Oralidade e Ensino O Dificil Caminho Da Teoria A P
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INTRODUÇÃO
O
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o difícil caminho a ser percorrido pelo saber científico – ofertado ao
professor pelos Cursos de Licenciatura, em seu processo de formação
inicial – até chegar à realidade da sala de aula, na forma de um saber didático,
da prática pedagógica, quando professores de Língua Portuguesa encontram-se
frente a frente com seu alunado da Educação Básica.
Para tanto, serão aqui discutidos alguns conceitos que fornecerão emba-
samento para nossas reflexões. Assim, partiremos de conceito de Educação
Linguística para, na sequência, apresentarmos as diferentes pedagogias que a
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MARIA LUCIA MARCONDES CARVALHO VASCONCELOS E NANCY DOS SANTOS CASAGRANDE
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AS QUATRO PEDAGOGIAS
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Desse modo, podemos considerar que a língua materna, como objeto de en-
sino e aprendizagem, deve refletir a realidade do aluno, ou seja, deve ser enca-
rada pelo professor como algo dinâmico e real e não como mero objeto estático e
sem vida, amalgamado aos livros didáticos e às gramáticas pedagógicas. É pre-
ciso perceber que o aluno é um sujeito ativo da aprendizagem, sendo a aprendi-
zagem um “processo de apropriação dos saberes que se inter-relacionam com os
conhecimentos adquiridos, num processo complexo de construção e reconstru-
ção” (FIGUEIREDO, 2004, p. 17).
Vale ressaltar que os saberes aqui mencionados pela autora tratam das dis-
ciplinas linguísticas a serem dominadas pelo professor, quais sejam: a sociolin-
guística, a psicolinguística, a pragmática, a linguística aplicada, a linguística de
texto, a análise do discurso, sem no entanto serem transmitidas ao aluno: “há
que saber fazer ‘transposições didácticas’ e decidir qual o conhecimento perti-
nente dentro da sala de aula, de forma a relacionar convenientemente os conhe-
cimentos científicos com os objetivos de aprendizagem na área da língua” (FI-
GUEIREDO, 2004, p. 16).
De todo modo, a autora nos traz como contribuição a ideia de que esse “pro-
fessor em construção” deve ter em mente que sua formação inicial deverá ser
complementada, ao longo da vida profissional, por outras etapas da formação
continuada, entendendo que é necessário “compreender e interpretar a activi-
dade de ensinar e de aprender língua” (FIGUEIREDO, 2004, p. 23), sabendo
inter-relacionar as atividades teóricas às atividades práticas, construindo, as-
sim, o conhecimento didático. Nesse sentido, Figueiredo (2004) propõe a orga-
nização dos conteúdos programáticos em módulos, partindo do que apregoa a
legislação – no caso a portuguesa – chegando à proposição desses módulos de-
lineados pelos seguintes componentes: conteúdos, objetivos e motivação. A
constituição desses módulos dará origem às seguintes pedagogias: do oral, da
leitura, da escrita e da léxico-gramatical. Para este artigo, interessar-nos-á tra-
tar especificamente da Pedagogia do Oral, visto ser a prática pedagógica da
oralidade nosso objeto de estudos.
Trabalhar com a oralidade na escola básica tem sido um dos grandes desa-
fios para o professor. Discutir como fazer isso tem sido uma das maiores preo-
cupações para os professores dos cursos de Letras nas Instituições de Ensino
Superior brasileiras. Para entender como esse trabalho pode ser desenvolvido,
recorreremos não só à autora já citada, Olívia Figueiredo, mas também a Irandé
Antunes, docente da Universidade Estadual do Ceará, esta última nos trazendo
reflexões sobre o tema, relacionadas à realidade brasileira.
A pedagogia da oralidade, ou pedagogia do oral, segundo Figueiredo (2004,
p. 49) “é um produto tardio na cultura escolar, talvez porque, em termos de
concepções teóricas, seja um objeto difícil de delimitar e, por isso, árduo em
escolarizar”. Historicamente, a oralidade não constou dos programas de ensino
até os anos 1950, tampouco da legislação que normatizava o ensino na Educa-
ção Básica, fosse em Portugal, fosse no Brasil. Desta feita, tratar da oralidade
era remeter-se ao aprender a falar frases corretas da língua que exprimissem o
pensamento claro (língua como representação) e não aprender a falar para se
comunicar com o outro (língua como comunicação). Privilegiava-se nesse período
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o bem escrever, em detrimento do bem falar. A partir dos anos 1970, com o ad-
vento da Linguística Estrutural, a oralidade ganhou outra perspectiva no ensino
de língua, já que não se tratava mais de concebê-la, apenas, como representa-
ção do pensamento, mas também como instrumento de comunicação. Nessa
nova dimensão, podemos dizer que a oralidade quase que se equiparou, em or-
dem de importância, à escrita.
Em termos metodológicos, a aula de língua materna, quando tratava de ora-
lidade, trazia, segundo Figueiredo (2004, p. 49), dois momentos:
• momentos de liberdade (espaço permitido ao aluno para praticar livremente a
língua sem bloqueios e sem ser interrompido pelo professor);
• momentos de estruturação ou de aprendizagem (espaço de reflexão sobre a
língua para permitir a descoberta do seu funcionamento em função das exi-
gências comunicativas).
De acordo com Antunes (2006, p. 24), em relação ao trabalho com a oralidade
na escola básica percebemos:
• uma quase omissão da fala como objeto de exploração no trabalho escolar [...];
• uma equivocada visão da fala, como lugar privilegiado para violação das re-
gras da gramática [...];
• uma concentração das atividades em torno dos gêneros da oralidade infor-
mal, peculiar às situações da comunicação privada [...];
• uma generalizada falta de oportunidades de se explicitar em sala de aula os
padrões gerais da conversação, de se abordar a realização dos gêneros orais
da comunicação pública, que pedem registros mais formais, com escolhas lexi-
cais mais especializadas e padrões textuais mais rígidos, além do atendimen-
to a certas convenções sociais exigidas pelas situações do “falar em público”.
Considerando essa situação, podemos afirmar que a escola nunca deu a de-
vida importância à oralidade, de modo que o planejamento escolar sequer pre-
via o trabalho sistematizado dessa modalidade. Sobre isso postula Antunes
(2006, p. 99) que “[...] não tem sentido a ideia de uma fala apenas como lugar da
espontaneidade, do relaxamento, da falta de planejamento e até do descuido em
relação às normas da língua-padrão [...]”. Importa enfatizar aqui que esse “des-
compromisso” com um trabalho efetivo da oralidade é reflexo de uma postura
política, já que no Brasil vivemos mais de 20 anos sob um regime de ditadura.
No que diz respeito à questão do trabalho pedagógico a ser desenvolvido pelo
professor de língua materna acerca da oralidade, Figueiredo (2004, p. 52) afirma
ser necessário definir o objeto de aprendizagem e de ensino reconhecido pela
instituição escolar, afinal:
Se considerarmos a aprendizagem como um processo de apropriação e de inte-
riorização de experiências acumuladas pela sociedade no decurso de sua histó-
ria, e que a aquisição do oral se adquire quase espontaneamente em meio fami-
liar e social e só depois se aprende de forma reflexiva na escola, é fundamental
que se tenha em conta os instrumentos de uso e das suas práticas.
Desse modo, defende a autora que será preciso construir um modelo didáti-
co do oral a partir de gêneros discursivos formais e informais, de acordo com a
capacidade dos alunos e de forma a desenvolver atividades pedagógicas em que
se ativem saberes e se empreenda um “saber-fazer” específico. Nesse sentido,
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Saber científico
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O termo “educação bancária”, cunhado por Paulo Freire (1987), designa uma
abordagem educativa, fortemente conservadora e tecnicista, que vê a escola tão
somente por seu aspecto reprodutor. “Na visão ‘bancária’ de educação, o ‘saber’
é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber [...]” (FREI-
RE, 1987, p. 58). A relação professor-aluno acontece verticalmente e o professor
julga-se o sujeito da ação educativa.
Ainda que a abordagem tradicional persista em suas técnicas (aula expositiva
e memorização mecânica, por exemplo) nas escolas brasileiras de hoje, não mais
se imagina que, em termos de objetivos educacionais, tal abordagem possa ainda
resistir. Informar mecanicamente os conteúdos a serem absorvidos pelos alunos,
com vistas à mera reprodução do status quo, impedindo-lhes a curiosidade, cas-
trando-lhes a criatividade, afastando-os da saudável rebeldia desafiadora e a
consequente intervenção no meio em que vivem é distorcer, diminuindo, o papel
da educação como elemento indispensável ao desenvolvimento social e individual.
A ação pedagógica tradicional faz com que, em termos do processo de ensino-
-aprendizagem da língua portuguesa, se exerça uma “[...] prática pedagógica que,
em muitos aspectos, ainda se mantém [... na] perspectiva reducionista do estudo
da palavra e da frase descontextualizadas” (ANTUNES, 2006, p. 19), reduzindo,
segundo a autora, a própria concepção de linguagem.
É nesse sentido que Preto-Bay (2007) alerta para as demandas existentes nas
sociedades do mundo, no presente, sociedades que necessitam de indivíduos com
pensamento crítico; capazes de resolver problemas, argumentar e negociar. Indi-
víduos dotados de altos níveis de literacia que, portanto, não apenas dominam a
leitura e a escrita, mas são capazes “[...] de saber registrar e decifrar os aspectos
linguísticos de um texto [... e], principalmente, de compreender e saber estabele-
cer relações sociais através desse mesmo texto” (PRETO-BAY, 2007, p. 18).
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podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito
menos, pensamento (BECKER, 2014, p. 88-89).
Ainda nos anos 1980, ganha força uma outra abordagem pedagógica – tam-
bém construtivista – denominada Interacionismo ou Sociointeracionismo.
Segundo Costa-Hübes (2009), o Interacionismo lança um novo olhar sobre a
linguagem que passa a ser vista
[...] como forma de interação, [... sustentando-se] no objetivo de desenvolver, no
aluno, maior proficiência em práticas de oralidade, de leitura e de escrita. A lín-
gua, estudada e analisada em situações reais de uso, tende a favorecer a am-
pliação do domínio linguístico.
O sociointeracionismo tem sua base em Vygotsky, para quem o homem apren-
de – e se constrói – a partir de sua interação com o meio sociocultural. Indivíduo
e meio não estão dissociados, mas encontram-se em processo incessante de
construção (e reconstrução) mútua. Nesse panorama, a linguagem exerce papel
primordial na mediação entre indivíduo e meio. É assim que o homem conhece
o mundo em que vive e pode, então, transformá-lo.
A perspectiva interacionista propõe [...] uma forma de compreender como se
ensina e se aprende a língua escrita e comporta uma nova dialética da leitura e
escrita, centrada no texto e na qual se relacionam os diferentes aspectos envol-
vidos nesse processo discursivo: por que, para que, como, o quê, quando, onde,
quem, com quem ensinar e aprender a língua escrita (MORTATTI, 2007, p. 159).
Para Mortatti (2007), o interacionismo amplia a compreensão do processo de
ensino-aprendizagem e, no caso do ensino da leitura e da escrita, essas se veem
ampliadas em suas possibilidades, que vão ao encontro da constituição do su-
jeito, um sujeito crítico, participante e em constante construção. Afinal, segundo
a autora, a finalidade do saber ler e produzir textos deve extrapolar o ambiente
escolar, remetendo os estudantes às práticas sociais de leitura e escrita. Ou,
como dizia Freire, (2000, p. 76) “[...] ler um texto não é ‘passear’ licenciosamente
sobre as palavras. É aprender como se dão as relações entre as palavras e o
discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde, determinado [...]”.
Optar, portanto, pela abordagem interacionista implica uma mudança radi-
cal de postura ante a tarefa de educar. Implica assumir-se como um educador
democrático, aberto ao diálogo, que não se nega “[...] o dever de, na sua prática
docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insub-
missão [...] é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que de-
vem se ‘aproximar’ dos objetos cognoscíveis” (FREIRE, 1996, p. 28).
É, portanto, na perspectiva sociointeracionista que a presente reflexão se
orienta ao analisar os professores hoje formados (e aqueles em formação) pelos
cursos de Licenciatura.
Paulo Freire, ao mencionar o educador progressista, esclarecia que a marca
de um educador socialmente comprometido é questionar sempre, em diálogo
com seus alunos, a realidade circundante. Tal questionamento deverá ter como
base uma visão crítica do mundo, que deve ser, pela ação de todos e de cada um,
transformado. Esse educador tem ciência de que “[...] ensinar não significa
transferir conhecimento, mas criar possibilidades de construção desse conheci-
mento por parte do educando, proporcionando ao outro a percepção crítica da
realidade que o rodeia” (VASCONCELOS; BRITO, 2011, p. 97).
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Abstract: This article discusses, in the context of Language Education, the path
to be followed through scientific knowledge – object of higher education – until
the reality the basic education classrooms, considering the teacher as the main
agent of the process. The concepts of Language Education and different pedago-
gies (speaking, reading, writing and grammar and lexis), focusing on oral peda-
gogy and pedagogical practice in mother tongue teaching, will be presented in
order to analyze the role of the Portuguese teacher in their effort to didactically
implement scientifically addressed contents in Letters courses, in which they
need to work with.
REFERÊNCIAS
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