2020 Livro Napalm
2020 Livro Napalm
2020 Livro Napalm
Poemas
1
Copyright © 2020 by Jardel Felipe Santiago
Diagramação Jardel Felipe Santiago
Capa Jardel Felipe Santiago
Revisão Jardel Felipe Santiago
2
Sozinhos somos quase nada no
mundo, porém na companhia certa e
caminhando ambos no mesmo rumo,
com certeza este mesmo mundo
ganhará algo muito mais precioso.
3
4
À minha família:
Juselma, esposa e
companheira, e
Arielle, minha filha
querida, presente de
Deus.
5
6
Sumário
As Bruxas ......................................................................11
(Todas mulheres me encantam) ..................................11
Exílio .............................................................................13
Represas .......................................................................14
Às vezes ........................................................................16
Dúvida ..........................................................................18
Napalm .........................................................................20
Era uma vez ..................................................................21
Por entre os dedos .......................................................22
Muito mais ...................................................................23
A ilha .............................................................................25
Funâmbulo ...................................................................26
Amanhã ........................................................................28
O coração .....................................................................29
Sem deixar rastros........................................................30
Procissão ......................................................................31
Pássaro ferido...............................................................33
Aconteceu ....................................................................36
O ferreiro ......................................................................37
“Data venia” .................................................................39
O cadafalso ...................................................................40
7
O coração - parte II .......................................................42
Olhos no céu.................................................................44
Raio de luz ....................................................................45
Fissão ............................................................................47
Sonhos ..........................................................................49
Mais uma vez................................................................50
Saudade ........................................................................52
Tantas vezes .................................................................53
Sexo ..............................................................................54
“Deja vu” ......................................................................56
Quem me dera .............................................................57
“Voyeur” .......................................................................58
Ex-amigos .....................................................................60
Asfixia ...........................................................................61
Mulher infiel .................................................................63
Delírio quântico ............................................................65
Lembranças ..................................................................66
Na trilha de Dante ........................................................68
Universo .......................................................................70
Eclipse...........................................................................71
Urgente ........................................................................73
Insônia ..........................................................................74
Meu caminho ...............................................................76
8
Doce inferno .................................................................78
O grito...........................................................................80
“Mea culpa” .................................................................82
Ave Prozac! ...................................................................84
E o sonho acabou .........................................................86
Primeira pessoa ............................................................88
Bichos famintos ............................................................90
Um gato no muro .........................................................92
9
10
As Bruxas
11
a beleza, o fascínio, a paixão...
Por fim, a magia
da mais bela flor
oculta e macia
À espera daquele
que a sempre regou
com o choro
contido pela razão
12
Exílio
13
Represas
14
mas não creio que alguém me compreenda
Por mais que olhem meu rosto,
analisem meus gestos ou estudem meus passos
Ninguém ouvirá os sussurros de meu coração
e muito menos os gritos de minh’alma.
15
Às vezes
16
E agora? - Não sei, só faço esperar
Às vezes sou assim
metade sisudo, metade feliz
Rio quando penso
que às vezes sentes falta de mim
17
Dúvida
18
Titubeio
Penso pensar
Sigo,
pisando firme no ar
19
Napalm
Era um tempo de cores,
de sonhos e licores
Éteres, ópio e filosofia
Paz, amor, contra-cultura
e não-faça-guerra
Sexo, drogas e rock’n’roll
Ácido e busca da felicidade
Viagens, sons, espiritualidade
Perigo! Veneno!
Este lado para cima!
“Yellow Submarine”
e Sociedade Alternativa
Nirvana, Buda,
Krishna – Hare, Hare
Virgem Santa!
Era o mundo
Vietnã, napalm
Céus!
Era a resposta
20
Era uma vez
Contem-me histórias,
divertidas,
se possível
Quero rir,
preciso rir
encantar-me,
iludir-me
E até mesmo acreditar
no era uma vez que ecoa
no coração das crianças
21
Por entre os dedos
Tudo pra mim é ontem
Nada pra mim é hoje
Tudo urge
Menos a vida
que esvai-se em pó
por entre os dedos
dos deuses de barro
Ah! Doce loucura
que me faz sonhar
E rir desta vida sofrida, etílica,
de bar em bar
Caminho, converso sozinho,
danço na chuva, olho pro céu
Flutuo
Acho que sou feliz
Porque sei
que malucos não voam
Simplesmente
repousam no ar
22
Muito mais
Muito mais
que o desejo dos amantes
Muito mais
que a fé dos beatos
Muito mais
que a esperança dos peregrinos
Muito mais
que a saga dos heróis
Muito mais
que a fome dos excluídos
Muito mais
que o sonho dos rebeldes
Muito mais
que a paciência dos alquimistas
Muito mais
que a vontade dos justos
Muito mais
Que a astúcia dos jogadores
23
Muito mais
que a ousadia dos infiéis
Muito mais
que a paz dos inocentes
Muito mais
que a disciplina dos magos
Muito mais eu guardo
no fundo do coração
quando escuto teus passos
quando ouço tua voz
quando vejo teu rosto
quando sinto teu hálito
quando afagas meu peito
quando me abraças sorrindo
Muito mais eu desejo
quando acaba meu sonho
Muito mais...
24
A ilha
A ilha
é um ponto
de existência
no oceano a flutuar
O farol
que tudo vê
não existe sem o mar
E um barco
sem o céu
não consegue navegar
25
Funâmbulo
26
Tudo é um risco constante,
é mentira, é meio, é fim
e tão duro de ver, de viver...
E o homem que habita entre feras
é fera também
Mas eu
sempre me visto de anjo, com asas
e olhos brilhantes
E ganho até orações
dos infiéis, dos crentes
e dos ateus não praticantes
27
Amanhã
Estou só
num planetinha azul
deslizando pelo espaço
pensando...
ruminando idéias
e evitando o delírio
Tantos mapas
passam sob meus pés
e eu salto sobre minas...
Hoje sol,
amanhã chuva
E a chuva virá
como nunca veio antes
Amanhã
uma chuva de estrôncio
regará os cogumelos
28
O coração
O coração é burro,
egoísta, inconsequente
Não envelhece
É sempre adolescente, sem rumo
Queria fosse ele cinzento, pensante,
de neurônios e fosfato
Mas não,
É músculo pulsante,
de fato
É vermelho, temido
Regado a sangue
Sangue é vida
E vida não tem sentido
29
Sem deixar rastros...
Foi assim
No começo tudo negro
Agora quase
Talvez um dia voarei,
ou caminharei
Porém,
sem deixar rastros
30
Procissão
Fugi da praga,
do raio
e das maldições
Fugi das ilusões
das multidões
e das orações
Calei,
assisto sozinho
o deslizar anêmico
de uma procissão
Tantos bonecos seguindo,
repetindo palavras ocas
que brotam da boca
de um sacerdote cego
Tímidos, omissos, submissos,
simplesmente aceitam e,
claudicantes,
caminham “felizes”,
31
cantando um hino
apocalíptico
32
Pássaro ferido
Caí
Meus companheiros seguiram em bando no céu
Minhas asas doem
Estou ferido
As areias de um deserto desconhecido me arranham
as costas
No entanto, a dor pelo corpo, embora intensa,
tem um sabor diferente, de um acaso doce
Sou antes do porém
Estou no cerne do enquanto
A saudade me corrói as entranhas e me turba a
mente
Sei que voei muito e percorri tantos caminhos no
céu,
Sobrevoei rios, lagos, montanhas, cidades e flores
Entre os espinhos das rosas suguei as doces gotas
do orvalho das manhãs
E agora sinto o mesmo sabor adocicado, como se
mel fosse
Mas, não
33
É sangue, na boca e no coração
Estou só e nada sei sobre meu último ninho
Garras afiadas tentam me arrastar pelas frestas de
um mundo cinzento
Enquanto mãos suaves de uma figura esguia e
pálida me acariciam
E não me deixam levar os sentidos, nem a razão
A luz forte do sol me ofusca a visão e a dor ainda
me confunde
Onde ficaram ou para onde foram aqueles que me
amaram?
Tudo em um minuto ainda é vida
E o que me resta além de dor e lembranças?
Estou dentro de um agora, numa janela do tempo e
por dentro de mim rio feliz
Porque, amparado por dois seres angélicos, amigos
desconhecidos que me auxiliam
Não estou mais só
E com grande afeto me suspendem no ar
Liberdade!
Estou de novo no céu
E vejo no chão meu corpo frágil caído
34
Um monte de penas coloridas afagadas pelo vento
morno de uma tarde qualquer
Talvez ali, algum dia, nascerá uma árvore que dê
frutos
E alimente o viajante, o peregrino
Ou, talvez, ali mesmo, em pleno deserto da vida
humana, surja a semente da paz
E desabroche uma flor na alma dos seres de
amanhã.
35
Aconteceu
36
O ferreiro
37
A poção, o calor da fornalha
A visão turva pela fuligem impregnada
A satisfação do ferreiro, artesão incansável
Que não se contenta
E contempla sempre a penúltima obra
Ofício nobre de um homem simples
A dignidade de ser, criar e...
Transformar
Alma, coração, espada e o trabalho – devoção
Por isso importante é martelar,
Martelar, martelar...
Martelar na escuridão
38
“Data venia”
Em nome da ordem
a hierarquia besta,
senão o caos
(justificam!)
Por isso,
respeitemos os julgadores
Mesmo aqueles
indignos de nossa admiração,
os parciais
e os que laboram uma justiça lenta
Porém, “data venia”,
Se é lenta, não é justiça
É conveniência!
Lamentemos...
39
O cadafalso
40
os senhores
e o cadafalso
Flores?
- Vida longa ao rei!
41
O coração - parte II
42
É o coração que bate, no mesmo compasso
Bate e bate, com fé, disciplina e nobreza
Ignorando a tristeza e até o cansaço
O começo de tudo, antes do primeiro choro
Até quando não sei
Ah! Coração, segue teu rumo!
Cumpra tua missão!
Espalhe, bombeie o sangue por todo o corpo do
homem!
Elimine a dor, lave a alma e eleve o mundo!
Incansável obreiro
Lá em cima, no céu, alguém pulsa contigo
E espera
Espera o silenciar calmo, suave, sereno, indolor
Para que possa dormir na eternidade
Junto ao “tum-tum” Criador
43
Olhos no céu
44
Raio de luz
Doce raio de luz
que se faz moça-criança
bailando leve entre plumas
dentro de uma tarde qualquer
Entre anjos e devas
do mundo das cores
surge um brilho tão lindo
quanto um raio de sol
Um canto acalanto
um sorriso e cirandas
e a leveza de ser
U’a imagem de fada
de aura dourada
reluz em mil faces
do mais raro cristal
Espero então que o vento
traga sempre o sorriso,
a alegria
e a magia de ser feliz
45
E derrame essa imagem
nas retinas
de quem sempre a vê
com os olhos do coração
46
Fissão
Derramem o óleo!
Preparem as lanças!
Disparem as flechas!
Girem as maças!
Empunhem as espadas!
Vençam! Vençam!
Tantos bradaram
nas espirais da história
Venceram
E agora?
Coitados
Retornam ao caos
Partiram o indivisível
Inquietas partículas
se perdem no ar
Pequenas bestas
que nos mordem as células
Aguardem-nos megatérios
47
fluorescentes e rastejantes
Amanhã voltaremos
Talvez pela porta dos fundos
48
Sonhos
49
Mais uma vez
50
Até quando não sei
Talvez até quando
puder / conseguir
dizer sempre:
- mais uma vez!
51
Saudade
52
Tantas vezes
Entre tantas
vezes quantas
muitas foram
Entre muitas
tantas vezes
quantas foram
Não importa
Simplesmente basta
sentir-se perto
quando o longe
é longe agora
53
Sexo
54
A vontade contida me escapa do peito
Tremo, apalpo, tateio
Sou passageiro
Tudo é um simples complexo
Diria Freud: - É sexo!
55
“Deja vu”
É como se fosse ontem
e me restasse apenas um vão
Um abismo faminto engolindo lembranças
A vontade que tomba
e cai num vazio dos sentidos
entre as sombras de um hiato existencial
As horas em marcha-ré
A mesma voz que ainda ouço
O mesmo gosto de sal
O mesmo cheiro agridoce que me fere as narinas
E a mesma cena vivida repetidamente,
numa seqüência previsível
de um futuro distante
que se encontra com um passado perdido
Por isso eu sei que daqui a pouco
tudo novamente acontecerá
como se fosse antes
E agora eu me vejo por inteiro
em cada fragmento de um espelho partido.
56
Quem me dera
Quem me dera
restassem atendidas
todas as preces feitas
por aqueles que me amam
Mas não
Sei que me basta o chão
duro e frio
que me fere os joelhos
e prolonga o dia
Pois que assim
sentir-me-ei forte
pra seguir o caminho dos justos
ao lado da força
do anjo que me guia
57
“Voyeur”
58
pendurado nas teias, nas ligas e meias
da meretriz perfumada
que ainda não veio
59
Ex-amigos
Meus amigos se foram
Meus ex-amigos
(que amigos nunca foram)
Talvez porque de mim nada receberam,
além da lealdade
Dispersaram-se
Seguiram cambaleantes e sós
Certamente seus pés doerão
pelo caminho mal escolhido
que nada mais é do que um sulco de dogmas,
áspero e tortuoso,
traçado na aridez de seus corações
Não me ouviram
Porque escutam
apenas o eco de seus próprios sentimentos impuros
Estão surdos e míopes
Com certeza agonizarão
E seus lamentos se farão ouvir
junto ao clamor das multidões insatisfeitas
60
Asfixia
61
Pois, como sabes,
és o ar que me falta
no fim do dia
62
Mulher infiel
Enquanto o sono
cobre de culpa
tão bela mulher
Contemplo quão belas formas
se mostram
parcialmente nuas
É certo que
o desejo cego
empurrado pelo vento insano da paixão
selou de fato o pecado do cúmplice
Porém, desperto-me
e penso calado
O peso do choro contido me sufoca
Por isso lamento e,
Sorrindo, dou graças ao dono do céu
Que bom!
O fim do sono,
do sonho
63
e da insana cumplicidade
Que venha o sol
Bom dia
Mulher infiel!
64
Delírio quântico
Mundo estranho
Isso tudo que me cerca
As flores, os rios, as montanhas
E as estrelas também
O sol, a chuva e a lua
E porque não dizer?
A rua
A minha rua, onde me criei
Os becos, os guetos
O balé quântico
Doce delírio, sonhos, devaneios
E até mesmo, pesadelos!
Pares e trincas de quarks
E o sonambulismo atômico
Lá longe, na fronteira do nada
o elétron que salta e brinca
como eu brincava
de pique-esconde
65
Lembranças
66
Mas sei que um resto de mim
ainda busca nas frestas do céu
um raio de sol
e refloresce no chão
67
Na trilha de Dante
Afasta-te do Aqueronte
Oh Musa!
E mesmo que agasalho ou roupas
Não os tenha
Corra com o vento, nua, veloz
E sempre adiante
Que bulam os Centauros
E até outras bestas
Mas segues o caminho reto
Por sobre as pegadas que deixei
Nas margens do rio infernal
E, apesar dos seixos e pedras
Que te cortam os pés
Busque no norte a luz da cidade
Ali estarei, porque nada mais posso fazer
A não ser esperar-te (sempre)
Sendo, pois, que assim impõe-se
A cada um de nós – a missão de viver
68
Sei que chegarás cansada
Mas estender-te-ei a mão
Suba comigo e sinta o calor do rei sol
É a volta
Restarão atrás, bem no fundo do chão
As dores, o choro e lamentos
Daqueles conduzidos por Caronte
E as vozes da noite noticiarão
A ousada fuga da moça
Para o coração do moço
Que há muito
Também deixou o mundo dos mortos
69
Universo
70
Eclipse
De repente,
um manto de sombras
que engole o dia
Um eclipse
Um aviso dos céus – um presságio
Lá em cima, asteroides, planetas,
corpos celestes em fuga
Agonia estelar – um quasar aflito
A ciranda cósmica...
Aqui embaixo, girassóis, violetas, rosa-dos-ventos
norte, sul, leste, oeste
continentes que se movem
latitude, longitude e... as borboletas
Das trincas do tempo surge um anjo vendado
que despeja no chão um jarro de sonhos
de uma nova existência
Tantos seres que dormem
e se consomem nos vícios, embriagados de tédio
71
Que voem todas as aves
e as borboletas também
E batam as asas cada vez mais forte, intensamente
Mudem os rumos e os pensamentos
Galopem no vento
sobre o abismo da nescidade dos homens
Domem os tornados, os tufões e os furacões
E com afeto despertem
apenas aqueles que aprenderam a sonhar
72
Urgente
Dos cálices,
o vôo insano no ar.
Da noite,
o luar que me tira o sono.
Do circo,
o furo no pano.
Das léguas,
a volta à casa do pai.
Das botas,
o caminhar de chumbo.
Do céu,
a liberdade do vôo.
Das minas,
a prata contra o vampiro.
Do pai,
o presente – a felicidade.
Esse tempo que não me cabe
- Sou muito mais que urgente!
73
Insônia
Cai a noite
Um tique-taque cansado, ensurdecedor,
invade meu quarto, rasgando meu sono,
trazendo um desfile de pensamentos incoerentes
Rolam os dados, rumo ao acaso
O império ruiu
O carro conduz a imperatriz vaidosa,
o cetro e o escudeiro morto
E o bobo, coitado,
dependurado nas teias da eternidade,
de ponta-cabeça, assiste aflito
a queda, a invasão da cidade
A torre, a morte, os amantes e a lua fria no céu
Um louco perambula pelas sombras do aleatório
em busca da razão de sua insanidade
Mergulha na noite e costura seus próprios abismos
com frágeis lembranças
de uma infância perdida no tempo
74
Meu tempo ainda é bastante,
o suficiente eu sei,
para dormir e sonhar, lutar, vencer
e seguir nos braços
daquela que não me deixa dormir
75
Meu caminho
76
e segue a mesma estrela que brilha no céu
Encontrará meu rastro
cravado no chão
na poeira dos séculos, no rumo da eternidade
77
Doce inferno
De quando em quando
vem a impiedosa
e insana cobrança
Acusam-me
Sou infiel quando canto
Mesmo quando a música
surge do acaso
que impregna minha mente
Desde quando cantar é trair?
Indago, rastejo, choro, lamento e...
caio por entre os vãos
de uma noite oca
As lágrimas tombam,
foscas, sem brilho,
molhando meu peito que arde
Doce inferno criado, frio, eternizado,
tecido com as linhas
de uma paixão vil
78
Por que me batem?
- Não sei!
Talvez porque sempre apanharam...
porque sofreram..
porque são infelizes – Coitados!
Ainda não sabem que hoje
metade de mim
é silêncio
A outra é nada!
79
O grito
80
De novo as botas
que marcham na noite
e me ferem de morte,
pisando, calcando meus pensamentos
Estou só, como bicho acuado,
sem forças, longe do mato
das manchetes,
das fotos, dos fatos
Não sou lixo, sou quase
Minha alma
talvez escape
dos disparates
do desvario
do escárnio dos ratos
81
“Mea culpa”
82
Misturo-me à escuridão
como vampiro sedento
Uma estampa sem cor
E a dor, só a dor é real
O resto é um rastro
de um feitiço equivocado, desleal
Ouvi gritos e sussurros
Despertei-me de um sono falso
E agora as vogais de meu nome
se encaixam nos ruídos noturnos
no uivo de um cão solitário
no vento e até mesmo no pó
E o que me basta por ora
é apenas respirar
o ar da miséria
de existir só
83
Ave Prozac!
84
Então espero o tempo passar
por um simples relógio
a gotejar tiquetaques
junto com minhas lágrimas
que caem no chão
Agora viro pro canto,
choro e me cubro
com o manto escuro da solidão
85
E o sonho acabou
86
acordaram no meio do sono,
no meio do nada
E o sonho acabou!
87
Primeira pessoa
Eu vi a dança do urso
E recebi de herança um elefante de circo
enquanto decifrava alguns manuscritos de alquimia
e estudava certas cartas de astronomia
Depois olhei pro céu
e vi Nibiru
Que sono!
Bocejei, ri, senti cãibras
Então viro outra página
de um velho almanaque
E aparece um monge dervixe
que reproduz a dança do urso no céu
Não quero dinheiro,
dispenso heranças
Quero sim transformação
de tudo que existe no coração das crianças
para uma coisa boa
Só isso
88
Pois não sei até quando
serei
a primeira pessoa.
89
Bichos famintos
A mulher de barba
O leão, o chicote
e a dor
A febre, o suor
E eu que saio correndo
pra ver o palhaço feioso
a equilibrista
o cavalo
e os bichos famintos
esquálidos, insones,
puros coitados
No mais, ainda sou eu
que furo a lona e vejo
o futuro em cacos
manchado, marcado,
impregnado de dor
Então admiro o que resta,
ou seja,
90
apenas o doce refrigerante
que escorre
das mãos
dos pobres macacos
91
Um gato no muro
No muro passeia
um gato mirrado
que lança na noite
um miado triste,
abafado
E eu, no meu quarto, pensando,
me sinto no corpo
do pobre felino,
olhando a janela da vizinha magrela,
bem longe num passado distante
em que eu, jovem, sonhava
poder abraçá-la e,
quem sabe,
casar-me com ela,
Entre todas a mais bela
Hoje nem tanto, coitada!
Velha, acabada e trêmula
Acabou-se o encanto, o desejo
92
e o sonho também,
de fato
Que bom!
Ainda bem
que eu nunca fui gato!
93