Rui Canario

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Inafop Formao profissional de professores no ensino superior Universidade de Aveiro 24 de Novembro de 2000

A prtica profissional na formao de professores


Rui Canrio
Universidade de Lisboa

A realizao desta conferncia permitiu-me retomar e reanalisar algumas ideias, projectos e prticas que desenvolvi durante o perodo (1985-1991) em que participei, de forma muito activa e empenhada, na construo da Escola Superior de Educao de Portalegre. A experincia ento vivida continua a representar para mim o principal referencial no que diz respeito problemtica da formao de professores. A questo da articulao entre formao inicial e formao contnua, bem como a organizao da prtica pedaggica, nos cursos de formao inicial, estiveram sempre no centro dos nossos debates e reflexes. Nos ltimos trinta anos, a enfatizao da importncia da formao de professores esteve sempre associada ao propsito de mudar a escola. O problema que as estratgias e mtodos utilizados na formao dos professores continuaram a inspirar-se nos princpios e modos de funcionamento intrnsecos escola (tradicional) que se pretendia mudar. Foi, sobretudo, em Portalegre que tomei plena conscincia deste paradoxo e da necessidade de pensar a formao de professores em ruptura com a forma escolar. No cerne dessa ruptura est a questo do papel da experincia nos processos formativos.

Gostaria, a este propsito, de contar aqui uma histria, que no garanto verdadeira mas que me apareceu como credvel, cerca dos processos de ensino-aprendizagem da natao. O mtodo consiste em aprender e praticar, fora da piscina, os movimentos e gestos tcnicos dos vrios estilos para, num momento posterior os aplicar em situao real. Foi desta maneira que eu prprio fui ensinado a nadar, quando adolescente, num clube desportivo de Lisboa. A histria passa-se num processo de instruo na Marinha, em que um dos recrutas, campeo de natao, tentou convencer o instrutor a dispens-lo das maadoras sesses de treino fora de gua. Perante os argumentos e o curriculum do instruendo, o instrutor, depois de breve meditao, ditou a sua sentena: Admito que voc nade muito bem, mas s se fr dentro de gua. Fora de gua no sabe no!

S aparentemente esta histria se situa fora do mbito do assunto desta conferncia. Quando, nos meados dos anos 80, as Escolas Superiores de Educao iniciaram a sua actividade com os programas de profissionalizao em servio, a legislao ento criada obrigava todos os formandos frequncia de uma componente terica (leccionada na ESE), mas dispensava da componente prtica os professores com alguns anos de vida profissional. Ou seja, considerava-se que eles j sabiam nadar dentro de gua, mas no fora de gua. O que comum s duas situaes a desvalorizao da experincia, encarada como algo de subalterno relativamente ao conhecimento formal e terico.

Ora, o desenvolvimento da investigao e da reflexo sobre as prticas formativas tem vindo a contribuir para colocar no centro da problemtica da formao profissional (nomeadamente da formao de professores, a questo da revalorizao epistemolgica da experincia. Assim, nesta conferncia, procurarei, por um lado, explicitar qual a pertinncia desta revalorizao da experincia na formao de professores e quais os modos da sua traduo curricular, ao nvel da formao inicial. Por outro lado, considerando a formao inicial de professores como a primeira etapa de um empreendimento de formao contnua, desenvolverei argumentao no sentido de defender a ideia seguinte: a articulao entre a formao e o exerccio do trabalho (quer dizer, a designada prtica pedaggica) constitui o ponto nevrlgico da organizao curricular dos cursos de formao inicial de professores. O modo de abordar esta questo pode ser estruturante quer de uma poltica de investigao, quer de uma poltica de formao contnua e interveno junto dos estabelecimentos de ensino da regio.

Na base da minha argumentao estaro subjacentes duas teses: a primeira a de que os professores aprendem a sua profisso nas escolas e a segunda (que decorre da primeira) a de que o mais importante na formao inicial consiste em aprender a aprender com a experincia. O arranque das ESES (nos anos 80) e a consequente enfatizao e desenvolvimento da formao de professores situou-se nos antpodas destas duas teses.

Com efeito, prevaleceu uma viso dicotmica entre a formao inicial e a formao contnua, sustentada por uma concepo cumulativa do processo formativo em que este encarado como a adio de duas etapas complementares, relativamente estanques,

articuladas de modo sequencial e linear. Esta viso da formao, como uma sucesso hierarquizada de etapas cuja ordem determina a natureza e a importncia das modalidades formativas, nega a continuidade da formao como algo que inerente a todo o ciclo de vida profissional e baseia-se em duas ideias essenciais: a primeira a de afirmar a predominncia estratgica da formao inicial que precede e determina as posteriores situaes formativas; a segunda a de pensar a formao inicial a partir de um paradigma de racionalidade tcnica, em que se procede a uma justaposio hierarquizada de saberes cientficos, mais saberes pedaggicos, mais montentos de prtica (entendida como uma aplicao).

Da primeira ideia decorre o carcter supletivo da formao contnua qual se atribui uma funo correctiva quer das inevitveis lacunas da formao inicial, quer da, igualmente inevitvel, obsolescncia dos conhecimentos adquiridos. Da segunda ideia decorrem modalidades de aco que limitam a eficcia da formao na medida em que, reduzindo tendencialmente o papel do professor ao de um tcnico, ignoram a vertente artstica, inquiridora e reflexiva da sua interveno em situaes reais marcadas pela complexidade, pela incerteza e pela singularidade. Prez Gomez (1992) sintetiza bem os limites deste paradigma de racionalidade tcnica:

Os problemas da prtica social no podem ser reduzidos a problemas meramente instrumentais, em que a tarefa profissional se rersume a uma acertada escolha e aplicao de meios e procedimentos. De um modo geral, na prtica no existem problemas, mas sim situaes problemticas que se apresentam frequentemente como casos nicos que no se enquadram nas categorias genricas identificadas pela tcnica e pela teoria existentes. Por essa razo, o profissional prtico no pode tratar essas situaes como se fossem meros problemas instrumentais, susceptveis de resoluo atravs de regras armazenadas no seu prprio conhecimento cientfico-tcnico (p. 100).

No que diz respeito ao debate sobre as polticas e prticas de formao de professores, a interveno das instituies do ensino superior tem revelado tendncia a pautar-se, em larga medida, por critrios de defesa de interesses corporativos. Para as instituies formadoras est em causa a criao de condies que lhes permita institurem-se como lugares legtimos de produo dos saberes legtimos, estruturantes da profisso docente.

Este pendor corporativo tem vindo a empobrecer, quer em termos estratgicos, quer em termos metodolgicos, o debate sobre a formao profissional dos professores.

Formao profissional de professores: construir uma relao estratgica entre a formao e o trabalho.

Ensino superior e formao profissional

A dimenso profissional tem vindo a assumir uma relevncia cada vez maior, no quadro dos sistemas de educao e de formao. Apesar deste facto incontroverso, as referncias formao profissional continuam a manter alguma conotao negativa que s compreensvel se analisada luz da tradio histrica que marca a relao entre o mundo da educao formal e o mundo do trabalho. Nos alvores da formao dos modernos sistemas escolares era dominante a dissociao entre o mundo da educao formal e o mundo do trabalho. Esta dissociao viria a traduzir-se por uma organizao dual dos sistemas escolares, comportando uma via nobre, conducente a estudos longos e uma via curta, conduzindo directamente ao exerccio do trabalho. Ainda hoje, quando se fala em formao profissional se pensa, principalmente, naqueles que no vo prosseguir estudos a nvel superior ou, ento nos trabalhadores com muito baixos nveis de qualificao. As transformaes que tm vindo a atravessar quer os sistemas de educao e de formao, quer o prprio mundo do trabalho, tornaram ultrapassada esta maneira de ver, nomeadamente no que diz respeito ao papel e perspectivas do ensino superior no campo da formao profissional.

A transformao de um ensino superior orientado para a formao de elites num ensino superior de massas modificou, de forma radical, a relao eentre o ensino superior, o mundo do trabalho e a problemtica da formao profissional. Esta , hoje, uma questo chave para pensar as polticas relativas ao ensino superior. No faz sentido continuar a pensar em cursos ou formaes de nvel superior, margem de qualquer preocupao profissionalizante. Esta perspectiva implica deixar de encarar a formao profissional

como uma interveno ortopdica junto dos menos qualificados, ou como uma mera alternativa ao prolongamento de estudos. Esta mudana de ponto de vista importante para que se crie e consolide uma cultura de formao profissional dos professores.

No quadro de um paradigma de educao permanente, a formao profissional, nomeadamente de professores, no pode ser entendida como circunscrevendo-se a uma primeira e curta etapa, prvia ao exerccio do trabalho, mas, pelo contrrio, como um processo que inerente globalidade do percurso profissional. Tendem, portanto, a esbater-se as fronteiras que tradicionalmente separam a formao inicial da formao contnua o que conduz concluso lgica de que ambas as vertentes devero ser asseguradas, de modo integrado, por uma mesma instituio. Cada vez mais a tendncia ser para que nos pblicos do ensino superior (quer universitrio, quer politcnico) seja cada vez mais importante a fraco de pessoas adultas que tm ou tiveram uma experincia profissional e que, ao longo da sua vida, recorrero s escolas do ensino superior enquanto instituies especializadas de formao.

Estas emergem como instituies de formao permanente (nas quais a formao profissional contnua ocupa um lugar estratgico fundamental) e no escolas de formao profissional inicial que, de forma subsidiria, desenvolveriam actividades de extenso educativa em direco dos profissionais em exerccio. No caso das escolas de formao de professores, desta situao decorrem naturalmente consequncias importantes relativamente concepo das funes das instituies, das suas polticas, do perfil e formao do seu pessoal docente, do desenho curricular dos seus cursos, da construo da sua oferta formativa.

Formao e mundo do trabalho: da previsibilidade incerteza.

Em termos de evoluo recente, a mais importante mutao registada no campo da formao profissional a da passagem de uma relao de previsibilidade em relao ao mundo do trabalho, para um outro tipo de relao marcado pela incerteza. Com efeito, o fim das certezas (Prygogine, 1996) algo que afecta no apenas o modo como percepcionamos hoje o mundo da natureza, mas tambm toda a vida social. Esta nova relao de incerteza vem pr em causa os dois elementos que foram os pilares de uma relao outrora percepcionada como harmoniosa. O primeiro elemento corresponde a conceber a relao enntre os sistemas de formao e o sistema mercado de trabalho de

acordo com um modelo de adequao. O segundo elemento corresponde a ler a articulao entre a formao e o desempenho profissional de acordo com um modelo de adaptao funcional. Ambas as perspectivas esto, hoje, postas em causa face s evolues que se registaram quer no mundo do trabalho, quer no mundo da formao profissional.

A primeira perspectiva supe uma atitude optimista relativamente virtualidades de um planeamento da formao capaz de responder s necessidades do mercado de trabalho, o que implicaria que este fosse relativamente estvel ou que, em alternativa, se apresentasse com uma evoluo previsvel. A segunda perspectiva implica pressupor a possibilidade de proceder transferncia quase automtica das aquisies realizadas durante a formao, para o posto de trabalho (onde seriam aplicadas), fazendo abstraco das condies sociais (organizacionais) em que se exerce o trabalho, bem como do carcter indeterminado e construdo dessas condies. Deste ponto de vista, a formao encarada como um processo cumulativo e linear que mantm com o desempenho profissional uma relao meramente adaptativa, instrumental e funcional. esta perspectiva que est presente no desgnio ingnuo, por parte de responsveis por cursos de formao inicial, de a partir de um conhecimento relativamente exacto e prvio do que se faz em contexto de trabalho, pretender organizar os cursos de maneira a que eles se adequem funcionalmente s exigncias do exerccio do trabalho.

precisamente a impossibilidade de cumprir este desgnio que apela construo de uma relao estratgica entre a formao e o trabalho, em que o essencial consiste na capacidade de desnvover um reflexo de aprendizagem permanente que permita aprender a identificar o que necessrio saber e a aprender a aprender com a experincia. Quer isto dizer que no possvel continuar a conceber o trabalho humano como algo que susceptvel de ser objecto de uma descrio fina, a priori, para, em seguida, traduzir essa descrio em termos de estratgias pedaggicas, de objectivos pedaggicos, de contedos a ensinar, de gestos a adquirir, detal modo que os formandos venham a poder encaixar-se nos perfis profissionais que foram previamente definidos. Esta perspectiva de descrio a priori no s no se coaduna como contraditria com processos de exerccio do trabalho que mudam de forma acelerada, adquirindo contornos e configuraes que no possvel prever de modo preciso. A emergncia da incerteza na

relao formao-trabalho alimentada por trs grandes fenmenos: so eles a intensificao da mobilidade profissional, a rpida obsoloscncia da informao e as mutaes das organizaees de trabalho.

A mobilidade profissional intensificou-se de forma muito rpida nas trs ltimas dcadas. Hoje, em vez de se afirmar que as pessoas aprendem uma profisso, ser cada vez mais pertinente pensar na diversidade de actividades que cada pessoa desenvolve no quadro da sua trajectria profissional. Quer isto dizer que a actividade profissional de cada um s faz sentido se fr encarada numa perspectiva diacrnica que abrange todo o perodo de vida profissional activa. Ao longo desse ciclo as pessoas mudam as suas qualificaes, constroem (em contexto) uma combinatria deiversa de competncias, mudam de ambiente de trabalho, realizam processos de reconverso e alteram as suas funes de natureza profissional. Em muitos casos, acabam a fazer coisas que pouco tm a ver com a sua formao profissional inicial.

A eemergncia do conceito de trajectria profissional, que concomitante com a emergncia do conceito de percurso de formao ao nvel de cada indivduo, permite romper com uma viso esttica que tem sido predominante no modo de conceber a relao entre a formao e o trabalho. As abordagens que tm como referncia as histrias de vida tm vindo a fundamentar e reforar a importncia de pensar a actividade profissional e a actividade de formao numa perspectiva por um lado intergrada (as duas vertentes no so hoje dissociveis) e, por outro lado, numa perspectiva diacrnica, isto , inseridas na flecha do tempo, enquanto fenmenos nicos e dotados de irreversibilidade. Esta maneira de ver conduz a deixar de encarar a formao como um somatrio de momentos formais no articullados (as chamadas aces de formao). No quadro de um percurso de formao, em que esta entendida como um processo, cada pessoa e cada profissional torna-se o sujeito da sua prpria formao e este ponto de vista que nos permite deslocar o centro das atenes, em termos formativos, das actividades de ensino para as actividades de aprendizagem.

Reside aqui o fundamento para que possamos distinguir um processo de educao permanente daquilo que a sua caricatura, ou seja, a extenso dos processos escolares

ao conjunto da vida (profissional). Esta escolarizao massiva da formao profissional constitui, a meu ver, um fenmeno negativo que se tem manifestado de forma particularmente gritante no caso da formao profissional contnua de professores (Barroso e Canrio, 1999).

Um segundo fenmeno diz respeito ao crescimento, em termos exponenciais, do volume de informao disponvel, o que tem como consequncia uma rpida obsoloscncia dessa mesma informao. Coloca-se, ento, como questo central, saber como transformar sistemas formativos que funcionam tradicionalmente segundo uma lgica cumulativa de informao, em sistemas formativos orientados para a produo de saberes, privilegiando os processos de tratamento e mobilizao da informao. no quadro desta problemtica que se inscreve a importncia estratgica atribuda pesquisa entendida como um eixo metodolgico da formao. Tornam-se, hoje, cada vez mais evidentes os limites de estratgias de formao baseadas em pressupostos de acumulao de informao, precisamente por causa da sua rpida desvalorizao.

Um terceiro fenmeno consiste num processo de mudana acelerada das organizaes de trabalho. O modelo de organizao fordista, tpico da produo em massa, atravs de processos estandardizados e baseados na economia de escala, tem vindo a sofrer um conjunto de mutaes que se orientam no sentido de substituir as relaes burocrticas e hierarquizadas por redes, no interior das organizaes, o que tende a transform-las em sistemas autoregulados em que deixa de haver um centro nico funcionando com base numa cadeia de comando vertical. A passagem de lgica de castelo a uma lgica de rede (Butera, 1990) supe que o exerccio do trabalho deixe de ser segmentado e atomizado, passando a valorizar-se a polivalncia e o trabalho em equipa. O trabalho colectivo faz apelo a que cada um dos membros da organizao possa construir uma intelegibilidade global do processo de trabalho que no ocorria, nem era desejvel que ocorresse no sistema da linha de montagem. Neste, cada pessoa realiza um trabalho parcelar e s conhece o mbito restrito daquilo que faz no seu posto de trabalho.

Estamos, assim, em presena de uma evoluo tendencial de uma cultura de dependncia e de execuo para uma cultura de interaco e de resoluo de problemas, o que apela a capacidades de natureza analtico-simblica para equacionar problemas imprevisveis e no apenas capacidades que permitam mobilizar as respostas certas, aprendidas na formao, para dar resposta a situaes estandardizadas. Esta evoluo, por um lado, torna obsoleta a concepo de formao para o posto de trabalho, por

outro lado, obriga a que a formao deixe de ser pensada exclusivamente em termos de capacitao individual. Na medida em que passam a considerar-se as dimenses colectivas do exerccio do trabalho, a formao orienta-se, tambm, para a formao de equipas de trabalho que se formam em exerccio e no contexto organizacional (de trabalho).

Sem subestimar as diferenas existentes entre os estabelecimentos de ensino e as organizaes de trabalho de tipo taylorista, deve reconhecer-se que as escolas partilham com a generalidade das outras organizaes de trabalho uma tendncia para, por um lado, multiplicar os processos de produo de conhecimento sobre o seu prprio funcionamento e, por outro lado, fazer coincidir essa produo de conhecimento com o exerccio do trabalho e com novas dinmicas e dispositivos de formao no contexto de trabalho, atravs da implicao e mobilizao das capacidade cognitivas e afectivas do pessoal. neste sentido que as escolas tendero a transformar-se em organizaes que aprendem, no quadro das quais os colectivos de professores emergem como comunidades de aprendizagem. Esta perspectiva supe a possibilidade de romper com vises naturalizadas do funcionamento das escolas, a partir de uma capacidade de cada professor para pensar escala do estabelecimento de ensino, superando as prticas insulares (restritas sala de aula) que continuam a dominar a cultura profissional dos professores.

Construir competncias em contexto profissional

O conceito de competncia est, hoje, omnipresente no discurso sobre a formao profissional em geral, incluindo a formao de professores, sendo mobilizado com significados muito diversos, nem sempre claros ou clarificadores. No ser descabido afirmar que, na maioria das vezes se fala em competncia mas se pensa em qualificao e importante estabelecer uma clara distino entre estes dois conceitos.

O uso do termo qualificao remete-nos para a obteno de ttulos acadmicos , diplomas, graus, certificados que constituiriam uma garantia de prvia aquisio dos saberes requeridos por situaes de trabalho especficas. Ou seja, enquanto que o processo de qualificao tem a ver com a aquisio e certificao de saberes, normalmente obtidos por via escolar, a competncia, cpmo escreveu Lise demailly (1987,p. 61) refere-se a um no sei qu atravs do qual a qualificao se torna eficiente e se actualiza numa situao de trabalho. Nesta perspectiva, podemos sustentar que as qualificaes se adquirem por um processo que pode ser cumulativo (as qualificaes podem ser postas em stock e armazenadas) enquanto que as competncias s podem ser produzidas em contexto, a partir da experincia de trabalho.

Quando se afirma que a escola o lugar onde os professores aprendem , precisamente, este processo de produo de competncias profissionais que est a ser referido. no contexto de trabalho, e no na escola de formao inicial, que se decide o essencial da aprendizagem profissional (que coincidente com um processo de socializao profissional). Como todos sabemos a sabedoria no garante a competncia. Muitas pessoas qualificadas no se revelam competentes e o inverso tambm se verifica. Por outro lado, a experincia tambm nos ensina que nenhum professor definitivamente competente ou incompetente, independentemente dos tempos e dos lugares. Com efeito, as qualificaes obtidas por via escolar correspondem certificao de competncias escolares que no so susceptveis de uma transferncia linear e directa para o exerccio profissional, na medida em que dizem respeito ao campo pedaggico que goza de relativa autonomia. Como afirma Berthelot (1994) a definio, produo, reconhecimento e certificao de competncias feita pela escola independentemente da sua efectividade prtica exterior. Por isso:

A ideia de uma correspondncia e de um isomorfismo naturais e racionais entre as competncias escolares e as competncias scio-profissionais um postulado que assenta no desconhecimento da existncia de duas lgicas radicalmente diferentes, em presena nos dois sistemas (p. 200).

A emergncia da noo de competncia, enquanto conceito chave na formao de professores, est associada a uma viso tcnica e racionalizadora da formao que enfatiza a importncia decisiva da formao inicial. Um ponto de vista radicalmente diferente aquele que encara o processo de produo de competncias como um processo multidimensional, individual e colectivo ao mesmo tempo, sempre contingente, ou seja dependente de um contexto e de um projecto de aco. Assim, para Reinbold e Breillot (1993) o conceito de competncia corresponde a saber encontrar e pr em prtica eficazmente as respostas apropriadas ao contexto na realizao de um projecto (p. 15) .

, justamente, por tambm considerar que as competncias so da ordem do saber mobilizar ( possvel armazenar informao, mas no competncias) que Guy Le Boterf (1994) lhes nega um carcter de universalidade, independente de sujeitos e de contextos concretos. Segundo este autor, a competncia no corresponde a um estado, nem a um saber que se possui, nem a um adquirido de formao. Apenas compreensvel, e susceptvel de ser produzida, em acto, do que decorre o seu carcter finalizado, contextual e contingente. Esta maneira de ver contraria a ideia de que as competncias so algo de prvio ao exerccio profissional. Elas aparecem, pelo contrrio, como algo que emergente de processos de mobilizao e confronto de saberes, em contexto profissional.

A compreenso do carcter emergente das competncias profissionais, relativamente aos contextos de trabalho, pode ser reforada a partir do conceito de zelo no trabalho, evocado por Christophe Dejours (1998). Este conceito fundamenta-se na existncia de uma distncia, empiricamente observada pelos socilogos do trabalho, entre trabalho real e trabalho prescrito que conduz a que a execuo estrita dos procedimentos recomendados pela instncias de enquadramento conduz paralizao dos processos de trabalho, conforme pode ser constatado nas situaes em que os trabalhadores utilizam como recurso a designada greve de zelo. Segundo Dejours o processo de trabalho s funciona se os trabalhadores fizerem beneficiar a organizao de trabalho com a sua inteligncia individual e colectiva.

Este exerccio da inteligncia no trabalho s possvel no apenas margem do cumprimento estrito dos procedimentos prescritos, mas a partir de uma atitude de infraco s nornas estabelecidas. O conceito de zelo no trabalho designa a inteligncia eficiente no trabalho em que possvel distinguir, por um lado, caractersticas cognitivas fazer face ao imprevisto, ao indito, quilo que no ainda conhecido, nem integrado na rotina e, por outro lado, caractersticas afectivas ousar transgredir ou infringir, agir de forma inteligente mas clandestina, ou pelo menos discreta (Dejours, 1998, p. 74). a constatao de que a prtica profissional se alimenta de um conjunto de saberes tcitos e de que h um saber escondido no agir profissional (Schon, 1996) que confere fundamento estratgia de optimizar o potencial formativo dos contextos de trabalho. Esta estratgia torna-se, ento, o eixo estruturante do percurso formativo, modificando-se de maneira profunda o papel atribudo formao inicial, prvia ao exerccio profissional. Como escreveu Berthelot (1994, p. 201):

J no se trata, para a escola, de jogar ao puzlle, produzindo peas pr concebidas e recortadas (...), mas sim de jogar xadrez, quer dizer, de produzir peas dotadas de regras genricas de funcionamento, susceptveis de serem actualizadas de modo diverso, consoante a configurao do jogo em que sero integradas e de adquirir outras regras segundo a evoluo deste ltimo.

As situaes profissionais vividas pelos professores ocorrem no quadro de sistemas colectivos de aco (organizaes escolares) cujas regras so, ao mesmo tempo, produzidas e aprendidas pelos actores sociais em presena. Estamos, portanto, em presena de um jogo colectivo, susceptvel de mltiplas e contigentes configuraes , em funo da singularidade dos contextos. na medida em que a produo de prticas profissionais, realizada em contexto, atravessada no apenas por factores individuais (dimenso biogrfica), mas tambm por factores organizacionais que as prticas profissionais devem ser compreendidas no apenas em termos de efeitos de disposio, mas tambm em termos de efeitos de situao (os mesmos professores agem de forma diferente em tempos e contextos diferentes.

a impossibilidade de dissociar o jogo colectivo da aco de cada individuo que permite pensar o funcionamento da organizao de trabalho (neste caso as escolas) como um processo de aprendizagem colectiva do qual emergem comtencias individuais (configuraes de saberes), mas tambm competncias de natureza colectiva. Estas correspondem a um valor acrescentado que estruturado como uma linguagem (...) emerge das articulaes e das trocas fundadas nas competncias individuais (Le Boterf, 1997, p. 249). Se, como defende Claude Dubar (1991,1997), aceitarmos que a produo de prticas profissionais remete, no essencial, para processos de socializao profissional, ento, a formao consiste basicamente em reiventar formas novas de socializao profissional, o que apela a instituir e desenvolver nos contextos de trabalho uma dinmica simultaneamente formativa e de construo identitria que torne possvel essa reinveno. Ela no pode fazer-se seno na aco donde resulta, no caso dos professores, que a formao passa a ser centrada na escola e que os processos formativos passam a ser considerados como processos de interveno nas organizaes escolares.

A articulao e mesmo coincidncia entre situaes de trabalho e situaes de formao, ou melhor a transformao de situaes de trabalho em situaes de formao passa a ser uma preocupao comum quer formao inicial, quer formao contnua. A componente da prtica profissional tende a deixar de ser encarada como um momento de aplicao, para ser considerada, cada vez mais, como o elemento estruturante de uma dinmica formativa tributria de uma concepo de alternncia. Nesta perspectiva, a prtica profissional, no quadro da formao profissional inicial de professores ganhar em ser entendida como uma tripla e interactiva situao de formao que envolve, de forma simultnea, os alunos (futuros professores), os profissionais no terreno (professores cooperantes) e os professores da escola de formao.

Currculo e revalorizao da experincia profissional

Assistimos, no quadro da concepo e gesto das situaes educativas, a uma revalorizao epistemolgica da experincia cuja concretizao em termos operacionais tem como referncia principal

o conceito de alternncia. A afirmao deste conceito est ligada, na sua origem, ao terreno da formao profissional e as prticas a que d fundamento remetem, com frequncia para a existncia de um movimento pendular de vai-e-vem entre dois espaos fisicamente distintos: por um lado a escola profissional, por outro lado, o contexto de exerccio profissional. Esta dimenso de desenvolvimento alternado de actividades na situao de formao e na situao de trabalho , sem dvida, essencial. Porm, sem negar este facto, deve reconhecer-se que esta concepo de alternncia simplificadora e redutora, no exprimindo toda a riqueza potencial do conceito.

Entendida como um simples vai-e-vem entre dois lugares fsicos, a alternncia no supera a exterioridade da formao relativamente ao contexto de trabalho. Ela deve ser encarada, numa acepo muito mais ampla, como um vai-e-vem entre ideias e experincias, ou seja entre teoria e prtica, tornando possvel o ciclo recursivo entre aprendizagem simblica e aprendizagem experiencial de que nos fala Grard Malglaive (19) e que deve ocorrer tambm no interior da escola de formao inicial. esta maneira de encarar o conceito de alternncia que susceptvel de lhe conferir uma maior universalidade (no o restringindo s formaes de orientao profissionalizante). Ela permite, simultaneamente, utilizar este conceito como eixo estruturante de novos modos de pensar e concretizar o currculo. O objectivo de traduzir, em termos curriculares a riqueza e as implicaes do conceito de alternncia constitui um problema indeterminado, que admite uma grande diversidade de solues, que , portanto, refractrio a receitas. Permito-me apenas, e de forma muito sinttica, enunciar trs grandes orientaes que podem servir de referncia para a traduo em termos curriculares da revalorizao da experincia e que se situam numa perspectiva de superao da forma escolar.

A primeira orientao diz respeito necessidade de construir uma outra insero espacial das actividades de formao, encarada numa vertente dupla: por um lado, trata-se de fazer evoluir os espaos escolares tradicionais para espaos educativos; por outro lado, est em causa a construo de uma relao interactiva entre a escola e os restantes espaos sociais. A primeira vertente convida a encarar a escola de formao inicial como um meio de vida que articula diferentes graus de formalizao da aco educativa e valoriza a articulao entre modalidades de auto, eco e heteroformao e remete para uma concepo larga do currculo que engloba tudo o que acontece no quadro da instituio escolar.

A este alargamento do conceito de currculo (tradicionalmente circunscrito s disciplinas, a que se acrescenta a prtica pedaggica) associa-se a segunda vertente, atrs referida, que consiste num movimento de aproximao entre os espaos da escola de formao e os contextos reais de exerccio profissional. Um novo tipo de relacionamento entre as situaes e momentos escolares e as situaes de trabalho implica, no caso da formao profissional de professores, que as escolas sejam encaradas como os lugares fundamentais de aprendizagem profissional e no como meros lugares de aplicao. A aceitao deste pressuposto implica que os contactos estreitos com os contextos de trabalho sejam o mais precoces possvel e estejam presentes ao longo de todo o percurso de formao inicial, no se

circunscrevendo a uma etapa final. S desta forma possvel favorecer um percurso iterativo entre formao e trabalho que permite o movimento duplo de mobilizao, para a aco, de saberes tericos, e, ao mesmo tempo, a formalizao (terica) de saberes adquiridos por via experiencial.

O pressuposto de que os professores aprendem nas escolas a sua profisso implica tambm, necessariamente, uma ruptura com a designada pedagogia do modelo. No caso da organizao da prtica profissional, esta ruptura traduz-se, como aconteceu na minha experincia na Ese de Portalegre pela recusa das escolas especiais entendidas como espaos anexos que prolongam, mas de forma subalterna, a escola de formao inicial. Os contextos de trabalho onde os futuros professores so chamados a observar e intervir no tm que ser exemplares, na medida em que, na realidade tambm no h escolas exemplares. Todas as situaes (desde que a regra seja a de lidar com a diversidade a partir de um olhar crtico) propiciam aprendizagens e a formao deliberada de profissionais, como sublinham Lesne e Mynvielle (1990) ganha em ser pensada a partir da reconstruo de situaes de socializao profissional, o que o contrrio de uma formao em laboratrio.

Na instituio escolar, como assinalou Philipe Meirieu, a actividade dos alunos consiste, basicamente, em responder s perguntas colocadas pelos professores utilizando as respostas (certas) que os mesmos professores lhes ensinaram. Esta caricatura da forma escolar na verso histrica (e portanto contingente) que conhecemos desde os finais do sculo XVIII comum aos diferentes graus e tipos de escola, incluindo, naturalmente as escolas de formao de professores, e exprime a desvalorizao que lhe intrnseca da experincia dos aprendentes e da sua actividade na construo de saberes. Assim, uma segunda orientao consiste em organizar o currculo com a preocupao de, sistematicamente, multiplicar as ocasies de dar a palavra aos alunos, e expresso das suas vivncias e expectativas.

Como referiu Berger (1991) a experincia de usar da palavra, da leitura de textos, da retrica pela qual convencemos o outro da nossa razo constituem alguns exemplos de actividades mais significativas, para os alunos, do que os exerccio escolares tradicionais, baseados na repetio e no treino. A forma mais pertinente de analisar o currculo no consiste em averiguar o que fazem os professores, mas sim em inquirir o que fazem os alunos e em que medida e de que forma lhes dada a palavra. Dar a palavra aos alunos tem como atitude complementar, lgica e necessria, uma atitude de escuta, por parte dos professores da formao inicial, quer em relao aos alunos, quer em relao aos profissionais no terreno. A tendencial superao da forma escolar apela instituio da possibilidade de favorecer a reversibilidade dos papis entre quem ensina e quem aprende. S uma atitude de escuta permite ao formador ter em conta os saberes tcitos dos formandos, construdos de modo intuitivo na aco quotidiana e que, como referia Donald Schon, se traduz na situao tipo do aluno que sabe fazer trocos, mas no sabe somar nmeros.

Uma terceira orientao em tentar estruturar o currculo a partir da articulao interactiva entre situaes de informao, situaes de interaco e situaes de produo. esta articulao que poder permitir fazer evoluir o sistema de formao de uma lgica de repetio de informaes, para uma lgica de produo de saberes. S no quadro desta transformao que o formando (neste caso o futuro professor) deixa de ser tratado (para utilizar a terminologia de Lesne) como um objecto de formao para adquirir o estatuto de sujeito e agente de formao. Nesta ltima perspectiva, o futuro professor interage com as escolas na dupla condio de aprendiz e de agente

socializador dos profissionais no terreno. Ao interrogar criticamente a sua prtica e confrontando-os com outras maneiras de pensar e agir o jovem formando contribui para mudar representaes e comportamentos dos profissionais j veteranos. Esta capacidade de questionar criticamente as prticas de profissionais experimentados, aprendendo com elas e contra elas, s possvel se , dentro da escola de formao inicial, os alunos forem tratados como produtores de saberes.

No caso da formao (como na arte) a forma mais importante que o contedo. Ou seja, o dispositivo de formao determinante relativamente natureza e organizao da informao transmitida. A verificao de que as reformas educativas em vez de mudarem as escolas tenderam a ser por elas mudadas deve-se, em boa parte, ao facto de nas reformas educativas ser dominante a preocupao com a questo o qu ensinar?, subestimando (porque objecto de uma naturalizao) a persistncia das invariantes organizacionais (organizao do tempo, do espao, agrupamento dos alunos, diviso de trabalho dos professores) que fazem das escolas dispositivos de repetio de informaes. Esta lgica de repetio de informaes congruente com actividades programadas para tentar (em vo) eliminar da prtica profissional a incerteza que lhe inerente, e, tambm, com uma relao pedaggica de raiz autoritria. No caso da experincia que vivi na Ese de Portalegre, retenho a lembrana de uma experincia, para ns inovadora e pioneira, na altura, de criao de um sistema tutorial que integrava um seminrio de trabalho projecto ,sem programa, de cujo funcionamento retenho uma avaliao muito positiva. Como outras iniciativas, o crescimento da oferta de formao, a centrao na formao inicial e a persistncia de um paradigma de racionalidade tcnica conjugaram-se para favorecer processos de

escolarizao da formao inicial, em desfavor de processos, como este, de superao do escolar.

A prtica profissional como elemento estruturante da escola de formao

A pertinncia e a possibilidade de a concepo e organizao das modalidades de prtica profissional poder constituir um elemento estruturante no apenas do currculo dos cursos de formao inicial, mas da prpria escola de formao, tem o seu fundamento no facto de esta actividade contemplar, potencialmente, todas as dimenses da misso cometida a estas escolas, facilitando a construo de um projecto educativo prprio ( semelhana do que se espera das escolas do ensino bsico e secundrio).
s escolas de formao de professores so cometidas atribuies no domnio da formao inicial e contnua, bem como actividades de investigao e de interveno regional (servios comunidade). Uma das dificuldades consiste em dar cumprimento a esta misso concretizando de integrada e harmoniosa todas as valncias previstas. E esta dificuldade decorre da dissociao entre a formao inicial e a formao contnua, por um lado, e, por outro da dissociao entre as actividades de formao, as de investigao (subordinadas funcionalmente aos mecanismos de progresso na carreira docente) e as de interveno educativa. A organizao da prtica profissional dos futuros professores pode constituir-se como um elemento de resposta para estas dificuldades precisamente devido sua vocao para associar aquilo que, quase sempre, aparece dissociado.

Assim, a prtica profissional , sempre (de forma deliberada e consciente ou no) um processo de formao inicial e contnua que envolve, obviamente, os alunos da formao inicial, mas tambm os profissionais que os recebem, bem como os professores da escola de formao, para quem esta , frequentemente, o principal elo de ligao realidade do terreno. Torna-se, portanto, possvel e desejvel que a organizao da prtica profissional possa funcionar como a base para construir uma poltica de formao contnua (centrada na escola), em articulao com a formao inicial. Em segundo lugar, a prtica profissional, constitui um processo de interveno nas escolas da regio que, se no fr pensado enquanto tal, pode muito bem transformar-se num elemento de perturbao da vida das escolas. Parece aconselhvel que a organizao da prtica profissional se faa tendo como referentes os estabelecimentos de ensino, como organizaes, e no os professores cooperantes individualmente considerados.

Por fim, a organizao da prtica profissional, numa perspectiva de ruptura com a pedagogia do modelo e de valorizao dos saberes experienciais, supe que ela se estruture a partir de um eixo metodolgico de pesquisa que tem como referencial as situaes de trabalho e envolve a trade j referida (professores, alunos, profissionais no terreno), na perspectiva de Barbier: O acto de trabalho transforma-se em acto de formao desde que seja acompanhado por uma actividade de anlise, de estudo ou de pesquisa sobre ele prprio (1996, p.3). A organizao da relao da formao com o mundo profissional real, contm em si mesma a possibilidade de articular num projecto (curricular) global a formao inicial e contnua, a pesquisa e a interveno. No caso da experincia da Ese de Portalegre, que tenho vindoa evocar, esta relao foi construda em torno de duas opes chave. A primeira consistiu em considerar que as vrias componentes da misso da instituio formadora teriam de ser desenvolvidas (formao, investigao, interveno) desde incio e todas ao mesmo tempo. O cdigo gentico da escola (o seu projecto) deveria estar inscrito desde o princpio, em cada aco desenvolvida. A segunda opo consistiu em iniciar as actividades de formao contnua antes da abertura dos cursos de formao inicial. As actividades de formao contnua foram encaradas como um processo de interveno nas escolas da regio e como parte de um processo de pesquisa que conduziria concepo de um currculo da formao inicial, cuja origem era indutiva, em relao s experincias de interveno no terreno. Sustentou-se, nesse perodo, a ideia de que s uma boa escola de formao contnua (isto capaz de interagir produtivamente com o terreno profissional) poderia vir a ser uma boa escola de formao inicial). O projecto Eco-Arronches que se iniciou em 1987 viria a constituir-se como uma referncia emblemtica deste tipo de estratgia, propondo-se estabelecer ligaes frteis entre os professores no terreno e os alunos da formao inicial e, por outro lado, construir um dispositivo de interveno nas escolas capaz de fundir, num processo nico, a inovao, a investigao e a formao.

Em concluso: Gostaria de concluir esta minha interveno com trs observaes:

A primeira para esclarecer que a minha defesa da revalorizao da experincia na formao profissional dos professores no pode ser confundida com a defesa da aprendizagem como um mero processo de continuidade, em relao experincia anterior. Valorizar a experincia significa, sobretudo, aprender a aprender com a experincia o que, frequentemente s possve a partir da crtica e da ruptura com essa experincia. A prender com a experincia no pode ento ser sinnimo de imitao, mas sim de uma aco em que o prtico se torna um investigador no contexto da prtica, como defende Schon (1996). A segunda observao destina-se a esclarecer que a minha defesa da experincia no processo de formao profissional dos professores no significa qualquer subestimao da teoria. O professor, como profissional, encaro-o como um analista simblico a quem compete equacionar e construir problemas, no terreno da prtica, marcada pela incerteza e a complexidade, e no a dar respostas previamente aprendidas para situaes inteiramente previsveis. Finalmente gostaria de reafirmar a minha convico de que o modo como pensado e organizado o processo de prtica profissional, ser, talvez, o mais pertinente analisador dos cursos de formao profissional inicial de professores. Face multiplicidade de normas e orientaes oficiais enquadradoras deste domnio, seria porventura curioso inquirir da capacidade das escolas de formao de cumprir com zelo a sua tarefa. Ou seja, a sua capacidade para infringir, de modo criativo, as regras estabelecidas.

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