram “para namorar”.
Naturalmente, tudo isso hoje é rotina. Mas gosto de pensar que, quando
foram tomadas pela primeira vez, essas e outras atitudes envolviam um certo
risco e havia no Rio mulheres dispostas a corrê-lo316.

A imprensa selecionada para este estudo contribuía para a reiteração da


representação das mulheres cariocas como diferenciadas, especialmente aquelas em contato
frequente com as praias, ou seja, as da zona sul. Em matéria intitulada “Rio: mais parece um
céu no chão”, a revista Manchete de 30 de janeiro de 1971 procurou associar a beleza da
cidade à feminina, a ponto de considerar o Rio de Janeiro como a cidade-mulher:

Bilac dizia que inteligentes eram os que viviam em Paris. Mas hoje, para
quem gosta de viver bem, o quente é o Rio, onde pelo menos – como afirma
a propaganda turística – há sol, mar e bom-humor [...]. É que êsse negócio de
cheia de encantos mil é uma verdade tão clara que não há quem deixe de
sentir tôda a mágica atração dessa cidade-mulher. Capítulo à parte é a
carioca. Defini-la é dificílimo. Explicá-la é impossível (mais fácil é explicar

315
CASTRO, op. cit., 2003, p. 137-138.
316
Ibid., p. 127-128.
163

a um inglês o que é “ponto facultativo”). Melhor é senti-la. De preferência


em dois lugares: na praia ou no carnaval. É quando elas atingem sua
plenitude. Não há nada mais bonito do que uma carioca saindo do mar. Não
há nada mais sensacional do que uma carioca (se fôr mulata, melhor)
sambando no pé. Ipanema nem se fala. Ipanema é a síntese de quase tudo
isso e mais alguma coisa. Todos os subúrbios e a Zona Norte inteira que nos
perdoem, mas Ipanema é fundamental317.

O Brasil é conhecido como um país sexualmente desinibido, resultado de uma


construção histórica realizada a partir do imaginário europeu e dos relatos de viajantes e
cronistas estrangeiros que aqui estiveram e incorporada pela sociologia de Gilberto Freyre318.
Como parte desse imaginário, a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo pela sua importância
histórica e representatividade, tornou-se a própria personificação desse predicado. O clima
tropical da cidade e a sua natureza exuberante favoreceram, em grande medida, o
desvelamento dos corpos e, consequentemente, a construção de uma moralidade mais liberal,
que se beneficiou igualmente do cosmopolitismo propiciado pela relevância política da cidade
e pela expressiva presença de estrangeiros.
Embora reconheça as características territoriais expostas anteriormente como fatores
naturalmente indutores à exposição dos corpos, a historiadora e antropóloga Maria Luiza
Heilborn319 considera o entendimento do processo civilizatório brasileiro como fundamental
para a real compreensão do despojamento dos corpos em nosso país. Em comparação com a
França – na qual os corpos são menos permeáveis ao contato, resultado de um processo
civilizatório em que as fronteiras entre o público e o privado foram definidas de modo mais
preciso, o que acabou por construir um domínio de interioridade até então desconhecido pela
humanidade – o Brasil apresenta-se como um lugar de uso corporal acentuado no
estabelecimento das relações, sejam elas de âmbito privado ou público. A autora ressalta a
importância da hipótese da cordialidade brasileira, da indefinição entre as esferas pública e
privada, da descrição da nossa sociedade como “quente” e “aberta ao contato” na
caracterização da própria identidade nacional, conforme a literatura sociológica brasileira
representada pelos trabalhos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto
DaMatta320.
Esse aspecto da identidade nacional brasileira manifesta-se, portanto, nas formas de
relacionamento, nos gestos, nas interações amorosas e no próprio modo de lidar com o corpo.

317
SÉRGIO, Renato. Rio mais parece um céu no chão. Manchete, Rio de Janeiro, n. 980, p. 76-88, 30 jan. 1971.
318
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
319
HEILBORN, Maria Luiza. Corpos na cidade: sedução e sexualidade. In: VELHO, Gilberto (Org.).
Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 98-108.
320
Ibid., p. 99.
164

O Rio de Janeiro, enquanto modelo desse atributo nacional, teve em suas mulheres as
principais representantes do imaginário coletivo construído a respeito da sensualidade e da
sexualidade femininas, principalmente quando se refere à sua participação nos festejos
carnavalescos. A matéria citada anteriormente, por exemplo, menciona os ambientes em que a
personalidade da carioca era mais bem expressada: a praia e o carnaval. Ambos se
apresentavam como espaços legitimadores para o desvelamento dos corpos – por suas
características intrínsecas – e para a manifestação de comportamentos informais. Embora
saliente a beleza e o jeito de ser da carioca, de um modo geral, a matéria destaca o bairro de
Ipanema por sua significância para a época e também naquilo que se relaciona ao
comportamento feminino revelado em suas areias, bares e ruas.
Até 1960, segundo Gilberto Velho321, Copacabana322 se distinguia perante outros
bairros da zona sul do Rio de Janeiro por seu caráter cosmopolita, moderno e como um dos
maiores centros de consumo do país na época, conforme salientado anteriormente. No
entanto, a partir da década de 1960, o bairro passa a sofrer um processo de desvalorização
financeira e simbólica resultante do crescimento de outros bairros da zona sul, como Ipanema
e Leblon. De acordo com Gilberto Velho, “[...] Ipanema passa a disputar a primazia,
embalada, por sua vez, por manifestações artísticas, produção cultural e novos tipos de
marketing”323. Sendo assim, a garota de Ipanema – parafraseando a canção de Tom Jobim e
Vinícius de Moraes – era percebida como diferente das demais, ou, em outros termos, como a
própria síntese da essência da mulher carioca.
Para Marisol Goia324, não é possível compreender a representação de Ipanema como
um lugar solar, informal, alegre e espontâneo da cidade do Rio de Janeiro sem considerar o
encontro que existia naquela localidade entre pessoas anônimas e famosas. As atitudes de
Leila, já explicitadas neste trabalho, e de Gabeira, que ousou aparecer na praia de Ipanema
trajando uma tanga – pouco condizente com a sua condição masculina e de ex-guerrilheiro e
militante de esquerda –, somente adquiriram um caráter subversivo porque ocorreram em um
local já “carregado de significado”. De acordo com a interpretação de Goia, a praia de
321
VELHO, Gilberto. Os mundos de Copacabana. In: VELHO, Gilberto (Org.). Antropologia urbana: cultura e
sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 11-23.
322
Na década de 1920, Copacabana já era um bairro importante da cidade, que se beneficiava do discurso
médico de valorização da praia por questões de saúde e sociabilidade para a formação de um estilo de vida
diferenciado, mais informal e esportivo, na comparação com os padrões tradicionais da sociedade patriarcal
ainda existentes no início do século XX. A construção de edifícios, que passaria então a caracterizar o bairro,
ocorreu sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo sido Copacabana o primeiro bairro residencial do
Brasil a apresentar prédios como tipo de habitação preponderante. Como resultado dessas transformações, a
população do bairro também cresceu, atingindo aproximadamente 250 mil em 1970. Ibid., p. 11-13.
323
Ibid., p. 15.
324
GOIA, Marisol. Modos e modas de Ipanema. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). O corpo como capital:
gênero, sexualidade e moda na cultura brasileira. 2. ed. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010. p. 39-53.
165

Ipanema foi a responsável pela notoriedade pública dos atos de Leila e Gabeira, embora
reconheça que seus comportamentos transgressores tenham contribuído igualmente para que a
praia alcançasse ainda mais fama, passando a ser considerada “espaço da ousadia, da rebeldia
e da liberdade dos jovens”325.
A edição da revista Manchete, de 08 de março de 1975, procurou elencar os fatores
que levaram o bairro de Ipanema a conquistar tamanha projeção ainda na década anterior:

No princípio era o areal. Um vasto e grande areal, habitado por pescadores,


que construíram suas choupanas entre cajueiros e pitangueiras. Depois, o
dono do areal, José Antônio Moreira Filho, segundo Barão de Ipanema,
loteou o latifúndio. Em pouco tempo, seguindo o exemplo da explosão de
Copacabana, surgiu um bairro que atraiu a classe média do Rio. Nos 40 ali já
se encontrava bem plantada a pequena burguesia carioca, gozando de paz,
tranquilidade, boa praia e muito silêncio. Nos anos 50, alarmados com a
precoce poluição urbana de Copacabana, chegaram os artistas e escritores
que seguiam o exemplo de Aníbal Machado e Lúcio Cardoso, velhos
moradores do bairro. Na década de 60, o encontro inevitável dos intelectuais
com uma saudável geração de jovens, fruto do bom comportamento da
burguesia afluente, culminou na formação da subcultura de Ipanema. Na
praia e nos bares, os artistas, a geração dourada e a dos hippies de butique
criaram um clima que em pouco se transformou em mito326.

Refletir, mesmo que em poucas linhas, sobre as peculiaridades do processo


civilizador brasileiro e sobre a hipótese da cordialidade nacional, talvez ajude a explicar a
construção da representação da carioca da zona sul como diferenciada, sobretudo a
ipanemense327, bem como a relação das mulheres cariocas com os festejos carnavalescos, já
que sua participação nos carnavais sempre foi vista como mais ousada. É sabido que o
intelectual Sérgio Buarque de Holanda, ao pensar a identidade nacional brasileira na década
de 1930, elaborou o conceito de “homem cordial”, expressão retirada de uma carta do escritor
Ribeiro Couto a Alfonso Reyes, e apresentada em seu primeiro livro, Raízes do Brasil.
Nas edições posteriores da obra, de acordo com os estudiosos do assunto, Holanda
fez questão de esclarecer que o homem cordial, aquele que se esgueira de qualquer ordenação
impessoal e que manifesta o desejo de estabelecer intimidade mesmo na esfera pública –
faltando-lhe a polidez tão marcante no convívio social de outras sociedades – não constitui, no
entanto, um traço fixo da nacionalidade brasileira. Era, antes, uma configuração histórica

325
GOIA, op. cit., p. 62-63.
326
IPANEMA de sol a sol. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.194, p. 62, 08 mar. 1975.
327
Esta imagem está fundamentada significativamente na existência de mulheres que, assim como Leila Diniz,
frequentavam bares, bebiam, fumavam e usavam seus corpos de um modo mais livre.
166

determinada, relacionada à família patriarcal e ao universo agrário328. O autor acreditava,


portanto, que essa condição seria dissolvida no decorrer do tempo à medida que a sociedade
brasileira se afastasse de suas raízes rurais com a crescente urbanização e a necessária
modernização política e econômica.
Essa característica do povo brasileiro, a cordialidade, ou seja, o estabelecimento de
relações próximas, íntimas, mesmo na esfera pública, que deveria ser impessoal, teria
permanecido como parte integrante do cotidiano e da definição do próprio homem nacional,
apesar das mudanças decorridas. A cordialidade pode ser relacionada, ainda, à representação
tão presente no imaginário coletivo das mulheres cariocas como ousadas. Conforme
salientado pela antropóloga Maria Luiza Heilborn,

[...] a hipótese da cordialidade brasileira, longamente descrita pela nossa


sociologia, vem em apoio para explicar os usos sociais dos corpos no Brasil
e serve para iluminar, no caso da cidade do Rio de Janeiro, o lugar que ela
ocupa como cenário propiciador da sexualidade e da sedução329.

Os habitantes do Rio de Janeiro são comumente representados como livres,


informais, sedutores, espontâneos, apreciadores da cultura da praia e de tudo aquilo que ela
representa. No entanto, são as mulheres cariocas que expressam de forma mais significativa as
características “típicas” da localidade, talvez por faltar-lhes a polidez já tão ausente no
convívio social brasileiro. Nas palavras de Holanda, a polidez “equivale a um disfarce que
permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções”330 Dessa forma, a
polidez poderia funcionar como uma forma de resistência e de defesa ante a sociedade. A
mulher carioca, por sua vez, não necessitaria da máscara da polidez para esconder suas
emoções e outros sentimentos relacionados à esfera íntima e privada, sobretudo por estar
inserida no universo das praias e do carnaval, que por suas características intrínsecas
oportunizam a “transformação do espaço social público numa grande casa”. Isso não significa
dizer, entretanto, que as regras morais e sociais existentes são anuladas, mas constituem
objetos de transgressão. Essa violação, aliás, coexiste com as normas públicas de moralidade,
que são mais facilmente rompidas no âmbito doméstico. Nessa perspectiva de interpretação, a
singularidade da mulher carioca estaria na facilidade para transgredir, pelo menos a da zona
sul, como é mais uma vez apreendido pelo periódico O Cruzeiro:

328
ROCHA, João Cezar de Castro. Um conceito ou um baixo contínuo? Venturas e desventuras do homem
cordial. Posfácio de Raízes do Brasil (ed. crítica). In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 457-463, p. 458.
329
HEILBORN, op. cit., p. 99.
330
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 255.
167

A carioca fuma tranquilamente na rua, usa os biquínis mais minis do Brasil,


toma chope, desinibida, gosta de liberdade e tem uma pitadinha de charme
diferente, que a torna única no mundo. Pelo menos a carioca da Zona Sul,
porque a da Zona Norte já não é assim. Lá a moça ainda leva acompanhante
quando vai ao cinema com o namorado e frequenta a praia sábado de tarde
de rolinho e papelote na cabeça, porque a noite será de baile.
Mas é no Rio também que, para a alegria nacional, inventou-se a mulata,
esta instituição tão carioca, “um monumento de ondulação, provocante” [...].
Há um trinômio que carioca gosta, que completa a própria paisagem do Rio:
o futebol, a mulher e o carnaval [...]331.

Se as mulheres cariocas eram recorrentemente representadas como mais ousadas no


campo da sensualidade e da sexualidade, as mulatas seriam a própria personificação dessas
características, considerando a valorização que o “corpo miscigenado” adquiriu a partir da
década de 1930. Em fins do século XIX, o pensamento que predominava entre a elite e os
teóricos da identidade nacional era de que o Brasil encontraria entraves para o seu
desenvolvimento devido à mestiçagem existente. Ser carioca, nesse período, apresentava uma
conotação negativa relacionada à figura do mulato e do capoeira, considerados representantes
do comportamento malandro e, portanto, alvos de medidas de controle e de uma política
saneadora. Essa situação se modificaria complemente nos anos 1930, quando o mulato,
símbolo da degenerescência da nação, foi elevado a ícone nacional, possível naquele
momento pela substituição do conceito de raça pelo de cultura332. É importante ressaltar que
nos anos 1930 o samba deixou de ser visto como música marginal e passou a ser caracterizado
como ritmo nacional, enquanto os desfiles das escolas de samba eram oficializados em 1935,
o que significava o início do recebimento de uma subvenção pelas agremiações filiadas à
União das Escolas de Samba. A identidade brasileira calcada na mestiçagem cultural seria
ainda mais significativa durante o Estado Novo, com a implementação de projetos oficiais.
O termo mulato(a), apesar do valor negativo, já que deriva da palavra mulo, animal
híbrido “resultante do cruzamento de uma égua com um jumento ou de um cavalo com uma
jumenta”333, e, portanto, incapaz de se reproduzir – o que significava, em sentido mais amplo,
a impossibilidade do Brasil de desenvolver-se enquanto nação –, passou a representar a
síntese da brasilidade e isso relaciona-se sobremaneira à própria festa momesca. No carnaval,
“a figura do mulato sambista, malandro, esperto e cheio de ginga juntou-se à figura da mulata

331
KUCK, Claudio. Rio de carnaval, futebol e mulher. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 06, p. 64, 06 fev. 1969.
332
ABREU, Regina. A capital contaminada: a construção da identidade nacional pela negação do “espírito
carioca”. In: LOPES, Antonio Herculano (Org.). Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, Topbooks, 2000. p. 167-185, p. 169-170.
333
MULO. In: DICIONÁRIO Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/mulo/>. Acesso
em: 20 ago. 2016.
168

cabrocha, faceira e sensual”334, sendo esta última elemento chave para a construção da
imagem da sexualidade presente nos folguedos.
Embora a imagem da mulata “fácil”, objeto sexual do senhor, produzida durante o
período escravocrata, tenha adquirido, na primeira metade do século XX, outros sentidos
relacionados à sua transformação em símbolo da brasilidade mestiça, ainda assim permaneceu
com o estereótipo de mulher sensual e disponível. Essa representação da mulata se fazia
presente na cobertura da imprensa a respeito dos folguedos momescos, já que era no carnaval
que a mulata supostamente desempenhava melhor o seu papel de mulher-sedução. O assunto
serviu de ensejo para charges das revistas ilustradas, o que demonstra o peso da mulata no
imaginário carnavalesco, como é possível perceber nas charges analisadas na sequência.

Figura 8 – Charge “Turistas e Mulatas”335

334
ABREU, op. cit., p. 170.
335
CLAUDIUS. Turistas e mulatas. Manchete, Rio de Janeiro, n. 881, p. 146, 08 mar. 1969.
169

Esta charge, de 1969, publicada na revista Manchete, é representativa da


comercialização do carnaval, verificada na imagem pela presença da imprensa na cobertura
dos folguedos, de um ônibus de turismo voltado ao acompanhamento dos festejos, do
comparecimento de uma suposta autoridade estrangeira, identificada pela palavra mister –
forma respeitosa de tratamento na língua inglesa –, além do título “de melhor do mundo”
atribuído ao carnaval brasileiro. Porém, o cerne da charge não é tanto o carnaval em si, mas a
beleza e a sensualidade da mulata brasileira.
Na primeira parte da charge, um senhor de aparente importância é sabatinado por um
jornalista quanto às suas impressões em relação ao desfile das escolas de samba, aos
folguedos de salão e ao caráter do próprio carnaval, demonstrando, no entanto, pouco
interesse em responder aos questionamentos. A situação modifica-se quando o repórter
pergunta ao entrevistado se ele tinha constatado a inexistência de preconceito racial no país,
ideia esta associada à de “democracia racial”, formulada ainda nos anos 30 por Gilberto
Freyre, e se haveria algum tipo de preconceito racial de sua parte. O efeito cômico surge da
resposta do mister: “meu filho, eu não tinha quando vim e agora tenho! Agora só gosto de
mulatas”. A palavra “agora” é reiterada duas vezes, a primeira para indicar o tempo da fala, e
a segunda para introduzir uma oração “que faz oposição ou restrição ao que foi dito
anteriormente”, provocando assim a comicidade da charge. A personagem identificada como
um gringo utiliza o advérbio “agora” para manifestar a sua predileção pelas mulatas em
detrimento de outros “tipos raciais”.
As representações a respeito do carnaval propagadas pela imprensa e, muitas vezes,
construídas igualmente por ela, revelam, entre outros aspectos, as visões masculinas quanto ao
caráter da festa e à atuação das mulheres no âmbito dos festejos, considerando que grande
parte dos textos, registros e charges sobre o assunto era realizada por homens. Desse modo, é
possível conjecturar que o carnaval e, consequentemente, a sua cobertura podiam ser vistos
como telas para a projeção de estereótipos diversos de gênero. Não obstante o caráter crítico e
humorístico próprio da charge, a exibida acima traz uma imagem desde muito tempo
arraigada no imaginário social: a sensualidade irresistível da mulata e a objetificação da
mulher. O conteúdo crítico da charge em questão manifesta-se sobretudo no quadro em que
um turista estrangeiro, facilmente identificado pela camisa estampada, câmera no pescoço e
chapéu, aparece carregando uma “bagagem”, em formato feminino, em meio a tantas outras
levadas por um funcionário. Essa “bagagem” simboliza a mulher brasileira, sobretudo a
mulata – representante típica do sexo feminino nacional –, perceptível em suas curvas e no
170

quadril mais largo, demonstrando assim a coisificação da mulher já que ela se torna um objeto
do desejo masculino.
A mulata contrapunha-se no imaginário e nas suas representações recorrentes à
figura da mãe de família dedicada e recatada, que não expunha abertamente a sua sexualidade.
O papel de mediadora entre culturas e raças atribuído à mulata se deu exclusivamente no
âmbito da sexualidade, sem vislumbrar qualquer relação com as concepções dominantes sobre
os papéis femininos, como afirma a historiadora e antropóloga Sonia Maria Giacomini:

Ao desempenhar este papel mediador, ela o faz acionando seu corpo, sua
sensualidade. Como mulher-corpo, mulher-sedução, a mulata se engaja em
um tipo de mediação/comunicação bastante distante do modelo de mulher
que viabiliza, como signo, através do casamento e das identidades de esposa
e mãe, a aliança entre duas famílias. A mulata não se apresenta como um
valor por referência ao grupo familiar – filha, irmã – que irá funcionar como
valor-signo na mediação entre famílias, mas, ao contrário, como mulher sem
família, exposta, disponível, cujo valor advém exclusivamente da
sexualidade.
Na comunicação estabelecida, com efeito, a mulata opera como signo, não
para instaurar o pacto entre famílias, mas entre países, povos, raças. Seu
valor é o de exprimir sinteticamente a brasilidade-nacionalidade-através de
uma sexualidade exacerbada, posto que não controlada pelos laços de
parentesco no interior da família. Assim, suscita/favorece/estimula a
comunicação/aliança com o Outro, o estrangeiro.
A autêntica mulata brasileira revela-se, então, a mulher sedutora por
excelência – sedutora porque sensual e disponível336.

Apesar da representação da mulata no carnaval ainda permanecer no período em


estudo correlacionada a uma sensualidade e a uma sexualidade mais livres em comparação
com as demais mulheres, é importante assinalar que essas características não eram vistas mais
como exclusivas da negra e da mulata. Como constatado pela historiadora Rachel Soihet,
ainda no que se refere à segunda metade da década de 1930, em sua análise da cobertura da
imprensa, das crônicas e memórias sobre o carnaval – expressões do imaginário da época, que
encontravam suporte no real –, a sensualidade feminina manifestada nos festejos “torna-se
visível nas mulheres de todas as cores e segmentos, que a exercem com garra invejável,
negando estereótipos de longa data”337.
Atitudes desviantes dos padrões desejados eram observáveis, por exemplo, na
presença de mulheres comprometidas das camadas médias que apareciam nos bailes à fantasia
desacompanhadas e demonstravam descontração ao brincar com parceiros casuais. Essas
336
GIACOMINI, Sonia Maria. Beleza Mulata e Beleza Negra. Revista Estudos Feministas, Florianópolis,
número especial, p. 217-227, 1994. p. 220-221.
337
SOIHET, op. cit., 2003, p. 195.
171

mesmas mulheres eram rotuladas pela opinião pública e pelos veículos da época como
“simuladoras, desonestas e infiéis” e o carnaval como um “catalisador na explosão de seus
vícios”338. A autora relaciona ainda a exibição dos corpos e a expressão da sensualidade pelas
mulheres, muitas das camadas médias, nos festejos carnavalescos do início do século XX à
posterior emancipação feminina. O carnaval serviu, em sua interpretação, como um “balão de
ensaio” para mudanças vindouras relacionadas à manifestação plena da sexualidade das
mulheres, abarcando também a esfera cotidiana. Além disso, a historiadora em questão
considerou as transgressões femininas evidenciadas nos festejos como contribuições
importantes para o “clamor feminista” dos anos 1970, já que as conquistas nesta seara não
podiam ser creditadas somente ao “restrito grupo de intelectuais dos segmentos médios”339.
Os movimentos feministas brasileiros dos anos 1970, no entanto, não enxergavam
nas transgressões das mulheres inseridas nos festejos carnavalescos qualquer relação com a
luta empreendida pelos movimentos no campo da liberdade corporal. Ao contrário, o
desnudamento do corpo feminino – mesmo que parcial – verificado nos carnavais nos anos
em estudo era visto pelos movimentos feministas não como forma de resistência, mas como
sujeição das mulheres aos desejos masculinos no que se refere à percepção do corpo da
mulher pelo viés do erotismo e da sensualidade.
É importante dizer que o feminismo brasileiro ligado às questões relativas ao corpo e
à sexualidade demorou mais de uma década, desde os anos 1960, quando o movimento
eclodiu nos Estados Unidos e na Europa, para chegar ao Brasil. Diversamente do clima
europeu e norte-americano, marcado pela revolução dos costumes e pelas mudanças culturais,
o contexto brasileiro era pouco propício para questionamentos dessa natureza, considerando a
existência de uma ditadura militar a partir de 1964, que impunha a censura e a repressão como
maneiras de combater ideias e práticas vistas como “desviantes” e “subversivas”.
Uma característica importante de diversos grupos feministas da década de 1970 foi a
luta empreendida contra o regime militar tendo em vista a participação de mulheres em
organizações de influência marxista, muito embora indagações relacionadas especificamente à
condição feminina não tivessem tanta importância naquele contexto no qual o fim da ditadura
e a possibilidade de instauração de outro regime constituíam objetivos cruciais até mesmo
para posteriores transformações em outros domínios. A situação política do país tornava
menos importante, na visão da esquerda brasileira, a discussão sobre assuntos não associados

338
SOIHET, op. cit., 2003, p. 194.
339
SOIHET, Rachel. Violência Simbólica. Saberes masculinos e representações femininas. Estudos feministas,
Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 7-29, 1997. p. 29.
172

à mudança de regime político. Desse modo, parecia haver, pelo menos nos anos iniciais da
década de 1970, certo incômodo por parte de muitos grupos feministas em reivindicar
questões associadas à sexualidade, como afirma a cientista política Céli Regina Jardim Pinto:
“Enquanto no resto do mundo ocidental as mulheres procuravam discutir sua posição na
sociedade, seu corpo e seu prazer, um punhado de mulheres brasileiras fazia a mesma coisa,
mas pedindo desculpas”340.
O chamado feminismo de Segunda Onda teve que contar com o apoio da Igreja
Católica no seu início, tendo inclusive que reproduzir alguns de seus discursos, já que era a
instituição em que as militantes feministas encontravam proteção do terrorismo de Estado
imposto com o regime militar e assim podiam, ao menos, propor ações e discutir
determinados assuntos. Angariar ajuda da Igreja teve como contrapartida a limitação do
movimento no que se refere a questões polêmicas, como o uso de contraceptivos. O
movimento feminista, por exemplo, endossou a tese dos prováveis problemas de saúde
causados pela utilização da pílula anticoncepcional como forma de desencorajar o uso do
medicamento entre as mulheres sem precisar entrar em uma discussão religiosa341.
Essa questão apareceu até mesmo no jornal feminista Brasil Mulher, criado em 1975.
Aliás, o ano da fundação desse jornal, 1975, é considerado o marco de um momento político
fundamental para o desenvolvimento dos movimentos feministas no Brasil em virtude da
decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) em defini-lo como Ano Internacional da
Mulher e o primeiro ano da década da mulher. Em um país marcado até então pelo
autoritarismo e pela repressão aos movimentos feministas, tal acontecimento assinalaria a
entrada “definitiva das mulheres e de suas questões na esfera pública”342. Não obstante este
importante passo rumo à maior atuação do feminismo, o movimento no período vivia um
impasse no tocante à tensão entre aquelas mulheres “que pensavam que o feminismo tinha de
estar associado à luta de classes e aquelas que associavam o feminismo a um movimento
libertário que dava ênfase ao corpo, à sexualidade e ao prazer”343.
Os posicionamentos do movimento feminista brasileiro começaram a mudar, de fato,
a partir do contato que muitas mulheres tiveram no exílio com o feminismo internacional e,
consequentemente, com a organização de grupos de discussão, como o Círculo de Mulheres

340
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2003. p. 51.
341
PEDRO, Joana Maria. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, jul. 2003, p. 254.
342
PINTO, op. cit., 2003, p. 56.
343
Ibid., p. 55.
173

de Paris, fundado em 1976. Este grupo apresentava reivindicações relacionadas aos direitos ao
aborto e à contracepção, ainda pouco discutidas no Brasil, e acabou por contribuir para a
formação de novos grupos e jornais feministas após o retorno de suas integrantes ao país, com
a anistia, em 1979.
São perceptíveis, portanto, na década de 1970, embates ideológicos atinentes ao
próprio caráter do movimento feminista brasileiro, voltado para as lutas consideradas
“gerais”, relacionadas ao combate à ditadura e às mudanças sociais, e também para as pautas
especificamente feministas344, o que torna inteligível a pouca receptividade em relação às
posturas assumidas pelas mulheres nos festejos carnavalescos. Mesmo os comportamentos
diversos dos padrões morais estabelecidos registrados no âmbito cotidiano não eram vistos de
forma positiva pelo feminismo. Quando Leila Diniz, por exemplo, se deixou fotografar
grávida e de biquíni, em 1971, tal atitude não foi lida pelo movimento feminista como uma
postura de liberação, mas de submissão feminina.
É possível questionar até que ponto essas mulheres que aproveitavam o ambiente dos
festejos para revelar atitudes diversas dos padrões desejados podiam ser tomadas como
representantes das aspirações e desejos para o sexo feminino – em conformidade com os
princípios feministas – e em que medida contribuíram para a própria emancipação feminina
no sentido proposto pela historiada Rachel Soihet. No que concerne especificamente à questão
da mulata, é perceptível a vinculação de sua imagem ao oposto do defendido pelo movimento
feminista, haja vista sua representação típica não a relacionar a uma sexualidade livre
associada unicamente à escolha da mulher, mas a uma sexualidade construída pelos homens
ao longo da história como permanentemente disponível. Não obstante as transgressões das
mulheres acontecerem no carnaval independentemente de “cor e raça”, a imagem
predominante da mulata no imaginário coletivo não é somente da mulher sensual, mas da
mulata irresistível e disponível, opondo-se, por exemplo, à imagem da mulher branca no
contexto dos folguedos, que quando apreendida como disponível era em razão da sua própria
liberação e vontade.
A representação da mulata, percebida como naturalmente liberada, não precisando
romper com o sistema moral vigente para manifestar a sua sensualidade, encontrou respaldo
na própria relação de dominação racial e sexual existente na história brasileira, como
demonstra Sonia Maria Giacomini em seus estudos sobre os espetáculos centrados nas
mulatas:

344
PEDRO, op. cit., 2012, p. 252.
174

A transformação de mulher negra em mulata irresistível – do ponto de vista


do homem branco – reconstrói a relação de dominação, racial e sexual,
enquanto resultado de atributos naturais da própria mulher negra/mulata.
Há como que uma superposição da relação de gênero e da relação de raça: a
raça branca é macho, a raça negra é fêmea. Chama a atenção, neste enredo, a
ausência de duas personagens: a mulher branca e o homem negro. A
primeira, na verdade, está apenas aparentemente ausente, posto que sua
presença é suposta num outro: o das relações familiares.
Quando ao segundo – o homem negro –, de fato está eliminado. Enquanto
concorrente, enquanto um outro macho virtual, está ausente do enredo [...].
A sensualidade e o poder de sedução da mulata se completam em
disponibilidade justamente por ela estar só, sem parceiro, sem
companheiro345.

O corpo, enquanto produto de uma construção cultural, social e histórica, ganhou


diversas significações no decorrer do tempo. Nos anos 1970, em muitos países ocidentais, o
corpo passou a representar o próprio desejo de libertar-se, resultado das mudanças nos papéis
das mulheres e das lutas feministas. Considerando a dominação masculina presente no Brasil
e em outras partes do mundo, a socióloga brasileira Maria Isaura Pereira de Queiroz346
entende como tangível a visão recorrente a respeito da liberação das mulheres nos festejos
carnavalescos, sobretudo nos bailes fechados. No entanto, a autora, que procurou demonstrar
em toda sua obra o mito construído em torno do carnaval como festa da inversão da ordem e
da hierarquia, questiona se a liberação no carnaval seria mais feminina ou masculina, partindo
do pressuposto da comercialização do próprio corpo da mulher. Queiroz relaciona a nudez da
mulher quase exclusivamente à necessidade de algumas delas de ganhar destaque e ascensão
social e à transformação do corpo feminino em mercadoria exibida347. A autora desconsidera,
assim, o papel desempenhado pela nudez na quebra de tabus e regras morais existentes em
diferentes épocas.
Embora o desvelar do corpo feminino seja verificado com maior intensidade a partir
da segunda metade da década de 1970, não pode ser circunscrito a esse período, já que não é
possível ignorar a presença de mulheres “desnudas” nos carros alegóricos dos desfiles das
Sociedades Carnavalescas ainda no século XIX. No entanto, as mulheres que se apresentavam
dessa forma não eram aquelas pertencentes às camadas médias ou as ditas “moças de família”,
mas as classificadas como “mundanas”, ou seja, as prostitutas e artistas de teatro348. Era
comum que essas mulheres usassem malhas cor de carne para simular a nudez completa ou
expusessem os seios com fantasias inspiradas em deuses da antiguidade greco-romana. Com o
345
GIACOMINI, op. cit., p. 223.
346
QUEIROZ, op. cit.
347
Ibid., p. 136-140.
348
SIMSON, op. cit., 1992, p. 13-14.
175

decorrer do tempo, outras modalidades de brincar o carnaval surgiram, como os desfiles dos
corsos (carros enfeitados), dos ranchos, dos blocos e cordões (tendo estes últimos originado as
escolas de samba), bem como os bailes fechados populares e os de raízes aristocráticas. De
qualquer forma, o carnaval, gradualmente, permitiu às mulheres de diferentes segmentos
sociais vivenciarem novas experiências, relacionadas à manifestação de uma sensualidade e
de um erotismo pouco aceitos na esfera cotidiana.
É evidente, contudo, que a nudez tal qual manifestada no século XIX pelas atrizes e
prostitutas demorou a se expressar entre as demais mulheres no âmbito dos festejos
carnavalescos. Um desnudamento parecido manifestou-se a partir da década de 1970, como
resultado das próprias modificações em curso, embora não seja possível atribuir os mesmos
significados para o desnudamento feminino ao longo da história. Com a crescente
comercialização dos festejos carnavalescos – consequência da entrada de dinheiro de
banqueiros do jogo do bicho que assumiram as escolas de samba como presidentes ou
patronos, na segunda metade da década de 1960, da venda de ingressos para os desfiles, ainda
em 1962, da gravação, a partir de 1968, de discos anuais com os principais sambas-enredos
das escolas e da transmissão dos cortejos por algumas estações de televisão –, os desfiles das
agremiações carnavalescas, de maneira especial, passaram a interessar como fonte de renda e
assim investiu-se em formas de atrair cada vez mais turistas.
Nesse contexto, o corpo da mulata inseriu-se no processo de comercialização do
carnaval das escolas de samba, uma vez que muitas dançarinas passaram a participar dos
shows turísticos de samba, como representantes do carnaval brasileiro e da sensualidade da
própria festa. Com base nisso, surgiu no universo da indústria brasileira de espetáculo a
expressão “mulata-show”, para designar a apresentação dessas mulheres pelo viés da
exposição do corpo como objeto do desejo sexual. O grande nome na produção desse tipo de
espetáculo foi o do empresário, apresentador de televisão e radialista Oswaldo Sargentelli,
que, a partir de 1969, produziu shows nas casas noturnas Sambão, Sucata e Oba-Oba,
contribuindo para a fixação do espetáculo destinado a turistas349.
Na cobertura dos festejos carnavalescos ainda do ano de 1969, a revista Manchete
publicou outra charge do cartunista Claudius com a temática “turistas no carnaval”.
Aproveitando as mudanças em curso no que se refere à comercialização do carnaval e às
atenções voltadas à mulata e à suposta manifestação de sua sensualidade, Claudius satiriza,
em um dos quadros da charge em questão, a construção da figura da “mulata-show”, ao

349
LOPES; SIMAS, op. cit., p. 190-191.
176

atribuir o adjetivo “mulata power” para uma mulata na praia, ou seja, em um ambiente
exterior ao do carnaval. Tal “trocadilho” talvez quisesse indicar que se a mulata dos
espetáculos turísticos de samba era qualificada como “show”, o que dizer da sua presença na
praia? De qualquer forma, a charge representa o imaginário construído em torno da mulata
como “mulher-sedução”.

Figura 9 – Charge “Turistas no Carnaval”350

Assim, o desvelar do corpo feminino nos festejos carnavalescos não pode ser
apreendido da mesma forma ao longo da trajetória do folguedo, haja vista as várias
significações atribuídas ao próprio corpo da mulher – corpo este, aliás, objeto de repressões
diversas, relacionadas ao poder, ao saber e à sexualidade, como apontado pelo filósofo Michel
Foucault351. Resistências e transgressões, no entanto, manifestaram-se historicamente, muito
embora regras procurassem de diversas formas normatizar gestos, corpos e subjetividades.

350
CLAUDIUS. Turistas no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 878, p. 166, 15 fev. 1969.
351
FOUCAULT, op. cit., 1982; FOUCAULT, op. cit., 1984.
177

3.2 – Liberação ou objetificação do corpo feminino no carnaval?

Dando continuidade à discussão encetada e tratando, a partir de agora,


especificamente dos anos 1970, torna-se imprescindível, em um primeiro momento, verificar
o alcance da revolução sexual para, posteriormente, relacionar as mudanças nesse campo ao
modo como as mulheres passaram a brincar o carnaval e ao tratamento dado pelas revistas
selecionadas à presença das mulheres nos festejos momescos, que acompanhavam, muitas
vezes, as representações correntes, relacionadas às transformações sexuais. A historiadora
Roselane Neckel352, ao estudar a sexualidade das mulheres nas revistas femininas e
masculinas, de 1969 a 1979, inferiu que periódicos como EleEla: a revista para ler a dois;
Playboy: a revista do homem e Claudia, embora discutissem a liberdade sexual, defendiam e
incentivavam práticas vinculadas ao tema somente em relação às mulheres casadas. As
solteiras recebiam algum tipo de incentivo nesse sentido apenas em Nova: a revista da mulher
moderna.
Essas revistas, de modo geral, assumiam um papel importante na orientação sexual
das mulheres, considerando que a própria sexualidade passou a ser vista como algo essencial
na vida dos sujeitos, sobretudo na manutenção do casamento. Se antes a sexualidade para a
mulher restringia-se à procriação, a partir dos anos 1970 passou a estar associada de forma
mais concreta ao prazer. O ajustamento sexual deveria ser buscado em uma relação
matrimonial e o comportamento nessa seara definia-se como o mesmo para homens e
mulheres, quando, na realidade, o desejo sexual vinculado ao masculino se impunha como um
padrão.
Publicações como as destacadas anteriormente acabavam por definir o que era
moderno e ultrapassado em termos de práticas sexuais e inspiravam-se nos modos de vida das
mulheres de São Paulo e sobretudo do Rio de Janeiro para irradiar comportamentos para o
restante do país. No entanto, a censura instituída no Brasil como resultado da ditadura militar
não incidia somente sobre as publicações políticas, mas também sobre aquelas de
comportamento, visando regular qualquer tipo de matéria que pudesse “desestruturar a
família” e colocar em xeque antigos padrões, vistos como mais adequados. Neckel percebeu
em suas análises, no entanto, uma tolerância da censura em relação ao erotismo manifesto, por
exemplo, nas imagens do corpo feminino registradas pelas revistas, que optaram por encobrir
352
NECKEL, Roselane. Pública Vida Íntima: a sexualidade nas revistas femininas e masculinas (1969-1979).
Tese (Doutorado em História) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.
178

seios e genitália na tentativa de fugir das restrições mais severas impostas pela censura, que
distinguia erotismo de pornografia. É possível apreender, portanto, a existência de certa
permissividade – ainda que controlada – no campo moral nos anos abarcados pela ditadura.
Não obstante a liberdade sexual propalada no período, as mulheres apareciam nas
revistas estudadas por Neckel como objetos do desejo sexual e não como sujeitos,
demonstrando os limites de tal liberação no que se referia às representações da imprensa.
Além disso, apesar das mudanças em andamento, a intimidade e o amor eram vistos ainda
como sentimentos pertencentes ao universo feminino, tendo a imprensa exercido um papel
importante na constituição das subjetividades sexuais e emocionais no período em análise.
A historiadora Gisele Bischoff Gellacic, ao investigar a sexualidade e os novos
significados que o corpo feminino adquiriu entre 1961 e 1985, por meio das revistas Nova e
Claudia, destacou o papel que a publicidade desempenhou na exposição de imagens de casais
em situações de intimidade e na insinuação da nudez. O corpo feminino passou a significar a
própria liberação sexual em curso e as roupas usadas na época representavam igualmente as
transformações nesse âmbito. O sexo tornou-se um assunto de interesse da coletividade e
chamariz para atrair os leitores e a publicidade explorou esse filão para vender suas
mercadorias, associando, por exemplo, determinadas vestimentas aos ideais de liberação
corporal e sexual. Gellacic demonstra como o fio de lycra – fibra elástica sintética
desenvolvida em fins dos anos 1950 nos Estados Unidos –, usado no Brasil como principal
matéria-prima na confecção de roupas íntimas, foi relacionado a tal liberação, sobretudo por
sugerir liberdade nos movimentos e nas atitudes, como denota o texto da propagada a seguir,
analisado pela autora em questão:

Lycra anuncia o fim da opressão. “Lycra” em linguagem revolucionária quer


dizer “basta”. Basta de limitação dos movimentos, basta de carregar sobre o
corpo todo o peso de séculos de opressão. “Lycra” é a base de um
empolgante movimento mundial de libertação, que traz de volta à circulação
a mulher ao natural. A mulher como ela é, sem artifícios e sem inibições.
Para garantir isso, “Lycra” vem com tudo o que é necessário. Usando
“Lycra” você fica livre e soltinha como se não estivesse usando nada. Mas
lembre-se: usando um soutien, uma cinta ou uma calcinha de “Lycra” você
não estará apenas usando um soutien, uma cinta ou uma calcinha. Você
estará envergando uma verdadeira bandeira contra a opressão353.

Gellacic apreendeu nesse tipo de propaganda, ao menos no início da década de 1970,


um descompasso entre o texto e as imagens veiculadas, uma vez que os dizeres sinalizavam

353
GELLACIC, op. cit., p. 98.
179

para a liberação, enquanto as imagens demonstravam mulheres em poses mais contidas, nas
quais modelos apareciam com os braços cruzados, cabeça baixa, deixando pouco do corpo à
mostra que deveria, pela proposta apresentada, sugerir movimento e liberdade com a
utilização de tal produto. Ao longo da década, no entanto, as mulheres ganharam na
publicidade uma conotação mais sensual, principalmente nas propagandas de lingerie, que
não mais apresentavam divergência entre a parte escrita e visual, convergindo ambas para a
apreensão das mulheres pelo viés da sensualidade. A liberação sexual e corporal significou
para a imprensa estudada pela autora a possibilidade de as mulheres tornarem-se ativas no
campo da sedução, assumindo uma postura mais decidida e envolvente na conquista amorosa
e também nas relações sexuais. No entanto, a liberação, tal qual propalada pelas revistas, não
expressava de fato uma postura livre por parte das mulheres, como nos esclarece Gellacic:

Liberar o corpo, segundo a imprensa feminina, e, sobretudo a Claudia e a


Nova, nunca significou ter a total liberdade de fazer o que quisesse
sexualmente e sensualmente, ou ainda, não significava ter qualquer tipo de
corpo. Pelo contrário, as revistas demonstravam, através de sua conversa
amiga, as fórmulas, as posições, os gestos e as maneiras de ser liberada. E,
através desse paradoxo, a sedução e a postura ativa frente à conquista
amorosa e ao ato sexual se impunham como obrigação. Mais do que isso,
para ter o direito a uma vida de prazeres amorosos e sexuais, a leitora tinha o
dever de ter um corpo liso, sadio, jovem, magro, esportivo e sensual. Assim,
as mulheres eram instigadas a trabalhar e tratar o corpo para ter uma
determinada aparência, para então, poder desfrutar das novas liberdades
corporais e sexuais354.

O corpo passou assim a se constituir como objeto da publicidade, tanto para vender
uma nova técnica embelezadora quanto para veicular outros produtos, intensificando o
processo de espetacularização do corpo feminino por intermédio da nudez, ainda que parcial
no período aqui analisado. A historiadora Roseane Neckel verificou mudanças mais
significativas nesse âmbito a partir de 1977, ao menos na publicação EleEla, com a exposição
de imagens de mulheres em “poses mais insinuantes em camas e sofás”, sem deixar, no
entanto, “ver os seios e muito menos a genitália”355. Apesar das revistas abordadas por Neckel
e Gellacic expressarem, em maior ou menor proporção, as mudanças referentes à sexualidade
e procurarem discutir o tema com as suas leitoras, a publicidade veiculada em suas páginas
mostrava-se mais ousada ao abordar o assunto, associando suas mercadorias a aspectos
sexuais, demonstrando assim certa permissividade por parte do regime militar, que acabava

354
GELLACIC, op. cit., p. 126.
355
NECKEL, op. cit., p. 120.
180

por dar maior liberdade à publicidade por enxergar ali um estímulo à economia.
Marcas de lingerie, como Valisère, Du Loren, De Millus, Hope e Darling, exibiam
imagens e dizeres em suas propagandas que exploravam a sensualidade, além de ajudarem a
construir o ideal de um corpo liberado. Em fins dos anos 1970 e início dos 1980,
acompanhando de certa forma a discussão sobre o prazer e a busca do orgasmo, muitas
marcas de roupas íntimas associaram seus produtos à produção de prazer. À medida que o
sexo se tornava cada vez mais um produto editorial, “closes” de partes do corpo, como seios e
nádegas, começaram a aparecer na imprensa e em suas imagens publicizadas, culminando por
fim na exposição total do corpo nos anos 1980356.
É possível questionar, a partir dos discursos da imprensa, o que significava ser uma
mulher liberada nos anos 1970: falar e praticar sexo? Demonstrar uma postura mais
descontraída ou sensual em relação ao corpo? Assumir uma conduta ativa diante da
sexualidade? De acordo com Gisele Gellacic todos esses elementos se tornaram símbolos da
liberação feminina no período. Considerando o significado atribuído ao carnaval enquanto
festejo que pela sua própria essência proporcionaria um ambiente mais livre, qual seria o
impacto das mudanças no campo da moral e da sexualidade na forma das mulheres brincarem
os festejos momescos e serem consequentemente representadas pela imprensa? Como a
liberação, tal qual definida no período, relacionava-se ao carnaval? E se a publicidade do
período se mostrava mais ousada ao explorar o tema sexualidade, a cobertura do carnaval
diferenciava-se em algum aspecto disso?
Em relação aos anos 1960, os carnavais do período seguinte se destacaram pela
introdução da tanga como roupa ou base para a elaboração de fantasias usadas nos festejos
carnavalescos. As tangas já estavam presentes nas praias cariocas e foram transpostas para o
espaço da folia, como se trouxessem a necessária atualização em termos de vestimentas e de
significados, uma vez que foram associadas ao estilo cada vez mais livre das mulheres, ao
menos aquelas das camadas privilegiadas. A figura seguinte apresenta uma foliona no baile do
Municipal, de 1971, trajando uma tanga e, aparentemente, adesivos de flores sobre o corpo,
usando-os para esconder os seios, haja vista ser proibida na época a sua exibição. Destaca-se
nessa imagem o cigarro na mão da foliona, ícone da transgressão feminina há tempos, e o
símbolo do gênero feminino na região genital da mulher em destaque. É muito provável que a
presença das flores na composição da “fantasia” da foliona em questão estivesse relacionada
ao “Flower Power” (Força das Flores), vinculado ao movimento hippie, enquanto símbolo da

356
NECKEL, op. cit., p. 122.
181

não-violência e da recusa à guerra do Vietnã pelos jovens na década de 1960. O símbolo do


feminino poderia indicar a defesa do amor livre tão cara ao movimento hippie ou o direito da
mulher ao prazer, tema discutido no período pelas feministas. O Flower Power ainda tinha
força no início da década de 1970, inspirando possivelmente a forma com que a foliona se
apresentou no baile do Municipal. As mulheres na década de 1970 se serviram de diferentes
estratégias para burlar as interdições da polícia, sendo a utilização de adesivos como da
mulher da imagem abaixo apenas uma delas.

Figura 10 – Foliona “hippie” no Baile do Municipal, em 1971357

A revista Manchete, em janeiro de 1973, apresentou a tanga com a alcunha “a


véspera do nada”358, demonstrando que o desnudamento do vestuário feminino se processava
em ritmo acelerado, o que acabaria por resultar, em algum momento, na completa nudez.
Naquele ano a tanga destacou-se como vestimenta escolhida pelas mulheres para brincar em
alguns bailes de carnaval, como por exemplo, no luxuoso e requintado Hotel Copacabana
Palace, local que à primeira vista não se mostraria adequado para a utilização de uma roupa de
357
MUNICIPAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 985, p. 111, 06 mar. 1971.
358
CÂMARA, José Rodolpho. Tanga: a véspera do nada. Manchete, n. 1.081, Rio de Janeiro, p. 68-73, 06 jan.
1973.
182

banho como traje carnavalesco, no entanto, havia muito tempo que os dizeres do tradicional
convite para o baile, no qual se exigia “traje a rigor ou fantasia de luxo”, não era respeitado
por seus frequentadores. A cobertura do carnaval do Copacabana Palace, de 1973, realizada
pela revista Manchete enfatizou o extravasamento visível naquele espaço repleto de artistas
internacionais, como Rock Hudson (ator norte-americano), David Niven (ator britânico),
Roman Polansky (ator, diretor, produtor, roteirista e ator de origem polaca nascido na França),
Jack Nicholson (ator, roteirista e produtor norte-americano), Henri Mancini (compositor,
pianista e arranjador norte-americano) e Raymond Saint-Jacques (ator norte-americano), e os
comportamentos apresentados pelos seus foliões pertencentes às camadas médias e à elite:

As mulheres não precisaram apelar para golpes baixos a fim de chamar


atenção. Este ano, elas tiveram a favor de sua beleza a moda da tanga, um
jeito muito carioca de mostrar quase tudo sem escandalizar a ninguém.

Mais de 2.500 foliões pagaram ingresso para brincar com pouca roupa e
nenhuma inibição. Este foi o melhor Baile do Copa nos últimos quatro anos.

O traje a rigor ou a fantasia de luxo eram obrigatórios, segundo os convites,


mas o calor e o próprio espírito da festa encarregaram-se de dar aos foliões a
característica básica do Rio: pouca roupa e muita alegria.

A polícia temia que as mulheres aproveitassem o calor da festa para dar uma
de topless. Algumas tentaram livrar-se de mínima roupa que levavam, mas o
Delegado José Gomes Sobrinho, sem escândalos, conseguiu convencê-las a
aceitar resignadamente as disposições da Censura.

Embora proibido, o biquíni serviu de base para fantasias sumárias [...]359.

Os excertos selecionados demonstram o enfoque dado pela revista Manchete ao


suposto exibicionismo das mulheres presentes no hotel, embora ressaltasse que elas “não
precisaram apelar para golpes baixos a fim de chamar atenção”. O desnudamento parcial
permitido pelo uso de biquínis e tangas daria à festa a ousadia necessária, sem precisar
“escandalizar ninguém”, de acordo com a interpretação da revista. Assim como no período
anterior, o biquíni, ora proibido, ora liberado, foi usado nos bailes carnavalescos. A proibição,
apesar de existente naquele ano, continuou a não ser cumprida pelas folionas, evidenciando a
pouca efetividade de tal normativa e a persistência das autoridades em mantê-la. A prática do
topless, proibida nas praias, também foi condenada no âmbito dos folguedos, mas nos anos
1970 a exibição dos seios em espaços fechados já se mostrava possível, considerando a
disposição de algumas folionas em fazê-lo.
359
O JET-SET no Copa. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.091, p. 54-62, 17 mar. 1973.
183

A revista Manchete noticiou a tentativa de algumas mulheres em realizarem o topless


no baile do Copacabana, em 1973, sendo impedidas pela presença do delegado José Gomes
Sobrinho. No entanto, o jornal O Globo informou, em sua edição de 7 de março de 1973, que
no “baile do Copa teve até gente de topless”360. De qualquer forma, tendo ou não ocorrido o
topless, como a imprensa selecionada apreendeu o desnudamento parcial do corpo feminino?
É perceptível nas legendas das imagens e nos textos que constituíam as matérias sobre o
carnaval das revistas selecionadas a apreensão das mulheres pelo viés da liberdade e da
sedução, ressaltando muitas vezes a vontade do elemento feminino de brincar e aproveitar os
folguedos e, em outros momentos, interpretando as vestimentas e os comportamentos
manifestados por elas como indicativos do desejo de chamar a atenção dos homens presentes
nos festejos e da própria imprensa, uma vez que poderiam aparecer nas páginas das referidas
publicações.
Com o topless proibido, muitas mulheres abusaram de transparências, peças menores
e adereços para cobrir somente os mamilos. Sobre o baile “Uma Noite em Bagdá”, realizado
no clube Monte Líbano – último folguedo do calendário oficial da cidade –, no qual muitas
mulheres se apresentaram com roupas descontraídas, o jornalista José Rodolpho Câmara, da
revista Manchete, considerou:

No Baile do Monte Líbano as mulheres deram mais um passo à frente e


deixaram pouca coisa para a imaginação dos homens presentes.

A presença das grandes personalidades não chamou a atenção, pois havia


muita coisa de mais importante para se observar. As mulheres deixaram cair
– e muitas cometeram excessos que foram logo coibidos.
Dez mil pessoas, na base de cinco mulheres para cada homem, deram ao
carnaval de 1973 o seu grito final e mais entusiástico. E as fotos que
publicamos demonstram que a tradicional folia de Bagdá é realmente uma
noite de mil e uma alegrias.

Depois do baile, todos se perguntavam onde é que tanta mulher bonita se


esconde para só aparecer no carnaval.

A tanga predominou como fantasia e a pele das mulheres ficou sendo a


melhor decoração da festa361.

Nos trechos reproduzidos o jornalista em questão ressaltou algo muito comum nas
coberturas momescas: o entendimento de que um baile de carnaval para alcançar sucesso

360
ROXO, preto e branco, o baile do Copa teve até gente de top-less. O Globo, Rio de Janeiro, 07 mar. 1973, p.
11.
361
CÂMARA, José Rodolpho. A última tanga em Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.092, p. 06-09, 24 mar.
1973.
184

deveria ter um grande número de mulheres, superior ao de homens. As imagens selecionadas


pelas revistas procuravam associar o êxito de um baile à quantidade de mulheres e à pouca
roupa usada por elas. Se por um lado a cobertura do baile do Monte Líbano indicava uma
postura ativa das mulheres em burlar as normativas, por outro o foco não era demonstrar a
liberação em si, mas a suposta tentativa das mulheres de se destacarem diante das demais,
uma vez que o desnudamento parcial do corpo feminino era considerado naquele espaço um
espetáculo aos olhares dos homens. Os dizeres “as mulheres deram mais um passo à frente e
deixaram pouca coisa para a imaginação dos homens presentes” e “A tanga predominou como
fantasia e a pele das mulheres ficou sendo a melhor decoração da festa” são evidências disso,
além de indicarem o erotismo presente e explorado no carnaval. As imagens selecionadas
sobre a folia e as legendas e textos que as acompanhavam procuravam direcionar a
interpretação dos leitores quanto às ocorrências da festa, recaindo, muitas vezes, em discursos
machistas e de objetificação da mulher, como os citados acima. As legendas e textos
excediam a descrição do que seria tão somente apreendido pela visualização da fotografia
selecionada, para emissão de comentários diversos, que procuravam tornar o assunto mais
atraente e picante considerando a concorrência entre as revistas na cobertura do carnaval,
assunto que durante décadas já era retratado pela imprensa.
As revistas em questão, apesar de pautadas no fotojornalismo, apresentavam
diferenças quanto ao espaço ocupado pela parte textual nas matérias sobre os carnavais. A
revista O Cruzeiro, por exemplo, trazia textos maiores em comparação à Manchete, com
detalhes dos folguedos. Contudo, é visível, de modo geral, o interesse da imprensa em
explorar as imagens de mulheres com suas poucas roupas nos festejos carnavalescos,
considerando que a exposição do corpo feminino passou a estar presente na publicidade e em
outros veículos, como já salientado. Por mais que posturas erotizadas fossem comuns nos
espaços dos festejos, a imprensa privilegiava esse tipo de imagem para sustentar um ponto de
vista sobre o carnaval e, assim, apresentava imagens posadas como espontâneas para reforçar
a imagem que se queria passar com a festa. O caráter mercadológico dessas imagens e as
representações construídas quanto ao tema não impedem, no entanto, a percepção sobre o que
de fato acontecia nos bailes, ainda que possivelmente existissem outros comportamentos que
não interessavam a imprensa registrar.
É importante considerar que o sexo e os assuntos correlatos a ele constituíram-se nos
anos 1970 em produtos veiculados nas revistas em geral. De acordo com a jornalista Dulcília
Buitoni:
Sexo foi o principal produto editorial vendido nesta década. A grande
repressão política dos primeiros anos canalizou as insatisfações para
185

desrecalque em outras áreas. As revistas masculinas eram censuradas (com


retoques em fotos de nus, etc.), mas havia uma permissividade controlada e
que interessava ao sistema – desviava as atenções. Nas revistas à insatisfação
sexual da mulher casada, foi passando a matérias sobre virgindade,
masturbação, orgasmo, etc. e no final da década, várias revistas femininas já
conseguiam publicar, com todas as letras, os nomes dos órgãos sexuais
femininos, coisa inimaginável nas contidas revistas da década de 60362.

Em se tratando das revistas O Cruzeiro e Manchete não era ainda propriamente o


sexo que aparecia em suas coberturas carnavalescas, mas a erotização do corpo feminino
atrelado às poucas roupas usadas, à exposição da pele, aos movimentos realizados ao brincar
o carnaval e às poses feitas para as lentes dos fotógrafos, além das legendas e dos textos que
acompanhavam as imagens que induziam seus leitores a tal interpretação da presença das
mulheres no espaço dos festejos. A presença de tangas e biquínis não era observada somente
nos bailes fechados, mas também em outras modalidades carnavalescas como os blocos nos
quais as mulheres se apresentavam com esse tipo de roupa nos carros que abriam os desfiles e
puxavam os foliões. A imagem a seguir se refere ao tradicional Bloco Bafo da Onça no desfile
de 1974:

Figura 11 – Folionas desfilam de tanga no bloco Bafo da Onça,


no carnaval de 1974363

362
BUITONI, op. cit., p. 105-106.
363
AS TANGAS saíram em bloco. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 48, 09 mar. 1974.
186

Os bailes no Hotel Copacabana Palace e no Municipal eram os que mais ocupavam


páginas das revistas pelo grande número de turistas e personalidades de renome nacional e
internacional. Em 1974, no entanto, o famoso Hotel deixou de realizar seus tradicionais
folguedos carnavalescos, sendo substituído no calendário oficial pelo Hotel Nacional.
Entretanto, a mudança se deu somente de lugar, já que este baile servia, como o do “Copa”,
para nata da sociedade carioca brincar com turistas estrangeiros e com quem pudesse pagar
pelo ingresso, além das mulheres com pouca roupa continuarem sendo destaques das
coberturas das revistas ilustradas, como é possível perceber nos dizeres a seguir de Manchete:

As mais belas mulheres do Rio transformaram as mesas do Hotel Nacional


em passarelas, do alto das quais exibiam seus corpos bronzeados.

Embora maltrate indistintamente todos os foliões, o calor é um dos


principais ingredientes do carnaval carioca. Os entendidos no assunto
atribuem à elevada temperatura das ruas e salões o fato de que o Rio possui o
carnaval mais animado do mundo. No baile do Hotel Nacional, apesar dos
salões serem refrigerados, o suor deu ao corpo das mulheres um brilho que
as tornou esculturais e mais próximas de todos os mortais364.

É perceptível por meio de textos e imagens das mulheres brincando o carnaval a


associação da beleza carioca à apresentação de corpos bronzeados. Se a presença significativa
de mulheres nos bailes era exaltada nas coberturas carnavalescas como indicativas do sucesso
dos mesmos, não era qualquer corpo que ganhava destaque nas revistas. Esse corpo não é
somente bronzeado, mas jovem e magro. As roupas usadas pelas folionas ao longo das
décadas estudadas restringiram-se basicamente à calça de cós baixo, ao biquíni e à tanga,
sendo as fantasias, quando apresentadas, elaboradas com base nessas vestimentas e abusando
muitas vezes de transparências e adesivos que escondiam o que ainda era proibido pela polícia
em fins da década de 1970. A liberação visível nos bailes, de acordo com a imprensa, estava
estritamente relacionada às vestimentas que permitiam a exposição do corpo: “A fantasia deu
lugar à tanga e o smoking à bermuda. Isso liberou o baile”365. Denise Bernuzzi de Sant’Anna
traça o perfil de corpo que passou a ser valorizado pela sociedade quando as peças
mencionadas surgiram e se tornaram comuns entre as mulheres:

[...] a moda das calças saint-tropez soltava a cintura e apertava os quadris,


valorizando barrigas magras e nádegas femininas que começavam a empinar.
A cintura solta não bastava ser fina, “de pilão”, conforme se dizia. O cós
baixo das calças, assim como o uso do biquíni, demandava que toda a
364
NACIONAL: uma festa internacional. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 61-63, 09 mar. 1974.
365
BAILE do Municipal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 11, p. 12, 13 mar. 1974.
187

barriga fosse magra, firme e bronzeada. Passou a ser feio ostentar alguma
saliência ou flacidez logo abaixo do umbigo. [...] Com a voga internacional
dos três S (sun, sex and sea), o corpo jovial, magro e bronzeado
transformou-se num grande símbolo de beleza, saúde e sensualidade. Em
1944, havia sido criado o primeiro creme de bronzear Coppertone. Mais
tarde, a beleza feminina foi pedir morada entre aquelas que conseguiam uma
aparência cujas marcas do biquíni fossem bem nítidas366.

A construção da imagem da mulher liberada foi alicerçada em grande medida nesse


modelo corporal no qual a mulher carioca – ao menos a da zona sul – passou a ser a sua
principal representante. O bronzeado valorizado na época e presente nas mulheres que
estampavam as matérias carnavalescas das revistas ilustradas tinha um significado nesse
imaginário que não era outro senão demonstrar a sensualidade das mulheres e seu estilo de
vida mais livre, ativo e saudável. A morenidade alcançada por meio do bronzeamento
relaciona-se ao modelo de cor construído para o corpo carioca no processo de valorização da
mestiçagem, a partir da década de 1930, que significou:

Na ênfase na diluição dos pólos, na valorização da ambiguidade de uma cor


intermediária, no deslizamento recorrente entre “moreno” e “mestiço”, o que
parece estar em ação é a mesma noção de um “Brasil mestiço” que alicerça
desde há muito o estilo de relações raciais entre nós. Dessa forma, haveria
uma relação mimética entre essa perspectiva sobre a mestiçagem e a
morenidade, em que esta última seria a representação corporal desta idéia367.

As revistas selecionadas traziam coberturas dos carnavais realizados em outros


lugares do Brasil, no entanto, sem a mesma quantidade de páginas e de imagens em relação ao
carnaval carioca. E mesmo quando o assunto não era o carnaval do Rio de Janeiro este
aparecia como parâmetro para avaliar os festejos de outros lugares, como é perceptível no
trecho transcrito a seguir, referente ao carnaval de São Paulo, no qual a escassez de biquínis –
peças tão usadas nos carnavais cariocas cobertos pelas revistas – é ressaltada:

Provando que samba não é privilégio de cariocas, e que o carnaval é mesmo


uma festa de integração nacional, o Clube Atlético Paulistano, da capital
paulista, abriu os seus aristocráticos salões para o Reinado de Momo. A
elegante sociedade paulista não conversou: deixou a fleuma de lado e caiu
no samba até o dia raiar. A escassez de biquínis foi compensada pela beleza
das havaianas, odaliscas, piratas e ciganas que, numa proporção de cinco
para cada homem, deixaram os marmanjos de água na boca [...]368.
366
SANT’ANNA, op. cit., 2014, p. 128.
367
FARIAS, Patrícia. Corpo e classificação de cor numa praia carioca. In: GOLDENBERG, Mirian. Nu &
Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 263-302, p. 299-
300.
368
SÃO Paulo: a folia não pode parar. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 92, 09 mar. 1974.
188

Mesmo no Rio de Janeiro, em que o carnaval era apresentado como mais ousado e
livre, o uso de biquínis e tangas encontrava restrições em alguns folguedos. É informado que
o Baile do Fluminense, que inaugurava oficialmente o carnaval carioca, não teve excessos na
edição de 1975, pois tangas e biquínis “não puderam dar o ar de suas graças, porque o clube é
um tanto austero”, além de o baile contar com a presença significativa de jovens que eram
“discretamente observados por seus pais”369. Na verdade, a tradicional portaria da polícia que
proibia o uso de “calções de banho, biquínis, maiôs e similares” nos bailes carnavalescos seria
cumprida com mais rigor nos festejos de 1975, ao menos era essa a promessa do Delegado
Edgar Façanha, titular da Divisão de Censura e Diversões Públicas, que afirmava que a
utilização de tais roupas de banho implicaria na retirada de seus portadores dos salões por
“ferir princípios de ordem moral que variam de local para local”370. Por outro lado, Edgar
Façanha permitia as fantasias de fundo erótico, as quais permitiam a exposição do corpo por
meio da utilização de biquínis estilizados, ou seja, roupas de banho com lantejoulas e
adereços que pudessem se constituir em fantasias. A exceção na portaria dizia respeito ao
Baile do Havaí, no Iate Clube, em que o biquíni era permitido por se tratar “de uma promoção
carnavalesca em torno de uma piscina”.
As revistas noticiaram as proibições daquele ano, tendo O Cruzeiro dedicado uma
matéria exclusiva ao assunto. A imagem que abria a matéria trazia uma mulher saindo do mar
com uma tarja na parte de baixo do seu biquíni, indicando censura, com os dizeres: “no
carnaval. A tanga de fora”. A palavra “fora” demonstra a não permissão do uso da tanga no
âmbito dos festejos momescos, ao contrário da sua exibição, o que seria até esperado em se
tratando de carnaval. O jogo de palavras demonstra a possível frustração do leitor e dos
foliões em não haver a exibição da tanga e, consequentemente, de uma maior exposição do
corpo feminino nos festejos naquele ano. Sobre o assunto, Édison Torres, autor da matéria,
afirma que:

No carnaval carioca deste ano, quem quiser ver garota de biquíni ou tanga
tem que se contentar com os banhos à fantasia, já raros [...] A não ser que
consiga um ingresso para o “Baile do Havaí” [...] A medida tomada pela
Polícia anualmente, através de portaria fixando condições para a realização
dos festejos carnavalescos, estabelecendo normas de coordenação,
fiscalização e execução dos serviços de policiamento durante esse período,
salvo em alguns casos, tem razão de ser. Porque, como ela própria
reconhece, há os biquínis, roupas de banho e os estilizados. Estes últimos
representam 80% das fantasias e basta esquentar a música nos salões para
que as odaliscas disfarçadas se transformem, sambando com as mais
sumárias tangas e tentadores biquínis à vista dos policiais, preocupados
369
FLUMINENSE: o baile começou com Rivelino. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 41, 22 fev. 1975.
370
TORRES, Édison. No carnaval, a tanga de fora. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 06, p. 08, 05 fev. 1975.
189

apenas em evitar as violentas brigas entre foliões, provocadas pelo consumo


excessivo de álcool, comuns durante o carnaval371.

Além da proibição da tanga e do biquíni, os festejos de 1975 foram marcados pelo


rigor da censura federal, uma vez que cabia a ela aprovar programações carnavalescas. A
respeito do assunto, Roberto Moura considerou que era difícil para a Censura em termos
operacionais “examinar toda a programação de cada festividade carnavalesca”, sendo
“possível que, em toda a história do Carnaval, as autoridades jamais tenham limitado tanto a
capacidade de improvisação do povo como ocorreu em 1975”372. A matéria destacada
anteriormente da revista O Cruzeiro também citou a censura federal:

Baseada em antigo decreto que dá a censura federal poderes para aprovar


programações de festas e censurar fantasias ou outros atos atentatórios à
moral nos desfiles carnavalescos, a Polícia Federal, devidamente estruturada,
também estará em condições de exercer policiamento rigoroso dos eventos
relacionados com o carnaval. As duas Polícias, Federal e Estadual,
trabalharão paralelamente e é de se prever que, segundo os esquemas que
estão sendo montados, medidas punitivas serão impostas a todos os que
infringirem as normas ditadas pelos órgãos competentes. A não ser no “Baile
do Havaí”, biquíni e tanga, só nas praias e em dias de sol373.

É importante salientar que embora a censura estivesse sobre a jurisdição do Governo


Federal, na figura da Polícia Federal, na prática os órgãos militares de segurança também
acabavam exercendo o direito de proibir. A revista Manchete também informou sobre as
proibições destinadas ao carnaval de 1975 em matéria que tratava dos festejos do Teatro
Municipal. Quanto ao assunto e à forma como as mulheres se apresentaram naquele baile,
Manchete considerou em tom mais ameno:

O delegado de Costumes e Diversões, Dr. Façanha, antes do baile já se


declarava satisfeito. As mulheres apresentavam-se dentro das normas
estipuladas, pois o biquíni foi tolerado, desde que disfarçado com algumas
lantejoulas. “Só não permitiremos atentados ao pudor” – declarou aquela
autoridade. Na área da segurança não houve problemas, pois a polícia
admitiu que a beleza das mulheres, como no poema famoso, era também
fundamental para a animação da festa. Duas meninas da boate La Licorne
apelaram para o topless, mas acabaram se enquadrando no regulamento374.

371
TORRES, op. cit., p. 08.
372
MOURA, op. cit., p. 44.
373
TORRES, op. cit., p. 08.
374
MUNICIPAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 108, 22 fev. 1975.
190

É perceptível nas matérias sobre o assunto e nas imagens selecionadas pelas revistas
selecionadas que o erotismo era algo permitido pela censura, ao contrário da pornografia.
Pautando-se nas definições do Dicionário Houaiss e nos estudos semânticos de Greimas,
Valmir Costa esclarece que o erotismo é algo situado entre a decência e a não-indecência,
uma vez que se encontra em “conformidade com os padrões morais e éticos da sociedade”,
enquanto a pornografia estaria entre a indecência e a não-decência. Depreende-se desses pares
significativos que “o erótico é aquilo que aparece, ou o que se deixam aparecer, e o
375
pornográfico é aquilo que não poderia aparecer e aparece por uma imoralidade” . Em
relação ao carnaval de 1975 o permitido em termos de erotismo era a exposição do corpo
feminino por meio do biquíni estilizado. No entanto, ao observar as imagens de algumas
mulheres nos festejos cobertos pelas revistas ilustradas foi possível notar que não havia muita
diferença entre o biquíni comum e o estilizado em grande parte dos registros apresentados. A
imagem abaixo demonstra uma foliona no baile do Municipal com um traje que supostamente
se encaixaria na versão estilizada.

Figura 12 – Foliona diverte-se com seu biquíni estilizado


no carnaval do Municipal, de 1975376

375
COSTA, Valmir. Com repressão, não há tesão: a censura ao sexo no jornalismo de revistas no Brasil do
século XIX ao Regime Militar (1964-79). Caligrama. (ECA/USP. Online), v. 2, p. 01-12, 2006. p. 11.
376
MUNICIPAL, op. cit., p. 108, 22 fev. 1975.
191

Algumas folionas, aproveitando-se da estilização permitida, ousaram no carnaval de


1975 ao comporem suas “fantasias”, muitas vezes difíceis de serem identificadas pela
presença de poucos elementos e adereços. É o caso da mulher da imagem seguinte, presente
no baile “Uma Noite em Bagdá”, realizado no Clube Monte Líbano, que aparentemente se
apresentou como dançarina de can-can, usando meia-calça, colã, alguns adereços e expondo
parte significativa dos seus seios, somente cobrindo os mamilos.

Figura 13 – Mulher expõe parcialmente seu corpo no baile "Uma Noite em Bagdá",
no Clube Monte Líbano, em 1975377

O frisson que causava especialmente o uso da tanga no carnaval poderia ser


explicado não somente pela exposição de grande parte do corpo, mas pelo clima descontraído
da festa: “[...] ver a tanga cobrindo (ou descobrindo?) um belo conteúdo suarento e eletrizado
num baile de carnaval é contagiante, particularmente pela excitante euforia que o ambiente
provoca”378. Sobre o folguedo do Municipal de 1975, o último a ser realizado, já que no ano
seguinte o famoso teatro fecharia suas portas para a folia carnavalesca, sendo substituído no
calendário oficial pelo baile na cervejaria Canecão, Roberto Moura faz um trocadilho com o

377
CÂMARA, José Rodolpho. Uma noite em Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.193, p. 09, 01 mar. 1975.
378
VERENA, Carmem. Tanga é uma boa. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 10, p. 07, 05 mar. 1975.
192

sobrenome do delegado da Divisão de Censura e Diversões Públicas, Edgar Façanha, para


indicar que as mulheres burlavam as normativas da polícia: “O máximo que ele [Edgar
Façanha] prometeu foi ‘compreensão para as fantasias de fundo erótico’. Foi o que bastou. No
Teatro Municipal, as mulheres só se preocupavam com o momento de entrar no teatro – lá
dentro, tudo bem. A façanha era outra”379. O fato de Manchete noticiar a tentativa de duas
mulheres de realizar o topless é indicativo das transgressões que ocorriam em meio a
proibições da polícia. No entanto, a possibilidade de as mulheres usarem biquínis estilizados
no âmbito dos festejos, mesmo que estes não se distanciassem muito dos trajes usados nas
praias, demonstra a dificuldade da censura e da polícia em impedirem determinados
comportamentos, obrigando-as a abrirem brechas para mudanças nesse contexto.
A respeito do erotismo manifesto no carnaval é possível considerar que as imagens
de mulheres exibindo seus corpos por meio de biquínis e transparências não ficavam tão
distantes das fotografias apresentadas pelas revistas masculinas, como seria possível supor,
ainda mais se considerarmos que mesmo as revistas desse gênero, como Homem e Playboy,
lançadas em 1975, não podiam apresentar imagens mais sexuais, devido às proibições da
censura, fazendo com que editores, jornalistas e fotógrafos não ousassem “[...] apresentar nas
revistas fotos de mulheres em posições que mostrassem sua genitália, o que só nos anos 1980
começa a aparecer nas revistas de grande circulação”380. Não obstante a proibição do nu
frontal nas revistas masculinas, outros ângulos foram igualmente vetados no início de 1977
pelo então diretor da Divisão de Censura de Diversões Públicas, Rogério Nunes, que enviou
uma circular às redações das revistas informando que:

Como é atribuição deste órgão verificar previamente livros e periódicos, para


fim previsto no Decreto-lei n° 1.077 (censura prévia), fica estabelecido que
nas revistas masculinas destinadas ao público em geral não serão permitidas
fotografias que fixem: a) Atos sexuais; b) Nádegas completamente nuas; c)
Região púbica descoberta e desprovida de sunga, tanga, biquíni ou qualquer
peça do vestuário; d) Modelos em poses lascivas; e) Relacionamentos
homossexuais; f) Indumentárias transparentes permitindo visualizar partes
íntimas do corpo381.

A medida em questão também gerou polêmica entre as revistas devido ao


impedimento da exposição total dos seios, ficando por isso conhecida como a “cota de um
seio só”. É possível dimensionar o erotismo que as revistas selecionadas procuravam dar às
imagens no carnaval, considerando a exploração do tema pela imprensa e pela publicidade do
379
MOURA, op. cit., p. 44.
380
NECKEL, op. cit., p. 110.
381
COSTA, op. cit., 2006, p. 07.
193

período.
A prática da censura moral tem na sociedade brasileira uma longa trajetória, sendo um
equívoco associá-la somente à ditadura militar. No entanto, a censura, em períodos
democráticos, procurou combater a licenciosidade e garantir a manutenção dos valores éticos
e dos princípios morais. Em regimes autoritários, por sua vez, agregou-se ao cuidado com a
moral e os bons costumes a “preocupação com a manutenção da ordem política”382. Com a
promulgação do AI-5, em 1968, e o consequente endurecimento do regime, passaram a fazer
parte do rol de vigilância não apenas as cenas de nudez e demais elementos que pudessem
ferir, de alguma forma, a “família brasileira”, mas também as músicas de protesto, os filmes
políticos, etc.383
Não obstante o caráter político da censura, faz-se necessário realizar alguns
apontamentos quanto às particularidades da censura de diversões públicas no que tange à
moralidade e suas eventuais relações com os festejos carnavalescos. Para analisar a censura de
diversões públicas no regime militar é necessário retroceder no tempo até o ano de 1946,
quando foi criado, com base no Decreto nº 20.493384, o Serviço de Censura de Diversões
Públicas385 (SCDP), vinculado ao Ministério da Justiça. Este decreto serviu, juntamente com
outros dois, de sustentáculo legal para as práticas censórias no pós-1964.
No que diz respeito especificamente ao carnaval, o inciso VIII, do artigo 4º, da
referida lei, afirma ser de competência do SCDP censurar previamente e autorizar “as
apresentações de préstimos, grupos, cordões, ranchos, etc. e estandartes carnavalescos”; o
inciso IX do mesmo artigo, por sua vez, determina que “as propagandas e anúncios de
qualquer natureza quando feitos em carros alegóricos ou de feição carnavalesca, ou, ainda,
quando realizados por propagandistas em trajes característicos ou fora do comum”386
precisariam do aval da censura. Essas sociedades que promoviam os desfiles deveriam
aguardar, portanto, a licença para a sua apresentação pública e as restrições que, porventura,
pudessem ser feitas.

382
SOUZA, Miliandre Garcia de. “Ou vocês mudam ou acabam”: aspectos políticos da censura teatral (1964-
1985). Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 235-259, jul./dez. 2010, p. 235.
383
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo; MOTTA, Rodrigo Pato Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). São
Paulo: Edusc, 2004, p. 265-275, p. 270.
384
Decreto- lei nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946. Composto de 136 artigos, subdivididos em 13 capítulos, o
Decreto nº 20.493 dispunha sobre o funcionamento interno do SCDP, a censura prévia, o cinema, o teatro e as
diversões públicas, a radiofonia, as empresas, os artistas, o trabalho de menores, o direito autoral, as infrações e
as penalidades.
385
Em junho de 1972, o Serviço de Censura e Diversões Públicas passou à Divisão de Censura de Diversões
Públicas (DCDP).
386
Decreto-lei nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946.
194

O carnaval – considerado um festejo libertador das convenções sociais e


reconhecidamente libidinoso – sempre esteve sob a mira da censura, o que é evidenciado pelo
próprio Decreto nº 20.493, que instituiu de maneira oficial a censura moderna de diversões
públicas387, abarcar em suas prescrições os festejos momescos, em um período marcado pela
redemocratização. A ação censória aplicada ao carnaval demonstra a sua importância no
conjunto dos divertimentos públicos e, sendo assim, não poderia escapar ao olhar moralizante
da censura. No entanto, a legislação de que se valeu o governo militar para praticar a censura
era a mesma de 1946, ou seja, o Decreto nº 20.493. De acordo com Beatriz Kushnir, foi esse
decreto que justificou a maioria dos pareceres dos censores388, “tanto para autorizar como
para vetar, até 1988”389.
Apesar de fornecer caráter legal para a ação censória mesmo muito tempo depois da
sua criação, o decreto de 1946 não pode ser lido separadamente e nem isolado das outras
medidas tomadas no período para aumentar o rigor da censura. Um exemplo disso é a criação
do Decreto-lei nº 1.077390, de 26 de janeiro de 1970, que instituía a censura prévia de
publicações contrárias à moral e aos bons costumes. Embora o decreto de 1946 já apontasse
para a censura prévia, o de 1970 vai ainda mais longe.
Adequando-se às novas demandas e aos novos tempos, os militares sentiram a
necessidade de estender o seu controle para a televisão e para revistas e livros que pudessem
atentar contra a moral e os bons costumes. É dentro desse contexto, portanto, que se pode
compreender a elaboração de um decreto ainda mais amplo, como o de nº 1.077, usado pelo
regime para condicionar a liberdade de expressão aos seus interesses. Além da necessidade do
governo de estender o seu controle à TV, não contemplada no decreto anterior, de 1946, e às

387
FICO, op. cit., 2004, p. 269.
388
Cabe colocar aqui, no entanto, algumas considerações quanto à promulgação do Decreto-lei nº 5.536, de
1968, voltado especificamente para as novas regras de censura aplicadas às obras cinematográficas e teatrais.
Além de abordar essas questões, este decreto representou uma tentativa de melhor organizar as atividades
censórias, estabelecendo, por exemplo, a exigência de curso superior para as pessoas interessadas em atuar como
censores, além da criação de um Conselho Superior de Censura (CSC). Embora tivesse um caráter liberal ao
sugerir a institucionalização de uma instância de recurso para as ações tomadas pelo Serviço de Censura de
Diversões Públicas, o CSC não teve os resultados aguardados, já que poucos dias depois foi decretado o AI-5,
que provocou o endurecimento do regime e das normas de censura. Assim, conforme assinalado anteriormente, o
decreto de 1946 continuou a ser usado para justificar as proibições. KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda:
jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro, Boitempo, 2004. p. 101-105.
389
Ibid., p. 101.
390
Para Kushnir, embora este decreto estivesse voltado para a questão da “moral e dos bons costumes”, não
deixou de ser usado para proibições de cunho político. Além do mais, para a autora, toda censura é um ato
político, independentemente de visar a questões morais ou políticas. Assim, em sua visão, o Decreto 1.077
legalizou a censura prévia da imprensa. Na interpretação de Carlos Fico, tal decreto não pode ser compreendido
por essa ótica. A principal diferença, em sua perspectiva, é que a censura de diversões públicas era legalizada
enquanto a censura da imprensa era “revolucionária”, ou seja, feita com base nos poderes atribuídos ao regime
pelo AI-5. Ibid., p. 115; FICO, op. cit., 2002, p. 254-257.
195

“publicações e exteriorizações” contrárias à moral e aos bons costumes, o que explica o


surgimento de tal decreto em 1970? Qual o impacto da censura nos festejos carnavalescos do
período? E sendo o carnaval um momento de inversão da ordem e de quebra de hierarquia,
será que a censura e as proibições ao desnudamento do corpo feminino, por exemplo,
conseguiram frear o caráter ludibrioso dessa festividade?
A fim de combater o comunismo, a corrupção e a dissolução dos costumes, o regime
militar procurava dar aspecto legal para a maioria de suas medidas, evitando assim que
transparecesse uma imagem autoritária. Os decretos-leis citados demonstram essa afirmativa.
Para Inimá Simões, a defesa da moralidade como justificativa para a prática da censura
funcionou mais como um pretexto para preservação do Estado e de seus poderes do que
propriamente uma preocupação com a evolução dos costumes391. A existência da censura,
contudo, segundo o governo e seu decreto de 1970, se dava pela necessidade de “proteger a
instituição da família, preservar-lhe os valores éticos e assegurar a formação sadia e digna da
mocidade”392. Difundia-se a ideia de que a mudança nos costumes, entendida como crise
moral, era incitada pelo movimento comunista internacional, interessado em desencaminhar
os jovens e disseminar maus hábitos.
A análise do decreto de 1970 expõe claramente esse posicionamento ao afirmar que o
emprego dos meios de comunicação, como a TV e as revistas, “obedece a um plano
subversivo, que põe em risco a segurança nacional”. Este decreto, ao contrário do de 1946,
não faz nenhuma menção direta aos festejos momescos, talvez pelo fato de o decreto nº
20.493 continuar em vigência no período e já contemplar a fiscalização das atividades de
feição carnavalesca. A censura às diversões públicas, como um todo, é referenciada em um
único artigo, o 7º, que estabelece a intolerância às diversões e espetáculos públicos contrários
à moral e aos bons costumes.
A defesa da moralidade não esteve limitada somente aos militares, tendo sido apoiada
por parcela significativa da sociedade. Ao analisar a censura de diversões públicas durante o
regime militar por meio de documentos administrativos e das cartas enviadas por pessoas
comuns à Divisão de Censura de Diversões Públicas, subordinada ao Departamento de Polícia
Federal do Ministério da Justiça, Carlos Fico393 demonstra como as pessoas absorveram e
reinterpretaram os ditames da ditadura sobre a pretensa relação entre crise moral e subversão.
As cartas analisadas pelo autor evidenciam a associação que era feita entre o comunismo e a
391
SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora SENAC,
1999, p. 14-15.
392
Decreto-lei nº 1.077 de 26 de janeiro de 1970.
393
FICO, op. cit., 2002, p. 251-286.
196

“corrupção dos costumes”. A tese dos militares de que vivíamos uma “guerra total, global e
permanente” passou a ser um forte argumento usado nas cartas para exigir uma postura mais
rígida da censura. Aliás, uma vontade de censura mais ampla do que a praticada pela própria
DCDP transparecia em grande parte das cartas, exigindo, por exemplo, restrições para
novelas, programas de auditório, shows musicais etc.
A questão moral prevalecia nas cartas, especialmente em assuntos relacionados à
sexualidade. A licenciosidade presente nos festejos carnavalescos, mesmo com as pressões
exercidas pela censura, não escapou aos olhares daqueles que escreviam à DCDP indignados
com as fotografias exibidas, por exemplo, pela revista Manchete, quando da realização do
carnaval. Esse periódico chocou ao exibir, em 1976, fotos erotizadas de foliões durante os
festejos daquele ano. Um abaixo-assinado foi encaminhado à DCDP, exigindo uma ação mais
rigorosa por parte da censura, e usou como argumentação uma comparação com os carnavais
passados, quando “a mocinha de fantasia simples” ou o “semblante másculo e descontraído do
jovem sincero” eram retratados394.
O estudo realizado por Fico a respeito das cartas encaminhadas para DCDP indicam
que a maior parte delas concentra-se entre os anos de 1976 e 1980, ou seja, durante os
governos de Ernesto Geisel e João Figueiredo. Assim, ao contrário do que se imaginava, não
foi durante o período reconhecido como o de maior repressão (governos da Junta Militar e de
Emílio Médici) que houve mais cartas exigindo censura. Para Fico, a explicação se encontra
na “abertura política” entendida também como uma abertura no campo das diversões públicas.
É possível conjecturar também que a indignação com a cobertura carnavalesca de Manchete
deveu-se ao descontentamento gerado pela própria mudança dos costumes, manifestada
inclusive na forma de brincar os festejos carnavalescos.
As transformações nos costumes, principalmente no campo da sexualidade, apesar de
não atingirem naquele momento a maior parcela da sociedade, causaram desconforto entre os
militares e os segmentos mais conservadores. O Decreto-lei nº 1.077 deve ser entendido,
portanto, também como uma reação da ditadura à mudança dos costumes, já que instituiu a
censura prévia aos livros, revistas, programas de televisão e rádio, e manteve o controle sobre
filmes, peças de teatro, diversões e espetáculos públicos. Os “considerandos” da lei em pauta
explicitam claramente as preocupações do regime com a difusão de publicações e
exteriorizações em conformidade com os novos valores morais e sexuais da época, como, por
exemplo, quando se refere àquelas que “estimulam a licença, insinuam o amor livre” ou

394
FICO, op. cit., 2002, p. 273.
197

“fazem publicações obcenas”. Como já demonstrado, as imagens dos festejos carnavalescos


publicadas pela revista Manchete, e possivelmente por muitos outros periódicos que cobriam
o carnaval no período, foram diversas vezes consideradas indecentes, validando assim, para
alguns, a existência de um decreto como o de nº 1.077.
A repressão instaurada pela ditadura militar no período atingiu as vestimentas
utilizadas pelos foliões nos desfiles das escolas de samba – a censura passou a examinar os
croquis das fantasias. No primeiro carnaval após o decreto do AI-5 (1968), a pressão exercida
pela censura se intensificou, tendo sido vetada a participação de travestis nos desfiles das
escolas de samba, com o risco de serem desclassificadas caso desobedecessem ao
regulamento aprovado pela censura395. No carnaval de 1969, a escola de samba Império
Serrano teve que apresentar explicações quanto ao tema escolhido: “Os heróis da liberdade”.
O samba fazia uma referência explícita ao Hino da Independência ao cantar “já raiou a
liberdade/a liberdade já raiou”, e em consequência disso foi acusado de macular um símbolo
nacional. O desconforto causado pela música tinha outras razões. Além de citar o hino da
independência, a música fazia outras menções, como as relacionadas aos protestos ocorridos
em 1968, especialmente a “Passeata dos 100 mil”:

Ao longe, soldados e cantores


Alunos e professores
Acompanhados de clarim
Cantavam assim:
Já raiou a liberdade
A liberdade já raiou
Essa brisa que a juventude afaga
Essa chama que o ódio não apaga
É a revolução
Em sua legítima razão

A canção de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira somente foi
liberada após a substituição da palavra revolução por evolução396. Esse exemplo demonstra a
censura com viés político que se abateu sobre essas agremiações carnavalescas. Apesar da
possibilidade de censura, a temática da liberdade foi outras vezes abordada pelas escolas de
samba397, o que segundo Kushnir demonstra a presença de contestações e de alusões à
liberdade mesmo em períodos de confronto, expressas, por exemplo, por meio do carnaval398.

395
MOURA, op. cit., p. 27.
396
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, p. 193.
397
Ver, por exemplo, o samba apresentado pelo Salgueiro em 1967: “História da liberdade no Brasil”, de
Aurinho da Ilha.
398
KUSHNIR, op. cit., p. 154.
198

O estudo de Tamara Cruz399 a respeito da vigilância e censura das escolas de samba


durante o regime militar demonstra a preocupação do governo em impedir qualquer
manifestação política contrária aos seus interesses nas músicas, fantasias e enredos
apresentados pelas agremiações carnavalescas. Além disso, a investigação de algumas pessoas
ligadas ao universo carnavalesco se dava pela necessidade de identificar alguma possível
relação entre elas e o comunismo. Muitos carnavalescos, sambistas e presidentes de escolas,
por exemplo, foram alvos de investigação dos organismos policiais da época, a ponto de
terem sido produzidas fichas informativas sobre eles.
Diante desse contexto, a elaboração de normas gerais para a realização dos festejos
carnavalescos talvez nunca tenha feito tanto sentido como durante a ditadura militar. Por meio
do estabelecimento de normas, tentava-se controlar a exibição de blocos, bem como qualquer
atividade de caráter carnavalesco, a depender da autorização da Divisão de Censura e
Diversões Públicas. É importante ressaltar, uma vez mais, que muito antes da ditadura militar
já havia o controle do Estado e da polícia sobre os enredos, fantasias e demais elementos
ligados ao carnaval. Proibições diversas, aliás, sempre recaíram sobre o carnaval em suas
diversas manifestações. Com o golpe, em 1964, a censura torna-se somente mais rigorosa.
Outro exemplo disso, é que a obrigatoriedade das escolas de samba em enviar as letras de
músicas e a descrição dos enredos para os órgãos municipais responsáveis pelo carnaval da
cidade (Departamento de Turismo e a Riotur), após serem aprovadas pela censura, passou a
ser feita com antecedência mínima de seis meses, período superior ao realizado antes do início
do regime400.
A vigilância sobre as escolas de samba durante a ditadura militar não tinha como
objetivo somente impossibilitar referências políticas, mas também garantir a manutenção da
moral e dos bons costumes. O ex-carnavalesco Fernando Pamplona, do Acadêmicos do
Salgueiro, em entrevista para Cruz, revela que teve que modificar uma alegoria por insinuar a
imagem de um homem urinando. É importante que se diga que algumas escolas de samba
serviram aos interesses dos militares ao divulgarem por meio de seus enredos temas que, de
certa forma, se vinculavam ao passado exaltado pelo regime e outros que enalteciam as obras
realizadas pelos militares. A Beija-Flor, de Nilópolis, é reconhecidamente a agremiação que
mais elaborou carnavais alinhados ao regime. Podem-se citar os sambas-enredo A educação
para o desenvolvimento, de 1973, que louvava o programa de alfabetização do governo
Médici, o Mobral; Brasil ano dois mil, de 1974, que projetava o futuro do país como potência

399
CRUZ, Tamara Paola dos Santos. As escolas de samba sob vigilância e censura na ditadura militar: memórias
e esquecimentos. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010.
400
Ibid., p. 98-99.
199

e exortava à Transamazônica; e O grande decênio, de 1975, em comemoração aos dez anos


do golpe, com referências ao PIS, PASEP, Mobral e Funrural401.
Outras agremiações também seguiram por esse viés, como Brasil, berço de riquezas
(União do Centenário, 1970); Modernos Bandeirantes (Mangueira, 1971); Ouro Verde
(Manguinhos, 1971); Brasil das duzentas Milhas (Unidos de Lucas, 1972); Laços de Amizade
(Cabuçu, 1972); Brasil, a flor que desabrocha (Caprichosos de Pilares, 1972); Martim Cererê
(Imperatriz Leopoldinense, 1972); A outra força do Brasil (Grande Rio, 1972); Brasil,
explosão do progresso (Império da Tijuca, 1973); Brasil, glórias e integração (Tupy de Brás
de Pina, 1976); e Riquezas áureas da nossa bandeira (Tupy de Brás de Pina, 1976). Alguns
desses sambas-enredos trouxeram até mesmo slogans usados pelo regime militar como:
“Ninguém segura mais esse país/E caminhando vai meu Brasil pra frente” (Modernos
bandeirantes), “Quem viver verá/nossa terra diferente/a ordem do progresso empurra o Brasil
pra frente” (Brasil ano dois mil), “Gigante pra frente a evoluir/milhões de gigantes a
construir” (Martim Cererê)402.
Considerando as prescrições do Decreto-lei nº 1.077/70 e as cartas enviadas para a
Divisão de Censura e Diversões Públicas a respeito das imagens do carnaval publicadas pelos
periódicos ilustrados, é possível indagar a respeito da possível opinião ou interesse do leitor
quanto às imagens apresentadas por essas revistas, uma vez que as fotografias mais ousadas
em termos de desnudamento e de poses se referiam às mulheres pertencentes às classes mais
abastadas que participavam de bailes como do Teatro Municipal, Hotel Copacabana Palace e
Clube Monte Líbano, podendo contar nesses espaços com um sistema de segurança que
certamente garantia condições para que determinados comportamentos pudessem se
manifestar. A revolução sexual tal qual anunciada pela imprensa aparecia associada a essas
mulheres de grupos sociais minoritários. O predomínio de imagens de mulheres nas
coberturas carnavalescas das revistas selecionadas – muitas vezes dando a impressão que
somente as mulheres brincavam o tríduo momesco – foi salientado em uma carta
supostamente enviada por alguma de suas leitoras:

Gostaria de perguntar: os bailes de carnaval que a revista MANCHETE


mostra aos leitores, em belas fotografias, são bailes só para mulheres? Então,
porque só aparece mulher? Perna, barriga, busto – e o mais, se calhar – só
femininos. E os homens bacanas e alegres que a gente vê nesses lugares,
vestidos, quase sempre de tangas e colares de flores? Maria Bueno da Silva.
Rio de Janeiro. GB.403
401
SIMAS, Luiz Antonio; FABATO, Fábio. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de
Janeiro: Mórula, 2015, p. 47.
402
LOPES; SIMAS, op. cit., p. 102.
403
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.195, p. 138, 15 mar. 1975.
200

Mesmo que não seja possível verificar a autenticidade das cartas publicadas na seção
“O leitor em Manchete”, uma vez que estas poderiam ter sido escritas pelo próprio periódico
para representar as críticas que costumeiramente eram feitas à sua cobertura do carnaval e,
assim, assumir um posicionamento diante do assunto, os dizeres transcritos demonstram o
destaque dado às mulheres no âmbito dos festejos enquanto os homens apareciam como
meros coadjuvantes da folia. Na mesma página dedicada aos comentários dos leitores daquela
edição, outra carta foi publicada salientando o desnudamento feminino, mas no sentido
contrário da anterior, ou seja, na defesa da permanência da exibição do corpo feminino em
relação especificamente ao uso da tanga (peça muito presente nos bailes do período):

Uma leitora de MANCHETE – Carmem Gonçalves Ribeiro – escreveu para


essa revista pedindo que, para contrabalançar as tangas, apareçam também
fotos de homens de tanga. Sou contra. Homem não. Só quem enfeita foto é
mulher. Roberto Brandão Alves, Belo Horizonte, Minas Gerais404.

As imagens de mulheres não predominavam somente na cobertura do carnaval, mas


na publicidade de modo geral. A chamada revolução sexual associada intrinsecamente ao
feminino foi explorada nas revistas do período e a exibição do corpo das mulheres,
apresentada muitas vezes como resultado mais visível da liberdade alcançada, estava presente
nas revistas de diversos segmentos. Nos anos 1970 o consumo das revistas brasileiras atingiu
seu auge de modo que pesquisas eram feitas para determinar as expectativas do público, assim
como os meios de comunicação também produziam necessidades para venderem conteúdos e
mercadorias. De modo geral, as cartas demonstram uma aceitação dos leitores em relação à
cobertura carnavalesca de Manchete, tanto no que concerne ao desnudamento do corpo
feminino, quanto ao interesse em acompanhar pelas páginas da revista a repercussão dos
festejos, ainda mais se considerarmos que nos anos 1960 as críticas eram mais frequentes.
Nos festejos de 1977405, por exemplo, foram publicadas duas cartas na revista Manchete nesse
sentido:

MANCHETE fez um trabalho excelente no carnaval. E é bom que se


registre: a folia de rua está voltando. Na Zona Sul, há ruas inteiras que
brincam por sua própria conta – e sem despesa – na maior democracia.
Germana Cunha. Rio de Janeiro. RJ.406

404
O LEITOR, op.cit., p. 138, 15 mar. 1975.
405
Em 1977, o projeto divorcista apresentado por Nelson Carneiro desde 1947 foi aprovado sob protestos da
Igreja Católica e dos segmentos mais conservadores da sociedade. A lei do divórcio possibilitou o
reconhecimento de outras configurações amorosas e familiares, influenciando o comportamento das gerações
seguintes.
406
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.300, p. 122, 19 mar. 1977.
201

Acho que MANCHETE deveria aumentar sua tiragem no carnaval. Como se


explica que na Bahia chegassem tão poucos exemplares? As revistas em
Salvador logo se esgotaram e muitos carnavalescos ficaram a ver navios.
Clécio de Oliveira Carvalho. Salvador. BA407.

Em 1978, por sua vez, foram publicadas cartas que elogiavam a cobertura do
carnaval de Manchete e demonstravam que mesmo com a televisão os exemplares ainda se
apresentavam necessários. É evidente que tais cartas, caso sejam reais ou até mesmo
inventadas pela redação, interessavam ao periódico por demonstrarem a importância da
revista na cobertura do carnaval em tempos de televisão. As cartas a seguir evidenciam esse
aspecto:

Aqui onde moro há dez anos só se pode ver carnaval mesmo nesta revista –
pois televisão ainda não há. E eu, que já fui passista da Mangueira – querida
– quando curto a MANCHETE de Carnaval me consolo um pouco da falta
da passarela. Arnaldo Figueiredo Filho. Codajás. AM.408

Daqui, onde moro, a gente vê o desfile das escolas de samba no Rio pela
televisão, mas MANCHETE, com suas fotos e textos, completa e arquiva a
nossa informação. Peço, por isto, que esta revista não deixe de publicar um
número dedicado especial sobre as escolas na passarela. Mas desejo que não
se limitem às sociedades do Grupo 1. Que venham também as dos grupos 2
de 3. Assim poderemos ter uma idéia de quem vai, no próximo ano, subir ou
descer de grupo. Alziro Alves Torres. Estância. SE.409

Com o topless proibido, as mulheres nos salões abusavam de transparências,


adesivos e outros adereços que pudessem, de certa forma, evidenciar os contornos dos seios.
As escolas de samba também encontraram soluções para fazer frente à proibição do topless,
que abarcava igualmente as participantes dos desfiles daquelas agremiações carnavalescas que
naquele ano passaram a se apresentar na Rua Marquês de Sapucaí, local definitivo da folia
carioca. A G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis desfilou, em 1978, o enredo “A criação do mundo
segundo a tradição nagô”, que tratava de um conhecido mito iorubá e apresentava em seu
abre-alas mulheres usando aparentemente uma espécie de top que simulava seios desnudos.
Como ainda não era possível a exposição de parte dos seios – como é perceptível nas imagens
concernentes aos desfiles do período – demonstrando que nos salões, por se tratar de um
divertimento livre de competições (exceto as mulheres que disputavam os concursos oficiais),
podia-se ousar mais no desnudar do corpo, Trinta optou pelo uso de uma espécie de top/bustiê

407
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.301, p. 122, 26 mar. 1977.
408
O LEITOR em Manchete. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.349, p. 99, 25 fev. 1978.
409
Ibid.
202

transparente ou quase da “cor da pele” pelas mulheres que abriram o desfile da agremiação,
vencedora pela terceira vez consecutiva do carnaval do grupo 1 do Rio:

Figura 14 – Desfilante simulando a exposição dos seios na abertura do carnaval da Beija-Flor,


de 1978 410

Enquanto a revista Manchete não comentou nada a respeito do possível


desnudamento das mulheres da Beija-Flor, além dos dizeres “A plástica das mulatas do abre-

410
O TRI da Beija-Flor. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.349, p. 126, 25 fev. 1978.
203

alas fez o público vibrar”, que acompanhava a última imagem reproduzida, o periódico
Cruzeiro, no entanto, foi enfático no levantamento das críticas que poderiam ser feitas à
agremiação, entre outras razões, pela presença de mulheres “desnudas”:

Chegando esmigalhando, desafiando, abrindo o grito com toda força na


passarela. A Beija-Flor chegou nua, como a verdade gosta de chegar. Mas
abriu um front de guerra que Joãozinho Trinta terá de enfrentar: escola é
samba ou show do Lido de Paris?
É samba no pé ou é can-can de vaudeville?
A alegoria giratória, os reflexos espelhados, os seios de fora.
Tudo foi desafiado na Beija-Flor na caminhada para o tricampeonato.
Criação do Mundo na Tradição Nagô saiu da cabeça de Joãozinho Trinta e
foi assombrar a multidão que esperava ansiosa a chegada da Beija-Flor,
naquela noite de samba-desafio. Quando as mulheres desnudas entraram na
passarela, o delírio, as palmas e a guerra também vieram. Vale ou não vale o
que a Beija-Flor fez? Apelação ou mudança decisiva nos rumos do carnaval
para turista, carnaval exportação, misturando folclore e tecnologia?
E a Beija-Flor desfilou para ser filmada. Na ponta da passarela, o longa-
metragem estava sendo preparado por uma equipe francesa, já vendido,
desde que a escola desfilou em Paris411.

As críticas voltadas ao carnavalesco Joãozinho Trinta e, consequentemente, à


agremiação que representava, a Beija-Flor, diziam respeito à espetacularização de seus
desfiles, ao possível desvirtuamento do sentido do carnaval das escolas de samba e à
destinação da principal festividade brasileira ao turismo e à exportação. O enredo da escola
chegou a inspirar a produção de um longa-metragem sobre o tema dirigido pela cineasta Vera
Figueiredo, que realizou grande parte das filmagens durante o desfile da agremiação e,
posteriormente, em Nilópolis.
Esses aspectos ressaltados por muitos críticos e escolas ao trabalho de Trinta não
eram mais novidade em 1978, como ficou evidenciado no primeiro capítulo desta tese, mas,
especificamente naquele ano, o desnudamento, mesmo que ainda parcial, tornou-se mais um
motivo para engrossar os julgamentos negativos em relação às mudanças representadas por
ele. De acordo com aquela mesma edição de O Cruzeiro, ao ser perguntado sobre a presença
de dezessete mulheres despidas na parte superior, na abertura do desfile da Beija-Flor,
Joãozinho Trinta teria respondido: “Dezessete não! Cinco estão usando sutiã”. É possível
questionar se as revistas ilustradas não teriam fotografado todas as mulheres do abre-alas por
uma questão de censura ou se o uso do bustiê simulando o seio exposto por essas mulheres já
seria suficiente para denotar tal desnudamento aos olhos da imprensa. As imagens
apresentadas pela imprensa não demonstram, no entanto, o desvelar total dos seios. Ainda
411
BEIJA-FLOR: a nudez que veio de Nilópolis. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2432, p. 07-08, 18 fev. 1978.
204

sobre o abre-alas da Beija-Flor, o jornal O Globo considerou:

No abre-alas, Joãozinho Trinta já mostrou o que seria o desfile da Beija-Flor.


Vinte mulatas semi-nuas, em cima de um carro espelhado, representavam A
Criação do Mundo Segundo a Tradição Nagô.
Os carros se sucederam, as mulheres bonitas também. Não houve a
anunciada revoada de pombos. Fantasias luxuosas, alegorias de bom gosto,
espelhos, branco, ouro e prateado contrastando com os corpos escuros das
mulatas. Essa composição, aliada a uma animação superior ao que deveria
inspirar o samba-enredo, fez a Beija-Flor esperar o tri 412.

O erotismo manifesto no carnaval ensejou matérias sobre a suposta “explosão do


sexo” durante a realização dos folguedos. A revista Manchete entrevistou psicanalistas,
psiquiatras e a estudiosa Rose Marie Muraro, representante do feminismo brasileiro, entre
outras pessoas, em 1978, para investigar as razões que explicariam determinados
comportamentos por parte das mulheres nas festividades carnavalescas. Um dos textos de
abertura da matéria já indica uma possibilidade de leitura quanto ao assunto: “No carnaval, o
verão ajuda a tirar roupas. Mas alguma coisa é mais quente do que o calor: o forte apelo à
liberação”413. A liberação sexual discutida e vivida por algumas mulheres no período
analisado é apresentada como uma das razões que explicariam as mudanças na forma das
folionas brincarem o carnaval. O psiquiatra consultado, Isaac Charan, disse entender o
carnaval como a festa da “liberação instintiva” na qual “todos procuram externar suas
tendências exibicionistas, que nem sempre são as melhores, tampouco as piores. Essa
tendência – e as femininas que me perdoem – é um pouquinho mais acentuada nas mulheres,
que sentem um desejo maior, uma necessidade de aparentar algo diferente das outras [...]”414.
O psicólogo Paulo Gaudêncio, por sua vez, enxerga o carnaval como um momento no qual as
mulheres poderiam libertar-se dos padrões impostos. Segundo ele:

[...] as mulheres se despem mais no carnaval por que este atua como um
ladrão de caixa-d’-água, é a válvula de escape que as pessoas escolhem para
fugir por alguns dias da sua vidinha diária. Funciona como a bebida
exagerada e o futebol. No caso específico do carnaval, a permissividade
causada pelo afrouxamento do consciente coletivo dá condições às mulheres
de se libertarem dos padrões impostos415.

412
MANGUEIRA e Beija-Flor, as eleitas do povo. O Globo, Rio de Janeiro, 08 fev. 1978, p. 08.
413
PECORELLI, Maria Rosa; MEDEIROS, Eugênia de; MARIEN, Violeta; LAGE, Otacílio. Por que o sexo
explode no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.350, p. 37, 04 mar. 1978.
414
Ibid., p. 38.
415
Ibid., p. 42.
205

O alcance da dita liberação foi igualmente questionado. Délcio Monteiro de Lima,


autor de O Comportamento Sexual do Brasileiro, considera que a verdadeira liberação sexual
não havia ocorrido no Brasil, já que percebia nas aberturas creditadas a esse campo mais uma
permissividade que acabava por objetificar a mulher do que propriamente uma liberação em
seu sentido pleno. Além disso, Délcio apontava a necessidade de algumas mulheres de se
destacarem diante das demais, ao mesmo tempo em que seria possível, no seu ponto de vista,
que os comportamentos manifestados pelas mulheres indicassem uma resposta à tradicional
dominação machista:

Vejo a mulher nua ou seminua no carnaval como uma forma de revanchismo


ou contra-ofensiva feminina à dominação masculina, uma espécie de
manifestação de inconformismo à submissão que lhe foi imposta por uma
sociedade intolerante. Outro motivo seria uma estratégia de provocação à
libido masculina, a qual – façamos um pouco de autocrítica – já não mais
tem as vibrações de antigamente [...] entendo que a nudez no carnaval não
serve a Deus nem ao Diabo, serve apenas para acelerar o processo de
desvalorização da mulher como objeto de consumo nessa pobre sociedade
machista416.

Outro especialista consultado pela revista foi o neuropsiquiatra Dr. Washington


Loyello, que também enxergou nas posturas assumidas pelas mulheres no carnaval um indício
importante da transformação da sexualidade em mercadoria e da busca incessante em
diferenciar-se na conquista amorosa.

A liberdade [sexual] não pode ser utilizada como escape a uma realidade
alienante. Enquanto a pessoa humana for tratada como mercadoria, e não
como fim último, de pouco vale a liberdade sexual, pois esta será incapaz de
proporcionar a satisfação necessária e desejada. O fenômeno observado
atualmente, mais acentuadamente no carnaval (de erotizar a apresentação
física com a supressão das vestes), é talvez confirmação dessa insatisfação. É
o apelo dos últimos recursos para despertar interesse do parceiro sexual, em
meio a uma sociedade industrializada, tecnológica, capitalista, que reduziu
as relações humanas a nível meramente mercadológico417.

A matéria em questão apresentava juntamente às explicações dos entrevistados sobre


a demonstração da sexualidade das mulheres no carnaval imagens que pudessem corroborar
os pontos de vista apresentados. Nessas imagens, como as oferecidas a seguir, evidenciava-se
a erotização das mulheres por meio da exposição de seus corpos no uso de biquínis e tangas,
que poderiam demonstrar ousadia, como no caso da foliona de vermelho, em que peças
416
PECORELLI; MEDEIROS; MARIEN; LAGE, op. cit., p. 41.
417
Ibid., p. 42.
206

simulando “mãos” tocavam e escondiam partes de seu corpo que não podiam ser exibidas
naquele ambiente, indicando talvez o desejo que havia por parte dos homens em exceder o
tipo de comportamento aceitável em um baile de carnaval ou sugerindo a própria vontade
feminina de ser tocada.

Figura 15 – Uma das páginas da matéria da revista Manchete sobre a suposta "explosão do sexo"
no carnaval em fins da década de 1970 418

A estudiosa e feminista Rose Marie Muraro, crítica das atitudes femininas


manifestadas nos bailes cobertos pelas revistas ilustradas, considerou o carnaval como uma
forma de mascarar os problemas individuais e coletivos. É sabido que as feministas do
período, de modo geral, não enxergavam traços de liberação nas práticas das folionas durante
os festejos momescos. As palavras de Muraro foram apresentadas pela revista como forma de
representar o pensamento feminista sobre a questão:

Esses excessos acontecem em pequenas camadas da população – a de alta


renda – e denotam um fenômeno acelerado da decadência burguesa. Não
ocorre em outras classes sociais, nas subculturas brasileiras (Nordeste,
interior de São Paulo, que são sociedades mais fechadas), nem em outras
capitais menores; está intimamente ligado às faixas de população das
grandes metrópoles. Um dos aspectos mais importantes da decadência
burguesa é a busca imediata do prazer em termos quantitativos: o consumo
de tudo, principalmente do sexo, a fim de esconder problemas de

418
PECORELLI; MEDEIROS; MARIEN; LAGE, op. cit., p. 40-41.
207

relacionamento entre pessoas e, também, as mudanças sociais. É uma forma


de mascarar – através da catarse coletiva – as energias que seriam
canalizadas para problemas individuais mais profundos que serviriam, em
última análise, para o desmascaramento das desigualdades sociais. Tudo
então é liberado de forma muito superficial419.

Em estudo posterior, realizado no início dos anos 1980, Muraro investigou o


comportamento sexual da mulher brasileira e demonstrou que as mulheres das camadas
médias projetavam para o restante do país padrões e normas de conduta. A autora salientou a
existência de uma sexualidade de classe e um corpo de classe, evidenciando que havia
diferenças entre operários e camponeses e entre as mulheres de diferentes lugares do Brasil,
por exemplo420. Em relação ao carnaval, o que era divulgado pela imprensa referia-se aos
desfiles das escolas de samba e aos folguedos fechados que se destinavam aos grupos mais
elevados da sociedade, no entanto, os comportamentos manifestos nesses espaços e que
interessavam à imprensa registrar apareciam como se representassem todo o carnaval carioca.
As revistas ilustradas se esforçavam para criar textos e legendas que pudessem chamar a
atenção dos leitores, direcionar a leitura das imagens selecionadas e comunicar o transcorrer
dos carnavais noticiados. Ao trazerem explicações de diversos profissionais a respeito dos
comportamentos femininos expressos no carnaval, a revista, de certa forma, se isentava da
responsabilidade da seleção das imagens, ao querer mostrar para o leitor que as cenas que
suas páginas estampavam nada mais eram que representativas do comportamento típico das
mulheres naquele ambiente e, portanto, a revista somente cobria o que, de fato, acontecia.
É importante considerar que mesmo sendo produzida com a intenção de retratar fatos
reais, uma fotografia não perderá a sua condição de representação, tal qual descrita por
Chartier. As imagens são assim portadoras de significados e omissões, que permitem a
construção de realidades. A respeito desse debate, a historiadora Maria Lúcia Cerutti Miguel
considera que “a fotografia é sempre uma mensagem situada, produzida por alguém e com
endereço determinado. É essa articulação que devemos destrinchar, uma vez que uma
fotografia não se esgota em sua denotação. Denota um nível e conota em outro”421.
O prazer sexual considerado expressão da liberdade do período relacionava-se
sobremaneira às posturas vistas no carnaval. É possível interrogar, portanto, quais eram os
possíveis significados atribuídos pela imprensa a determinados comportamentos no âmbito

419
PECORELLI; MEDEIROS; MARIEN; LAGE, op. cit., p. 38.
420
CARMO, op.cit., p. 362.
421
MIGUEL, Maria Lúcia Cerutti. A fotografia como documento: uma instigação à leitura. Acervo, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 1-2, p. 121-132, jan./dez. 1993. p. 124.
208

dos festejos. Estes seriam representativos da liberação apregoada na época, da permissividade


existente, não obstante permanecessem certas regras morais, ou traduziriam a objetificação do
corpo feminino?
Na cobertura do baile do Canecão, de 1979, a revista Manchete procurou explicar as
mudanças na forma das mulheres se apresentarem nos festejos de salão com o decorrer do
tempo, ressaltando, contudo, não o interesse das mulheres em manifestarem desejos e
demonstrarem traços de liberação mesmo em épocas de moral mais rígida, mas a intenção
dessas mulheres em buscarem destaque e projeção. A matéria em questão ainda sugere que o
carnaval possibilitava comportamentos que iam além daquilo que já estava posto socialmente,
demonstrando suas particularidades em relação ao cotidiano:

Antigamente, era mole para uma mulher causar furor num baile de carnaval:
bastava usar uma fantasia sumária, tipo odalisca ou cigana. A concorrência
da praia foi feroz: o carnaval copiou o biquíni das areias. E, mais tarde, a
tanga. Agora, para fazer sucesso no salão, a mulher tem de ter alguma coisa
de muito sério para encher tangas e maiôs. As praias estacionaram nas
tangas. O carnaval, bem, quem viver verá422.

A contracultura, o tropicalismo e o feminismo acabaram por estabelecer ao longo do


período abordado valores mais liberais. No entanto, o modo de viver apregoado pela
contracultura que liberava as mulheres de se depilarem ou se manterem com os cabelos
arrumados, rostos maquiados e com um físico moldado por meio da prática de esportes ou
ginástica, foi perdendo espaço para a crescente preocupação com o corpo, que se apresentava
cada vez mais exposto423. O desvelar do corpo, possibilitado pelo uso do biquíni, teve como
consequência a difusão de novos métodos e cuidados corpóreos. O texto citado demonstra que
a simples exibição de partes do corpo não era mais suficiente ou não se apresentava como
novidade no âmbito dos festejos. Evidenciar os contornos corporais dentro do ideal de beleza
em construção no período tornava-se essencial nessa representação, caso as mulheres
quisessem se destacar em meio a tantas outras trajando biquínis e tangas. O tipo de corpo
apresentado seria, portanto, o diferencial do segmento feminino.
No entanto a rebeldia, considerada típica daquela juventude, não seria deixada de
lado, ao contrário, seria usada pela publicidade para vender suas mercadorias. Denise
Bernuzzi de Sant’anna aponta que a máxima “seja livre e fique nu”, considerando a exposição
do corpo pela juventude do período, serviu como mote para a publicidade dos produtos de

422
Canecão: o delírio do carnaval carioca. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.403, p. 118, 10 mar. 1979.
423
SANT’ANNA, op. cit., 2014, p. 143-145.
209

beleza que acabava assim por estimular a exibição de um determinado tipo de corpo424.
As mudanças nos papéis e no comportamento feminino provocaram igualmente
alterações na forma como as mulheres passaram a ser representadas pela música popular
brasileira. A sensualidade e a força feminina, segundo Rodrigo Faour, estavam cada vez mais
presentes nas canções. Chico Buarque de Hollanda, por exemplo, apresentava em suas letras
mulheres ousadas, “cheias de si, de opinião, sem vergonha do corpo e muito provocantes”425.
Temas relacionados à sexualidade, como masturbação, orgasmo e sexo anal começaram a
aparecer nas canções brasileiras na passagem dos anos 1970 para os 80, ainda que de forma
sutil. O grupo feminino “As Frenéticas”, por exemplo, mostrava na segunda metade dos anos
1970 mulheres que poderiam usufruir de um sexo casual e de uma noite regada a muita
bebida426. Se o carnaval funcionava até então como um espaço mais livre para manifestação
da libido e o cinema e o carro como locais mais comuns para se ter intimidades, consolidava-
se em meados dos anos 1970 o motel e o drive-in. O campo sexual ampliava-se
significativamente no período e os assuntos nessa seara ganharam grande destaque na
imprensa, na publicidade e no carnaval, como já salientado.
A revista Manchete, em 1979, mais uma vez publicou uma matéria com o objetivo de
explicar os comportamentos flagrados durante os festejos carnavalescos, em que mulheres
apareciam trajando minúsculos biquínis, com parte dos seios à mostra, galgando ombros de
homens e demonstrando posturas descontraídas. No entanto, dessa vez não foram especialistas
que foram consultados pela revista, mas um jornalista da própria Manchete, Justino Martins,
que deu o seu parecer sobre o assunto. Embora concordasse com os fatores costumeiramente
associados a tais atitudes expressas no carnaval, como euforia inconsciente e narcisismo, foi
neste último aspecto que o jornalista centrou sua argumentação, tendo as imagens
selecionadas para reportagem para corroborar seu ponto de vista. De acordo com o autor: “[...]
é evidente que o carnaval carioca se caracteriza como um momento de grande exaltação e de
culto da personalidade – uma oportunidade única que se tem de emergir do anonimato para a
luz dos refletores”427. Se durante muito tempo as coberturas carnavalescas das revistas
ilustradas ressaltavam a inversão da ordem possível nestas festividades, neste período o
erotismo tornou-se a chave de interpretação para as posturas manifestadas no carnaval. Na
apresentação da sua edição do dia 28 de fevereiro de 1979, a revista O Cruzeiro exprimiu do
seguinte modo a presença feminina nos festejos: “Como sempre, mulheres lindas e seminuas,
424
SANT’ANNA, op. cit., 2014, p. 145.
425
FAOUR, op. cit., p. 207.
426
Ibid., p. 201-226.
427
MARTINS, Justino. A explosão do narcisismo. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.405, p. 30, 24 mar. 1979.
210

foram a nota alta do Carnaval de 79, nos bailes e nas ruas”428.


Aproveitando-se das mudanças do período relacionadas à abertura política e das
palavras em voga na época, como as proferidas pelos participantes da campanha pela anistia,
que se queria “ampla, geral e irrestrita”, O Cruzeiro noticiou o IV Baile da Cidade do Rio de
Janeiro, com os dizeres: “No Canecão, a abertura carnavalesca foi ampla, total e irrestrita”429.
Naquele momento não se havia decretado ainda a Lei da Anistia, que não ocorreu da forma
como almejavam os seus articuladores, já que alguns militantes foram excluídos da lei, como
os envolvidos em casos de morte e “atentados terroristas”, por exemplo. De qualquer forma,
as palavras usadas na campanha da anistia serviram para a revista dar o “tom” do que teria
ocorrido naquele baile que, a se medir somente pelas fotos selecionadas, mostrou-se
descontraído na maneira de brincar – com as folionas dançando sobre as mesas – e de se
vestir, com a presença de poucas roupas.
A chegada do ano de 1980 ensejou matérias que pudessem explicar o que havia
ocorrido na década de 1970 no Brasil e no Mundo e como seria possível caracterizar essa
década. Assim, Manchete considerou:

Essa foi uma década de continuações e não de explosões. Uma década de


revisões e ampliações, mas não propriamente de invenções. De certa forma,
os seres humanos se fecharam e olharam para dentro de si. A Década do Eu,
como já está sendo rotulada. Um tempo de egoísmo contra o altruísmo do
período passado430.

Na impossibilidade de se olhar somente para o período em análise, no que concerne


ao campo da moral, o jornalista Edmar Pereira, autor da matéria, afirmou:

Os conceitos de moralidade e normalidade mudaram rapidamente demais e o


abismo que separa as gerações nunca foi tão largo e profundo como agora. A
avó que há 30 anos achava uma ousadia simplesmente colocar um maiô, vê
sua neta aderir ao topless sem qualquer aparente constrangimento; o pai que
há duas décadas ensinava ao filho a repressão da mulher como um dos
mandamentos obrigatórios da vida conjugal descobre através da nora que as
diferenças entre os sexos só estavam aí para serem destruídas431.

428
Esta edição. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2.456, p. 03, 28 fev. 1979.
429
AS MULHERES que ficaram na taça, no samba e no Canecão. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 2456, p. 06, 28
fev. 1979.
430
PEREIRA, Edmar. Os anos 70: na década do eu, mais continuações do que invenções. Manchete, Rio de
Janeiro, n. 1448, p. 30, 19 jan. 1980.
431
Ibid., p. 33.
211

A prática do topless viria a ser associada como símbolo da liberação decorrente da


chamada revolução sexual e sinal dos novos tempos caracterizados pela abertura democrática
e pela revogação dos Atos Institucionais. Não obstante reportagens de anos anteriores já
informarem sobre a exposição dos seios nas praias e até mesmo no carnaval, foi somente em
1980 que a imprensa noticiou o topless como uma experiência comum vista em diversas
partes do país e não como algo isolado, antes resultado da ação das mulheres
“superprafrentex”, ligadas ao universo artístico. Nesse quesito, mais uma vez coube à cidade
do Rio de Janeiro “naturalizar” o topless e incentivar as mulheres de outros lugares do Brasil
a fazer o mesmo, apesar das resistências provenientes dos segmentos mais conservadores:
“No Rio, tudo bem numa boa; na Bahia, acalorados debates; no Recife, entrou areia no
topless”432. No entanto, era a zona sul do Rio de Janeiro, representada há muito tempo como
mais livre, que ganhava destaque nesse tipo de matéria, especialmente o bairro de Ipanema,
considerado o mais propício para a manifestação de comportamentos vanguardistas, como
demonstrado na primeira parte deste capítulo. Com o título “Topless: as brasileiras no peito e
na raça”, a matéria assinalada por Ney Biachi indica o papel do bairro carioca para a extensão
de tal prática pelo país:

O topless chegou, enfim, a Ipanema. E, portanto, virou lei. Mas só usa quem
tem peito. O que limita razoavelmente o mais recente desafio feminista aos
costumes [...]. Nos velhos tempos o topless era o monoquíni. Mas, como era
produto nacional, a polícia encanava. Até que as meninas deram um jeito.
Deixaram a moda vingar em Saint-Tropez, correr as outras praias badalas na
Europa e, enfim, chegar aos Estados Unidos. Quando as americanas tiraram
seus sutiãs, todo mundo tirou com elas. Inclusive as garotas de Ipanema. E
como o que acontece em Ipanema no Brasil é lei...433

No entanto, a aceitação do topless, mesmo no bairro de Ipanema, não ocorreu tão


tranquilamente como pode parecer quando se lê a reportagem transcrita. A gaúcha Verônica
Mieski, por exemplo, foi escorraçada da praia de Ipanema pelo fato de realizar ali o topless,
sendo xingada de “Geni” por alguns frequentadores em referência à personagem prostituta da
música de Chico Buarque434. De qualquer forma, a presença dos seios desnudos nas praias e a
sua presença ou não nos bailes carnavalescos ensejaram diversas matérias no período. É

432
WODTKE, Marina; BRITO; Reynivaldo. Topless: o Brasil descobre os seios. Manchete, Rio de Janeiro, n.
1.450, p. 14, 02 fev. 1980.
433
BIACHI, Ney. Topless: as brasileiras no peito e na raça. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.452, p. 128-130, 16
fev. 1980.
434
CARMO, op. cit, p. 358.
212

informado, por exemplo, que poucas mulheres aderiram ao topless no baile da abertura do
carnaval, o Baile do Havaí, no Iate Clube, embora o bottomless, ou seja, o bumbum exposto,
tivesse aparecido, além de duas folionas pularem nuas na piscina435.
A prática do topless havia sido proibida pela Divisão de Diversões Públicas no
carnaval de 1980, mas não foi cumprida em determinados bailes, como exposto
anteriormente. Além do mais, a realização de tal prática se fez notar não somente no carnaval
do Rio, mas em outras cidades brasileiras. O corpo feminino que antes aparecia associado ao
carnaval como veículo para a quebra de tabus e para afirmação dos novos valores em
construção no período, relacionados à descoberta desse corpo, de sua sensualidade,
transformou-se com o decorrer do tempo em objeto do desejo masculino, amplamente
explorado pelas revistas ilustradas. É importante lembrar que muitos desses corpos eram
identificados pelas revistas, por serem figuras conhecidas. Eram mulheres pertencentes ao
universo artístico e às camadas médias e à elite, que se mostrava dessa forma nos bailes
carnavalescos fechados.
Se a presença feminina há tempos esteve relacionada ao sucesso de um baile, nos
anos 1970, sobretudo a partir da segunda metade, foi associada ao deleite masculino. Uma
leitura mais voltada para o âmbito sexual passou a orientar a construção de legendas que
acompanhavam as imagens selecionadas e os textos que perpassavam as matérias
concernentes ao carnaval. Embora tais imagens já indicassem, pelo caráter das poses
apresentadas e pela exposição do corpo, posturas erotizadas das mulheres, os textos
objetificavam o corpo feminino, como é perceptível nos comentários a respeito do Baile do
Havaí de 1980, que apresentavam o elemento feminino como disponível para os homens:
“Havia mulheres para todos e não houve necessidade de briga: todos tiveram tudo a que
tinham direito”436. Além do mais, como demonstrado anteriormente, a imprensa passou a se
referir aos comportamentos manifestos no carnaval como uma demonstração da sexualidade
feminina e não somente de sua sensualidade, motivando matérias que procuravam explicar a
“explosão do sexo” nesse tipo de festividade. Contudo, para além do erotismo das poses
registradas e da aproximação física entre homens e mulheres, o que poderia se configurar
como sexual no âmbito dos festejos? A revista Manchete informa, por exemplo, que no Baile
do Havaí, de 1980, alguns dos presentes quase chegaram à prática do ato sexual:

435
HAVAÍ – 80: o carnaval da abertura. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1453, p. 08, 23 fev. 1980.
436
Ibid., p. 10.
213

[...] outros foliões tentaram chegar às vias de fato dentro da bobeira de


circunstância. Alguns quase conseguiram. Por essas e outras, o carioca
espera o Baile do Havaí para medir o tipo de comportamento que vai pintar
no carnaval. Este ano, as perspectivas são otimistas437.

É possível inferir que naquele contexto de abertura política, no qual as revistas


podiam explorar sem as prescrições do Decreto-lei nº 1.077/70 as imagens que antes seriam
consideradas atentatórias à moral e aos bons costumes, além das mudanças concernentes
propriamente ao campo dos costumes, que o tipo de comportamento descrito acima seria
esperado em se tratando de carnaval. A “ingenuidade” dos carnavais passados tinha
definitivamente ficado para trás. O folguedo “Noite de Bagdá”, realizado no Monte Líbano,
foi apresentado pela revista Manchete também pelo viés sexual:

Dentro da sua tradição e, sobretudo, num carnaval de abertura, o baile do


Monte Líbano foi escancaradamente aberto e espetacular. Ninguém deu bola
à exigência do convite: “Traje a rigor”. A rigor, cada um foi como pôde e
quis. Para o bem de todos, as mulheres pintaram rigorosamente despidas. [...]
Nos salões, sobrava pouco espaço para dançar – o que em muito facilitou as
coisas. Porque dançar mesmo era o que ninguém desejava. No mais, houve
de tudo: o topless nem deu para chamar a atenção438.

As revistas noticiaram a prática do topless no Baile Vermelho e Preto, do Flamengo,


no Baile do Atlantic, no Clube Monte Líbano, Baile dos Enxutos, no Teatro São José, na
Praça Tiradentes, no Canecão, entre outros. Até mesmo pelas proibições existentes o topless
não foi visto nos desfiles das escolas de samba no carnaval de 1980, mas os seios
apresentaram-se mais desnudos, com acessórios cobrindo apenas as aréolas e os mamilos.
Embora o uso do biquíni estilizado fosse comum entre as mulheres que desfilavam nas
escolas, maior desnudamento passou a ser visível entre as mulheres presentes. De acordo com
Manchete, o desvelar do corpo feminino na avenida começou de forma mais contundente com
a agremiação Beija-Flor: “Foi Joãozinho Trinta que começou a despir artisticamente as
sambistas (de todas as cores). Não será demais dizer que, na Beija-Flor, desfilam, hoje,
mulheres belíssimas escolhidas a dedo e generosamente distribuídas por todas as alas da
escola de Nilópolis”439.

437
HAVAÍ, op.cit., p. 10.
438
CÂMARA, José Rodolpho; BATISTA, Tarlis; BORGES, Humberto. Monte Líbano: valeu tudo na Noite de
Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.455, p. 37, 08 mar. 1980.
439
ESCOLAS, op. cit., p. 06, 01 mar. 1980.
214

Figura 16 – Desfilante da Beija-flor no carnaval de 1980440

Da calça saint-tropez ao topless, no decorrer de vinte anos as mulheres desnudaram


parcialmente seus corpos no cotidiano e no carnaval. O desvelamento do corpo feminino,
acelerado nos anos 1970, demonstrou a intensidade das mudanças, no campo da moral, que
reverberaram na forma das mulheres brincarem o carnaval, transgredirem normas e regras que
não mais se aplicavam para aquela nova sociedade em construção, mas que insistiam em
permanecer. Neste capítulo, especificamente, acredita-se que ficou evidente como o carnaval
serviu às mulheres dos segmentos médios e altos para reafirmação dos valores associados à
liberdade do corpo, demanda esta relacionada especialmente a esse grupo social. No entanto a
exposição de partes do corpo da mulher e principalmente dos seus seios, sobretudo no
contexto do carnaval, há muito entendido como espaço para manifestação de comportamentos
livres, vinculou-se à objetificação sexual do corpo feminino, que não ocorria somente nessa
festividade, mas que ganhava ali uma dimensão ainda maior. As revistas ilustradas
exploravam esse tipo de imagem e procuravam lucrar com ela, ao usarem-na como chamariz
para atrair a atenção do público leitor interessado não somente em acompanhar o carnaval,
passível de ser assistido pela televisão, naquele período, por algumas pessoas, mas em
observar atentamente as cenas selecionadas pelas revistas, nas quais as mulheres apareciam
semi-desnudas e em poses erotizadas. Com o sexo e a erotização em alta, as revistas
aproveitavam o carnaval para elevar à “enésima potência” o que já era explorado pela
publicidade.

440
ESCOLAS, op. cit., p. 06, 01 mar. 1980.
215

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se que as questões e reflexões desenvolvidas ao longo deste trabalho,


vinculadas às representações da imprensa acerca da presença feminina nos carnavais da
cidade do Rio de Janeiro, entre 1961 e 1980, possibilitaram averiguar em que medida as
mudanças no campo dos costumes se correlacionaram aos comportamentos apresentados nas
celebrações momescas e nas percepções da figura feminina. A década de 1960, período inicial
de transformações mais profundas na esfera da moral, pode ser caracterizada como uma época
de transição na qual antigos costumes foram questionados e novos valores construídos
paulatinamente.
Nessa conjuntura, transgressões eram comuns no espaço dos festejos carnavalescos,
haja vista o descumprimento pelas folionas de normativas que ainda persistiam na sociedade,
não obstante mudanças estivessem em curso e muitas regras já começassem a se apresentar
ultrapassadas diante daquilo que era efetivamente praticado. A festa carnavalesca,
considerada como ocasião primeira para manifestação de comportamentos mais livres, serviu
a muitas dessas mulheres como espaço para a exposição de sua sensualidade, tantas vezes
sujeita a repressões em décadas anteriores. Algumas vestimentas, nesse período,
principalmente aquelas que permitiam desnudar partes do corpo, como pernas e barriga,
foram usadas pelas folionas como forma de evidenciarem sua sensualidade em ambientes
exteriores aos quais estavam comumente associadas, como, por exemplo, à utilização do
biquíni nos folguedos de salão, mesmo quando tal traje estava proibido.
Assim, estas mulheres expressavam no carnaval comportamentos que ainda se
constituíam em críticas no cotidiano dos anos 1960, uma vez que os valores arraigados
socialmente coexistiam com os novos princípios decorrentes da chamada revolução sexual.
Esta, por sua vez, significou a liberação corporal e sexual e transformou-se na principal
conquista atrelada às transformações no âmbito da moral. A sexualidade feminina passou a
ser discutida e as práticas sexuais incentivadas pela imprensa, de tal forma que a manutenção
de um corpo “sensual” pelas mulheres e a assunção de uma postura ativa nas relações
amorosas e sexuais tornaram-se imprescindíveis para a identificação das mesmas como
“liberadas”, algo que se ligava à modernidade do período e à juventude dita transformadora.
A bibliografia sobre o assunto apontou, como evidenciado ao longo do trabalho, certa
ambiguidade nas representações da imprensa, uma vez que as mulheres apareceram como
agentes dessa liberação, ao mesmo tempo em que seus corpos, símbolos maiores dessas
216

mudanças, voltaram-se ao olhar masculino. O sexo, como consequência das transformações


em termos de valores, do apelo que adquiriu junto às pessoas e ao mercado, converteu-se em
conteúdo explorado e espetacularizado nos anos 1970.
No que concerne à cobertura do carnaval realizada pelas revistas ilustradas O
Cruzeiro e Manchete, há tempos notabilizadas pelo grande número de páginas dedicadas a tal
temática e concorrendo diretamente pela atenção do público leitor – interessado em
acompanhar as melhores imagens e reportagens sobre os folguedos –, foi possível observar
como o erotismo se fez presente nas fotografias selecionadas e nas legendas que
sugestionavam determinadas práticas pelos foliões. Desse modo, as revistas valeram-se do
aspecto sensual/sexual, já amplamente explorado pela publicidade e relacionado somente à
figura feminina, como mote para suas coberturas. O desnudamento parcial do corpo da mulher
associou-se ao espetáculo em que se transformou o carnaval no período estudado, voltado
principalmente para o desfile das escolas de samba, mas que encontrou nos bailes de salão,
sobretudo aqueles dedicados à elite e às classes médias, espaços para a manifestação de
determinados comportamentos que interessavam à imprensa registrar.
Esse desvelar do corpo – possível pelo uso de biquínis “estilizados”, o que
significava na prática a aplicação de apetrechos diversos em tal traje de banho, pela utilização
de transparências, e, no ano de 1980, pela exposição dos seios, cujas imagens foram exibidas
na imprensa, findadas as prescrições do Decreto-lei nº 1.077/70 – não deve estar circunscrito
a um único sentido, ou seja, ao entendimento do corpo como canal para transgressão ou
somente como mecanismo de ascensão das mulheres e de transformação de seus corpos em
objetos, embora se saiba que mulheres de segmentos sociais distintos aproveitavam o carnaval
para projetarem ainda mais suas imagens diante do público e do mercado e se reconheça os
interesses da imprensa na corroboração de determinadas representações.
Apesar desse fato, não se pode desconsiderar o momento político pelo qual passava o
país, ou seja, a existência de uma ditadura militar que impunha restrições no campo da moral,
e a forma como a nudez, ainda que parcial, visível nos bailes fechados, serviu às mulheres das
classes médias e altas para a quebra de tabus e para a afirmação dos novos valores ligados à
liberdade do corpo. É possível inferir, portanto, que a liberação corporal reiterada no carnaval
e apresentada, muitas vezes, como representativa de todo o carnaval carioca, adquiriu, nas
percepções da imprensa, mais uma conotação sexual voltada para a apreensão dessas
mulheres como objetos do desejo masculino do que propriamente no sentido de ressaltar a
forma como elas quiseram se mostrar e brincar o carnaval.
217

No que diz respeito à presença feminina nas escolas de samba, a imprensa construía
representações distintas sobre as desfilantes, a depender da posição ocupada por elas dentro
das agremiações carnavalescas, do reconhecimento que atingiam junto às escolas e da
inserção e projeção alcançada no universo de shows carnavalescos após os dias dedicados à
folia, aproveitando-se da internacionalização do carnaval. As porta-bandeiras, entretanto,
fugiam a esses parâmetros e, independentemente da fama que haviam alcançado em suas
respectivas agremiações, eram exaltadas nas coberturas carnavalescas da imprensa em seus
esforços de sustentar o bailado na apresentação da bandeira, símbolo maior da escola, e nos
sacrifícios realizados para ocuparem tais postos.
As atividades rotineiras exercidas por essas mulheres ao longo do ano eram
contrapostas ao tempo do carnaval na tentativa de demonstrar a inversão da ordem possível no
espaço dos festejos, interpretação esta, aliás, corroborada pela imprensa em vários momentos.
As passistas, identificadas pela imprensa somente as de participação tradicional, tinham como
destaque a qualidade dos passos apresentados e a trajetória em determinada escola. Nesses
casos, a sensualidade, quando ressaltada, mostra-se sutil na comparação com as passistas
anônimas. Estas, por sua vez, eram comumente classificadas como “mulatas”, e, embora o
samba no pé fosse ressaltado pela imprensa, não consistia no aspecto principal de sua
representação. A sensualidade, intrinsecamente associada à figura da mulata, prevalecia.
Considerada símbolo da brasilidade por representar a miscigenação, a figura da
mulata esteve historicamente relacionada ao estereótipo da mulher sensual que, associada à
imagem do carnaval e da mulher carioca, atingiu um caráter ainda mais sintomático. Por meio
de charges e de matérias contidas nos periódicos utilizados como fontes de pesquisa, foi
possível observar a forma como o carnaval se revestiu de uma significativa carga de
sensualidade, principalmente no plano corporal, no processo de (re)afirmação da
representação da mulher carioca como ousada e da difusão da imagem da “mulata-sedução”.
Esta tese abarcou, portanto, um período de mudanças significativas no carnaval e na
forma das mulheres se apresentarem e serem apreendidas pela imprensa nessas festividades.
No decorrer de vinte anos os desfiles das escolas de samba tornaram-se “espetáculo”, assim
como o sexo adquiriu, em decorrência da chamada revolução dos costumes, um status
semelhante. A erotização do corpo feminino passou a ser explorada no mercado de bens
culturais e não poderia escapar ao carnaval, um tipo de festejo que por sua própria essência
propiciava comportamentos transgressores. Da calça saint-tropez até a prática do topless, as
folionas dos festejos de salão, principalmente, lançaram mão do biquíni e da tanga. Buscava-
218

se a exposição física em um grau nunca antes visto no âmbito cotidiano e no dos carnavais,
vinculada ao domínio do corpo e do prazer pela mulher. A imprensa selecionada e a
publicidade, no entanto, exploraram comercialmente essas transformações, objetificando os
corpos femininos. Nos anos subsequentes aos aqui tratados, certas posturas e representações
somente se acentuariam, como, por exemplo, com o desnudamento completo do corpo
feminino alcançado pela modelo Enoli Lara, no carnaval de 1989, provocando no ano
seguinte a proibição da genitália desnuda, e o surgimento, no início dos anos 1990, da
Globeleza, personagem carnavalesca criada pelo canal de televisão Rede Globo, no qual a
sensualidade da festa esteve por muito tempo associada à mulher “mulata”, corroborando
velhos estereótipos de gênero e de raça.
Apesar de algumas semelhanças essas já são mulheres de tempos democráticos e
também de outros carnavais.
219

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4 - Depoimentos orais

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Dionísio, José Carlos Rego, Hiram Araújo, Lygia Santos e Benício Nascimento. Rio de
Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao projeto “Memória do
Povo da Dança do Samba” do MIS/RJ em 30 de julho de 1999 (VI – 00703.1/2).

RODRIGUES, Maria das Dores Alves. Depoimento. Entrevistadores: Manoel Dionísio e José
Carlos Rego. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS. Entrevista concedida ao
MIS/RJ em 28 de julho de 2000 (VI - 00782. 1/2).

SOUZA, Rivailda do Nascimento. Depoimento. Entrevistadores: Aroldo Bonifácio, José


Carlos Rego e Manoel Dionísio. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som – MIS.
Entrevista concedida ao projeto “A sorte é sua em conhecer” no auditório da LOTERJ para o
MIS/RJ em 2000 (VI - 00758.3).

5 - Figuras (charges, fotografias e outros)

ALBUQUERQUE, João Luiz; NOYA, José Artur. Carnaval 62. O Grande Baile dos Artistas.
Manchete, Rio de Janeiro, n. 516, p. 12-13, 10 mar. 1962.

AS TANGAS saíram em bloco. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.142, p. 48, 09 mar. 1974.

CARNAVAL do Copa para o Mundo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 21, p. 96, 29 fev. 1964.
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CÂMARA, José Rodolpho. Uma noite em Bagdá. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.193, p. 09,
01 mar. 1975.

CLAUDIUS. Turistas e mulatas. Manchete, Rio de Janeiro, n. 881, p. 146, 08 mar. 1969.

CLAUDIUS. Turistas no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 878, p. 166, 15 fev. 1969.

ESCOLAS de samba: o carnaval dos carnavais. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1454, p. 06, 01
mar. 1980.

ESTÊVÃO, Carlos. Carnaval e biquíni proibido. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 25, 17
mar. 1962.

MUNICIPAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 985, p. 111, 06 mar. 1971.

MUNICIPAL. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.192, p. 108, 22 fev. 1975.

O TRI da Beija-Flor. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.349, p. 126, 25 fev. 1978.

PECORELLI, Maria Rosa; MEDEIROS, Eugênia de; MARIEN, Violeta; LAGE, Otacílio.
Por que o sexo explode no carnaval. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1.350, p. 40-41, 04 mar.
1978.

PROIBIDO o uso de biquíni e calção nos bailes de carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 27 dez.
1961, p. 06.

RAMALHO, Eduardo; AMÉRICO, Rubens. Samba tem rainhas de uma noite só. O Cruzeiro,
Rio de Janeiro, n. 18, p. 40, 08 fev. 1964.

ZIRALDO. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 23, p. 62-63; 65, 16 mar. 1963.

Instituições e Arquivos Pesquisados

Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP) – São Paulo – SP.

Biblioteca e Centro de Documentação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand


(MASP) – São Paulo – SP.

Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP) – UNESP/Assis - SP.

Museu da Imagem e do Som – MIS – Rio de Janeiro – RJ.

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