Doutor Sócrates - Andrew Downie
Doutor Sócrates - Andrew Downie
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Sumário
Prefácio
Notas sobre o texto
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Epílogo
A vida de Sócrates em imagens
Agradecimentos
Bibliografia
Notas sobre as fontes
Sobre o autor
Para Mari e todos os que lutam contra o autoritarismo e a
favor da democracia.
A vida não refletida não vale a pena ser vivida.
Sócrates, por volta do século V a.C.
Prefácio
À medida que o tempo passa, percebemos cada vez mais
que Sócrates ficará gravado para sempre como um
personagem incontornável da história do Brasil.
Ícone de um período importantíssimo do nosso país e de
um movimento que mudou os rumos — e continua a
influenciar o destino — deste gigante da América do Sul, ele
foi, sem dúvida, um dos grandes líderes e símbolos da nossa
redemocratização após mais de duas décadas de uma
violenta ditadura militar. Sem falar no craque genial do
esporte mais popular e concorrido do planeta.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira.
Este é o nome completo de meu irmão mais velho. Temos
pouco mais de onze anos de diferença: ele nasceu em 19 de
fevereiro de 1954, e eu, em 15 de maio de 1965.
Na minha infância, eu obviamente não tinha noção do
quão especial e inusitada era minha família — não apenas
pelos nomes, mas também pelas histórias de vida dos
personagens que dela fazem parte. A começar por nossos
pais.
Seu Raimundo, nordestino de origem pobre, autodidata,
com uma linda carreira no funcionalismo público. Cursou
três universidades depois de ter os seis filhos, entre elas a
faculdade de Direito, uma de suas paixões. E ainda lecionou.
Dona Guiomar, paraense, professora primária também
autodidata, funcionária pública. Mãe exemplar, com uma
sensibilidade e carisma excepcionais.
Entre mim e o Doutor Sócrates há mais quatro filhos,
todos homens: Sóstenes, Sófocles, Raimundo e Raimar.
Figuras interessantes, carismáticas, inteligentes, de
personalidades e talentos variados: teve jogador de
basquete, campeão de xadrez, músico, engenheiro... Todos
atenciosos e carinhosos com o irmão caçula. Que privilégio!
E lá do outro lado dessa montanha de irmãos, estava o
nosso Magrão.
Uma pessoa um tanto quanto distante de mim para um
irmão, sobretudo pelos anos de diferença entre nós, mas, ao
mesmo tempo, muitíssimo próximo para um ídolo. Sim,
especialmente durante minha infância e adolescência,
Sócrates foi acima de tudo um grande ídolo, um semideus,
minha referência.
Quanto mais velho eu ficava, mais ele e sua história
pareciam teimar em escolher o caminho do inatingível, a
figura que podia qualquer coisa, que enfrentava tudo e
todos, que perturbava, provocava.
Alguém que também não tinha medo de se entregar aos
deleites, delírios, abismos e transbordamentos do que ele
considerava sua maior obsessão: a liberdade. Livre para ser,
para se mostrar como de fato era. Certo ou errado, porém
totalmente autêntico em busca dessa verdade.
As liberdades que ele perseguia, na maioria das vezes,
eram encarnadas e identificadas pela representação e
idealização política da democracia. Sócrates parecia definir
liberdade de expressão, de debate, de posicionamento e de
experimentação como um estado de espírito democrático.
Até o final de sua carreira de jogador de futebol, nossa
relação, apesar de um pouco mais próxima na última etapa,
restringia-se a trocas de ideias, conselhos e
compartilhamento de vivências. Quando ele nos visitava, eu
ficava nervoso e demorava algumas horas para me dar
conta de que aquela entidade era meu irmão. Sempre o
acompanhei como alguém que estava a todo instante
fazendo e participando ativamente da história, seja do
esporte, do comportamento, da política ou do país — em
muitos casos, era o que realmente estava acontecendo.
Mesmo seguindo tudo isso com olhos já de adolescente, ou
um jovem adulto, eu ainda o via como herói. Da mesma
forma que foi e é para milhões de outras pessoas.
Depois de certo tempo — e para minha alegria —, meu
irmão esteve cada vez mais próximo, mais acessível e mais
humano, principalmente a partir do início de sua nova fase
longe dos gramados e das arquibancadas. Longe de seu
teatro. Como ele mesmo dizia: ninguém deixa o futebol, o
futebol é que nos deixa.
Mas Sócrates não é só o herói. E esta biografia, muito
bem escrita, resultado de ampla pesquisa e inúmeras
entrevistas, traz os detalhes de como meu irmão era, em
grande parte, gente como a gente.
Ainda que sempre inquieto e constantemente à procura
de algo que causasse impacto, tinha como inspiração sua
origem simples, os amigos fiéis, parceiros de suas
experiências que passaram a ser mundanas e cada vez
mais próximas do ordinário. Isso não o desagradava, muito
pelo contrário. Sua sofisticação intelectual sempre foi
nutrida no contraponto entre suas referências e os prazeres
regionais e interioranos de suas raízes.
A biografia nos aproxima, por vezes em demasia, do
cotidiano do ídolo, expondo a real beleza da complexidade
de sermos humanos e imperfeitos.
Fato é que, por mais que procuremos e precisemos dar
normalidade aos acontecimentos de uma infinidade de
horas, dias e fases de uma vida, Sócrates era único. Cursou
medicina na USP e jogou futebol profissional de alto nível ao
mesmo tempo. Foi um dos esportistas mais influentes da
história, essencial na construção de uma democracia e de
seus processos dentro de um grande clube de futebol, além
de ter pregado e exercido a liberdade democrática e de
costumes em plena ditadura militar. Tornou-se não apenas
incontornável, mas indispensável na nossa história e
também no nosso futuro.
Um símbolo de resistência do que nunca mais queremos
viver.
RAÍ
Notas sobre o texto
Quando Sócrates estreou profissionalmente, o futebol no
Brasil era dirigido pela Confederação Brasileira de
Desportos (CBD). Em 1979, a CBD se dividiu em diferentes
unidades e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
assumiu a direção do esporte.
O primeiro Campeonato Brasileiro foi realizado em 1971,
mas teve diferentes nomes e formatos, geralmente
culminando em fases eliminatórias e até mesmo decisões
em melhor de três jogos, até que o atual sistema, ao estilo
europeu, foi introduzido em 2003. Para simplificar, eu me
referi ao campeonato nacional por seu nome atual, o
Brasileiro, ao longo do texto.
Campeonatos estaduais foram muito mais importantes do
que o campeonato nacional durante a carreira de Sócrates.
A competição nacional era nova e as rivalidades estaduais
eram intensas e se prolongavam no tempo. Refletindo essa
importância, o Campeonato Paulista e o Campeonato
Carioca ocupavam a maior parte da temporada. Os
formatos e datas mudavam a cada ano. Por vezes, os
campeonatos estaduais começavam no início do ano e
depois eram seguidos pelo campeonato nacional. Em outros
anos, a ordem se invertia. Os estaduais chegavam a durar
até nove meses, enquanto o Brasileiro tinha no máximo
quatro.
As estações do ano no hemisfério Sul são opostas às do
hemisfério Norte e todas as referências são relativas ao
Brasil. Por exemplo, o inverno corresponde aos meses de
junho, julho e agosto.
Capítulo 1
Desde os onze, doze anos, ele já era conhecido na cidade como um
jogador de nível diferente. Pessoas que entendiam de futebol sabiam que
ele ia ser alguma coisa. Onde ele fosse jogar, tinha alguém o
acompanhando.
Sóstenes, irmão de Sócrates