Cognicao e Processos Do Desenvolvimento Infantil e Adolescente

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Cognição e Processos do

Desenvolvimento Infantil e Adolescente

Brasília-DF.
Elaboração

Milena Oliveira da Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento......................... 9

Capítulo 1
Concepções de desenvolvimento humano.................................................................... 10

Capítulo 2
Pensando sobre a criança e adolescente...................................................................... 14

Unidade iI
A Ciência Do Desenvolvimento Humano....................................................................................... 21

Capítulo 1
Teorias do desenvolvimento humano.............................................................................. 26

Capítulo 2
A psicanálise e a educação: desenvolvimento humano segundo Freud.................... 44

Unidade iII
Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva................................................... 54

Capítulo 1
O surgimento da psicologia cognitiva: breve história................................................ 55

Capítulo 2
Considerações sobre a Psicologia Cognitiva e seu objeto........................................ 59

Capítulo 3
Alguns elementos de estudo da área............................................................................... 61

Unidade iV
Um Olhar Sobre A Adolescência.................................................................................................... 67

Capítulo 1
Puberdade............................................................................................................................ 68

Capítulo 2
Cérebro e adolescência................................................................................................... 70
Capítulo 3
Adolescência: fenômeno social e mental..................................................................... 74

Capítulo 4
Alguns comportamentos típicos da adolescência e elaborações teóricas............ 79

Para (não) Finalizar...................................................................................................................... 84

Referências................................................................................................................................... 85
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução
Essa disciplina abarca três grandes conhecimentos: desenvolvimento humano,
processos cognitivos (e a psicologia cognitiva) e as etapas da infância e adolescência
(em variadas perspectivas teóricas). A proposta é seguirmos um caminho que vai desde
uma introdução geral dos princípios da ciência do desenvolvimento humano (com uma
abordagem mais centrada nas principais teorias interacionistas da psicologia), passando
por uma aproximação e correlação do que vem sendo discutido sobre os processos
cognitivos humanos e finalizando esse caminho, dentro das vastas possibilidades
teóricas que concebem sua própria teoria do desenvolvimento, nos concentraremos no
estudo do humano no olhar específico da psicanálise sobre o desenvolvimento infantil
e adolescente.

É importante a priori compreender que a intenção principal da disciplina é apresentar


um panorama geral de um estudo complexo e vasto, sendo objetivo despertar o discente
para a complexa, mas fascinante jornada de compreender o ser humano (numa
perspectiva da psicologia) e alertar que assim como nunca somos um produto final e
acabado – mas sim em constante mudança – de nós mesmos, as teorias que pretendem
estudar como o ser humano nasce, cresce e se desenvolve também nunca são a verdade
única e imutável. O que veremos aqui é fruto de um olhar da ciência de um tempo
histórico específico. As respostas e verdades de ontem podem não se encaixar com o
homem atual, assim como o que hoje defendemos como explicações comprovadas e
balizadas acerca do desenvolvimento humano podem ser, em momentos futuros, se
mostrar um equívoco a partir de possíveis descobertas e revelações que hoje, nesse
contexto cultural, nossos olhos da ciência não conseguiam ver com clareza.

Objetivos
»» Apresentar e aprofundar conhecimento sobre os principais conceitos
e concepções do desenvolvimento humano destacando autores
significativos da psicologia do desenvolvimento, psicologia cognitiva e da
teoria psicanalítica.

»» Promover reflexão sobre o desenvolvimento humano e as concepções


relacionadas ao tema que influenciam no comportamento do indivíduo.

»» Dialogar sobre a infância e adolescência na perspectiva psicanalítica.

8
Concepções
Históricas E
Visões Sobre O Unidade I
Ser Humano E Seu
Desenvolvimento

Há várias formas de aprendizado. Cada sujeito tem uma maneira de aprender, de fixar
um conteúdo ou mesmo uma rotina ou conjunto de hábitos que foram sendo criados
em sua história com a educação formal. Sem querer desmerecer os métodos de cada
um que cursará esse módulo, temos uma proposta para este estudo. Durante toda a
disciplina, seguiremos uma lógica de aproximação do conhecimento.

Sempre que um assunto novo surgir, há duas ações primárias que devem ser tomadas:
compreensão histórica e cultural do assunto (de onde surgiu, quando, quem são seus
criadores e defensores) e suas definições ou concepções. Quando buscamos entender
em que contexto surgiu uma teoria ou mesmo nasceu seu autor, geralmente entender
da cultura da época torna esse tema menos estranho e mais fácil de nos aproximarmos
e aprendermos. O que você acha?

Como o tópico introdutório está tratando de desenvolvimento humano, seguem


algumas concepções de algumas perspectivas sobre o fenômeno, mas antes,
você sabe o que é concepção?

Do latim conceptĭo, o termo concepção refere-se à ação e ao efeito de conceber.


Capacidade, ato ou consequência de compreender; perceber alguma coisa.

Noutra acepção da palavra, concepção pode ser a faculdade de conceber, entender ou


julgar algo. Nesse sentido, trata-se da percepção, da ideia, ou ainda da noção em relação
a algo ou a alguém.

Concepções são formas de compreender os homens e o mundo. São ideias, modos de


viver, pontos de vista e opiniões sobre nós mesmos, nossa realidade e o mundo que
nos cerca. Estudar um pouco mais sobre as concepções de desenvolvimento humano
significa buscar entender as diferentes implicações que elas têm para nosso aprendizado.

Para começar um questionamento básico: qual sua concepção de desenvolvimento


humano?

9
Capítulo 1
Concepções de desenvolvimento
humano

Concepção inatista
A teoria Inatista do Desenvolvimento é inspirada nas premissas do idealismo filosófico.
O idealismo filosófico parte do princípio que a consciência é que determina a vida. A
consciência é considerada a base e não o produto da atividade humana, nada existe
fora do homem. O mundo real é um mero fenômeno da consciência.

É uma teoria baseada na crença de que as características e capacidades básicas de


cada ser humano (comportamento, personalidade, crenças, valores, visão de mundo e
etc.) são inatas. Ou seja, já estariam praticamente prontas no momento do nascimento
ou potencialmente definidas e na dependência do amadurecimento para se manifestar.
O ser humano já nasce pronto. O destino individual de cada ser humano já estaria
determinado antes do nascimento.

A concepção inatista do desenvolvimento do homem explica que todas as capacidades


e qualidades do ser humano já estão prontas quando ele nasce e que, durante sua
vida, vão apenas amadurecendo ou desabrochando. De acordo com essa concepção,
o desenvolvimento da pessoa ocorre de forma espontânea, e suas habilidades já são
predeterminadas pelas condições herdadas, ou seja, quando o ser humano nasce, essas
habilidades já nascem junto e pouco mudam durante a vida. O desenvolvimento vai
obedecendo a um processo de maturação interna que não sofre transformações a partir
das influências do meio social.

Pode parecer que uma visão assim não mais se reflete nos dias atuais, mas na verdade
vemos e ouvimos ações e frases que remetem a essa crença inatista, principalmente
ao falarmos de crianças e adolescentes. Quem nunca escutou ou mesmo disse algo
como “Não nasci para isso”, “Filho de peixe, peixinho é” ou “Fulano tem o dom, nasceu
sabendo desenhar”?

A concepção inatista tem influenciado muitas práticas. Tudo isso contribui para a
criação de muitos preconceitos e prejulgamentos que prejudicam a criação ou educação
de crianças, associando a muito de seus comportamentos, sucessos ou fracassos
escolares a fatores genéticos. Quando acreditamos nessas explicações, estamos, de
forma consciente ou não, sendo influenciados pela concepção inatista.

10
Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento │ UNIDADE I

Mas, se essa concepção fosse verdadeira, as formas de capacitação não teriam uma
função transformadora, porque quase nada poderia ser feito para mudar o que já está
“programado” geneticamente no indivíduo. Nessa situação, o papel do professor, dos
pais, do psicólogo, de qualquer outro que faz parte significativa da história de vida
de uma pessoa ficaria reduzido, pois a mediação no processo de desenvolvimento do
sujeito poderia ser desconsiderada. Precisamos entender a influência dessa concepção
nas nossas práticas para que possamos, criticamente, orientar de outra forma nossas
ações no campo profissional e também no campo pessoal.

Pontos de destaques para aprendizagem:

»» Na Concepção inatista as capacidades humanas já nasceriam prontas


e quase não mudariam ao longo da vida.

»» O que vivemos a partir do nascimento não influencia de forma


fundamental sobre aquilo que já herdamos.

»» Enfatiza os aspectos biológicos do desenvolvimento humano.

»» A concepção inatista não é a única concepção que está presente na


nossa vida, influenciando nossa atuação profissional. Existe outra
concepção que entende o homem de forma oposta. Essa é a concepção
ambientalista da formação do homem.

Concepção ambientalista

É a concepção que acredita que algo herdado quando nascemos não influencia na forma
de ser no futuro. Essa forma vai sendo construída, principalmente, pela influência dos
fatores externos, quase como se o sujeito fosse uma massa de modelar.

É uma teoria que busca sua inspiração na filosofia empirista na qual a experiência
é a fonte de conhecimento. A teoria ambientalista, também chamada behaviorista
ou comportamentalista, atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das
características humanas, privilegiando a experiência como fonte de conhecimento e de
formação de hábitos de comportamento; preocupa-se em explicar os comportamentos
observáveis do educando, desprezando a análise de outros aspectos da conduta humana
tais como: o raciocínio, o desejo, a imaginação, os sentimentos e a fantasia, entre
outros. Defende a necessidade de medir, comparar, testar, experimentar e controlar o
comportamento.

11
UNIDADE I │Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento

Segundo a concepção ambientalista, a pessoa se desenvolve a partir do sucesso ou do


fracasso das respostas que dá quando atende ao que o ambiente solicita. Ela tende a
repetir o que avalia como certo e, assim, os comportamentos são reforçados e se fixam
como novas aprendizagens. O que deu errado tende a ser evitado pelo sujeito. Assim,
esse é visto como uma folha em branco, que vai sendo preenchida pela realidade
externa, isto é, suas experiências vão dando origem a comportamentos controlados
pelo ambiente social.

Como consequência dessa concepção, passou-se a dar muita importância ao


condicionamento de comportamentos nas atividades, e se utilizaram reforços para
os comportamentos esperados dos sujeitos como elogios, notas, diplomas e prêmios.
Houve uma ênfase nos métodos e técnicas de estudo e uma tendência para se colocarem
os projetos de trabalho em um modelo padrão. Pouca valorização era dada às situações
de aprendizagem espontânea e cooperativa.

Analisando algumas falas comumente ouvidas e que refletem essa visão específica do
ser humano, algo como o dito popular “Diga-me com quem andas que te direi quem és”
ou “aquela criança é fruto do meio que vive” mostram que há muita força sobre essa
particular concepção.

Pontos de destaques para aprendizagem:

»» Nesta concepção (ambientalista) o sujeito segue um processo de


desenvolvimento passivo por causa dos estímulos que reforçaram
ou puniram comportamentos anteriores e pode ser manipulado e
controlado.

»» Não dá ênfase às características desde o nascimento que a pessoa tenha


já que defende que a influência do ambiente é que vai determinar
como a pessoa vai desenvolver-se e em que ela vai transformar-se.

As concepções inatistas e ambientalistas não são as únicas possibilidades de visão de


homem presente em nossas vidas pessoais e profissionais. Há mais uma concepção que
busca entender o homem de forma distinta. Essa é a concepção interacionista da
formação do homem.

Concepção interacionista

Ao estudarmos as concepções, percebemos que não são apenas as concepções: inatista


e ambientalista que conseguem explicar o desenvolvimento humano. O cerne do
interacionismo defende a integração das duas concepções anteriormente apresentadas.

12
Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento │ UNIDADE I

A ideia central das teorias interacionistas do desenvolvimento é a de interação entre o


organismo e o meio. A obtenção do conhecimento é entendida como um processo de
construção contínua do ser humano em sua relação com o meio. Organismo e meio
exercem ação recíproca e as novas construções dependem das relações que estabelecem
com o ambiente a cada acontecimento ou momento.

Nessa teoria, a criança é concebida como um ser dinâmico, que interage com a realidade
a todo o momento com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que
construa estruturas mentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar. O eixo central,
portanto, é a interação organismo-meio e essa interação acontece por meio de dois
processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, funções exercidas
pelo organismo ao longo da vida.

Nós nos desenvolvemos e aprendemos por meio da interação entre nossas características
biológicas e o meio físico e sociocultural. O ser humano vivencia e conhece o mundo de
forma ativa, porque transforma o ambiente enquanto é também modificado pelo meio
social e essa forma de entender o homem chamamos de concepção interacionista.

Pontos de destaques para aprendizagem:

»» Segundo a Concepção Interacionista o ser humano é entendido como


uma integração dinâmica e constantemente transformada de fatores
internos e externos.

»» A história das pessoas e suas interações com seus grupos sociais


influenciam o modo como se desenvolvem e como vão transformando
a realidade pela sua ação.

»» Para a concepção interacionista, a ênfase do desenvolvimento


psicológico humano tem seu foco nas relações sociais que são
estabelecidas no contexto vivenciado pelo sujeito. A construção do
mundo e de si ocorre por meio das interações sociais e da transformação
cultural que ocorre nessas relações.

Agora que você conheceu as três concepções de desenvolvimento mais comuns


– inatista, ambientalista e interacionista – faça uma reflexão e responda: Qual
dessas concepções mais combina com sua própria visão de mundo?

Ao rever as concepções inatista, ambientalista e interacionista de desenvolvimento


humano, estamos também revendo nossa percepção sobre a realidade que nos cerca. É
preciso ter clareza da concepção que está por trás das nossas ações, das nossas crenças,
dos nossos comportamentos e das nossas práticas profissionais, para podermos agir
com mais intencionalidade no planejamento das ações profissionais.

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Capítulo 2
Pensando sobre a criança e
adolescente

A ciência do desenvolvimento humano é a que se propõe a estudar as crianças e


adolescentes e que compreende estudos das mudanças do comportamento humano do
nascimento à velhice; psicologia infantil, da adolescência; desenvolvimento mental,
emocional, da personalidade e que descreve e explica o desenvolvimento do ser humano
como uma temporal e ordenada sucessão de transformações, com uma diferenciação e
complexidade crescentes.

É o estudo científico das mudanças de comportamento relacionadas à idade durante a


vida de uma pessoa. Este campo examina mudanças por meio de uma ampla variedade
de tópicos, incluindo habilidades motoras, habilidades em solução de problemas,
entendimento conceitual, aquisição de linguagem, entendimento da moral e formação
da identidade.

É esta área de conhecimento da psicologia que estuda o desenvolvimento do ser humano


em todos os seus aspectos: físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social – desde
o nascimento até a idade adulta.

Ao realizarmos transformações nas nossas concepções de desenvolvimento, nossas


ações e atuações profissionais também serão influenciadas por atitudes mais refletidas
e conscientes. Visto a importância de conhecer algumas concepções alheias comumente
aceitas e assim oportunizar a reflexão das nossas próprias concepções, a próxima noção
temática que pede uma aproximação é a noção de criança. Como definir criança e/ou
infância?

Concepções de infância e criança


Um dos lugares mais ricos e interessantes para iniciar o estudo de qualquer tema é
o dicionário. O significado das palavras carrega consigo milhares de teorias e anos de
como um tema foi e é visto e aceito na nossa sociedade atual. O que então o dicionário
tem a dizer sobre a palavra “criança” e “infância”?

1. Uma criança é um ser humano no início de seu desenvolvimento

14
Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento │ UNIDADE I

2. Infância [do latim infantia] – 1. Período de crescimento e desenvolvimento,


no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade. 2. Época em que
se é criança; meninice, puerícia.

3. cri.an.ça, feminino

a. Ser humano que se começa a criar

b. menino ou menina

c. (Figurado) pessoa de pouco juízo; pessoa ingênua.

Se buscarmos nos pensadores mais antigos como a criança e a infância eram vistas
e retratadas, encontraremos muitos ecos destes pensamentos antigos e as definições
acima apresentadas.

De forma abreviada, segue alguns estudiosos e sua visão principal sobre o tema:

»» Santo Agostinho (354 – 430) - Viu a criança imersa no pecado, na medida


em que, não possuindo a linguagem (“infante”: o que não fala e, portanto,
aquele que não possui logos), mostrar-se-ia desprovida de razão,
exatamente o que seria o reflexo da condição divina em nós, os adultos.

»» Descartes (1596 – 1650) - Viu a criança como alguém que vive uma
época do predomínio da imaginação, dos sentidos e sensações sobre a
razão, e mais, uma época da aceitação acrítica das tradições, postas pelos
preceptores e tudo o que macularia nosso pensamento, conduzindo-nos
mais tarde, uma vez adultos, à dificuldade no uso da razão e, portanto, ao
erro.

Para os dois, Agostinho e Descartes, quanto mais cedo saíssemos da condição de criança,
melhor para nós.

»» Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) - Rompeu com a visão agostiniana


e cartesiana na medida em que colocou o erro, a mentira e a corrupção
como sendo frutos da incapacidade de julgar de quem não pode mais
beneficiar-se, nos seus julgamentos, do crivo de um “coração sincero”
e puro, próprio da condição infantil, o protótipo da condição do “bom
selvagem”.

›› A infância, até então a inimiga número um da filosofia e, portanto,


da verdade e do bem, agora, inversamente, seria a própria condição
para a filosofia. Nela estariam a inocência e a pureza, necessárias para

15
UNIDADE I │Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento

o acolhimento da verdade e para a participação no que é moralmente


correto.

›› Ele vê a infância como um momento em que se vê, se pensa e se


sente o mundo de um modo próprio. Para ele a ação do educador,
neste momento, deve ser uma ação natural, que leve em conta as
peculiaridades da infância, a “ingenuidade e a inconsciência” que
marcam a falta da ‘razão adulta’.

›› A pobre criança que nada sabe, que não pode nada, nem nada conhece,
não está a vossa mercê? “(...) Sem dúvida ela deve fazer só o que deve,
porém deve querer só o que vós quereis que ela faça” (ROUSSEAU,
1979).

»» Celestin Freinet Provence (1896 – 1966): pedagogo anarquista francês que


defendia que pela educação será possível construir um dia novo amanhã,
desde que as intervenções educativas se pautem nas “virtualidades
humanas”. Virtualidades que estão originalmente presentes na infância
(criação, invenção, empreendimento, liberdade e cooperação) e que
potencialmente possibilitarão a construção de uma nova sociedade (o
capitalismo, para Rousseau, o socialismo humanista, para Freinet).

»» Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) foi um filósofo alemão que
a pelo menos duzentos anos, desde Hegel, uma boa parte dos ocidentais
começou a falar sobre as coisas do mundo de um modo diferente,
considerando-as menos como situações e elementos dados e imutáveis,
“naturais” (no sentido essencialista do termo), mas como situações e
elementos HISTORICAMENTE CONSTRUÍDOS. Assim, começamos a
esboçar uma terceira via para conversarmos sobre as crianças.

Novos sentimentos associados a essa nova forma de falar sobre o que fazer com as
crianças, em favor da comodidade dos adultos e da comunidade ganharam algumas
pessoas das cidades do ocidente nos séculos XIX e XX. Nessas conversas, no início do
século XIX, a infância já aparece como algo obtido por construção. Inclusive, uma
construção que a entrelaça com a cidade e com a escola.

Philippe Ariès (1914 – 1984) foi um importante historiador e medievalista francês


da família e infância que escreveu um livro chamado “A história social da criança e
da família” em que mostra como o conceito de infância tem evoluído pelos séculos,
oscilando entre polos em que as crianças eram consideradas ora um Bibelô, ora um
adulto em miniatura.

16
Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento │ UNIDADE I

Hoje amplamente difundida, a obra de ARIÈS (1981) foi pioneira ao afirmar certas
características históricas da infância, situando-a como produto da história moderna.
Para ele, a “aparição da infância” se dá a partir do Mercantilismo, quando se altera
o sentimento e as relações frente à infância, modificado conforme a própria estrutura
social.

Ariès ao relatar a história social da criança e da família, faz conhecer que no século XII
praticamente a infância não era reconhecida ou não tinha espaço definido. As próprias
pinturas da época retratavam as crianças parecidas com adultos em miniatura.

No passado a taxa de mortalidade infantil era muito alta e quando as crianças vinham
a morrer os pais não manifestavam nenhum sentimento de perda ou tristeza, aceitando
normalmente o fato.

Antes vista com indiferença, a criança não era percebida com necessidades diferentes
das do adulto. O estudo que o autor apresenta e que se ocupa das imagens de infância
burguesa mostra como se dão as transformações do sentimento moderno de infância
e de família. Nascido no contexto burguês, este sentimento sustenta-se na mudança
de inserção da criança na sociedade, que deixa de assumir um papel produtivo direto,
passando a ser merecedora de cuidados e de educação desde o momento em que
consegue sobreviver. Mudam significativamente as relações no meio social.

Quanto ao sentimento de infância, Ariès (1981), destaca dois tipos: o de “paparicação”,


que surgiu no ambiente familiar com crianças menores e o de “moralização”, que nasceu
da necessidade de preservar e disciplinar as crianças. Este último originou-se com os
“homens da lei” e religiosos e estendeu-se as famílias. Esta moralização vai inspirar a
educação do século XX.

Sua obra nos mostra que a constituição desse novo conceito de infância está na transição
dos séculos XVII para o XVIII, quando ela passa ser definida como um período de
ingenuidade e fragilidade do ser humano, que deve receber todos os incentivos possíveis
para sua felicidade.

O início do processo de mudança, por sua vez, nos fins da Idade Média, tem como
marca o ato de mimar e paparicar as crianças, vistas como meio de entretenimento dos
adultos (especialmente da elite), hábito criticado por Montaigne (1533-1592) e outros
escritores da época.

Vale ressaltar que morte também passa a ser recebida com dor e abatimento.

Já no século XVII, as perspectivas transitam para o campo da moral, sob forte influência
de um movimento promovido por Igrejas, leis e pelo Estado, em que a educação ganha

17
UNIDADE I │Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento

terreno: trata-se de um instrumento que surge para colocar a criança “em seu devido
lugar”, assim como se fez com os loucos, as prostitutas e os pobres.

Embora com uma função disciplinadora, a escola não nasce com uma definição de
idade específica para a criança ingressá-la. Isto porque os referenciais não eram o
envelhecimento (ou amadurecimento) do corpo.

A criança e o adolescente eram concebidos na simples ideia de que eram objetos de


intervenção do mundo adulto.

A trajetória discutida até aqui mostra como a infância tem permanecido como “a
mais duradoura das utopias concebidas pela modernidade”, só sendo repensada
mais contemporaneamente, como afirma Calligaris (1994).Como tantos outros ideais
imaginados nos últimos 200 anos, o do mundo maravilhoso das crianças também entra
em crise na era pós-industrial e pós-moderna. (...) Este tempo de separação da vida
adulta, protegido pelo amor parental, miticamente feliz, surgiu em nossa cultura há
apenas dois séculos, quando o individualismo triunfou no ocidente.

De lá para cá a situação social da infância mantém contornos extremos. O mito da


infância feliz esbarra cotidianamente na violência, no abandono, no consumo infantil,
no abuso sexual etc., que desvelam um outro lado do mundo infantil dos sonhos da
humanidade, transformando-o “numa caricatura perversa do próprio mundo adulto”.
(CALLIGARIS, pp. 4-6).

As marcas dos contextos sociais, sempre presentes, mas mascaradas pelas abordagens
centradas no indivíduo, gritam suas diferenças e imprimem novos contornos às
“infâncias” da sociedade atual. Com uma vida organizada basicamente em função
das expectativas e pretensões dos adultos, a criança volta novamente a ser vista como
“adulto em miniatura”.

Mesmo tendo “conquistado” um espaço particular no mundo social, a criança, mais do


que participar dele, torna-se depositária de nossas projeções; onde, então, preservar-
se na liberdade e na independência em suas realizações? Projetando na infância seus
anseios, a sociedade acaba por manter-se ambivalente em seus projetos educativos
calcados, em alguns momentos, na preservação de uma infância idealizada, em outros,
no enquadramento em um mundo adulto.

Na sociedade centrada no adulto, a criança é promessa e potencialidade, uma condição


a ser ultrapassada, e o adulto (educador) se relaciona, portanto, com um futuro adulto
e não com uma criança concreta.

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Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento │ UNIDADE I

Com todo esse passeio histórico sobre a infância e como a criança foi vista e
tratada, será que tudo mudou ou podemos ver reflexos dessa história nos dias
atuais?

E a adolescência? Será que tem história para contar?

Concepções sobre a adolescência

Se existe alguma coisa quase certa é a de que cada pessoa tem uma opinião a
dar quando o assunto é adolescência. Seja nossa própria história ou a de um
adolescente conhecido, bombardeamos e somos bombardeados com opiniões
que muitas vezes são carregadas de emoção e preconceito. Com o que foi
aprendido até esse ponto, espera-se que ao menos antes de afirmarmos que
sabemos tudo sobre um tema, seja dado um tempo antes. Vamos ver um pouco
sobre a adolescência então?

Segundo Ferreira (1986), a adolescência é o período da vida humana que sucede a


infância, começa com a puberdade, e se caracteriza por uma série de mudanças corporais
e psicológicas, estendendo-se aproximadamente dos doze aos vinte anos de idade.

Para Silva e Mattos (2004), este período se constitui como uma fase de transição
do indivíduo, da infância para a idade adulta, evoluindo de um estado de intensa
dependência para uma condição de autonomia pessoal e de uma condição de necessidade
de controle externo para o autocontrole sendo marcado por mudanças evolutivas
rápidas e intensas nos sistemas biológicos, psicológicos e sociais. Ainda reforçam que
nesse período evolutivo, crucial para o desenvolvimento do indivíduo, culmina todo o
seu processo maturativo biopsicossocial, ocorrendo a aquisição da imagem corporal
definitiva, bem como a estruturação final da personalidade

Período que se estende da terceira infância até a idade adulta, marcado por intensos
processos conflituosos e persistentes esforços de autoafirmação. Corresponde a fase de
absorção de valores sociais e elaboração de projetos que impliquem plena integração
social. É um fenômeno biopsicossocial cujo elemento psicológico do processo é
constantemente determinado, modificado e influenciado pela sociedade. Corresponde
a um período de descobertas dos próprios limites, de questionamentos dos valores e
das normas familiares e de intensa adesão aos valores e normas do grupo de iguais, ou
seja, outros adolescentes.

Pode ser entendida como um processo de integração psicossocial, que pode na nossa
sociedade, abranger um período de oito a nove anos e, por vezes até mais. Apresenta

19
UNIDADE I │Concepções Históricas E Visões Sobre O Ser Humano E Seu Desenvolvimento

características bastante peculiares, se levarmos em consideração o ambiente


sociocultural em que o indivíduo está inserido. Caracteriza-se, portanto como é um
tempo de rupturas e aprendizados, uma etapa caracterizada pela necessidade de
integração social, pela busca da autoafirmação e da independência individual e pela
definição da identidade sexual (SILVA; MATTOS, 2004).

Diferente de uma fase problemática como o senso comum aponta, essa fase do
desenvolvimento humano é marcada por mudanças físicas intensas (puberdade) que,
consequentemente, impulsiona mudanças de tratamento e expectativa do meio em que
os sujeitos estão inseridos. Aquele que até então era uma criança e tratada como tal,
passa a ser cobrado como adulto de um dia para o outro, o problema é que o adolescente
de repente não se encaixa mais no mundo infantil, mas não possui lugar (nem idade,
nem maturidade) no mundo dos adultos. Essa inadequação é grande responsável pelos
comportamentos entendidos como difíceis do sujeito adolescente.

Mais sobre a adolescência e os demais temas acima citados serão encontrados dentro das
teorias e discussões que seguem. Uma vez sanada a questão inicial sobre as concepções,
cabe retornar à discussão da ciência do desenvolvimento humano.

20
A Ciência Do
Desenvolvimento Unidade iI
Humano

A Psicologia, comparada com as variadas ciências humanas e sociais, é um campo


científico complexo cujo objeto é o sujeito, em suas várias facetas. Enquanto
ciência se subdivide em diversas abordagens e possibilidades na busca da
compreensão dos processos psicológicos de seu objeto. Possui uma história com
diferentes olhares de como estudar tal fenômeno, mas nesta disciplina o foco é a
construção de conhecimento na psicologia do desenvolvimento humano.

Estudiosos do desenvolvimento enfrentam novos desafios neste século. As


novas concepções de atuação profissional que enfatizam a prevenção e a
promoção de saúde fazem com que profissionais de várias áreas busquem na
psicologia do desenvolvimento subsídios teóricos e metodológicos para sua
prática profissional. O que está em questão é o desenvolvimento harmônico
do indivíduo, que integra não apenas um aspecto, mas todas as dimensões do
desenvolvimento humano sejam elas: biológicas, cognitivas, afetivas ou sociais.

O desenvolvimento humano é um processo de construção contínua que se estende ao


longo da vida dos indivíduos, sendo fruto de uma organização complexa que envolve
desde os componentes biológicos até as relações sociais. Até meados do século XX,
embora diferentes áreas do saber estabelecessem parâmetros e critérios para estudar
o desenvolvimento humano, não havia articulação entre estes saberes, resultando em
pesquisas antagônicas e contraditórias (VAN GEERT, 2003).

A forma como os seres humanos se desenvolvem e se constituem na relação com os


outros e com seu próprio sistema motivacional é de interesse da ciência psicológica.
Conhecer as tendências clássicas e contemporâneas em psicologia do desenvolvimento
humano, mesmo que um primeiro olhar é fundamental para que profissionais de várias
áreas possam ampliar sua capacidade de atuação qualificada com o ser humano, em os
mais diversos espaços institucionais ou privados.

A ciência do desenvolvimento se concebe num conjunto de estudos interdisciplinares


que se dedicam a entender os fenômenos relacionados ao desenvolvimento dos
indivíduos, englobando diversas áreas da educação, psicologia, biologia, psicanálise,
antropologia e áreas afins.

21
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Um dos textos marcantes da ciência do desenvolvimento humanos, um clássico da


psicologia, Biaggio (1978) fala da complicada missão de conceituar o desenvolvimento
humano. A controvérsia emana sem dúvida do vasto campo de estudo que envolve
esta disciplina. O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas,
cognitivas, sociais e biológicas em todo ciclo da vida. Desta forma faz interface com
diversas áreas do conhecimento como: a biologia, antropologia, sociologia, educação,
medicina entre outras.

Tradicionalmente, o estudo do desenvolvimento humano focou-se em compreender as


fases da infância e da adolescência (também foco desta disciplina) o que resulta em
grande parte dos manuais e matérias que tratam sobre o tema desenvolvimento hoje
(BEE, 1984; COLE; COLE, 2004). Apesar de nos focarmos nessas duas fases, é necessário
ressaltar que a visão de desenvolvimento humanos defendida nesta disciplina é a de um
desenvolvimento global, que começa antes mesmo do nascimento e vai até a morte. O
enfoque vem mudando ao longo das últimas décadas e há consenso que hoje se deve
estudar todo o ciclo vital.

Nunca paramos de mudar e de nos desenvolver e esta capacidade humana precisa


ser pano de fundo diante de qualquer tipo de estudo e ação profissional daqueles
que trabalham com os outros, sejam eles crianças, adolescentes, adultos, idosos. Até
mesmo diante de perspectivas que discutem patologias ou estruturas de personalidade
(como na psicanálise – outra grande contribuição na disciplina) até onde o sujeito se
desenvolverá ou chegará é parte do instigante mistério da vida humana.

Estamos em constante mudança. As mudanças no desenvolvimento são adaptativas,


sistemáticas e organizadas, e refletem essas situações internas e externas ao indivíduo
que tem que se adaptar a um mundo em que as mudanças são constantes (PAPALIA;
OLDS, 2000).

Variáveis internas podem ser entendidas como aquelas ligadas à maturação orgânica
do indivíduo, as bases genéticas do desenvolvimento. Recentemente, os processos
inatos que promovem o desenvolvimento humano voltam a ser discutidos por teóricos
do desenvolvimento humano (COLE; COLE, 2004).

As variáveis externas são aquelas ligadas à influência do ambiente no desenvolvimento.


As abordagens sistêmicas de investigação do desenvolvimento humano há muito
chamam atenção para a importância de se entender as diversas interações que ocorrem
nos múltiplos contextos em que o desenvolvimento se dá. Incluindo-se nesta discussão
uma análise do momento histórico em que o indivíduo se desenvolve.

22
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Biaggio (1978) argumenta que a especificidade da psicologia do desenvolvimento


humano está em estudar as variáveis externas e internas aos indivíduos que levam as
mudanças no comportamento em períodos de transição rápida (infância, adolescência
e envelhecimento). Teorias contemporâneas do desenvolvimento aceitam que as
mudanças são mais marcadas em períodos de transição rápida, mas mudanças ocorrem
ao longo de toda a vida do indivíduo, não só nestes períodos. Portanto, é preciso se
ampliar o escopo do entendimento do que é o estudo do desenvolvimento humano.

Assim, pelas questões acima citadas, consideramos que uma melhor definição de
Psicologia do Desenvolvimento seria “O estudo, através de metodologia específica e
levando em consideração o contexto sócio-histórico, das múltiplas variáveis, sejam elas
cognitivas, afetivas, biológicas ou sociais, internas ou externas ao indivíduo que afetam
o desenvolvimento humano ao longo da vida”.

Pela identificação dos fatores que afetam o desenvolvimento humano podemos


pensar sobre trabalhos de intervenção mais eficazes, que levem a um desenvolvimento
harmônico do indivíduo. Sendo assim, os conhecimentos gerados por essa área da
psicologia trazem grandes contribuições para os trabalhos de prevenção e promoção
de saúde. Aqui a concepção de saúde adquire uma perspectiva mais ampla e engloba os
diversos contextos que fazem parte da vida dos indivíduos (escola, trabalho, família).

O interesse pelos anos iniciais de vida dos indivíduos tem origem na história do estudo
científico do desenvolvimento humano, que se inicia com a preocupação com os
cuidados e com a educação das crianças e com a própria concepção da infância (que
veremos mais detalhadamente adiante nesta apostila) como período particular do
desenvolvimento (CAIRNS, 1983; COLE; COLE, 2004).

Mota (2005) sintetizou brilhantemente a história do desenvolvimento humano


enquanto ciência e apresentou tal história em fases que merecem ser citadas aqui. Para
a autora, o período formativo (de 1882 a 1912) aponta que os interesses de pesquisa
nesta época envolviam principalmente a psicobiologia, psicologia da personalidade e
desenvolvimento cognitivo.

A primeira fase (1920-1939) foi um período de grande investimento no estudo do


desenvolvimento da criança, embora tenha se publicado os primeiros estudos sobre
envelhecimento e adolescência. Os principais interesses de estudo nesta época foram:
o desenvolvimento intelectual, maturação e crescimento. Começa-se a criticar os
métodos existentes de pesquisa na área do desenvolvimento humano. Sendo que a
maioria das pesquisas ainda usam métodos descritivos e normativos. Há um aumento
do interesse por estudos longitudinais e começa-se discutir a importância do uso deste

23
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

tipo de metodologia para o estudo do desenvolvimento. Na prática o interesse por esse


tipo de delineamento não se concretiza.

A próxima fase (1940 – 1959) foi grandemente influenciada pela depressão de 30 e


pelas Guerras que levam a uma escassez de investimentos em pesquisa. Os avanços
teóricos ficam limitados, pois como todos sabem métodos correlacionais não permitem
que se estabeleçam relações de causa e efeito entre variáveis (BIAGGIO, 1978).

Na terceira fase (1960-1989) verificou-se uma re-emergência das pesquisas no campo


do desenvolvimento. A Revolução Cognitiva atinge a psicologia do desenvolvimento.
Vários aspectos da cognição são investigados dentro da Abordagem do processamento
de informação. Há um crescente interesse pela psicobiologia e pelas bases biológicas
do comportamento. Aqui há a correlação entre dois saberes propostas nesta disciplina
- desenvolvimento humano e cognição – destacando que apesar das divisões com fins
didáticos, todo o conteúdo da disciplina fala de um movimento longo e complexo da
construção do saber sobre o ser humano em sua trajetória de vida.

A quarta fase (1990- dias atuais) aponta para o caráter interdisciplinar da disciplina, a
importância de se discutir e incorporar nas pesquisas os diversos contextos em que os
indivíduos se desenvolvem, inclusive a dimensão histórica do desenvolvimento começa
a ser discutida (DESSEN; COSTA Jr, 2006). Na entrada do novo milênio os psicólogos
do desenvolvimento são confrontados com novos desafios. Estes desafios envolvem,
sobretudo, o caráter multidisciplinar dessa disciplina fazendo com que psicólogos do
desenvolvimento precisem encontrar uma linguagem que facilite a comunicação entre
profissionais de diferentes áreas de atuação (DESSEN; COSTA Jr, 2006). Este é ainda
um desafio que se tenta ultrapassar neste campo de atuação.

Cada vez mais o desenvolvimento é estudado ao longo do ciclo vital, ao invés da


tradicional ênfase na infância e adolescência. Em conclusão a ampliação da concepção
de psicologia do desenvolvimento torna a produção nesta área de atuação bastante
importante para elaboração de programas de intervenção na prevenção e promoção
de saúde, especialmente nos contextos das práticas de profissionais da área de saúde e
da de educação. Traz também com ela a necessidade de avanços metodológicos, para
que se possam responder novas perguntas que surgem na medida em que o escopo da
psicologia do desenvolvimento se amplia.

Consciente dessas visões de mundo e da construção histórica da ciência do


desenvolvimento humano cabe agora destacar algumas das principais teorias do
desenvolvimento humano que possuem representatividade atual e que corroboram
com a concepção interacionista do desenvolvimento.

24
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Em busca de uma boa definição que resuma a visão de desenvolvimento


humano apresentada até então e que terá eco com as teorias que serão
apresentadas a seguir, destacamos a definição cunhada por Ford e Lerner (1992):
O desenvolvimento humano individual envolve processos de incremento
e transformação que, através do fluxo de interações entre as características
atuais da pessoa e os contextos em que está inserida, produz uma sucessão de
mudanças relativamente duradouras que elaboram ou aumentam a diversidade
das características estruturais e funcionais da pessoa e os padrões de suas
interações com o ambiente, ao mesmo tempo em que mantém a organização
coerente e a unidade estrutural-funcional da pessoa como um todo.

Uma vez que tivemos uma revisão sobre a ciência do desenvolvimento humano,
destacaremos abaixo alguns dos autores que versaram sobre o tema e cujas teorias
tiveram e ainda tem impacto, além de grande aceitação nos espaços de educação e
aprendizagem brasileiras.

Tradicionalmente, tivemos três vertentes da psicologia que em algum momento da


história de sua relação com a educação tiveram parte de sua elaboração teórica mais
presente em cursos de formação de professores ou em técnicas usadas na sala de aula: o
behaviorismo (forte na escola tradicional); os teóricos da psicologia do desenvolvimento
interacionistas; e a psicanálise.

Como na contemporaneidade as duas últimas vertentes são mais presentes nos espaços
educacionais brasileiros, falaremos um pouco sobre elas a seguir.

25
Capítulo 1
Teorias do desenvolvimento humano

A psicologia é na verdade uma ciência de diversas abordagens que estudam o ser


humano por diferentes fenômenos. Há abordagens que falam línguas parecidas e
outras que não concordam em praticamente nada do que defendem sobre seu objeto
de estudo. Acontece que todas as abordagens, parecidas ou não, possuem sua própria
teoria de desenvolvimento humano. Independente dessas abordagens há um conjunto
de estudiosos conhecidos como teóricos do desenvolvimento que são referência quando
o assunto é o que estamos estudando aqui. Vamos conhecer três deles: Piaget, Vygotsky
e Wallon.

Desenvolvimento humano segundo Piaget


Biografia*

(*extraída de <https://www.portaleducacao.com.br/psicologia/artigos/53974/jean-
piaget-biografia>.)

Jean Piaget (1896-1980) foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu
trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua
carreira profissional interagindo com crianças e estudando seu processo de raciocínio.
Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia.

Nasceu no dia 9 de agosto de 1896, em Neuchâtel, na Suíça. Foi um menino prodígio.


Interessou-se por História Natural ainda em sua infância. Aos 11 anos de idade, publicou
seu primeiro trabalho sobre sua observação de um pardal albino. Esse breve estudo é
considerado o início de sua brilhante carreira científica. Aos sábados, Piaget trabalhava
gratuitamente no Museu de História Natural.

Piaget frequentou a Universidade de Neuchâtel, onde estudou Biologia e Filosofia. Ele


recebeu seu doutorado em Biologia em 1918, aos 22 anos de idade. Após formar-se, Piaget
foi para Zurich, onde trabalhou como psicólogo experimental. Lá ele frequentou aulas
lecionadas por Jung e trabalhou como psiquiatra em uma clínica. Essas experiências
influenciaram-no em seu trabalho. Ele passou a combinar a psicologia experimental -
que é um estudo formal e sistemático - com métodos informais de psicologia: entrevistas,
conversas e análises de pacientes.

26
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Em 1919, Jean Piaget mudou-se para a França, onde foi convidado a trabalhar no
laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo infantil que desenvolveu testes de
inteligência padronizados para crianças. Jean Piaget notou que crianças francesas
da mesma faixa etária cometiam erros semelhantes nesses testes e concluiu que o
pensamento lógico se desenvolve gradualmente.

O ano de 1919 foi um marco em sua vida. Jean Piaget iniciou seus estudos experimentais
sobre a mente humana e começou a pesquisar também sobre o desenvolvimento
das habilidades cognitivas. Seu conhecimento de Biologia levou-o a enxergar o
desenvolvimento cognitivo de uma criança como sendo uma evolução gradativa.

Em 1921, Jean Piaget voltou à Suíça e tornou-se diretor de estudos no Instituto J. J.


Rousseau da Universidade de Genebra. Lá ele iniciou o maior trabalho de sua vida, ao
observar crianças brincando e registrar meticulosamente as palavras, ações e processos
de raciocínio delas.

Casou-se com Valentine Châtenay uma de suas ex-alunas em 1923, com quem teve três
filhas. Suas teorias foram, em grande parte, baseadas em estudos e observações de suas
filhas que ele realizou ao lado de sua esposa. Seus estudos tiveram um grande impacto
sobre os campos da Psicologia e Pedagogia.

Morreu em Genebra, em setembro de 1980 com 84 anos.

Algumas contribuições teóricas

As teorias de Jean Piaget tentam nos explicar como se desenvolve a inteligência nos seres
humanos. Daí o nome dado a sua ciência de Epistemologia Genética, que é entendida
como o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos. Convém esclarecer
que as teorias de Piaget têm comprovação em bases científicas. Ou seja, ele não somente
descreveu o processo de desenvolvimento da inteligência, mas experimentalmente,
comprovou suas teses.

Resumir a teoria de Jean Piaget não é uma tarefa fácil, pois sua obra tem mais páginas que
a Enciclopédia Britânica. Desde que se interessou por desvendar o desenvolvimento da
inteligência humana, Piaget trabalhou compulsivamente em seu objetivo, até às vésperas
de sua morte, em 1980, aos oitenta e quatro anos, deixando escrito aproximadamente
setenta livros e mais de quatrocentos artigos.

A teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo classifica o desenvolvimento em


quatro etapas, e comprova que os seres humanos passam por uma série de mudanças
previsíveis e ordenadas. Ou seja, geralmente todos os indivíduos vivenciam todos os

27
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

estágios na mesma sequência, porém o início e o término de cada estágio sofre variações
dadas às diferenças individuais de natureza biológica ou do meio ambiente em que o
indivíduo está inserido.

Para Piaget há a separação, no processo cognitivo entre aprendizagem e desenvolvimento.


A aprendizagem faz referência a uma resposta particular, aprendida em função da
experiência, obtida de forma ordenada (sistematizada) ou não. Já o desenvolvimento
seria uma aprendizagem de fato. Responsável, portanto pela formação do conhecimento.
A aprendizagem se dá através dos processos de assimilação, acomodação e os esquemas.
O desenvolvimento passa por quatro estágios de desenvolvimento: sensório-motor,
pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Piaget considera quatro
períodos no processo evolutivo da espécie humana que são caracterizados “por aquilo
que o indivíduo consegue fazer melhor” no decorrer das diversas faixas etárias ao longo
do seu processo de desenvolvimento.

O modelo piagetiano prima pelo rigor científico de sua produção, ampla e consistente
ao longo de 70 anos, que trouxe contribuições práticas importantes, principalmente, ao
campo da Educação - muito embora, curiosamente, aliás a intenção de Piaget não tenha
propriamente incluído a ideia de formular uma teoria específica de aprendizagem (LA
TAILLE, 1992; BOCK et. al.,2002; COLL, 1992; etc.).

Piaget formula o conceito de epigênese, argumentando que “o conhecimento não procede


nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no
sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas”
(PIAGET, 1976). Quer dizer, o processo evolutivo da filogenia humana tem uma origem
biológica que é ativada pela ação e interação do organismo com o meio ambiente - físico
e social - que o rodeia (COLL, 1992; LA TAILLE, 1992; FREITAS, 1999), significando
entender com isso que as formas primitivas da mente, biologicamente constituídas, são
reorganizadas pela psique socializada, ou seja, existe uma relação de interdependência
entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer.

Esse processo, por sua vez, se efetua através de um mecanismo autorregulatório que
consiste no processo de equilibração progressiva do organismo com o meio em que o
indivíduo está inserido, como procuraremos expor em seguida.

Piaget sustenta que a gênese do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento
lógico não é inato ou tampouco externo ao organismo, mas é fundamentalmente
construído na interação homem-objeto. Quer dizer, o desenvolvimento da filogenia
humana se dá por um mecanismo autorregulatório que tem como base um ‘kit’ de
condições biológicas (inatas, portanto), que é ativado pela ação e interação do organismo
com o meio ambiente - físico e social.

28
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Simplificando ao máximo, o desenvolvimento humano, no modelo piagetiano,


é explicado segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações
interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Esses fatores que
são complementares envolvem mecanismos bastante complexos e intrincados que
englobam o entrelaçamento de fatores que são complementares, tais como: o processo
de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, sobretudo,
a equilibração do organismo ao meio.

A construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou mentais sobre


objetos que, provocando o desequilíbrio, resultam em assimilação ou, acomodação e
assimilação dessas ações e, assim, em construção de esquemas ou conhecimento. Em
outras palavras, uma vez que a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta
fazer uma acomodação e após, uma assimilação e o equilíbrio é, então, alcançado.

A Assimilação é o processo cognitivo de colocar (classificar) novos eventos em esquemas


existentes. É a incorporação de elementos do meio externo (objeto, acontecimento entre
outros) a um esquema ou estrutura do sujeito. Em outras palavras, é o processo pelo
qual o indivíduo cognitivamente capta o ambiente e o organiza possibilitando, assim,
a ampliação de seus esquemas. Na assimilação o indivíduo usa as estruturas que já
possui.

Em relação à Acomodação, esta pode ser vista como a modificação de um esquema ou


de uma estrutura em função das particularidades do objeto a ser assimilado.

A acomodação pode ser de duas formas, visto que se pode ter duas alternativas: (a) criar
um novo esquema no qual se possa encaixar o novo estímulo, ou (b) modificar um já
existente de modo que o estímulo possa ser incluído nele.

Após ter havido a acomodação, a criança tenta novamente encaixar o estímulo no


esquema e aí ocorre a assimilação. Por isso, a acomodação não é determinada pelo
objeto e sim pela atividade do sujeito sobre este, para tentar assimilá-lo. O balanço
entre assimilação e acomodação é chamado de adaptação.

O conceito de equilibração torna-se especialmente marcante na teoria de Piaget, pois


ele representa o fundamento que explica todo o processo do desenvolvimento humano.
Trata-se de um fenômeno que tem, em sua essência, um caráter universal, já que é
de igual ocorrência para todos os indivíduos da espécie humana, mas que pode sofrer
variações em função de conteúdos culturais do meio em que o indivíduo está inserido.

Em síntese, pode-se dizer que, para Piaget, o equilíbrio é o norte que o organismo
almeja, entretanto paradoxalmente nunca alcança (LA TAILLE, op. cit.), haja vista que

29
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

no processo de interação podem ocorrer desajustes do meio ambiente que rompem


com o estado de equilíbrio do organismo, eliciando esforços para que a adaptação se
restabeleça.

Desenvolvimento humano segundo Vygotsky


Biografia*

(*texto extraído de <http://www.trabalhosfeitos.com/topicos/teoria-s%C3%B3cio-


hist%C3%B3rico-lev-semenovich-vygotsky/0>.)

Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 na cidade de Orsha, na Rússia, e morreu em


Moscou em 1934, vítima de tuberculose aos 38 anos. Formou-se em Direito, História e
Filosofia nas Universidades de Moscou e A. L. Shanyavskii, respectivamente.

Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medicina em Moscou, mas acabou cursando


a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielo-Rússia, em 1917, ano da
revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte
e fundou um laboratório de psicologia – área em que rapidamente ganhou destaque,
graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade,
tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos.

Em 1924, casa-se com Roza Smekhova. Tiveram duas filhas. Desde 1920 conviveu com
a tuberculose. Apesar de sua formação em Direito, destacou-se à época por suas críticas
literárias e análises do significado histórico e psicológico das obras de Arte, trabalhos
que posteriormente foram incorporados no livro “Psicologia da Arte”, escrito entre
1924 e 1926, incluindo naturalmente a tese de doutorado sobre Psicologia da Arte, que
defendeu em 1925. O seu interesse pela Psicologia levou-o a uma leitura crítica de toda
produção teórica de sua época, nomeadamente as teorias da “Gestalt”, da Psicanálise e
o “Behaviorismo”, além das ideias do educador suíço Jean Piaget.

A experiência vivida na formação de professores levou-o ao estudo dos distúrbios


de aprendizagem e de linguagem, das diversas formas de deficiências congênitas
e adquiridas, a exemplo da afasia. Complementando a sua formação para estudo da
etiologia de tais distúrbios, graduou-se em Medicina retomando o curso iniciado e
substituído por Direito em Moscou e retomado e concluído em Kharkov. O seu interesse
em Medicina estava associado à manutenção do grupo de pesquisa (“troika”) de
neuropsicologia com Alexander Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev. As suas principais
contribuições à defectologia estão reunidas no livro “Psicologia Pedagógica”.

Seu interesse simultâneo pelas funções mentais superiores, cultura, linguagem e


processos orgânicos cerebrais pesquisados por neurofisiologistas russos com quem

30
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

conviveu, especialmente Luria e Leotiev, em diversas contribuições no “Instituto


de Deficiências de Moscou”, na direção do departamento de Educação (especial) de
Narcompros, entre outros institutos, além das publicações sobre o tema, encontram-se
reunidos na obra “A Formação Social da Mente”, na qual aborda os problemas da gênese
dos processos psicológicos tipicamente humanos, analisando-os desde a infância à luz
do seu contexto histórico-cultural.

Devido a vários fatores, inclusive a tensão política entre os Estados Unidos e a União
Soviética após a última guerra, o trabalho de Lev Semenovich Vygotsky permaneceu
desconhecido a grande parte do mundo ocidental durante décadas. Por esses dados
biográficos podemos perceber de início o pano de fundo que influenciou decisivamente
a sua formação e o seu trabalho: a revolução russa de 1917 e o período de solidificação
que se sucede. Vygotsky é um marxista e tenta desenvolver uma Psicologia com estas
características.

Vygotsky desenvolve sua teoria em uma Rússia devastada pela guerra e cujo objetivo
dos dirigentes que conduziam o novo estado era o de promover uma renovação
para reconstruir o país, e sob a tutela da teoria marxista, uma nova sociedade, o que
implicaria, também, a construção de uma nova ciência. Diante de tal quadro, ele propôs,
então, uma nova psicologia que, baseada no método e nos princípios do materialismo
dialético, compreendesse o aspecto cognitivo a partir da descrição e explicação das
funções psicológicas superiores, as quais, na sua visão, eram determinadas histórica e
culturalmente.

A teoria de Vygotsky chega ao ocidente por meio de dois livros básicos: Pensamento
e Linguagem e A Formação Social da Mente (respectivamente Vygotsky 1993 e
Vygotsky 1991). O estilo nessas obras é bastante sintético e muitas vezes há apenas um
delineamento de ideias. Sua obra é aberta e propiciou diferentes caminhos teóricos que
foram tomados por aqueles seguidores de suas premissas.

Algumas contribuições teóricas

Contemporâneo de Piaget, Vygotsky apresenta sua teoria conhecida como Histórico


Cultural. Algumas correntes teóricas da psicologia contemporânea apoiaram-se
nas contribuições da concepção interacionista para elaborar explicações sobre o
desenvolvimento humano. Entre essas produções teóricas, a abordagem histórico-
cultural, com especial destaque para os trabalhos de Vygotsky (1989, 1991), evidencia
a relação entre o indivíduo e seu contexto, pois integra os aspectos individual, social,
cultural e histórico.

31
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Vygotsky teve contato com a obra de Piaget e, embora teça elogios a ela em muitos
aspectos, também a critica, por considerar que Piaget não deu a devida importância
à situação social e ao meio. Ambos atribuem grande importância ao organismo
ativo, mas Vygotsky destaca o papel do contexto histórico e cultural nos processos de
desenvolvimento e aprendizagem, sendo chamado de sociointeracionista, e não apenas
de interacionista como Piaget.

Piaget coloca ênfase nos aspectos estruturais e nas leis de caráter universal (de origem
biológica) do desenvolvimento, enquanto Vygotsky destaca as contribuições da cultura,
da interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental. Mas, ambos são
construtivistas em suas concepções do desenvolvimento intelectual. Ou seja, sustentam
que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio.

Devido a sua morte prematura, a obra de Vygotsky deve ser estudada como ponto
de partida para reflexões sobre o desenvolvimento humano. Ele contribuiu e cunhou
vários termos e teorias, trabalhou com grandes temas que podem ser sintetizadas a
seguir. Figura 1.

Para essa abordagem, o desenvolvimento é influenciado pela aprendizagem que


ocorre nas relações que partilhamos, nas experiências que vivenciamos e no contexto
sociocultural do qual fazemos parte.

Seus interesses pela psicologia originam-se na preocupação com a gênese da cultura. Por
entender que o homem é o construtor da cultura. A teoria por ele proposta surge como
meio de superar o quadro apresentado pela psicologia que se encontrava dividida em
duas orientações: a naturalista e a mentalista. Na sua percepção, tal divisão acentuava
a questão do dualismo mente-corpo, natureza-cultura e consciência-atividade.

Vygotsky fala de um homem histórico e não do homem abstrato e universal; cuja origem
e o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores é social. Nesta perspectiva, o
processo de desenvolvimento segue duas linhas diferentes em sua origem: um processo
elementar, de base biológica, e um processo superior de origem sociocultural.

Quando nos desenvolvemos, estamos modificando ativamente o conhecimento que está


disponível no nosso grupo social. Assim, o conhecimento se dá, inicialmente, a partir
do mundo social e cultural para, só depois, ser transformado em nosso mundo interno.

Não aprendemos nem nos desenvolvemos apenas quando estamos “maduros” ou


“prontos” para uma atividade, porque a aprendizagem pode desenvolver novas
capacidades e habilidades que antes não existiam.

32
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

As pessoas já nascem em um mundo que é histórico e social. Histórico porque nosso


desenvolvimento é influenciado pelas experiências e conquistas de muitos outros
indivíduos ao longo dos tempos. Social porque esse conhecimento é organizado e
estruturado pelos grupos sociais (família, escola, trabalho, outros grupos etc.).

É dessa forma que o indivíduo tem uma participação ativa na construção do seu
desenvolvimento, porque ele vai formando e transformando o conhecimento de si e do
mundo, por meio da interação com as outras pessoas de seu grupo social.

A construção de cada indivíduo é influenciada pelo seu contexto, pela sua história e
pelas relações sociais que partilha. Assim, o desenvolvimento humano se caracteriza
em uma dimensão social e histórica.

A preocupação com o desenvolvimento cultural da humanidade levou Vygotsky a


envolver-se com a infância, por meio de alguns estudos que lhe permitissem compreender
o comportamento humano. Para isso dedicou-se ao estudo da “pedologia” – ciência da
criança, voltada para o estudo do desenvolvimento humano, articulando os aspectos
psicológicos, antropológicos e biológicos.

O caminho trilhado por Vygotsky baseou-se sempre nas contribuições de Marx, buscando
sempre compreender o homem em processos constantes de interação social. Vale
ressaltar que o interesse por questões educacionais, diferentemente de Piaget, sempre
esteve presente em sua obra, sendo considerado por muitos, como responsável pela
elaboração de uma teoria de educação, enquanto atividade sócio-histórica determinada.

As preocupações foram direcionadas para o entendimento das origens sociais e das


bases culturais do desenvolvimento individual, tendo como pressuposto fundamental
que tais processos psicológicos superiores se desenvolvem nas crianças por meio da
imersão cultural nas práticas das sociedades, pela aquisição dos símbolos e instrumentos
tecnológicos da sociedade e pela educação em todas as suas formas.

Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado
de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem
nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Sua questão
central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.

As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às


relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo de construção
de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola
na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na

33
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como
internalização mediada pela cultura.

As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano colocam que


o cérebro é a base biológica, e suas peculiaridades definem limites e possibilidades
para o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua ideia de que as
funções psicológicas superiores (por ex. linguagem, memória) são construídas ao longo
da história social do homem, em sua relação com o mundo. Desse modo, as funções
psicológicas superiores referem-se aos processos voluntários, ações conscientes,
mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem.

Os postulados básicos da teoria de Vygotsky dão destaque à mudança em quatro


níveis históricos – filogênico (desenvolvimento das espécies), histórico (história
dos seres humanos), ontogênico (história individual das crianças) e microgenético
(desenvolvimento de processos psicológicos particulares) – para que uma teoria
do desenvolvimento humano seja elaborada consistentemente. Esses níveis foram
considerados por ele e seus colaboradores, na proposição de suas teorias, na escola
sócio-histórica. Aplicá-los ao problema do desenvolvimento cognitivo e da escolarização
formal, permite-nos compreendê-los de forma mais aprofundada.

Há que se destacar, também, para o entendimento de sua teoria, no que se refere à


relação entre desenvolvimento e aprendizagem, a contribuição deixada a respeito da
“zona de desenvolvimento proximal”.

Para Vygotsky, o desenvolvimento e a aprendizagem são processos interativos, no


entanto, cabe ao processo de aprendizagem, realizado em um contexto social específico,
possibilitar o processo de desenvolvimento, “o aprendizado pressupõe uma natureza
social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual
daqueles que as cercam”.

Por outro lado, há a teoria histórico-cultural, em que o vetor é do social para o individual.
Essa teoria de Vygotsky vê o sujeito em sua totalidade, um sujeito concreto, datado,
situado. Ela não vê apenas o desenvolvimento cognitivo, mas a integração de todos os
desenvolvimentos e do sujeito com o meio.

A aprendizagem realiza-se, sempre, em um contexto de interação, por meio da


internalização de instrumentos e signos que levam à apropriação do conhecimento.
Vygotsky confere, portanto, grande importância à escola (lugar da aprendizagem e da
produção de conceitos científicos); ao professor (mediador dessa aprendizagem) e às
relações interpessoais pelas quais o processo se completa.

34
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

A escola trabalha com o conhecimento científico, relacionando-o ao conhecimento


espontâneo ou cotidiano da criança. Os conceitos espontâneos são formados pela
criança em sua experiência cotidiana, no contato com as pessoas de seu meio, de sua
cultura, em confronto com uma situação concreta. Os conceitos científicos não são
diretamente acessíveis à observação ou à ação imediata da criança, sendo adquiridos
por meio do ensino, como parte de um sistema organizado de conhecimentos, mediante
processos deliberados de instrução escolar.

A linguagem, sistema simbólico dos grupos humanos, representa um salto qualitativo


na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização do
real, a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É por meio dela que as
funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas,
portanto, sociedades e culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas.

A cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou


seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real.
Ela dá o local de negociações no qual seus membros estão em constante processo de
recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações.

O processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento


psicológico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve ser
modificada para tornar-se uma atividade interna, é interpessoal e se torna intrapessoal.

Outro conceito central na teoria é o de Mediação: uma ideia para a compreensão de


suas concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-histórico é a
ideia de mediação: enquanto sujeito do conhecimento o homem não tem acesso direto
aos objetos, mas acesso mediado, por meio de recortes do real, operados pelos sistemas
simbólicos de que dispõe, portanto enfatiza a construção do conhecimento como uma
interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto
como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como no construtivismo e sim,
pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social pode apresentar-se por meio de
objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo.

Lev Vygotsky introduziu a noção de ZDP nos seus últimos escritos, na década de 30, no
bojo das discussões que levantava sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento.
Afinado com a ideologia marxista do materialismo histórico-dialético, Vygotsky tinha
um interesse especial pelas questões da educação, particularmente da instrução escolar.
Afirmava que o ensino eficaz não é aquele que espera o desenvolvimento cognitivo
infantil, porém aquele que se antecipa ao mesmo, impulsionando-o e incidindo sobre
a ZDP. Ou, nas palavras de Vygotsky (1993), “o ensino deve orientar-se não ao ontem,
senão ao amanhã do desenvolvimento infantil”.

35
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

O pensador russo tinha grande preocupação com a instrução escolar e, consequentemente,


atribuía à escola e ao professor um importante papel no desenvolvimento infantil.
Vygotsky (1993) explica da seguinte maneira o conceito de ZDP, apontando para a
importância do ensino e da instrução: A diferença entre “o nível de desenvolvimento
atual, que se determina com ajuda das tarefas resolvidas de forma independente,
e o nível que alcança a criança ao resolver as tarefas, não por sua conta, senão em
colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento proximal” (p. 239).

Existem pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um


real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si
própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de


desenvolvimento proximal (distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é
capaz de fazer com a intervenção de um adulto; potencialidade para aprender, que não
é a mesma para todas as pessoas; ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento
real e o potencial) nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos os
processos, aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados; assim, um conceito
que se pretenda trabalhar, como por exemplo, em matemática, requer sempre um grau
de experiência anterior para a criança.

A imitação é, em geral, uma das vias fundamentais no desenvolvimento cognitivo e


cultural da criança. O próprio processo de imitação pressupõe uma determinada
compreensão do significado da ação do outro. Neste sentido, o processo imitativo
também se coloca como campo possibilitador de criação de ZDP, porque a criança
poderá, por imitação, realizar ações que vão além de sua capacidade atual.

Para Vygotsky, enquanto imita, a criança apreende a atividade do outro e realiza


aprendizagem. Ela não faz uma mera cópia da ação do outro, como um ato mecânico,
mas se envolve na atividade intelectualmente, o que implica representá-la e avaliar a
adequação de sua imitação.

Brincadeira Infantil

Outro contexto importante, no qual Vygotsky se refere à ZDP, é aquele relacionado


à brincadeira infantil. Para ele, na brincadeira – referia-se especificamente ao jogo
simbólico – a ação da criança se subordina ao seu significado. Este é o que importa
e define o jogo, diferentemente da situação real, na qual a ação tem o predomínio
em relação ao significado. Portanto, isso possibilita à criança ir além de sua própria
capacidade.

36
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No


brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua
idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do
que é na realidade.

Instrução Educacional

Para Vygotsky, a instrução (referindo-se ao ensino) deve ser orientada para os processos
de desenvolvimento que se encontram em amadurecimento e consolidação na zona de
desenvolvimento proximal. Ele alertava que a ZDP deveria ser considerada levando em
conta tanto o nível de desenvolvimento da criança como a natureza da instrução recebida
por ela.Ganha importância, assim, o aspecto das precondições de desenvolvimento
da criança e as possibilidades de aprendizagem, condicionadas a uma intervenção
instrucional que funcione como mediadora no processo ensino/aprendizagem. Operar
sobre a zona de desenvolvimento proximal possibilita trabalhar sobre as funções “em
desenvolvimento”, ainda não plenamente consolidadas, mas sem necessidade de
esperar sua configuração final para começar uma aprendizagem.

Alguns autores consideram a ZDP como um espaço de troca de significados e sentidos


(simbólico) que se estabelece na interação entre indivíduos, onde circula o conhecimento
e as aprendizagens acontecem. Assim, o interesse é a análise do processo de interação
que possibilita a emergência da ZDP.

Conceito de Mediação e Privação

É fundamental a ação dos adultos no mundo da criança, seja na família, seja na


vida escolar. As ações executadas, no sentido de orientar as aprendizagens infantis,
constituem o que Vygotsky entende por mediação. A qualidade e a intensidade da
mediação vão determinar em boa medida a condição positiva do desenvolvimento e
da aprendizagem da criança. Em contrapartida, a presença fragilizada dos mediadores
junto à criança pode provocar um desenvolvimento cognitivo e afetivo prejudicado,
truncado, com reflexos diretos na aprendizagem escolar.

Assim, a criança, com uma aprendizagem lenta e difícil, pode ser uma criança cujo
histórico de vida aponta para uma história de privação, de relacionamentos familiares
conflituosos ou ausentes. Um resultado direto desta situação pode ser a dificuldade da
criança para organizar-se cognitivamente, para estabelecer um processo coerente de
pensamento, pode ser a impulsividade da criança no aprender, a hiperatividade.

37
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Vygotsky e a Educação

O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação


social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora
para dentro. Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos
de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. Para ele, o sujeito
não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir
de relações intra e interpessoais. Assim, a escola é o lugar em que a intervenção
pedagógica intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem.

O professor tem o papel explícito de interferir no processo, diferentemente de situações


informais nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. Portanto,
é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua
interferência na zona proximal.

O aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas, aquele que aprende junto
ao outro o que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio
conhecimento.

A formação dos conceitos espontâneos ou cotidianos desenvolvidos no decorrer das


interações sociais, diferencia-se dos conceitos científicos adquiridos pelo ensino, parte
de um sistema organizado de conhecimentos.

A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos internos na interação


com outras pessoas. Ao observar a zona proximal, o educador pode orientar o aprendizado
no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real.
Nesse ínterim, o ensino deve passar do grupo para o indivíduo. Em outras palavras,
o ambiente influenciaria a internalização das atividades cognitivas no indivíduo, de
modo que, o aprendizado gere o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental
só pode realizar-se por intermédio do aprendizado.

Como muito foi falado sobre esse pensador, segue uma síntese de seus principais
pensamentos (LUCCI, 2006):

»» Os objetivos de sua teoria são caracterizar os aspectos tipicamente


humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas
características se formam ao longo da história humana e de como se
desenvolvem durante a vida do indivíduo;

»» O homem é um ser histórico-social ou, mais abrangentemente, um ser


histórico-cultural; o homem é moldado pela cultura que ele próprio
cria;

38
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

»» O indivíduo é determinado nas interações sociais, ou seja, é por meio da


relação com o outro e por ela própria que o indivíduo é determinado;
é na linguagem e por ela própria que o indivíduo é determinado e é
determinante de outros indivíduos;

»» A atividade mental é exclusivamente humana e é resultante da


aprendizagem social, da interiorização da cultura e das relações sociais;

»» O desenvolvimento é um longo processo marcado por saltos


qualitativos que ocorrem em três momentos: da filogênese (origem
da espécie) para a sociogênese (origem da sociedade); da sociogênese
para a ontogênese (origem do homem) e da ontogênese para a
microgênese (origem do indivíduo único);

»» O desenvolvimento mental é, em sua essência, um processo


sociogenético;

»» A atividade cerebral superior não é simplesmente uma atividade


nervosa ou neuronal superior, mas uma atividade que interiorizou
significados sociais derivados das atividades culturais e mediada por
signos;

»» A atividade cerebral é sempre mediada por instrumentos e signos;

»» A linguagem é o principal mediador na formação e no desenvolvimento


das funções psicológicas superiores;

»» A linguagem compreende várias formas de expressão: oral, gestual,


escrita, artística, musical e matemática;

»» O processo de interiorização das funções psicológicas superiores


é histórico, e as estruturas de percepção, a atenção voluntária, a
memória, as emoções, o pensamento, a linguagem, a resolução de
problemas e o comportamento assumem diferentes formas, de acordo
com o contexto histórico da cultura;

»» A cultura é interiorizada sob a forma de sistemas neurofísicos que


constituem parte das atividades fisiológicas do cérebro, as quais
permitem a formação e o desenvolvimento dos processos mentais
superiores.

39
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Desenvolvimento humano segundo Wallon


Biografia*

(*texto extraído em parte de <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/


henri-wallon-307886.shtml>)

Henri Wallon nasceu em Paris, França, em 1879. Graduou-se em medicina e psicologia.


Fez também filosofia. Atuou como médico na Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos.

Em 1925, criou um laboratório de psicologia biológica da criança. Quatro anos mais


tarde, tornou-se professor da Universidade Sorbonne e vice-presidente do Grupo
Francês de Educação Nova - instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino
daquele país e da qual foi presidente de 1946 até morrer, também em Paris, em 1962.

Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os caminhos da inteligência


nas crianças. Militante de esquerda, participou das forças de resistência contra Adolf
Hitler e foi perseguido pela Gestapo (a polícia política nazista) durante a Segunda
Guerra (1939-1945). Em 1947, propôs mudanças estruturais no sistema educacional
francês. Coordenou o projeto Reforma do Ensino, conhecido como Langevin-Wallon -
conjunto de propostas equivalente à nossa Lei de Diretrizes e Bases. Nele, por exemplo,
está escrito que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar.

Em 1948, lançou a revista Enfance, que serviria de plataforma de novas ideias no


mundo da educação - e que rapidamente se transformou numa espécie de bíblia para
pesquisadores e professores.

Faleceu em 1962.

Algumas contribuições teóricas

A gênese da inteligência para Wallon é genética e organicamente social, ou seja, “o


ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da
cultura para se atualizar” (DANTAS, 1992). Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento
cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa.

Wallon teve como ponto de estudo principal “a afetividade”; para ele, a pessoa é formada
por sua relação com o meio, sua hereditariedade, sua cognição e seu afetivo. Dentro
dessa perspectiva Walloniana, trabalhamos o tratamento individualizado, o lúdico e o
concreto, valorizando a identidade estrutural e funcional de nossas crianças.

40
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

Henri Wallon reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no desenvolvimento


humano, estudando-o a partir do desenvolvimento psíquico da criança. Assim, o
desenvolvimento da criança aparece descontínuo, marcado por contradições e conflitos,
resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas
no seu comportamento em geral.

Wallon realiza um estudo que é centrado na criança contextualizada, em que o


ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por
rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa profundas mudanças
nas anteriores. Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se
dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da
passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Conflitos se
instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros
entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura
e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa (GALVÃO, 1995).
Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento.

Tendo em vista a proposta do atendimento à criança na Educação Infantil que engloba


os aspectos funcionais e relacionais, é necessário que a escola e o educador conheçam
os diferentes momentos do desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos.

Segundo Wallon (1977; 1995), a criança deve ser estudada na sucessão das etapas de
desenvolvimento caracterizadas pelos domínios funcionais da afetividade, do ato motor
e do conhecimento, entendidos como sendo desenvolvidos primordialmente pelo meio
social.

Os estágios do desenvolvimento propostos por Wallon (1977; 1995) têm início na vida
intrauterina, caracterizada por uma simbiose orgânica. Após o nascimento, apresenta-
se o estágio impulsivo-emocional no qual prevalece a emoção, caracterizado como o
período da simbiose afetiva.

A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às


quais intermediam sua relação com o mundo físico. No período seguinte, que vai até os
2 anos de idade, a criança encontra-se no estágio sensório-motor e projetivo, voltando-
se para a exploração do mundo físico. Gradualmente, com a aquisição da marcha e da
linguagem, a criança apresenta modificações no seu padrão de interação com o mundo.

A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autonomia na manipulação de


objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento
da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do
pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos

41
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

motores. Como diz Dantas (1992), para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do
ato motor.

A partir dos 3 anos, ocorre o estágio do personalismo, momento da constituição do


eu, no qual a criança em seu confronto com o outro passa por uma verdadeira crise de
personalidade, caracterizada pelas mudanças nas suas relações com o seu entorno e pelo
aparecimento de novas aptidões. Wallon (1977; 1995) considera esse estágio, que vai até
os 6 anos de idade, como sendo muito importante para a formação da personalidade.
Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as interações
sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas.

Interlocução com as teorias de Piaget e Freud: destacava na teoria de Piaget as


contradições e dessemelhanças entre as suas teorias, pois considerava esse o melhor
procedimento quando se busca o conhecimento. Por parte de Piaget existia uma
constante disposição em buscar a continuidade e complementariedade de suas obras.
Os dois se propunham a análise genética dos processos psíquicos, no entanto, Wallon
pretendia a gênese da pessoa e Piaget a gênese da inteligência.

Com a psicanálise de Freud mantém uma atitude de interesse e ao mesmo tempo de


reserva. Embora com formação similar (neurologia e medicina) a prática de atuação os
levou a caminhos distintos. Freud abandonando a neurologia para dedicar-se a terapia
das neuroses e Wallon mantém-se ligado a esta devido o seu trabalho com crianças com
distúrbios de comportamento.

O método adotado por Wallon é o da observação pura. Considera que esta metodologia
permite conhecer a criança em seu contexto, “só podemos entender as atitudes da
criança se entendermos a trama do ambiente no qual está inserida”. Ao ingressar na
escola, a família ainda se constitui no grupo por excelência para a criança. No entanto, a
escola proporciona uma diversificação dos grupos nos quais a criança poderá se inserir.
O papel do grupo formado por crianças da mesma idade passa a ser o de favorecer a
aprendizagem social, ou seja, o convívio com os padrões e regras sociais. Durante esse
estágio, o grupo permitirá à criança diferenciar-se dos outros e descobrir sua autonomia
e sua originalidade (WALLON, 1995).

Wallon na educação infantil

O estágio do personalismo divide-se em três períodos distintos, todos com o objetivo de


tornar o eu mais independente e diversificado. São eles: período da negação, idade da
graça e período da imitação. No primeiro, o da negação, surge na criança a necessidade
de se autoafirmar, de impor sua visão pessoal e lutar para fazer prevalecer sua opinião.

42
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

No período seguinte, o da idade da graça, por volta dos quatro anos de idade, a criança
desenvolve maneiras de ser admirada e chamar a atenção para si pela sedução, com
uma necessidade de agradar cujo objetivo é obter a aprovação dos demais. A criança
passa a se considerar em função da admiração que acredita poder despertar nas pessoas.
Ressalta-se a importância da oferta de oportunidades de expressão espontânea da
criança, através de atividades como a música, a dança, artes etc. Exercitar na criança as
habilidades de representação do seu meio, ou seja, por meio do faz de conta ou do uso
da linguagem, contribui para que ela adquira uma precisão maior na expressão de seu
eu (GALVÃO, 1992).

O terceiro período, o da imitação, por volta dos 5 anos, é marcado por uma reaproximação
ao outro, manifestada pelo gosto por imitar, que possui um papel essencial na assimilação
do mundo exterior. O professor deve observar que sua figura geralmente desperta o
desejo de identificação no aluno, devendo estar consciente de tal fato para estabelecer
sua conduta. Wallon (1977) entende a imitação como uma necessidade de identificar-se
com a realidade percebida para identificá-la melhor.

A partir dessas considerações, verifica-se que a Educação Infantil possui um papel


importantíssimo na formação da personalidade da criança, visto que permite a sua
adaptação à vivência em comunidade, em grupos que vão além dos limites familiares,
e contribui para a formação do eu psíquico. A escola pode estimular o desenvolvimento
de valores saudáveis nas interações, tais como a cooperação, a solidariedade, o
companheirismo e o coletivismo. As atividades em grupo devem alternar-se com
atividades individuais fazendo assim uso das alternâncias comuns nesse estágio para
promover o desenvolvimento de mais recursos de personalidade.

Outros tantos pensadores poderiam ter sido apresentados neste Caderno de Estudo
e Pesquisa em suas contribuições e suas teorias do desenvolvimento humano e todos
veem o desenvolvimento e aprendizagem a partir da capacidade racional humana.
Apesar de estarmos em uma especialização com ênfase na neuroaprendizagem, nesta
disciplina estamos vendo sobre as maiores contribuições teóricas encontradas nos
espaços educacionais. Por isso que a teoria freudiana e sua visão do desenvolvimento
infantil e adolescente - sujeito do inconsciente - precisam estar presente em nossos
estudos.

43
Capítulo 2
A psicanálise e a educação:
desenvolvimento humano segundo
Freud

Biografia*

(*texto extraído de <https://pensador.uol.com.br/autor/sigmund_freud/biografia/>)

A 6 de maio de 1856 nasceu em Freiberg, Sigmund Freud o criador da psicanálise. No


ano 1877, abreviou o nome de Sigismund Schlomo Freud para Sigmund Freud. Freud
foi o filho mais velho (entre sete filhos) do terceiro casamento de Jacob Freud e Amalia
Freud. Devido à má situação econômica, a família mudou-se para Viena, Áustria.

Formou-se em Medicina da Universidade de Viena em 1873. Fez um curso de Psiquiatria,


o que aumentou seu interesse pelas relações entre sintomas mentais e distúrbios físicos.

Aos 26 anos, recebeu seu diploma de médico. Apesar de se dirigir relutantemente para
a clínica particular, seus interesses principais permaneciam na área da observação e
exploração científicas.

Freud obteve uma bolsa e foi para Paris trabalhar com Charcot que pesquisava a
possibilidade de induzir ou aliviar sintomas histéricos com sugestão hipnótica. Freud
percebeu que, na histeria, os pacientes exibem sintomas que são anatomicamente
inviáveis. Tornou-se claro para Freud que a histeria era uma doença psíquica cuja
origem requeria uma explicação psicológica.

O trabalho na França aumentou seu interesse pela hipnose e pela histeria. Amplia suas
pesquisas e descobre que os sintomas de pacientes histéricos baseiam-se em cenas do
seu passado que lhes causaram grande impressão, mas foram esquecidas (traumas); a
terapêutica, nisto apoiada, consistia em fazê-los lembrar e reproduzir essas experiências
em um estado de hipnose. Ele achou, no entanto, que a hipnose não era tão efetiva
quanto esperava. Afinal abandonou-a por completo passando a encorajar seus pacientes
a falarem livremente e a relatarem o que quer que pensassem independentemente da
aparente relação – ou falta de relação – com seus sintomas. Durante o desenvolvimento
de suas pesquisas, utilizou-se por um tempo do método catártico.

Em 1896, Freud usou pela primeira vez o termo “psicanálise” para descrever seus
métodos. Um dos procedimentos que desenvolveu foi a “livre associação”, método
utilizado, em substituição à hipnose, que consistia em deitar o paciente no divã (espécie

44
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

de sofá sem encosto) e encorajá-lo a dizer o que viesse à sua mente. Freud analisava
todo o material que aparecesse, e buscava entendê-los e encontrar os desejos, temores,
conflitos, pensamentos e lembranças que pudessem se relacionar e que estivessem além
do conhecimento consciente do paciente.

Em fevereiro de 1923, foi descoberto um tumor maligno, imediatamente foi feita uma
cirurgia. Freud tinha que usar uma prótese. Após 33 cirurgias, tinha dificuldade em
falar, mas mantinha suas atividades de rotina, abandonando apenas os problemas do
movimento psicanalítico.

Casou com Martha Bernays. O casal teve seis filhos, um dos quais, Ana, tornou-se
discípula, porta-voz do pai, e psicanalista. Em março de 1938, quando da invasão da
Áustria pela Alemanha, com a intervenção do diplomata americano William Bullitt e de
um resgate pago por Marie Bonaparte, Freud e sua família deixaram Viena indo para
Londres, residindo em Maresfield Gardens 20; hoje Freud Museum.

Freud passou sua vida desenvolvendo, ampliando e elucidando a psicanálise. Pelo


poder de sua obra, pela amplitude e audácia de suas especulações, revolucionou o
pensamento, as vidas e a imaginação de uma era. Seria difícil encontrar na história das
ideias, alguém cuja influência fosse tão imediata, tão vasta e tão profunda.

Morreu em Londres em 1939.

A teoria

Fundada por Sigmund Freud (1856-1939), a teoria psicanalítica não se desenvolveu


no ambiente da história da Psicologia, mas no da Medicina. O interesse de Freud era
descobrir as causas da doença mental. De início, Freud buscou causas orgânicas, lesões
cerebrais, ou fatores patogênicos para as neuroses e psicoses, tal qual a orientação
desenvolvida pela medicina experimental.

Fortemente influenciado por Charcot, médico francês que fez uso da sugestão hipnótica
no tratamento da histeria, Freud põe em dúvida a abordagem organicista da psiquiatria
da época e passa a utilizar uma abordagem psicológica para o estudo da doença mental.
Apesar de usar o modelo cartesiano de ciência, discorda dos racionalistas no que se refere
à razão humana. Para Freud, o homem é grandemente comandado pelo inconsciente,
sendo que a consciência lógica e racional representa uma fina camada sobre um vasto
domínio de forças instintivas e inconscientes.

45
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Freud defende algumas premissas básicas. Recupera a importância da afetividade para


a Psicologia e postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição desta
como ciência da consciência e da razão.

Destaca a importância do estudo das fases do desenvolvimento infantil, os estudos dos


determinantes da personalidade e a aplicabilidade da Psicanálise.

A Psicanálise, muito mais do que uma visão de mundo é concomitantemente uma


teoria, uma técnica e um método que permite a criação de um espaço privilegiado no
qual o sofrimento psíquico e o psiquismo são examinados.

Apesar de que nessa disciplina o foco é a visão de Freud e a Psicanálise acerca da infância
e da adolescência, é imperativo uma apresentação resumida das teorias psicanalíticas
que dão suporte e se correlacionam entre si.

Alguns fundamentos da psicanálise

2ª Teoria de Personalidade (ID, EGO e SUPEREGO)

Depois de anos de pesquisa e estudo, Freud reescreveu sua teoria da personalidade


trazendo, a partir de 1920, especificamente, após seu polêmico artigo “Além do Princípio
do Prazer”, Freud elabora sua segunda e definitiva concepção do aparelho psíquico,
chamada Segundo Tópico, cujos componentes são ID, EGO e SUPEREGO.

»» O ID: Única instância equivalente com a primeira teoria (equivale ao


inconsciente). É o polo psicobiológico da personalidade, constituído
fundamentalmente por pulsões. Reservatório e fonte da energia psíquica,
sendo que as outras duas instâncias são originárias dele. É regido pelo
Princípio do Prazer.

»» O EGO (EU): Tem origem no Id em contato com o mundo exterior.


Funciona proporcionando à pessoa estabilidade e identidade. Está a
serviço da autoconservação na medida em que administra as exigências
procedentes do Id, do Superego e do mundo exterior. É regido pelo
Princípio da Realidade.

»» O SUPEREGO: Herdeiro do Complexo de Édipo e está constituído pelo


precipitado das identificações com as exigências e proibições dos pais.
Encontram-se no superego os valores ditados pela cultura em que viveu
o sujeito, assim como suas crenças, visão de mundo e ideologias. É quem
indica, assinala, determina e estabelece, a partir da história infantil do

46
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

sujeito, o que ele deve fazer, preferir ou desejar. Regula e inibe os desejos
do ID que possam ir contra seus sistemas reguladores de valores.

As observações de Freud revelaram uma série interminável de conflitos e acordos


psíquicos. A um instinto opunha-se outro. Eram proibições sociais que bloqueavam
pulsões biológicas e os modos de enfrentar situações frequentemente chocavam-se uns
com os outros.

Esses três subsistemas se relacionam. A meta fundamental da psique é manter e


recuperar, quando perdido, um nível aceitável de equilíbrio dinâmico que maximiza
o prazer e minimiza o desprazer. A energia que é usada para acionar o sistema nasce
no Id, que é de natureza primitiva, instintiva. O ego, emergindo do id, existe para lidar
realisticamente com as pulsões básicas do id e também age como mediador entre as
forças que operam no Id e no Superego e as exigências da realidade externa. O superego,
emergindo do ego, atua como um freio moral ou força contrária aos interesses práticos
do ego. Ele fixa uma série de normas que definem e limitam a flexibilidade deste último.

O Id é inteiramente inconsciente, o Ego e o Superego o são em parte. Grande parte do


ego e do superego pode permanecer inconsciente e é normalmente inconsciente. Isto é,
a pessoa nada sabe dos seus conteúdos e é necessário despender esforços para torná-los
conscientes. Nesses termos, o propósito prático da psicanálise é, na verdade, fortalecer
o ego, fazê-lo mais independente do superego, ampliar seu campo de percepção e
expandir sua organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id
(FREUD, 1933).

Desenvolvimentos infantil e adolescente segundo


Freud

Freud criou uma teoria do desenvolvimento infantil a partir das experiências em


consultório com seus pacientes adultos. No final do século XIX e início do século
XX, Freud surpreendeu a sociedade europeia divulgando suas ideias relacionadas à
sexualidade infantil. Em suas ideias, determinou que a sexualidade infantil pudesse ser
conhecida por três fases distintas que poderiam se manifestar nos primeiros meses de
vida ou na fase dos 5 e 6 anos.

A questão da sexualidade na infância foi sempre um dos pontos mais polêmicos de sua
teoria. Freud, na prática clinica investigava as causas e funcionamento das neuroses.
Percebeu que a maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de
ordem sexual localizados nos primeiros anos de vida e inferiu que as ocorrências deste
período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa.

47
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

Na teoria freudiana, a sexualidade não designa apenas as atividades e o prazer que


dependem do funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e
de atividades presentes desde a infância.

Para Freud, é sobretudo a existência de uma sexualidade infantil, que atua desde o
princípio da vida, que amplia o conceito de sexualidade.

Ao falar da sexualidade infantil, não reconhece apenas a existência de excitações ou de


necessidades genitais precoces, mas todas aquelas que geram prazer, como sucção do
polegar, independente do exercício de uma função biológica, como a nutrição.

As descobertas colocam a sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a


existência da sexualidade infantil. Os principais aspectos são:

»» A função sexual existe desde o princípio da vida;

»» O desenvolvimento sexual é longo e complexo até chegar a sexualidade


adulta.

Teoria do desenvolvimento psicossexual humano

Cria a teoria do desenvolvimento psicossexual que possui cinco fases, denominadas de:
Fase oral, Fase anal, Fase Fálica, Latência e Fase Genital.

Fase oral

Organiza-se em torno da região da boca, lábios e língua. O prazer é sentido pelo bebê
pelas experiências com a boca. Sugar, chupar e engolir são atividades predominantes
nesta primeira fase.

É importante distingui-las da alimentação e da necessidade que tem o bebê de saciar


a fome. Estamos falando de uma possibilidade de o bebê se autoestimular e com isso
receber sensações agradáveis e tranquilizadoras.

A fonte corporal das excitações pulsionais se dá predominantemente na zona bucal.


A boca não é apenas aquela cavidade anatômica que cumpre determinadas funções
de ordem biológica, mas também qualquer outro sistema ou atividade corporal que
preencha os requisitos essenciais deste modelo - corpo oco, aconchegante, com
movimentos de inclusão e expulsão etc. Será entendido como boca.

É pela boca que se mobilizará na luta pela preservação do equilíbrio com o meio,
provando e conhecendo o mundo. A boca, para um bebê, corresponde ao seu órgão de

48
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

sentido mais especializado, que mais informações lhe fornece a respeito do mundo.
Além disso, é o órgão pelo qual ele pode obter prazer, obter alívio de tensões, alcançando
conforto.

A criança na fase fetal já desenvolve o instinto da sucção. O bebê, logo após seu
nascimento, acha prazer na sucção do seio materno e no vazio que sente quando retira
a boca do seio. Seu gozo é inconsciente, agarrando-se ao seio materno com satisfação,
olhando para os olhos da mãe durante este momento, tendo o fator alimentar se
estabelecido como desejo secundário. A criança chupa tudo o que encontra, os dedos,
lápis, só pelo prazer da sucção.

Freud mostrou que quando a sucção produz prazer, é combinada a fricção de certas
partes do corpo, como a orelha, umbigo ou os genitais externos, sendo estes atos
caracterizados como o movimento precursor que leva a criança a praticar a masturbação.

O fenômeno autoerótico de chupar o polegar, mostra o prazer que se obtém do seio ou


da mamadeira não se baseia só na gratificação da fome, mas também na estimulação da
mucosa oral erógena; se não fosse assim, o infante retiraria desapontado o polegar, visto
este não produzir leite. Aí, a excitação sexual apoiou-se, originalmente, na necessidade
de alimento; tal qual, a excitação sexual primeira também se apoiou noutras funções
fisiológicas, na respiração e sensações cutâneas, nas sensações de defecar e urinar.

Se não houver suficiente gratificação oral, alguma energia libidinal pode ficar fixada
nesta fase, repercutindo em futuros comportamentos orais (fumar, comer demais
etc). Muitos fenômenos provenientes desta fase são retidos no adulto como o beijo e
muitos costumes alimentares. O afã de saber, o estudo de idiomas, o cantar, a oratória,
a declamação, são exemplos de sublimação das tendências orais.

Algumas manifestações de neuroses orais são: beber e comer em excesso, problemas


da linguagem e fala, agressão com palavras (correspondendo ao morder), xingamentos,
gozações, escrúpulos exagerados para não “incomodar”, desejo inconsciente de se
instalar e desalojar todas as pessoas entre outros.

Fase anal

A análise das neuroses obsessivas permitiu a Freud inserir entre os períodos oral e
fálico outro nível organizacional da libido, a saber, o nível sádico-anal. Embora o prazer
anal se ache presente desde o início da vida, é no segundo ano que a zona erógena-anal
parece tornar-se o executivo principal de toda excitação, a qual, então onde quer que se
origine, tende a descarregar-se pela defecação.

49
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

É a fase em que a libido se concentra na região anal, que se torna uma área carregada de
emoção agradável, sendo que em primeiro lugar está a satisfação física do “vazio” que
sentimos após a saída das fezes, o esvaziar o intestino e em seguida na satisfação mental
que a criança sente na execução desta função para os seus pais. Essa região compreende
a junção da pele e a membrana mucosa anurretal. As junções de pele e mucosas do corpo
são sensíveis e ao receberem suave estimulação, produzem sentimentos de prazer.

Com o desenvolvimento e maturação da criança, seus interesses se ampliam também,


deslocando-se para outra área do corpo. Ela passa a interessar-se por sensações oriundas
da região anal, da mesma maneira que anteriormente concentrava seu interesse nas
regiões da boca.

O desenvolvimento neuromuscular e os acontecimentos externos contribuem para este


progresso. A criança torna-se então capaz de controlar a musculatura esfincteriana
(anal e vesical) e a atenção da mãe se volta para este tipo de atividade.

Momento de extremo prazer para a criança quando descobre que pode controlar esta
atividade. Fase em que os produtos internos são sua maior atenção e preocupação.

Fase cheia de fantasias infantis. Há o desejo de agradar a mãe, no qual a criança percebe
o extremo interesse de sua mãe em sua aprendizagem dos hábitos de higiene. Ela pode
sentir que fazendo seus produtos no vaso, estará agradando sua mãe, um presente, e
fica confusa em relação ao destino deste presente; “já que está sendo tão importante,
que a mamãe está prestando tanta atenção, como é que a gente imediatamente se livra
deles dando descarga e eles desaparecem para sempre?”

Algumas crianças tem vontade de manusear, de mexer em seus produtos, e logo


se deparam com as proibições dos adultos. O melhor substituto para tal desejo são
brincadeiras com areia, massinha e a água e substituem simbolicamente os produtos da
criança. Seu manuseio, sendo permitido, possibilita à criança que brinca com eles, viver
suas fantasias, transformando-os em comida, batida, cobras e etc.

Fase fálica

Na fase fálica, o interesse da criança dirige-se à região genital, e seus órgãos sexuais
propriamente ditos: o pênis no menino e o clitóris na menina. Com seu interesse voltado
para esta região, a atividade de investigação da criança se dá em dois níveis:

»» Pesquisas por meio do pensamento: Tentativa de interação entre


sensações corporais e seu mundo mental. É uma época em que a linguagem
da criança já permite que ela faça perguntas e entenda determinadas

50
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

respostas. Muitos problemas se colocam para a criança neste período.


Ela tem que achar soluções para inúmeros enigmas.

»» Pesquisas em nível corporal: Época em que a curiosidade a respeito


do próprio corpo se manifesta, as pesquisas práticas se iniciam, as
observações do corpo dos pais, a constatação das diferenças anatômicas
entre sexos, perguntas e manipulações.

É nesta fase que os pais começam a ter problemas. Não sabendo o que fazer ficam
“perdidos” frente às perguntas e atitudes das crianças.

Freud postula que nessa fase a criança vivencia dois complexos que definem os próximos
passos do percurso libidinal que começou com o nascimento (oralidade): Complexo
de Édipo e Complexo de Castração, considerados agentes da estruturação psíquica da
criança.

Na fase fálica é que surge o complexo de Édipo, também chamado de complexo nuclear
das neuroses. Nesse período os meninos focalizam o seu desejo e prazer na mãe e as
meninas no pai. É nessa fase também que a criança distingue a diferença dos sexos
masculino e feminino e então determina sua fixação pela pessoa mais próxima do sexo
oposto.

A criança ao desejar o pai ou a mãe alimenta um conjunto de pulsões formadas pelo Id. O
superego que é formado pela razão, pela moral, pelas regras e normas de conduta busca
censurar tais pulsões fazendo com que o id seja impedido de incentivar a satisfação
plena da criança. O ego, por sua vez, que é a consciência humana é incentivada pelos
impulsos do id e limitada pelas imposições do superego, o que torna necessário buscar
formas de satisfazer o id sem transgredir o superego.

O complexo de Édipo em meninos surge pelo desejo sexual pela mãe, onde vê o pai
como ameaça e deseja se livrar dele buscando ainda se identificar com ele. Em meninas,
o complexo surge como o desejo de ganhar um bebê do pai e como não consegue se
desilude.

O complexo de Édipo é derrubado nos meninos pela ameaça da castração, em que


pensa que perderá seu pênis. A menina acredita que a castração já ocorreu, já que não
mais possui o membro, descartando assim a ameaça.

A criança ao perceber a diferença anatômica entre meninos e meninas vivenciam uma


fantasia em relação a essa “ausência” conhecida como o complexo de castração. O garoto
se recusa em aceitar a castração e, portanto, a negação do sexo feminino. O menino
“não poderá” aceitar o sexo oposto porque aceitá-lo implicará o fato de que também

51
UNIDADE II │ A Ciência Do Desenvolvimento Humano

ele poderia perder o pênis. Ele organizará sua personalidade em torno de um forte
medo de perder algo valioso para ele – o temor da castração. Já a menina fantasia de
que ela também possui um pênis, só que “não está totalmente desenvolvido”, apoiando
esta afirmação na existência do clitóris. Tanto meninos quanto meninas compartilham
a fantasia de que só um sexo existe. A menina após a constatação da ausência real e
concreta de um pênis, depois da comparação por observação do sexo oposto, organizará
a sua personalidade em torno de um forte anseio de suprir, preencher essa falta e para
Freud a mulher “castrada” seguirá sentindo inveja do pênis (falo).

Fase de latência

Após a enorme tensão dessa fase, a libido muda a direção (até então no próprio corpo)
para outras direções, surgindo assim a fase da Latência.

A repressão da energia sexual, fruto da repressão do Édipo, sendo que a libido acaba
sendo canalizada para o desenvolvimento intelectual e social da criança (sublimação).
Eis aqui o porquê de ser este o período da escolaridade, do aprendizado, das operações
matemáticas e gramaticais e, simultaneamente, o de um intenso contato múltiplo com
objetos reais-concretos que funcionam como substitutivos dos objetos primários mãe,
pai, irmãos etc. Daí ser este um período de socialização.

Nesta fase os interesses da criança na esfera sexual diminuem muito. Sua atenção e
energia dirigem-se às pesquisas e descobertas no mundo a sua volta. O contexto social
passa a ter maior importância, e a criança volta toda a sua criatividade para o exercício
destas novas funções.

Desvio das pulsões sexuais para novas metas, por meio dos mecanismos de sublimação
e de formações reativas e da sua transformação em impulsos de afeição.

Com a transformação do investimento amoroso nos pais em identificações, a autoridade


paterna é introjetada e a severidade com relação às regras e normas é comum neste
período.

Fase genital

Para Freud é o início do que podemos chamar de puberdade. Iniciada por volta dos
10 anos, passando por transformações corporais, afetivas e sociais que culminam na
adolescência.

É desencadeada pelas transformações físicas e psicológicas relacionadas ao


amadurecimento dos órgãos sexuais. Implica na articulação das pulsões parciais das

52
A Ciência Do Desenvolvimento Humano │ UNIDADE II

fases pré-genitais sob a primazia da genitalidade. Articula e integra o prazer com a


possibilidade da reprodução.

A polaridade aqui é masculino x feminino, o que significa a aceitação da diferença dos


sexos e, portanto, da sua incompletude. As relações de objeto características da fase
genital são aquelas que se assentam na diferença: eu vejo o outro como tendo algo a
me oferecer que eu não tenho e vice-versa. E para que isso ocorra é preciso avançar na
questão do narcisismo.

É dessa forma que a psicanálise vê o desenvolvimento e mesmo não acreditando ser


possível educar o inconsciente, as suas contribuições teóricas são muito respeitadas e
seguidas mundialmente e no Brasil compõem quase sempre a formação dos educadores.

Agora que fizemos uma pausa para conhecer a teoria do inconsciente, vamos retomar
a nossa discussão sobre o estudo do ser humano a partir de perspectivas conscientes
e apresentar um desdobramento das teorias desenvolvimentais e da relação entre
psicologia e educação: a psicologia cognitiva.

53
Sobre A
Cognição:
Contribuições Unidade iII
Da Psicologia
Cognitiva

O que é cognição? É a estruturação do conhecimento, o ato ou processo de


conhecer. Incluem estados mentais e processos como pensar, a atenção, o
raciocínio, a memória, o juízo, a imaginação, o pensamento, o discurso, a
percepção visual e audível, a aprendizagem, a consciência, as emoções. Alguns
outros desdobramentos deste conceito estão pulverizados no texto que se
segue. Vamos encontrar e refletir para criar nosso próprio conceito?

Na Psicologia, a cognição é objeto de interesse em várias abordagens, de


vários autores e em diversos campos de atuação. Especificamente nos últimos
tempos surge a psicologia cognitiva. Entende-se que a psicologia é uma ciência
que abrange várias áreas de atuação e conhecimento, bem como o modelo
clínico, hospitalar ou da saúde, social, educacional, das relações de trabalho etc.
Desenvolve também trabalhos nos campos: social, afetivo, patológico e também
pela atuação pautada na perspectiva de uma psicologia cognitiva.

54
Capítulo 1
O surgimento da psicologia cognitiva:
breve história

Assim como todos os movimentos revolucionários da psicologia, o movimento cognitivo


não surgiu de uma hora para outra. Muitas das características já haviam surgido antes
em teorias que trabalhavam direta ou indiretamente com o tema como pudemos ver com
os teóricos que foram apresentados nos capítulos anteriores. O interesse na consciência
era claro, no período inicial da psicologia, antes de a disciplina ser considerada uma
ciência normal, quando ainda estava associada aos filósofos como Platão e Aristóteles.

Quando Wundt (que é considerado por alguns o pai da Psicologia Científica) instituiu
a psicologia como disciplina científica independente, seu trabalho concentrou-se na
consciência. Ele pode ser considerado o precursor da Psicologia Cognitiva contemporânea
devido à ênfase do seu trabalho na atividade criativa da mente. As escolas de pensamento
estruturalista e funcionalista abordavam a consciência, estudando seus elementos e
suas funções. O behaviorismo, no entanto, alterou radicalmente essa visão, descartando
a consciência e ignorando-a por cerca de 50 anos, ou seja, consciência e cognição é
assunto tão antigo e estudado como o próprio ser humano e o desenvolvimento humano.

Um precursor da Psicologia Cognitiva foi o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980),


que escreveu seu primeiro trabalho científico com 10 anos e viria, mais tarde, a estudar
com Jung. Piaget também trabalhou com Théodore Simon, que, juntamente com Alfred
Binet, desenvolveu o primeiro teste psicológico de habilidade mental. Piaget ajudava a
aplicar os testes nas crianças. Posteriormente se tornaria importante por seu trabalho
sobre o desenvolvimento infantil não com base nos estágios psicossexuais, conforme
propunha Freud, mas em função dos estágios cognitivos.

As hipóteses iniciais de Piaget, publicadas em 1920 e 1930, embora altamente influentes


na Europa, não foram muito bem aceitas nos Estados Unidos por sua incompatibilidade
com a posição behaviorista. Os primeiros teóricos cognitivos, no entanto, receberam
bem a ênfase de Piaget nos fatores cognitivos. E, à medida que as ideias da Psicologia
Cognitiva tomavam conta da psicologia americana, a importância dos conceitos de
Piaget ficava ainda mais evidente. Em 1969, ele foi o primeiro psicólogo europeu a
receber o Prêmio de Destaque pela contribuição Científica. O enfoque do seu trabalho
na criança ajudou a ampliar o campo de aplicação da psicologia cognitiva.

Jean Piaget como um representante dos estudiosos cognitivistas, ao contrário do


que muitos pensam (e que já vimos anteriormente) não construiu uma teoria da

55
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

aprendizagem, mas uma teoria do desenvolvimento mental humano. Conforme Piaget


a aprendizagem é entendida como o aumento do conhecimento e apenas ocorre
aprendizagem quando o esquema de assimilação passa pelo processo de acomodação.
Em outras palavras, para que alguém aprenda é preciso que haja uma reconfiguração
da estrutura cognitiva (esquemas de assimilação) do indivíduo, resultando em novos
esquemas de assimilação cognitiva.

A ideia de estrutura cognitiva é primordial para a compreensão da teoria de Piaget,


elas podem ser definidas como modelos de ação física e mental próprias de atos
característicos de inteligência e que correspondem a estágios do desenvolvimento
infantil. Para relembrar, segundo Piaget, existem quatro estágios de desenvolvimento,
ou seja, quatro estruturas cognitivas primárias: sensório-motor, pré-operacional,
operacional concreto e operacional formal. No primeiro estágio, sensório-motor (0-2
anos), a inteligência se expressa em ações motoras. No estágio pré-operatório (3-7 anos)
a inteligência é de natureza intuitiva. Já no terceiro estágio, o operatório-concreto (8-11
anos), o desenvolvimento da inteligência se volta para operações lógicas, mas ainda na
dependência de referenciais concretos. E no estágio final do desenvolvimento cognitivo,
o operatório-formal (12-15 anos), é que o pensamento passa a realizar abstrações.

É por meio de processos de adaptação: assimilação e acomodação, que as estruturas


cognitivas se transformam. A assimilação refere-se à interpretação de eventos por
meio das estruturas cognitivas existentes, e a acomodação diz respeito à modificação
da estrutura cognitiva com a finalidade de compreender o meio. A teoria de Piaget
aproxima-se de outras teorias de aprendizagem construtivistas (VYGOTSKY; BRUNER)
ao afirmar que o desenvolvimento cognitivo de um indivíduo consiste em seu constante
esforço adaptar-se ao meio em que vive em termos de assimilação e acomodação.

Outro caminho histórico ligado ao surgimento das discussões acerca da cognição como
objeto de interesse na psicologia vem da força e disseminação da teoria behaviorista
e das críticas que esta recebeu por teóricos que se propuseram a estudá-la em tempos
depois. Spinillo e Roazzi (1989) contribuíram com um artigo clássico em que refletem
sobre como a psicologia cognitiva, assim como também outras áreas da psicologia,
foram influenciadas negativamente por uma série de pressuposições restritivas
definidas como positivistas, que especificavam que o objeto de estudo da psicologia
seria exclusivamente o comportamento observável, assim como a maneira correta de
se efetuar investigações sobre este objeto seria por meio da determinação da relação
estímulo-resposta, isto é, pela pesquisa de correlações entre as condições (em geral
externas ao indivíduo) e as respostas emitidas pelo indivíduo frente a estas condições.
Dentro deste enfoque, o estudo do comportamento limitava-se à identificação das
correlações existentes entre as variáveis em função do contexto experimental e as

56
Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva │ UNIDADE III

respostas observáveis nos comportamentos produzidos pelo indivíduo. O que acontece


no interior do indivíduo era de fato irrelevante e eliminado da investigação, dado que
não poderiam controlar adequadamente tais aspectos.

Tais pressuposições foram rejeitadas pela psicologia cognitiva, que procurou superar
este modelo reducionista e mecanicista do comportamento, partindo do pressuposto de
que não é possível tratar a relação entre o estímulo e a resposta como simples e linear.
Nesta abordagem a atenção recai sobre as estruturas, os processos e os mecanismos
que constituem a mente do indivíduo.

Ressurge a questão mental, contrariando uma das mais marcantes características da


ciência behaviorista que foi a exclusão do elemento “mente” de seus estudos. Na ciência
cognitiva acredita-se que no indivíduo existem mecanismos e processos que irão entrar
em ação no momento do surgimento das respostas, independentemente do nível de
simplicidade ou elaboração destas (SPINILLO; ROAZZI, 1989). A maneira de operar
do indivíduo é complexa e influencia não só a resposta, ou seja, o produto final do
comportamento, mas também possui um efeito retroativo ao nível da intensidade e
qualidade do estímulo.

Sai o limitado modelo E-R e entra um esquema mais complexo e elaborado que considera
de forma circular entre organismo e estímulos para entender o comportamento
humano. O organismo tem papel relevante e ativo, um sistema capaz de elaborações
complexas, tais como: efetuar escolhas dentre os elementos relevantes de uma dada
situação, utilizar estratégias alternativas, armazenar seletivamente informações, operar
transformações sobre os elementos de forma a elaborá-los apropriadamente, operando
os resultados dessas elaborações e não apenas operações ligadas e determinadas pelos
estímulos de entrada. Na relação entre a situação-problema e a resolução de problemas
surge a necessidade de encontrar as especificidades cognitivas que cada sujeito utiliza
para a atividade fim. É a partir desta diferença que surge a psicologia cognitiva.

Mais especificamente, nos anos 1960, dois psicólogos norte-americanos impulsionaram


ainda mais essa revolução: George Miller e Ulric Neisser. Miller estudou os modelos de
mente baseados nos computadores, assim como a linguagem e a memória. Ele também
foi responsável por juntamente com outro famoso psicólogo Jerome Bruner criar em
1960 em Harvard um centro de estudos sobre a mente humana, o qual foi denominado de
Centro de Estudos Cognitivos, utilizando a palavra Cognição para destacar a cisão com
o behaviorismo e o retorno ao uso de termos mentalistas (CARRETERO; CASTORINA,
2013).

Nesse retorno das questões mentais, as pressuposições do que acontecia no interior


fosse eliminado da investigação, dado que não poderiam controlar adequadamente tais

57
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

aspectos, foram rejeitadas pela psicologia cognitiva, que procurou superar este modelo,
partindo do pressuposto de que não é possível tratar a relação entre o estimulo e a
resposta como simples e linear. Nesta abordagem a atenção recai sobre as estruturas,
os processos e os mecanismos que constituem a mente do indivíduo.

Sendo assim, com tal rompimento e ressurgimento de teorias mentalistas, Ulric Neisser
é conhecido como o pai da Psicologia Cognitiva, pois em 1967, publicou um livro
intitulado Cognitive Psychology (Psicologia Cognitiva). Neisser, definiu a Psicologia
Cognitiva como “o estudo de como as pessoas aprendem, organizam, armazenam e
utilizam o conhecimento” (STERNBERG, 2010, p. 10).

Percebe-se então que são vários os caminhos e diferentes autores da história da


psicologia científica que lentamente trouxeram a cognição a um status de importância
suficiente para ter uma própria área, num momento histórico específico que promoveu
condições férteis para o surgimento do que conhecemos como psicologia cognitiva.
Vamos falar um pouco mais sobre ela?

58
Capítulo 2
Considerações sobre a Psicologia
Cognitiva e seu objeto

Com essa bagagem referencial, a Psicologia Cognitiva estuda os processos de


aprendizagem e de aquisição de conhecimento. Também pretende estudar, dentre
outras coisas, a relação entre os processos cognitivos e o comportamento humano.
Atualmente, é um ramo da psicologia dividido em inúmeras linhas de diferentes
pesquisas e algumas vezes discordantes entre si.

A Psicologia Cognitiva trabalha com a ideia de que há estados mentais internos, ou seja,
as crenças, as motivações e tais estados mentais soam em desencontro com a psicologia
comportamental. Pode ser entendida de maneira geral como uma área de conhecimento
que se propõe em estudar como as pessoas são capazes de perceber, aprender, lembrar e
pensar sobre determinadas situações da vida, ou seja, se propõe a estudar os processos
mentais dos indivíduos. Cabe ao profissional dessa área descobrir leis que estabeleçam
conexões entre o comportamento e a variedade de aspectos e elementos com os quais o
comportamento está relacionado, deve estar apto a entender como as pessoas percebem
os fenômenos ou porque algumas pessoas lembram com mais facilidade de um fato e
outras esquecem mais facilmente, dentre outras atribuições.

A proposta de Carretero e Castorina (2013) é a de considerar como cognitivas diferentes


teorias psicológicas que se referem à explicação de condutas, entidades, processos,
disposições, organizações ou uma arquitetura mental e que postulam que o agente de
tal conduta é definido funcionalmente por meio da articulação entre tais entidades ou
processos e seu meio, seja físico ou social.

No intuito de caracterizar esse trabalho, diz-se que essa é uma área da psicologia que
tem por finalidade estudar o pensamento, a percepção, a memória, a fim de analisar
como o sujeito percebe o mundo e de que modo desenvolve as funções cognitivas tais
como: falar, resolver problemas, memorizar, raciocinar etc.

Na atualidade, existem algumas áreas de conhecimento que se comunicam com a ciência


cognitiva, bem como a inteligência humana, a atenção, a percepção visual e auditiva, a
inteligência artificial, a linguagem, o esquecimento, a lembrança etc.

De acordo com este enfoque, a tarefa do psicólogo cognitivo é descobrir leis que
estabeleçam conexões entre o comportamento e a variedade de aspectos e elementos
com os quais o comportamento está relacionado, procurando encarar o problema de

59
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

forma mais abrangente. No plano epistemológico e metodológico esta tarefa inclui a


elaboração de modelos teóricos das estruturas dos processos e dos mecanismos que
constituem a vida mental do indivíduo. O estudo das condições que influenciam o
comportamento se torna, assim, apenas um meio para alcançar este fim. Em outras
palavras, a psicologia tem que tentar ir além do simples estabelecimento de certos
comportamentos que se manifestam em certas condições, mas procurar elaborar
modelos explicativos dos mecanismos mais amplos que operam na mente do sujeito,
com base nos quais o indivíduo manifesta aquele comportamento naquelas condições.

O problema do conhecimento humano sempre esteve intimamente relacionado com


os temas estudados pela psicologia cognitiva. É totalmente divergente de outras
abordagens da psicologia por dois motivos principais: 1. Refuta a introspecção e adota
o método científico positivista como método válido de investigação, o que contraria
os métodos fenomenológicos, como a psicologia freudiana, por exemplo. 2. Defende
a existência de estados mentais internos, tais como: o desejo; as crenças (conjunto de
suposições desejadas, inconsciente ou conscientemente por indivíduos ou grupos); as
motivações (impulso de materialização do desejo na conduta dos indivíduos de forma
consciente ou inconsciente), tais estados mentais vão contra os preceitos da psicologia
comportamental.

Na tentativa de compreender a amplitude da Psicologia Cognitiva torna-se relevante


argumentar acerca dos modelos mentais, que se configuram como as imagens, as
abstrações, os pressupostos e histórias que estruturam nossa mente. Desse modo, tais
imagens, histórias, ideias enquadram o modo de ser de cada sujeito, de perceber as
outras pessoas, e tudo que está em sua volta, inclusive os sentimentos, denominando-se
assim cognições.

Pode-se considerar que a Psicologia Cognitiva é uma área que objetiva estudar as funções
e processos mentais do sujeito, bem como a memória, percepção, atenção, raciocínio.
Desse modo, enfatiza-se que o interesse da Psicologia Cognitiva recai sobre a natureza
do conhecimento, com base em estudos empíricos.

Enfim, a Psicologia Cognitiva não está preocupada com as elaborações das condições
de estimulação que produzem um determinado comportamento, nem em indicar
simplesmente com que probabilidade é possível provocar uma resposta a partir de
uma certa estimulação. Pelo contrário, procura especificar os mecanismos e processos
mentais no organismo e propor modelos que indiquem as fases dos processos mentais
e as funções desenvolvidas por estas fases.

60
Capítulo 3
Alguns elementos de estudo da área

Agora que já vimos e revimos definições de Psicologia Cognitiva, seus objetos de


interesse e alguns dos seus desdobramentos faremos uma pausa para elencar alguns
desses elementos e definições antes de continuar o texto propriamente dito?

Apesar de que aqui os elementos: percepção, memória, atenção e cognição serão


conceituados separadamente, tal individualidade ocorre apenas para fins didáticos,
uma vez que um fenômeno se utiliza de outro ou desencadeia os demais quando nosso
cérebro está em pleno funcionamento. Vamos começar pela percepção.

Percepção é, em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, a função cerebral


que permite ao sujeito organizar e interpretar as suas impressões sensoriais para
atribuir significado ao meio em que está inserido e levando em consideração
suas experiências e vivências passadas.

Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas


pelos sentidos e que pode ou não se utilizar de informações advindas da memória.
Graças aos órgãos dos sentidos é que a percepção – atividade cognitiva – acontece, pois
estes veiculam as informações obtidas. Como isso acontece?

O estímulo é detectado e recebido pelos órgãos receptores, o que é conhecido como


sensação. Há então a tradução desse estímulo em impulsos nervosos que serão
encaminhados e processados no cérebro. À medida que adquirimos novas informações,
a nossa percepção em relação a um determinado assunto vai-se alterando. Contudo,
é de salientar que mesmo na ausência de alteração do estímulo, a sua interpretação
poderá variar, por influência das experiências presenciadas pelo sujeito. Assim, após
a chegada da informação ao cérebro, vão-se estruturar e organizar continuamente
as representações do mundo. É nele que se dá sentido ao que vemos, ouvimos e
sentimos, dado que a informação proveniente dos órgãos sensoriais é processada no
cérebro, estrutura do sistema nervoso na qual os estímulos ganham sentido e, por isso,
significado. Mas todo esse caminho é a descrição do funcionamento de um cérebro sadio
e em pleno funcionamento. Em caso de algum desequilíbrio, podemos nos deparar com
percepções que não deixarão de corresponder àquilo que efetivamente se observa, ouve
e sente, daí a existência de percepções deficientes, alucinações ou ilusões dos sentidos
(Em <http://cerebro.weebly.com/percepccedilatildeo.html>).

61
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

A percepção pode ser estudada do ponto de vista estritamente biológico ou fisiológico,


envolvendo estímulos elétricos evocados pelos estímulos nos órgãos dos sentidos. Do
ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção envolve também os processos
mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na interpretação dos dados
percebidos. Por exemplo, todo o processo de percepção de estímulos que acabamos de
citar só será possível quando um outro fenômeno ocorra concomitantemente: a atenção.

O ser humano está contínuo e constantemente em contato com uma vasta gama de
estímulos que o cerca, advindos tanto do seu meio ambiente externo, como de seu meio
interno, ou seja, o organismo. Um mecanismo auxiliar de consciência realiza o processo
de seleção desses estímulos permitindo ao organismo humano empreender e manter
programas de ação sobre o meio, esse processo depende de uma função psicológica
superior, é a atenção (SILVA, 2013).

Mecanismo psíquico, independente de outras funções como a percepção,


memória, porém a elas interligadas na ação exploratória do ambiente pelo
sujeito. Para a psicologia, a atenção é uma qualidade da percepção que funciona
como uma espécie de filtro dos estímulos ambientais, avaliando quais são os
mais relevantes e dotando-os de prioridade para um processamento mais
profundo. Por outro lado, a atenção também é entendida como o mecanismo
que controla e regula os processos cognitivos. Em certas ocasiões, chega mesmo
a atuar de forma inconsciente (RASSUL, 2013).

Segundo o Dicionário de Psiquiatria, a definição de atenção é: Focalização consciente


e deliberada de energia mental num objeto ou num componente de uma experiência
complexa e, ao mesmo tempo, excluindo outros conteúdos emocionais ou intelectuais;
o ato de tomar cuidado, notar, observar ou concentrar-se em algo.

Em outras palavras, comumente os seres humanos e outros animais escolhem um


filão de impressões para atender. Os estímulos que ficam na periferia (limite) de nossa
atenção formam um pano de fundo. Essa abertura seletiva para uma pequena porção
de fenômenos sensoriais chama-se atenção. É um processo de observação seletiva
em que agem diversos fatores determinantes internos e externos. A preocupação da
psicologia, portanto é identificar os pontos do processo perceptivo em que a atenção
opera. Os estudos desenvolvidos lembram que a atenção se ativa em várias situações:
inicialmente quando recebe um input de um órgão sensorial, e mais tarde, ao decidir se
reage a ele, preparando uma ação (RASSUL, 2013).

62
Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva │ UNIDADE III

»» Memória: o registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da


experiência anterior, o que permite ao homem acumular informações e
delas dispô-las a fim de operar no mundo (LURIA, 1981).

A memória é uma função importante que permite ao organismo codificar, armazenar


e recordar informação vinda do meio e que lhe é potencialmente útil. Ela é uma das
capacidades que permite ao ser vivo uma adaptação ao meio ao permitir-lhe aumentar
o conhecimento. Os processos de codificação, formado pela representação do mundo
no cérebro por meio do ajuste de sinapses nas redes neuronais, incluem três etapas:
retenção, armazenamento e recuperação (ZIMMER, 2001).

De acordo com Nunes (2010):

A memória não é só a retenção de certo conhecimento, mas também


ativadora da imaginação, interpretação, problematização, reinvenção
etc., nos quais atuam sobre o que é recordado pelo indivíduo. A
memória é a capacidade do ser humano em conservar e relembrar
mentalmente conhecimentos, conceitos, vivências, fatos, sensações e
pensamentos experimentados em tempo anterior. A memória refere-se
à retenção de habilidades adquiridas ou de informação e em situações
cotidianas, os adultos, especialmente os idosos, podem ter algumas
dificuldades de recuperação de memória. Mesmo sendo consequência
do envelhecimento, a diminuição da eficiência da memória é também
influenciada por questões como genética, fatores ambientais, vivências,
hábitos linguísticos, caráter e personalidade. A perda da memória
estaria relacionada com a degeneração dos neurônios cerebrais. (...)
Assim, o processo da memória de curto prazo poderia se referir a
um tipo de armazenamento passivo e envolveria apenas a lembrança
da informação sem nenhum tipo de manipulação e, por conseguinte,
as tarefas da memória de trabalho exigiriam processos mais ativos e
seriam os que a informação é mantida temporariamente enquanto está
sendo manipulada ou transformada.

Leia mais em: <http://www.webartigos.com/artigos/definicao-funcao-e-tipos-


de-memoria/36064/#ixzz4O0TU5NU0>.

»» Cognição: significa a aquisição de um conhecimento pela percepção, é


o conjunto dos processos mentais usados no pensamento e na percepção,
também na classificação, reconhecimento e compreensão para o

63
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

julgamento por meio do raciocínio para o aprendizado de determinados


sistemas e soluções de problemas. De uma maneira mais simples,
podemos dizer que cognição é a forma como o cérebro percebe, aprende,
recorda e pensa sobre toda informação captada pelos cinco sentidos
(TEIXEIRA, 2015).

Mas a cognição é mais do que simplesmente a aquisição de conhecimento e


consequentemente, a nossa melhor adaptação ao meio - é também um mecanismo de
conversão do que é captado para o nosso modo de ser interno. Ela é um processo pelo
qual o ser humano interage com os seus semelhantes e com o meio em que vive, sem
perder a sua identidade existencial. Ela começa com a captação dos sentidos e logo em
seguida ocorre a percepção. É, portanto, um processo de conhecimento, que tem como
material a informação do meio em que vivemos e o que já está registrado na nossa
memória.

Pode-se entender as cognições como um conjunto de conhecimentos ou crenças. A


partir disso, a pessoa estabelece um conjunto de estratégias que utiliza para aprimorar
sua relação com o meio. Assim, as cognições são pensamentos ou autoafirmações atuais
de uma pessoa, bem como suas percepções, avaliações, atitudes, lembranças, objetivos,
padrões, valores, expectativas e atribuições. Tem-se então, as estratégias mentais que
vão sendo construídas e desenvolvidas.

Devido à realização de experimentos, segundo uma abordagem sócio-histórica, Luria


(1981) afirma que a atividade cognitiva humana ao contrário de ser estanque, evolui
historicamente, em várias etapas, variando as estruturas como percepção, atenção,
memória, raciocínio, pensamento, linguagem de acordo com as condições de vida social
de cada povo, pois se o ambiente muda, este também muda, enquanto rudimentos de
conhecimentos são adquiridos.

Gardner apud Senge (2007) afirma que nossos modelos mentais determinam não
apenas a forma como entendemos o mundo, mas também como agimos. Os modelos são
ativos, moldam nossa forma de agir. Se temos a crença de que não podemos confiar nas
pessoas, agimos de forma diferente do que agiríamos se acreditássemos que são dignas
de confiança. Felizmente, por mais distorcidos que sejam nossos modelos mentais, há
sempre a possibilidade de alteração.

Para bem compreendermos os modelos mentais cabe ressaltar alguns aspectos, assim
como enfatizar que esse modelo determina o que é visto e sentido. Entretanto, não são
estáticos, podem ser aperfeiçoados a fim de estar a serviço de uma melhor adaptação
em prol de propiciar um bem-estar e uma adaptabilidade.

64
Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva │ UNIDADE III

Em conclusão, pode-se considerar que a Psicologia Cognitiva é uma área que objetiva
estudar as funções e processos mentais do sujeito, bem como a memória, percepção,
atenção, raciocínio. Desse modo, enfatiza-se que o interesse da Psicologia Cognitiva
recai sobre a natureza do conhecimento, com base em estudos empíricos. A partir
desse estudo foi possível conhecer as motivações e os interesses para o surgimento
desse saber psicológico, entender algumas considerações sobre essa área e ainda tecer
algumas considerações sobre o manejo dessa profissional que trabalha especificamente
com a cognição.

Em uma ocasião, Jerome Bruner descreveu a Psicologia Cognitiva como “uma revolução
cujos limites ainda não podem ser previstos” (BRUNER, 1983, p. 274). O cientista
Roger Sperry, ganhador do prêmio Nobel, comentou que a revolução da consciência
ou cognitiva, comparada às revoluções psicanalítica e behaviorista na psicologia, é a
reviravolta mais radical; a mais revisionista e mais transformadora.

O impacto da Psicologia Cognitiva é sentido na maioria das áreas de interesse das


comunidades de psicologia americana e europeia. Ademais, os psicólogos cognitivos
têm tentado aprofundar e consolidar o trabalho de diversas grandes disciplinas em um
estudo unificado de aquisição do conhecimento. Essa perspectiva, intitulada ciência
cognitiva, é uma fusão de psicologia cognitiva, linguística, antropologia, filosofia,
ciência da computação, inteligência artificial e neurociência. Embora George Miller
questionasse o que se transformaria a união de campos de estudo tão distintos (ciências
cognitivas, ele sugeriu em vez de ciência cognitiva), não há como negar o crescimento da
abordagem multidisciplinar. Vários laboratórios e institutos de ciência cognitiva foram
criados nas universidades dos Estados Unidos; alguns departamentos de psicologia
passaram a se chamar departamentos de ciência cognitiva. Qualquer que seja o nome,
a abordagem cognitiva para o estudo do fenômeno mental e dos processos mentais
passou a dominar a psicologia e as disciplinas aliadas.

A Psicologia Cognitiva não está terminada. Está ainda em evolução, marcando o lugar na
história em andamento, portanto, ainda é cedo demais para avaliar suas contribuições
definitivas. A disciplina é dotada de características de uma escola de pensamento:
publicações próprias especializadas, laboratórios, encontros, jargões e convicções, bem
como o zelo dos adeptos.

Até o momento falamos sobre a ciência psicológica, uma ciência da consciência humana.
Mesmo não falando a mesma língua ou partindo de pressupostos em comum, os vários
autores e teorias até então estudadas evidenciam de maneira particular a relação entre
o ser humano e seu meio na sua constituição enquanto sujeito único e social.

65
UNIDADE III │ Sobre A Cognição: Contribuições Da Psicologia Cognitiva

O grande desafio dessa disciplina é o de tentar apontar para direções completamente


opostas para demonstrar que há uma gama de saberes que corroboram entre si ou não,
e cada um com sua metodologia e visão de mundo possui seus adeptos, defensores e é
claro, seus críticos.

Antes de finalizarmos essa disciplina, retomaremos na próxima unidade, de forma


mais aprofundada, a discussão sobre a adolescência uma vez que as referências ao
desenvolvimento e cognição desse grupo foram teorizados muito brevemente pelos
autores e linhas anteriormente apresentados.

66
Um Olhar Sobre Unidade iV
A Adolescência

Retomando algumas definições dessa fase, a adolescência pode ser vista como etapa do
amadurecimento entre a infância e a condição de adulto. O termo refere-se ao período
que vai do início da puberdade até a maturidade. Em geral, é definida como o período de
tempo que os indivíduos necessitam para se considerarem autônomos e independentes
socialmente. Esse período de transição entre as etapas social e biológica definidas da
infância e vida adulta se caracteriza por impulsos desenvolvimentais: físicos, mentais,
afetivos, sexuais e sociais, de acordo com os limites impostos pela cultura em que o
adolescente vive.

Mas dizer que é uma fase entre a infância e a vida adulta, como está em quase
todas as definições encontradas sobre o tema adolescência é muito vago.
Como podemos buscar maiores evidências que nos assegure que entramos na
adolescência ou mesmo saímos dela?

Em primeiro lugar precisamos compreender que essa etapa da vida é composta de duas
transições: uma biológica que é comum a todos os seres humanos – puberdade – e uma
psicológica e social que pode ou não acontecer e que difere para cada sujeito e cultura
– a adolescência.

Em relação ao marco biológico: puberdade, vamos agora nos debruçar, relembrar e


aprender um pouco mais sobre:

67
Capítulo 1
Puberdade

Puberdade define-se como uma fase de maturação fisiológica, uma fase do ciclo biológico
que promove transformações físicas marcantes e específicas em cada gênero e os
prepara para o surgimento da função procriadora. Esse fenômeno de caráter universal
se dá com algumas pequenas diferenças dependendo de fatores como circunstâncias
geográficas, climáticas, alimentares, entre outras.

Com as mudanças corpóreas e hormonais uma das características marcantes é o


movimento emocional que são impulsionados pelas alterações emocionais que o corpo
sofre. O começo da puberdade é associado às mudanças drásticas na estatura e nos
traços físicos. Nesse momento, a atividade da hipófise leva a um aumento na secreção
de determinados hormônios. O hormônio do crescimento produz uma aceleração do
crescimento, levando o corpo até quase a sua altura e peso adulto em cerca de dois anos.

No caso das meninas, as mudanças pubertárias se dão essencialmente por:

»» Surgimento dos caracteres sexuais secundários;

»» Produção do hormônio sexual denominado: estrogênio;

»» Aceleração do crescimento;

»» Crescimento dos seios;

»» Crescimento de pelos pubianos e nas axilas;

»» O corpo ganha peso e ‘curvas’ devido aos crescimentos dos quadris e dos
seios;

»» As glândulas sudoríparas estão ficando maiores e mais ativas;

»» Os poros da pele produzem mais óleo e surgem as espinhas;

»» Menarca;

»» Mudança dos órgãos genitais.

No caso dos meninos, as mudanças pubertárias se dão essencialmente por:

»» Surgimento dos caracteres sexuais secundários;

68
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

»» Produção do hormônio sexual denominado: testosterona;

»» Aceleração do crescimento;

»» Crescimento de pelos pubianos, faciais e nas axilas;

»» As glândulas sudoríparas estão ficando maiores e mais ativas;

»» Aumento dos testículos e o pênis costuma crescer primeiro em


comprimento e depois em diâmetro, terminando com o desenvolvimento
da glande, adquirindo as características do pênis do adulto;

»» Alteração no timbre de voz;

»» Os poros da pele produzem mais óleo e surgem as espinhas.

Nessa fase o crescimento se acelera, os órgãos sexuais ganham definição e a fertilidade se


inicia. É um processo difícil tanto para o adolescente, que vai viver essas transformações,
como para os que o rodeiam que terão de se adaptar às alterações de humor e às crises
existenciais vividas por ele. Apesar de tudo isso, as transformações são necessárias para
a manutenção da espécie humana, pois todo esse alvoroço tem como objetivo dotar o
homem de capacidade e condições para o processo de reprodução.

A psicanálise vê a puberdade como o momento em que os componentes que definem


a sexualidade infantil (fases oral, anal e fálica), se diluem para integrarem-se num
único conjunto da energia libidinal. Essas diferentes fases, caracterizadas também
por diferentes zonas erógenas (boca, ânus, pênis, clitóris, vagina etc.), somadas aos
impulsos parciais irão compor o ato sexual adulto. A partir disso, o indivíduo está
pronto para viver uma genitalidade adulta. Freud associa as mudanças hormonais como
marcos para o início da fase genital. Essas mudanças biológicas são conhecidas como
Puberdade e as mudanças psicológicas decorrentes disso de Adolescência. É preciso
compreender que adolescência e puberdade não são sinônimas.

As s mudanças começam a surgir, em média, aos 12 anos de idade. Um fenômeno


comum e que deve ser observado é a puberdade precoce e a puberdade precoce.
Quando o corpo precocemente se prepara para a reprodução e se transforma em signos
que culturalmente são atrativos, os jovens podem muitas vezes ser lançados em um
mundo de sexualidade e interações permeadas pelo corpo biologicamente maduro,
mas psicologicamente imaturo. Já quando psicológica e cronologicamente o sujeito
já está preparado e desejoso de interações mais adultas e seu corpo biologicamente
não acompanha esse desenvolvimento, isso pode causar uma série de traumas e
inadequações comportamentais.

Outra possibilidade de entender algumas das mudanças físicas e comportamentais


dessa etapa e mais próximo às neurociências seguimos para um rápido olhar sobre o
cérebro do adolescente. O que ele pode nos contar.
69
Capítulo 2
Cérebro e adolescência

A neuropsicologia estuda a relação entre a mente e o cérebro e busca estudar a


repercussão de disfunções cerebrais sobre o comportamento e a cognição. Segundo
Luria (1966) a investigação neuropsicológica permite conhecer a estrutura interna dos
processos psicológicos e da conexão interna que os une. Possibilita também realizar um
exame pormenorizado das alterações que surgem nos casos de lesões cerebrais locais,
assim como as maneiras pelas quais os processos psicológicos são alterados por essas
lesões. Como vimos anteriormente tanto alterações físicas quanto cerebrais ocorrem e
podem estar ligadas às alterações comportamentais.

Segundo Kolb e Whishaw (2002, citado por ALENCAR, 2009) à medida que o cérebro
se desenvolve, os neurônios ficam conectados de modo cada vez mais complexos. O
desenvolvimento cerebral pode ser abordado por três perspectivas diferentes:

1. o desenvolvimento estrutural pode ser estudado e correlacionado ao


surgimento dos comportamentos.

2. o desenvolvimento comportamental pode ser analisado e podem ser


feitas previsões sobre qual circuito subjacente, está surgindo.

3. podem ser estudados os fatores que influenciam o desenvolvimento


cerebral e comportamental, como uma lesão cerebral.

A plasticidade cerebral se refere às alterações na estrutura do cérebro que acompanham


a experiência. Os cérebros, expostos a diferentes experiências ambientais, são moldados
de forma diferente. Mas, para Kolb e Whiswaw (2002) a plasticidade cerebral não se
deve apenas à resposta aos eventos externos do organismo, mas também à resposta aos
eventos internos, incluindo efeitos hormonais, lesões e genes anormais.

Para Herculano-Houzel (2005, citado por ALENCAR, 2009) o cérebro adolescente é


fundamentalmente diferente tanto do cérebro infantil quanto do cérebro adulto, e essas
diferenças em várias regiões do cérebro podem explicar as mudanças de comportamento
típicas do adolescente. Tudo começa no hipotálamo. Os hormônios sexuais são
produzidos nas gônadas, sob o controle do hipotálamo. Os hormônios sexuais que
voltam ser produzidos na adolescência não encontram um cérebro já amadurecido e
pronto para o ataque. Sendo assim, não basta inundar o cérebro infantil com hormônios
para torná-lo adolescente: é preciso que esse cérebro mude com a adolescência, para
então responder aos hormônios.
70
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

O cérebro adolescente sofre uma reorganização química na quantidade de


neurotransmissores disponíveis para levar mensagens de um neurônio para outro. A
diferença de habilidades da criança, do adolescente e do adulto não está relacionada a
um aumento do número de neurônios. O cérebro adolescente sofre uma reorganização
química e também uma reorganização estrutural, não no número de neurônios,
mas na capacidade de trocar sinais entre eles (ALENCAR, 2009). O comportamento
característico dessa fase é consequência do remodelamento estrutural e funcional do
próprio cérebro. É no córtex parietal superior que o cérebro constrói a sua imagem
corporal: onde está e o que está fazendo cada parte do corpo.

Com todo o crescimento desproporcional e em etapas típicos da fase, é de se esperar que


o adolescente estranhe sua imagem no espelho. O sistema de recompensa do cérebro
é o conjunto de estruturas que nos premiam com uma sensação de prazer e nos fazem
querer mais de tudo que é bom e dá certo. Na adolescência o sistema de recompensa
sofre algumas mudanças fazendo com que coisas que eram agradáveis para a criança
agora não são mais para o adolescente. Para Herculano-Houzel (2005) essas alterações
na adolescência do chamado comportamento motivado podem ser explicadas por uma
perda transiente de função, ou embotamento, do sistema de recompensa. O jovem
passa a buscar novos prazeres, em diferentes níveis, ao mesmo tempo que surge o
aborrecimento com o que é velho e conhecido, aparece então a supervalorização do
novo; aumenta o valor positivo atribuído a novas interações sociais; estímulos fortes
funcionam melhor e com isso aumentam os comportamentos de risco; prazeres
consumatórios que atendem às necessidades do corpo (ALENCAR, 2009).

Com o embotamento do sistema de recompensa provoca o tédio com o familiar e a


busca por novas fontes de satisfação, além de ser responsável por vários dos feitos
necessários para a independência cada vez mais desejada nessa idade. Quanto maior
é a ativação do sistema de recompensa, maior é o prazer obtido depois do feito, maior
será o prazer antecipado só de pensar no que se considera fazer e, portanto, maior será
a probabilidade de fazer aquilo de novo.

Uma parte do cérebro adolescente primeiro recebe informações sobre o que está
acontecendo no corpo e informações sobre as intenções que guiaram o comportamento
atual. Outra parte influencia o comportamento ao despejar dopamina no cérebro.
Quanto maior o número de receptores para dopamina, mais fácil será conseguir prazer
ou satisfação. Mas há uma redução de um terço de receptores até o final da adolescência
o que leva ao enfado, a insatisfação com antigas brincadeiras, a busca por novidades e
comportamento de risco e até uma possível busca por drogas. A perda de receptores é
compensada aos poucos por um aumento na quantidade de dopamina que é liberada
no sistema de recompensa por comportamentos que proporcionam prazer, de modo

71
UNIDADE IV │ Um Olhar Sobre A Adolescência

que o conjunto vai aos poucos se aproximando do que será o seu estado de equilíbrio na
vida adulta. “Ao final, tudo dá certo: os receptores são menos numerosos, mas, como
recebem mais dopamina, o resultado é satisfação garantida” (HERCULANOHOUZEL,
2005, p. 128, citado por citado por ALENCAR, 2009).

No que concerne ao córtex pré-frontal, as diferenças entre o comportamento


infantil e adulto está na reorganização da sua arquitetura e conectividade ao longo
da adolescência. Segundo Herculano-Houzel (2005) na opinião mais atual da
neurociência, o funcionamento adulto do córtex pré-frontal depende de um refinamento
das suas conexões, ou seja, da eliminação dos contatos excedentes, desnecessários
ou incovenientes entre os neurônios. Tal redução em volume explica a redução da
substância cinzenta, ao mesmo tempo que a substância branca subjacente se expande.
Percebe-se a melhora no domínio da linguagem do adolescente, as respostas motoras,
a evolução do comportamento adolescente, como a memória de trabalho e a capacidade
de inibição e seleção(ALENCAR, 2009).

No desenvolvimento da infância e da adolescência, a evolução do sistema nervoso aponta


como um dos temas centrais a transição de um comportamento reativo, determinado
pelo ambiente atual, para um comportamento principalmente proativo, orientado não
em função do presente, mas de projeções e de imagens mentais do futuro. O córtex
pré-frontal é dividido em duas regiões: o córtex orbitofontal e o córtex pré-frontal
dorsolateral. Segundo Herculano-Houzel (2005) o cortex pré-frontal é toda região que
não é diretamente responsável por receber sinais dos sentidos nem por comandar os
movimentos do corpo, além de apresentar como papel principal a associação entre
estímulos, ações, suas consequências, e as lembranças de tudo isso. O córtex orbitofontal
exerce um papel fundamental no comportamento social, regulado pelas emoções e pela
experiência passada. O córtex pré-frontal dorsolateral é responsável pela memória
de trabalho, controle de impulsos e o raciocínio abstrato. É uma das últimas regiões
a amadurecer. De acordo com Herculano-Houzel (2005) certas besteiras típicas da
adolescência podem ser atribuídas a dobradinha sistema de recompensa embotado e
córtex pré-frontal dorsolateral imaturo.

A adolescência é um período de intenso aprendizado social. São muitas escolhas


diante de muitas possibilidades. A transição para a vida adulta depende de um bom
desenvolvimento emocional e cognitivo. Segundo Herculano-Houzel (2005):

O desenvolvimento emocional na adolescência acontece com o amadurecimento de


duas funções: a habilidade de usar as próprias emoções como norteadores de boas
decisões e a capacidade de empatizar com os outros. Usar bem as emoções para
tomar decisões é função do córtex orbitofontal, uma das últimas regiões a ficarem

72
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

prontas na adolescência. O córtex orbitofontal precisa amadurecer funcionalmente


e estruturalmente para que se adquira um comportamento social adulto. Se ele é
lesionado na infância, o desenvolvimento social e emocional fica congelado em um
estado correspondente ao início da adolescência. De acordo com a autora a descrição
do adolescente-problema se aplica a crianças normais e aos adultos que sofreram uma
lesão no córtex orbitofontal. O sulco temporal superior é a última região a amadurecer
na adolescência. As mudanças no córtex orbitofontal e no temporal adolescente são a
base da transformação comportamental que coroa o fim da adolescência. Essas regiões
do córtex cerebral são responsáveis pelo uso das emoções como guias de decisões
importantes, pelo arrependimento e pelo aprendizado emocional com os próprios
erros, pela antecipação das consequências dos próprios atos e pela flexibilidade para
deixar de fazer algo que era bom, mas deixou de ser.

Todas essas transformações físicas são fundamentais para compreensão da adolescência.


Mas como já dissemos ela é um fenômeno social além de físico e é sobre isso que nos
debruçaremos a seguir.

73
Capítulo 3
Adolescência: fenômeno social e
mental

A adolescência pode se iniciar com as mudanças corporais da puberdade e termina quando


o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente
sua independência econômica, além da integração em seu grupo social. Apesar dessas
coincidências são fenômenos que possuem inícios e finais separados e que em algum
momento entre os 10 e 24 anos irão se alinhar.

A adolescência é a fase mais complexa e dinâmica do ponto de vista físico e emocional


na vida do ser humano. É nesta fase que ocorrem as várias mudanças no corpo que
repercutem diretamente na evolução da personalidade. Durante o período de transição,
o adolescente oscila em comportar-se ora como criança, ora como adulto.

Vocês sabem qual o maior desafio, dos tantos comuns a essa fase, que todos os
adolescentes têm?

De todos que veremos a seguir a definição de uma identidade adulta socialmente


aceita é o grande drama dessa etapa evolutiva. Na verdade podemos ver adiante que
todas as outras características comportamentais típicas dessa fase podem ser traduzidas
como tentativas de obtenção dessa identidade adulta.

De acordo com Eisenstein (2005) em artigo sobre adolescência, a definição mais


adequada desse fenômeno pode ser como “período de transição entre a infância e a vida
adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional,
sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às
expectativas culturais da sociedade em que vive”.

Apesar de ser um fenômeno individual há alguns critérios cronológicos da adolescência


mais para fins de políticas públicas. Segundo:

»» Organização Mundial da Saúde (OMS): entre 10 e 19 anos;

»» Organização das Nações Unidas (ONU): entre 15 e 24 anos. Usa-se


também o termo jovem adulto para englobar a faixa etária de 20 a 24
anos de idade;

74
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

»» Segundo o Ministério de Saúde do Brasil: os limites da faixa etária de


interesse são as idades de 10 a 24 anos;

»» Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei no 8.069, de 1990: criança


é a pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como
a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2o), e, em casos excepcionais
e quando disposto na lei, o estatuto é aplicável até os 21 anos de idade
(artigos 121 e 142). O adolescente pode ter o voto opcional como eleitor e
cidadão a partir dos 16 anos. O conceito de menor fica subentendido para
os menores de 18 anos.

Os marcadores cronológicos, legais e políticos servem para referência e organização da


sociedade, mas a entrada e saída vai ser definidas por tantos outros fatores culturais.

Adolescência é uma transformação biopsicosocial, uma atitude ou postura do ser


humano perante essas transformações e mediante as influências transmitidas pelo
meio familiar e pela cultura a que pertence, é um fenômeno social que surge quase
sempre simultâneo à puberdade.

Winnicott sobre essa fase diz que o adolescente não quer ser compreendido. Os adultos
devem guardar para si o que chegaram a compreender sobre a adolescência, pois é
um período da vida que deve ser vivido e é essencialmente uma época de descoberta
pessoal. A verdadeira cura para a adolescência pertence à passagem do tempo e aos
processos gradativos do amadurecimento.

O importante para o adolescente é a provisão do ambiente bem adaptado às necessidades


do indivíduo em dado momento e a importância do ambiente está em propiciar o
desenvolvimento das potencialidades individuais.

Já o conceito de adolescência é fruto de uma situação social e histórica, peculiar à nossa


sociedade ocidental moderna, na qual cada indivíduo é responsável pela sua trajetória
de vida e pelo lugar que ocupará no socius.

Em psicanálise, este processo é definido basicamente como um momento lógico (e não


simplesmente cronológico), que em geral acompanha as transformações corporais da
puberdade e as novas exigências pulsionais apresentadas ao sujeito, obrigando-o a um
intenso trabalho psíquico.

Os desafios do adolescente e desafios da maturidade são essencialmente a consolidação


da identidade, a escolha profissional que cause realização pessoal, escolha amorosa e
integração às estruturas socioculturais da sociedade em que se vive.

75
UNIDADE IV │ Um Olhar Sobre A Adolescência

Devemos entender a adolescência fundamentalmente como um momento de falência


das identificações e dos ideais da infância, quando a identificação primária é colocada
à prova, de modo que o ideal do eu deve buscar na cultura novas ancoragens para que
possa se fazer operante.

Não é um simples produto de um tipo de sociedade ou sistema sócio-político, nem


situação ligada a determinado nível socioeconômico e sim uma parte ou período
fundamental de todo o processo de desenvolvimento humano, no qual os fatores sócio-
político-econômicos participam em forma intensa.

As manifestações externas de conduta são culturalmente diferentes. Entretanto, os


psicodinamismos e a base do comportamento, assim como também condutas manifestas
são essencialmente as mesmas.

O adolescente em sua busca de uma identidade adulta passa por um período “turbulento”
(variável segundo o seu ecossistema sociofamiliar), em que comportamentos
considerados anormais ou patológicos em outras fases do desenvolvimento, devem ser
considerados normais nessa transição para a vida adulta.

A identidade adulta, entretanto, não é alcançada antes que o adolescente tenha


elaborado e/ou conscientizado o que podem ser consideradas as três “perdas”
fundamentais deste período evolutivo: 1) a perda do corpo infantil, 2) a perda
dos pais da infância e 3) a perda da identidade e papel sociofamiliar infantil.

As transformações corporais que se desencadeiam a partir da puberdade


são vividas geralmente com muita ansiedade pelo adolescente. Ele vive
esse momento com uma mentalidade ainda infantil, num corpo que vai se
desenvolvendo de forma incontrolável para o sujeito.

A sexualidade, que agora irrompe no nível genital, exige do adolescente uma


reformulação de seus mundos tanto interno quanto externo. As restrições
familiares e sociais, para “controlar” seus impulsos, chegam a tornar seu
desenvolvimento tão ameaçado que podem causar um retardo do crescimento
ou do aparecimento natural das funções sexuais próprias dessa fase.

As mudanças corporais obrigam também o/a adolescente a reformular seu


“esquema corporal”, isto é, reformular a imagem mental que tem de seu próprio
corpo o que só vai se tornando possível à medida que ele/ela elabora a perda do
corpo infantil e consegue aceitar o novo corpo.

Nesta fase, uma intensificação da masturbação atesta a dificuldade de


abandonar a bissexualidade reinante até então, assim como tem também uma

76
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

função exploratória, de reconhecimento do próprio corpo e preparatória para o


exercício, genital vivido com plenitude.

Uma identidade adulta, alicerçada em responsabilidade e autoconhecimento, só


poderá surgir a partir da aceitação do próprio corpo com todas as transformações
próprias desta fase evolutiva, e as suas concomitantes psicológicas.

Em relação a perder a visão dos pais da infância, o desenvolvimento é vivido,


na adolescência, com muita agressividade e culpa, com avanços e regressões.
Estabelece-se o fenômeno psicológico que foi chamado de “ambivalência dual”
no qual ambas as partes desejam e temem o crescimento, a maturação sexual e
todas as responsabilidades e “riscos” que isso pode (ou poderia) implicar.

Os pais até então idealizados e supervalorizados pelo filho ou filha (fato e fator
necessário para um adequado desenvolvimento infantil), passam a ser alvo das
mais violentas críticas e questionamentos, e surge a necessidade de uma busca
de figuras de identificação fora do âmbito familiar.

Nessa busca o/a adolescente tenta, procura, substituir muitos aspectos da sua
identidade familiar por outra mais individual e enriquecida por novos elementos
do seu âmbito social mais amplo. Eis aí que começa a verdadeira socialização por
um caminho que leve ao sentimento de individualidade.

A perda da identidade e papel sociofamiliar infantil trata de que na infância, a


relação de dependência é a situação natural do convívio da criança com os pais.
Quando chega a adolescência há uma confusão de papéis, pois o adolescente
não sendo mais criança e não sendo ainda adulto, tem dificuldade em se definir
nas diversas situações da sua cultura (a “forma” varia de cultura em cultura e até
de país em país, ou de região em região).

Cada avanço que faz para obter sua dependência o deixa algo temeroso e
inseguro. Procura assim o apoio do grupo onde ele deposita toda sua confiança
e esperança, deixando o cargo dos pais as mais significativas obrigações e
responsabilidades.

A adesão a grupos, nessa fase, tem uma função importante para o estabelecimento
de uma identidade adulta, pois facilita o distanciamento dos pais, mencionado
acima, e permite novas “identificações” levando a novas configurações e
restruturações da personalidade.

Por algum tempo o/a adolescente experimenta vários papéis, identificando-se


com diferentes figuras ou grupos do seu meio social e assimilando valores e

77
UNIDADE IV │ Um Olhar Sobre A Adolescência

papéis fora do meio familiar. Nesta etapa da vida podem-se assumir diferentes
identidades, que podem ser transitórias, ocasionais ou circunstanciais. Tudo
numa mesma pessoa que começa a sentir e necessita entender a sua intimidade.

Para atingir uma identidade adulta, se sentir adulto, o adolescente deverá fazer
uma síntese de todas essas identificações desde a infância. Só então terá um
caráter mais estável e permanente, e a fase adulta será uma meta desejada e não
temida.

As “perdas” se elaboram realizando verdadeiros processos de LUTO, no


sentido psicanalítico do termo. Isto obriga ao adolescente a utilizar todos
os seus mecanismos de defesa, especialmente os chamados psicopáticos,
nesta elaboração, que é o que leva a mencionada “conduta turbulenta”, ou a
considerada aparentemente “anormal” ou até “patológica”, aos olhos dos adultos,
com as características próprias do meio sociocultural.

A seguir iremos por outro caminho para tentar compreender a adolescência. Essa é
uma das teorias desdobradas a partir da prática de analistas no trabalho com crianças
e adolescentes. É interessante que essa é uma forma completamente oposta de tentar
compreender o adolescente a partir das mudanças biológicas vistas anteriormente, mas
que destaca os comportamentos típicos e tenta outra explicação para eles.

78
Capítulo 4
Alguns comportamentos típicos da
adolescência e elaborações teóricas

Uma interessante elaboração sobre os comportamentos dos adolescentes foram


sintetizados por Knobel (1981) e chamada de Síndrome da Adolescência Normal
(SAN).

Adiante vamos sintetizar essa contribuição, mas apesar do enfoque psicanalítico o


trabalho desse terapeuta junto a adolescentes traz muitas contribuições que extrapolam
a linha teórica e ajudam na compreensão comportamental adolescente como um todo.

Importante é entender que o/a adolescente exterioriza seus conflitos identitários de


acordo com as suas possibilidades e as do seu meio, com as suas experiências e estruturas
psicofísicas. Estas observações e estudos levam a propor a existência de modalidades
que adequadamente analisadas e agrupadas, constituem uma verdadeira “síndrome da
adolescência normal”.

Para pais, mestres, educadores e todos os que de alguma maneira trabalham com
adolescentes, consideramos fundamentais estas ideias e suas aplicações.

A aparente “patologia” se apresenta com manifestações alternativas e, às vezes,


crises diversas e transitórias, que permitem uma aproximação mais objetiva e menos
preconceituosa em relação à adolescência e possui as seguintes características (extraído
de KNOBEL, 1981):

Busca de si mesmo e da identidade adulta


Durante a puberdade e na adolescência já estabelecida, acontecem importantes fatos
biológicos, como a mudança corporal com aparecimento das características sexuais
primárias e secundárias, ativação hormonal, modificações de atitudes físicas e do manejo
do corpo, que não poucas vezes leva a um vagaroso processo de autoconhecimento
que permite ter (e ainda conhecê-la pouco) uma identidade adolescente que procura
constantemente ter a desejada identidade adulta, que só se consegue evolutivamente e
elaborando o luto pela identidade infantil perdida. Assim vemos os adolescentes, como
já assinalamos, com diversas identidades: transitórias, ocasionais, circunstanciais e
mudando com maior ou menor rapidez e/ou intensidade.

79
UNIDADE IV │ Um Olhar Sobre A Adolescência

Quem sou Eu? É a pergunta que muitas vezes se formula o/a adolescente... entretanto,
terá que aguardar a resposta. Ela chegará quando a adolescência vai-se transformando
em “juventude” e “adultez jovem”.

A tendência grupal

Nessa busca da individualidade o/a adolescente desloca o sentimento de dependência


dos pais para o grupo de companheiros e amigos, no qual todos se identificam com
cada um. Neste momento pertence mais ao grupo (pode ser até turma ou gangue)
de companheiros do que à família. Esta aceitação revela-se na obediência as regras
grupais em relação a tudo, o que se observa na vestimenta, modas diversas, costumes e
preferências de todos os tipos.

O grupo é importante e altamente significativo porque constitui o passo intermediário


no mundo externo para alcançar a identidade adulta.

Necessidade de intelectualizar e fantasiar

As formas mais típicas do pensamento adolescente, no qual se usam estas capacidades


como mecanismos de defesa frente ao que acontece em nível corporal (que não poucas
vezes se vivência como algo que acontece e ao que se “assiste” passivamente).

É um tipo de fuga para o interior, uma espécie de reajuste emocional, que leva à
preocupação por princípios éticos, filosóficos, sociais e políticos, que muitas vezes
implicam formular-se um plano de vida bem diferente do que se tinha até esse momento,
e que também permite a teorização acerca de grandes reformas que poderiam acontecer
no mundo exterior.

São os momentos de criatividade, de ilusões e de grandes projetos (que os adultos


se encarregam de frustrar em nome da ordem e com medo do novo). Porém é o que
realmente move o mundo e a sua cultura, permitindo assim a evolução da humanidade
toda.

As crises religiosas

As crises religiosas do adolescente manifestam-se por atitudes de ateísmo ou de


misticismo, ambas geralmente como situações extremas e até cheias de fanatismo
(vejam-se os exemplos do que acontece no Oriente Médio ou em diversas seitas
ocidentais ou orientais).

80
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

Às vezes, o mesmo jovem passa por períodos de negação da religiosidade ou de exaltação


dela, o que revela a situação mutável do seu mundo interno (com ajuda do mundo
externo que em nome da “religião” justifica o crime e a exploração).

A deslocação temporal

Existe neste período evolutivo, uma certa desorientação temporal, em que as urgências
são enormes e as postergações irracionais. Há o que poderia chamar-se de “normal
distemporalidade”. Tudo pode chegar a ser “agora ou nunca”, ou um permanente “ainda
temos tempo”.

É durante a adolescência que a dimensão temporal vai adquirindo lentamente


características discriminativas. Presente, passado e especificamente futuro, são noções
que são elaboradas durante a adolescência.

A evolução sexual desde o autoerotismo até a


heterossexualidade

Inicialmente, procura-se tímida, mais intensamente, um/uma parceira. É o momento


dos contatos, das carícias mais íntimas, e/ou do “amor apaixonado”, porém geralmente
transitório e até fugaz. Os desejos são intensos e, nesta sociedade, fortemente reprimidos
e até vividos com culpa.

A evolução sexual adolescente vai de uma fase prévia de masturbação a uma atitude
lúdica, que leva à aprendizagem: jogos eróticos, bailes, esportes, carinhos, todos com
conteúdo exploratório de si mesmo e de outro/outra.

Existe depois o desejo mais intenso e a relação genital, que muitas vezes é expressão de
imaturidade, descontrole ou até também de atividade lúdica.

Atitude social reivindicatória

Na medida em que o/a adolescente não encontra o caminho adequado para a sua
expressão vital e para a aceitação de uma possibilidade de realização, não poderá jamais
ser um adulto satisfeito.

O jovem, normal e adequado a seu processo evolutivo, deve contestar e reivindicar um


mundo, uma sociedade, uma humanidade melhor, mais justa e mais cheia de amor. Se
fosse o caso, só por isso é necessário entender e respeitar certas atitudes adolescentes,
que ainda apavoram a muitos adultos.

81
UNIDADE IV │ Um Olhar Sobre A Adolescência

Contradições sucessivas em todas as manifestações


da conduta

A conduta do adolescente está dominada pela ação. Ele não pode manter uma linha de
conduta rígida, permanente e absoluta, embora o queira. Sua personalidade é permeável
e sua instabilidade necessária. Lida permanentemente com o imprevisível, tanto no seu
mundo interno como no externo. Joga com seu corpo, sua alma, sua conduta de acordo
com as possibilidades confusas e confusionantes.

Aparece contraditório, embora seja esta, ou as condutas mais variáveis, as mais


adequadas a este complexo momento evolutivo. Fixar-se numa só conduta, não
corresponde a um comportamento normal, nem ajuda a aprender da experiência.

Separação progressiva dos pais

Para atingir a maturidade é necessário ter individualidade e independência reais.


A separação progressiva dos pais, a entrada na turma, e a posterior individuação
discriminativa são passos necessários do processo evolutivo humano. Muitos pais em
nossa cultura se angustiam frente ao crescimento dos filhos e chegam até negá-lo.

Existe a já mencionada “ambivalência dual” por ambas as partes que as vezes é fonte
de conflitos que atrapalham o crescimento físico e psicológico normal. O conflito de
gerações é uma realidade necessária para o desenvolvimento sadio, tanto dos filhos
adolescentes como o de seus pais.

Constantes flutuações do humor e do estado de


ânimo

Uma conquista, por mínima que seja entusiasma e alegra. Uma frustração aborrece e
deixa triste. Isto acontece milhares de vezes ao dia. Sua luta com os pais, a sociedade,
os preconceitos, o medo, seus triunfos físicos, ou sua realização intelectual, uma
aprovação, uma rejeição; tudo constante e vertiginosamente alternando no dia a dia,
explicam os sentimentos de solidão e os de exaltação. Estas mudanças de estado de
ânimo são normais

As diversas manifestações da “síndrome da adolescência normal” acontecem. Se a


descrição é dramática nem sempre sua exteriorização é dessa forma. O adolescente
turbulento e violentamente contestador, alegre e triste existe. Porém, também existe
aquele em quem a turbulência é mais interna que externa.

82
Um Olhar Sobre A Adolescência │ UNIDADE IV

Seja por um cérebro em transformação, um corpo mudando a todo vapor dos


hormônios, as exigências e interações sociais plurais e contraditórias, ser adolescente é
um desafio que precisa ser entendido por todos e assim permitir uma convivência mais
tranquila e promotora de desenvolvimento. A questão principal, portanto, à guisa de
uma conclusão, é a de que há mais de uma visão ou olhar sobre o fenômeno da infância,
da adolescência, da cognição e do desenvolvimento humano. Várias possibilidades
de buscar compreender melhor o ser humano foram aqui apresentadas no intuito de,
acima de tudo, alertar da necessidade de uma mente aberta e sedenta por informação
que consequentemente resultará num profissional mais flexível e adaptado a difícil
tarefa de conviver e promover um ambiente saudável e propício para si e para o outro.

83
Para (não) Finalizar

Iniciamos esse módulo afirmando que somos sujeitos em constante desenvolvimento


e que essa dinamicidade está inscrita histórica e culturalmente. Por um lado o fato de
nunca deixarmos de mudar, crescer e nos desenvolver, nos dá a sensação de liberdade
e esperança de que sempre podemos melhorar (caso sejamos pessoas otimistas é
claro!). No entanto, a outra face dessa moeda é que ao nos dedicarmos ao estudo do
ser humano estamos sempre tentando entender o desenvolvimento ou um fenômeno
que não estabiliza para ser estudado, ou seja, o saber dessa área sempre precisa de
dedicação e atualização.

Vimos duas perspectivas interessantes e completamente opostas sobre o desenvolvimento


humano: a psicologia consciente do desenvolvimento e da cognição e a psicanálise do
inconsciente. Qual é a correta? Qual é a melhor? Qual a mais aceita? Não há respostas
para essas questões. Nossa missão aqui foi a de apresentar possibilidades de ver o
mundo e o ser humano e o ideal é buscarmos àquelas que melhor combinem com nossas
crenças e valores e nossa trajetória de saber. Importante é a partir de agora ser o mais
flexível, cuidadoso e observador sobre os fenômenos humanos que se apresentem na
nossa vida pessoal e profissional.

O mundo está mudando, o homem está se desenvolvendo e ter um posicionamento


crítico e científico sobre isso é estimulante, cabe a nós, munidos dos saberes aqui
discutidos, explorar essas habilidades aqui desenvolvidas ou aprofundadas.

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