Mioto - Familismo, Direitos e Cidadania - Regina Celia Tamaso
Mioto - Familismo, Direitos e Cidadania - Regina Celia Tamaso
Mioto - Familismo, Direitos e Cidadania - Regina Celia Tamaso
DIREITOS E CIDADANIA
Conselho Editorial da
área de Serviço Social
Ademir Alves da Silva
Dilséa Adeodata Bonetti (Conselheira Honorífica)
Elaine Rossetti Behring
Ivete Simionatto
Maria Lúcia Carvalho da Silva
Maria Lúcia Silva Barroco
Bibliografia.
ISBN 978-85-249-2401-9
15-06980
CDD-362.82
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização
expressa das autoras e do editor.
© 2015 by Autoras
Apresentação
Prefácio
Sobre as Autoras
Apresentação
As Organizadoras
Prefácio
1. INTRODUÇÃO
A associação entre Política Social e família é tema que ganha,
hoje, mais força, na medida em que é reclamada a participação
familiar ativa dentro do sistema de proteção social, com cobertura
institucional extremamente favorável.
Para problematizar e debater essa acolhida atual da família,
enquanto instância necessariamente vinculada ao desenvolvimento
da política social, fazemos aqui um recuo ao tempo da
implementação das primeiras estruturas de bem-estar social, que
podem dar os fundamentos que permitem compreender a posição
atual da família na Política Social, ao propiciar o reconhecimento de
que as formas atuais não são fenômeno totalmente novo.
Chamamos a atenção para o fato de que essas formas existem, na
verdade, desde a constituição dos primeiros esboços do que seria a
Política Social brasileira.
Para ligar as concepções de Política Social e Estado de Bem-
Estar Social, mostramos uma aproximação, tomando a ideia de
Beveridge (apud Marshall, 1967, p. 97), de vincular ambas mediante
a continuidade e a transformação, ao falar numa “revolução
britânica”, sob “um desenvolvimento natural do passado”, ou seja:
[…] fusão das medidas de política social num todo o qual, pela primeira vez,
adquiriu, em consequência, uma personalidade própria e um significado
que, até então, tinha sido apenas vislumbrado. Adotamos a expressão
“Estado do Bem-Estar Social” para denotar essa nova entidade composta de
elementos já conhecidos.
2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
[…] a grande maioria das mulheres casadas deve ser vista como ocupada
com um trabalho que é vital, embora não pago, sem o qual seus maridos
não poderiam fazer seu trabalho pago, e sem o qual a nação não poderia
continuar (tradução nossa).
2.1.3 A convivência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão aqui feita reforça a importância da abertura da
família-domicílio em sua diversidade interna, para vê-la como um
grupo, dotado de estrutura própria, que inclui diferenciados
sentimentos, relações e posições, com seus consequentes poderes
e suas hierarquias.
Muitas transferências materiais e imateriais de monta ocorrem
dentro dela.
Trata-se seguramente de uma unidade distribuidora interna de
renda, o que se nota e se usa nos atuais programas de
transferência condicionada de renda.
Compreendê-la supõe evitar a indiferenciação de sua realidade
interna, o que provocaria desrespeito a um detalhamento mais
empenhado de sua realidade e sobre como tratá-la.11
A propósito, alguns critérios devem ser recuperados na
continuidade da compreensão dessa intimidade familiar e das
normas da família brasileira. Cabe lembrar que a posição de chefe
de família foi objeto de legislação estrita (hoje extinta) concedendo-
se, pelo Código Civil, ao homem, entre outras coisas, o direito de
fixar a residência do casal, sob pena, para a mulher, de caracterizar
“abandono de lar”, se desobedecido. Também o seu direito de
administrar os bens do casal e, para não deixar dúvidas: “o direito
de decidir, em caso de divergência”, conforme a letra da lei anterior
(apud Campos, 2010).
Dada essa forte configuração do papel proeminente do antigo
homem-chefe-de-família, convém não se afastar desse modelo
mediante o elogio à fortaleza da mulher como chefe da família,
respondo às avessas a hierarquização dos cônjuges dentro da
estrutura familiar. Ou seja, marcar antieticamente mudanças
“profundas” na organização familiar, abandonar a possibilidade de
estabelecer relações horizontais entre os cônjuges. Pior, refundar a
desigualdade interna de gêneros, depois de séculos de avanços
contrários, mas ainda desafiados.
Desse ponto de vista, parece bastante equivocado (além de
ilegal) insistir na recuperação de uma hierarquia familiar, ao
empenhar-se na afirmação da “Chefia Feminina” (Campos, 2010).
Tendência cujo inconveniente reside tanto no prejuízo à convivência
entre os cônjuges, e deles com os filhos e outros membros, como no
reforço a uma situação de pauperização da família, que
comprovadamente ocorre quando a mulher está só com seus filhos
no domicílio.
Estudo da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea, 2010, p. 21) confirma essa situação, ao examinar dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2009),
referentes ao caso dos “arranjos formados por mães com filhos, sem
a presença do cônjuge” dentro do “fenômeno das famílias chefiadas
por mulheres”. Observa que, nesse caso, a mulher é considerada
responsável pela família por ser a única adulta presente, com o
encargo do sustento de todos, nessa forma familiar.
Entretanto, admite que “não se pode considerar como
vantagem12 tanto o fato de mais mulheres serem consideradas
responsáveis por suas famílias, com a ausência do cônjuge,
especialmente no caso de haver crianças menores a serem
sustentadas. Isso faz com que a renda familiar seja, por vezes,
insuficiente e coloca essas mulheres em situação de maior
fragilidade”, visto que “[…] o arranjo parece estar mais relacionado a
uma situação de maior dificuldade” (op. cit., p. 21).13
Neste sentido, é preciso lembrar que o modelo nuclear conjugal
de família, que Parsons definiu, partindo dos Estados Unidos, nos
anos 1950, era coerente com a prosperidade econômica promovida
pelo fordismo da época, gerando salários altos, suficientes para que
o homem-pai fosse o provedor da família. Estendeu-se ao grosso
dos países do Ocidente, mas não vem funcionando em termos das
próprias funções que lhe são atribuídas. No Brasil, isso ocorre
desde o registro do desaparecimento do “homem provedor”, na
década de 1980, conforme constatado por Araújo e Scalon (2005). A
mulher teve de sair de casa e trabalhar, para “ajudar o marido”, dado
o nível salarial insuficiente do homem.
Retoricamente, enfim, a importância desse modelo parece ter
continuado, penalizando a compreensão da situação das mulheres
sós na família.
O reforço à financeirização da Política Social, tão ao gosto da
perspectiva liberal, ao jogar dinheiro rapidamente no mercado,
mediante uma política social de benefícios, extensiva a vasto setor
da população, estimula o consumo espontâneo. Embora, com isso,
cumpra um papel importante para os beneficiários atuais, ressente-
se da inexistência simultânea de estratégias políticas de curto,
médio e longo prazos para o problema da distribuição de renda e do
patrimônio, tão desiguais no País, devido aos seus determinantes
estruturais.
Em termos do empenho dessa nova união da política social
com a família — obrigatória, pela adesão em grau mais estreito a
um novo patamar de exigência —, é necessário incluir, além de
subsídios financeiros e programas, serviços adequados e medidas
relativas às condições do trabalho feminino no país.
Na atual Política Social, no tocante às mulheres, aspectos
indispensáveis, como seu trabalho, sua formação, igualdade
salarial, empregos, não constituem ainda os focos principais, de
efeito prolongado, na direção real de promover sua autonomia em
relação a certos entraves a uma emancipação humana.
Do ponto de vista teórico, pode-se reconhecer a importância da
variação das estruturas de proteção social, de seu caráter mais ou
menos amplo em termos de cobertura das necessidades e
demandas da população, para o desenvolvimento da concepção de
cidadania na sociedade. O alerta é para sua positividade,
principalmente para essa população, que dela passou a se servir em
suas lutas por mais direitos e difusão por um circuito mundial.
Vale dizer que medidas foram implantadas em países diversos,
alguns em que só remotamente havia a possibilidade de existir um
novo estatuto nas relações Estado-sociedade, no sentido da
democratização, pois muitos estavam mergulhados em ditaduras há
séculos.
Para o Brasil, também base para a redemocratização e
ampliação da consciência das necessidades e demandas
imperativas, houve impulso à legislação social.
Em decorrência, a abertura para a responsabilização dos
governos e das sociedades por respostas de enfrentamento dos
riscos, principalmente os tradicionais: doença, morte,
envelhecimento, incapacidades, além do desemprego; expansão da
atenção à saúde e extensão da educação. Mesmo diante de todas
as insuficiências que ainda encontramos, é certo.
Por outro lado, também à custa de muita desigualdade histórica
deixada intacta, à margem da sociedade, para além do que foi
claramente discorrido neste trabalho.
A fim de contrapor-se à reafirmação dessas injustiças, em
muitas situações sistemicamente repetidas dentro dos padrões
institucionais do exercício profissional, é imprescindível, ao trabalhar
com a família, em qualquer de seus casamentos com a política
social, atribuir profunda importância às matrizes políticas e
econômicas em que ela se desenvolve; aos programas, que delas
coerentemente descendem; e à ação direta com os membros das
famílias, em sua condição de pessoas, trabalhadores e cidadãos,
para lembrar o mínimo.
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
As sociedades humanas, no decorrer da história, criaram
formas de proteger seus membros para a produção e reprodução da
espécie. Nas sociedades modernas, a proteção social dos
indivíduos, e da sociedade como um todo, ocorre pela combinação
das funções da família, do trabalho e do Estado, que exercem, entre
si, poderes e produzem efeitos, conforme a dinâmica e as forças
sociais.
As transformações familiares, inseparáveis do massivo
ingresso da mulher no mundo do trabalho e da democratização das
relações sociais, vêm alterando a composição familiar e sua
dinâmica interna, impactando na tão naturalizada capacidade de
proteção social. A interdependência do trabalho e a organização
familiar podem ser bem observadas pela dificuldade da família, em
especial da mulher, em conciliar as atividades familiares com o
trabalho remunerado e manter a base relacional em equilíbrio. Esse
descompasso coloca em evidência, além das desigualdades entre
os gêneros, o forte comprometimento com a produção e reprodução
social, demandando mudanças culturais e a regulação do Estado
para apoiar a proteção social de indivíduos e sociedade.
O objeto de estudo fundamenta-se em reconhecer as inter-
relações e tensões existentes entre a família e o Estado para o
desempenho da proteção social. A abordagem metodológica baseia-
se nos procedimentos bibliográfico, documental e na pesquisa
aplicada. Tem por base analítica literaturas e legislação, brasileira e
internacional, e também dados obtidos de fonte primária, a partir de
um estudo de cooperação internacional realizado entre
cidades/países europeus e latino-americanos sobre as políticas
sociais voltadas ao apoio familiar. Definidas como os conteúdos
concretos da decisão política, foram identificadas a partir de
legislação específica, quando da inserção do tema na agenda
política, e também no momento de sua operacionalização, por meio
de programas, projetos, serviços e benefícios desenvolvidos pelas
cidades/países pesquisados.
O texto é organizado em três eixos. No primeiro, apresenta o
debate teórico sobre proteção social e as inter-relações da família e
políticas públicas, para sua consecução, com diferentes acepções,
que expressam a recursiva presença da família nas expectativas
públicas, em diferentes períodos históricos. O segundo contém
estudos e políticas sociais, implícitas e explícitas, de apoio familiar
desenvolvidas na atualidade, em âmbito internacional. São
classificadas três linhas de convergência das ações públicas em
articulação com a família: apoio para os cuidados de seus membros;
combate à pobreza; e conciliação de trabalho e família. O terceiro
coloca em questão os cuidados familiares na contemporaneidade e
a difícil igualdade de gênero.
Com essa análise, pretende-se contribuir para o
aprofundamento da discussão em torno das políticas sociais e da
família. Destacam-se as transformações sociais, suas tensões e a
necessidade de aprimorar a efetividade das políticas sociais. A
interdependência do trabalho e a organização familiar doméstica, na
atualidade, de intrincada conciliação para proteger os membros
familiares e de difícil igualdade entre os gêneros masculino e
feminino, evidenciam o comprometimento com a produção e
reprodução social, em especial de famílias pobres.
Distingue o avanço dos estudos e a implementação de políticas
de proteção social na atualidade brasileira. Reconhece, todavia, que
as políticas sociais fortalecem, em seu desenho, a concepção
tradicional de família, que atribui à mulher a função de provedora de
cuidados dos membros familiares. Essas políticas atuam para
reduzir a pobreza e têm como prioridade a criança e o adolescente,
mas são insuficientes e incapazes de intervir nas disparidades das
relações de gênero.
[…] o grupo familiar aparece com dupla face, a de uma unidade econômica
com dependentes e “chefes de família” que redistribuem renda e a de
unidade “doadora de cuidados”, também a partir de redistribuição interna.
Nele, a da mulher-mãe se espera que seja a principal provedora de
cuidados para seus membros, mantendo-se economicamente dependente
de seu marido. Assim supõe-se, por um lado, as responsabilidades do
“chefe de família” com o sustento, e por outro, as da mulher com o cuidado.
Eu queria passar tempo com meu bebê e mostrar que o trabalho, por mais
importante que seja, não justifica que se fuja das responsabilidades
familiares […] Estar em casa é preocupar-se ao mesmo tempo com
pequenas e grandes coisas: saber quando o bebê comeu, conhecer seus
hábitos, arrumar suas roupas e estar lá quando ele sorrir pela primeira vez
(Lysbakken, 2011, apud Chemin, 2011, s/d.).
Alguns anos atrás, essas licenças certamente teriam suscitado uma grande
polêmica […] Mas hoje é ao contrário: não tirá-las é que criaria uma
controvérsia! Em vinte anos, as mentalidades mudaram completamente: os
noruegueses acham normal que os pais passem tempo junto de seus filhos.
Se queremos que as mulheres consigam a igualdade no mundo do trabalho,
é necessário que as responsabilidades sejam mais bem divididas em casa.
(Storberget, 2011, apud Chemin, 2011, s/d.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Este capítulo pretende aproximar o leitor dos debates em torno
dos Programas de Transferências Condicionadas de Renda (PTCR)
na América Latina, a partir de duas perspectivas que pouco têm sido
privilegiadas. A saber: suas relações materiais e simbólicas com a
família e as construções de gênero ou generizantes que esses
programas têm para além dos elementos discursivos.
Assumimos três resultados primários obtidos a partir da
literatura consultada. Já faz algumas décadas que têm sido
registradas em nosso continente, em termos de família, mudanças
objetivas em suas estruturas e dinâmicas. O que tem impulsionado,
em primeiro lugar no mundo acadêmico, o apelo pelo plural do
substantivo famílias em vez de família. Também se percebe que
desde os anos 1980, e particularmente desde a década de 1990, os
PTCR desempenham um papel central nas ressignificadas matrizes
de proteção social. Tais programas colocam na família uma
responsabilidade fundamental: a ruptura da reprodução
intergeracional da pobreza. Mas, em linhas hipotéticas, indicamos
que tais processos têm se dado de forma independente. Ou seja, o
discurso político e acadêmico sobre a pluralidade de arranjos
familiares e a necessidade de relações mais igualitárias de gênero
perdem a oportunidade de materializar-se nesta nova geração de
políticas sociais.
Como já foi dito, as famílias são reconhecidas no discurso
político como uma entidade privilegiada para quebrar o ciclo da
pobreza. Não só dos vários PTCR desenvolvidos na América Latina
e no Caribe, mas também desde instâncias internacionais como as
agências multilaterais de crédito. As famílias se tornam um
segmento privilegiado de intervenção, transversalizadas, nas
palavras de Foucault (1986), por outras dimensões, tais como
território, comunidade, etnia, raça etc. Também em âmbitos
acadêmicos, como na Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe — Cepal — e no Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento — PNUD — têm sido criados espaços de trabalho
e reflexão sobre esse assunto, a partir do quais surgiram
problematizações, análises comparadas, sugestões e
recomendações. Os estudos sobre família e gênero foram
consolidando-se, seja no âmbito político ou acadêmico, como um
campo de conhecimento em que se realizam diversas leituras que
contribuem para problematizar a ideia de família e reconhecê-la
como uma entidade social complexa, atravessada por múltiplas
mediações. Tais estudos e sua vinculação com as esferas políticas
reforçam a ideia de que a família sempre tem sido pensada em
termos de intervenção sociopolítica (Cichelli e Cichelli, 1999).
Portanto, pode-se dizer, numa primeira aproximação, que não há
nada de novo sob o sol nestes tempos de matrizes de
transformação de proteção social. Assim como no século XIX, a
família é concebida, recuperada e redefinida por causa de diversos
tipos de intervenção sociopolítica (Cichelli e Cichelli, 1999).
Í
2. NOVOS OLHARES SOBRE AS FAMÍLIAS. AS
ADEQUAÇÕES ACADÊMICAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, por exemplo, as grandes comissões que tem tomado decisões sobre
a “política familiar” (transferências familiares etc.) ou, em tempos passados,
a forma que devia ter a ajuda do Estado, no que diz respeito à moradia, tem
representado uma importante contribuição para a modelagem da família e a
representação da vida familiar que os levantamentos demográficos e
sociológicos registram como uma espécie de dado natural (Bourdieu, 1997,
p. 138).
REFERÊNCIAS
__________________________Carmen Rosario
Ortiz Gutierrez Gelinski Liliane Moser
1. INTRODUÇÃO
Na esteira da crise econômica dos anos 1970 que marcaria o
fim do Estado keynesiano, as políticas sociais, sob a nova roupagem
do welfare mix, deixaram de ser uma atribuição exclusivamente
governamental. Segmentos da sociedade, como empresas, ONGs ou
famílias, seriam “convocadas” para participarem da execução de
ações de proteção social (Pereira, 2004; Mioto, 2008). A convocação
para que a sociedade civil participasse dos encargos que cabiam ao
Estado na oferta de proteção social não seria a única alteração
significativa nos regimes de bem-estar social europeus. A menção é
feita aos novos mecanismos de ativação das políticas sociais que
tem se revelado portadores de uma lógica que imprime, aos
programas, projetos e ações, conteúdos disciplinadores, punitivos e
baseados em contrapartidas em relação aos benefícios sociais
recebidos. Trata-se do workfare, perspectiva que se afasta da noção
de bem-estar (welfare) associada a direitos sociais, difundindo
políticas sociais vinculadas ao mérito ou ao exercício do trabalho
como imposição, a exemplo de inúmeras tentativas de inserção dos
pobres no mercado de trabalho via inclusão produtiva ou projetos de
geração de renda. Tais práticas são consideradas por Pereira (2009)
a ortodoxia do momento por obscurecer objetivos que não visam o
atendimento de necessidades humanas, mas a inserção de pessoas
num mercado de trabalho precário, de curto prazo e socialmente
desprotegido.1
Particular atenção deve ser dada à família que a partir desse
momento deveria ter uma participação mais ativa. Não que até então
estivesse ausente dos cuidados, pois, como recorda Mioto (2008), já
cumpria esses papéis desde a Idade Média. A novidade estaria no
repasse formal de ações que até então eram desempenhadas pelo
Estado, como o tratamento domiciliar de familiares doentes,
justificado amplamente pelas vantagens para a família e para o
doente. Discurso que obscurece o fato de ser uma estratégia de
redução de custos para o Estado.2
O Brasil, mesmo sem ter tido uma política de bem-estar social
estruturada nos moldes dos países europeus, também repassaria
para as famílias ações de proteção social, como ficaria plasmado nas
políticas e programas setoriais elaboradas a partir da Reforma
Constitucional dos anos 1980. A questão que se coloca neste texto é
que nem sempre o repasse de responsabilidades parece ter sido
acompanhado de uma compreensão das concepções de famílias, da
sua dinâmica interna e da maneira como elas estariam executando
as ações de proteção. Além disso, as mudanças demográficas
podem afetar a capacidade das famílias darem conta das ações
propostas. A intenção deste trabalho é mostrar que o fato da família
ganhar destaque nas políticas públicas não implica necessariamente
que tenha sido entendida de maneira adequada nem que tenha uma
definição uniforme. Essa discussão é necessária por dois motivos:
para detectar as funções que o Estado atribui ao núcleo familiar e
para perceber os mecanismos de apoio que disponibiliza para o
cumprimento dessas funções.
Nessa direção, este trabalho discute a percepção de famílias
que é enunciada nas políticas públicas e resgata o perfil das famílias
brasileiras nos levantamentos demográficos mais recentes. Desde
uma perspectiva mais ampla o que está em questão é mostrar os
limites que a nova configuração das famílias (retratada pelos dados
demográficos) apresenta para a execução das ações de proteção
social para as quais as famílias são convocadas.
Este texto está dividido em três partes, além desta introdução. A
primeira levanta as concepções mais gerais do conceito de família. A
segunda recupera a concepção de família dentro das políticas
públicas. Ali assinala-se o tratamento conceitual que os grupos
familiares têm recebido nas políticas públicas, em particular nas
políticas de assistência social e da saúde, e quais os mecanismos de
apoio que essas políticas preveem. A terceira parte revela o perfil da
família que emerge dos levantamentos demográficos mais recentes.
Entende-se que a família deve ser vista como um ente em mutação e
teme-se que o desconhecimento das tendências populacionais não
esteja sendo incorporado efetivamente no desenho das políticas
sociais que afirmam estar centralizadas nas famílias.
Fonte: PNADS (1991 e 2009) e Censo (1960, 1970, 1980, 2000 e 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O redesenho da política social brasileira efetuado
especialmente a partir da contrarreforma do Estado nos anos de
1990 não só colocou em cheque as conquistas efetuadas com a
Constituição Federal de 1988, como veio reforçar processos
altamente naturalizados no contexto da sociedade brasileira
referentes a proteção social. Ao engendrar orientações e
mecanismos que dessem materialidade às premissas do pluralismo
de bem-estar social encaminhou/reforçou o amplo processo de
privatização da seguridade social brasileira. Privatização que se
realiza tanto através do setor comercial (mercado), como dos
setores voluntário (organizações sociais não governamentais) e
informal. De acordo com Pereira (2004), o pluralismo de bem-estar
consiste na quebra da centralidade do Estado na provisão de bem-
estar, típica do Estado de Bem-Estar Social, em favor do mercado e
dos setores não governamentais e não mercantis, como atores
fundamentais nas decisões e na prática da política social. Nessa
perspectiva, a autora insiste que o pluralismo de bem-estar não é
uma “distinção de forma, como fazem crer os seus defensores, mas
uma mudança de princípios e critérios no próprio processamento da
política” (Pereira, 2004, p. 33). Ainda para a autora, ele é ideológico
e incorpora uma mudança de fundo. Nessa configuração, o setor
informal é constituído pelas “redes primárias e informais, de apoio
desinteressado e espontâneo, constituída da família, da vizinhança
e dos grupos de amigos próximos” (Pereira, 2004, p. 32).
Particularmente, as famílias vêm sendo cada vez mais chamadas a
responder pela provisão de bem-estar. Nesse contexto é que se
instaura o debate sobre os processos de responsabilização da
família no campo da política social. Processos que vem sendo
analisados a partir das formas como a família é incorporada pela
política social, bem como pelo caráter instrumental que assume no
seu interior.
Nessa perspectiva, é possível verificar que nos regimes de
bem-estar social tal incorporação tem variado dependendo da
construção histórica dos diferentes estados nacionais. Nesse
movimento pode-se dizer que numa ponta encontram-se aqueles
regimes denominados de familiaristas, devido a aposta incondicional
que fazem na família como principal instância de provisão de bem-
estar. Na outra ponta estariam aqueles vinculados à social-
democracia que, através de uma ampla oferta de serviços públicos
de caráter universal, buscam amenizar antecipadamente os custos
enfrentados pelas famílias. Assim, as reconfigurações que se
desenham atualmente nos próprios regimes de bem-estar social e
na família em face às transformações do próprio capitalismo,
impõem a necessidade de análises da política social. Especialmente
daquelas de natureza socioassistencial (Saraceno, 1996; Campos e
Mioto, 2003; Campos e Teixeira, 2010; Carloto e Mariano, 2010;
Barcelos, 2011). A análise das políticas de natureza
socioassistencial, embora necessárias, é bastante problemática
considerando o conjunto e a complexidade das relações dentro das
quais são definidas. Por isso, os serviços sociais se tornam um
importante vetor dessa análise à medida que são o locus de
materialização de tais políticas. Os serviços sociais podem ser
concebidos pelo prisma da operacionalização das políticas sociais e
pela efetivação dos direitos. Nessa identificação reside sua
importância na provisão de necessidades sociais da população, ao
mesmo tempo que a ausência ou o sucateamento da prestação de
serviços sociais afeta perversamente esta mesma população (Mioto,
2012).
A proposta de analisar os processos de responsabilização das
famílias a partir dos serviços sociais está originalmente ancorada na
proposição de Saraceno (1996) que, considerando a complexidade
e as contradições existentes no debate sobre família e política
social, propõe três níveis analíticos. O primeiro refere-se aos
mecanismos redistributivos efetuados pela política social, onde
destaca a distribuição dos serviços sociais (educacionais, sanitários
e sociais) nos territórios, além das transferências de recursos
monetários, como fator fundamental na produção e reprodução das
desigualdades. Para a autora, o modo como os recursos públicos
são distribuídos é elemento crucial nos processos de produção e
reprodução das desigualdades. A desigualdade de distribuição dos
serviços, tanto em relação ao número quanto à qualidade,
demarcam de forma especular a distribuição da riqueza.
No segundo nível, a autora considera o sistema família-
serviços, enfatizando as formas como as famílias usufruem dos
serviços tendo em vista que são essenciais para o bem-estar e
organização das famílias. Por último, indica um terceiro nível
analítico que é a interferência da política social especialmente
através dos serviços, no âmbito do trabalho familiar. Considera-se
que os tempos e os modos de alocação do trabalho familiar não
dependem somente do mercado de trabalho, mas também das
requisições dos serviços. Dessa forma, o trabalho familiar pode ser
utilizado como recurso da política social e funcionar como um
mecanismo importante para reforçar a divisão sexual do trabalho
dentro das famílias e também manter a invisibilidade do próprio
trabalho. A autora entende o trabalho familiar como o conjunto de
atividades relacionadas às tarefas domésticas; ao cuidado de seus
membros, especialmente os dependentes; e também os
investimentos que as famílias têm de fazer no campo das relações
com outras instituições que lhe exigem tempo, energia e habilidades
(Mioto, 2010).
O debate sobre as relações entre serviços e família tem se
referenciado especialmente na organização dos serviços sociais.
Nela, a responsabilização das famílias tem sido realizada,
essencialmente, através de um nebuloso campo de indefinições e
negociações que podemos denominar de “campo do cuidado”. É
justamente nesse campo que ocorre, no cotidiano dos serviços, os
deslizamentos em torno de atribuições de responsabilidades na
provisão de bem-estar. Sob a égide do cuidado se articulam
diferentes estratégias de imposição ou transferência dos custos do
cuidado para as famílias. Tais custos situam-se tanto no arco dos
custos financeiros, como emocionais e de trabalho. Assim, segundo
Saraceno (1996, p. 237), os serviços modulam níveis de adequação
e de requisições para as famílias e isso demonstra o caráter
contraditório dessa relação, pois ao mesmo tempo em que são
organizados para cumprir determinadas finalidades ou aliviar as
tarefas da família, requerem trabalho e se definem como agenzie
legittime di definizione delle norme. Essa relação se torna ainda
mais candente, quando se traz à baila a questão da desigualdade
social. Ou seja, as famílias não se encontram nas mesmas
condições materiais e culturais, e com isso as possibilidades de
usufruírem dos serviços também se tornam desiguais. Tanto para
avaliá-los e negociar sobre as condições e qualidade dos serviços
ofertados, quanto para a combinação de recursos para usufruir dos
serviços. Essa combinação implica tanto em trabalho familiar, como
em recursos materiais da família que inclui os auxílios da rede social
primária (família extensa, amigos, vizinhos).
Além disso, deve ser destacado que as tarefas familiares as
quais os serviços aliviam, requerem ou redefinem, são realizadas na
sua grande parte por mulheres. Isso representa um dos vieses por
meio do qual a política social tende a reforçar o modelo da divisão
sexual do trabalho e portanto a desigualdade de gênero (Saraceno,
1996; Parella, 2001). Nesse sentido, assinala-se que os serviços
têm as mulheres como importantes protagonistas tanto na condição
de usuárias como na condição de trabalhadoras. Duque-Arrazolla
(2006, p. 89) assinala que a queixa das mulheres em relação ao
tempo, expressa as suas relações cotidianas de subalternidade.
Estas, segundo a autora, são mediadas pelas relações de serviço
que configuram real e simbolicamente grandes exigências para a
prática cotidiana da maternagem e da reprodução social da família
que são consideradas socialmente como tarefa e responsabilidade
“inquestionável” das mulheres. Porém, é necessário atenção sobre
as alternativas que se apresentam no processo de equacionamento
dessa questão à medida que uma das alternativas mais
evidenciadas é o aumento da participação dos homens no âmbito do
trabalho familiar, ou seja, no trabalho não remunerado. Essa
alternativa, sem dúvida, contribui enormemente no campo da
promoção da igualdade de gênero, porém ela não resolve a questão
central que é a sobrecarga da família em relação à provisão de
bem-estar. Essa é uma chave importante para compreender a
posição dinâmica que a família ocupa nos processos de produção e
consumo de bem-estar (Esping-Andersen, 2000).
De acordo com Maldini e Saraceno (2007) os processos de
responsabilização das famílias no âmbito dos serviços ocorrem
através de duas formas a saber, sob forma de prática administrativa
e sob forma de participação. Sob a forma de prática administrativa
considera-se todo movimento que envolve a burocracia dos serviços
e nelas situam-se as atividades necessárias para o acesso ao
próprio direito e para a sua fruição. Nos serviços de saúde Sgritta
(1988) salienta o papel da família especialmente naquilo que
denomina fase não organizada da doença, que implica em escolhas
sobre as alternativas de atendimento, envolvimento com práticas
administrativas relacionadas aos serviços sanitários, relações com o
ambiente de trabalho do doente ou de responsáveis pelo doente,
dentre outras questões. Quanto à participação das famílias nos
serviços, essa participação é requerida tanto através de práticas
formais de integração como de práticas informais, geralmente
relacionadas às deficiências dos serviços. Dessa forma, o uso dos
serviços requer das famílias a organização de seu tempo e de seus
recursos. Assim, o funcionamento dos serviços e as propostas sobre
as possíveis mudanças na qualidade da atenção, repousam em
grande parte nas relações com a família, trazendo, de quebra, juízos
sobre o seu funcionamento. Assim, os serviços se colocam frente às
famílias. Aquelas que acolhem e oferecem sustentação aos seus
doentes e entram nos serviços para humanizá-los, são as
conhecidas como boas famílias. Aquelas que delegam seus
membros necessitados aos serviços e se furtam de sua presença e
de seus cuidados são tidas como más famílias.
No entanto, é fundamental atentar, para além das
considerações efetuadas, que o desenvolvimento do processo de
responsabilização das famílias nas suas diferentes formas ocorre a
partir de determinadas condições que dão sustentabilidade à
direção desse processo. Entre essas condições merece destaque a
indução desse processo pela conformação da própria política social.
Ou seja, a política social na sua postulação e na sua conformação já
prevê a incorporação da família no campo da proteção social.
Campos e Mioto (2003) evidenciaram os elementos legais e
operacionais constantes na política social brasileira que sustentam
substantivamente o papel da família na proteção social. Segundo as
autoras, por exemplo, a Lei n. 8.842/1994, que dispõe sobre a
Política Nacional do Idoso, afirma entre as suas diretrizes básicas, a
prioridade absoluta da família como instituição mais capaz de
produzir o bem-estar dos idosos. Além da incorporação da família
nos textos de lei, ou mesmo que ela não apareça num primeiro
momento, essa incorporação no Brasil vem sendo construída no
interior dessas políticas. Tanto por meio de normativas e orientações
que incidem diretamente na organização e na provisão de serviços,
como é sinalizado por Mioto (2012) no campo da saúde, como mais
recentemente por meio de lançamento de programas
governamentais. Através da análise dos programas do governo
federal — Brasil Carinhoso e Melhor em Casa, objetiva-se levantar
alguns aspectos que demonstram a indução de processos de
responsabilização das famílias na provisão de bem-estar. Para tanto
realiza-se uma breve apresentação dos referidos programas e a
partir dela expõe-se um primeiro esboço analítico. Em seguida,
algumas conclusões provisórias.
2. OS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS, OS SERVIÇOS
SOCIAIS E OS PROCESSOS DE ESPONSABILIZAÇÃO DAS
FAMÍLIAS
E por que […] damos essa contribuição a todas as pessoas da família que
tenha pelo menos uma criança de zero a seis anos? É porque quando a
gente garante a renda mínima a cada membro de uma família em condição
de extrema pobreza, nós estamos reconhecendo que somente é possível
retirar uma criancinha da miséria se retirarmos, junto com ela, toda a sua
família (Rousseff, 2012, s/p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Há alguns anos, desde 2006, temos realizado pesquisas tendo
por foco a Política Nacional de Assistência Social e programas de
transferência de renda que tem as mulheres como principais
titulares. A família passa a ser um locus privilegiado das políticas
públicas, notadamente os de combate a pobreza a partir da década
de 1990 com a consolidação de medidas neoliberais, a exemplo de
Programa Bolsa Família. Nesse contexto nossas análises tem se
concentrado na instrumentalização das mulheres a partir de seu
trabalho na esfera doméstico familiar para o bom desempenho
desses programas e o modo como o estado se apropria desse
trabalho não pago das mulheres na esfera dos cuidados servindo
como importante pilar dos sistemas de proteção social com maior o
menor intensidade.
Saraceno (1995, p. 222) comenta que a disponibilidade de
trabalho feminino gratuito de assistência, é um dos três elementos
constitutivos, embora implícitos, da maioria dos sistemas de Welfare
State — “os outros são justamente o acesso ao mercado de trabalho
e o acesso à previdência social e a vários tipos de serviços”. Esses
três elementos, como aponta a autora, mantém equilíbrios diferentes
conforme o país e seu modelo de proteção social. Algumas
diferenças importantes remetem ao modo como definem a
dependência econômica dentro da família e o modo como fornecem
serviços de assistência em substituição ao que é realizado pelo
trabalho não pago das mulheres na esfera doméstico-familiar.
Como afirma Anzorena (2010) há subjacente a ideia de um
modelo universal de família nos quais predomina uma visão
naturalizada da divisão sexual do trabalho e uma
complementariedade hierárquica entre mulheres e homens. Nesta
concepção na qual ocorre uma profunda vinculação entre
capitalismo e patriarcado, as mulheres aparecem como o grupo
mais idôneo para aplicar planos paliativos e obter maior impacto. Os
efeitos desses programas se orientam no sentido de reforçar o papel
doméstico das mulheres e consolidar estereótipos do feminino. A
autora afirma que o que define as mulheres-mães-pobres como
funcionais aos objetivos das políticas sociais é a naturalização de
seu papel como cuidadora na esfera doméstica-familiar o que as
coloca como um dos setores mais prejudicados pelo modelo
neoliberal excludente. Há uma interdependência entre a política
social no modelo capitalista, notadamente nos programas de
combate à pobreza, e o trabalho de cuidados na esfera doméstico-
familiar.
Para autoras como Carrasco (2003, p. 19), que tem contribuído
para o campo de conhecimento da Economia Feminista,
historicamente os sistemas socioeconômicos têm dependido da
esfera doméstica e têm mantido uma determinada estrutura familiar
que lhes permita garantir a oferta de força de trabalho por meio do
trabalho das mulheres”. Em particular naqueles grupos da
população de baixo recursos econômicos, a dependência do
sistema econômico tem significado uma verdadeira exploração da
unidade doméstica. Pichio (1999) comenta os aspectos econômicos
e relacionais do trabalho familiar doméstico absolutamente
necessários para que o mercado e a produção capitalista possam
funcionar: o cuidado da vida em sua vertente mais subjetiva de
afetos e relações, o papel da segurança social do lar, a gestão e a
relação com as instituições.
Aquela história bem senso comum de família, pai, mãe e filhos. O pai
trabalha, a mãe cuida dos filhos, então o prontuário no nome da mãe,
porque é sempre a mãe que vem no CRAS, porque é sempre a mulher que
está aqui, dessa forma você continua remetendo a uma questão burguesa
(Técnica CRAS 2).
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
A família tem “ressurgido” no contexto das políticas sociais
“pós-ajuste” como agente de proteção social informal dos seus
membros. Pode-se dizer que a tendência atual na esfera das
políticas sociais e econômicas nacionais e internacionais é a de
ressaltar a centralidade da família como objeto, sujeito e instrumento
das políticas públicas.
Ressalta-se o contexto dessa re-emergência. De um lado, a
crise do Estado de Bem-Estar Social e o avanço das reformas
neoliberais, com sua noção de Estado reduzido nas ações
econômicas diretas e nos gastos sociais, e o retorno ao ideário
liberal de que a questão social e as saídas das crises são
responsabilidades de todos. Foram os liberais que inicialmente
defenderam as potencialidades da família para assumir algumas
intervenções mais burocráticas1 e custosas do Estado, como forma
de lhe reduzir demandas e custos e valorizar outros provedores de
bem-estar social, como a comunidade, as organizações não
governamentais e o próprio Estado, mas com ações focalizadas nos
mais pobres.
De outro lado, destacam-se as lutas nacionais e internacionais
pela desinstitucionalização, desospitalização dos usuários da saúde
mental e da assistência social. O modelo asilar e dos hospitais
psiquiátricos eram criticados pelas práticas de confinamento,
segregação social e violência institucional, prejudiciais ao
desenvolvimento humano e cidadão, além de serem extremamente
onerosos aos cofres públicos.
O modelo antagônico à institucionalização, o extra-hospitalar,
valoriza o retorno à família e comunidade, reforçando o direito à
convivência familiar e comunitária, a autonomia e cidadania dos
sujeitos usuários das políticas sociais e sua inclusão na vida social
mais ampla. Como destaca Rizzini et al. (2006), em meados dos
anos 1990 firma-se, por exemplo, uma posição internacional oposta
à institucionalização de crianças e adolescentes e ressalta-se-lhe o
caráter excepcional na Convenção das Nações Unidas pelos
Direitos de Crianças e Adolescentes. No plano nacional, esses
direitos são normatizados no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). Em relação às lutas por desospitalização de pacientes
psiquiátricos, essa década de 1990 é marcada pela adesão de
vários países e a adoção de medidas alternativas ao hospital.
Assim, seja nas propostas neoliberais, seja dos movimentos
pela desinstitucionalização de crianças e adolescentes, idosos,
portadores de doenças mentais, mesmo em sentidos contrários,
elas valorizam as famílias e lhes ressaltam competências, papéis e
funções clássicas, como educação, socialização, guarda, apoios
principalmente a de cuidado doméstico de dependentes doentes ou
idosos.
No âmbito institucional e normativo e na implementação das
políticas públicas, a re-abordagem da família e das redes sociais é
incorporada e defendida como estratégia mais adequada para
desenvolver políticas e programas sociais efetivos, eficientes e
eficazes para enfrentar e atender à pobreza. A relação
custo/benefício sobressai-se porque se pode contar com recursos
dessas instituições de proteção informais e com ações mais
próximas ao ambiente natural das pessoas e do seu território de
vivência.
Essas novas formas de abordar e valorizar a família e incluí-las
nas políticas sociais geram expectativas e demandas por trabalho
social com famílias em diversas dessas políticas, sejam as dirigidas
à família, sejam às endereçadas aos segmentos com ações
dirigidas às famílias. Nessa perspectiva, o objetivo desse artigo é
retratar e problematizar o modo como a família é tomada como
referência nas políticas sociais e explicitar como se vem efetivando
o trabalho social com as famílias, no contexto dessas políticas, além
de ressaltar as suas possibilidades, numa dimensão crítica. Essa
problematização tem dirigido as pesquisas recentes que venho
desenvolvendo, em especial a destes dois últimos anos, que discute
a centralidade da família nas políticas sociais.
Í
3. INTERVENÇÃO EM REDES: A FAMÍLIA COMO PARCEIRA
NA PROTEÇÃO SOCIAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
LILIANE MOSER
Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Mestre em Sociologia
Política pela Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC).
Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Professora do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Líder do Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa Sociedade, Família e Políticas
Sociais/UFSC. Concentra suas atividades de pesquisa no campo
das políticas sociais e programas de transferência de renda, família,
trabalho e práticas profissionais.
MÓNICA DE MARTINO
Assistente Social, graduada em Serviço Social pela Escola
Universitaria de Serviço Social — Uruguai (1981). Mestre em
Sociologia pelo Instituto de Filosofía e Ciencias Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (1996). Doutora em
Ciências Sociais também pela Unicamp (2004). Atualmente é
professora titular em regime de dedicação integral no Departamento
de Serviço Social da Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade da República do Uruguai (Udelar). A produção
acadêmica se articula no campo teórico-metodológico do Serviço
Social com ênfase em crianças e adolescentes, família, gênero,
políticas sociais, práticas e formação profissional. Inclui vários livros
autorais e inúmeros artigos publicados no Uruguai e outros países
da América Latina.