BURUNDANGA - Completo
BURUNDANGA - Completo
BURUNDANGA - Completo
João Teité
Matias Cão
Coronel Marruá
Boracéia
Benedita
Mateúsa
Prefeita
Deputado
Capitão
General
PRIMEIRO ATO
João Teité Nossa Senhora do Bom Parto, socorrei-me quando chegar a hora! Eu
num agüento mais, Matias! Des’que nasci tem urubu pousado na minha cacunda. Se
chove eu me afogo, se faz sol eu me queimo, se a sorte vem de frente eu estou de costas,
parado me canso e andando piso em bosta!
João Teité Pois foi de tanto ocê pensar, amaldiçoado, que agora estamos no
rusguento do mundo! Que é que eu tinha de seguir sua idéia feito pecador que segue o
tinhoso? Agora, tô aqui: molhado, com frio, com fome, como se fosse uma lombriga,
balançando no fiofó do mundo e rezando pra dele não cair!
João Teité Não fala essa coisa, desgraçado! Quiabo lembra frango ensopado,
que lembra angu, que puxa torresmo, que acompanha tutu de feijão, que é servido com
costelinha de porco que é a coisa que mais emociona um mineiro...
Matias Cão E é?
João Teité ...se for boa cozinheira! (Tristíssimo.) E isso tudo, Matias, me lembra que há
três dias eu bebo vento, há quatro eu como pedra, há cinco eu rôo osso... (Transitando
para uma loucura cômica.) ...há seis eu não obro e há uma semana, Matias, que eu tenho
vontade de te esganar, maldito! (Avança para Matias Cão que lhe dá um pescoção.)
Matias Cão Venha, cabra, que você ganha pra tu e pra família inteira!
João Teité (Choroso) Por que eu deixei as Gerais atrás de suas promessas,
desgraçado? (Imitando Matias.) “Vam’pra Sun Palo mais eu que a gente vai enricá!” E o
mineiro basta, aqui, veio!
João Teité Ocê me enganou. Não falou que tinha de trabalhar! (Desolado.) E
agora, o que é que eu faço? (Chora.) Molhado, com frio, sozinho e perdido no mundo,
sem eira nem beira, rolando na ribanceira, comprando burrada e vendendo asneira!
Matias Cão Você, não sei, mas eu já decidi: vou ficar doido! Vou assaltar a
primeira pessoa que eu botar a vista de agora por diante!
João Teité (Encarando Mathias.) Se for eu, pode desistir. De mim ocê só pode
levar minha honra e minha virtude!
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Matias Cão Eu falei gente, coisa que você vai demorar uns par de anos pra ser.
(Ouve-se barulho de carro nos bastidores.) Vem gente. Você está comigo?
João Teité Tô, mas só pras coisas malfeitas. (Saem, armam-se de porretes e
ficam à espreita. Entram, dois homens fardados. Os dois são atacados e desmaiam. João
Teité e Matias Cão revistam os dois.) Nem um maldito de tostão de real!
Matias Cão Ferrado, ferrado e meio! (Matias começa a tirar a roupa de um deles.)
João Teité Que que ocê vai fazer, homem de Deus?! Abusar da castidade dos
moços?
Matias Cão Vou virar capitão do Exército. E tu vai ser o cabo. (Arrastam os dois
para fora.) Vamos pegar o jipe deles e afundar nesse mundão de Deus! Este fim de
semana eu vou bem, depois, seja o que Deus quiser! (Saem.)
Benedita Mandaram fazer sua barba, seu Coronel Marruá! Eu nem queria, mas
disseram que essa era sua última noite entre os vivos, então eu vim me despedir. E
desejar uma boa viagem e uma feliz aterrissagem bem no meio dos infernos, velho
miserável! Desgraçado! Socancra! (Perde o controle e dá-lhe uns cascudos. Reconsidera.)
Desculpe, seu Coronel Marruá, é o entusiasmo. Mas, não se assuste que o inferno não é
tão ruim como dizem, não. Lá tem muita bebida e comida, só que os condenados não têm
boca; tem muita mulher gostosa, só que os homens são tudo capadinho. O que dá muito
lá é demônio tarado e, o que é bom é que, nem um deles gosta de mulher, não! Gosta
mesmo é de homem madurão, experiente, bem entrado nos anos. Vão gostar muito do
senhor. (Coronel Marruá geme.) Mas não fica aborrecido, não, que logo, logo, o senhor
acostuma... com os diabinhos, porque tem cada diabão!, cada massa-mãe de capeta,
com cada mourão de cerca no lugar da ferramenta que não tem quem agüente! (Coronel
Marruá geme mais.) Calma, calma, Coronel! Num quero que o senhor se avexe, mas
lembra aquele exame de próstata que o senhor só fazia morto? Pois, é! Agora, que vai
morrer, vai largar a casca na terra, lá no inferno, eles fazem três deles por dia! (Coronel
Marruá solta um longo gemido.) Não chora não seu Coronel, que eu não güento ver o
senhor chorar! Me dá uma coisa por dentro, uma vontade de rir maior que qualquer
tamanho! Porque, tudo isso, por toda a eternidade, não paga nem metade do que você
me fez, velho condenado! (Possuída novamente bate no velho, morde-lhe a orelha.) Eu
sou uma velha feliz! Primeiro, não morro antes de ver o senhor bater com a alcatra na
terra ingrata e vou dançar ciranda na sua cova. Depois, não morro sem botar os olhos no
focinho e o relho no lombo de um sujeitinho que um dia tive a má sorte de conhecer. E a
única dó que sinto é que o senhor vai deixar toda a sua herança, que não é pouca, pra
aquela urucaca da sua nora.
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Cena 3 – O velório do que não morreu
Entra Boracéia carregando um ramalhete de flores.
Benedita Senso estético é igual à vergonha na cara? Se for, tenho tudo o que
falta nessa casa!
Boracéia Deputado Tabarone! É muito mais do que você conseguiria com essa
cara de sonsa!
Boracéia É meio rico! Que é que você queria? Um moço novo, bonito, forte feito
prancha de peroba, e rico inteiro? Se avistasse um desses, eu pegava pra mim, mesmo,
que tanto careço quanto mereço!
Boracéia Quem falou em amor? Estou falando em casar, sua tonta! E, depois,
homem que quer casar não se enjeita!
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Boracéia Ò, cruz do meu calvário! Que é que eu faço, Benedita?
Boracéia Cala a boca! Arre! Você é mesmo o nervo exposto do meu dente, o
joanete dos meus artelhos! Arruma a sala e sai.
Benedita A senhora não acha que a sala está um pouco festiva para um velório?
Boracéia (Indignada.) Quem falou em velório? O Coronel Marruá ainda vai sair dessa!
Benedita Com noventa e seis anos, e há vinte nesse morre não morre, o velho
já está falando com Deus, pessoalmente.
Benedita Tomara, então, que o velho viva mais trinta anos e segure na mão
bem fechada a herança que vocês todos querem.
Boracéia Também não rogue praga! Anda, vá pôr o Coronel no sol pra tirar o
mofo. (Entra Deputado.)
Boracéia Enquanto o velho não morrer, não se mexe em nada nesta casa.
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Boracéia Deixa comigo que ela casa nem arrastada.
Boracéia Pode tirar da cara esse sorriso de cavalo velho que quer pastar em
capim novo.
Deputado Mas o que deu nesse velho de deixar tudo, em testamento, pra essa
menina?
Boracéia E eu sei? Armei tudo pra cair nas boas graças do velho, mas a
danada me passou pra trás.
Boracéia Deus me livre! Não sabe e nem vai saber. O velho morrendo, você
casa com ela e, aos poucos, vai passando os bens em nosso nome. E, agora, vem cá,
que eu quero te dar um arrocho!
Deputado Como é?
Boracéia Vem cá, macarrão do meu domingo, alcatra do meu churrasco! E não
foge que é pior! (Enlouquecendo.) Ai, que não respondo pelo estrago! (Vai atacar o
Deputado, mas é interrompida pela entrada da Prefeita.)
Boracéia (Irritada.) Ó, água fria do meu fogo! Ô, capivara do meu milharal! Que
é que a senhora quer, dona Prefeita?!
Prefeita Não interprete mal as minhas palavras. Não agüento mais ver o
sofrimento de nosso grande homem. De qualquer modo, senhora, como sabemos todos
que o desenlace fatal se avizinha, já preparei o salão nobre da prefeitura para velar o
futuro corpo de nosso ainda vivo Coronel Marruá.
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Deputado Não, senhora! Estava justamente agora acertando com dona Boracéia
velar o corpo na capital.
Boracéia Que seu! Ele pertence à família. E merece um enterro à altura de sua
importância.
Deputado Na capital!...
Prefeita Pois eu quero ver é como o Deputado vai transportar o corpo até a
cidade. A tempestade dessa noite derrubou a ponte.
Prefeita Vai ter de gritar muito. Os telefones, rádio, TV estão mudos! Estamos
completamente isolados do mundo!
Deputado Isolados? Ah, meu Deus? Na capital está se jogando o futuro do país
eu preso neste fim de mundo!
Prefeita Golpe?
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Cena 4 – Matias arrisca a sorte
Entram Matias Cão e João Teité. Estão meio tocados pela bebida.
João Teité Comida, vida e mulher, quanto mais se tem mais se quer!
Principalmente comida.
Matias Cão Não te falei que dava certo? É só não abrir a boca e olhar sério e
firme, não falha.
Matias Cão Pra prender dois militares de patente? Ele ficou foi morrendo de medo,
imaginando quem nós éramos e o que estávamos fazendo ali. E como não abrimos a
boca bem para responder as perguntas, nem para dizer para quem mandar a conta, eles
estão até agora sem saber o que fazer.
Matias Cão Não tem nada a ver com sorte. É psicologia. Todo mundo tem medo
de duas coisas: de autoridade e do desconhecido. Com essa farda nós somos autoridade
desconhecida. Eles se pelam de medo.
João Teité Sei não! Meu coração veio na boca, mas como a fome era maior, eu
engoli de volta o medo junto com os miúdos da farofa de frango. E o filé? As batatas? A
pizza? O churrasco, o arroz, feijão, brócolis, couve, pudim, bacalhau, pirão, manjar?!
Vamos voltar, Matias?
Matias Cão Pra você não falar que eu sou mentiroso... Tá vendo aquela casa ali?
Matias Cão Ninguém quer se meter com militar. Você fecha a boca. O resto deixa
por minha conta. (Saem.)
Cena 5 – A trama
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botar tudo a perder agora!
Mateúsa O nosso trato era só eu passar por filha natural do seu finado marido,
neta do Coronel. Casar eu caso com quem eu quero.
Mateúsa Não gosto disso. E, depois, já estou até arrependida de ter entrado
nessa confusão.
Boracéia Agora, né, ô, unheiro do meu polegar! Quando estava na pior pedia
qualquer emprego.
Boracéia Não, é uma arte que, com talento e esforço, você transforma em
profissão. Como políticos e tantos outros!
Mateúsa Eu posso ser meio nham-pam das idéias mas sei que dentro desse
pastel tem muito recheio. Você não me pediu pra passar por neta do velho só pra que ele
tivesse um final feliz, não.
Mateúsa Esta certo, mas se a corda ameaçar rebentar do meu lado eu abro pra
todo mundo o nosso trato. (Sai.)
Benedita Só não digo que essa casa vai de mal a pior porque ela está indo de
pior a pior ainda! Ô, raça desclassificada! Ô, gente velhaca! (Matias Cão e João Teité
entram sem bater e dão de cara com Benedita. Esta os olha estupefata por alguns
instantes. Teité, apenas a vê, cobre rapidamente o rosto com as mãos. Matias rosna
alguma coisa ininteligível.)
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João Teité Vam´bora, Matias! Depois eu te explico
Benedita Com a alma junto do corpo. Agora, o teu corpo vai levar tamanha pisa
que a alma vai sair espremida pelo teu furico.
Benedita Rezando pra que um dia você viesse esbarrar por esses lados, resto
de coisa ruim! (Persegue Teité que se esconde atrás de Matias.)
Benedita O Exército brasileiro não pode ter decaído tanto! Onde foi que roubou.
Benedita Pois esse aqui tem mais cara de larápio que a sua! Em que enrosco
vocês estão metidos?
Matias Cão Eu? (Para Benedita.) Pois se eu nem conheço esse sujeito!
João Teité Olha, Benedita, vamos fazer um negócio: eu saio por aquela porta e
fica tudo bem, faz de conta que a gente nunca se viu.
Benedita Que diabo vocês fizeram eu não sei, nem quero saber. Mas você,
Teité safado, não sai daqui sem o pau cantar no seu lombo.
Benedita (A Matias.) Você fica. Depois a gente vai na policia esclarecer toda
essa embrulhada. (Benedita avança para Teité. Entra Boracéia que, ao ver a cena, grita.
Entram deputado e Prefeita, que param estatelados ao ver a cena. Gritam. Teité e Matias
também gritam assustados. Silenciam. Encaram- se.)
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Boracéia Quem são vocês?
Benedita Eles são... (João Teité solta um grito de desespero, todos param
assustados, com exceção de Benedita. Deputado tenta se aproximar deles, mas Teité
grita de novo.)
Matias Cão (Fala uma algaravia da qual só entende "Militar" e ao passar por
Benedita, segreda-lhe.) Deixa a gente ir embora que rola um por fora pra você!
Benedita Vocês vão sair daqui mas é debaixo de pau. E com cachorro
mordendo suas bundas!
Deputado Cala a boca, ô velha a toa, que você não sabe com quem está falando!
(A Matias.) Desculpa, capitão, mas é só uma serviçal!
João Teité A gente não quis dar golpe, não, seu coiso! Quer dizer, pra dizer a
verdade, queria. Mas não fui eu não. A idéia foi do Matias. O golpe é tudo idéia dele.
(Matias grita uma ordem ininteligível para Teité. Este se cala.)
Boracéia Pois eu insisto que o senhor permaneça aqui mesmo. (Todos olham
para Matias que, após um instante de perplexidade, dirige-se ao sofá da sala e senta-se.)
Seja bem vindo a nossa casa, senhor capitão!
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Benedita Viva coisa nenhuma! Esses dois não ficam aqui nem mais um segundo!
Benedita Calo, não, porque sei coisa deles que vocês não sabem. Eles dois são os
mais... Santo Cristo! (Benedita paralisa e emite um grito. Todos olham na direção do olhar
fixo de Benedita e gritam ao verem entrar na sala o Coronel Marruá.)
Coronel Marruá Viva a revolução! (Aos circunstantes.) Não morri ainda e ainda é cedo
para deixar meu dinheiro e poder nas mãos de qualquer um! (Avança furioso para
Benedita.) Exame na próstata, né, velha condenada! Vou lhe fazer tomar um litro de óleo
e comer dois quilos de sal com pimenta pra você obrar até os miolos da cabeça!
(Benedita foge.) Coisa que não consigo pegar eu mesmo, mando capanga buscar. Hoje
ou amanha eu te pego, condenada, e é melhor que seja hoje!
Coronel Marruá Estou, para desprazer de ocês todos! Revolução neste país ou é
contra mim ou a favor mas, sem mim, não se faz!
Boracéia Ô, rês do meu pasto! Ô, esterco do meu curral! Você quer me escutar?
Mateúsa Escutar eu escuto, fazer o que você quer nem pensar, titia!
Boracéia Não me diga que... Ah, purgante da minha prisão de ventre! Vou
mandar dar-lhe uma surra tão grande que você vai aprender a nunca mais querer me
passar a perna! (Avança para Mateúsa.)
Mateúsa Vovô!
(Entra Coronel Marruá e passa o braço em volta do pescoço de Mateúsa.)
Mateúsa (Falsa com jeitinho infantil.) Vovô, a tia Boracéia falou que vai me bater!
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Boracéia (Amedrontada.) Mentira dela, Coronel! ‘Magina se eu ia encostar um dedo
meu nessa flor do meu jardim, uva do meu cacho, brigadeiro da minha festa. (Para sí.)
Daqueles que a gente morde com gosto!
Coronel Marruá É bom mesmo por que se alguém encostar um dedo na minha neta
vai levar um tiro no meio da boca!
Mateúsa Obrigado, vovôzinho! (Coronel não diz nada, mas continua abraçado
com Mateúsa. Esta olha vitoriosa para Boracéia, mas sente-se incomodada com o abraço
do Coronel.) Pode ir embora, descansar, vovô.
Coronel Marruá Já descansei muito, minha neta. Estou com saudades de coisas que
eu fazia antigamente. Sabe que ocê tá é muito taludinha, feito perdiz boa de caçar e
espiga boa de colher?
Coronel Marruá Eu tenho de ir, cuidar dessa minha revolução, mas eu volto. E quando
eu voltar quero ter uma conversinha com você, minha neta. E acho que não vai ter muita
conversa, não! (Sai.)
Mateúsa Cruzes!
Boracéia Chamou cachorro pra lhe defender de onça mas cachorro vai é te
morder!
Boracéia Ih, minha filha, se eu conheço esse velho, pra ele tanto faz!
Boracéia (Irônica.) Falando como tia, como membro da família, acho mais
acertado e melhor para sua saúde ficar com o Deputado. (Sai.)
Matias Cão Tá
Matias Cão É
João Teité Pois, é. E como tudo o que João Teité conseguiu na vida foi tirado do
fiofó com pauzinho e muita força intestinal, eu vou me escafeder que esta mamata não
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dura, Matias. E, no final da história, o pau canta é no meu lombo.
Matias Cão Calma não pode ir saindo assim. A gente tem de cair fora sem dar na
vista.
Matias Cão É não. Eles só acham que a gente é o que não é. Agora, o que a
gente deveria ser é o que eu não sei, mas acho que a coisa é mais séria do que a gente
imagina.
João Teité Vou garrar estrada! Vou torar légua por esse mundão de Deus,
m´esconder no ôco do mundo! (Levanta-se para fugir, mas Matias o agarra.)
João Teité Por que eu fui atrás da sua conversa? E que diabo de revolução, de
guerra, de briga é essa que a gente se meteu sem saber?
Matias Cão Não tem revolução nenhuma, mas eles não demoram a descobrir.
Matias Cão Fica tranqüilo. Por enquanto estamos seguros (Entra Benedita com
uma bandeja com suco. Benedita geme e anda descadeirada.)
Benedita Cr’em Deus Pai! Ô, homem ruim dos infernos! O quilo de sal mais
pimenta não foi nem ruim. O pior foi purgar, gota a gota, o litro de óleo inteirinho que o
desgraçado me fez beber! Que desarranjo! Que rebeldia dos tubos dos intestinos! Eu
quase me acabo! De hora pra outra eu quase me converto em água! Ai! Mas o Coronel
Marruá não perde por esperar! (Aos dois.) E nem vocês! (Serve o suco.)
Benedita Por enquanto eles não querem me ouvir, mas mais cedo ou mais
tarde, vão perceber a patranhada de vocês.
Benedita Eu vou é sentar pra ver e rir quando a desgraça desabar na cabeça
de vocês! (Benedita põe-se em alerta.) Ai, meu Deus!
Matias Cão Não se assoberba, não, que por enquanto eu tenho o apoio do
Coronel.
Matias Cão Mas, enquanto não acaba, eu mando o velho lhe descer a guasca, lhe
tirar o couro, salgar e fritar pra comer como torresmo!
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João Teité Ou você faz o trato com a gente ou a gente faz trato com o Coronel.
Escolhe!
Benedita Só faço trato se for pra me vingar de Coronel. (Se contrai.) Ai, que ela
evém!
Benedita E o que é que você tem? (Geme.) Ai, que está chegando!
Matias Cão Ainda nada, mas, se a gente conseguir arrancar alguma coisa dessa
embrulhada toda, você vai ter sua parte. Somos comandantes de uma revolução.
Benedita Vocês estão é doidos! De hoje pra manhã eles descobrem tudo.
Matias Cão Até amanhã tem muito tempo. Hoje mesmo eu vou deixar esses
otários com as calças na mão!
Benedita Se for pra tirar alguma coisa daquele peste eu estou dentro. (Chora.)
Ai, que não vai dar pra sustentar!
João Teité Mas que latomia, que chororô dos diabo é esse, Benedita?
Benedita Ainda não purguei todo o óleo que o maldito me fez tomar! (Benedita
sai correndo.)
Matias Cão Por hora eu só quero essa velha calada. A idéia de aproveitar a
situação não é ruim, o melhor mesmo a fazer é a gente azular, virar pé de vento. (Correm
para a saída, mas dão de cara com o Coronel Marruá, que entra.)
Coronel Marruá Estava justamente à sua procura, capitão. Já perdemos muito tempo
e uma revolução não pode esperar. (Matias concorda com um aceno de cabeça.) Mas,
antes de dar meu apoio à restauração da ordem, quero saber para onde vai essa
revolução. (Matias Cão faz menção de abrir a boca, mas o Coronel Marruá não deixa).
Não! Antes de você me dizer para onde vai eu digo: revolução que eu faço não vai, vem!
Para restaurar a ordem e a moralidade, uma revolução tem de vir de fasto, de ré!
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Revolução de trinta já foi muito moderna pro meu gosto! A Republica foi proclamada sem
precisão! Essa revolução tem de ser feita para voltar aos gloriosos tempos da monarquia,
e é de onde o Brasil nunca devia ter saído, concorda?
Coronel Marruá Cale a boca, alimária, que ninguém pediu sua opinião! (A Matias.)
Concorda? (Matias não reage.) Ótimo! Então vamos ao plano de ação! (Abre o mapa.)
Vou reunir minha gente. Uma parte vai tomar a prefeitura, o rádio e a telefônica. A outra
vai tomar o destacamento.
João Teité Ave Maria, capitão! Esse homem vai fazer uma guerra de verdade.
Coronel Marruá E pensa o quê? Que o Coronel Marruá volta à ativa pra pouca coisa?
E que diabo de revolucionários são vocês?
João Teité Olha, pra falar a verdade nós nem não somos... (Matias dá uma de
suas ordens inarticuladas.)
Coronel Marruá Isso! Gostei de ver! Se fosse eu, dava-lhe com a chibata! Se o plano
está aprovado, eu e meus homens vamos nos pôr em ação! Hasta La vitória! (Sai levando
papéis.)
Matias Cão A gente vai sair, sim, mas não quero ninguém desses atrás de mim.
Fique aqui, de bico calado, que eu vou ver como estão as coisas! (Sai.)
João Teité Ah, é? A capivara corre e a paca fica, aqui, esperando chumbo? Só
se eu fosse alguma qualidade de abestalhado! (Faz menção de sair, mas entra Boracéia.)
Boracéia É sobre a revolução mesmo que eu vim falar. Já tentei falar com seu
capitão, mas ele não abre a boca.
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João Teité (Assustado.) O que é que tem a revolução?
João Teité (Entrando no clima.) Qualquer coisa, é? Olha que eu peço porque eu
sei que a senhora tem!
João Teité Óia, dona, eu não quero ser atrevido... Eu vou pedir só um pedacinho.
João Teité Ô, doido, dona! Não é isso, não! Carne que eu digo é filé, picanha,
alcatra!
João Teité (Excitado.) Dona, não continua que logo, logo, eu já não sou senhor
dos meus atos.
Boracéia Dou o que você quiser! Mato uma rês e mando churrasquear agora
mesmo, inteirinha, só pra você!
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Boracéia Estamos combinados?
Boracéia Então, ouve! Algumas pessoas não estão gostando do rumo que a
revolução está tomando. Se houver briga, eu te quero como meu aliado.
João Teité Capricha no molho, amor! (Boracéia sai. Pelo outro lado entra Matias
Cão, escoltado por Benedita, que está armada com um pedaço de pau.)
Matias Cão Essa gente é mais doida do que eu pensei. Vocês eu não sei, mas eu
vou desaparecer.
Matias Cão Antes disso eu, como comandante da revolução, vou te mandar dar
uma surra tão bem dada que você vai esquecer quem eu fui.
Matias Cão Você não sabe no que estamos metidos. Isso aqui é um ninho de
cobra tudinha maluca. O Coronel doido já tomou a prefeitura e está indo atacar o
destacamento militar. A Prefeita se juntou ao Deputado e se nomearam oposição ao
regime. O povo ta fazendo barricada na praça da igreja. Isso aqui tá uma babel! Só não
sei de que lado está a dona Boracéia.
João Teité Está do meu lado. Onde você pensa que está, Matias? Fazendo
veraneio? Isso aqui é uma revolução. É suor, é lágrima, é risco! A hora é de decisão.
Quem quiser ir, vá! Eu fico com a revolução.
João Teité Eu vejo claro nosso futuro lá na frente, Matias: carnes chiando na
grelha, bifes à parmegiana, maioneses, compotas e licores. Isso é revolução! Matias, pela
primeira vez nós estamos do lado certo de alguma coisa.
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João Teité Do lado de quem tem. Você já viu essa gente perder revolução no
Brasil?
Matias Cão Acorda, Teité. Não tem revolução nenhuma. Nós não somos militares
e essa coisa toda vai estourar na nossa cabeça, homem de Deus!
João Teité A gente podia aproveitar o embalo e fazer uma revolução de verdade.
Matias Cão Com quem? O Exército está do outro lado, os políticos, menos o
Deputado e a Prefeita, estão do outro lado, e os latifundiários, com exceção desse
Coronel decrépito, também! Vam’bora!
João Teité Está bem, eu vou. É de verter lágrimas. Uma revolução tão bonita!
(Entram Boracéia, Prefeita e Deputado brigando em altos brados. Matias Cão e Teité
deixam entrar o bolo de gente e disfarçadamente tentam sair pelo outro lado. Benedita dá
o alarme em alta voz.)
Boracéia De minha parte, aqui venho trazer meu apoio irrestrito à diretriz militar.
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Prefeita Quero minha prefeitura ou te planto a mão na cara!
Boracéia (Furiosa.) Pra isso só sendo dois homens que um só não basta!
Deputado O Coronel Marruá está decrépito. Ele não pode liderar uma coisa
séria como uma revolução!
João Teité Ah, é?! Pois eu retiro o que disse! E mais: eu próprio me retiro dessa
casa. Pra quem fica, tchau, que meu lombo vale mais do que a rês assada que me
prometeram! (Indeciso.) Vale? (Convicto.) Vale!
João Teité (Desistindo de sair.) Mais vale uma barriga rindo do que um lombo
chorando. O Exército está com dona Boracéia. (Instala-se um tumulto. Matias Cão dá um
grito e impõe silencio. Encara um e outro e rosna, mas não fala nada. Em impasse, Matias
faz ar de choro e desespero.)
João Teité Não tem jeito, capitão. O senhor vai ter de falar! (Matias vai abrir a
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boca, mas é interrompido pela entrada do General.)
João Teité Olha, o senhor não leve a mal não mas... A responsabilidade de tudo
é dele ali. (Aponta Matias Cão.) Tudo começa e termina por obra e graça dele. Eu só
cumpro ordens!
João Teité Quero ver como é que o senhor nos tira dessa, Capitão. Se cala, o
senhor fica na frigideira, se fala, pula pra grelha. Ou em português claro e mais
condizente com a nossa situação, ou se afoga na bosta ou se afunda na merda!
João Teité (Quase chorando.) Eu também confesso meu erro, meus pecados e
peço perdão a Deus e clemência a essa corte...
Matias Cão Confesso que meu erro estratégico foi ter vindo para cá conseguir o
apoio de políticos e pessoas importantes da região ao invés de ter tomado, de cara, o
destacamento militar e prendido esse comandante incompetente!
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Matias Cão Quem está preso é o senhor! Sou comandante da Revolução!
General Que revolução é essa que eu não tive notícia? No quartel o senhor
me explica direitinho!
General Espera, capitão. O senhor tem de entender meu lado. Eu não tive a
mínima comunicação a respeito.
General Não, mas... Ponha-se no meu lugar... Meu quartel foi invadido... É
meu dever de soldado defender a ordem... Agora o senhor diz que a ordem foi mudada...
Como eu podia saber? (Perfila-se.) Me coloco a sua disposição e a disposição da
revolução.
Matias Cão Então é bom começar a ter, porque quando esse novelo dos
seiscentos diabos começar a desenrolar, vai sobrar pra você também.
João Teité Eu? Eu vou é me guardar. É lei de murici, cada um cuida de si.
Matias Cão Sou prisioneiro de um absurdo! Eu não abri a boca, não fiz nada e
agora comando uma revolução pra derrubar o governo! Eu quero voltar pra casa. Eu
quero minha mãe.
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SEGUNDO ATO
Cena 1 – Romance
De um lado do palco entra Matias Cão, do outro, entra Mateúsa. Ambos estão muitíssimo
preocupados.
Matias Cão Se me escapo desta com um restinho de vida e sem nenhuma parte
faltando eu juro, meu Deus, que não entro em outra! (Para o alto.) O quê? Eu jurei a
mesma coisa nas outras quinze vezes? Meu débito tá muito alto, né? Já tá querendo
mandar protestar minha dívida? Não faz isso, por amor do senhor mesmo! Só mais essa
vez!
Mateúsa Ser ou não ser, eis a questão! Por que se há de sacrificar o dinheiro
ou o coração? "Casa com o Deputado", me diz minha cabeça, pois amor todo mundo tem
pra dar, mas dinheiro só empréstimo com juros, avalista e caução! (Para si.) Acho que
dançaste coração! (Matias e Mateúsa percebem-se e encaram-se. Fazem um
reconhecimento visual, sensual e comicamente apaixonado.)
Matias Cão (Para Deus, referindo-se a Mateúsa.) Já que está com a mão na
massa, aproveita e acrescenta mais essa ao meu débito!
Mateúsa Ai, que homem carnudo! (Para si.) Quieta! Juízo, Mateúsa, deixa de
ser pamonha que paixão faz do homem um traste e da mulher uma sem-vergonha! Ai,
mas o capeta atenta! E esse é daqueles que eu não posso ver sem pegar, pegar sem
provar, relar sem garrar e lambiscar sem morder! Ai, que se não me seguro eu vou lá!
Matias Cão Seu Matias, o senhor já está atolado até o pescoço! O senhor deve é
caçar jeito de sumir sem deixar rasto. Mulher é semente de encrenca que brota só de
olhar!
Mateúsa Me respeite que eu vou aí e te dou com essa mão quadra da na tábua
do queixo!
Matias Cão Não é, assim, uma unanimidade, mas o adversário, em geral, não tem
reclamado.
Matias Cão É melhor vir, não! Capaz de você pegar, no mínimo, cinco anos de
prisão ao meu lado!
Mateúsa (Para si.) Não vá, Mateúsa! (Aproxima-se.) Mas se for, não sorria!
(Mais perto.) Se sorrir, não se arreganhe! (Idem.) Se se arreganhar, não descabeça!
(Idem) Está bem! Pelo menos descabeça com um mínimo de dignidade! (Apresenta-se.)
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Eu sou a Mateúsa.
Mateúsa O que você vai fazer entre oito da noite e seis da manhã? (Para si.)
Dignidade, enxurrada levou!
Matias Cão Eu tinha, aí, uma revolução pra liderar mas acho que posso deixar pra
manhã.
Mateúsa Não vá com ele, Mateúsa. Se for, não seja fácil. Se for fácil... (Saem.)
Coronel Marruá Que ninguém pediu nem mandou! A senhora se cale até eu acabar de
falar.
Coronel Marruá Eu queria registrar que vou dar um tiro na boca dela. Pensando bem
não vou nem fazer o registro. Vou dar o tiro direto! (Tenta tirar a arma, mas é contido
pelos circunstantes.)
Coronel Marruá Calma é coisa que não tenho pra vender e nem quero comprar! É
nisso que deu as modernagens da revolução de 30. Mulher saiu do tanque, forno e fogão
e já está até metida em política.
Coronel Marruá Pois esta revolução vai pôr cada coisa no lugar certo: cachorro e
homem na rua, gato e mulher em casa! E o que for além disso é subversão!
Deputado Vamos deixar um pouco essa discussão de lado. O fato é que estamos há
uma semana isolados do resto do País. O que eu estou achando é que falta energia ao
capitão Matias Cão!
Prefeita Não é bem assim, Coronel. Antes de mais nada eu quero minha
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prefeitura de volta.
Coronel Marruá A prefeitura pertence à revolução cujo líder civil sou eu!
Deputado Quem disse? Prefiro ver jorrar meu sangue do que entregar a
revolução na suas mãos!
Coronel Marruá Bem, foi ocê mesmo que escolheu! (Ameaça tirar a arma. É impedido
novamente.)
Coronel Marruá Mas com a graça de Deus e com a minha liderança voltaremos para
lá.
Boracéia Calma, que viemos aqui foi pra entrar num acordo.
Coronel Marruá Se não é possível, a gente acaba esse converseiro de uma vez! Eu
vou lá dou tiro na boca desse capitão e o assunto tá resolvido. E depois, quem tiver mais
bala na algibeira é que faz a lei.
Boracéia Vamos mais devagar, Coronel. (Faz sinal em direção aos bastidores.
Entra João Teité.)
Coronel Marruá E daí? Já fizeram, agora deixa com a gente. Sai! Vá meter sua colher
torta em outra sopa.
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Coronel Marruá Num quero saber dessas modernagens de democracia!
Prefeita Está bem, Coronel. A gente negocia isso, mas não abro mão da
minha prefeitura!
Boracéia Não, senhor! A gente sai daqui com uma decisão. Eu trouxe o cabo
Teité aqui pra isso. Ele pensa como nós.
João Teité É... bem, digamos que sim mas nem tanto. Por outro lado, nem tão
pouco. De modos que... Depende do que vocês podem me oferecer.
Benedita E o Matias?
Coronel Marruá Mas isso é uma esculhambação! Que é que essa serviçal está
fazendo aqui numa reunião de cúpula? Não admito!
Coronel Marruá Mas vai voltar a ser! Vou revogar a Lei Áurea! Vai voltar tudo aos
bons tempos de antes!
Prefeita De dólar?
Coronel Marruá Só aviso que, se não der certo, vai ser do meu jeito.
Prefeita Política não é sim ou não. É sim e não, é talvez e porém, é no entanto
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e contudo. E tenho dito!
João Teité Então? Posso levar suas reivindicações até o líder militar da
revolução.
João Teité Aí a gente vê. Mas se vocês garantirem a minha parte eu jogo a
revolução nas suas mãos.
Benedita O senhor tem de fazer alguma coisa, Matias. O Teité tá trocando até a
mãe por um bife acebolado!
Matias Cão Tá melhorando. Ele já chegou a trocar a velha por um ovo frito.
Matias Cão É melhor surra de pau e prisão perpétua numa cadeia ajuizada do que
estar livre no meio desses doidos. (Entram todos, conduzindo e aclamando Teité.) O que
vem a ser isto?
Prefeita Concordo!
João Teité Pra começo de conversa, eu quero dois ministérios no novo governo.
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Matias Cão Eu te dou três tabefes pra enfiar um pouco de juízo na sua cabeça,
sujeito à-toa! (Avança para Teité, que se esconde atrás do grupo.)
Prefeita Com a devida licença, nos preocupa o rumo das coisas. O povo está
nas ruas descontente, querendo saber o que está havendo. E povo nas ruas não é bom.
Se o senhor fizer o favor de devolver a minha prefeitura... (Segredando.) ...eu posso
apoiar o Exército.
Matias Cão Eita, que besteira é fermento na cabeça de doido! Pois, bem! Eu vou
declarar a verdade e a verdade é que não tem revolução nenhuma e nem eu nem o Teité
somos...
João Teité Agora eu estou no alto como eu sempre te dizia antigamente: que eu
ia correr o mundo e ia vencer. Você está comigo ou contra mim? Comigo pode pedir o
que quiser.
Benedita Eu quero é ficar bem longe de vocês todos que é pra conservar minha
cabeça no lugar e meu juízo dentro dela!
João Teité Cadeia nela! E cadeia pra todo mundo que falar contra mim ou contra
a revolução! Eu sou a revolução! (Ovacionam Teité e levam Benedita e Matias Cão
presos.) Quem é burro pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue. Eu não sei no
que vai dar isso. Mas enquanto não der em nada eu vou me fartar! (Cai luz da cena,
ficando iluminado apenas João Teité para seu solilóquio da "Fartura Universal". O tom da
cena é de uma ambivalência lírica e cômica.) Porque, finalmente, eu cheguei ao poder!
Ah!, a glória de mandar e ser obedecido, porque eu sempre mandei, mas ninguém nunca
mexeu uma palha. Mas, agora, eu tenho poder! E vou mandar fazer uma mesa de dez
quilômetros de comprimento, contratar mil e duzentos gaúchos e mandar churrasquear
duas mil cabeças de gado! E mando forrar a mesa de compotas, pizzas à Califórnia,
sashimis, gulash, paejas, capeletes, quibes e tutu de feijão! E ver aquela fartura toda e
todo mundo comendo bonito e eu comendo mais que todo mundo porque sou eu que
mando! (Começa a emocionar-se.) E ver minha pança crescer, estufar, cair sobre os
joelhos e se transformar no maior cemitério, no maior sumidouro de frango e outras
iguarias de que já se teve notícia no mundo! Aí, vou sentar e chorar de emoção porque
tenho o poder de comer e beber tudo o que até hoje foi só sonho e vontade. Que uma
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revolução assim seja eterna enquanto dure!
Boracéia Isso é política! Um dia sobe, outro dia cai! Matias caiu.
Boracéia Que você não é neta dele? Do jeito que o velho fauno está de olho
nos seus pertences ele vai gostar muito de saber! Eu te falei, fica do meu lado. Mas você
quis dar o golpe ficando com o capitão...
Boracéia Mas você é muito burra! Casasse com o Deputado como eu falei e se
apaixonasse pelo Matias, oras! Todo mundo ia ficar contente.
Boracéia Claro que não, mas é o melhor! Se você quiser acho que eu ainda
posso ajeitar as coisas para o seu lado! É só dessa vez você fazer tudo o que eu mandar.
(Ouve-se em off a voz de Teité.)
João Teité (Off.) Manda vir aqui imediatamente o Massimo e o Giovanni Bruno!
Cena 5 – Babel
Teité sentado numa espécie de trono, ladeado pelo Coronel Marruá e por Boracéia. A seu
lado, uma mesa farta de frangos, frutas e doces.
João Teité (Gritando pra fora.) Quero agora uns pedaços de frango assado com
orégano, besuntados com mostarda e ketchup, nadando em calda de morango, polvilhado
de pimenta do reino! Ô, porre bom de comida! Ô, orgia boa de iguarias! Minha revolução
vai ser um banquete! O povo está comendo? Está bebendo?
Coronel Até quando vai isso? Esses famintos estão comendo as minhas reses!
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João Teité A gente pode precisar dele.
João Teité Não sei, mas des’que o mundo é mundo o povo está aí. Então,
alguma prestança tem de ter, senão já teria acabado.
Boracéia O Coronel tem razão. Há dois dias que não se faz nada senão beber
e comer.
João Teité E precisa mais alguma coisa? (Sensual para Boracéia.) Só se for uma
mulher gostosa, perfumada de alho e cominho, coberta de molho de tomate com açafrão,
decorada com batatas dorê. Realiza essa minha fantasia, Boracéia!
Boracéia Eu não, que você é capaz de comer toda a cobertura e deixar o bolo
de lado! A revolução tem de ter andamento!
João Teité Então vamos cuidar das coisas da nação! O que a gente vai fazer?
João Teité Isso! Todo poder emana de João Teité e em seu nome é exercido!
João Teité Mande que entre que é bom a gente sempre ser amigo do povo. Uma
hora ou outra a gente precisa de algum e tem de contar com alguém. (Entra o povo numa
balbúrdia.) Silencio ou eu mando fuzilar um pra servir de exemplo. Isso aqui é revolução
não é bordel nem galinheiro! Respeito! Fala o primeiro. (Prefeita se adianta.) A senhora é
povo também?
Coronel Fora com ela! Quem cuida agora da prefeitura sou eu! (Dois homens
arrastam a Prefeita para fora.)
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João Teité O próximo!
Mulher Esse homem, velho sem vergonha, de sessenta anos, perdeu minha
filha.
Mulher Desavergonhada!
João Teité Então, como eu sou a lei, está feito o casamento de vocês dois. E o
que João Teité uniu que homem nenhum separe.
Homem Esse sujeito matou minha cabra, só porque ela entrou no quintal dele
e comeu dois pés de alface. Eu espero justiça.
Homem 2 Eu espero que o senhor aceite meia banda da cabra que eu já mandei
assar.
Homem E eu?
João Teité Você já foi condenado a largar de ser besta e aprender que nada se
faz de graça! O próximo.
João Teité Dois anos de cadeia a pão e água, seu coró sorongo! Assim você
aprende a ter melhor paladar e a roubar pra comer peru e leitão! O próximo.
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João Teité E roubou o quê?
Ladrão 2 Dinheiro.
João Teité Trinta anos de cadeia. Sonho de homem tem de ser ter barriga grande
e a pança cheia. O resto não só é mau exemplo como é desimportante. E chega por hoje
que essa coisa de justiça já me cansou e deu fome.
Coronel Isso é um arremedo de justiça! Até pra mim que tenho experiência
nessas coisas!
Coronel Não discordo das sentenças. Só acho que deve ser mantida uma
certa fachada legal, como é da tradição!
Coronel Então eu digo que essa revolução não vai muito longe. E quando eu
digo, é contar o tempo porque eu também faço.
Coronel Estou, não. Estou só dizendo que vou te dar um tiro no mei da cara!
Coronel O que é muito bom pra sua saúde. Eu vou cuidar pra que essa
revolução não saia dos trilhos. (Sai.)
Boracéia Você, nada, mas pode deixar que eu tenho gente que faça.
João Teité Eles que são brancos que se entendam. Afinal, eu não tenho nada a
ver com essa revolução. Uma revolução só é boa se podemos tirar proveito dela.
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embuçados e armados de punhal, tentam sorrateiramente matar um ao outro e todos
tentam matar Teité. Este, sem nada perceber, livra-se sempre por um triz. No final da
cena, apagam-se as luzes e ouve-se um grito. Ao voltar de novo a luz, estão todos, com
exceção de Teité, em volta do cadáver. Armados de punhal. Olham-se e, rapidamente,
escondem os punhais e saem disfarçando. Entra Teité, vê o morto e grita. Entra Boracéia,
ampara Teité que tem uma vertigem.
Boracéia Não sabia que você gostava tanto dele, João Teité.
João Teité Eu quero é que ele se lasque. Não posso é ver sangue. (Entra
Prefeita, seguida por Mateúsa e pelo Deputado.)
João Teité Mas deixa de coisa! Morreu, morreu, antes ele do que eu! E depois já
tinha muito tempo de serviço na vida.
Boracéia Ou você!
Prefeita Agora a coisa muda de figura. Eu tenho o povo do meu lado e não
preciso aderir a ninguém. A pergunta que faço agora é fundamental para os destinos da
revolução: quem quer aderir a mim?
João Teité Eu até que podia mas a senhora não tem nada e a dona Boracéia
ainda tem um bom rebanho.
Prefeita Você já escolheu o seu lado. Agora a luta comigo vai ser franca e
aberta.
João Teité Alguém tire esse corpo daqui porque, morto, eu só gosto daquilo que
pode ser comido. (Entram homens e tiram o Coronel.)
Prefeita Essa sua revolução não vai durar muito sem o apoio do povo! Vocês
todos vão se arrepender amargamente! (Sai.)
João Teité Bem, vamos preparar nossas forças e acabar com ela.
Boracéia Sobrei, não. Eu só estava com você porque você tinha se aliado ao
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Coronel. Agora que ele morreu, você não tem mais poder nenhum.
João Teité Juntos, eu, você e minha inteligência, a gente vira dono do Brasil todo.
Boracéia Vou esperar você cair, Teité. Aí recolho o que restou pra mandar
sozinha. Nada pessoal, Teité, isto é política. (Sai.)
João Teité Traideira! E tem gente que se espanta quando eu falo que gosto mais
de comida que de mulher! E agora? Não é que eu virei peru de véspera? Se ainda eu
tivesse cabeça pra pensar numa saída, mas passei a vida inteira foi cuidando bem da
barriga. O que me falta acontecer? (Entra o Capitão agredido no inicio da peça. João
Teité grita de susto.)
Capitão Desculpe ter entrado sem bater, mas vim correndo pra falar com o senhor.
Capitão Sou capitão e estou procurando pra capar dois patifes que há dias me
atacaram, amarram e roubaram meu jipe.
João Teité E o que eu tenho a ver com sua incompetência? E o que eu tenho a
ver com o seu jipe? Estou comandando uma revolução!
Capitão Foi o que o general do destacamento disse. Não entendi. Revolução pra quê?
João Teité Numa revolução, quando se entende pode ser tarde demais. Estamos
fazendo esta pra cantar as aleluias, botar carne na pança e farinha na cuia!
Capitão Sim, senhor! Estou à sua disposição. (Vira-se pra sair, mas volta.) Eu não
lhe conheço de algum lugar?
Benedita Seu Matias, acho que com a morte do Coronel a revolução não
revoga mais a abolição, né?
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queria era pôr as mãos no Teité!
Matias Cão Eu queria era pôr os pés, num chute tão bem dado que ele se
desconjuntasse todo!
Matias Cão Seu menino!? E a senhora, por acaso, é a culpada de ter parido
aquele traste, é?
Matias Cão (Perplexo.) Mas, olha! Então, o Teité é daqui? Agora entendo porque
esta cidade é chocadeira de doido! E a mãe dele?
Benedita E Teité é coisa que tem mãe? Ele apareceu, bebezinho, feio como
caminho do inferno, na porta de casa dentro de um cesto.
Benedita Eu quis até dar pra outro criar, mas fiquei com dó de separar da irmã.
Matias Cão Eita, que desgraça quando desaba não vem sozinha! E a irmã é tralha
feito ele?
Benedita Não sei. Não vejo desde pequenininha. O Teité vendeu a pobrezinha
pra um circo que passou por aqui.
Benedita Aquilo nunca teve cabeça pra nada que não fosse mal-feito!
Azucrinou minha vida até os quinze anos, quando saiu pelo mundo depois de ter vendido
minhas galinhas, minha casinha e até minhas roupas. Só não vendeu o que estava por
dentro das roupas porque eu já estava meio passada e ele não conseguiu preço.
Benedita A marca de nascença. Tanto ela quanto o Teité têm uma meia lua nas
partes. Ocê já viu?
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Matias Cão Olha, eu não aprecio olhar essas partes em homem mas eu já vi essa
marca... Mas não, não é possível!
Mateúsa Está tudo acabado, Matias! Resolvi que o nosso caso não tem futuro
e que o melhor pra mim é casar com o Deputado!
Matias Cão E é, é?
Mateúsa É. Você já caiu das tamancas, é folha virada, bananeira que já deu
cacho!
Mateúsa Não me fala em paixão que essa é a minha fraqueza! Está decidido e
sacramentado!
Matias Cão Vou dar-lhe uma surra de beijos, encher-lhe a cara de carinho e lhe
amaciar com tanto jeito que você vai achar seu rumo que é comigo!
Mateúsa Mas eu, não! Paixão é muito bom, mas preciso é garantir o meu dia
de amanhã! Ainda se você fosse um general... mas um capitão! Eu me caso com o
Deputado! (Entra Boracéia.)
Boracéia É melhor você não casar, não! O Deputado agora está contra mim e a
favor da Prefeita. Eu me aliei com o general pra derrubar o Teité.
Boracéia Está hipotecada com tudo que tem dentro! Eu vim aqui, Matias, para
nos aliarmos e reunir as forças sãs da revolução! Com o seu prestígio e o nosso apoio
retomaremos o comando do governo!
Matias Cão Quer dizer então que volto ao comando como dantes? Que que você
acha disso, Benedita?
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Benedita O que eu acho é que tem gente que gostaria de ter queimado a língua
para não falar besteira.
Matias Cão É uma pena que eu não seja um general, não é, Mateúsa? Benedita,
você, por acaso, conhece mais alguém com tanta vocação pra fazer coisa errada?
João Teité Eu vim pra soltar vocês e dizer que entre amigos não cabe rancor. E
vim também porque o mundo endoideceu! O Deputado assumiu a prefeitura e se nomeou
chefe da revolução e chamou o general para manter a ordem. A Prefeita tá fazendo
passeata com parte do povo nas ruas. O general não sabe se apóia um ou outro.
João Teité Gente, esta cidade está uma confusão demais até pra mim que
aprecio o malfeito! Vamos azular?
Matias Cão Antes eu preciso resolver uma coisinha. (Vai em direção a Mateúsa.)
Mateúsa O senhor nem não precisa falar nada! Sou uma mulher que tem
orgulho e amor próprio! (Aos poucos vai transitando para o melodrama, sob som de
violinos.) Apostei minha vida, tudo, num jogo de dados, lancei e perdi. Traí meu coração,
virei às costas e quando o amor me chamou eu não tinha mais ouvidos. (Curva a cabeça
compungida, mas com o rabo do olho tenta perceber a reação dos presentes. Benedita
soluça, Teité está estupefato e Matias a olha com um sorriso cínico. Mateúsa se torna
mais incisiva.) Por isso não lamento e vou cumprir meu destino. (Aproxima-se de Matias.)
Adeus. Não me peça para ficar!
Mateúsa Nem pense! (Segura-o.) Nem queira me segurar nem com os braços
nem com beijos! (Beija-o.) Só tenho a lhe dizer que, apesar de tudo, eu lhe dou meu
perdão!
Matias Cão (Estupefato e irônico.) Obrigado por me perdoar a sua traição, viu? E
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eu só tenho duas coisas a dizer: a primeira é que essa sua safadeza não me enganou,
não, viu?! A segunda é que, às vezes, ser enganado é bom demais! Dá um outro beijo?
Mateúsa (Reconsidera.) Não, senhor! Já que pediu vai ter de receber! (Beija-o
de novo.)
Benedita Virgem! Que nem preciso ver a marca de nascença pra saber que é a
irmã cuspida do traste!
Matias Cão Este é o problema: ter a Mateúsa com esse tralha de contrapeso!
Mateúsa Tanto que lhe procurei.... (Perto de Teité transita rapidamente para a
raiva.) ...pra lhe encher de pescoção, seu tranqueira! (Bate-lhe.) Quinze anos! Quinze
anos lavando jaula de elefante cagão naquele cirquinho de periferia, seu peste! Por que
não me vendeu pro Orlando Orfei?
João Teité Chega! É isso o que eu ganho tentando ajudar! Eu só vim aqui pra
avisar que os soldados que a gente atacou estão caçando a gente.
João Teité Um deles veio, mas acho que não se lembrou de mim. (Entra Capitão.)
Capitão Lembrei, sim. Demorou um pouco mas lembrei que já tinha visto essa
cara de sonso, de cachorro sem dono, de rato de bueiro.
João Teité Vê se decide por um dos três, que eu tenho uma cara só.
Capitão Mas vou quebrar em mil pedacinhos até ela ficar do jeito que eu gosto.
E vou quebrar a cara dos três.
João Teité (Reunindo sua última porção de coragem). Pois quem vai pra cadeia é você.
Vou mandar te dar uma surra de pau. Eu ainda sou chefe da revolução.
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Capitão Que revolução, paspalho?
João Teité Eu sei, bestalho, você sabe, nós todos sabemos. Mas fora daqui
ninguém sabe. Nesta cidade eu ainda sou a lei.
João Teité Ai, meu Deus! Eu não faço muito uso, mas gosto de tudo que é meu!
João Teité Vai você, Matias, enquanto eu penso num jeito da gente sair dessa.
João Teité (Para Capitão.) Não faz isso, moço, é pequeno mas é meu. Quer
pegar, pega, mas não arranca que não vai ter nenhuma serventia para o senhor! E depois,
eu não levo jeito pra frutinha. (Bem fresco.) Ai, que me desfaleço! (Desmaia, enquanto
entra Boracéia e derruba o Capitão com um golpe.)
Boracéia Gente, a cidade está uma burundanga só! Nem bem saí e a praça
estava coalhada de gente. O general, o Deputado, todo mundo gritando que não tinha
revolução nenhuma! Logo imaginei: estão querendo reprimir a revolta. Não tive dúvidas,
gritei: "Viva a revolução!" Foi uma babel, um Deus nos acuda, um quebra-pau que Deus
me livre.
João Teité (Acordando com um grito.) Ai! Devolve o que é meu! (Apalpa-se.) Aqui,
inteiro e gostoso! (Para Capitão.) Desgraçado! E vocês? Que amigos vocês são, hein?
João Teité Corre, que quem tem melhor perna consegue fugir primeiro.
Boracéia Ninguém foge. O que a gente vai fazer é defender até a morte essa
casa e nossa revolução e nossa dignidade.
João Teité A vida é sua, a casa é sua, a dignidade também. E se quiser a minha
eu dou de papel passado. Vamos fugir porque quem foge pode lutar outra vez. Mesmo
que seja pra fugir de novo.
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Matias Cão, Mateúsa, João Teité, Benedita, Boracéia. Depois Coronel Marruá. Os
fugitivos irrompem no palco, cansados.
Matias Cão Teité, conta pra ela mais uma vez o que aconteceu.
João Teité Conto, não. Se você não quiser ser mais capitão eu aceito a patente.
Em troca de um bom filé eu concordo com qualquer louco!
João Teité Estou falando, mana, se alia comigo. Você quase foi rica e eu quase
fiz uma revolução. Com sua esperteza e minha inteligência ninguém vai poder com a
gente!
João Teité (Corre.) Não me bate, não, cunhado! Agora eu sou seu parente!
Mateúsa Fica calmo que eu ainda encontro quem queira comprar o Teité. Eu
ainda vendo esse desgraçado nem que seja pra fábrica de ração!
Matias Cão Foi estratégia, Boracéia. E minha estratégia é continuar a retirada até
o fim do mundo. E vamos andando que a gente só vai descansar quando colocar mais
dez quilômetros de distância daquele Capitão.
Boracéia Eu não dou mais nem um passo. Eu não vou deixar tudo pra trás.
(Surge o Coronel Marruá.)
Coronel Marruá Que cambada de gente sem sustança são vocês que arriam as
calças e correm?
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vida pré-republicana, a ordem, respeito e beija-mão! Vamos de volta ao século XIX!
(Saem todos. Passado um momento voltam Matias, Mateúsa, Teité e Benedita.)
Matias Cão Tá certo que neste País tudo é possível, mas isso é um pouco demais.
João Teité Uma alma do outro mundo liderando uma revolta! T’esconjuro!
João Teité Vamos comigo, Mateúsa? Pois pensando bem se me derem pensão
vitalícia, mesa farta, pança cheia...
Mateúsa É... Pensando bem eu ainda não consegui garantir meu futuro.
(Matias arrasta Teité e Benedita arrasta Mateúsa, que gritam.)
João Teité Me larguem! Eu quero fazer negócio com eles! Eu vou liderar a
revolução!
Benedita Pra segurar o fogo desses dois só tem um jeito. Beija essa e, esse
aqui, pode deixar que eu dou agora a sova de pau prometida. (Matias beija Mateúsa
enquanto Teité apanha.)
FIM
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