TCC - Lucas Reich Da Silva
TCC - Lucas Reich Da Silva
TCC - Lucas Reich Da Silva
FLORIANÓPOLIS
2022
LUCAS REICH DA SILVA
Florianópolis
2022
Universidade Federal de Santa Catarina
ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA
Eu, Lucas Reich da Silva, acima qualificado; venho, pelo presente termo, assumir
The present monograph aims to understand the relationship between the crimes of stalking
and threat in the Brazilian legal-penal order, being an analysis made from the normative
element of the type. In this sense, the research problem arises in the form of the following
question: "What should be the meaning to be attributed to the crime of stalking in order to
delimit the sphere of prohibition in relation to the crime of threat?" It is assumed that "the
search for the meaning of the normative element 'repeatedly' could delimit the sphere of
prohibition in relation between the crimes of stalking and threatening." Therefore, regarding
the specific objectives, we sought to discuss the emergence of stalking in the international
sphere, as well as investigate the doctrinal, legal, and jurisprudential conception of the crime
of stalking and also evaluate the limits of prohibition between these two offenses. To this end,
the inductive methodology was employed, starting with a search in international documents
for the reasons for the criminalization of the crime of stalking in Brazil, taking into
consideration the Budapest and Istanbul Conventions. In a more specific analysis, it was
sought, through bibliographical research and based on Brazilian national legislation, to
investigate the doctrinal conception of the crime of stalking, also using national criminal
judgments, especially in relation to crimes committed over the Internet. Thus, it was found
that the reiteration of the stalking conduct, through insistent persecution, through which the
active subject performs numerous threatening actions against the victim, delimits the
prohibition sphere in relation to the crime of threat.
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
5 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 65
10
1. INTRODUÇÃO
Assim, com os recentes debates acerca da prática dos delitos de stalking e de ameaça,
principalmente aqueles cometidos por meio da Internet e, com a publicação da Lei n. 14.132
de 2021, esta monografia objetiva clarear o entendimento a respeito destes crimes. Além
disso, pretende-se discutir acerca do surgimento do crime de stalking na esfera internacional,
investigar a concepção doutrinária legal e jurisprudencial acerca deste crime e avaliar os
limites de proibição entre os delitos de stalking e de ameaça, principalmente no que tange ao
elemento normativo do tipo “reiteradamente”, estando este presente no bojo do artigo 147-A
do Código Penal, contribuindo, portanto, para o enriquecimento nos debates das Ciências
Penais, mediante a delimitação da esfera de proibição entre ambos os crimes.
14
O sociólogo alemão Ulrich Beck, em seu livro Risk society. Towards a new modernity
(Sociedade de Risco: Rumo A Uma Outra Modernidade), publicado em 1992, trouxe, como
ideia central, a análise dos últimos desenvolvimentos da teoria global dos riscos, levantando
questionamentos sobre tal teoria e partindo de um reconhecimento de suas significativas
contribuições. Assim, para o sociólogo, a sociedade industrial, caracterizada pela produção e
distribuição de bens, foi deslocada pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos riscos
não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas da típica primeira
modernidade. Com isso, o desenvolvimento da ciência e da técnica não poderiam mais dar
1
A Convenção de Belém do Pará estabelece deveres dos Estados signatários no sentido de coibir toda
forma de violência praticada contra as mulheres, tanto na esfera pública quanto na esfera privada.
Consta da convenção:
Artigo 4º Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os
direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais
relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros:
[...]; b) direitos a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
c) direito à liberdade e à segurança pessoais;
[...]; e) direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;
[…]; g) direito a recesso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que
violem seus direitos;
15
conta da predição e controle dos riscos que contribuiu decisivamente para criar e gerar
consequências graves para a saúde humana e para o meio ambiente, desconhecidas a longo
prazo e que, assim que descobertas, tendem a ser irreversíveis.
Assim sendo, entre os riscos apontados por Beck, têm-se os ecológicos, químicos,
nucleares e genéticos, sendo estes produzidos industrialmente, externalizados
economicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados
politicamente. Incorporando-se, mais recentemente, os riscos econômicos. Destarte, para o
alemão, o conjunto destes riscos geraria “uma nova forma de capitalismo, uma nova forma de
economia, uma nova forma de ordem global, uma nova forma de sociedade e uma nova forma
de vida pessoal” (BECK, Ulrich. 1999. p. 2-7).
Segundo o escritor português José Manuel Mendes:
O risco é, para Ulrich Beck, um estado intermediário entre a segurança e a
destruição, sendo que a percepção dos riscos ameaçadores determina o pensamento e
a ação. Ademais, no risco, o passado perde o seu poder de determinar o presente. É o
futuro, algo que é construído, não existente, que constrói o presente, e os riscos são
sempre locais e globais, assumindo uma dimensão transecular, ou século após
século. Diante deste pensamento, o conceito de sociedade de risco se cruza
diretamente com o de globalização, vez que os riscos são democráticos, afetando
diversas nações e, por fim, desrespeitando fronteiras de nenhum tipo. Com os riscos,
coexistem maior pobreza em massa, crescimento do nacionalismo, fundamentalismo
religiosos, crises econômicas, possíveis guerras e catástrofes ecológicas e
tecnológicas, além de espaços no planeta onde há maior riqueza, tecnificação rápida
e alta segurança no emprego2.
O conceito de ‘sociedade industrial’ ou ‘de classes’ (na mais ampla vertente de Marx
e Weber) gira em torno da questão de como a riqueza socialmente produzida pode
ser distribuída de forma socialmente desigual e ao mesmo tempo ‘legítima’. Isto
coincide com o novo paradigma da sociedade de risco, que se apoia
fundamentalmente na solução de um problema similar e, no entanto, inteiramente
distinto. Como é possível que as ameaças e riscos sistematicamente coproduzidos no
processo tardio de modernização sejam evitados, minimizados, dramatizados
canalizados e, quando vindos à luz sob a forma de ‘efeitos colaterais latentes’,
isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o processo de
modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal, psicológica ou
socialmente) ‘aceitável’? 3.
Através desse contexto trazido por Beck, instaurou-se uma sensação de perigo na
sociedade. Outrossim, nesse viés, o inédito fruto da produção cientifica exacerbada, do
2
MENDES, Manuel José. Ulrich Beck: a imanência do social e a sociedade do risco. Análise social,
214, I. (1.º), 2015. ISSN ONLINE, p. 4.
3
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: Rumo a outra modernidade. 2º ed. São Paulo: Editora 34, 2011,
p. 23.
16
4
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, rumo a outra modernidade. 2ª ed. São Paulo:
Editora 34, 2011, p. 28.
5
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, rumo a outra modernidade. 2ª ed. São Paulo: Editora 34,
2011, p. 32.
17
simples, ocorrida durante o processo de industrialização, foi uma transição de período através
do progresso industrial, midiático e da mudança da forma de pensar da sociedade. Portanto, o
desenvolvimento do conhecimento passou a ter como base a razão, especialmente na sua
dimensão instrumental. Nesse momento, estabeleceu-se o Iluminismo, movimento este que
extinguiu a superstição e os costumes por meio da razão, o que libertou o homem das
mitologias. Ademais, a racionalidade, o antropocentrismo, a razão reduzida a dimensão
cientifica, a dessacralização e a racionalização das visões de mundo também são
características basilares da modernização tradicional. Economicamente, tem-se a expansão do
capitalismo e uma sociedade de consumo massificado, chamado de capitalismo de consumo.
No que tange à parte jurídica, o avanço de direitos e deveres dos cidadãos, como também a
diminuição da liberdade individual, vez que ocorreu uma universalidade homogeneizadora.
Por outro lado, a modernização reflexiva surgiu com o advento da pós-modernidade.
Com o fim das duas grandes guerras, a crença na razão, no progresso e no capitalismo já não
era mais aderida, sendo evidente também o fracasso do iluminismo racionalista moderno. A
modernização ocorre, dessa forma, em um contexto de fraqueza do modernismo e da ascensão
de uma sociedade pluralista e individualista. A modernização reflexiva retrata a reinvenção da
modernidade e de suas formas industriais por outro tipo de modernidade, em outras palavras,
é a modernização da modernização, vez que há o surgimento da sociedade industrial que
destrói seus próprios fundamentos, abrindo espaço para uma modernização mais avançada.
De acordo com Beck:
[...] a sociedade moderna está a modificar as suas formações de classe, de status, de
ocupação, os papéis sexuais, a família nuclear, a indústria, os setores empresariais e,
claro, também os pré-requisitos e as formas do natural progresso tecnoeconômico.
Esta nova fase, na qual o progresso se pode transformar em autodestruição, na qual
um tipo de modernização corta e transforma outro tipo, é aquela a que eu chamo de
fase da modernização reflexiva 6.
6
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, rumo a outra modernidade. 2ª ed. São Paulo: Editora 34,
2011, p.13
18
riscos tornaram-se o centro das atenções, ganhando mais destaque e, assim, sobreveio a então
de sociedade de riscos.
Destarte, na sociedade de riscos, com o crescente desenvolvimento acelerado, os riscos
passaram a ser cada vez mais incontroláveis e imprevisíveis. Assim, essa sociedade surge com
a modernização exacerbada, que não observa as próprias ameaças do meio e, portanto,
acabam por destruir os alicerces da sociedade industrial. Ulrich Beck chama isso de
reflexividade, isto é, a auto-confrontação da modernidade através dos riscos que surgem na
sociedade de riscos7. Não obstante, na sociedade pós-moderna e na modernização reflexiva,
há a substituição por um novo ideal de condução de disposição de vida, não mais obrigatória e
nos modelos tradicionais. Buscam-se novas certezas para si, a autobiografia, a auto-
representação. Por outro lado, surgem novas interdependências. A individualização e a
globalização são, na verdade, dois lados do mesmo processo de modernização reflexiva8.
Portanto, diante da eclosão e do fortalecimento dessa sociedade, além do
discernimento de novos riscos, surge a premência cada vez maior do comprometimento com a
segurança e a tutela de novos bens jurídicos, é o que Beck outrora afirmou: “estão no centro
das atenções ameaças com maior frequência”, sendo que estas não são visíveis, muito menos
perceptíveis para aqueles que ele chamou de “afetados”. De mais a mais, são ameaças que
não produzirão efeitos durante a vida dos afetados, mas sim na vida de seus descendentes. No
entender do sociólogo, estas ameaças exigem certo grau de atenção, ou, nas palavras dele,
exigem “órgãos sensoriais” da ciência para que possam a serem consideradas visíveis e,
portanto, interpretáveis como ameaças reais.
Por outro lado, o Direito Penal, por si só, não é totalmente apto para combater essas
situações. Assim, surge a necessidade de expansão do instituto penal com o objetivo de
atender a nova realidade da sociedade de riscos. É o caso da criminalização do Stalking, onde,
a partir do fortalecimento da globalização, da crescente demanda tecnológica e da nova
realidade inserida, passou a ser criminalizado para que a sociedade consiga, por assim dizer,
tutelar seus direitos individuais, como a liberdade.
Assim, através dos “órgãos sensoriais”, visualizou-se uma ameaça e, a partir disso,
passou a ser criminalizada uma conduta que, com o advento da modernidade e o consequente
7
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, rumo a outra modernidade. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2011,
p.31.
8
GILDDENS, Anthony. The Consequences of Modernity, p.63ss; Wallerstein, The Modern World
Systenm 1974; Roszak, Person/Planet: The Creative Disintegration of Industrial Society, 1979
19
No direito comparado, o primeiro país a regular uma lei antistalking foi os Estados
Unidos, em 1990. Tal proibição se deu por conta do assassinato da atriz Rebecca Schaeffer,
no Estado da Califórnia. Assim, a prática foi definida como crime no ano seguinte, em 1991.
Na legislação norte-americana, a conduta é regulada pelo artigo 2261A do título 18 do
U.S. Code, de competência federal, isto é, quando o crime é interestadual, transnacional ou
cruza linhas divisórias de terras indígenas. No tocante às penas, na forma simples do crime, a
pena pode chegar a cinco anos de prisão ou multa. Na forma qualificada pelo resultado morte,
pode-se chegar a pena de prisão perpétua9.
Não obstante, nos Estados norte-americanos, há outras previsões legais semelhantes
em todos os cinquenta Estados do país, como, por exemplo, a Consolidação das Leis Penais
de Nova York, que regula quatro formas de perseguição contumaz, a mais branda sendo o
crime de stalking in the fourth degree, previsto no artigo 120.45, com pena de até três meses
de prisão e multa.
No Estado nova-iorquino, um ser comete o delito de perseguição no quarto grau
quando, intencionalmente e sem fim legítimo, causa a outrem temor razoável de lesão à saúde
física ou à segurança ou de dano à propriedade de tal pessoa, de um membro de sua família
imediata ou de um terceiro com quem ela se relacione. Ainda, quando causa lesão à saúde
mental ou psíquica de tal pessoa, seguindo-a, telefonando-lhe ou até mesmo iniciando
9
Legal Information Institute. Disponível em: https://www.law.cornell.edu/uscode/text/18/2261.
Acessado em 1º/06/2022
20
comunicação ou contato com esta pessoa, com um membro de sua família imediata ou com
um terceiro que tal pessoa conheça, sempre que o agente tenha sido clara e previamente
informado de que deveria cessar tal conduta.
Também incorre para o crime o agente que sua conduta é apta a fazer com que a
vítima tema razoavelmente que seu emprego, atividade laboral ou carreira será ameaçado pelo
comportamento do autor, que consiste em comparecer, telefonar ou iniciar comunicação ou
contato no local de atividade desta pessoa, e o agente tenha sido prévia e devidamente
notificado a cessar tal conduta.
Vale destacar, nesse viés, que a legislação de Nova York traz o sentido da palavra
“seguir” como o rastreamento não autorizado dos movimentos ou localização da vítima,
inclusive, por intermédio, o uso de sistema de posicionamento global ou outro dispositivo
semelhante.
Ademais, no Reino Unido houve a edição do Protection from Harassment (PHA
1997), passando a prever, de maneira ampla, a proibição de qualquer tipo de perturbação da
tranquilidade alheira. Posteriormente, com a edição do PHA 1997, já no ano de 2012,
houveram algumas alterações e, dentre estas, a inclusão das seções 2A e 4A, as quais
explicitaram dois novos delitos de stalking.
Diante disso, com a criação destes delitos, permitiu-se distinguir o stalking do simples
assédio e da perturbação da tranquilidade, visto que estes eram encaixados as práticas de
stalking. Sendo assim, de acordo com o jornal Daily Mail, a criação dos dois delitos facilitou
a denúncia para as vítimas e, desde então, cerca de dez stalkers são julgados por semana pelas
cortes do Reino Unido10.
Na Alemanha, o crime está previsto desde o ano de 200711, tipificado no artigo 238 do
Código Penal alemão, sendo que a pena do stalking é de prisão de até três anos ou multa. Por
outro lado, se o autor colocar a vítima, um parente ou outra pessoa próxima da vítima em
risco de morte ou de sofrer lesão grave, a pena é de reclusão de três meses a cinco anos. Caso
resulte em morte, a pena é de reclusão de um a dez anos.
Desse modo, o Código Penal alemão prevê que comete o delito quem, sem estar
autorizado a fazê-lo, persistentemente persegue outra pessoa de modo a restringir seriamente
10
CHORLEY, Matt. 10 stalkers in court every week since new laws were passed but campaigners
warn it is just the tipo of the iceberg. Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/news/article-
2563967/10-stalkers-court-week-new-laws-passed-campaigners-warn-just-tip-iceberg.html. Acessado
em: 01/06/2022.
11
1 Cf. MODENA GROUP ON STALKING, Protecting…, pp. 50 a 52.
21
seu estilo de vida, por meio de uma das cinco condutas previstas, quais são: a) buscar
proximidade física com a vítima; b) tentar estabelecer contato com ela por telecomunicação,
por outro meio de comunicação ou através de terceiros; c) usar indevidamente os dados
pessoais da vítima com a finalidade de adquirir bens ou serviços para essa pessoa ou para
induzir terceiros a entrar em contato com ela; d) ameaçar outra pessoa, um de seus parentes ou
alguém que lhe seja próximo de causar-lhe agravo à vida ou lesão à sua integridade física,
saúde ou liberdade ou; e) cometer atos comparáveis aos anteriores.
Na Itália, o delito “atos persecutórios” (atti persecutori) está previsto desde o ano de
2009, no artigo 612-bis do Código Penal italiano. Neste diploma legal, a menos que o fato
constitua um crime mais gravoso, comete-o quem, repetidamente, ameace ou assedie alguém
de forma a causar-lhe um estado persistente e grave de ansiedade ou medo; ou de gerar um
fundado temor quanto à sua própria incolumidade ou de pessoa próxima ou de alguém ligado
a ela por uma relação afetiva; ou de constranger a vítima a alterar seus hábitos de vida. Assim,
a pena é de reclusão de um a seis anos e seis meses, agravada se o delito for cometido pelo
cônjuge, mesmo separado ou divorciado, ou por pessoa que está ou esteve ligada por relação
afetiva ao ofendido; ou, ainda, se o crime por cometido por meios informáticos ou
telemáticos. Nesse mesmo sentido, a pena do crime de stalking é aumentada até a metade se a
infração penal for cometida contra criança ou adolescente, mulher grávida ou pessoa com
deficiência, ou com o uso de armar ou por pessoa disfarçada12.
Na França, por sua vez, o crime de assédio moral (harcèlement morale), foi tipificado
no ano de 2014, com três figuras distintas: a) no trabalho (art. 222-33-2); b) na vida afetiva
(art. 222-33-2-1) e c) na vida em geral (art. 222-32-2-2), sendo que, neste último caso, o crime
consiste na conduta repetitiva que degrada as condições de vida da vítima, consistente, ainda,
em alteração de sua saúde física ou mental. Nesse âmbito, a pena é de um ano de prisão e
multa, há, ainda, quatro formas qualificadas do crime, com pena de dois anos de prisão e
multa, resultando na pena de três anos de prisão e multa se estiverem presentes duas
circunstâncias qualificadoras do crime no ato do agente.
Na Espanha, o crime de stalking foi tipificado em 2015, tendo previsão no artigo 172
do Código Penal espanhol, punindo-o com pena de três meses a dois anos de prisão ou multa,
podendo chegar a pena de prisão de seis meses a dois anos caso a vítima for particularmente
vulnerável devido a idade, doença ou outra situação. Assim, pratica o crime quem assediar
12
Cf. MODENA GROUP ON STALKING, Protecting…, pp. 27 e 28, 98 e 99.
22
13
Disponível em: https://www.probonoportugal.com/single-post/stalking-em-portugal-qual-a-
prote%C3%A7%C3%A3o-da-v%C3%ADtima. Acessado em 1º jun. 2022.
23
14
Convenção sobre o Cibercrime. Disponível em: https://rm.coe.int/16802fa428. Acessado em 1º de
junho de 2022.
24
15
Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e
a Violência Doméstica. Disponível em: https://rm.coe.int/1680685fcb. Acessado em: 02/06/2022
16
Na redação original do artigo 34 da Convenção de Istambul: “ Parties shall take the necessary
legislative or other measures to ensure that the intentional conduct of repeatedly in threatening
conduct directed at another person, causing her or him to fear for her or his safety, is criminalized”.
25
A palavra Stalking tem origem derivada do verbo to stalk, que significa perseguir.
Sendo assim, vale destacar que antes da publicação da Lei n. 14.132 de 2021, o Stalking não
era considerado crime, o que existia era a contravenção penal denominada perseguição
insidiosa, ou, perturbação da tranquilidade, tendo previsão no artigo 65 do Decreto-lei n.
3.688/41. Assim, há quem diga que até o momento da promulgação da Lei n. 14.132/2021,
não existia nenhum tipo penal destinado à proteção da integridade moral dos indivíduos que
pudesse ser também utilizado pelo intérprete para sancionar adequadamente o stalking. De
mais a mais, não existia um tipo penal que protegesse a integridade moral contra toda e
qualquer forma de assédio moral, não apenas o stalking, como também o assédio laboral,
intrafamiliar, escolar etc.
Dessa forma, com o advento da Lei n. 11.340/2006, Lei Maria da Penha, admitiu-se a
possibilidade de aplicação de medidas protetivas quando relacionada ao gênero feminino.
Com isso, no dia 9 de março de 2021, o Senado Federal aprovou o projeto de lei tipificando
tal conduta como crime, prática também conhecida como stalking.
Nas palavras de João Batista de Moura:
No tipo objetivo do stalking, são observados os fatores de ordem que são
independentes da vontade da pessoa, como as características do próprio sujeito, o
objeto da ação, as modalidades de execução do fato, o processo causal e o resultado.
Portanto, toda previsão normativa que constitui o tipo objetivo deverá estar
objetivada ou concretizada no mundo exterior. São descritivos os elementos
apreensíveis através de atividade sensorial, que se referem àquelas realidades
26
materiais que fazem parte do mundo exterior e, por isso, podem ser reconhecidos,
captados, imediatamente, sem a necessidade de valoração.17
Destarte, a criminalização deste delito no Brasil se dá, entre outras causas, o relevante
dado da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2017, que apontou que o Brasil é o país
com a quinta maior taxa de feminicídios do mundo. Além disso, 76% destes crimes são
cometidos por pessoas próximas à vítima, isto é, com certo grau de intimidade.
Reforçando ainda mais essa estatística, a Comissão de Direitos Humanos do Senado
(CDH) fez um levantamento de que, com a pandemia, esses casos aumentaram de forma
exponencial, principalmente a violência contra a mulher dentro de sua residência em face do
isolamento social necessário.
O Projeto de Lei n. 1.369, de 2019, teve em sua autoria a Senadora Leila Barros e,
como relatora, a Deputada Shéridan, alterando o Decreto-lei n. 2.848 de 1940 (Código Penal),
passando a tipificar o crime de perseguição, com o objetivo de “criminalizar a perseguição,
por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma a provocar medo ou inquietação na
vítima ou a prejudicar a sua liberdade de ação ou de opinião”.18
A justificativa do Projeto, segundo a autora, “corresponde a um apelo e a uma
necessária evolução no Direito Penal brasileiro, frente à alteração das relações sociais
promovidas pelo aumento de casos, que antes poderiam ser enquadrados como
constrangimento ilegal (art. 146, do CP), mas que ganham contornos mais sérios com o
advento das redes sociais e com os desdobramentos das ações de assédios/perseguições”.
Ademais, em seu voto, a relatora Deputada Shéridan, asseverou que, em relação à
‘iniciativa constitucional’ das proposições, não há óbices, uma vez que se verifica integral
respeito aos requisitos constitucionais formais, competindo à União Federal legislar sobre o
tema e sendo a iniciativa parlamentar legítima, fundada no que dispõe o art. 61 da Carta da
República, eis que não incidem, na espécie, quaisquer reservas à sua iniciativa.
17
DE MOURA, João Batista Oliveira. O Stalking e a Proteção do Bem Jurídico na Violência de
Gênero Feminino, 2016-2017, p. 193.
18
PROJETO DE LEI Nº 1.369, DE 2019. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2229558. Acessado em:
5 de jun. de 2022.
27
19
Stalking Resource Center. Disponível em: https://victimsofcrime.org/our-programs/past-
programs/stalking-resource-center/stalking-information. Acessado em: 5 de junho de 2022.
28
MS), por sua vez, recuperou apenas a pena estabelecida pelo Senado, mantendo o restante da
tipificação na forma como definida pela Câmara.
Posteriormente, o substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados teve os casos de
agravamento da pena ampliado, aumentando a pena em até a metade se o crime for cometido
contra criança, adolescente ou idoso; contra mulher por razoes da condição do sexo feminino;
mediante concurso de duas ou mais pessoas; ou com o emprego de arma. Ainda, caso haja
outro tipo de violência, a pena será somada à correspondente ao ato violento.
Assim, no dia 31 de março de 2021, o Presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou a
Lei n. 14.132/2021, a qual acrescentou o artigo 147-A ao Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), passando a prever o crime de perseguição na (stalking)
ordem jurídica penal brasileira, com pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Todavia, a revogação do artigo 65 da LCP não significa, portanto, que houve abolitio
criminis para as outras situações previstas na contravenção penal. A abolitio criminis, por sua
vez, não está elencada ao simples fato de ter havido a revogação de um tipo penal. Diante
dessa situação, se faz necessário analisar se há ausência de continuidade do tipo de ilícito em
confronto com o ordenamento jurídico-penal. Isso pois, “se uma conduta estava prevista no
tipo A e este é revogado, mas no mesmo momento (sem solução de continuidade) ela segue
tipificada no novo tipo B, não houve abolitio criminis, mas continuidade normativo-típica”
(BIANCHINI, Alice e DE ÁVILA, Thiago Pierobom, 2021. p. 2).
No que tange à abolitio criminis e a continuidade normativo-típica, tem-se que:
Enquanto aquela exprime o desejo do legislador de não mais criminalizar
determinada conduta (como aconteceu com o adultério), nessa o caráter criminoso
do fato é mantido, mas apenas em outro dispositivo penal (foi o que se deu com o
atentado violento ao pudor, que estava previsto no artigo 214 do Código Penal, e que
30
foi deslocado para o artigo anterior, o qual prevê o estupro). Ocorre aqui uma
simples alteração topográfica do delito. 20
Dessa feita, vê-se que a novo tipo penal além de ampliar o âmbito qualitativo – uma
perseguição que gere ataques à liberdade, não apenas à tranquilidade –, exigiu, também, uma
intensidade quantitativa maior – não basta apenas um único episódio, sendo necessária uma
reiteração da conduta. Portanto, para aquelas condutas antigas de perturbação da tranquilidade
que foram praticadas reiteradamente, com acinte e motivo reprovável, e que tenham gerado
uma perturbação da esfera de liberdade ou privacidade da vítima, não há que se falar em
abolitio criminis (BIANCHINI, Alice e DE ÁVILA, Thiago Pierobom, 2021. p. 3).
Não obstante, os numerosos casos de perseguição praticados de forma isolada, com a
publicação da Lei n. 14.132/2021 e, portanto, com a revogação do artigo 65 da Lei de
Contravenções Penais, ficarão sem correspondência criminal, visto que não mais se
enquadram no novo tipo penal.
Por outro lado, como o novo tipo penal prevê uma lei mais gravosa, há, com isso, uma
novatio legis in pejus. Isso pois, os casos ocorridos antes da publicação da nova lei, mantêm-
se a pena prevista para a contravenção penal de perturbação da tranquilidade – prisão simples,
de quinze dias a dois meses, ou multa – por ser mais benéfica. Assim, ocorre a ultra-atividade
da pena antiga, derivada do princípio da irretroatividade de lei mais gravosa, ou proibição de
retroatividade da nova lei mais gravosa.
20
GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice e DAHER, Flávio. Curso de direito penal 1: parte geral
(artigos 1º a 120). 2. ed. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 150.
21
BIANCHINI, Alice e DE ÁVILA, Thiago Pierobom. A revogação do artigo 65 da LCP pela Lei
14.132 criou uma abolitio criminis? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-05/opiniao-
revogacao-artigo-65-lcp-criou-abolitio-criminis. Acessado em 12 de junho de 2022.
31
Por mais que com a recente publicação da Lei n. 14.132, no ano de 2021, houve a
tipificação do crime de Stalking no ordenamento penal, o professor Damásio de Jesus, há
pouco mais de treze anos, já tratava sobre o tema, ao lecionar que:
Não é raro que alguém, por amor ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro
motivo qualquer, passe a perseguir uma pessoa com habitualidade incansável.
Repetidas cartas apaixonadas, e-mails, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária
eletrônica, recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um
inferno a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional. A isso
dá-se o nome de stalking.22
Não obstante, Damásio foi além, ao conceituar, naquela época, o que era Stalking:
Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de
privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos
variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular,
residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores,
presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas
afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola
ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo
local de lazer, em supermercados etc.
O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima,
divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu,
que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela
Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como
se fosse o controlador geral dos seus movimentos. 23
22
JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n.
1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acessado em: 14 junho de 2022.
23
Idem.
24
Idem.
32
Assim, quanto ao cenário anterior à criação deste crime, Cunha assevera que:
[...] a maior parte dos atos de perseguição se inseriam no art. 65 do Decreto-lei
3.688/41, cuja pena de prisão simples variando de quinze dias a dois meses era
considerada insuficiente, um claro exemplo de proteção deficiente. Com a Lei
14.132/21, a contravenção foi revogada e a perseguição passou a ser punida com
reclusão de seis meses a dois anos. 26
25
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.Volume
único, 2022, p. 237.
26
Idem.
33
No que tange aos sujeitos do crime, a doutrina é uníssona ao aferir que o crime é
comum, não se exigindo do sujeito ativo qualquer característica especial, como também não
há restrições a respeito do sujeito passivo. Por outro lado, se a vítima é criança, adolescente,
idoso ou mulher perseguida por razões da condição do sexo feminino, a pena é aumentada de
metade, conforme previsão expressa no § 1º, incisos I e II.
Reforçando ainda mais a ideia, Rômulo de Andrade Moreira escreve que:
[...] é preciso que o ofendido seja “alguém”, isto é, uma pessoa física determinada,
razão pela qual a indeterminação da(s) vítima(s) impede a configuração da infração
penal; nada obstante, não o impede o fato de a perseguição ser feita a um
determinado grupo de pessoas individualmente incertas, mas identificadas
coletivamente, como, por exemplo, contra uma torcida organizada de um time de
futebol.28
Destarte, o tipo penal é estruturado com uma ação nuclear – perseguir –, que pode
atingir a vítima de três formas, quais sejam: a) ameaçando sua integridade física ou
27
Crimes contra mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais, Feminicídio. 3. ed. Salvador:
JusPodivm, 2020, p. 282.
28
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Perseguição, o Novo Crime do Artigo 147-A do Código Penal.
RDP N. 129 – Ago-Set/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA, p. 9.
29
Idem.
30
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.Volume
único, 2022, p. 237-238.
34
31
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.Volume
único, 2022, p. 238
35
Assim, no que tange aos requisitos para definir o crime de stalking, Silvia Chakian32
elenca três, quais sejam:
a) Comportamento doloso e habitual, composto necessariamente por mais de
um ato de perseguição ou assédio à vítima;
b) O motivo do autor para praticar a conduta é um interesse pessoal, como
admiração, crença, interesse relacional ou vingança;
c) A vítima, por conta da repetição, deve se sentir incomodada em sua
privacidade e/ou temerosa por sua segurança.
Dessa feita, o objeto material é a pessoa que sofre a conduta considerada criminosa; o
objeto jurídico, por sua vez, é a liberdade pessoal, em sentido amplo, abrangendo, com isso, a
paz de espírito, a intimidade e a privacidade. O elemento subjetivo, não obstante, é o dolo e
não se pune de forma culposa. Há, também, o elemento subjetivo específico, próprio de
qualquer delito habitual, que é a reiteração da conduta criminosa.
De mais a mais, no tocante à voluntariedade do agente delitual, o crime, conforme
explicitado anteriormente, só pode ser cometido com dolo. Portanto, embora seja corriqueiro
que os atos de perseguição tenham a intenção de alterar o estado de ânimo da vítima, o tipo
penal não pressupõe nenhuma finalidade específica.
Adiante, em relação à consumação e tentativa do crime de stalking, tratando-se de
crime habitual, este se consuma através da reiteração dos atos de perseguição. Quanto à
quantidade de atos cometidos para a configuração desta habitualidade, leciona Guilherme de
Souza Nucci33 que:
Como regra, vários. Parece-nos indispensável ao menos três atos persecutórios,
desde que graves e bem claros no sentido de constituírem uma reiteração bem
delineada no propósito do agente.
Aliás, muitos atos, no cenário da perseguição, podem ser penalmente atípicos,
quando visualizados de modo isolado [...] Um aspecto relevante é o envio de
presentes, quando for realizado de maneira frequente e indesejada, mandados a
vários lugares onde a vítima frequenta [...] pois isso simboliza a quem se sente
perseguido um modo de impor o temor, visto não se saber quando aqueles presentes
se transformarão em uma agressão, gerando ansiedade e intranquilidade.[grifei]
32
BIANCHINI, Alice, BAZZO, Mariana, CHAKIAN, Silvia. Crimes contra Mulheres: Lei Maria da
Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 108.
33
NUCCI, Guilherme de Souza. Perseguição e violência psicológica contra a mulher. Revista dos
Tribunais. Vol. 1034, ano 110, p. 359-380. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2021.
34
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1479.
36
35
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 873
36
LAI, Sauvei. Sucinta análise sobre o novo crime de perseguição do art. 147-A do Código Penal –
stalking. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 81. Jul./set. 2021, p. 243.
37
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1469-1470.
37
38
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.Volume
único, 2022, p. 242.
39
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 876.
40
Idem.
41
LAI, Sauvei. Sucinta análise sobre o novo crime de perseguição do art. 147-A do Código Penal –
stalking. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 81. Jul./set. 2021, p. 245-246.
38
conhece essas condições, visto que, caso contrário, deverá ser aplicado o entendimento do
erro de tipo.
Adiante, em relação ao inciso II, in verbis, têm-se, “contra mulher por razões da
condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código”, ou seja, quando
houver violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher
por conta da sua vulnerabilidade.
Em relação ao inciso III, o dispositivo penal, in verbis, traz “mediante concurso de 2
(duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma”. Para a doutrina, o legislador, nesse
ponto, equivocou-se ao prever uma majorante abstrata, pois o próprio legislador não distingue
a espécie de arma (branca ou de fogo), equiparando-as. Nesse viés, Bittencourt42 entende que:
[...] só pode ser considerado como tais, as armas efetivas, sejam brancas ou de fogo,
não sendo admissível ampliar o seu alcance para abranger, por exemplo, qualquer
outro objeto ou artefato que o agressor porventura tenha utilizado na prática do
crime. [grifei]
Ainda quanto ao inciso III, a doutrina faz algumas críticas nas restrições à previsão
legal do uso ou emprego de armas, de qualquer natureza, na prática do crime de stalking. No
entendimento, a pretensão do agente não é, in concreto, agredir fisicamente a vítima, mas sim
ferir sua liberdade individual e atormentá-la. Se ocorrer a hipótese da agressão em desfavor da
vítima, poderá caracterizar concurso de crimes. Assim, nos dizeres de Bittencourt44, “a
utilização de armas na prática de crimes, em regra geral, tipifica crime material, enquanto o
crime de perseguição, nos termos elencados no art. 147-A, é crime formal”.
Em relação à pena e a ação penal, conforme elencado anteriormente, a pena cominada
ao delito de stalking ou perseguição é de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa,
podendo também, ser cumulativa, além do acréscimo de metade da pena aplicada, na hipótese
42
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1474-1475.
43
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 875.
44
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1477.
39
45
Do original: “to illegally follow and watch someone, usually a woman, over a period of time”.
Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/stalk?q=stalk_2. Acessado em: 26
jun. 2022
46
Blacks’s Law Dictionary. 7. Ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1999, p. 1412.
47
MARAN, Daniela Acquadro. II fenômeno stalking. Turim: UTET Università, 2012, p. 3.
48
AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. PUC-SP. São Paulo, 2014, p. 14.
40
49
MICOLI, Alessia. II Fenomeno dello stalking. Milão: Giuffrè, 2012, p. 8.
50
Pesquisa disponível em: https://infotracer.com/criminal-records/stalking/. Acessado em: 14 jun
2022.
51
MAZZOLA, Marcello Adriano. I nuovi danni. Padova: Dott. Antonio Milani, 2008, p. 1051 a 1053.
41
ser opressivo e quando não consegue o que quer tende a ser agressivo e rude
também. Este tipo é propenso a ser menos resistente ao tempo de perseguição, mas
tende a repetir seus esquemas comportamentais com outras vítimas;
d) Rejeitado: o comportamento deste tipo de stalker aparece como reação a uma
rejeição. Trata-se geralmente de um ex-marido, ex-namorado, ex-companheiro –
alguém que não aceitou o fim de um relacionamento e procura restabelecê-lo ou
mesmo vingar-se do abandono. Frequentemente oscila entre esses dois desejos,
manifestando um comportamento extremamente duradouro, sem que se sinta
intimidado pelas reações negativas manifestadas pela vítima. Paradoxalmente, a
perseguição representa, para esse tipo de stalker, uma forma de relacionamento que
acaba por tranquiliza-lo; e
e) Predador: este tipo ambiciona ter relações sexuais com a vítima. O medo da
vítima, no entanto, acaba por excitá-lo, e ele experimenta uma sensação de poder ao
organizar a perseguição, apreciando o domínio que exerce sobre a liberdade da
vítima. Este grupo inclui ainda as pessoas com distúrbios na esfera sexual, como os
fetichistas e pedófilos.
A vítima, por sua vez, pode ser traduzida, na maior parte dos casos, como mulheres.
Diante disso, o stalking, nos países onde é estudado e pesquisado, é tratado como uma das
formas de violência contra as mulheres. Segundo Alessia Micoli, estudos mostram que as
mulheres formam a grande maioria das vítimas em qualquer país 52, sendo que, de acordo com
Daniela Acquadro Maran, as primeiras pesquisas que adotaram o ponto de vista da vítima,
isto é, da mulher, datam da metade da década de 1990.53
De acordo com o escritor italiano Marcello Mazzola, no tocante às vítimas do stalking:
A vítima predominante é a mulher, embora não se exclua a hipótese de homens
serem perseguidos. Contudo, o homem raramente reporta a perseguição às
autoridades, seja porque se envergonha ou porque é pouco propenso a considerar a
mulher stalker como ameaça real. Também não se excluir a possibilidade de a
vítima ser constituída por um grupo de pessoas – por exemplo, todo um núcleo
familiar.54
52
Texto original: “Nella maggior parte dei casi, la vittima è una donna”. Micolli, Alessia. II
fenómeno dello stalking. Milão: Giuffrè, 2012, p. 11.
53
MARAN, Daniela Acquadro. II fenômeno stalking. Turim: UTET Università, 2012, p. 23.
54
MAZZOLA, Marcello Adriano. I nuovi danni. Padova: Dott. Antonio Milani, 2008, p. 1054.
42
Por fim, no tocante ao dano ou a ameaça do dano, têm-se que, para que a prática do
stalking se dê por configurada, não basta que haja, tanto no polo passivo, quanto no ativo, a
vítima e o stalker, basta, também, que o dano ou a ameaça seja percebido pela vítima, ou
haver uma ameaça real e fundada da ocorrência do dano.
De acordo com Luciana Gerbovic Amiky56:
Os atos do stalker não precisam ser agressivos ou ofensivos para que o stalking se
configure. Aliás, a conduta do stalker pode até ser lisonjeira, como, por exemplo,
por meio do envio de presentes e mensagens amorosas para a vítima. A questão
crucial para que se configure o stalking está na duração da prática desses atos e no
fato de estes, ainda que lisonjeiros e elogiosos, serem indesejados pela vítima,
chegando ao ponto de fazê-la viver sob constante angústia.
Ademais, o stalker deve ter plena ciência de que está incomodando a vítima, levando-
se, em conclusão, sua conduta dolosa. Assim, a partir da manifestação de incomodo da vítima
para que o stalker pare com sua conduta invasiva e isso não acontece, as atitudes repetitivas
destes passam, então, a gerar ansiedade e angústia naquela.
Desse modo, é a partir dessa repetição de atos que geram incômodos na vítima que
leva a se tornar um dano, cujos seus efeitos podem ser tão gravosos e ponto de serem
irreversíveis, visto que uma vítima de stalking pode nunca mais voltar a ter uma vida livre de
preocupações com perseguições.
Sendo assim, detectar o início de uma ameaça real, bem como os eventos danosos, não
é uma simples tarefa, conforme afirma Rogério Donnini: “nem sempre é fácil a prova dos
55
LION, John R.: HERSCHLER, Jeremy A.The stalking of clinicians by their patients apud MELOY,
J. R. The psychology of stalking. San Diego:Elsevier Science, 1998, p.163.
56
AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. PUC-SP. São Paulo, 2014, p. 23.
43
danos provocados pelo stalking, haja vista que, em certas situações, o agressor age no limite
entre o lícito e o ilícito”57. Clássico exemplo é o que Luciana Gerbovic Amiky58 traz:
Imaginemos, por exemplo, uma mulher que recebe em sua casa flores de um ex-
namorado, o que deseja reatar o relacionamento. Ela pode até achar o ato lisonjeiro e
agradecer o galanteio. No dia seguinte, ela recebe mais flores em casa, mas pede que
ele não as envie mais, pois não tem intenção de reatar o namoro. O ex-namorado não
atende seu pedido e no outro dia as flores são entregues em sua casa e no seu local
de trabalho. No outro, na academia de ginástica, na escola de inglês, enfim, em
qualquer lugar frequentado regularmente por ela. O envio de flores é ato lícito, mas
receber flores todos os dias, em vários lugares, de alguém com quem não se quer
mais ter um relacionamento, gera angústia e ansiedade, afinal, aonde mais essa
mulher poderia chegar e encontrar flores? E até quando? É a sensação de estar sendo
vigiada e de não ter a privacidade e a intimidade respeitadas que passa a gerar os
danos na vítima do stalking.
Conclui-se, nesse prisma, que não há um parâmetro de repetição dos atos que possa ser
objetivamente preestabelecido, principalmente no tocante a uma relação pessoal, visto que,
conforme elencado acima, “o agressor age no limite entre o lícito e o ilícito”. Assim, ele
pode agir, primeiramente, de modo lícito, mas, em seguida, de modo ilícito, visando causar
algum tipo de ameaça à vítima.
Dentre os danos ocasionados nas vítimas e percebidos por estas, de acordo com o
Grupo de Investigação sobre Stalking em Portugal (GISP)59, em pesquisa realizada entre os
meses de abril e junho do ano de 2010, têm-se que: saúde psicológica (37%), estilos de vida
(25%), relações de intimidade (23%), relações com os outros (18%), saúde física (17%),
desempenho profissional e/ou acadêmico (16%), economia/finanças (10%).
Em suma, quanto à configuração do stalking, Luciana Gerbovic Amiky60 explicita:
[...] pode haver uma mescla entre comportamentos socialmente aceitos (telefonemas,
envio de presentes, aparição nos lugares frequentados pela vítima etc.) e outros
sabidamente ilícitos e até criminosos (invasão de propriedade, invasão de
privacidade, injúria, calúnia, difamação, agressão física, violação de
correspondência etc.). Mas mesmo as atitudes permitidas e socialmente aceitas
podem configurar o stalking, se reiteradas e praticadas contra a vontade da vítima.
Por exemplo, o blog Vítimas de Stalking divulga a notícia acerca de uma mulher
holandesa que foi detida por ter ligado para um suposto namorado 65.000 vezes
durante um ano, uma média de 168 ligações diárias.
Outrossim, ao afirmar que o crime de stalking é de ação livre em todas as suas formas,
o agente delitual pode se valer de ligações telefônicas, ou até mesmo de mensagens por
57
DONNINI, Rogério. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord.). Comentários ao Código Civil
brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013, v. VIII: Dos atos unilaterais: dos títulos de crédito: da
responsabilidade civil, p. 372.
58
AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. PUC-SP. São Paulo, 2014, p. 24.
59
Pesquisa disponível em: http://stalking-gisp.com/index.php/stalking-em-portugal. Acessado em 26
jun. 2022.
60
AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. PUC-SP. São Paulo, 2014, p. 28.
44
diversos meios (SMS, WhatsApp, Telegram, Skype etc.), ou até mesmo e-mail. Assim, surge
um meio possível de concorrer para esta ação penal, que é o Cyberstalking. Contudo, há quem
defenda que as condutas guardam relação entre si, mas não são necessariamente idênticas,
visto que a primeira diferença entre elas está no seu caráter de não dependência entre si, ou de
independência das condutas entre si.
Nessa toada, conforme afirma Spencer Toth Sydow e Ana Lara Camargo de
Castro61:
É possível que um cyberstalking inicie, depois de algum tempo, stalking de sua
vítima; mas também é totalmente possível que isso nunca ocorra, seja por barreiras
geográficas, seja porque apenas o meio informático mostra-se propenso para certos
tipos de delinquentes.
O inverso também poderá ocorrer: o stalking progrida para o cyberstalking, visto que o
acompanhamento de certos aspectos do cotidiano da vítima pode ser feito de forma online.
Todavia, pode ser que talvez o stalker seja avesso à tecnologia e nunca dela faça uso em
desfavor de sua vítima, como, por exemplo, uma pessoa obcecada por outra a persegue
discretamente e aprende sua rotina dia após dia, compromisso após compromisso, é possível
que, em determinado momento, essa pessoa passe a acompanhar as práticas online de sua
vítima e suas preferências de navegação, o que, segundo Spencer Toth Sydow e Ana Lara
Camargo de Castro, já demonstra haver considerável diferença no curso de sua conduta.
Entre as dessemelhanças das duas práticas, consideram-se os bens jurídicos violados, a
própria questão da proximidade física ou geográfica entre a vítima o infrator, a possibilidade
de terceirização das ofensas, o grau de prejuízo gerado e os motivos, ou até mesmo a
existência de relacionamento entre os usuários.
Segundo apontam Spencer Toth Sydow e Ana Lara Camargo de Castro62:
A vítima de stalking sente-se constrangida ou ameaçada pela presença física do
agressor. Ela receia sair de casa porque pode se deparar com o individuo à porta,
teme ver suas correspondências porque dentre elas pode haver mensagens (de
qualquer natureza) do stalker. Pode ser que receba encomendas, presentes,
mensagens de voz, fotografias e diversos outros objetos materiais que mostram que
a pessoa conhece suas preferencias e sabe onde mora, trabalha, estuda, frequenta.
Em suma, a vítima de stalking teme a progressão do curso de conduta para o contato
físico lesivo por parte do seu algoz que perde a liberdade de ir e vir, por se sentir
observada, violada na sua intimidade e privacidade.
No cyberstalking, isso ocorre de modo diverso. Via de regra, a vítima não teme sua
integridade física ou encontro pessoal com seu agressor, mas, sim, apavora-se de checar e-
61
DE CASTRO, Ana Lara Camargo; SYDOW, Spencer Toth. Stalking e cyberstalking: obsessão,
internet, amedontramento [Coleção Cybercrimes] – Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017, p. 121.
62
Idem.
45
mails, conferir as redes sociais, usar indexadores para pesquisas do seu próprio nome e assim
por diante. A vítima teme postar vídeo, foto, opinião, avaliar aplicativo, fazer check-in, fazer
live, enviar mensagem instantânea. Ela teme os contatos virtuais feitos pelo agressor e, em
especial, os danos a sua imagem, fama e honra virtuais, bem como a violação ao segmento
informático da sua vida privada como, por exemplo, a acesso à webcam e sítios que frequenta.
Assim, no cyberstalking não há necessariamente contato físico entre a vítima e o
agente. Em muita das vezes, o cyberstalker sequer conhece a vítima pessoalmente. Passa,
então, a conhecer a vítima em aplicativos de relacionamentos e, a partir disso, acompanhar
suas trocas informáticas. Por outro lado, os cyberstalkers podem virar stalkers e vice-versa.
Quanto à classificação do cyberstalking e suas espécies, considera-se que é um delito
de forma vinculada, posto que o meio para seu cometimento deve necessariamente ser
informático. Há, ainda, esferas distintas dentro da virtualidade em que o cyberstalking pode
ocorrer, quais sejam: a) assédio por comunicação direta: é aquela conduta mais comum,
normalmente realizada através de mensagens de texto, mensagens por comunicadores
instantâneos, mensagens via caixa postal de redes sociais com perfis não privados, ou até
mesmo enviadas através de perfis fake, e assim por diante. As mensagens podem ser
direcionadas à própria vítima ou a familiares, colegas de trabalho e amigos, podendo haver ou
não a identificação do assediador. Normalmente, o contato por essa modalidade se inicia de
modo brando e amigável, e escala para ameaças de lesão, morte ou difamação na rede;
b) assédio por uso da internet: pode também ser estendida à Deep Web63. Assim,
diferente da anterior, este assédio tem como objetivo o uso de meio ambiente público para
importunar sua vítima. Para tanto, o assediador pode se utilizar de fóruns, páginas de redes
sociais, perfis de pessoas, revistas ou jornais eletrônicos, para fazer postagens amedrontadoras
em desfavor da vítima. Pode, também, publicar informações sensíveis da vítima que possam
gerar desconforto ou obrigações não desejadas. Ademais, este assédio permite que o
assediador utiliza-se de discurso de ódio fingindo ser a vítima para gerar haters (usurpação de
identidade), likes e assim por diante. O uso do método público serve para aumentar a
63
DeepWeb, a face oculta (mas, não ilegal) da rede, desenhada para proteger os usuários da análise de
tráfego, não acessada por browsers convencionais como Internet Explorer, Sarafi ou Google Chrome
e, sim, por browsers como TOR (The Onion Router), Freenet, 12P, cujo conteúdo é criptografado e
escondido da indexação tradicional dos mecanismos de busca e, portanto, espaço virtual onde acabam
por aflorar o armazenamento de material de violência máxima (estupro, decapitação, apedrejamento,
mutilação, dentre outros) e os comércios ilícitos, como, por exemplo, foi o caso do sítio criado para
comercialização de entorpecentes, famosa Silk Road.
46
Por fim, há, também, o cyberstalking empresarial, ou seja, momento em que a empresa
pode perseguir insidiosamente o consumidor, o próprio empregado e os dirigentes, ou
funcionários de empresas concorrentes. Assim, o ardil se manifesta na forma de ataques
frequentes a profissionais ou lideranças da concorrência, com o objetivo de gerar ganhos
financeiros e vantagens competitivas, a partir da publicação de notícias difamatórias ou
alarmantes, ou até mesmo de stalking e cyberstalking por contato direto. De outro modo, há o
consumidor ou empregado que, lesado pela empresa, decide optar pela jornada obsessiva
contra dirigentes ou funcionários, por meio de divulgação de informações inverídica sobre
aquela pessoa jurídica ou física.
64
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.Volume
único, 2022, p. 240.
47
65
Apelação cível n. 2008.001.06440, Comarca do Rio de Janeiro capital, TJRJ. Vigésima Câmara
Cível, Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, 04.06.2008.
48
Sob o mesmo prisma, mas em caso diverso, o Tribunal paulista manteve o mesmo
entendimento em relação à prática do cyberstalking. No caso em tela67, o cyberstalker
praticou ameaças à integridade física da vítima e de seu filho, utilizando-se do meio virtual.
Assim, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo foi de que “a conduta viola o
direito à intimidade e à liberdade”. Sendo assim, no caso dos autos, verificou-se que o
apelante, além de perseguição direta, utilizou de uma fotografia da autora, disponibilizada em
66
Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 1001127-95.2018.8.26.0366; Relator (a): Penna
Machado; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mongaguá - 1ª Vara; Data do
Julgamento: 30/04/2020; Data de Registro: 30/04/2020.
67
TJSP; Apelação Cível 1002596-16.2018.8.26.0484; Relator (a): Ronnie Herbert Barros Soares;
Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Promissão - 2ª Vara Judicial; Data do
Julgamento: 27/03/2020; Data de Registro: 27/03/2020
49
redes sociais, para montar um perfil falso e oferecer supostos serviços de prostituição, além de
indicar seu contato, “violando também a honra”. Ademais, a motivação do agente estava
ligada à intenção de perseguir qualquer pessoa que mantivesse relação de amizade com a
vítima.
A jurisprudência do Egrégio Tribunal constou que:
PERSEGUIÇÃO VIRTUAL - CYBERSTALKING - CONDUTA ILÍCITA
CONFIGURADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE
IMAGEM PARA MONTAGEM DE PERFIL FALSO - DANO MORAL
CONFIGURADO - RECURSO NÃO PROVIDO - A conduta do requerido
configura o que na atualidade se denomina de stalking. Considera-se stalker aquele
que, utilizando-se dos meios virtuais, promove perseguição à sua vítima,
importunando-a de fora insistente e obsessiva, atacando-a e agredindo-a. A atuação
do stalker consiste em invadir a esfera de privacidade de sua vítima, pelas mais
variadas maneiras, promovendo a intranquilidade, fomentando o medo, difundindo
infâmias e mentiras de modo a afetar a autoestima e a honra do perseguido. (TJSP;
Apelação Cível 1002596-16.2018.8.26.0484; Relator (a): Ronnie Herbert Barros
Soares; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Promissão - 2ª
Vara Judicial; Data do Julgamento: 27/03/2020; Data de Registro: 27/03/2020)
68
STJ, Habeas Corpus: HC 359050 SC 2016/0152584-4, T6 – Sexta Turma, julgado em 30 de março
de 2017.
50
Este capítulo tem como objetivo compreender os limites da proibição entre os crimes
de stalking e de ameaça, a partir do significado do elemento normativo “reiteradamente”,
mediante pesquisa bibliográfica. Neste sentido, as diferenças e semelhanças entre os dois
crimes poderão revelar a fronteira entre o crime de ameaça e o crime de stalking. Para isso,
pretende-se identificar julgados penais que discutam a relação entre o stalking e a ameaça.
69
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 876.
70
CARVALHO, Gisele Mendes de; Hamilton Belloto. A criminalização do “stalking” e do assédio
moral no Brasil: uma lacuna (quase) colmatada. Revista Brasileira de Ciencias Criminais, vol 183, ano
29, p. 125-70. São Paulo: Ed. RT, setembro 2021, p. 139.
71
Idem.
51
[...] a proteção da dignidade humana, por si só, já implica a tutela de todos os demais
direitos e liberdades fundamentais do indivíduo, visto que é impossível pensar que a
lesão de bens jurídicos tão relevantes como a vida e a integridade física e moral não
implicasse também, ainda que indiretamente, um atentado à sua dignidade pessoal.
Daí porque se diz, com razão, que a proteção da dignidade humana absorve a tutela
de todos os direitos fundamentais e, dada sua condição de um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, sua consagração implica sem dúvida a proteção da
integridade física e moral (art. 5º, III, da CF) não só dos assediados, como de todos
os indivíduos.
Guilherme Nucci, por sua vez e de maneira sucinta, leciona que o objeto jurídico é a
liberdade pessoal, em sentido amplo, abrangendo a paz de espírito, a intimidade e a
privacidade. “Como explicam Lembro e Cianciola, envolve a liberdade moral e a liberdade
de autodeterminação da pessoa ofendida.” 74.
72
VILLEGAS FERNÁNDEZ, J.M.; LAFONT NICUESA, L. Op. Cit., p. 139.
73
CARVALHO, Gisele Mendes de; Hamilton Belloto. A criminalização do “stalking” e do assédio
moral no Brasil: uma lacuna (quase) colmatada. Revista Brasileira de Ciencias Criminais, vol 183, ano
29, p. 125-70. São Paulo: Ed. RT, setembro 2021, p. 143.
74
NUCCI, Guilherme de Souza. Perseguição e violência psicológica contra a mulher. Revista dos
Tribunais, vol. 1034, ano 110, p. 359-380. São Paulo: Ed, RT, dezembro 2021, p. 368.
52
De acordo com este entendimento, Callegari75 explica que não basta que a vítima
tenha um sentimento de temor, mas a conduta do agente perseguidor deve limitar a liberdade
de atuar e exige que não se tratem de atos isolados, sendo necessária, então, uma estratégia de
perseguição. Destarte, a conduta só terá relevância penal quando limitar a liberdade de
atuação do sujeito passivo, não sendo punível o mero sentimento de temor ou moléstia.
Destaca-se, ainda, que a decisão espanhola traça o principal e importante bem jurídico
tutelado pelo crime de stalking: a liberdade. Outrossim, “[...] também podem ser afetados
outros bens jurídicos, como a honra, a integridade moral ou a intimidade, em função dos atos
em que se concretize a perseguição”.
Nesse mesmo sentido, mas em relação ao crime de ameaça, o bem jurídico tutelado
pela lei penal não é diverso do stalking, sendo a liberdade da pessoa humana, notadamente no
que tange à paz de espírito, ao sossego, à tranquilidade e ao sentimento de segurança, visto
que é a manifestação idônea da intenção de causar a alguém qualquer mal injusto e grave 76.
Com isso, o artigo 146, que tipifica o crime de ameaça no ordenamento penal, também possui
previsão na Seção I do Capítulo VI do Título I do Código Penal, que prevê os crimes contra a
liberdade pessoal, assim como o artigo 147-A, crime de stalking. Há, porém, divergências
doutrinárias quanto ao bem juridicamente protegido, haja vista que, em relação à liberdade
pessoal, a doutrina, ainda que não pacífica quanto ao significado desta liberdade, entende
como a liberdade de natureza psíquica.
Sobre essa divergência doutrinária, Fragoso77 ensina que:
O objeto da tutela penal é neste crime a liberdade individual, sob o aspecto da libre
autodeterminação da vontade segundo os próprios motivos. A matéria não é
pacífica. Alguns atores veem na ameaça ofensa ao sentimento de segurança na
ordem jurídica.
75
CALLEGARI, André. André Callegari: Primeiras linhas sobre o delito de stalking. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2021-abr-01/andre-callegari-primeiras-linhas-delito-stalking. Acessado
em: 3 jul. 2022.
76
MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 5. Ed. 2017, p. 676.
77
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial (arts. 121 a 160, CP), p. 220-
221.
53
Portanto, o crime de ameaça, assim como de stalking, tem a liberdade como bem
juridicamente protegido, sendo que, quanto à ameaça, seja ela psíquica ou física e, de forma
mediata, reflexa, a tranquilidade pública, trazida por Greco e mencionada por Carrara, ou o
sentimento de segurança na ordem jurídica, lecionada por Fragoso.
78
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 845.
79
CARRARA, Francesco. Programa de derecho criminal, v. 4, p. 352.
80
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código
penal. 19. Ed. 2022, p. 845-846.
54
81
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1433.
55
Ademais, não é injusta a ameaça de causar um “mal” autorizado pela ordem jurídica,
como, por exemplo, acionar judicialmente o infrator, hipotecar bens do devedor etc. Nas
palavras de Cézar Roberto Bitencourt82:
A ameaça de causar mal justo constitui exercício regular de direito (desforço
imediato na defesa da posse (art. 502), intervenção cirúrgica, protesto de títulos etc.)
ou estrito cumprimento de dever legal (executar a sentença de morte, policial que
prende o condenado, carcereiro que recolhe criminoso à prisão etc.), conforme o
caso. Mas, no crime de ameaça, exercício regular direito ou estrito cumprimento de
dever legal, não excluem a antijuridicidade, como estabelece o art. 23 em seu inciso
III, mas a tipicidade, pois a injustiça do “mal ameaçado” constitui elemento
normativo da conduta descrita. Assim, aquela análise sequencial do injusto típico
não chega até a antijuridicidade, encerrando-se no juízo de tipicidade.
O estado de ira, de raiva ou de cólera, por sua vez, não exclui a intenção de intimidar,
visto que a ira é considerada a força propulsora da vontade de intimidar. Assim, é incorreta a
afirmação de que o agente irado não tem a possibilidade de atemorizar, pois exatamente por
isso apresenta maior potencialidade de intimidação, haja vista o desequilíbrio que o estado
colérico, naquele momento, pode produzir nas pessoas.
Por fim, a afirmação de que a ameaça proferida no estado de embriaguez, deve ser
entendida com certas reservas, visto que não se podem ignorar os vários estágios que o estado
de embriaguez pode apresentar, além dos seus variados efeitos produzidos nos indivíduos.
Dessa feita, deve-se considerar o nível de capacidade de culpabilidade do agente delitual,
aliado quanto à idoneidade da ameaça e a influência desta na sensação de medo ocasionada na
vítima. Assim, se for suficientemente idônea para amedrontar a vítima, ainda que esta não se
sinta concretamente amedrontada, a ameaça estará tipificada.
Por sua vez, o crime de stalking previsto no artigo 147-A do Código Penal, consiste
em perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física
ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo
ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
O elemento normativo “perseguir”, por si só, não tem apenas a conotação de ir
freneticamente no encalço da alguém. Há, nesse viés, um sentido de importunar, transtornar,
82
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1435-1437.
56
Sendo assim, a reiteração se configura através da repetição, isto é, fazer mais de uma
vez. Assim, conforme explicitado no entendimento doutrinário sobre o stalking, este trata-se
de um crime habitual, cuja punição somente tem sentido se o agente delitual demonstrar um
comportamento reiterado e obsessivo. Apenas uma única conduta persecutória inviabiliza a
consumação do delito, podendo tipificar-se outro, como, por exemplo, a própria ameaça.
Quanto a esta reiteração, surge um questionamento: quantos atos seriam suficientes
para tornar-se uma conduta típica? Há se falar, nesse contexto, que a legislação do Reino
Unido, por exemplo, demanda apenas duas condutas após manifestação de descontentamento
da vítima. O Tribunal de Roma, em 2010, também sustentou a viabilidade de apenas duas
condutas para configurar o delito. No entendimento de doutrinadores brasileiros, é
incontestável e indispensável ao menos três atos persecutórios, desde que graves e bem claros
no sentido de constituírem uma reiteração delineada no propósito do agente, desenhando,
assim, uma insistência e não uma simples repetição, como é o entendimento jurídico britânico
e italiano. Isso pois, esses três atos persecutórios devem ter conexão de proximidade ou
frequência que permita sua leitura como um ato continuado de perseguição.
Em relação ao texto legal, de que “qualquer meio” possa ser empregado para
“perseguir reiteradamente” alguém, ameaçando a integridade física ou psicológica da vítima,
restringindo-lhe a capacidade de locomoção e, ainda, “de qualquer forma”, invadir ou
perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade, Bitencourt84 aponta que:
Trata-se, indiscutivelmente, de uma tipificação aberta, demasiadamente abrangente
de tipificar referido tipo penal, ignorando o princípio dogmático que exige a
tipicidade estrita, que seria mais consentânea com um direito penal da culpabilidade,
próprio de um Estado democrático de direito. Tipificação aberta como essa
83
NUCCI, Guilherme de Souza. Perseguição e violência psicológica contra a mulher. Revista dos
Tribunais, vol. 1034, ano 110, p. 359-380. São Paulo: Ed, RT, dezembro 2021, p. 362.
84
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1456-1457.
57
possibilita uma interpretação mais ampla da abrangência dessa figura típica, isto é,
do alcance da proibição de comportamentos que podem atingir os bens jurídicos
protegidos por essa forma de criminalização.
Nesse âmbito, pode-se afirmar que os crimes de stalking e de ameaça possuem grandes
semelhanças, visto que, nos dois delitos, há um claro objetivo quanto à pretensão do sujeito
ativo, qual seja, o de intimidar, amedrontar, afrontar ou, até mesmo, criar uma situação
constrangedora para a vítima. Por outro lado, distinguem-se no que tange as suas finalidades e
objetivos de cada tipo penal.
A perseguição, no sentindo do tipo penal, quer dizer importunar, amedrontar, colocar
medo e insegurança na vítima, causando constrangimento nesta. É a perseguição insistente,
reiterada, na qual o sujeito ativo realiza, por diversas vezes, ações comportamentais
85
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Ed. 8. 2022, p. 350.
58
ameaçadoras sob o aspecto físico, psíquico ou psicológico contra alguém, permeando por
condutas invasivas, agressivas e perturbadoras da esfera de liberdade e privacidade da vítima.
Ainda assim, o crime de stalking, além de ameaçar a integridade física ou psicológica
da vítima; restringir sua capacidade de locomoção e perturbar a esfera de liberdade e
privacidade, é punido de maneira mais severa que o crime de ameaça. Além disso, a infração
penal do stalking pode, em alguns casos, absorver o crime de ameaça, sendo uma espécie,
como pontua Bitencourt, de “progressão criminosa”86. Isso porque, o crime de
stalking/perseguição, através da prática reiterada, absorve ou contém em si o delito de
ameaça, o qual, nesta progressão criminosa, passa a ser tido como um crime subsidiário,
integrando-se como, meio, modo ou forma da prática do stalking.
Em outro viés, há quem teça críticas quanto à adequação normativo-típica prevista no
artigo 147-A. Críticas estas relacionadas à prolixidade textual e a impropriedade
metodológica adotada pelo legislador na tipificação desta infração penal no ordenamento
jurídico-penal. Neste sentir, leciona Cézar Roberto Bitencourt87:
A metodologia adotada pelo legislador nesta tipificação do crime de "perseguir"
alguém é sui generis, além de prolixa, na medida em que foge do estilo impessoal do
legislador do Código Penal em vigor, v. g., matar alguém, subtrair coisa alheia,
caluniar, injuriar etc. A forma extravagante de tipificar o crime de perseguir alguém
reiteradamente "não se adequa a limpidez, clareza, correção vernacular, linguística e
gramatical adotadas pelo legislador do Código de 1940, ainda em vigor. Embora a
conduta tipificada seja "perseguir alguém", o uso exagerado de verbos no "gerúndio"
dificulta demasiadamente a identificação e definição desta tipificação penal, v. g.,
"ameaçando", "restringindo", "invadindo" e "perturbando" alguém. Logicamente,
todos esses verbos no gerúndio procuram indicar a forma ou modo como referida
conduta pode realizar-se, até porque o "meio" de sua execução é aberta, ou seja,
segundo o próprio texto legal, pode ser realizada "por qualquer meio" e "de qualquer
forma".
86
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1462.
87
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1454-1456.
59
Bitencourt, é tipificada somente com um único verbo nuclear, isto é, “perseguir” alguém,
reiteradamente88.
Por se tratar, de certo modo, de alteração legislativa recente, há certa escassez nos
bancos de dados jurisprudenciais pátrios jurisprudência consolidada com sentença penal
transitada em julgado, no que tange às diferenças e semelhanças entre os dois delitos. No
entanto, verifica-se destes dados que o Tribunal de Justiça catarinense89, em sede de habeas
corpus, vem englobando a execução-meio da ameaça no interior do tipo penal do stalking.
Senão, vejamos:
HABEAS CORPUS. CRIMES DE PERSEGUIÇÃO MEDIANTE AMEAÇA
(ART. 147-A, § 1º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL) E DESCUMPRIMENTO
DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (ART. 24-A DA LEI N.
11.340/2006). PRISÃO PREVENTIVA. INSURGÊNCIA. PRESSUPOSTOS
HÍGIDOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE QUE ENVIOU 60
(SESSENTA) ÁUDIOS PARA SUA EX-COMPANHEIRA, COM AMEAÇAS
DE CUNHO EXTREMAMENTE AMEDRONTADOR, INCLUSIVE
RELATANDO QUE SE FOSSE PRESO IRIA "ESFOLÁ-LA" QUANDO
SAÍSSE DA PRISÃO. AQUISIÇÃO DE DEZENAS DE CHIPS DE
CELULARES PARA ENVIAR MENSAGENS AMEAÇADORAS À VÍTIMA.
EVIDENTE PERICULOSIDADE SOCIAL. MEDIDAS CAUTELARES
INSUFICIENTES. PREDICADOS PESSOAIS FAVORÁVEIS QUE NÃO
IMPEDEM A PRISÃO PREVENTIVA. REQUERIMENTO DE REVOGAÇÃO
DO DECRETO CONSTRITIVO EM VIRTUDE DO PACIENTE
SER PORTADOR DE DOENÇA DE BUERGER. RECOMENDAÇÃO N. 62/2020
DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INVIABILIDADE.
RECOMENDAÇÃO QUE SE FAZ NECESSÁRIA EM CASOS ESPECIAIS,
MEDIANTE A COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO ATUAL DE SAÚDE DO
DETENTO E DA IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DE
TRATAMENTO ADEQUADO PELA UNIDADE PRISIONAL. ELEMENTOS
AUSENTES NA HIPÓTESE. PACIENTE QUE INCLUSIVE ESTÁ SENDO
ATENDIDO EM HOSPITAL DA COMARCA, COM O MESMO MÉDICO DE
ANTES DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO VERIFICADO. ORDEM DENEGADA.
88
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a pessoa –
arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1454-1456.
89
TJSC, Quinta Câmara Criminal. Habeas Corpus Criminal n. 5053866-57.2021.8.24.0000, do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 21-10-2021
90
TJRS, Segunda Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 50015220620218210058, Relator: Luiz
Mello Guimarães, j. em: 23-2-2022.
60
91
TJRS, Segunda Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 50006876320198210098, Relator: Gisele
Anne Vieira de Azambuja, Julgado em: 13-12-2021
92
TJRJ, Quarta Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 0026102-32.2020.8.19.0203 Des(a). Gizelda
Leitão Teixeira. j. 22-2-2022.
61
5. CONCLUSÃO
À vista disso, detectou-se que o Brasil, segundo pesquisa da OMS, do ano de 2017, é o quinto
país com maior taxa de feminicídios no mundo e, de acordo com dados da CDH, em época
pandêmica, os casos de violência contra a mulher aumentaram de forma exponencial, sendo
que estas são as principais vítimas do stalking.
Ainda quanto ao segundo capítulo, verificou-se que o Projeto de Lei n. 1.369, de 2019,
teve em sua justificativa “uma necessária evolução no Direito Penal brasileiro, frente à
alteração das relações promovidas pelo aumento de casos, que antes poderiam ser
enquadrados como constrangimento ilegal (art. 146, do CP), mas que ganham contornos
mais sérios com o advento das redes sociais e com os desdobramentos das ações de
assédios/perseguições”.
De mais a mais, a criminalização do stalking, segundo o projeto, tem como mérito de
funcionar como um instrumento para que a perseguição não evolua para delitos mais graves.
Assim, com a publicação da Lei n. 14.132/2021, o stalking finalmente foi tipificado no
ordenamento jurídico brasileiro, revogando-se o art. 65 da LCP.
Não longe disto, o stalking, pode ser de ação livre, assim como das variadas formas
conforme previstas em lei. Surge, então, um meio para a concretização desta infração: o
Cyberstalking, não havendo, portanto, contato entre a vítima e o agente. Assim, por não haver
essa aproximação física, uma das diferenças entre o stalking e o cyberstalking é o bem
jurídico violado, haja vista a própria questão da proximidade física ou geográfica.
Por fim, no terceiro e último capítulo, buscou-se compreender os limites da proibição
entre os crimes de stalking e de ameaça a partir do elemento normativo “reiteradamente”,
mediante pesquisa bibliográfica.
Neste sentido, as diferenças e semelhanças entre os dois crimes, a exemplo do objetivo
do sujeito ativo em ambos os crimes, revelaram a fronteira entre o crime de ameaça e o crime
de stalking, através de julgados penais que assim identificaram e discutiram a relação entre
estas infrações. Assim, constatou-se que o bem jurídico tutelado por estas infrações penais se
assemelham e remetem à liberdade da pessoa humana, no que tange à tranquilidade, a
intimidade e a privacidade.
Por outro lado, a perseguição reiterada contra alguém não se confunde com a ameaça,
haja vista que a conduta descrita no tipo penal do art. 147 (ameaça), é considerada instantânea
e abstrata, consumindo-se com uma única ação: a de “ameaçar alguém”, causando nesta
pessoa mal injusto e grave, sem outro complemento. Dessa feita, o objetivo do sujeito ativo
esgota-se na própria ação de intimidar e perturbar a paz da vítima. O stalking, todavia, através
64
do elemento “reiteradamente” exige, ao menos, que esta perseguição seja reiterada, havendo
persistência do sujeito ativo.
Ademais, conforme vislumbrado no subcapítulo 4.1.2, observou-se que o stalking por
ser mais abrangente absorve a ameaça, através da reiteração de condutas do agente delitual.
Em outras palavras, a conduta reiterada e repetida de ameaça contra a mesma vítima pode ser
considerada no crime previsto no art. 147-A, e não no art. 147, visto que houve a consumação
de um delito por outro. Assim, o significado do elemento normativo “reiteradamente” trazido
com a tipificação do stalking no Código Penal, delimita a esfera de proibição em relação ao
crime de ameaça.
65
REFERÊNCIAS
AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. São Paulo, 2014. Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, PUC-SP, Tese Mestrado, p. 14.
ASÚA, Luis Jimenéz de. Tratado de derecho penal. – 4.ed. - Buenos Aires, E. Losada, 1976,
v. 2, p. 558.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo. Ed. 34.
2011, p. 23.
Blacks’s Law Dictionary. 7. Ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1999, p. 1412.
BAZZO; Mariana Seifert; CHAKIAN, Silvia. Crimes contra mulheres. 3. ed. Salvador:
JusPodivm, 2021, p. 109.
BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral, v. 1. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 857
BIANCHINI, Alice, BAZZO, Mariana, CHAKIAN, Silvia. Crimes contra Mulheres: Lei
Maria da Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 108.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial: crimes contra a
pessoa – arts. 121 a 154-B. 22. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (v. 2), p. 1479.
CALLEGARI, André. Primeiras linhas sobre o delito de stalking. Consultor Jurídico, São
Paulo. 1º de abril. de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-
01/andrecallegari-primeiras-linhas-
delitostalking#:~:text=%22Artigo%20147%2DA%20%E2%80%94%20Perseguir,esfera%20d
e%20 liberdade%20ou%20privacidade%22. Acesso em: 25 abr. 2022.
66
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1 o ao 120). - 4. ed.
rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 144.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Salvador. Editora
Juspodivm.Volume único, 2022, p. 237.
CHAKIAN, Silvia; BAZZO, Mariana Seifert e BIANCHINI, Alice. Crimes contra mulheres:
Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais, Feminicídio. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 282.
DONNINI, Rogério. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord.). Comentários ao Código
Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013, v. VIII: Dos atos unilaterais: dos títulos de
crédito: da responsabilidade civil, p. 372.
ESTEFAM, André. Direito Penal – Parte geral,. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1. p. 154.
FLORES, Carlos Pereira Thompson. Stalking e Tutela Penal: Soluções de Lege Lata e De
Lege Ferenda no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Ciências 9
Criminais) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, p. 109. 2016.
67
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial (arts. 121 a 160, CP),
Rio de Janeiro, p. 220-221.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do
Código Penal. 19. Ed. 2022, p. 873.
GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice e DAHER, Flávio. Curso de direito penal 1: parte
geral (artigos 1º a 120). 2. ed. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 150.
LION, John R.: HERSCHLER, Jeremy A.The stalking of clinicians by their patients apud ME
MAZZOLA, Marcello Adriano. I nuovi danni. Padova: Dott. Antonio Milani, 2008, p. 1051 a
1053.
NICHOLLS, Tonia L. et al. Risk assessment in intimate partner violence: a systematic review
of contemporary approaches. Partner Abuse, v. 4, n° 1, p. 1-86, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal – 16. ed. – Rio de Janeiro: Forensse,
2020. p. 211.
NUCCI, Guilherme de Souza. Perseguição e violência psicológica contra a mulher. São Paulo
Revista dos Tribunais. Vol. 1034, ano 110, p. 359-380. Ed. RT, dezembro 2021.
PACHECO, Vitor Pereira. O crime de perseguição: Breves críticas sobre o stalking no Direito
brasileiro. 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/342950/o-crime-de-
perseguicao. Acesso em: 18 abr. 2022.
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal: 1 parte geral. – 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 133
68
STJ, AgRg no AREsp 672.170/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5a T.,
DJe10/02/2016
STJ, AgRg no REsp 1.472.834/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, 6a T., DJe 18/05/2015
TJRJ. Apelação cível n. 2008.001.06440, Comarca do Rio de Janeiro capital, TJRJ. Vigésima
Câmara Cível, Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, 04.06.2008.
ZACARIAS, Rachel. A sociedade de risco de Ulrich Beck e sua aplicabilidade na era pós-
moderna. V. 12. N. 2 julho – Dez 2020.