Psicologias em Tempos de Pandemia - Reflexões Políticas e Práticas Clínicas
Psicologias em Tempos de Pandemia - Reflexões Políticas e Práticas Clínicas
Psicologias em Tempos de Pandemia - Reflexões Políticas e Práticas Clínicas
Maceió, 2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
Reitor
Josealdo Tonholo
Vice-reitora
Eliane Aparecida Holanda Cavalcanti
Diretor da Edufal
José Ivamilson Silva Barbalho
Coordenação editorial
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E-book.
Inclui bibliografias.
ISBN 978-65-5624-055-8
Editora afiliada
Direitos desta edição reservados à
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Av. Lourival Melo Mota, s/n - Campus A. C. Simões
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Contatos: www.edufal.com.br | [email protected] | (82) 3214-1111/1113
A presente coletânea reúne textos que abrem reflexões e diálogos sobre as diferentes formas
de analisarmos os impactos da covid-19 no campo político e em nossas práticas clínicas
profissionais em psicologia, a partir de perspectivas teóricas e metodológicas distintas.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO......................................................................................7
E
ntre 1347 e 1451 a peste varreu a Europa. Estima-se que setenta e cinco milhões de
pessoas tenham perecido. Pústulas escuras surgiam na pele dos contaminados. Os
europeus da época, sem ferramentas mentais para vislumbrar um mundo micro,
sem instrumentos modernos como o microscópio e sem conhecer os vetores das doenças,
atribuíam a epidemia ao castigo divino. Flagelantes andavam de cidade em cidade, em
espetáculos desoladores clamando à bondade divina o aplacamento da ira onipotente.
Morriam às centenas, aos milhares... corpos jaziam pelas ruas, eram empilhados e
carregados em carroças. Faltavam cemitérios e missas pelas almas. Muitos acreditaram
que era o fim do mundo.
A peste bubônica é um dos três tipos de peste causada pela bactéria Yersinia pestis,
transmitida principalmente por pulgas entre animais de pequeno porte. Os sintomas
iniciais aparecem entre o sétimo e o décimo dias após o contágio e ela pode ser curada
com antibióticos.
Em 1492, a Santa Maria e as caravelas que a seguiam aportaram no mar das
Caraíbas. A partir de então, as civilizações locais, e depois os incas, os maias e os astecas
foram gradativamente dizimados. O que se estendeu também para o Sul, descoberto pelos
portugueses. A Europa trouxe sua fome de ouro, sua religião, suas hierarquias e costumes,
suas estratégias e poderio militar; os espanhóis e os portugueses também trouxeram doenças
como o sarampo e a varíola, que durante o primeiro século mataram milhões de indígenas
sem anticorpos para combater o microuniverso carregado pelos europeus. O maior genocídio
esquecido da história humana. Levaram de volta das Américas a sífilis, o tabaco e, depois,
a cocaína. Navios carregados de riquezas desapareceram ou eram encontrados à deriva nos
oceanos, o que gerou inúmeras lendas e fantasmagorias. Em muitos casos, a explicação
mais simples é que a tripulação pereceu pelo ataque de piratas ou pelo escorbuto e doenças
transmitidas pelos ratos dos porões.
As epidemias acompanham os homens. Para a Organização Mundial de Saúde
(OMS) o que define uma epidemia é a propagação de uma nova doença, em um grande
número de indivíduos, sem imunização adequada para tal, em uma região específica. O
termo pandemia já era usado à época de Platão (Atenas, 428-427 – Atenas, 348-347 a.C),
com um sentido genérico, denotando qualquer acontecimento capaz de alcançar toda a
população. O conceito moderno é que a pandemia é uma epidemia de grandes proporções,
que se espalha por vários países e em mais de dois continentes, simultaneamente, como
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os profissionais de saúde que estão na linha de frente dos cuidados em relação à infecção
da Covid-19, pelas condições de trabalho, pelo medo de serem infectados e de levarem o
vírus para casa, ainda que utilizem todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s).
Inicialmente reconhecidos e saudados como heróis destes tempos tristes, vimos crescer em
nosso País a negação da doença, da ciência e a hostilidade contra eles.
Com o objetivo de oferecer um apoio à saúde mental desses profissionais, um projeto
de Extensão Universitária foi desenvolvido no Hospital Universitário Professor Alberto
Antunes da Universidade Federal de Alagoas (HUPAA/UFAL), com o objetivo de fortalecer
ações de acolhimento e escuta terapêutica durante este período de pandemia. Intitulado
Apoio Psicológico aos/às profissionais de saúde do Hospital Universitário Professor
Alberto Antunes/Ufal, o projeto envolveu docentes, técnicos/as, estudantes e profissionais
em psicologia vinculados/as ao Instituto de Psicologia (IP/UFAL), o Serviço de Psicologia
Aplicada e estagiários(as) do curso de Psicologia. No decorrer de sua realização, o grupo
se sentiu convocado a participar do Edital Número 01-2020, da Editora da Universidade
Federal de Alagoas (Edufal), com a proposta de publicação de um e-book sobre a pandemia
da Covid-19. Os artigos aqui apresentados foram assinados pelos participantes do projeto de
extensão e, também, por convidados especiais.
No primeiro capítulo, Pandemia um desastre anunciado. E agora?, a proposta
de Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro é apresentar, inicialmente, os argumentos que
norteiam tal afirmação e que estão fundamentados em dois contextos: ficção e ciência. E,
por fim, desenhar alguns possíveis desdobramentos do momento atual. A ficção refere-se
ao filme Contágio, produzido em 2011, pelo diretor Steven Soderbergh, enquanto o discurso
científico enfoca diferentes áreas do saber, com referências ao artigo de uma pesquisadora da
Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Georgia (USA, 2004), ao Relatório
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, 2016) e às falas de cientistas
brasileiros. Em resposta à pergunta enunciada ganham destaque as discussões que enfatizam
uma perspectiva preventiva, consonante com a produção de conhecimento sobre o tema dos
desastres socioambientais, seguindo as recomendações do recente relatório UNEP (2020),
cujo título é Preventing the next Pandemic (Prevenir a próxima Pandemia).
Cleyton Andrade é o autor de No tocante a Isso daí. A partir do assassinato de
George Floyd, um homem negro, por asfixia provocada por homens brancos fardados, o
texto procura fazer algumas reflexões sobre a impossibilidade de respirar que acomete os
corpos negros numa sociedade estruturada e organizada sobre o racismo negro. A violência,
fardada ou não, dentro ou fora da pandemia, que acena para a morte como destino, aponta
para a constatação de que, se por um lado o vírus não é racista, por outro, há um ordenamento
social que tende para privação da respiração de corpos que não contam, mesmo se vierem
aos milhares.
O terceiro capítulo, Aqui é Alphaville, mano! é de Cleyton Andrade, Bianca de
Araújo Silva e Thianne Lourena Cardoso Roque. Nele, o contexto de pandemia coloca em
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cena que o cuidado pessoal com a saúde passa a ter consequências de caráter coletivo,
exigindo uma reconfiguração no modo como as relações sociais se dão. Apesar disso, o cenário
não impediu a aparição de sujeitos que se orientam por outras coordenadas, reeditando o
que há de mais arcaico na constituição de uma sociedade: guiados por uma racionalidade
hierárquica, que estratifica a sociedade entre os “virtuosos” e os “sem lugar”, agarram-se a
títulos para impor poder e exercer a violência.
O capítulo seguinte, Cuidados e descuidados em tempos da Covid-19, de
Jefferson Bernardes, problematiza o conceito de cuidado quando apresentado de forma
essencialista. Por meio de leitura neopragmática explora a preocupação com o cuidado
definido a partir de princípios imanentes, pois, em última instância, quem decidirá o que
venha a ser saúde, doença e cuidado? Argumenta que a produção de vínculos, central no
cuidado, pode promover também o descuidado. Ilustra tais questões na necropolítica atual,
visibilizada de forma mais nítida na pandemia, pelas chamadas fake news e a política de
combate ao novo coronavírus pelo governo federal. Atualmente, no Brasil, há proeminente
promoção de descuidados por meio dos vínculos já existentes com a figura do mandatário
maior deste país.
Telma Low, Danielly Spósito e Vanessa Ferry assinam Desigualdades raciais e
violência de gênero: o que podemos (des)aprender com a pandemia da Covid-19
desde uma perspectiva interseccional? Neste capítulo, são tecidas algumas reflexões
sobre o que podemos (des)aprender com a pandemia da Covid-19, com enfoque nas
desigualdades raciais e violência de gênero. Busca-se, a partir de uma análise interseccional
entre gênero, cor/raça e classe, fruto das contribuições de pensadoras feministas negras,
lançar um olhar situado, implicado e complexo, acerca do exercício desigual de poder que
homens exercem contra mulheres e que mulheres brancas exercem contra mulheres negras,
gerando opressões e violências acentuadas durante a pandemia do novo coronavírus. São
três mulheres feministas antirracistas e pesquisadoras que encontraram, na escrita deste
ensaio, uma possibilidade de expressar as afetações, dores e indignações escancaradas pela
pandemia e transformá-las num convite ao exercício com o (auto)cuidado, especialmente
entre as mulheres. Toma-se o (auto)cuidado como um dispositivo político, comunitário,
solidário, revolucionário e “transforma-dor”, conforme nos ensinam as mulheres negras
feministas há séculos.
Psis desassossegados: atendimentos clínicos on-line em tempos de
Pandemia, de Charles Lang e Juliana Falcão, é o resultado de horas e horas de conversas
on-line sobre a clínica psicanalítica em tempos de #fiqueemcasa. Lives, sessões virtuais,
conversas nas redes sociais e em aplicativos de mensagens foram substituindo as palestras,
as aulas, os grupos de estudo, as reuniões clínicas, os simpósios e congressos, as supervisões
clínicas e os atendimentos presenciais. Gradativamente, aqueles que eram terminantemente
contra atendimentos on-line ou torciam o nariz para a internet se viram em um beco sem
saída. Ou se isolavam e os suspendiam indefinidamente, ou começavam a estudar as
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PANDEMIA UM DESASTRE ANUNCIADO. E AGORA?
Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro
Realidade ou ficção?
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algo natural, quando se entende, por exemplo, que é o modelo de desenvolvimento que está
ameaçado pela pandemia e não o contrário, que a pandemia é o resultado deste modelo.
Por outro lado, há um equívoco na avaliação de Korstanje (2012) sobre a probabilidade
de ocorrência de uma pandemia, pois baseia-se em outros surtos epidêmicos, nos quais
o vírus perde a letalidade à medida que infecta mais agentes, como o ocorrido durante a
gripe HIN1. Ele situa como alarmistas as teorias de especialistas, inclusive da biologia, que
anunciam constantemente a possibilidade de surgimento de um vírus, cuja letalidade seria
igual ao seu índice de propagação, teorias que contradizem essa premissa e influenciam os
meios de comunicação. Termina por concluir que tal transmissão do vírus é uma situação
possível, mas improvável.
Sem desconsiderar que o etnocentrismo está presente não só nos filmes americanos,
mas em muitas ações, principalmente no atual governo, não é o caso de ser associado ao
local em que, no filme, a doença se inicia.
A desqualificação dos estudos científicos é recorrente nos discursos da conspiração,
quando dizem que o Sars-Cov-2 foi produzido em algum laboratório da China, nos alarmismos
atribuídos aos meios de comunicação e no negacionismo, também presente no ensaio do
filósofo argentino.
Observemos as informações veiculadas em estudos científicos, relacionadas aos riscos
de uma pandemia, e as discussões que alicerçam a afirmação de que ela pode ser considerada
um desastre anunciado, apesar de ter causado surpresa a muitos.
Os anúncios da ciência
Vários são os estudos científicos que poderiam ser aqui elencados, para sustentar a
afirmação de que foram feitos alertas científicos sobre a possibilidade de uma pandemia,
como a que está ocorrendo agora, em 2020. Entre eles, dois documentos chamam a atenção,
pela data em que foram escritos e pela qualidade das informações, que podem contribuir,
tanto para compreender o momento atual, como para planejar um futuro.
O primeiro é o artigo de uma pesquisadora, Cathy Brown (2004), do Laboratório
Athens de Diagnóstico Veterinário, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade
da Georgia, USA. O segundo, é um capítulo do relatório do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (UNEP, 2016), que é a voz do meio ambiente dentro do sistema das
Nações Unidas, destacando temas emergentes de preocupação global e soluções para uma
resposta eficaz e oportuna. Traz as últimas descobertas científicas ou outras persistentes,
sobre as quais surgiram novas abordagens e tecnologias.
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entre animais e humanos) e sua importância para a Saúde Pública. Informa, inicialmente,
sobre um alerta da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), divulgado em 2000,
sobre o aumento das zoonoses. Considera que a visão apocalíptica, anunciada nos últimos
anos, sobre a emergência de uma doença provocada por um agente desconhecido e capaz
de reduzir drasticamente a população humana, antes dos recursos e do conhecimento
serem organizados, poderia estar mais próxima da realidade, do que ser um alarmismo.
Assinala o advento da SARS, em 2002, como parâmetro para suas considerações,
em concordância com o que foi dito por Átila Iamarino, microbiologista brasileiro,
mencionado anteriormente.
Brown (2004) informa, ainda, que estudos atuais avaliam que 75% dos agentes
das doenças infecciosas em humanos, nos últimos 20 anos, são patógenos de animais.
E, relacionando o número crescente de espécies hospedeiras e de patógenos, além da
possibilidade de novas mutações, pondera que não deveria ser uma surpresa a emergência
de doenças zoonóticas como tema de saúde pública e animal.
Demonstra a evidência da imprevisibilidade e impacto dessas doenças, com os
exemplos mais recentes que emergiram das zoonoses, tais como Ebola, Nipahvírus,
Encefalopatia espongiforme (doença da vaca louca), Sars, entre outras, sem mencionar
a Aids, que ocorreu há mais tempo, além da Mers, Influenza (gripe aviária) e Zica, que
apareceram na década seguinte. Já naquela época, Brown (2004) previu a emergência
de novas doenças diante do cenário que ela estava apresentando, mas considerou a
imprevisibilidade de quando iriam surgir e avaliou que a única certeza era de que as
comunidades veterinárias e de saúde pública precisavam estar preparadas. Para isso,
apontou os problemas que deveriam ser considerados, tais como movimentação de animais,
perturbações ecológicas, microrganismos não cultiváveis, doenças crônicas, melhora da
vigilância e terrorismo.
Todos esses fatores apontados estão relacionados ao aumento da população e ao
fenômeno da globalização. Inclusive, ao abordar estudos que investigam as causas de doenças
crônicas associadas à infecção de organismos, décadas antes, traz um dado inquietante para
o campo da Saúde Mental.
Refere-se à relação da Toxoplasmose com a Esquizofrenia, analisada em estudos
sorológicos, com referência de Torrey E. F. e Yolken R. H. (2003). E consultando essa
publicação referenciada por Brown (2004), são vários estudos, realizados desde 1953, que
investigam os anticorpos da toxoplasmose em pessoas com esquizofrenia e outras desordens
psiquiátricas severas, comparando-as com um grupo controle, que indicaram ser esta
correlação significativa (TORREY; YOLKEN, 2003).
Esses estudos levam Brown (2004) a questionar se uma doença anteriormente
considerada não infecciosa, como a esquizofrenia, pode de fato ter uma origem zoonótica e,
se outras doenças crônicas também poderiam ter sido causadas por algum agente infeccioso,
tempos atrás.
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Ao concluir seu artigo, Brown (2004) chama a atenção para o declínio da infraestrutura
da Saúde Pública no mundo e ressalta que as estratégias de enfrentamento dessas doenças
zoonóticas emergentes não podem se restringir a ações específicas para cada doença. A
partir do panorama apresentado e ao considerar o inextricável entrelaçamento entre a saúde
humana e a dos animais, sinaliza que:
A chamada ou pode-se dizer até a convocação para uma ação conjunta, que integre
conhecimentos para enfrentar a complexidade dos problemas que têm surgido no mundo,
não vem apenas desta pesquisadora. Tal proposta é bem mais antiga e Brown (2004) refere-
se a um médico alemão, Rudolf Virchow, que, em 1855, estudando triquinelose (doença
transmitida por um verme), passou a defender, ao longo de sua carreira, a necessidade de se
vincular a medicina humana à veterinária, propondo uma única Medicina.
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2 Leia mais no site do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus Consórcio Nordeste, disponível em:
<https://www.comitecientifico-ne.com.br>.
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Escrever sobre este momento inusitado de incertezas tem sido um recurso tanto para
dimensionar os acontecimentos, como para conjecturar sobre as possibilidades de futuros
projetos, mesmo que sua realização seja improvável.
Os inúmeros artigos, livros, cursos, entrevistas, entre outros, produzidos neste contexto
da pandemia apresentam diversas considerações sociais, políticas, econômicas, sanitárias.
Para responder à pergunta enunciada, escolho ressaltar as discussões que enfatizam
uma perspectiva preventiva, consonantes com a produção de conhecimento, sobre os temas
dos desastres socioambientais e que têm sido desenvolvidas no grupo de pesquisa PROSA, do
qual participo, com estudantes de graduação e de pós-graduação do Instituto de Psicologia
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
O mais recente Relatório UNEP (2020), cujo título é Preventing the next Pandemic
(Prevenir a próxima Pandemia), em parceria com o International Livestock Research
Institute (ILRI) e outros, desenvolve uma avaliação, baseada em evidências, sobre o risco
de futuros surtos zoonóticos. Apresenta detalhadamente o histórico das zoonoses, ao longo
dos últimos 100 anos, com as causas de seu surgimento e disseminação, incluindo aquelas
relacionadas ao novo coronavírus. Esse panorama fundamenta as dez recomendações às
Políticas Públicas elencadas no final do Relatório, norteadas pela abordagem One Health.
Propõe, com essas recomendações formuladas (UNEP, 2020, p. 53), ajudar governos,
empresas e outros atores a reduzir o risco do surgimento de futuros surtos de doenças.
Embora muitas delas dependam de investimento político e econômico, considero
que, pelo menos quatro, possam ser apropriadas por outros segmentos, especialmente
pela Educação, ainda que seja um grande desafio. Entre elas estão: Consciência, Ciência,
Capacitação e Operacionalização da abordagem One Helth.
Sobre a Consciência, recomenda sensibilizar e aumentar a compreensão de zoonóticos
quanto aos riscos e prevenção de doenças emergentes, em todos os níveis da sociedade, para
construir amplo apoio às estratégias de redução de risco.
Quanto à Ciência, propõe que a investigação científica se expanda sobre as complexas
dimensões sociais, econômicas e ecológicas das doenças emergentes, incluindo zoonoses,
para avaliar riscos e desenvolver intervenções na interface com o ambiente, saúde animal e
saúde humana.
Já a capacitação é proposta, no sentido de fortalecer as competências existentes e
desenvolver novas, nos segmentos de interesse da Saúde, em todos os países, para melhorar
os resultados e ajudá-los a entender as dimensões sanitárias das doenças zoonóticas,
relativas ao humano, ao animal, ao meio ambiente e outras.
Por fim, propõe integrar e implementar adequadamente a abordagem One Helth
no uso da terra e no planejamento, implementação e monitoramento do desenvolvimento
sustentável, entre outros campos.
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Por que essas recomendações deveriam ser integradas à Educação, embora seja um
grande desafio?
A microbiologista Natália Pasternak, durante sua entrevista ao programa Roda Vida,
já mencionado anteriormente, afirma que o não investimento em Educação nas últimas três
décadas, no Brasil, é um dos motivos para as pessoas não seguirem as recomendações da
ciência e as informações veiculadas na imprensa sobre o uso de máscaras, por exemplo.
Além dos maus exemplos das autoridades governamentais, de todos os escalões, uma vez
que parece faltar, também a eles, os conhecimentos básicos da ciência e da educação.
Esses aspectos levam à avaliação de que a comunicação é necessária, mas não
suficiente para ser compreendida. Daí a necessidade apontada pelo Relatório UNEP (2020),
de ampliar o conhecimento de toda a população a respeito dessas doenças que passam dos
animais para os humanos.
Difícil tarefa, a de fazer crer na existência do mundo invisível dos vírus e das bactérias,
quando é necessário um instrumento que não está disponível, nem para muitos daqueles que
têm a chance de ir à escola. Mas é possível apelar para os seus efeitos, que estão didaticamente
explicados no Relatório UNEP (2020).
A outra recomendação, para que as pesquisas científicas sejam desenvolvidas
articulando várias áreas, implica na necessidade de reformulações na Educação. Para que
esse diálogo entre saúde humana, animal e meio ambiente ocorra, é preciso que ele seja
iniciado desde a educação básica.
As discussões atuais sobre a interprofissionalidade e formação em saúde (TOASSI,
2017) sinalizam o movimento para romper com a lógica compartimentada de ensino e
práticas em Saúde, cuja mudança se mostra impreterível, com o advento da pandemia.
E a capacitação proposta pode estar relacionada à Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (PNEPS), que é uma estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS) para
a formação e o desenvolvimento dos seus profissionais e trabalhadores, buscando articular
a integração entre ensino, serviço e comunidade.
Ou seja, não faltam políticas públicas, para que sejam desenvolvidas as ações
recomendadas, mas é preciso superar o hiato entre o que está proposto e sua execução. E
ainda, por outro lado, realizar ações públicas independentes do que está proposto como
política, promovendo um movimento a partir do território e repercutindo as reflexões de
Portella e Oliveira (2020), sobre a necessidade de um sistema de gestão orientado pelo
território e para o território, na defesa dos direitos à vida.
A última recomendação do Relatório UNEP (2020) sobre a integração e
implementação da abordagem One Helth pode ser identificada como um chamado, refletido
na fala da atual presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade de Lima, na live de
encerramento do Curso “Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Situação de Pandemia”,
promovido on-line pela Fiocruz Brasília. Considera que:
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Concluo que temos muito o que aprender, para poder ensinar e mudar muitos “nisun”.
Referências
EPIDEMIA. Roda Viva. São Paulo: TV Cultura, 30 de março de 2020. Entrevista com o
biólogo Átila Iamarino, doutor em microbiologia e divulgador científico, alertando sobre os
estudos sobre vírus e epidemias, no início da Covid-19, no Brasil. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=s00BzYazxvU&feature=youtu.be>.
EZABELLA, F. “Você pode evitar as drogas, mas não um vírus”, diz Soderbergh.
Folha de S. Paulo/UOL, 7 out. 2011. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/
ilustrada/2011/10/986680-voce-pode-evitar-as-drogas-mas-nao-um-virus-diz-
soderbergh.shtml>. Acesso em: 18 jul. 2020.
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UNEP - Ten key policy recommendations. In: UNEP - Preventing the next pandemic:
Zoonotic diseases and how to break the chain of transmission. Nairobi: UNEP, 2020, p. 53.
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VOCÊ CONHECE o conceito One Helth (Saúde Única)? Revista Avicultura Industrial, Itu,
SP, 23 jun. 2016. Disponível em: <https://www.aviculturaindustrial.com.br/imprensa/
voce-conhece-o-conceito-one-health-saude-unica/20160623-092829-c919>. Acesso em:
22 jul. 2020.
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NO TOCANTE A ISSO DAÍ
Cleyton Andrade
Cena I
“I can’t breathe, please, I can’t breathe, I can’t breathe...” no dia 25 de maio de 2020
esse som ecoou apesar de insistir como inaudível. O som da voz rouca, que procurava dividir
espaço entre o apelo emitido pelas cordas vocais pressionadas e a tentativa de manter a
respiração, parece não ter sido ouvido. Nem “breathe”, nem “I can’t”, muito menos “please”.
Nenhum som provocou hesitação. Não ruborizou. Nem ao menos dividiu nenhum daqueles
policiais brancos. O corpo branco, diluído na farda, que se depositava sobre o joelho, não
recuou frente às possíveis reações do corpo negro no asfalto. Que não tivesse visto as pupilas
dilatarem, postas ao chão, longe do alcance da visão branca... que seja! Mas ainda restavam,
além do apelo da voz, a respiração ruidosa, tosses, cianose na face – ainda que preta. Asphyxia
era a palavra grega que refletia a crença de uma relação íntima entre respiração e circulação
do sangue (de que cor?). A asfixia é a obstrução mecânica que impede o funcionamento
da capacidade respiratória. Uma insuficiência respiratória provocada. Neste caso, uma
insuficiência respiratória de um homem negro, causada não por um único homem branco,
mas pelos homens brancos. E isso não acontece de modo harmônico e silencioso. Se Floyd
não resistia à prisão, provavelmente por saber do ônus que isso implicaria, é bem provável
que seu organismo se debatesse contra a sua própria vontade, em busca de mais um pouco de
ar... mais um pouco de ar para respirar. Seria impossível não ver, não ouvir. E, ainda assim,
não o foi. Como uma violência como essa pode, contudo, se manter invisível e inaudível?
Cena II
Cena III
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reflexão; e o Isso, que além de ser irreflexivo, lhe parece ser a marca de um estranhamento.
Uma subjetividade pensada assim em nada se aproxima de uma expressão clara de uma
vontade unificada.
Grosso modo, o Isso é um reservatório de libido. De potencialidades de investimento,
anseios e vontades irrefletidas. Enquanto o Eu seria uma espécie de superfície, de camada
do Isso, que, por ter contato com a realidade, com o mundo externo, se modificou. Dito de
outro modo, o Isso, diante das relações sociais, da sociedade, precisou se modificar. Não é
um processo natural. Não há qualquer essencialismo, mesmo que incipiente. O aparelho
psíquico, para Freud, é resultado de um processo social, histórico, mas não só, ele é resultado
do próprio processo de socialização. Não há um sujeito que se socializa. O Eu é o resultado
da operação de socialização.
Se em linguagem freudiana podemos dizer que o Isso nos impõe satisfações pulsionais,
estas só podem ocorrer com a ajuda do mundo externo, da realidade. Ou seja, o Isso exige
satisfação das pulsões, mas a sua gramática é inteiramente social e histórica. Não há satisfação
especulativa, autóctone, subjetiva, ou qualquer tonalidade de abstrações psicológicas dessa
espécie. As condições materiais de existência oferecerão o regime de possibilidades dessas
satisfações, bem como seu regime de impedimentos.
Cena IV
Não se trata de uma oposição substancial entre as instâncias, uma vez que se
compreende que o Eu não é mais que uma fachada, uma superfície do Isso que buscará
encontrar na realidade as condições materiais e o momento adequado para tentar obter
satisfação, sempre parcial. Não é muito lembrar que o Eu pode influenciar o Isso, refrear ou
adiar suas paixões, bem como modificar seus objetivos (FREUD, 1926/2017). Contudo, a
leitura proposta por Freud não é a de um Eu como expressão de uma natureza condescendente
e adaptativa formadora de um afeto político melancólico de resiliência. Para Freud, “o Eu
aprende que ainda há outro caminho para a garantia de satisfação, diferente da adaptação
ao mundo externo” (FREUD, 1926/2017, p. 226, grifo do autor), uma vez que “também se
pode intervir no mundo externo de forma modificadora e nele produzir propositalmente as
condições que possibilitam a satisfação” (FREUD, 1926/2017, p. 226, grifo do autor). Não
há a tese de um Eu adaptativo, com uma propensão imanente à sujeição nos processos de
dominação. Freud, mesmo que não construa uma teoria da revolução social, faz uma clara
crítica dos processos sociais. Em resumo, se o Eu é o resultado das imagens e significantes
performativos de uma dada gramática social, tal afirmação implica em outra: há gramáticas
possíveis, e não apenas uma. O Eu é uma espécie de contingência histórica e socialmente
localizável. Outro sistema de valores, de normas, e outras formas de relações de poder
produzirão não só outras contingências, outra configuração dessa superfície do Isso (ou
seja, outras imagens para o Eu) e consequentemente outras modalidades de satisfação
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pulsional. O que nos permite perguntar como seriam as formas de satisfação pulsional
possíveis à população negra numa sociedade não racista? Como seriam as modalidades
de satisfação para a população indígena numa configuração social que não se ocupasse de
seu extermínio? O que implicaria também na interrogação sobre os modos de satisfação
da pulsão numa sociedade branca, colonial e heteronormativa. Ou seja, como se organiza
o homem branco para gerenciar suas satisfações nas relações com a diferença? Como ele
trata o que lhe parece heterogêneo?
Cena V
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necessidade de sobreposição entre estes. Segue Freud, “por isso, temos a alternativa
judicial: responsável ou irresponsável” (FREUD, 1926/2017, p. 252). O discurso patológico
é antes um discurso jurídico que estabelece a fronteira entre o imputável e o inimputável.
O limite é móvel, mas ainda funciona como fronteira.
A violência do policial branco contra o corpo negro pode transformar esse policial,
eventualmente imputável, na condição de garantir nossa própria inimputabilidade provisória.
A violência policial pode mascarar nossa condição de imputáveis diante da violência racial.
A violência fardada é, enfim, o sintoma de uma violência que se naturalizou como condição
de ordenamento social, ela é a face de algo que tentava se manter sem dizer o próprio nome.
Cena VI
Como pode uma consciência moral conviver sem interrogar-se a si própria diante
de flagrantes de imoralidades violentas? Se a faculdade de julgar pode discernir entre o
bom e o mau, por que não produz seu veredito diante de ações que facilmente poderiam ser
constatadas como más? Tais modalidades de violência seriam expressões de uma ausência
de consciência moral? Seriam provas de uma inoperância do Super-Eu? Um testemunho
de uma inimputabilidade, ou seja, de uma patologia moral? Seriam formas de um lapso da
razão e do pensamento?
Qualquer uma dessas hipóteses incorreria num erro em comum: a ideia de que “a
barbárie não pensa equivale na realidade a procedimento caviloso de inocentamento”
(BADIOU, 2007, p. 14). Esse procedimento inocenta a barbárie tal como a penalização
civil daqueles policiais inocenta primeiro a polícia e, depois, o nosso próprio racismo. A
equação moral que indica o mal como algo impensável (Badiou, 2007), patológico, ou
identificando-o com as diversas formas do não-ser, não passa de uma forma precária de negar
uma positividade ontológica do mal (Badiou, 2007). A inimputabilidade autodeclarada de
nosso racismo não cabe no procedimento jurídico de imputar culpa, cabível e judicialmente
necessária, a alguns policiais. Parar por aí teria como função inocentar o pensamento. Ou
seja, a farda sobre a pele não inocenta o pensamento, muito menos a própria pele. Não se
trata de uma negatividade ontológica nem do mal, nem da moral. Não é suficiente dizer que
falta a alguns a consciência moral. Que alguns padecem de uma inoperância ou patologias
do Super-Eu.
Segundo Freud, dentro do próprio Eu se distinguiu uma instância específica, o
Super-Eu (FREUD, 1926/2017). Este, apesar de pertencer ao Eu, como uma organização
psíquica elaborada, mantém uma relação especialmente íntima com o Isso, este mesmo um
reservatório de libido (FREUD, 1926/2017). O que significa que, apesar de sua elaboração e
organização, ainda é alvo de precipitações de forças irrefletidas (FREUD, 1926/2017). Com
isso, sob tais forças, o Super-Eu trata o Eu como objeto, podendo ser com alguma frequência,
excessivamente duro. Por sua vez, é fundamental que o Eu esteja em acordo tanto com o
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Super-Eu quanto com o Isso, numa espécie de pacto social. Porém, como a consciência
moral pode objetificar o Eu e é ao mesmo tempo a expressão de forças de indeterminação,
seria preciso que tal exigência moral fosse suficientemente impessoal (FREUD, 1926/2017)
para uma eventual saúde anímica. O que na verdade não acontece. É o caso do neurótico,
que não é mera categoria clínica, mas uma forma de subjetividade destituída de identidade,
de unidade, e de uma vontade unificada.
Uma impessoalidade do Super-Eu poderia funcionar como um elemento regulatório.
Contudo, como não é esse o caso, ele pode se tornar cada vez mais um contraponto ao Eu
quanto maior for a experiência subjetiva de um afeto de desamparo. Essa instância acima
e sobre o Eu pode se tornar tão hostil a ele, de tal forma que essa intensidade não é sentida
como algo interno. Desde muito cedo, por exemplo em 1895, no Projeto para uma psicologia
científica, Freud já havia indicado que grandes potências internas adquirem valências que as
impossibilitam de serem percebidas como internas, sendo equivalentes às valências vindas
de fora. O excesso vindo de dentro é sentido como se viesse de fora. O próprio, quando em
excesso, parece outro.
As figuras sociais da moralidade, tais como o imaginário social das autoridades,
representações de um pai severo, de um soberano implacável, do líder religioso ou político
austero, e demais figuras prescritivas de uma moral se não puritana, ao menos com ambições
de pureza, ganham status de modelo. Vale lembrar que o fundamento do Eu é social. São
as leis e as normas sociais com as quais se aliena, como forma de consentimento necessário
para aceder à própria sociedade, que o constituem. A Lei e o social não são meros lugares
com os quais se relaciona, não são meramente estruturados, são estruturantes. Sendo a
consciência moral a elevação dos ideais prescritivos, negligenciá-los está fora de cogitação.
Portanto, a relação de poder aí não é circunstancial. Dito de outro modo, há uma relação
entre Super-Eu e Eu que não pode ser minimizada. Bem como a função do sentimento de
culpa e da autopunição nessa economia libidinal. O que Freud chama a atenção é que, grosso
modo, a autopunição pode cumprir uma função economicamente valiosa para o aparelho
psíquico, tal como o sintoma, com a diferença de poder prescindir deste. Ou se vira com o
mal-estar do desejo ou aplaca o desamparo com uma autopunição.
A adesão a princípios éticos radicais não causa estranheza a essa economia. Dominado
pelo sentimento de culpa, assujeitado às cobranças excessivas de uma moral extrema,
e incapaz de erguer uma representação consciente disso, o Eu se vê “impossibilitado de
orientar uma conduta a partir de julgamentos racionais” (SAFATLE, 2020, p. 449). É preciso
levar em conta o regime de afetos que parte do Isso e participa da construção daquilo que
chamamos de consciência moral. Há um fundamento de irreflexão e de indeterminação na
base da consciência moral. “Indivíduos produzem crenças, desejos e interesses a partir de
certos circuitos de afetos quando justificam, para si mesmos, a necessidade de aquiescer à
norma” (SAFATLE, 2020, p. 450).
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Cena VII
Está em questão uma forma peculiar de sujeição. Não aquela que deve ser visibilizada
do lado do oprimido. Me atenho aqui a outra. Refiro-me à sujeição do lado do opressor,
do ator das formas de violência. Uma sujeição a um Super-Eu tirano, podendo, inclusive,
ser agente de discursos fascistas. Tal sujeição não se positiva em experiências empíricas
identificáveis a de uma vítima. O opressor não se transforma magicamente em vítima. Sua
condição não sofreu nenhum deslocamento. Sua violência não é desrealizada.
Com isso, quero dizer que a consciência moral não é forjada apenas sobre os
alicerces das construções civilizatórias e das representações sociais e culturais. Ela não é
um condensado das aquisições históricas de uma sociedade que reúne o essencial de seus
regimes de conduta. Ela é, também, constituída e mantém íntimas relações com um regime
de afetos que, em grande medida, se fazem presentes apesar de irrefletidos. O que permite, a
alguns, a opção de uma forma peculiar de empatia, de identificação com as figuras sociais e
políticas agenciadoras de discursos radicais, supremacistas, etc. Uma das formas de se aliar
ao Super-Eu excessivamente opressor é se identificar com as formas sociais de opressão,
encarnando a condição de representantes diretos de uma moral austera.
A escolha por constelações verticais, de ideais a posições éticas verticalizadas sob a
forma de superioridade e supremacia de qualquer espécie, equivale à fotografia de um modo
de racionalidade. Tal verticalidade não é sem consequências para o estabelecimento ou
rupturas de vínculos sociais. Uma empatia verticalizada não porta as mesmas consequências
políticas de uma outra horizontalizada. O que não quer dizer que nos apoiemos em crenças
de que identificações horizontalizadas estariam livres de restos como um horizonte utópico.
Configurações distintas resultam em consequências e preços distintos.
O problema é que o poder soberano pode repetir a crueldade entre indivíduos mais
do que regulá-la. Há o risco maior de reprodução de uma violência do que sua suspensão.
Tal como é mais fácil que um sujeito, tomado pela crueldade das exigências de sua própria
consciência moral, repita essa violência com outro indivíduo. Em outras palavras, um Eu
tomado como objeto de tortura do Super-Eu não necessariamente reagirá ao mundo externo
com a parcimônia compensatória. Ou mesmo, a partir de ideais morais refletidos, tornando-
se instância moderadora. É relativamente fácil que se veja diante do risco de fazer com
o outro o reflexo sombrio de sua própria tortura. Pode objetificar o outro, inclusive com
violência e segregação, como formas brutais de responder aos ideários de seu próprio Super-
Eu. Para estes, não parecerá violência matar o outro com sua própria arma, usando algumas
das 550 balas a que tem direito por lei, para instaurar a paz em sua casa. Não soará absurdo
que um homem branco aponte uma arma para a cabeça de um jovem negro, pois esta cena
encontrará na dureza insensata de seu próprio Super-Eu, seu excludente de ilicitude. Não
parecerá violento voltar da viagem com Covid-19 e exigir que sua funcionária negra assine
seu próprio atestado de óbito no exercício escravizador e diarista dos cuidados com a casa
da família branca.
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Quanto mais imperioso e austero for o Super-Eu, maior será a violência sentida do
lado do Eu, e tanto maior poderá ser a possibilidade dessa intensidade interna ser sentida
como uma ameaça externa. O gesto que concilia o Eu com o Super-Eu, nesses casos, pode
ter como fundamento a ambivalência: a) precisa atender às exigências morais e, ao mesmo
tempo; b) é incapaz de perceber isso como uma exigência e ameaça internas – por isso, num
movimento de expulsão, as considera como vindas da realidade.
Esse arranjo, com pretensões conciliatórias, quanto mais imerso em imagens sociais
de um inimigo ameaçador, mais estará sujeito a cumprir violentamente os ideais morais,
sem que lhe seja necessário o recurso do recalque. Numa sociedade racista, não se espera
do sujeito nem ao menos o trabalho psíquico do recalcamento, uma vez que o racismo possa
lhe parecer virtude, mesmo que sob significantes eufemistas. Nesse contexto, será possível
manter a família unida sacrificando a família dos outros, construir sua segurança e paz com
violência e subtração de direitos, manter seu isolamento social com a exposição sistemática
de corpos ao vírus.
O joelho branco no pescoço preto, devido à suspeita de falsificação de alguns míseros
dólares, não falsifica o ideal branco do exercício da lei. Assim como o mesmo gesto diante da
queixa de barulho num bar não abala o ideal branco da surdez. Ou ainda, não falsifica o sabor
da cerveja gelada, no Leblon, nem faz calar o I don’t care, nem sua tradutibilidade literal no e
daí? nas faces esbranquiças que se amontoam entre os jovens de bem e de boa índole. I can’t
breathe ainda ecoa em diversos países, embora ainda seja inaudível em qualquer língua.
Réquiem
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da Saúde passou a solicitar informações sobre cor, gênero e classes sociais. Quando se
cruzam as variáveis de cor e escolaridade entre os mortos pela Covid-19, até o dia 29 de maio
de 2020, o número de negros sem escolaridade chegava a 80,35% contra menos de 20% de
brancos com nível superior.
Há um impossível a ser tratado tanto na clínica quanto na política. Um excesso
pulsional que pode encontrar expressão numa “irredutibilidade da violência como constante
antropológica” (SAFATLE, 2020, p. 464). Um impossível expresso como excesso, que não
resulta numa posição conformista que naturalize a violência tanto de uns contra os outros
quanto do Estado, ou violência de gênero, racial, ou qualquer outra. Impossível, aqui
entendido como categoria lógica de um resto inassimilável e não como fenômeno social
incapacitado de se realizar.
Não só a alienação, mas também a agressividade são elementos constitutivos de um
processo de socialização. Nesse sentido, a agressividade pode ser e é um dos fundamentos do
Eu “social”, o que não implica que ela só encontre expressão em formas sociais de violência
contra o outro ou contra si mesmo. A violência, que é própria aos laços sociais, pode e
deve ter como horizonte a possibilidade de se inscrever nos repertórios simbólicos de uma
sociabilidade coletiva.
A violência com que o Super-Eu pode tratar o Eu é solo fértil para a construção
de fantasias de ameaça, perseguição e confronto do outro em relação a mim. Quanto
mais for hipostasiado esse lugar e valor, mais o Eu poderá se portar de modo paranoico
e sob constante ameaça do outro, que identifica como diferente. Sobretudo se encontrar
narrativas sociais que contribuam com repertórios que pareçam consistentes nessa
ambientação. Essa é uma cena propícia para inúmeras formas de violência que pareçam
justificáveis, sem o mínimo de constrangimento de se reconhecer como religioso, pacífico,
homem de bem e, claro, não racista. Afinal, assim ele não seria contra negros, nem contra
indígenas, nem contra mendigos – a menos que sejam marginais, bandidos, que atrapalhem
a ampliação de madeireiras, plantações de soja, mineradoras, que sejam impedimento para
o desenvolvimento econômico, ou que perturbem a estética urbana com seus maus hábitos.
Ele pode achar exemplar divulgar vídeos em que aconselha a não alimentar nem doar roupas
a moradores de rua. São os mesmos que se colocam contra auxílios sociais, cotas, ensino
público, SUS, etc., certos de serem verdadeiros guardiões da ética. O que de fato são, se
lembrarmos que a consciência moral também é debitária de uma economia solipsista de
afetos irrefletidos, compartilháveis coletivamente.
O que Freud nos lembra é que toda forma clínica, social ou política, que busque
alternativas que tornem inaudíveis as ressonâncias da própria experiência de indeterminação
e a dimensão trágica da existência será cúmplice e, portanto, imputável de toda e qualquer
forma de violência que tente positivar um regime de normas solipsista. O joelho branco sobre
o corpo negro não precisa de farda. A morte por insuficiência respiratória da população negra
não precisa da asfixia mecânica: ela é sistemática. O vírus é inimputável, nosso racismo não.
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Referências
FREUD, S. A questão da análise leiga – Conversas com uma pessoa imparcial (1926). In:
Fundamentos da Clínica Psicanalítica – Obras Incompletas de Sigmund Freud – vol. 6.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017 (p. 205-313).
SAFATLE, V. Medo, desamparo e poder sem corpo. In: FREUD, S. Cultura, Sociedade,
Religião: O Mal-estar na Cultura e outros escritos – Obras Incompletas de Sigmund
Freud. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2020 (p. 449-488).
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3
AQUI É ALPHAVILLE, MANO!
Cleyton Andrade
Bianca de Araújo Silva
Thianne Lourena Cardoso Roque
2018, p. 228, grifo do autor). É um tipo de indivíduo visto aos montes no contexto sociopolítico
que, quanto mais se afirma íntegro e guardião da moral civilizada, mais faz aparecer com
luzes cintilantes a arcaica barbárie ineliminável de sua constituição; já, o segundo, é o
desviante, o destoante, a diferença que deve desaparecer.
O exército de “cidadãos de bem” põe-se em marcha, pois, para ele, a purificação do
mundo só se dá com a negação da diferença. A feroz e inflada necessidade de se alcançar o
“bem maior” acaba por justificar o ódio, isto é, acaba por colocá-lo no circuito, enquanto
afeto político. É justificável matar para proteger a segurança nacional? E a economia? Quem
morre? Ou pior: Quem deve morrer?
Como nos lembra Lacan, a formação da personalidade acontece “através da
socialização do indivíduo no interior de núcleos de interação como a família, as instituições
sociais, o Estado” (SAFATLE, 2017, p. 21). Neste sentido, não é de causar espanto que
figuras como essas apareçam, quando o contexto sociopolítico apresenta o espaço público
permeado “pela vida privada e pelas convicções morais do governante” (ROCHA, 2014,
p. 9), governante esse, que parece ter o poder de minimizar ou mesmo apagar o que se
expressa nas leis e na Constituição, por um capricho pessoal.
O autoritarismo ressurge querendo reconstruir o corpo daquele que decide sobre a
vida e a morte, um corpo imaculado caracterizado como ariano, juvenil e heroico (CHAUI,
2014): branco; com histórico de atleta, não sujeito a doenças; e combatente da corrupção
com as próprias mãos. Esse corpo físico do governante transformado em corpo político,
honrado e invulnerável é o que garante “o papel messiânico que deu a si mesmo” (CHAUI,
2014, p. 247). Busca produzir identificação tentando, através de seu discurso e de suas ações,
fazer com que a nação se veja refletida ali.
Mais uma vez, a história oficial tende a ser contada sob o lema de “ordem e progresso”,
“com a imagem que a classe dominante tem de si mesma” (CHAUI, 2014, p. 240). Ao que
escapa à narrativa e à memória dos vencedores é destinada apenas a condição de rechaço,
protagonizada por inimigos do avanço, da transformação, do “novo”.
O mais recente contexto de pandemia instaurado pelo Sars-CoV-2, vírus que causa a
Covid-19, expôs a céu aberto as graves consequências que regimes como esse podem trazer para
uma sociedade: a quantidade de mortos e de infectados decolando sem freio e a deslegitimação
da ciência e seu trabalho, só para nomear algumas. Além disso, explicitou também a existência
de um outro jogo de identificações, coabitando o mesmo espaço que o anteriormente citado,
que produz um outro tipo de relação com a lei e com as dinâmicas sociais.
Para Freud, “o processo social, que permite a constituição de subjetividades, é movido
pela internalização de modelos ideais de conduta socialmente reconhecidos e encarnados em
certos indivíduos. Modelos que podem aparecer nas figuras [...] de autoridade” (SAFATLE,
2017, p. 22 - 23), tal como o “cidadão de bem” faz com a figura de seu governante. Dizendo
de outro modo: o Eu se desenvolve tendo como referência um Outro; age, se expressa e
pensa orientado pelos ideais oferecidos pelo seu modelo.
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grupos profissionais, em resumo, é possuir um título (RANCIÈRE, 2009). O status que sua
posição lhe confere, portanto, não coincide nem com o que cabe ao povo nem com o que cabe
ao cidadão. Sua classe, enquanto terceiro que irrompe na dinâmica social, acaba reavivando
a dualidade problemática inscrita na chamada Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. “Se a política precisa de dois princípios, e não um só, é por causa de um vício”
(RANCIÈRE, 2014, p. 75).
Como evidenciava Marx, se os direitos do homem portam uma diferença em
relação aos direitos do cidadão, é porque homem e cidadão são duas categorias distintas
que não se equivalem e tampouco se confundem. Falar do homem – que não é o cidadão
– é falar do “homem como membro da sociedade burguesa, [...] indivíduo recolhido
ao seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da comunidade”, cuja
preocupação se volta apenas à “conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta”
(MARX, 2010, p. 50).
A pandemia, por seu alto nível de contágio e rápida disseminação de pessoa para
pessoa, exige uma reconfiguração nos modos como nos relacionamos. Suas características
colocam em jogo que o cuidado que cada um tem com sua saúde passa a ter consequências de
caráter coletivo. Provocando uma torção no modo de funcionamento político-social vigente,
de privatização da vida pública, a pandemia introduz um outro problema na cena: o privado
agora é uma questão de saúde pública.
Ao pensar no aparelho psíquico, Freud concebe o Eu como instância responsável
por lidar tanto com as exigências do mundo externo quanto com as demandas do Isso.
Enquanto mediador, “desenvolve a sua atividade em duas direções. De um lado, ele observa
o mundo externo [...]; por outro lado, ele influencia o Isso, refreia as suas ‘paixões’” (FREUD,
1926/2017, p. 225 - 226). Quando o aparelho psíquico, por meio de seu processo dinâmico de
funcionamento, consegue se organizar dessa forma, torna-se possível substituir “o princípio
de prazer, que antes era o único determinante, pelo chamado princípio de realidade”
(FREUD, 1926/2017, p. 226, grifo do autor), ou seja, os propósitos e as ações de um sujeito
não desconsideram as circunstâncias apresentadas pelo mundo real.
O uso da máscara, por exemplo, surge como um modo de proteção não só do sujeito,
mas também do outro, funcionando como uma barreira para o contágio tanto de fora para
dentro, quanto de dentro para fora. A dinâmica das relações exigida pelo contexto pandêmico
relembra, da forma mais crua possível, o quanto a sobrevivência de um sujeito é atravessada
por uma dependência mútua. Para que uma vida possa ser sustentada, é necessário algo
muito maior que o simples movimento de um organismo procurando se preservar.
O grande problema aparece, no entanto, quando à propriedade é conferido um
peso maior do que à vida. Aqui, sim, percebe-se o quanto os conflitos de interesse “se
resolvem mediante o emprego da violência” (FREUD, 1932/2010, p. 419). Quando, ao
longo dos processos de transformação sociopolítica, especialmente numa perspectiva
neoliberal, o termo responsabilidade ganha uma conotação bem deturpada, tornando-se
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Referências
AGAMBEN, G. Meios sem fim: notas sobre a política. Tradução de Davi Pessoa Carneiro.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. 135 p.
BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 5 ed. Tradução de Sérgio
Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. 288 p.
FREUD, S. A questão da análise leiga: conversas com uma pessoa imparcial (1926). In:
______. Fundamentos da clínica psicanalítica. Tradução de Claudia Dornbusch. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p. 205-313.
______. Por que a guerra? (Carta a Einstein, 1932). In: ______. O mal-estar na
civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930 – 1936).
Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 417-435.
MARX, K. Sobre a questão judaica. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo,
2010. 144 p.
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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______. O ódio à democracia. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.
125 p.
SAFATLE, V. Introdução a Jacques Lacan. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
95 p.
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CUIDADOS E DESCUIDADOS EM TEMPOS DA COVID-19
Jefferson Bernardes
O impacto causado pela rapidez do avanço do novo coronavírus no mundo levou boa
parte da comunidade acadêmica a analisar o momento atual. Este ensaio foi produzido a
partir do convite recebido para participar do webencontro intitulado “Cuidados com a saúde
em tempos de pandemia – orientações interprofissionais”, organizado pelo Programa de
Formação Continuada em Docência do Ensino Superior (PROFORD), da Pró-reitoria de
Graduação, da Universidade Federal de Alagoas/UFAL, em maio de 2020 (UFAL, 2020).
Professoras/es da nutrição, educação física, odontologia, enfermagem, psicologia e
psiquiatria interagiram neste webencontro, orientadas/os por uma conversa informal sobre
as possibilidades de manter os cuidados de si e das/os outras/os, tendo como contexto o
momento de distanciamento físico e social, por conta da quarentena imposta para o combate
do Sars-Cov2.
Consensuada entre os profissionais participantes, uma pergunta foi norteadora do
bate-papo: Em tempos de pandemia do novo coronavírus, o que é o cuidado?
Ao refletir sobre o tema para responder tal questão, recorri a duas leituras sobre
cuidado, baseadas em Boff (2020; 1999) e Canguilhem (1989), fazendo uma crítica a elas a
partir de uma argumentação neopragmática (FERRAZ, 1994), fundamentada na Filosofia
da Linguagem (RORTY, 1998) e na perspectiva das práticas discursivas e da produção
de sentidos (SPINK, 1998/2013). Fiz isso por meio de posicionamento antiessencialista,
tentando avançar na conceituação de cuidado a partir do campo linguístico.
Leituras essencialistas, boa parte das vezes, abrem espaço para que um único grupo
(geralmente quem está no poder) dite o que é verdade (cuidado, saúde, doença etc). Algo que
presenciamos no Brasil, atualmente. Argumento que assistimos à constituição de uma política
de descuidado, algo próximo a uma necropolítica (MBEMBE, 2018), definida, grosso modo,
como o direito da soberania de matar. Direito de matar associado a um inimigo qualquer,
eleito para manter o binômio nós x eles. Entretanto, argumento, também, que o vínculo
produzido como condição para o cuidado pode ser também utilizado para o descuidado.
Para ilustrar isso, apresento duas questões atuais do Brasil pandêmico que, em meu
modo de ver, promovem essa política do descuidado: as fake news e as políticas do governo
federal, ambas envoltas em disputas de poder.
PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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Cuidado - Boff
A partir do mito, Borges-Duarte (2010) argumenta que o ser humano nasce não do
espírito, nem do corpo, mas com o que lhe deu forma: o cuidado, que o mantém em vida.
Do mito, deduzimos uma característica importante para o cuidado apresentado nessa
primeira leitura: ele está presente durante todo o tempo de vida do sujeito, em caráter
permanente. O ser humano só tem condições de se constituir a partir do cuidado.
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Cuidado - Canguilhem
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Para Ferraz (1994), além de quem decidirá sobre a importância da vida, estamos
imersos no jogo político de quem decidirá o que é a doença e, por consequência, o que
é e como será produzido, o cuidado. Este é um ato que não pode ser despolitizado, pois
inscreve-se na tradição, no poder autorizador da linguagem, apoiada nas várias histórias e
argumentações produzidas.
Passados quatro meses do primeiro caso de Covid-19, no Brasil, torna-se hoje mais
claro que uma pandemia é um processo longo e sofrido. Implica muitos movimentos de idas
e vindas, fechamentos e aberturas, revisão dos procedimentos todos a todo o momento.
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Enfim, um processo lento, que seguramente impacta muito nossa saúde mental, além do
esgotamento com o distanciamento físico e social que se avoluma a cada dia que passa.
No nível político, dependendo da forma como o Estado lida com a pandemia, pode
gerar descuidados que provocam ainda mais sofrimento nas populações. São produzidos
“cuidadosamente” a partir do campo da linguagem, com as muitas narrativas que entopem
nossas redes sociais e as mídias, em torno da pandemia, e exploram exatamente o vínculo
existente entre os sujeitos envolvidos. Se o cuidado é dispositivo de acolhimento, o
descuidado é dispositivo de manutenção do sofrimento. Apresento a seguir, dois exemplos
de dispositivos de descuidado.
A primeira política dos descuidados está sendo produzida pelas chamadas Fake News,
que a grosso modo, significa notícias falsas, produção e distribuição de desinformação,
escritas com a intenção de enganar.
Allcott e Gentzkow (2017) definem fake news como sendo publicações
intencionalmente falsas e aptas a serem verificadas como tal, com o intuito de enganar
leitoras e leitores: “We conceptualize fake news as distorted signals uncorrelated with the
truth.” (2017, p. 212).
Vários autores (AYMANNS; FOERSTER; GEORG, 2017; DELMAZO; VALENTE,
2018; RECUERO; GRUZD, 2019; SHU et al., 2017) diferenciam fake news de sátiras. Estas,
buscam sempre um valor humorístico, revelando suas intenções no próprio discurso e
formato, não tendo o propósito de enganar. Da mesma forma, os boatos e rumores não
são considerados fake news, pois lhes falta o desejo de autenticidade (RECUERO; GRUZD,
2019).
Para Recuero e Gruzd (2019), o conceito de fake news é sinônimo de desinformação:
são notícias falsas que circulam, principalmente, na mídia social. Para as autoras, fake news
não é informação pela metade ou mal apurada, mas falsa e intencionalmente divulgada, a
fim de atingir interesses de indivíduos ou grupos. Shu et al. (2017) afirmam que a ausência
de autenticidade e o propósito de enganar são as duas características básicas que compõem
o que se compreende como fake news.
Mas, não basta ser uma notícia feita para enganar. Ela tem que parecer verdadeira. Neste
sentido, várias outras/os autoras/es indicam que a manobra envolve a produção meticulosa
no estilo, linguagem e narrativas jornalísticas, na tentativa de dar ares de credibilidade à falsa
notícia (TANDOC; WEI; LING, 2018; VARGO; GUO; AMAZEEN, 2017).
Para Recuero e Gruzd (2019), três elementos são importantes na caracterização das
fake news: (1) o componente de uso da narrativa jornalística e dos componentes noticiosos;
(2) o componente da falsidade total ou parcial da narrativa e (3) a intencionalidade de
enganar ou criar falsas percepções.
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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Uma leitura apressada pode afirmar que falta informação à população para saber
lidar com o vírus causador da pandemia. Entretanto, estamos entupidos de informações.
Boa parte delas são fake news e possuem função clara, além da desinformação: produção de
medo, ódio, ansiedade.
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 2630/2020 (SENADO FEDERAL, 2020),
que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Este projeto adota medidas de combate à disseminação de notícias falsas nas redes sociais.
Já, na Câmara dos Deputados, há 50 propostas que buscam combater e criminalizar a
disseminação de notícias falsas.
O debate no Congresso Nacional é amplo e envolve uma imensidão de segmentos
sociais com controvérsias as mais diversas. Os argumentos elencados, que vão de censura
a liberdade, saltam de língua em língua para defender ou atacar qualquer tentativa de
limitação das chamadas fake news. Me causa estranhamento a alegação de que a produção
de mentiras, visando enganar deliberadamente, seja sustentada em nome da liberdade de
expressão. A quem interessa isso? Por quê?
Claudia Galhardi e Maria Cecília de Souza Minayo, pesquisadoras da FioCruz,
identificaram as principais fake news relacionadas à Covid-19 recebidas pelo aplicativo Eu
Fiscalizo, entre os meses de março e maio (FIOCRUZ, 2020).
Segundo as pesquisadoras, a disseminação de notícias falsas relacionadas à Covid-19
enfraquece o combate à pandemia, além de jogar a ciência e as instituições de saúde pública
em descrédito.
Entre as fake news notificadas no aplicativo, 24,6% apresentam a doença como uma
estratégia política. No mais, 15,9% se referem ao novo coronavírus como uma farsa, 10,1%
ensinam métodos caseiros de prevenção ao contágio, 10,1% defendem o uso da cloroquina
ou da hidroxicloroquina, sem comprovação de eficácia científica, e 7,2% são contra o
distanciamento físico ou social. Isso, sem contar as que difamam as/os profissionais de
saúde e as que são contra o uso de máscaras ou álcool em gel.
Visando melhorar a saúde mental em tempos de pandemia é fundamental buscarmos
informação em fontes confiáveis. Claro, vale também a crítica e a dúvida frente aos conteúdos
que nos apresentam. Para as pesquisadoras da FioCruz, é necessário redobrar a atenção ao
receber informações nas redes sociais e fazer uma leitura crítica antes de compartilhá-las.
A segunda política dos descuidados é ditada pelo próprio Governo Federal. Guess,
Nyhan e Reifler (2018) falam de um novo tipo de desinformação política marcada por uma
dubiedade factual com finalidade lucrativa, seja no campo político, seja no econômico. Essa
dubiedade factual abre o segundo descuidado e apresento uma teoria que ajuda a compreender
o processo de descuidado envolvido nela. É a Teoria do Duplo Vínculo, apresentada por
Bateson, Jackson, Haley e Weakland (1956).
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Referências
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Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, p. 211-36, 2017. Disponível em: <https://
pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jep.31.2.211>. Acesso em: 20 jun. 2020.
AYMANNS, C.; FOERSTER, J.; GEORG, C-P. Fake News in Social Networks. University
of St. Gallen, School of Finance Research Paper N.º 2018/4, 2017. Disponível em:
<https://ssrn.com/abstract=3023320 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3023320>.
Acesso em: 20 jun. 2020.
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br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020000200392&lng=en&nrm=iso>.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.31002019>. Acesso em: 29
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BOFF, L. Saber cuidar: Ética do Humano: Compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
Disponível em: <http://pt.slideshare.net/sofphyazul/saber-cuidar-completo>. Acesso em:
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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TANDOC, J. R.; WEI LIM, Z.; LING, R. Defining “Fake News”. Digital Journalism, v. 6,
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VARGO, C.; GUO, L.; AMAZEEN, M. The agenda-setting power of fake news: A big data
analysis of the online media landscape from 2014 to 2016. New Media & Society. v.
20, ed. 5, p. 2028 – 2049, 2017. Disponível em: <https://doi-org.ezproxy.lib.ryerson.
ca/10.1177/1461444817712086>. Acesso em: 30 ago. 2018.
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DESIGUALDADES RACIAIS E VIOLÊNCIA DE
GÊNERO: O QUE PODEMOS (DES)APRENDER COM A
PANDEMIA DA COVID-19 DESDE UMA PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL?
Telma Low
Danielly Spósito
Vanessa Ferry
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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Neste sentido, nós – duas mulheres brancas cis e uma mulher parda cis, porém,
todas de condição socioeconômica confortável – reconhecemos e assumimos nosso lugar de
privilégio, respeitando e apoiando o lugar de fala das pessoas negras e pardas, nos somando,
como feministas antirracistas, à luta contra o racismo em todos os espaços/contextos. Ou
seja, firmamos nosso compromisso com a proposta de “enegrecer o feminismo”, feita por
Sueli Carneiro (2003), teórica, pesquisadora e mulher preta brasileira, questionando a
premissa de um sujeito universal mulher, construída pelas feministas brancas e ocidentais,
dentro de uma perspectiva de conhecimento eurocêntrico e colonizador.
Neste ensaio, pretendemos refletir acerca de como gênero, cor/raça e classe se
articulam, produzem opressões diversas e nos convidam a pensar que a pandemia do novo
coronavírus vem escancarar aquilo que acontece há séculos no Brasil: as desigualdades de
poder e de oportunidades nas relações entre mulheres e homens, entre as próprias mulheres
e entre os próprios homens, que precisam ser analisadas, fundamentalmente, à luz do
entrecruzamento entre gênero, cor/raça, etnia, classe, sexualidade (AKOTIRENE, 2019).
Para tanto, teceremos questões acerca de dois temas que consideramos primordiais
para serem re-pensados dentro dos feminismos: o aumento da violência de gênero no espaço
doméstico durante a quarentena e as violências fruto das opressões exercidas por mulheres
brancas contra mulheres negras.
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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3 Esse caso foi noticiado em diferentes mídias digitais nacionais, como: Revista Fórum, disponível em: <https://
revistaforum.com.br/brasil/jurista-comenta-detalhes-ate-entao-desconhecidos-do-relatorio-da-policia-
sobre-caso-miguel/>; TV Jornal, disponível em: <https://tvjornal.ne10.uol.com.br/noticias/2020/07/14/
caso-miguel-advogado-de-mirtes-espera-que-acusacao-contra-sari-seja-recebida-integralmente-191640>e
G1, disponível em: <https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/07/06/caso-miguel-ela-tentou-
mostrar-uma-imagem-sofrida-mas-acho-que-nao-conseguiu-diz-mirtes-sobre-entrevista-de-sari.ghtml>.
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mulher alçada ao cargo mais importante da democracia republicana estava sendo objeto de
ridicularização e erotização no espaço público. Em que outra situação ocorreu algo parecido
a um homem?
Falar sobre feminismos incomoda. Os discursos patriarcais se empenham em
distorcer o termo feminismo, com o intuito de produzir sentidos pesados e designar
mulheres consideradas como não “femininas”, agressivas, e/ou que não gostam dos
homens. Incomoda, porque tem sido comum resistir ao convite de mudança sobre o que
está acomodado. Por séculos, a humanidade foi dividida entre dois gêneros, um que oprime
e exclui o outro (ADICHIE, 2014) e entre duas raças, a negra, marginalizada e inferior e a
branca, dominante e universal; além de duas classes, a trabalhadora, operária e a burguesa,
rica, privilegiada. Esses binarismos, de gênero, racial e de classe parecem organizadores
das relações construídas na sociedade brasileira, a qual vem se constituindo com base
colonialista, racista, escravocrata, classista e sexista. Se não partirmos dessa discussão, não
seremos capazes de reconhecer os problemas da nossa sociedade.
Portanto, enquanto feministas antirracistas ressaltamos que seguiremos na disputa
de narrativas que visem tecer questões de modo complexo, situado e implicado acerca das
desigualdades, opressões e violências desde uma perspectiva feminista interseccional. O eixo
central de nossas análises se concentrará, primordialmente, nas contribuições e produções
de teóricas e teóricos, especialmente negras/os e feministas, as/os quais vêm evidenciando
e denunciando o quão as desigualdades de gênero na nossa sociedade são determinadas pelo
racismo (CARNEIRO, 2003; RIBEIRO, 2019).
Quem nos lê pode ter se dado conta de que priorizamos uma escrita coletiva, centrada
no nós, no plural, como forma de expressar ideias, perguntas e afetações que compartilhamos
e com as quais todas três nos identificamos. Mas, em determinados trechos, ainda que
usemos a primeira pessoa do plural, a escrita estará muito mais dirigida a duas de nós,
mulheres brancas, especialmente no subtópico 4, pois estamos conscientes de que o racismo
é um problema nosso, protagonizado, exercido e perpetuado por nós, pessoas brancas.
De modo que somos nós, as autoras que se autodeclaram como brancas, que devemos
nos revisitar, assumirmos que o racismo nos estrutura e nos constitui, nos colocando em
posição de privilégio. Só assim poderemos e conseguiremos, de fato, nos implicarmos e nos
comprometermos com a luta antirracista. Estamos diante de um desafio, mas também de
um grande desejo e possibilidade.
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teórica negra brasileira ressalta que o conceito de determinantes sociais de saúde foi alçado
pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) para destacar o “[…] processo complexo
no qual participam fatores estruturais e fatores intermediários da produção de iniquidades
em saúde” (WERNECK, 2016, p. 540).
Certamente, sexo, gênero, cor/raça, etnia, classe, geração, sexualidade (orientação
sexual e identidade de gênero), capacitismo, etc. parecem fundamentais para analisarmos a
situação de saúde das pessoas, em especial das mulheres negras, que aparecem sempre no
topo dos piores índices de acesso às políticas e serviços públicos. Com a pandemia, a situação
de vulnerabilidade das pessoas negras, em especial das mulheres, é exacerbada, visto que:
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dados sobre violência de gênero durante a pandemia escancaram que a casa não é um lugar
seguro e protegido para muitas mulheres.
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, responsável
pelo Disque 180, canal de denúncia dos casos suspeitos ou confirmados de violência de
gênero, houve um incremento em 37,58% do número de denúncias registradas, entre abril
de 2019 e igual período de 2020.
O FBSP lançou, em abril de 2020, uma nota técnica intitulada “Violência Doméstica
durante a pandemia de Covid-19”, apontando uma contradição: no início da quarentena,
assim como ocorreu em outros países, o número de registros de Boletins de Ocorrência (BOS)
de casos de violência doméstica diminuiu significativamente em todo o país, comparado ao
ano de 2019.
Essa redução impactou na distribuição e concessão, por parte do judiciário, das
medidas protetivas de urgência, que tiveram uma queda de 67,7%, em comparação às
concedidas no mesmo período, em 2019. Em contrapartida, são trazidos dados mostrando
que, em pesquisa realizada no universo digital, como no Twitter, por exemplo, constata-se o
aumento de 431% dos relatos de brigas entre casais vizinhos, no período de fevereiro a abril
de 2020.
Em Maceió/Alagoas, cidade em que vivemos, o número de mulheres que demandaram
acompanhamento e proteção, por parte da Patrulha Maria da Penha, aumentou em 146%
nos quatro primeiros meses de 2020. A dimensão ganha traços ainda mais alarmantes ao
retomarmos a fala da Diretora-Executiva para Mulheres, da Organização das Nações Unidas
(ONU), ao destacar que as oportunidades para denunciar são significativamente mais
difíceis, nos países em desenvolvimento, tendo em vista a vulnerabilidade socioeconômica, o
que faz com que menos de 40% dos casos cheguem à denúncia formal (ONU BRASIL, 2020).
Uma matéria publicada no jornal Gazeta de Piracicaba expressa os desafios que
uma mulher em situação de violência enfrenta durante a quarentena. Maria, nome fictício,
teve o contrato de trabalho interrompido ao início da quarentena e ficou em casa com seu
companheiro, conforme destaca a notícia:
São milhares de Marias pelo mundo, de modo que esse relato e esses números
escancaram a fragilidade da rede de proteção às mulheres em situação de violência, posto que
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Mais uma vez, pedimos permissão às mulheres e pensadoras negras para trazermos
para nosso texto uma expressão e provocação feita por Sojourner Truth, em 1851, no poema
On woman’s dress poem. Traduzido e apresentado integralmente no livro Lugar de Fala, de
Djamila Ribeiro (2019, p. 23), do qual reproduzimos aqui um trecho que diz:
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Truth denunciava, já naquele tempo, que nós, mulheres brancas, em sua maioria, não
estávamos preocupadas com as lutas e realidades das mulheres negras, especialmente com
as desigualdades e violências produzidas pelo sistema escravocrata, que afetava, violentava,
explorava e assassinava não apenas as mulheres negras, mas também os homens negros.
Parece que, com a pandemia da Covid-19, o racismo vem tomando uma certa
notoriedade tardia, se assim podemos dizer, a partir de denúncias e manifestações ocorridas
em vários países, inclusive no Brasil, principalmente após o assassinato de George Floyd,
no dia 25 de maio, nos EUA. Floyd era um homem afro-americano que foi imobilizado e
assassinado por um policial branco (acompanhado por outros dois), mesmo estando
desarmado e comunicando que não estava conseguindo respirar. Este foi mais um caso de
assassinato de pessoas negras, nos EUA, repercutido internacionalmente.
A quarentena provocada pelo novo coronavírus não foi suficiente para manter a
população negra e antirracista em casa, cumprindo o distanciamento físico recomendado. O
vírus do racismo foi mais uma vez exposto e denunciado, de modo a levar às ruas milhares
de pessoas, em várias partes do mundo.
No Brasil, somente em 2019, 74% das pessoas assassinadas pela polícia eram negras,
de acordo com dados do FBSP (2019). Entre 2007 e 2017, o índice de pessoas negras
exterminadas aumentou em 33,1%, enquanto o de pessoas não negras cresceu 3,3%. Essas
taxas são apresentadas pelo Atlas da Violência 2019 (IPEA/FBSP, 2019), mas parecem não
causar tanto impacto, revolta e repercussão. Qual o motivo?
Os estudos decoloniais têm contribuído bastante no processo de recontar a nossa
história fora das lentes e narrativas ocidentais, brancas e eurocêntricas, fazendo perguntas e
problematizando a ideia de uma sociedade brasileira miscigenada e sem racismo. São esses
estudos que têm nos inspirado e provocado uma ruptura com saberes, fazeres e sentires que
sustentavam uma epistemologia colonizadora.
A escrita deste texto emerge como uma expressão de nossas aproximações, aprendizados
e encantamentos com as produções das teóricas e teóricos negras/os decoloniais. De modo
que nossas práticas, pesquisas e conhecimentos têm enegrecido, isto é, têm firmado nosso
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A notícia da morte de Miguel, provocada por Sari, nos levou às lágrimas e nos trouxe
muita indignação, desesperança e raiva dessa sociedade tão desigual, racista, capitalista e
sexista. Primeiramente, nos solidarizamos com Mirtes e com toda a família dela pela perda
tão precoce de Miguel. Entendemos que Miguel morreu devido ao racismo e elitismo que
sustentou a atitude de Sari, permitindo que ela não se sentisse responsável pela vida de
Miguel, um menino negro e pobre, abandonando-o no elevador. Compreendemos também
que Sari exerceu violência e opressão, ainda que “indiretas”, contra Mirtes, mulher negra
e pobre, que cuidava da casa, da filha e da cadela de Sari, mulher branca, de classe média.
Mirtes, não contou com o apoio, solidariedade, cuidado e responsabilidade por parte de Sari,
ainda que momentaneamente.
Os trabalhos que desenvolvemos com mulheres ao longo de nossa trajetória tem
nos tocado e ensinado muito. Pois, muitas delas, quando estão em situação de violência de
gênero, compartilham como sofrem quando veem seus filhos e filhas ameaçadas e em risco
provocado pela pessoa autora de violência. Chegam a afirmar que é pior do que quando elas
são diretamente agredidas. Ou seja, ver a pessoa autora da violência ameaçar e agredir a
um/a filho/a é também uma violência contra elas. Muitas mulheres mães, a grande maioria
negra e pobre, que perdem seus filhos para a violência policial (no masculino, mesmo,
porque a grande maioria são homens jovens), também relatam que era melhor elas terem
sido assassinadas no lugar deles. Dizem que essa é uma dor que jamais cessará e que suas
vidas nunca mais serão as mesmas.
Mirtes também parecia sentir essa dor incessante, pois afirmava que a vida dela era
toda voltada e pensada para o bem e o futuro de Miguel. Ela demonstrava esperar algo
diferente por parte de sua patroa, outra mulher, mãe, como ela. Mirtes sofreu, ainda, com o
abandono e violência que sentiu por parte de sua patroa, pois morreu ali uma criança e, em
parte, juntamente com ela, uma mãe, uma avó, inúmeros planos, sonhos, projetos, desejos,
etc. Mirtes afirmou:
Ela confiava os filhos dela a mim e à minha mãe. No momento em que confiei
meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para tirar (do
elevador). Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um
pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era
criança. (Extra digital, 2020)
O racismo, classismo e sexismo sustentaram que Sari e Sérgio não dessem a opção a
Mirtes e a sua mãe de ficarem em casa, com a remuneração garantida, evitando se exporem
à Covid-19 durante a pandemia. Inclusive, talvez, sob a premissa de que, para muitas
pessoas, o trabalho desempenhado pelas empregadas domésticas deveria ser considerado
serviço essencial durante a quarentena. O racismo tirou, portanto, de Mirtes e da mãe a
possibilidade de escolherem seguir a recomendação sanitária do “fique em casa”, pois
precisavam sobreviver, cuidar de si e de Miguel.
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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A dor e revolta dessas duas mulheres, Mirtes e sua mãe, nos parece inimaginável
até porque não exercemos a maternidade e, como a própria Mirtes reconheceu, o racismo
estrutural e institucional faz com que apenas algumas vidas importem e sejam dignas de
serem choradas e enlutadas: “Se fosse eu, a essa hora, já estava lá no Bom Pastor (Colônia
Penal Feminina), apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Como
Sari é uma mulher branca, de classe alta, ela está respondendo em liberdade.
Retomamos aqui o conceito de interseccionalidade, a fim de compreender o quão
Mirtes, sua mãe e Miguel, mulheres e criança negras, sofreram as consequências desse
sistema racista, patriarcal e capitalista, que deu alicerce a Sari de exercer um poder desigual
sobre essa família ao ponto de banalizar o valor da vida de Miguel, de sua mãe e de sua
avó. Então, nós nos perguntamos: até quando nós, mulheres brancas, permaneceremos
oprimindo mulheres negras e contribuindo com o extermínio e violação de direitos da maior
parte da população brasileira?
Até quando pactuaremos e perpetuaremos com os privilégios oriundos da supremacia
branca, construindo relações hierárquicas e desiguais com as mulheres negras, mas também
com os homens negros? Até quando seguiremos explorando as mulheres negras na cadeia
de cuidados femininos, invisibilizando a relevância do debate sobre trabalho produtivo e
reprodutivo articulando gênero, cor/raça, etnia e classe? Até quando podemos nos afirmar e
nomear feministas sem nos implicarmos na luta contra o racismo, o capitalismo, a transfobia
e tantas outras desigualdades?
Ainda que não tenhamos uma resposta para essas questões e tão pouco a pretensão e
o poder de dizer quem pode ou não se nomear como feminista, reafirmamos o compromisso
com um feminismo interseccional que aposta e luta por uma sociedade justa, livre, equitativa
e não violenta, que se posiciona contra as hierarquias de poder nas relações entre mulheres
e homens, entre as próprias mulheres e entre os próprios homens.
Nesse sentido, nos posicionamos e nos somamos ao processo já iniciado de
desconstrução do racismo entre nós, mulheres brancas. De modo que ousamos convidar
mais mulheres brancas, e também homens brancos, a pensar e reconhecer a “suposta
neutralidade da identidade racial branca que faz com que grande parcela da sociedade tenha
privilégios, mas não os perceba” (SCHUCMAN, 2014, p. 92).
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
BARBOSA, Jeanine Pacheco Moreira; LIMA, Rita de Cássia Duarte; SANTOS, Gabriela
de Brito Martins; LANNA, Solange Drumond; ANDRADE, Maria Angélica Carvalho.
Interseccionalidade e outros olhares sobre a violência contra mulheres em tempos de
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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BARUFALDI, Laura Augusta; SOUTO, Rayone Moreira Costa Veloso; CORREIA, Renata
Sakai de Barros; MONTENEGRO, Marli de Mesquita Silva; PINTO, Isabella Vitral; SILVA,
Marta Maria Alves da; LIMA, Cheila Marina de. Violência de gênero: comparação da
mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de violência. Ciência
& Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, 2017, p. 2929-2938.
BRASIL. Lei nº 14.022, de 7 de julho de 2020. Altera a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro
de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar
contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas
idosas e pessoas com deficiência, durante a emergência de saúde pública de importância
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6
PSIS DESASSOSSEGADOS: ATENDIMENTOS CLÍNICOS
ON-LINE EM TEMPOS DE PANDEMIA
Charles Lang
Juliana Falcão
profissionais. Mas, à medida que as semanas e os anos vão se passando, essa comoção vai
diminuindo e ingressamos num tempo pós-traumático.
No segundo tempo, a situação parece ter se estabilizado, com os mais envolvidos
aparentando ter aprendido a suportar ou se acostumado à nova situação, de maneira que a
rotina social vai reassumindo seus contornos mínimos. Justamente nesse tempo, o que pode
significar anos depois, os efeitos do trauma se revelam de forma mais intensa e, o que é mais
grave, desconectados de sua origem. Por isso, quando pensamos sobre os atendimentos
remotos é importante considerá-los no contexto da pandemia, mas, também, na perspectiva
de um segundo momento em que se projeta um “novo-normal” e um “mundo pós-pandemia”.
Escolhemos a Plataforma francesa pelo fato de ela ter sistematizado e sintetizado o
que acabou surgindo em diversos recantos, além de ter dado visibilidade, de forma ativa,
ao que vem sendo discutido a partir do final dos anos 90 do século passado: a emergência
da cibercultura e, nesse contexto, a possibilidade de atendimentos médicos e psicológicos
a distância.
Christian Dunker publicou recentemente A arte da quarentena para principiantes
(Boitempo, 2020), com um capítulo dedicado à escuta e aos atendimentos psicológicos
on-line. No final do seu e-book, ele acrescentou uma lista de centros de referência
para escuta on-line, no Brasil, datado de março de 2020, o que nos dá uma ideia dos
serviços com os quais já era possível contar à época dos primeiros decretos estaduais de
isolamento social.
1. Ciber
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por Freud sobre alguns de seus atendimentos ou os relatos de pacientes de Lacan, acerca das
suas sessões de análise, indicam que, em situações excepcionais, os mestres também fizeram
variações. Mesmo assim, com o passar do século, estabeleceu-se um modelo cujo cerne é o
atendimento presencial, individual e no consultório do analista.
A Associação Psicanalítica Internacional, a mais antiga entre as instituições
psicanalíticas, vem atualizando suas reflexões sobre o uso do Skype, do telefone e de outras
VoIP, pelo menos desde 2014. Essas reflexões têm como núcleo o que se entende como o
tratamento-padrão e não se pensa que o atendimento on-line seja uma outra forma de
atendimento analítico.
A primeira das recomendações da IPA, feita para qualquer análise remota é a
de que o analista deve assumir que nem todos os pacientes são capazes de suportá-la. É
necessário avaliar previamente se há condições para a análise clínica ou se ela é eticamente
contraindicada. O trabalho nas entrevistas preliminares on-line, assim como nas
presenciais, é sempre decisivo para a entrada em uma análise. No entanto, nos atendimentos
on-line, a porta de entrada torna-se mais estreita. Por exemplo, segundo as orientações da
IPA, pacientes com ideação suicida, quadros psicóticos, pacientes que sofreram separação
precoce ou trauma grave não são elegíveis para o atendimento on-line.
Outra observação parte do ideal de que uma análise que vá ter uma continuidade a
distância possa sempre começar presencialmente, considerando que o analista e o paciente
se encontrem o máximo possível ou, no mínimo, uma vez por ano. A indicação é para
que haja o maior período presencial possível, no consultório, que permita o ancoramento
transferencial e facilite os processos de que requer uma análise. Nesse sentido, o atendimento
on-line é a ausência da presença necessária. É uma prótese, um substituto temporário, uma
contingência.
Tais questões se repetem em mais uma recomendação. A análise por telefone ou
Skype deveria somente ser levada em consideração quando a distância geográfica for uma
dificuldade real e intransponível. Mas, outras situações precisam ser levadas em conta para
a continuação de uma análise on-line: um período de crise e confinamento ou mesmo, por
exemplo, quando o paciente apresenta uma patologia crônica e/ou somática que o force a
ficar em casa.
O analista deve discutir com o paciente a natureza experimental dos métodos que
envolvem telecomunicações, mas também e acima de tudo a diferença entre a análise
por Skype (e telefone) e a análise no consultório, além dos motivos para a escolha dessa
modalidade. Essa orientação trata da necessidade de um tempo de preparação com o paciente,
tempo em que se discute a modificação do enquadre, estabelecendo um cronograma, a
duração da sessão, quem ligará para quem, qual a tecnologia a ser utilizada – por telefone
ou videoconferência –, assim como um “Plano B” para a comunicação que eventualmente
poderá falhar e, ainda, tratar dos pagamentos eletrônicos, quando aplicável.
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O analista deve estar ciente dos contextos de seu paciente (cultural, social e
educacional) e deve ter algum conhecimento do sistema de saúde mental e dos recursos
do paciente em crises graves, tentativas de suicídio ou necessidade de hospitalização.
Uma outra sugestão da IPA diz respeito ao objetivo da sessão: o de explorar a natureza
do encontro analítico no Skype ou por telefone. Daí deve-se verificar se há diferenças
significativas em relação à estrutura do atendimento no consultório e, se houver, de que
maneira poderíamos, se necessário, fazer alterações e compensações para permitir a
evolução de um processo analítico.
Atenção especial deve ser dada à privacidade do ambiente, para que a análise seja
sempre realizada em local reservado. O analista deve certificar-se de que a tecnologia usada
é segura e que protege a confidencialidade do paciente. É essencial a escolha de um lugar
silencioso, seguro, privado e confortável, um local onde não haja interrupções. Muitas
vezes os latidos de cães, as vozes dos membros da família e outros ruídos comuns de fundo
atravessam o espaço da sessão. Trancar a porta ajuda a evitar que as pessoas entrem e
saiam, enquanto o analista estiver em uma ligação ou videoconferência. A ênfase é que o
atendimento virtual reproduza ao máximo uma situação presencial. Animais de estimação e
crianças são distratores naturais. Existem também os digitais (relógios, notebook, tablets e
outros telefones), que devem permanecer desligados ou colocados no modo de espera.
Ao compartilhar o mesmo ambiente de som virtual que o paciente o analista deve
fazer o possível para se manter sempre no mesmo local durante esse período, embora nem
sempre isso seja viável. Se o analista estiver usando um notebook ou computador, não terá
problemas com a tela. Mas, ao usar tablets ou smartphones, é recomendável mantê-los em
uma posição fixa, o que exige um suporte de mesa ajustável para seus tablets/celulares.
Alguns pacientes têm dificuldade em se representar e o analista pode auxiliá-los
em um trabalho de figurabilidade. Isso consiste, por exemplo, em discutir com o paciente
o que ele experimentou no relacionamento com seu analista (durante a transferência
face a face, no caso de ele ter tido sessões presenciais), no nível da sensação (contato
corporal com a cadeira ou divã, odores do consultório), habilidades motoras (aperto
de mão), etc. O objetivo é garantir, por um lado, a continuidade do trabalho físico, mas
também operar com o paciente as condições de emergência de um verdadeiro trabalho
de figurabilidade, permitindo a passagem, mas também o elo entre sensações, imagens
psíquicas e associações verbais.
Pode-se incluir no campo da figurabilidade o modo do analista se vestir e se comportar
diante de uma tela. O uso de roupas com estampas exige mais largura de banda e pode
afetar a qualidade do vídeo. Então, o mais indicado é usar roupas profissionais para as
videoconferências. Se o analista usar óculos, deve lembrar-se de que a tela do computador
ou do celular pode refletir na superfície dos óculos e ser percebida pelo paciente. É preciso
orientar o paciente a estar vestido adequadamente e fazer uso de fones de ouvido com
microfone. Isso, por que ao se utilizar o microfone do próprio dispositivo (do computador
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ou do celular) o som tende a ficar mais difuso, fazendo com que haja alguns cortes nas frases
para quem está escutando do outro lado.
A questão da continuidade no dispositivo também é fundamental no trabalho com
o paciente. Alguns analistas acreditam que o telefone pode dar uma continuidade a um
atendimento no divã e sem campo visual, enquanto o Skype (por exemplo) permitiria
localizar o enquadre de acordo com as modalidades correspondentes a um dispositivo
presencial e frente a frente. Nessa base, não se pode ser assertivo. De fato, no Skype,
analista e paciente não podem se olhar nos olhos, pois a câmera e a imagem filmadas
(transmitidas na tela) são deslocadas uma da outra. É por isso que devemos conversar com
o paciente sobre experimentar diferentes modalidades práticas do dispositivo: não apenas
para garantir a continuidade da estrutura física, mas também para possibilitar a abertura
a novas subjetividades.
4. Contraindicações?
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As recomendações da IPA dizem que sim, que há casos que podem ser acessados pela
psicanálise presencial, mas não podem ser seguidos on-line. A contraindicação vale para
pacientes com ideação suicida, quadros psicóticos, que sofreram separação precoce ou trauma
grave. No seu e-book recente, Christian Dunker (DUNKER, 2020) fala em contraindicações
à escuta e ao atendimento psicológico on-line, evocando como suporte aqueles que estudam
o atendimento ao não indicarem a modalidade para os casos graves – com alto registro
de impulsividade ou ideação suicida, assim como para dependentes químicos e outras
condições desfavoráveis. Ele segue afirmando que, no caso de crianças, estas estão em uma
situação particularmente vulnerável, de maior dificuldade de alcance e na dependência
maior dos pais e cuidadores. Aleksandra Pitteri tem um pequeno texto, publicado no site
da Cyberpsyco, que oferece boas dicas para o terapeuta que atende crianças on-line levar
em conta nas combinações com os pais e com a criança. Ela nos ajuda a pensar que, sim, é
possível atender crianças on-line e há determinadas condições que não são intuitivas, mas
podem ser ensinadas e aprendidas.
Se falamos em contraindicações, quais seriam os critérios para definir as condições
para que um sujeito seja analisável, no sentido estrito de fazer psicanálise? Como fazer o
prognóstico de uma psicanálise impossível?
Desde os anos 50 do século passado foi-se consolidando que um dos primeiros
critérios para definir as condições de analisabilidade era a transferência, que Freud
acreditava não existir na psicose. Se há transferência, é possível analisar-se a transferência.
Se há transferência e é possível instaurar determinadas regras, como a associação livre, uma
rotina de consultas periódicas, pagamentos pontuais, aceitação da interrupção das sessões,
respeito aos finais de semana, às férias, então há respeito ao enquadramento. Se o paciente
não é nem muito jovem, nem muito velho e tem um domínio suficiente da língua e da matéria
verbal, etc. estas são condições prévias e suficientes para o início de uma análise, e elas
podem ser definidas a partir do trabalho das entrevistas iniciais, mesmo on-line. No entanto,
o ponto de Arquimedes dessas condições é a força do ego de um paciente!
Na falta de um ego suficientemente forte para ser submergido pelas angústias e pelas
pulsões, para se acomodar à realidade comum, para se deitar em um divã sem o suporte físico
de um outro em seu campo visual, então, seria impossível uma análise. Especialmente, on-line.
Digamos que isso é um senso-comum psicanalítico. Hoje é possível perceber, de modo mais claro,
que se buscava desde o início o que era esperado que uma análise produzisse: um ego forte. Estes
foram os critérios de seleção descritos por Edward Glover (Glover, 1954, apud Miller 1999). A
psicanálise seria indicada para casos de histeria, puros ou mistos (com elementos obsessivos),
e também para patologias que apresentassem problemas sexuais, sociais ou conjugais, desde
que fizessem parte de estados neuróticos. A psicanálise seria contraindicada nas psicoses puras,
nos tipos de caráter psicótico ou nas psicopatias severas. Mas, seria moderadamente acessível
no caso das neuroses obsessivas, mais ou menos organizadas, das perversões sexuais antes dos
quarenta anos, do alcoolismo e da toxicomania com base neurótica.
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desde o primeiro encontro com o futuro analisante, não é a natureza do problema que ele
traz, ou se ele é acessível, se o encontro com um analista será útil ou não, fará bem ou mal. A
questão, doravante, é situar a psicanálise pura de um lado e o psicanalista-objeto, de outro.
Em geral, o encontro com o analista faz bem, se o psicanalista sabe ser psicanalista-
objeto. Isso quer dizer, não sustentar um saber a priori sobre o outro, nada querer a priori
para o outro e, principalmente, para o bem do outro, e não ter preconceitos quanto ao bom
uso que seja feito dele enquanto analista. Espera-se que o psicanalista cultive a gentileza e a
abertura de espírito até saber ocupar o lugar de onde o sujeito analisante possa agir. Espera-
se que o psicanalista-objeto seja um olho de furacão, um ponto estável, de suporte, ao redor
do qual possam girar, por mais vãos e disparatados que sejam, os ditos de um paciente.
Mesmo que o Eu do analisante seja fraco, ou justamente ali onde aparecem as fraquezas
do Eu forte, o analista recolhe os ditos do sujeito, sem desejar consolidar uma organização
estável ou viável. Se o sentido está bloqueado, o analista o articula, introduz uma dialética
que o faça deslizar. Se o sentido é líquido, se escorre sem se deter ou se ligar em significações
substanciais, o analista intervém, cria pontos de parada, pontos de capitonagem que darão
ao sujeito uma rede de suportes. Assim, as contraindicações se reduzem drasticamente, a tal
ponto que possam ser decididas caso a caso.
Desse modo, o analista se oferece como psicanalista-objeto, como um vazio graças
ao qual o analisante tem o descanso de, por um tempo estrito, ser sujeito, de poder deixar
de ser aquilo que o identifica e não precisar responder àquilo que, supostamente, o Outro
lhe exige. Winnicott pensava a análise como um espaço intermediário, um entre o mundo
interno de cada um e o mundo externo dos outros, um espaço transicional, uma espécie
de avesso ou mesmo simulacro da vida cotidiana. Um espaço em que o sujeito transita nas
fontes dos sentidos que o habitam e o fazem sofrer, um lugar onde nascem as palavras, onde
os significantes se ligam e se desligam dos significados, onde a dureza das palavras molda os
sentimentos, em que as emoções e as palavras nada têm a ver com as sensações.
É possível simular essas condições de possibilidade da experiência analítica num
lugar-virtual, on-line?
O que podemos elencar até aqui é que não há contraindicações a priori à psicanálise.
Não há contraindicações ao encontro com um psicanalista, seja presencial ou remotamente.
Se há uma demanda legítima, se ela está dirigida a um analista, ou seja, se há sofrimento
e sintoma analisável, se o gozo do sintoma se apresenta como desprazer e isso implique a
transferência, então essas são as condições de qualquer análise, presencial ou remota. O
quadro de indicações e contraindicações pode ser superado desde que se faça a disjunção
entre psicanálise e psicanalista, entre as condições de formação de um analista e a prática
clínica de um psicanalista: as condições da formação analítica não são as condições da
prática. Se há um modelo para a formação (e isso diferencia as Escolas), há modelos para as
práticas. Entre elas, a on-line.
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O texto de Guy Dana intitulado “Análise não é uma conversa” está publicado no site
da CyberpsyCO e ajuda-nos a pensar sobre algumas questões que envolvem uma análise
feita por telefone. Trata-se de um texto recente, escrito durante esse período da pandemia
da Covid-19. Dana escreve sobre a questão do corpo no processo de análise, pontuando que
nunca havia experimentado antes o quanto a presença dos dois protagonistas é indispensável
em uma sessão de análise. Ele pergunta: “A escuta por telefone é suficiente para a questão
mais ampla da presença”?
Dana aponta que se a psicanálise é uma prática do falar, não é necessariamente uma
conversa. Essa distância de uma conversa é sentida por ele através de um cansaço incomum.
De fato, temos escutado de diversos analistas essa opinião de que as sessões on-line são mais
cansativas do que as presenciais. Mas não somente de analistas, psicoterapeutas e médicos.
A percepção é generalizada, em relação às formas de trabalho remoto, como pudemos ler em
um artigo sobre o porquê de as videoconferências nos esgotarem tanto psicologicamente4.
Para Dana, essas sessões on-line são mais exaustivas do que as sessões presenciais,
justamente em decorrência do que falta a elas: o corpo, os corpos. A ausência do corpo físico,
humano, como suporte para o espaço entre as falas do paciente e do analista deixa um espaço
vazio que é preenchido pelos dispositivos. Sabemos que os dispositivos operam distorções. Se
pensarmos nas sessões feitas por videochamada, percebemos que experienciamos distorções
na voz (sentida, às vezes, como vozes mais “metálicas” ou robóticas), distorções no tempo
da conversa (os delays) e distorções na imagem (a textura da pele é diferente, os olhos são
vistos pelo outro como se o interlocutor estivesse sempre olhando para baixo).
A falta do corpo também pode ser sentida, por ambos, como um excesso de corpo.
Afinal, a voz do outro está bem dentro do nosso ouvido (com fones de ouvido), o rosto
do outro está muito mais próximo do que durante uma sessão presencial, na qual existe
uma distância confortável entre as poltronas. A modulação da voz é diferente, pois quando
estamos em videochamada frequentemente ficamos em dúvida se o outro está nos escutando
bem, o que faz com que as pessoas tendam a falar muito alto ou muito baixo. Os fones de
ouvido bloqueiam os sons ambientes da pessoa que o está usando, no entanto, a pessoa do
outro lado escuta o que se passa no ambiente do seu interlocutor. Sem falar nos momentos
em que escutamos ecos da nossa própria voz saindo e chegando para o interlocutor antes
que ele próprio a escute.
Frédèric Tordo (2020) escreve sobre esses aspectos apresentando uma explicação
sobre o motivo de nos sentirmos mais cansados em sessões on-line. Ele dá uma explicação
biológica para esse cansaço, que se refere ao mecanismo cerebral de simulação mental. Ele
exemplifica dizendo que nosso cérebro simula todo o nosso corpo quando ele se move ou
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períodos de silêncio e têm ficado menos em silêncio nos atendimentos virtuais, como se fosse
necessário preencher o espaço virtual ali instalado e garantir que está sendo ouvido. Ouvido
no sentido técnico de a voz ter atravessado o espaço e chegado até o analista. Quando a
sessão é feita por videochamada é mais fácil identificar quando houve uma falha na conexão,
por exemplo, naqueles momentos em que o vídeo congela, pois temos uma imagem como
suporte. Por outro lado, quando estamos em ligação telefônica (especialmente quando a
ligação depende de uma conexão via internet) e há silêncio do outro lado, sempre fica a
dúvida sobre a probabilidade de a ligação ter caído. Geralmente vem a checagem de algum
dos lados: “Você está aí? Oi? Você consegue me ouvir? Acho que agora voltou”.
Os psicanalistas têm tido diferentes experiências com os atendimentos on-line, que
só podem ser analisados caso a caso. Alguns relatam, por exemplo, que certos pacientes
sentem que conseguem falar coisas nesse tipo de atendimento que não conseguiriam
falar presencialmente. Sabem que, se a verbalização de determinados conteúdos se tornar
insuportável eles sempre podem apenas desligar o telefone, interromper a ligação, enquanto
no consultório teriam que encarar o analista pelo menos ao sair da sala.
Percebemos que muitos de nossos pacientes presenciais e que passaram a ser atendidos
on-line continuam preferindo o atendimento presencial. Mas também acreditamos que
muitos de nossos pacientes que buscaram atendimento on-line, nesse período, irão preferir
continuar com o atendimento on-line. Uma observação importante é a de que pacientes de
outras cidades, de outros estados e, inclusive, de outros países puderam nos acessar. Sabemos
que em muitos países estrangeiros os brasileiros recorrem a psicanalistas brasileiros, quando
os há, mas que as opções costumam ser restritas. A pandemia deu ocasião e pretexto para
que brasileiros dispersos pelo globo acessassem analistas de língua materna. Ora, nesse
novo estado de coisas, a análise on-line não é mais uma contingência ou um substituto. Ela
veio para ficar. Assim, a primeira coisa a ser definida nas entrevistas iniciais é: garantir uma
conexão com a internet que seja estável e veloz. Pensamos nisso como uma das principais
condições para possibilitar uma análise on-line.
Outra consideração importante é a de que uma análise on-line não é uma situação
provisória e os espaços domésticos também não são provisórios. O analista deve discutir
com o candidato à análise a segurança de um lugar privado e silencioso na casa do sujeito ou
em algum outro lugar. Temos presenciado situações de pacientes que chegam para a sessão
on-line deitados na cama, de pijamas, sem camisa, etc. O período de isolamento permitia
isso, como se todos estivessem presos em um fim de semana prolongado ou em férias em
casa. Entendemos que esse seja um elemento a ser trabalhado no período pós-pandêmico: a
figurabilidade de uma análise. Trabalhar o sentido de que ela é um encontro com a alteridade
e, não, uma situação familiar e doméstica. Ou seja, há questões que devem ser tratadas nesse
novo imaginário que não é mais o do consultório e o do presencial.
O lugar do imaginário deve ser destacado, pois tem ganhado contornos diferentes,
tanto por parte do analista quanto do analisante. No momento em que se sabe que todos
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estão em suas casas, ganha relevo a vida doméstica de ambos. Por conta dos barulhos
externos e das vozes de outras pessoas da casa, ninguém tem realmente certeza sobre o
que o outro está ouvindo do outro lado da linha. Alguns pacientes podem se perguntar se o
analista está atendendo de pijamas, deitado na cama – ou isso pode ser apenas o analista
imaginando o que o paciente pode imaginar. Alguns pacientes podem se perguntar se o
analista está protegido, se ele está se cuidando o suficiente para não se contaminar ou se em
algum momento ele pode morrer ou vai precisar parar de atender para se tratar. A presença
das crianças em casa também costuma gerar interrupções ou incômodos. “Será que se o meu
filho chorar, ou me chamar, meu analista vai imaginar que eu não consigo nem me organizar
direito para uma sessão”? Ou o inverso: “Será que vou parecer desnaturada se deixar meu
filho chorando para poder fazer a sessão”?
Na análise com crianças esse imaginário aparece de forma espontânea e é facilmente
verbalizado por elas. Algumas começaram a se interessar mais pela nossa vida familiar e
doméstica durante este período de isolamento e pandemia. “Tem um cachorro latindo aí, ele
é seu? Qual é o nome dele? Você tem marido, tem filhos? Onde eles estão agora enquanto
você está aqui comigo”? Outras não são tão diretas, mas incluem essas perguntas nas
brincadeiras feitas através do vídeo.
6. Considerações finais
Acreditamos poder contribuir a partir do que fomos aprendendo durante esses meses
e que poderá participar da estruturação dos atendimentos no segundo tempo, o tempo
pós-pandemia. O que vimos, ao menos provisoriamente, é que o quadro de indicações e
contraindicações pode ser mantido e ser superado, desde que se opere a disjunção entre
psicanalista e psicanálise, entre análise de formação e prática clínica. As condições da
formação analítica não são as mesmas da prática clínica. Se há um modelo para a formação,
também há modelos para as práticas. Entre elas, a on-line. Estamos vivendo uma época pós-
desconstrutiva, em que os quadros nosológicos clássicos foram desconstruídos, assim como
a distinção tradicional em gêneros, por exemplo. Todas essas mudanças incidem, também,
nos modelos de prática clínica, nos manejos, nas transferências, no enquadre.
A ênfase parece ter migrado da teoria, do saber e do ato de operar uma técnica, para um
cuidado de si como condição para o cuidado do outro. Em se tratando de atendimentos on-line,
isso implica numa atenção maior para as condições de trabalho, como, por exemplo, colocar em
prática horários que levem em conta qual o momento ideal para o atendimento por telefone ou
on-line. Implica em tomar o cuidado para que ambos, analista e paciente, estejam em condições
confortáveis para a realização do atendimento. Se encaramos o atendimento on-line como algo
que veio para ficar, precisamos pensar no enquadre desse tipo de atendimento desde o princípio,
tanto para aqueles pacientes que já o iniciaram on-line, quanto para os que permanecerão sempre
e absolutamente on-line, como é o caso daqueles que moram em outros países.
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Pretendemos pensar nos atendimentos on-line não apenas nesse período de pandemia,
mas como uma prática que ganhou força por conta dela e que perdurará. Nesse sentido,
retomamos a questão do sofrimento em dois tempos para refletir sobre como trabalhar
com atendimentos remotos, tendo em mente também as questões e particularidades que
virão como efeito da própria situação de pandemia. Consideramos a perspectiva de um
segundo momento, em que se projeta um “novo-normal” e um “mundo pós-pandemia”.
Como exemplos desse outro tempo de sofrimento devemos atentar para as consequências (e
sintomas) que podem aparecer em decorrência das perdas de familiares, dos muitos casos em
que não foi possível elaborar um luto, nem houve despedidas ou velórios. Outro efeito com o
qual certamente precisaremos lidar é o da perda financeira, de negócios falidos, de empresas
que precisaram encerrar suas atividades em decorrência da pandemia e as consequências
subjetivas dessas diversas modalidades de perdas.
Ao pesquisarmos sobre o que tem sido produzido acerca de atendimentos on-
line, nos deparamos com autores que são cautelosos em relação ao uso da tela para o
atendimento terapêutico. Em Screen Relations, Gillian Russell (2015) pede aos analistas
que façam uma pausa e reconsiderem mais profundamente as limitações do tratamento
mediado pela tecnologia. Ela pesquisa o uso do Skype nos tratamentos psicanalíticos e
entrevistou analistas e pacientes sobre suas experiências de análise on-line. Sua defesa
é a do ideal da copresença como condição fundamental para a psicanálise e adverte que
a tecnologia não pode substituir as interações espontâneas de duas pessoas na mesma
sala explorando pensamentos, desejos e sentimentos. Seu pressuposto é o ego. O ego é
um ego corporal e seria mais fácil para o paciente sentir confiança, quando o corpo do
paciente e do analista se encontram no mesmo ambiente. Já, para o analista, seria mais
fácil manter-se num estado de devaneio, sonhando juntamente com o analisando, num
ambiente de acolhimento seguro. Em se tratando dos atendimentos on-line, o analista
pode ter sua atenção reduzida, vivenciando falhas técnicas que criam interrupções e,
consequentemente, frustrações no paciente (RUSSELL, 2015, p. xi).
Há também autores francamente opositores aos tratamentos psicanalíticos on-line.
Por exemplo, Barbieri (2005), ao comentar um anúncio de serviços de psicanálise on-line:
Na era do instantâneo, do industrializado e dos transgênicos, na era da
profissionalização, da globalização e da informatização, a Psicanálise on-line é o extremo
de um processo de encaixotamento do saber e do fazer para “pronta entrega” (BARBIERI,
2005, p. 101).
Pensamos que a psicanálise, mesmo na modalidade on-line, absolutamente em nada
se parece com uma “pronta entrega”. Aliás, nada na psicanálise é “pronto” e muito menos
“entregue” ao sujeito. Em uma experiência psicanalítica, trabalha-se e trabalha-se muito. Para
Lacan, “Deve renunciar à prática da psicanálise todo analista que não conseguir alcançar em
seu horizonte a subjetividade de sua época” (LACAN, 1998, p. 321). Esta afirmação de Lacan
alerta sobre o anacronismo em que podemos cair, enquanto analistas, se não estivermos
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atentos ao que acontece ao nosso redor, aos sintomas sociais de nosso tempo, aos enquadres
possíveis e às mudanças necessárias.
Referências
FREUD, S. O Caso Schereber, artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913). Tradução e
notas Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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PLANTÃO PSICOLÓGICO ONLINE PARA JOVENS
LGBTI+: LEITURAS PSICOSSOCIAIS A PARTIR DE UMA
PROPOSTA EMERGENCIAL DE PROMOÇÃO À SAÚDE
MENTAL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19
Tiago Corrêa
Benedito Medrado
Jorge Lyra
5 Utilizamos a sigla LGBTI+ para nos referirmos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexo
e outras orientações sexuais e/ou identidades de gênero, a exemplo de assexual, pansexual, tranvestigêneres,
entre outros (identificados a partir do símbolo +). Quando uma referência bibliográfica utiliza outra sigla,
respeitamos a denominação adotada pelos/as autores/as.
PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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violências que se conformam sobre as condições de existência dessas pessoas. Com base nos
experimentos e contradições vivenciadas nessa escuta, realizada através de teleatendimento,
pensamos a necessidade de compreender o meio digital como potencial deslocamento da
noção de “território” no campo da Saúde Mental, abrindo caminhos para o uso clínico dos
recursos virtuais disponíveis. Ao repensarmos o território, a partir desses termos, vão se
delineando possibilidades de não só contornar as limitações físicas à promoção de saúde
mental, ocasionadas pela pandemia, mas de fazê-lo de maneira condizente com as vivências
da própria juventude LGBTI+ que, a despeito da desigualdade do acesso à conexão à Internet
no país, ainda tem nesse meio um importante mecanismo de produção de identidades e de
alternativas de agência e cuidados de si.
Por fim, considerando os atravessamentos dos jogos de poder, que compõem
esse território e conformam a escuta psicológica, buscamos apontar posições a partir de
múltiplas dimensões em intersecção (de raça, classe, gênero, sexualidade, idade, geração,
etc.) que estão envolvidas nas conexões agenciadas em seu uso. Essa leitura tem a finalidade
de afastar processos em espaços de cuidado que mantêm iniquidades sociais, reproduzindo
privilégios e opressões, orientando-os numa perspectiva crítica e igualitária como exercício
micropolítico de garantia de direitos e justiça social.
6 Nos EUA, atualmente, a sigla mais utilizada é LGBTQ (do inglês: lesbian, gay, bissexual, transgender, queer
& questioning). Embora, também seja possível encontrar, em publicações brasileiras, o uso do Q, referente
a queer, tido como uma posição não identitária e como um anglicismo que não condiz com a denominação
utilizada na militância de LGBTI+.
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somente 1,1% houvesse tido diagnóstico positivo para o novo coronavírus, 22,7% tinham um
membro da família ou amigo/a próximo infectado/a e 97% receavam serem infectados/as.
No que diz respeito propriamente ao sofrimento psíquico, vivenciado no contexto da
Pandemia, mais de 85% afirmaram se sentir bastante afetados/as emocionalmente, 80%
disseram estar desconfortáveis em se manter confinados com a família, 75% lamentaram se
sentir apartados/as de seus amigos/as e 65% declararam se sentir sufocados por não poder
expressar sua orientação sexual e/ou identidade de gênero no ambiente doméstico. Dentre
os que estavam num relacionamento afetivo, 50% se sentiam extremamente isolados em
relação a seus/suas companheiros/as.
Em finais de junho, o coletivo #VOTELGBT divulgou relatório de enquete igualmente
realizada via aplicação de questionários online, entre 28 de abril e 15 de maio, junto a 9.521
LGBT+ em todo o país, sendo a maioria, 59,5% da região Sudeste, seguida com 16,85% da
região Nordeste, 13,52% da região Sul e 6,72% da região Centro-Oeste (#VOTELGBT, 2020).
A taxa de desemprego entre os pesquisados/as foi de 21,6%, quase o dobro do
registrado pelo IBGE no restante da população. Dentre os desempregados, 24% perderam o
emprego em decorrência da Covid-19 e 30% estão sem trabalhar há um ano ou mais. Mais
da metade das pessoas trans (53%) declararam que não conseguiriam custear seus gastos
por mais de um mês, caso perdessem a fonte de renda. Pretos, pardos e indígenas possuem
22% mais chance de indicar a falta de dinheiro como a maior dificuldade da quarentena do
que brancos e amarelos.
Não foi apresentada a caracterização etária da amostra, sendo pontuada apenas
ao serem consideradas algumas questões, principalmente no tocante à saúde mental. De
acordo com o relatório, 42,7% declarou que sua maior preocupação era lidar com problemas
de saúde mental. Esse percentual aumentava para 50%, entre pessoas de 15 a 24 anos. No
total, 28% dos/as entrevistados/as já receberam diagnóstico prévio de depressão, índice
quatro vezes maior do que o registrado entre a população brasileira, com base nos dados da
Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2015). Mais da metade do universo da pesquisa, 54%,
afirmou necessitar de apoio psicológico.
Se na adolescência, essas dificuldades parecem estar associadas à dependência
financeira e à (não) aceitação da autoafirmação de orientação sexual ou identidade de gênero
pela família, na idade adulta, questões de saúde mental são combinadas com ausência ou
precariedade de trabalho e renda. Já entre os/as idoso/as, a solidão aparece como um dos
maiores desafios. Dentre os que relataram maior dificuldade, durante o isolamento físico,
metade tinha entre 15 e 24 anos. Na faixa dos 45 a 54 anos, a chance de indicarem a falta de
dinheiro como a maior dificuldade da quarentena foi 70% maior, do que na de 15 a 24 anos.
Já pessoas acima dos 55 anos apresentaram 80% mais chance de reportar solidão como seu
maior problema, quando comparados com as de 15 a 24 anos.
Quase metade (44,3%) daqueles/as em idade escolar tiveram suas atividades
totalmente paralisadas durante o isolamento. A interrupção das atividades pedagógicas,
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para além dos seus efeitos danosos sobre o aprendizado, tem implicações significativas para
a saúde de estudantes LGBTI+. Apesar de ser frequentemente apontada como um espaço
preconceituoso e de violação para estudantes LGBTI+, essa crítica necessita ser matizada
com outras análises.
Efetivamente, esse panorama, embora agravado com a pandemia, não é recente
e apresenta controvérsias. Por exemplo, a Pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT e o
Ambiente Escolar (ABGLT, 2016) informa que 73% dos alunos LGBT, entre 13 e 21 anos,
sofreram algum tipo de agressão na escola. Porém, Thiago Ranniery (2016), em sua tese
inspirada pela sua trajetória pessoal como “ex-aluno bicha de escola pública”, coloca esse
dado em questão. Para ele, a noção de que a discriminação e a violência sejam, ao menos no
caso de meninos gays, a única vivência possível no âmbito escolar, precisam ser sopesadas
com outras possibilidades de análise. Ao conversar com estudantes de quatro escolas públicas
da cidade de Aracaju, a escola – embora não se ignore episódios de agressão –, desponta não
como um espaço de violação, mas como local onde eles encontram suporte para enfrentar a
violência de suas famílias e da sociedade, através dos vínculos construídos entre amigos/as,
professores/as e gestores/as escolares.
A família, de fato, não parece ser sempre e inexoravelmente um espaço de cuidado.
Em abril de 2020, o pesquisador português Jorge Gato publicou o texto “Jovens LGBT+ e
a pandemia de Covid-19: quando a casa não é um porto de abrigo” (GATO, 2020), no qual
alerta que o estigma a que estão sujeitos pode acarretar riscos para a sua saúde mental e, em
casos extremos, colocar em risco sua própria vida. Nesse texto, o pesquisador alerta que, de
um modo geral, a família é vista como espaço de cuidado e proteção, mas no caso particular
de pessoas LGBT+ é identificada como fonte adicional de discriminação, potenciando
situações de mal-estar e vulnerabilidade.
Porém, se no convívio familiar a acolhida é exceção, tão pouco nos serviços de
saúde os jovens LGBTI+ podem encontrar guarida. Maríllia Andrade (2019), a partir de
uma revisão da literatura sobre a produção no campo, observa um consenso no que tange
às repercussões da violência institucional sobre LGBTI+, o que provocaria baixa procura
pelos serviços, inclusive da RAPS, uma vez que a discriminação existente desestimularia os
sujeitos de acessá-la. A autora aponta que a heteronormatividade dos/as profissionais de
saúde produz atendimentos pouco sensíveis ou até mesmo discriminatórios, o que repercute
na invisibilidade e exclusão da população dentro dos espaços de saúde, ao arrepio dos
princípios do SUS, cuja obediência implicaria no enfrentamento dessa forma de violência.
Os obstáculos e as dificuldades na Saúde se agravam entre a população LGBTI+ que
depende exclusivamente do SUS, tornando-se mais profundos e visíveis sob a pandemia de
Covid-19. A precarização do sistema de saúde, que tem sido gestada a partir de sucessivas
reformas neoliberais, potencializadas no atual governo federal, soma-se ao desmonte
que, na atual gestão, passou a ser promovido com relação aos programas voltados para
as populações mais vulneráveis. Além disso, o negacionismo da gravidade do problema
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8 Veja as cartilhas produzidas pela Fiocruz sobre Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19.
Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-novas-cartilhas-abordam-mais-temas-de-
saude-mental>.
9 Leia mais sobre a Rede de Apoio Psicológico. Disponível em: <https://www.rededeapoiopsicologico.org.br/>.
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Cabe, portanto, pensar numa perspectiva de promoção de saúde mental que atenda
às particularidades dessa população, viabilizando uma clínica digital não só limitada e
provisória, mas em toda sua potência e a partir dos recursos ainda a ser explorados. Tendo
isso em vista, apostou-se na ferramenta do plantão psicológico online como estratégia
de promoção de saúde de jovens LGBTI+. Em se tratando de uma iniciativa individual e
voluntária, seu alcance é obviamente bastante limitado, mas seu uso por serviços de saúde ou
clínicas-escola é aqui indicado como passível de ser explorado, a fim de facilitar a integração
dessa população numa rede institucional de cuidados mais efetivos, durante ou mesmo
depois do período de pandemia.
O plantão psicológico é uma estratégia de promoção de saúde voltada para o
acolhimento emergencial de pessoas em situação de crise. Diferentemente da psicoterapia,
que é adequada a problemas psicológicos mais duradouros e exige uma periodicidade
de encontros com tempo determinado, o plantão psicológico é ofertado diante de
uma situação-problema vivenciada como crise pela pessoa, que pode ser pontual ou
mais prolongada. Desse modo, envolve um encontro que pode ser único ou variar na
duração. O profissional administra a possibilidade de enfrentar os mais variados tipos de
demandas, sem necessariamente ter um planejamento prévio, possibilitando indicações e
encaminhamentos para outros serviços e abrindo a possibilidade de retorno (AMORIM;
ANDRADE; BRANCO, 2015).
Inspirado nas “walk-in clinics” populares nos EUA, nas décadas de 1970 e 1980,
focadas em atendimentos médicos e psicológicos emergenciais, o plantão psicológico teve
origem em meio à década de 1970, no Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo, a partir de uma flexibilização do processo de
aconselhamento para acompanhar processos pessoais de quem procurava o serviço, de
modo que, em seu início, se orientava pela Abordagem Centrada na Pessoa. Na década de
2000, com sua difusão por clínicas-escolas de todo país, passa a adotar também outras
orientações teóricas e ser um recurso voltado para formação de psicólogos/as na promoção
de saúde mental para a comunidade (AMORIM; ANDRADE; BRANCO, 2015).
Esses profissionais, ao se inserirem em diversas políticas públicas ou na atenção
básica de saúde, através de atendimentos em USF e NASF, têm proporcionado uma melhor
resolutividade da demanda reprimida de saúde mental ao contribuir para a solução de
problemas de saúde dos usuários/as em seus territórios ou seu encaminhamento mais
adequado, de acordo com o nível de complexidade. Na atenção básica, por exemplo, o
plantão psicológico tem sido uma prática facilitadora da inserção de usuários/as de saúde
mental na RAPS (AMORIM; ANDRADE; BRANCO, 2015).
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4. Considerações Finais
Referências
AMORIM, Fázia Beatriz Torres; ANDRADE, Andréa Batista de; BRANCO, Paulo Coelho
Castelo. Plantão psicológico como estratégia de clínica ampliada na atenção básica em
saúde. Contextos Clínicos, v. 8, n. 2, p. 141-152, 2015.
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BUTLER, Judith. Precarious life: the powers of mourning and violence. Londres: Verso, 2004.
CERQUEIRA-SANTOS, Elder; RAMOS, Mozer de M.; GATO, Jorge. Redes de apoio social
e saúde psicológica em jovens LGBT+ durante a pandemia de Covid-19: relatório de
divulgação de dados preliminares. Sergipe, 2020.
FURTADO, Juarez Pereira; ODA, Wagner Yoshizaki, BORYSOW, Igor da Costa; KAPP,
Silke. A concepção de território na Saúde Mental. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, n. 9,
e00059116. Epub 10 out. 2016.
GATO, Jorge. Jovens LGBT+ e a pandemia de covid-19: quando a casa não é um porto de
abrigo. Público, 2020. Disponível em:<https://www.publico.pt/2020/04/25/p3/cronica/
jovens-lgbt-pandemia-covid19-casa-nao-porto-abrigo-1913125>.
GATO, Jorge; LEAL, Daniela; SEABRA, Daniel. Redes de apoio social e saúde psicológica
em jovens LGBT+ durante a pandemia de Covid-19: Relatório de divulgação de dados
preliminares, 2020. Disponível em: <https://www.fpce.up.pt/sigarra/RelatorioFinal_
Maio2020_ESTUDOLGBT+COVID-19.pdf >.
GGB – Grupo Gay da Bahia. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: Relatório 2018.
Salvador: GGB, 2019.
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IBGE. Pesquisa nacional de saúde 2013: ciclos de vida. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.
MOMBAÇA, Jota. Notas estratégicas quanto aos usos políticos do conceito de lugar
de fala. [Entrada de blog], 2017. Disponível em: <http://www.buala.org/pt/corpo/
notasestrategicas-quanto-aos-usos-politicos-doconceito-de-lugar-de-fala>.
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NOVOS SENTIDOS DA PSICOLOGIA EM UM HOSPITAL
DE ENSINO E ASSISTÊNCIA NO PERÍODO DE
PANDEMIA
Jefferson Bernardes
Adriana Rêgo Lima Costa
Fayruz Helou Martins
Renata de Carvalho Cavalcante
Vanessa Ferry de Oliveira Soares
Somos um grupo formado por quatro psicólogas que atuam em diferentes setores
(oncologia, pediatria e terapia intensiva adulta e neonatal) e um professor de Psicologia
da Saúde, que supervisiona nossos estágios – todos/as inseridos/as no mesmo hospital
de ensino e assistência, o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPPA),
integrante do Sistema Único de Saúde/SUS, situado em Maceió, Alagoas.
O contexto deste hospital não se fazia muito diferente do de outras cidades da região,
no período que antecedeu a pandemia: carência de profissionais, excesso de demandas,
dificuldades de infraestrutura. Entretanto, seguíamos construindo o território da psicologia
da saúde no contexto hospitalar.
No Brasil, a psicologia da saúde constitui-se atrelada à psicologia hospitalar. Com
o passar do tempo, foi se diferenciando, pois parte de uma leitura que as relações entre
psicologia e saúde não podem ficar restritas ao contexto organizacional.
A psicologia da saúde fundamenta-se num modelo biopsicossocial e no conceito de
clínica ampliada, derivados da Saúde Coletiva. De fato, em outros países, o termo psicologia
hospitalar não é usual, pois o hospital não é associado naturalmente como centro de atenção
à saúde (seja física ou mental). Aqui, vivenciamos os reflexos do hospitalocentrismo com
o qual nosso país historicamente cunhou as concepções de saúde e doença (CASTRO;
BORNHOLDT, 2004).
PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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mental pontual. Desde o início, a ideia era realizar uma ação temporária, sendo prevista sua
finalização ao término do período de quarentena. Isto porque, tal manejo só foi possível em
função da organização igualmente temporária de fechamento do ambulatório de psiquiatria
e remanejamento das atividades de rotina da psicologia. Assim, toda a atenção se voltou
para a saúde do/a trabalhador/a, a comunicação de notícias difíceis e o atendimento das
demandas emergenciais da assistência/internação.
Quando a UTI para pacientes com a Covid-19 foi inaugurada, em abril deste ano de
2020, logo surgiu a necessidade de assistência aos/às familiares, para além da demanda
dos/as funcionários/as trabalhadores/as do hospital. Assim, precisamos modificar as escalas
profissionais de diaristas para plantonistas, de modo a contemplar a redução de exposição
da equipe ao vírus. Os plantões foram elaborados com, pelo menos, três psicólogas e um/a
psiquiatra, por dia, propiciando a distribuição das demandas por turno.
As psicólogas iniciaram, então, o monitoramento das famílias, por telefone.
Paralelamente, docentes, técnicos/as e estudantes do Instituto de Psicologia, da universidade
à qual o hospital pertence, disponibilizaram o atendimento remoto para a equipe hospitalar,
através de um projeto de extensão.
Dois meses depois, a Unidade de Atendimento voltada para o tratamento da Covid-19
ampliou seus serviços e começou a funcionar, também, com leitos semi-intensivos e de
enfermaria.
Os/as usuários/as com a Covid-19, que se encontravam conscientes, se queixavam de
ociosidade, saudades da família e isolamento social extremo, decorrente da hospitalização,
que sequer permitia visitas. Nesse momento, percebemos que era pungente o retorno da
assistência da equipe a eles/as. A essa altura, as psicólogas já haviam prestado escutas
ocasionais, por meio de ligação telefônica, mas era preciso estruturar e institucionalizar uma
proposta de atendimento.
Em junho de 2020, considerando o suporte à saúde de trabalhadores/as provido pela
extensão universitária, as psicólogas tiveram suas atribuições redimensionadas. A frente de
apoio à saúde de trabalhadores/as foi finalizada. As/os psiquiatras já estavam em movimento
de retorno aos atendimentos ambulatoriais e as psicólogas passaram a empreender três
ações centrais como foco de trabalho no enfrentamento da pandemia: atenção, por meio de
telessaúde, para as pessoas acometidas pelas síndromes gripais; monitoramento das famílias
destas, via telefone, e a comunicação de notícias difíceis. Esses são os aspectos sobre os quais
iremos tratar daqui em diante.
E novamente, por mais um pouco de licença poética, já que, em meio à pandemia,
a cultura tem se mostrado um manancial para fortalecer a resiliência, utilizamos como
tópicos trechos de músicas de compositores que integraram a Tropicália, movimento
cultural brasileiro, que marcou a expressão artística em prol da resistência social às políticas
repressoras vivenciadas nos anos de 1968 e 1969.
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2. “As folhas sabem procurar pelo sol. E as raízes procurar, procurar...” (Os
Mutantes) - Ou, onde é para estar nossa Atenção
Um dos grandes desafios da nossa equipe foi pensar a atenção e o acolhimento aos
familiares dos usuários/as acometidos/as pela Covid-19, no momento da comunicação de
notícias difíceis, como a do óbito de um ente querido. Foi o momento de buscar outras raízes
epistêmicas, deslocar olhares, fazer novas leituras, redefinindo os objetivos de nossa prática
profissional.
No intuito de construir uma atenção humanizada, a equipe responsável pela
comunicação das notícias difíceis optou por uma ação presencial e multiprofissional, cuja
responsabilidade foi compartilhada entre médico/a, psicóloga e/ou residente de psicologia
e assistente social.
A comunicação de notícias difíceis nos demanda o exercício do cuidado com
delicadeza. O desafio torna-se ainda maior, no caso dos óbitos pela Covid-19, pois as
famílias se veem privadas dos rituais de reconhecimento do corpo e do funeral, devido
à alta transmissibilidade da doença. O acompanhamento do enterro é delimitado a dez
pessoas, com caixão lacrado. A saída do corpo do hospital se dá em quatro revestimentos
(dois lençóis de tecido e duas capas plásticas intercaladas). Tanto as orientações sobre o
risco do contato/contágio, no caso do reconhecimento presencial, como a proposição do
reconhecimento do corpo, por foto, como medida de segurança; bem como os cuidados
quanto às restrições dos rituais de despedida, passam a ser conteúdos de trabalho na
prestação do apoio psicológico.
Algumas famílias seguem o protocolo proposto de forma resignada; outras, se
mostram indiferentes às orientações dadas e, em certas ocasiões, posturas questionadoras
e combativas se apresentam. Muitas vezes são geradas contendas que vão além da aceitação
da perda de um ente querido, sendo expressados sentidos que passam pela não aceitação da
existência de um vírus ou de sua letalidade.
A pandemia se mostrou um gatilho capaz de desencadear, nessas famílias, uma gama
complexa de sofrimento emocional. O diagnóstico ou a suspeita da Covid-19 implicam na
necessidade de isolamento da pessoa adoecida que, ao se deparar com a hospitalização,
se vê desprovida da presença de acompanhantes ou visitantes, devido ao alto potencial de
contágio da doença. À distância, as famílias o acompanham, com informações por telefone.
A rotina de familiares das pessoas acometidas pelo coronavírus envolve grande
expectativa em torno do recebimento das informações clínicas, por meio do boletim médico,
que se dá diariamente, no turno da tarde. Esse boletim é feito de forma remota/telefônica,
diariamente, pelo médico/a regulador/a. O contato remoto desencadeia fortes afetações,
inseguranças e fantasias por parte dos familiares.
A escuta psicológica, nesse contexto, passa a agregar contornos de situações de
catástrofes, o que levou nossa equipe a buscar capacitações sobre os Primeiros Socorros
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4. “O cérebro eletrônico faz tudo. Quase tudo. Quase tudo. Mas ele é mudo
(...) Só eu posso pensar se Deus existe, só eu. Só eu posso chorar quando estou
triste, só eu.” (Gilberto Gil) - sobre comunicação de notícias difíceis
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um espaço para falar de seus medos e preocupações de forma clara e direta, sendo acolhidas
em suas dores.
O uso de formas diferentes de tecnologias para o cuidado precisou ser revisto
constantemente, modificado e adaptado às várias fases da pandemia.
Concordamos com Cecílio e Merhy (2003), quando falam sobre o cuidar e dizem
que é o:
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Referências
FRANCO, Túlio Batista; MERHY, Emerson Elias. Por uma Composição Técnica do
Trabalho Centrada nas Tecnologias Leves e no Campo Relacional. Saúde em Debate, Rio
de Janeiro, Ano XXVII, v. 27, n. 65, set./dez. 2003. Disponível em: <https://www.pucsp.
br/prosaude/downloads/territorio/composicao_tecnica_do_trabalho_emerson_merhy_
tulio_franco.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2020.
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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“CONTAR HISTÓRIAS E POVOAR O MUNDO”10:
TRABALHOS DO LUTO EM MEIO A UMA PANDEMIA
Marília Silveira
1. Introdução
10 Referência ao artigo e ao trabalho das companheiras Marcia Moraes e Alexandra Tsallis (2016).
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escrita, código na tela do computador continua sendo carne minha. Sinto dor
física, real e concreta, nesse parto. Sou tomada por essa experiência. (BRUM,
2017, p. 127)
Escrever, dessa forma, torna toda tarefa mais intensiva no sentido da tensão que
produz. Ainda na escola, quando li uma entrevista de Luis Fernando Verissimo, dizendo que
a sua musa inspiradora era o prazo de entrega, não sabia o quão concreto isso se tornaria
também para mim. Então, de novo, eu aqui, premida pelo tempo, espremo essas linhas para
que cheguem nas mãos da revisora no prazo combinado.
Em março de 2020, a pandemia da Covid-19 se impôs para nós, no Brasil, como esse
tempo parado, essa suspensão de atividades, de planos, de fluxos de escrita, de trabalho,
de vida. No lugar de tudo isso, um medo imenso de adoecer e morrer. Para todas11 nós,
de lugares muito distintos, esse se tornou um problema central, nos transformou, além de
neuróticas, que já éramos, um pouco mais obsessivas com a limpeza (de si e das coisas), do
que o habitual.
A pandemia da Covid-19 me paralisou também. Percebi logo que era uma paralisia
seletiva e andante. Nada mais fazia sentido, nada do que eu tinha me programado para
escrever fazia sentido, nada do que tinha estudado me parecia ser útil para compreender
esse momento. Então, passei de um mês em que apenas acompanhava as notícias, para um
segundo mês de vida dentro de casa (um privilégio que deveria ser um direito de todas),
durante o qual consegui ler textos de diversos autores e autoras sobre o momento da
pandemia: pensavam os efeitos dela e prospectavam futuros. O deslizar das notícias para
os pensamentos produziu um espaço e possibilitou, entre outras coisas, este ensaio. Nessa
passagem, também a morte se fez presente.
A pandemia trouxe mais de 80 mil pessoas mortas –dados subnotificados, sabemos –,
até o momento em que escrevo essas linhas. Nos trouxe também o luto. Mesmo que ninguém
tão próximo tenha morrido (até agora), não há como dizer que não estamos de luto. Ainda
que alguns de nós prefiram ignorar ou desconsiderar essas mortes.
1. Tatear no escuro
A veces cuando pienso que todo está perdido / Voy hacia algunas de las
formas de la muerte / Me pego un tiro con una palabra / Que alguna vez
me fue tan transparente / […] Voy hacia el fuego como la mariposa / Y no
11 Na política de escrita adotada no presente texto escrevo no feminino. Não que o texto se dirija apenas às
mulheres, mas porque desde os primórdios da ciência, nós mulheres lemos textos no masculino, supostamente
neutro, inclusive quando falam de nós, inclusive quando escrevemos. Alio-me a Donna Haraway (1995),
Marcia Moraes e Alexandra Tsallis (2016) para sustentar uma política de escrita com a qual venho apostando
coletivamente desde antes (SILVEIRA; CONTI, 2016). Que a estranheza de encontrar um texto acadêmico
flexionado no feminino seja perturbadora o suficiente para provocar também outras formas de escrever em
que lê este texto. Convido a leitora (o leitor e todo mundo que se posiciona entre esses dois termos) a ficarem
com esse problema enquanto leem este texto.
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hay rima que rime con vivir / No te pares no te mates / Solo es una forma
más de demorarse12
Este texto é uma tentativa. Uma tentativa pactuada comigo mesma de atravessar o
luto por dentro dele. Atravessar o luto, tenho aprendido, não significa passar por ele para
logo depois ficar imune. O luto é um processo estranho, inconstante, singular, irregular. É
um trabalho. Exige que tenhamos em conta as heranças, não como algo que nos é deixado,
mas algo que precisamos tomar para nós e transformar, para poder seguir adiante.
Há um ano e quatro meses atrás (era março de 2019, um ano antes da pandemia da
Covid-19), meu pai faleceu de um “infarto fulminante”, sozinho, em seu apartamento no sul
do país. Recebi a notícia por telefone e voei horas depois, de Maceió para Porto Alegre. Desde
o momento em que soube, uma espécie de narrativa da morte passou a me acompanhar. A
narrativa do momento da morte. Ela foi reconstituída por tudo o que falaram meus tios e tias
(que estavam lá), minha mãe (de quem ele estava divorciado e que me ligou para contar),
pelas coisas que vi no apartamento, quando entrei e soube pelo porteiro, que estava lá
naquela noite e fez questão de me narrar, dias depois, detalhadamente, os momentos finais
de meu pai. Eu havia ficado imaginando, mas o relato me chegou sem pedir licença, numa
noite em que saía do prédio e o porteiro me interpelou. Ele precisava falar. Na verdade,
todos precisavam falar e falaram comigo muitas coisas. Desde as mais ingênuas e bonitas até
as mais malvadas, mesmo disfarçadas.
O exercício a que me coloco, agora, é ir de encontro a uma das formas dessa morte,
seguindo a música de Baglietto, mencionada no início dessa seção. Sem ter certeza, enquanto
escrevo, aonde esse exercício pode me levar.
2. Os espectros
Há dias me assombra uma insônia. Há dias sinto uma sombra rondar. Uma sombra
que sussurra minhas inconstâncias. Não havia percebido o que era. Foram séries de en-
contros que me fizeram entender que essas sombras eram histórias. Eram narrativas que
assombravam. Uma narrativa (pelo menos) pedia passagem para ser escrita. Essa é uma
das formas com as quais o corpo que sou lida com o que me acontece. Pensei que era uma
narrativa pela qual eu precisava atravessar, imaginando, que depois dela, seria possível
respirar de novo e voltar a escrever. Como atravessar as sombras? Eu só sabia um jeito:
escrevendo. Descobri, estudando Derrida13, que a estas sombras poderia chamar de espec-
12 Él Témpano, música do cantor argentino Juan Carlos Baglietto. O trecho diz: Às vezes, quando penso que
tudo está perdido / Vou em direção a alguns dos caminhos da morte/ Dou-me um tiro com uma palavra /
Que alguma vez me foi tão transparente / [...] Vou até o fogo como a borboleta / E não há rima que rime
com viver / Não pare, não se mate, é apenas uma forma mais de demorar-se (tradução livre da autora).
Em uma belíssima versão de quarentena se pode encontrar neste enlace: <https://www.youtube.com/
watch?v=cZhouPL4gxk>
13 Agradeço a ideia da amiga Claudia Muller e o convite para o grupo de estudos de Derrida, agradecimento
estendido às parceiras Ana Rodrigues, Ana Rios, Mariana Pires e Sandra Torossian, pela parceria na distância
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tros. Não se trata do fantasma do morto em questão ou das teorias escritas pelos autores
mortos. Era mais um rastro espectral, no sentido de carregar uma possibilidade de fazer
presente o que a pessoa ou a teoria nunca foi ou nunca alcançou. Espectros de Marx (DER-
RIDA, 1994) era o livro que estava lendo com as amigas na quarentena. O nome do livro
chegou a Derrida, antes mesmo dele reabrir o manifesto comunista, cuja primeira frase
diz: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. “Como em Hamlet – diz
Derrida –, o príncipe de um Estado apodrecido, tudo começa pelo aparecimento de um
espectro” (DERRIDA, 1994, p. 18).
3. Narrativas da morte
Há alguns anos havia aprendido a conversar com meus medos. De vários modos a
escrita se manteve central nesse processo. Incluindo um conto, que escreveram para mim e
outro, que escrevi durante a formação em psicodrama na Argentina, ambos, em espanhol.
para estudar, sem pretensões acadêmicas, só porque ler Derrida, como diz Ana Rodrigues, “me ajuda a
entender melhor outras coisas”.
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Às vezes, a recordação desse conto, escrito por um amigo colombiano, volta à baila das
lembranças. Trata da história de uma mulher que teme caminhar num labirinto escuro cheio
de fantasmas. No caminho, ela descobre que os fantasmas são apenas a sua própria sombra,
projetada no escuro, por meio de uma luz. Ao final, ela desenreda pelos fios das palavras
os seus medos e pode caminhar de olhos fechados, porque já não teme mais o caminho.
Reescrevi a meu modo essa cena, que virou material de trabalho psicodramático, no curso,
um ano depois. Foi também durante os dois anos desse curso, em Buenos Aires (2009-
2010), que vivenciei uma nação de luto, por duas vezes.
No momento em que a sombra dos mortos pela pandemia paira sobre o Brasil, penso
em como meu luto pessoal se conecta e se reconfigura a ele. Seja pela perda da vida que nos
acostumamos a levar e que não voltará a existir tão cedo, seja pelas mortes concretas de
amigos, colegas ou pela perda das rotinas e dos encontros. Sombras que entram e saem de
cena todos os dias, como espectros que nos rondam.
Essa compreensão de um luto que não é de uma pessoa próxima, mas um luto
que comove uma nação, experimentei nesta viagem. Era outubro de 2010, quando eu
embarcava para minha última ida a Buenos Aires, saindo de Porto Alegre. Uma das
inúmeras greves do Aeroparque (o aeroporto que fica próximo ao centro da cidade e hoje
só opera os voos nacionais) nos fez desembarcar em El Palomar. Quase perdi a conexão,
por conta dessa alteração. Era meu último ano no curso de Psicologia, na Unisinos, último
encontro do curso de Psicodrama en Psicopedagogia, com Alicia Fernández, e a quinta
vez que viajava a Buenos Aires, portanto, já me sentia bem mais “em casa” com a cidade.
Desci no El Palomar, já sabendo que um ônibus da Tienda León nos levaria gratuitamente
até o Aeroparque. El Palomar não era um aeroporto, mas uma base aérea na região
metropolitana. Descemos no que parecia um aeroporto improvisado e de onde, em poucos
minutos, o ônibus sairia. Eu já havia estado fora dos esquadros turísticos de Buenos Aires,
porque a Escuela de Alicia fica em Liniers, um bairro residencial de casas baixas, muitas
árvores, pouco movimento e bastante periférico (cerca de 40 minutos do centro). Então,
já conhecia outras paragens da cidade. Vistas do ônibus, novas paisagens, ainda mais
periféricas, se desenhavam. Mas, desde o primeiro muro que consegui ver estava escrito,
numa constante, “hasta siempre, Néstor” ou “fuerza Cristina” e outras frases de apoio,
suporte e duelo, por ocasião da morte do ex-presidente da Argentina, Néstor Kirchner.
Duelo, em espanhol, além de significar dor é, também, aquele momento em que as pessoas
se reúnem no funeral de um morto. Era possível sentir que a cidade estava de luto pela
morte do seu ex-presidente. Nessa época, eu já havia perdido alguns parentes, mas a
dor daquelas pessoas, naquele dia, me comoveu. Nesse movimento, conversei com uma
amiga brasileira, que residia em Buenos Aires, e ela me disse que aqueles eram tempos
de aprender sobre o luto, uma experiência estranha, até então, para ela. Contou-me sobre
o fato de ter estado na cidade e podido testemunhar os intermináveis dias do funeral de
Kirchner, com quase um mês de vivência de um país em luto.
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conversando, para saber se meu pai continuava vivo ou acordado. A equipe do SAMU estava
demorando a chegar, mas eles continuavam conversando, até que, de repente, meu pai
parou de responder. Caiu na cozinha, imagino eu, porque era onde estava o interfone. No
enterro, o médico, um amigo da família que fez o atestado de óbito, explicou que havia um
afundamento, uma marca na testa, porque ele deve ter caído de frente, com a testa no chão.
Depois, juntei esses detalhes, que o porteiro fez questão de me contar, com os outros do tio
que foi lá tomar pé da situação, do síndico e de todo mundo que recontou essa história para
mim durante aqueles dias, com as coisas que imaginei. Então, a equipe do SAMU chega, o
porteiro chama o síndico, que entra arrombando a porta, se deparam com meu pai deitado
no chão e procuram o telefone dele, a fim de chamar alguém da família. O primeiro contato
da lista é o de minha mãe (de quem ele estava separado havia oito anos) e ligam, às cinco
horas da manhã, para avisar que meu pai estava morto. Às sete horas da manhã, ela me
liga para dizer com a voz dolorida: “Marília, teu pai teve um ataque cardíaco fulminante
e morreu” – foram essas as palavras. Voei no mesmo dia para acompanhar o velório e o
enterro, no dia seguinte. Da insônia entre esses dois dias fiz um texto16, que li durante a
encomenda do corpo:
“Todos e todas que estão aqui e conheciam o meu pai sabem que ele
era um contador de histórias. Mesmo que as gerações mais jovens, em
vários momentos, tenhamos aprendido o repertório dele de cor e até nos
enfadado disso, eu, minha prima-irmã, Carol, e suas filhas, Nicole e Julia,
aprendemos e desfrutamos, enquanto crianças, dessa capacidade do pai de
contar histórias. Houve uma vez, quando eu escrevia a minha monografia
para concluir o curso de psicologia que me reencontrei com um livro que eu
amava quando criança, especialmente pela forma como tu lia aquela história
para mim. Ao abrir o livro da Girafa e o mede palmo, naquele momento, me
dei conta da data que constava nele: era março de 1983. Escrito com a tua
letra. Eu nasceria dali a seis meses. Sei que não fui exatamente um projeto,
mas me dei conta, ali, de que fui também desejada. Quer dizer, vocês me
esperavam, naquele momento, ainda sem um quarto, mas já com um livro.
Depois, eu pude te ver contar, incontáveis vezes, a história do lobo mau pra
Nicole, que morria de medo do lobo, mas amava aquele dindo17 contador
de histórias! O gosto pelos livros, por contar e ler histórias, eu certamente
herdei de ti. O que talvez a maior parte de vocês aqui não saiba é que fiz disso
minha ferramenta de trabalho. Hoje, eu não faço nada mais do que ensinar
aos meus alunos, no curso de Psicologia, a criar sensibilidades para escutar e
para contar histórias. Por isso pai, eu tenho essa lembrança tão viva de mim,
rindo, sentada no vaso em frente ao box, enquanto seu banho e a cortina
do box se transformavam no palco, para se transformar no maior zoológico
que uma criança poderia querer. Contigo, eu ia à biblioteca pública e fazia a
16 O texto carrega um “deslize” entre falar para as pessoas que estão no funeral e, depois, diretamente a meu
pai. Optei por manter essa “incongruência” exatamente porque desejava a conversa com interlocutores vivos
e mortos.
17 No Rio Grande do Sul, chamamos popularmente “padrinho” e “madrinha” de “dindo” e “dinda”.
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lista de livros para comprar na feira, ano após ano. Calhou de eu ter podido
estar aqui, nas duas últimas, sendo numa delas, como coautora. De um livro.
Assim, a essa capacidade de contar histórias, se agregou a capacidade da mãe
de costurar, com aquelas linhas e agulhas, as palavras nos textos, mesmo que,
no tecido, ela não tenha aprendido a fazer uma só bainha direta. O que vocês
dois me ensinaram enquanto estavam juntos se tornou a base toda do meu
trabalho hoje. Aí, eu queria dizer, que mesmo eu não tendo sido planejada,
mesmo eu não tendo realizado o projeto que vocês talvez tivessem pra mim,
ou seguido seus ideais políticos e religiosos, eu pude transformar tudo o que
aprendi com vocês numa coisa importante e tenho podido levar adiante.
Porque é assim a vida, ela leva adiante e se transforma nos encontros. E, se
hoje não me sinto tão desesperada pela tua morte inesperada é, também,
porque vocês me ensinaram a sempre andar com agulha, linha e uma porção
de palavras na mão. Mas, só foi depois e com outros tantos encontros,
que aprendi ser essa era a maior força que eu poderia ter, força que faz a
dor ganhar carne pela escrita e tocar os outros, provocar outras histórias,
transformar os outros, mas, também, a mim mesma e a minha história. Com
linha agulha a e palavra vamos tecendo a nossa história. Nesse caminho,
tenho também descoberto que aquilo que a gente ensina não volta pra gente
igual ou na mesma intensidade, mas segue adiante, vivo em outras histórias
que a gente jamais poderia pensar e escrever sozinha. Eu estou triste, sim,
mas não tenho medo desse dia, nem dessa morte, porque eles são mais um
pedaço da minha história. Além disso, estamos em março, daqui a 6 meses eu
já vou nascer de novo e tu vais estar lá a me esperar com A Girafa e o mede
palmo na mão, né? Um beijo, filha”.
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restava de bens. Ele lhes disse: Meus filhos, deixo a metade de meus bens ao
primogênito, um quarto ao segundo, e para você, meu último filho, lhe deixo
a sexta parte. Em ocasião da morte do pai, os filhos ficaram perplexos pois
seus bens não passavam de onze camelos. Como dividir? A guerra entre os
irmãos parecia inevitável. Sem solução, eles foram à cidade vizinha, pedir
os conselhos de um velho sábio. Este refletiu, depois franziu a testa: Eu
não posso resolver este problema. Tudo o que posso fazer por vocês é dar-
lhes meu velho camelo. Ele é velho, magro, mas ainda muito valoroso, ele
os ajudará, talvez. Os filhos levaram o velho camelo e fizeram a partilha: o
primeiro recebeu então seis camelos, o segundo três e o último dois. Restara o
velho camelo magro que puderam devolver ao seu proprietário19 (DESPRET;
STENGERS, 2011, p. 33).
O décimo segundo camelo não é a solução da questão, porque ele não faz parte da
herança. Para as autoras, ao visitar o velho sábio em busca de um conselho, os filhos do velho
beduíno se fizeram herdeiros de um problema (que vinha junto com a herança) e definiram a
herança a partir desse problema. Ao invés de guerrear entre eles, os irmãos decidiram tomar
o problema, levá-lo adiante e, inevitavelmente, transformá-lo. Despret e Stengers (2011)
nos provocam a pensar que há sempre um trabalho a ser feito ao receber uma herança.
Aceita-se junto com ela um problema. Um problema que, para ser conduzido, precisa ser
transformado e isso se dá pela complexificação do problema.
Significa, em última instância, acrescentar um elemento a mais na conta, para que a
partilha possa ser feita. No caso da morte de meu pai, mesmo sendo a única herdeira, tive
que fazer a partilha (comigo mesma), em cartório, para poder receber a herança. Isso no
que tangia à herança das “coisas concretas”, pois a herança subjetiva exigia outros meios e
conjurações, que tentei delinear no texto escrito para o funeral.
A escritora espanhola Rosa Montero, em seu livro A louca da casa (2015), é mais
direta e afirma que escrevemos sempre contra a morte. A cosmologia dos Krenak aí se
19 A tradução do livro para a língua portuguesa foi feita num esforço coletivo do grupo PesquisarCOM, da UFF
e à generosidade do prof. Ronald Arendt da UERJ.
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conecta: contar histórias para adiar o fim do mundo, contar histórias para adiar a morte. A
essa ideia, acrescento um ponto a mais, com Despret e Stengers (2011): escrever, também,
para produzir uma ancestralidade que outras de nós possam evocar mais adiante.
Ao produzir meu memorial, com vistas a concorrer aos concursos docentes e
preocupada com a sensação de ser jovem demais para realizar a tarefa (que geralmente
é feita para alcançar a última posição possível dentro da universidade, a de professor(a)
titular), achei por bem que não deveria escrever sozinha e iniciei o texto conjurando os
espíritos ancestrais.
Abre-se uma paisagem à sua frente agora, como se houvesse aberto os olhos
pela primeira vez, num lugar desconhecido. É uma planície o que você vê,
campo aberto e verde. Ao longe, uma figura humana, sentada no alpendre
de uma casa de madeira, uma chaleira pendurada no fogareiro. Uma figura
solitária sorve um líquido quente de uma cuia. Faz frio e o céu cinza contrasta
com o verde do prado em torno da casa. Desenha-se, no alpendre daquela
casa, a figura de um gaúcho. Exceto porque não é um homem ali sentado, sob
o grosso pala de lã, vê-se, ao chegar mais perto: é uma mulher. Ela que sorve
o líquido verde da cuia, como se por ela filtrasse os próprios pensamentos.
Pelo líquido verde e quente passam as palavras. Figura mítica de uma
história que nunca nos contaram, a velha senhora abre os olhos enrugados
pelo tempo. Tempo, aquele mesmo, o senhor de todas as histórias. Da boca
da velha senhora hão de sair as palavras que ninguém pôde escutar. Fios
embolados de memórias a ser destrinchadas. Registro de um processo, de
um caminho. Invoco a senhora de pele dobrada pelo tempo para revirar tal
baú de memórias. Pensei-me jovem demais para a tarefa de, solitariamente,
vasculhar os 36 anos de história, 19 anos de vida acadêmica e pensei que
seria melhor que fosse mais velha. Não podendo sê-lo, convoquei a velha
senhora: Jacy, a descendente branca de indígenas, que era também o nome de
minha avó. Do alpendre daquela casa de madeira, que nunca existiu, naquela
planície inventada e parecida com uma cidade qualquer, no pampa gaúcho,
Jacy desembaraça comigo os fios e as marcas de minha própria história.
Entretanto, apenas agora, ao reunir essas narrativas no mesmo texto, confiando nos
rastros espectrais, pude vislumbrar a conjuração feita. Como se tivesse aberto o baú das
memórias, das mortes, dos restos, com os quais, em diferentes tempos, constituí os ossos de
minha existência. Os tempos da formação, do luto e do trabalho memorial, agora evocados
pelo tempo parado da pandemia, enquanto escuto o burburinho das 80 mil mortes, que não
cessam, não cessam de morrer. Afinal, a despeito de toda essa organização feita para receber
as heranças...
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Desde a primeira linha deste texto, sustento o rastro de uma hesitação. “Sinto que não
tenho nada a dizer”. Foram muitos dias andando em volta dessa frase quando entendi que
A pandemia trouxe o medo, a incerteza, um não sabido concreto. O modo que encontrei
de reagir ao tempo do luto imposto pela pandemia foi insistir nas narrativas, segurar com
as duas mãos a sensação de “não tenho nada a dizer”, ficar com ela por uns dias, perder o
primeiro prazo de entrega do texto, pensar em desistir de escrever. O prazo antes servido
como a musa de inspiração (aprendido com Veríssimo), se reconfigurou, se estendeu, sua
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exigência, entretanto, é peça chave para a efetivação da escrita. Com Donna Haraway (2016)
aprendi (sempre na partilha) que em todo trabalho de pesquisa (e de vida, porque não se
separam) é preciso “ficar com o problema” (MORAES; ARENDT, 2016), quando o campo (e
a vida) te apresentam um problema, não tente logo resolver, nem se esquive, tenha paciência,
fique com ele, alimente o problema, leve-o para passear. Em suma:
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seguir. É essa força, essa intensidade que ofereço a você que me lê. Partilho a aprendizagem
de que a força em estado de possibilidade me permite saber que, com ela, podemos caminhar
em qualquer direção. Que podemos forjar com essa força um mundo. Um mundo no qual a
nossa experiência também conta, a nossa dor conta. Descobri, assim, que se tem força para
escrever qualquer história, a sua inclusive (SILVEIRA, 2016).
E você que me lê, já parou para pensar quais espectros a rondam? Quais histórias
evocam? A quais narrativas a convocam?
Referências
BRUM, Eliane. O Olho da Rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São
Paulo: Globo, 2008.
DESPRET, Vinciane; STENGERS, Isabelle. Les faiseuses d’histoires: Que font les femmes à
la pensée? Paris: La Découverte, 2011.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
MORAES, Marcia; ARENDT, Ronald. O projeto ético de Donna Haraway: alguns efeitos
para a pesquisa em psicologia social. Pesquisas e Práticas Psicossociais 11 (1), São João del
Rei, v. 11, n. 1, p. 11-24, jan.-jun. 2016.
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SILVEIRA, Marília; CONTI, Josselem. Ciência no Feminino: do que é feita nossa escrita?
Pesquisas e Práticas Psicossociais v. 11, n. 1, São João del Rei, jan. a jun, 2016, p. 53-68.
SILVEIRA, Marília; FERREIRA, Ligia Hecker. Escritas de si, escritas do mundo: um olhar
clínico em direção à escrita. Athenea Digital, v. 13, p. 243-263, 2013.
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INFORMAÇÕES DAS/OS AUTORAS/ES
ADRIANA RÊGO LIMA COSTA
Especialista em Saúde Coletiva (Gama Filho), Especialista em Psicologia hospitalar
(Faculdade Futura). Psicóloga do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes -
HUPAA/UFAL. Pesquisa temáticas relacionadas a Psicologia da Saúde, Multidisciplinaridade
e Humanização.
E-mail: [email protected]
BENEDITO MEDRADO
Psicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP (2002), com pós-doutorado
pela UFPA (2013) e UAB/Espanha (2014). Docente dos cursos de graduação e Pós-Graduação
em Psicologia da UFPE. Atualmente, coordena o Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero
e Masculinidades - GEMA/UFPE (cadastrado no CNPq, desde 1998), integra a equipe da
coordenação editorial da Revista Psicologia & Sociedade - Qualis A2 (Gestão 2020-2023).
Bolsista de produtividade CNPq (2020/2022). Pesquisa temas relacionados a gênero e
sexualidade, na interface entre saúde, saúde coletiva e direitos humanos.
E-mail: [email protected]
CHARLES LANG
Psicólogo. Psicanalista. Doutor em Psicologia Clínica (PUC-SP). Mestre em Filosofia (UFRGS).
Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Psicologia da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL). Professor e supervisor em Psicologia Clínica (IP/UFAL). Analista
Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (RS). Pesquisas relacionadas à Psicanálise
freudiana e lacaniana, literatura, narrativas, ficção e transhumanismo.
E-mail: [email protected]
PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
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CLEYTON ANDRADE
Psicólogo. Psicanalista. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – UFAL.
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Membro
da SIPP (Sociedade Internacional de Psicanálise e Filosofia). Autor do livro “Lacan Chinês –
Ideograma, Poesia e Caligrafia Chinesa de uma Psicanálise” 1º lugar no Prêmio Jabuti 2016
na categoria Psicologia, Psicanálise e Comportamento.
E-mail: [email protected]
JEFFERSON BERNARDES
Psicólogo. Doutor em Psicologia Social (PUCSP). Mestre em Psicologia Social e da
Personalidade (PUCRS). Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação Mestrado
em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Professor Colaborador do
Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional de Ensino na Saúde (FAMED/Ufal).
Diretor do Instituto de Psicologia da Ufal. Pesquisas orientadas ao construcionismo social,
saúde pública, clínica ampliada e formação em psicologia.
E-mail: [email protected]
JORGE LYRA
Psicólogo. Mestre em Psicologia Social pela PUC/SP e Doutor em Saúde Coletiva pelo CPqAm/
Fiocruz; vice-coordenador do Curso de Pós-graduação em coordenação em Psicologia da
UFPE. Docente dos cursos de graduação e Pós-Graduação em Psicologia da UFPE. Atualmente,
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CHARLES LANG | JEFFERSON BERNARDES (ORG.)
JULIANA FALCÃO
Psicóloga. Psicanalista. Doutora em Psicologia Clínica e Cultura (Universidade de Brasilia,
UnB). Mestre em Psicologia (UFAL). Especialista em Psicologia Clínica e Saúde Mental
(CESMAC) e Formação em psicoterapia de crianças e adolescentes (Centro de Pesquisa
em Psicanálise e Linguagem. CPPL/Recife). Psicanalista voltada aos temas do corpo,
adolescência, violência e automutilação. Autora do livro “Cortes & Cartas: estudos sobre
automutilação” (2021), Editora Appris.
E-mail: [email protected]
MARÍLIA SILVEIRA
Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (2016), pós-
doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFAL. Desenvolve pesquisas
na área da Psicologia e Saúde, com ênfase em saúde mental coletiva, gestão autônoma da
medicação, metodologias de pesquisas participativas e políticas de escrita. Tem interesse
especial nas práticas de saúde no SUS e na formação interdisciplinar em serviço.
E-mail: [email protected]
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PSICOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES POLÍTICAS E PRÁTICAS CLÍNICAS
CHARLES LANG | JEFFERSON BERNARDES (ORG.)
TIAGO CORRÊA
Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
Pesquisador do Núcleo de Estudos em Gênero e Masculinidade (Gema/UFPE). Possui
experiência em atendimento clínico em consultório particular e, como servidor público,
atendimento psicossocial com adolescentes em conflito com a lei e mulheres vítimas de
violência sexual e/ou doméstica.
E-mail: [email protected]
132
E
ste livro foi selecionado pelo Edital nº 01/2020 da Universidade Federal
de Alagoas (Ufal), de um total de 44 obras escritas por professores/
as vinculados/as em Programas de Pós-Graduação da Ufal, com
colaboração de outros/as pesquisadores/as de instituições de ensino superior
(autoria, coautoria e coletânea), sob a coordenação da Editora da Universidade
Federal de Alagoas (Edufal). O objetivo é divulgar conteúdos digitais – e-books
– relacionados à pandemia da Covid-19, problematizando seus impactos e
desdobramentos. As obras de conteúdos originais são resultados de pesquisa,
estudos, planos de ação, planos de contingência, diagnósticos, prognósticos,
mapeamentos, soluções tecnológicas, defesa da vida, novas interfaces
didáticas e pedagógicas, tomada de decisão por parte dos agentes públicos,
saúde psíquica, bem-estar, cultura, arte, alternativas terapêuticas para o
enfrentamento da Covid-19, dentre outros, abordando aspectos relacionados
às diferentes formas de acesso à saúde e à proteção social, entre grupos mais
vulneráveis da sociedade.
ISBN 978-65-5624-055-8