Educação No Pós Abolição em Florianópolis
Educação No Pós Abolição em Florianópolis
Educação No Pós Abolição em Florianópolis
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO NO PÓS-ABOLIÇÃO:
A ESCOLARIZAÇÃO DE AFRODESCENDENTES EM
FLORIANÓPOLIS – SC (1888 – 1930)
PORTO ALEGRE – RS
2015
VIRGINIA FERREIRA BOFF
EDUCAÇÃO NO PÓS-ABOLIÇÃO:
A ESCOLARIZAÇÃO DE AFRODESCENDENTES
EM FLORIANÓPOLIS – SC (1888 – 1930)
PORTO ALEGRE – RS
2015
B673e Boff, Virginia Ferreira
Educação no Pós-Abolição: a escolarização de afrodescendentes
em Florianópolis – SC (1888 – 1930) / Virginia Ferreira Boff. – Porto
Alegre, 2015.
103 f. il.
EDUCAÇÃO NO PÓS-ABOLIÇÃO:
A ESCOLARIZAÇÃO DE AFRODESCENDENTES
EM FLORIANÓPOLIS – SC (1888 – 1930)
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profa. Dra. Mónica de la Fare (Orientadora)
________________________________________
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso – UDESC
________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Carlos Corrêa – UFSM
________________________________________
Profa. Dra. Leunice Martins de Oliveira – PUCRS
Porto Alegre – RS
2015
Dedico à Laura, a criança mais amorosa e
corajosa que conheci, pois não teme o mundo.
Parceira de lutas e sonhos,
de um mundo mais justo e colorido.
Filha, juntas somos mais!
Agradecer…
Gratidão é reconhecer ajuda, apoio, afeto despendido por outro a si. Agradeço
tanto aos que carinhosamente me ajudaram por toda uma vida para conquistar a
sonhada pós-graduação, quanto aos que dificultaram e desacreditaram dessa
condição. A todos: vocês me fortaleceram e sou grata pelo aprendizado! Aprendi ao
longo do caminho a construir uma perspectiva de futuro onde é possível conceber
uma sociedade com relações mais equânimes, a partir de nossa capacidade de
ação individual, coletiva e solidária.
Agradeço a cuidadosa orientação da profa. Mónica de la Fare, que assumiu o
desafio de me orientar desde sua chegada à PUC. Mesmo com todas as minhas
dúvidas de pesquisadora iniciante, aprendi muito com seus ensinamentos em
diferentes espaços e momentos do mestrado. Obrigada por persistir comigo, Mónica!
À CAPES/MEC, que possibilitou minha estada na pós-graduação com bolsa
integral através do PROSUP. Aos professores e professoras do Programa de Pós-
graduação em Educação da PUCRS. A todos os funcionários da Faculdade de
Educação e às profissionais da secretaria de pós-graduação, sem exceção.
Ao pessoal do NEJA, pelos encontros com cafés, abraços e diálogos,
Guilherme, Samara e Roberta. Ao povo do NEABI, por todas as conquistas e
motivações: à profa. Leunice Martins de Oliveira, grande mestra; Ir. Édison Hüttner,
Sátira, Lilsimara, Edgar, Cristiane, Carmen e Domingas.
Aos colegas da pós, Dinorá, Anthony, Fernando Campiol, Ananda, Rita,
Chalissa, Sandra, Viviane, Rafael Silva, Laura, Fernando Carreira, Silvia, Josiane,
Frederico, Antonio, Carla, Luciele, Mirelle, Taís, Caroline, Lisiene. Parceiros de
conversas, de apoio mútuo. Bom ter conhecido a todos!
Aos funcionários do Arquivo Público de Santa Catarina e da Biblioteca Pública
de Santa Catarina, obrigada pela atenção e apoio a esta pesquisadora principiante.
Ao Núcleo de Estudos Afrobrasileiros – NEAB/UDESC, lugar de iniciação à
pesquisa acadêmica. Às professoras Neli Góes Ribeiro, Jimena Furlani, Maria
Aparecida Clemêncio, Jeruse Romão e Cláudia Mortari. Aos colegas de caminhada
que sonharam comigo dias melhores, parceiros de trabalho, de viagens, de cerveja e
de cafés da tarde: Thaís, Priscila Freitas, Ivan, Mônica, Priscila Costa, Igor, Graziela,
Leandra, Karla, Mariana Schlickmann, Janaína, Juliana K., Julianna R., Júlio Cesar,
Priscila H., Vanusa, Maristela, Angelo, Raoni, Carolina R. e Ana Julia. Um devido
agradecimento ao meu amigo Willian, parceiro de lutas e pesquisador que admiro
profundamente, com suas leituras solidárias aos meus textos.
Agradeço à minha família por ter apoiado de diferentes modos minha carreira
acadêmica, toda alegria em dizer que parte da produção vem do que aprendi com
vocês. Meus tios Justina e Otaviano e meu primo Vicente. Desde sempre, lhes devo
minha vida, a vida da Laura e tudo de bom que nos proporcionam. Cuidar de si, da
casa e da família também é uma forma de ajudar o mundo a ser um lugar melhor.
Aos meus pais, Lilian Mary (in memoriam) e Carlos Alberto, pela origem e base
educacional. Às minhas irmãs Mariana e Carolina, minha sobrinha Larissa, vocês
também são parte da conquista, valeu pelas palavras de apoio e abraços. Ao
acolhimento do Rubem Callero, que compartilhou sua sabedoria, me motivando
desde que comecei a pensar em voltar aos estudos. Especial à Lucinda, por todo
aconchego proporcionado em seu apartamento nos dois anos de mestrado. Essas
paredes muito "ouviram" as dúvidas e gritos de conquista a cada parágrafo escrito.
Gratidão aos Amig@s do Sambaqui, por compartilharmos risadas e sonhos,
comendo pastel de berbigão e tainha assada. Às amigas de Floripa: Erica, Tamna,
Rebeka, Cristiane Mare e Janete. Ao pessoal da Escola dos Sonhos com carinho, e
a todos os meus alunos desta escola e da E.B. Albertina Madalena Dias. Às amigas
de Poa: Jussara, Juliana, Lilian, Luana, Aurici, Leslie, Amanda, Fernanda, Marcelo.
Vocês fizeram toda diferença! Especial agradecimento à Valesca e ao Abel,
parceiros incansáveis das últimas etapas de escrita, compartilharam seus ouvidos,
braços e abraços, me motivando diariamente a continuar. Amo todos vocês! Ao povo
da Turucutá Batucada Coletiva Independente, ao Artur e ao Rafael, com quem
aprendi sobre samba e humanidades. Importante agradecimento ao Felipe Farias de
Jesus, ex-parceiro e atual amigo, a você e a toda sua amável família desejo em
dobro a dedicação que tiveram comigo.
Agradecimento especial ao prof. Paulino Cardoso que, antes de mim,
acreditou que era possível. Gratidão pelos aprendizados, ao outro modo de ver o
mundo e as relações humanas, permitindo compreender que as culturas afros são
parte de nossa historicidade.
Os ventos empoeirados do harmattan chegaram junto com o
mês de dezembro. Eles trouxeram o cheiro do deserto do
Saara e do Natal, e arrancaram as folhas finas e ovais das
plumérias e as folhas em forma de alfinete das casuarinas,
cobrindo tudo de marrom. Passávamos todo Natal na cidade
onde havíamos nascido. Irmã Verônica chamava isso de
migração anual dos igbo. Ela não entendia, dizia com seu
sotaque irlandês que fazia as palavras rolarem sobre sua
língua, por que tanta gente da etnia igbo construía casas
enormes em suas cidades natais para passar apenas uma ou
duas semanas em dezembro, enquanto tinham residências
bem menores nas cidades grandes onde viviam o resto do ano.
Eu sempre me perguntava por que irmã Verônica precisava
entender aquilo, quando era simplesmente o nosso jeito de
fazer as coisas.
“Hibisco Roxo”
Chimamanda Ngozi Adichie
A vida é luta.
A luta surda dos civilizados, a luta quieta, a luta invisível da
astúcia humana, em que se sente, a cada passo, a
necessidade de acotovelar, de resistir, para não ser
esmagado, sem que se defronte com ninguém.
A estrada é larga, e silenciosa, e deserta.
“Farrapos de ideias”
Antonieta de Barros
RESUMO
A pesquisa tem como proposta investigar qual era o lugar da educação escolar para
os africanos e afrodescendentes no pós-abolição, na cidade de Florianópolis, Santa
Catarina, compreendido entre 1888 e 1930. Pretendeu-se, através dessa
investigação, perceber como foram os processos de escolarização para os referidos
grupos, quais os impactos e desdobramentos das políticas públicas educacionais
destinadas às populações acima citadas no pós-abolição. A metodologia baseia-se
na pesquisa dos registros nos arquivos públicos de Santa Catarina, buscando
informações sobre escolarização inicial, seja em grupos escolares ou em outros
espaços de instrução inicial. As fontes de pesquisa são os Relatórios de Presidentes
de Província, os Ofícios, Correspondências e Relatórios da Diretoria de Instrução
Pública e jornais do período. O referencial para estudo das relações no campo social
e educacional é Bourdieu (1989, 2003); das relações raciais no pós-abolição tem
como base autores Mattos (2004), Cardoso (2004), Lucindo (2009) e D'Ávila (2006).
Esta produção busca contribuir para o desenvolvimento do campo educacional no
que concerne a Educação para as Relações Étnicorraciais do Brasil, a partir de uma
leitura da História da Educação dos grupos populares e de suas relações e
estratégias de escolarização em um período histórico que há poucas pesquisas
acerca do tema, propondo dar visibilidade as populações de origem africana no pós-
abolição.
This research aims to investigate what the role of formal education for the Africans
and African descendants in the post-abolition period, in Florianópolis, Santa Catarina,
between 1888 and 1930. This dissertation intents to understand how the education
process took place for those groups and what the impacts and consequences of
educational public policies to the people mentioned above in the post-abolition. The
methodology is based on the research of public records of the Santa Catarina State
and seeks information about the student groups and other places for initial education.
The sources were the “Province President's Reports”, letters and repots of the
“Diretoria de Instrução Pública”, newspaper of the period, and other documents.
Bourdieu (1989; 2003) is the reference for the study in field of the social and
educational relationships; the race relations in the post-abolition period is based in
the authors Mattos (2004), Cardoso (2004), Lucindo (2009) e D'Ávila (2006). This
dissertation attempts to contribute for the educational field development with respect
to the education for etnicorracial relationships in Brazil. From some interpretation of
the Education History of popular groups and their relationships and strategies of
education in history period – a subject whose research is scarce - giving visibility to
the Afro-descendants in the post-abolition.
INTRODUÇÃO............................................................................................................12
1. A CIDADE E OS MODOS DE VIDA DA POPULAÇÃO EM
DESTERRO/FLORIANÓPOLIS, DE 1888 A 1930.....................................................26
1.1 GRUPOS POPULARES, AFRICANOS E AFRODESCENDENTES....................42
2. FLORIANÓPOLIS EM TEMPOS DE MUDANÇAS: PANORAMA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR DOS GRUPOS POPULARES..................................................................50
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS EM DESTERRO/FLORIANÓPOLIS. .57
2.2 O PROJETO REPUBLICANO LANÇA A REFORMA EDUCACIONAL:
ESCOLARIDADE PARA QUÊ E PARA QUEM?.........................................................73
3 – A ATUAÇÃO EDUCACIONAL DE AFRODESCENDENTES EM
FLORIANÓPOLIS.......................................................................................................83
3.1 OS LETRADOS AFRODESCENDENTES DE FLORIANÓPOLIS........................84
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................95
REFERÊNCIAS...........................................................................................................98
LISTA DE RELATÓRIOS..........................................................................................102
12
INTRODUÇÃO
1
Desde os primeiros habitantes, os Tupis-guaranis, a ilha recebeu vários nomes: “Meiembipe”,
“Ijurerê Mirim”, “Baia de los Perdidos”, “Isla de los Patos”, “Ilha de Santa Catarina”, “Villa de Nossa
Senhora do Desterro”, “Desterro” e, atualmente, “Florianópolis”. No século XIX, utilizava-se “Villa de
Nossa Senhora do Desterro”, adotado em 1822, no ano da Proclamação da Independência do
Brasil, até a Proclamação da República, em 1889, passando a ser chamada Desterro. Muitos
debates aconteceram acerca da mudança do nome da cidade, pois, segundo a população local,
“Desterro” carregava uma conotação negativa sobre quem a habitava, remetendo a um lugar de
exílio ou de alguém que era preso e enviado a um lugar desabitado. Por sugestão popular, indicou-
se para substituição “Ondina”, nome de uma deusa da mitologia e protetora das águas, porém sem
êxito. Em 1894, após o fim da Revolução Federalista, em uma contraditória homenagem ao
Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, o governador do Estado de Santa Catarina,
Hercílio Luz, denominou a cidade com o atual nome – Florianópolis.
13
com o golpe de estado e pôs fim a Primeira República no país. A pesquisa não ficou
restrita apenas no recorte temporal destes anos, transitando nas décadas finais do
século XIX e indo além de 1930, procurando compreender o pós-abolição como um
processo histórico composto de diversos acontecimentos e de atores sociais. Tem a
perspectiva de tentar entender a construção da educação republicana brasileira e de
um novo ideal de escola pública que tinha como alvo forjar os sujeitos que
constituiriam a nação com base nos ideais modernistas que visavam o
branqueamento da população brasileira através da educação (D'ÁVILA, 2006).
A escolha do período histórico teve dois fatores determinantes, um primeiro a
ser considerado é acerca da produção historiográfica educacional das populações
de origem africana em Santa Catarina e no Brasil. Raros são os estudos que se
debruçam a partir da lente do pós-abolição, no que concerne os estudos sobre a
educação das populações de origem africana. No levantamento realizado na base
de dados da Capes2, a partir dos termos que orientam o trabalho – história da
educação das populações de origem africana em Florianópolis; pós-abolição;
afrodescendentes; grupos populares – foram localizados 71 registros. Também fez-
se a pesquisa por História da Educação do Negro, enquanto um termo
correlacionado aos estudos investigados, obtendo resultados idênticos aos
escolhidos anteriormente.
Das dissertações e teses averiguadas, a maioria não tratava de pesquisas
sobre o mesmo período aqui estudado, nem da mesma cidade ou acerca de
educação. Para filtrar os trabalhos que interessavam para o Estado de
Conhecimento, foi definido que o período deveria ser a partir de 1888 até 1930,
aceitando uma pequena variação de ano, anterior e posteriormente a data
delimitada.
Em uma leitura geral dos títulos e resumos, foram selecionadas quatro
dissertações de estudos das populações de origem africana das cidades de
Garopaba, São José, Laguna e Criciúma, todas localizadas em Santa Catarina.
Destes, três são da área de história, apresentados a seguir. O estudo de Janaína
2
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério
da Educação (MEC), disponibiliza para consulta, uma base de dados depositária de informações
sobre teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação do país. Frequentemente
utilizado na realização de pesquisas de caráter “Estado de Conhecimento”, com intuito de mapear
o que existe de produção acerca do tema escolhido para desenvolver uma pesquisa.
14
3
Os autores/as das dissertações descritas integravam o grupo de pesquisa “Multiculturalismo:
História, Educação e populações de origem africana”, do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros
(NEAB-UDESC), que estuda e pesquisa as populações de origem africana em Santa Catarina,
desde o século XIX até os dias atuais. Neste grupo, formado por estudantes e professores/as de
História, Pedagogia, Geografia e Biblioteconomia, cada participante tem a possibilidade de
desenvolver estudos direcionados à sua área de atuação. O grupo de pesquisa tem como
propósito estudar as histórias e as práticas culturais dos africanos e afrodescendentes desde a
antiga Villa de Nossa Senhora do Desterro, passando pelo movimento de mudança política da
Primeira República até os dias atuais, trazendo um novo olhar na perspectiva de historiografia
dessas pessoas, onde se tornam mais do que objetos de análise dos projetos das elites a respeito
de seu destino social, colocando-os enquanto sujeitos históricos produtores de uma história
igualmente válida e importante para compreender as realidades sociais vigentes e suas múltiplas
culturas. Este também foi o grupo no qual dei início à pesquisa acadêmica, sendo no meu caso os
estudos eram voltados ao campo educacional.
15
Para a tarefa convoco o mais atento olhar sobre aquilo que (des)conhecemos,
propondo estranhamento ao que aparentemente é familiar e tornando familiar o que
nos é estranho, em um processo de ressignificação de conceitos, baseado nos
“espaços de verdade de seu tempo” (Stephanou e Bastos, 2005, p. 417). Contudo,
entende-se que são dois campos teóricos que dialogam entre si na medida que,
conforme Stephanou e Bastos, “a pesquisa em História da Educação não é uma
ciência a parte, (…) sua riqueza teórica e metodológica está justamente no fato de
tratar-se de um espaço fronteiriço, de pesquisas que se situam na intersecção entre
a História e a Educação.” Portanto, a pesquisa será “educacional de caráter
histórico” (2005, p. 422).
A pesquisa é elaborada enquanto um processo artesanal de produção. Pierre
Bourdieu apresenta em “Introdução a uma Sociologia Reflexiva” seu entendimento
do ofício de pesquisar:
6
A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de construção
de um objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona
como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objecto em questão não
está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades. Por
meio dela, torna-se presente o primeiro preceito do método, que impõe que se lute por todos os
meios contra a inclinação primária para pensar o mundo social de maneira realista ou, para dizer
como Cassirer, substancialista, é preciso pensar relacionalmente. (Bourdieu, 1989, p. 27-28)
18
pesquisas educacionais. Procurar entender seus modos de viver pode nos trazer
uma outra visão da pacata cidade de Florianópolis em seu início de século, um olhar
da cidade a partir dos que colaboraram para sua constituição e foram silenciados
pela ausência de ouvidos e olhares atentos às suas falas e comportamentos.
Escolher os afrodescendentes como tema central da pesquisa é tentar situá-
los enquanto agentes de sua história e de suas trajetórias, considerando os
aspectos discriminatórios que os colocaram em situação de desigualdade perante o
restante da população. O que não quer dizer que sua história tenha maior ou menor
importância do que a dos imigrantes europeus, dos grupos indígenas ou de grupos
nômades (ciganos). Mas, diante de todo processo histórico que as populações de
origem africana e afrodescendentes vivenciaram, é altamente relevante que se
busque os indícios, vestígios e registros que deem vez e voz aos que foram
constantemente tratados como desiguais.
No período republicano, autores como Mattos (2004) e Ianni (1960) apontam
para um crítico cenário na mudança de uma ordem escravista para o mundo do
trabalho livre, processo legalmente arrolado em 13 de maio de 1889, que se
realizara de forma abrupta tendo de um lado escravizados e libertos e por outro
senhores despreparados para a nova sociedade que se constituíra. De um lado,
senhores se refugiaram no racismo como forma de manutenção das hierarquias
sociais oriundas do regime escravistas e os livres e libertos tornam-se “cidadãos”,
sem o mínimo de apoio para deixar para trás a dura realidade da vida em cativeiro.
Encontram um Estado renovado pelas teorias raciais do século XIX, que se
apresenta como hostil às suas experiências e modos de vida. O antigo Império com
sua herança colonial portuguesa, dá lugar a uma República que se quer branca,
eurocentrada e moderna, em uma palavra: civilizada,
A raça não existe verdadeiramente como algo real que possa ser
comprovado pelos atributos físicos, biológicos, culturais ou sociais
que a fundamentaram até o presente momento. Nenhum desses
elementos pode ser apontado como determinante natural dos seres
humanos posto que a natureza humana é histórica. (CARDOSO E
RIBEIRO, 1997, p. 68)
relatar as relações sociais será adotado o termo “raça” enquanto uma categoria para
análise das desigualdades sociais vigentes no período estudado.
Retornando à República, neste novo projeto de Nação àqueles que haviam
sustentado e enriquecido o país, se constituíam como obstáculo ao progresso e a
civilização social da nação, através da exclusão sistemática das populações nativas
americanas, africanas e afrodescendentes. Essa breve contextualização tem
importância e sentido para pensarmos nos reflexos históricos que impactaram na
educação e, por consequência, nas estruturas escolares.
(…) ele é um problema histórico, que tem por fim identificar em que
medida a experiência e a herança escrava constrói a identidade
negra e quais os prejuízos e vantagens dessa construção no
processo de definição dos direitos de cidadania. Isso implica em
questionar a naturalização da noção de raça no tempo presente, ao
remontar as categorias e identidades raciais através das construções
sociais dadas historicamente e evidenciar que a emergência do
racialismo nas identificações no Brasil está imbricada às condições
de acesso aos novos direitos civis e políticos, às relações de trabalho
dos novos sistemas econômico, político e social, ou seja, esse
campo de estudo busca dar entendimento à formação da cidadania
dos afrodescendentes. (LUCINDO, 2010, p. 29-30)
1888 talvez seja a data mais longa da história dessas populações – “o dia que não
findou”9. Menos pela condição cronológica, mais pelo enfrentamento das
dificuldades, dos efeitos produzidos pela escravidão na diáspora africana no
cruzamento do Atlântico para as Américas. A intenção aqui é dar visibilidade às
experiências de grupos populares na cidade de Desterro/Florianópolis no período do
pós-abolição, buscando os indícios de suas práticas cotidianas e compreendendo de
que modo se relacionavam com a escolarização, sendo esta uma das principais
frentes utilizadas para alcançar a almejada civilidade republicana, visada pelos
reformadores do novo ciclo político no Brasil, consequentemente em Santa Catarina,
no início do século XX.
Ainda sobre a abolição, vista de outro lugar e condição, Lima Barreto relata
suas memórias de infância do dia da promulgação da Lei que abolia a escravidão no
Brasil e do espírito de alegria que tomava a cidade. Residente da capital do país ao
final do século XIX, Rio de Janeiro, Lima Barreto, escritor negro, nascido “sem
dinheiro, mulato e livre”10, como ele mesmo se retratou, era filho de família de origem
africana e portuguesa. Viveu nas últimas décadas do século XIX, acompanhando a
movimentação da abolição e presenciando in loco a mobilização do 13 de maio:
9
A data “14 de maio” tornou-se uma referência simbólica dos movimentos sociais ao longo do
século XX, que chama atenção para além da formalidade ocorrida em 13 de maio na assinatura da
Lei Áurea. Utilizada para representar a continuidade das dificuldades enfrentadas pelas
populações de origem africana, na persistente manutenção das desigualdades raciais na
sociedade brasileira e pelo silenciamento dos poder público em realizar ações que diminuíssem os
impactos da herança escravista que permeavam as relações sociais.
10
Da crônica “Carta fechada – Meu maravilhoso senhor Zé Rufino”, de 12 de maio de 1917.
28
Era bom saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi
geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na consciência
de todos a injustiça originária da escravidão. (BARRETO, 2004, p.
78)
colocar a história das populações de origem africana como central, mas buscar
entender as relações, como se constroem, auxiliando a compreender os impactos
atuais dessas construções, pensando a partir das experiências da diáspora africana,
auxiliando na mudança do olhar e da construção das histórias desses grupos no
Brasil.
No período de mobilização pela Abolição da escravatura, as experiências de
escravidão e os sentidos da liberdade eram distintos. A relação com os senhores
determinavam os movimentos de resistência ou aceitação. Robert Slenes, em seu
livro “Na Senzala, Uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da família
escrava (Brasil Sudeste, século XIX)” relata o caso de duas mulheres que não
aceitavam ser vendidas para um certo Senhor, por conta de sua fama de ser violento
com seus escravos. As mulheres aceitariam ser vendidas a outro Senhor, mas o fato
de resistir a ser vendida a alguém violento já era um movimento de liberdade: havia
a “opção”. Outros relatos falam das negociações da liberdade são bastante diversas,
como no caso de escravizados que já eram libertos mas que caíam nas mãos de
vendedores de escravos. Eles, os escravizados injustamente, procuravam a
delegacia para denunciar tais práticas. A noção de liberdade e de justiça para estas
pessoas passou por reconhecer que, de certo modo, podiam “escolher” para quem
vender sua força de trabalho, mesmo com a relação de escravizado e vinculado a
um senhor. Porém, contando com a possibilidade de morar em sua casa, ter sua
renda e pagar seu senhor. Algo bastante frequente na cidade de
Desterro/Florianópolis, mesmo depois do processo de emancipação, onde as
relações de subserviência se mantiveram por conta da necessidade de
sobrevivência de si e de sua família, não mais na relação direta de escravizado e
senhor, mas sem romper os vínculos de dependência do trabalho antes constituídos.
Esta seria outra forma de conceituar liberdade, partindo da realidade da
escravidão posta e das estratégias de negociação. E ter a possibilidade de viver
sobre si: ser escravizado, mas trabalhar e morar longe do seu dono e ter ganhos
para se sustentar e pagar seu senhor. Mesmo que com o dinheiro não pudesse
comprar sua carta de alforria, o senhor nem sempre concedia a carta. Ao passo que
a alforria de seus familiares era estrategicamente negociada, inclusive incentivada
pela Irmandade do Rosário, que previa um fundo de emancipação visando auxiliar a
32
13
Decreto Nacional nº 163, de 16 de janeiro de 1890, criado para oficializar as colônias nacionais;
Decreto Nacional nº 1.187, de 20 de dezembro de 1890, para regulamentar que a fundação de
núcleos e novos contratos imigratórios apenas poderiam ser feitos através de autorização do
Congresso; Decreto nº 160, de 29 de dezembro de 1906, determinando que os assuntos de
colonização passassem a ser de alçada do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, entre
diversos outros que regulamentavam o Serviço de Povoamento do Solo, de 1907 a 1930, com
intuito de “facilitar a colonização no território da República”. Em Santa Catarina, uma das ações foi
a Lei nº 15, de 31 de outubro de 1891, autorizando o destino de verba para publicizar em várias
línguas a propaganda imigratória espontânea para o Estado. (Piazza, 1982).
14
Baseado na historiografia catarinense tradicional, a partir de Walter Piazza (1982); Carlos
Humberto Corrêa (2005); Oswaldo R. Cabral (1972).
35
É que não lançaremos duas vezes a este solo a semente das ideias
republicanas; é que, unificada a America na fórma de governo dos
seus Estados, jamais consentirá em ataques á sua integralisação
democratica. Recebida por ella com as explosões do mais justo
enthusiasmo a noticia do grande acontecimento de 15 de novembro
de 1889, sem precedentes no mundo, vimos como procurou relevar a
nossa obra de civilisação e de progresso politico, emprestando-nos
36
A rotina política da capital catarinense estava nas mãos das elites dirigentes,
impulsionadas a reinventar a cidade com bases republicanas, atendendo o novo
projeto de modernidade vislumbrando a tão almejada urbe civilizada. A urbanização
demandava uma mudança dos espaços centrais, onde era necessário o
remanejamento das atividades comerciais e das moradias, incluindo
especificamente os grupos populares, compostos de migrantes e de
afrodescendentes, que viviam em bairros centrais e foram sistematicamente
empurrados à periferia, formando o que atualmente conhecemos como o “Maciço
Morro da Cruz”17. As ações dos dirigentes para tais feitos contavam com
organizações políticas, dentre elas o Clube Republicano, onde aliavam os debates
nacionais aos interesses locais.
15
Relatório apresentado pelo Coronel Gustavo Richard, Governador do Estado de Santa Catharina,
na abertura do Congresso Constituinte, a 28 de abril de 1891, Desterro.
16
Ibidem.
17
O Maciço Morro da Cruz, localizado no centro de Florianópolis, é formado por um conjunto de
comunidades que compõem esta região geográfica da Ilha. Merece o devido destaque por ser o
local para onde os afrodescendentes e migrantes foram forçosamente levados a residir, sem
condições adequadas de urbanização, de modo que estivessem isolados das vistas dos espaços
urbanizados.
37
Fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/florianopolis-antigo.html
Fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/florianopolis-antigo.html
20
O termo afro será utilizado neste trabalho como significante de origem africana. A justificativa para
o uso foi encontrada na pesquisa de Rascke (2013), que atribuiu à justificativa do uso ao
aprendizado de um minicurso proferido pela Profª Dra. Íris Amâncio em 2012. Os debates no
decorrer do minicurso levaram a conclusão de que o radical “afr” indica algo relativo à África e
mesmo o termo “afro” sendo pouco aplicado no meio acadêmico, ele indica que se tratam de
pessoas de origem africana.
41
Fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/florianopolis-antigo.html
que recortavam a ilha (CARDOSO, 2008, p. 105), como o rio da Bulha, que na
década de 1910 recebeu sistema da canalização para construção da principal
avenida da época, Avenida Hercílio Luz, homenageando o governador. A
canalização do rio teve impacto no desenvolvimento do ofício, obrigando as
trabalhadoras a procurarem outros locais para trabalhar, ou tendo que lavar as
roupas em horários de pouca circulação da população, sendo este o impacto da
modernização da cidade, que desejava urbanizar, higienizar o centro reorganizando-
o, marginalizando esses trabalhadores às bicas d'água, construídas em alguns
pontos do Maciço Morro da Cruz, local onde inclusive essas pessoas também foram
morar pela mesma política de higienização e modernização da cidade. Tudo que
afetasse a aparência e organização inspirada em moldes europeus era indesejado,
deveria ser eliminado das vistas da região central.
branca 5.232
66,1 18.319 75,9 13.087 80,7
parda
1.255 15,8 2.661 11,0 1.406 8,6
preta
1.432 18,1 3.164 13,1 1.732 10,7
total pretos e pardos 2.687 33,9 5.825 24,1 3.138 19,3
total 7.919 24.144 16.225
mulheres
4.122 52,1 12.490 51,7 8.368 51,6
homens
3.797 47,9 11.654 48,3 7.857 48,4
“que sabem ler”
3.515 44,4 6.816 28,2 3.019 18,6
livres
20.785 86,1
escravos
3.359 13,9
brasileiros
7.097
Total estrangeiros 822 11,7 1.047 4,3 225 1,4
alemães 278
africanos 209
portugueses 198
46
espanhóis 39
italianos 37
franceses 27
paraguaios 14
ingleses 8
austríacos 6
holandeses 4
russos 2
* Percentuais em relação ao total da população de Desterro.
** Percentuais em relação ao total das freguesias.
Fonte: tabela organizada a partir do Recenseamento geral 1872. Jornais “O Conciliador” de 17 e 24
de abril, 1 e 8 de maio de 1873, ano II, números 59, 60, 61 e 62. Biblioteca Pública do Estado de
Santa Catarina. Consultar: SANTOS, 2009, P. 133.
24
O prédio que hoje abriga o Mercado Público de Florianópolis foi construído em frente à Alfândega
no ano de 1898, em substituição ao antigo mercado, o qual foi demolido em 1896 após 45 anos de
funcionamento. Após ter servido durante 45 anos, a sua demolição deixou um Largo, que foi
embelezado, e suas árvores permaneceram até 1917. O atual Mercado Público Municipal foi
construído em duas etapas: a primeira, em 1899, contava com apenas uma ala. Em 1915 foi
construída em cima de um aterro a segunda ala, bem como as torres, as pontes que as interligam
e o vão central. A totalidade da construção conta com 140 boxes, onde encontramos roupas,
utensílios, alimentos e trabalhos de artesanato em cerâmica, palha e vime. Disponível em:
http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/turismo/index.php?cms=mercado+publico. Acesso em:
15/01/2015.
47
Fonte: http://jornalocarona.blogspot.com.br/2010/05/um-serie-de-fotos-antigas-para-guardar.html
O Mercado situava-se junto ao porto, local que até fins do século XIX
centralizava em suas atividades portuárias a “comercialização de farinha de
mandioca, aguardente e produtos vendidos de outros estados ou para o exterior”
(RASCKE, 2013, p. 49). A região em torno do porto oferecia às pessoas espaço para
comercialização de produtos e também para adquirir produtos com preços mais
modestos. O mesmo porto que abastecia a cidade era lugar de trocas comerciais e
culturais, como se representasse uma janela “para o mundo” (CARDOSO, 2008).
Segundo Rascke (2013), através do porto era realizado o abastecimento da
população, ligando a freguesia a outras regiões do Estado. Também, proporcionava
oportunidades aos comerciantes, pois “as articulações entorno do porto
possibilitaram o acúmulo de riquezas, 'criando uma próspera classe de
comerciantes, armadores e agenciadores de navios' que se relacionavam com
populares na zona portuária.” (RASCKE, 2013, p. 49). Ao início do século XX, o local
deixa de ser central para tais atividades, não ocorrendo o mesmo com o Mercado
Público, que seguiu atuante.
48
Fonte: http://jornalocarona.blogspot.com.br/2010/05/um-serie-de-fotos-antigas-para-guardar.html
25
De acordo com Stakonski (2008) e Simão (2008), a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário,
fundada na Vila de Desterro, teve seu primeiro “compromisso” registrado em 1726 e submetido à
aprovação do Rei, do Imperador e das autoridades eclesiásticas, recebendo a confirmação em
1750. A construção da Capela foi realizada pelos Irmãos (em sua maioria cativos), força de sua
dedicação aos domingos e dias santificados para erguer o espaço da prática de sua religiosidade.
Inicialmente, cultuava-se apenas a padroeira e posteriormente foi incorporado São Benedito dos
Homens Pretos, em 1841. O interior da Igreja abrigava outros santos, como Nossa Senhora do
Parto e Nossa Senhora da Conceição. Para saber mais sobre a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos: Malavota (2011); Stakonski (2008); Rascke (2013).
49
com Bastos (2011, p. 34) o ensino monitoral/mútuo com base no “Decreto das
Escolas de Primeiras Letras, de 15/10/1827, primeira lei sobre a Instrução Pública
Nacional do Império do Brasil, que propõe a criação de escolas primárias com a
adoção do método lancasteriano como método oficial”. O método foi utilizado com o
propósito de atender, ao mesmo tempo e no mesmo espaço, uma quantidade
significativa de alunos:
26
O primeiro decreto oficial do Império de D. Pedro I que regulamenta a Instrução Pública Primária no
Brasil, de 15 de outubro de 1827, é um marco para a História da Educação brasileira. Com 17
artigos, delineava propósitos à instrução primária, indicando métodos de ensino, conteúdos a serem
ministrados e condições ao ofício do professorado. Serviu de referência para comemoração do atual
“Dia do professor”. Para mais, ver: Castanha, 2007. Disponível em:
http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2007/Simp%C3%B3sio%20Academico
%202007/Trabalhos%20Completos/Trabalhos/PDF/08%20Andre%20Paulo%20Castanha.pdf
Acesso em: 18/01/2015.
53
Como seria então incorporar as pessoas que até então estiveram a margem
do processo educacional na escola? Como as populações de origem africana se
relacionavam com a educação escolar, visto que mesmo após a promulgação da Lei
Áurea a legislação seguia não possibilitando o acesso desses grupos à escola? Que
tipos de ações o Estado realizou para popularizar a instrução pública,
proporcionando o acesso de todos aos bancos escolares? No ingresso foi envolvido
de uma série de determinantes políticas que estavam vinculadas ao ideário da
nação republicana, onde era bem delineada os novos rumos a serem seguidos.
Nestes rumos, a hierarquização do acesso à escolarização não foi rompido, apenas
27
Relatório apresentado ao Congresso Representativo, em 11 de agosto de 1900, pelo Dr. Felipe
Schmidt, Governador do Estado.
56
de seu senhor, sendo que algumas vezes estes senhores participavam das
atividades da Igreja ou eram convidados por conta de seu conhecimento de leitura e
escrita. Tais conhecimentos eram necessários à composição da Mesa de Trabalhos
e da produção das atas e dos Livros de registros, como os Livros Ata e Caixa, já que
a maioria dos pretos era analfabeta.
Conforme Simão (2008) percebe-se que os brancos não apenas tinham
condição de participação na Irmandade do Rosário pelo seu saber de leitura e
escrita em razões piedosas, senão por razões de controle, tirando a independência
dos irmanados. Portanto, apesar de originalmente a Irmandade ter a marca das
populações africanas e afrodescendentes, era necessário criar estratégias de
negociação com a elite branca em seu interior, no que pese o funcionamento e
continuidade das atividades.
No compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de 1842, citado
por Simão, se define como um dos objetivos da associação:
28
Os irmãos eram as pessoas que frequentavam a Irmandade do Rosário em suas atividades
periódicas e que tinham o compromisso de contribuir anualmente com valores monetários para
manutenção de seu vínculo à igreja e dos benefícios previstos em estatuto.
59
suas mães continuavam com a condição de escravizadas 31. Importante lembrar que
a educação dos afros começa a ser tematizada pela Lei do Ventre Livre, de 1871,
quando a classe dominante se depara com o dilema de pensar o que fazer com as
crianças que nasceriam livres a partir desta data, visto que a lei garantia a liberdade
para os nascidos a partir de sua promulgação. Os abolicionistas entendiam que para
atingir os ideais do projeto de emancipação dos negros era necessário educar
enquanto um modo de integrá-los à sociedade pautada no trabalho livre. A Lei do
Ventre Livre foi mais do que a proposta de emancipação das crianças, foi uma
mudança psicossocial no cotidiano da sociedade escravista (FONSECA, 2002),
reconhecendo a maternidade e a constituição de família para as pessoas
escravizadas. Porém, havia a condição prevista em lei de que os senhores poderiam
ser responsáveis pela criação e por consequência, pela educação das crianças e
paralelamente exploradas em sua mão-de-obra ou entregá-los ao governo sob a
reparação de uma indenização, o que gerou um entendimento de que a educação
dos afros deveria ser diferenciada das crianças brancas. Esta educação era
entendida enquanto sinônimo de criação pelos dominantes.
De acordo com Fonseca (2002) apenas 113 crianças foram entregues ao
governo em 1885, o que indica que permanecer com a responsabilidade da criação
dos afros de ventre livre era um negócio rentável para os senhores, sendo estas
crianças conduzidas ao trabalho na agricultura ou em serviços domésticos,
obrigando-os a permanência no sistema escravista. Em Florianópolis, um dos
caminhos para as crianças afrodescendentes nascidas após a lei era a Escola de
Aprendizes Marinheiros32, que atendia os desvalidos, os conduzidos pelo Juizado de
Órfãos e às famílias pobres que viam nesta instituição o único recurso para
escolarizar seus filhos e dar-lhes uma formação profissional.
Nos documentos pesquisados do arquivo público no período, o
31
Sobre o impacto da Lei do Ventre Livre e a educação no processo abolicionista, FONSECA,
Marcus Vinicius. A educação dos Negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão
no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
32
Um dos caminhos previstos pelo Estado para educação dos desvalidos eram as Escolas de
Aprendizes Marinheiros, onde as crianças viviam em regime de internato, para receberem
instrução militar, ensino das primeiras letras e doutrina Cristã (SEBRÃO, 2010; CARDOSO, 2004).
Foi uma instituição que teve grande presença dos afrodescendentes, alvos das preocupações do
governo em manter a “ordem” e a “civilidade” dos espaços públicos, sendo os menores afros
considerados ameaças e afastados do espaço público. O cotidiano na Escola de Aprendizes
Marinheiros era composto por duras jornadas de trabalho, castigos físicos e más condições de
higiene.
61
Branca Parda Preta Masculino Feminino Sabem ler Não Brasileiros Estrangeiros Livres Escravos
sabem
Capital 18319 2661 3164 11654 12490 6816 17328 23097 1047 20785 3359
34
Ver Corrêa 2000; Sebrão 2009.
63
Outro aspecto apontado nos relatórios é que mesmo diante da oferta de vagas nas
escolas existentes, as mesmas não eram devidamente preenchidas pela população, tendo
baixa assiduidade dos alunos aos estabelecimentos de ensino, sendo curiosamente
destacados os alunos de escolas públicas, conforme relatório, provavelmente crianças e
jovens de grupos populares. Os supostos alunos que “vagavam pelas ruas” em horário de
aula não estavam na escola pela condição de funcionamento da mesma: estariam fechadas
em um horário que poderiam atender ao público necessitado.
Nos documentos consultados até o ano de 1910, foi comum encontrar nos
discursos assuntos acerca do rendimento dos alunos nos exames finais, como um
modo de avaliar a eficácia do método de ensino e a quantidade dos que conseguiam
concluir as etapas de formação. Com igual frequência, havia a defesa à favor da
fiscalização sistemática dos estabelecimentos escolares, assim como da condição
do professorado com acentuada crítica à precariedade da formação inicial dos
profissionais, sendo que muitos não eram habilitados para o ofício. Para fiscalizar os
itens acima e fazer avançar progressivamente, os relatórios indicavam a
44
Relatório com que o Exm. Sr. Conego Joaquim Eloy de Medeiros passou a administração da
Província ao Exm. Sr. Dr. Abdom Baptista, em 26 de junho de 1889.
45
Ibidem.
68
46
Essa suposta regeneração teve como base os ideais das teorias raciais, que propõe uma
hierarquia entre as pessoas, de acordo com sua origem, cor de pele, gênero, dentre outras
características físicas, sociais e culturais. Tais características seriam a base de diferenciação entre
os seres humanos mais supostamente evoluídos e aqueles que deveriam ser “controlados” e
suprimidos da sociedade, tornando o futuro da nação brasileira branco e culturalmente europeu.
(SCHWARCZ, 1993)
69
A escolarização das mulheres de elite tinha outro viés, sendo a elas reservado
dois possíveis destinos escolares: o Colégio Coração de Jesus 49, fundado em 1898
47
Mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado, em 23 de julho de 1911, pelo
Governador Vidal Jose de Oliveira Ramos.
48
Mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado, em 23 de julho de 1912 pelo
Governador Vidal José de Oliveira Ramos.
49
Posteriormente o colégio Coração de Jesus criou um Curso Normal, que foi equiparado à Escola
Normal Catarinense pela lei nº 1.253, de 1º de setembro de 1919. CUNHA, Maria Teresa dos
Santos. Rezas, Ginástica e Letras: Normalistas do Colégio Coração de Jesus Florianópolis
Décadas de 1920 e 1930. IN: DALLABRIDA, Norberto. Mosaico de escolas: modos de educação
em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis: Cidade Futura, 2003, p. 200.
70
De acordo com Jerry Dávila (2006), estudar as relações raciais por meio dos
sistemas de educação pública nos dá a possibilidade de compreender as políticas
nacionais brasileiras de racialização da população e seu constante esforço de
“enbranquecimento” da nação.
51
Mensagem lida pelo Exmo. Sr. Coronel Gustavo Richard, Governador do Estado, na 2ª sessão da
7ª legislatura do Congresso Representativo, em 2 de agosto de 1908.
73
52
Relatório com que o Exm. Sr. Conego Joaquim Eloy de Medeiros passou a administração da
Província ao Exm. Sr. Dr. Abdom Baptista, em 26 de junho de 1889. p. 4.
53
Expressão que expressa prestígio, algo de grande relevância diante de outros elementos.
74
De início, foram criados sete grupos escolares pelo Estado de Santa Catarina,
recebendo nomes de figuras políticas de destaque na história catarinense, conforme
relatório:
“Lauro Muller” ao 1º da Capital;
“Silveira de Souza” ao 2º;
“Conselheiro Mafra” ao de Joinville;
“Jeronymo Coelho” ao de Laguna;
“Victor Meirelles” ao de Itajahy;
“Luiz Delfino” ao de Blumenau.
O de Lages, por deliberação deste illustre Congresso, tem o meu
humilde nome.56
Figura 6 – Grupo escolar Lauro Müller e seu corpo docente – Florianópolis, 1912.
Fonte:http://www.ibamendes.com/search/label/SANTA%20CATAR%20%28CIDADE%29
Fonte: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/fotos/100-anos-de-grandes-licoes-29420.html
59
A União Beneficente Operária foi fundada em 17 de setembro de 1922. Após a primeira reforma
em seu estatuto oficial, datada de 1928, passou-se a chamar União Beneficente e Recreativa
Operária. (COLLAÇO, 2010)
79
para conquistar melhorias para a sua vida pessoal e profissional” (COLLAÇO, 2010,
p. 112).
De acordo com Collaço, em análise dos Estatutos Sociais da União Operária,
de 1928 e 1940, a sociedade visava pelo menos quatro importantes objetivos para
seu funcionamento:
capital cultural (BOURDIEU, 2007) seria uma estratégia de resistência e uma aposta
em melhoria de sua condição social e financeira. Se esta oportunidade educacional
não era possibilitada pelo Estado, as próprias classes populares por livre iniciativa
elaboravam os espaços onde pudesse congregar seus esforços a favor de seus
iguais. A Irmandade do Rosário, o Teatro da União Operária, as escolas que
funcionavam nas casas dos professores foram iniciativas que ilustram a intenção da
busca pela instrução básica.
A elaboração dos espaços educacionais para instrução de primeiras letras e
de acesso à práticas culturais letradas denota a capacidade de atuação das redes
de apoio mútuo e de sociabilidades dos afrodescendentes na cidade, paralelo ao
ideal republicano de educação tão propagado no período. Pois mesmo com a
difusão da reforma educacional pelo estado de Santa Catarina e com a suposta
ampliação e universalização do atendimento, esta estrutura escolar republicana era
um espaço engajado a dificultar o acesso e a excluir os alunos que não
correspondiam ao ideal de eugenia posto no horizonte do futuro nacional. A
educação, principal carro-chefe da emancipação e da formação de cidadania, aliada
ao incentivo à imigração europeia, era enlaçada diretamente com as políticas de
branqueamento da população brasileira, e segundo D'Ávila (2006)
básica ainda não garantiu o acesso dos grupos populares à educação, visto as
iniciativas de escolarização não-formais no decorrer da década de 1910 e 1920, já
apresentadas anteriormente. Os dados do censo escolar descritos nos relatórios
oficiais não apesentam informações sobre a origem do estudante ou mesmo sua cor.
O que faz ponderar sobre a sistemática dificuldade de acesso e exclusão dos
bancos escolares pelos grupos populares, especificamente os afrodescendentes,
são os discursos e iniciativas de afros letrados do período que serão apresentados
no capítulo seguinte.
83
popularização da escola.
Dos intelectuais de Desterro/Florianópolis aqui destacados, o primeiro foi o
poeta simbolista João da Cruz e Sousa 61 (1861 – 1898), mundialmente reconhecido
pelo seu estilo literário e referência nos estudos sobre o Simbolismo. Era filho de
Carolina Eva da Conceição e Guilherme, ambos libertos, mas que mantinham
vínculos de serviços ao Marechal Guilherme Xavier de Sousa e à sua esposa,
Clarinda Fagundes de Sousa. Mesmo com a herança de escravidão demarcada em
sua família Cruz e Sousa nasceu livre, pois sua mãe era liberta quando deu a luz ao
filho. Seu pai foi escravo da família do Marechal até o ano de 1864 e mesmo após o
recebimento da carta de alforria, a família do poeta continuou residindo e
trabalhando na casa. Para prover o sustento de seu lar, Guilherme e Carolina
trabalhavam de pedreiro, jornaleiro e lavadeira, respectivamente. O fato de terem
ofícios que viabilizavam a manutenção da família indica que através de seus
esforços os filhos puderam se dedicar aos estudos.
Segundo autores da historiografia catarinense, Clarinda Fagundes de Sousa
teve um papel de iniciação ao universo letrado na vida de Cruz e Sousa, pois foi a
responsável por ensiná-lo as primeiras letras. Posteriormente, o ingresso e
prosseguimento dos estudos deram-se graças ao empenho dos pais do poeta para
que ele e o irmão se escolarizassem. Cruz e Sousa concluiu os estudos no Ateneu
Provincial Catarinense, em 1876, com um desempenho escolar de destaque, tendo
o irmão Norberto de Sousa o mesmo êxito. Para Espíndola (2006) a condição
familiar em muito contribuiu para que Cruz e Sousa tivesse na educação sua aposta
de mobilidade social e de um exercício do direito à liberdade.
61
As informações sobre a biografia de Cruz e Sousa foram consultadas no livro “Cruz e Sousa
Simbolista; Broquéis; Faróis; Últimos Sonetos”, edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e
do traslado dos restos mortais do poeta do Rio de Janeiro para Santa Catarina, feito apenas em
2007. Atualmente, estão depositados em um memorial no pátio do Museu, que leva seu nome em
homenagem póstuma. O Palácio Museu Cruz e Sousa está localizado no centro da capital
catarinense, em um prédio suntuoso que abrigou nos anos republicanos a sede do governo do
Estado.
86
Catarinense de Letras: Altino Flores, Othon Gama D'Éça, Barreiros Filho, Tito
Carvalho e Laércio Caldeira), compuseram o Centro Catharinense de Letras, e neste
grupo faziam parte as mulheres e homens de cor. (GARCIA, 2004). Membros do
Centro: Ildefonso Juvenal, Trajano Margarida, Ogê Magalhães, e Nicolau Nagib
Nahas. A defesa da criação do centro, contrapondo a hegemonia da Academia
Catharinense de Letras, estava na evocação ao valor de sua dedicação aos estudos
da língua portuguesa, à defesa da não relevância referente à origem social e à cor
de pele para o aprimoramento intelectual (FONTÃO, 2010). Portanto, um espaço
mais democrático e de resistência frente a hegemonia da esfera letrada da
Academia de Letras. E enquanto reforço da imagem de pluralidade do Centro
Catharinense de Letras, o estado contava com o mundialmente reconhecido poeta
simbolista negro, Cruz e Sousa.
Outra iniciativa de grande relevância neste grupo de intelectuais
afrodescendentes em Florianópolis foi a criação do Centro Cívico Recreativo José
Boiteux. Estavam a frente de sua fundação Ildefonso Juvenal e Trajano Margarida.
Segundo Garcia (2011), no Centro estavam funcionários públicos, domésticas,
estivadores, carpinteiros, militares, barbeiros, pintores, alfaiates e marítimos. Sendo
estas profissões exercidas pelos afros da cidade, mas que a partir de suas
mobilizações, inclusive com o auxílio das associações, tornavam-se “estratégias de
ascensão e mobilidade social”. (GARCIA, 2011, p. 7) Conforme o autor, das
atividades do Centro, destacam-se as previstas em Estatuto: a comemoração de
datas nacionais; ensino educacional primário; incentivo a leitura de bons livros,
jornais e revistas; desenvolvimento de aptidões teatrais; espaços para reuniões
dançantes; erguer um monumento à Cruz e Sousa. Das atividades educacionais
ligadas à escolarização, Garcia (2011) relata que em 08 de maio de 1920 deram
início as matrículas do curso noturno de alfabetização intitulado “Cruz e Sousa”. A
oportunidade era aberta a todos que tivessem interesse em participar, fossem
associados ou não. A organização do curso era a seguinte: três anos de aulas,
sendo que o primeiro e o terceiro eram da responsabilidade de Trajano Margarida, e
o segundo ano, de Ildefonso Juvenal. As aulas ocorriam diariamente das 18h às 20h,
tendo no ano de 1921, 35 alunos regularmente matriculados. (GARCIA, 2011) Para
incentivar a leitura, foi criada também uma sala direcionada aos hábitos das letras.
88
Foram feitas campanhas para arrecadação de livros, tendo grande êxito. Percebe-se
que a mobilização dos intelectuais afrodescendentes na cidade permite notar a
mobilização a favor de causas sociais, provavelmente sensibilizados pelos mesmos
mecanismos de discriminação que os afetavam.
Outra personalidade emblemática na historiografia catarinense é a professora
Antonieta de Barros (1901 – 1952), que teve uma vida pública dedicada ao
magistério e ao engajamento social. Antonieta receberá um destaque maior por ter
sido do magistério em praticamente toda sua carreira, salvo o período que assumiu
o cargo de deputada na Assembleia Constituinte, durante a década de 1930. Tinha
no magistério uma missão de vida, dedicando-se desde cedo a educação dos
desfavorecidos, inclusive criando em sua residência, logo após ter concluído a
Escola Normal em 1922, um curso de alfabetização que levava seu nome: “Curso
Antonieta de Barros”. Integrou a Liga do Magistério Catarinense, participando
ativamente da vida pública da educação catarinense. Defendia em seus discursos e
textos publicados em jornais de circulação da época, a educação entendida
enquanto possibilidade de ascensão cultural, indissociando o acesso à instrução
básica aos bens culturais.
Para Fontão (2010, p. 39), Antonieta de Barros utilizou-se de seus textos para
fazer críticas sociais e políticas, “uma ensaísta quando no trato dos assuntos
relacionados com a luta das mulheres pelo progresso feminino à época”. A mesma
autora também reconhece nas crônicas da professora um sentido de militância a
favor da classe do magistério, estando a educação sempre em pauta,
91
62
Segundo Espíndola (2014, p. 105), Nereu Ramos era padrinho político de Antonieta de Barros,
sendo ele presidente do Partido Liberal na década de 1920, governador na década de 1930 e
interventor estadual de 1937 a 1945, favoreceu sua circulação e consagração enquanto
personagem político nestes espaços de poder.
92
63
Jornal República, 12 de julho de 1932. Acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.
93
(figura marcante na vida de Antonieta) e à irmã Leonor de Barros, reside uma obra
de caridade, convertendo toda verba arrecadada com a venda em benefício a
construção de uma Escola chamada de “Preventório”, que atenderia aos filhos dos
portadores de Hanseníase internados na Colônia Santa Tereza. O nome do livro, o
uso de farrapos pode ser entendido enquanto uma “rede semântica de relações em
tessitura” (FONTÃO, 2010, p.102), uma rede de conceitos que são tratados em suas
crônicas e por meio delas chega ao grande público. São textos de cunho didático,
argumentativo e pautado nas literaturas citadas pela escritora e de seus valores e
visões de mundo.
Fonte: http://oamigodaverdade.blogspot.com.br/
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como problema central o propósito de responder qual era
a relação dos grupos populares com a escolarização no período do pós-abolição, em
Florianópolis, Santa Catarina. Para investigar os referidos grupos, considerou-se
fundamental fazer uma leitura da cidade a partir dos contextos que ocorrem as
atividades cotidianas, relacionadas aos acontecimentos locais e nacionais,
percebendo as teias de relações e os movimentos de resistência no campo social.
Na construção da pesquisa, percebeu-se que no processo de modernização da
cidade, diante da reorganização dos espaços públicos, os grupos populares
sofreram diretamente o impacto do reordenamento. Foram, em diversos momentos
da história da cidade, subjugados à nova condição de vida imposta pelos
governantes através de mudanças estruturais na ordem citadina, com a
redistribuição das habitações para lugares mais afastados e criação de
normatizações para exercício dos ofícios.
A reordenação urbana aos moldes republicanos necessitava também uma
reformulação da população, sendo a educação escolar um dos grandes pilares da
modernização do país. Diversas ações foram promovidas para o intento, no sentido
de deixar para trás as marcas dos períodos colonial e imperial e atingir os preceitos
republicanos de formação da nação brasileira através da educação escolar. Com
base nos ideais europeus e estadunidenses de educação, foi instituído em Santa
Catarina uma reforma educacional comandada pelo professor paulista Orestes
Guimarães, que trouxe novos padrões de educação e regulamentou o ensino em
todo o Estado. Algumas intenções e iniciativas de instrução das primeiras letras para
grupos populares em espaços não institucionalizados foram identificadas, como a da
Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e a da União Beneficente
e Recreativa Operária. As experiências foram lidas a partir de uma lente que
permitisse reconhecer que os grupos populares, especificamente as populações de
origem africana, não estavam o tempo todo subjugadas as normatizações do Estado
sob seus destinos e atividades cotidianas.
Na busca de dar visibilidade as experiências de afrodescendentes originários
de Florianópolis, foram apresentadas as ações de personalidades pertencentes à
96
REFERÊNCIAS
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1997.
CASTANHA, André Paulo. 1827 – 2007: 180 anos da Primeira Lei Brasileira sobre a
escola primária. IN: Anais do Simpósio de Educação: Formação de professores no
contexto da Pedagogia histórico-crítica. XIX Semana de Educação. 26 a 28 de
novembro de 2007. UNIOESTE – PR. Acesso em: 20 de janeiro de 2015.
CUNHA, Perses Maria Canellas da. Educação como forma de resistência. O caso
da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos.
2004, Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Federal Fluminense,
Niterói – RJ.
FONSECA, Marcus Vinicius. A educação dos Negros: uma nova face do processo
de abolição da escravidão no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
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VALENÇA, Rachel. RESENDE, Beatriz. (orgs.) Toda Crônica: Lima Barreto. Rio de
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LISTA DE RELATÓRIOS
Relatório com que ao Exmo. Sr. Coronel Augusto Fausto de Souza, Presidente da
Província de Santa Catharina passou a administração da mesma província o Dr.
Francisco José da Rocha, em 20 de maio de 1888.
Relatório com que o Exm. Sr. Coronel Dr. Augusto Fausto de Souza abrio a 1ª
sessão da 27ª legislatura da Assembleia Provincial, em 1º de setembro de 1888.
Relatório com que o Exm. Sr. Conego Joaquim Eloy de Medeiros passou a
administração da Província ao Exm. Sr. Dr. Abdom Baptista, em 26 de junho de
1889.
Mensagem lida pelo Exmo. Sr. Coronel Gustavo Richard, Governador do Estado, na
2ª sessão da 7ª legislatura do Congresso Representativo, em 2 de agosto de 1908.