(Cliqueapostilas - Com.br) o Cavaco Ritmico Harmonico Na Musica de Waldiro Frederico

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Universidade Federal do Rio de Janeiro


Centro de Artes e Letras
Escola de Música
Programa de Pós-Graduação em Música

O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): a


construção estilística de um “cavaco-centro” no choro.

Jamerson Farias Ribeiro

Rio de Janeiro
2014
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CAVACO RÍTMICO-HARMÔNICO NA MÚSICA DE WALDIRO


FREDERICO TRAMONTANO (CANHOTO):

A construção estilística de um ‘cavaco-centro’ no choro

Por

Jamerson Farias Ribeiro

Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-


Graduação em Música da Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro;
concentração em Musicologia: Etnografia das
práticas musicais, como parte integrante dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Regina Meirelles

Rio de Janeiro, 2014.


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Agradecimentos

Primeiramente agradeço a minha família, especialmente minha mãe Eleonora, meu pai
Janio e meu irmão Jander, que sempre me apoiaram e me deram suporte para que eu pudesse
dar continuidade à minha formação acadêmica.
À professora Dra. Regina Meirelles, minha orientadora, pelos conselhos, sugestões e
infindável bom humor.
Aos professores Dr. Pedro Aragão e Dra. Márcia Taborda pelas sugestões dadas no
exame de qualificação.
À banca examinadora: prof. Dr. Celso Ramalho e prof. Dr. Pedro Aragão.
Ao CNPq, pela ajuda financeira durante o último ano de pesquisa.
Aos entrevistados: Bernardo Diniz, Henrique Cazes, Maurício Verde, Luciana Rabelo
e Adilson Tramontano.
À Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como Nirez, pela atenção e acesso a
sua coleção de discos em 78rpm.
Aos amigos prof. Me. Pablo Garcia e prof. Dr. Pedro Rogério, pela iniciação à
pesquisa acadêmica, além de todos os outros que, de alguma forma, contribuíram para o
desenvolvimento deste estudo.
A todos os amigos e professores do Programa de Pós-Graduação em Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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RIBEIRO, Jamerson Farias. O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico


Tramontano (Canhoto): A construção estilística de um “cavaco-centro” no choro. 2014.
Dissertação (Mestrado em Musicologia: Etnografia das práticas musicais) – Programa de Pós-
graduação em Música, Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Resumo

Este trabalho visa refletir acerca da construção estilística de Waldiro Frederico Tramontano,
Canhoto do Cavaquinho, descrevendo, analisando e transcrevendo aspectos importantes para
caracterização de seu estilo a partir da audição de gravações realizadas com o seu regional nas
décadas de 1950 e 1960. Canhoto foi um dos primeiros cavaquinistas a se tornar músico
profissional através do rádio, atuando em grupos importantes para a consolidação de um
modelo de acompanhamento através dos conjuntos regionais. Atualmente o músico é uma das
principais referências para o cavaquinho na função de acompanhamento, tendo no repertório
gravado muitos clássicos da música popular. Após a elaboração de um relato biográfico do
músico, a partir de depoimentos e documentos presentes no acervo pessoal de seu filho,
Adilson Tramontano, analisamos o contexto musical do período que corresponde a seu
aprendizado e profissionalização com o objetivo de investigar a relação de seu estilo com as
transformações rítmicas que culminariam no samba urbano carioca na virada das décadas de
1920 e 1930. A transmissão musical será observada a partir do conceito de ordem sonora, do
etnomusicólogo John Blacking e as análises norteadas por conceitos de Philipp Tagg sobre a
análise da música popular gravada. No intuito de contribuir para estudos posteriores, também
foi realizado um mapeamento rítmico das levadas de Canhoto.

Palavras chave: Canhoto; choro; cavaquinho; música popular; etnomusicologia.

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RIBEIRO, Jamerson Farias. O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro Frederico


Tramontano (Canhoto): A construção estilística de um “cavaco-centro” no choro. 2014.
Dissertação (Mestrado em Musicologia: Etnografia das práticas musicais) – Programa de Pós-
graduação em Música, Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Abstract

This study aims to have a reflexive look on the stylistic musical construction of Waldiro
Frederico Tramontano, Canhoto do Cavaquinho, by describing, analyzing and transcribing
important aspects of his performances. We develop this research from listening to the
recorded material made with his regional group in the 1950’s and 1960’s. Canhoto was one of
the first musicians to become a professional artist on the radio era, perfoming in conceited
groups in terms of developing a harmonic style via “conjuntos regionais”. Currently the
musician is one of the main references on cavaquinho, having recorded many classics in the
repertoire of popular music. After the description of his biography from the testimonies and
documents presented in the personal collection of his son, Adilson Tramontano, we have
analyzed the musical context from the period he became a professional musician aiming to
unravel the connections from his personal style and the rythmical changes that ended up in the
creation of the urban samba in Rio de Janeiro in the late 1920's and 1930’s. The musical
transmission will be observed from the concept of sonic order, proposed by the
ethnomusicologist John Blacking and the analysis guided by the concepts of Philipp Tagg,
that deals with the analysis of recorded popular music. In order to contribute to further studies
a rhythmic mapping based on Canhoto's way of playing was written.

Keywords: Canhoto; choro; cavaquinho; popular music; ethnomusicology.

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Lista de Ilustrações

Fotografia 1: Casa de Caboclo..................................................................................................19


Fotografia 2: Capa de disco......................................................................................................21
Fotografia 3: Convite do concurso de choros...........................................................................23
Fotografia 4: Panfleto de divulgação........................................................................................24
Fotografia 5: Gente do Morro...................................................................................................30
Fotografia 6: Aurora Miranda e Regional de Benedito Lacerda...............................................32
Fotografia 7: Regional de Benedito Lacerda............................................................................35
Fotografia 8: Matéria Revista do Rádio....................................................................................39
Fotografia 9: Canhoto e Seu Regional......................................................................................42

Exemplos musicais 1: Paradigma do Tresillo...........................................................................78


Exemplos musicais 2: Síncope característica............................................................................79
Exemplos musicais 3: Habanera...............................................................................................79
Exemplos musicais 4: Cinquillo...............................................................................................79
Exemplos musicais 5: Paradigma do Estácio............................................................................80
Exemplos musicais 6: Paradigma do Estácio............................................................................80

Levadas e palhetadas 1: Levada “violão tamborim”.................................................................81


Levadas e palhetadas 2: Levada “teleco teco” .........................................................................81
Levadas e palhetadas 3: Acompanhamento Amanhã Eu Volto.................................................82
Levadas e palhetadas 4: Palhetada Visite o Terreiro................................................................82
Levadas e palhetadas 5: Exemplo grafia de direção de movimentos .......................................88
Levadas e palhetadas 6: Exemplo grafia do stacatto de dedo...................................................89
Levadas e palhetadas 7: Palhetada Jonas 1..............................................................................92
Levadas e palhetadas 8: Palhetada Jonas 2...............................................................................92
Levadas e palhetadas 9: Palhetada de choro.............................................................................94
Levadas e palhetadas 10: Palhetada alternada..........................................................................95
Levadas e palhetadas 11: Palhetada de choro em Uma noite no Sumaré.................................95
Levadas e palhetadas 12: Contraponto característico em Cuidado, Violão..............................97
Levadas e palhetadas 13: Contraponto característico...............................................................97
Levadas e palhetadas 14: Duetos Doce de Coco.......................................................................98
Levadas e palhetadas 15: Palhetada de maxixe........................................................................99
Levadas e palhetadas 16: Palhetada de maxixe (Jayme Vignoli)...........................................100
Levadas e palhetadas 17: Palhetada de maxixe (Luciana Rabello).........................................100
Levadas e palhetadas 18: Palhetada de polca..........................................................................101
Levadas e palhetadas 19: Levada de polca (violão)................................................................102
Levadas e palhetadas 20: Palhetada Roda de Bamba (introdução).........................................103
Levadas e palhetadas 21: Palhetada de Samba 1....................................................................103
Levadas e palhetadas 22: Palhetada de Samba 2....................................................................104
Levadas e palhetadas 23: Contraponto no improviso.............................................................104
Levadas e palhetadas 24: Palhetada Visite o terreiro (introdução).........................................105
Levadas e palhetadas 25: Palhetada de baião 1.......................................................................106
Levadas e palhetadas 26: Palhetada de baião 2.......................................................................106
Levadas e palhetadas 27: Palhetada de rojão..........................................................................107

Partitura gráfica 1: Cuidado, Violão.........................................................................................93


Partitura gráfica 2: Doce de Coco.............................................................................................94
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Partitura gráfica 3: Dorinha, Meu Amor...................................................................................99


Partitura gráfica 4: Rato Rato..................................................................................................101
Partitura gráfica 5: Roda de Bamba........................................................................................102
Partitura gráfica 6: Visite O Terreiro......................................................................................102
Partitura gráfica 7: Baião De Dois..........................................................................................105

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Sumário

Introdução................................................................................................................................10
Capitulo 1 – Canhoto no choro: Contextualização...............................................................16
1.1. Biografia.............................................................................................................................16

1.2. Trajetória artística e profissional: os Conjuntos Regionais, o Rádio e o Disco.................27


1.2.1. Gente do Morro.................................................................................................27
1.2.2. Conjunto Regional de Benedito Lacerda...........................................................34
1.2.3. Canhoto e Seu Regional....................................................................................39

Capítulo 2 – Que choro é esse? O cavaco-centro na música popular brasileira................45


2.1. Choro e samba: mútuas influências na música popular....................................................45

2.2. Estruturação formal e instrumental no choro....................................................................55


2.3. A construção estilística de Canhoto..................................................................................66

2.3.1. Antecessores: a linhagem Álvares-Galdino-Canhoto e os processos de


transmissão musical..................................................................................................................68
2.3.2. Transformações rítmicas e o legado de Canhoto................................................78

Capítulo 3 – Análise técnica e caracterização estilística......................................................86


3.1. Metodologia de análise......................................................................................................86
3.2. Caracterização estilística e mapeamento rítmico das palhetadas.......................................89
3.3.1. Choro........................................................................................................................93

3.3.2. Maxixe.....................................................................................................................99
3.3.3. Polca ......................................................................................................................101
3.3.4. Samba e batuque....................................................................................................102
3.3.5. Baião......................................................................................................................105
Conclusão...............................................................................................................................108

Bibliografia............................................................................................................................111
Anexos....................................................................................................................................121

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Introdução

Canhoto do Cavaquinho é, certamente, uma das personalidades mais importantes do


choro brasileiro. Não apenas por sua atuação em gravações durante mais de 50 anos, mas pela
contribuição deixada à música popular e a seu instrumento. O cavaco-centro, acima de tudo, é
uma função que, executada pelo instrumento, embasa a sonoridade do conjunto regional e dá
sentido a intervenções e variações rítmicas e melódicas dentro formação. Ainda são poucas os
estudos sobre as práticas de acompanhamento no contexto do choro (Taborda, 1995; Becker,
1996; Bittar, 2011) e quase nenhuma sobre o cavaquinho, ficando a reflexão sobre a prática
no choro voltada para solistas e compositores. Nesse sentido o estudo da práxis do
cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano - o Canhoto (1908 - 1987), através da descrição e
análise de sua trajetória artística e de aspectos peculiares de sua execução que o
transformaram em uma das maiores referências para o cavaco-centro na música popular, é
extremamente importante. Esperamos com esse trabalho contribuir para preencher esta lacuna
na bibliografia sobre o choro e cavaquinho.
O capítulo inicial deste estudo tem dois principais objetivos: produzir um relato
biográfico sobre Canhoto e descrever sua carreira artística, focalizando sua atuação em três
importantes grupos da história da música popular brasileira: o Gente do Morro, o Conjunto
Regional de Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional. A escolha justifica-se pela
importância desses grupos na consolidação de um modelo básico de acompanhamento na
música brasileira através da atuação do trio de acompanhamento Dino-Meira-Canhoto, –
aliando violões em contraponto e cavaquinho centrista à percussão.
Foi realizada uma revisão de literatura no intuito de levantar os dados biográficos
disponíveis e compará-los com as duas principais fontes de informações sobre Canhoto
conhecidas até o momento: o acervo pessoal de Waldiro – em posse de seu filho Adilson
Tramontano – e um depoimento do próprio músico registrado em 1978 por Lilian Zaremba,
que acreditamos ser o único registro em áudio da voz do músico. Zaremba registou uma série
de depoimentos em 1978 para sua monografia do curso de graduação em História da PUC –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ao todo foram 12 fitas cassetes que,
posteriormente, foram entregues ao professor Henrique Cazes que nos revelou que a única
defeituosa era a gravação de Canhoto. O material foi totalmente digitalizado e nos foi cedido
gentilmente pelo professor. Dentre os depoimentos estão o de Dino Sete Cordas, Abel
Ferreira, Severino Araújo, Copinha, Radamés Gnatalli e Orlando Silveira.
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Presentes no acervo de Adilson estão documentos e fotos que retratam vários


momentos da carreira artística do músico, além de recortes de jornais e revistas (também
encontradas no site da Hemeroteca da Biblioteca Nacional 1). Também foram realizadas
entrevistas com Adilson e alguns cavaquinistas cariocas que conheceram pessoalmente o
músico ou que possuem bastante conhecimento de sua obra. Trechos dos depoimentos serão
utilizados constantemente ao longo do texto devido à relevância das informações em todos os
âmbitos que abordamos na pesquisa. Vale lembrar que as entrevistas ainda tiveram como
objetivo discutir algumas questões técnicas sobre o instrumento e a construção dos estilos de
palhetadas, sendo alguns dos entrevistados fontes dos dois tipos de dados, o que torna
necessário que as intervenções do entrevistador sejam pontuais e feitas somente quando as
perguntas tiverem a finalidade de gerar um conhecimento ou dialogar sobre possíveis
conclusões e hipóteses sobre a questão principal. Julgamos ser mais apropriadas entrevistas
em formato semiestruturado (Fraser e Gondim, 2004), o que possibilitaria a mudança de
abordagem de acordo com o objetivo das perguntas. Outro tópico do capítulo é reservado à
descrição de sua trajetória profissional sendo necessário, em alguns casos, investigar possíveis
informações contraditórias.
No segundo capítulo basicamente demonstraremos como foram estruturados ao longo
dos anos os procedimentos básicos e convenções encontrados na execução do cavaquinho
‘centro’ dentro do contexto musical que lhe é comum, contextualizando e preparando o leitor
para o capítulo 3 – onde realizaremos a análise e caracterização do estilo de Canhoto através
das gravações. Demonstraremos também como acontece a chamada divisão de tarefas em
relação aos procedimentos rítmicos e harmônicos por parte do trio base de acompanhamento:
cavaco, violão de 6 e violão de 7 cordas.
O primeiro tópico está reservado à revisão de literatura, onde discutiremos sobre os
processos de transformação dos gêneros choro e samba e suas relações, evidenciado o debate
existente na literatura pós-1980 onde observamos uma crítica aos lugares de origem. A
escolha de samba, choro e regional se justifica pelo fato de ser este o contexto onde se
desenvolve a prática de Canhoto. Na segunda secção fizemos um histórico sobre as principais
formações instrumentais utilizadas ao longo dos anos para execução do repertório dito
popular, bem como de sua estruturação sonora/instrumental, além dos aspectos estruturais do
gênero choro que, em alguns casos, auxiliava e até facilitava o aprendizado dos instrumentos
e garantia aos músicos um conhecimento musical genérico sobre teoria musical. Serão

1
< http://hemerotecadigital.bn.br/>
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focalizados também aspectos do acompanhamento harmônico, frente às considerações de


Carlos Almada em Harmonia Funcional (2009) e A estrutura do choro (2002).
Na última secção será abordada a construção estilística de Canhoto, partindo de seus
antecessores, transformações rítmicas até sua transformação em referência para as novas
gerações. Discutimos a práxis musical de acompanhamento no choro e alguns aspectos de
transmissão e aprendizado a fim de relacioná-los com a prática aqui estudada, dando ênfase
em seu período de aprendizagem musical, naturalmente, pois é onde acreditamos existir maior
influência do contexto sociocultural e de seu eventual professor (Galdino Barreto). A relação
entre indivíduo e sociedade foi estudada por Mirian Goldenberg em seu livro A arte de
pesquisar (1997) onde são apresentadas diversas abordagens para a realização de uma
pesquisa qualitativa em ciências sociais. O método biográfico figura como importante
ferramenta na tentativa de entender uma coletividade através de uma história de vida. A
autora afirma que “cada individuo é uma síntese individualizada e ativa de uma sociedade,
uma reapropriação singular do universo social e histórico que o envolve” (Goldemberg,
1997:36). O método foi utilizado na pesquisa com o objetivo de relacionar o contexto
histórico no qual Canhoto estava inserido com sua prática musical. A relação se torna
importante, pois partimos da hipótese que a construção estilística do acompanhamento de
Canhoto sofre influência do processo de mudança de estilo nos padrões rítmicos empregados
nos acompanhamentos do samba e choro no início da década de 1930 segundo padrões
mencionados por Sandroni (2001). A transmissão musical foi observada a partir do conceito
de ordem sonora, do etnomusicólogo John Blacking.
No último capítulo será realizada a descrição, análise e extração dos elementos que
compõem o estilo de Canhoto tendo como fontes primárias as gravações dos chamados
“discos de carreira” e as entrevistas. Como metodologia de análise utilizamos alguns
conceitos de Phillip Tagg para análise de música popular gravada (Tagg, 1979; Ulhôa
1999a,1999b, 2006) . Os musemas seriam fragmentos musicais presentes na música que
possam ter um significado dentro de um contexto musical específico. Definidos como
timbres, levadas, cadências, etc. os musemas são apresentados em partituras gráficas ou
grades musemáticas podendo ser extraídos para uma análise individual. Nesse sentido a
metodologia foi utilizada em algumas gravações ilustrativas, com relação às características
estilísticas do músico e a utilização das palhetadas de gêneros mais importantes, onde foi
possível observar também a recorrência de certos motivos rítmicos em seus
acompanhamentos.
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Para as análises foi realizado, inicialmente, um grande levantamento fonográfico dos


três principais grupos que Canhoto participou ao longo da carreira: Gente do Morro, Conjunto
Regional de Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional. A pesquisa fonográfica foi
realizada em três etapas. Iniciou-se em 2011 no Arquivo Nirez em Fortaleza-Ce, onde
pudemos ter um panorama inicial da quantidade de gravações realizadas pelo músico em 78
RPM, principalmente dos dois primeiros grupos, já que Canhoto e Seu Regional atravessa
uma fase híbrida em relação aos discos (78rpm e Lp’s). Há uma segunda etapa de ampliação
do acervo da pesquisa através de blogs da internet especializados em gravações antigas como
o Forró em vinil e Ao chiado brasileiro além de valiosas contribuições dos entrevistados que
nos indicaram e nos cederam gravações e outros materiais. Consultamos também o acervo
digital do Instituto Moreira Sales (IMS) e do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMUB),
onde pudemos escutar gravações de difícil acesso além de obter informações sobre os discos
(ano de lançamento, gravadora, número de catálogo, etc). Atualmente estamos trabalhando
para reunir todo esse acervo de gravações realizadas por Canhoto ao longo da carreira. A
tarefa é difícil, pois como vimos anteriormente as fichas técnicas são inexistentes em muitos
casos. Há outros mecanismos menos confiáveis como associá-los às gravadoras das quais
eram funcionários ou ainda contar com a memória de alguns músicos que viveram no período
como Jorginho do Pandeiro 2, sempre atentando para os eventuais problemas deste método.
Porém a melhor maneira de identificá-lo nas gravações ainda é a escuta crítica e, pensamos
que a partir de agora, uma escuta guiada.
Devido ao grande número de gravações foi preciso criar categorias que limitassem a
amostragem, já que o arco temporal em que o músico atuou é de quase 50 anos (1932 – 1980).
Sabemos ainda que alguns dos músicos dessas formações, mais precisamente Dino e Meira
juntamente com Canhoto, também estão presentes em vários outros discos da música popular,
porém sob outra denominação ou mesmo sem serem devidamente identificados quando
estavam na condição de acompanhadores. Segundo o Instituto Memória Musical Brasileira
(IMMUB) somente com nome de Canhoto e Seu Regional, foram oito Lp’s, cerca de trinta e
seis 78rpm, três coletâneas e projetos extras, além de participações em lançamentos que
reuniam vários artistas do choro e também do samba. O site Discos do Brasil indica a
participação como acompanhador em, aproximadamente, mais de 360 músicas divididas em

2
Jorge José da Silva (1930) é atualmente um dos últimos representantes do choro da era do rádio ainda vivo e
em atividade. Nascido numa família de importantes músicos para choro como Dino 7 Cordas, entrou em 1956
para o Regional do Canhoto onde ficou até a década de 1960. Em 1972 passou a integrar o Época de Ouro que
estava parado devido o falecimento de seu fundador Jacob do Bandolim.
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65 discos (vinil) durante sua carreira. Assim, no intuito de não aumentar ainda mais um leque
considerável de gravações, foi preciso criar categorias que limitassem a amostragem,
considerando a carreira do instrumentista. Os critérios para essa seleção foram,
principalmente, a qualidade das gravações e a capacidade de ilustrar elementos estilísticos
representativos que encontramos na execução do músico. Nesse sentido são importantes os
discos de carreira entre 1951 e 1969, onde o regional de Canhoto aparece como artista
principal, e os discos do paraense Ary Lobo 3. Ary foi cantor e compositor de baiões, cocos e
rojões. Seus discos foram importantes nesse estudo pelo fato de o cavaquinho ter sua
sonoridade destacada nas gravações devido à instrumentação utilizada (com predominância de
instrumentos de percussão), favorecendo uma boa audição das dinâmicas rítmicas do
instrumento durante as músicas. Também foi produzido um catálogo parcial das gravações
realizadas por Canhoto em discos de 78 rpm entre os anos de 1932 e 1965, além dos citados
no texto, no intuito de facilitar a identificação em gravações mais antigas, assim como
referenciar este trabalho.
Outra importante fonte para análise foram as entrevistas realizadas com Bernardo
Diniz, Luciana Rabelo, Henrique Cazes e Mauricio Verde que são cavaquinistas e alguns,
pesquisadores. A escolha dos entrevistados se deu pelo fato de três desses músicos terem
conhecido pessoalmente Canhoto e outro ter sido aluno da principal representante do estilo na
atualidade, Luciana Rabello. Além do contato consideramos a relevância dos músicos no
cenário atual e os traços estilísticos identificáveis em sua prática, com relação a de Canhoto.
Os depoimentos são bastante esclarecedores sobre aspectos técnicos, tecnológicos (construção
do instrumento utilizado pelo músico), contexto sociocultural, dentre outras informações.
Ressaltamos a importância destes depoimentos para caracterização, já que a partir deles
podemos ver de vários prismas como os músicos percebem as nuances estilísticas e
compreendem a práxis do cavaquinista. Foram realizadas audições conjuntas de gravações
junto com os entrevistados na tentativa de dialogar sobre características mais importantes
além da identificação do músico em gravações mais antigas. O ato de descrever, explicar o
estilo que já é tão internalizado para eles na prática, nos rendeu boas observações.
Lembramos que Canhoto tocava com as cordas na posição comum, a de destro, mas
virando o instrumento para o lado oposto do usual. Apesar das questões ergonômicas (postura

3
Gabriel Eusébio dos Santos Lobo (1930-1980), o Ary Lobo, era soldado da aeronáutica antes de vir seguir
carreira artística no Rio de Janeiro. Começou apresentando-se em programas de calouros na Rádio Clube do
Pará. Gravou seu primeiro disco pela RCA em 1958. Depois disso popularizou grandes sucessos como O último
pau-de-arara e vendedor de caranguejo (RCA Victor BPL 3060).
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e mão motora) representaremos os exemplos, com suas devidas articulações, considerando a


direção dos movimentos sonoros: do grave para o agudo (para baixo) ou ao contrário (para
cima) – a segunda caracterizando um de seus principais elementos identitários que
denominamos de ‘volta’.
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Capitulo 1 – Canhoto no choro: Contextualização

1.1. Biografia

Talvez se nos referíssemos à figura central deste estudo somente por seu nome de
registro em cartório, Waldiro Frederico Tramontano, poucos seriam capazes de associá-lo a
figura emblemática que ele se tornou para o cavaquinho, para o choro e, porque não dizer,
para música popular brasileira. Referir-se, então, somente ao seu apelido, Canhoto,
certamente geraria mais dúvidas quanto a sua identificação no meio musical – principalmente
no contexto do choro – já que outros músicos brasileiros já se utilizaram dessa característica
motora para criação de seu nome artístico. Para ficarmos somente nos mais conhecidos, como
Waldiro, Américo Jacomino (1889-1928) e Rogério Guimarães (1900-1980) também tem seus
nomes artísticos relacionados com o apelido, deixando para os momentos “não-musicais” seus
nomes de batismo. Sem esquecermos Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba
(1928 - 2008), que além do apelido ainda teve sua naturalidade agregada ao nome. Ainda é
possível encontrar vários outros músicos com o mesmo codinome nos relatos sobre música
popular do final do século XIX e início do século XX, talvez pelo fato de causar estranheza a
execução de um instrumento do lado contrário do normal (na visão dos destros), sendo logo
associado ao apelido quando surgia.
Então, para não restar dúvidas, falaremos aqui sobre o cavaquinista Canhoto do
cavaquinho nascido em 9 de agosto de 1908, na rua São Clemente, na vila de número 216, no
bairro de Botafogo – situado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (tendo em vista a atual
disposição social da cidade). Filho mais velho de 5 irmãos, perdeu o pai ainda menino tendo
que ajudar na renda familiar desde muito cedo, catando bolas de tênis em um clube localizado
no bairro onde nascera. Um leitor interessado em música popular brasileira, certamente, em
algum momento, já se deparou com o nome do músico na literatura especializada. É
considerado, por muitos músicos e chorões espalhados pelo país, como um dos maiores
representantes da escola de cavaquinho-centro, rítmico-harmônico ou de acompanhamento da
história de nossa música, fato que infelizmente não se traduziu em materiais biográficos sobre
sua carreira e sua prática musical, como observamos já ter acontecido com seus eternos
companheiros de regional Dino Sete Cordas e Meira 4.

4
Dino (Horondino José da Silva) – o Dino Sete Cordas, é certamente um dos nomes mais importantes do violão
de sete cordas, ajudando a definir o modelo de execução adotado por muitos instrumentistas posteriores a ele
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De ascendência italiana, como nos revela seu sobrenome “Tramontano”, Waldiro teve
sua iniciação musical cedo, “começou a tocar cavaquinho bastante jovem, tomando parte,
desde os seus oito anos de idade [1916] em numerosas reuniões festivas, integrando diferentes
conjuntos que iam exibir-se à Rua General Polidoro” (RCA Victor, 1956). Em depoimento,
Canhoto também comenta sobre as reuniões festivas que ocorriam em sua casa e sobre seu
inicio no instrumento.

Eu tinha oito anos de idade, e ia sempre uma turma lá em casa, quando eles saíam
dos bares eles iam pra minha casa tocar... quatro, cinco horas da manhã eles iam
tocar. E eu vi o cavaquinho e gostei muito! Então falei com meu pai e ele colocou
um professor de cavaquinho, mas eu sou canhoto. Então eu aprendi virando as
cordas. (Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978)

O trecho nos revela pontos importantes sobre o período de iniciação e aprendizado


musical de Canhoto onde havia um ambiente movimentado por reuniões musicais –
provavelmente patrocinadas por seu pai – além da presença de um professor de cavaquinho. A
prática coletiva proporcionada pelas rodas de choro, “reuniões festivas” além das
participações em “conjuntos” que realizavam apresentações em espaços de seu bairro,
também ganham, assim, relevância no processo no sentido de vivenciar as lições aprendidas
com o professor. Outro ponto importante para o estilo de Canhoto será a disposição das
cordas no cavaquinho.
Logo na sequência da entrevista o músico comenta que logo após ter aprendido “todas
as posições” como um canhoto normalmente faz, invertendo as cordas, um violonista
chamado Seu Oscar disse a Canhoto: “você tem que aprender com as cordas direitas [grifo do
autor], se não você não toca instrumento nenhum e os outro não também não tocam seu
instrumento... aí tive que aprender novamente.” (Zaremba, 1978). Dessa forma o músico teria
adquirido a primeira grande característica de seu estilo não por uma necessidade técnica, mas
por sugestão de outra pessoa frente ao contexto sociocultural da época onde o
compartilhamento e comunhão musical pareciam permear as rodas de choro e reuniões
festivas.
Ainda sobre seu provável professor, é cogitada a possibilidade do cavaquinista
Galdino Barreto ter ocupado tal posição, como veremos adiante. Para Aragão (2011) essa
prática de ensino é considerada informal devido a uma série de fatores, como métodos e
legitimidade em relação às instituições de ensino de música da época. Na virada do século
XIX para o século XX, professores informais eram comumente encontrados no ambiente do

– e Meira (Jayme Thomás Florence) – violonista pernambucano, professor de violão de instrumentistas como
Raphael Rabello e Baden Powell.
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choro, principalmente em relação ao violão e cavaquinho. O termo é utilizado, por Aragão


(2011) de modo a demonstrar uma oposição ao formalismo no ensino de música vinculado as
instituições tradicionais da sociedade carioca no período como, por exemplo, o Conservatório
de Música e os professores ligados a ele. A oralidade também sugere que certas práticas se
tornem um modelo, referência de uma prática ideal para alguém ou, ainda, para determinados
grupos. A relação entre Galdino e Canhoto será aprofundada no capítulo seguinte.
Em 1927/1928, devido a uma epidemia de febre amarela, Canhoto foi trabalhar na
saúde pública como mata-mosquito onde conheceu um trombonista de nome Benjamim e esta
amizade lhe possibilitou a frequência em várias festas e rodas de choro da cidade do Rio de
Janeiro. Em uma dessas festas, na casa de Alfredo José Rodrigues, o Alfredinho Flautim
(1884 – 1958) – que participou do Grupo da Velha Guarda 5 organizado por Almirante na
década de 1950 –, conheceu o violonista Gorgulho (Jacy Pereira). Segundo o texto biográfico
da RCA Victor (1956) sobre Canhoto, teria sido o violonista Gorgulho, então integrante do
recém-criado Gente do Morro liderado pelo flautista Benedito Lacerda, quem o convidou para
participar do grupo. Porém, no depoimento à Zaremba (1978), Canhoto credita sua entrada no
grupo e sua posição na música popular a Antônio Carlos Martins (1913 – 1985), também
conhecido como Russo do Pandeiro e considerado por muitos um virtuose em seu
instrumento, esclarecendo também a data de ingresso no grupo Gente do Morro como
veremos a seguir. Paulo Flores (2007) no encarte do disco “Benê, o flautista” também cita
informações sobre o trabalho na saúde pública. Segundo Flores, Waldiro “ganhava a vida
como mata-mosquitos ansiando poder se dedicar a música completamente” (Flores, 2007:21)
o que foi possível somente nos primeiros anos da década de 1930 com sua profissionalização
através do Gente do Morro e da consequente fixação dos conjuntos regionais nas rádios.
O rádio possibilita, assim, o início da carreira profissional de Waldiro e de muitos
outros músicos de choro na capital federal que passam a assinar contratos com emissoras de
rádio e gravadoras da época, mudando sua posição trabalhista de autônomo para empregado,
sendo considerados funcionários das emissoras recebendo salário fixo e até multas por
eventuais atrasos. Os contratos de exclusividade existiam em alguns casos, mas era grande a
rotatividade de músicos e regionais entre as emissoras de rádio e gravadoras através de
artifícios como a mudança de nome dos conjuntos ou até mesmo gravações isoladas/pontuais.
A profissionalização também abriu um leque de possibilidades para o músico, como a
participação em outras formações instrumentais além dos regionais. Após a entrada para o

5
O grupo contava ainda com as participações de Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Bide, dentre outros, e
gravou entre 1955 e 1956 três discos: A Velha Guarda, Carnaval da Velha Guarda e Festival da Velha Guarda.
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grupo de Benedito, Canhoto atuou em uma orquestra que acompanhava a famosa bailarina
Eros Voluzia Machado (1914-2004) e também na tradicional “Casa de Caboclo”, fundada por
Antônio Lopes de Amorim, o Duque (1884 – 1953), dentre outro artistas como Jaraca &
Ratinho e Pixinguinha. O espaço localizava-se na Praça Tiradentes, no centro da cidade do
Rio de Janeiro, mais precisamente no saguão do teatro São José e era dedicado a encenação de
peças do Teatro de Revistas com temáticas sertanejas, além da prática de músicos populares.
Segundo o depoimento de Meira a Sônia Maria Braucks Calazans Rodrigues no livro
Jararaca e Ratinho: a famosa dupla caipira (1983) antes do início das apresentações teatrais,
um grupo de músicos se apresentava na sala de espera do teatro com o objetivo de atrair
público para a parte interna. Dentre os músicos citados no depoimento estão Meira, Canhoto,
Benedito Lacerda, João Frazão, Romualdo Miranda, Jacob Palmieri, Vidraça e João de Deus.
Segundo Bittar (2011) este teria sido o primeiro encontro de Meira com Lacerda e Canhoto.

Fotografia 1: Casa de Caboclo em 1932. Foto do acervo pessoal de Adilson Tramontano, 2008.

Como músico profissional participou da inauguração de duas importantes emissoras de


rádio nos anos de 1934 e 1935: a Rádio Guanabara e a Rádio Tupi. As viagens também foram
constantes nos primeiros anos de carreira, tendo participado de excursões com o Gente do
Morro às cidades de Campos, Muqui e Vitória, em 1934, onde contaram com a luxuosa
participação de Noel Rosa (Almirante, 1977). As viagens no início de carreira eram comuns,
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mas logo os compromissos com o rádio e gravações tomariam conta do dia a dia de Canhoto o
impedindo de viajar frequentemente, como nos contou Adilson em depoimento. O retorno ao
Rio de Janeiro marca também a mudança do nome do grupo, que passa a se chamar Conjunto
Regional de Benedito Lacerda. Em depoimento a José Eduardo Homem de Mello (ZUZA)
para o encarte do disco Os Choros dos Chorões (1977) o próprio Canhoto comenta sobre a
mudança de nome.

Em 1932 eu entrei para o conjunto Gente do Morro de Benedito Lacerda. Nós


fizemos uma viagem para Campos em 34 [1934] com Noel Rosa e lá, o pessoal
começou a perguntar se a gente não andava de tamanco. Sabe como é, Gente do
Morro, tu já viu, não é? Aí, quando voltamos pro Rio, o Benedito resolveu mudar o
nome do conjunto. Bobagem botar Gente do Morro. (CANHOTO, 1977)

O antigo nome foi sugerido por José Barbosa da Silva, o Sinhô (1888 – 1930), em uma
tentativa de referência a origem de alguns dos integrantes do grupo, como veremos mais
detalhadamente no tópico a seguir. No ano seguinte a viagem, Canhoto seguiu para uma
temporada em Buenos Aires, na Argentina, acompanhando Francisco Alves e Alzirinha
Camargo que foram contratados para inauguração da rádio El Mundo. Em 1937, também foi a
São Paulo apresentar-se com o Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908 – 1980) (RCA
Victor, 1956).
No rádio, era comum cada emissora contar com seu conjunto regional que, em alguns
casos, tinha um caráter exclusivo. Canhoto, como participante do regional de Benedito,
trabalhou sob contrato de 1938 a 1945 na Rádio Clube do Brasil e, após viagem ao Uruguai –
para tocar junto com a orquestra do Cassino de Copacabana – ingressou na Radio Tupi onde
permaneceu até 1950 (RCA Victor, 1956). Em dezembro de 1950 devido a várias questões
(dentre elas salariais, o câncer de Benedito e sua indisponibilidade por conta dos
compromissos na campanha política de Adhemar de Barros à presidência da república) é
criado o Regional do Canhoto, que contava ainda com Altamiro Carrilho (substituindo
Lacerda) e Orlando Silveira. O conjunto passa a atuar na Rádio Mayrink Veiga até seu
fechamento por questões politicas em 1965. Tornou-se artista exclusivo da RCA Victor e,
segundo consta no texto biográfico do músico produzido pela gravadora “seu primeiro disco
apareceu a 13 de abril de 1951 reunindo o baião ‘Gracioso’, e a popular composição ‘Meu
limão, meu limoeiro’ num sugestivo arranjo do próprio Canhoto”. Na época a gravadora
planejava lançar também “o long play BPL-3013” que viria a ser “o primeiro disco em long
play (vinil), de Canhoto e Seu Regional, sob o titulo de Baiãomania” (1956). O regional
atuava no acompanhamento de vários cantores de sucesso, mas também tinha sua carreira
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como grupo de música instrumental lançando diversos discos como artistas principais.
Passou a ser considerado um modelo por excelência por conta da competência e versatilidade
que tinha em acompanhar uma grande variedade de gêneros.
Canhoto faz parte de um seleto grupo de músicos que contrariavam o procedimento
comum para época de nomeação dos regionais. Normalmente os solistas nomeavam os grupos
como, por exemplo, o Conjunto Regional de Benedito Lacerda, Regional de Dante Santoro,
entre outros, e Waldiro, mesmo sendo um músico acompanhador, passa a dar nome ao
regional. Há, na discografia e bibliografia, três nomenclaturas utilizadas para se referir ao seu
regional: Regional do Canhoto, Canhoto e Seu Conjunto e Canhoto e Seu Regional.
Adotaremos no texto o último nome, pois nos parece ser o nome artístico do grupo por
aparecer na maior parte dos discos. Antes poucos regionais haviam optado por essa dinâmica
de liderança. Para citar alguns temos o Grupo do Canhoto (do violonista Américo Jacomino),
e mais tarde o Regional de Rogério Guimarães (violonista), dentre outros (Taborda, 1995).
Vale ressaltar que nos últimos dois casos os líderes, apesar de violonistas, eram solistas e
compositores.

Fotografia 2: No papel de líder, Canhoto também cedia sua imagem para divulgação e capa dos
discos do grupo. Capa do disco 78rpm lançado em 1959 pela Odeon (14512).
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Em outro texto sobre o músico, Castro (2008) destacada a liderança e organização do


músico, características que o teriam ajudado a assumir a liderança do regional com a saída de
Benedito Lacerda em 1951, além do respeito que os outros integrantes tinham por ele ser o
músico mais antigo naquela formação. A relação de companheirismo entre Lacerda e Canhoto
era tamanha que ao criar uma cooperativa financeira para os componentes de seu conjunto, o
flautista indicou Waldiro para tesouraria, que segundo as informações do biógrafo de
Benedito Jadir Zanardi sempre desempenhou bem as atividades (2008).
Depois de ter se aposentado, Canhoto recebeu algumas homenagens. Uma delas
aconteceu em 26 de Maio de 1977 na primeira edição da série de shows O Fino da música,
promovido pela Rádio Jovem Pan, e realizado no Palácio das Convenções do Anhembi, São
Paulo. Entre os organizadores do evento estava o musicólogo e jornalista Zuza, o mesmo do
disco Os Choros dos Chorões citado anteriormente. O show do Anhembi virou disco, e no
texto de apresentação da contracapa o jornalista explica:

Acho que a ideia de reunir os componentes originais do regional do Canhoto


começou a me cutucar a cabeça em novembro de 76 no II Encontro dos
Pesquisadores da Música Popular Brasileira, quando nossas reuniões foram abertas
com uma apresentação do trio Canhoto-Dino-Meira e mais o Altamiro. Mas só
meses depois é que a imagem daqueles colossos me voltou: foi quando a Rádio
Jovem Pan decidiu fazer o primeiro Fino da Música – ideia do Tuta [Antônio
Augusto Amaral de Carvalho] – uma nova etapa de sua campanha que já tinha 2
anos, em favor do músico brasileiro, um sujeito que se não fosse prestigiado logo
logo, corria sérios riscos de vida. (Depoimento de Zuza na contracapa do disco O
Fino da música, 1977).

Canhoto e Seu Regional faziam, naquela ocasião, 25 anos da reunião de sua primeira
formação e Dino, Meira e Canhoto fariam 40 anos de parceria nos regionais que atuaram.
Após receber o convite nos estúdios da RCA, Waldiro declarou ao jornalista certa dificuldade
em reunir os antigos companheiros de regional com um intuito profissional novamente:
"Olha, tem muita gente que já tentou fazer isso. Eu já estou aposentado, a gente não toca mais
em público...” (Zuza, 1977). As quatro últimas faixas de O Fino da música, que ainda contou
com a participação de nomes importantes do choro como Paulo Moura e Raul de Barros, são
reservadas a homenagem ao cavaquinista e seu regional com a formação original (com
exceção de Gilson). Ao fim da penúltima faixa do disco, Altamiro Carrilho discursa atestando
a importância do trio Canhoto-Dino-Meira para música popular brasileira.

“E agora se vocês me permitem, duas palavras, duas palavras emocionadas de minha


parte e tenho certeza que estarei, nesse momento, representando o pensamento de
todos vocês, bons brasileiros que são. A esses três homens: Dino, Meira e Canhoto,
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que há 40 anos vem trabalhando em favor da música popular brasileira, tendo


acompanhado os mais famosos cantores que pelo rádio brasileiro passaram, e sem
contar com os estrangeiros que tem passado por aqui, as mais famosas gravações de
regional foram feitas por esse trio de cordas, ora com clarinete, ora com a flauta de
Benedito Lacerda, ora com o saxofone de Pixinguinha, ora com o bandolim de
Jacob, mas sempre os três sustentáculos da música popular brasileira [começam as
palmas]. E para esses três homens que eu peço uma salva de palmas muito especial.”
(transcrição do discurso de Altamiro Carrilho na faixa 13 do disco O Fino da
música, 1977)

Em outra oportunidade foi homenageado no do 5º Concurso Conjuntos de Choro


promovido pela Fundação Rio 6. Em seu acervo pessoal, encontramos também um panfleto e
um convite para o evento que ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 1981. No
panfleto há um pequeno texto intitulado Homenagem a Canhoto, de autoria de Sérgio Cabral,
reverenciando a atuação do músico e sua importância para a música popular.

“O cavaquinho de Canhoto já atravessou mais de meio século da história da música


popular brasileira e está registrada em milhares de discos. Como instrumentista e
como líder de conjuntos musicais, Canhoto percorreu toda a sua longa carreia,
contribuindo para nossa música com muito talento e muita dignidade. Todos nos
devemos muito a ele.” (Panfleto do 5º Concurso Conjuntos de Choro, 1981).

Fotografia 3: Convite para a final do 5º concurso de conjuntos choros em 1981. Acervo


Adilson Tramontano, 2008.

6
Órgão vinculado à secretaria Municipal de Educação e Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro.
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24

Fotografia 4: Panfleto de divulgação do 5º Concurso Conjuntos de Choro, 1981. Acervo Adilson


Tramontano, 2008.

Apesar desta posição de prestígio entre os pares, como foi ilustrado pelas citações
acima, há, desde a chegada do Rádio, uma desvalorização dos músicos responsáveis pelo
acompanhamento que, segundo Ary Vasconcelos em Carinhoso e etc: história e inventário do
choro (1984) acontece em duas estâncias: num primeiro momento em relação aos solistas nos
regionais, e posteriormente, aos cantores da Era do Rádio. No livro o autor divide a história
do choro em seis gerações identificando a época dos regionais e cantores de rádio como sendo
a quarta geração (1927-1946). O fato também se reflete nos trabalhos de cunho acadêmico e
até mesmo biográfico onde o foco, na maioria das vezes, está sobre os grandes solistas e
compositores. Observando dissertações sobre o choro, solistas como Jacob do Bandolim,
Altamiro Carrilho, Raphael Rabello e K-Ximbinho (Côrtes, 2006; Cândido e Sarmento, 2005;
Borges, 2008; Costa, 2009) já haviam recebido alguma atenção. Os companheiros de regional
de Waldiro, Dino Sete Cordas e Meira, também já foram objetos de estudo – sendo o último
um pouco mais recente (Taborda, 1995; Pellegrini, 2005; Bittar, 2011).
Chamamos atenção para uma faceta pouco comentada do músico: a de solista.
Sabemos que Canhoto não gostava de solar, como ele mesmo já declarou em depoimento,
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mas de certo teve que fazê-lo em algumas eventualidades. No periódico Radiolândia datado
de 19/2/1955, o jornalista Oswaldo Miranda – em matéria sobre Canhoto e Seu Conjunto –
ressalta o processo de mudança “de como um modesto ‘regional’ se transforma numa das
maiores atrações do Rádio brasileiro” (Radiolândia, 1955). Logo no inicio do texto, o autor
comenta sobre o passado recente do regional que possuía “apenas quatro: dois violões, um
cavaquinho e um pandeiro”, onde algumas vezes Canhoto aparecia como solista, certamente
substituindo o flautista Benedito em suas frequentes faltas. Miranda ainda comenta:

“vez por outra, Canhoto, o notável solista, dava uns ares de sua graça. Fazia um
solinho, muito certinho, muito rico e sonoridade, mas depois do número, seco como
é, mal agradecia os aplausos do público, escondendo-se por detrás de Dino, Florence
ou Gilson, ou seja, os violões e o pandeiro” (Radiolândia, 1955)

Sérgio Cabral (1997) também nos revela um fato ocorrido em que o músico “solou o
restante da música no cavaquinho” em uma das apresentações do programa O Pessoal da
Velha Guarda quando Lacerda foi “vencido por uma crise de choro” ao executar uma
composição de Pixinguinha, que estava com problemas de saúde na época. Na pesquisa
fonográfica também identificamos uma gravação raríssima, onde Canhoto sola a primeira
parte de uma composição da qual assina sozinho em 1952: Canhotinho (RCA Victor 80-0991-
b), sugerindo certa habilidade com as melodias. Apesar de ter declarado não ser compositor
(Zaremba, 1978) a pesquisa fonográfica também revelou algumas parceiras em choros
gravados nos primeiros anos de Canhoto e Seu Regional como Gingando (RCA Victor 80-
0808-a), Teco Teco (RCA Victor 80-1148-b), Visitando (RCA Victor 80-1364-b), Lenço
branco (RCA Victor 80-1509-a) e O beijo do meu bem (RCA Victor 80-1633-b). A maior
parte das parcerias são com seus companheiros de regional (Dino, Meira e Orlando Silveira).
Acreditamos que, por ser contratado da gravadora, o grupo tinha que produzir discos
constantemente, fato que poderia ter desencadeado as composições e parcerias dos músicos.
Ou ainda por ser líder do conjunto seu nome pode ter sido vinculado em algumas
composições.
Em 2008, o Instituto Casa do Choro e a Escola Portátil de música (EPM) organizaram
outra grande homenagem à memória do músico através da IV edição do Festival Nacional do
Choro – Ano Canhoto. Sobre o homenageado foi produzido um texto informativo que
encontra-se disponível no site da EPM. Como sugere o título, o texto comemora os 100 anos
de nascimento do músico e traz algumas curiosidades como o gosto por tocar em pé nas rodas
e não ingerir bebidas alcóolicas nessas ocasiões, preferindo leite. O gosto peculiar pela bebida
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chegou a ser piada registrada em disco, onde Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro brincam
ao ver a mesa cenográfica do show Teleco Teco Opus Nº 1 (Philips P 632.788 L) sem
nenhuma bebida alcoólica: “Olha... olha que mesa de boteco mais desmoralizada...leite!
Parece até a mesa da casa do Canhoto!” (transcrição da fala de Ciro Monteiro no inicio do
show, 1966).
Na década de 1980 Canhoto passa a atuar cada vez menos profissionalmente,
participando apenas de encontros informais e frequentando rodas de choro em bairros do Rio
de Janeiro como a Penha e Ilha do Governador (Castro, 2008) 7. Em agosto de 1987 na coluna
Música: Seus nomes suas histórias do jornalista Lauro Gomes, após fazer um resumo da
carreira do regional de Canhoto, volta a atenção para as condições de saúde do líder do grupo
que “nas proximidades dos 80 anos, encontra-se seriamente enfermo. Não merece e não deve
ser esquecido” (recorte de periódico não identificado, 1987 – Acervo Adilson). Três meses
depois, em 24/11/1987, Canhoto falecia no Rio de Janeiro abatido pela doença de Alzheimer.
Canhoto era casado com Adelaide Franco Tramontano e juntos tiveram somente um filho,
Adilson.
Pensar que a “canhotice” do músico (uma de suas principais marcas) o ajudou na
criação de um estilo próprio é natural, porém sempre nos ficou a dúvida do porquê desse
estilo ter se tornado tão popular (entre destros e canhotos) a ponto de se transformar em uma
referência para o instrumento. Neste ponto pensamos que a visibilidade e difusão
proporcionadas pelas gravações realizadas através do rádio, a parceria com Dino e Meira e a
presença em diversos discos de estilos diferentes podem ser alguns dos motivos a se
considerar, além da sempre comentada precisão rítmica de sua prática e uma integração com
os outros instrumentos da formação. Na seção a seguir discutiremos mais detalhadamente
alguns pontos da trajetória artística de Canhoto tendo como ponto de apoio sua participação
nos três principais regionais que participou: Gente do Morro, Regional de Benedito Lacerda e
Canhoto e Seu Regional.

7
Disponível em: < http://www.escolaportatil.com.br/SiteFestEditionsLink.asp >. Acedido em 10 de Jul. de
2013.
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1.2. Trajetória artística e profissional: os Conjuntos Regionais, o Rádio e o Disco.

1.2.1. Gente do Morro

O grupo Gente do Morro foi criado em 1928/1929 pelo flautista e líder do grupo
Benedito Lacerda e foi nomeado a partir de uma sugestão de Sinhô, em alusão aos músicos
que vinham das regiões menos nobres da cidade do Rio de Janeiro, já que os primeiros
integrantes do grupo eram, em sua maioria, moradores do bairro do Estácio e alguns outros
pertenciam à classe média da população carioca. O conjunto gravou muitas canções populares
que eram interpretadas por cantores da época como Idelfonso Norat e pelo próprio Benedito,
além da execução de musicas instrumentais.
Segundo o biógrafo de Lacerda, Jadir Zanardi em E a saudade ficou (2009) “o grupo
se destacou pela qualidade musical e organização, reunindo importantes músicos” (Zanardi,
2009: 25). Ary Vasconcelos em Carinhoso e etc. (1984) destaca características sonoras como
sendo “os breques e as pontuações das percussões” as principais características do grupo. Em
sua dissertação de mestrado o violonista José Paulo Thaumaturgo Becker, também destaca o
“desempenho da percussão, os breques e os ponteios da flauta” além das “inversões
harmônicas que fazia nos sambas” (Becker, 1996:51). De fato a sonoridade do grupo é
bastante característica já que desde as primeiras gravações mostravam-se capazes de aliar a
instrumentação básica dos conjuntos de choro (cavaquinho e violões) com a percussão – esta
já com forte influência do “pessoal do Estácio”, referindo-se ao bairro onde cresceu o flautista
e alguns dos percussionistas do grupo conhecidos por suas contribuições rítmicas ao samba
como Russo do Pandeiro.
Uma das primeiras gravações a trazer instrumentos de percussão foi o samba Na
Pavuna gravado em 1929 pelo Bando dos Tangarás (Almirante, 1977:68), porém o Gente do
Morro é quem apresentará recorrentemente esse recurso em suas gravações. Ao comparar os
registros fonográficos dos dois grupos, Bittar constata que a “presença da batucada não é tão
recorrente” nas gravações do Bando dos Tangarás ao contrário do Gente do Morro (Bittar,
2011:52). Essa marca constante nas gravações do Gente do Morro anuncia o que viria a ser a
base instrumental da formação dos conjuntos regionais com a ascensão do rádio no inicio da
década de 1930: violões, cavaquinho, percussão e um instrumento solista.
Sobre a formação inicial do grupo as informações são divergentes, necessitando assim
de alguns esclarecimentos. Vasconcelos (1984) aponta os seguintes músicos: o líder do grupo
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Benedito Lacerda (flauta), Macrino, Bernardo e Doidinho (violões), Canhoto (cavaquinho) e


Russo do Pandeiro. Taborda (2010) indica formação parecida com a de Vasconcelos: tendo
Waldiro, Benedito, Maurinho, Bernardo e Doidinho na percussão. Henrique Cazes em Choro:
do quintal ao municipal (1988) e o pesquisador Sérgio Prata em A história dos regionais 8
identificam Canhoto como integrante primeiro, não determinando uma formação especifica
identificando apenas os mais famosos como Benedito, Russo do Pandeiro e Canhoto. O
último ainda sugere que foi a primeira reunião de dois “dos mais importantes músicos
brasileiros: o flautista Benedito Lacerda e Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto do
cavaquinho” 9, enquanto Zanardi (2009) refere-se à formação mais famosa não se atendo ao
período cronológico: Benedito, Canhoto, Gorgulho (Jacy Pereira) e Ney Orestes nos violões e
Russo do Pandeiro.
A parte da biografia de Benedito reservada a sua participação dos regionais identifica
substituições na formação sem, novamente, indicar o ano. O nome do cavaquinista Júlio dos
Santos aparece como integrante do grupo sem deixar claro, no entanto, sobre a saída ou não
de Waldiro. Em As escolas de samba do Rio de Janeiro (2004) o nome Júlio dos Santos
aparece em destaque como secretário do bloco União do Estácio de Sá, porém não se tem, até
o momento, informações biográficas o cavaquinista. Ainda faziam parte da primeira formação
do grupo, segundo Zanardi (2009), o cantor Idelfonso Norat, Bide (Alcebíades Barcelos) e
Cipriano Silva. Já a ficha técnica fornecida por Becker (1996) é equivocada, merecendo
pequenas correções.
A mencionada dissertação que citaremos algumas vezes ao longo desse texto devido a
sua rica revisão bibliográfica sobre o choro, dentre outras qualidades, tem como objetivo
relatar o funcionamento do violão de 6 cordas no conjunto regional tendo como exemplo um
grupo representativo do gênero, o Época de Ouro – criado por Jacob do Bandolim na década
de 1960. Becker inicia seu texto citando alguns dos importantes regionais da história como o
de Dante Santoro, Garoto, Waldir Azevedo, Luperce Miranda, dentre outros. Sobre a criação
do grupo Gente do Morro no fim da década de 1920, o autor comete um deslize ao identificar
o cavaquinista Canhoto como Américo Jacomino (1889-1928) quando sabemos, conforme
vimos anteriormente, que seu verdadeiro nome é Waldiro Frederico Tramontano. O erro é
bastante comum já que existem em nossa música popular no mínimo mais três instrumentistas
ligados ao choro com o mesmo apelido, conforme vimos anteriormente. Na dúvida, sugerimos

8
Em: < http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/exposicao?exposicao_id=1 > Acesso em: 12 Jun.
2013.
9
Idem.
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que sempre façamos a relação dos músicos com seus instrumentos para não confundi-los já
que dos três somente Waldiro era o único cavaquinista, sendo os outros três violonistas.
Podemos observar também que Jacomino faleceu no mesmo ano de nascimento de Canhoto
da Paraíba (1928) e, consequentemente, das primeiras gravações de Waldiro como
profissional. Na condição de estudante, diversas vezes foi necessário esclarecer a outras
pessoas durante o período de desenvolvimento da pesquisa que o estudo se tratava do
cavaquinista e não dos violonistas.
Coincidentemente, dois dos instrumentistas citados eram solistas e/ou compositores,
condição que na história de nossa música popular é mais valorizada assim como a posição de
cantor segundo Vasconcelos (1984) que comenta sobre o grande sucesso do rádio entre as
décadas de 1927 e 1946, onde “sobrarão apenas migalhas para os músicos, alguns
simplesmente maravilhosos, porém todos reduzidos ao papel humilde – às vezes até
humilhante – de acompanhadores” (Vasconcelos, 1984:29). Entretanto, não achamos que a
posição de músicos acompanhante fosse desonrosa já que os conjuntos regionais foram
criados com a função de acompanhar os grandes “astros da música vocal” como diz o autor
logo em seguida. Porém é sensato dizer que os devidos créditos não foram dados a esses
músicos a começar pela inexistência das fichas técnicas de muitas gravações do período,
dificultando estudos como este que tem como foco os músicos acompanhadores. Essas
informações acabam ficando a cargo da memória de alguns músicos que viveram no período e
da transmissão oral dessas informações dentro da cultura do choro e, claro, do trabalho dos
dedicados pesquisadores e estudiosos do gênero.
Outro trabalho que nos ajuda a esclarecer sobre as formações do Gente do Morro e,
posteriormente, Conjunto Regional de Benedito Lacerda, é a dissertação do também
violonista Iuri Lana Bittar sobre o emblemático Jayme Tomaz Florence, o Meira. O trabalho
visa analisar os acompanhamentos executados pelo violonista ao longo de sua carreira que
tem início em 1928 (com a participação no grupo Voz do Sertão), passando por sua
participação no Conjunto Regional de Benedito Lacerda e se prolongando até a década de
1980 (com a participação no Regional de Canhoto, outros trabalhos importantes e a morte do
instrumentista). O estudo está dividido em três capítulos referentes aos principais grupos em
10
que Meira atuou, citados acima. Os conceitos de Phillip Tagg (1979) são utilizados como
ferramenta analítica das gravações, além de uma discussão de aspectos históricos e
bibliográficos. O autor identifica a formação que nos parece ser a mais próxima do grupo
inicial, tendo em vista as versões apresentadas anteriormente, com Gorgulho e Henrique Brito
10
“[...] se baseia no estudo da música popular dentro de uma perspectiva semiótica” (BITTAR, 2011, Pg. 05).
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30

(violões), Júlio dos Santos (cavaquinho), Bide e Gastão de Oliveira (tamborins), Juvenal
Lopes (chocalho) e Russo (pandeiro), além de Benedito. Formação que também é observada
no sitio eletrônico Discos do Brasil 11 (criado e organizado por Maria Luiza Kfouri) que,
aparentemente, repassa as informações contidas no encarte do Box de CD’s Benê, o Flautista
que reúne algumas gravações emblemáticas da carreira do flautista. 12

Fotografia 5 - Gente do Morro com Júlio dos Santos (Cavaquinho), Panderista não identificado,
Juvenal Lopes (Chocalho), Bide (Surdo) e Gastão de Oliveira (Tamborim), Benedito Lacerda (Flauta),
Henrique Brito e Jacy Pereira (Violões). Saxofonista não identificado. Imagem da internet.

Frente ao apresentado acima, nos parece razoável afirmar que não há dúvidas quanto à
participação de Canhoto no grupo, porém o período de ingresso não é precisado corretamente
na literatura. No momento da identificação dos músicos, alguns autores confundem as

11
Em: < http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/ >
12
Projeto realizado por Paulo Flores e Corina Meyer, com patrocínio da Petrobrás, e pesquisa nos acervos de
José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi no Instituto Moreira Salles e, também, no acervo da Collector's
Studio.
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31

formações ou identificam somente os músicos que ficaram mais conhecidos na história,


devido à falta de informações mais precisas sobre as fichas técnicas. Pelo fato do Gente do
Morro ser encarado como um estágio anterior do consagrado Conjunto Regional de Benedito
Lacerda, os integrantes do segundo são constantemente identificados como os músicos
originais da formação do primeiro, como é o caso de Canhoto.
Porém a importância do Gente do Morro para a consolidação do formato regional é
fundamental, havendo diferenças cruciais entre os grupos como os músicos e, principalmente,
a sonoridade. Em depoimento à Zaremba (1978), no que pode ser um dos únicos registros
sonoros do cavaquinista, o próprio esclarece sobre sua entrada no grupo.

Em 1927 eu fui trabalhar na saúde pública, que teve uma epidemia de febre amarela,
onde conheci um senhor que tinha um conjunto, Benjamim (tocava trombone). Aí
travei conhecimento com Pixinguinha, o pessoal do choro. Ele me levou na casa do
Alfredinho Flautim, que tocava junto com o Pixinguinha, na Rua do Riachuelo. Fui
eu, Caninha – que era autor antigo – Caninha 13 que é meu compadre... e lá encontrei
o Russo do Pandeiro que tocava com o Bendicto Lacerda. O Russo me vendo tocar
disse: você quer ir pro conjunto do Benedito? Eu não era profissional, era amador.
Isso em 1931 pra 1932. Ai eu digo: quero! Então eu agradeço ser profissional e
nome que tenho ao Russo do Pandeiro. (Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978).

As informações sobre a data de entrada de Canhoto no conjunto não são precisas e, por
esse motivo, nos parece sensato considerar esta e outra possibilidade. Trata-se de outro
depoimento de Canhoto presente no já mencionado encarte do disco de 1977, onde Canhoto
inicia seu relato, após um preâmbulo onde o autor comenta sobre a ligação entre os músicos
que formavam “a mais sólida base harmônica e rítmica do choro brasileiro”:

Em 1932 eu entrei para o conjunto Gente do Morro de Benedito Lacerda. Nós


fizemos uma viagem para Campos em 34 [1934] com Noel Rosa e lá, o pessoal
começou a perguntar se a gente não andava de tamanco. Sabe como é, Gente do
Morro, tu já viu, não é? Aí, quando voltamos pro Rio, o Benedito resolveu mudar o
nome do conjunto. Bobagem botar Gente do Morro. (Depoimento de Canhoto a
Zuza no encarte do disco Chorinho e Chorões, 1977)

Os dois depoimentos são claros em indicar a passagem dos anos de 1931 para 1932
como o período de ingresso no grupo de Lacerda. Nos parece sensato, também, afirmar que
Júlio dos Santos era o cavaquinista na primeira formação do grupo como é atestado em nas
fontes citadas. A análise das gravações do Gente do Morro entre os anos de 1930 a 1934,
período em que o grupo gravou sob essa alcunha, identificamos diferenças na sonoridade do

13
José Luís de Moraes (1883 – 1961).
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32

cavaquinho em algumas gravações, o que nos permitir concordar com os depoimentos do


músico. A questão relacionada às sonoridades e análises das gravações serão abordadas mais
adiante e, portanto, não iremos nos ater a elas neste momento. Porém podemos adiantar que
nas gravações antes de 1933, o cavaquinho não apresenta características peculiares a Canhoto
como a integração rítmica com os violões e nem os contratempos rítmicos. A participação no
grupo Gente do Morro coloca Canhoto como “o mais antigo e constante parceiro de Benedito
em seus regionais” (FLORES, 2007).
Para o desenvolvimento do estudo, precisar este período significa desconsiderar da
análise gravações do período anteriores ao ano de 1932 como Dá nele (Brunswick 10.049-a)
que antes havíamos considerado como a primeira gravação do músico com o grupo. Podemos
também contestar as informações anexas ao encarte incluso no Box Benê, o Flautista e
repassadas pelo site Discos do Brasil onde nas gravações de Gorgulho (Continental 22.129-
b), Mirthes (Odeon 11.061-a), Minha flauta de prata (Odeon 11.061-b), Olinda (Continental
22.129-b) e Pretencioso (Odeon 10.993-a) indicam Júlio como cavaquinista o que não está de
acordo com o exposto acima.

Fotografia 6 – Aurora Miranda e o Regional de Benedito Lacerda. Imagem retirada do filme "Alô, alô
Carnaval" (Wallace Downey, 1936).
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33

A dúvida também se estende aos demais integrantes devido as constantes mudanças


que aconteceram no grupo até o ano de 1937, quando a formação reunirá músicos de vital
importância para a fixação do principal formato de acompanhamento de música popular.

Nessa época o conjunto era assim: no violão, Macrino que já morreu há muito tempo
e não era um violão muito forte. O outro era mais fraco ainda, porque era
comediante, o Coringa, um mulato. Em 35 eles saíram e entraram o Carlos Lentini e
um violão do Rio Grande do Sul, o Nei Orestes que já morreu, e mais o Russo do
Pandeiro. Nós inauguramos a Rádio Tupi em 35, e em 36 fomos à Argentina com o
Chico Alves e a Alzirinha Camargo. Foi no mês de agosto, e ninguém tinha coragem
de tomar banho frio de dia. Eu ficava num apartamento com o Benedito. E esse
gaúcho, o Nei, ficava no outro com o Russo e o Lentini, que também bebia bem.
Quando voltamos em setembro, ele já estava doente, com os 2 pulmões afetados, e
eu internei-o no Hospital de São Sebastião em fevereiro. Foi quando o Dino veio
para o conjunto: fevereiro de 37. Em julho o Lentini saiu e aí veio o Meira que já
tinha trabalhado na Casa de Caboclo com o conjunto do Jararaca e Ratinho. O
Gilson pandeirista veio na época dos discos do Pixinguinha. Antes era o Popeye. Os
demais eram Dino, Meira, eu e Benedito. (Depoimento de Canhoto à Zuza no
encarte do disco Chorinho e Chorões, 1977)

Na biografia de Benedito há situações de inversão das informações sobre os músicos já que


Canhoto e Ney Orestes são apresentados como participantes da primeira formação, porém
vimos na citação que estes só passam a integrar o grupo em 1932 e 1935, respectivamente.
Até a data parece correto afirmar que Júlio era músico do conjunto e não que se juntou ao
grupo após “substituições”, como aponta Zanardi (2009). Quanto aos violões, a dupla pioneira
nos parece ter sido mesmo Jacy Pereira (Gorgulho) e Henrique Brito, de acordo com as
afirmações de Almirante (1977) e os registros fotográficos. Vasconcelos (1984) parece
confundir-se ao indicar Bernardo e Doidinho como violonistas além de Canhoto, como
músico da formação original. Os dois primeiros não eram violonistas e sim percussionistas, de
acordo com Bittar (2011) – em exame aos registros de Almirante (1977) referente à excursão
do Gente do Morro a Campos de Goitacazes, Muqui e Vitória – além de seus nomes aparecem
referenciados somente no ano de 1932, no depoimento de Canhoto. Bittar também relata que a
formação nessa excursão já aparece bastante modificada como observamos anteriormente.
Frente à mudança dos músicos são duas as principais formações do grupo. A inicial
com Júlio dos Santos (cavaquinho), Russo do Pandeiro, Juvenal Lopes, Bide e Gastão de
Oliveira (percussões), Benedito Lacerda (flauta), Henrique Brito e Jacy Pereira (violões) e a
de 1932 com Canhoto (cavaquinho), Russo do Pandeiro, Bide (percussão), Benedito Lacerda
(flauta), Macrino e Coringa (violões). O grupo realizou cerca de 63 gravações variando o
repertório entre músicas instrumentais e vocais – das quais, muitas vezes, o próprio Lacerda
assumiu a função de cantor.
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1.2.2. Conjunto Regional de Benedito Lacerda

O grupo Gente do Morro tem vida relativamente curta com esse nome, pois em 1934
muda para Conjunto Regional de Benedito Lacerda. Sobre a data da mudança Zanardi (2009)
aponta para 1935 como o ano da troca de nome, relacionando o momento com a volta de
Buenos Aires em decorrência da inauguração da Rádio Belgrano. Porém acreditamos que a
mudança ocorre realmente no ano anterior no retorno do grupo de uma excursão para Campos
– conforme podemos observar no depoimento de Canhoto (1977) já mencionado. Em relação
a viagem a Argentina, já vimos que o grupo tinha sido convidado para inaugurar a Rádio El
Mundo, fincando a inauguração da emissora concorrente por conta de Carmen Miranda e O
Bando da Lua14.
A sonoridade do conjunto mudará o foco dos breques da percussão para os efeitos e
contrapontos das cordas e da flauta. A formação inicial deste regional segundo Vasconcelos
(1984) terá além de Benedito na flauta, Canhoto no cavaquinho, Ney Orestes e Jacy Pereira
(Gorgulho) nos violões além de Russo no pandeiro. Com essa formação o grupo se apresentou
no rádio e teve muitos discos lançados pela Odeon entre os anos de 1934 e 1937, dentre esses
“alguns dos momentos mais importantes do choro gravado” (Vasconcelos, 1984: 21) como
Dinorá (Odeon 11.266-a), Venenoso (Odeon 11.226-a) e Entre amigos (Odeon 11.469-a).
Sobre a formação Bittar (2011) aponta para Ney Orestes e Carlos Lentine como
violonistas. A rotatividade nos violões é grande tendo em 1937 novas mudanças em sua
formação com as saídas de Ney Orestes e Carlos Lentine e as entradas de Horondino da Silva
(Dino Sete Cordas) e Jayme Florence (Meira) nos violões além da substituição de Russo por
Popeye no pandeiro, formação esta que perduraria durante muitos anos. Assim, reunia-se pela
primeira vez “o mais célebre trio de base de toda a história dos regionais: Dino-Meira-
Canhoto” (Cazes, 1999:86) e uma das formações mais importantes da história da música
popular brasileira. Taborda também comenta sobre o regional que “estabeleceu modelo de
organização e sonoridade que permaneceria na música brasileira, como influência para as
gerações futuras” (Taborda, 2009:66). A excelência e a importância do regional para a música
brasileira é novamente atestada por Flores (2007) no encarte do box sobre Lacerda. Segundo o
organizador:

14
Conforme depoimento de Russo do Pandeiro ao pesquisador Renato Vivacqua em 25 de julho de 1982.
Disponível em: < http://www.renatovivacqua.com/entrevista-russo-do-pandeiro.html >
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[...] foi o grupo preferido de dez entre dez cantores que prevaleceu nas gravações
dos anos de 30 e 40, também como Regional do Canhoto, Boêmios da Cidade e
Regional de Luiz Americano. Mas era na precisa mão de Benedito [Benedito], com
suas introduções e contrapontos, sua ginga, seu alto padrão de exigência, que essa
dinastia mais brilhava. Por trás de cantores com Chico Alves e Sílvio Caldas,
Orlando Silva e Mário Reis, Almirante e Noel Rosa, Aracy de Almeida e Carmem
Miranda, Benedito, com seu regional, dava o tom em todos os possíveis sentidos da
palavra. (Flores, 2007: 64)

A citação é bastante ilustrativa para observarmos a quantidade de gravações e a


variedade de estilos musicais e cantores que o grupo acompanhou, além da utilização de
outros nomes para o mesmo grupo de músicos. Segundo o catálogo de gravações fornecido
por Nirez, o regional de Benedito aparece em mais de 700 gravações entre janeiro de 1935 e
setembro de 1950 variando entre acompanhadores e intérpretes/artistas.

Fotografia 7 - Regional de Benedito Lacerda em 1938. Popeye, Dino, Lacerda, Canhoto e


Meira. Foto do Acervo Adilson Tramontano, 2008.

Com essa formação o grupo gravaria várias músicas significativas para a discografia
do choro, segundo Vasconcelos (1984), como Romance de uma valsa e Meu sabiá (Odeon
11.609), mas nessa época as gravações com cantores e eram bem mais frequentes. O livro A
canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (1997) de Jairo Severiano e Zuza Homem
de Mello indica no mínimo uma música gravada pelo regional entre os grandes sucessos do
período de 1935 a 1950. Dentre os sucessos destacamos as gravações de Chão de estrelas
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36

(Odeon 11.475-b), Praça Onze (Continental 55.319-a), Por tua Causa (Continental 55.065-b),
Mesma história (Continental 55.218-a), Tico-tico no fubá (Continental 55.368-a), Apanhei-te
cavaquinho (Continental 55.432-a), Aperto de mão (Victor 80.0058-b), Falsa baiana (Victor
80.0181-a) e Rugas (Victor 80.0406-a). Os vários nomes de grupo que foram utilizados
devido a alterações dos músicos para realização de gravações esporádicas dificulta, em parte,
a construção de um panorama geral das atuações de Canhoto em disco, ficando necessário
relacionar grande parte das gravações aos principais grupos que participou. Segundo Flores
(2007) o grupo também atuou como Boêmios da Cidade e Regional de Luiz Americano,
possibilidade que existe, porém não tivemos tempo de realizar uma audição mais detalhada
ficando para outra oportunidade essa averiguação. Henrique Cazes nos contou em entrevista
que Carmem Miranda chegou a gravar com o regional de Benedito Lacerda sem a presença do
flautista, pois a cantora preferia introduções executadas por clarinete.
O ano de 1946 é marcado pelo início da famosa e polêmica parceria entre Lacerda e
Pixinguinha, que passava por problemas pessoais, e pela entrada no regional de Gilson Freitas
no pandeiro. Desde a primeira metade da década de 1940, Pixinguinha atravessava momentos
difíceis na vida pessoal. Era cada vez menos requisitado para gravações, tinha problemas
financeiros e com o álcool que se agravavam, além da fase de adaptação devido a mudança da
flauta para o saxofone. Após fechar um contrato com a RCA Victor e a Editora Irmãos Vitale,
Lacerda firma um acordo com Pixinguinha onde ganharia parceria em todas as músicas que
fossem gravadas pela dupla mesmo as composições mais antigas onde a contribuição do
flautista era inexistente. O resultado da parceria foram um total de 34 gravações entre os anos
de 1946 e 1951, além da edição de 25 músicas realizadas pela Irmãos Vitale. Entre as
gravações antológicas estão Sofre porque queres e 1x0 (Victor 80-0442-a), Naquele tempo
(Victor 80-0447-a), dentre outras. Interessante o fato de algumas composições como
Cochichando (Pixinguinha), Atraente (Chiquinha Gonzaga) e Urubu malandro (domínio
público) terem sido registradas ao vivo no programa Pessoal da Velha Guarda de Almirante
em 1947, não sendo lançadas em disco no período.
Segundo Cabral (2007), Lacerda foi bastante criticado na época, sendo acusado de se
aproveitar da situação difícil enfrentada por Pixinguinha que nos anos seguinte conseguiu
quitar suas dívidas com o dinheiro referente ao contrato. O autor também cita um depoimento
de Canhoto à Zuza onde o cavaquinista defendia seu companheiro de grupo, característica
esta que também observamos em outro momento marcante na história dos regionais.
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Pixinguinha estava esquecido, ninguém falava dele. Benedito combinou: faziam os


discos, mas ele entrava na parceria. Muitas pessoas meteram o pau no Benedito, mas
não tinham razão. Ele foi franco. Iam tomar a casa do Pixinguinha. Aí o Benedito
Lacerda foi ao Vitale e arranjou o dinheiro para o Pixinguinha ficar em dia.
(Depoimento de Canhoto à Zuza Apud Cabral, 1997:182)

A saída de Benedito Lacerda da Rádio Tupi em 1951 faria com que os músicos de seu
então regional ficassem desempregados, situação que logo mudaria sob a liderança de
Canhoto. Entendamos melhor o caso a partir da entrevista dos músicos veiculada na Revista
do Rádio de nº 78 do ano de 1951. Benedito havia alcançado um prestígio muito grande junto
à sociedade brasileira com suas composições para o carnaval, além de sua atuação junto ao
seu regional. Em 1949 foi eleito presidente da SBACEM (Sociedade brasileira de autores,
compositores e editores), onde pode estreitar laços políticos com Getúlio Vargas e, mais tarde,
Café Filho na luta pelos direitos autorais.
No final dos anos 1950 começou a se afastar de suas atividades musicais devido ao seu
câncer de pulmão, passando a acompanhar seu amigo, Ademar de Barros em sua campanha a
presidência da república. O então candidato a presidência e criador do Partido Social
Progressista (PSP) tinha em sua agremiação um departamento musical com grandes nomes da
música popular como Benedito, Herivelto Martins, Ataulfo Alves além de uma empresa
especializada em marketing político, segundo Cotta (2008). O departamento musical foi
responsável por compor e gravar músicas para promover a campanha de Ademar como Mar
de Rosas e Caixinha abençoada. Chegou a disponibilizar um jatinho ao flautista para que ele
pudesse comparecer aos compromissos de campanha política do candidato e, respaldado pelo
seu carisma junto a população, angariar mais votos. Encontramos duas citações sobre a
aeronave que foi comprada por Benedito e Herivelto Martins, com o objetivo de transportá-
los em excursões e depois vendida por Herivelto para compra de um ônibus (Revista do
Rádio, nº 206).
Canhoto e os outros músicos reclamavam do desinteresse de Lacerda com o grupo
desde o início da campanha política, declarando: “várias vezes fui chamado à direção para
explicar as faltas dele e em uma ocasião fomos surpreendidos com uma multa afixada na
tabela de serviços imposta a Benedito por faltar aos programas” (Revista do Rádio, nº 78).
Importante observarmos no trecho acima a posição de liderança e responsabilidade na
ausência de seu então líder, além de adotar uma postura firme ao defender os outros músicos,
incluindo o próprio flautista. Na continuação da entrevista, Canhoto argumenta novamente
sobre os atrasos de Lacerda: “procurei sempre melhorar a situação, mas houve um instante em
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38

que os artistas também cansaram de ver sempre o regional desfalcado e eu apenas ensaiando
os seus números” (Revista do Rádio, nº78).
Outra questão, que também contribuiu para o rompimento de Lacerda e os outros
músicos de seu regional: os músicos haviam pedido a Benedito que propusesse ao diretor da
Rádio Tupi na época, Dr. José Mauro, um aumento salarial que não aconteceu. Lacerda teria
então proposto ao grupo que não renovariam o contrato e ficariam de férias por um mês,
retornando com contrato em outra emissora de rádio. O acordo foi aceito por Canhoto e seus
companheiros, mas depois de passados dois meses, o rompimento foi inevitável. Em tom de
indignação, Canhoto retrucava o jornalista dizendo: “como você deve ter compreendido,
Benedito ao deixar a Tupi não se preocupou em conseguir outro compromisso para
trabalharmos. Eu tenho emprego [fiscal da União Brasileira de Compositores, UBC], o Meira
leciona violão, mas os outros, Dino e Gilson, não tem outra coisa para viver!” (Revista do
Rádio, 1951).
O posicionamento de liderança de Canhoto assumido frente à decisão de abandonar
um famoso conjunto para montar um novo, de defesa a seus companheiros desempregados
além, obviamente, do respeito dos outros integrantes por Waldiro (mais antigo membro do
grupo naquele momento) foram fatores decisivos para que Dino, Meira e Gilson confiassem a
Canhoto a direção do novo regional.
O conjunto passa a se chamar Canhoto e Seu Conjunto, juntando-se a eles o “notável”
flautista Altamirro Carrilho, e assina contrato com a Rádio Mayrink Veiga em 1951. Já na
PRA-9, Luiz Gonzaga indicaria o acordeonista Orlando Silveira para integrar o conjunto que
ganhava, assim, a formação que ficaria eternizada em nossa música popular. Surgia então o
que segundo Prata “ficou conhecido como modelo de regional por excelência – o Regional do
15
Canhoto” . O grupo tinha uma sonoridade bastante característica com a presença do
acordeom de Orlando, fosse na execução de melodias ou nos acompanhamentos, além de ser
também nessa época que Dino começa a utilizar o violão de sete cordas.

15
A história dos Regionais. Em: < http:// www.samba-choro.com.br > Acesso em: 3 Mai. 2013.
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39

Fotografia 8 - Matéria veiculada na Revista do Rádio sobre o rompimento de Dino, Meira, Canhoto
e Gilson com Benedito Lacerda. Nº 78 (1951). Fonte Hemeroteca da Biblioteca Nacional

1.2.3. Canhoto e Seu Regional

A formação era extremamente versátil para acompanhar diversos gêneros musicais e


contava com a experiência do trio Dino-Meira-Canhoto além dos já citados Altamiro na
flauta, Orlando no acordeom e Gilson no pandeiro. O nível das gravações e apresentações era
extremamente elevado pelo fato da maioria dos músicos saberem ler partituras e/ ou cifras,
exceto Canhoto e Gilson, o que possibilitavam a execução de arranjos mais trabalhados como
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40

no caso do choro Conversa Mole (RCA Victor 80-1440-a) do maestro Radamés Gnatalli
(Depoimento de Canhoto à Zaremba, 1978). Também foram integrantes do grupo os flautistas
Arthur Ataíde e Carlos Poyares e os panderistas Jorginho do Pandeiro e Hercílio
(respectivamente na ordem de substituição). Em entrevista à jornalista Nana Vaz, Jorginho do
Pandeiro comenta sobre sua participação e da qualidade do Regional do Canhoto.

É verdade. Era tão bom o conjunto que as gravadoras mudavam o horário das
gravações só para poder gravar com o Regional do Canhoto. O conjunto era muito
solicitado. Todos os cantores queriam gravar com a gente. Todo mundo gravava
com o Regional do Canhoto. O Luiz Gonzaga gravou tanto com eles — com o
Regional antes de eu entrar — que deu um violão para o Dino, um violão para o
Meira, um cavaquinho para o Canhoto e um pandeiro para o Gilson, que foi o
pandeirista antes de mim. Porque todo disco do Luiz Gonzaga você encontra lá:
Regional do Canhoto. (Entrevista a Nana Vaz 16)

De fato o regional fez grande sucesso, sendo constantemente notícia nos periódicos
destinados ao rádio na década de 1950, fato que não era comum para um regional. O Novo
Álbum do Rádio (1954, nº5) destinou uma página para apresentação do conjunto, dando
destaque a saída do conjunto de Benedito e para uma curiosidade sobre um “princípio
disciplinar” do então chefe do grupo, Canhoto, em relação a atrasos: uma “caixinha” onde as
multas relacionadas aos eventuais atrasos eram depositadas e, posteriormente, dívidas entre os
integrantes. A Revista Carioca de 23/01/1954 trazia na coluna Variedades Musicais os
melhores do ano de 1953, tendo Canhoto e Seu Conjunto como vencedores do prêmio de
“melhor conjunto internacional [instrumental?]” 17. O prêmio seria mais uma vez destinado ao
grupo no ano seguinte através de outra revista, a TV Show, em seu primeiro número. Além
dos periódicos especializados sobre o mundo do Rádio e suas celebridades, o regional
também era assunto em outras revistas como o Jornal das Moças (14/01/1954) – periódico
especializado em assuntos femininos da época como moda, economia doméstica, poemas,
piadas, etc.
A discografia do grupo se divide de acordo com as funções que executavam nas
gravações: a de acompanhadores e de artistas principais. Com o nome de Canhoto e seu
Regional foram cerca de 50 discos entre Lp’s, coletâneas e 78 rpm segundo catálogo do
IMMUB (Instituto Memória Musical Brasileira). Na década de 1940 participaram de diversas

16
Disponível em: < http://www.acari.com.br/SiteInterview.asp?CONTEXTO=Entrevista >.
17
Ao observar nas páginas anteriores a disposição, ordem das categorias do prêmio e os outros premiados,
presumimos que houve um erro de digitação no título da categoria: seria, assim, “melhor conjunto
instrumental” e não “internacional”.
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41

gravações com Luiz Gonzaga e durante toda década de 1950 o grupo participa dos discos de
Jacob do Bandolim lançados no período – cerca de 39 discos, com exceção dos gravados com
orquestra. Dentre as músicas gravadas com Jacob estão Doce de coco (80-0745-b), Bole bole
(80-0813-a), Benzinho (80-1434-a) e Um a zero (80-1476-b).
Em 1951 foi lançado o primeiro disco do regional em 78 rpm como artistas principais
com Gracioso e Meu limão, meu limoeiro (RCA Victor 80-0784). Em 1953 veio o maior
sucesso já gravado pelo regional e curiosamente não foi um choro. A pedido do diretor da
RCA Victor gravaram um folk americano Jambalaya e o fox Bye bye blues (80-1161).
Segundo Canhoto “tinham mais fé no fox” pois o Jambalaya era mais simples, “primeira e
segunda de tom toda vida” (Zaremba, 1978). A música se tornaria uma febre na época,
chegando a figurar entre os “campeões da popularidade” em quatro edições da Revista do
Rádio. Um dos motivos do grande sucesso do regional pode ter sido saber lidar com as
transformações na cena musical do Rio de Janeiro que se iniciaram com o fechamento dos
cassinos no governo Dutra (1946 – 1951).
Segundo Zan (1997) na segunda metade da década de 1940 e início da década de 1950
o campo da música popular estava dividido entre a indústria de massa (representada pelo
rádio) e os espaços de classe média (club’s e boates localizados na zona sul do Rio de
Janeiro). De um lado estavam gêneros estrangeiros e regionais com baião, xote, rumba,
bolero, e do outro o samba em processo de estilização através de suas vertentes canção e
exaltação. Assim como Bittar (2011) acreditamos que um dos grandes méritos do grupo teria
sido a capacidade de atuar nas duas frentes populares, como podemos observar na discografia
e nos periódicos do período, além da abertura para gravar gêneros “inusitados” para
formações ligadas ao choro como os regionais.
Em 1956 foi lançando o primeiro Lp do grupo o Baiãomania (BPL 3013) e após
participação em dois discos com artistas diversos – Eles tocam assim (BPL 3040) e Nossos
ritmos (BPL 3036), ambos em 1957 – voltariam a gravar em 1958 lançando o disco Noites
brasileiras (BPL 3053) – o segundo disco já com a participação do flautista Carlos Poyares
que substituíra Altamiro após sua saída do regional para seguir carreira solo com um novo
projeto: Altamiro Carrilho e sua Bandinha. Nos anos de 1959 e 1960 o grupo gravaria ainda
dois discos pela Odeon, Roda de Bamba (MOFB 3063) e Canhoto 1960 (MOFB 3131), antes
de gravar o Bem Dançante (LPP 3178) em 1961 pela Continental. Esses dois últimos discos
são interessantes para ilustrar a versatilidade do regional em acompanhar gêneros musicais
diversos.
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42

Na apresentação do grupo, escrita por Jorge Cabral e localizada na contracapa do disco


de 1960, o autor chama a atenção para surgimento de um novo ritmo, o Sorongo, criado pelo
compositor Pedro Santos18. No disco de 1961 podemos até ouvir o ritmo de mambo 19 gravado
pelo regional. O grupo voltaria a gravar em 1964 o disco Bons Momentos (CBS 37350) pela
CBS e em 1966 e o disco As Festas de Junho (XRLP 5295) pela RGE, este em homenagem as
festas de São João. Em 1967 o nome do grupo apareceria novamente nos catálogos da RCA
Camden com o disco O Melhor de Canhoto e Seu Regional (CALB 5142) e depois em 1969
com Valsas Inesquecíveis (LPK 20.168) pela Musicolor/Continental. Canhoto e o regional
também estiveram presentes em diversas coletâneas durante sua trajetória como O Fino da
música (107.0276) e Os choros dos chorões (107.0267), ambos em 1977 e lançados pela
RCA.

Fotografia 9: Canhoto e Seu Regional. Meira, Gilson do Pandeiro, Dino, Canhoto,


Orlando Silveira e Altamiro Carrilho. Foto do Acervo Adilson Tramontano

18
(1919 – 1993) Percussionista, inventor de instrumentos e compositor. Como músico acompanhante, tocou e
gravou com grandes nomes da música brasileira como Paulinho da Viola, Pixinguinha, Jacob do Bandolim,
Milton Nascimento, dentre outros. Suas composições foram gravadas por Waldir Azevedo, Altamiro Carrilho,
Regional do Canhoto, Orquestra Tabajara, Época de Ouro, entre tantos mais.
19
Estilo musical e de dança originário de Cuba.
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43

No acompanhamento de cantores, o regional acompanhou os mais importantes


cantores do rádio nas décadas de 1940 e 1950. Dentre alguns artistas estão Carmen Miranda,
Orlando Silva, Ary Lobo, Gordurinha, Emilinha Borba, Noel Rosa, Cyro Monteiro, Cartola,
Aracy de Almeida, Almirante, Silvio Caldas, Francisco Alves, Dircinha Batista, Ademilde
Fonseca, Nelson Gonçalves, Dorival Caymmi, Geraldo Pereira, Donga, Herivelto Martins,
Silvio Caldas, Jararaca e Ratinho, Dilermando Pinheiro, Carlos José, Jorge Veiga, Marçal,
Paulo Tito, Sacy, Roberto Silva, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, MPB-4, Gilberto Gil,
Luiz Melodia, além do Rei do Baião, Luiz Gonzaga que até o início da década de 1970 teria
gravado quase todos seus discos acompanhado do regional. As informações foram retiradas de
arquivos e acervos disponíveis na internet, e precisariam de uma escuta critica mais dedicada
para confirmarmos a participação. Segundo o site Discos do Brasil foram mais 360 músicas
divididas em 65 discos (vinil) aproximadamente. Podemos ser levianos assim em tentar
mensurar a atuação do músico em números exatos, já que não se sabe exatamente em quantos
grupos ele atuou ao longo da carreira já que a falta de fichas técnicas dificulta a tarefa de
identificação. Para o desenvolvimento do estudo, tentamos reduzir a amplitude da produção
discográfica de Canhoto, nos focando apenas nos três principais grupos em que ele atuou:
Grupo Gente do Morro, Conjunto Regional do Benedito Lacerda e Canhoto e Seu Regional.
No ano de 1962 a rádio Mayrink Veiga havia participado da Cadeia da legalidade –
rede de rádios organizada por Leonel Brizola em defesa da democracia – fato que seria
argumento para seu fechamento no ano de 1965 pela ditadura militar. Canhoto e Seu Regional
perdem assim seu contrato com a rádio, passando a atuar em gravações esporádicas e
importantes shows da história da musica popular.

Em 1964, com o golpe militar, o Regional de Canhoto teve encerrado seu programa
"Noites Brasileiras", na PRE-9 / Rádio Mayrink Veiga. A partir daí, passaram a
acompanhar cantores em casas noturnas, principalmente, Silvio Caldas, realizar
gravações antológicas como, por exemplo, com Ciro Monteiro e Cartola, ou shows
históricos como "Rosa de Ouro" e "O Fino da Música", bela homenagem que
receberam no Pavilhão do Anhembi (SP), em maio de 1977 (Prata, 201320).

Dentre os discos gravados destacamos os dois primeiros discos do cantor Cartola


intitulados 1974 e 1976 (MPL 9302 e 9325), sob a direção de Marcus Pereira. Na gravação da
faixa 10 (Amor proibido) do primeiro disco o cantor realiza a introdução da música fazendo
referência a cada um dos músicos que vão lhe acompanhar, como uma ficha técnica sonora:
Dino, Meira, Canhoto e Gilberto. Já aposentado, Canhoto continuava a frequentar rodas de

20
Disponível em: < http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/exposicao?exposicao_id=1>.
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44

choros nos bairros da cidade do Rio de Janeiro como a Penha e Ilha do Governador e veio a
falecer em deixando um verdadeiro legado musical para o cavaquinho e para a música popular
brasileira. Sua atuação frequente nas gravações comerciais desde o início da década de 1930
com o Gente do Morro até o fim da década de 1970 com o Regional do Canhoto marcaram
gerações de instrumentistas ajudando a consolidar, junto com Dino e Meira, um modelo de
acompanhamento extremamente eficaz que é utilizado até hoje em nossa música popular.
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45

Capítulo 2 – Que choro é esse? O cavaco-centro na música popular brasileira

2.1. Choro e samba: mútuas influências na música popular

Choro e samba poderiam ser apontados por muitos especialistas e musicólogos como
sendo os dois mais importantes gêneros de nossa música popular nas décadas de 1940 e 1950.
Tendo suas raízes ligadas à polca, ao maxixe e ao lundu, choro e samba estão em intensa
relação durante toda a história da música popular brasileira. Apesar de terem trilhado
caminhos diferentes no que diz respeito à formação de suas principais características
estilísticas (segundo Almada, 2009, forma e ritmo, respectivamente) a relação entre eles é
natural seja através dos ambientes de interação (social e profissional), das formações
instrumentais que utilizavam e até em variações de gênero que surgiram como o samba-choro
e o choro-sambado estabelecendo, assim, uma relação de mutuas influências. A própria
distinção entre sambistas e chorões é, inicialmente, difícil de ser realizada já que vários
músicos frequentavam ambientes musicais comuns aos dois gêneros, assim como nos mostra
a literatura. A observação do processo de consolidação dos gêneros musicais torna-se
importante na medida em que determinará paralelamente uma série de características e
procedimentos relativos à questões musicais (composição, forma, ritmo, instrumentação).
Porém até chegarem ao “status” de maiores símbolos musicais nacionais, os termos choro e
samba (que mais tarde designariam gêneros musicais) tiveram diversos significados que
variam de acordo com o período histórico a que nos referimos.
Podemos dizer que o termo “choro”, por exemplo, evoluiu e agregou outras
significações desde o seu velado “surgimento”. Os relatos precursores de música popular vão
surgir no início da década de 1930 (talvez influenciados pela valorização desta a partir da
visibilidade do rádio 21 que era, certamente, o principal meio midiático do período) na
tentativa de “reviver grandes artistas musicistas que estavam no esquecimento” – como sugere
Gonçalves Pinto na contracapa de seu livro O Choro: reminiscências dos chorões antigos
(1936). Além deste outros três livros são considerados importantes para a investigação sobre o
samba e choro em relação a seus desdobramentos e definições: Catulo, 1907; Barbosa, 1933;
Vagalume, 1933. Estes escritos se caracterizam pelo fato de seus autores terem vivenciado

21
Vale ressaltar que em análises a estes volumes realizadas anteriormente (Braga, 2002; Carvalho, 2006;
Aragão, 2011) é possível identificar posicionamentos contra e a favor do Rádio como veiculo de valorização e
divulgação da música popular, no caso samba e choro.
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46

boa parte dos fatos relatados por eles próprios, sendo importantes no que diz respeito à
investigação do ambiente musical da época em que foram escritos, não se preocupando muito
em discutir origens destas manifestações musicais.
Desta forma, apresentaremos a literatura sobre música popular utilizada neste estudo
em dois momentos: inicialmente os relatos pioneiros, sendo assim denominados por estarem
ligados ao que seria considerado em uma pesquisa etnográfica como “fonte primária”; e
posteriormente livros que apresentam um diálogo com os precursores além de novas
abordagens sobre a temática (Tinhorão, 1966; Almirante, 1977, Vasconcelos, 1984; Cazes,
1988; Livingston-Isenhour e Garcia, 2005), onde destacamos crescente discussão genealógica
em relação aos gêneros. O caráter factual característico dos relatos pioneiros vai sendo
gradativamente substituído por uma argumentação documental em relação aos fatos
importantes dentro do processo de construção do gênero, principalmente do que diz respeito à
origem.
Na última metade do século XIX o termo choro era utilizado para designar formações
instrumentais de cavaquinho, flauta e violão que se apresentavam nos bailes e festas cariocas
de todas as camadas sociais da época (Almada, 2009) com o repertório composto por valsas,
lundus, polcas, tangos e fados. Na década de 1930, com ascensão do rádio, o conjunto passa a
se chamar conjunto regional. As opiniões sobre as origens desse termo também não são
unânimes, mas segundo o professor Henrique Cazes originou-se de grupos como Turunas
Pernambucanos, Voz do Sertão e Oito Batutas que “associavam a instrumentação de
cavaquinho, violão, percussão e algum solista a um caráter de música regional” (Cazes,
1998:83).
Em seu livro Música popular: um tema em debate (1997), Tinhorão reserva uma parte
ao “choro” e, em análise sobre o livro de Gonçalves Pinto (1936), destaca a importância da
obra principalmente no que diz respeito em relatar as condições sociais que viviam os
integrantes do choro naquela época. O livro, objeto da análise de Tinhorão, é uma compilação
de pequenas biografias das pessoas que participavam do “choro” – feito de uma forma no
mínimo despretensiosa, segundo o autor – desde a última metade do século XIX até as três
primeiras décadas do século XX. Tinhorão também sugere que a discussão sobre a origem
termo “choro” se encerraria na época da publicação do livro de Gonçalves Pinto – o que de
fato, não aconteceu. Antes de ser caracterizado como gênero da música popular, o termo se
referia a uma maneira de tocar e esta nomenclatura se estendia às festas em que tocavam os
trios de flauta, violão e cavaquinho (Tinhorão, 1997:111). Em outra oportunidade o autor
corrobora seu posicionamento ao atribuir à terminologia adotada inicialmente ao sentimento
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47

de melancolia gerado pelas interpretações dos grupos que tocavam essa música e, por
consequência, os músicos desses conjuntos foram chamados de chorões (1982).
Ainda analisando o livro de Gonçalves Pinto, Tinhorão afirma que o choro carioca
teria origem nas bandas de música de escravos das fazendas que tocavam nas festas populares
cujas datas eram fornecidas pelo calendário religioso da igreja católica. Também em análise
do livro de Gonçalves Pinto, Taborda (2011) comenta mais uma acepção do termo observada,
identificando no pensamento da época a constituição do choro como gênero ao relacionar um
tipo de repertório especifico com os músicos:

Além dos significados de pequena orquestra e de sarau, [...] choro ainda podia
designar os gêneros abordados pelos conjuntos, como sugere Alexandre G. Pinto:
“tocava os choros fáceis como fosse: polca, valsa, quadrilha, chotes, mazurca, etc.”
Segundo Alexandre, o repertório dos choros na verdade podia incluir toda e
qualquer música instrumental: “toca muitos choros americanos e também nossos
com grande facilidade”. (Taborda, 2011: 129)

Em Choro: do quintal ao municipal (1988), Henrique Cazes se refere a algumas das


possíveis origens citadas acima, mas atribui o uso do termo ao modo de tocar as melodias e
não o acompanhamento do violão – como teria sugerido Tinhorão 22. Segundo o autor a
maneira melancólica de executar o violão não era tão desenvolvida como conhecemos hoje 23,
fato observado nas audições das primeiras gravações de choro realizadas pelo autor. O
“choro” somente ganhou status de gênero musical na década de 1910 com a atuação de
Pixinguinha (Cazes, 1988).
Ary Vasconcelos, em seu livro Carinhoso etc: história e inventário do choro (1984)
propõe a catalogação da discografia do choro disponível até então – tarefa que o autor
verificou ser muito maior do que imaginara já naquela época. Uma breve história do choro
dividida em cinco gerações, cada uma destacando nomes de músicos e compositores mais
importantes de cada período, precede a discografia levantada pelo autor. Ao abordar a
primeira geração, ou seja, o que seria o início do choro, o autor se detém a falar das origens
do termo e após uma breve revisão bibliográfica – onde se encontra as proposições de outros
autores como Luís Câmara Cascudo e Tinhorão – o autor afirma que o termo teria derivado

22
Samuel de Oliveira (1999) em análise a esta afirmação de Cazes não identifica no discurso de Tinhorão
nenhum momento onde o autor faz a relação ao modo de acompanhamento com o choro. Tinhorão teria, sim,
feito a relação de choro com o resultado sonoro total dos conjuntos e não com determinado instrumento e
suas características de execução.
23
Certamente Cazes se refere ao desenvolvimento estilístico do acompanhamento do violão de sete cordas,
primeiro como Tute e depois com Dino Sete Cordas, que é posterior a esse momento inicial.
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dos choromeleiros (associação de músicos que tocavam instrumentos de sopro e atuavam no


período colonial brasileiro). Segundo ele, o povo associou a esse grupo de músicos todos os
conjuntos de música instrumental e, depois, foi encurtada para choros. No livro CHORO, A
Social History of a Brazilian Popular Music (2005) de Tamara Elena Livingston-Isenhour e
Thomas George Caracas Garcia a versão de Vasconcelos é apresentada como sendo a mais
coerente para alguns pesquisadores, por ser a que possui mais dados históricos evidenciados.
Os autores citam o estudo pioneiro do musicólogo Francisco Curt Lange que aborda a relação
entre choro e os choromeleiros, como sendo uma fonte de dados sobre o tema. Livingston-
Isenhour e Garcia ainda alertam para o fato de pouquíssimos chorões conhecerem esta versão
do surgimento do termo, sendo mais conveniente associar ao significado do verbo “chorar”,
pois assim estaria mais associada ao caráter emotivo das músicas (2005).
Nota-se na literatura, anterior a década de 1980, um pensamento evolucionista que foi
hegemônico durante muito tempo na musicologia histórica, onde a busca pela “verdade”
revelaria o ponto inicial do choro e sua natural evolução a partir desse momento. A década de
1980 é, para Napolitano e Wasserman (2000), um momento de mudanças paradigmáticas na
historiografia musical brasileira e de extrema importância para a etnomusicologia nacional. O
período coincide com o estabelecimento de um grupo inicial de doutores etnomusicólogos em
programas de pós-graduação em antropologia e música nas universidades brasileiras e, a partir
deles, estudos sobre a música popular e o folclore ganharam mais espaço no meio acadêmico,
contribuindo para a consolidação da disciplina nas universidades do país 24.
Apesar das tentativas em apontar a origem, no caso do choro, percebe-se, na verdade,
certa imprecisão em relação às datas e marcos iniciais que determinariam a criação do gênero,
certamente por ser aceitável pensar que, na verdade, há um período processual até a emersão e
consolidação de choro e samba como gêneros musicais. A ênfase no social e ideológico dos
discursos determinou mudanças conceituais relevantes para a discussão na literatura tanto do
choro como do samba. No artigo Desde que o samba é samba: a questão das origens no
debate historiográfico sobre a música popular brasileira, Napolitano e Wasserman (2000)
identificam uma tendência dominante no meio acadêmico que “coloca sob suspeita a própria
questão das origens, com um lugar determinável, procurando analisar historicamente a
dinâmica social e ideológica que os discursos de origem podem revelar” (Napolitano e
Wasserman, 2000:167). Os autores apontam para um considerável aumento das reflexões

24
Para mais ver Sandroni (2008).
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49

sobre musica popular brasileira na literatura acadêmica a partir da década de 1980 e, segundo
eles:

A produção ensaística ligada ao meio acadêmico, que se iniciou nos anos 70 e se


consolidou nos anos 80, procurou enfatizar os novos padrões e identidades que os
gêneros musicais urbanos tomaram, na medida em que foram configurando-se como
músicas para consumo, voltadas para o mercado urbano. Nesse viés, o eixo central
de análise não era mais a busca das origens, mas a crítica das origens. (Napolitano e
Wasserman, 2000:182)

De fato, a crítica às origens tem sido tema recorrente em trabalhos vinculados a


musicologia (histórica e etnomusicológica) e a historiografia. No Brasil, importantes trabalhos
acadêmicos publicados recentemente têm contribuído com a discussão que vai ganhando
olhares mais críticos em relação à historiografia musical popular. No caso do choro e do
samba, pudemos perceber que a discussão é referenciada por três títulos iniciais que
nomeamos de relatos pioneiros, pelo fato de seus autores também serem personagens ativos
da história, insiders.
Objeto de pesquisa da tese do professor Pedro Aragão (2011), o livro de Gonçalves
Pinto é considerado um dos principais relatos para se entender o ambiente do choro no final
do século XIX e início do século XX. Aragão realiza no terceiro capítulo da tese uma análise
comparativa dos discursos relativos a “gêneros musicais” e “origens” desta com outros quatro
escritos da época (Catulo, 1907; Barbosa, 1933; Vagalume, 1933, e Melo Moraes s/d) por
apresentarem uma visão unívoca sobre os pontos levantados. Segundo Aragão, apesar de certa
diferença intelectual entre os autores desses relatos é possível concluir que:

[...] nos trabalhos memorialísticos realizados por estes diversos atores sociais da
época — o intelectual Mello Moraes, o poeta “semi-erudito” Catulo da Paixão
Cearense, o jornalista e cronista carnavalesco Vagalume e o carteiro e violonista
Alexandre Gonçalves Pinto — havia uma complexa e instigante relação de
influências mútuas que formam um verdadeiro caleidoscópio de interpretações
dificilmente redutíveis a esquemas teóricos conclusivos e fechados e que de certa
maneira constituem um espelho da complexa sociedade brasileira deste período
(Aragão, 2001:199).

A diversidade dos “atores sociais” também já havia sido constatada por Oliveira
(1999) que enquadra o “caleidoscópio de interpretações” - como se refere Aragão em relação
às categorias “gêneros musicais” e “origens” - em uma espécie de mitologia chorística.
Conforme o título de sua dissertação Heterogeneidades no choro (1999), Oliveira tenta
desconstruir a visão do gênero como uma cultura musical “homogênea e contínua”. Para o
autor há uma espécie de “apropriação” de uma “cadeia de enunciados” que é transformada em
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um discurso mitológico de acordo com que vai sendo repetido na literatura e em interações
sociais comuns ao choro. Para Olivera:

[...] São histórias contadas e re-contadas pela oralidade chorística; apropriações, pois
são provenientes de outros campos (principalmente da musicologia) ou vindas de
informações oriundas de pesquisadores (não chorões, mas não outsiders) que fazem
parte do campo (como é o caso de Sergio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, José
R. Tinhorão, etc.9). (Oliveira, 1999: 23)

Acreditamos que ao utilizar a expressão “não chorões, mas não outsiders”, Oliveira
sugere que essas histórias do choro sejam transmitidas por pesquisadores que, em muitos
casos, não são chorões, porém não são totalmente outsiders por fazerem parte do campo de
estudo da música popular. Assim, a condição de chorão é essencial para definição de alguém
como insider ou outsider. Ainda nessa perspectiva os pesquisadores do choro também podem
ser classificados de analistas em oposição aos informantes (músicos) de acordo com a
estratégia de pesquisa do etnomusicólogo John Blacking, que enfoca os grupos sonoros como
base de análise ao invés de compositores e figuras individuais (Blacking, 1995). O autor
define base de análise como um “grupo de pessoas que compartilha uma linguagem musical
comum, junto com ideias comuns sobre a música e seus usos” (Blacking, 1995:208). A
participação nos grupos e a utilização de um processo dialético entre as percepções dos
participantes das duas categorias forneceria ao pesquisador o acesso à linguagem e à cultura
especifica a ele. Assim, a dialética entre as percepções de analistas e informantes seria um
caminho natural para os chorões que pretendem refletir sobre a prática do choro no ambiente
acadêmico, assim como parece ter sido este o caminho traçado por autores e pesquisadores
responsáveis pela literatura do choro.
Ao observar os referenciais da literatura mais recente como Cazes (1998) e
Livingston-Isenhour e Garcia (2005) percebemos certa “rememoração” dos mitos, como
sugere Oliveira (1999), através dos relatos precursores sobre música popular assim como nas
primeiras tentativas de diálogo literário (Tinhorão, 1966; Alencar, 1968; Almirante, 1977,
Vasconcelos, 1984). Outro aspecto relevante para manutenção da cultura chorística é o
compartilhamento de uma “linguagem musical” e “ideias comuns sobre a música e seus usos”
como sugere Blacking. É importante atentarmos para o fato de que a construção “mitológica”
do choro é, ao mesmo tempo, histórica e formal, tendo definido durante o processo algumas
características musicais e extramusicais definidoras dos gêneros musicais aqui abordados.
Percebemos também que a categorização em gênero musical não pode estar separada da
experiência, da prática musical.
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Vemos a definição de gênero musical a mais complicada a se realizar, por ser


construída a partir de vários entendimentos e possuir vários significados, porém essencial,
pois fundamenta a sugestão do que poderíamos chamar de “paradigma genealógico”, onde o
catalisador original de um gênero não seria um fato isolado, mas uma “rede de conexões” que
tem a prática musical como elemento comum.
Allan F. Moore é um musicólogo britânico que atualmente dedica-se ao estudo da
música popular gravada nos âmbitos teóricos, analíticos e hermenêuticos. Em Categorical
conventions in music discourse: style and genre, Moore (2001) coloca o gênero em constante
interação com estilo, sugerindo que os dois não podem ser pensados separadamente, atestando
quatro formas contrastantes da interação entre os dois. O estilo estaria relacionado com o
modo de articulação dos gestos musicais e com experiência musical vista como resultado de
um ato criativo. O estilo é algo opcional, escolhido pelo músico, o que torna sua experiência
musical descritiva. Por sua vez, o gênero relaciona-se com a identidade e o contexto desses
gestos musicais, com a produção de sentido na experiência musical. Para Moore o gênero é
algo prescrito socialmente ao músico de acordo com as circunstâncias em que se encontra. O
autor ainda constata a existência de outro conceito, o de idioleto – que seria um idioma que
pode ser referir ao estilo de um músico específico ou a um grupo de músicos. Moore afirma
que, comumente, a definição de idioleto estaria dentro do estilo e, por sua vez, presente no
gênero – este designação englobando as outras duas. Para o autor o modelo heurístico mais
adequado para o entendimento de gênero seria o constellatory, referindo-se as constelações de
estrelas que são vistas como parte de um todo maior mesmo sem ter relações entre elas. A
partir daí relaciona performances individuais com escutas particulares que ser tornam objetos
discursivos e quando esses entendimentos são compartilhados, um estilo adquire um nome
adequado.
Outra definição de gênero pode ser observada no artigo Pertinência e música popular
brasileira – Em busca de categorias de análise para música popular (2000), Marta Ulhôa
utiliza a noção de gênero de Franco Fabbri “um conjunto de eventos musicais cujo curso é
governado por um conjunto definido de regras aceitas” (Fabbri, Apud Ulhôa, 2000) onde há
regras formais e técnicas, semióticas, comportamentais, sociais, ideológicas, econômicas e
jurídicas. Ao observar a prática de choro relatada por Henrique Cazes em sua dissertação de
mestrado (2011), por exemplo, podemos encontrar algumas desses parâmetros identificados
por Fabbri. No terceiro capítulo de sua dissertação, Cazes realiza uma análise sobre as
transformações ocorridas nas rodas de choro desde a década de 1870, a fim de mostrar a
construção de um ambiente ritualístico em relação ao gênero. Aliado a depoimentos das
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“lideranças” do choro como Pixinguinha e outros relatos importantes sobre o ambiente do


choro no final do século XIX e início do século XX, Cazes utiliza sua posição de insider para
demonstrar como antigos procedimentos/práticas sociomusicais seriam “banidos” e, alguns,
retomados nas rodas modernas a partir da década de 1980.
Nesse sentido, Aragão (2011) também busca entender em um dos capítulos de sua tese
de que forma “práticas musicais do início do século XX foram posteriormente rotuladas em
‘rubricas’ estanques como ‘choro’ e ‘samba’”, através da compreensão das diversas
representações que a obra de Gonçalves Pinto teve a partir da década de 1960, identificando
as diferentes “leituras e análises” do livro ao longo dos anos. O autor argumenta que o termo
“choro”, assim como outro como “tango” e “maxixe” são na verdade tentativas de sintetizar
uma gama de significados oriunda de uma rede de mediadores formados por outros diversos
atores sociais que estão interligados por um entrelaçado de outros fatores.
Assim, decidimos adotar a definição de Fabbri (2000) para gênero musical nesse
estudo, pois observando o contexto do choro, acreditamos que este somente passa a condição
de gênero musical, quando assumimos que uma série de características, procedimentos,
comportamentos, etc. estejam condensados em uma manifestação musical. Quando não, as
significações para o termo choro variam de acordo como o momento histórico e ao contexto
ao qual nos referimos. Como gênero musical, o choro ganhou ao longo dos anos
características que podemos classificar de musicais e extramusicais como forma, estilo,
performances individuais referenciais, comportamentos e ideologias, como sugerem Moore
(2001) e Fabbri (2000) além de uma estruturação instrumental específica, da qual falaremos
mais adiante. Estudos acadêmicos contemporâneos como Aragão (2011), Oliveira (1999) e
Braga (2002) já constatam o novo paradigma em suas argumentações onde o choro, assim
como o samba, se apresenta como produto de uma rede de conexões onde a tradição musical é
“construída”, “inventada”. Ou seja, houve uma série de fatores que foram agregando
significados aos termos para que posteriormente, estes viessem a ser constituídos como
gêneros musicais com identidade e características próprias.
Assim como o choro, o samba como gênero musical urbano, teria surgido nas
primeiras décadas do século XX no Rio de Janeiro, sendo importante compreender que tanto o
gênero como o próprio termo “samba” é resultado de uma convergência de entendimentos e
práticas musicais ligadas ao folclore e ao popular (Sandroni, 2001) – bem como nas
colocações sobre gêneros citadas anteriormente (Moore, 2001; Fabbri, 2000).
Na literatura especializada uma das grandes referências na discussão sobre as origens
do samba é, certamente, o livro de Carlos Sandroni Feitiço decente: transformações do samba
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no Rio de Janeiro – 1917-1933 (2001). Como já sugere no subtítulo do livro, seu enfoque será
as transformações sofridas pelo samba no contexto do Rio de Janeiro no final da década de
1920 e início de 1930, mudanças essas que podem ser observadas em aspectos estruturais
como (ritmo e forma) e semânticos (significado do termo). Inicialmente o autor realiza uma
revisão sobre as origens etimológicas do termo samba para depois analisar seu processo de
nacionalização onde há necessariamente uma conversão ideológica de seu entendimento da
vertente folclórica e popular num único termo. Segundo o autor até o início do século XX a
palavra samba era utilizada no Brasil com sentido genérico para indicar os festejos dos negros
e estava associada, principalmente, ao samba de umbigada 25 – expressão cunhada por Edison
Carneiro em 1961, configurando uma tentativa de generalização de todos os tipos de dança
que tivessem a umbigada como gesto característico (Sandroni, 2001). Ao apresentar as
primeiras menções impressas encontradas do termo em 1838, o autor atesta que o samba
passaria ainda por uma mudança de posição social (da roça à cidade/capital, considerando a
oposição do rural e do urbano) e geográfica (do “norte” principalmente da Bahia à capital
federal, o Rio de Janeiro), além de ser expressão quase desconhecida no Rio de Janeiro antes
da segunda metade do século XIX, segundo Sandroni (2001:86). Em 1880 descrições de
danças com características similares as do samba de umbigada da Bahia começaram a ser
relatados nos bairros cariocas. Nesse processo de nacionalização o samba deixa de ser apenas
“da roça, do norte, dos negros” e passa a ocupar a capital do federal tendo nas camadas mais
pobres da sociedade sua representação, conforme o autor tenta demonstrar em suas análises de
escritos literários como O cortiço, Til e A carne (id. 1999:88; 91).
A expressão “nacionalização do samba” utilizada pelo autor diz respeito não apenas a
disseminação musical pelo território brasileiro, mas ao uso do termo “samba” nos registros
musicais e historiográficos e sua gradativa substituição em relação a designações musicais
anteriores independente de estas estarem ligadas ao campo do folclore ou do popular
(batuque, maxixe e tango) como pode ser observado através dos escritos citados pelo autor
(Edilson Carneiro, Luciano Gallet, Artur Ramos, Oneyda Alvarenga, dentre outros). Ao
observar a discografia da música popular brasileira podemos perceber que as gravações de
“samba” aumentaram consideravelmente no início do século XX. A etapa final desse processo
é a criação do “samba carioca” que para Sandroni tem inicio em 1917 com a composição

25
Ligado a um tipo de dança encontrada em uma das variações descritas por Edison Carneiro no livro Samba de
Umbigada (1961). A dança consiste em uma roda onde os participantes dançam individualmente no centro,
sendo substituídos por outra pessoa escolhida através do gesto característico: a umbigada.
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“Pelo Telefone” de Ernesto dos Santos (Donga) e tem sua consolidação alcançada com as
transformações rítmicas no inicio da década de 1930 (id. 2001: 97).
Nacionalidade, progresso e originalidade são ideais que permeiam a historiografia da
música popular brasileira até a década de 1980. Segundo Elisabeth Travassos o identificado
como “paradigma da nacionalização” apresentava os ideais de progresso e nação como
norteadores das primeiras reflexões sobre a história da música feitas no Brasil (Travassos,
2003). Segundo a autora tratava-se de uma “história teleológica que se escrevia a partir dos
valores e preocupações do presente do historiador” (Travassos 2003:75), afirmação que pode
facilmente ser constatada quando analisamos os relatos precursores. Em relação ao debate
historiográfico sobre as origens do samba são identificadas por Sandroni duas posições
distintas em relação às argumentações genealógicas. A primeira é de que o samba seria uma
“propriedade intrínseca da cultura afro-brasileira” e a segunda é que teria sido uma tradição
inventada pelas interações da cultura popular.

[...] o samba não teria sido inventado, muito menos por “vários grupos sociais”; ele
já existia confinado às noites da senzala, dos terreiros de macumba ou dos morros do
Rio de Janeiro, antes de sair à luz do dia e conquistar o Brasil. O “lugar” do samba
seriam os redutos de cultura negra, nichos onde esta se refugiou e resistiu.
(Sandroni, 2001:114)

A citação acima define o que o autor nomeou de paradigma da “concepção tópica”,


que foi hegemônico por várias décadas e que somente seria questionado por trabalhos “pós
1980” como em O mistério do samba de Hermano Vianna (1995) – este sendo defensor de
que o samba seria uma invenção cultural como vimos acima. Já Sandroni adota um meio
termo entre estas duas concepções.
Assim, o samba como gênero musical teria seu marco inicial com o registro e
gravação do samba carnavalesco Pelo Telefone (1916-1917). A autoria da música é cercada
de discussões, pois há quem defenda que o tema da canção teria surgido em reuniões festivas
na famosa casa de Tia Ciata, sendo recolhida pelo autor e registrada de forma indevida.
Apesar de a autoria ser contestada o mesmo não se pode dizer de todo o processo feito por
Donga de concepção, organização e registro da obra. Para Sandroni “a consequência de toda
essa atividade de Donga foi transformar algo que até então se restringia a uma pequena
comunidade em um gênero de canção popular no sentido moderno, com autor, gravação,
acesso à imprensa, sucesso no conjunto da sociedade” (Sandroni, 2001:120). Depois desse
momento inicial o samba ainda sofreria modificações posteriores – como veremos mais
adiante – que modelaram em direção a atual concepção de samba.
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A partir dos pontos apresentados acima, vemos que a própria discussão sobre
“origem” é mais um elemento comum entre os dois gêneros. O momento no meio acadêmico
remonta também a uma crítica cultural tão defendida pelos musicólogos brasileiros em prol de
uma bibliografia mais crítica e menos conformada. Trabalhos como os de Aragão (2011),
Braga (2002), Sandroni (2001), por exemplo, se mostram bastante alinhados com uma
corrente historiográfica identificada por Napolitano e Wasserman (2000) onde a investigação
do contexto social e ideológico é primordial na questão das origens.
A consolidação de choro e samba como gêneros musicais serão importantes no sentido
de revelar uma série de características musicais e extramusicais que serão definidoras para as
manifestações musicais.

2.2. Estruturação formal e instrumental no choro

Elemento estilístico importante, a forma desempenha importante papel na


consolidação de um modo de compor e tocar choros e sambas. No caso do samba, a forma
sofrerá algumas mudanças em decorrência de sua inclinação comercial, quando se
transformasse em um dos principais gêneros brasileiros nas décadas de 1930 e 1940. Sua
forma passa a ser menos “folclórica”, menos atrelada ao samba rural – onde predominavam os
versos improvisados – e mais seccionada ganhando uma segunda parte fixa para acompanhar
ou substituir o refrão.
A aproximação natural com as danças europeias durante a segunda metade do século
XIX, como a valsa, a polca e o schottisch deram ao choro um esquema formal básico que viria
a predominar nas composições: a forma rondó. Em A Estrutura do Choro: com aplicações na
improvisação e no arranjo (2006), o professor Carlos Almada nos conta sobre a origem desta
forma na Idade Média (Ars Nova) e de sua recorrência nos períodos musicais posteriores. O
livro é uma abordagem técnica sobre o choro, que detalha aspectos rítmicos, melódicos,
harmônicos e formais tendo como objetivo “a elaboração de um sólido e gradual método de
treinamento na arte da improvisação melódica em choros” (Almada, 2006: 02). Para o autor a
relação da forma rondó com o choro se dá através das danças de salão europeias,
principalmente a polca, que já adotava a forma desde o século XVIII. Sucesso nas cortes
europeias e também no Brasil, por meio das interpretações realizadas pelos conjuntos de
choros – que se tornariam conjuntos regionais tempos depois – a “polca-choro” consolidaria
uma forma quase que padrão para o gênero, definindo-o estruturalmente com conhecemos
atualmente. Nesse sentido podemos observar um processo de transformação de uma
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manifestação musical em gênero a partir de diversos elementos como, por exemplo, uma
interpretação característica das danças de salão europeias por parte dos músicos brasileiros e a
adoção da forma como base para novas composições. Ou seja, há uma assimilação do
conteúdo sonoro geral das interpretações em uma nova composição (forma das danças de
salão estrangeiras + interpretações nacionais = choro) onde, certamente, um dos elementos
estruturais básicos é a forma.
Este modelo formal aos poucos vai ser considerado uma característica identitária para
o gênero devido a sua recorrência nas composições, remetendo muitas vezes a uma marca de
autenticidade/tradição para alguns músicos e compositores ligados ao choro. Ressaltamos que
a forma rondó é predominante, porém não é absoluta. Compositores importantes para o choro
como Pixinguinha, por exemplo, utilizaram-se de formas binárias para agregar fator
diferencial a suas composições como no caso de Carinhoso (1916) e Lamentos (1928), dentre
outras. O mesmo pode-se dizer das composições de Candido Pereira da Silva (Candinho do
Trombone) que apesar de utilizar a forma mais popular utiliza-se de caminhos melódicos que
não eram comuns aos padrões formais, fato que dificultava a realização do acompanhamento
intuitivo de suas composições por parte de violões e cavaquinhos.
Na posição de insider em relação à manifestação musical, percebemos que a junção
entre uma forma musical definida e cíclica (como é o caso rondó) e as naturais relações
harmônicas entre as partes fornece aos músicos acompanhadores, no choro e também no
samba, alguns caminhos harmônicos básicos devido à recorrência de funções tonais dentro da
estrutura, ou seja, entre as partes.

Um choro típico possui três partes – A, B e C – e sua estrutura harmônica estabelece


modulações para tons relativos, vizinhos ou homônimos entre as partes que
costumam ter 16 compassos cada uma. O padrão de execução dessas partes obedece
à seguinte ordem: A-A-B-B-A-C-C-A. (Sève, 1999:19).

Normalmente, o choro é formado por três partes denominadas como [A], [B] e [C], sendo a
primeira parte repetida sempre que forem tocadas as outras duas partes 26. Por serem muito
ricas melodicamente e por sua estrutura harmônica ser coesa, cada uma das partes tem
bastante autonomia melódica, porém ligadas, por suas relações de tonalidade.

Temática e motivicamente falando, as três partes, na maioria das vezes, têm grande
autonomia, soando como se fossem três choros independentes, sem fortes ligações

26
Lembramos novamente que esta é uma forma padrão e não única no choro. Adotaremos essa forma como
padrão em prol de um panorama geral condizente com os vários gêneros que foram gravados por Canhoto.
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de parentesco. Na verdade, os principais elementos de coesão entre as partes (além


da estrutura formal recorrente) são as relações mútuas entre suas tonalidades. É
também característico do choro um esquema harmônico “gravitacional” (que
obviamente também deriva dos rondós antepassados) no qual as tonalidades das
partes B e C são vizinhas da tonalidade central, de A. Com o passar do tempo, e com
a cristalização da prática composicional, a preferência pelos esquemas de relações
de tonalidades entre as partes reduziu-se a um número bastante restrito de
possibilidades. (Almada, 2006:09).

A afirmação sobre a autonomia das partes da qual se refere Almada é, certamente, relativa aos
referenciais analíticos adotados ou mesmo da obra analisada, podendo variar de caso para
caso. Porém devemos atentar para o que o autor chama de “esquema harmônico
gravitacional” onde as partes [B] e [C] são tonalidades vizinhas da tonalidade de [A], a parte
central. Esse “esquema” passa a ser adotado pela grande maioria dos compositores, criando
uma verdadeira linguagem estrutural e, consequentemente, harmônica. A linha melódica
dentro desse padrão também deve obedecer a certas regras quanto à geração e resolução de
tensões, sendo acompanhada pela harmonia. Nesse ponto observamos a importância do
conhecimento de uma “harmonia funcional” por parte de músicos acompanhadores e
compositores.
Sabemos que no contexto do choro do final do século XIX e início do XX muitos
músicos não tinham conhecimento de teoria musical, com exceção do solista. Os músicos
acompanhadores tocavam, normalmente, “de ouvido” e essa habilidade era muito apreciada
(e, diga-se de passagem, ainda é) pelos chorões. A expressão “tocar de ouvido” significa intuir
determinada harmonia a partir de melodias executadas – no caso do choro bem sugestivas
devido ao seu principal elemento estrutural: a forma. Esta característica, que é naturalmente
aplicada ao samba, perdura até os dias de hoje na musica popular de maneira geral.

Geralmente é acompanhada de surpresa e admiração a tomada de contato de um


músico ‘de fora’ com a grande habilidade dos violonistas e cavaquinistas de samba
para harmonizar. Muitas vezes, em rodas informais, uma melodia desconhecida
‘puxada’ por um cantor/compositor anônimo é instantaneamente harmonizada e –
ainda por cima – enfeitada por intricados arabescos da baixaria do violão de sete
cordas numa verdadeira improvisação. A enorme experiência desses instrumentistas,
aliada, obviamente, a um ouvido harmônico apuradíssimo, faz com que – assim
como um jogador de xadrez antecipa as jogadas do adversário – quase que
pressintam o caminho que será percorrido pela linha melódica, encontrando
instantaneamente os acordes apropriados para ela. Tal habilidade que, aparentemente
é um fenômeno misterioso para os “não iniciados” é, na verdade, fruto de uma
enorme vivência no meio sambístico, combinada com o conhecimento (na maioria
das vezes) intuitivo das inúmeras fórmulas harmônicas característica do gênero,
exatamente o que se pretende focar no presente capítulo (Almada, 2009:212).
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A citação faz parte do preâmbulo do capítulo de análise harmônica de sambas e choros


do livro Harmonia Funcional de Carlos Almada (2009), onde o autor sugere que, assim como
ritmo e forma, os procedimentos harmônicos são características identitárias das mais
relevantes para os dois gêneros. As fórmulas harmônicas são progressões de acordes
encontradas nas harmonizações dos samba e choros que, de tão recorrentes, foram integradas
aos gêneros no âmbito composicional e prático.
Assim podemos observar que a intuição desse acompanhamento era quase que natural
já que a costumeira repetição das características estruturais (principalmente em novas
composições) acabou por “treinar” a audição desses músicos que identificavam a tonalidade e,
utilizando sua vivência musical e seu conhecimento das “tonalidades” proviam um
acompanhamento para o material melódico que lhes era proposto naquele momento. O
conhecimento estrutural de cadências e progressões harmônicas utilizadas com mais
frequência era, assim, algo subentendido pelos músicos, mas não formalizado teoricamente.
Na parte reservada a harmonia e forma, o autor comenta sobre uma estrutura fraseológica, em
relação à harmonia, encontradas dentro das partes do choro – sendo estas derivadas da
estrutura formal, como citado anteriormente por Sève (1999) e confirmada pelo próprio autor
(2006). Almada chega a se referir a uma “linguagem quase que ritualística do choro”
(Almada, 2006:02), certamente pensando nos procedimentos harmônicos como um dos
elementos dessa linguagem. Para exemplificar o que nomeou de fórmulas harmônicas, o autor
realiza uma série de análises harmônicas de sambas representativos do repertório clássico e
choros de Pixinguinha – considerado por muitos como o mais importante compositor do
gênero – deixando evidente uma linguagem harmônica encontrada no processo e consagrada
pelo uso. Por esse motivo, Almada vê a harmonia como um fator importante na caracterização
estilística de um gênero musical, assim como ritmo e estruturação formal são para samba e
choro, respectivamente (Almada, 2009).
Na passagem do século XIX para o XX as harmonias eram representadas (quando
havia representação) em um sistema de cifragem diferente do que conhecemos hoje em dia,
desenvolvido pelos próprios músicos. Classificavam os acordes baseados em suas funções
dentro das progressões harmônicas como “1ª do tom”, “2ª do tom”, se referindo a tônica e a
dominante (preparação) respectivamente, sugerindo a existência de um conhecimento inicial e
prático de harmonia funcional por parte de alguns músicos da época. Também era prática
comum nesse período o aprendizado de instrumentos através dos “tons” e das “posições”,
como costumavam dizer. Acreditamos que a difusão desse artificio possa ter proporcionado a
escrita das harmonias, caracterizando uma tentativa das editoras de partitura em atingir um
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público maior. É comum vermos em partituras a partir da segunda metade da década de 1940
cifras escritas dessa forma. Mais adiante veremos, a partir do exemplo de Canhoto, que esse
modelo também era utilizado nos processos de aprendizagem musical.
Na teoria musical há uma parte destinada ao estudo das funções harmônicas
especificas de cada acorde dentro de uma determinada tonalidade. A harmonia funcional diz
respeito ao estudo da harmonia tradicional aplicada à musica popular, onde os acordes
sintetizam a relação existente entre as vozes (Almada, 2009). O termo “funcional” é utilizado
para fazer referência aos estudos que tiveram início na Teoria Funcional de Hugo Riemann
em 1887 e que, no Brasil, foi difundida pelo professor Hans-Joachim Koellreuter a partir de
1960. A teoria afirma que o principio de tonalidade é determinado pelas funções dos acordes
tônica, subdominante e dominante (T-S-D) e das tensões geradas por eles. O estudo desse
modo de interpretação das relações harmônicas é utilizado em larga escala por instrumentos
que fornecem acompanhamento às melodias, como é o caso do cavaco-centro, violões, piano,
dentre outros.
Segundo Almada (2009) podemos considerar o surgimento da teoria funcional como o
de uma nova linguagem que quando iniciada adota vários aspectos de sua precedente, mas
devido as suas “necessidades práticas” vão se afastando até se apresentarem como duas coisas
distintas, embora tenham uma mesma origem (id. 2009:12). O autor chama a atenção para
uma divisão no ensino da harmonia em tradicional ou clássica e a funcional e seus estudos
seriam uma tentativa de reaproximá-las e fundamentar mais adequadamente a segunda que,
segundo ele, por ter seus objetivos práticos, buscou adaptar os “ensinamentos tradicionais às
particularidades da música popular, o que acarretou inevitáveis simplificações e reduções” (id.
2009:11).
Dentre os estudos de harmonia voltados para música popular brasileira, destacamos
ainda as considerações pioneiras do professor Sergio Freitas (1995) que mostra uma
preocupação em formalizar esse conhecimento harmônico que até então era extremamente
intuitivo e prático. O autor sugere em sua dissertação de mestrado que esses entendimentos
são um tipo de conhecimento teórico que se tem sobre as práticas harmônicas na música
popular, buscando averiguar a possibilidade de um controle das relações de combinação entre
os acordes (Freitas, 1995). De fato os chorões conseguiram certo controle das relações
harmônicas como sugere Freitas, porém de forma restrita e relacionada com a forma padrão
das composições, ou seja, dentro de um contexto pré-estabelecido.
É importante atentarmos para alguns aspectos relevantes dessa “sintaxe harmônica”
para as manifestações musicais aqui abordadas (choro e samba) e para o cavaco-centro.
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Primeiramente, devemos lembrar que a linguagem harmônica é derivada da forma rondó,


predominante no choro e algumas relações harmônicas derivadas dessa estrutura foram
estendidas, de certo modo, ao samba. As fórmulas harmônicas acima de tudo são relações
naturais entre os acordes dentro do sistema tonal clássico, com cadências autênticas perfeitas,
imperfeitas, plagais, de engano, dentre outras. O conhecimento prático desses elementos,
adquirido pelos chorões em suas vivências musicais, aliado ao caráter ágil e improvisatório de
seus acompanhamentos possibilitaram a profissionalização desses músicos no rádio através
dos Conjuntos Regionais no inicio da década de 1930. O período também é marcado pelo
aumento das gravações de sambas – as quais eram realizadas pelos chorões – e pelas
transformações rítmicas do gênero.
Vemos os processos de harmonização como importante ferramenta para aprendizado
musical do cavaquinho, assim como para a caracterização estilística, que será realizada no
próximo capítulo. Outro ponto importante para ser observado no contexto do regional é o que
denominamos neste estudo de divisão de tarefas, ou seja, qual a função que cada instrumento
tem na construção da sonoridade do grupo.
Veremos nas análises que Canhoto costumava executar as harmonias sem muitos
recursos de rearmonização, como substituição de acordes, ou mesmo inversões. Os caminhos
harmônicos utilizados eram em sua maioria os mais funcionais possíveis, pois além de
estarem relacionados com as “posições” conhecidas no processo de aprendizagem, eram
importantes para a manutenção do centro harmônico do trio de base (dois violões e
cavaquinho). A “sintaxe harmônica” também tem relevância no sentido de proporcionar ao
músico um conhecimento sobre o funcionamento da música tonal de um modo geral (no que
diz respeito à geração de tensões e suas resoluções, engrenagem mestra do sistema)
permitindo a ele a compreensão das relações harmônicas em diversos ritmos gravados ao
longo da carreira. Bem verdade que a execução de ritmos menos comuns ao contexto dos
regionais acontecia com mais frequência em gravações do que nas rodas de choro, sugerindo
um arranjo especifico.
O acompanhamento harmônico na música popular brasileira foi realizado por uma
formação instrumental que, durante muito tempo foi hegemônica por ser compacta e possuir
uma sonoridade bastante sintética em relação aos elementos rítmicos, harmônicos e
melódicos: os Conjuntos Regionais. Um dos principais motivos da obtenção de tal síntese
sonora era, certamente, a divisão de funções por parte dos instrumentos do conjunto baseada
na sonoridade das bandas de música. Sobre o assunto, Sandroni (2001) nos revela que de
1902 a 1907, o repertório gravado era basicamente de modinhas e lundus em versões cantadas
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e instrumentais. As versões instrumentais ficavam a cargo de trios ou ternos de choro, tendo


junto a formação básica (solista, violão e cavaquinho) outro instrumento de sopro (oficleide
ou tuba) com a função de baixo (Sandroni, 1999:189)
Em As abordagens estilísticas no choro brasileiro (2010), a professora e violonista
Márcia Taborda procura estudar a genealogia do choro através de sua sonoridade, traçando o
que seria um pensamento gradativo das mudanças sonoras que tem relação direta com os
conjuntos que gravavam música popular (bandas de música, ternos de choro e Conjuntos
Regionais) entre os anos de 1902 e 1950. A autora também identifica que os ternos de choro
eram compostos por violão, cavaquinho e solista, tendo como referência sonora a polifonia
das bandas de músicas do final do século XIX e início do século XX. As bandas, que
normalmente estavam filiadas a instituições militares como o Corpo de Bombeiros do Rio de
Janeiro, Banda do Batalhão Naval, Força Policial de São Paulo, Primeiro Batalhão de Policia
da Bahia, Banda do 4º Regimento de Recife gravaram muitos choros na fase mecânica do
disco no Brasil (1902 - 1927). Taborda também identifica referência aos graves das bandas
militares na sonoridade dos ternos através da execução do violão, sendo este marcado e
pontuado pela execução de baixarias (apesar de não haver ainda violão de sete cordas). O
cavaquinho era responsável pelo centro rítmico-harmônico, não havendo variações melódicas
ou rítmicas (em prol de uma manutenção). Por parte do solista, também não havia variações.
É possível, portanto, observar na sonoridade dos Ternos os três elementos musicais básicos
divididos entre cada um dos instrumentos, anunciando o que seria a base harmônica dos
regionais vinculados às rádios na década de 1930: cavaquinho realizando o centro-harmônico,
a melodia a cargo do instrumento solista e o violão marcado com a pontuação dos baixos.
Taborda também comenta que o papel do violão de seis cordas na época é extremamente
parecido com o violão de sete cordas atualmente, no que diz respeito à condução harmônica
através dos baixos e não a função contrapontística, tal a conhecemos hoje, que é posterior
historicamente com a atuação de Tute (Artur de Souza Nascimento 1886/1951) e
principalmente de Dino Sete Cordas.

Pela audição dos fonogramas, pode-se inferir que o trio de choro tinha por referência
e modelo a sonoridade das bandas, e nesse sentido o violão cumpre exatamente o
papel de sustentar e conduzir harmonias através do desenho dos baixos buscando
reproduzir o enunciado e a função dos graves das bandas. O cavaquinho executa um
padrão rítmico quase sempre sem variações e o instrumento solista apesar da
oportunidade de enunciar o tema por três vezes o fazia também sem variações.
(Taborda, 2010:142)
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A autora prossegue suas observações constatando que essa sonoridade será


rapidamente superada na década de 1910, com a inserção de improvisos e contracantos,
características que serão posteriormente “incorporada à identidade do choro” (Taborda, 2010).
A temática regional utilizada por grupos como Grupo do Caxangá, Trupe Sertaneja e Os Oito
Batutas na década seguinte também é tida como importante antes do surgimento e
consolidação do Conjunto Regional que “estabeleceu modelo de organização e sonoridade
que permaneceria na música brasileira, como uma influência para as gerações futuras”
(Taborda, 2010:145). Esses grupos eram choros que se utilizavam da temática regional em
relação à indumentária e repertório. As novidades eram a presença de mais instrumentos
rítmicos aliados à base dos Ternos, com a inclusão de pandeiro e reco-reco. (flauta, violão,
bandolim, cavaquinho, violão, voz).
Já os conjuntos regionais eram formações menores que as bandas de músicas e grupos
típicos, tendo sua formação pautada nos ternos de choro com a incorporação do elemento
rítmico, o pandeiro. Quase como uma versão reduzida dos grupos típicos e sem o elemento
vocal, o regional tinha seu trio base de acompanhamento formado por: dois violões (seis
cordas, inicialmente, depois um deles passa a ser de sete cordas) e cavaquinho, sendo as
funções harmônicas divididas entre eles. Um dos violões executava os baixos enquanto o
outro fazia os acordes em uma região médio-aguda. O cavaquinho passa a ser mais livre
ritmicamente, executando padrões rítmicos mais variados, segundo Taborda. A formação
destinava-se ao “acompanhamento de canções sempre com introdução de flauta, sustentada
por base harmônica de total entrosamento e complementaridade” (id. 2010:67). Importante
observar que com o surgimento das gravações elétricas cresce o numero de gravações do
repertório vocal frente ao instrumental, colocando os regionais como principal grupo de
acompanhamento de cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas e Francisco Alves no que
ficou conhecida como a Era de Ouro do rádio no Brasil. Taborda finaliza sua genealogia nos
chamando atenção para a importância do Conjunto Regional de Benedito Lacerda para a
fixação do formato instrumental do regional, aliando os instrumentos percussivos à base
harmônica de cavaquinhos e violão.
A importância de Benedito Lacerda para a fixação do formato é crucial para o
desenvolvimento e fixação regional, seja pela proposição inovadora de formação para o
acompanhamento das canções populares ou pela importância dos músicos que irão se reunir
em seu regional, com destaque para o trio de acompanhamento Dino-Meira-Canhoto. O trio
de violões e cavaquinho consolida um modelo de acompanhamento além de criar linguagens
estilísticas para seus instrumentos e para o gênero choro, de um modo geral. Vimos que antes
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do regional adotar o nome de seu líder o grupo se chamava Gente do Morro, aludindo à
origem de alguns de seus integrantes. Com este grupo a utilização da percussão passa a ser
constante nas gravações, fato que antes não havia acontecido anteriormente. Vimos
anteriormente que na gravação da música Na Pavuna, o Bando dos Tangarás utilizou-se do
recurso rítmico, porem foi o Gente do Morro que transformou e fixou o recurso em elemento,
consolidando assim a base instrumental dos conjuntos, integrando os três elementos musicais
básicos através da instrumentação.
Na formação tradicional mais utilizada pelos conjuntos regionais a partir da década de
1950 (com violão de seis cordas, violão de sete cordas e cavaquinho) podemos notar mais
claramente a divisão de funções no trio de base a partir dos aspectos rítmicos e harmônicos –
já que a função melódica esta destinada ao instrumento solista.
Ao analisar algumas gravações de Canhoto e Seu Regional percebemos que a
execução das progressões harmônicas é realizada de forma diferente por conta dos recursos
disponíveis a cada instrumento, mas principalmente para manutenção das funções. Um dos
violões, normalmente o de sete cordas, executa frases melódicas contrapontísticas em relação
à melodia principal conhecidas popularmente como “baixarias”, sendo necessário que
cavaquinho e violão de seis cordas forneçam o suporte harmônicos que dará sentido as frases
contrapontísticas, bem como a melodia principal. O cavaquinho também apresenta
intervenções melódicas, sendo necessário um recurso diferente do utilizado pelos violões - os
duetos - como veremos a seguir. Essa função harmônica, aliada a aspectos rítmicos da pratica
do cavaquinho, é conhecida no contexto do choro como “centro”. A designação diz respeito a
sua dupla função na formação instrumental e também de ligação entre os elementos rítmicos e
harmônicos. Não significa dizer que os violões também não se utilizem destes dois elementos
em sua execução, mas no regional suas funções estão muito mais ligadas às baixarias e
contrapontos, que se tornaram características importantes do gênero ao longo dos anos. Em
depoimento o cavaquinista Mauricio Verde, que tocou vários anos com o flautista Altamiro
Carrilho (ex-integrante do Canhoto e seu Regional) analisa a integração sonora entre o trio de
base mais representativo da história do choro: Dino-Meira-Canhoto.

Temos que entender qual é o intuito, o sentido, qual é a função que ele está fazendo
ali. Por exemplo, quando só tem apenas um violão (seis cordas, no caso), eu tenho
que ser a base. Não posso fazer muitas variações já que ele é obrigado a se dividir
entre os contrapontos e a harmonia, e esta eu tenho que sustentar rítmico e
harmonicamente para que ele sinta-se seguro, pois normalmente só haverá o
pandeiro como pedal. Então eu tive que entender essas relações e aplica-las ao
regional do Canhoto: Dino ficava solto porque o Meira era a mão direita dele. As
levadas executadas pela mão direita tem que "casar" com o outro violonista, fazendo
com que o 6 deixe o 7 livre para os contrapontos. Canhoto também ficar livre e
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então percebi que ele fazia tudo aquilo e não atravessava, pois é importante saber
que não vai embolar. Percebi também que Dino e Meira pareciam uma única pessoa.
(Depoimento de Verde ao autor, 2014).

Verde é bem claro quanto ao entendimento das funcionalidades dentro da formação,


citando “obrigações” e sugerindo que apesar do centro rítmico-harmônico ser
responsabilidade do cavaquinho essas funções se alternam dentro do grupo dependendo de
sua formação e até mesmo do arranjo em prol de uma completude sonora. Outro ponto
importante em relação às práticas harmônicas dentro da formação diz respeito às inversões de
acordes. Ao contrário dos violonistas, que tem progressões criadas de acordo com as
inversões – de modo a construir uma linha que vai sendo conduzida a cada acorde da
progressão –, os cavaquinistas não podem contar com tal recurso. No instrumento “o baixo de
acorde não existe efetivamente” (Cazes, 2005:25) fazendo com que as harmonias geradas
sejam um pouco mais simples do que a dos violões, a base de tríades e, em alguns casos, até
de acordes com a terça dobrada (compensadas sonoramente pelos harmônicos naturais do
instrumento e pelos violões).
Outro aspecto importante para sonoridade do cavaco-centro e para a formação
instrumental é o ritmo. As palhetadas ou levadas 27 do cavaquinho estavam, num primeiro
momento, bastante ligadas ao ritmo característico dos gêneros e eram executadas de forma
cíclica de modo a sugerir um elemento constante/pedal, pois a formação utilizada para tocar
as músicas na época pedia tal funcionalidade. Porém, essa “obrigação” do centrista com a
manutenção rítmica perde força com a chegada de um elemento destinado a esta função,
dando mais liberdade criativa ao músico e a possibilidade de dialogar com o ritmo e não
apenas reproduzi-lo repetidamente. Ainda hoje são poucas as padronizações em relação às
práticas rítmicas do cavaquinho, ficando a transmissão desse conhecimento a cargo da
oralidade e da observação da prática de cavaquinistas referenciais, como Canhoto e Jonas
Pereira da Silva 28.
Sobre os padrões rítmicos de acompanhamento transcritos para o cavaco, citamos o
método de Henrique Cazes, A Escola Moderna de Cavaquinho (1988), onde há uma secção

27
No cavaco, os padrões rítmicos são executados pela mão direita que deslizam sobre as cordas tendo uma
palheta como objeto de contato entre mão e cordas. Usarei o termo palhetadas para me referir a tal ação.
Autores de métodos para o instrumento como CAZES (1988) e HABKOST e SEGURA (2005) utilizam também os
termos batidas ou levadas.
28
Jonas (1934 – 1997) foi integrante do conjunto Época de Ouro, criado por Jacob do Bandolim. No principio
era solista, mas foi ensinado por Jacob a acompanhar. Seu estilo difere-se do de Canhoto pelo fato de a
sonoridade de seus acompanhamentos serem mais seccionados ritmicamente (sincopados) podendo ser
comparado a células rítmicas encontradas no tamborim.
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em que se encontra algumas células rítmicas mais comuns no acompanhamento, mas sem
maiores orientações. Outro método, Nas batidas do Samba: método audiovisual de batidas
para cavaquinho (2005) de Nestor Habkost e Wagner Segura enumera segundo consta na
capa, “40 batidas diferentes de samba”, mas sem definição dos padrões. Outra ferramenta
usada por cavaquinistas que sabem ler partitura é a de transcrição de materiais escritos para
outros instrumentos, para a linguagem específica do cavaco, fato que é muito comum pelo
farto material de ritmos destinados para outros instrumentos como o violão, por exemplo,
além de métodos para instrumentos de percussão.
Contudo, reconhecemos que apesar dos esforços em tentar formalizar certas práticas
rítmicas do acompanhamento do cavaquinho, as palhetadas são construções pessoais de cada
músico baseadas nos ritmos característicos de cada gênero. O modo como cada músico
compreende, se apropria e externaliza esse conhecimento pode variar de acordo com uma
série de variáveis gerando, consequentemente, várias perspectivas para um mesmo ritmo por
exemplo. O instrumento é historicamente ligado à população menos favorecida econômica e
socialmente, fato que de alguma forma contribuiu para que os métodos de transmissão
musical envolvidos com a prática do cavaquinho fossem muito mais intuitivos do que
pautados na teoria musical tradicional, ou seja, muito mais práticos do que teóricos.
Comparado ao violão que há décadas tem seu estudo sistematizado através de métodos e de
cursos universitários, somente no ano de 2013 foi criado um curso superior de cavaquinho na
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sabemos que muitos
aspectos relacionados as músicas populares não são estudados/discutidos na universidade,
porém se apresenta como uma perspectiva nova de estudo relacionada com outros aspectos
que podem ser aplicados em diferentes contextos. Vemos na reflexão sobre a prática de
Canhoto uma contribuição imprescindível para o instrumento no que se refere à função
rítmico-harmônica ou de acompanhamento, e ainda uma perspectiva didática e estilística para
os cavaquinistas de um modo geral.
A realidade nos mostra que certas palhetadas foram consagradas e servem até hoje
como referência para estudantes e estudiosos sobre o assunto, como é o caso de Canhoto.
Acreditamos que vários fatores contribuíram para que Canhoto desenvolvesse seu estilo como
sua pré-disposição motora, a compreensão das palhetadas e, principalmente, as
transformações rítmicas ocorridas no samba no final da década de 1920 e início da década de
1930.
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2.3. A construção estilística de Canhoto

A profissionalização de Canhoto no início da década de 1930 é encarada neste estudo


como um ponto de partida para um processo de consolidação de seu estilo individual que
alcançará maturidade nos anos 1950 com a criação do Regional do Canhoto. Mas como se
constrói um estilo no contexto do choro? Que fatores levam uma “escola”, um estilo
individual a perdurar por diversas gerações como referencia de prática? Essas foram algumas
perguntas que nortearam as reflexões deste estudo e que também foram feitas aos
entrevistados ao longo da pesquisa.
Segundo Carla Bromberg (2011) o conceito de “estilo” não tem consenso acadêmico,
podendo ter vários significados como linguagem musical, se referir a determinado período
histórico e ainda a um estilo de compor. Frequente também é a utilização do termo com o
intuito de fazer referência a um modo de tocar um instrumento, um estilo individual. Nesse
sentido, necessitamos neste tópico, primeiramente identificar alguns parâmetros a partir da
prática do músico que juntos constituirão seu estilo. Escolhemos observar o processo de
construção estilística de Canhoto mais profundamente, com o objetivo de tentar compreender
como certas características do modo de acompanhamento (palhetadas e contrapontos rítmicos)
tornaram-se marcas registradas do instrumentista e referência de boa prática na música
popular até os dias de hoje.
A temática relacionada ao estilo desenvolvido por músicos populares ligados ao choro
vem sendo gradativamente trabalhada nos últimos 20 anos dentro do meio acadêmico. Os
solistas Altamiro Carrilho e Jacob do Bandolim tiveram seus estilos interpretativos estudados
recentemente (Cândido e Sarmento, 2005; Côrtes, 2006). A condição de solista e a trajetória
histórica dos principais instrumentos melódicos utilizados no choro facilitam, em parte, os
estudos analíticos. Normalmente esses instrumentos possuem sua transmissão musical
consolidada através de partituras e do ensino em instituições estabelecidas socialmente, como
a universidade. O destaque dado a esses instrumentistas a partir da consolidação de um
comércio musical (o disco e o rádio) naturalmente é maior comparado aos músicos que os
acompanhavam, fato ressaltado por Vasconcelos (1984). No que diz respeito aos créditos de
suas atuações em disco de 78 rpm e em alguns vinis, há uma grande diferença entre os
músicos acompanhadores e seus companheiros solistas – normalmente lideres dos conjuntos.
A quase inexistência de fichas técnicas dificulta o trabalho de identificação dos músicos nos
discos, ficando a cargo de associá-los ao nome dos conjuntos referenciados na literatura
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disponível ou pela escuta crítica, quando se tem conhecimento das características individuais
de cada músico. Apesar da existência de alguns catálogos disponíveis na internet, a maior
parte dessas informações, que deveriam obrigatoriamente estar nos discos, partem da memória
e depoimentos dos chorões mais antigos que vão transmitindo essas informações dentro de
seu contexto musical.
Diferente dos instrumentos melódicos, a transmissão musical relacionada aos
instrumentos de acompanhamento (violão e, principalmente, cavaquinho) ligados ao choro é
pautada no processo oral (e aural anos depois) além de, historicamente, não haver um
“suporte teórico” tão abrangente como para instrumentos melódicos. O “suporte teórico” ao
qual nos referimos diz respeito a ferramentas que podem ser utilizadas como recurso na
análise do material sonoro, como as partituras por exemplo. No caso dos instrumentos de
acompanhamento, lembramos que entre as três primeiras décadas do século XX grande parte
das partituras (editadas e manuscritas) não possuíam cifras o que dá margem ao registro
musical através das performances, ou seja, da prática. Os estudos relacionados ao
acompanhamento no choro estavam restritos, até o momento, a violonistas (Taborda, 1995;
Pellegrini, 2005; Bittar, 2011) e a prática violonística no contexto do regional (Becker, 1996),
normalmente tendo como objetivo extrair, catalogar, descrever e analisar elementos
estilísticos de praticas que são tidas como referência – objetivo esse que compartilhamos nesta
dissertação.
Tendo como base os trabalhos anteriores sobre o tema, pudemos observar alguns
pontos importantes para análise desse tipo como a descrição das características técnicas dos
instrumentistas estudados bem como do contexto sociocultural ao qual estavam inseridos. Os
processos de transmissão musical do início do século – período do aprendizado musical de
Canhoto – também serão discutidos, pois acreditamos que essa fase tem grande importância
na construção de um estilo. Falaremos também sobre seus antecessores e as “escolas” de
cavaco-centro na música brasileira. A caracterização e análise estilística serão assunto no
próximo capitulo por se tratar da discussão de procedimentos técnicos específicos da prática
do instrumento, deixando o foco deste tópico para alguns fatores socioculturais que poderiam
ter contribuído para tal construção.
Para tentarmos entender essa construção tendo o cavaquinho como instrumento
central, é necessária a observação de alguns aspectos que normalmente são importantes para o
desenvolvimento de características individuais no ambiente do choro. Primeiramente
abordaremos os antecessores de Canhoto e os processos de transmissão musical em seu
período de aprendizado e por último discutiremos sobre a hipótese deste trabalho que
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investiga a possibilidade do estilo de Canhoto ter sido influenciado pelas transformações


rítmicas ocorridas no samba no inicio da década de 1930 além de fatores que contribuíram
para transformação e manutenção de seu estilo em prática modelo.

2.3.1. Antecessores: a linhagem Álvares-Galdino-Canhoto e os processos de transmissão


musical

Os músicos tidos como referência em seus instrumentos tem papel fundamental no


processo criativo de um novo estilo, já que acreditamos que nada é totalmente novo a ponto
de não ter nenhuma relação com o passado. Uma nova perspectiva para a prática (no caso do
cavaquinho) surge a partir de uma proposição a algo vigente em determinado período
histórico ou ainda da compressão musical pessoal de um indivíduo em relação ao meio (no
caso, o choro), que logo depois será transformado, e assim sucessivamente. Para o
etnomusicólogo britânico John Blacking é importante observar que os entendimentos e
percepções individuais de uma determinada ordem sonora, são considerados fatores
contribuintes para consolidação de estilos individuais e de novas perspectivas para
manifestação musical.
No Livro How musical is man? (1973), ordem sonora (sonic order) é definida por
Blacking como um conjunto de significados/características – que podem ser musicais ou não
– subjacentes no pensamento humano no momento da criação musical. Em sistemas musicais
híbridos em relação ao uso da teoria musical no ensino/aprendizagem, esses elementos são
resguardos pela escuta crítica e pela performance e são compartilhados a partir de interações
sociais, pois para Blacking a concepção da maneira que se deve organizar os sons (da criação
à performance) não é universal e sim gerada a partir de um consenso entre os membros de
uma comunidade (Blacking, 1973). A escuta crítica figura dentre os elementos definidores de
uma habilidade musical tanto quanto a execução instrumental. O compartilhamento de
experiências é imprescindível para a existência do consenso, no caso musical, tornando
ambientes como a roda de choro ideais para manutenção e recriação da tradição musical
chorística, além de evidenciar a “inseparabilidade” de música e contexto.
Nesse sentido, as regras que norteiam os julgamentos de qualidade dentro de uma
tradição musical são construções sociais, e às vezes, ligadas a processos que ultrapassam o
contexto da prática musical. Dessa forma Blacking constata que é possível aprender música,
ou sobre ela, apenas participando de uma coletividade, organizada por uma ordem que pode
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ser expressa na música, e em outros aspectos (Blacking, 1973; 2007). Ao aplicar as


colocações de Blacking ao choro, e mais especificamente a Canhoto, percebemos que seu
aprendizado é caracterizado por um ambiente familiar musical e pela presença de um
professor. Tempos depois vieram as rodas de choro e a profissionalização. Todos esses
ambientes de interação deram ao músico um conhecimento sobre a dita ordem sonora do
choro, e em especial do cavaquinho dentro do gênero. Esta ordem está em constante
construção e alguns músicos muito contribuíram nesse sentido. Importante ressaltarmos que
essa ordem, no caso do choro, se divide em várias camadas, desde uma mais geral sobre o
gênero, até camadas mais específicas que podem se referir a cada instrumento da formação
básica do regional (violões, pandeiro, cavaquinho e o instrumento solista – flauta, bandolim,
entre outros). Vejamos assim alguns nomes importantes para o cavaquinho, anteriores a
Canhoto.
Em entrevista, a pesquisadora e cavaquinista Luciana Rabello 29 identifica na música
brasileira duas principais escolas de cavaco-centro que, apesar das dificuldades em definí-las
com precisão – pelo fato das nuances serem muito sutis – concorda que é possível perceber as
diferenças entre elas. Convencionaremos nesse estudo a chamá-las de escola antiga e escola
nova. A primeira seria uma escola mais antiga/tradicional, onde situaremos os cavaquinistas
oriundos do período entre final no século XIX e primeiras três décadas do século XX, ligados
ao estilo mais amaxixado dos acompanhamentos. A segunda escola mais influente para o
cavaco-centro (escola nova) tem como um de seus principais representantes o cavaquinista
Jonas Pereira da Silva, atuante desde a década de 1960 e de quem falaremos mais adiante.
Canhoto seria, então, representante da escola mais antiga, e a inovação em seu estilo se dá
através da incorporação de características derivadas de seu entendimento pessoal da função
“centro” às práticas estilísticas comuns desta escola. Dentre os cavaquinistas mais importantes
da escola antiga podemos citar Mário Álvares (~1861 – 1905), Galdino Barreto (~1860 –
1935) e Nelson Alves (1895 – 1960).
Pouco se sabe sobre Galdino Nunes Barreto, cavaquinista que tinha como um de seus
discípulos Mário Alvares da Conceição. Foi encontrado no acervo pessoal de Canhoto um
documento relevante produzido por Heitor Ribeiro (não seria este o mesmo citado por Catulo,
1908 apud Aragão, 2011, que era violonista e funcionário dos telégrafos?) onde foi

29
Cavaquinista, pesquisadora e professora. Destacou-se bem jovem como musicista atuando em grupos como
Os Carioquinhas e Camerata Carioca. Depois partiu para carreira solo, acompanhando grandes nomes da
música brasileira. É uma das fundadoras da Escola Portátil de Música e da Acari Records - escola e gravadora
dedicadas ao choro.
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encontrado o único registo fotográfico do músico, além de nos revelar que “dos discípulos de
Galdino, o único sobrevivente é Waldir [sic] Tramontano, que com brilhantismo honra o
mestre 30”. Este e alguns outros documentos presentes no acervo pessoal de Canhoto já foram
estudados anteriormente por Aragão (2011). Ao comentar sobre o acervo, o autor sugere que
o fato do documento com a foto de Galdino aparecer na primeira página de seu
caderno/acervo demonstra certa admiração de Canhoto e, talvez, gratidão pelos os
conhecimentos musicais que foram transmitidos a eles. De fato, a relação entre Canhoto-
Galdino parece incontestável pelos documentos encontrados, porém pudemos observar em seu
depoimento (Zaremba, 1978) que ao comentar sobre seu aprendizado o músico não faz
referencia ao nome de Galdino como sendo seu ‘professor’, o que geraria certa dúvida sobre a
relação direta professor-aluno. É bem verdade que o pai de Waldiro costumava receber
músicos em reuniões festivas que ocorriam em sua residência, conforme é narrado em seu
depoimento a Zaremba, e o Galdino como frequentador das rodas e como um dos grandes
nomes do instrumento do período pode ter iniciado um contato em uma dessas reuniões.
Outro dado importante para esta investigação é que, segundo Gonçalves Pinto (1935) Galdino
era conhecido por ser um dos únicos professores de cavaquinho da época.

“Mestre dos mestres, que se celebrizou com o seu aprendiz Mário, cujo discípulo
venceu naquela época todas dificuldades do instrumento transformando a sua
tonalidade de quatro cordas para cinco, enquanto isso Galdino, continuava com o
seu cavaquinho de quatro cordas tirando infinidades de tons e combinações de
acordes que me é aqui difícil de descrever, tal é a magia, e a convicção das notas
vibradas pela palheta encantada de Galdino, este grande artista, inigualável no meio
dos chorões, aonde ele foi o único educador deste instrumento que se chama
cavaquinho” (Pinto, 1935:70).

O trecho sobre o mestre “Galdino Cavaquinho”, fala ainda da superação sonora de um


de seus discípulos Álvares. Também conhecido como Mário Cavaquinho (Barbosa, 1933),
Mário Álvares ficou conhecido por sua inovação em relação ao instrumento ao inventar um
cavaquinho de cinco cordas e outro de doze cordas (ou seis pares de corda) que chamou de
Bandurra (Zebróide ou bando, como se refere Gonçalves Pinto). Chamamos atenção,
também, para a relação de mestre-discípulo entre Galdino e Álvares, confirmando a condição
pioneira do primeiro como professor do instrumento. Analisando alguns outros verbetes de
Gonçalves Pinto (1935) acreditamos na possibilidade de Álvares também ter ocupado a
posição de mestre em relação a outros músicos como Lulu Cavaquinho e Biláu, corroborando

30
Documento do acervo pessoal de Adilson Tramontano.
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a sugestão de Aragão (2011) que juntos, Galdino e Álvares, teriam construído um estilo, uma
linguagem característica de tocar o cavaquinho que seria vinculada a eles.
Sobre Lulu Cavaquinho:

“Bem poucos serão dos farristas de agora, que não conheceu o bom e excelente
amigo Lulu' cavaquinho. Era da turma de Mario, Galdino, Napoleão, Antenor de
Oliveira, Quincas Laranjeiras, Juca Russo, Jorge Seixas, e muitos outros chorões,
alguns ainda vivos. Era o grande executor acima de uma habilidade belíssima neste
instrumento, pois não só solava, como também acompanhava muito bem. Lulu'
vendo ser tocado e inventado por Mário, transformando o cavaquinho de quatro
cordas, em doze, meteu-se na cabeça, de também aprender, o que conseguiu com
Mário, com grande facilidade. Este instrumento não havendo nomenclatura na
musica, Mário botou o nome de Bando, instrumento este, que supre o cavaquinho, e
também sola em qualquer tom, sem precisar recorrer as oitavas. Hoje bem poucos o
tocam, a não ser o grande musico Jorge Seixas aprendendo o mesmo sem mestre.
Lulu' foi da turma dos bons, ainda hoje o seu nome é lembrado e comentado na roda
dos chorões.” (id., 1935:209)

E sobre Biláu:
“Conheci bem criança, na Caixa Velha da Tijuca, onde seu sempre chorado pai
ocupava alta posição. Retirando-me da Tijuca muitos anos. Depois precisando ir
aquele bairro, encontrei Biláu já moço e atracado a um cavaquinho todo novo, e dos
bons. Afinando o cavaquinho, fez ali um tom com todos seus acordes que fiquei bem
admirado da sua agilidade naquele pequeno instrumento de arrebatar. Depois solou
uma valsa se não me engano o nome é "Sorrir meu doce amor", esta valsa é bem
custosa de solar, no entanto nos dedos de Biláu foi sopa. E ali dedilhou outra, de que
me fez babar. Biláu foi aprendiz se não me engano do sempre chorado Mário do
Cavaquinho, e que deu ao mestre grande gloria. Hoje acha-se retirado da luta, julgo
com a morte do seu sempre chorado pai, e sua boa irmã.” (id., 1935:111)

Pixinguinha, que teve como primeiro instrumento o cavaquinho, foi aluno de Álvares.
Ernesto dos Santos, o Donga, que iniciou sua prática musical ao cavaquinho, atesta em
depoimento ao Museu da imagem e do som do Rio de Janeiro (MIS) a importância do músico
para o cavaquinho e para música brasileira 31. Ainda é possível observar através das citações
que os músicos com maior ligação a Mário Cavaquinho parecem ter a prática como solista
mais desenvolvida do que o acompanhamento rítmico-harmônico.
A relação entre Galdino, Alvares e Canhoto também já havia sido estudada por Aragão
(2011). Em estudo a práxis musical descrita no livro O Choro – livro este que é objeto de
análise de sua tese – o autor destaca a presença dos chamados professores “informais” (como
Videira, por exemplo), principalmente de violão e cavaquinho, no período de confecção do
livro. A partir dos discursos de Vagalume, Pinto (1935) e Catulo (1908), Aragão constata a

31
Para mais ver Fernandes (1970).
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72

ligação entre três dos grandes nomes do cavaquinho: dois nascidos por volta da década de
1860 e um nascido na primeira década do século XX.

Temos assim a visão de pelo menos três referências da época — Pinto, Catulo e
Vagalume — atestando que Galdino e seu discípulo Mário Álvares formaram uma
espécie de “escola de cavaquinho” que seria passada para outras gerações. Embora
não tenhamos como saber maiores detalhes sobre o método de ensino de Galdino,
temos um forte indício de que sua “escola” teve reflexos até a segunda metade do
século XX, influenciando um dos mais importantes cavaquinhistas do período que
vai de 1930 até 1970 aproximadamente: Waldiro Tramontano, conhecido como
Canhoto do Cavaquinho. (Aragão, 2011:222)

O autor utiliza então o documento presente no acervo de Canhoto para comprovar que
essa “escola” iniciada com Galdino tem forte ligação com Canhoto e sua prática que perdura
até a década de 1970.

A ligação entre Galdino e Canhoto é encontrada em um documento preservado em


uma espécie de álbum que este último mantinha (e que hoje se encontra em poder de
sua família) com recortes de jornal da época com “matérias” sobre o Regional do
Canhoto. Na primeira página do álbum há uma espécie de biografia de Galdino
Barreto, laborada por um certo Heitor Ribeiro, sobre quem não temos maiores
informações. (id., 2011:223).

Apesar de clara a formação de uma escola/linguagem por meio desses dois


cavaquinistas, não se conhece até o momento, gravações que possam ser utilizadas em uma
análise mais detalhada. Dos mais antigos o único que possui gravações é Nelson Alves,
tornando-se o único elo entre Canhoto e a escola antiga.
O cavaquinista atuou em muitas gravações desde o início do século XX como solista 32
e como acompanhador. Como centrista gravou com o Grupo dos Fulanos, formação que
atuou até o final da década de 1920 e que contava com músicos como Donga (violão),
Augusto Calheiros (cantor), Antônio Maria Passos (flauta), Leopoldo Magalhães (não
encontramos mais dados biográficos) e Arthur do Nascimento (o Tute do violão). Integrou Os
Oito Batutas entre 1919 e 1928, grupo do qual é um dos fundadores, junto com Pixinguinha
(flauta); Donga (violão-baixo); Otávio da Rocha Vianna, o China (violão e canto); os irmãos
Raul (violão) e Jacó Palmieri (pandeiro); José Alves de Lima, o Zezé (bandolim e ganzá);
33
Luís de Oliveira (bandola e reco-reco) (Vasconcelos, 1984). Também fez parte do Grupo

32
Ficou calmo e Não pode ser (Victor – 33.205: 1929); Nem ela nem eu (Brunswick – 10.067: 1930); Eu vi você e
Não tem dúvida (Parlophon – 13.084: 1929).
33
Autores como Sergio Cabral e Henrique Cazes identificam formações com apenas sete integrantes. Cazes
aponta Luís Pinto da Silva como integrante do grupo na bandola e reco-reco (1998, 54) e Cabral fornece duas
formações diferentes: uma no texto corrido e outra na legenda de uma foto do grupo. (Cabral, 1997: 51; 54)
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Carioca entre 1915 e 1921 (que tinha como solista Candido Pereira da Silva, o Candinho do
Trombone) e do Grupo Chiquinha Gonzaga entre 1908 e 1915. Como compositor é autor de
peças clássicas do reportório de choro como Mistura e manda, Serpentina e Nem ela nem eu,
algumas delas gravadas pelo Regional do Canhoto.
Para caracterização da escola antiga, realizamos audições de músicas gravadas por
Alves onde ele aparece como acompanhador (Os Oito Batutas, por exemplo). Em algumas
dessas gravações pudemos identificar uma das características fundamentais do estilo dessa
escola de cavaco-centro: a adaptação de uma célula rítmica padrão ao gênero executado. Bem
verdade que em algumas gravações o cavaquinho apresenta um som similar ao do banjo – um
som mais curto (pouco sustain) e com mais harmônicos – deixando a sonoridade entre os
instrumentos do acompanhamento um pouco ‘embolada’, confusa. A sonoridade se
justificaria por questões tecnológicas como o tipo de corda que era utilizado pelo instrumento,
mas não conseguimos maiores informações sobre o assunto. Acreditamos que o estilo de
Canhoto começa a configurar-se a partir do momento em que elementos oriundos de seu
aprendizado e vivência musical serão interpretados/assimilados, e manifestos a partir de seu
entendimento pessoal da ordem sonora do choro.
A partir do conceito de Blacking, exposto anteriormente, observa-se a importância do
contexto sociocultural para o choro no início do século XX no que tange ao compartilhamento
de uma tradição musical assim como o seu desenvolvimento. O período corresponde ao
aprendizado de Canhoto, onde o músico adquire o conhecimento relativo à ordem sonora
(estilo, função) do cavaco-centro bem como uma ‘bagagem musical’ relacionada ao gênero
que será base de sua prática. Ao assumir a condição de músico profissional no início da
década de 1930, Waldiro já apresenta em seu estilo de acompanhamento uma perspectiva
própria/inovadora em relação ao período com elementos padrões (no período) e
principalmente inovações rítmicas. Mas como eram os processos transmissão musicais no
período de aprendizado de Canhoto?
Sobre os aspectos de aprendizado e transmissão musical no choro, começaremos
ponderando as colocações de Aragão (2011) em relação ambiente musical do choro na virada
do século XI e XX através de seu objeto de estudo o livro O Choro – um dos principais
relatos feitos no período. O autor inicia o quarto capítulo de sua tese fazendo uma revisão de
trabalhos anteriores que se ocuparam em discutir a questão da transmissão musical.
Em estudo sobre a transmissão escrita e não escrita, o musicólogo norte-americano
Leo Treitler (1992) conclui que a dicotomia entre os dois processos não é sustentável na
prática já que, isoladamente, os dois teriam elementos, aspectos questionáveis. O
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reducionismo de vários aspectos do fazer musical a um objeto concreto (partitura) e a


transmissão de uma práxis musical a partir da memória, tendo como principal fonte a
performance, seriam alguns destes aspectos. O etnomusicólogo Bruno Nettl (1983) referencia
suas percepções em estudos anteriores como os de Charles Seeger e Curt Sachs, produzidos
na década de 1950. Segundo Aragão, Sachs acreditava que a transmissão cultural de um modo
geral teria que passar essencialmente por quatro instâncias: oral, escrita, impressa e gravada.
As quatro estariam presentes em todas as culturas a partir da segunda metade do século XX,
sempre mantendo uma relação de interdependência entre si (Aragão, 2011:202). Se
observarmos o contexto do choro estes processos vão agregando-se com o passar dos anos. Os
relatos sobre o choro mostram que na virada do século XIX para o XX as principais formas de
transmissão eram a oral (rodas de choro, mestre-discípulo) e escrita, cada um tendo
importância em processos específicos (ensino de instrumentos) e gerais (conhecimento sobre
a cultura do choro).
O autor também observa que Nettl questiona a transmissão musical quando associada
à ideia de “peças” musicais, pois agrega um reducionismo ao complexo fazer musical a algo
como um objeto concreto, uma obra. Especificamente falando, sabemos que uma “peça” é
formada por várias “partes” menores que o autor chama de “unidades” (motivos melódicos e
rítmicos, acordes, progressões harmônicas, cadências). Ao constatar a presença destas
‘unidades’ em várias obras de um gênero, poderíamos identificar uma linguagem, um
vocabulário, ou até mesmo a ordem sonora e teríamos, assim, a possibilidade de observar na
transmissão a capacidade de manutenção e combinação desses elementos menores em uma
peça musical. Aplicando ao contexto do choro cada uma dessas “unidades” estaria relacionada
a uma prática instrumental – que exerce uma função dentro de uma formação instrumental – e
a um processo de transmissão musical usual, tendo em todos os processos a transmissão de
um conhecimento global do gênero.
As principais formas de transmissão utilizadas no período pelos instrumentos de
acompanhamento (violão e cavaquinho) adotam processos de transmissão baseados na
oralidade como na relação mestre-discípulo e na observação de performances nas rodas de
choro. O fato destes instrumentistas não saberem ler música, em sua maioria, além da
impossibilidade de grafar certos aspectos do acompanhamento contribuíram para a
disseminação desses “métodos” que posteriormente ganharam outras possibilidades como
cifras (na música impressa e escrita) e as gravações. No âmbito de seu estudo, Aragão afirma
que:
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75

[...] parece ter sido senso comum entre os chorões da segunda metade do século XX
que o choro se aprende prioritariamente através da observação direta e da tradição
oral — e mesmo quando o aprendizado se dava através da partitura, esta deveria ser
apenas um suporte para a memorização da estrutura básica da música, a ser
“completado” por outros aspectos não escritos como “colorido”, “improvisação” etc.
Desta forma, o “bom chorão” prescindiria do registro escrito, pelo menos em seu
lugar de práxis, a roda do choro. (Aragão, 2011:203)

A mesma importância deve ser dada ao registro escrito, que contribuiu em vários
aspectos para o choro conforme o autor segue demonstrando através dos verbetes de
Gonçalves Pinto. Concordamos com a conclusão do autor de que a partitura não abrangia (e
ainda não abrange) o complexo fazer musical em todos os seus aspectos (id, 2011:205; 206).
Elemento essencial para nossas reflexões, Aragão (2011) comenta sobre o fato de o
acompanhamento rítmico-harmônico raramente estar escrito. O uso de cifras ou alguma outra
forma de notação referente a aspectos interpretativos era quase que inexistente no inicio do
século XX, só tendo surgido décadas depois através do sistema antigo de cifragem (como
vimos anteriormente). O autor ainda ressalta a importância do registro escrito para a
manutenção de aspectos como forma, melodia além de uma característica identitária de
instrumentos solistas e, principalmente, dos violões no contexto do choro: os contrapontos.
Essa marca estilística tornou-se tão importante para o gênero que hoje, algumas dessas
‘frases’ são chamadas de “baixaria de obrigação”. Com o passar dos anos temos também as
performances nas gravações exercendo a função de registro e transmissão desse material
sonoro.
Nesse caso diríamos que na virada do século XIX para o XX, ‘unidades’ como
melodia e forma eram resguardadas pelas partituras, esta sendo fonte primária para os que
sabiam ler música (pianistas, flautistas e outros solistas). Já aspectos do acompanhamento
rítmico-harmônico, como as levadas e fórmulas harmônicas, eram transmitidos através da
oralidade. A troca dessas informações acontecia através de interações sociais como a roda de
choro – prática conjunta onde os músicos utilizavam todo seu conhecimento adquirido
previamente para execução do repertório.
Alguns dos músicos mais experientes, que tinham uma compreensão geral das práticas
musicais comuns ao gênero (melódicas e harmônicas), costumavam exercer também uma
função didática, transmitindo seus conhecimentos a músicos iniciantes no meio chorão. Em
depoimento à Zaremba (1978) já citado, vimos como Canhoto descreveu seu aprendizado
quando criança: pautado em posições (desenhos de acordes) que um “professor” (Galdino
Cavaquinho) o transmitiu. Nesse sentido o verbete sobre o flautista Videira, citado por Aragão
de forma segmentada é extremamente ilustrativo:
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76

[...] Daquele dia em diante, comecei a procurar Videira, não só em sua casa como
em uma charutaria na rua do Ouvidor, onde ele trabalhava como cigarreiro.
Andando sempre com ele principiei a tocar violão e cavaquinho, pois ele os
conhecia regularmente, e tornando-me desta forma um violão e cavaquinho
respeitado na roda dos tocadores batutas (...) tornando-me um bamba nos dois
instrumentos de cordas de que fiz uso por muitos anos (Pinto, 1935:32)

Segundo Gonçalves Pinto (1935), o flautista tinha conhecimento dos vários aspectos
musicais do choro e mesmo sem ler partituras detinha tal conhecimento devido a prática
intensa daquele vocabulário. A partir da década de 1950, ao processo de transmissão da
ordem sonora referente aos instrumentos de acompanhamento será agregado o processo aural
de escuta crítica das gravações, conforme havia sido previsto por Sachs em seus estudos.
Porém vale ressaltar que mesmo com uma possibilidade “mais acessível” (no caso a escuta
das gravações) a roda de choro e o contato com músicos tarimbados são essenciais na
formação do musico nesse contexto até os dias de hoje. Exemplo disso é a Escola Portátil de
Música (EPM) – certamente, umas das maiores escolas de música do país que utiliza a
linguagem do choro como suporte didático – que foi criada com esse intuito.
Luciana Rabello, uma das idealizadoras da escola e apontada como a grande herdeira
da escola de Canhoto, narra em entrevista um pouco do seu processo de aprendizado que
gravitava entre a prática nas rodas de choro, audição de gravações e a frequência às aulas de
violão do irmão – o violonista Raphael Rabello.

Em 1975, conhecemos o conjunto recém-formado, o Galo Preto. Raphael tinha 12


anos e eu 14. Ficamos amigos e começamos a frequentar as rodas de choro da casa
do Afonso Machado -- bandolinista e líder do grupo. Eu ia tocando violão, não
tocava cavaquinho ainda. Raphael conheceu o Déo Rian, bandolim do Época de
Ouro, que ficou impressionado com ele e mandou que ele fosse ser aluno do Meira,
o grande mestre do violão que tocou no Regional do Canhoto e foi mestre do Baden
Powell. Além das aulas do Meira, eu e meu irmão passávamos horas tocando com os
discos de choro, imitando e aprendendo com as gravações dos mestres, sobretudo do
Regional do Canhoto e do Jacob do Bandolim. 34

Meira me dava um cavaquinho com cordas de nylon para que o som metálico das
cordas de aço não encobrisse o solo de violão. O que ele queria mesmo era que eu
mudasse de instrumento. Me ensinou a solar no violão, meu primeiro instrumento, o
choro Magoado, do Dilermando Reis. Tocávamos muito e o mestre ia “aparando as
arestas”, ensinando os caminhos, ampliando os horizontes. As aulas duravam tardes
inteiras e tinha muito papo, ouvíamos histórias que nos traziam ensinamentos ainda

34
Esta entrevista foi concedida para um artigo sobre a Acari Records (gravadora criada por Luciana e pelo
violonista Mauricio Carrilho) que saiu em inglês na revista norte-americana Brazzil (2000).
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mais importantes. Começávamos a entender que tocar implicava muito mais do que
dominar a técnica de um instrumento 35.

Pelo que se sabe, Meira não era cavaquinista, mas assim como o flautista Videira tinha
conhecimentos maiores que levavam Luciana e Raphael a “entender que tocar implicava
muito mais do que dominar a técnica de um instrumento”. Também destacamos no discurso à
valorização dos baluartes do choro por parte da “comunidade” (no caso os chorões) como, por
exemplo, Meira “o grande mestre do violão”, sugerindo que o próprio gênero cria lideranças,
referências para os iniciantes. O depoimento ainda nos fornece detalhes do funcionamento das
aulas: a base de muita prática com Meira “aparando as arestas”. A expressão certamente
refere-se ao fato do violonista cuidar de alguns pormenores que eventualmente apresentava-se
na prática dos garotos. Em outro momento, Luciana também ressalta a importância da roda de
choro para o seu desenvolvimento musical. O assunto já foi objeto de um estudo particular 36
devido à riqueza da discussão e constância do ambiente, em todos os momentos da história do
choro, como o principal espaço de aprendizado cultural e interação (musical e social). Ao
recordar sua iniciação no choro, a cavaquinista revela à ida as rodas em um bairro do subúrbio
do Rio de Janeiro junto com o irmão.

Sem ter ainda essa noção sistematizada sobre o gênero, eu e meu irmão Raphael
Rabello começamos no choro muito cedo e de forma absolutamente apaixonada.
Todas as manhãs de domingo pegávamos o ônibus 498 – Cosme Velho/Penha, que
ligava a nossa casa a casa de Joel Nascimento. Íamos rumo às rodas de choro do
minúsculo bar Santa Terezinha, na Rua Francisco Enes, bem perto da casa do
bandolinista. A roda começava por volta das 10 horas, antes do almoço domingueiro
do subúrbio. Encontrávamos ali Joel, Joir (seu irmão violonista), Abel Ferreira, Zé
da Velha, Índio do Cavaquinho e outros chorões menos conhecidos, como Seu
Berredo, Motinha, Petrônio e Caciporé. As rodas sempre acabavam na casa do Abel
ou do Joel. Almoçávamos por lá e só voltávamos para casa bem tarde. Esses
encontros musicais no bar Santa Terezinha duraram mais ou menos dois anos, tempo
produtivo e inesquecível, quando aprendemos muito37.

Em relação ao nosso objeto de estudo, sabemos que Canhoto frequentou reuniões


musicais na infância, mas seu aprendizado inicial do cavaquinho foi através de um professor.
Certamente o contato com a escola antiga se deu através dessas reuniões e do contato com
Galdino Barreto. A literatura do período (Pinto, Vagalume, Barbosa, Catulo) também indica
Galdino e Álvares como os principais cavaquinistas na virada do século o que os colocaria em

35
Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela
Petrobras através da Lei Rouanet.
36
Ver Lara Filho, I. G.; Siva, G. T. da; Freire, R. D. (2011)
37
Idem
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uma posição de referência dentro do gênero fazendo com que músicos iniciantes os
observassem em especial, no intuito extrair características, procedimentos utilizados por eles
na tentativa de legitimar sua prática ou até mesmo de referenciá-la.
O período também é marcado por mudanças significativas nos padrões rítmicos do
samba que deixam de ser ‘maxixados’ para se tornarem mais sincopados. Tais mudanças tem
forte relação com os padrões de acompanhamento que eram utilizados pelo cavaquinho, como
vimos anteriormente. Canhoto assim teria seu processo de iniciação e aprendizado musical
situado anteriormente às mudanças, onde vigorava os padrões variantes do tresillo. Porém sua
palhetadas apresentam também características diferentes, mais próximas do que seria o
“samba batucado”. Nesse sentido indagamos se teriam as transformações no samba
influenciado a construção estilística de Canhoto.

2.3.2. Transformações rítmicas do samba e o legado de Canhoto

No final da década de 1920 e início da década de 1930 o samba passará por um


processo de mudança, em relação aos padrões rítmicos empregados nos acompanhamentos e
também nas composições. As transformações foram estudadas por Carlos Sandroni (2001)
que identifica dois ciclos de transformações: “um ciclo curto, que conduziu do estilo antigo ao
estilo novo, e um ciclo longo, que conduziu do paradigma do tresillo ao do Estácio [grifo do
autor]” (Sandroni, 2001:229). Na música brasileira do final do século XIX e início do século
XX são encontrados alguns padrões rítmicos que, de tão recorrentes foram denominados por
Mário de Andrade de “sincope característica”. Estes padrões rítmicos seriam variações ou
subdivisões de um ritmo identificado por musicólogos cubanos na música de seu país, o
tresillo, e que hoje no Brasil pode ser encontrado na tradição oral das “palmas que
acompanham o samba-de-roda baiano, o coco nordestino e o partido-alto carioca” (id.
1999:28). Se subdividido, o ritmo assimétrico apresenta-se como um dos ritmos de maior
destaque nos acompanhamentos de peças populares do período em questão.

Exemplos musicais 1: Tresillo. Sandroni (1999).


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Exemplos musicais 2: Síncope característica. Sandroni (1999)

Para o autor o paradigma do tresillo tem como principal característica a articulação na


quarta semicolcheia de um compasso binário distinguindo-se de padrões rítmicos alinhados
com a teoria musical clássica que tem sua articulação na quinta semicolcheia. Ao subdividir
os grupos ternários do tresillo, Sandroni identifica mais duas variações recorrentes na música
brasileira: o cinquillo – presente em padrões rítmicos executados pelo cavaquinho em choros
do inicio do século XX (id. 2001:29) – e o ritmo de habanera.

Exemplos musicais 3 e 4: Habanera e Cinquilo. Sandroni (1999).

O autor ainda comenta que gêneros como lundu, polca-lundu, cateretê, fado, chula,
tango, habanera maxixe e “todas as combinações destes nomes” quando indicados em
partituras nacionais do período, tinham o intuito de evocar o caráter sincopado da música
tipicamente brasileira. As formas de acompanhamento poderiam ser permutáveis, ou seja,
utilizadas com o mesmo propósito em mais de um gênero sem haver uma descaracterização
deste. De fato identificamos nas interpretações de Canhoto tal característica através do uso de
uma palhetada-base com naturais adaptações aos ritmos executados, sempre prezando pela
coesão sonora com a formação instrumental. Assim como observado em gravações de Nelson
Alves (Mione e Requebros da baianinha - Brunswick 10.065-a e 10.055) essa característica
marcante da escola antiga é continuada por Canhoto, porém com algumas inovações rítmicas
e melódicas. Chamamos atenção ainda que posteriormente a esse período, o samba com
características ‘amaxixadas’ será rotulado de “samba-maxixe” em oposição ao samba
moderno.
O outro paradigma seria o do Estácio, fazendo referência ao bairro do subúrbio carioca
onde surgiram tais mudanças por meio de Rubem Barcelos (1904 – 1927), Ismael Silva (1905
– 1978), Nilton Bastos (1899 – 1931), Bide (1902 – 1975), dentre outros. A sugestão inicial
seria na intenção de melhorar os desfiles carnavalescos, conforme a necessidade declarada por
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Ismael Silva “de movimentar os braços para frente e para trás durante o desfile” (Cabral,
2004:34). Segundo Cabral, os sambas pioneiros pouco se diferenciavam do maxixe sendo, por
esse motivo, mais indicados a dança de salão. Ao assumir que esse grupo de compositores
representou uma transformação decisiva para o gênero, Sandroni opta por analisar as
gravações do “principal veículo da difusão em larga escala das primeiras composições de
Ismael Silva e seus amigos”: o cantor Francisco Alves (1898-1952) (Sandroni. 1999:187). A
escolha do autor se justifica pela dificuldade em analisar as gravações do período de 1927 a
1933, que compreende a ascensão e o apogeu dos sambas do Estácio, segundo o autor. A
maior parte das gravações desse período foi realizada por orquestras onde não era possível
escutar o violão – seu principal parâmetro analítico entre os estilos novo e antigo – e nem
elementos rítmicos como cavaquinho, piano ou os instrumentos de percussão. Em busca de
um novo parâmetro, o autor identifica na articulação silábica do cantor elementos
característicos do estilo novo (id. 1999:202).

Exemplo musical 5: Paradigma do Estácio. Sandroni (1999).

Exemplo musical 6: Paradigma do Estácio (variação). Sandroni (1999).

Em estudo recente Iuri Bittar (2011) analisou gravações de Meira, companheiro de


Canhoto nos regionais, no intuito de identificar elementos estilísticos nos acompanhamentos
do violonista. Um desses é a levada “teleco-teco” onde o violão faz referência aos
instrumentos de percussão através da execução de células rítmicas, tendo estas relações com o
paradigma do Estácio. Para Bittar, a levada parece ser uma “fusão entre elementos
tradicionais e ‘modernos’”, referindo aos ritmos presentes nos dois paradigmas. O autor ainda
sugere que, pelo fato de Meira estar em intensa atividade no período em que ocorrem as
transformações no samba parece natural o violonista mesclar ritmos em sua prática. Outra
referência citada Bittar sobre essa levada é a dissertação de Márcia Taborda (1995) sobre o
terceiro integrante do trio de acompanhamento do Canhoto e Seu Regional, Dino Sete Cordas.
Taborda se refere ao “violão-tamborim” como sendo uma batida criada por Dino Sete Cordas
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e utilizada no acompanhamento de sambas daquele momento em diante (gravações com o


Conjunto Regional de Benedito Lacerda).

Levadas e palhetadas 1: Violão tamborim. Fonte Márcia Taborda (1996)

Levadas e palhetadas 2: Levada "teleco-teco". Fonte Iuri Bittar (2011)

Na transcrição apresentada por Taborda (1996) o ritmo do paradigma do Estácio não é


utilizado na integra, como na levada “teleco-teco”. Ao texto de Bittar, segue um trecho de
uma entrevista com Jorginho do Pandeiro – também companheiros de regional na década de
1960, além de um dos grandes ícones do gênero ainda vivo. A entrevista apresenta detalhes
importantes sobre as levadas dos três instrumentistas e, por esse motivo, fazemos questão de
citá-la na integra.

Você diz a batucada? Eu vou te contar. O Dino, quando começou a gravar, tinha o
Risadinha, que fazia no pandeiro a mesma batida que eu faço. E o Dino começou a
fazer essa batida no violão, talvez seja isso que chamam de raspadeira [levada
telecoteco] (…) E tem uns sambas antigos que o Dino crava essa batucada, e o
Canhoto e o Meira fazem também. Por isso que o conjunto tinha aquela
personalidade. Você ouvia de longe e já sabia que era Dino, Canhoto e Meira
(Entrevista com Jorginho do Pandeiro, apud Bittar, 2011).

Chamamos atenção para o fato de Jorginho creditar a criação da levada à Dino e sua
fixação na música brasileira a da atuação do trio Dino-Meira-Canhoto. Concordamos em parte
com a afirmação de Jorginho em relação à execução do ritmo por Canhoto, pois em nossas
análises podemos observar que o cavaquinho não utiliza nas levadas todo motivo rítmico
apresentado nos paradigmas como fazem os violões, por exemplo. Canhoto opta por diluí-lo
de modo a integrar à sonoridade geral do trio, como podemos observar no exemplo
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comparativo entre as transcrições rítmicas de violão e cavaquinho na música Amanha eu volto


(Columbia 55.343-a) realizadas por Bittar (2011) e por este autor, respectivamente. Vejamos.

Levadas e palhetadas 3: Acompanhamento de violão e cavaquinho na música Amanhã eu


volto. Fonte Iuri Bittar (2011) e autoria própria

No pentagrama superior está o padrão rítmico da levada “teleco-teco” executada pelo


violão e no inferior a levada do cavaquinho de Canhoto. Chamamos atenção para a presença
integral do paradigma do Estácio na região aguda da levada do violão e para a célula rítmica
padrão nos acompanhamentos de choro de Canhoto, que ocorre no segundo tempo do
primeiro compasso e no primeiro tempo do segundo. Nesse caso a palhetada do cavaquinho
mescla células rítmicas da síncope característica dos acompanhamentos do cinquillo e células
do paradigma do Estácio. Identificamos na gravação de Visite o terreiro (Ary Lobo, 1958) em
que Canhoto utiliza um ritmo muito parecido com o executado no violão “teleco-teco”, sem,
obviamente a parte dos graves.

Levadas e palhetadas 4 – Palhetada do cavaquinho em Visite o terreiro,


Ary Lobo. Transcrição do autor

A análise mais técnica das gravações de Canhoto será assunto do terceiro capítulo,
porém concluímos previamente que o estilo de Canhoto sofre influências naturais de ambos os
paradigmas: dos ritmos ligados ao paradigma do tresillo bem como das mudanças rítmicas do
samba através do Estácio. Como podemos observar seu período de iniciação e aprendizado
musical estão relacionados com a escola antiga do cavaquinho (Galdino, Álvares e Alves) e,
consequentemente, com ritmos variantes do paradigma do tresillo, como o cinquillo. O
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músico também vivenciou as mudanças rítmicas do Estácio através da atuação nos regionais:
primeiramente com Benedito Lacerda, Bide e Russo do Pandeiro – todos estes envolvidos
com as mudanças e moradores do bairro onde surgiram as transformações – e posteriormente
com Dino e Meira, também participantes de todos os grupos que Canhoto participou. O ciclo
de influências ainda se torna maior quando observamos a quantidade de gravações de samba
na década de 1930, período em que ocorrem as mudanças. A gradativa participação de
músicos ligados ao bairro do Estácio nas gravações – que eram realizadas pelos chorões –
também dá margem para a abertura de outro canal de interação entre os paradigmas, fazendo
com que as características inovadoras fossem assimiladas pelos músicos acostumados com o
padrão da época. Gravações, aliás, que tem grande relevância para consolidação da
sonoridade do trio assim como para os estilos individuais dos músicos em questão, além de
contribuírem para a divulgação destas práticas por diversas gerações transformando-os em
referência no contexto da música brasileira, principalmente para o choro.
A transformação de um estilo individual em referência para um gênero popular,
certamente, envolve muitas variáveis. Ao analisar a trajetória musical de Canhoto pudemos
identificar alguns pontos que podem ter contribuído para que o músico alcançasse a condição
de pilar central do cavaco-centro na música brasileira. Acima de tudo é indiscutível a
qualidade e excelência de Canhoto no ato de acompanhar, dentro do contexto do regional,
uma grande diversidade de ritmos, sendo alguns não tão comuns para o instrumento. Com
Waldiro o cavaquinho abandona sua função quase que exclusiva de manutenção rítmica -
observada nos relatos da virada dos séculos XIX e XX e nas primeiras gravações dos ternos
de choro - e passa a ter maiores possibilidades de interação com os outros instrumentos da
formação (contrapontos rítmicos e duetos). Veremos que seu modo de palhetar (palhetada
alternada) deu um sotaque único ao seu estilo transformando-se em marca estilística, que o
acompanhará ao longo de toda trajetória artística e é peça chave para sua identificação nas
inúmeras gravações que a realizou. A visibilidade e difusão proporcionadas pelas gravações
de música popular também é relevante pelo fato destas terem se transformado ao longo dos
anos no primeiro espaço de contato entre os chorões consagrados e músicos iniciantes no
choro. Canhoto atuou por mais de quarenta anos, gravando diariamente com grandes artistas
nacionais cujas canções passaram a fazer parte do repertório clássico da música popular.
A versatilidade apresentada nos discos de estilos diferentes (algumas onde a presença
de um cavaquinho seria improvável) também pode ser um dos motivos a se considerar, além
da sempre comentada precisão rítmica de sua execução e integração sonora com os outros
instrumentos da formação. Foi possível encontrar no levantamento inicial das gravações
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choros, baiões, polcas, maxixes, valsas, batucadas, toadas, emboladas, marchas, samba-
canção, jongo, coco, rumba, mazurca, foxtrote, rancheira, cena africana, fandango, entre
outros (Santos et al, 1982). Certamente muitas destas designações de gêneros são referentes
ao período histórico, não sendo ideal compará-las às definições que temos na atualidade.
Vimos que a construção de um gênero musical é um processo complexo onde os estilos
agregaram-se sob uma única denominação (ou não) ao longo da história não sendo possível
atingir uma precisão com relação ao assunto. Todavia, podemos considerar que tais
designações sofriam influência do crescente comércio musical, onde as composições podiam
ter designação de acordo com o prestígio do gênero frente ao crescente mercado de discos e
partituras ou, até mesmo, com a intenção do compositor em torná-las diferente das demais.
Outro ponto importante para a discussão é a compreensão, por parte do músico, da
funcionalidade de cada instrumento dentro da formação (principalmente em relação ao trio de
base ou de acompanhamento). Com palhetada discreta e funcional, Canhoto possuía uma
capacidade de integração enorme com os violões, chegando a “sumir” e “reaparecer” através
das dinâmicas como contratempos e intervenções melódicas. O estilo também possibilita
interação sonora com todos os elementos que compõe a formação (melodia, harmonia e
ritmo).
A audição e análise das gravações, juntamente com as entrevistas com outros
cavaquinistas, nos sugerem que Canhoto prezava o ato de acompanhar os músicos, no sentido
de dar suporte harmônico a seus companheiros, complementando a sonoridade da formação,
dai a atuação em todas as “frentes” do conjunto: melodia, harmonia e ritmo. Isto faz com que
suas palhetadas não representem a execução integral de determinado gênero como vimos
anteriormente nas transcrições rítmicas dos violões. Segundo Luciana Rabello, o cavaquinista
Jonas (outra grande referência de cavaco-centro) buscava uma interação rítmica maior com a
melodia que desde a década de 1930, por influencia do samba, viria se transformando
ritmicamente. Talvez o fato de interagir, “jogar” (como diria Luciana) mais com as
proposições rítmicas e harmônicas dos companheiros de grupo ajudasse Canhoto no sentido
de utilizar palhetadas que não tivessem apenas as células rítmicas características de gênero x
ou y como base, mas que também fossem importantes para a coesão sonora do grupo. Acima
de tudo, Waldiro compreendia a polifonia do regional de maneira a adaptar-se a qualquer
gênero que fosse executado.
O próximo capítulo está destinado às análises e mapeamento dos principais ritmos
gravados pelo músico sendo selecionadas as gravações mais ilustrativas em relação às
principais características do estilo. Além da caracterização e mapeamento, acreditamos que as
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análises podem servirão de subsídio teórico/técnico para o estudo de outros cavaquinistas,


abrindo mais um leque de possibilidades em suas práticas.
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Capítulo 3 – Análise técnica e caracterização estilística

3.1. Metodologia de análise

Estabelecidos os objetivos buscamos metodologias que nos auxiliassem na tarefa de


descrever e extrair das gravações elementos e características que ilustrem o estilo de Canhoto.
Sobre a análise de música popular gravada vimos algumas perspectivas nos trabalhos
publicados da professora Marta Ulhôa, dente elas a metodologia desenvolvida por Phillip
Tagg. Em A pesquisa e análise da música popular gravada (2006) Ulhôa chama a atenção
para a importância da escolha dos tópicos de análise já que as ferramentas analíticas
consagradas na musicologia “canônica” privilegiam parâmetros inadequados para música
popular. A partitura, por exemplo, utiliza um sistema de notação que detalha altura, ritmo,
instrumentação, porém não contempla aspectos como técnica instrumental, timbre, articulação
e expressão que de modo geral não aparecem na partitura, pois são transmitidos de forma oral.
Para autora um das exceções é a metodologia proposta por Tagg que “considera música tanto
nos seus aspectos sonoros como contextuais” (Tagg, 2006:06). Algumas aplicações da
metodologia de Tagg já foram vistas anteriormente nos trabalhos de Bittar (2011) e
Magalhães (2000).
A metodologia parte da perspectiva semiótica (considerada por ele como o estudo
sistemático dos signos sonoros) para propor conceitos que irão definir alguns processos de
significação relacionados com a construção de significado de algumas músicas. Os
significados encontrados são justificados pela conexão com outros significados de outras
músicas, pois para o autor a música tem sua própria lógica e que, pela dificuldade de explicá-
la através do discurso, necessita de um tipo de pensamento associativo (Ulhôa, 1999a). Assim
como é ressaltado por Magalhães (2000) em seu estudo, lembramos que o objetivo deste
tópico não é relacionar uma única música com várias outras, e sim agrupar vários elementos
interpretativos recolhidos na audição das gravações e realizar eventuais conexões com fontes
diversas, no intuito de definir algumas de suas características estilísticas.
Dentre os muitos conceitos propostos por Tagg, dois serão particularmente
importantes para neste trabalho. Segundo o autor “musemas” são fragmentos musicais,
unidades mínimas de significação sonora, podendo ser definidas como timbres, motivos
rítmicos e melódicos, convenções, levadas, cadências, texturas, dentre outras (Ulhôa, 1999a).
Normalmente os musemas não aparecem isolados, mas podem ser apresentados como excerto
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musical para uma análise especifica (como faremos no mapeamento rítmico), além de estarem
relacionados com características sonoras de um código musical do gênero ou, para Blacking,
uma ordem sonora. O processo de análise de Tagg é descrito por Magalhães (2000) como
sendo dividido em duas partes. Primeiramente uma análise comparativa entre as estruturas
musicais do objeto e outras estruturas oriundas do mesmo contexto musical – no caso de
Canhoto seria a comparação entre suas características e a de outros cavaquinistas importantes
como Jonas, por exemplo. Posteriormente uma segunda comparação entre estruturas do
objeto e o contexto social, letras, dentre outras – como fizemos no tópico anterior ao
relacionar as palhetadas com o ritmo do Estácio.
No intuito de apresentar organizadamente a ocorrência das palhetadas e outros
elementos estilísticos identificados nas audições, utilizaremos a ferramenta da partitura
gráfica. Nela teremos uma visão geral da música onde poderemos visualizar precisamente
onde estão localizados elementos importantes para a caracterização estilística, bem como a
palhetada-base e suas variações. A partitura gráfica, também chamada de grade musemática,
tem vários tipos de representação, porém sempre são mantidos parâmetros como a
minutagem, a forma e instrumentos. Neste caso utilizaremos a grade para mostrar a
recorrência de uma levada base e suas variações, além dos outros elementos estilísticos como
contrapontos, duetos e trêmulos. Outros conceitos como o de anafonia e sinédoques de gênero
não serão abordados 38.
Desta forma adotaremos os seguintes procedimentos para o mapeamento rítmico das
palhetadas de Canhoto. Escolhemos seis gêneros gravados pelo músico e para cada um deles
uma gravação ilustrativa do repertório registrado em disco (78rpm ou vinil).
Ao início de cada secção será apresentada a partitura gráfica das músicas analisadas,
com a indicação de minutagem e forma, além dos musemas e suas respectivas legendas. Esses
elementos estarão dispostos na partitura gráfica da seguinte forma: os musemas, principal
elemento da grade, serão representados por barras verticais coloridas dispostas
consecutivamente. O que determinará a quantidade de barras e sua cor serão os elementos
estilísticos utilizados pelo cavaquinho além da recorrência destes ao longo da música. Acima
das barras estará a indicação dos minutos onde se tem como referência a forma, mais
precisamente o fim de cada parte da música. Na parte inferior será informada a legenda dos
musemas indicados na representação gráfica. Vale lembrar que a maioria dos musemas
referem-se às ações rítmicas do cavaquinho, não deixando de serem indicadas as convenções

38
Para mais ver Tagg (2003), Ulhôa (1999a, 1999b, 2006).
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coletivas e frases individuais de violão, flauta, acordeom e percussão, importantes para a


estrutura formal da música. Em seguida serão comentados os musemas relacionados às
palhetadas e características estilísticas de Canhoto, através dos dois níveis citados da
“comparação entre objetos”. Para estudos posteriores as palhetadas serão transcritas para
notação tradicional com a indicação de algumas articulações importantes. Serão grafadas em
um pentagrama sem clave, já que as transcrições são na grande maioria rítmicas, em
compasso binário tendo a semicolcheia como unidade mínima – conforme a convenção
gráfica utilizada na transcrição de ritmos brasileiros.
Com relação as articulações, utilizamos modelos encontrados em experiências
empíricas na condição de professor e aluno de cavaquinho. Historicamente, o cavaquinho é
um instrumento que tem seu ensino/aprendizado pouco formalizado e poucas são as
padronizações, principalmente, no que diz respeito à grafia das palhetadas. Entramos em
contato com Henrique Cazes, professor de um dos primeiros bacharelados em cavaquinho do
país (Escola de Música da UFRJ), para sabermos da existência ou da utilização de algum
modelo, mas o tema ainda está sendo discutido por alunos e professores não havendo, ainda,
uma notação padrão. Assim, sugerimos o modelo de grafia utilizado pelo professor Jayme
Vignoli (EPM), para indicação da direção dos movimentos da mão direita na execução dos
ritmos. O professsor adota a mesma simbologia dos instrumentos de cordas friccionadas para
indicação do movimento do arco, chamados de arcadas, onde o primeiro símbolo representa o
movimento para baixo e o segundo para cima.

Levadas e palhetadas 5: Exemplo da grafia de direção dos movimentos da palhetada. Fonte


Jayme Vignoli (EPM)

A grafia de articulação utilizada nesse estudo foi pensada no caso específico de


Canhoto que utiliza-se de movimentos alternados em sua execução, onde movimentos de
39
“meia-palhetada” são rarissimamente utilizados. Lembramos também que a execução dos
movimentos de Waldiro é invertida, porém seu referencial de execução é de destro. Para
entendermos melhor a afirmação é preciso estar atento a dois parâmetros importantes: a

39
Recurso utilizado por cavaquinistas onde a palhetada só atinge as duas primeiras cordas do cavaquinho, ou
seja, as cordas mais graves.
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89

disposição das cordas e o modo de execução da parte rítmica. Tomando como referência o
instrumento de um destro, temos as cordas dispostas de cima para baixo indo do grave ao
agudo. Uma das primeiras lições de um aluno iniciante é aprender que o as palhetadas devem
sempre ser iniciadas no sentido grave > agudo, ou seja, de cima para baixo. Esta lição
configura o que chamamos de referencial de execução anteriormente. No caso de Canhoto, a
disposição das cordas é invertida, mas o referencial de execução é mantido, fazendo com que
a direção do movimento inicial também seja invertida. Assim, ouvir não revela sua
predisposição motora já que seu referencial de execução é mesmo de um destro. Portanto
sempre que utilizarmos a expressão “de cima para baixo” estamos nos referindo a sonoridade
do grave > agudo e não ao movimento executado por Canhoto.
Outra representação se dá na articulação de movimento em uma pausa, caracterizando
o recurso de abafamento – onde o som é interrompido pontualmente através da mão esquerda
do instrumentista que pressiona as cordas somente em um momento pré-determinado por uma
célula rítmica de um gênero especifico ou no intuído de ‘sincopar’ seus acompanhamentos. O
professor Henrique Cazes se refere ao artifício como ‘stacatto de dedo’ já que sonoramente o
resultado é bem parecido.

Levadas e palhetadas 6: Exemplo da grafia do stacatto de dedo. Autoria própria

O recurso é pouco utilizado por Canhoto, que utiliza mais frequentemente o


movimento alternado. Pudemos identificar o recurso nas interpretações de Jonas, que tem sua
execução um pouco mais seccionada sonoramente. A seguir, iniciaremos as análises.

3.2. Caracterização estilística e mapeamento rítmico das palhetadas

Assumimos o ponto de vista de que a escola antiga teria seus acompanhamentos mais
‘amaxixados’ e próximos ao ritmo do cinquillo – figura predominante nos acompanhamentos
de cavaquinho no início do século XX. A partir dos pontos observados acima pudemos
identificar a partir da audição de algumas gravações que Canhoto manteve algumas
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característica desta escola em sua prática, porém com inovações rítmicas e melódicas. Vimos
também que as formações utilizadas foram transformando-se ao longo dos anos assim como
as funções dos instrumentos. Nas primeiras formações, cabia ao cavaquinho o
acompanhamento harmônico e a manutenção rítmica, esta ficando mais flexível com a
inserção do pandeiro e de outros instrumentos de percussão na década de 1920/1930.
No âmbito harmônico destacamos o uso das fórmulas harmônicas: os acordes são
simplificados e há predominância de tríades, sendo a sétima menor utilizada somente nos
acordes de quinto grau (dominante). Os diminutos também são utilizados em tríades tendo a
fundamental ou a quinta dobrada, em certos casos. Acordes mais dissonantes tem rara
utilização, gerando uma harmonia sólida e funcional para melodia e contrapontos. Os acordes
meio-diminutos na função de segundo grau nos tons menores (iim7/b5) são pouco utilizados,
sendo mais comum o quarto grau (iv) do campo harmônico menor natural. Vimos no tópico
anterior que o uso das fórmulas harmônicas por parte dos cavaquinistas e violonistas era
natural devido estruturação formal das composições. As audições e outras informações
recolhidas nas entrevistas revelaram alguns elementos no centro de Canhoto que nos soam
diferente da sonoridade alcançada por outros cavaquinistas, sejam no âmbito da execução ou
na sonoridade do instrumento.
Pelas informações que obtivemos Canhoto tinha três cavaquinhos dos quais dois foram
fabricados pela Do Souto e outro era da marca paulista Del Vecchio dado de presente por Luiz
Gonzaga em 1950. O instrumento mais utilizado pelo músico era um dos Do Souto, sendo um
pouco mais fino do que o padrão utilizado em outros modelos da marca como o modelo
Waldir (7,5 cm), por exemplo. Segundo o cavaquinista Mauricio Verde, o luthier Silvestre,
responsável pela construção do instrumento, baseou-se nas medidas do primeiro cavaquinho
de Canhoto, perdido em um incêndio na Rádio Nacional. Mauricio que utilizou o instrumento
por alguns anos nos revela mais de sua sonoridade.

Ele gostava de usar cordas de violão, e palhetas de [casco de] tartaruga ou celulose,
dependendo do propósito. O instrumento tinha uma sonoridade inigualável,
simplesmente, um som todo por igual, levemente puxando pelo grave, por ser mais
fino que o modelo Waldir. A madeira era pinho sueco [no tampo], com jacarandá no
fundo e na escala. Um detalhe muito importante: esta sonoridade se dá por que o
instrumento tinha muitos anos e a madeira estava bastante curtida, além do tampo ter
sido lixado algumas vezes, talvez por motivos de arranhão ou para refazer o verniz.
Então o pinho estava muito fino, isto, dá uma sonoridade muito boa. (Depoimento
de Verde ao autor, 2014)
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O professor Cazes chama atenção para a relação desse modelo com o cavaquinho de
Lisboa que não possuía leques harmônicos 40, possibilitando a emissão de sons mais curtos e
ritmados, preferíveis para a função centrista. A junção desses elementos aliados às palhetadas
de Canhoto, além de uma grande integração sonora com os violões, a ponto de em certas
gravações não ser possível diferenciar o que exatamente o cavaquinho executa. Esta
característica é importante, em momentos onde era necessário ressaltar alguma passagem
contrapontística do violão ou até mesmo trechos da melodia principal. Assim como muitos
cavaquinistas mais antigos, Canhoto utilizava encordoamento para violão, porém não
sabemos ao certo o intuito de sua escolha. Equilíbrio da sonoridade? Conforto? Maior
durabilidade? Falta de encordoamentos específicos? Sabemos que as cordas para violão são
menos tensas que as especificas para os instrumentos, o que justificaria sua escolha em prol
de um equilíbrio sonoro. Porém acreditamos que a durabilidade era o fator que mais
influenciava no momento da escolha do encordoamento. Apesar das questões tecnológicas, o
grande diferencial de Canhoto está na execução da mão direita, ou seja, das palhetadas.
Outro cavaquinista influente para o cavaco-centro brasileiro foi Jonas Pereira da Silva,
que foi integrante do conjunto Época de Ouro liderado por Jacob do Bandolim. Luciana
Rabello nos contou em entrevista que o músico aprendeu a “centrar” com o próprio Jacob,
segundo depoimento do bandolinista ao Museu da Imagem e do Som (MIS). Jacob por sua
vez teria aprendido a fazer o acompanhamento com um cavaquinista chamado Carlos Gil, do
qual não temos maiores informações. Jonas era solista e foi ensinado por Jacob a fazer centro.
No disco Vibrações lançado em 1967 (RCA Victor BBL 1383) há na contracapa uma breve
apresentação dos músicos feita pelo próprio Jacob. Sobre Jonas ele diz:

Jonas Pereira da Silva (n. 11/4/1934, Estado do Rio) é funcionário público em


Niterói. Ótimo solista de cavaquinho, meu “centro” ideal, não toca “atravessado” e
adapta, a cada número, palhetada adequada. Tudo isso ostentando linda mecha
branca nos cabelos. (Jacob do Bandolim Apud Cazes, 1998).

Segundo Jacob o estilo de Jonas não teria padrões rítmicos intercambiáveis (para
utilizar o termo de Sandroni, 2001) - ou seja, uma célula base como encontramos nos
acompanhamentos de Canhoto - adaptando a cada música levada diferente. Jacob, como
vimos, chegou a gravar com Canhoto na década de 1950 e pelo depoimento supõe-se que o
40
Pequenas peças de madeira localizadas na parte interior do tampo do instrumento com duas finalidades:
estruturais (quando colocadas transversalmente à fibra da madeira) e ressonância (quando colocadas no
mesmo sentido da fibra). No caso do cavaquinho, que tem um tampo pequeno, os leques tem dupla função
tendo somente duas possibilidades de construção: três ou cinco barras.
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estilo de Jonas o agradava mais do que o de Canhoto. Em uma gravação ilustrativa da atuação
Jonas – a música Avenida Fechada de Elton Medeiros (gravada em 1973 pela Odeon –
SMOFB 3820) – pudemos associar sua palhetada ao ritmo executado pelo tamborim, sendo
estes os únicos dois instrumentos tocados na introdução da música. As variações da palhetada
de Jonas durante a música são várias, porém chamamos a atenção para a sonoridade alcançada
que parece ser mais seccionada. Identificamos a utilização de recurso de abafamento (stacatto
de dedo), onde a mão esquerda deixa de apertar as cordas em alguns pontos específicos
fazendo com que o som seja cortado eventualmente.

Levadas e palhetadas 7: Palhetada Jonas na introdução de Avenida fechada. Transcrição do autor

Levadas e palhetadas 8: Palhetada Jonas (variações). Transcrição do autor

Também encontramos elementos comuns aos dois estilos ao longo desta gravação
como uso da ‘volta’ e algumas das células rítmicas típicas do samba derivado do Estácio que
também veremos a seguir no mapeamento das palhetadas de Canhoto. Sobretudo, é difícil nos
posicionarmos com relação à concepção estilística por parte dos músicos devido à
impossibilidade do contato direto. Tentamos amenizar ao máximo este impedimento através
de entrevistas (algumas já citadas ao longo do texto) com músicos que identificam e
compreendem os estilos de centro citados, principalmente o de Canhoto. Mais uma vez
recorremos às riquíssimas informações de Luciana Rabello, grande representante da escola de
Canhoto na atualidade, que compartilha em entrevista sua visão do estilo do instrumentista,
comparando-a com a escola de Jonas.

Imagine uma engrenagem onde cada peça tem sua função. É assim dentro de
conjunto de choro. Não especificamente a mesma função o tempo todo, pois isso
seria previsível demais. Quando observamos a maior dificuldade é entender esse
jogo: em que momento você “deixa de jogar” com a melodia e passa a jogar mais
com a parte rítmica... Em que momento você esta jogando com a parte rítmica e
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mais com a parte harmônica... É um jogo que não tem regra, mas deve-se estar
extremamente atento nesse contexto. Resumidamente, Canhoto e Jonas jogavam de
forma diferente. Se tivesse que diferencia-los diria que Canhoto jogava mais com os
violões (seis e sete cordas) e Jonas jogava mais com a melodia. Se tivesse que fazer
uma definição, assim mesmo ela não seria precisa. [...] Então diria que Jonas tinha
um ritmo mais explicito, uma divisão mais próxima do que a melodia estava
propondo, e o Canhoto jogasse mais com que o acompanhamento estava propondo.
(Depoimento de Luciana Rabelo ao autor, 2014)

Entendemos o dito “jogo” como os momentos de interação musical entre os músicos.


Luciana ressalta a imprecisão no momento de tentar diferenciá-los, mas afirma que Jonas
“jogava” mais com a melodia pelo fato de anteriormente ter sido solista. Luciana lembra ainda
que não é possível polarizar “Canhoto X Jonas / Jonas X Canhoto” em relação aos seus
elementos estilísticos característicos, pois é possível encontrá-los nas duas práticas.
Compartilhamos, em parte, da visão da cavaquinista, mas vemos uma clara diferenciação
entre ambos: a frequência com que cada músico imprime em suas performances determinado
padrão rítmico. Canhoto, por exemplo, por ter uma palhetada-base repetiria mais vezes
determinado padrão do que Jonas. Na sequência veremos através das análises como se
apresentam as interpretações de Canhoto.

3.2.1. Choro

Partitura gráfica 1: Cuidado, Violão


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Partitura gráfica 2: Doce de coco

O choro, junto com o samba, está no topo da lista dos gêneros mais gravados por
Canhoto. Por esse motivo muitas características importantes para caracterização de seu estilo
vão surgir nessas interpretações. Para esta secção escolhemos duas músicas bastante
representativas do repertório de choro: Cuidado violão, musica de José Toledo gravada em
1952 (RCA Victor 80-0888-a) e Doce de coco, gravada por Jacob do Bandolim em 1951
(RCA Victor – 80-0745-b). Nelas podemos observar um misto de modernidade e tradição, já
que são choros em duas partes (fugindo as características do rondó) e onde ocorrem muitas
convenções rítmicas e frases contrapontísticas dos violões (seis e sete cordas). Além da levada
de choro, outros musemas importantes encontrados nas duas músicas são: palhetada alternada,
contrapontos, duetos, trêmulos e convenções.
A grade de Cuidado, Violão apresenta em um de seus primeiros musemas a levada de
choro. As audições nos revelaram duas formas de acompanhamento de choro como sendo as
mais importantes utilizadas pelo músico. A primeira forma, e mais recorrente, caracteriza-se
pelo uso de uma estrutura rítmica básica que tem sua articulação na segunda semicolcheia de
cada tempo dentro de um compasso binário (2/4). Célula semelhante é encontrada no primeiro
tempo da ‘sincope característica’ (semicolcheia, colcheia, semicolcheia), diferenciando-se
pela não articulação do tempo forte.

Levadas e palhetadas 9: Palhetada de choro – Doce de Coco. Transcrição do autor


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A mesma célula pode ser encontrada em levadas de choro atualmente, muitas vezes lembrada
como uma referência ao tradicional. Contudo, um detalhe nos chama a atenção. Se
considerarmos a volta da palhetada para região grave como uma semicolcheia, teremos um
movimento que pode ser a continuação da primeira articulação, uma pausa ou ainda um
movimento articulado na direção dos graves. Segundo o professor de cavaquinho da Escola
Portátil de Música (EPM) Jayme Vignoli essa “volta” deve ser “displicente e incidental”, ou
seja, não deve ser considerada de fato uma articulação e sim algo casual, situacional. Porém
no caso de Canhoto esse movimento é bastante utilizado, imprimindo a sua sonoridade um
sotaque peculiar. Portanto a presença desse movimento articulado do agudo para o grave
caracterizará o que chamaremos de “palhetada alternada”. Apesar desse elemento aparecer
com frequência em quase todas as palhetadas utilizadas pelo músico, podemos percebê-la
mais claramente na parte B do Doce de Coco. Sem dúvida esse é um dos principais elementos
sonoros que auxilia no reconhecimento do músico em gravações onde não há fichas técnicas
disponíveis.

Levadas e palhetadas 10: palhetada alternada. Autoria própria

O movimento é utilizado também na palhetada utilizada no choro Uma noite no


Sumaré (Esmeraldino Salles – Disco Noites brasileiras, 1958), onde Canhoto utiliza-se do
movimento alternado para imprimir um acompanhamento mais “completo” no momento em
que há uma passagem contrapontística de um dos violões.

Levadas e palhetadas 11: Choro 2 – Utilização da palhetada alternada – Uma noite no Sumaré.
Transcrição do autor

Não estamos atribuindo aqui a Canhoto criação do movimento ou a propagação deste


através da sua figura, pois é justamente o contrário. A boa norma do cavaquinho sempre
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sugere que iniciemos a execução das levadas dos graves em direção aos agudos, como
ressaltava o professor Jayme em suas aulas. Só chamamos atenção para a recorrência desde
movimento alternado na prática de Canhoto com relação a de outros cavaquinistas. O fato de
haver um movimento alternado não significa que a execução torna-se cíclica ou repetitiva,
pois há momentos de variação. O músico procura usar essas levadas como um ponto de apoio,
certamente prevendo momentos de grandes variações (como os contrapontos) onde
normalmente retoma uma palhetada segura sem comprometer o ritmo do grupo. O movimento
é encontrado nas gravações do Conjunto Regional de Benedito Lacerda, em Canhoto e seu
Regional, além de gravações com cantores ligados a gêneros nordestinos como Gordurinha,
Ary Lobo e Luiz Gonzaga, onde a formação instrumental varia um pouco em relação ao
regional tradicional. Nestas gravações é possível perceber a utilização de outros instrumentos
de percussão como a zabumba, triângulo e o agogô – cada um executando funções rítmicas
específicas. No caso do Gente do Morro a identificação desse elemento estilístico é mais
difícil devido à qualidade das gravações.
A análise do repertório de choro gravado pelo músico revela que a palhetada utilizada
no Doce de coco se configura como uma levada base utilizada por Canhoto em seus
acompanhamentos, fato que é confirmado nas grades apresentadas anteriormente. Uma síntese
de antigas e novas atribuições do cavaco-centro a partir da incorporação de um elemento
especificamente rítmico a prática já existente: uma dicotomia entre manutenção e quebra
rítmica através dos contrapontos. Ao comentar a opinião de Jacob do Bandolim sobre a
maneira como os regionais realizavam os acompanhamentos, Becker (1996) aponta o que
seria, para ele, a “a marca registrada” do estilo de Canhoto, o contraponto rítmico.

[...] Jabob chegou certa vez a afirmar que era o único regional que se propunha a
ensaiar seriamente e que por isso davam uma visão mais organizada aos seus
acompanhamentos. Com certeza Jacob estava referindo-se as terças nas baixarias,
realizadas por Dino e Meira, ou ao centro de cavaquinho de Canhoto, que tinha
como marca registrada contrapor ritmicamente tercinas com semicolcheias.
Realmente esses dois aspectos tratavam-se de características marcantes do grupo de
Canhoto. (Becker, 1996)

O artificio também pode ser identificado nas grades musemáticas apresentadas no


início da secção, onde os contrapontos rítmicos, que se dividem em normais e característicos,
aparecem recorrentemente na execução de Canhoto. O contraponto característico ao qual se
referem Jacob e Becker foi, de fato, identificado no Cuidado, Violão como sendo constituído
de “tercinas com semicolcheias”. O processo de transcrição nos mostrou que só é possível
escrever todo o contraponto em tercinas ou quiálteras com uma relativização dos valores, por
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esse motivo optamos por uma escrita mais fidedigna ao que está sendo tocado nas fontes. As
passagens onde é identificado esse musema normalmente apresentam notas longas executadas
pela melodia, onde a intervenção contrapontística tem seu efeito ressaltado. Para uma
observação mais efetiva, fizemos a transcrição rítmica contrapondo uma sequência de
semicolcheias (pauta superior) ao ritmo executado por Canhoto (pauta inferior) na parte A e
do final da parte B do choro de José Toledo.

Levadas e palhetadas 12: Contraponto característico – Cuidado, Violão. Transcrição do autor

A partir da comparação entre o ritmo ilustrado no exemplo acima com outras


gravações observamos que as células dois primeiros compassos são recorrentes em diversos
outros contrapontos, justificando o motivo deste ser uma marca estilística. O terceiro
compasso do exemplo seria uma transição antes do retorno a palhetada de choro,
predominante em toda a música. Importante observar que articulações da ‘palhetada
alternada’ também estão presentes nos contrapontos sempre antes de uma articulação em
direção aos agudos, conforme indicamos no exemplo a seguir.

Levadas e palhetadas 13: Contraponto característico. Transcrição do autor

Outra forma de contraponto acontece através de intervenções melódicas, mais


especificamente pela utilização de um recurso denominado popularmente pelos estudantes de
cavaquinho como duetos: pequenas frases melódicas em que se utilizam duas notas (como
sugere sua designação) de preferência na região aguda, normalmente em terças e que podem ir
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direção ao próximo acorde da progressão harmônica ou não. Sua divisão rítmica varia entre
tercinas e sincopes de acordo com as gravações.

Levadas e palhetadas 14: Duetos – Doce de Coco. Transcrição do autor

O trecho corresponde aos compassos 15 a 18 do choro Doce de Coco, de Jacob do


Bandolim. No exemplo os duetos dialogam de duas formas diferentes com a melodia,
preenchendo suas notas longas num primeiro momento e dobrando o último trecho da
passagem em oitava com o intuito de enfatizar a cadência de engano que acarretara numa
breve mudança de tonalidade na sequência.
A convenção rítmica é mais um importante musema importante identificado nas
gravações, podendo ter, nos dois casos analisados, a participação de todos os instrumentos ou
serem realizadas apenas por violões e cavaquinho – ocorrendo neste caso uma dobra rítmica
com os violões. Nos dois choros aqui analisados percebemos os dois tipos de convenção,
sendo mais comuns no Doce de coco a imitação por parte do cavaquinho da rítmica utilizada
pelos violões em alguns contrapontos no final da parte B. Nestas convenções “imitativas” o
ritmo costuma ser mas simples enquanto as convenções gerais normalmente tem um ritmo
assimétrico no intuito de ter um efeito sonoro maior.
Outro elemento identificado nas audições, mas que não chega a ser uma característica
estilística é um ataque (muitas vezes involuntário) nas cordas soltas do instrumento no
momento da troca de acordes em determinadas passagens. Apesar de acontecer com mais
frequência nas músicas com o andamento mais acelerado, é possível observar melhor a
sonoridade das cordas soltas soando entre dois acordes nas músicas de andamento lento.
Muitos cavaquinistas conseguem evitar esse ataque utilizando células rítmicas mais
sincopadas junto com o “stacatto de dedo”, tornando a sonoridade mais seccionada, além de
antecipações e repetição do movimento da palhetada na mesma direção (grave > agudo). No
caso de Canhoto o ataque involuntário acontece no início do compasso, ou seja, no tempo
forte - momento onde violões e percussão estão articulando notas, tornando a sonoridade
quase que imperceptível. O elemento poderia ser comparado ao momento em que os
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instrumentistas de sopro tomam fôlego após passagens em que precisam articular muitas
notas. Por não ser um recurso técnico e nem uma característica identitária do estilo, optamos
por não grafá-lo e não identificá-lo como musema, apenas apontar sua existência dentro da
sonoridade de Canhoto.

3.3.2. Maxixe

Partitura gráfica 3: Dorinha, Meu Amor

No caso do maxixe, podemos ressaltar alguns pontos interessantes. A música analisada


é de José Francisco de Freitas e foi gravada pela primeira vez por Mário Reis em 1928
(Odeon 10.299-a), voltando a ser gravada somente da década de 1950. A partir do gráfico
observamos que a palhetada predominante é a de choro, sendo substituída em alguns trechos
por uma palhetada de maxixe. A diferença entre as duas levadas está justamente na
incorporação da ‘volta’ ao ritmo sugerindo uma das variações possíveis à levada de choro
característica do músico.

Levadas e palhetadas 15: Palhetada de maxixe – Dorinha, meu amor. Transcrição do autor.
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A palhetada utilizada no maxixe poderia ser definida como sendo a levada de choro
com a incorporação da ‘volta’. O que nos chama atenção é o fato da gravação que
originalmente foi classificada como samba, figurar como maxixe nos discos gravados na
década de 1950, incluindo o Noites Brasileiras do regional de Canhoto. A designação de
gênero nos parece reflexo dos processos de transformação rítmica do samba já citados
anteriormente, onde o samba deixa de ser amaxixado para ser mais “sincopado”. Assim, os
sambas gravados no período anterior a 1930, vistos a partir perspectiva atual, pareceriam
maxixes, como é o caso de Dorinha, meu amor. Fora a utilização da ‘volta’, os musemas da
música não revelam nenhuma outra característica identitária do estilo de Canhoto. Em outro
choro representativo do repertório de Canhoto e Seu Regional o maxixe Cheio de Moral
(Odeon 14.621-b), o cavaquinho já apresenta seu acompanhamento baseado na levada de
choro característica. Talvez pelo fato de a gravação apresentar mais instrumentos na formação
não houvesse necessidade de estilizar tanto no ‘centro’, exceto nas convenções onde
percebemos o cavaquinho saindo de sua eventual descrição. Em outras gravações de maxixe
realizadas por Canhoto como Vinte e Oito de Dezembro (RCA Victor 80-1410-b) e
Carioquinhas no Flamengo (Continental 16.396-a) a dinâmica de acompanhamento continua
sendo a mesma: predominância da levada de choro e rápidas mudanças para a de maxixe.
Atualmente há certa variedade nas palhetadas utilizadas no maxixe e algumas delas já
se mostram um pouco mais desvinculadas dos tradicionais acompanhamentos de choro, como
as recolhidas durante as aulas frequentadas durante a pesquisa com os professores Jayme
Vignoli e Luciana Rabello na EPM.

Levadas e palhetadas 16: Palhetada de maxixe 2. Fonte – Jayme Vignoli Transcrição do autor

Levadas e palhetadas 17: Palhetada maxixe 3. Fonte – Luciana Rabelo. Transcrição do autor
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3.3.1. Polca

Partitura gráfica 4: Rato rato

A polca analisada foi gravada pelo regional em 1951 (RCA Victor - 80-0808), mas
tem seus primeiros registros datados da década de 1910. Na execução do cavaquinho
percebemos que Canhoto costuma executar o ritmo próximo das células da região aguda do
acompanhamento dos violões (i, m e a), reforçando o ritmo e contrastando com as
articulações em tempo forte realizadas pelos baixos. As interpretações não apresentam muitas
variações, exceto nas convenções rítmicas. Outras gravações de polca do músico é Rouxinol
no Melado (RCA Victor 80-0875-a) e Mexidinha (RCA Victor 80-0688-a). Na transcrição do
musema da palhetada de polca temos representadas também o movimento abafado dos graves
para o agudo, representado pela articulação em cima de uma pausa, que auxilia na marcação
do tempo.

Levadas e palhetadas 18: Palhetada de polca – Rato rato. Transcrição do autor

A título de comparação, transcrevemos a levada de polca para violão encontrada nos


Cadernos da Oficina de Choro 1 (2004) organizados por Maurício Carrilho. Entre os
exemplos temos a transcrição da levada do violão tendo como fonte a mesma obra analisada
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nesta secção. Interessante observar também a relação da palheta do cavaquinho com as células
da região aguda do violão, citada acima.

Levadas e palhetadas 19: Levada de polca para violão. Transcrição Mauricio Carrilho. Fonte
Cadernos da Oficina de Choro 1 (2004).

3.3.4. Samba e batuque

Partitura gráfica 5: Roda de Bamba

Partitura gráfica 6: Visite O Terreiro


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Possivelmente são nas gravações de samba que Canhoto encontra-se mais à vontade
com relação às interpretações. Seus acompanhamentos mostram toda a bagagem musical que
o músico foi adquirindo ao longo dos anos. As palhetadas apresentam-se com vários
elementos representativos como os padrões rítmicos mais sincopados ligados ao samba do
Estácio, sempre tendo a palhetada básica de choro e os movimentos alternados como ponto de
apoio em seus acompanhamentos. Para análise do samba escolhemos uma música
instrumental e uma cantada.
Roda de Bamba foi gravada em 1959 (Odeon MOFB-3063) no disco com o mesmo
nome. Os dois primeiros musemas da primeira grade representam a introdução, onde Canhoto
toca junto com instrumentos de percussão e sua palhetada apresenta mescla entre sua choro,
samba e movimentos alternados.

Levadas e palhetadas 20: Palhetada na introdução de Roda de bamba. Transcrição do autor.

Além do uso da palhetada de choro, percebemos também que quase nunca há


articulações no primeiro tempo do compasso, com exceção de introduções e finalizações de
frases rítmicas (se assim podemos chamar) de dois compassos. Na parte A Canhoto imprime
sua palhetada de samba, enquanto na parte B ocorre uma alternância entre choro e samba.
Vemos essa introdução como sendo uma variação sobre a palhetada utilizada durante boa
parte da música. Esta se encontra representada nos compassos 3 e 4 da transcrição acima,
sofrendo algumas inversões já que as variações rítmicas são muitas e as células se apresentam
em diversas combinações, sendo a transcrita abaixo a mais representativa.

Levadas e palhetadas 21: Palhetada de samba1. Transcrição do autor


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A mesma célula aparece na gravação de Visite o terreiro, mais uma vez de forma
invertida e articulada em seu último tempo com a palhetada alternada, assim como no início e
retomada das frases rítmicas da introdução.

Levadas e palhetadas 22: Palhetada de samba2. Transcrição do autor

Chamamos atenção para o último musema da grade de Roda de Bamba onde acontece
um contraponto rítmico do cavaquinho já no fade out da música. Assim como no Doce de
Coco, esse contraponto diferencia-se por não ser igual ao característico baseado em quiálteras
e sim uma quebra de dinâmica da palhetada utilizada na música já que o momento é reservado
ao improviso. Também chamamos atenção para o fato das funções entre o trio de base
estarem invertidas no momento do improviso, com os violões fazendo o centro enquanto o
cavaquinho realiza seu improviso rítmico. A célula rítmica também aparece na gravação de
Disfarça e Chora (Marcus Pereira MPL 9302) do primeiro disco de Cartola em 1974, mas
desta vez como na mesma intenção do contraponto característico.

Levadas e palhetadas 23: Contraponto no improviso de Roda de Bamba. Transcrição do


autor.

Na segunda grade temos a música Visite o terreiro é classificada como macumba


(RCA Victor 80-1918-a) e batuque (RCA Victor BPL 3060) em discos do paraense Ary Lobo
gravados em 1958. Na gravação o cavaquinho aparece novamente com destaque na
introdução executando junto com instrumentos de percussão (zabumba, agogô e triângulo) o
padrão rítmico do samba com algumas variações. Apesar de outras designações de gênero o
ritmo identificado é o de samba o qual é predominante em todos os refrãos e estrofes.
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Levadas e palhetadas 24: palhetada do cavaquinho na introdução de Visite o terreiro, Transcrição


do autor.

Ressaltamos ainda que por serem mais livres do que no choro, as interpretações de
samba podem apresentar além dessas formas muitas variações que partem, normalmente, da
levada básica de choro e da palhetada de samba. Os discos mais ilustrativos nesse sentido
certamente são os dois primeiros discos de Cartola: o já citado 1974 e o 1976 (Marcus Pereira
MPL 9325). Segundo Cazes foi a primeira vez que a sonoridade do regional foi gravada em
dezesseis canais, melhorando consideravelmente a qualidade das gravação e possibilitando
uma escuta mais apurada das nuances de cada instrumento.

3.3.5. Baião

Partitura gráfica 7: Baião de Dois

Os ritmos nordestinos como coco, baião, rojão e xote representam, juntos, uma grande
parte do repertório gravado por Canhoto. Além do repertório instrumental gravado por seu
regional também observamos a obra de alguns cantores como Luiz Gonzaga, Ary Lobo,
Gordurinha e Saci. Apesar das pequenas nuances que diferem os ritmos nordestinos citados,
as palhetadas relatadas tem como base o ritmo do baião, com a célula rítmica característica
sempre presente nas gravações através da zabumba. Como exemplo do acompanhamento
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básico para o gênero, temos a palhetada registrada nas versões instrumentais de Baião de dois
e Paraíba, gravada no disco Baiãomania (BPL 3013).

Levadas e palhetadas 25: Palhetada de baião 1 – Baião de dois, exemplo 1. Transcrição do


autor

Nos cocos a palhetada utilizada na grande maioria das gravações é a de choro, como
nas gravações de O vendedor de caranguejo, Que choro é esse e Renda dá todas do disco
Último pau de arara de Ary Lobo (RCA Victor BPL 3060). Apesar de auditivamente a
presença da pausa em um espaço tão curto de tempo não significar grandes mudanças no
resultado sonoro, ela é importante parar visualizarmos a volta da palhetada para região grave,
caracterizando ou não a palhetada alternada. A música possui ainda uma versão cantada
gravada por Emilinha Borba e os Boêmios (Continental 16.187-a), sendo necessário
atentarmos para alguns aspectos relacionados à instrumentação utilizada na gravação. Na
versão instrumental (versão 1) a percussão é realizada por triângulo, zabumba e um cowbell.
O acordeom atua somente como solista, sem realizar acompanhamentos na parte solada pela
flauta. Com essa configuração sonora, Canhoto imprime um ritmo parecido com o executado
pelo triângulo, diferenciando-se pela quebra do ciclo rítmico na segunda parte de sua
palhetada, como vimos no exemplo acima. Na versão cantada, a percussão não é tão presente
quanto na primeira além da ausência da flauta. O acordeom executa um acompanhamento
constante e o cavaco-centro opta por executar um ritmo parecido com o realizado pelo
cowbell na versão instrumental, mas o fazendo de uma forma cíclica. A palhetada também
pode ser associada à levada da polca.

Levadas e palhetadas 26: Comparação entre a linha do cowbell e palhetada de baião 2.


Transcrição do autor
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Identificamos também a utilização da palhetada de choro na música Tum-tum-tum (RCA


Victor BPL 3060) gravada por Ary Lobo, com uma pequena variação na parte final do
acompanhamento.

Levadas e palhetadas 27: palhetada Rojão – Tum-tum-tum. Transcrição do autor


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108

Conclusão

Pretendemos com este trabalho estudar a construção estilística do cavaquinista


Canhoto e suas relações com o contexto sociocultural nos diversos períodos de sua carreira,
além de instigar as discussões no meio acadêmico sobre o cavaquinho através da figura de um
dos músicos mais importantes para o instrumento e para a música popular brasileira. Com a
instituição do primeiro curso em nível universitário de cavaquinho no país, situado na Escola
de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acreditamos que o momento é
extremamente oportuno para as reflexões. A nosso ver também contribuímos para o
preenchimento de uma lacuna na música popular relacionada à biografia e trajetória artística
de Waldiro Frederico Tramontano.
O perfil biográfico e artístico nos revelou dados biográficos importantes como data de
nascimento, outras atividades fora a de músico, data e causa de sua morte além de algumas
questões que cercam o início de suas atividades como músico profissional. Canhoto ingressa
no regional de Benedito Lacerda por intermédio de Russo do Pandeiro na virada dos anos de
1931 para 1932, portanto não fazendo parte da formação inicial do grupo Gente do Morro
como atestam a bibliografia, em alguns casos. O grupo tinha como cavaquinista Júlio dos
Santos em seus primeiros anos de existência. Precisar esta data foi importante para as
audições e possíveis correções em fichas técnicas e catálogos disponíveis. Também foi
atestada a existência de um professor no período de aprendizagem do instrumento e que uma
de suas principais características (tocar como canhoto em um instrumento com as cordas
dispostas para um destro, ou seja, tocar invertido) não foi uma necessidade, e sim uma
sugestão.
A pesquisa biográfica também trouxe à luz dois documentos de extrema importância
para a preservação da memória do músico. O primeiro é um acervo organizado por seu filho
Adilson Tramontano em decorrência do IV Festival Nacional do Choro – Ano Canhoto
(2008), contendo fotos, recortes de jornais e revistas além de outros documentos referentes à
carreira de seu pai. O segundo é um depoimento em áudio do músico cedido à Lilian Zaremba
em 1978 que, até o momento, é o único registro de sua voz que se tem conhecimento, sendo
fonte primária para esclarecer informações importantes sobre sua carreira.
A audição do repertório gravado nos mostrou que o contexto sociocultural e comercial
são fatores decisivos para a construção estilística do músico. As levadas utilizadas pelo
músico mesclavam elementos rítmicos de duas escolas de acompanhamento do instrumento,
ligadas a padrões do samba anteriores e posteriores as transformações sofridas nas décadas de
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1930. Ligadas aos padrões amaxixados do cinquillo está a escola antiga cujos principais
representantes são Mario Álvares, Nelson Alves e Galdino Barreto. A escola nova teria
surgido com a consolidação do novo estilo de samba, cujo principal representante é Jonas
Pereira da Silva, tendo como característica de seus acompanhamentos a utilização de padrões
assimilados dos tamborins e cuícas que funcionavam como timelines (linhas guias) em
gravações de samba na da década de 1940 e 1950. Desde sua aprendizagem musical até sua
profissionalização, Canhoto conviveu com ambas escolas através de Galdino Barreto, seu
professor na infância, e de Benedito Lacerda, Bide e Russo do pandeiro que eram músicos
oriundos do bairro do Estácio. Como integrante do conjunto de Benedito, Canhoto também
seria responsável pela consolidação de um modelo de acompanhamento conhecido como
batucada ou teleco teco junto com Dino e Meira, anos mais tarde. O estilo de Canhoto seria,
assim, uma mescla de elementos das duas escolas, tendo uma palhetada-base oriunda da
escola antiga (e consequentemente do tresillo) aliada a elementos estilísticos ligados aos
ritmos sincopados do Estácio que davam dinâmica aos acompanhamentos.
No âmbito comercial a pesada rotina de gravações e programas de rádio torna-se fator
decisivo para a utilização de uma palhetada-base que se encaixa em vários contextos
diferentes, dinamizada por contrapontos e alusões rítmicas a outros gêneros. Nesse sentido,
conseguimos identificar no centro de Canhoto uma mescla de várias palhetadas no
acompanhamento de um único gênero musical, ampliando as possibilidades de execução.
Além destas características identificamos a partir das gravações dos discos de carreira
de Canhoto e Seu Regional outros elementos estilísticos relacionados à sonoridade alcançada
por Canhoto que ajudaram na sua identificação em gravações onde as fichas técnicas não
estão disponíveis. Junto com a palhetada-base os principais elementos são os contrapontos
rítmicos característicos e melódicos, através dos duetos. A partir daí procuramos analisar
como o músico utiliza-se desses artifícios em suas interpretações, interagindo constantemente
com seus companheiros de regional, principalmente os violões. Acreditamos que através dos
elementos estilísticos presentes em sua prática, Canhoto conseguiu alcançar uma sonoridade
própria criando um estilo de acompanhamento na música brasileira.
O músico não exerceu atividades didáticas, mas deixou suas maiores lições registradas
nos discos gravados ao longo de quase 50 anos de carreira. A grande quantidade de gravações
realizadas, juntamente com a versatilidade apresentada em seus acompanhamentos durante
toda a carreira e, acima de tudo, a maestria com que realizou seus trabalhos fizeram com que a
transformação de Canhoto em referência para o instrumento fosse natural. Junto com Dino e
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Meira formaram o trio de base mais importante da música popular, impondo modelo e
dinâmica a uma formação utilizada até os dias de hoje.
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Documentos utilizados presente no acervo de Canhoto

RCA Victor Rádio S.A. Texto biográfico sobre Canhoto e Seu Regional produzido em
17/1/1956 e presente no acervo pessoal do músico organizado por seu filho Adilson
Tramontano.

Radiolândia. Circulou de 1952 até 1962. Rio de Janeiro, Editora Rio Gráfica, 1955.

Revista do Rádio. Propriedade de Anselmo Domingos lançada em 1949 e circulou até o final
da década de 1960, transformando-se em Revista Rádio e TV em 1969.

Depoimentos à Lilian Zaremba

Zaremba, Lilian. Depoimento de Canhoto (Waldiro Frederico Tramontano), 1978.

Recolhidos em trabalho para monografia de conclusão de curso de graduação em história da


PUC – Rio de Janeiro – 1978. Os entrevistados são: Nicolino Cópia (Copinha), Radamés
Gnattali, Orlando Silveira, Horondino Silva (Dino Sete Cordas), Waldiro Frederico
Tramontano (Canhoto), Abel Ferreira.

Entrevistas concedidas ao autor

Cazes, Henrique. Entrevista concedida ao autor em Dezembro, 2013.

Diniz, Bernardo. Entrevista concedida ao autor em Novembro de 2013.

Rabello, Luciana. Entrevista concedida ao autor em Fevereiro 2014.

Tramontano, Adilson. Entrevista concedida ao autor em Maio de 2014.

Verde, Mauricio. Entrevista concedida ao autor em Janeiro 2014.

Outras entrevistas

RABELLO, Luciana. Entrevista concedida para um artigo sobre a Acari Records (gravadora
criada por Luciana e pelo violonista Mauricio Carrilho) que saiu em inglês na revista norte-
americana Brazzil, 2000.

Catálogos e gravações on-line

Discos do Brasil <http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm>

Instituto Memória Musical Brasileira <http://www.memoriamusical.com.br/>

Instituto Moreira Sales <http://acervo.ims.uol.com.br/index.html>


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Lista das gravações citadas no texto com ano de lançamento em disco

Canhoto e Seu Regional


1x0 – Pixinguinha e Benedito Lacerda (Victor 80-0442-a), 1946.
Baião de dois – Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (Continental 16.187-a), 1950.
Benzinho – Jacob do Bandolim (80-1434-a), 1955.
Bole bole – Jacob do Bandolim (80-0813-a), 1951.
Canhotinho – Canhoto (RCA Victor 80-0991-b), 1952.
Carioquinha no Flamengo – Waldir Azevedo e Bonfiglio de Oliveira (Continental 16.396-a),
1951.
Cheio de Moral – Jota Santos (Odeon 14.621-b), 1960.
Conversa Mole – Radamés Gnattali (RCA Victor 80-1440-a), 1955.
Cuidado violão – José Toledo (RCA Victor 80-0888-a), 1952.
Doce de coco – Jacob do Bandolim (80-0745-b), 1951.
Dorinha, meu amor – José Francisco de Freitas (Odeon 10.299-a), 1929; (RCA Victor BPL
3053), 1958.
Estás com algum ai? - Pedro Santos (Odeon 14512-a), 1959.
Eu vou te contar, hein?- Jota Santos (Odeon 14512-b), 1959.
Gingando – Canhoto e Dino (RCA Victor 80-0808-a), 1951.
Gracioso – Altamiro Carrilho (RCA Victor, 80-0784-b), 1951.
Lenço branco – Canhoto e Meira(RCA Victor 80-1509-a), 1955.
Meu limão, meu limoeiro – Tradicional / Adapt. José Carlos Burle (RCA Victor, 80-0784-a),
1951.
Mexidinha – Jacob do Bandolim (RCA Victor 80-0688-a), 1950.
Naquele tempo – Pixinguinha e Benedito Lacerda (Victor 80-0447-a), 1947.
O beijo do meu bem – Canhoto e Waldemar Gomes (RCA Victor 80-1633-b), 1956.
Rato rato – Casemiro Rocha / Claudino Costa (RCA Victor - 80-0808), 1951.
Rouxinol no Melado – Altamiro Carrilho (RCA Victor 80-0875-a), 1952.
Sofre porque queres – Pixinguinha (Victor 80-0621-a), 1949.
Teco Teco – Canhoto e Meira (RCA Victor 80-1148-b), 1953.
Vinte e Oito de Setembro – Altamiro Carrilho (RCA Victor 80-1410-b), 1955.
Visitando – Canhoto e Orlando Silveira (RCA Victor 80-1364-b), 1954.
Visite o terreiro – Edgar Ferreira (RCA Victor BPL 3060), 1958.
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Gente do Morro
Dá nele – Sinhô (Brunswick 10.049-a), 1930.
Gorgulho - Jaci pereira "Gorgulho" e Benedito Lacerda (Continental 22.129-b), 1932.
Minha flauta de prata – Meira (Odeon 11.061-b), 1933.
Mirthes – Benedito Lacerda (Odeon 11.061-a), 1933.
Olinda – Benedito Lacerda (Continental 22.129-b), 1932.
Pretencioso – Benedito Lacerda (Odeon 10.993-a), 1933.

Conjunto Regional de Benedito Lacerda

Amanhã eu volto - Roberto Martins / Antônio Almeida (Columbia 55.343-a), 1942.


Apanhei-te cavaquinho – Ernesto Nazareth (Continental 55.432-a), 1943.
Aperto de mão – Dino, Meira e Augusto Mesquita (Victor 80.0058-b), 1943.
Chão de estrelas - Sílvio Caldas - Orestes Barbosa (Odeon 11.475-b), 1937.
Dinorá – Darci de Oliveira, Benedito Lacerda e J. F. Ramos (Odeon 11.266-a), 1944.
Entre amigos – Raul Silva (Odeon 11.469-a), 1937.
Falsa baiana – Geraldo Pereira (Victor 80.0181-a), 1944.
Mesma história - Benedito Lacerda e Herivelto Martins (Continental 55.218-a), 1940.
Por tua Causa - Vicente Paiva e Sá Róris (Continental 55.065-b), 1939.
Praça Onze - Herivelto Martins e Grande Otelo (Continental 55.319-a), 1942.
Rugas - Augusto Garcez - Nelson Cavaquinho e Ari Monteiro (Victor 80.0406-a), 1946.
Tico-tico no fubá – Zequinha de Abreu e Alberico Barreiros (Continental 55.368-a), 1942.
Venenoso – Raul Silva (Odeon 11.226-a), 1935.

Lista dos discos citados


As Festas de Junho – Canhoto e Seu Regional (RGE XRLP 5295), 1966.
Baiãomania – Canhoto e Seu Regional (RCA Victor BPL-3013), 1956.
Bem Dançante – Canhoto e Seu Regional (Continental LPP 3178), 1961.
Benê, o Flautista – Box de Cd’s (Maritaca – M10032), 2007.
Bons Momentos – Canhoto e Seu Regional (CBS 37350), 1964.
Canhoto 1960 – Canhoto e Seu Regional (Odeon MOFB 3131), 1960.
Cartola I - Cartola (Marcos Pereira MPL 9302), 1974.
Cartola II – Cartola (Marcos Pereira MPL 9325), 1976.
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Eles tocam assim – Vários artistas (RCA Victor BPL 3040), 1957.
Elton Medeiros - Elton Medeiros (Odeon – SMOFB 3820), 1973.
Noites brasileiras – Canhoto e Seu Regional (RCA Victor BPL 3053), 1958.
Nossos ritmos – Vários artistas (RCA Victor BPL 3036), 1957.
O Fino da música – Vários Artistas (RCA Pure Gold 107.0276), 1977.
O Melhor de Canhoto e Seu Regional – Canhoto e Seu Regional (RCA Camden CALB 5142),
1967.
Os Choros dos Chorões – Vários artistas (RCA Camden 107.0267)
Roda de Bamba – Canhoto e Seu Regional (Odeon MOFB 3063), 1959.
Teleco Teco Opus Nº 1 – Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro (Philips P 632.788 L), 1966.
Último pau de arara - Ary Lobo (RCA Victor BPL 3060), 1958.
Valsas Inesquecíveis – Canhoto e Seu Regional (Musicolor/Continental LPK 20.168), 1969.
Vibrações - Jacob do Bandolim (RCA Victor BBL 1383), 1967.
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Anexo I

Transcrição da entrevista de Canhoto à Lilian Zaremba (1978). Originalmente em áudio.

O inicio do Canhoto no cavaquinho coincidiu com o começo no choro?


Eu tinha oito anos de idade e ia sempre uma turma lá em casa, quando saiam dos bares, eles
iam pra minha casa, 4/5h da manhã eles iam tocar. E eu vi o cavaquinho e gostei muito. Então
falei com meu pai que chamou um professor de cavaquinho, mas eu sou canhoto. Então eu
aprendi, virava as cordas. Depois de eu aprender todas as posições, um senhor de nome Oscar
disse: não! Você tem que aprender com as cordas “direitas”, se não você não toca instrumento
nenhum, de ninguém e os outros também não tocam no seu instrumento. Aí tive que aprender
novamente. Ai foi, foi... depois trabalhei... Em 1927, eu fui trabalhar na saúde pública, que
teve uma epidemia de febre amarela, onde conheci um senhor que tinha um conjunto,
Benjamin (tocava trombone). Aí eu travei conhecimento com Pixinguinha, o pessoal do
choro. E ele me levou na casa do Alfredinho Flautim, que tocava junto com o Pixinguinha, na
Rua do Riachuelo. Fui eu, Caninha – que era um autor antigo – Sinhô, que era meu compadre.
Lá encontrei o Russo do Pandeiro, que tocava com Benedito Lacerda. O Russo me vendo
tocar, disse: você quer ir para o conjunto do Benedito? Eu não era profissional, era amador.
Isso em 1931 e 1932. Ai eu digo: quero! Então agradeço eu ser profissional e o nome que
tenho ao Russo do Pandeiro.

Isso tudo aconteceu no Rio de Janeiro?


Isso tudo, eu nasci aqui. Nasci em Botafogo, Rua São Clemente, ainda tem aquela vilazinha,
216.

Essa prática da música de choro no Rio de Janeiro vem desde essa época?
Eu pelo menos já conhecia. O primeiro choro que eu acompanhei chama-se Flor de Abacate,
Eu tinha oito anos, eu sou de 1908... isso foi em 1916. Já existia esse choro. O choro é muito
velho. É que teve um tempo aí com esse negócio de “iê iê iê” ninguém tocava choro. Agora
quando veio aquela novela Carinhoso, é que colocaram o choro carinhoso no fundo. Aí foi
que essa mocidade pensou até que aquilo fosse novo, e eu conheço carinhoso desde 1928.

Então quer dizer que na realidade foi a televisão que...


Eu acho que sim porque teve essa novela, o carinhoso, e colocou no fundo o choro carinhoso
de Pixinguinha. E a mocidade ouviu e gostou. E depois o que influenciou muito foi o clube do
choro, que foi fundado.

Como é que funciona o clube do choro?


Tem sócios, né? Eu tomei parte das reuniões e só tinha moços, num tinha velhos não. O velho
era eu, Meira e Dino. O resto era tudo mocidade.
Quais são as atividades do clube do choro? É justamente pra isso, pra divulgar o choro que
tava esquecido. Agora, não! Agora na maioria dos estados tem um clube do choro.

E esse clube organiza espetáculos?


Organiza. No ano passado mesmo teve um, em São Paulo, dia 26/05. Tem até disco que foi
gravado: O Fino da Música. Então eles fizeram um show só de choro com diversos conjuntos.
Porque o meu conjunto já tinha, automaticamente, já estava desfeito porque todos se
aposentaram e a Mayrink Veiga fechou. Todos aposentados, mas o camarada conseguiu reunir
o Orlando Silveira (que hoje é maestro) deixou de tocar, não tocava há dez anos. Mas esse
rapaz conseguiu reunir o conjunto. Contratou o Altamiro, o Orlando, falou comigo, Meira,
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Dino e o Jorge panderista. E fizemos esse show lá no Anhembi, em São Paulo no dia 26 de
maio. Onde tem o disco, O Fino da Música, com diversos conjuntos. Foram 5 ou 6 conjuntos.
E teve também o festival de choro, em São Paulo, no mês de outubro a novembro.

E a opção pelo instrumento cavaquinho...no que resultou? Porque é um instrumento de


música regional...
É completamente regional. Porque antigamente o regional era flauta, cavaquinho e violão.
Depois colocaram o pandeiro, e aqui num tinha acordeom não! Em São Paulo já tinha. Tanto
que o Orlando Silveira veio de São Paulo para o conjunto. O Luiz Gonzaga trouxe ele, porque
esse conjunto primeiro era do Benedito Lacerda. Nós Deixamos o Benedito em dezembro de
1950 e eu convidei o Altamiro para o conjunto. O Luiz Gonzaga vendo o Orlando tocar em
um conjunto regional em São Paulo, perguntou se ele queira vir pro meu conjunto. Então o
Orlando veio e ficamos de 1951 até fechar a Mayrink Veiga em 1965.

Quando você optou pelo cavaquinho profissionalmente...


Eu era garoto ainda, tinha oito anos. Foi o instrumento que eu gostei.

Então não houve dúvida na opção pelo instrumento?


Não, não. Porque eu via lá em casa tocar e gostei do cavaquinho. Podia ter gostado do violão,
não é? Que é maior... o cavaquinho é muito pequeno. Mas gostei do cavaquinho.

Profissionalmente, o cavaquinho ofereceu bons trabalhos?


Para mim sempre ofereceu bons trabalhos porque o cavaquinho é prato principal no choro. É
o que faz o centro. Não pode ter um choro sem cavaquinho e violão.

Mais e fora do choro?


Mas não é só choro que se grava não. Interessante que o meu conjunto fez dois grandes
sucessos e não foi com o choro. Foi com uma música americana e uma música portuguesa.
Nunca conjunto regional fez sucesso que eu fiz com uma música américana, Jambalaya.
Lembra do Jambalaya? Música antiga... [cantarolando]. E o Corridinho 1951, uma música
portuguesa. Eu vendi cento e tantos mil discos. Em 1953 Jambalaya e em 1954 o Corridinho.
Nenhum conjunto regional fez o sucesso que eu fiz com essas duas músicas, não foi com o
choro. Música estrangeira.

Nessa época seu conjunto regional gravava...


Eu gravei tudo: choro, valsa, schottisch, onde gravei essa música americana a pedido do
diretor da RCA Victor. Ele disse: Canhoto, tem uma música aqui (ele trouxe o disco), uma
música americana e o Mr. Evans disse pra vocês gravarem isso. Tanto que um lado é esse e o
outro lado é o fox Bye bye blues. Nós tínhamos mais fé no fox porque o Jambalaya é a
primeira e segunda do tom toda vida. Mas quem fez sucesso foi o Jambalaya. Vendeu cento e
tantos mil discos.

Mas quer dizer que nessa época (1953)... 1953/1954 foi Corridinho também sugestão do
diretor artístico da Mayrink Veiga.

Mas quer dizer que nessa época (1953)... a música americana já estava tendo versões?
Já estava porque o Corridinho era um programa que tinha do Jair Traumaturgo, que é um
programa de músicas portuguesas. Ele disse: Canhoto, tem uma música aqui que se você
gravar vai fazer sucesso, porque quando eu boto tem muitos pedidos. Aí nós ouvimos e
gravamos. Foi gravado por uma banda em Portugal, fui o segundo sucesso.
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Por outro lado como estava o panorama da música de choro nacionalmente?


Não estava muito no auge não. Nós estávamos somente vivendo a bossa nova, depois veio o
“iê iê iê”... num tava muito no auge não.

E o cavaquinho dentro da bossa nova?


Usa, usa, usa muito. Gravou muito. Eu nunca gravei não. Eu fiquei no choro mesmo até me
aposentar.

Voltando a 1953, o trabalho era mais junto às rádios?


Bom, era mais porque naquele tempo não tinha televisão. Era só rádio, né? Então tinha muito.
Tinha muitos programas. A Mayrink Veiga tinha um grande casting. Tinha a orquestra do
Severino Araújo, tinha meu conjunto, tinha muitos comediantes: Zé Trindade e Chico Anysio.
O Chico veio do norte pra trabalhar na Mayrink Veiga.

Seu conjunto musicava programas humorísticos?


Tomava parte também. Aquarela Sertaneja, era um programa sertanejo. Nós tínhamos um
programa Noites Brasileiras que era só solo de conjunto.

Quando seu conjunto participava de programas humorísticos? E até novela... já existia


novela?
Já existia assim, novela em rádio, né?

Rádio Teatro, né?


Isso.

E como era o trabalho? Era na hora?


Não, tinha ensaio. Quando tinha o programa sertanejo, Aquarela Sertaneja, aquilo era
ensaiado. Tinha músicas sertanejas cantadas, fundo musical.

Era ensaiado, mas era ao vivo ou gravado antes?


Não, não. Era ao vivo. Tinha auditório e o auditório via. Era gravado não, era ao vivo mesmo.

Existia cenário?
Não, num tinha cenário. Era o palco só e o microfone.

Então não funcionava como um teatro?


Não funcionava como teatro não, rádio mesmo com auditório. A rádio Nacional também não
tinha palco, cenário como teatro não, era rádio mesmo.

Nessa época seu regional era contratado da Mayrink Veiga?


Nós éramos contratados Mayrink Veiga, quando passou por meu nome, que nós deixamos o
Benedito, nós éramos contratados. Trabalhamos lá de 1951 até fechar em 1965. Nesse ano
fechou e cada um foi pro seu lado. Depois de 1970 me aposentei. Quase todos se aposentaram
também em 1970 e continuaram gravando. Eu quase que num gravo. Agora mesmo num
quero. Quero mais passear agora, devido minha idade. Vô ficar tocando toda vida, num é
isso? Tem que gozar a vida.

Essa aposentadoria é pela Ordem dos Músicos?


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Pelo INPS. Como músicos alguns se aposentaram. O Jayme Florence se aposentou como
músico e como compositor. Eu me aposentei como músico e como fiscal de direito autoral.

Como o músico se aposenta? Através do INPS?


Através do INPS. No máximo quando me aposentei eram cinco salários. Agora é mais. Agora
pode se aposentar com 20 salários. O autônomo só podia aposentar-se com 5 salários e eu
ganhava quase 5 como fiscal. O Jayme Florence também aposentou-se com 10 salários.

Em relação ao repertório de músicas especificas para o cavaquinho? Qual seria?


O cavaquinho pode acompanhar tudo! Eu já acompanhei, eu já até lhe disse que do outro lado
do Jambalaya é um fox. Quer dizer, música americana não tem cavaquinho, não é? Era banjo.
Mais ai nos gravamos assim e ficou muito gostoso. Flauta, acordeom, banjolão, cavaquinho e
ritmo. É um fox. Bye bye blues.

E alguma coisa escrita especifica para cavaquinho, não existe?


Existe. Agora eu não sou solista. Eu sou centrista, só. Só acompanho. Nunca solei e vou
morrer e não vou solar mais porque já estou no fim da carreira. Mas existe solo para
cavaquinho. Waldir Azevedo é um grande solista de cavaquinho. Conhece, né?

Você compõe?
Não, não. Eu tenho um choro só. Dei até o nome de Canhotinho e um partido alto meu e do
Dino, Gingando. Mas só. Agora o Dino e o Meira não, tem muitas composições. Altamiro
muitas, o Orlando também. Samba, choro, valsa, mas eu fiquei nessas duas só.

Como eram feitos os arranjos realizados no seu regional?


Bom, naquele tempo era quase tudo de bossa. Nós ensaiávamos, né? Eu não sabia cifra. O
Dino e o Meira já sabiam música, o Orlando sabia, o Altamiro, mas eu não sabia. E
antigamente não tinha esses arranjos que tem agora, era tudo feito de bossa. Não tinha nada
escrito. Depois gravava-se junto com o cantor. Agora não, é tudo escrito. Então nós gravamos
e depois é que o cantor põe a voz em cima, ou a cantora. Gravamos o acompanhamento que é
tudo escrito. Antigamente não.

Então antigamente havia uma variedade maior?


Não, num tinha maior. Porque eu acho que uma coisa escrita, um arranjo, fica muito melhor
do que a pessoa tocar de bossa, né? Muito melhor. Então o cantor quando vai cantar já sabe
que está tudo certo o acompanhamento... antigamente não. Demorava muito, porque daqui
que ensaiasse, que a pessoa aprendesse o acompanhamento e guardar aquilo tudo na memória,
né? Porque tem que guardar tudo. Agora não, agora escreve e é tudo mais prático. Esse da
nacional que você disse... o pianista, maestro da nacional, como é o nome?

Radamés Gnatalli.
Nós gravamos um choro, chama-se Conversa mole. É justamente conversa de flauta e
acordeom. Muito bonito, mas nós ensaiamos. Naquele tempo não tinha nada escrito. Ele deu a
melodia pro Orlando e o Altamiro tocar. Como também gravamos um choro muito difícil do
maestro Guio de Moraes, Pitoresco. É um choro que hoje eu não acompanho mais se não
ensaiar. Difícil mesmo. E não tava nada escrito não. Nós tivemos que aprender tudo, decorar
pra tocar.

Então quando você aprendeu cavaquinho não foi por escrita?


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Não, naquele tempo não tinha nada disso não. Não tinha cifra, agora tem. Cada letra
corresponde a um tom.

Então você aprendia pelas posições?


Aprendia os tons, né? Todos os tons: os bemóis e sustenidos. Depois tinha que ter ouvido para
acompanhar. Eu num sabia, pessoas diziam. Hoje em dia tem muito músico que só toca se
botar a partitura na frente. Se não colocar, ele num toca uma nota. O ouvido dele parece que
não aceita. Então eu acho muito válido a pessoa ter um bom ouvido. Eu conheço grandes
pianistas que se não colocar a partitura na frente ele não acompanha nada. Pode ser a coisa
mais fácil mais ele não acompanha.

É uma dependência muito grande...


É uma dependência muito grande. Só toca porque tá lendo a música. E já quem toca de ouvido
tem essa vantagem, né? Faz as duas coisas.

Mas então esse seria um dos motivos pela qual a prática de música regional (sem leitura,
sem combinação prévia) estaria sofrendo uma mudança.
Ah, lógico. É isso mesmo.

A própria mudança no ensino de música, no aprendizado. Seu aprendizado foi familiar...


Familiar, meu conhecimento com a música. Eu tinha oito anos, menino, né? Eu com oito anos
acompanhei o choro Flor do abacate 1º, 2º e 3º partes.

Então realmente era muito mais numa disposição auditiva...


Muito mais. A pessoa tinha que dá praquilo mesmo, porque se não ficava toda a vida e não
aprendia. Eu conheço um senhor que ficou tocando violão toda vida e não aprendeu porque
não dava praquilo.

Você acha que uma pessoa que não tenha uma facilidade de ouvido pode chegar a tocar?
A num chega!

Chega a tocar através da leitura?


Só através da leitura. Só estudar mesmo. Esse pianista que eu tô lhe falando, num vou citar o
nome, é um grande pianista, mas se não colocar a partitura na frente... e muitos músicos. Já o
Altamiro Carrilho não, é um grande flautista! Tanto faz lendo como de bossa. O ultimo
flautista do conjunto, Carlos Poyares, não sabe música. A pessoa pensa que quando eu digo
que num sabe música: mas é impossível. Mas tudo que o Altamiro fez (até a Casinha
pequenina, que gravamos em ritmo de samba) ele fez exatinho o que o Altamiro fez e não
sabe música. É que aquele nasceu pra tocar.

Tocar de bossa está ficando uma coisa rara?


Não é fácil não, minha filha. Ah, porque o fulano está lendo né agora, a pessoa está lendo né
agora. Tocar de bossa, guardar aquilo tudo é difícil, né? É muito difícil. Eu acho.

Você participou de quantos regionais?


Só do Benedito Lacerda, depois passou pro meu nome. Porque eu fui para o conjunto em
1932. Trabalhamos com ele e em 1950 nós deixamos ele. Esses violões Meira (Jayme
Florence) e Horondino Silva, vieram pro conjunto em 1937. Então nós três trabalhamos
juntos, vai fazer no mês que vem 41 anos que trabalhamos juntos. Desde 1937. Éramos todos
solteiros. Agora estamos todos casados, todos velhos. [risos] Mas nunca houve nenhuma
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briga, discussão, até hoje. Nem com o Orlando e nem com o Altamiro. O Altamiro saiu pra
formar a bandinha dele. Porque ele tinha uma bandinha, num sei se lembra. Fazia as festas
juninas e agora tem um conjunto regional muito bom.

Atualmente, os componentes do seu regional ainda gravam?


Gravam! Quem grava muito é o Dino, né? Eu e o Meira quase que não gravamos. Não
queremos gravar mais. O Orlando deixou de tocar a 10 anos, agora é arranjador e maestro.
Depois que voltou a tocar pra fazer esse show em São Paulo. O único que tá tocando e
gravando sempre é Horondino Silva, o Dino.

Mas um Lp do regional?
Não, nunca mais fiz não.

Qual foi o último?


O ultimo foi Bem dançante. Interessante que foi reeditado agora também. Eu estou com 4
Lp’s: tem o da Victor (que eles colocaram 5 músicas minhas, do meu conjunto) 5 do Benedito
e do Pixinguinha (que sou eu, Meira, Dino) e 5 do Jacob que também somos nós três, só uma
faixa que não é. É o Choro dos chorões. E esse show de choro que nós fizemos em São Paulo
O Fino da música. E a continental colocou um Lp que eu fiz...Bem dançante, com nome só de
Canhoto, e fez um Lp de duas músicas de cada um: duas minhas, duas do Waldir, do Déo
Rian (do conjunto Época de Ouro), duas do Jacob e duas do Severino Araújo. Eu tenho 4
Lp’s, mas tudo com música de 78rpm que reeditaram em Lp.

E essa ultima gravação com o Luiz Gonzaga, quais são os tipos de música? Baião?
É tem baião. A maioria é baião, músicas do norte. Já gravamos oito. Estão faltando quatro.
Que o Luiz Gonzaga começou a gravar comigo...eu, Meira e Dino. Tanto que nós temos
instrumento dado no dia do aniversário dele. Ele faz ano dia 13/12 e nós fomos na casa dele
em 1950. Entregamos os instrumentos, depois ele veio com outros instrumentos. Então eu
disse: esse instrumento não é meu, rapaz. Ai ele disse: abre que é! Ai ele deu dois violões, um
cavaquinho e um pandeiro, com uma plaquinha de prata atrás 13/12/1950. Fez 27 anos agora
que ele começou a gravar conosco e conservo até hoje.

O cavaquinho é um instrumento brasileiro?


Completamente brasileiro.

Como é o instrumento?
São quarto cordas: D, G, B, D, só. Tem muito pouco recurso. Principalmente pra solo. O
Waldir toca nessa afinação. Porque tem muitos que solam ai em cavaquinho, mas é afinação
de bandolim. Mas o Waldir não é afinação de cavaquinho.

A diferença na afinação da uma maior possibilidade ao instrumento?


Ah dá, pra solo dá! Eu não sei, dizem os solistas. Porque o D, G, B, D tem dois D e a outra
afinação da mais facilidade pra tocar. E o Waldir toca nessa afinação.

Na afinação normal tem dois D?


D agudo, D grave.

E na afinação de bandolim...
Já são quatro notas diferentes.
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Por isso da uma maior possibilidade.


Tem maior. É por isso que da mais facilidade.
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Anexo II

Catálogo parcial das gravações de Canhoto e Seu Regional como artista em discos 78rpm e vinis.
Canhoto e Seu Regional – 78rpm (como artista e/ou acompanhamento)

Musica Data Autores Interprete Gravadora Nº de Gênero


catálogo
Não adianta chorar 1946-03 Ari monteiro - Felisberto Martins Linda Rodrigues Continental C15.591-a Samba
Meu branco 06/05/1948 Peterpan - René Bittencourt Emilinha Borba Continental C15.889-b Samba
Quem quiser ver vá lá 06/05/1948 Peterpan- René Bittencourt Emilinha Borba Continental C15.889-a Samba
Emilinha Borba e os
Baião de dois 04/03/1950 Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga Continental C16.187-a Baião
boêmios
Emilinha Borba e os
Paraíba 04/03/1950 Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga Continental C16.187-b Baião
Boêmios
Vestidos da Maria, os 1950-10 Antônio Nássara - dunga Os Boêmios Todamérica TA-5.009-b Samba
Mexidinha 1950 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0688-a Polca
Teu aniversário 1950 Pixinguinha Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0688-b Choro
Saudações 1950 Otávio Dias Moreno Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0702-a Choro
Graúna 1950 João Pernambuco Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0702-b Choro
Choro de varanda 1950 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0711-a Choro
Teu beijo 1950 Mário Alvares Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0711-b Choro
1951 Bonfíglio de Oliveira / Rogério RCA Victor
Mar de Espanha Jacob do Bandolim 80-0745-a Valsa
Guimarães / L. Evandro
Doce de coco 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0745-b Choro
Vale tudo 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0754-a Partido alto
Cristal 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0754-b Choro
Lamentos 1951 Pixinguinha Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0767-a Choro
Siri está no pau 1951 M. de Vasconcelos Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0767-b Polca
Meu limão, meu limoeiro 1951 Tradicional / Adapt. José Carlos Burle Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0784-a Baião
Gracioso 1951 Altamiro Carrilho Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0784-b Baião
Elza 1951 A. F. da Conceição/ H.X. Pinheiro Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0789-a Valsa
Vascaíno 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0789-b Choro
Gingando 1951 Horondino Silva e Canhoto Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0808-a Partido alto
Rato rato 1951 Casemiro Rocha / Claudino Costa Canhoto e seu regional RCA Victor 80-0808-b Polca
Bole bole 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0813-a Samba
Nostalgia 1951 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0813-b Choro
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Luar de Paquetá 1951 Freire Júnior / Hermes Fontes Canhoto e seu regional RCA Victor 80-0818-a Baião
Canarinho teimoso 1951 Altamiro Carrilho / Ari Duarte Canhoto e seu regional RCA Victor 80-0818-b Choro
Meu drama 1951-01 Wilson Batista- Ataulfo Alves Jorge Goulart Continental C16.323-b Samba
Mexe mulher 1951-01 Geraldo Pereira - Arnaldo passos Jorge Goulart Continental C16.324-b Samba
Baião do salvador 1951-04 Humberto Teixeira - Sivuca Helena de lima Todamérica TA-5.064-a Baião
Feliz matrimônio 1951-04 Luiz Antônio - Jota /Jr. Helena de lima Todamérica TA-5.064-b Samba Baião
Tico tico no fubá 06/05/1951 Zequinha de Abreu Sivuca (acordeom) Continental C16.396-b Choro
Carioquinha no flamengo 06/05/1951 Waldir Azevedo - Bonfiglio de Oliveira Sivuca (acordeom) Continental C16.396-a Choro pot-pourri
Nelson Miranda
Sai dessa 1951-09 Nelson Miranda - Júlio Gomes Todamérica TA-5.096-b Choro
(cavaquinho)
Nelson Miranda
Leda 1951-09 Nelson Miranda Todamérica TA-5.096-a Valsa
(cavaquinho)
Sivuca no Baião 12/10/1951 Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga Sivuca (acordeom) Continental C16.475-b Baião pot-pourri
Frevo dos vassourinhas (nº 1) 12/10/1951 Matias da rocha Sivuca (acordeom) Continental C16.475-a Frevo
Rouxinol no melado 1952 Altamiro Carrilho Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0875-a Polca
Saudades de Ouro Preto 1952 Tradicional Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0875-b Valsa
Cuidado violão 1952 José Toledo Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0888-a Choro
Subindo ao céu 1952 Aristides Manuel Borges Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0888-b Valsa
Odeon 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0900-a Tanguinho
Saudade 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0900-b Valsa
Turbilhão de beijos 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0901-a Valsa
Atlântico 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0901-b Tanguinho
Tenebroso 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0902-a Tanguinho
Faceira 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0902-b Valsa
Nenê 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0903-a Tanguinho
Confidências 1952 Ernesto Nazareth Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0903-b Valsa
Saxofone, por que choras? 1952 Severino Rangel “Ratinho” Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0931-a Choro
Eu e você 1952 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0931-b Choro
Fogo na roupa 1952 Altamiro Carrilho e Ari Duarte Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0933-a Choro
Boi de touca 1952 Jaime Florence / Orlando Silveira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0933-b Baião
Migalhas de amor 1952 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0969-a Choro
Gostosinho 1952 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0969-b Choro
Forró de gala 1952 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0987-a Coco
Biruta 1952 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-0987-b Choro
Caxias 1952 Roberto Martins Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0991-a Choro
Canhotinho 1952 Canhoto Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-0991-b Choro
Rouxinol 1952-04 Nelson Miranda - Chico Silva Nelson Miranda Todamérica TA-5.150-a Choro
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130

(cavaquinho)
Nelson Miranda
Baianinho 1952-04 Nelson Miranda - Oscar Belandi Todamérica TA-5.150-b Choro
(cavaquinho)
Enigmático 1953 Altamiro Carrilho Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1083-a Choro
Pitoresco 1953 Guio de Moraes Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1083-b Choro
Nosso romance 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1089-a Choro
Reminiscências 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1089-b Choro
Não posso mais 1953 Pixinguinha Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1118-a Choro
Serpentina 1953 Nelson Alves Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1118-b Choro
Tatibiate 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1122-a Choro
Por que sonhar 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1122-b Choro
Professor Raimundo 1953 Chico Anysio / Orlando Silveira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1148-a Quadrilha
Teco teco 1953 Canhoto / Meira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1148-b Baião
Jambalaya (On the Bayou) 1953 Hank Williams Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1161-a Não informado
1953 Fred Hamm/David Bennett/Chauncey Canhoto e Seu Regional RCA Victor
Bye bye blues 80-1161-b Fox-trot
Gray/ Bert Lown
Entre mil... você! 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1163-a Choro
Pardal embriagado 1953 Patrocínio Gomes Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1163-b Choro
Casinha pequenina 1953 Tradicional Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1207-a Samba
Lamentos 1953 Pixinguinha Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1207-b Baião
Brotinho 1953 Sérgio Bittencourt Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1214-a Baião
Rapaziada do Brás 1953 Alberto Mariano Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1214-b Valsa
Sapeca 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1226-a Frevo
Sai do caminho 1953 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1226-b Frevo
Viagem à lua 1953 Altamirro Carrilho e Meira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1233-a Samba
Corridinho 1951 1953 José Gomes de Figueiredo Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1233-b Corrido
Feitiço 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1269-a Choro
Vidinha boa 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1269-b Mazurca
Sabiá laranjeira 1954 Milton de Oliveira / Max Bulhões Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1281-a Samba
Jambolinha 1954 Dino e Orlando Silveira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1281-b Não informado
Santa morena 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1295-a Valsa
Saudade 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1295-b Samba-canção
Gostoso como ele só 1954 J. Ferreira Lixa Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1325-a Choro
Espiga de milho 1954 Valdemar de Abreu “Dunga” Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1325-b Arrasta pé
Bola preta 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1344-a Choro
Saliente 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1344-b Choro
Raparigas de barqueiros do 1954 J. Gomes Figueiredo Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1364-a Vira
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Minho
Visitando 1954 Orlando Silveira / Canhoto Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1364-b Choro
Toca pro pau 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1390-a Frevo
Rua da Imperatriz 1954 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1390-b frevo
Cadê Luiz 10/08/1954 Manoel Macedo - J. Mendonça Manoel Macedo Continental C17.014-a Baião
Sonhando com você 10/08/1954 Alventino Cavalcanti - Manoel Macedo Manoel Macedo Continental C17.014-b Baião
Ivone 1955 Altamiro Carrilho e Dino Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1410-a Valsa
Vinte e oito de setembro 1955 Altamiro Carrilho Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1410-b Maxixe
Alvorada 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1418-a Choro
Meu segredo 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1418-b Samba
Benzinho 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1434-a Choro
Ciumento 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1434-b choro
Ai seu mé 1955 Freire Júnior / Luís Nunes Sampaio Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1440-a Baião
Conversa mole 1955 Radamés Gnattali Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1440-b Choro
Mate amargo 1955 Carlos F. Bravo / Francisco Brancatti Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1474-a Rancheira
1955 Juan de Dios Filiberto / Gabino Coria Canhoto e Seu Regional RCA Victor
El pañuelito 80-1474-b Tango
Peñaloza
Sempre teu 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1476-a Choro
Um a zero 1955 Pixinguinha / Benedito Lacerda Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1476-b choro
Lenço branco 1955 Meira / Canhoto Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1509-a Tango
Rio - São Paulo 1955 Dino / Orlando Silveira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1509-b Baião
Nego frajola 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1510-a Samba
Mimosa 1955 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1510-b Polca
Sanfoneiro galante 1955 Antônio Luna - Julinho Julinho (acordeom) Se55-052-b Polca
Baião de Itapagé 1955 Julinho - Ari monteiro Julinho (acordeom) Se55-052-a Baião
Tira poeira 1956 Sátiro Bilhar Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1565-a Polca
Amapá 1956 Juca Storoni Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1565-b Tango brasileiro
Modulando 1956 Rubens Leal Brito Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1572-a Choro
Xaxando no Baião 1956 José de Leocádio Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1572-b Xaxado
Rosa amarela do Texas 1956 Don George Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1591-a Não informado
1956 Renato Rascel / Pietro Garinei / Canhoto e seu regional RCA Victor
Arrivederci Roma 80-1591-b Não informado
Alessandro Giovannini
De Limoeiro a Mossoró 1956 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1596-a Ponteado
Diabinho maluco 1956 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1596-b Choro
Revendo o passado 1956 Freire Júnior Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1608-a Valsa
Alma brasileira 1956 Fernando Magalhães Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1608-b Valsa
Só tu não sentes 1956 J.F. Fonseca Costa “Costinha” Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1627-a Valsa
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Saudade eterna 1956 Santos Coelho Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1627-b Valsa
Lembro-me ainda 1956 Dino Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1633-a Choro
O beijo do meu bem 1956 Waldemar Gomes / Canhoto Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1633-b Baião
Aguenta seu Fulgêncio 1956 Lourenço Lamartine Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1638-a Choro
Serenata no Joá 1956 Radamés Gnattali Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1638-b Choro
Amoroso 1956 Roberto Martins Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1666-a Baião
Um a zero 1956 Pixinguinha e Benedicto Lacerda Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1666-b Choro
André de sapato novo 1956 André Victor Correia Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1667-a Choro
Carícia 1956 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1667-b Choro
Buscapé 1956 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1706-a Frevo
Pimenta no salão 1956 Jonas Cordeiro Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1706-b Frevo
1957 Sebastião Cirino / Antônio Lopes de Canhoto e Seu Regional RCA Victor
Cristo nasceu na Bahia 80-1745-a Maxixe
Amorim Diniz “Duque”
Atrevido 1957 Dino / Arthur Ataíde Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1745-b Samba
Bons tempos 1957 Arthur Ataíde Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1797-a Xote
Dedilhando 1957 Orlando Silveira / Esmeraldino Salles Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1797-b Choro
Isto é nosso 1957 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1799-a Choro
Noites cariocas 1957 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1799-b Choro
Vamos sambar 1957 Arthur Ataíde Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1841-a Samba
Monumental 1957 Pedro Santos Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1841-b Baião
Sofres por que queres 1957 Pixinguinha / Benedicto Lacerda Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1845-a Choro
1957 Pixinguinha / João de Barro/ Alberto Jacob do Bandolim RCA Victor
Cochichando 80-1845-b Choro
Ribeiro
Fascination 1957 Fermo Dante Marchetti Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1878-a Valsa
1957 Canhoto e Seu Regional RCA Victor Polca
Sulla Slitta Renato Carosone 80-1878-b
característica
Implicante 1958 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1930-a Choro
Mágoas 1958 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-1930-b Choro
Até amanhã 1958 Noel Rosa Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1936-a Samba
Clube XV 1958 Oscar A. Ferreira Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1936-b Valsa
Fim de festa 1958 Zito Borborema Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1943-a Polca
Aí patiense 1958 J. Santos Canhoto e Seu Regional RCA Victor 80-1943-b Maxixe
Fubá 1959 Tradicional (adapt. Romeu Silva) Jacob do Bandolim RCA Victor 80-2125-a Maxixe
Velhos tempos 1959 Jacob do Bandolim Jacob do Bandolim RCA Victor 80-2125-b Choro
Estás com algum 1959 Pedro Santos Canhoto e Seu Regional Odeon 14.512-a Sorongo
Eu vou te contar hein 1959 Jota Santos Canhoto e Seu Regional Odeon 14.512-b Maxixe
Sorongaio 1960 Pedro Santos Canhoto e Seu Regional Odeon 14.621-a Sorongo
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Cheio de Moral 1960 Jota Santos Canhoto e Seu Regional Odeon 14.621-b Maxixe
Apache 1961 Jerry Lordan Canhoto e Seu Regional Continental 17.974-a Balada
Boato 1961 João Roberto Kelly Canhoto e Seu Regional Continental 17.974-b Samba
Cinco tambores 1961 Pedro Sorongo Canhoto e Seu Regional Musicolor 50.019-a Sorongo
Patatina 1961 Franco Migliacci / Gianni Meccia Canhoto e Seu Regional Musicolor 50.019-b Chá-chá-chá
Chega de baiano 1961-03 Manoel Moreira - Antônio da silva Valter Damasceno Odeon 14.721 Coco
Coqueiro bom 1961-03 Manoel Moreira - Manoel Fernandes Valter Damasceno Odeon 14.721 Coco
Pedida legal 1961-07 Gordurinha Paulo Tito Continental 17.973-b Rojão
Confusão em família 1961-07 Miguel Lima - Laesse Miranda Paulo Tito Continental 17.973-a Xote
Pedro Raimundo
Sanfoninha velha amiga 1961-08 Pedro Raimundo Continental 17.977-a Polca
(acordeom)
Pedro Raimundo
Escadaria 1961-08 Pedro Raimundo Continental 17.977-b Choro
(acordeom)
Baião da esperança 1962 Leonel da Cruz - Noca Noca do acordeom Continental 78-076-a Baião
Recadinho de mamãe 1962 José Luiz - santo silva Paulo Tito Continental 78-119-b Baião
Rio quatrocentão 1962 Noca Noca do acordeom Continental 78-076-b Dobrado
Cabo canaveral 1962-03 Osvaldo oliveira - Sebastião Chaboudet Osvaldo oliveira Continental 78-016-a Rojão
Juízo final 1962-03 Júlio Ricardo Osvaldo oliveira Continental 78-016-b Baião
Nordeste sangrento 1962-06 Elias Soares Geraldo Nunes Continental 78-088-b Toada
Guaratiba 1962-07 Arnô Gomes - Antônio soares Renato Tito Continental 78-105-b Choro
Chorinho na chuva 1962-07 Antônio soares - Agenor madureira Renato Tito Continental 78-105-a Choro
Jogo do bicho 1963 Osvaldo oliveira - adão Ferreira Osvaldo oliveira Continental 78-199-a Samba
Eterna lembrança do norte 1963 Ângelo Orestes - Sebastião Chaboudet Osvaldo oliveira Continental 78-199-b Baião
Matuto 1964 Ernesto Nazareth Canhoto e Seu Regional CBS 3.311-1-a Não informado
Batista Júnior / Francisco Ponzio Canhoto e Seu Regional
Na colheita 1964 CBS 3.311-1--b Não informado
Sobrinho
Nasci para te amar 1964 Ramoncito Gomes Canhoto e Seu Regional CBS 3.352-1-a Rancheira
Sabes que te amo (Sabras que te Canhoto e Seu Regional
1964 Teddy Fregoso / Darci Bourbon CBS 3.352-1-b Bolero
quiero)
Deixa-me em paz - José Roy - Doca - Leitão Paulo Fernandes Tr26-a Samba
Minha secretária - Ramez Abud - D. Contador Paulo Fernandes Tr23-b Marcha
Marcha do chofer - Nenete - Antoninho Lopes Paulo Fernandes Tr23-a Marcha
C-Esp-
Por que fugir - Domingos Lima Salim Gonçalves Samba canção
PR371-b
C Esp-
Coração indeciso - Domingos Lima Salim Gonçalves Samba canção
PR371-a
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Discos Lançados em vinil tendo Canhoto e Seu Regional aparecendo como artistas

Título do disco Data Artistas relacionados Gravadora Nº de catálogo


Baiãomania 1956 Canhoto e Seu Regional RCA Victor BPL 3013
Eles tocam assim 1957 Canhoto e Seu Regional, Jacob do Bandolim, RCA Victor BPL 3040
Fafá Lemos, dentre outros.
Nossos Ritmos 1957 Canhoto e Seu Regional, Trio Nagô, Ary Lobo, RCA Victor BPL 3036
dentre outros.
Noites Brasileiras 1958 Canhoto e Seu Regional RCA Victor BPL 3053
Roda de Bamba 1959 Canhoto e Seu Regional Odeon MOFB 3063
Canhoto 1960 1960 Canhoto e Seu Regional Odeon MOFB 3131
Bem Dançante 1961 Canhoto e Seu Regional Continental LPP 3178
Maiorais de 1961 1961 Canhoto e Seu Regional, Waldir Azevedo, Continental LLP 3201
Ângela Maria, Jamelão.
Bons Momentos 1964 Canhoto e Seu Regional CBS CBS 37350
As Festas de Junho 1966 Canhoto e Seu Regional RGE XRLP 5295
O Melhor de Canhoto e Seu 1967 Canhoto e Seu Regional RCA Camden CALB 5142
Regional
Feliz Natal 1967 Canhoto e Seu Regional, Titulares do Ritmo, RCA Camden CALB 5136
Ângela Maria.
Valsas Inesquecíveis 1969 Canhoto e Seu Regional Musicolor/Continental LPK 20.168
Um Chorinho na Gafieira 1973 Canhoto e Seu Regional, Nelsinho do Trombone, RCA Camden 107.0123
Jacob do Bandolim, dentre outros
O Fino da Música 1977 Canhoto e Seu Regional, Paulo Moura, Fina Flor RCA Pure Gold 107.0276
do Samba, Raul de Barros e Conjunto Atlântico.
O Melhor da M.P.B. 1977 Canhoto e Seu Regional, Elizeth Cardoso, Continental 1.07.405.123
Waldir Azevedo, Severino Araújo, Elis Regina,
dentre outros.
Chora Chorão 1977 Canhoto e Seu Regional, Época de Ouro, Déo Continental 1.07.405.113
Rian, Severino Araújo, dentre outros.
Choro. Chorinho. Choro. Chorões 1977 Canhoto e seu Regional, Época de Ouro, Waldir GTA Records (Itália) GTA 026
Azevedo, Raúl de Barros, dentre outros.
O Choro dos Chorões 1977 Canhoto e Seu Regional, Pixinguinha, Benedito RCA Camden 107.0267
Lacerda, Jacob do Bandolim.
Nova História da Música Popular 1978 Canhoto e Seu Regional, Jacob do Bandolim, Abril Cultural HMPB 36
Brasileira - Donga e outros Baiano, Jorge Veiga, dentre outros.
primitivos

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