Orientação de Pais Seminario
Orientação de Pais Seminario
Orientação de Pais Seminario
script=sci_arttext&pid=S1806-24902008000200009
Isto é, por meio da intervenção com os pais, estes podem desenvolver a função de conter as
angústias dos filhos, inicialmente desempenhada pelo terapeuta. Entretanto, para que isto
ocorra, os pais já devem ter constituído uma condição mental que possibilite tal processo e,
em caso negativo, a psicoterapia para estes pode colaborar para o desenvolvimento da
capacidade de contenção e compreensão. Há situações em que a orientação de pais mostra-se
suficiente para um bom caminhar da psicoterapia da criança. Todavia, dadas suas naturais
limitações, há situações em que outras estratégias devem ser indicadas. O profissional
responsável pelo atendimento da criança deve ser capaz de perceber estas demandas e
realizar os encaminhamentos necessários.
CASO CLINICO
caso clínico em que filha e mãe eram atendidas, respectivamente, em psicoterapia infantil e
orientação de pais no ambulatório de psicoterapia de crianças de um hospital
universitário. Por meio do atendimento da filha, ficou clara a relação entre os sintomas dela e
a dinâmica familiar, com posterior encaminhamento da mãe, para a orientação de pais. Os
conteúdos apresentados pela mãe referiam-se as suas questões individuais, próprias da
psicoterapia individual.
Trata-se de recortes do atendimento de Renata, uma menina de 8 anos de idade, a segunda
filha de Cristina e Mauro. Marina, a irmã mais velha, tem 15 anos e Felipe, o caçula, 10 meses.
Quando começou, nesse ambulatório, a psicoterapia atual, Renata tinha 7 anos, com Cristina
grávida de Felipe. Antes efetuara, no mesmo serviço, outras duas psicoterapias, cada uma com
a duração de dois anos. Cristina havia feito psicoterapia no ambulatório de adultos,
interrompida em função das regras deste último serviço. Marina também fora atendida em
psicoterapia de adolescentes, mas desistiu. Percebe-se que, por iniciativa materna, quase toda
família nuclear inseria-se nos diversos atendimentos disponibilizados pela instituição.
A queixa atual de Renata era de ser uma criança terrível. A mãe atribuía essa rebeldia ao
problema de absorção de frutose que a filha possuía. Renata sempre foi boa de boca e
gulosa; comia escondido até o que não podia e passava mal (sic), questão presente no início da
psicoterapia.
Em uma sessão, pediu para desenhar uma casa e, apesar do uso da régua, argumentou que
estava feia e torta, que não desenhava direito. Pediu ajuda para a terapeuta e desenharam,
juntas, uma casa, enfeitava com árvore e flores e com um prédio vizinho. Renata pediu que a
terapeuta desenhasse um castelo e encantou-se com o desenho, colorindo-o para ressaltar o
lugar onde podia fantasiar e elaborar angústias.
Mauro era, segundo a mãe, um pai ausente. Era pedreiro e, no começo da psicoterapia, viajava
muito. Cristina relatou brigas com o marido e, muitas vezes, os filhos presenciavam estas
discussões. Renata dormia na cama da mãe, quando o pai viajava. Faltavam regras e limites
tanto para Renata, como para a família. Ao longo do atendimento, descobriu-se que não
existiam portas na casa dessa família, que denota uma confusão, que se apresenta no plano
concreto da casa, de limites, entre interno e externo, público e privado.
No decorrer do atendimento, Renata demonstrou curiosidade com relação à família da
terapeuta. Queria saber onde morava, quantos anos ela tinha, se possuía irmão, filhos e
namorado e no desenho da família ideal, desenhou a terapeuta, o namorado desta e ela
própria.
Brincava constantemente de escolinha e, geralmente a terapeuta era a professora, que tinha
que passar lições difíceis para a criança. Renata repetia e escrevia muitas vezes o alfabeto e
os numerais. Percebeu-se que Renata sabia identificar as letras, mas não conseguia juntá-las
para formar sílabas e palavras. Ficava bastante angustiada e desistia de tentar ler as palavras
das lições. Parecia que seu mundo interno estava desintegrado.
Posteriormente, a terapeuta decidiu desenhar o nome de Renata com letras com carinhas,
mãozinhas e perninhas, brincando com seu nome. Após observar por alguns instantes,
Renata disse: É meu nome! Ficou lindo! e agradeceu-a. Parecia que, dessa forma, a
terapeuta conseguiu ajudá-la a juntar partes suas que estavam separadas, atribuindo-lhe
sentidos. Nas brincadeiras de matemática, demonstrava muita dificuldade em somar os
números, tentava resolver as continhas e desistia.
Relatou situações de intensa violência conjugal, com troca de agressões físicas entre o casal,
presenciadas pelos filhos, que tentavam separá-los. Após o episódio em que o marido, pela
primeira vez, iniciou a troca de agressões físicas, Cristina decidiu se separar.
Por meio do atendimento de mãe e filha, no mesmo serviço, com eventuais discussões em
conjunto, pode-se constatar a importância de um olhar para a família como um todo. A
orientação de pais, focada apenas na criança, mostrava-se insuficiente para esta mãe, que
trazia suas questões pessoais para o setting, nem sempre pertinentes à relação mãe e filha.
Acreditava-se, contudo, na necessidade de acolhimento destes conteúdos e caminhava-se no
limiar entre orientação de pais e psicoterapia da mãe.
Tal como apontado por Motta (2008), para que os pais possam beneficiar-se da orientação de
pais, devem ter alcançado um determinado grau de desenvolvimento emocional e ter uma
capacidade de continência das angústias da criança, pouco observado em Cristina. Com isso o
atendimento buscava fornecer-lhe espaço para seus pensamentos e angústias, para, então,
habilitá-la a aproveitar mais profundamente da orientação, focada na filha.
Não tem, contudo, por objetivo dar conselhos, estabelecer padrões de comportamento ou
um guia de normalidade. Busca utilizar o conhecimento psicanalítico sobre as bases
essenciais de estruturação e constituição do psiquismo, assim como do desenvolvimento
psíquico saudável e suas características a favor do desenvolvimento infantil (MOTTA, 2008, p.
122).
Contudo, nem todos os pais podem acolher suficientemente os filhos. Por não terem
desenvolvido uma condição mental que permita o uso benéfico do processo de orientação,
alguns pais necessitam de um espaço psicoterapêutico próprio para lidarem com questões
individuais.
Considerações Finais
A família é o espaço de acolhimento e saúde, conforme defende Winnicott (1971), mas nem
sempre as famílias apresentam as condições para um bom desenvolvimento de seus
integrantes, como observado no caso de Renata (filha) e Cristina (mãe). Os sintomas trazidos
por Renata refletiam aspectos da dinâmica familiar, havendo inclusive uma ligação inadequada
da mãe para com uma criança da idade dela. Além disto, os sintomas que Renata apresentava
no contexto escolar eram reproduzidos nas sessões. Compreendeu-se que a psicoterapia da
criança deveria ser aliada, conforme o proposto por autores como Halton e Magagna (1994),
Zornig (2001) e Motta (2008), à orientação de pais.
Para que esta orientação pudesse ajudar no processo lúdico da criança, é importante que os
pais possam se desenvolver emocionalmente, trabalhando com questões da dinâmica mãe-
pai-filho. Quando isto não foi feito, compreende-se que o foco no próprio adulto e nas suas
vivências pessoais é necessário.
Ao se refletir sobre a ilustração clínica trazida neste artigo, reafirma-se a ligação entre os
sintomas da criança e a dinâmica familiar. Com isso pode haver um aprofundamento do
conhecimento, por parte dos psicoterapeutas infantis, não só do psiquismo da criança, mas
também da família e da sua dinâmica. Entende-se que, no caso apresentado, houve uma
integração entre o trabalho desenvolvido pela psicoterapeuta da criança e o trabalho da
psicoterapeuta responsável pela orientação de pais, com um olhar cuidadoso para o
funcionamento familiar, que colaborou para a compreensão dos psicodinamismos da criança e
para melhores resultados no processo psicoterapêutico.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822012000200003
http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/5093