Sexualidade e Trabalho

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Sexualidade e trabalho:

uma análise sobre a importância


do respeito à diversidade sexual no
ambiente do trabalho a partir da teoria
do reconhecimento de Axel Honneth

Tatiana Francio Salvador

Técnica Administrativa no Ministério Público do Trabalho


4ª Região. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul). Bacharel em Ciências Sociais
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Resumo: O presente estudo trata do respeito à diversidade sexual


no ambiente de trabalho, partindo do conceito de diversidade
sexual, estudando o denominado “biscoito sexual” ou “the gen-
derbread person” (sexo biológico X orientação sexual X identidade
de gênero), e, após, analisando a teoria do reconhecimento de Axel
Honneth e a importância deste reconhecimento para a formação
da identidade e dignidade do sujeito, especificamente no âmbito
do trabalho. Assim, busca-se a inclusão social a partir do direito do
trabalho, como uma das formas de efetivação do reconhecimento
e dignidade.

Palavras-chave: Identidade de gênero. Direito à autodeter-


minação sexual. Discriminação. Dignidade da pessoa humana.
Reconhecimento.

Abstract: This paper aims at discussing respect for sexual diversity


in workplace, starting from the concept of sexual diversity, study-
ing the so-called “sexual cookie” or “the genderbread person”
(biological sex X sexual orientation X gender identity). After that,
it analyzes Axel Honneth’s recognition theory and the importance
of such recognition for the construction of the subject’s identity and
dignity within work environment. Thus, social inclusion will be

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sought from the labor law, as one of the ways of effecting recogni-
tion and dignity.

Keywords: Gender identity. Right to sexual self-determination.


Discrimination. Dignity of the human person. Recognition.

Sumário: 1 Introdução. 2 Direito à autodeterminação sexual – o


“biscoito sexual” ou “the genderbread person”. 2.1 Sexo biológico.
2.2 Orientação sexual. 2.3 Identidade de gênero. 2.4 Expressão de
gênero. 3 Reconhecimento do trabalhador homossexual ou transe-
xual e o respeito à sua dignidade. 3.1 Axel Honneth e sua teoria do
reconhecimento. 3.2 Reconhecimento do trabalhador e dignidade
da pessoa humana. 3.3 A importância da não discriminação no
ambiente de trabalho. 4 Considerações finais.

1 Introdução
Embora seres humanos não sejam iguais, pertencemos a uma
comunidade que deve nos assegurar uma gama igual de direitos.
Esta igualdade é assegurada por lei. As instituições devem igualar
eventuais diferenças, e o Estado deve ser o garantidor da igualdade
e isonomia de tratamento (Arendt, 2011).
Entretanto, na nossa sociedade, mesmo que muitos avan-
ços sejam verificados, observamos que qualquer comportamento
sexual que fuja da heteronormatividade ainda é discriminado. No
ambiente de trabalho, local no qual buscamos nosso sustento e pas-
samos um terço de nosso dia, essa discriminação é ainda mais per-
versa, pois muitas vezes não há opção para saída. Por isso, a impor-
tância de que o estudo e a defesa do direito à autodeterminação
sexual sejam também objeto do direito do trabalho.
Após discorrer brevemente sobre o direito à autodetermina-
ção sexual, falaremos sobre conceitos necessários ao entendimento
da questão, a partir do “genderbread person”, imagem frequen-
temente utilizada para explicar as diferenças entre identidade de
gênero, expressão de gênero, sexo biológico e orientação sexual.
Após, utilizando conceitos de Axel Honneth e sua teoria do
reconhecimento, trataremos especificamente da importância deste
reconhecimento no ambiente do trabalho para a formação da iden-

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tidade e dignidade do sujeito. Assim, trabalharemos como a inclu-
são social pode e deve se dar também a partir da ótica do direito do
trabalho, sendo uma importante forma de efetivação de reconhe-
cimento e dignidade.

2 Direito à autodeterminação sexual – o “biscoito


sexual” ou “the genderbread person”
Norberto Bobbio fala sobre a multiplicação dos direitos do
homem (embora estejam mais no discurso do que em ações efe-
tivas), e que este crescimento estaria ligado ao aumento dos bens
considerados merecedores de tutela, a extensão de direitos típicos
e a consideração do homem como ente de direito. O direito à
autodeterminação sexual decorre deste desdobramento de direitos
(Oliveira, 2003, p. 61-62).
A Revolução Francesa trouxe a ideia de igualdade, liberdade e
fraternidade, sendo a primeira vez em que os direitos fundamentais
do homem foram normatizados. No entanto, sua origem remonta
de tempo muito anterior. Já no antigo Egito e na Mesopotâmia
havia direitos comuns a todos os cidadãos. Com o advento do
cristianismo e a premissa de que somos todos feitos à imagem e
semelhança de Deus, afirma-se o conceito de igualdade e frater-
nidade (Silva, 2005, p. 11). Na Inglaterra do século XIII, o rei
João Sem Terra reconheceu os direitos dos seus súditos na Magna
Carta. Seguiram-se outros documentos, como Petition of Right
(1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1689), a Declaração
de Direitos da Virgínia (1776), a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América (1776) e a Constituição Americana
(Silva, 2005, p. 11).
Com a crise de 1929 mostrando a ineficácia do Estado Liberal,
este percebeu que deveria atuar frente a problemas sociais, razão
pela qual uma série de direitos humanos foram materializados por
instrumentos legais (Siqueira Júnior, 2009, p. 51).
Inicialmente de cunho individual, surgem os denominados
direitos fundamentais de primeira geração, representando os direi-
tos civis e políticos. Com o passar do tempo, incluíram-se os direi-
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tos sociais (direitos fundamentais de segunda geração), que obser-
vavam, além da proteção individual dos indivíduos, os direitos
sociais, culturais e econômicos ao trabalho, à educação, à cultura e
à previdência. Nas constituições das sociedades modernas, surgem
novos direitos, entendidos como direitos coletivos (denominados de
terceira geração), que compreendem o direito ao desenvolvimento,
à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum, à comunicação
e ao meio ambiente (Humenhuk, 2004). Os direitos de liberdade
e igualdade dos trabalhadores não se dão, a partir de então, apenas
em face do Estado, mas também em relação aos demais poderes
sociais (Sarlet, 2009, p. 101).
A Constituição brasileira arrola entre os direitos fundamentais
da pessoa o direito à intimidade e à vida privada, assegurando a sua
inviolabilidade. Desses vem o direito de liberdade (autodetermi-
nação) sexual também como um direito fundamental. Os direitos
fundamentais e a liberdade geral de ação, garantidos no art. 5º,
caput e II, constituem a essência da autonomia da pessoa humana,
são a chave do seu poder de autodeterminação.
Essa ideia parte do conceito de exclusividade, segundo o qual
existe um espaço só seu, não compartilhado com mais ninguém,
no qual o indivíduo pode viver e sentir aquilo que o diferencia
dos demais, gozando livremente sua personalidade. Deste local
compartilha-se a vida com outras pessoas, seja por afinidade, empa-
tia, amizade ou amor, mas ainda assim guarda-se uma singulari-
dade e exclusividade não verificadas nas esferas política ou social.
A autodeterminação sexual, que está no meio da vida privada,
pode ser compreendida como a possibilidade de viver livremente
sua própria sexualidade, afirmando sua identidade sexual, a livre
escolha de parceiros e a expressão dessa identidade. Disso decorre a
autonomia sexual que também se encontra na esfera de intimidade
e vida privada do indivíduo, que é o poder de optar pela orientação
sexual que lhe aprouver e relacionar-se com quem bem desejar.
Desde que foi nomeada pela ciência, a homossexualidade e a
bissexualidade estiveram associadas à doença e ao pecado. Por isso,
antigamente dizia-se “homossexualismo” e “bissexualismo”, com

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sufixo -ismo para indicar doença e, portanto, tratamento. Em 1993,
a Classificação Internacional de Doenças (CID) não considera mais
a homossexualidade como doença, deixando de considerá-la como
algo que deve ser tratado e pode ser curado.
Portanto, o uso sufixo -dade substituiu o sufixo -ismo, reconhe-
cendo que se trata de uma característica da sexualidade e nada tem
a ver com doença, crime ou pecado. Devemos falar de homossexu-
alidade, bissexualidade e não de homossexualismo e bissexualismo.
Quando tratamos da sexualidade humana, conforme falaremos
abaixo, diversas combinações de características são possíveis, e muitas
vezes não são excludentes. Por isso criou-se a figura do “gender-
bread” ou “biscoito sexual”, em português, uma espécie divertida
de gráfico para mais fácil entendimento. Aproveitou-se a semelhança
fonética entre as palavras inglesas “ginger” (gengibre) e “gender”
(gênero) e criou-se a imagem de “genderbread person”. Esta imagem
tem sido utilizada para explicar as diferenças entre identidade de
gênero, expressão de gênero, sexo biológico e orientação sexual.

Figura 1 - O biscoito sexual. Fonte: https://goo.gl/images/dFNoC1

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2.1 Sexo biológico

O sexo biológico divide-se em genético e endócrino-


-gonadal. Determinado quando da concepção, é expresso pelos
órgãos genitais (internos e externos) e também pelos genes, hor-
mônios e glândulas.
O sexo genético verifica-se pelas estruturas presentes no
núcleo de cada célula, chamadas cromossomos. A presença do par
de cromossomos X e Y determina o sexo masculino, enquanto a
ocorrência do cromossomo X duplicado determina o sexo femi-
nino. Pode já nessa fase haver anomalias genéticas ocorridas na
divisão celular1. Mas o cromossomo não é o único responsável pelo
sexo biológico, os hormônios e as glândulas também influenciam.
O sexo endócrino é determinado pelas glândulas que produ-
zem os hormônios e exercem, em maior ou menor grau, a deter-
minação da feminilidade e masculinidade. A partir do sétimo mês
de gestação até a puberdade, os hormônios irão influenciar no
desenvolvimento do indivíduo (surgimento de mamas, alteração
na voz, surgimento de pelos).
Essa combinação de componentes é chamada de sexo morfoló-
gico e são as características sexuais anatômicas, é a expressão final
do sexo biológico, e se traduz na aparência e funcionalidade dos
órgãos sexuais internos e externos.

2.2 Orientação sexual

A orientação sexual refere-se à direção ou à inclinação do


desejo afetivo e erótico de cada pessoa. É a atração sexual por
outros indivíduos, que podem ser pessoas de sexo diferente, igual
ou ambos. Não é determinada pelo sexo biológico nem pela identi-
dade de gênero. Não envolve apenas questões sexuais, mas também
afetivas. Se a atração é por pessoas do mesmo sexo, sua orientação
é homossexual ou homoafetiva. Se for por pessoas de outro sexo,

1 Síndrome de Turner (XO), Síndrome de Klinefelter (XXY) e Síndrome do super-


macho (XYY).

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sua orientação é heterossexual ou heteroafetiva. As pessoas que se
atraem por ambos os sexos são chamadas bissexuais ou biafetivos.
Alguns consideram, ainda, os assexuais, que seriam aqueles
indivíduos que não sentem atração sexual, e os pansexuais – pessoas
cuja identificação com o outro independe de seu gênero, orienta-
ção, papel e identidade sexual.
O termo “orientação sexual” tem sido preferencialmente uti-
lizado nos últimos anos, e não mais “opção sexual”, pois “opção”
dá a ideia de que o(a) homossexual escolheu sentir o desejo que
sente e, portanto, poderia ter optado por ser heterossexual. Se fosse
uma questão de opção, heterossexuais também poderiam escolher
sentir desejo por pessoas do mesmo sexo, o que pode ou não acon-
tecer. Por isso, o correto é dizer e utilizar “orientação sexual”.
Não nascemos com uma orientação sexual já definida, ao
longo da vida nos identificamos com diferentes formas de vivenciar
nossos desejos de uma forma mais fixa ou mais flexível, conforme
as experiências vividas por cada um(a).

2.3 Identidade de gênero

É a forma que o sujeito se percebe em relação ao seu gênero.


Está relacionado ao comportamento de gênero que a pessoa desem-
penha na sociedade. Assim, sendo cultural, varia de acordo com a
cultura e a época em que se vive. Não está necessariamente ligada
à orientação sexual.
Freud já dizia que a identidade sexual é o reflexo do binômio
natureza-ambiente no qual o indivíduo está inserido (Oliveira,
2003, p. 14).
Grande parte das culturas privilegia a diferença sexual bioló-
gica (ter pênis ou vagina) como sendo determinante para a iden-
tidade de gênero. Essas diferenças físicas entre os sexos tornam-se
norma para separar o masculino e o feminino, e também para defi-
nir quem deve se sentir masculino ou feminino. Ao longo da histó-
ria humana construiu-se uma ideia subjetiva do que é ser masculino

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ou feminino segundo ditames convencionais que determinavam o
agir de homens e mulheres ou a partir da “oposição” entre eles.
Quando a identidade sexual é diferente do sexo biológico com
o qual a pessoa nasceu, diz-se que a pessoa é transexual, indepen-
dentemente de sua orientação sexual2.
As orientações sexuais também expressam o desejo e o prazer
e podem aparecer na vida de um indivíduo de muitas maneiras,
não precisam ser fixas e inevitáveis. O padrão cultural demanda
uma conexão entre o sexo do corpo (homens e mulheres), a
identidade e a orientação do desejo para o sexo oposto, ou seja,
homens devem desejar mulheres e vice-versa (Sousa Filho, 2009,
p. 59-77). Entretanto, “comportamento e identidade são compo-
nentes da orientação sexual que não caminham necessariamente
na mesma direção” (Simões; Facchini, 2009, p. 31). O desejo, a
afeição, o comportamento e o modo como as pessoas se percebem
também são em certo nível fruto das convenções, contingências e
constrangimentos sociais.

2.4 Expressão de gênero

A expressão de gênero é a maneira pela qual a pessoa se apre-


senta, sua aparência e seu comportamento, de acordo com expec-
tativas sociais de aparência e comportamento de um determinado
gênero. É como expressamos o nosso gênero. A expressão de gênero
é também produto de uma sociedade e de uma época.
Trata-se da construção social do sexo, definido como uma
caracterização anatômica e fisiológica dos seres humanos. Há
machos e fêmeas na espécie humana, mas a condição de ser homem
ou ser mulher só é realizada pela cultura. Ao longo de nossa traje-
tória, vai sendo construída uma percepção subjetiva de ser mascu-
lino ou feminino conforme os atributos, comportamentos e papeis

2 Araguaia, Mariana. “Orientação Sexual”; Brasil Escola. Disponível em: <http://


brasilescola.uol.com.br/sexualidade/orientacao-sexual.htm>. Acesso em: 2 fev. 2017.

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convencionalmente estabelecidos para os homens e para as mulhe-
res ou a partir da “oposição” entre os gêneros.
Gênero é uma categoria de análise social e, assim como a sexu-
alidade, é concebido como uma produção da cultura. Essa constru-
ção, baseada na desigualdade entre o masculino e feminino e na
visão da heterossexualidade como “natural” ou “normal”, perma-
nece sendo a linha mestra do modo como as pessoas devem viver
suas experiências. Utiliza-se o gênero e sexualidade dos indivíduos
para hierarquizá-los.
Criam-se modelos “ideais” (atualmente o modelo ideal de
sexualidade considerada saudável é entre adultos, dotados de iden-
tidade de gênero conforme o sexo biológico, monogâmico. Cria-se
ainda uma expectativa social sobre o comportamento das pessoas
que associa o masculino à atividade sexual e o feminino à passi-
vidade sexual). Tais modelos operam de forma a estigmatizar os
outros modelos de sexualidade que diferem deles.
Assim, dizemos que a sexualidade é também uma construção
social, mas defendemos que o sujeito, no exercício da sua sexualidade,
deve poder exercer suas escolhas ao longo de sua trajetória sexual, não
como alguém que está sob o comando irracional de instintos, impul-
sos, e nem como alguém que simplesmente se sujeita aos discursos
sobre sexualidade. No exercício da sexualidade a pessoa, como sujeito
sexual, está permanentemente interpelada por diferentes discursos e
distintos contextos intersubjetivos, devendo ser um agente autônomo
inclusive para lidar com os muitos discursos sobre o sexo, que, por
vezes, são até contraditórios (Paiva, 2008, p. 65).

3 Reconhecimento do trabalhador homossexual


ou transexual e o respeito à sua dignidade
Alexis de Tocqueville (2000) já no século passado alertava sobre
a “ditadura da maioria”, ou seja, a tirania da maioria sobre a mino-
ria, os limites do poder popular e da força da maioria democrática
contra a liberdade individual dos grupos minoritários que, sob a

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égide da homogeneidade social, são postos à margem dos direitos.
Nos fala ainda que um Estado democrático deve objetivar a busca
da igualdade entre seus cidadãos. A força da maioria, em sentido
contrário, impõe seus pensamentos e não aceita oposição. Assim, o
império da maioria fragiliza o ideal de igualdade, fundamental aos
governos democráticos, pois, ao mesmo tempo em que aumenta a
força dos poderes que eram naturalmente fortes, debilita os fracos,
não podendo haver igualdade em um Estado que privilegie a maio-
ria e no qual o governo se exerça para e pelos mais fortes, deixando
alguns à margem (a minoria fragilizada) (Martins Filho, 2013).
Humberto Ávila conceitua igualdade como a relação entre
dois ou mais indivíduos a partir de um critério que serve a uma
finalidade, usualmente comparativa. Para tanto, deve-se definir
uma medida baseada em critérios objetivos, caso contrário se tra-
taria de uma “correlação espúria”. Tal comparação, contudo, não
pode ser aleatória. Há de se relacionar diretamente com a finali-
dade que a justifique. Assim, se a comparação deve ser motivada, a
diferenciação também precisa ser embasada (critério e finalidade),
sob pena de ser considerada inconstitucional justamente por ferir o
princípio da igualdade (Ávila, 2008, p. 63-65).
No nosso sistema jurídico igualdade não é somente tratar todos
igualmente. No Brasil, segue-se a igualdade aristotélica, na qual se
deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida de suas desigualdades, conforme o filósofo Aristóteles. Sem
tratarmos os desiguais consoante sua desigualdade, não poderemos
garantir a igualdade de oportunidades, e negaremos os direitos a
quem fugir do estereótipo do que for considerado normal.
Para Konrad Hesse (1998, p. 332-333), o conceito de igual-
dade jurídica material fundamenta-se em vários fatos jurídicos e,
com isso, surge a obrigatoriedade do tratamento igual, sem levar
em conta as características pessoais, como cultura, religião etc.
Contudo, a igualdade formal não revela garantia ao tratamento
justo, motivo pelo qual buscamos, também, a formatação de um
conceito de igualdade material. É arbitrário e inconstitucional
qualquer tipo de diferenciação que tome por base uma caracte-

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rística não essencial, ou seja, não prevista como essencial para o
exercício de um determinado direito.
A não discriminação é um desdobramento do princípio de
igualdade, que proíbe a discriminação negativa entre as pessoas. O
princípio da igualdade verifica-se perante a verificação ou não da
discriminação (Rios, 2008, p. 24). A não discriminação é a igual-
dade de tratamento.
Nas palavras de Otávio Brito Lopes, “a discriminação é a antí-
tese da igualdade. Em outras palavras, a negação do princípio de
que todos são iguais perante a lei”. Afirma ainda que o princípio
da igualdade é primordial para um Estado de Direito democrático
e justo. A discriminação é a aplicação de regras diferentes a situ-
ações semelhantes, ou quando se aplicam as mesmas regras a duas
situações distintas3.
Existem tentativas de formalização do conceito, como o
artigo 1º da Convenção n. 111 da OIT, promulgada no Brasil pelo
Decreto n. 62.150, de 19 de janeiro de 1968, que traz o seguinte
conceito de discriminação:
a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor,
sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que
tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou
de tratamento no emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por
efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou tratamento
no emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo
País-membro concernente, após consultar organizações represen-
tativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros
organismos adequados.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da


Organização das Nações Unidas traz em seu artigo 1º o funda-

3 Lopes, Otávio Brito. A questão da discriminação no trabalho. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_17/Artigos/art_otavio.htm>. Acesso
em: 8 dez. 2016.

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mento jurídico do princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana. No 2º artigo, afirma que as pessoas devem exercer seus
direitos sem sofrer nenhuma distinção4.
A Constituição brasileira de 1988, no mesmo diapasão, elencou
princípio de não discriminação entre os fundamentais para a confor-
mação do Estado Democrático de Direito a ser moldado no Brasil.
Em seu art. 1º, entre os fundamentos da República Federativa do
Brasil, consagra: “III – a dignidade da pessoa humana; IV – o valor
social do trabalho”. Elenca, ainda, entre os objetivos fundamentais
da República (art. 3º, incisos I, III e IV), “a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades sociais
e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” [grifo nosso].
O caput do art. 5º da Lei Maior, por sua vez, determina que
todos devem ser iguais perante a lei, “sem distinção de qualquer
natureza”, e aponta como garantia fundamental o princípio da
igualdade. E, em seu inciso XLI, prevê que a “lei punirá qualquer
discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais”.
Adiante no art. 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII, proíbe-
-se diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; discrimi-
nação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador
portador de deficiência; e distinção entre trabalho manual, técnico
ou intelectual ou entre os profissionais respectivos.
A legislação infraconstitucional também garante ao trabalha-
dor que não haja restrições para o seu acesso ao trabalho, a menos
que estas sejam apenas de requerimentos específicos para o desen-
volvimento da função. Na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), o art. 373-A (inserido na CLT pela Lei n. 9.799, de 26 de
maio de 1999) trata da proibição à publicação de anúncios dis-
criminatórios para emprego; à motivação discriminatória para a

4 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu-


brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 21 dez. 2016.

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recusa de emprego, promoção ou dispensa; e à utilização de variá-
vel discriminatória para fins de remuneração, formação e ascensão
profissional. Se não observado o dispositivo, haverá aplicação de
multa administrativa (Lima, 2009).

3.1 Axel Honneth e sua teoria do reconhecimento

Em sua obra Luta por reconhecimento, Axel Honneth demonstra


como indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual
por meio de uma luta pelo reconhecimento intersubjetivo. Fala
sobre três formas de reconhecimento: amor, direito e solidarie-
dade. Tanto indivíduos quanto grupos sociais só conseguem formar
sua identidade quando possuem o reconhecimento intersubjetivo
(Salvador; Honneth, 2011, p. 189).
A partir do conceito de dependência absoluta de Winnicott,
Honneth percebeu que na primeira fase do desenvolvimento infan-
til, na qual mãe e criança interagem simbioticamente, há a depen-
dência do bebê e o redirecionamento da atenção da mãe a este, a
fim de satisfazer suas necessidades. A partir da reinserção desses
dois na sociedade, ocorre uma maior independência de ambos. A
criança passa a desenvolver capacidades que a tornam capaz de se
diferenciar, e passa ver na própria mãe um objeto com direitos
próprios. E a mãe passa a reconhecer no bebê um ser independente.
Esse reconhecimento recíproco transforma-se em experiência
de amor recíproco. É o que Honneth chama de primeira esfera de
reconhecimento, o amor (Saavedra; Sobottka, 2008). Por meio
do amor o indivíduo desenvolve a confiança em si mesmo, tão
indispensável para os projetos de autorrealização pessoal. O amor
apenas surge quando a criança reconhece o outro como uma pessoa
independente (Salvador; Honneth, 2011, p. 190).
Se essa relação mãe-criança inicial é positiva, a criança desenvolve
autoconfiança e pode desenvolver de forma sadia a sua personalidade.
A autoconfiança é a base das relações sociais entre adultos. Este tipo de
reconhecimento é responsável também pela autonomia necessária para
a participação na vida pública (Saavedra; Sobottka, 2008).

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Em relação ao reconhecimento do direito e o desenvolvimento
da autoconsciência da pessoa enquanto sujeito de direito, a segunda
forma de reconhecimento, Honneth afirma que no surgimento do
direito moderno há uma nova forma de reconhecimento, e o sis-
tema jurídico deve combater privilégios e considerar os interesses
de todos os participantes da comunidade. Os sujeitos de direito
precisam estar em condições de desenvolver sua autonomia, com o
fito de decidir racionalmente sobre questões morais (direitos fun-
damentais). Destarte, a luta por reconhecimento deveria então ser
vista como uma pressão, sob a qual o sujeito só se perceberia como
pessoa de direito quando emerge uma forma de proteção jurídica
contra a invasão da sua esfera da liberdade. Ao se reconhecer como
pessoa portadora de direitos, adquire moral e uma existência digna.
O reconhecimento jurídico (a segunda esfera do reconhecimento)
cria as condições que permitem ao sujeito desenvolver autorres-
peito (Saavedra; Sobottka, 2008).
No direito há o respeito, a autonomia, apenas quando se reco-
nhece o outro. O respeito demonstra que o indivíduo está inse-
rido na comunidade, e é visto como sujeito de direito, autônoma e
moralmente imputável ao desenvolver o autorrespeito (Salvador;
Honneth, 2011, p. 191).
O terceiro modo de reconhecimento é um meio social no qual
o ser humano se individualiza, se diferencia dos demais (Saavedra;
Sobottka, 2008).
A avaliação social seria determinada pelo sistema moral dado
por esta autocompreensão social. Esta esfera de reconhecimento
está ligada à vida em comunidade de um modo tão veemente
que a capacidade e o desempenho dos integrantes da comunidade
somente poderiam ser avaliadas intersubjetivamente em relação ao
outro (Saavedra; Sobottka, 2008).
Para Honneth, uma pessoa sente-se valorizada ao perceber
que suas capacidades individuais não são mais avaliadas de forma
coletivista. Entretanto, existe um processo de luta constante,
porque nesta nova forma de organização social há, além da busca
individual por autorrealização, a busca de um sistema de avaliação

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social. É uma luta por reconhecimento. Grupos sociais precisam
desenvolver a capacidade de influenciar a vida pública para que sua
própria concepção de vida boa encontre reconhecimento social e
assim sirva também com referência moral para autocompreensão
cultural e moral da comunidade (Saavedra; Sobottka, 2008).
Em artigo que relaciona trabalho ao reconhecimento, Honneth
afirma que após séculos de precarização do trabalho, e a realidade
do expressivo número de trabalhadores que apenas trabalha com
o intuito de subsistir, além de outra parcela que labora em condi-
ções extremamente insalubres, e ainda a crescente terceirização,
fica difícil falar sobre conceito emancipatório de trabalho, de tra-
balho humano. Informa ainda que a Teoria Crítica, desiludida ao
longo dos anos, se antes colocava sua esperança na humanização e
emancipação do trabalho, a este voltou as costas, dedicando-se à
integração política e aos direitos de cidadania (Honneth, 2008).
Afirma também que a despeito do segundo lugar que a Teoria
Crítica dá atualmente ao trabalho, para a sociedade ainda a identi-
dade da pessoa passa pelo trabalho. Existe, por outro lado, o estigma
negativo para aqueles que não têm emprego. O trabalho possui um
sentido normativo, um dever ser. Assim, não pode ser apenas um
local onde se garanta a subsistência mas também um lugar onde o
indivíduo se satisfaça individualmente (Honneth, 2008).
Logo, o trabalho precisa estar organizado e dotado de sentido
para que gere o reconhecimento social. O autor critica Hegel por
ver o trabalho apenas como dotado de normas estritamente for-
muladas em relação ao conflito capital X trabalho, e não dotado de
sentido moral. Nos estudos do jovem Hegel, Honneth encontrou
um conceito de reconhecimento, além de observar que Hegel prevê
que ocorreriam conflitos no mercado capitalista, quando ocorresse
acúmulo de capital em poucas mãos. Para solucionar tal dilema,
deveria haver uma estrutura que previsse a remuneração do tra-
balho do indivíduo não apenas financeiramente. Surge daí a ideia
do reconhecimento. O trabalho deve possuir um salário mínimo,
mas o desempenho das atividades deve gerar o reconhecimento da
contribuição para o bem geral (Honneth, 2008).

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Mas é em Durkheim que Honneth encontra uma visão do tra-
balho dotado de sentido. Embora, como em Hegel, Durkheim estude
as estruturas da organização capitalista do trabalho, ele observa que
o trabalho organizado gera a solidariedade, um sentimento de per-
tencimento social. Só a compensação financeira não é o suficiente. O
trabalho gera no indivíduo um sentimento de pertinência social.
Embora não utilize o conceito de reconhecimento, em
Durkheim, da divisão do trabalho surgem relações nas quais os
atores sociais desenvolvem uma solidariedade (denominada por ele
de orgânica) nas quais os indivíduos reciprocamente se reconhecem
e se sabem interdependentes. Para que as relações de trabalho gerem
formas orgânicas de solidariedade, os trabalhadores partem de um
esforço comum e cooperativo para o bem de todos. Para o seu tra-
balho fazer sentido, ele deve ser executado com qualidade, para que
o homem sinta que é útil para a sociedade (Honneth, 2008).
Na sociedade moderna, a solidariedade está vinculada à con-
dição de relações sociais simétricas de estima entre indivíduos
autônomos e à possibilidade de os indivíduos desenvolverem a sua
autorrealização. Para que os atores sociais possam desenvolver um
autorrelacionamento positivo e saudável, eles precisam ter a chance de
desenvolver a sua concepção de vida boa sem sofrerem desrespeito
(Saavedra; Sobottka, 2008).
Conflitos surgem do desrespeito a qualquer uma das formas de
reconhecimento. Uma mobilização política somente se dá quando o
desrespeito expressa a visão de uma sociedade. Então a lógica é essa:
desrespeito, luta por reconhecimento e mudança social. A eticidade,
conjunto de práticas e valores que formam uma estrutura intersub-
jetiva de reconhecimento recíproco, gera identidades. A identidade
dos indivíduos é formada pela socialização, pela eticidade inserida
em valores e obrigações (Salvador; Honneth, 2011, p. 192).

3.2 Reconhecimento do trabalhador


e dignidade da pessoa humana
A relação de emprego não gera apenas obrigações patrimo-
niais. O empregador tem dever de zelar pela dignidade moral do

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trabalhador, bem como pelos seus direitos de personalidade. A vio-
lação destes implica violação de direito e obrigação trabalhista e do
contrato de trabalho, autoriza a rescisão contratual pelo empregado
e pelo empregador e a postulação da indenização patrimonial e
moral consequente. Logo, a proteção à dignidade moral do empre-
gado, aos seus direitos de personalidade, estão presentes no conte-
údo do contrato de trabalho (Castelo, 1999, p. 215-216).
O trabalho é um dos maiores valores para o ser humano, não
só porque permite sua subsistência mas porque o insere na socie-
dade. Todo homem tem o direito de exercer uma atividade útil,
a si, à sua família, e à sociedade como um todo, mediante justa
remuneração (Moraes Filho, 1975, p. 35-39).
O nosso ordenamento prestigia o valor do trabalho em vários
dispositivos. O valor social do trabalho está explícito já no primeiro
artigo da Carta Magna, no inciso IV. Enquanto direito social, está
regrado no art. 6º da CR/1988 que o trabalho deverá ser prote-
gido e resguardado pelo Estado. O art. 170 da Constituição ainda
estabelece que a ordem econômica se fundará na valorização do
trabalho humano, com o fito de assegurar ao cidadão existência
digna, conforme os ditames da justiça social. Ressaltando ainda a
importância do trabalho está o art. 193 da nossa Constituição, que
dispõe que a ordem social está baseada no primado do trabalho, e
tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Tais dispositivos
demonstram a importância que o trabalho tem na Constituição
Federal (Hainzenreder Júnior, 2009, p. 38).
Indispensável para o ser humano, porque, além de assegurar
uma existência justa, é por intermédio do trabalho que recebemos
o reconhecimento de nossa existência (Vogt, 2004, p. 51). Sua
importância ultrapassa a esfera patrimonial. O trabalho apresenta
uma importante função como alicerce da constituição do sujeito e
sua rede de significados. Apresenta um sentido simbólico, relacio-
nando-se com a subjetividade e identidade do trabalhador (Eberle;
Soboll; Cremasco, 2009, p. 128).
O sujeito só consegue se realizar no campo social por intermé-
dio do trabalho. De maneira que o trabalho e sublimação encontram

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no trabalho operador fundamental para a saúde mental e na constru-
ção da identidade. É nele que as competências se afirmam e se reali-
zam os projetos de vida (Eberle; Soboll; Cremasco, 2009, p. 129).
Para Márcia Guedes o desempenho de uma atividade pro-
fissional contribui para a construção da identidade do indivíduo.
Quando uma pessoa não vê seu esforço reconhecido, ou, pior, é
impedida de desenvolver seu profissionalismo, gera-se uma crise de
identidade (Guedes, 2010, p. 172).

Sabemos que o trabalho é a principal fonte de reconhecimento


social e realização pessoal. O homem se identifica pelo trabalho.
Na medida em que a vítima sente que está perdendo seu papel e sua
identidade social, que está perdendo sua capacidade de projetar-se
no futuro, verifica-se uma queda da autoestima e surge o senti-
mento de culpa; a vítima é tomada por grave crise existencial. A
crise de relacionamento ocorre tanto na família quanto na esfera
social. A relação familiar arruína-se na medida em que esta é a vál-
vula de escape da vítima, que passa a descarregar sua frustração nos
membros da família. (Guedes, 2003).

A identidade, construída a partir de um processo que se desen-


volve ao longo da vida, também se vincula à noção de alteridade,
ou seja, a partir do olhar do outro. É na relação com o outro que
nos reconhecemos, e é no ambiente de trabalho que a relação entre
identidade X trabalho sofre a mediação do outro, que julga o reco-
nhecimento. O reconhecimento é fundamental na construção do
sentido do trabalho para o sujeito e possibilita a transformação
do sofrimento (físico, inerente ao trabalho) em prazer e, assim,
influencia a saúde mental, além de gerar motivação no trabalho
(Eberle; Soboll; Cremasco, 2009, p. 131).
Honneth indica formas de negar o reconhecimento em suas
três formas, para exemplificar o que seria desrespeito. Nos interessa
no presente estudo o desrespeito à terceira forma de reconheci-
mento, o da solidariedade, que surge como degradação moral e
injúria. Aqui a dimensão da personalidade ameaçada é a dignidade
na degradação da autoestima. O indivíduo é privado da chance

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de desenvolver uma estima positiva de si mesmo (Saavedra;
Sobottka, 2008).
O desrespeito atua como um freio social que pode levar à
paralisia do indivíduo ou de um grupo social. Mostra o quanto o
ator social é dependente do reconhecimento social. O ser humano
está vinculado em uma complexa rede de relações e é dependente
estruturalmente do reconhecimento dos outros indivíduos. A
experiência do desrespeito é a base motivacional da luta por reco-
nhecimento porque essa tensão afetiva só pode ser superada quando
o ator social estiver em condições de voltar a ter uma participação
ativa e sadia na sociedade (Saavedra; Sobottka, 2008).
Quando alguém é discriminado por sua opção sexual ou
sua identidade de gênero, sua relação com o outro, seja superior,
seja colega, fica perturbada. O olhar do outro sobre si é refletido
por meio de agressões, verbais ou até mesmo físicas, que signi-
ficam julgamento negativo. A discriminação minimiza a chance
de reconhecimento, pois as atitudes negativas vão de encontro ao
reconhecimento do outro como pessoa digna. Mesmo os colegas
que não participam diretamente do assédio agem de forma a negar
o sofrimento e injustiça, isso quando não julgam que a vítima
“merecia” o destrato. Os julgamentos negativos proferidos causam
rompimento de relações e vínculos com outros (colegas e chefes)
(Eberle; Soboll; Cremasco, 2009, p. 131-132).
Luis Fernando Barzotto (2010, p. 20) afirma que o reconheci-
mento é um ato livre e imediato de afirmação e “reconhecer o outro
como pessoa é afirmar o valor ou a dignidade inerente à condição de pessoa”.
Ao falar sobre a dignidade da pessoa humana, afirma que esta é
“valor inerente à identidade humana, exige reconhecimento.
Ingo Sarlet (2009, p. 32-33) também escreve uma breve pas-
sagem sobre o reconhecimento. Inicia dizendo que a dignidade
da pessoa humana, por se tratar de um valor de todas as pessoas,
só faz sentido na coletividade. A ordem jurídica deve cuidar para
que todos recebam igual consideração. A consideração e reconhe-
cimento recíproco da dignidade no âmbito da comunidade pode
ser definida como uma espécie de “ponte” que liga os indivíduos.

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3.3 A importância da não discriminação
no ambiente de trabalho

Embora, infelizmente, no dia a dia das sociedades a discri-


minação esteja presente, de forma, modo e intensidade variados, a
discriminação no ambiente do trabalho torna-se ainda mais per-
versa, porquanto o trabalho é o modo de subsistência da maio-
ria das pessoas e, ao receber um tratamento indigno no local de
onde se tira o sustento, o sentimento de desamparo é muito maior.
Apesar de expostos a um grande sofrimento mental, os empregados
precisam continuar em seus postos de trabalho, expondo sua sani-
dade e equilíbrio mental.
Qualquer comportamento qualificado como atípico é passível
de ser um critério de discriminação, seja ele o excesso de compe-
tência, os amigos escolhidos, partido político, time de futebol ou,
no caso estudado, ser portador de doença. A pessoa passa então a
trabalhar sob tensão, havendo casos graves de ansiedade, depressão
e estresse pós-traumático. Tal desgaste pode gerar o afastamento do
empregado por licença médica, aposentadoria por invalidez e até
mesmo suicídio (Prata, 2008, p. 33).
Uma má organização do processo de trabalho prejudica a
saúde mental do trabalhador, age diretamente sobre seus pensa-
mentos e sentimentos, e causa um sofrimento que repercute na
história individual deste, nos projetos e esperanças que porta. Os
riscos psicossociais também são perturbadores da saúde (Miranda,
2003, p. 193-232).
Quando a dignidade de uma pessoa é ferida, atinge-se sua
esfera psicológica e, por consequência, sua esfera física. O grau
dessa lesão é variável, uma vez que cada pessoa responde de maneira
diversa a uma mesma adversidade. Dependendo da pessoa, o seu
organismo se ressente das agressões.
A desestruturação das relações pessoais com os colegas de tra-
balho, motivada pela discriminação, as relações de violência e de
agressividade com a chefia e a consequente necessidade de exter-
nalizar a agressividade fazem com que ocorra a contaminação

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das relações particulares do trabalhador, principalmente das rela-
ções familiares. As más condições do meio ambiente de trabalho
também fazem com que, além de acidentes, o trabalhador corra
riscos na esfera mental, ao desenvolver doenças psicossomáticas.
Ainda, ocorrem problemas psíquicos como ataques de ansie-
dade, de pânico, depressão, dificuldade de concentração, insônia,
perda de memória e tonturas. A vítima pode também sentir pal-
pitações e taquicardias que, se não tratadas, podem conduzir a um
infarto. Pode acarretar-se ainda o enfraquecimento do sistema
imunológico, reduzindo as defesas do corpo, o que o deixa susce-
tível a infecções e viroses (Hirigoyen, 2002, p. 161).
Ao discutirmos relações de emprego, deve-se ter sempre em
mente que, em relação ao empregador, o trabalhador é hipossufi-
ciente e, por tal razão, devemos sempre ter em vistas o princípio
da proteção, principalmente ao tratarmos de discriminação. Por
se tratar do lugar de onde se tira a subsistência sua e da família, o
empregado muitas vezes se sujeita a condições que não aceitaria
em outras situações. Como elo mais fraco da cadeia produtiva, o
trabalhador precisa da proteção legal. O Estado deve cuidar das
condições e do ambiente de trabalho.

4 Considerações finais
A sociedade é composta por uma rica gama de identidades
complexas e distintas. O Estado Democrático de Direito deve
desenvolver políticas baseadas em tolerância e respeito a fim de
garantir a todas as minorias seu direito à vida digna e livre condu-
ção desta dentro do contexto social.
Qualquer prática que segregue algum indivíduo por causa
de sua sexualidade deve ser enfrentada, e a discriminação só será
superada quando promovermos meios para que os sujeitos exer-
çam seu direito à autonomia de sua sexualidade. Essa luta se dá
com a valorização e reconhecimento do protagonismo, apesar dos
discursos heteronormativos produzidos no âmbito da família, da
comunidade religiosa, da escola, da rede de amigos ou das diversas
instituições sociais.
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Após análise do tema, foi possível verificar que é possí-
vel, a partir dos valores constitucionais e da aplicação dos prin-
cípios, avançar na proteção do indivíduo, independentemente de
sua orientação sexual. Mais ainda, demonstrou-se que é dever
do empregador garantir ao seu empregado homo ou transexual
a igualdade de tratamento e respeito que devem ser dispensadas a
qualquer trabalhador de sua empresa.
Esse dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana não é apenas um dever de não fazer, mas também de efe-
tivar condutas positivas e preventivas a fim de proteger a dignidade
do trabalhador. Portanto, é dever da empresa prevenir o surgi-
mento de situações de discriminação com conscientização inclu-
sive dos colegas e até mesmo clientes e parceiros comerciais.

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