UNIDADE 1 - de Sede Do Império À Nação

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 32

História do Brasil Império:

Aspectos Formativos
De Sede do Império à Nação

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dra. Milena Fernandes Maranho

Revisão Textual:
Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira
De Sede do Império à Nação

• Os Bastidores da Independência e seus Desdobramentos;


• A Interiorização da Metrópole e a Criação da Ideia de Nação;
• O Papel da Imprensa e os Conflitos na Transição dos Processos Políticos;
• As Guerras da Independência.


OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Estudar o processo de emancipação do Brasil;
• Entender como a transferência da Corte portuguesa para a colônia, o fim do período Na-
poleônico e a Revolução do Porto de 1820, contribuíram para o processo de emancipação
do Brasil. Este processo não esteve isento de turbulências, vários conflitos ocorreram e eles
auxiliam o seu entendimento, com ênfase à Revolução de 1817 em Pernambuco;
• Compreender o significado da independência brasileira e as relações de D. Pedro I com as
elites “brasileiras”.
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Os Bastidores da Independência
e seus Desdobramentos
A família real portuguesa aportou em sua colônia da América em 1808, fugindo da
invasão napoleônica em Portugal. Os lusitanos contaram com apoio da Inglaterra para a
chegada à colônia, confirmando as relações entre essas duas nações, que datam do final
do século XIV. Considerada a primeira aliança diplomática do mundo, a Aliança Luso-
-Britânica foi selada em 1383 e consistiu em ajuda inglesa para a casa de Avis. O tratado
de Windsor (1386) confirmou a aliança Luso-Britânica após ajuda inglesa aos portugue-
ses na batalha de Aljubarrota contra os castelhanos. A vitória portuguesa pôs fim ao
período de crise de sucessão (1383-1386), coroando D. João de Avis (D. João I) como
rei de Portugal, o que deu início ao Absolutismo Português.

Assista ao documentário sobre a viagem e a vinda da corte portuguesa ao Brasil em 1808,


seus impactos em Portugal e as transformações no Brasil.
Disponível em: https://youtu.be/OUX-zSyaMIc

A lembrança da aliança Luso-Britânica não é fortuita. Ela é importante para entender-


mos os laços que ligavam Portugal à Inglaterra, uma vez que os ingleses foram os grandes
beneficiários da chegada da Corte portuguesa à colônia. D. João VI, impedido de praticar
o comércio diretamente de Portugal, abriu os portos da colônia para as nações “amigas”,
dirigindo tratamento diferenciado à Inglaterra, sendo esta agraciada com privilégios e
impostos mais baixos que os demais países, no que tange ao comércio de importação e
exportação. Entre os acordos mais importantes, e que reiteravam ainda mais a depen-
dência de Portugal com relação à Inglaterra, está o Tratado de Methuen.

O tratado de Methuen, ou “dos vinhos e panos”, foi alvo de duras críticas, tanto por
parte dos contemporâneos, que o reprovaram quando de sua assinatura em 1703, como
ao longo do tempo em que vigorou (até 1842). Este tratado foi responsabilizado pela
dependência econômica de Portugal com relação à Inglaterra, já que Portugal deveria
admitir para sempre os tecidos de lã e demais manufaturas em troca dos vinhos por-
tugueses, não pagando direitos alfandegários maiores do que os vinhos franceses com
um terço de redução. Mas, na verdade, o tratado apenas sancionava uma situação já
existente com acordos anteriores, já muito desvantajosos (ALGRANTI, 1987).

Outros tratados, como o de Comércio, de 1810, e o de Paz tiveram consequências


diretas para a futura nação brasileira.

O convênio mercantil, dando aos ingleses uma tarifa preferencial, afastou


outros concorrentes e sobretudo abafou a esperança da indústria e de cer-
tas culturas incipientes. A Inglaterra ambicionava o mercado brasileiro, mas
a abertura dos portos já lhe dera um virtual monopólio, pela força exclusão
da Europa napoleônica. Mesmo quando viesse a paz geral, a superioridade
da manufatura inglesa, apoiada em marinha igualmente superior, dispen-
saria proteção de alfândega para prosperar. (CUNHA, 1993, p. 145)

8
A nobreza e os comerciantes portugueses foram duramente golpeados com as medi-
das adotadas por D. João VI. Além da abertura dos portos, o Rio de Janeiro tornou-se
sede do governo; o Brasil foi elevado, em 1815, à categoria de Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves.

[...] a elevação da antiga colônia à dignidade de reino foi, por outro lado,
o reconhecimento de uma situação de fato. Era obviamente a indepen-
dência dentro da união, como dois irmãos diferentes sob o pálio do trono.
E que este agora preferia o filho maior – Brasil – seria mais evidente se
a Coroa não empregasse ainda no Brasil agentes nascidos em Portugal.
(CUNHA, 1993, p. 149)

Foram tomadas medidas para regularizar a administração lusitana na colônia, com


a criação de muitas instituições para adequá-la à sua nova função de sede do governo.
“Entre aquelas medidas, talvez a mais nefasta aos portugueses tenha sido a extinção do
monopólio comercial e a abertura dos portos” (COSTA, 1998, p. 40).

Figura 1 – Adolphe d’Hastrel – Vista geral da cidade, tomada do Porto


(Rio de Janeiro, 1840). Pinacoteca do Estado de São Paulo
Fonte: Wikimedia Commons

Segundo Cunha (1993, p. 146), Portugal foi muito mais prejudicado do que o Brasil,
pois deixou de ser entreposto comercial, “onde tivera seu maior lucro, viu-se agora quase
sem possibilidade de colocar a sua produção na antiga colônia; chegou a pagar, até
1818, uma tarifa 1% mais elevada do que a dos ingleses”. A maior parte do comércio
internacional português realizava-se com o Brasil, sendo a metrópole “entreposto da
distribuição de todo o comércio exterior da colônia, assim como, consumidora dos pro-
dutos produzidos no Brasil” (COSTA, 1998, p. 40). O sistema de monopólio garantia
privilégios a Portugal. Navios portugueses ganhavam com os fretes. As importações
e exportações da colônia garantiam ganhos à alfândega. Os comissários portugueses
lucravam, armazenando e revendendo os produtos.

Segundo Emília Viotti da Costa,


As rendas das alfândegas constituíam as rubricas principais das receitas.
De outro modo, a renda dos capitais lusitanos investidos no comércio
colonial oferecia ampla base de tributação. Todo esse esquema de lucro

9
9
UNIDADE De Sede do Império à Nação

desmoronara com a abertura dos portos e os Tratados de Comércio com


a Inglaterra, concedendo-lhe uma tarifa preferencial, mais favorável do
que a outorgada a Portugal. (COSTA, 1998, p. 40)

D. João VI adotou medidas para amenizar as perdas dos portugueses, como, por
exemplo, favorecer produtos que fossem transportados em navios portugueses, conce-
dendo vantagens para a importação de vinhos, azeites e outros artigos fabricados em
Portugal ou nas colônias portuguesas. Essas medidas não tiveram êxito, porque Portugal
enfrentava a concorrência de nações mais desenvolvidas, amplamente interessadas no
comércio colonial. Por outro lado, tais medidas desagradavam aos estrangeiros assim
como aos “próprios brasileiros. Pressionado por vários interesses contraditórios, D. João
não conseguia satisfazer nenhum grupo e sua política agravava os ressentimentos de
todos” (COSTA, 1998, p. 41).
A crise portuguesa estava relacionada à Revolução Industrial em curso, principalmente
na Inglaterra. O desenvolvimento técnico afetava à produção agrária e manufatureira de
Portugal, que se mantinha com técnicas rudimentares. Porém, para os lusitanos, todo o
problema estava relacionado à perda do monopólio sobre à colônia.
Esperavam eles que a volta de D. João VI a Portugal acarretasse a anu-
lação das regalias concedidas ao Brasil e o restabelecimento do Pacto
Colonial rompido. Não contavam eles com a oposição da colônia e da
Inglaterra, ela própria beneficiária da nova situação criada pela transfe-
rência da Corte para o Brasil. (COSTA, 1998, p. 41)

Portugueses e brasileiros posicionavam-se de forma divergente. Enquanto os lusitanos


defendiam o retorno do Pacto Colonial, associando todos os males ao rompimento deste,
os brasileiros viam o restabelecimento do monopólio da metrópole sobre à colônia como
limitação das vantagens conseguidas com a instalação da Corte portuguesa no Brasil.
Muitos assuntos ficaram pendentes com a partida de D. João VI, pois uma característica
do governo joanino no Brasil era seu aspecto provisório. “Vacilando sempre entre a
permanência na América e a volta para a Europa, muitas das medidas tomadas pelo
monarca careciam de uma posição definitiva”, até mesmo a abertura dos portos era
provisória (ALGRANTI, 1987, p. 51).
No momento em que as disputas entre metrópole e colônia estavam bastante acirra-
das, um fato novo contribuiu para a solução definitiva, a proclamação da independência
do Brasil com relação a Portugal.
Concorreram para o processo de independência não só a quebra do Pacto Colonial,
mas também as mudanças sociais e culturais advindas do estabelecimento do rei de
Portugal no Rio de Janeiro.
Com a Corte portuguesa, chegou um imenso séquito de funcionários, fâmulos e para-
sitas que a acompanham. A cidade passou a viver novos ares, acolhendo “ofícios antes
desconhecidos, numa espécie de cosmopolitismo de que, mesmo em épocas mais tar-
dias, não se conhecerão muitos exemplos” Apareceram profissionais de várias áreas e
nacionalidades, como: “tanoeiro e caixeiro dinamarqueses; lavrador escocês; marceneiro,
capoeiro suecos; colchoeiro e padeiro norte-americanos; sapateiro irlandês; boticário ita-
liano” (HOLANDA, 1993, p. 11), entre outros.

10
Entre as medidas administrativas mais importantes, podemos citar as:

[...] que eram ao mesmo tempo de defesa e organização do país. Ainda em


maio criou-se uma Escola de Marinha, com todos os instrumentos e livros
que possuía em Portugal (e em 1809 um observatório astronômico); ao
mesmo tempo reorganizaram-se os arsenais e fundou-se a fábrica de pól-
vora. Em 1811 abriu-se a Academia Militar, origem não só da atual como
da Escola Politécnica, porque desde então lançada sobre base científica.
(CUNHA, 1993, p. 143)

D. João VI fundou ainda a escola de cirurgia (futura faculdade de medicina), a Biblio-


teca Real, o Jardim Botânico, o primeiro Banco do Brasil, e estimulou a difusão da Im-
prensa. Os livros e papeis reais foram encaixotados em Portugal e embarcados ao Brasil
entre 1809 e 1810, diante de uma segunda invasão francesa que foi interrompida, mas
que trazia a percepção da constante ameaça do inimigo. Eram os acervos da Biblioteca
pública de Lisboa, da Casa Real e da Biblioteca d´Ajuda, que atravessaram o oceano
em uma dura jornada, de comida podre e água de ração aos tripulantes, incluindo um
bibliotecário. Ao total, foram três viagens e mais de 300 caixotes de livros, que iriam
agregar um número interessante de bibliotecas já existentes no Brasil, desde os tempos
coloniais, bem como jornais, mesmo que proibidos.

A hoje chamada Biblioteca Nacional abriga o acervo de livros e documentos que veio de
Portugal nas viagens citadas. Para explorar este rico e interessante acervo consulte o site.
Disponível em: https://bit.ly/2UA2g6V

As bibliotecas privadas até então existentes, ora traziam a ideia de independência,


pois ofereciam informações sobre os novos rearranjos políticos nos Estados Unidos ou
França, ora eram vendidas para suas páginas servirem de embrulho aos vendeiros. De
qualquer modo, a chegada da “Real Biblioteca” trouxe um novo perfil que se impôs: a
ilustração aportava reforçada – e daqui não sairia mais, e os ânimos estavam em alta
(SCWARCZ, 2002).

A vinda da Corte portuguesa transformou o Rio de Janeiro na verdadeira capital


do reino, pois, até então, a transferência da capital para essa cidade tinha sido apenas
uma formalidade; o Rio era apenas capital do sul. O norte da colônia dividia-se em três
regiões que se comunicavam diretamente com Portugal. “Em 1808 a coroa convocou
naturalmente para a Guanabara a justiça e administração de toda a colônia, e, aliás de
toda a monarquia, incluindo domínios africanos e asiáticos” (CUNHA, 1993, p. 143).

11
11
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Figura 2 – Jean Baptiste Debret. Vista exterior da galeria de aclamação do


rei de Portugal, Brasil e Algarves, D. João VI. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Fonte: Wikimedia Commons

O desenvolvimento da administração pública e de novas profissões e o consequente


desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro formaram uma classe intermediária, que,
grosso modo, podemos chamar de classe média, composta por estes, os profissionais libe-
rais: advogados, médicos e engenheiros. Formou-se, na colônia, uma legião de pessoas,
mesmo de portugueses vindos com a coroa, os quais, criando vínculos com o Brasil,
no momento em que Portugal tentou impor o retorno ao Pacto Colonial, posicionaram-
-se pela independência ou, no mínimo, pelo estabelecimento de uma monarquia dual,
porém, mantendo a liberdade de comércio conseguida pela colônia a partir da abertura
dos portos em 1808.

Em 1815, teve fim o período das guerras napoleônicas, com a derrota do exército
francês para a Inglaterra na famosa batalha de Waterloo. Assim terminaram as ameaças
francesas em Portugal, momento que, alguns anos depois, foi sucedido por uma agita-
ção pela volta de D. João VI à sua pátria. Era o ano de 1820, quando aconteceu uma
sublevação na cidade do Porto, que exigia a organização das Cortes e a elaboração de
uma Constituição, assim como o retorno do rei D. João VI para Portugal.

Em 26 de fevereiro de 1821, as tropas portuguesas reunidas no Rio de Janeiro obri-


garam o rei a jurar à Constituição que seria elaborada em Lisboa. Esse ato tornou efetivo
o novo regime.

Estimulados pelo exemplo, mesmo os mais tímidos brasileiros e portu-


gueses foram procedendo àquela cerimônia nas capitanias que se trans-
formaram em “províncias” (de Portugal) e onde se constituíam Juntas,
provisórias e por aclamação a princípio, mais tarde por eleição regular
conforme as circunstâncias locais. (CUNHA, 1993, p. 159)

No Brasil, a revolução liberal repercutiu de forma contraditória. Os que tinham ligação


com a coroa e com Portugal esperavam a reconciliação e o retorno do Pacto Colonial.
Fazendeiros, comerciantes e funcionários da coroa radicados no Brasil argumentavam
que deveriam ser garantidas as concessões liberais feitas por D. João VI à colônia; viam
na revolução uma conquista liberal que poria por terra o absolutismo, os monopólios e

12
os privilégios que ainda sobreviviam. Brasileiros e estrangeiros interessados em manter
a abertura dos portos “Acreditavam que a instituição de um governo constitucional lhes
daria a oportunidade de representar nas Cortes [portuguesas] os interesses da colônia”
(COSTA, 1998, p. 44).

A Revolução do Porto teve como base o liberalismo, espelhando-se na Constituição


espanhola de 1820. Porém, para o Brasil, ela teve um sentido antiliberal, pois propunha
o fim das concessões liberais realizadas por D. João VI. “Uma vez que a nova praxe
política pede, em Portugal, que se suprimam no Brasil regalias já alcançadas e irrevogá-
veis, é fatal que daí por diante os dois reinos devam tomar rumos distintos” (HOLANDA,
1993, p. 14). A 15 de abril de 1821, o rei D. João VI, seguindo as exigências constitucio-
nais, retornou a Portugal, deixando seu filho D. Pedro como príncipe regente no Brasil.

Figura 3 – Jean Baptiste Debret. Retrato de D. João VI. Museu Paulista da USP
Fonte: Wikimedia Commons

Sobre as obras de Debret no Brasil, ver: TREVISAN, Anderson Ricardo. A Construção Visual
da Monarquia Brasileira: Análise de Quatro Obras de Jean-Baptiste Debret. 19&20, Rio de
Janeiro, v. IV, n. 3, jul. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3r3fPIw

A Interiorização da Metrópole
e a Criação da Ideia de Nação
Após o retorno de D. João VI a Portugal, as Cortes portuguesas apressaram-se em
obstruir os privilégios concedidos à colônia, tomando medidas para tal, sem sequer

13
13
UNIDADE De Sede do Império à Nação

esperarem a chegada dos deputados eleitos no Brasil para participarem da elabora-


ção da Constituição. Os brasileiros achavam que poderiam defender os interesses da
colônia, porém, logo perceberam que isso não seria possível, pois, de 75 deputados
eleitos, apenas 50 se dirigiram para Portugal, em um total de 205, o que dava ampla
maioria aos portugueses.

Antes que os representantes brasileiros tivessem tido tempo de chegar a


Lisboa, já as Cortes decidiam transferir para Portugal o Desembargo do
Paço, a Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, a Junta
de Comércio, a Casa de Suplicação e outras repartições instaladas no
país por D. João VI. (COSTA, 1998, p. 47)

Tais medidas demonstram a tentativa de retomada do monopólio português sobre a


colônia. Mas as Cortes portuguesas ainda tomaram medidas que, no Brasil, repercuti-
ram como uma declaração de guerra. Nomearam:

para cada província [...] um governador de armas, independentemente


das juntas governativas que se tinham criado. Ao mesmo tempo destaca-
vam-se novos contingentes de tropas com destino ao Rio de Janeiro e a
Pernambuco. (COSTA, 1998, p. 47)

As decisões das Cortes agravaram as tensões na colônia, aumentando a cada dia os


números de adeptos à causa da independência.

Porém, num primeiro momento, as classes dominantes brasileiras (fazendeiros e comer-


ciantes) buscaram uma saída negociada. Com medo de sublevações populares, inclusive
de escravos, propuseram o estabelecimento de uma monarquia dual, mantendo a união
entre Portugal e Brasil. “Essa era a opinião, por exemplo, de José Bonifácio, figura de
proa do movimento de independência, o qual encarava com suspeição as situações revo-
lucionárias que envolviam mobilização das massas” (COSTA, 1998, p. 48). O problema
era que, para “brasileiros” e portugueses, havia um ponto fundamental de discórdia.
Enquanto, para as classes dominantes do Brasil, era fundamental a manutenção da
abertura dos portos, para os lusitanos isso era inaceitável. Além disso, com a partida de
D. João VI para Portugal, D. Pedro fez-se príncipe regente do Brasil, e logo suas prefe-
rências voltaram-se a este país.

Sobre José Bonifácio, ver: COSTA, E. V. da. José Bonifácio: mito e história. In: Da Monarquia
à República. São Paulo: Unesp, 1998, p. 63-132.
Sobre a construção da imagem de D. Pedro I, ver: MURANO, A. F. G. D. Pedro I: uma análise
iconográfica. Disponível em: https://bit.ly/3wqH4xE

Encetou um governo liberal. Apesar das enormes dificuldades financeiras


ocasionadas pela retirada da Corte e retração das províncias, suprimiu
impostos abusivos. Firmou regras acerca da desapropriação de bens par-
ticulares, visando “respeitar o Sagrado Direito de Propriedade”, e decre-
tou todas as garantias da liberdade individual. (CUNHA, 1993, p. 161)

14
As Cortes ainda ordenaram a volta de D. Pedro para Portugal. Contrariando essas
ordens, o príncipe regente, em 9 de janeiro de 1822, atendeu à solicitação do Senado
da Câmara do Rio de Janeiro e decidiu-se a permanecer no Brasil, ato conhecido como
o “Fico” (COSTA, 1998).

[...] de modo geral o Fico transcende qualquer cor política porque soma
o passado para inaugurar a emancipação. Aglutina interesses e espe-
ranças de indivíduos e de grupos, brasileiros que pretendem atrair
D. Pedro e portugueses que veem nele ainda um compatriota; funcioná-
rios ameaçados nos seus proventos; monarquistas de todos os matizes e
até republicanos disfarçados – que poderiam desejar a ausência do prínci-
pe mas de repente veem, ou pelo menos entendem confusamente o que
ela significa: não só a perda da empresa, de negócios, de regalais, mas a
dissolução do Brasil. (CUNHA, 1993, p. 165)

“Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”,
frase de D. Pedro Príncipe Regente no dia do Fico, após receber uma lista com oito mil assina-
turas pedindo sua permanência. Este fato indica o papel primordial dos políticos brasileiros
no processo de Independência do Brasil, para além do protagonismo de D. Pedro no processo.

Apenas as tropas portuguesas instaladas no Rio de Janeiro eram favoráveis à ordem


de Lisboa, mas esta foi “desafiada por soldados brasileiros e pelo povo, sem distinção de
raça ou origem, armado de cacete, facão e carabina” (CUNHA, 1993, p. 165).

A decisão de D. Pedro de ficar no Brasil não significou imediata ruptura com Portugal.
O príncipe tinha em mente a manutenção da união luso-brasileira, com o estabeleci-
mento de uma monarquia dual. Assim pensavam os portugueses, que viam no gesto do
príncipe a concretização dessa união.

Os brasileiros que almejavam a preservação das regalias obtidas e preten-


diam a criação de uma monarquia dual consideravam também essencial
a permanência do príncipe. O mesmo pensavam os que almejavam a
independência definitiva e total, mas temiam as agitações do povo. Para
estes, o príncipe representava a possibilidade de realizar a Independência
sem alteração da ordem. (COSTA, 1998, p. 49)

Por algum tempo, ainda, buscou-se a constituição de uma monarquia dual. Três par-
tidos disputavam a liderança do processo: um ligado aos portugueses que viviam no
Brasil, mas buscavam restabelecer o monopólio comercial da metrópole sobre a colô-
nia; outro liderado por fazendeiros brasileiros, comerciantes portugueses e de outras
nacionalidades, além de ingleses e franceses, que ganharam com a quebra do Pacto
colonial; e, por fim, os republicanos, que defendiam a completa independência com a
constituição de uma República nos moldes dos demais países da América. “A liderança
do príncipe permitiu a aglutinação dos grupos mais diversos. A despeito de conflitos de
ordem pessoal [...] as divergências entre esses grupos não eram suficientemente fortes a
ponto de impedir a união em torno do príncipe” (COSTA, 1998, 51).

15
15
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Assim, a decisão de D. Pedro de ficar no Brasil aglutinou partidos divergentes num


mesmo projeto, independência sem mudança nas estruturas sociais, econômicas e po-
líticas. Constituiu-se uma monarquia, quase absolutista; o latifúndio foi mantido, assim
como a escravidão; o grande comércio ficou restrito a um pequeno grupo privilegiado; e a
Inglaterra manteve sua preponderância sobre a nova nação, praticamente monopolizando
o comércio de exportação de bens primários brasileiros e as importações de manufa-
turados. Após a decisão de ficar no Brasil, D. Pedro, utilizando-se de sua condição de
herdeiro da coroa, tomou medidas que aprofundavam a separação do Brasil de Portugal.

Expulsou a divisão auxiliadora (janeiro-fevereiro), proibiu o desembarque


de uma outra (março), e com a maior desenvoltura promoveu a transfe-
rência não só de praças lusitanos para as fileiras nacionais, como de uma
fragata para a futura marinha brasileira. [...] Ao mesmo tempo, perante
os fluminenses, D. Pedro investiu-se praticamente no prestígio de uma
realeza nova que irá conquistar grande parte do país antes de ser procla-
mado o império. (CUNHA, 1993, p. 168)

Antes da proclamação da independência, D. Pedro viajou a Minas Gerais, província


que havia se levantado pela independência e pela República em 1789. O futuro impera-
dor incorporou “a independência mineira ao movimento nacional. Desse modo foi que
obteve, em princípio, a adesão das províncias” (CUNHA, 1993, p. 168).

No dia 1º de junho de 1822, aconteceu, no Rio de Janeiro, a “eleição de procurado-


res provinciais”. Era o “primeiro ato da convocação de um poder legislativo brasileiro –
que seria o ponto culminante da campanha liberal e equivaleria a uma proclamação de
independência” (CUNHA, 1993, p. 169).

No dia 3 de junho, foi convocada a eleição para a Assembleia Constituinte. “Não era
ainda uma proclamação formal de Independência, pois o texto da convocação ressalvava
a união com ‘a grande família portuguesa’, na realidade difícil de ser mantida depois de to-
dos os atos de desrespeito às ordens das Cortes” (COSTA, 1998, p. 53). Anteriormente, o
regente já vinha dando mostras de insubordinação às Cortes portuguesas. Em 4 de maio,
expediu ordem “para que os decretos de Lisboa não fossem obedecidos no Brasil sem o
seu cumpra-se” (CUNHA, 1993, p. 173). Outros acontecimentos demonstram que a se-
paração definitiva de Portugal estava a caminho. José Bonifácio nomeou um cônsul em
Buenos Aires. O emissário, Caldeira Brant, que estava em Londres já havia muito tempo,
foi confirmado como cônsul, e outros foram nomeados para Washington e Paris.

No plano interno, e ainda em junho, o príncipe estimula fortemente os


baianos; no fim do mês estala a sublevação contra Madeira. No Rio, em
julho, ao passo que José Bonifácio coloca na pasta da Fazenda o austero
Martim Francisco, cria-se o Ministério da Justiça; embora autorizado for-
malmente por um decreto das Cortes, trata-se de aparelhar um governo
autônomo. O caso aliás, nem mais reponta depois que se anunciou um
legislativo próprio. (CUNHA, 1993, p. 173)

Como se vê, nada mais falso do que interpretações fantasiosas de uma independência
feita por um ato isolado de D. Pedro. O grito do Ipiranga em São Paulo foi resultado de
intensas disputas, como demonstrado anteriormente.

16
A maçonaria (Grande Oriente) já havia decidido em “20 e 23 de agosto proclamar
a separação e enviar emissários às províncias para tratar da investidura do regente na
realeza brasileira”. A Câmara do Rio de Janeiro fazia o mesmo “a 7 de setembro, evi-
dentemente sem saber o que estava ocorrendo em São Paulo” (CUNHA, 1993, p. 178).

Sobre a maçonaria ver: BARRETO, C. de B. Ação das sociedades secretas. In: HOLANDA, S.
B. História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. 1º volume.
O processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1993, p. 191-206.

A par de novas ameaças e insultos contra o Brasil por parte das Cortes Portuguesas,
José Bonifácio, já em 28 de agosto, preparou a mecha que iria espocar em 7 de setembro.
O ministro não perdeu tempo, provavelmente sabedor da reação de D. Pedro. “Confor-
me depoimento de Vasconcelos Drumond, no conselho de governo reunido a 29 sob a
presidência e incentivo de Dona Leopoldina, ‘decidiu-se de se proclamar a independên-
cia’” (CUNHA, 1993, p. 178). Esta situação, que identifica aparentemente uma ideia de
união geral entre os “brasileiros” pela independência, na verdade mostrou-se frágil, já
que havia uma carência de integração regional, difícil de alcançar em virtude da preca-
riedade dos meios de transportes e comunicação disponíveis.

Nem mesmo a elite intelectual, equipada para pensar os problemas do país, mostrava-
-se homogênea. Parte dela formada na antiga metrópole, trazia nas veias a consciência do
papel eminente da Coroa e a obsessão com a integridade do Império, incutidas pela Uni-
versidade de Coimbra. Outra parte, no entanto, formara-se na terra, estimulada pelas opor-
tunidades que a presença da Corte propiciara, a partir das precárias instituições de ensino
disponíveis e da leitura, nem sempre crítica, de alguns autores da ilustração francesa. Essa
fração acabou, assim, por reelaborar os ressentimentos regionais, que a administração
portuguesa estimulara. Uma elite que continuava, portanto, a mover-se majoritariamente
na órbita das tradições culturais lusas, mas que, embora senhora do aparelho do poder,
“não dispunha de uma consciência original para dotar o país com a alma e a personalidade
de uma nação, enquadrando-o no modelo europeu” (NEVES, 2008, p. 545).

Em 1808, a maior parte das lideranças portuguesas emigrou para a ex-colônia,


arrastando consigo boa parte de recursos e quadros administrativos, porém lá fica-
ram personagens importantes do mundo luso brasileiro, dentre eles José Bonifácio de
Andrada e Silva, intelectual destacado, personagem proeminente na vida pública euro-
peia. Bonifácio regressou ao Brasil somente em 1819, tendo papel decisivo na liderança
a construção do moderno Estado brasileiro. Conhecedor do mundo político, ele tinha
clara noção das dificuldades de construção de um novo país no Atlântico sul. Para se
formar uma “Nação”, sabia ele, se requer um “povo”, uma “identidade nacional”, com
certa homogeneidade étnica e cultural (MOTA, 2006, p. 16).

José Bonifácio, nas suas Lembranças e apontamentos, apesar de identificar ini-


cialmente uma indissolubilidade do reino luso-brasileiro, deixa clara a necessidade de
existir no Brasil um governo central, dotado de todas as prerrogativas e personificado
pelo Príncipe Regente D. Pedro. Posição apoiada pelos paulistas e alguns deputados
da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, em oposição às atitudes cada vez mais

17
17
UNIDADE De Sede do Império à Nação

intransigentes das Cortes. Os seus deputados lusos pretendiam assegurar para Portugal a
hegemonia no império luso-brasileiro a partir de uma política integradora, não de recolo-
nização, mas restabelecendo o controle administrativo (NEVES, 2008).

A principal ameaça das Cortes ao Brasil foi a redução do:

[...] príncipe a um delegado temporário das Cortes, com secretários de


Estado nomeados em Lisboa, circunscrevendo sua autoridade às provín-
cias em que ela se exercia de fato, anulando a convocação do Conselho
de Procuradores e mandando processar quantos houvessem procedido
contra a política das Cortes. (COSTA, 1998, p. 55-56)

A mecha de 28 de agosto de 1822, a que nos referimos anteriormente, escrita por


José Bonifácio a D. Pedro, dizia que, de Portugal, o Brasil só deveria “esperar se não a
escravidão e horrores” e conclamava D. Pedro a decidir-se pelo imediato rompimento
com a antiga Metrópole.

Já havia algum tempo, vinha o ministro percebendo que a fórmula de uma


monarquia dual, carinhosamente acalentada, era impossível. Convencera-
-se, afinal, da sua inviabilidade e não era dado a hesitações. Diante das
disposições agressivas das Cortes nada havia a fazer senão proclamar o
rompimento definitivo com Portugal. Para D. Pedro havia apenas duas
alternativas: ou obedecer às Cortes e voltar degredado a Portugal ou
romper definitivamente com elas proclamando a Independência. O prín-
cipe preferiu esta solução. Tomando conhecimento das novas, proclamou
oficialmente em 7 de setembro, em São Paulo, a Independência do Brasil.
(COSTA, 1998, p. 56)

Para tanto, foi preciso unir os brasileiros. Desde o início, as Cortes portuguesas fomen-
taram a desunião entre os brasileiros, permitindo e encorajando os contatos diretos com
as províncias, separadamente. Por outro lado, o partido brasileiro isolou D. Pedro I da
influência das Cortes, procurando articular a emancipação política, e conseguiu realizar a
unificação das forças e organizar as bases da emancipação política. O partido contava com
a habilidade de José Bonifácio, já que ele possuía muita influência junto a D. Pedro. No
entanto, uma vez consolidado o movimento da Independência, os laços que uniam os bra-
sileiros mostraram-se frágeis. Não tendo mais que enfrentar as Cortes, começaram a surgir
divergências políticas internas, levando a um período conturbado, de guerras e questões
políticas mal resolvidas, tal como foi o Primeiro Reinado de D. Pedro I (ALGRANTI, 1987).

Em Síntese
No momento em que foi necessária uma ação direcionada ao interesse maior que era a
Independência, os atritos políticos foram deixados de lado. Mas esta hábil ação agrega-
dora organizada por José Bonifácio, não foi suficiente para prorrogar tal união de inte-
resses, logo após o 7 de setembro.

18
O Papel da Imprensa e os Conflitos
na Transição dos Processos Políticos
Os espaços destinados à propagação de uma opinião pública multiplicaram-se no
início do século XIX, após um longo período de restrição no Antigo Regime. Sociedades
literárias, científicas e organizações secretas como a Maçonaria, formadas por uma elite
letrada, começaram a servir como meio de transmissão de novas ideias sobre o governo,
a sociedade e a religião.

O movimento pela autonomia do país provocou uma verdadeira explosão de perió-


dicos; o jornalismo era ativo no Rio de Janeiro e nas províncias, foram 22 periódicos
cariocas, entre eles o Revérbero Constitucional Fluminense, que se tornou o verda-
deiro órgão doutrinário da Independência, seus editores eram vinculados à Maçonaria.
Na Bahia o Diário Constitucional, o Semanário Cívico e a Idade d’ouro no Brazil,
além da Aurora Pernambucana e do Typis Pernambucano, este editado a partir de
1817 por Frei Caneca.

A Maçonaria teve importante participação na Revolução do Porto de 1820, já que de-


fendia ideais políticos liberais, concentrando-se no combate aos poderes absolutistas. No
Brasil, ela chegou a ter a junção de várias lojas no Grande Oriente do Brasil, que teve
D. Pedro I como grão-mestre, mas José Bonifácio só via na Maçonaria um espaço para
manobras políticas, assim, ele acabou convencendo o Príncipe a ordenar o fechamento da
Grande loja. Com a Independência, a Maçonaria foi reprimida no Brasil, mas ao longo do
século XIX ela seria um importante espaço de sociabilidade e de discussão política.

A estreia de D. Pedro na vida política ocorreu durante o movimento constitucionalista


do Rio de Janeiro de 26 de fevereiro de 1821, quando habilmente evitou a implemen-
tação da Constituição espanhola e a formação de uma junta governativa de nomeação
popular. Com a partida de D. João VI para Portugal, em abril de 1821, tornou-se
regente do Brasil, com plenos poderes para a administração da Justiça e da Fazenda.
Nessa condição, inicialmente ele hesitou entre conservar a herança do trono português,
sentindo-se acuado pelas Cortes de Lisboa, e construir no Brasil um Império de acordo
com suas concepções. Em seguida, à medida que crescia a insatisfação com as decisões
do Congresso de Lisboa, ele soube, sem renunciar a um futuro governo dual sobre os
dois territórios, explorar as rivalidades no interior das elites brasileiras para estabelecer
uma monarquia constitucional (NEVES, 2008, p. 131).

D. Pedro reunia em torno de si uma autoridade legítima, embora continuasse ligando


o destino e a prosperidade do Brasil à ventura geral do Reino Unido de Portugal Brasil e
Algarves. Assim, as medidas que o príncipe foi tomando, se tendiam para a independên-
cia do novo país, não deixavam de enaltecer os laços de fraternidade entre os membros
do império português, e mantinham a concepção de uma união entre Brasil e Portugal,
pelo menos até que as incompreensões mútuas e a intransigência das Cortes forçassem,
em meados de 1822, a substituição da ideia de uma autonomia, sobretudo política, que
vigorara até então, pela de uma completa ruptura (NEVES, 2008).

19
19
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Em agosto de 1822, o príncipe regente D. Pedro viajou para a Província de São Paulo
para tentar resolver algumas divergências políticas locais e estreitar os laços de unida-
de. Neste intervalo, chegaram ao Rio de Janeiro decisões das Cortes que mandavam
processar os que contrariassem a política da metrópole e ordenava a criação de juntas
nas províncias, subordinadas a Lisboa. Além disso, limitavam a autoridade do prínci-
pe regente. O resultado seria o conhecido grito “Independência ou morte”, dado por
D. Pedro às margens do riacho do Ipiranga em São Paulo (NEVES, 2008).
Entretanto, para os contemporâneos, a data não se revestiu de um significado espe-
cial e o fato sequer foi noticiado na imprensa, a Independência já estaria consumada des-
de o início de junho, quando houve convocação da Assembleia Constituinte. Somente
no dia 20 de setembro, quase duas semanas após o ocorrido em São Paulo, que a notícia
foi publicada em um jornal. A publicação exaltou o “grito de acorde de todos os brasi-
leiros”, que havia ocorrido aos “decretos injustos e cruéis” das cortes. Muitas décadas
depois, uma encomenda de D. Pedro II, o filho e sucessor de D. Pedro I, ao pintor Pedro
Américo, quase ao final do período monárquico, transformou um o grito do Ipiranga no
“gesto fundador do Brasil” (NEVES, 2008, p. 371-372).

Figura 4 – Pedro Américo, Independência do Brasil (1888)


Fonte: Wikimedia Commons

Nessa pintura oficial da Independência, o artista chama a atenção para a figura de


D. Pedro, que, no alto de uma colina verde, em traje de gala e montado em um cavalo,
empunha uma espada e, sob o olhar dos “dragões” de sua Guarda Real, proclama a
Independência. À esquerda, em um canto, na base do quadro, a figura solitária de um
camponês – o famoso “caipira” – que, em uma atitude de espanto e incompreensão,
a tudo assiste. O quadro Independência ou Morte, concebido nos moldes do gênero
histórico, adquire um sentido preciso: inventar uma independência, transformando-se,
se não na única, talvez na principal certidão visual do nascimento do Brasil, não impor-
tando o fato de que D. Pedro estava com um “incômodo gástrico” naquele dia e nem que
ele estava montado em um “asno baio” (SCHLICHTA, 2009, p. 4).

Pedro Américo pintou mais de uma centena de quadros, que se encontram em vários locais:
Museu Paulista, MASP, Museu Imperial, ente outros, além das coleções particulares. Para co-
nhecer mais obras do artista, confira o site, o Museu Nacional de Belas Artes, que abriga gê-
neros diferenciados da vasta obra de Pedro Américo. Disponível em: https://bit.ly/2WfPwna

20
Essa tela foi produzida entre 1886 e 1888, momento de crise do Estado Imperial e de
expansão do republicanismo, no estilo de pintura histórica, a fim de resgatar a imagem
e o significado da monarquia já que:

[...] os anos de 1880 foram marcados pelo enfraquecimento da monarquia


em frente às ideias republicanas, a família real e a figura do Imperador
estavam perdendo forças e aliados na política. O Império demonstrava
sinais que estava chegando ao fim. Dado esse cenário, e que seu emprega-
dor era a família real – quem havia patrocinado por anos os seus estudos
e trabalhos, Pedro Américo precisava fazer com que uma imagem de
D. Pedro I – o primeiro imperador, o libertador do Brasil o pai do atual gover-
nante do país – inspirasse coragem, nacionalismo e lembrasse o expecta-
dor do que a monarquia havia feito pelo povo. (GIORDANI, 2016, p. 4)

Essa foi uma empreitada de sucesso, pois o quadro de Pedro Américo até hoje é a
principal referência acerca da Independência do Brasil. Mas, na prática, mesmo em
1822, a Independência estava longe de chegar, pois a ausência de unidade política levou
a ocorrência de sérios conflitos.

Após a proclamação da independência, os partidos passaram a disputar a liderança


e a influência sobre D. Pedro I. José Bonifácio, líder do processo que culminou com a
separação definitiva do Brasil de Portugal, buscava a instituição de um Império constitu-
cional que tivesse como objetivo fundamental evitar o despotismo absolutista e também
a anarquia (COSTA, 1998), esta entendida como qualquer reivindicação popular.

José Bonifácio, apesar de ideias avançadas para época, como a defesa da abolição
da escravatura, “no terreno da política, [...] foi sobretudo um homem do passado”, para
certos assuntos era bastante conservador. Ele temia que as novas ideias (liberais) “per-
turbassem o fortalecimento da independência e da monarquia, sobretudo da unidade
nacional” (CUNHA, 1993, p. 167).

Os vitoriosos nessa disputa foram os grandes “fazendeiros, comerciantes, pessoas


que ocupavam altos postos na administração e no governo”, na sua maioria pessoas
formadas na Universidade de Coimbra, acostumadas ao padrão europeu e que tinham
prestado serviços à Coroa portuguesa. “Constituíram uma verdadeira oligarquia fazendo
parte do Conselho de Estado, Senado, Câmara dos Deputados, exercendo funções de
presidentes de províncias e de ministros de Estado” (COSTA, 1998, p. 57).

Essa classe dominante no poder, que participou diretamente do processo de Indepen-


dência, de tudo fez para manter a ordem anterior à independência, combatendo, inclusive,
qualquer tendência democratizante. Para isso, instituíram o voto censitário, mantiveram o
latifúndio com mão de obra escrava e a exportação de produtos tropicais.

21
21
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Figura 5 – Jean Baptiste Debret, Coroação de D. Pedro I (1828)


Fonte: Wikimedia Commons

A esses e, em particular, aos herdeiros diretos da revolução portuguesa – os que ocu-


param posições nas províncias desde 1821 e bateram-se pelas liberdades constitucionais
em 22, 23 e 24 – também se poderia aplicar a pecha de “liberalismo de fachada”. Na
sua maioria, esses líderes não revelaram incompatibilidade com a escravidão, como já
não a revelaram no Pernambuco de 1817 (CUNHA, 1993, p. 155).

É desse período a criação da ideologia da vocação agrária brasileira, criada por fazen-
deiros e seus ideólogos, numa clara tentativa de impedir a industrialização no país. Alega-
vam que o Brasil não poderia concorrer com países mais adiantados como a Inglaterra.
Portanto, caberia à nova nação exportar bens primários e importar industrializados. Esse
debate seguirá presente na história brasileira, pelo menos, até meados dos anos 1950.

Com a Independência, haviam atingido o objetivo fundamental a que se


propunham: libertar o país das restrições impostas pelo Estatuto Colo-
nial, assegurar a liberdade de comércio e garantir a autonomia adminis-
trativa. A organização do país independente refletiria os anseios desses
grupos sociais que assumiram o poder no Primeiro Império. Ficaram
excluídas do poder as camadas populares, uma vez que escravos e ín-
dios foram excluídos do conceito de cidadão, tendo-se adotado ainda um
sistema de eleição indireta, recrutando-se os votantes segundo critérios
censitários. (COSTA, 1998, p. 60)

Outras condições também sofreram adaptação neste novo momento político. Os in-
tercâmbios mais simbólicos entre os monarcas e os “homens bons” da terra haviam
iniciado desde o desembarque da família real, principalmente com relação às chamadas
“subscrições voluntárias” que angariavam dos fieis vassalos verdadeiras fortunas, rece-
bendo em troca honra e prestígio. O mundo era ordenado com um lugar destinado a
cada um, e era repleto de querelas em suas interrelações na configuração na corte.

Tal percepção auxilia o resgate a lógica do comportamento das elites na política, em


uma busca pelo equilíbrio de forças para que nenhuma sobressaísse às outras. Eis o prin-
cipal diferencial do Brasil em seu processo de emancipação política quando é comparado
com os processos das demais ex-colônias hispânicas na América: o Brasil surgiu no con-
texto americano das independências a partir de um acordo de elites (MALERBA, 2000).

22
A chamada “opção conciliatória de nossas elites” pode ser traduzida na mudança de
regimes, de formas de governo, para se perpetuarem as mesmas estruturas econômicas
e sociais, com a manutenção dos privilégios e postos de mandos dos mesmos segmentos
na cúpula e a exclusão deliberada de toda a população sobre as decisões da vida nacional
(MALERBA, 2000, p. 299).

No entanto, o fato de as elites terem dominado o processo político, não significa que
a população comum não tenha participado, a sua maneira, da Independência, em um
contexto de conflitos que iniciaram antes de 1822.

As Guerras da Independência
A mudança da corte para o Brasil alterou as relações entre o Rio de Janeiro e as pro-
víncias. Os pernambucanos, por exemplo, sentiam-se oprimidos e explorados naquele
início do século XIX com muitas taxas e “contribuições” pelos mais variados motivos,
desde o pagamento realizado durante 200 anos por guerras coloniais ocorridas no sé-
culo XVII contra os holandeses, até o financiamento da iluminação pública no Rio de
Janeiro. Também havia descontentamentos políticos pelo modelo político vigente e a
influência da maçonaria, favorável a um governo constitucional.

Em março de 1817, militares que conspiravam em Recife tiveram sua prisão ordenada
pelo governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, um dos acusados reagiu e
matou seu comandante, detonando uma revolução que se propagou rapidamente, com
violências contra os portugueses.

Após a fuga do governador para o Rio de Janeiro, os revoltosos assumiram o poder


e instituíram um governo provisório. Concedeu-se um aumento de valores pagos aos mi-
litares e aboliram-se alguns impostos. Inspirados nas Revoluções Francesa e dos Estados
Unidos, os insurretos pregavam a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa, mas
causaram desconfiança em muitos daqueles em que buscaram apoio, pois era temida a
abolição da escravidão que o movimento poderia ocasionar (MUGGIATI, 2006).

O movimento foi de tendência autonomista e republicana, e identificado por parte da


historiografia como um marco no caminho para a Independência. Na sua organização,
o governo revoltoso era composto por cinco membros que representavam o comércio, a
agricultura, a magistratura, a tropa e o clero, assessorados por um conselho de notáveis
locais, com desembargadores, padres e outros homens importantes de Recife.

Mas, logo no início do movimento, a fim de conter a “arraia miúda”, diversas procla-
mações procuraram conter o “arraigado antilusitanismo” das camadas mais pobres, para
garantir o apoio de outras províncias como Alagoas e Paraíba, que inicialmente haviam
aderido de forma espontânea ao movimento. Por outro lado, costumes considerados
patriarcais ou servis, como o tratamento dos homens de “senhor” foram substituídos por
“patriota”, enquanto a tendência autonomista e federalista pernambucana chocava-se
com os particularismos locais e o receio pelo fim da escravidão, causando hesitações e
dissenções, ocasionando o enfraquecimento do movimento (NEVES, 2008).

23
23
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Contidos pelo bloqueio marítimo [...] os rebeldes não resistiram às forças


enviadas por terra da Bahia e que obtiveram suporte a zona açucareira da
mata sul [...] Capitulando o Recife [...] seguiu-se uma impiedosa devassa
que executou os principais líderes do movimento [...] e condenou aos
cárceres da Bahia quase 250 indivíduos – cerca de 11% dos quais eram
eclesiásticos –, onde permaneceram até o indulto concedido pelas Cortes
de Lisboa em 1821. (NEVES, 2008, p. 390)

Embora tenha apresentado sentimentos autonomistas e ideais republicanos, parece


mais difícil, hoje em dia, aceitar a interpretação tradicional sobre a Revolução de 1817
construída pela historiografia regional, como um prenúncio da Independência de 1822,
e até da República de 1889. Na realidade, o movimento pode ser compreendido como
resultante de diversos fatores, dentre os quais se destaca o imaginário próprio da provín-
cia, elaborado em decorrência das lutas contra os holandeses no século XVII e consoli-
dado por ocasião da Guerra dos Mascates do século XVIII. Nesta guerra em especial, a
“nobreza da terra” lutou contra os comerciantes portugueses.

Nativismo é um termo utilizado para caracterizar tanto a Guerra dos Mascates quanto a Re-
volução em 1817. O termo identifica atitude ou política de favorecer os habitantes nativos.

Outro fator que se destaca é a criação do Seminário de Olinda em 1800, uma insti-
tuição de ensino única, permitindo a formação de toda uma geração de clérigos afinada
com os ideais reformistas (NEVES, 2008). Quanto à participação direta de alguns re-
ligiosos nos eventos de 1817, não há como deixar de destacar o papel fundamental de
Frei Caneca.

Segundo biografias sobre ele, Joaquim da Silva Rabelo, nome que recebeu ao nascer,
iniciou sua ação política na Revolução pernambucana, chegou a ser preso e ficou nessa
condição até 1821, na Bahia. Após retornar, fundou o jornal Typys Pernambucano para
criticar a situação política e esclarecer a população. Em 1824, envolveu-se na Confedera-
ção do Equador, um movimento de oposição ao poder imperial, e termina fuzilado no ano
seguinte, após fracasso desse. No entanto, 1817 constituiu uma experiência evidentemente
fundamental em sua biografia e no plano da história coletiva, em especial para o Nordeste.
Nesse sentido, será evocada por frei Caneca em mais de uma ocasião como lição da histó-
ria e como referência argumentativa em vários de seus escritos, tendo por base: soberania
popular, regulação constitucional dos poderes e pacto social (BERNARDES, 1997).

Após a chegada de D. João VI, houve um excesso de cobranças e imposições, cul-


minando com os tributos exigidos para custear a Campanha militar na Cisplatina, no
exato momento da seca de 1816, agravando os problemas crônicos de abastecimento
das cidades nordestinas. Toda esta situação condensou em Pernambuco um ambiente
de insatisfação, que só precisou de um estopim para inflamar enquanto uma explosão
de violência devido à não existência de mecanismos de negociação. Ao mesmo tempo,
a Revolução de 1817 revelou insatisfações regionais que iriam se manifestar repetida-
mente no Primeiro Reinado e no período regencial (NEVES, 2008).

24
A Cisplatina, por sua vez, compreendia a região onde hoje se encontra o Uruguai, e
sempre foi alvo do domínio português, desejo intensificado após a vinda da corte para o
Brasil. Havia lutas de facções internas na região, que surgiram em virtude do vazio do poder
deixado pela coroa espanhola na época do domínio napoleônico na Espanha. A própria
“D. Carlota Joaquina conspirava com exilados argentinos na corte para assumir a admi-
nistração das colônias espanholas, em nome de seu irmão”, o rei deposto do trono es-
panhol por Napoleão. A situação piorou as tensões e em 1810 iniciou-se uma rebelião,
os conflitos perduraram até 1821, tendo a região sido anexada ao Brasil. Proclamada a
independência brasileira no ano seguinte, a província Cisplatina continuou a integrar o
império do Brasil. (NEVES, 2008, p. 185).

Outras guerras foram realizadas no período da Independência, estas relacionadas dire-


tamente à Proclamação.de D. Pedro. No Grão Pará, por exemplo, a Independência não foi
pacífica, já que após quase um ano do grito do Ipiranga, a Província continuava alheia à In-
dependência do Brasil. Ela foi anexada ao Império do Brasil sob uma ameaça que não seria
cumprida, a da vinda de uma esquadra para garantir a adesão do Grão Pará (RICCI, 2009).

Aparentemente, depois da ameaça, o Grão Pará foi anexado ao Império do Brasil


pacificamente, no entanto, a elite política da Província mantinha estritos vínculos po-
líticos, econômicos e até matrimoniais com Portugal. Os comerciantes lucraram muito
com a abertura dos portos e se empolgaram com a Revolução do Porto de 1820, não
demonstrando muito interesse pelo que acontecia no Rio de Janeiro. Devido ao descon-
tentamento com os rumos das políticas das cortes portuguesas com relação ao Brasil,
muitos comerciantes acabaram desiludidos e, por isso, aceitaram a Independência, em
conjunto com as elites temerosas das ameaças do Imperador D. Pedro I (RICCI, 2009).

No entanto, nas ruas, brasileiros e portugueses passaram a se estranhar, havendo


conflitos inclusive entre as tropas regulares nacionais e soldados das antigas tropas por-
tuguesas. A revolta eclodiu devido às rivalidades existentes e também devido aos paga-
mentos irregulares que recebiam os nacionais, estes saquearam lojas e tentaram entrar
na casa de comerciantes portugueses e ingleses. O motim terminou quando cinco líderes
das tropas dos paraenses (nacionais) foram presos e executados, já que o levante foi con-
siderado grave por pregar a morte dos estrangeiros. Mais de 100 soldados e 300 civis
foram presos, dos quais houve um massacre, com mais de 250 mortos, dentre os que
haviam sido presos dentro de um brigue, ou “navio de guerra”.

Mesmo depois do fim de tanta turbulência, após outubro de 1823, a província ainda vi-
veu uma década de agitações políticas, culminando no movimento da Cabanagem em 1835,
após o fim do Primeiro Reinado (RICCI, 2008). Em Salvador, os rumos de um conflito se-
melhante foram outros, ao menos com relação à interferência de D. Pedro I (KRAAY, 2009).

No momento da Independência em 1822, a cidade estava controlada pelos portugue-


ses, devido a um conflito das tropas baianas que havia ocorrido alguns meses antes, pela
troca de um oficial da terra por um de Portugal. Nesse meio tempo, os grandes senhores
de engenho haviam se articulado e formado um “Exército Pacificador”, com soldados
que haviam deixado Salvador após a derrota inicial do motim ocorrido pela troca do
comandante das tropas. Quando D. Pedro tornou-se imperador, declarou seu apoio aos
“patriotas baianos”, enviando material bélico, tropas e um oficial francês, Labatut, com
experiência nas guerras napoleônicas para reforçar o Exército pacificador.

25
25
UNIDADE De Sede do Império à Nação

A guerra foi longa, cruel e sangrenta. As tropas portuguesas recebiam reforços pelo
mar, apesar do bloqueio decretado por D. Pedro. O oficial francês não foi bem visto
pelos senhores de engenho, pois fez uma proposta inusitada, a de recrutar escravos
para as tropas, prática inexistente nas tropas imperiais. Os senhores temiam que seus
escravos aproveitassem a ocasião para lutar por liberdade ou por direitos inexistentes.
O primeiro batalhão de libertos foi criado por Labatut, e logo em seguida ele mandou
confiscar escravos pertencentes a portugueses ausentes para servirem nesse batalhão.
Houve queixa do Conselho Interino de Governo, formado por poderosos senhores de
engenho, pela criação de um “batalhão de negros cativos, crioulos e africanos”, preocu-
pados com os boatos existentes que qualquer escravo que se oferecesse para lutar seria
liberto (KRAAY, 2009, p .23).

Quando o oficial francês solicitou escravos diretamente para estes senhores, foi des-
tituído e enviado de volta ao Rio de Janeiro. Foi julgado por diversos crimes, tais como
corrupção e “prepotência”, mas a promessa de liberdade aos escravos que fizessem
parte do batalhão não pode ser provada. No máximo, a liberdade estaria implícita nas
propostas do general Labatut, ou era a conclusão à qual os escravos provavelmente che-
gavam, pois sabiam que havia uma grande distinção entre a sua condição e a de soldado.

A saída do general francês não acabou com o batalhão de libertos, o seu sucessor, o
brigadeiro José Joaquim de Lima e Silva, tomou partido dos soldados-escravos e logo
depois da guerra solicitou a liberdade desses. O efeito desta possibilidade foi abrir um
novo campo para a resistência escrava, confirmando o receio dos senhores de engenho.
Muitos escravos fugiram para juntar-se ao acampamento e serem empregados como
criados ou para cavar trincheiras. Essas pessoas buscavam mais do que auxiliar e lutar
na guerra a favor da Independência, empunhavam armas e realizavam os mais diversos
serviços como moeda de troca para obterem alforria. Um número significativo de escra-
vos estava fazendo parte do Exército Pacificador em 02 de julho de 1823, quando foi
comemorada a vitória dos patriotas baianos. Desde então, a Independência da Bahia é
celebrada nesta data, considerada mais importante pelos baianos do que o próprio 07
de setembro (KRAAY, 2009).

A ordem de libertação dos escravos soldados não demorou a chegar, mas os senho-
res desses escravos que solicitassem poderiam receber uma indenização. Outro decreto
ordenou que os agora 360 libertos – soldados deveriam se dirigir ao Rio de Janeiro,
pois temia-se que a permanência deles na Bahia ameaçasse a ordem escravista que os
senhores tentavam reconstituir. De qualquer modo, o Exército foi considerado pelo bri-
gadeiro José Joaquim de Lima e Silva como sendo de “valor e intrepidez, e um decidido
entusiasmo pela causa da Independência do Brasil (KRAAY, 2009, p. 23).

O Brasil fez-se Império antes de se fazer Nação, pois o maior dilema dessa transição
era a escravidão, que fundava um problema político amplo, que José Bonifácio enten-
dia ser necessário eliminar. Em seus escritos ele propôs leis “regulativas” destinadas a
abrandar seu tratamento e promover a lenta assimilação dos escravos ao corpo social
(SILVA, 2007).

Transferido para a corte do Rio de Janeiro em 1819, José Bonifácio reformulou seus
projetos transitando progressivamente das condições da unidade imperial para as da
integridade nacional.

26
As ideias sobre a criação de um grande Império na América portuguesa não eram
novas, a diferença é a inspiração. A princípio, elas nascem de uma reflexão acerca das
fragilidades de Portugal no jogo do poder entre as potências europeias; a mudança do
referencial político irá ocorrer quando a Corte é transferida para o Brasil em 1808. Nas
suas Lembranças e Apontamentos havia referência para a preservação da “unidade”
a partir de uma situação de “diversidade” – de natureza, clima e povos – entre as partes
que previa “reciprocidade de interesses” e a existência da escravidão chocava-se com as
bases de um “Império constitucional” (SILVA, 2007, p. 33).

A representação dos deputados paulistas, que tinha por base o texto de Bonifácio,
não chegou a ser apresentada na Assembleia Constituinte, pois esta foi dissolvida em
novembro de 1823, seguida pela deportação de Bonifácio. Eram os novos rumos to-
mados pela consolidação da independência brasileira, que se consolidou enquanto uma
obra inacabada, pois a construção de uma nação tal como pensada por José Bonifácio
exigira a difícil tarefa de transcender os interesses das elites (SILVA, 2007). Estas, confi-
guradas principalmente pelos grandes proprietários de terras, formaram uma guarda em
defesa de D. Pedro com o único objetivo de perpetuarem-se no poder.

A chamada “Guarda de Honra” auxiliou a enfrentar várias revoltas locais em Minas


Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que entendiam fundamental à continuidade das Cortes
portuguesas na tutela do governo de D. Pedro. No momento do famoso grito do Ipiranga,
era essa a Guarda que o acompanhava, e em sua icônica pintura, Pedro Américo os eter-
nizou a partir de uniformes que originalmente não existiram. A “Guarda de Honra” era
fruto do apoio dos senhores de terra à Independência, com a manutenção da Monarquia
eles não queriam mudanças, o que explica a adesão de tantos poderosos na defesa pes-
soal do agora Imperador D. Pedro I. A partir de então, os fazendeiros do Sudeste assu-
miram as rédeas da Nação, e continuaram no poder, mesmo após o fim da Monarquia
no Brasil em 1889 (SCHNOOR, 2007).

27
27
UNIDADE De Sede do Império à Nação

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Conhecendo Museus – Série l – Museu Paulista da USP
https://youtu.be/emaCXoNEFV4
Independência do Brasil – Conexão Futura
https://youtu.be/wUQKR2LYbS8

 Leitura
Política exterior de D. João VI no Brasil
https://bit.ly/3hN044a
Projetos para o Brasil – José Bonifácio de Andrada e Silva
https://bit.ly/3AFhSH5

28
Referências
ALGRANTI, L. M. D. João VI e os bastidores da Independência. São Paulo: Editora
Ática, 1987.

BARRETO, C. de B. Ação das sociedades secretas. In: HOLANDA, S. B. História geral


da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. 1º volume. O processo de
emancipação. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1993, p. 191-206.

COSTA, E. V. da. Introdução ao estudo da emancipação política no Brasil. In: Da Mo-


narquia à República. São Paulo: Unesp, 1998, p. 21-62.

CUNHA, P. O. C. da. A fundação de um império liberal. In: HOLANDA, S. B. de.


História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. 1º volume. O
processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1993, p. 135-178.

GIORDANI, L. O grito do Ipiranga: a Independência do Brasil das galerias aos qua-


drinhos. In: Anais do XIII Encontro Estadual de História da ANPUH – RS. Santa
Cruz do Sul, UNICS, 2016, p.1-13. Disponível em <http://www.snh2011.anpuh.org/
resources/anais/46/1472695922_ARQUIVO_OGRITODOIPIRANGA-LauraGiordani.
pdf>. Acesso em 31/03/2021.

HOLANDA, S. B. de. A herança colônia – sua desagregação. In: HOLANDA, S. B. de.


História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. 1º volume. O
processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1993, p. 9-39.

KRAAY, H. Independência é liberdade. In: Revista de História da Biblioteca Nacio-


nal. Ano 4, n. 48, Rio de Janeiro, SABIN, 2009, p. 22-24

MALERBA, J. A corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da Indepen-


dência (1808 – 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

MOTA, C. G. José Bonifácio: Patriarca da Independência. Criador da Sociedade civil nos


trópicos. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado; Secretaria do Estado da Educação, 2006.

MUGGIATI, R. Nossa História: A construção do Brasil. Fatos, pessoas e ideias que


formaram a nação. Rio de Janeiro, Prol Editora Gráfica, 2006.

NEVES, L. B. P. das. Cortes Portuguesas. In: VAINFAS, R. (org.) Dicionário do Brasil


Joanino 1808-1821. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 110-112.

________. D. Pedro (Regente). In: VAINFAS, R. (org.) Dicionário do Brasil Joanino


1808-1821. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 129-132.

________. Guerra da Cisplatina. In: VAINFAS, R. (dir.), Dicionário do Brasil Imperial


1822-1889. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 321-322.

________. O grito que não foi ouvido. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.
Ano 4, n. 48, Rio de Janeiro, SABIN, set. 2009, p. 19-21.

________. Independência. In: VAINFAS, R. (dir.) Dicionário do Brasil Imperial 1822-


1889. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 371-372.

29
29
UNIDADE De Sede do Império à Nação

________. Revolução de 1817. In: VAINFAS, R. (dir.), Dicionário do Brasil Imperial


1822-1889. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 389-391.

SCHWARCZ, L. M. A longa viagem da biblioteca dos Reis. Do terremoto de Lisboa


à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

SCHLICHTA, C. A. B. D. Independência ou morte (1888), de Pedro Américo: a pintura


histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação. Anais do XXV SIM-
PÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, Fortaleza, 2009. Disponível em: <http://www.
snh2013.anpuh.org/resources/anais/anpuhnacional/S.25/ANPUH.S25.0765.pdf>
Acesso em 31/03/2021.

SCHNOOR, E. Senhores do Brasil. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.


Ano 4, n. 48, Rio de Janeiro, SABIN, set. 2009, p. 36-38.

RICCI, M. Sangue “patriótico”. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano


4, n. 48, Rio de Janeiro, SABIN, set. 2009, p. 25-27.

SILVA, A. R. C. da. Do Império a nação. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.


Ano 2, n. 24, Rio de Janeiro, SABIN, set. 2007, p. 30-33.

30

Você também pode gostar