UNIDADE 1 - de Sede Do Império À Nação
UNIDADE 1 - de Sede Do Império À Nação
UNIDADE 1 - de Sede Do Império À Nação
Aspectos Formativos
De Sede do Império à Nação
Revisão Textual:
Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira
De Sede do Império à Nação
OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Estudar o processo de emancipação do Brasil;
• Entender como a transferência da Corte portuguesa para a colônia, o fim do período Na-
poleônico e a Revolução do Porto de 1820, contribuíram para o processo de emancipação
do Brasil. Este processo não esteve isento de turbulências, vários conflitos ocorreram e eles
auxiliam o seu entendimento, com ênfase à Revolução de 1817 em Pernambuco;
• Compreender o significado da independência brasileira e as relações de D. Pedro I com as
elites “brasileiras”.
UNIDADE De Sede do Império à Nação
Os Bastidores da Independência
e seus Desdobramentos
A família real portuguesa aportou em sua colônia da América em 1808, fugindo da
invasão napoleônica em Portugal. Os lusitanos contaram com apoio da Inglaterra para a
chegada à colônia, confirmando as relações entre essas duas nações, que datam do final
do século XIV. Considerada a primeira aliança diplomática do mundo, a Aliança Luso-
-Britânica foi selada em 1383 e consistiu em ajuda inglesa para a casa de Avis. O tratado
de Windsor (1386) confirmou a aliança Luso-Britânica após ajuda inglesa aos portugue-
ses na batalha de Aljubarrota contra os castelhanos. A vitória portuguesa pôs fim ao
período de crise de sucessão (1383-1386), coroando D. João de Avis (D. João I) como
rei de Portugal, o que deu início ao Absolutismo Português.
O tratado de Methuen, ou “dos vinhos e panos”, foi alvo de duras críticas, tanto por
parte dos contemporâneos, que o reprovaram quando de sua assinatura em 1703, como
ao longo do tempo em que vigorou (até 1842). Este tratado foi responsabilizado pela
dependência econômica de Portugal com relação à Inglaterra, já que Portugal deveria
admitir para sempre os tecidos de lã e demais manufaturas em troca dos vinhos por-
tugueses, não pagando direitos alfandegários maiores do que os vinhos franceses com
um terço de redução. Mas, na verdade, o tratado apenas sancionava uma situação já
existente com acordos anteriores, já muito desvantajosos (ALGRANTI, 1987).
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A nobreza e os comerciantes portugueses foram duramente golpeados com as medi-
das adotadas por D. João VI. Além da abertura dos portos, o Rio de Janeiro tornou-se
sede do governo; o Brasil foi elevado, em 1815, à categoria de Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves.
[...] a elevação da antiga colônia à dignidade de reino foi, por outro lado,
o reconhecimento de uma situação de fato. Era obviamente a indepen-
dência dentro da união, como dois irmãos diferentes sob o pálio do trono.
E que este agora preferia o filho maior – Brasil – seria mais evidente se
a Coroa não empregasse ainda no Brasil agentes nascidos em Portugal.
(CUNHA, 1993, p. 149)
Segundo Cunha (1993, p. 146), Portugal foi muito mais prejudicado do que o Brasil,
pois deixou de ser entreposto comercial, “onde tivera seu maior lucro, viu-se agora quase
sem possibilidade de colocar a sua produção na antiga colônia; chegou a pagar, até
1818, uma tarifa 1% mais elevada do que a dos ingleses”. A maior parte do comércio
internacional português realizava-se com o Brasil, sendo a metrópole “entreposto da
distribuição de todo o comércio exterior da colônia, assim como, consumidora dos pro-
dutos produzidos no Brasil” (COSTA, 1998, p. 40). O sistema de monopólio garantia
privilégios a Portugal. Navios portugueses ganhavam com os fretes. As importações
e exportações da colônia garantiam ganhos à alfândega. Os comissários portugueses
lucravam, armazenando e revendendo os produtos.
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UNIDADE De Sede do Império à Nação
D. João VI adotou medidas para amenizar as perdas dos portugueses, como, por
exemplo, favorecer produtos que fossem transportados em navios portugueses, conce-
dendo vantagens para a importação de vinhos, azeites e outros artigos fabricados em
Portugal ou nas colônias portuguesas. Essas medidas não tiveram êxito, porque Portugal
enfrentava a concorrência de nações mais desenvolvidas, amplamente interessadas no
comércio colonial. Por outro lado, tais medidas desagradavam aos estrangeiros assim
como aos “próprios brasileiros. Pressionado por vários interesses contraditórios, D. João
não conseguia satisfazer nenhum grupo e sua política agravava os ressentimentos de
todos” (COSTA, 1998, p. 41).
A crise portuguesa estava relacionada à Revolução Industrial em curso, principalmente
na Inglaterra. O desenvolvimento técnico afetava à produção agrária e manufatureira de
Portugal, que se mantinha com técnicas rudimentares. Porém, para os lusitanos, todo o
problema estava relacionado à perda do monopólio sobre à colônia.
Esperavam eles que a volta de D. João VI a Portugal acarretasse a anu-
lação das regalias concedidas ao Brasil e o restabelecimento do Pacto
Colonial rompido. Não contavam eles com a oposição da colônia e da
Inglaterra, ela própria beneficiária da nova situação criada pela transfe-
rência da Corte para o Brasil. (COSTA, 1998, p. 41)
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Entre as medidas administrativas mais importantes, podemos citar as:
A hoje chamada Biblioteca Nacional abriga o acervo de livros e documentos que veio de
Portugal nas viagens citadas. Para explorar este rico e interessante acervo consulte o site.
Disponível em: https://bit.ly/2UA2g6V
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UNIDADE De Sede do Império à Nação
Em 1815, teve fim o período das guerras napoleônicas, com a derrota do exército
francês para a Inglaterra na famosa batalha de Waterloo. Assim terminaram as ameaças
francesas em Portugal, momento que, alguns anos depois, foi sucedido por uma agita-
ção pela volta de D. João VI à sua pátria. Era o ano de 1820, quando aconteceu uma
sublevação na cidade do Porto, que exigia a organização das Cortes e a elaboração de
uma Constituição, assim como o retorno do rei D. João VI para Portugal.
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os privilégios que ainda sobreviviam. Brasileiros e estrangeiros interessados em manter
a abertura dos portos “Acreditavam que a instituição de um governo constitucional lhes
daria a oportunidade de representar nas Cortes [portuguesas] os interesses da colônia”
(COSTA, 1998, p. 44).
Figura 3 – Jean Baptiste Debret. Retrato de D. João VI. Museu Paulista da USP
Fonte: Wikimedia Commons
Sobre as obras de Debret no Brasil, ver: TREVISAN, Anderson Ricardo. A Construção Visual
da Monarquia Brasileira: Análise de Quatro Obras de Jean-Baptiste Debret. 19&20, Rio de
Janeiro, v. IV, n. 3, jul. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3r3fPIw
A Interiorização da Metrópole
e a Criação da Ideia de Nação
Após o retorno de D. João VI a Portugal, as Cortes portuguesas apressaram-se em
obstruir os privilégios concedidos à colônia, tomando medidas para tal, sem sequer
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Sobre José Bonifácio, ver: COSTA, E. V. da. José Bonifácio: mito e história. In: Da Monarquia
à República. São Paulo: Unesp, 1998, p. 63-132.
Sobre a construção da imagem de D. Pedro I, ver: MURANO, A. F. G. D. Pedro I: uma análise
iconográfica. Disponível em: https://bit.ly/3wqH4xE
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As Cortes ainda ordenaram a volta de D. Pedro para Portugal. Contrariando essas
ordens, o príncipe regente, em 9 de janeiro de 1822, atendeu à solicitação do Senado
da Câmara do Rio de Janeiro e decidiu-se a permanecer no Brasil, ato conhecido como
o “Fico” (COSTA, 1998).
[...] de modo geral o Fico transcende qualquer cor política porque soma
o passado para inaugurar a emancipação. Aglutina interesses e espe-
ranças de indivíduos e de grupos, brasileiros que pretendem atrair
D. Pedro e portugueses que veem nele ainda um compatriota; funcioná-
rios ameaçados nos seus proventos; monarquistas de todos os matizes e
até republicanos disfarçados – que poderiam desejar a ausência do prínci-
pe mas de repente veem, ou pelo menos entendem confusamente o que
ela significa: não só a perda da empresa, de negócios, de regalais, mas a
dissolução do Brasil. (CUNHA, 1993, p. 165)
“Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”,
frase de D. Pedro Príncipe Regente no dia do Fico, após receber uma lista com oito mil assina-
turas pedindo sua permanência. Este fato indica o papel primordial dos políticos brasileiros
no processo de Independência do Brasil, para além do protagonismo de D. Pedro no processo.
A decisão de D. Pedro de ficar no Brasil não significou imediata ruptura com Portugal.
O príncipe tinha em mente a manutenção da união luso-brasileira, com o estabeleci-
mento de uma monarquia dual. Assim pensavam os portugueses, que viam no gesto do
príncipe a concretização dessa união.
Por algum tempo, ainda, buscou-se a constituição de uma monarquia dual. Três par-
tidos disputavam a liderança do processo: um ligado aos portugueses que viviam no
Brasil, mas buscavam restabelecer o monopólio comercial da metrópole sobre a colô-
nia; outro liderado por fazendeiros brasileiros, comerciantes portugueses e de outras
nacionalidades, além de ingleses e franceses, que ganharam com a quebra do Pacto
colonial; e, por fim, os republicanos, que defendiam a completa independência com a
constituição de uma República nos moldes dos demais países da América. “A liderança
do príncipe permitiu a aglutinação dos grupos mais diversos. A despeito de conflitos de
ordem pessoal [...] as divergências entre esses grupos não eram suficientemente fortes a
ponto de impedir a união em torno do príncipe” (COSTA, 1998, 51).
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No dia 3 de junho, foi convocada a eleição para a Assembleia Constituinte. “Não era
ainda uma proclamação formal de Independência, pois o texto da convocação ressalvava
a união com ‘a grande família portuguesa’, na realidade difícil de ser mantida depois de to-
dos os atos de desrespeito às ordens das Cortes” (COSTA, 1998, p. 53). Anteriormente, o
regente já vinha dando mostras de insubordinação às Cortes portuguesas. Em 4 de maio,
expediu ordem “para que os decretos de Lisboa não fossem obedecidos no Brasil sem o
seu cumpra-se” (CUNHA, 1993, p. 173). Outros acontecimentos demonstram que a se-
paração definitiva de Portugal estava a caminho. José Bonifácio nomeou um cônsul em
Buenos Aires. O emissário, Caldeira Brant, que estava em Londres já havia muito tempo,
foi confirmado como cônsul, e outros foram nomeados para Washington e Paris.
Como se vê, nada mais falso do que interpretações fantasiosas de uma independência
feita por um ato isolado de D. Pedro. O grito do Ipiranga em São Paulo foi resultado de
intensas disputas, como demonstrado anteriormente.
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A maçonaria (Grande Oriente) já havia decidido em “20 e 23 de agosto proclamar
a separação e enviar emissários às províncias para tratar da investidura do regente na
realeza brasileira”. A Câmara do Rio de Janeiro fazia o mesmo “a 7 de setembro, evi-
dentemente sem saber o que estava ocorrendo em São Paulo” (CUNHA, 1993, p. 178).
Sobre a maçonaria ver: BARRETO, C. de B. Ação das sociedades secretas. In: HOLANDA, S.
B. História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. 1º volume.
O processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1993, p. 191-206.
A par de novas ameaças e insultos contra o Brasil por parte das Cortes Portuguesas,
José Bonifácio, já em 28 de agosto, preparou a mecha que iria espocar em 7 de setembro.
O ministro não perdeu tempo, provavelmente sabedor da reação de D. Pedro. “Confor-
me depoimento de Vasconcelos Drumond, no conselho de governo reunido a 29 sob a
presidência e incentivo de Dona Leopoldina, ‘decidiu-se de se proclamar a independên-
cia’” (CUNHA, 1993, p. 178). Esta situação, que identifica aparentemente uma ideia de
união geral entre os “brasileiros” pela independência, na verdade mostrou-se frágil, já
que havia uma carência de integração regional, difícil de alcançar em virtude da preca-
riedade dos meios de transportes e comunicação disponíveis.
Nem mesmo a elite intelectual, equipada para pensar os problemas do país, mostrava-
-se homogênea. Parte dela formada na antiga metrópole, trazia nas veias a consciência do
papel eminente da Coroa e a obsessão com a integridade do Império, incutidas pela Uni-
versidade de Coimbra. Outra parte, no entanto, formara-se na terra, estimulada pelas opor-
tunidades que a presença da Corte propiciara, a partir das precárias instituições de ensino
disponíveis e da leitura, nem sempre crítica, de alguns autores da ilustração francesa. Essa
fração acabou, assim, por reelaborar os ressentimentos regionais, que a administração
portuguesa estimulara. Uma elite que continuava, portanto, a mover-se majoritariamente
na órbita das tradições culturais lusas, mas que, embora senhora do aparelho do poder,
“não dispunha de uma consciência original para dotar o país com a alma e a personalidade
de uma nação, enquadrando-o no modelo europeu” (NEVES, 2008, p. 545).
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intransigentes das Cortes. Os seus deputados lusos pretendiam assegurar para Portugal a
hegemonia no império luso-brasileiro a partir de uma política integradora, não de recolo-
nização, mas restabelecendo o controle administrativo (NEVES, 2008).
Para tanto, foi preciso unir os brasileiros. Desde o início, as Cortes portuguesas fomen-
taram a desunião entre os brasileiros, permitindo e encorajando os contatos diretos com
as províncias, separadamente. Por outro lado, o partido brasileiro isolou D. Pedro I da
influência das Cortes, procurando articular a emancipação política, e conseguiu realizar a
unificação das forças e organizar as bases da emancipação política. O partido contava com
a habilidade de José Bonifácio, já que ele possuía muita influência junto a D. Pedro. No
entanto, uma vez consolidado o movimento da Independência, os laços que uniam os bra-
sileiros mostraram-se frágeis. Não tendo mais que enfrentar as Cortes, começaram a surgir
divergências políticas internas, levando a um período conturbado, de guerras e questões
políticas mal resolvidas, tal como foi o Primeiro Reinado de D. Pedro I (ALGRANTI, 1987).
Em Síntese
No momento em que foi necessária uma ação direcionada ao interesse maior que era a
Independência, os atritos políticos foram deixados de lado. Mas esta hábil ação agrega-
dora organizada por José Bonifácio, não foi suficiente para prorrogar tal união de inte-
resses, logo após o 7 de setembro.
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O Papel da Imprensa e os Conflitos
na Transição dos Processos Políticos
Os espaços destinados à propagação de uma opinião pública multiplicaram-se no
início do século XIX, após um longo período de restrição no Antigo Regime. Sociedades
literárias, científicas e organizações secretas como a Maçonaria, formadas por uma elite
letrada, começaram a servir como meio de transmissão de novas ideias sobre o governo,
a sociedade e a religião.
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Em agosto de 1822, o príncipe regente D. Pedro viajou para a Província de São Paulo
para tentar resolver algumas divergências políticas locais e estreitar os laços de unida-
de. Neste intervalo, chegaram ao Rio de Janeiro decisões das Cortes que mandavam
processar os que contrariassem a política da metrópole e ordenava a criação de juntas
nas províncias, subordinadas a Lisboa. Além disso, limitavam a autoridade do prínci-
pe regente. O resultado seria o conhecido grito “Independência ou morte”, dado por
D. Pedro às margens do riacho do Ipiranga em São Paulo (NEVES, 2008).
Entretanto, para os contemporâneos, a data não se revestiu de um significado espe-
cial e o fato sequer foi noticiado na imprensa, a Independência já estaria consumada des-
de o início de junho, quando houve convocação da Assembleia Constituinte. Somente
no dia 20 de setembro, quase duas semanas após o ocorrido em São Paulo, que a notícia
foi publicada em um jornal. A publicação exaltou o “grito de acorde de todos os brasi-
leiros”, que havia ocorrido aos “decretos injustos e cruéis” das cortes. Muitas décadas
depois, uma encomenda de D. Pedro II, o filho e sucessor de D. Pedro I, ao pintor Pedro
Américo, quase ao final do período monárquico, transformou um o grito do Ipiranga no
“gesto fundador do Brasil” (NEVES, 2008, p. 371-372).
Pedro Américo pintou mais de uma centena de quadros, que se encontram em vários locais:
Museu Paulista, MASP, Museu Imperial, ente outros, além das coleções particulares. Para co-
nhecer mais obras do artista, confira o site, o Museu Nacional de Belas Artes, que abriga gê-
neros diferenciados da vasta obra de Pedro Américo. Disponível em: https://bit.ly/2WfPwna
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Essa tela foi produzida entre 1886 e 1888, momento de crise do Estado Imperial e de
expansão do republicanismo, no estilo de pintura histórica, a fim de resgatar a imagem
e o significado da monarquia já que:
Essa foi uma empreitada de sucesso, pois o quadro de Pedro Américo até hoje é a
principal referência acerca da Independência do Brasil. Mas, na prática, mesmo em
1822, a Independência estava longe de chegar, pois a ausência de unidade política levou
a ocorrência de sérios conflitos.
José Bonifácio, apesar de ideias avançadas para época, como a defesa da abolição
da escravatura, “no terreno da política, [...] foi sobretudo um homem do passado”, para
certos assuntos era bastante conservador. Ele temia que as novas ideias (liberais) “per-
turbassem o fortalecimento da independência e da monarquia, sobretudo da unidade
nacional” (CUNHA, 1993, p. 167).
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É desse período a criação da ideologia da vocação agrária brasileira, criada por fazen-
deiros e seus ideólogos, numa clara tentativa de impedir a industrialização no país. Alega-
vam que o Brasil não poderia concorrer com países mais adiantados como a Inglaterra.
Portanto, caberia à nova nação exportar bens primários e importar industrializados. Esse
debate seguirá presente na história brasileira, pelo menos, até meados dos anos 1950.
Outras condições também sofreram adaptação neste novo momento político. Os in-
tercâmbios mais simbólicos entre os monarcas e os “homens bons” da terra haviam
iniciado desde o desembarque da família real, principalmente com relação às chamadas
“subscrições voluntárias” que angariavam dos fieis vassalos verdadeiras fortunas, rece-
bendo em troca honra e prestígio. O mundo era ordenado com um lugar destinado a
cada um, e era repleto de querelas em suas interrelações na configuração na corte.
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A chamada “opção conciliatória de nossas elites” pode ser traduzida na mudança de
regimes, de formas de governo, para se perpetuarem as mesmas estruturas econômicas
e sociais, com a manutenção dos privilégios e postos de mandos dos mesmos segmentos
na cúpula e a exclusão deliberada de toda a população sobre as decisões da vida nacional
(MALERBA, 2000, p. 299).
No entanto, o fato de as elites terem dominado o processo político, não significa que
a população comum não tenha participado, a sua maneira, da Independência, em um
contexto de conflitos que iniciaram antes de 1822.
As Guerras da Independência
A mudança da corte para o Brasil alterou as relações entre o Rio de Janeiro e as pro-
víncias. Os pernambucanos, por exemplo, sentiam-se oprimidos e explorados naquele
início do século XIX com muitas taxas e “contribuições” pelos mais variados motivos,
desde o pagamento realizado durante 200 anos por guerras coloniais ocorridas no sé-
culo XVII contra os holandeses, até o financiamento da iluminação pública no Rio de
Janeiro. Também havia descontentamentos políticos pelo modelo político vigente e a
influência da maçonaria, favorável a um governo constitucional.
Em março de 1817, militares que conspiravam em Recife tiveram sua prisão ordenada
pelo governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, um dos acusados reagiu e
matou seu comandante, detonando uma revolução que se propagou rapidamente, com
violências contra os portugueses.
Mas, logo no início do movimento, a fim de conter a “arraia miúda”, diversas procla-
mações procuraram conter o “arraigado antilusitanismo” das camadas mais pobres, para
garantir o apoio de outras províncias como Alagoas e Paraíba, que inicialmente haviam
aderido de forma espontânea ao movimento. Por outro lado, costumes considerados
patriarcais ou servis, como o tratamento dos homens de “senhor” foram substituídos por
“patriota”, enquanto a tendência autonomista e federalista pernambucana chocava-se
com os particularismos locais e o receio pelo fim da escravidão, causando hesitações e
dissenções, ocasionando o enfraquecimento do movimento (NEVES, 2008).
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Nativismo é um termo utilizado para caracterizar tanto a Guerra dos Mascates quanto a Re-
volução em 1817. O termo identifica atitude ou política de favorecer os habitantes nativos.
Outro fator que se destaca é a criação do Seminário de Olinda em 1800, uma insti-
tuição de ensino única, permitindo a formação de toda uma geração de clérigos afinada
com os ideais reformistas (NEVES, 2008). Quanto à participação direta de alguns re-
ligiosos nos eventos de 1817, não há como deixar de destacar o papel fundamental de
Frei Caneca.
Segundo biografias sobre ele, Joaquim da Silva Rabelo, nome que recebeu ao nascer,
iniciou sua ação política na Revolução pernambucana, chegou a ser preso e ficou nessa
condição até 1821, na Bahia. Após retornar, fundou o jornal Typys Pernambucano para
criticar a situação política e esclarecer a população. Em 1824, envolveu-se na Confedera-
ção do Equador, um movimento de oposição ao poder imperial, e termina fuzilado no ano
seguinte, após fracasso desse. No entanto, 1817 constituiu uma experiência evidentemente
fundamental em sua biografia e no plano da história coletiva, em especial para o Nordeste.
Nesse sentido, será evocada por frei Caneca em mais de uma ocasião como lição da histó-
ria e como referência argumentativa em vários de seus escritos, tendo por base: soberania
popular, regulação constitucional dos poderes e pacto social (BERNARDES, 1997).
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A Cisplatina, por sua vez, compreendia a região onde hoje se encontra o Uruguai, e
sempre foi alvo do domínio português, desejo intensificado após a vinda da corte para o
Brasil. Havia lutas de facções internas na região, que surgiram em virtude do vazio do poder
deixado pela coroa espanhola na época do domínio napoleônico na Espanha. A própria
“D. Carlota Joaquina conspirava com exilados argentinos na corte para assumir a admi-
nistração das colônias espanholas, em nome de seu irmão”, o rei deposto do trono es-
panhol por Napoleão. A situação piorou as tensões e em 1810 iniciou-se uma rebelião,
os conflitos perduraram até 1821, tendo a região sido anexada ao Brasil. Proclamada a
independência brasileira no ano seguinte, a província Cisplatina continuou a integrar o
império do Brasil. (NEVES, 2008, p. 185).
Mesmo depois do fim de tanta turbulência, após outubro de 1823, a província ainda vi-
veu uma década de agitações políticas, culminando no movimento da Cabanagem em 1835,
após o fim do Primeiro Reinado (RICCI, 2008). Em Salvador, os rumos de um conflito se-
melhante foram outros, ao menos com relação à interferência de D. Pedro I (KRAAY, 2009).
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A guerra foi longa, cruel e sangrenta. As tropas portuguesas recebiam reforços pelo
mar, apesar do bloqueio decretado por D. Pedro. O oficial francês não foi bem visto
pelos senhores de engenho, pois fez uma proposta inusitada, a de recrutar escravos
para as tropas, prática inexistente nas tropas imperiais. Os senhores temiam que seus
escravos aproveitassem a ocasião para lutar por liberdade ou por direitos inexistentes.
O primeiro batalhão de libertos foi criado por Labatut, e logo em seguida ele mandou
confiscar escravos pertencentes a portugueses ausentes para servirem nesse batalhão.
Houve queixa do Conselho Interino de Governo, formado por poderosos senhores de
engenho, pela criação de um “batalhão de negros cativos, crioulos e africanos”, preocu-
pados com os boatos existentes que qualquer escravo que se oferecesse para lutar seria
liberto (KRAAY, 2009, p .23).
Quando o oficial francês solicitou escravos diretamente para estes senhores, foi des-
tituído e enviado de volta ao Rio de Janeiro. Foi julgado por diversos crimes, tais como
corrupção e “prepotência”, mas a promessa de liberdade aos escravos que fizessem
parte do batalhão não pode ser provada. No máximo, a liberdade estaria implícita nas
propostas do general Labatut, ou era a conclusão à qual os escravos provavelmente che-
gavam, pois sabiam que havia uma grande distinção entre a sua condição e a de soldado.
A saída do general francês não acabou com o batalhão de libertos, o seu sucessor, o
brigadeiro José Joaquim de Lima e Silva, tomou partido dos soldados-escravos e logo
depois da guerra solicitou a liberdade desses. O efeito desta possibilidade foi abrir um
novo campo para a resistência escrava, confirmando o receio dos senhores de engenho.
Muitos escravos fugiram para juntar-se ao acampamento e serem empregados como
criados ou para cavar trincheiras. Essas pessoas buscavam mais do que auxiliar e lutar
na guerra a favor da Independência, empunhavam armas e realizavam os mais diversos
serviços como moeda de troca para obterem alforria. Um número significativo de escra-
vos estava fazendo parte do Exército Pacificador em 02 de julho de 1823, quando foi
comemorada a vitória dos patriotas baianos. Desde então, a Independência da Bahia é
celebrada nesta data, considerada mais importante pelos baianos do que o próprio 07
de setembro (KRAAY, 2009).
A ordem de libertação dos escravos soldados não demorou a chegar, mas os senho-
res desses escravos que solicitassem poderiam receber uma indenização. Outro decreto
ordenou que os agora 360 libertos – soldados deveriam se dirigir ao Rio de Janeiro,
pois temia-se que a permanência deles na Bahia ameaçasse a ordem escravista que os
senhores tentavam reconstituir. De qualquer modo, o Exército foi considerado pelo bri-
gadeiro José Joaquim de Lima e Silva como sendo de “valor e intrepidez, e um decidido
entusiasmo pela causa da Independência do Brasil (KRAAY, 2009, p. 23).
O Brasil fez-se Império antes de se fazer Nação, pois o maior dilema dessa transição
era a escravidão, que fundava um problema político amplo, que José Bonifácio enten-
dia ser necessário eliminar. Em seus escritos ele propôs leis “regulativas” destinadas a
abrandar seu tratamento e promover a lenta assimilação dos escravos ao corpo social
(SILVA, 2007).
Transferido para a corte do Rio de Janeiro em 1819, José Bonifácio reformulou seus
projetos transitando progressivamente das condições da unidade imperial para as da
integridade nacional.
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As ideias sobre a criação de um grande Império na América portuguesa não eram
novas, a diferença é a inspiração. A princípio, elas nascem de uma reflexão acerca das
fragilidades de Portugal no jogo do poder entre as potências europeias; a mudança do
referencial político irá ocorrer quando a Corte é transferida para o Brasil em 1808. Nas
suas Lembranças e Apontamentos havia referência para a preservação da “unidade”
a partir de uma situação de “diversidade” – de natureza, clima e povos – entre as partes
que previa “reciprocidade de interesses” e a existência da escravidão chocava-se com as
bases de um “Império constitucional” (SILVA, 2007, p. 33).
A representação dos deputados paulistas, que tinha por base o texto de Bonifácio,
não chegou a ser apresentada na Assembleia Constituinte, pois esta foi dissolvida em
novembro de 1823, seguida pela deportação de Bonifácio. Eram os novos rumos to-
mados pela consolidação da independência brasileira, que se consolidou enquanto uma
obra inacabada, pois a construção de uma nação tal como pensada por José Bonifácio
exigira a difícil tarefa de transcender os interesses das elites (SILVA, 2007). Estas, confi-
guradas principalmente pelos grandes proprietários de terras, formaram uma guarda em
defesa de D. Pedro com o único objetivo de perpetuarem-se no poder.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Vídeos
Conhecendo Museus – Série l – Museu Paulista da USP
https://youtu.be/emaCXoNEFV4
Independência do Brasil – Conexão Futura
https://youtu.be/wUQKR2LYbS8
Leitura
Política exterior de D. João VI no Brasil
https://bit.ly/3hN044a
Projetos para o Brasil – José Bonifácio de Andrada e Silva
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Referências
ALGRANTI, L. M. D. João VI e os bastidores da Independência. São Paulo: Editora
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________. O grito que não foi ouvido. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.
Ano 4, n. 48, Rio de Janeiro, SABIN, set. 2009, p. 19-21.
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UNIDADE De Sede do Império à Nação
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