2021 - Pombal, Lucas Boaventura Soares de PDF

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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS


Departamento de Ciência Política e Administração Pública
Licenciatura em Administração Pública

DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA


NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: Caso Município de Boane
(2018-2020)

Lucas Boaventura Soares de Pombal

Supervisor: Prof. Doutor Francisco da Conceição


Co-Supervisor: Luís Bembele, Msc

Maputo, 2021
DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA
NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: Caso Município de Boane
(2018-2020)

Trabalho Apresentado na Faculdade de Letras e


Ciências Socias da Universidade Eduardo
Mondlane como requisito parcial para obtenção do
grau de Licenciatura em Administração Pública.

Supervisor: Prof. Doutor Francisco da Conceição


Co-Supervisor: Luís Bembele, Msc

Maputo, 2021
DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA
NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: Caso Município de Boane
(2018-2020)

Lucas Boaventura Soares de Pombal

Trabalho de fim de curso apresentado à Faculdade de Letras e Ciências Sociais da


Universidade Eduardo Mondlane como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciatura em Administração Pública.

Mesa de Júri:
O Presidente

__________________________________________________
O Supervisor

__________________________________________________
O Oponente

_________________________________________________

Maputo, 2021
SUMÁRIO
DECLARAÇÃO DE HONRA .................................................................vi

DEDICATÓRIA ..................................................................................... vii

AGRADECIMENTOS .......................................................................... viii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................... x

EPÍGRAFE ...............................................................................................xi

RESUMO ............................................................................................... xii

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13

1.1. Problema de pesquisa ......................................................................................................... 15

1.2. Hipótese.............................................................................................................................. 18

1.3. Objectivos do Estudo ......................................................................................................... 18

1.3.1. Objectivo Geral: .......................................................................................................... 18

1.3.2. Objectivos Específicos: ............................................................................................... 18

1.4. Justificativa......................................................................................................................... 19

CAPITULO II: DESCRIÇÃO DO PANORAMA HISTÓRICO DA DESCENTRALIZAÇÃO


EM MOÇAMBIQUE, EM GERAL E NO MUNICÍPIO DE BOANE EM PARTICULAR ....... 20

1.1. Breve caracterização do Município de Boane .................................................................... 28

CAPÍTULO III – QUADRO TEÓRICO- CONCEPTUAL.......................................................... 30

1.1. Quadro Conceptual ............................................................................................................. 30

1.1.1. Descentralização .......................................................................................................... 30

1.1.2. Participação ................................................................................................................. 34


1.1.3. Comunidade ................................................................................................................. 39

1.1.4. Desenvolvimento ......................................................................................................... 41

1.2. Quadro Teórico .................................................................................................................. 47

CAPÍTULO IV.............................................................................................................................. 48

1.1. Metodologia ....................................................................................................................... 48

CAPÍTULO V – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS 50

1.1. O processo de configuração das agendas políticas locais .................................................. 50

1.2. A mecânica de audição dos órgãos do município as comunidades .................................... 54

1.3. Conclusões ......................................................................................................................... 64

1.3.1. Recomendações ........................................................................................................... 66

5. Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 67

ANEXOS ...................................................................................................................................... 72

Anexo I – Lista dos entrevistados ............................................................................................. 72

Anexo II – Guião de questionário ............................................................................................. 72

Anexo III – Credencial de colecta de dados .............................................................................. 75

LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Mapa geográfico do município de Boane...................................................................... 29

Figura 2: A audiência pública realizada no dia 5 de Maio de 2019, no âmbito de elaboração de


Plano de Estrutura Urbana, no Instituto Agrário de Boane .......................................................... 53
Figura 3: Imagem do programa governação aberta, porta-à-porta ............................................... 58
Figura 4: Imagens do programa governação aberta, porta-à-porta ............................................... 59

Tabela 1: Tipos de participação e suas características segundo Jules Pretty ................................ 37


DECLARAÇÃO DE HONRA

Declaro por minha honra que o presente trabalho de fim de curso nunca foi
apresentado para obtenção de qualquer grau académico e que o mesmo constitui o
resultado da minha investigação pessoal, estando citadas, e na bibliografia todas as
fontes utilizadas para a sua concepção.

O Licenciando

_____________________________________________________________
(Lucas Boaventura Soares de Pombal)

Maputo, 2021

vi
DEDICATÓRIA

Dedico a este trabalho aos meus pais, Boaventura António


Soares de Pombal e Luísa Tomo Simbe, pelos bons ensinamentos
transmitidos desde de petiz e por serem responsáveis directos pela
transformação deste sonho em realidade.

A minha amada namorada, Cristina Percília Langa pela


confiança e compreensão que depositou em mim, durante todo o
percurso de realização deste trabalho. E que sirva-te de
inspiração honey!

vii
AGRADECIMENTOS
Este trabalho simboliza a transformação de um sonho em realidade, que não resultou apenas do
esforço individual, mas sim, brotou de diversas contribuições, por isso os meus agradecimentos
são bastante extensivos. Em primeiro lugar agradeço ao bom Deus pelo dom da vida e saúde, e
aos meus pais que são os responsáveis directos pela transformação deste sonho em realidade.

Agradeço aos meus supervisores, profs. Francisco da Conceição e Luís Bembele que foram
imprescindíveis para a realização deste trabalho.

Endereço de forma particular os meus agradecimentos aos profs. José Macuane, Egídio Guambe,
Nobre Canhanga e Sélcia Lumbela que despertaram em mim o interesse pela descentralização,
participação política, políticas públicas e processo decisório, de que resultou este trabalho.

Vejo-me na obrigação de expressar a minha profunda gratidão a todos professores do


Departamento de Ciência Política e Administração Pública, que contribuíram de forma
inestimável na minha formação como homem novo. Em especial, aos profs. Adelino Pimpão,
Feliciano Simão, Salvador Forquilha, João Mangachai, Sónia Chone, Heródoto Fuel e Salvador
Watata.

Quero agradecer com todo júbilo a minha família, em especial aos meus tios Domingos Simbe,
Manuel Simbe, Berlarmino Nhatave, Mario Tato, Maria Simbe e Rosa Valentim. Aos meus
primos, José Mandala, José Jasse, Domingas Mandala e Ivânia Manhoca. Aos meus irmãos,
Pedro Pombal e Rosária Pombal. Pelo todo apoio moral, material e financeiro prestado durante a
minha formação.

Aos meus colegas da turma, Salomão Cânda, Jaquissone Fundo, Osvaldo Raice, Pedro
Chivambo, Líria Cossa, Cremilda Manhique, Lina Nhantumbo, Márcia Langa, Sérgio Chiziane,
Bertil Chicote, Lucman Safire. Lito Fijamo, Said Macuácua e os demais.

Aos meus destintos amigos e companheiros, Carlos Papixy Cossa, Ramadan Adamo Amade,
Azarias Ananias Muchave, Francisco Almeida, Rogério Mandala, José Massango, Bonifácio
Nicolas e Aurélio Oliveira.

viii
A minha amada namorada, Cristina Percília Langa, que sempre esteve ao meu lado, nos piores e
bons momentos da minha vida. Lembro-me que existiram situações em que me veio em mente
desistir de lutar pela concretização deste sonho, mas ela sempre esteve por perto para me
incentivar a continuar a dura jornada. Obrigado meu amor, por tudo isto e muito mais!

Estou ciente de que posso não ter listado todos que directa ou indirectamente contribuíram para a
minha formação global. A todos estes, endereço o meu muito obrigado de todo meu coração.

ix
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AR Assembleia da República
BM Banco Mundial
CM Conselho Municipal
CTAM‟s Comissões de Trabalho de Assembleia Municipal
CRM Constituição de República de Moçambique
CNJ Comissão Nacional da Juventude
FMI Fundo Monetário Internacional
FCA Fundo de Compensação Autárquica
FIIA Fundo de Investimento de Iniciativa Autárquica
Frelimo Frente de Libertação de Moçambique
IPCC Instituições de Participação e Consulta Comunitária
LOLE Lei dos Órgãos Locais do Estado
MDM Movimento Democrático de Moçambique
MVB Município de Vila de Boane
ONG‟s Organizações Não-Governamentais
OSC Organizações de Sociedade Civil
OJM Organização da Juventude Moçambicana
OMM Organização da Mulher Moçambicana
PM Presidente de Município
PRE Programa de Reabilitação Económica
PRES Programa de Reabilitação Económica e Social
PROL Programa de Reforma dos Órgãos Locais
PVD Países em Via de Desenvolvimento
PQG Programa Quinquenal do Governo
PES Plano Economico Social
PEU Plano de Estruturação Urbana
Renamo Resistência Nacional de Moçambique

x
EPÍGRAFE

“A democracia, como um processo de construção permanente de um ideal político, social e


normativo, assenta no pressuposto de autoridade partilhada entre actores políticos e sociais,
através de participação.”

Saíde Jamal

xi
RESUMO
De ponto de vista teórico e normativo a descentralização assegura a consolidação da democracia,
a promoção do desenvolvimento local e participação comunitária no processo decisório. Esse
pressuposto tem orientado as reformas da descentralização politica e administrativa em
Moçambique. No entanto, os trabalhos referentes à governação local em Moçambique, sugerem
que o processo de implementação das reformas da descentralização política, ainda não teve um
impacto significativo na constituição e desenvolvimento de arenas políticas locais, capazes de
promover o envolvimento e participação da comunidade na formulação de políticas públicas
locais. É com base nessas premissas que o trabalho subordina-se ao tema descentralização e
participação comunitária no desenvolvimento local. Onde procura analisar a participação
comunitária no processo de elaboração e implementação de políticas de desenvolvimento local,
no Município de Boane. O estudo partiu do pressuposto de que embora o quadro teórico e
normativo defenda que a descentralização garante a participação comunitária no processo
decisório, no Município de Boane, a comunidade pouco participa na elaboração e implementação
de políticas. A metodologia adoptada foi de cunho qualitativo assente em entrevistas, pesquisa
bibliográfica e documental. O estudo constatou que os mecanismos existentes de participação
comunitária, reuniões populares e orçamento participativo, ainda não permitem o envolvimento
das comunidades em todo processo decisório, e muito menos a influência destes no figurino das
políticas locais e no curso dos acontecimentos políticos e sociais no final do dia.

Palavras-chave: Descentralização, Participação, Comunidade e Desenvolvimento.

xii
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
A presente pesquisa procura analisar a participação da comunidade no processo de elaboração e
implementação de políticas públicas de desenvolvimento local no município de Boane, partindo
do pressuposto de que o país experimenta novo figurino de governação descentralizada.

Embora o quadro teórico e normativo defenda que a descentralização garante a participação


comunitária no processo decisório, no nosso caso de estudo, a comunidade pouco participa na
elaboração e implementação de políticas públicas.

Reflexões teóricas apontam que a partir dos anos 1980/1990, os países periféricos viram-se
obrigados a enveredar pelo processo da democratização do Estado, o abandono do paradigma do
Estado centralizado e adopção do Estado gradualmente descentralizado. Por via disso, o Estado
foi forçado a ter uma nova configuração e a estabelecer relações de proximidade com a
sociedade.1

No entanto, esses países ainda não conseguem formar coalizões políticas capazes de
minimamente equacionar a questão de como desenhar as políticas públicas capazes de
impulsionar o desenvolvimento económico, e de promover a inclusão social de grande parte da
sua população. É por isso, que existe uma tentativa em vários países do mundo em
desenvolvimento, de implementar políticas públicas de caracter participativo. Impulsionados, por
um lado, pelas propostas de organismos multilaterais, e por outro, por mandamentos
constitucionais e pelos compromissos assumidos por alguns partidos políticos. Várias
experiências foram implementadas visando a inserção de grupos sociais ou interesses na
formulação e acompanhamento de políticas públicas.2

É nesse contexto que o país implementou o PRE (1987) e aprovou então nova CRM (1990), que
consolidou a economia do mercado com base na iniciativa privada, introduziu o
multipartidarismo e um modelo de Estado unitário gradualmente descentralizado. Através disso,
emergiu uma visão de que o modelo do Estado descentralizado garante a participação da
comunidade no centro da decisão política. “Pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos,
demonstram que as reformas da descentralização, ainda continuam longe de promover a

1
CANHANGA, Nobre Varela. Descentralização, Participação Comunitária e Desenvolvimento Municipal: O
Caso de Município de Quelimane. Monografia (Licenciado em Administração Pública), Faculdade de Letras e
Ciências Sociais – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2001, pág. 6.
13
participação dos cidadãos na solução dos problemas locais, o desenvolvimento local,
aprofundamento e consolidação da democracia.”3Contudo, apesar da participação comunitária
mostrar-se indispensável para o alcance do desenvolvimento local, ainda persistem querelas em
relação a participação da comunidade no processo de elaboração e implementação de políticas de
desenvolvimento local.

Desta forma, o trabalho explora as lógicas detrás de baixos níveis de participação comunitária no
centro da decisão política, discuti os processos de tomada de decisão, avalia o grau e as formas
de participação e mapeia os actores envolvidos no processo decisório

Em termos de estrutura o trabalho comporta cinco partes; a primeira, apresenta o problema de


pesquisa, a hipótese levantada para responder o problema, os objectivos da pesquisa, a
justificativa do tema. A segunda, descrição do panorama histórico da descentralização em
moçambique, em geral e no município de Boane em particular, e uma breve caracterização do
MVB. A terceira, apresenta o debate teórico e conceptual dos conceitos-chave da pesquisa e a
teoria que orientou o estudo. A quarta, faz-se apresentação, análise discussão dos resultados. A
quinta e última parte, apresenta as conclusões e as recomendações.

2
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. 2006, Pág. 2-14.
3
FORQUILHA, Salvador. Reformas de Descentralização em Moçambique. 2020
14
1.1. Problema de pesquisa
A partir dos primórdios da década 80, países periféricos, incluindo Moçambique, a
descentralização constituiu um paradigma dominante e um antídoto para resolver problemas que
assolavam o Estado de índole político-administrativo e económico. Várias reflexões apontam que
a descentralização é parte integrante do processo da democratização do Estado e um meio para
garantir a participação da comunidade na gestão pública e na promoção do desenvolvimento
local. É com base neste pressuposto que a partir dos finais dos anos 1980 e primórdios dos anos
1990, assistiu-se as primeiras ondas da descentralização em Moçambique.4

Pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos em Moçambique sugerem que a descentralização
ainda continua longe de promover a participação dos cidadãos na solução dos problemas locais,
o desenvolvimento local, aprofundamento e consolidação da democracia.5Contudo, persiste uma
ideia segundo a qual o modelo do Estado descentralizado assegura a participação da comunidade
no processo decisório, garante a eficácia e eficiência da administração pública e apadrinha o
processo da democratização do Estado.

Esta ideia é consubstanciada pelo número 1, do artigo 267, da lei-mãe6, onde preconiza-se que a
descentralização visa organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios
da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da
democracia.7

Em Moçambique, o processo de descentralização ocorre através de duas formas: a devolução,


que consiste na implantação de autarquias com eleições directas dos seus órgãos representativos
e com autonomia administrativa, financeira e patrimonial; e desconcentração, através de
estabelecimento dos órgãos locais do Estado, que são um prolongamento da administração
central a nível provincial, distrital, posto administrativo e localidade.8

4
CANHANGA, Op.cit. p.8
5
FORQUILHA, Salvador. Reformas de Descentralização em Moçambique. 2020.
6
Lei n.o1/2018, de 12 de Junho, aprova a revisão pontual da constituição.
7
Lei n.o1?2018, de 12 de Junho, aprova a revisão pontual da constituição.
8
ILAL, Abdul. Governação Local e Relações intergovernamentais. In Adriano Nuvunga, Marcelo Mosse & Paolo
Renzio (Eds.). Maputo: CIP, 2008, p. 54-64.
15
Nesta conformidade, tem-se privilegiado a descentralização como o meio de garantir a
governação participativa, embora os estudos demonstrem que os níveis de participação estão
muito além do desejável.

É nesse sentido, que em 2018 o país aprovou o novo pacote da descentralização, que preconiza a
eleição de governadores provinciais (Leis n.o S 3/2019, 4/2019, 5/2019, 6/2019, 7/2019, todas de
31 de Maio, e o Decreto n.o 2/2020, de 8 de Janeiro). Esse novo pacote é o produto de uma visão
ingénua e romancista, segundo a qual a descentralização constitui panaceia de todos os males
que assolam a administração pública e Estado, e uma via automática para elevação de
participação social e desenvolvimento local.

Embora seja assunto do momento, a problemática do actual figurino de governação


descentralizada (novo pacote de descentralização) veio sobrepor-se à questão das regiões ou
províncias autónimas, revindicadas pelo então líder da Renamo, Afonso Dhlakama, depois da
derrota do seu partido nas eleições gerais (legislativas e presidenciais) e assembleias provinciais
de 2014. Nesta altura, Dhlakama ameaçou governar as províncias de Nampula, Zambézia,
Sofala, Manica e Tete, nas quais revindicava ter obtido a maioria de votos, caso a Frelimo,
partido no poder, chumbasse, no parlamento, o projecto de lei que pretendia institucionalizar as
províncias autónimas.9

Depois de negociações longas e secretas entre o Governo e a Renamo. O presidente da


República, Felipe Nyusi a 7 de Fevereiro de 2018 submeteu um conjunto de propostas a
Assembleia da República que culminaram com aprovação da emenda constitucional e chamado
pacote de descentralização. 10 Esse pacote visava acomodar os interesses dos dois partidos
beligerantes, a Frelimo e Renamo.

Vale relembrar que as autarquias locais foram criadas num processo gradual que visava a
transformação de vilas e povoações em novas autarquias, por se acreditar que poderia melhorar a
qualidade dos cidadãos. Esse mesmo pressuposto foi usado para levar acabo a reforma da

9
GUAMBE, Egídio & DO ROSÁRIO, Domingos. O Secretário do Estado na Província não deve parecer um
comissário político disfarçado. Policy Brief No. 5. 2020.
10
EISA. A Reforma Constitucional e da Legislação Eleitoral Autárquica de Moçambique 2018: brochura
informativa. 2018.

16
governação descentralizada provincial, por se entender que estimularia a gestão participativa
local.11

Nesse processo houve uma narrativa desenvolvida de que o poder local (descentralizado)
fragmentaria a unicidade do Estado. Aponta-se que a Governação Descentralizada serve para
acomodar “mesquinhices partidárias” e aliviar a pressão de redistribuição de postos clientelistas
na administração.12

A rapidez com que o processo foi conduzido para viabilizar as eleições gerais de Outubro de
2019 também concorreu para as imperfeições constantes nos diplomas legais, incluindo algumas
contradições e repetições desnecessárias.13É em virtude disso, que recorrendo a rigor a definição
do conceito reforma, denota-se no nosso entender que esse processo distancia-se de uma reforma
genuína, mas sim, está mais para um arranjo institucional. Pois a reforma busca responder os
problemas do Estado ou sector público e não acomodar interesses que não vão encontro dos
objectivos do Estado. Contudo, a emenda constitucional que deu lugar a esse processo, no seu
número 1, do artigo 267, estabelece que a descentralização visa organizar a participação dos
cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento
local, o aprofundamento e a consolidação da democracia.

Embora a legislação assegure a participação comunitária no processo de governação, isso nem


sempre observa uma certa regularidade. Pois existe um descompasso entre as promessas teóricas
da descentralização e as implicações práticas para a participação activa da comunidade no
processo de governação.14 É neste contexto, que os elementos acima apresentados suscitam a
indagação que diz respeito às causas (por quê), condições (quando) e processos (como) por meio
dos quais a descentralização, no Município de Boane, assegura a participação comunitária no
processo de elaboração e implementação de políticas públicas do desenvolvimento local?

11
IBEDEM
12
GUAMBE & DO ROSÁRIO, op.cit.p.6
13
Centro para Democracia e Desenvolvimento, Maputo, Domingo, 09 de Agosto de 2020
14
CANHANGA, Op.cit. p.28
17
1.2. Hipótese

A hipótese central desse trabalho remete à ideia de que para os políticos a descentralização no
Município de Boane, assegura a participação comunitária no processo de elaboração e
implementação de políticas públicas do desenvolvimento local porque esta dimensão se
converteu em uma questão crítica para a legitimidade das politicas publicas no mundo e em
Moçambique, entre as décadas de 1990 e 2000, podendo ser traçada a partir de um processo da
criação da lei no.2/97, de 18 de Fevereiro. Nesta senda, com vista a responder a pergunta de
partida, o estudo parte do pressuposto de que apesar do quadro teórico e normativo defender que
a descentralização garante a participação comunitária no processo decisório, no Município de
Boane, a comunidade pouco participa na elaboração e implementação de políticas.

1.3. Objectivos do Estudo

1.3.1. Objectivo Geral:

 Analisar a participação comunitária no processo de elaboração e implementação de


políticas do desenvolvimento local, no Município de Boane.

1.3.2. Objectivos Específicos:

 Descrever o panorama histórico do processo de descentralização em Moçambique, em


geral e no Município de Boane em particular;

 Identificar na comunidade os actores envolvidos no processo decisório;

 Compreender as condições e processos (como) por meio dos quais os munícipes de


Boane, participam na elaboração e implementação de políticas públicas do
desenvolvimento local; e

 Avaliar o grau de participação comunitária no processo de elaboração e implementação


de políticas do desenvolvimento local.

18
1.4. Justificativa

Estudar a descentralização, participação e desenvolvimento local tornou-se relevante na medida,


que transformou-se num critério democrático indispensável. A escolha do tema deriva da
constatação segundo a qual, a participação comunitária no processo decisório mostrar-se
indispensável para o alcance do desenvolvimento local, no entanto, verifica-se desafios em
relação a este processo.

No actual contexto dominado pelas teorias democráticas, a participação é considerada como um


dos requisitos para o desenvolvimento local sustentável. Assim o processo de descentralização
em curso no país visa ampliar os mecanismos de participação popular na governação local e, por
esta via, acelerar a criação de bem-estar das comunidades.15

Entretanto, há poucos estudos que procuram entender os desafios da participação comunitária na


governação local em quase todo país.16Dai, uma pesquisa que procura dar respostas a estas
inquietações de governação participativa reveste-se de grande relevância académica e prática, na
medida em que permiti alargar o nosso conhecimento sobre a problemática e sugerir ações
concretas para ultrapassar tais problemas.

A delimitação do horizonte temporal (2018-2020) justifica-se primeiro, por ter sido no ano de
2018 que o Governo aprovou o novo pacote da descentralização, o qual alterou o figurino
governativo, o que demostra que persiste a tendência de privilegiar a descentralização como
forma de partilha de poder e de participação popular na gestão pública local. Segundo, tem-se o
ano 2020 como o “tecto” de pesquisa pelo facto de que pese embora passem 23 (vinte e três)
anos após implementação da descentralização política em Moçambique os estudos publicados
em 2020, continuam mostrando que “as reformas da descentralização em Moçambique, ainda
continuam longe de promover a participação dos cidadãos na solução dos problemas locais, o
desenvolvimento local, aprofundamento e consolidação da democracia”17

15
SIMÃO, Feliciano Victorino. Descentralização Participação Local Em Moçambique: Uma Analise das
Experiencia dos Conselhos Locais no Distrito de Magude. Dissertação (Mestre em Governação Administração
Pública), Faculdade de Letras e Ciências Sociais – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2013, p. 7.
16
IBIDEM
17
FORQUILHA, Op.cit. p.4
19
A escolha do Município de Boane para a pesquisa reside na conjugação de três factores
fundamentais: Primeiro, a Localização – está próximo da cidade de Maputo, o que minimiza os
recursos financeiros que são escassos. Segundo, a língua – o domínio da língua local, changana,
facilitando a comunicação com a comunidade. E por fim, o facto do município de Boane fazer
parte da ultima onda de autarcização.

CAPITULO II: DESCRIÇÃO DO PANORAMA HISTÓRICO DA


DESCENTRALIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE, EM GERAL E NO
MUNICÍPIO DE BOANE EM PARTICULAR

No período que antecedeu à independência vigorava no país um sistema estatal colonial


centralizador e autoritário. Estas características, assentavam em pressupostos típicos de regimes
coloniais, nomeadamente, a dominação política, a exploração económica dos recursos e o
controle administrativo do território. A organização do sistema refletia esse forte grau de
centralização, em praticamente quase todos escalões os órgãos dirigentes eram nomeados.18

Depois da independência, Moçambique tornou-se numa República monopartidária com a


Frelimo instituída como partido no poder e seu presidente Samora Moisés Machel, como
detentor do poder executivo, e tendo adoptado uma orientação político-económico
centralizador.19

No decorrer do tempo, o sistema político-económico centralizador tornou o aparato


estatal-administrativo inoperante, ineficiente e incapaz de responder as demandas sociais, em
termos de bens ou de serviços públicos de quantidade e qualidade. Esse panorama
político-administrativo e económico-social sugeriu o abandono do paradigma do Estado
centralizado e adopção do Estado gradualmente descentralizado, o que permitiria estabelecer
relações de proximidade entre o Estado e a comunidade, e o envolvimento da comunidade no
processo decisório. 20 Foi através disso, que no início dos anos 80 o Governo reconheceu
oficialmente, que o sistema em vigor, até então, era centralizado excessivamente e que o Estado
era sobredimensionado a nível central e de muito fraca eficácia ao nível das províncias e

18
MÉTIER. Perfil da Descentralização em Moçambique. Maputo: Unidade Editora de MÉTIER, 2004, p. 16.
19
IBIDEM
20
CANHANGA, Op.cit.
20
distritos.21Consequentemente, levou a um conjunto de reformas político-administrativas, que
consistiram basicamente na implementação do PRE (1987) e aprovação da então nova CRM
(1990).

As reformas políticas, económicas e sociais implementadas desde 1987, como lançamento do


PRE, consolidadas pela adopção de uma nova Constituição a 2 de Novembro de 1990, e o fim da
guerra civil em 1992, criaram condições favoráveis para o desenvolvimento do processo de
descentralização político-administrativo.22

Porém, algumas reflexões teóricas apontam que processo de descentralização é relativamente


antigo em Moçambique, apesar de que tornou-se mais consistente a partir do fim dos anos 80.
Desde a segunda metade do século XIX, a descentralização é uma questão de natureza politica
que interessa directamente a Moçambique como província ultramarina de Portugal.23

As condições favoráveis criadas pela constituição de 1990 e o pelo fim da guerra civil, levaram o
Governo de Moçambique aprovar o PROL, através da Lei n.o3/94 de 13 de Setembro que tinha
como objectivo reformular o sistema de administração local do Estado vigente e a sua
transformação em órgãos locais com personalidade jurídica própria, dotados de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial. O programa previa a divisão administrativa do país em
128 (cento e vinte oito) distritos municipais rurais e 23 (Vinte e três) distritos municipais
urbanos, dirigidos por três órgãos municipais (presidente, assembleia e conselho municipal),
eleitos por sufrágio direto, secreto e universal.”24

Este diploma legislativo (Lei n.o3/94, de 13 de Setembro) foi duramente criticado e não entrou
25
realmente em vigor. A principal crítica estava assente na sua inconstitucionalidade. A CRM
não previa a criação de autarquias locais, o legislativo não podia as criar. Para ultrapassar esse
obstáculo, o parlamento procedeu a uma reforma parcial da Constituição, em 1996 introduzindo

21
FORQULHA, Salvador. Remendo novo em pano velho: o impacto das reformas de descentralização no processo
de governação local em Moçambique. In Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava & António (org.).
Cidadania e Governação em Moçambique. Maputo: IESE, 2008, p. 77.
22
Forquilha, Op.cit.
23
CISTAC, Gilles. Moçambique: institucionalização, organização e problemas do poder local. Lisboa, 2012, p.2.
24
FERNANDES, Tiago Matos. Descentralizar é fragmentar? Riscos de pluralismo administrativo para unidade do
Estado em Moçambique, Maputo: Revisa Critica de Ciências Sociais, 2007, p. 151-164.
25
ROSÁRIO, Domingos de. Descentralização em contextos de partido dominante: caso município de Nacala
Porto. In Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava & António (org.). Cidadania e Governação em
Moçambique. Maputo: IESE, 2011, p. 56.
21
em novo titulo, consagrado ao poder local. Esta reforma constitucional introduziu novas figuras
(Lei de criação de autarquias locais26, lei de finanças locais27 e lei de tutela administrativa28),
que permitiram a implementação efectiva do processo da descentralização.29

Desde os anos 1990, as reformas de descentralização sempre estiveram associadas à ideia do


reforço da democracia e tidas como sendo capazes de favorecer a emergência de novos actores, a
mobilização da sociedade civil, a construção do campo político local e a renovação das práticas
participativas30, que também contribuíram para o processo da descentralização.

As primeiras eleições multipartidárias, para a Presidência e Assembleia da República, realizadas


no mês de Outubro de 1994, igualmente criaram condições de pacificação e democratização
necessárias para dar início ao processo de descentralização no país. Algumas reflexões teóricas
apontam que através dessas eleições, verificou-se que a Renamo conseguiu obter resultados
eleitorais potencialmente ameaçadoras, na ótica da Frelimo, para a sua hegemonia política no
âmbito local (principalmente no Centro e Norte do país), num cenário de eleições municipais.
Por essa razão, e também por divergências manifestadas pelo partido Renamo sobre o teor da
legislação que visava regulamentar a primeira lei sobre autarquias locais, acabou-se por
proceder-se à alteração da constituição moçambicana, a qual passou a incluir um novo capítulo
sobre o poder local.31

O novo quadro-constitucional permitiu aprovação da Lei n.o 2/97 de 18 de Fevereiro, a criação


de 33 (trinta e três) municípios urbanos e a realização das primeiras eleições autárquicas, em
1998. Prevalecia na altura uma ideia de que a descentralização permitiria dinamizar o processo
de democratização, aproximar o Estado da comunidade, garantir a estabilidade político-militar, e
envolver a comunidade no processo de governação local.

Para alguns, a descentralização contribuiu para reconstrução do Estado, a minimização de


conflitos e a consolidação da paz, e por se tratar de um poder mais próximo do cidadão a

26
Lei n.o2/97, 18 de Fevereiro, que aprova o quadro jurídico para implantação de autarquias locais.
27
Lei n.o11/97, 31 de Maio, define e estabelece o regime jurídico-legal das finanças e do património das autarquias
locais.
28
Lei n.o7/97, 31 de Maio, estabelece o regime jurídico da tutela administrava do Estado a que estão sujeitas as
autarquias.
29
CISTAC, op.cit.p.4.
30
FORQUILHA, Op.cit. p.8.
31
FERNANDES, Op.cit. p. 152.

22
descentralização potencia a participação dos cidadãos na resolução dos problemas e no
desenvolvimento local, reforçando a democracia ou pelo menos aproximando os cidadãos do
32
centro da decisão político-administrativo. Para outros, as reformas de descentralização em
Moçambique, ainda continuam longe de promover a participação dos cidadãos na solução dos
problemas locais, o desenvolvimento local e aprofundamento e consolidação da democracia.33

No entanto, na sua maioria os estudiosos apontam que a descentralização é um meio de criar


espaços para as pessoas e organizações da sociedade civil participarem activamente no processo
de desenvolvimento, na medida em que tende a desenvolver capacidade de resposta das
instituições do governo e ajuda a desenvolver recursos locais, favorecer o crescimento e a criar
emprego.34A descentralização também está ligada ao processo de construção da nação, com
objectivo de aumentar o sentimento das populações de pertença ao Estado e à nação, e figura
uma condição necessária, mas não suficiente para assegurar por si só a participação comunitária
no processo decisório.35

A Constituição estabelece que a descentralização tem como objectivo organizar a participação


dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade, promover o
desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia, no quadro da unidade
do Estado Moçambicano, e que apoia-se na iniciativa e na capacidade das populações e actua em
estreita colaboração com as organizações de participação dos cidadãos. 36 Contudo, algumas
reflexões teóricas apontam que as reformas da descentralização em Moçambique, ainda
continuam longe de promover a participação dos cidadãos na solução dos problemas locais, o
desenvolvimento local, aprofundamento e consolidação da democracia.37

Num Estado de tradição centralista e autoritária praticamente centenária, o desafio da


descentralização não pode deixar de enfrentar serias resistência, como aliás a própria
38
democratização. As resistências inerentes a descentralização, estão associadas em parte a

32
FARIA, Fernanda & CHICHAVA, ANA. Descentralização e cooperação descentralizada em Moçambique.
1999.
33
FORQUILHA, Op.cit. p. 1.
34
SOIRI, Lina. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada? Ligações entre a
descentralização e o alívio da pobreza. 1999.
35
IBIDEM
36
Lei no1/2018, de 12 de Junho, que aprova revisão constitucional.
37
FORQUILHA, Salvador. Reformas de Descentralização em Moçambique. 2020. Pág. 1.
38
WEIMER, Bernhard (org.). Descentralizar O Centralismo? Economia Politica, Recursos E Resultados. IESE:
Maputo, 2012.
23
inobservância das normas que regem o quadro da descentralização por parte dos burocratas da
rua e políticos, e ao desconhecimento das normas pelos administrados. Esse facto, leva ao
divórcio entre as teorias e práticas da descentralização no país39, o que coloca em causa a ideia
de que a descentralização assegura a participação comunitária na ação governativa.

Estes elementos permitem relativizar uma visão normativa e ingénua da descentralização,


amplamente partilhada pelos profissionais da política e outros agentes de desenvolvimento,
segundo a qual esta seria uma via privilegiada e quase automática para promover a
democratização da sociedade, melhorar a prestação de serviços públicos ao cidadão, e em geral
facilitar o desenvolvimento.40

No entanto, tem havido um consenso nacional e internacional no sentido de que a melhoria da


governação, da qualidade das políticas públicas e das capacidades e competências institucionais
pode alavancar um novo ímpeto de crescimento com reflexos diretos na melhoria da vida das
pessoas. É nesse sentido que Moçambique continua a privilegiar as reformas de governação,
41
nomeadamente: gestão de finanças públicas, a gestão do sector público e a descentralização.
O problema é que estas reformas têm sido implementados no quadro de uma assunção formal das
instituições e processos próprios de regimes democráticos, mas questiona-se sobre até que ponto
essas reformas estão a ter reflexos práticos na melhoria da qualidade da gestão do bem público,
na qualidade de vida das pessoas e muito menos na participação dos cidadãos nos negócios do
Estado.42

A descentralização deve permitir que os cidadãos participem na gestão de negócios políticos,


económicos e sociais através da interação entre o Estado e a comunidade. Não obstante, em
Moçambique ainda persiste um grande desafio que consiste em conferir a descentralização um
maior sentido democrático, tornando-a um factor impulsionador da participação comunitária e
43
desenvolvimento económico e social local. A participação significa, que antes de uma política

39
CANHANGA, Op.cit.
40
IBIDEM
41
NUVUNGA, Adriano. Governação e Integridade em Moçambique: problemas práticos e desafios reais. Maputo:
CIP, 2008, pág. 3.
42
NUVUNGA, Op.cit.
43
ILAL, Abdul. Governação Local e Relações intergovernamentais. In Adriano Nuvunga, Marcelo Mosse & Paolo
Renzio (Eds.). Maputo: CIP, 2008, pág. 54-64.
24
ser adoptada pelo Governo, todos membros devem ter oportunidades iguais e efectivas de tornar
os seus pontos de vista conhecidos, bem como opinar qual deveria ser a política.44

Nesse processo, os líderes comunitários (secretários do bairro, régulos, chefes de quarteirão e


chefes das 10 casas) devem constituir elo entre a polução e governo municipal. Pois incumbe a
estes, organizar a população para discutir acerca dos problemas que assolam a comunidade e
propor as possíveis soluções, e canalizar as demandas da população ao Conselho Municipal.

Entretanto, vários estudos sugerem que a maioria dos secretários de bairro existentes no
município não foram eleitos pela população, muitos são resultantes dos antigos grupos
dinamizadores e a população não os legitima e muitos destes quase que não se reúne com a
45
população. Esse facto pode constituir um empecilho ao processo de democratização,
governação participativa e ao envolvimento da comunidade no processo de elaboração e
implementação de políticas de desenvolvimento local. Isto reforça a ideia de que a legitimidade
de instituições locais do Estado é fraca, que verifica-se um défice democrático e uma
desproporcionalidade entre a descentralização e participação comunitária no processo
decisório.46

Algumas reflexões apontam que a assembleia apresenta-se, fundamentalmente, como


representante do povo, mas esse fundamento em si, não é democrático, porque a democracia
significa o poder do povo e não o poder do substituto […] a verdadeira democracia só se pode
estabelecer pela participação do próprio povo e não através de actividade desses substitutos. As
assembleias parlamentares excluem as massas do exercício do poder e, ao usurparem a soberania
popular em seu proveito, torna-se numa barreira legal entre o povo e poder.47

Por isso, é necessário privilegiar a articulação entre o município e autoridade comunitária, com
vista a identificar e capitalizar as formas de organização social das comunidades e melhorar as
condições para a participação comunitária na administração pública. É nesse âmbito que a

44
BILÉRIO, Bernardino. Papel dos Governos (Autarquias) Locais na consolidação da democracia:1998-2006.
Caso do Município de Inhambane. Maputo: IESE, 2007, pág. 12.
45
IBIDEM
46
LALÁ, Anícia & OSTHEIMER, Andréa. Transição e consolidação democrática em Africa: como limpar as
nódoas doo processo democrático? Os desafios da transição e democratização em Moçambique (1990-2003).
Maputo: Konrad-Adenaeur-Stiftung, 2003.
47
AL QATHAFI, Muamar. O Livro Verde. Brasil: Ridendo Castigat Mores, 2002.
25
consulta comunitária figura um instrumento que permite a participação dos cidadãos no processo
da planificação.48

Embora o quadro teórico-legal defenda que a descentralização assegura a participação popular


nos centros decisórios, na prática pouco verifica-se essa participação na formulação de políticas
públicas locais. Essas dificuldades encaradas no âmbito da governação local e das relações entre
governantes e governados enquadra-se no contexto do legado histórico caracterizado pela
centralização do poder gerado pela colonização portuguesa e cultivada pelo regime
monopartidário implantado após a proclamação da independência nacional.49

Para alguns, o processo de participação das comunidades locais na governação local, dilui-se nos
conselhos consultivos locais e no orçamento participativo. Porém, a democracia como um
processo de construção permanente de um ideal politico, social e normativo, assenta no
pressuposto da autoridade partilhada entre actores políticos ou sociais, através de processos de
50
participação de cidadania, de direitos e deveres individuais e colectivos. E para outros, as
reformas da descentralização exigem um quadro democrático efectivo capaz de promover
práticas e valores democráticos, tais como o pluralismo politico, garantias de liberdades
individuais e colectivas, inclusão e participação politica. Isso implica, a prevalência de diálogo e
de negociação na definição das prioridades locais e o envolvimento dos cidadãos no
acompanhamento sistemático de todas as fases do processo de formulação da agenda politica
local.51

O modelo da descentralização vigente em Moçambique está consubstanciado essencialmente em


duas vertentes: a descentralização administrativa, no âmbito da lei dos órgãos do Estado (Lei n.o
8/2003, de 19 de Maio) e a descentralização política, no contexto não só de criação das
autarquias locais (Lei n.o 2/97, de 18 de Fevereiro), como também da aprovação do chamado
pacote de descentralização, que preconiza a eleição de governadores provinciais (Leis n.o S
3/2019, 4/2019, 5/2019, 6/2019, 7/2019, todas de 31 de Maio, e o Decreto n. o 2/2020, de 8 de

48
ILAL, Op.cit. pág. 54-64.
49
IBIDEM
50
JAMAL, Saíde. Um olhar sobre o processo da descentralização em Moçambique – mecanismos de
accountability pública: orçamento participativo e os conselhos consultivos locais. Lisboa: Universidade Nova de
Lisboa, 2015, pág.2.
51
CANHANGA, Nobre. Desafios de descentralização e dinâmica de planificação participativa na configuração de
agendas políticas locais. Maputo: IESE, 2007, pág. 7.
26
Janeiro). 52 Essas reformas visam essencialmente garantir a paz douradora, consolidar a
democracia e permitir ou aprofundar a participação do cidadão no centro de decisão política.

É nesse sentido, que a administração moçambicana estrutura-se pelo princípio da


descentralização e desconcentração para encorpar a actuação de vários poderes que subsistem no
panorama político nacional. O que consequentemente, promove a modernização e a eficácia dos
serviços públicos e aproximação dos serviços aos cidadãos.53

No entanto, os poucos trabalhos referentes à governação local em algumas áreas de


Moçambique, com raras excepções, parecem sugerir que o processo de implementação das
reformas de descentralização politica, ainda não teve um impacto significativo na constituição e
desenvolvimento de espaços políticos locais, caracterizados por uma governação participativa,
capaz de promover a nível local a cidadania, a prestação de contas, a transparência, abertura, a
capacidade de resposta por partes dos governos locais às necessidades dos munícipe e o
melhoramento das condições de vida dos cidadãos.54

Por isso que não só dificilmente pode-se alargar a base de participação dos cidadãos no processo
de tomada de decisão a nível local como também permitir a redução da distância entre o Estado e
os cidadãos.55

O processo de descentralização em Moçambique actualmente está assente em duas vertentes:


Desconcentração, através da Lei n.o 8/2003, de 19 de Maio e devolução, no contexto da criação
das autarquias locais (Lei n. o 2/97, de 18 de Fevereiro), como também da aprovação do chamado
pacote de descentralização, que preconiza a eleição de governadores provinciais. É no âmbito da
devolução ou descentralização politica que assiste-se em Moçambique o desencadear do
processo de autarcização através da Lei n.o 2/97, que criou condições legais para implantação de
33 municípios. É no contexto da expansão do processo de autarcização do país que o distrito de
Boane foi elevada a categoria do município, em 2013.

52
FORQUILHA, Salvador. Reformas de Descentralização em Moçambique. 2020.
53
JAMAL, Op.cit.
54
FORQULHA, Salvador. Remendo novo em pano velho: o impacto das reformas de descentralização no processo
de governação local em Moçambique. In Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava & António (org.).
Cidadania e Governação em Moçambique. Maputo: IESE, 2008, pág. 77.
55
CANHANGA, Op.cit..
27
1.1. Breve caracterização do Município de Boane

O Município da Vila de Boane localiza-se na parte Sudoeste da cidade de Maputo, limitado a


norte pelo Posto Administrativo da Matola Rio, através das povoações de Xitevele e Macombe, a
Sul pelos rios Movene e Umbelúzi, a Este pelo rio Umbelúzi e a povoação de Beluluane e Oste
pelo rio Movene.56

Boane foi elevado à categoria de distrito em Abril de 1987 pelo decreto-lei no8/87 e sua sede,
localizada a 30 km da cidade de Maputo foi elevada a vila pela resolução no9/87 de 25 de Abril
do Conselho de Ministros.57 Em 2013, no âmbito da expansão do processo de autarcização do
país o distrito de Boane foi elevada a categoria do município. O município compreende trinta e
três bairros e dois postos administrativos, e trata-se de maior município do país em termos de
extensão territorial.58

56
http://www.anamm.org.mz/index.php/component/k2/item/36-boane
57
MINISTÉRIO DE ADMINISTRAÇÃO ESTATAL. Perfil de Distrito de Boane. 2005.
58
http://www.anamm.org.mz/index.php/component/k2/item/36-boane
28
Figura 1: Mapa geográfico do município de Boane

Fonte: Google

29
CAPÍTULO III – QUADRO TEÓRICO- CONCEPTUAL

Este capítulo encontra-se dividido em duas secções, a primeira secção apresenta o debate teórico
e conceptual dos conceitos que se figuram indispensáveis na compreensão da governação
participativa. A segunda secção apresenta a teoria que orientou o estudo.

1.1. Quadro Conceptual

Os principais conceitos que nortearam a pesquisa são: descentralização, participação,


comunidade e desenvolvimento. Estes conceitos permitem captar o objecto, na medida em que
mostram como é que a governação participativa encadeia-se.

Vários autores propuseram-se a conceituação e discussão dos conceitos-chaves da pesquisa. Não


pretendemos aqui abordar esses conceitos de forma exaustiva e acabada. Os conceitos aqui
apresentados são polissémicos e herméticos por patentear múltiplos significados em vários
contextos em que são empregues. Procuramos conceituar e discutir esses termos a luz da
Administração Pública, no sentido de adequar o debate ao problema de pesquisa.

1.1.1. Descentralização

A descentralização pode ser um instrumento para avançar na direção da democratização do


Estado e da maior justiça social, desde que se observe certos princípios e que se esteja atento
para os entraves que se poderão antepor, aquando do desencadear de um processo de
descentralização.59

É nesta ordem de ideia que alguns autores antemuram que a descentralização é tida como uma
das principais saídas, para resolver a crise do Estado. Entretanto, há uma corrente de opiniões
que é mais radical, vendo na descentralização a única alternativa ou solução de todos os
problemas. Essa visão ingénua e romancista, serve apenas para encobrir responsabilidades de
determinadas agências governamentais que, ao não cumprir as suas obrigações, culpam a
centralização pelo mau desempenho.60

59
LOBO, Teresa. Descentralização, conceitos, princípios, prática governamental. São Paulo, 1999.
60
IBIDEM
30
Estes elementos permitem relativizar uma visão normativa e ingénua da descentralização,
amplamente partilhada pelos profissionais da política e outros agentes de desenvolvimento,
segundo a qual esta seria uma via privilegiada e quase automática para promover a
democratização da sociedade, melhorar a prestação de serviços públicos ao cidadão, e em geral
facilitar o desenvolvimento.61

Várias são as concepções da descentralização, dentre os principais argumentos que a justificam


está a busca pela maior eficácia, elevação da participação social, exercício da democracia
participativa na gestão pública e a roptura com o autoritarismo e o clientelismo.62

É neste prisma, que para alguns estudiosos a descentralização implica uma articulação maior
entre a sociedade civil e o Estado, através da cooperação mútua na prestação de determinados
serviços públicos, geralmente os ligados à área social. Seria o caso da participação da
comunidade local e organizações não-governamentais, no processo de elaboração,
implementação e monitora de políticas de desenvolvimento local.63

A descentralização em algumas discussões adquire perceções dicotómicas. Descentralizar, para


alguns, significa uma conjugação de forças para prestação de serviços públicos de qualidade e
quantidade, isto é, o município e a comunidade são co-responsável pela prestação de serviços
públicos. E para outros, a prestação de serviços públicos é exclusiva do município.64

A crítica à descentralização parte geralmente dos chamados centralistas, que não reconhecem
nos governos locais a capacidade de desenhar, implementar e gerir com algum nível de sucesso
os programas de desenvolvimento. Administrativamente dito, a penúria administrativa65 dos
órgãos de governação descentralizados não permite desempenhar as suas atribuições com algum
grau de eficiência e eficácia. Os centralizadores acreditam que os órgãos descentralizados são um

61
WEIMER, Bernhard (org.). Descentralizar O Centralismo? Economia Politica, Recursos E Resultados. IESE:
Maputo, 2012.
62
BINOTTO, Erlaine et al. Descentralização político-administrativo: O caso de uma Secretaria de Estado. Revista
Brasileira de Gestão e Desenvolvimento. 2010, pág. 1.
63
LALÁ, Anícia & OSTHEIMER, Andréa. Transição e consolidação democrática em Africa: como limpar as
nódoas doo processo democrático? Os desafios da transição e democratização em Moçambique (1990-2003).
Maputo: Konrad-Adenaeur-Stiftung, 2003.

64
BINOTTO, Erlaine et al. Descentralização político-administrativo: O caso de uma Secretaria de Estado. Revista
Brasileira de Gestão e Desenvolvimento. 2010, pág. 1.
31
campo de clientelismo e corrupção. Os adeptos da descentralização refutam essa ideia, ao
lembrar que o clientelismo e a corrupção não são peculiaridades exclusivas dos governos locais,
também verificasse nos governos centrais, inclusive como alguma tonalidade.66

De um lado, a descentralização é uma condição necessária, embora não suficiente, para a


população participar na gestão de interesses colectivos, e, por outro lado, a participação é um
factor de viabilidade da descentralização.67

A descentralização é um processo que caracteriza-se por contar com a participação da sociedade


na gestão pública, onde os órgãos descentralizados possuem autonomia para tomar as suas
próprias decisões e disponibilizam de recursos para tal.68

A descentralização é um meio de criar espaços para as pessoas e organizações da sociedade civil


participarem activamente no processo de desenvolvimento, na medida em que tende a
desenvolver capacidade de resposta das instituições do governo e ajuda a desenvolver recursos
locais, favorecer o crescimento e a criar emprego. A descentralização também está ligada ao
processo de construção da nação, com objectivo de aumentar o sentimento das populações de
pertença ao Estado e à nação. É nesses paramentos que a descentralização figura uma condição
necessária, mas não suficiente para assegurar por si só a participação comunitária no processo
decisório.69

A descentralização também pode ser concebida como desagregação do poder público, através de
diversas modalidades, que vão de uma simples desconcentração de actividade até a
descentralização do poder decisório, ou seja, da transferência de competências ou poder. 70
Existem basicamente quatro comensurações da descentralização, administrativa, política, social e
fiscal.

65
Penúria administrativa é insuficiência demasiada de recursos humanos de qualidade, recursos financeiros e
matérias para prestar serviços públicos de qualidade ao cidadão.
66
LOBO, Op.cit.
67
JUNQUEIRA, L. A. Descentralização e Intersetorialidade na Gestão Pública Municipal.1997
68
BINOTTO, Op.cit.
69
SOIRI, Lina. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada? Ligações entre a
descentralização e o alívio da pobreza. 1999.
70
FARIA, Fernanda & CHICHAVA, ANA. Descentralização e cooperação descentralizada em Moçambique.
1999.
32
Descentralização administrativa ou desconcentração é transferência de competências ou funções
entre unidades, esferas ou órgãos de governo. A desconcentração também engloba o conjunto de
políticas que transferem a administração e a provisão de serviços públicos aos governos
subnacionais.71

Descentralização social é um processo que eleva expressivamente a participação social na gestão


pública. Ou seja, é uma forma de divisão ou distribuição de poder decisório, antes, pertencente
exclusivamente ao Estado, para a sociedade civil organizada, para decidirem sobre os problemas
de gestão pública local, nas instâncias de tomada de decisões.72

Descentralização política ou devolução é a criação de entidades autónomas distintas do Estado,


paralelas a ele. Desaparece a hierarquia administrativa, surge um relacionamento entre pessoas
jurídicas diferentes, com atribuições e responsabilidades juridicamente definidas pela lei.73

A descentralização política constitui também uma estratégia de redistribuição de poder político


do Estado, do nível central para os demais. É por via disso, que também concebesse a
descentralização política como devolução de poder e de recursos aos governos locais
autónomos.74

Descentralização fiscal refere-se ao conjunto de políticas desenhadas para aumentar as receitas


ou autonomia fiscal dos governos subnacionais.75 A descentralização fiscal significa a existência
de uma transferência de recursos, quer através de um sistema fiscal intergovernamental, ou seja,
através de financiamento geral e/ou transferência de autoridade fiscal para os níveis inferiores de
governo, criando assim uma base de receita própria.76

Existe outras comensurações da descentralização, privatização e delegação. A privatização é a


cedência de tarefas realizadas por agências estatais ao sector privado, isto é, transferência de

71
BINOTTO, Op.cit.
72
IBIDEM
73
Mazula, A. «Quadro institucional dos distritos municipais – apresentação» in Mazula, A. et alia.
Autarquias Locais em Moçambique. Antecedentes e Regime Jurídico. Lisboa – Maputo, 1998.
74
WEIMER, Bernhard & CARRILHO, João. A Economia Politica de Descentralização em Moçambique:
Dinâmicas, Efeitos e Desafios. IESE: Maputo, 2017.
75
BINOTTO, Op.cit.
76
WEIMER, Bernhard & CARRILHO, João. A Economia Politica de Descentralização em Moçambique:
Dinâmicas, Efeitos e Desafios. IESE: Maputo, 2017.
33
autoridades e recursos de um poder importante e centrado para o outro. Delegação é
transferência de algumas responsabilidades de programas de desenvolvimento para agências
paraestatais.77

De modo geral, a descentralização é a transferência de competências de governo central para as


instâncias locais, podendo haver, transferência de poderes e recursos financeiros, com objectivo
de reduzir o tamanho da estrutura administrativa, o que agiliza a gestão de políticas públicas e
aproxima o Estado da sociedade.

Neste trabalho, assume-se a descentralização na dimensão política, para referir-se ao processo


em que através da Lei n.o2/97 de 18 de Fevereiro, cria-se as autarquias locais em Moçambique.
Sendo definidas de acordo com a lei em alusão como pessoas colectivas públicas dotadas de
órgãos representativos próprios que visam a prossecução dos interesses das populações sem
prejuízo de interesses nacionais e da participação do Estado.

1.1.2. Participação

Não existe nenhuma definição acabada e consensual do termo participação, dai que a palavra
participação é usada em diferentes contextos e com significados distintos. Não é nossa intenção
neste trabalho esgotar e nem aprofundar o debate teórico conceitual da participação, mas sim
apresentar alguns elementos que julgamos essenciais para a operacionalização do nosso trabalho
de pesquisa.

Participar, do latim participare, significa tomar parte em algo, pertencer a, mas também fazer
saber, informar, anunciar, comunicar. Participação política seria, pois, tomar parte na sociedade
política, informar e fazer todos saberem de suas opiniões. A participação dos cidadãos na vida
política constitui, por sua vez, um instrumento, um princípio, um requisito e uma manifestação
da democracia, que a legítima; e também um meio para um maior debate e uma melhor tomada
de decisões políticas.78

77
Monor, J. As promessas e as Limitações da Descentralização. 1998
78
GORCZEVSKI, Clovis & MARTIN, Nuria. Cidadania, Democracia e Participação Politica: Os Desafios do
Seculo XXI. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2018.
34
Ainda nessa senda, a participação política tem sido considerada, durante muito tempo, por sua
forma de expressão mais habitual: voto. Contudo, o voto é apenas mais um dentre vários
recursos de que dispõem o cidadão para influenciar no mundo político. É nesse sentido, que a
participação pode-se definir como o comportamento que afeta ou busca afetar as decisões do
governo.79

Com base nisso, pode aferir-se quatro formas de participação política: persuasão eleitoral,
participação convencional, participação violenta e participação direta pacífica. Persuasão
eleitoral, que inclui actividade, tais como convencer os outros para que votem em um
determinado candidato e/ou partido e a participar/organizar comícios. Participação convencional,
caracteriza-se por aquelas actividades que mantêm-se dentro da legalidade vigente e que tratam
de influenciar o curso de acontecimentos políticos-sociais. Participação violenta, que integram
ações como danos à propriedade e violência armada. E finalmente a participação direta pacífica,
que inclui actividades que, ainda que possam eventualmente derivar para a ilegalidade, não são
necessariamente violentas (Exemplo: Bloqueio de transito, graves autorizadas e ocupação de
edifícios públicos).80

O termo participação como componente do desenvolvimento tem uma diversidade de sentidos,


em certos casos caracterizados por certas ambiguidades e controvérsias resultantes da sua
polissemia na sua conceptualização, uma vez que o seu signo é encontrado nos mais distintos
contextos, atribuindo-lhe, por conseguinte, significados diversos.81

É neste prisma que o conceito participação figura-se dicotómico, voz e empowerment. A


participação entanto que voz, tem que ver com a inclusão das vozes das pessoas que estão à
margem do processo de tomada de decisões dos assuntos públicos. O significado da participação
quanto ao empowerment verifica-se quando a população que estava à margem do processo de
tomada de decisão ultrapassa ou vence essa situação e passa a contestá-la.82

79
IBIDEM
80
SABUCEDO, José Manuel & ARCE, Constantino. Types of Political Participation: a multimensional analysis.
In: European Journal of Political Research, n. 20. 1991. P. 93-102.
81
MILANDO, João. Cooperação Sem Desenvolvimento. Luanda: Mayamba Editora, 2013.
82
SOUZA, Maria Luiza De. Desenvolvimento de comunidade e participação. 11ª Ed. São Paulo: Cortez, 2014.
35
É necessário dar enfâse a capacitação das comunidades como o elemento central da participação.
Pois as pessoas devem adquirir conhecimento, habilidade e experiência para participarem
83
activamente no processo de desenvolvimento das suas comunidades. É com base nesta ideia
que assiste-se a valorização da informação endógena e a necessidade de compreender a
conjuntura local, no sentido captar as dinâmicas do ambiente envolvente, o que facilita o desenho
das melhores políticas de desenvolvimento comunitário. O que CHAMBERS, chamou de pôr os
últimos em primeiro (putting the last first) como a única maneira de alcançar o desenvolvimento
rural. É nesse âmbito que a participação passou a constituir uma panaceia sempre que tratasse-se
de programas de desenvolvimento comunitário.84

A participação melhora a qualidade das decisões e torna mais fácil alcançarem-se objectivos de
interesse comum. A participação significa muito mais do que a auscultação ocasional da
população sobre determinadas ações específicas, ela implica a inclusão social no processo
decisório.85

As instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI) quando começaram a privilegiar uma
abordagem participativa nos programas de desenvolvimento, passaram a exigir aos países da
periferia que a participação fosse uma condição sine qua non para obtenção de financiamento.86
É neste sentido que a participação, descentralização, desenvolvimento comunitário, planificação
participativa passaram a constituir agendas privilegiadas dos países pobres, como Moçambique.

A participação significa envolvimento das pessoas nos processos sócias, económicos, culturais e
políticos que afetam as suas vidas como uma coletividade. Através dessa definição podemos
perceber que a participação é um termo relativo, que existe em qualquer contexto, diferenciando
apenas na forma em que acontece. Se assumirmos que a participação existe em qualquer
contexto social, resta saber qual é o grau e tipo de participação que existe em cada contexto, é dai
que Jules Pretty distingue 7 (sete) tipos de participação e suas características, conforme ilustra a
tabela abaixo:

83
FARIA, Fernanda & CHICHAVA, ANA. Op.cit.
84
CHAMBERS, Robert. Rural Development: putting the last first. EUA: Longam House, 1983.
85
VALÁ, Salim. Participação Comunitária, Descentralização e o Papel do Estado: Entre o Ideal e a Realidade no
Moçambique Rural. Maputo, 2004.
86
MOHAN, Giles. Participatory Development. In: DESAI, Vandana and POTTER, Rob (Eds.). The companion to
development studies. London, UK: Hodder, 2001, pág. 51.
36
Tabela 1: Tipos de participação e suas características segundo Jules Pretty
Tipos de participação Características
Auto-mobilização As pessoas participam quando tomam iniciativas para mudar sistemas, independentemente
das instituições externas. Elas desenvolvem contactos com as instituições externas para
recursos e conselho técnico que precisam, mas retêm o controlo sobre como os recursos
são utilizados. A auto-mobilização pode expandir-se se os governos e as ONGs
providenciarem um quadro forte de apoio. Tal auto-iniciada mobilização pode ou não
desafiar a distribuição da riqueza e do poder existentes
Participação por Consulta As pessoas participam quando são consultadas ou respondem perguntas. Os agentes
externos definem os problemas, o processo da recolha da informação, assim como o
controlo de análise. Tal processo consultivo não concede qualquer partilha na tomada de
decisões e os profissionais não estão sob qualquer obrigação de tomar em consideração os
pontos de vista das pessoas.
As pessoas participam na análise conjunta, no desenvolvimento de planos de actividades
ou no fortalecimento das instituições locais. A participação é vista como um direito e não
Participação Interativa só como um meio de alcançar os Objectivos do projeto. O processo envolve metodologias
interdisciplinares que procuram perspetivas múltiplas e fazem uso sistémico e processos
estruturados de aprendizagem. Como os grupos tomam o controlo sobre as decisões locais
e determinam como os recursos disponíveis são usados, eles têm um interesse de manter
as estruturas ou práticas.
As pessoas participam com recursos, por exemplo, mão- de- obra em troca da comida,
dinheiro ou outros incentivos materiais. Farmeiros podem oferecer os seus campos e
Participação por Incentivos mão-de-obra, mas não estão envolvidos nem na experimentação ou no processo de
Materiais aprendizagem. É muito comum ver isto ser chamado participação, mas as pessoas não têm
tido interesse em prolongar tecnologias ou práticas quando os incentivos terminam.
As pessoas participam quando são informadas sobre o que foi decidido ou já aconteceu.
Participação Passiva Isto envolve anúncios unilaterais pela administração ou pela direção do projeto sem se
escutar as reações das pessoas. A informação que se partilha só pertence aos profissionais
externos.
A participação é simplesmente uma pretensão, com representantes das „pessoas‟ nos
Participação Manipulativa conselhos oficiais, mas são não-eleitos e não têm nenhum poder.
Participação Funcional A participação é vista pelas agências externas como um meio para alcançar os objetivos
do projeto, especialmente a redução dos custos. As pessoas participam formando grupos
para satisfazer objetivos predeterminados relacionados com o projeto. Tal envolvimento
pode ser interativo e pode envolver partilha na tomada de decisões, mas tende a surgir só
depois de maiores decisões terem sido já feitas pelos agentes externos. No pior, as pessoas
locais podem só ser cooptadas para servir os objetivos externos.

37
Fonte: Jules Pretty (2010), retirado de Luís Bembele (2016)

O termo participação como componente de desenvolvimento tem uma diversidade de sentidos,


em certos casos caracterizados por certas ambiguidades e controvérsias resultante da sua
polissemia na sua conceptualização. 87 É com base neste pressuposto que aponta-se a
participação como uma questão bastante presente, e que precisa ser compreendida
historicamente, visto que diversas práticas e discursos considerados participativos não passam de
um processo de dominação, ou seja, um processo contra participação.88

As instituições financiadoras dominantes, como a Bretton Woods tem exigido uma abordagem
participativa aos países periféricos na elaboração de políticas de desenvolvimento local como a
condição sine quo non para obtenção de financiamento89, incluído Moçambique.

Geralmente aborda-se a participação numa perspectiva positivista, ou seja, a participação é


considerada sinonimo de bom. Embora a participação seja vista como certo avatar de sucesso,
pois de ponto de vista ético, todos nós estamos comprometidos com mais participação e mais
democracia, mas, na verdade, de ponto de vista administrativo não necessariamente mais
participação vai produzir melhores resultados.90

De forma parafraseada a participação pode ser vista como um lobo revestido de pele de ovelha,
que pode esconder a manipulação e a coerção. 91 Outros vão mais longe dizendo que os
processos de participação podem esconder e reforçar as injustiças nas suas manifestações, ou
seja, a participação é vista como um elemento que facilita a tirania, como exercício ilegítimo
e/ou injusto de poder.92

87
MILANDO, João. Cooperação Sem Desenvolvimento. Luanda: Mayamba Editora, 2013.
88
SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de comunidade e participação. 11ª Ed. São Paulo. Cortez, 2014.
89
MOHAN, Giles. Participatory development. In: DESAI, Vandana and Potter, Rob eds. The Arnold companion to
development studies. London, UK: Hodder, 2001
90
SANTOS, Rodrigo. Da estratégia corporativa à ação economicamente relevante: a CSN e a contestação social
na mineração de ferro. Dossiê, 2015
91
RAHNEMA, Majid. “Participação”. In: SACHS, Wolfgang. (Org.) Dicionário do Desenvolvimento. Guia para
o Conhecimento como Poder. Petrópolis. Editora Vozes, 2000.
92
COOKE, Bill. The Social Psychological Limits of Participation? In COOKE, Bill and KOTHARI, Uma.
Participation: the new tyranny? London, Zed Books, 2001

38
Uma abordagem díspar aponta que a participação melhora a qualidade das decisões e torna mais
93
fácil alcançarem-se objectivos de interesse comum. É neste pressuposto que assenta-se a ideia
de que o fracasso das políticas de desenvolvimento reside na exclusão da população no processo
de formulação e implementação dessas políticas.94

Os autores aqui aludidos para discussão conceitual do termo participação, complementam-se até
um certo ponto no que concerne a definição do conceito em alusão. Todavia, para presente
estudo privilegiamos as abordagens trazidas por JULES PRETTY e os autores GORCZEVSKI e
MARTIN, pelo facto desses estudiosos conceber o conceito participação como relativo, podendo
se verificar em qualquer contexto social. Deste modo, essas abordagens são úteis para os
propósitos analíticos do problema em estudo.

Cruzando as contribuições dos vários autores aqui referenciados, podemos rematar que a
participação significa criar espaço para que o cidadão de forma individual ou coletiva possa
opinar em todo processo de elaboração de políticas que visam solucionar os problemas que lhe
afectam diretamente.

1.1.3. Comunidade

Na sua maioria os programas de desenvolvimento estão voltados a comunidade. Por via disso,
podemos afirmar até um certo ponto que os projectos de desenvolvimento e a comunidade
constituem faces da mesma moeda. Vários conceitos discutidos no campo das ciências sociais
não reúnem consenso no que diz respeito a sua definição, e o termo comunidade não foge a
regra.

Numa perspetiva de desenvolvimento, a comunidade constitui um meio que permite a


participação dos membros da sociedade no processo de governação e de desenvolvimento local.
É nesta senda, que a comunidade é definida como sendo o conjunto de pessoas que vivendo

93
VALÁ, Salim. Participação Comunitária, Descentralização e o Papel do Estado: Entre o Ideal e a Realidade no
Moçambique Rural. Maputo, 2004.
94
BEMBELE, Luís Isidro. Participação Comunitária em Projectos de Turismo e Desenvolvimento Local em
Moçambique (2000-2014): O caso de localidade de Gala. Dissertação (Mestre em Sociologia com orientação para
Antropologia) Rio de Janeiro, UFRJ-IFCS, 2016.

39
numa zona residencial, cujas vidas são entrelaçadas em determinado grau, por actividades e
relações que são desenvolvidas dentro da área, entre os diferentes grupos de pessoas.95

As palavras têm significado, algumas delas, porém, guardam sensações. A palavra comunidade é
uma dessas. Ela sugere uma coisa boa: o que quer que a comunidade signifique, é bom ter uma
comunidade, e estar numa comunidade. A comunidade é um lugar cálido, um lugar confortável e
aconchegante. Fora da comunidade, toda sorte de perigo está à espreita; temos que estar alertas
quando saímos, prestar atenção com quem falamos e a quem nos fala, estar de prontidão a cada
minuto. Na comunidade, podemos relaxar, estamos seguros, não há perigos ocultos em cantos
escuros.96

Esse conceito deixa-nos uma perceção de que comunidade é um espaço harmonioso, pacifico e
de consenso. Onde descarta-se a ideia de existência de conflito, atritos, divergências. Essa visão
da comunidade parece bastante romancista e idílica.

É dai que para alguns, a comunidade é o tipo de mundo que não está, lamentavelmente, ao nosso
alcance, mas no qual se gostaria de viver e espera-se vir a possuir.97 O conceito de comunidade
pode ser dicotómico, na medida que a comunidade por um lado pode significar expressão de
interesses comuns de solidariedade, integração e de consenso e, noutro, é a manifestação de
interesses multifacetados, competitivos e muitas vezes conflituosos.98

Em Moçambique, onde coexistem vários sistemas jurídicos e políticos com logicas às vezes
conflituantes, o que torna o campo politico local ainda mais conturbador.99 A arena politica não
significa somente a manifestação de interesses similares, significa também a expressão de
vontades antagónicas até mesmo conflituantes.

95
FARIA, Fernanda & CHICHAVA, ANA. Descentralização e cooperação descentralizada em Moçambique.
1999.
96
BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo actual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003,
pág. 7.
97
IBIDEM
98
BEMBELE, Luís Isidro. Participação Comunitária em Projectos de Turismo e Desenvolvimento Local em
Moçambique (2000-2014): O caso de localidade de Gala. Dissertação (Mestre em Sociologia com orientação para
Antropologia) Rio de Janeiro, UFRJ-IFCS, 2016.
99
JAMAL, Saíde. Um olhar sobre o processo da descentralização em Moçambique – mecanismos de
accountability pública: orçamento participativo e os conselhos consultivos locais. Lisboa: Universidade Nova de
Lisboa, 2015.
40
No quadro legal moçambicano, a comunidade local é definida como um agrupamento de famílias
e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa à
salvaguarda de interesses comuns através da proteção de áreas habitacionais, áreas agrícolas-
sejam cultivadas ou em pousio- florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de
água, e áreas de expansão.100

As duas últimas definições vão ao encontro dos objetivos da nossa pesquisa, na medida em que
se complementam. Uma abarca expressão/manifestação de interesses comuns/multifacetados e
outra a circunscrição territorial e salva guarda de interesses comuns. Todos estes elementos são
essências para a compreensão do problema da pesquisa.

1.1.4. Desenvolvimento

Desenvolvimento é um conceito dotado de múltiplos significados, resultado das transformações


que o mesmo foi sofrendo ao longo do tempo. Não pretendemos aqui trazer todo o arcabouço
teórico da discussão do conceito desenvolvimento, mas os elementos que julgamos essenciais
para operacionalização da pesquisa. O termo desenvolvimento compreende várias conotações,
dependendo do contexto em que é empregue. Na perspetiva economicista, abarca aspetos
económicos e sociais.

A ideia de desenvolvimento está no centro da visão do mundo que prevalece em nossa época. O
desenvolvimento traduz a realização das potencialidades humanas, é natural que se empreste à
ideia um sentido positivo. É nesse sentido, que as sociedades são consideradas desenvolvidas à
medida que nelas o homem logra satisfazer suas necessidades e renovar as suas aspirações. 101

O conceito desenvolvimento tem sido utilizado, com referência à história contemporânea, em


dois sentidos distintos. O primeiro, diz respeito à evolução do sistema social de produção à
medida que este, mediante acumulação e progresso de técnicas, torna-se mais eficaz, ou seja,
elava a produtividade do conjunto da sua força do trabalho. Segundo, o conceito de
desenvolvimento relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas, trata-se da

100
Lei n.º. 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras.
101
FURTADO, Celso. Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. 3aed.Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000, pág. 18.
41
satisfação das necessidades humanas elementares, tais como alimentação, o vestuário, e a
ampliação da expectativa de vida da população.102

O desenvolvimento deve ser encarado como um processo de coordenar uma variedade de


recursos condicionalmente disponíveis e habilidades latentes para o bem-estar-social. As nações
subdesenvolvidas veem somente os frutos do progresso económico e pouco sabem sobre as rotas
que precisam perfazer, para alcança-lo.103

É nesta senda, que Rostow, na sua célebre obra, Etapas de Desenvolvimento Económico, propôs
cinco estágios para alcançar o progresso, nomeadamente: sociedade tradicional, as precondições
para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade e a era de consumo em massa.104

Basicamente a ideia de desenvolvimento possui pelo menos três dimensões: incremento da


eficácia do sistema social de produção, a satisfação das necessidades elementares da população,
e consecução dos objectivos dos grupos dominantes de uma sociedade, que competem na
utilização de recursos escassos.105

O conceito de desenvolvimento foi modificando-se, os aspectos sociais e económicos foram


gradualmente integrados ao conceito.106 Em virtude disto, o termo desenvolvimento manifesta
múltiplas ideias, dependendo do contexto em que é aplicado, com realce para: evolucionismo
social (alcançar os países industrializados), individualismo (o desenvolvimento humano),
economicismo (o crescimento). Mais também pateteia o normativismo (o dever ser), o
instrumentalismo (a quem beneficia). O conceito desenvolvimento vem sendo igualmente usado
no sentido de intensificação (mais democracia ou mais participação).107

102
IBIDEM
103
HIRSCHMAN, Albert. Estratégia do Desenvolvimento Económico. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura,
1961.
104
W. Rostov. Etapas do Desenvolvimento Económico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, Sd.
105
FURTADO, Celso. Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. 3aed.Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000, pág. 22.
106
ESTEVA, Gustavo. “Desenvolvimento”. In: SACHS, Wolfgang. (Org.) Dicionário do Desenvolvimento. Guia
para o Conhecimento como Poder. Petrópolis. Editora Vozes, 2000

107
BEMBELE, Op.cit.
42
No final da década 1940, após a Segunda Guerra Mundial, o termo desenvolvimento ganhou
destaque na agenda internacional entre os académicos, em especial entre os economistas. Foi
neste horizonte que emerge uma abordagem reducionista do desenvolvimento, ou seja, o
desenvolvimento é visto como crescimento do PIB per capita nas áreas economicamente
subdesenvolvidas.108

Em 1952, a publicação do primeiro relatório da situação mundial, criou condições para o


surgimento de um novo paradigma de desenvolvimento, o desenvolvimento social. Neste período
o desenvolvimento económico e social eram considerados como duas realidades distintas.109

Na década 1960, inicia um vento impetuoso de mudança no conceito de desenvolvimento. Em


corolário disso em 1962, o Conselho Económico e Social da ONU recomendou a integração do
económico e social no conceito de desenvolvimento.110 No final da década 1960, regista-se um
boom económico e começou a evidenciar-se um rápido crescimento, as desigualdades sociais
cada vez mais agudizaram-se, e consequentemente assistiu-se uma redução de óptimismo em
relação ao crescimento económico.111

Em 1970, buscou-se uma abordagem unificadora, que pudesse associar em simultâneo a


integração sectorial, espacial e regional com um desenvolvimento participativo. 112 Os
defensores do princípio unificador insistiam que o propósito de crescimento não devia ser o
desenvolvimento de coisas, mas sim, o desenvolvimento humano, ou seja, todo o processo de
desenvolvimento deveria levar em conta a satisfação das necessidades humanas básicas.113 Um
pouco mais tarde, foi apresentada uma abordagem de desenvolvimento endógeno, que teve
grande aceitação, mas surgiu como subproduto da crítica às hipóteses dos estágios de
desenvolvimento de ROSTOW, e propunha que levasse-se em conta as particularidades de cada
país.114É nesse contexto que emerge a noção de desenvolvimento local, um desenvolvimento que

108
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang. (Org.) Dicionário do Desenvolvimento. Guia para
o Conhecimento como Poder. Petrópolis. Editora Vozes, 2000
109
BEMBELE, Op.cit.
110
IBIDEM
111
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang. (Org.) Dicionário do Desenvolvimento. Guia para
o Conhecimento como Poder. Petrópolis. Editora Vozes, 2000
112
IBIDEM
113
BEMBELE, Op.cit.
114
ESTEVA, Op.cit.
43
envolve factores sociais, culturais e políticos que não regulam-se pelo sistema do mercado. O
crescimento é uma variável essencial porém não suficiente para ensejar o desenvolvimento
local.115

A teoria de desenvolvimento económico local pode ser apresentada como resultado de falência
dos modelos tradicionais de desenvolvimento fundados seja na compreensão do Estado nacional
como principal agende promotor de desenvolvimento, seja nas funções a locativas do mercado
como facilitador do óptimo económico.116

Em termos teóricos, considerar o território como um actor, como um sujeito que define-se
através da acção colectivs e da construção das instituições locais, significa confrontar as leis de
funcionamento da economia global. Significa opor o local ao global e entender que as estratégias
locais retroagem as forças globais, ao ponto de readicionar as suas leis funcionais, podendo então
iniciar um movimento autónimo de crescimento e de auto-regulação.117

A formação e a constituição de instituições formais locais é um passo importante para o início de


um processo de desenvolvimento endógeno e para construção de uma identidade territorial que
permita aos actores locais colocar em curso (acionar) alguma modalidade de reação autónima. As
instituições locais são todos os organismos, associações, representações de classe, sindicatos e
órgãos públicos que existem em um território e cujas acções estão voltadas para a defesa e a
promoção de interesses de um determinado grupo social ou de uma parcela da sua população.
Obviamente, existem organismos que mesclam a existência de vários grupos de actor, como é o
caso de município.118

O conceito de desenvolvimento local não está mais associado apenas àquilo que tradicionalmente
era atribuído ao “lugar” (Local). Actualmente, há um entendimento de que o âmbito local
influencia e é influenciado pela esfera regional (estadual), por todo o país (nacional) e, ainda, por
outras esferas. Assim, a integração e inter-relações são tantas que é inadequado dissociar o local

115
MILANI, Carlos. Teorias do Capital Social e Desenvolvimento Local: lições a partir de experiencia de Pintadas
(Bahia, Brasil). 2003
116
MULS, Leonardo Marco. Desenvolvimento Local, Espaço e Território: O conceito de capital social e
importância da formação de redes entre organismos e instituições locais. 2008
117
IBIDEM
118
IBIDEM
44
das demais esferas, principalmente considerando o contexto nacional, em que as províncias,
distritos e municípios depende em grande medida do governo central.119

Os fenómenos locais não estão isolados ou são únicos que influenciam as políticas públicas
municipais. O município realiza acções que impactuam nossa realidade, por exemplo,
promovendo a produção agrícola que estará disponível também para outras geografias ou
permitindo a instalação de indústria que demandará serviços e mão-de-obra poderá gerar
migrações de outras geografias para tal município. O governo central muda tarifa de impostos,
constrói estradas que facilitam o acesso a pessoas e mercadorias e, por isso, acabam impactuando
os municípios e em seu trajecto.120

O desenvolvimento local é um conceito que aponta primeiramente para a questão de autonomia


municipal, do protagonismo dos actores envolvidos e da capitalização dos resultados do próprio
município. Vale realçar que o desenvolvimento não decorre ou é resultado autónimo do
desenvolvimento gerados em outras esferas de governo, podendo possuir elementos muito
próprios, envolvendo actores que habitam, dialogam e transitam também na esfera municipal.121

Em suma, a expressão desenvolvimento local deriva de dois conceitos pertinentes:


Desenvolvimento – aquilo que em si pode tomar diferentes manifestações ou acontecer em
diferentes campos da vida. Local – relativo ao espaço no qual o cidadão vê sua vida e relações
acontecerem.

O desenvolvimento local também pode ser considerado como o conjunto de actividades


culturais, económicas, políticas e sociais, vistas sob óptica intersectorial e trans-escalar, que
participam de um projecto de transformação consciente da realidade local. É fundamental pensar
o desenvolvimento local enquanto projecto integrado no mercado, mas não somente: o
desenvolvimento é também fruto de relações de conflito, competição, cooperação e
reciprocidade entre actores, interesses e projectos de natureza, social, politica e cultural.122

O desenvolvimento económico local pode ser visto como um dos campos de investigação da
escola. Nas últimas décadas, por causa das transformações na economia mundial, do

119
GAETANI, Francisco. Politicas Públicas e o Governo Local. Brasília: Enap, 2008.
120
IBIDEM
121
IBIDEM
122
VITTE, Claudete de Castro Silva. Gestão de Desenvolvimento Economico Local: algumas considerações. 2006

45
aprofundamento dos processos de democratização nos países europeus e da redemocratização
nos países latino-americanos, a instância local de poder emergiu como tema, caracterizado um
saber que converge na análise de relações concretas, socialmente construídas e territorialmente
localizadas.123

Assim, diferentes actores estatais e sociais, além de uma serie de pesquisadores, passaram a
ampliar seus interesses por temas e problemas locais, com um crescente número de estudos e
análises concretas e territorialmente localizada. Os estudos de escala local remetem ao estudo
sobre o poder local, visto como relações de forças das quais processam-se alianças e confrontos
entre actores sociais em um espaço delimitado, com formação de identidades e praticas políticas
especificas.124

O município é entendido como espaço político local que permite discussões de diversos
enfoques: pautas de convivência e cooperação entre membros da sociedade, competição,
conflito, herança política local e formas de exercício do poder, não apenas fisicamente localizado
mas socialmente construído.125

O tema o desenvolvimento económico local pode ser inserido no debate sobre gestão local, de
praticas politicas especificas. Este tema tem ganhado destaque à medida que discute-se o papel
dos municípios como agente de promoção e activação de desenvolvimento económico.

Uma perspectiva teórica para analise de desenvolvimento económico local é do institucionalismo


politico, que centra sua atenção no papel das instituições, dentre as quais destaca-se a
administração pública municipal, como agente de desenvolvimento por meio de politicas,
estratégias e alianças. Este tipo de abordagem permite enxergar a emergência de um dado
fenómeno, no caso de desenvolvimento económico local, e apontar o papel determinante da
dimensão politica.126

O conceito desenvolvimento local pode ser definindo como conjunto de estratégias e acções para
a reconstrução da base produtiva local e pode provocar impactos no território. A ideia do local,
por sua vez, pode ser entendida como um município, parte município, um conjunto de

123
IBIDEM
124
VITTE, Claudete de Castro Silva. Gestão de Desenvolvimento Economico Local: algumas considerações. 2006
125
IBIDEM
126
IBIDEM
46
municípios, um Estado ou mesmo uma região. Neste trabalho a ideia do local confunde-se com o
município, mais localizada instância de poder em Moçambique. O município é uma instância de
poder político e é recorte territorial. É uma das formas de domínio estatal-territorial.127

Este conceito de desenvolvimento encontra enquadramento na nossa pesquisa, na medida em que


abrange a componente económica, social, e de relação de dominação. E permiti abordar a
problemática da pesquisa de forma holística.

1.2. Quadro Teórico

No campo de estudo da Ciência Politica e Administração Pública, o neo-institucionalismo vem


sendo muito usado para analisar o comportamento dos tomadores de decisão e do processo
decisório a nível local. Está abordagem assenta-se na ideia de que o processo de desenho e
redesenho de políticas públicas é moldado pelas instituições existentes.

As instituições podem-se apresentar como simples regras que constituem fundamentos para o
comportamento político. As instituições também devem ser compreendidas como regras
formais/informais que moldam o comportamento de actores políticos e sociais. 128 O
neo-institucionalismo enfatiza a importância crucial das instituições/regras para decisões,
formulação e implementação de políticas públicas.129

O processo decisório não resulta apenas da barganha entre indivíduos, grupos ou preferências
dos policy makery, mais também por processos institucionais de socialização, por novas ideias,
papéis, e por processos gerados pela história de cada país.130

As instituições são fundamentais numa sociedade, inclusive para promover o desenvolvimento


económico. Através das instituições pode-se alcançar resultados sociais, e atingir-se os
objectivos políticos fundamentais das sociedades modernas: a ordem pública, a liberdade, o
bem-estar e a justiça.131

127
VITTE, Claudete de Castro Silva. Gestão de Desenvolvimento Economico Local: algumas considerações. 2006
128
PROCOPIUCK, Mário. Políticas Públicas e Fundamentos da Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2013.
129
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. 2006, Pág. 18.
130
IBIDEM
131
BRESSER-PEREIRA, Luiz. “Instituições, Bom Estado, e Reforma da Gestão Pública”. In Ciro Biderman e
Paulo Arvate (orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. São Paulo: Campus Elsevier, 2004, pág. 5.

47
O estudo auxiliou-se ao neo-institucionalismo, por um lado, para explicar como é que as
instituições formais e informais contribuem para fraca participação comunitária na formulação e
implementação de políticas públicas. E doutro lado, para demonstrar como é que o
comportamento de actores políticos resultante do quadro-institucional, reduz a credibilidade dos
munícipes em relação planificação participativa, e consequentemente na abstenção desses neste
processo.

Não podemos colocar do lado as instituições na análise do nosso problema de pesquisa, visto que
por um lado, as instituições permitem-nos perceber como é que os actores políticos e sociais são
moldados pelo quadro institucional no processo decisório. E por outro, perceber como é que
estruturam-se arena política, onde coexistem interesses divergentes.

As instituições também figuram-se mecanismos de mitigação de problemas de ação colectiva e


de estruturação de relações políticas entre legisladores, interesses organizados, partidos políticos
e eleitorado.132As instituições constituem principal elemento que pode assegurar a participação
comunitária no processo de formulação e implementação de políticas.

CAPÍTULO IV
Este capítulo apresenta de forma minuciosa os pressupostos metodológicos que orientaram a
pesquisa. Especificamente, dedica-se a descrição e explicação do método de abordagem
adoptado e das técnicas de pesquisas usadas no âmbito da concepção do trabalho.

1.1. Metodologia

Para analisar a descentralização e participação comunitária no desenvolvimento local: caso


município de Boane (2018-2020), privilegiamos uma abordagem qualitativa. Esta é uma fonte
direta para coleta de dados, interpretação de fenómenos e atribuição de significados. 133 A
interpretação dos fenómenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa
qualitativa.134

No que tange as técnicas de coleta de dados, pautamos pelo uso da pesquisa bibliográfica e
documental, que centrou-se na identificação, leitura e análise de livros, artigos, relatórios e

132 132
PROCOPIUCK, Mário. Políticas Públicas e Fundamentos da Administração Pública. São Paulo: Atlas,
2013, Pág. 25.
133
PRODANOV, Cleber Custiana & FREITAS, Ernani Cesar. Metodologia do Trabalho Cientifico: Métodos e
técnicas da pesquisa e do trabalho científico. 2a ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013, pág. 128.
48
normas jurídicas que abordam assuntos relacionados ao tema, com enfoque para
descentralização, participação comunitária e desenvolvimento.

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído


principalmente de livros e artigos científicos. A pesquisa documental consiste no exame de
documentos, que não receberam quaisquer tratamentos analítico, tais como: documentos oficiais,
reportagens de jornal, cartas, contratos, diários e outros.135

No que concerne as técnicas de colecta de dados, privilegiamos o uso da entrevista


semiestruturada com intervenientes locais (funcionários do conselho municipal, líder
comunitário e munícipes). O que permitiu obter informações relevantes, que conduzirão ao
alcance dos objetivos da pesquisa e a resposta a pergunta de partida. Nesse âmbito, fora
realizadas 10 entrevistas, sendo uma realizada telefonicamente devida as medidas impostas pelo
covid-19, e também como forma de minimizar os recursos que eram escassos.

A entrevista é vantajosa na medida em que pode ser utilizada com todos segmentos da população
(analfabetos e letrados); permite o entrevistador repetir ou esclarecer perguntas, formular de
maneira diferente, especificar algum significado, como garantia de estar sendo compreendido e
dá oportunidade para a obtenção de dados que não encontram-se em fontes documentais e que
sejam relevantes e significativos.136

Ainda nesta senda, importa realçar que a chegada do investigador no campo de estudo suscitou,
na comunidade, a ideia da vinda de uma ajuda financeira e/ou material, o que requereu ao
investigador explicar ao pormenor as reais causas da sua presença naquele lugar.

No processo de colecta de dados mediante entrevista o pesquisador geralmente deparava-se com


situações em que as pessoas tinham medo de disponibilizar informações por temer represarias.
Por via disso, pautou-se por privilegiar as pessoas que sentiam-se a vontade ou confortáveis para
prestar declarações. As entrevistas realizadas no terreno foram com base em um guião
previamente elaborada, porém sempre que necessário colocávamos questões não padronizadas
resultantes do diálogo com os nossos entrevistados, com ideia de explorar ainda mais o problema

134
IBIDEM
135
GIL, António Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6aed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. Pág. 71.
136
MARCONI, Maria de Andrade & LAKATO, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Cientifica. 5aed. São
Paulo: Atlas, 2003.
49
da pesquisa. Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram complementados e cruzados com
experiencias que foram captadas no terreno, conferindo uma maior dinâmica o trabalho.

Neste contexto, importa referir que enfrentamos dificuldades para obtenção de informações no
Conselho Municipal, o que só possíveis graças ao apoio de algumas pessoas, dentre os quais
funcionários e não funcionários do município.

Os entrevistados aderiram voluntariamente a pesquisa, cientes da natureza do estudo e dos


eventuais transtornos neles envolvidos. Ao terminar a recolha de dados, os participantes tiveram
o acesso às anotações do investigador para efeitos de leitura, correção e confirmação dos dados
por eles fornecidos como resultado de terem sido tratados respeitosamente.

CAPÍTULO V – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS


RESULTADOS
Neste capítulo vamos apresentar, analisar e interpretar os resultados da pesquisa com base nos
dados colhidos no campo, município da vila de Boane. O objectivo é submeter a hipótese a um
teste empírico, com vista à validar ou rejeitar a hipótese. Para tal, tomaremos em consideração
três unidades de análise. Primeiro, veremos o processo de configuração das agendas políticas
locais. Em seguida, veremos como é que os órgãos do conselho municipal estabelecem contacto
com a comunidade, e como é que as demandas da comunidade alimentam o desenho das políticas
locais. É por fim, confrontaremos os dados empíricos, revisando os pressupostos teóricos que
nortearam a pesquisa.

1.1. O processo de configuração das agendas políticas locais

O trabalho de campo permitiu constatar que a governação participativa no município de Boane


está assente em três pilares: a governação aberta, o orçamento participativo e o trabalho do
campo das comissões da assembleia municipal. No copto geral, esses processos consistem em
promover reuniões populares a nível dos 33 (trinta e três) bairros do município, com objectivo de
auscultar diferentes sensibilidades e preocupações das comunidades, e em conjunto encontrarem
as soluções dos diversificados problemas que assolam aos munícipes. O produto dessa
auscultação é submetido as vereações do conselho municipal em função da jurisdição de cada
vereação, com vista a apreciação e emissão de pareceres em relação aos problemas apresentados.
Após de terem sido objecto de estudo e apreciação, as matérias são submetidas a Assembleia
50
Municipal para aprovação. Uma vez aprovadas, são remetidas ao Conselho Municipal para a sua
implementação. Conforme ilustra o seguinte pronunciamento:

“Os munícipes participam de diversas formas no processo de tomada de decisão.


Primeiro, a Assembleia Municipal é um órgão representativo, representa os municípios
da autarquia no seu todo. E o Conselho Municipal que é o executivo, têm estado a levar
acabo várias actividades, que são de todas formas auscultadas, faz-se uma auscultação
aos munícipes sob ponto de vista de buscar as principais preocupações dos munícipes e
aquilo que são as opções dos munícipes, o que permite o município desenhar as suas
políticas de intervenção. Temos uma outra componente de participação, que chamamos
de orçamento participativo, é um mecanismo de buscar nos munícipes aquilo que eles
acham que o município pode fazer nos seus bairros.” 137

De antemão o processo de desenho de políticas no município de Boane parece obedecer uma


logica sistémica. Na medida que os outputs (politicas locais) são frutos de inputs (demandas) da
comunidade. Todavia, para os munícipes a ideia de que a configuração da agenda política local é
fruto de uma auscultação a comunidade no sentido de colher as sensibilidades e preocupações
dos munícipes a nível dos bairros, constitui um argumento falatório. Conforme ilustram os
depoimentos abaixo:

“Desde que cheguei aqui em Boane em 2018, eu ainda não vi nenhuma reunião que a
população apresentou questões e depois município resolveu. A única coisa que eu sei
desde que cheguei em 2018, é que a população apresentou uma questão e o município
destruiu [...] Nunca vi o presidente do município a conversar com a população aqui em
Boane, pelo menos aqui neste Boane, a procurar saber as nossas preocupações e o que
138
nós queremos e depois o município fazer, negativo, nunca aconteceu.”

“Não há participação, e não há nada aqui no município de Boane. O município faz o que
bem entende e não consulta a ninguém. Esse é um município magoado, pois ninguém é
ouvido em nada, o presidente do município toma decisões quando bem entende e sem
consultar a ninguém. E se consulta, não consulta os munícipes, talvez os do partido, que
são os seus camaradas. É diferente daquele presidente de município de Chimoio que
procura interagir com a população, para ouvir as suas preocupações”.139

137
Em entrevista com Alberto Refo, Chefe do Gabinete do Presidente do Município de Boane. Entrevista realizada
no dia 21 de Setembro de 2021.
138
Em entrevista com João António, Munícipe. Entrevista realizada no dia 21 de Setembro de 2021.
139
Em entrevista com Ernesto Cossa, Munícipe. Entrevista realizada no dia 28 de Agosto de 2021.
51
Este cenário enquadra-se na ideia segundo a qual poucos são os trabalhos referentes à
governação local em algumas áreas de Moçambique, com raras excepções, parecem sugerir que
o processo de implementação das reformas da descentralização politica, ainda não teve um
impacto significativo na constituição e desenvolvimento de espaços políticos locais,
caracterizados por uma governação participativa, capaz de promover a nível local a cidadania, a
prestação de contas, a transparência, abertura, a capacidade de resposta por partes dos governos
locais às necessidades dos munícipe e o melhoramento das condições de vida dos cidadãos.140

Embora para muitos munícipes o processo de governação participativa constitua uma utopia. Há
quem diga que os líderes comunitários tem promovidos reuniões, onde procuram colher as
diversas preocupações dos munícipes, e em conjunto elaboram propostas das soluções dos
problemas que a comunidade enfrenta. Conforme afama o seguinte depoimento:

“Os líderes comunitários tem organizado reuniões duas vezes por mês ou uma vez em
cada semestre, onde colocamos os nossos problemas e as nossas propostas para solução
dos problemas que enfrentamos. E por sua vez, os líderes canalizam as preocupações ao
município, e o município tem resolvido algumas coisas. Por exemplo: participei numa
discussão sobre água organizada pelos líderes comunitários, onde depois levou-se esse
problema ao município, e o município resolveu. Nunca participei numa reunião
organizada pelo próprio município.”141

Esse posicionamento de governação participativa é sustentado em certa medida pelo seguinte


posicionamento do Conselho Municipal:

“Nós temos feito reuniões populares com os munícipes. A ideia nessas reuniões é fazer
auscultação aos munícipes para saber quais são as reais necessidades ou prioridades
dos bairros. E por sua vez, o município soluciona estes problemas. O município em cada
mês deslocasse aos bairros, onde procuramos saber quais são as principais necessidades
dos munícipes, e de seguida falamos de quanto dinheiro o município dispõem, e em
função disso perguntamos qual é problema que merece atenção prioritária no entender
dos munícipes. Ou seja, do rol de problemas apresentados pela comunidade, o município
pergunta quais são as prioridades, o que o município pode resolver de imediato, e ai os
munícipes segregam as suas opções. Também os munícipes canalizam os seus problemas

140
FORQULHA, Salvador. Remendo novo em pano velho: o impacto das reformas de descentralização no
processo de governação local em Moçambique. In Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava & António
(org.). Cidadania e Governação em Moçambique. Maputo: IESE, 2008, pág. 77.
141
Entrevista com Carlos Miguel, munícipe. Entrevista realizada no dia 28 de Agosto de 2021.
52
através dos líderes comunitários, e nas reuniões de concertação que município tem tido
com os líderes, eles colocam as preocupações destes, e o município procura resolver.”142

Figura 2: A audiência pública realizada no dia 5 de Maio de 2019, no âmbito de elaboração de


Plano de Estrutura Urbana, no Instituto Agrário de Boane

Fonte: Pagina oficial de Facebook do Município de Boane.

Isto enquadra-se na ideia de que o processo de governação participativa, os líderes comunitários


constituem elo entre a polução e conselho municipal. Estes organizam reuniões populares onde
discutisse acerca dos problemas que assolam os munícipes. E estes por sua vez, canalizam as
demandas da população ao conselho municipal.143

A maioria dos secretários de bairro existentes no município não foram eleitos pela população,
muitos são resultantes dos antigos grupos dinamizadores e a população não os legitima e muitos
destes quase que não reúne-se com a população.144 Este cenário também assiste-se no município
da vila de Boane, conforme ilustra o seguinte depoimento:

“O presidente do município tem um coração de criança, pois é emocionado e toma


decisões sem pensar. Ele simplesmente toma decisões sem consultar os cidadãos. Os
chefes de bairro também são outros, não estão preocupados com os problemas do bairro,
e não organizam reuniões para colocarmos as nossas preocupações, as poucas reuniões
que realizam tem a ver com partido e nós não entramos nesses assuntos. Ninguém elegeu

142
Entrevista com Francisco Pedro, Técnico do Conselho Municipal afecte ao Gabinete do Presidente do
Município. Entrevista realizada no dia 23 de Setembro de 2021.
143
BILÉRIO, Bernardino. Papel dos Governos (Autarquias) Locais na consolidação da democracia:1998-2006.
Caso do Município de Inhambane. Maputo: IESE, 2007, pág. 12.
144
IBIDEM
53
esses chefes de bairro, por isso nem reconhecemos a eles como nossos representantes,
também aqueles estão onde estão por causa do partido e não por nossa causa.” 145

A falta de legitimidade dos líderes comunitários, não permite que eles consigam mobilizar em
grande medida as massas populares para participar em fóruns locais, onde discute-se os
problemas que assolam os munícipes e suas respectivas soluções.

No Max Weber encontramos a ideia de legitimidade como sinônimo de aceitação. 146Todo poder
ao se instituir, necessita da aceitação do povo ao qual se dirige. Essa visão é um meio de
interpretação ou modelo interpretativo, que permite-nos captar determinados aspectos da vida
social em um determinado tempo.147No Município de Boane, verifica-se que as lideranças
comunitárias não conseguem mobilizar em grande medida as pessoas a participar em processos
de discussão e resolução dos seus problemas. Recorrendo Max Weber, isto encontra explicação.
Pois para este célebre pensador, a dominação tradicional fundamenta-se na força das relações
sociais passadas, estas justificam o presente.148

A história de Moçambique reza que aquando da construção do Estado em 1975, assistiu-se uma
desvalorização e marginalização das lideranças comunitárias. Mas com o fim do regime
monopartidário começou à assistir-se a valorização e reestruturação das lideranças comunitárias.
No município de Boane, verifica-se que esse processo influenciou na fraca capacidade dos
líderes comunitários mobilizar os munícipes a participar em reuniões populares.

1.2. A mecânica de audição dos órgãos do município as comunidades

Nesta secção, vamos perceber a mecânica da participação das comunidades no processo


decisório, através do contacto que os órgãos do município estabelecem com as comunidades. O
município é constituído de três órgãos: Assembleia Municipal, Conselho Municipal, e Presidente
do Conselho Municipal. Estes órgãos visam em primeira instância a prossecução dos interesses
da população.149

145
Entrevista com Maria Francisco, munícipe. Entrevista realizada no dia 28 de Agosto de 2021.
146
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 1982.
147
Estalabão, Daniel. O conceito de dominação em Max Weber: um estudo sobre a legitimidade do poder. 2010.
148
LIMA, Paulo. Teoria de Dominação: Max Weber. 2016.
149
Lei n.o6/2018, de 3 de Agosto – altera a Lei n.o2/97, de 18 de Fevereiro, que estabelece o quando-jurídico de
implantação de autarquias locais.
54
O município de vila de Boane abarca 2 (dois) postos administrativos e 33 (trinta e três) bairros.
Nestes bairros funcionam as estruturas políticas comunitárias (Secretários de bairro, secretários
de Unidade, Chefes de quarteirão, chefes de bloco, e Chefes das 10 casas).150 Essa estrutura
constitui um elo entre os órgãos municipais e os munícipes, uma vez que o município conta com
151
cerca de 80000 habitantes , não sendo possível a participação directa de todos
concomitantemente no processo decisório, dai que privilegia-se a participação representativa.
Onde a comunidade aloca as suas preocupações a estrutura política comunitária, e esta canaliza
as instituições formais (Presidente do Município, Conselho Municipal e Assembleia Municipal).
E estes por sua vez, respondem as demandas da comunidade.

Isso encontra enquadramento na ideia de que é necessário privilegiar a articulação entre o


município e a autoridade comunitária com vista a reconhecer e capitalizar as formas de
organização social das comunidades e melhorar as condições para a participação comunitária na
administração pública. É nesse âmbito que a consulta comunitária figura um instrumento que
assegura a participação dos cidadãos no processo de planificação.152

Porém, num cenário onde a estrutura politica comunitária depara-se com a fraca legitimidade,
torna-se difícil o processo de mobilização de munícipes a participar nas reuniões populares. Essa
fraca legitimidade resulta, primeiro, na forma em que os membros da estrutura política
comunitária são designados, e segundo, pela discrepância existente entre as preocupações que os
munícipes colocam nas reuniões populares e as ações desencadeadas pelo município. Conforme
ilustra os depoimentos abaixo:

“Eu participava em reuniões realizadas pelos nossos chefes de bairro, mas deixei de
participar porque as preocupações que nós colocamos a eles, nunca resolvem. Por isso
eu não participo nessas reuniões porque não dão em nada. Reclamos sempre acerca de
problemas de lixo e esta estrada de terra batida que provoca muita poeira, mas até então
nada. Coisas que ele (PM) deveria fazer não faz, mas coisas que não deveria fazer faz,
por exemplo mudou a terminal para lá longe e não sabemos porquê?”153

“Os chefes de bairro também são outros, não estão preocupados com os problemas do
bairro, e não organizam reuniões para colocarmos as nossas preocupações, as poucas

150
http://www.anamm.org.mz/index.php/component/k2/item/36-boane
151
Instituto Nacional de Estatística. Senso populacional 2017.
152
ILAL, Abdul. Governação Local e Relações intergovernamentais. In Adriano Nuvunga, Marcelo Mosse &
Paolo Renzio (Eds.). Maputo: CIP, 2008, pág. 54-64.
55
reuniões que realizam tem a ver com partido e nós não entramos nesses assuntos.
Ninguém elegeu esses chefes de bairro, por isso nem reconhecemos a eles como nossos
representantes, também aqueles estão onde estão por causa do partido e não por nossa
causa.”154

Este pressuposto encontra fundamento na ideia de que a legitimidade das autoridades tem
implicações no processo de participação comunitária.155As autoridades não legitimadas pela
comunidade, dificilmente serão capaz de influenciar e envolver as comunidades na discussão e
busca de soluções dos seus problemas, e consequentemente leva abstenção dos cidadãos nas
discussões promovidas pelas autoridades.156

A comunidade encana as suas preocupações aos líderes comunitários, e por sua vez estes
canalizam os problemas para as autoridades formais, com vista a serem solucionados. Porém,
nem sempre que a estrutura politica comunitária encaminha os problemas à autarquia, culmina
com a resolução dos mesmos. Consequentemente, a comunidade culpa os líderes comunitários
pela não solução desses problemas. Conforme ilustra o seguinte argumento do Secretario de
Bairro:

“Sempre que o Município está para realizar reuniões populares com a comunidade, o
nosso papel é comunicar a todos membros do bairro, que irá decorrer uma reunião. Nós
também organizamos reuniões, nessas reuniões a comunidade coloca seus problemas, e
depois levamos esses problemas as autoridades. Mas nem todos problemas são
resolvidos, e quando não são resolvidos as pessoas pensam que não estamos a trabalhar.
Mas qual é a nossa culpa nisso?”157

É dai que alguns estudos demostram que o problema que ainda limita a participação dos
secretários, é o facto de que certos problemas do bairro, quando canalizados a Assembleia
Municipal, nem sempre são resolvidos, e existe uma certa suposição de que quando insistirem
para a satisfação das suas exigências, por não satisfazer o governo local, podem ser conotados

153
Entrevista com Angelina Gabriel, munícipe. Entrevista no dia 23 de Agosto de 2021.
154
Entrevista com Maria Francisco, munícipe. Entrevista realizada no dia 28 de Agosto de 2021.
155
CHICHAVA, J. Participação comunitária e Desenvolvimento: O caso dos grupos dinamizadores em
Moçambique.
156
MOTTA, Ferreira. Introdução à Organização Burocrática. 6oedicao. Editora Brasiliense, 1993.
157
Entrevista com Ernesto Nhatumbo, Secretario do Bairro. Entrevista realizada no 30 de Agosto de 2021.
56
como oposição.158 Através disso, percebe-se que a falta de legitimidade não deriva apenas na
forma de designação dos líderes comunitários, mais também pelo facto de a população pensar
que os seus líderes actuam em conveniência com as autoridades formais.

Este cenário político demonstra que embora a descentralização deva permitir que os cidadãos
participem na gestão de negócios políticos, económicos e sociais através da interação entre o
Estado e a comunidade. Ainda persiste um grande desafio que consiste em conferir a
descentralização um maior sentido democrático, tornando-a um factor impulsionador da
participação comunitária e desenvolvimento económico e social local.159

Conforme supra referenciamos à prior, o município de Boane dispõem de mecanismos para


perceber o pulsar da comunidade em relação a governação municipal e para colher as
preocupações dos munícipes, com vista a solucionar. Esses mecanismos estão consubstanciado
em governação aberta, orçamento participativo, e audições das comissões de trabalho da
Assembleia Municipal as comunidades. Conforme elucidam os depoimentos abaixo:

“Nós temos feito reuniões populares com os munícipes. Nessas reuniões a ideia é fazer
auscultação para identificar os principais problemas dos bairros. E depois fazemos
levantamentos das necessidades dos munícipes. Existe uma componente que o município
usa para uma parte das receitas arrecadas reflectir directamente nos bairros, é o
programa que o município tem feito, chama-se orçamento participativo. Em cada ano o
município elege dois bairros, dependendo do orçamento que tem e dependendo também
das auscultações feitas. Daquele dinheiro das receitas do município, a partir do
orçamento participativo, vamos aos bairros e perguntamos quais são as necessidades
que eles têm e das necessidades quais são as prioridades e nós alocamos aquele valor
para responder as necessidades dos munícipes com base nas suas prioridades.” 160

“As Comissões de Trabalho de Assembleia Municipal fazem trabalho do campo, onde


fazem auscultação aos munícipes para procurar saber os problemas que enfrentam. E
também visitam as vereações respectivas para informarem-se do desenrolar das suas
actividades. E com base nisso as Comissões de Trabalho identificam nas matérias que
tendo sido encontrados em diferentes momentos do trabalho de campo, as que merecem

158
CANHANGA, Nobre Varela. Descentralização, Participação Comunitária e Desenvolvimento Municipal: O
Caso de Município de Quelimane. Monografia (Licenciado em Administração Pública), Faculdade de Letras e
Ciências Sociais – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2001, pág. 30.
159
ILAL, Abdul. Governação Local e Relações intergovernamentais. In Adriano Nuvunga, Marcelo Mosse &
Paolo Renzio (Eds.). Maputo: CIP, 2008, pág. 54-64.
57
ser discutidas e apreciadas pela Assembleia Municipal. Mais também o município na sua
actuação encontra diferentes matérias que carecem de serem aprovadas pela Assembleia
Municipal, então o município canaliza essas matérias para serem discutidas e aprovadas
pela Assembleia.”161

“No que tange a participação dos munícipes no processo de tomada de decisões, os


munícipes participam de diferentes formas. Temos um mecanismo de participação
denominada governação aberta, a governação aberta é a ida do presidente do município
para cada bairro realizar reuniões com a população, nestas reuniões o presidente visa
auscultar de forma directa as preocupações dos munícipes. Essas reuniões são
realizadas mensalmente”.162

Figura 3: Imagem do programa governação aberta, porta-à-porta

Fonte: Pagina oficial de Facebook do Município de Boane

160
Entrevista com Francisco Pedro, Técnico do Conselho Municipal afecte ao Gabinete do Presidente do
Município. Entrevista realizada no dia 23 de Setembro de 2021.
161
Em entrevista com Alberto Refo, Chefe de Gabinete do Presidente do Município de Boane. Entrevista realizada
no dia 21 de Setembro de 2021.
162
IBIDEM
58
Figura 4: Imagens do programa governação aberta, porta-à-porta

Fonte: Página oficial do Facebook do Município de Boane.

Embora assista-se algum exercício de auscultação as comunidades no sentido de buscar os


problemas dos munícipes, verifica-se que esse processo ainda encara enormes desafios, no que
tange ao envolvimento dos munícipes em todo processo de tomada de decisão. Pois, “a
participação significa muito mais do que a auscultação ocasional da população sobre
163
determinadas ações específicas, ela implica a inclusão social no processo decisório”. A
participação também significa, que antes de uma política ser adoptada pelo Governo, todos
membros devem ter oportunidades iguais e efectivas de tornar os seus pontos de vista

163
VALÁ, Salim. Participação Comunitária, Descentralização e o Papel do Estado: Entre o Ideal e a Realidade
no Moçambique Rural. Maputo, 2004.
59
conhecidos, bem como opinar qual deveria ser a política.164E mais, a auscultação só faz sentido
se no final do dia as políticas públicas reflectirem os anseios da comunidade. No MVB, a
participação não é convencional, na medida em que não consegue influenciar o curso de
acontecimentos políticos-sociais”.165

Quando o processo de auscultação ou audiência popular não culmina com a resolução dos
problemas dos munícipes, propicia a despolitização destes, perdem interesse pelas questões
públicas ao perceber que a sua participação na influencia no curso dos acontecimentos
políticos-sociais da sua comunidade. Isto pode notar-se através do depoimento abaixo:

“Nós sempre temos problemas, os problemas aqui não acabam porque não são
resolvidos. Os problemas acabam quando são resolvidos. Quando as pessoas apresentam
questões e não são ouvidas, Dá para apresentar mais outras questões? É difícil dizer que
já vi o presidente com a população, aquilo que fazia o David Simango, andar nos bairros
e conversar com a população.”166

Este cenário não possibilita a formação de coalizões políticas capazes minimamente de


equacionar a questão de como desenhar as políticas públicas capazes de impulsionar o
desenvolvimento económico e de promover a inclusão social de grande parte da sua população.
Embora existam programas que visam a inserção de grupos sociais ou interesses na formulação e
acompanhamento de políticas públicas.167 Com base nisso, constata-se que a governação aberta
e as reuniões populares até então não conseguem abranger em grande medida as massas
populares em todo processo decisório.

Apesar da constituição da república consagrar que a descentralização tem como objectivo


organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade,
promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia. 168
Todavia, isso nem sempre observa uma certa regularidade, pois assiste-se um descompasso entre

164
BILÉRIO, Bernardino. Papel dos Governos (Autarquias) Locais na consolidação da democracia:1998-2006.
Caso do Município de Inhambane. Maputo: IESE, 2007, pág. 12.
165
SABUCEDO, José Manuel & ARCE, Constantino. Types of Political Participation: a multimensional analysis.
In: European Journal of Political Research, n. 20. 1991. P. 93-102.
166
Em entrevista com João António, munícipe. Entrevista realizada no dia 21 de Setembro de 2021.
167
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. 2006, Pág. 2-14.
168
Lei n.o1?2018, de 12 de Junho, aprova a revisão pontual da constituição.
60
as promessas teóricas da descentralização e as implicações práticas para a participação activa da
comunidade no processo de governação.169

Através deste panorama, denota-se que a descentralização em Boane ainda continuam longe de
promover a participação dos cidadãos na solução dos problemas locais, o desenvolvimento local,
aprofundamento e consolidação da democracia.170

Então a visão segundo a qual a descentralização é uma via privilegiada e quase automática para
promover a democratização da sociedade, melhorar a prestação de serviços públicos ao cidadão,
e em geral facilitar o desenvolvimento, parece estar muito longe dessa realidade.171 Dai que a
descentralização é uma condição necessária, mas não é suficiente, para a participação da
população na gestão de interesses colectivos.172

O cenário demostra que a comunidade, pouco participa no processo decisório. Este panorama,
encontra explicação na ideia de que a descentralização figura uma condição necessária, mas não
suficiente para assegurar por si só a participação comunitária no processo decisório.173

Nessa conformidade, é necessário dar enfâse a capacitação das comunidades como o elemento
central da participação, visto que possibilita as pessoas adquirirem conhecimento, habilidade e
experiência, que permite a participação activa no processo de desenvolvimento das suas
174
comunidades. Com base na classificação de Jules Pretty, a participação no cenário como
este, onde privilegia-se a auscultação, é de tipo consultivo, as pessoas participam quando são
consultadas ou respondem perguntas. Este processo consultivo não concede qualquer partilha na
tomada de decisões e os profissionais não estão sob qualquer obrigação de tomar em
consideração os pontos de vista das pessoas.

169
CANHANGA, Nobre Varela. Descentralização, Participação Comunitária e Desenvolvimento Municipal: O
Caso de Município de Quelimane. Monografia (Licenciado em Administração Pública), Faculdade de Letras e
Ciências Sociais – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2001.
170
FORQUILHA, Salvador. Reformas de Descentralização em Moçambique. 2020
171
WEIMER, Bernhard (org.). Descentralizar O Centralismo? Economia Politica, Recursos E Resultados. IESE:
Maputo, 2012.
172
JUNQUEIRA, L. A (1997). Descentralização e Intersetorialidade na Gestão Pública Municipal.
173
SOIRI, Lina. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada? Ligações entre a
descentralização e o alívio da pobreza. 1999.
174
FARIA, Fernanda & CHICHAVA, Ana. Descentralização e cooperação descentralizada em Moçambique. 1999
61
As querelas relativas a participação comunitária no processo decisório podem serem explicadas
em parte pela inobservância das normas que regem o quadro da descentralização por parte dos
burocratas e políticos, e ao desconhecimento das normas pelos administrados. “Esse facto, leva
ao divórcio entre as teorias e práticas da descentralização no país.175

As opções políticas nem sempre reúnem consenso. Dai que, a comunidade por um lado pode
significar expressão de interesses comuns de solidariedade, integração e de consenso e, noutro, a
manifestação de interesses multifacetados, competitivos e muitas vezes conflituosos. 176
Conforme ilustra o seguinte depoimento:

“Ainda não vi o presidente Loureiro a dirigir reunião no meu bairro para procurar
saber quais são os nossos problemas. Talvez nos outros bairros. O presidente não
consulta a ninguém quando quer tomar decisões, da última vez por exemplo; destruiu
casas e barracas sem antes conversar com as pessoas, até houve greve por causa disso.
Agorinha, mudou a terminal que estava aqui na movítel para lá longe, novo mercado em
Umpala, contra a nossa vontade. Umpala não deveria ser terminal porque para alem de
ser longe, quando chove fica cheio de matope, e para andar por ai fica difícil.”177

Constata-se através do trecho acima que elucida desagrado dos munícipes em relação a mudança
da terminal, que nem sem sempre as decisões do Governo encontram a sua inspiração nas
demandas dos administrados, e consequente resulta na impassibilidade destes no âmbito da
implementação. Facto este, reconhecido pela autoridade municipal, conforme ilustra o
argumento abaixo:

“As demandas priorizadas no processo de elaboração das políticas advém da


comunidade. Porquê? Se o município definir por si só as políticas, sem participação ou
auscultação da comunidade ou se olhar aquilo que são as demandas ou preocupações
dos munícipes, o que vai acontecer é que no momento da sua implementação o município
esbarar-se com uma resistência. Porquê? Pode se dar o caso daquela política não ser o
que a comunidade deseja. Isso é resultado desta falta de auscultação, quando não há

175
CANHANGA, Nobre Varela. Descentralização, Participação Comunitária e Desenvolvimento Municipal: O
Caso de Município de Quelimane. Monografia (Licenciado em Administração Pública), Faculdade de Letras e
Ciências Sociais – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2001.
176
BEMBELE, Luís Isidro. Participação Comunitária em Projectos de Turismo e Desenvolvimento Local em
Moçambique (2000-2014): O caso de localidade de Gala. Dissertação (Mestre em Sociologia com orientação para
Antropologia) Rio de Janeiro, UFRJ-IFCS, 2016.
177
Em entrevista com Luísa Rafael, Munícipe. Entrevista realizada no dia 21 de Setembro de 2021.
62
auscultação as políticas são impostas, se são impostas podem-se esbarar-se com
resistência do local em que são implementados/ dos receptores das políticas.” 178

As reuniões populares devem ser recorrentes, ininterruptas e abrangentes. Pois só assim podem
envolver a participação de todos quadrantes da comunidade em todo processo decisório, e
consequentemente criar-se políticas capazes de catapultar o desenvolvimento local. O cenário em
Boane, sugere que as reuniões não seguem essa logica. Conforme ilustra o seguinte depoimento:

“Raramente acontece, mas os secretários de bairro realizam reuniões, onde cada um


levanta e coloca os seus problemas. O município não realiza reuniões com a população,
seria bom porque podíamos colocar directamente os nossos problemas ao presidente do
município”.179

Embora, do ponto de vista teórico as instituições afeiçoem o comportamento dos actores


políticos e sociais no processo decisório, e estruturem a arena politica onde coexistem interesses
divergentes. Constata-se que o processo de tomada de decisão no MVB, é muito mais informado
pelas instituições informais, crenças, ideologias e visões dos policy-maker, do que pela
instituições formais, o quadro-legal. Todavia, “a constituição da república, consagra que a
descentralização tem como objectivo organizar a participação dos cidadãos na solução dos
problemas próprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e
a consolidação da democracia”.180

Denota-se uma privatização da arena política local181, visto que o processo de tomada de decisão
flui com base numa lógica de top dow, embora exista um exíguo empreendimento da parte do
governação local no sentido de envolver a participação comunitária no processo decisório, não
permite as massas populares influenciarem em grande medida a configuração derradeira das
políticas. E consequentemente, reduz a credibilidade dos munícipes em relação a planificação
participativa. Constata-se também que as reuniões desenvolvidas não são caracter direcionado, o
que torna difícil perceber a influência de cada stakeholder nesse processo decisório.

178
Em entrevista com Alberto Refo, Chefe de Gabinete do Presidente do Município de Boane. Entrevista realizada
no dia 21 de Setembro de 2021.
179
Entrevista com Regina Langa, munícipe. Entrevista realizada no dia 28 de Agosto de 2021.
180
Lei n.o1?2018, de 12 de Junho, aprova a revisão pontual da constituição.
181
Privatização de arena política é um mecanismo que envolve apenas pessoas associados ao partido no poder no
processo decisório, onde o desenho das políticas é alimentado pelas preferências da elite politica.
63
Apesar de, as reflexões teóricas apontarem que as políticas públicas visam conciliar os interesses
divergentes atinentes à gestão de res pública e providenciar benefícios diretos ao cidadão.182 No
MVB, isso pouco verifica-se.

A soma de interesses individuais e grupais não totaliza o interesse público mas geral, uma vez
que este, na essência, é mais amplo e mais legítimo.183 É neste sentido, que deve-se privilegiar
uma abordagem participativa na elaboração e formulação políticas públicas com vista a
reflectirem a vontade geral, e consequentemente serem legitimadas.

1.3. Conclusões

A pesquisa propunha-se a analisar a descentralização e participação comunitária no


desenvolvimento local. Questionando em que medida a descentralização, no Município de
Boane, assegura a participação comunitária no processo de elaboração e implementação de
políticas de desenvolvimento local. Deste modo, partiu-se de pressuposto de que apesar do
quadro teórico e normativo defender que a descentralização garante a participação comunitária
no processo decisório, no município de Boane, a comunidade pouco participa no processo de
elaboração e implementação de políticas.

Em relação aos resultados, constatou-se que embora o governo municipal desenvolva reuniões
populares para auscultar a população, verifica-se que esse processo ainda não permite envolver
as comunidades em todo processo decisório. De outro lado, denota-se que esse mecanismo de
participação não possibilita a população influenciar em grande medida o processo de desenho de
políticas públicas locais.

Assiste-se uma tendência de conceber a participação como mera auscultação ocasional da


população sobre determinados assuntos, e não como um mecanismo que implica a inclusão
comunitária em todo processo decisório, desde a formulação até implementação das políticas
públicas.

182
THEODOULOU, Stella & CAHN, Matthew (Eds.). Public policy: essential readings. 2aed. New Jersey: prentice
hall, 2012, pág. 20.
183
PEDONE, Luiz. Formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Brasília: FUNCEP, 1986, Pág.9.
64
Quanto ao processo de governação participativa, os líderes comunitários constituem elo entre a
polução e conselho municipal. Estes organizam reuniões populares onde discutisse-se acerca dos
problemas que assolam os munícipes. E estes por sua vez, canalizam as demandas da população
ao conselho municipal. Porém, depreende-se que no final do dia, nem sempre as decisões
tomadas pelo Governo reflectem os anseios populares manifestados nas reuniões. E isso,
consequentemente propicia a abstenção dos munícipes nas reuniões.

Relativamente aos líderes comunitários, verifica-se que muitos destes, não foram eleitos pela
população e quase que não se reúne com a população. De um lado, isso tem implicações directas
na legitimidade destes e no processo de planificação participativa comunitária. E doutro, reduz a
capacidade dos líderes comunitários em mobilizar os munícipes a participar nas reuniões
populares.

Nesta conformidade, a falta de legitimidade das autoridades comunitárias, não só propicia a


incapacidade destes influenciar e envolver as comunidades na discussão e busca de soluções dos
seus problemas, mais também leva abstenção dos cidadãos nas discussões promovidas pelas
autoridades.

Denota-se por lado, que o processo de auscultação popular nem sempre culmina com a resolução
dos problemas dos munícipes, propiciando a despolitização dos munícipes. Estes perdem
interesse pelas questões públicas, ao perceber que a sua participação não influencia no curso dos
acontecimentos políticos-sociais, da sua comunidade. E doutro, que a descentralização figura
uma condição necessária, mas não suficiente para assegurar por si só a participação comunitária
no processo decisório.

De modo geral, os elementos supra referenciados permitiram constatar que os mecanismos


existentes de participação comunitária, reuniões populares, governação aberta e orçamento
participativo, ainda não permite o envolvimento das comunidades em todo processo decisório, e
muito menos a influência destes no figurino das políticas locais e no curso dos acontecimentos
políticos e sociais, no final do dia. Em outras palavras, estes elementos concorrem para pouca
participação da comunidade no processo de formulação e implementação de políticas.
Verificando-se assim a hipótese levantada para responder o problema de pesquisa.

65
1.3.1. Recomendações

Observados alguns problemas que limitam a participação comunitária no processo decisório, no


Município de Boane, recomendamos que:

I. A participação deve consistir no envolvimento das comunidades em todo processo de


formulação de políticas públicas, e não apenas limitar-se na auscultação das
comunidades;

II. Há necessidade de capacitar as comunidades (a estrutura politica comunitária) em matéria


planificação participativa;

III. É necessário que as autoridades comunitárias sejam legitimadas por meio do processo
eleitoral;

IV. É necessário levar acabo uma reforma institucional para permitir que os representantes
comunitários participem nas secções de Assembleia Municipal, onde poderão emitir
pareceres em relação aos problemas que o município enfrenta, o que vai possibilitar que
estes influenciem na configuração de políticas publicas locais;

V. Nesse contexto de medidas impostas a Covid-19 pode-se recorrer ao uso das TIC‟s para
dar continuidade as acções de governação participativa;

VI. O Conselho Municipal deve prestar contas as comunidades, directamente ou através dos
representantes dos bairros.

66
5. Referências Bibliográficas

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5. BEMBELE, Luís Isidro. Participação Comunitária em Projectos de Turismo e
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Dissertação (Mestre em Sociologia com orientação para Antropologia) Rio de Janeiro,
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Politica: Os Desafios do Seculo XXI. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2018.
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42. NUVUNGA, Adriano. Governação e Integridade em Moçambique: problemas práticos e
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Dissertação. 4aed. Florianópolis:UFSC, 2005, pág. 20.
50. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. 2006, Pág. 18.

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53. SOIRI, Lina. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada?
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o Ideal e a Realidade no Moçambique Rural. Maputo, 2004.
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Moçambique: Dinâmicas, Efeitos e Desafios. IESE: Maputo, 2017.

JORNAL
Centro para Democracia e Desenvolvimento, Maputo, Domingo, 09 de Agosto de 2020.

Portal da internet
http://www.anamm.org.mz/index.php/component/k2/item/36-boane

Legislação
1. Lei n.o3/94, de 13 de Setembro.
2. Lei n.o2/97, 18 de Fevereiro, que aprova o quadro jurídico para implantação de autarquias
locais.
3. Lei n.o11/97, 31 de Maio, define e estabelece o regime jurídico-legal das finanças e do
património das autarquias locais.
4. Lei n.o7/97, 31 de Maio, estabelece o regime jurídico da tutela administrava do Estado a
que estão sujeitas as autarquias.
5. Lei n.º. 19/97, de 1 de Outubro, Lei de Terras.
6. Lei no1/2018, de 12 de Junho, aprova a revisão pontual da constituição.

71
ANEXOS

Anexo I – Lista dos entrevistados

Número Entrevistados Categoria Modalidade Data da entrevista


1 Alberto Refo Chefe do Gabinete do PM Presencial 21/09/2021
2 Angelina Munícipe Presencial 28/08/2021
3 Carlos Miguel Munícipe Presencial 28/08/2021
4 Ernesto Cossa Munícipe Presencial 28/08/2021
5 Ernesto Nhatumbo Secretário do Bairro Presencial 30/08/2021
6 Francisco Pedro Tec. do Município Telefónica 23/09/2021
7 João António Munícipe Presencial 21/09/2021
8 Luísa Rafael Munícipe Presencial 21/09/2021
9 Maria Francisco Munícipe Presencial 28/08/2021
10 Regina Langa Munícipe Presencial 21/09/2021

Anexo II – Guião de questionário

PARA MUNICÍPIO:

1. Os munícipes participam na formulação e implementação de programas, projetos ou


políticas desenvolvidas pelo município?

2. De que forma os munícipes participam na formulação e implementação de programas de


ação governativa?

3. Fala-me do processo de seleção dos munícipes que participam nesse processo?

4. Quais são os actores que geralmente participam nesse processo?

5. Qual é regularidade em que os munícipes são convocados para discussão e aprovação dos
programas/projetos municipais?

72
6. Fala-me da influência que a comunidade exerce no processo de formulação e
implementação de políticas?

7. Das sessões ordinárias realizadas pela Assembleia Municipal, quantas contaram com a
participação dos representantes dos munícipes a nível dos bairros?

8. O município tem-se deslocado aos bairros para colher as sensibilidades dos munícipes em
relação as políticas que visam aprovar?

9. Qual é a periocidade em que o município faz auscultação aos munícipes acerca dos
problemas que estes enfrentam?

10. Quais são os contributos dados pelos munícipes para resolução dos problemas
enfrentados pelo município? Como é que contribuem?

11. Quais são as portas de acesso dos assuntos discutidos na Assembleia Municipal?

12. Esse debate é antecedido de uma auscultação aos munícipes?

13. Os grupos de munícipes ou organizações que participam nas decisões do Município?

14. Quais as formas que estes dispõem para participarem nas decisões do município e na
implementação das vossas decisões?

15. Como é que o município tem identificado os problemas do município e as suas respetivas
soluções?

16. Existe grupos de munícipes ou organizações com que a autoridade municipal tem
discutido as soluções dos problemas do município?

17. Como é que o município tem mobilizado a população a participar na formulação e


implementação de políticas?

18. A nível dos bairros tem ocorrido debates em volta dos problemas que os munícipes
enfrentam?

19. Como é que o produto desses debates é canalizado ao município?

20. O Município dispõe de caixa de reclamações e sugestões?

21. Anualmente em média quantas reclamações e sugestões o município tem recebido?


73
22. As reclamações e sugestões são de que natureza?

23. Os munícipes têm ajudado na implementação de políticas? Como?

PARA MUNÍCIPES:

1. Conhece algum programa ou projeto que foi/está sendo desenvolvido pelo vosso
município?

2. Participou de alguma forma na elaboração do mesmo? Participou na sua implementação


ou está participando?

3. Conhece seus líderes comunitários (Secretario de Bairro, chefe de quarteirão e Chefe das
10 casas)?

4. Eles têm organizado reuniões onde discute-se os problemas do município e as respectivas


soluções?

5. Já participou em alguma reunião realizado pelo município, onde foram auscultados


acerca dos vossos problemas?

6. Se sim, essa auscultação acontece com que frequência?

7. Já escreveu uma carta de Queixa, sugestão ou reclamação ao município? Porquê?

8. Dos programas/projetos que conheces. Você conheceu ainda na sua fase de elaboração ou
depois de serem aprovados?

9. Quando conhecem a programa após aprovação o que fazem? Colaboram na sua


implementação? Se sim/não, porquê?

10. Sentes que a sua ou não participação faz alguma mudança? Se sim/ não, porquê?

11. Os programas desenvolvidos pelo município refletem vossas preocupações? Se sim, dê


exemplo?

12. Como é que canalizam as vossas preocupações ao município?

13. Conheces as atribuições ou competências do município?

74
Anexo III – Credencial de colecta de dados

75

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