Rubini, Carlos. O Conceito de Papel No Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrona, Vol. 3, 1995

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CAPÍTULO III

A SAÚDE DAS RELAÇÕES E O PSICODRAMA

Introdução:

A concepção de saúde é marcada pela pluralidade de sentidos, na medida em que


são variados os contextos sociais e históricos nos quais esta palavra é empregada e,
nestes contextos, a palavra saúde se inscreve em diferentes registros da experiência,
sendo perpassados pela multiplicidade. Enfim, reconhecemos que, como nos recomenda
Birman (1999), a palavra saúde admite uma pluralidade de leituras possíveis, como
decorrência necessária de que seria marcada por diferentes sentidos. Ela não poderia ser
absolutamente circunscrita a um único padrão e a uma norma pretensamente universal,
definida pelos discursos da biologia e das ciências da natureza. Hoje, admitimos uma
interpretação plurívoca da palavra saúde.

As ciências humanas e sociais têm criticado a hegemonia incontestável do


paradigma biológico e naturalista, propondo a existência de outros paradigmas na
interpretação das experiências fundamentais da saúde coletiva. Assim tem-se constatado
a valorização de outras dimensões e contextos do real advindos dos discursos da
sociologia, da antropologia social, da psicanálise, da história e da filosofia. Para Birman
(1999), a palavra saúde é marcada pela complexidade, pois múltiplas linhas de força,
diversificadas e conflituais, delineiam a experiência da saúde. Enfim, que qualquer
leitura do campo da saúde hoje passa necessariamente pelo reconhecimento de sua
pluralidade de sentido. O paradigma da complexidade se impõe aqui de maneira
imperativa na contemporaneidade. Neste contexto, constituíram-se novos sentidos do
que é o normal e o anormal, de forma bastante aguda, exigindo de nós todos uma
reflexão metodológica renovada.

Assim, quando o foco do trabalho socionômico é basicamente psicoterápico, é


indispensável apresentar como é a compreensão da relação doença/saúde para a teoria
psicodramática, identificando o papel do terapeuta nesse contexto. Para J. L. Moreno
(1889-1974), o adoecimento do sujeito, no que diz respeito aos aspectos psicológicos, é
resultado de um adoecimento da espontaneidade e da criatividade, que ocasionam o
adoecimento do papel. Isso nos indica o viés inicial da psicoterapia psicodramática, que
será o tratamento dessas relações adoecidas (MARTÍN, 1978). É sobre o paradigma das
relações interpessoais que Moreno se debruça.

Para ele, diante de uma realidade sempre mutável e que nos exige constantes
improvisações, a resposta espontânea saudável deverá ser a manutenção desse potencial
de mudança e transformação. O potencial criativo é fundamental para a saúde, que
deverá ser sempre uma co-criação, pois é este caráter conjunto que confere a adequação
à realidade, indispensável para a manutenção do estado saudável. Como já vimos
anteriormente, o maior obstáculo à espontaneidade criadora será a conserva cultural,
aquilo que está pronto e não em processo de criação. Agir espontaneamente com saúde
é apoiar-se nessas conservas, mas transpondo seus limites e apresentando uma resposta
original (MARTÍN, op.cit.).

No entanto, o processo de adoecimento acontece, tanto ao nível da


espontaneidade do papel quanto do grupo. Em se tratando de grupos, acontece o que ele
denomina de “doença tele-relacional”, pois pode existir o adoecimento do grupo e o
adoecimento do indivíduo no grupo. Quando o adoecimento é grupal, ele pode ser do
grupo enquanto grupo sociométrico, ou enquanto grupo transferencial. O grupo
transferencial pode, com o passar do tempo, apresentar pouca coesão e integração, o que
só poderá ser superado com o desenvolvimento de um vínculo mais télico.

Mas, o adoecimento do papel se dá em função das imposições sociais de


funções, ou papéis indesejados, ou seja, o adoecer que constrói o papel patológico se dá
em razão das circunstâncias externas limitantes. Então, o papel patológico pode ser
construído, pois existem expectativas externas que, por vezes, até pressupõem o
desempenho patológico (MARTÍN, op.cit.). Enfim, para Moreno, mesmo considerando
a multiplicidade de sentidos e fatores interferentes, a essência do adoecer psicossocial
humano está no adoecer da espontaneidade.

O ser humano adoeceria por carência de espontaneidade, porque as conservas o


impedem e, para manter-se saudável, deve resgatar seu potencial criativo dando
respostas espontâneas, que gerem o desempenho satisfatório dos mais diversos papéis
(MARTÍN, op. cit). Para recuperar a saúde da espontaneidade é fundamental um resgate
da flexibilidade, da liberdade, do poder e da criatividade. É tornar esse sujeito capaz de
reagir, liberando-o dos sentimentos de resignação e impotência impostos pelas
conservas.

Diante destes pressupostos, o que entendemos por saúde das relações nos pequenos
grupos?

A saúde do grupo implica inicialmente na recuperação das formas de associação


livre dos membros dos grupos, evitando o isolamento de alguns. A saúde do
desempenho de papéis diz respeito à própria saúde da espontaneidade. Assim, o resgate
deste estado saudável poderá acontecer na situação psicodramática, que pode permitir a
recuperação do domínio e o poder de recriação do sujeito, que estará experimentando
novos papéis e recriando os antigos.

A sociatria moreniana: psicodrama, sociodrama e psicoterapia de grupo:

Ao tratar da saúde das relações grupais, Moreno criou três métodos sociátricos,
mas nos deteremos aqui na psicoterapia de grupo, uma vez que abordamos o psicodrama
no capitulo anterior e abordaremos melhor o sociodrama no capítulo posterior. A
psicoterapia de grupo em geral designa, atualmente, um amplo espectro de
procedimentos fundamentados nos mais variados referenciais teóricos, aplicados em
diferentes contextos. Neste texto, só nos interessa abordar a psicoterapia de grupo de
base psicodramática.
Moreno foi o criador da psicoterapia de grupo porque tal termo foi empregado por
ele, pela primeira vez, em 1931, ao publicar um artigo científico. No entanto, ela só foi
possível através da sociometria, com cujos métodos as estruturas do grupo puderam ser
compreendidas cientificamente. O modo aprofundado e ampliado da psicoterapia de
grupo é a revitalização da vida interior do grupo in actu e in situ.
Moreno (1966) afirmou que a “psicoterapia de grupo é um método que trata,
conscientemente, as relações interpessoais e os problemas psíquicos de vários
indivíduos de um grupo dentro de um quadro científico empírico” (op. cit. p. 71).
Dessa forma, dentro de um grupo podem ser trabalhadas questões psíquicas e
sociais. Na sua concepção, todos no grupo são agentes terapêuticos, e todo o grupo
também o pode ser em relação a outro grupo. Diferente do que se encontrava na época,
onde o terapeuta seria o detentor do saber, o agente promotor da cura, no psicodrama
este poder é compartilhado por todos. Contrapõe, por exemplo, a abordagem vigente da
época, a psicanálise, onde demarcava um distanciamento de conhecimento e de poder
sobre o cliente.
O seu método é interativo, em que todos os membros podem oferecer um alívio
terapêutico. Caracteriza-se como psicoterapia por tratar da patologia do grupo e dos
seus problemas psicológicos e sociais. Através das ligações sociométricas, todos os
membros são tratados, mesmo que não seja ele o centro das atenções naquele momento.
Por meio desta ação e interação grupal o indivíduo aprende a explorar o seu ambiente
imediato, favorece a integração recíproca, livre e espontânea.
Segundo Costa & Conceição (apud FLEURY e MARRA, 2008), para Moreno,
o método interacional é o primeiro método de ação grupal, cuja maior característica é o
auxílio mútuo oferecido aos membros do grupo. Esta ação tem como objetivo integrar o
indivíduo ás forças grupais e favorecer a integração, a aproximação recíproca. Há uma
regra geral no grupo terapêutico psicodramático: a promoção da espontaneidade. Mas o
grupo vai criar suas soluções por meio da cooperação e pela promoção de catarses de
integração, individual e grupal, pois o processo de criação individual afeta o
crescimento grupal e vice versa.
Para Moreno, o fundamental no seu “princípio da interação terapêutica” (op.cit, p.
64-65), é destacar que o método psicodramático tem um aspecto democratizante, pois
todo paciente é agente terapêutico dos demais e um grupo é um agente terapêutico para
outros grupos. Indivíduos e grupos, assim, podem se constituir em terapeutas auxiliares
dentro de uma comunidade.
O conceito moreniano de encontro existencial, já definido no capítulo anterior, é o
objetivo final da psicoterapia de grupo psicodramática. O encontro implica uma
comunicação mútua que não se esgota no intelectual, mas que abrange a totalidade de
ser, ele é vivido no "aqui e agora", vai mais além da empatia e da transferência. É
através do encontro que se forma um "nós". Para Moreno, a palavra encontro, de origem
alemã, abrange diversas esferas da vida. O encontro existencial expressa: estar junto,
reunir-se, contato de dois corpos, ver e observar, tocar, sentir, participar e amar,
compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do movimento, a palavra
ou o gesto, beijo ou abraço, tornar-se um; mas implica também em relações verdadeiras
mas, hostis e ameaçadoras, opor-se a alguém, contrariar, brigar (MORENO, 1975).
A psicoterapia de grupo pode ser compreendida como um processo amplo de
transformação da qualidade das relações, determinado não por um terapeuta talentoso,
mas pelas forças do grupo. Essa forma de tratamento proporciona maiores
possibilidades terapêuticas, já que o indivíduo pode ser tratado in situ, ou seja, no
contexto natural em que se encontra. Tendo em vista que vivemos em grupo desde o
nascimento, o atendimento em grupo preenche algumas necessidades que
individualmente não é satisfatório, pois, dessa forma, se aproxima do ambiente natural
em que as pessoas vivem, trata a dinâmica individual e a grupal (MORENO, 1966).
A tarefa da psicoterapia grupal é levar o grupo de um grau baixo a um grau elevado
de coesão, desenvolvimento interpessoal e de percepção télica. Moreno (1975) afirmou
que cada grupo tem uma estrutura oficial e uma estrutura sociométrica, esta última é
quase inteiramente desconhecida dos membros do grupo, mas ambas podem coincidir
em certos pontos e divergir em outros. Uma vez reconhecidas e trabalhadas, ativam o
potencial terapêutico grupal.
A essência da psicoterapia de grupo consiste de sessões terapêuticas, nas quais
três ou mais pessoas que tomam parte esforçam-se para resolver problemas comuns.
Assim, há o que pode ser chamado de grupos naturais, formado por pessoas que têm
laços afetivos, familiares ou que já exista uma convivência. Neste caso a sessão é realiza
onde as pessoas moram e atuam, suas casas (in situ); e os grupos sintéticos, formado por
pessoas que não tinham uma convivência prévia, como clientes de uma clínica por
exemplo. Neste caso, as sessões são realizadas geralmente numa clínica, onde uma
relação mútua é nova (in status nascendi).
Vimos no capitulo anterior que Moreno criou um método clínico de grupo por
excelência, o psicodrama, definindo-o como a forma mais profunda de psicoterapia de
grupo. Criou-o a partir das suas experiências de teatro espontâneo e a partir do famoso
“caso Bárbara-George”, ainda em Viena, ou seja, a partir de uma terapia vincular, de
casal. Assim, o psicodrama nasceu em grupo, no método psicodramático grupal,
atendendo às três etapas antes descritas (o aquecimento, a dramatização e o
compartilhar), trabalhando com três contextos (o social, o grupal e o psicodramático) e
com cinco instrumentos: o protagonista, o cenário, o diretor (o terapeuta grupal), os
egos auxiliares (auxiliares terapêuticos) e a platéia (o grupo).

O psicodrama enquanto estratégia de intervenção na defesa dos direitos humanos:


A saúde das relações vai além do campo ou do viés clinico. Moreno não criou apenas um
método psicoterápico, criou e definiu um projeto socionômico e não um modelo socionômico. O
objetivo deste projeto amplo foi estudar e intervir na transformação das relações sociais,
demarcando, definindo o locus e os papéis de cada um, favorecendo o reconhecimento de cada
um enquanto possibilidades. Isto amplia o conceito de saúde e qualidade das relações.

Como já vimos, Moreno parte do princípio de que é nos vínculos sociais que tudo
acontece. Enfim, o projeto socionômico é um projeto sócio-psicoterápico. A proposta de
Moreno é a co-participação ativa, a troca. E a pesquisa socionômica se faz na ação, na co-
criação. O socionomista, portanto, está atento ao que brota aqui e agora, ao que emerge, ao que
se desvela, ao que diverge.

Parte do princípio filosófico existencial de que “o se perder se si”, a massificação ou a


escravidão às conservas culturais, a igualdade servil, é a loucura maior. O afeto e a ação
espontânea foram negados barbaramente pela tirania do discurso. Diante disto, combatendo o
excesso de racionalismo, Moreno propõe resgatar a visibilidade, desvelar para des-dramatizar,
iluminar o oculto que emerge na ação espontânea e criativa (MOURA, 2007).

Privilegia o “enfrentamento” como uma das vias para o encontro existencial, para clarear
a visibilidade do co-consciente e do co-inconsciente que emergem nas configurações grupais
móveis, nos movimentos sociodinâmicos dos grupos, no aqui e agora. Pois é neste tempo e
espaço, nas relações intersubjetivas, que acontece a intensificação emocional, com o acréscimo
do imaginário e do desenvolvimento da espontaneidade e criatividade dos envolvidos.

No psicodrama, partimos do princípio de que os processos subjetivos são movidos pela


espontaneidade criativa. São as conservas culturais que estancam este processo. Para tal, o
psicodrama se ocupa do desenvolvimento de novos papéis e/ou do desempenho novo de velhos
papéis. Visa a conscientização e ampliação criativa do leque deste desempenho de papéis,
evitando a repetição cega do corpo, cristalizado, conservado, alienado de si e de seus vínculos.

A proposta de Moreno remete às questões da realidade prática, às questões psicossociais,


mesmo que se trate do pensamento mais abstrato, que se trate de singularidades. O teste de
realidade é o da vida, no que ela implica de vivência espontâneo-criativa, a partir do corpo
(papéis psicossomáticos) e de suas conexões para fora (papéis psicológicos e sociais). A
subjetividade Moreniana está escancarada para o mundo objetivo, da concretização da
subjetividade, para além das instâncias intra-psíquicas.

O psicodrama não se concentra no indivíduo, mas neste em relação, em seus vínculos,


num determinado contexto sócio-histórico. Parte do social, mas do social enquanto produção
institucional do indivíduo passivo e robotizado. O homem contemporâneo cria pouco e repete
muito, o indivíduo é um produto serializado das instituições, que esconde a pulsação das
multiplicidades intensas e intensivas. Do social, o psicodrama vai aos grupos, trabalhando com
os grandes e pequenos grupos, mas com grupos em suas formações mutantes e instáveis
(MOURA, 2007).

Para Moreno, a menor unidade existencial não é o indivíduo e sim o átomo social,
compreendendo os múltiplos papeis jogados em um grupo. No átomo, os papéis podem
encontrar o espaço vivencial propício para o encontro, as condições de possibilidade para o ato
de criar e transformar a si mesmos e aos outros. Mas, para desenvolver relações saudáveis de
encontro existencial (eu - tu), é necessário o desenvolvimento da tele-sensibilidade para si, para
os demais e para a compreensão da realidade ou contexto social e cósmico circundante.

Para Moura (2007), a neurose, no psicodrama, é a manifestação da anti-criação. Vem a


ser o aprisionamento subjetivo aos estereótipos que forram o eu numa identidade fixa,
cristalizada, submetida às conservas culturais, sem a fluência da espontaneidade e criatividade
na multiplicidade de seus papéis. Assim, na neurose o encontro existencial não é possível, nem
a fluência da tele sensibilidade ou da percepção télica.

O psicodrama promove a saúde quando oferece condições ao sujeito se manifestar


espontânea e criativamente para construir e re-construir suas cenas e, através de uma catarse de
integração de conteúdos alienados de si mesmo, chegar à re-significação co-criativa, a uma
maior auto-crítica e à invenção de formas subjetivas não usuais e não cristalizadas (MOURA,
op. cit.).

Acreditamos que cuidar do sofrimento psicossocial de pessoas, individualmente ou em


grupo, é cuidar do direito humano de cada um de se tornar livre de ordens que lhe aprisionam,
deixando de ser consumidor de ordens implícitas, produtor de relações limitantes, angústias,
stress, depressões, fobias, etc., que compõem o círculo mortífero da civilização industrial e
globalizada contemporânea.

O que propõe Moreno, em termos psicoterapêuticos, para lidar com este excluído da
saúde mental? Ele fala de um trabalho voltado á ação, preferencialmente em grupo. Parte da
visão de que uma pessoa é, antes, uma multiplicidade de papéis, um processo coletivo composto
por singularizações em ato. O método sócio-psicodramático grupal se baseia numa análise
sociométrica das relações que vão se configurando no aqui e agora do contexto grupal, que por
sua vez traduzem uma trama inconsciente que se manifesta na particularidade de protagonistas,
mas representam também os atravessamentos de toda ordem, um Drama maior, coletivo. Se o
sofrimento psíquico é um problema da civilização moderna, o tratamento sócio-psicodramático
incluirá esta mesma civilização (tornada concreta) na experiência grupal (MOURA, op. cit.).
Especialmente o sociodrama - o seu método para o tratamento de grupos naturais
(famílias, casais, etc.) e sócio-educativos ou instrumentais (de trabalho, escola, etc.), - é
o que será mais útil para trabalhar o tema social da defesa dos direitos humanos. Pois é
o método que trata os grupos sociais pré-formados, como famílias, grupos de trabalho,
comunidades, grupos de estudantes, minorias, etc.

Segundo a socionomista Marlene Marra (2005), a socionomia é uma abordagem


teórico-metodológica que tem o compromisso com a educação e a prevenção no sentido
mais amplo, com a democratização do acesso ao conhecimento, com a construção
coletiva dos sujeitos sociais, em busca de um novo modelo de desenvolvimento que
garanta os valores humanos e a qualificação social. Em especial, trabalhar com o
Sociodrama nas organizações sócio-psico-educativas é contribuir com estratégias na
superação das desigualdades sociais, com a inclusão dos excluídos e com o
desenvolvimento sustentável das comunidades.

Metodologicamente, a socionomia está conectada com a complexidade dos


saberes e fazeres, numa postura investigativa e reflexiva, se colocando como um
caminho de investigação da psiquê e do socius, sempre em conexão.

Ela visa estimular nos participantes a crítica, construir um novo olhar sobre o
mundo a partir da ação e interação com os demais, favorecendo uma comunicação
espontânea e criativa. Segundo Marra (2005, p.16), no caso do sociodrama,

os participantes são convidados a vivenciar práticas novas, escolhem e inventam, mais


ou menos livremente, pois é o movimento do grupo que vai dando as diretrizes, os
princípios e as modalidades de intervenção. As escolhas dos modos de intervenção
iniciais arriscam-se, a cada momento, serem atropeladas pelos acontecimentos do
processo.

O sociodrama abarca a dimensão da espontaneidade, da criatividade e da


resolutividade, rompendo com o constituído, com as conservas culturais, pesquisando
novos modos de resolver problemas e dificuldades no presente. Nesta abordagem, os
participantes constroem seu espaço e sua autonomia como sujeitos e investigadores do
processo em que estão inseridos.

As mais diversas intervenções socionômicas asseguram um conceito mais


ampliado de intervenção e pesquisa-ação, uma vez que “faz e pensa a formação humana
na escola, no hospital, na clínica, na família, na comunidade e nos movimentos sociais”
(ibidem, p. 17).

Adotamos esta metodologia quando trabalhamos com as questões cruciais de


direitos humanos, pois ela contribui nos processos de formação, de aprendizagem e
desenvolvimento do ser humano em suas complexidades. O sociodrama se caracteriza
como uma “socioterapia”. Vai além dos limites da prática clínica tradicional, situando
sua ação como social e política. Segundo Marra, (2005, p. 31) “tem seus alicerces no
empoderamento e na resiliência dos grupos, que ampliam suas possibilidades
existenciais e reforçam as vivências dos desafios, re-inserindo o sujeito numa relação
inter-subjetiva em direção ás comunidades”.

Estimula o compromisso dos atores sociais com a co-construção, o que é


transformador da realidade, e implica em resgate da cidadania, do direito de viver, de
pensar e agir, enfim, ser sujeito de direito. Assim, consideramos que a intervenção
socio-psicodramática poderá nos ajudar a denunciar fenômenos e processos grupais
emergentes, conflitos e valores diferenciados, investigar com profundidade, intensidade
emocional e vivencial, fazer novas leituras, imprimir novos significados.

O pressuposto deste tipo de proposta metodológica é mediar situações, construir


redes de solidariedade, socializar conhecimentos, recuperar o poder próprio das pessoas,
dos grupos e das comunidades, ampliando e multiplicando saberes, constituindo, enfim,
a cidadania e a formação de redes sociais (MARRA, op.cit.).

Muitos socionomistas (ou psicodramatistas, como é mais comum se chamar),


trabalham numa metodologia socionômica com multiplicadores sociais, com famílias,
conselheiros tutelares, professores, agentes sociais, minorias sexuais, adolescentes em
conflito com a lei, equipes de trabalho, equipes de saúde, etc. Vamos lembrar aqui de
algumas experiências de intervenções grupais socionômicas na defesa dos direitos
humanos:

Tomemos o exemplo do trabalho com equipes profissionais ou de


multiplicadores sociais, com educadores de abrigos, com equipes dos centros de
assistência social, juizados de infância e adolescência, cuidadores em delegacias
especiais e centros de combate à homofobia, etc. Os socionomistas têm trabalhado neste
campo. Podemos nestes espaços, propor um trabalho sociodramático específico,
tentando formar multiplicadores sociais, profissionais comprometidos consigo mesmos
e com o contexto sócio-histórico.

Partimos do princípio de que ele é um agente social de mudança e que trabalha nos
processos de prevenção; é um educador, um pólo de promoção e reorganização social,
que cuida de aspectos complexos e múltiplos (embora nem sempre seja um
especialista). Por outro lado, tem um manejo crítico e criativo do conhecimento, busca o
diálogo entre o saber científico e o saber popular e, finalmente, é considerado um
instrumento de intervenção social. O trabalho com estes grupos é centrado nas
dimensões de identidade, inclusão social, autonomia, pertencimento, resgate das
competências, multiplicação do saber e co-construção (MARRA, op.cit.)

Enfim, os socionomistas desenvolvem nestes grupos com multiplicadores sociais


uma prática de mediação grupal que exercita a cidadania, uma vez que facilita e ajuda a
produzir diferenças e a tomar decisões, a desenvolver autonomia e formar identidades
culturais que dão o sentimento de pertencimento. E promovem novas formas de
organização, em que se possa trabalhar em redes sociais, como multiplicadores sociais.

Vimos nestes dois últimos capítulos a amplitude da obra de Moreno buscando a


saúde das relações, que se desdobra com os pós morenianos, no foco clínico e no sócio-
educacional. Concluímos afirmando que o psicodrama e, principalmente, o trabalho
socionômico mais amplo, está evoluindo na direção específica de defesa de direitos
humanos, trabalhando com equipes de multiplicadores sociais que lidam com minorias
ou excluídos socialmente, através de intervenções sociodramáticas. O psicodrama
clínico, por outro lado, vem se fortalecendo e continua dialogando com outras correntes,
e tem atualmente se vinculado a outras abordagens, como é o caso do psicodrama
junguiano (RAMALHO, 2002) e do psicodrama psicanalítico. Os terapeutas
transpessoais também têm considerado Moreno um antecedente da psicologia
transpessoal, pela sua visão cósmica do homem.

A FEBRAP - Federação Brasileira de Psicodrama, que reúne 33 entidades


federalizadas em todo o Brasil, tem como meta estimular o desenvolvimento de cursos e
projetos sócio-educativos que vão muito além dos muros dos consultórios privados ou
das salas de aula, ampliando o projeto socionômico para além do campo clínico,
incluindo a intervenção em políticas públicas, visando a defesa dos direitos humanos em
suas múltiplas vertentes.
Moreno “proclamou que, embora suas idéias pudessem ser prematuras para o
século XX, o século seguinte seria seu” (MARINEAU, 1999:162). Segundo este autor
(ibidem, p. 164), as concepções morenianas serão realçadas pela redescoberta de
Moreno como um todo, “como filósofo, que fincou sua filosofia na existência concreta
de cada ser humano. O grande desafio vindouro parece-me e epistemológico: construir e
reconstruir sobre as bases de Moreno”.

Como é possível perceber até então, são muitos os aspectos teóricos e práticos
do método socio-psicodramático já desenvolvidos, embora existam muitos outros para
serem revistos. No campo da dinâmica de grupo, o psicodrama se apresenta como uma
área promissora, mantendo sua especificidade, como veremos no capítulo seguinte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Papirus, 1990.

________________. Teatro da Anarquia – um resgate do psicodrama. São Paulo:


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Paulo: Editora Ágora, 1991.

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Ágora,1988.

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