A Estrutura Da Alma C G Jung

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VI - A EST RUT URA DA ALMA1


FONTE: JUNG, Carl Gust av. A Nat ur eza da Psi que. Tradução de Pe. Dom Mat eus Ramalho Rocha, OSB. Pet rópolis:
Vozes, 1984, capít ulo VII, volume VIII/ 2 das Obras Complet as.

NOTA: Os números em colchet es ref erem-se à numeração original dos parágraf os e servem como ref erência para
cit ação bibliográf ica.

[ 283] Como ref lexo do mundo e do homem, a alma é de t al complexidade que pode ser
observada e analisada a part ir de um sem-número de ângulos. Com a psique acont ece j ust a-
ment e o mesmo que acont ece com o mundo: porque uma sist emát ica do mundo est á f ora do
alcance humano, t emos de nos cont ent ar com simples normas art esanais e aspect os de
int eresse part icular. Cada um elabora para si seu próprio segment o do mundo e com ele
const rói seu sist ema privado para seu próprio mundo, muit as vezes cercado de paredes
est anques, de modo que, algum t empo depois, parece-lhe t er apreendido o sent ido e a
est rut ura do mundo. Ora, o f init o não pode j amais apreender o inf init o. Embora o mundo dos
f enômenos psíquicos sej a apenas uma part e do mundo como um t odo, é j ust ament e por est a
razão que parece mais f ácil apreender uma part e do que o mundo int eiro. Mas dest e modo
est ar-se-ia esquecendo que a alma é o único f enômeno imediat o dest e mundo percebido por
nós e por ist o mesmo a condição indispensável de t oda experiência em relação ao mundo.
[ 284] As únicas coisas do mundo que podemos experiment ar diret ament e são os
cont eúdos da consciência. Não que eu pret enda reduzir o mundo a uma idéia, a uma
represent ação do mundo, mas o que eu quero enf at izar é como se eu dissesse que a vida é
uma f unção do át omo do carbono. Est a analogia most ra-nos clarament e as limit ações da ót ica
do prof issional à qual eu sucumbo, ao procurar dar alguma explicação do mundo ou mesmo
uma part e dele.
[ 285] Meu pont o de vist a é, nat uralment e, o pont o de vist a psicológico, e mais
especif icament e o do psicólogo prát ico cuj a t aref a é encont rar, o mais depressa possível,
uma via de saída da conf usão caót ica dos complicados est ados psíquicos. Meu pont o de vist a
deve, necessariament e, dif erir daquele do psicólogo que pode analisar experiment alment e
um processo psíquico isolado, com t oda calma, no silêncio do laborat ório. A dif erença é mais
ou menos aquela que há ent re o cirurgião e o hist ólogo. Também não sou um met af ísico cuj a
t aref a é dizer o que as coisas são em si e por si, e se elas são absolut as ou algo semelhant e.
Os obj et os de que me ocupo sit uam-se t odos dent ro dos limit es do experiment ável.
[ 286] Minha necessidade consist e sobret udo em apreender condições complexas e ser
capaz de f alar sobre elas. Devo ser capaz de expressar coisas complicadas em linguagem
acessível e dist inguir ent re vários grupos de f at os psíquicos. Est as dist inções não podem ser
arbit rárias, porque devo chegar a um ent endiment o com o obj et o de que me ocupo, ist o é,
com meu pacient e. Por ist o, devo recorrer sempre ao emprego de esquemas simples que, de
um lado, reconst it ui os f at os empíricos e, de out ro lado, se liga àquilo que é universalment e
conhecido e assim encont ra compreensão.
[ 287] Est ando para classif icar em grupos, os cont eúdos da consciência, começamos,
segundo a ant iga norma, com a proposição: "Ni hi l est i n i nt el l ect u, quod non ant ea f uer i t i n
sensu" [ "O int elect o só cont ém o que passou pelos sent idos"] .
[ 288] Parece que o conscient e f lui em t orrent es para dent ro de nós, vindo de f ora sob a
f orma de per cepções sensor i ai s. Nós vemos, ouvimos, apalpamos e cheiramos o mundo, e
assim t emos consciência do mundo. Est as percepções sensoriais nos dizem que algo exi st e
f ora de nós. Mas elas não nos dizem o que ist o sej a em si. Ist o é t aref a, não do pr ocesso de
per cepção, mas do pr ocesso de aper cepção. Est e últ imo t em uma est rut ura alt ament e
complexa. Não que as percepções sensoriais sej am algo simples; mas sua nat ureza complexa é
menos psíquica do que f isiológica. A complexidade da apercepção, pelo cont rário, é psíquica.
Podemos ident if icar nela a cooperação de diversos processos psíquicos. Suponhamos ouvir um

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[ Publicado, em ext rat os, em: Eur opäi sche Revue, IV (1928), e com modif icações em: Mensch und Er de, edit . de Keyserling] .
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ruído cuj a nat ureza nos pareça desconhecida. Depois de algum t empo, percebemos
clarament e que o ruído peculiar deve provir das bolhas de ar que sobem pela t ubulação da
cent ral de aqueciment o. Ist o nos permit e r econhecer o ruído. Est e reconheciment o deriva de
um processo que denominamos de pensament o. É o pensament o que nos diz o que a coisa é
em si.
[ 289] Falei acima em ruído "peculiar". Quando qualif ico qualquer coisa como "peculiar",
eu me ref iro a uma t onal i dade af et i va especial que a coisa t em. A t onalidade af et iva implica
uma aval i ação.
[ 290] Podemos conceber o pr ocesso de r econheci ment o essencialment e como uma
comparação e uma dif erenciação com o auxílio da memória. Quando vej o o f ogo, por ex. , o
est ímulo luminoso me t ransmit e a idéia de f ogo. Como exist em inúmeras imagens
recordat ivas do f ogo em minha memória, est as imagens ent ram em combinação com a
imagem do f ogo que acaba de ser recebida, e a operação de compará-la e dif erenciá-la dessas
imagens de recordação produz o reconheciment o, ist o é, a const at ação def init iva da
peculiaridade da imagem há pouco adquirida. Em linguagem ordinária, est e processo
denomina-se pensament o.
[ 291] O pr ocesso de aval i ação é dif erent e: o f ogo que eu vej o provoca reações
emocionais de nat ureza agradável ou desagradável, e as imagens de recordação assim
est imuladas t razem consigo f enômenos emocionais concomit ant es denominados t onal i dades
af et i vas. Dest e modo um Obj et o nos parece agradável, desej ável, belo ou desagradável, f eio,
repelent e, et c. Em linguagem ordinária est e processo se chama sent i ment o.
[ 292] O pr ocesso i nt ui t i vo não é uma percepção sensorial nem um pensament o, nem
t ambém um sent iment o, embora a linguagem, aqui, apresent e uma lacuna lament ável de
discriminação. Com ef eit o: alguém pode exclamar: "Oh, est ou vendo a casa i nt ei r a
quei mando! " Ou: "E t ão cer t o como doi s e doi s são quat r o que haver á um desast r e, se o f ogo
i r r omper aqui ". Ou: "Eu t enho a sensação de que est e f ogo ai nda poder á l evar a uma
cat ást r of e". De acordo com o respect ivo t emperament o, o primeiro f alará de sua int uição
como sendo um at o de ver bem nít ido, ou sej a, f az dele uma percepção sensorial. O out ro a
designará como pensament o: "Bast a só r ef l et i r , par a ver cl ar ament e quai s ser ão as
conseqüênci as", dirá ele. O t erceiro, af inal, sob a impressão de seu est ado emocional, dirá
que sua int uição é um processo de sent ir, mas a int uição, segundo meu modo de ver, é uma
das f unções básicas da alma, ou sej a, a per cepção das possi bi l i dades i ner ent es a uma dada
si t uação. É bem provável que o f at o de os conceit os de sent iment o, sensação e int uição
serem usados indist int ament e no alemão se deva a um desenvolviment o insat isf at ório da
língua, ao passo que sent i ment e sensat i on, do f rancês, e f eel i ng e sensat i on, do inglês, são
absolut ament e dist int os, embora sent i ment e f eel i ng sej am empregados às vezes como
palavras auxiliares para int uição (i nt ui t i on). Recent ement e, porém, o t ermo i nt ui t i on
começou a ser usado comument e na língua inglesa usual.
[ 293] Out ros cont eúdos da consciência que podemos dist inguir são os pr ocessos
vol i t i vos e os pr ocessos i nst i nt i vos. Os primeiros são def inidos como impulsos dirigidos,
result ant es de processos apercept ivos cuj a nat ureza f ica à disposição do chamado livre-
arbít rio. Os segundos são impulsos que se originam no inconscient e ou diret ament e no corpo e
se caract erizam pela ausênci a de l i ber dade ou pela compul si vi dade.
[ 294] Os processos apercept ivos podem ser di r i gi dos ou não di r i gi dos. No primeiro caso
f alamos de at enção, e no segundo, de f ant asias ou sonhos. Os processos dirigidos são
racionais, os não dirigidos irracionais. Ent re est es últ imos se inclui o sonho como a sét ima
cat egoria dos cont eúdos da consciência. Sob cert os aspect os, os sonhos se assemelham às
f ant asias conscient es, pelo f at o de t erem carát er irracional, não dirigido. Mas os sonhos se
dist inguem das f ant asias na medida em que suas causas, seu curso e seu obj et ivo são
obscuros, à primeira vist a, para a nossa compreensão. Mas eu lhes at ribuo a dignidade de
cat egoria de cont eúdo da consciência, porque são a result ant e mais import ant e e mais
evident e de processos psíquicos inconscient es que ainda est ão penet rando no campo da
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consciência. Acredit o que est as set e classes dão uma idéia dos cont eúdos da consciência,
superf icial embora, mas suf icient e para os nossos obj et ivos.
[ 295] Exist em, como se sabe, cert os pont os de vist a que pret endem rest ringir t odo o
psíquico à consciência, como sendo idênt ico a ela. Não acredit o que ist o sej a suf icient e. Se
admit irmos que há cert as coisas que t ranscendem nossa percepção sensorial, ent ão podemos
f alar t ambém do psíquico cuj a exist ência só nos é acessível por via indiret a. Para quem
conhece a psicologia do hipnot ismo e do sonambulismo, é f at o corriqueiro que, embora uma
consciência art if icialment e ou pat ologicament e rest ringida dest a espécie não cont enha
det erminadas idéias, cont udo ela se comport a exat ament e como se as cont ivesse. Havia, por
ex. , uma pessoa hist ericament e surda que cost umava cant ar. Um dia o médico sent ou-se ao
piano, sem que a pacient e not asse, e se pôs a acompanhar o verso seguint e, em uma nova
t onalidade. Imediat ament e a pacient e cont inuou a cant ar na nova t onalidade. Um out ro
pacient e t inha a singularidade de cair em convulsões "híst ero-epilét icas" à vist a do f ogo.
Tinha um campo de visão not adament e limit ado, ist o é , sof ria de cegueira perif érica (t inha o
que se chama campo de visão "t ubular"). Se alguém colocasse um f oco luminoso na zona cega,
ocorria o at aque exat ament e como se ele t ivesse vist o a chama. Na sint omat ologia desses
est ados pat ológicos há inúmeros casos dest a espécie, nos quais, apesar da melhor boa
vont ade, só se pode dizer que est as pessoas percebem, pensam, sent em, recordam-se,
decidem e agem inconscient ement e , ou sej a, f azem inconscient ement e o que out ros f azem
de maneira conscient e. Est es processos ocorrem independent ement e de saber se a
consciência os percebe ou não.
[ 296] Est es processos psíquicos incluem, port ant o, o t rabalho não desprezível de
composição que est á na origem dos sonhos. Embora o sono sej a um est ado em que a
consciência se acha consideravelment e limit ada, cont udo o element o psíquico não deixa
absolut ament e de exist ir e de agir. A consciência apenas se ret irou dele, e na f alt a de um
obj et o em que se concent rar, caiu em um est ado relat ivo de inconsciência. Mas a vida
psíquica, evident ement e, cont inua da mesma f orma como há vida psíquica inconscient e
durant e o est ado de vigília. Não é dif ícil encont rar as provas nest e sent ido. Est e campo
part icular de experiência equivale ao que Freud descreve como "a psicopat ologia do dia-a-
dia". Ele most rou que nossas int enções e ações conscient es muit as vezes são f rust radas por
processos inconscient es, cuj a exist ência é verdadeira surpresa para nós mesmos. Nós
comet emos lapsos de linguagem, lapsos de escrit a, e inconscient ement e f azemos coisas que
t raem j ust ament e aquilo que gost aríamos de mant er o mais secret ament e possível ou que nos
é at é mesmo t ot alment e desconhecido. "Língua l apsa ver um di ci t ", diz um ant igo provérbio. É
sobre a f reqüência dest es f enômenos que se baseia o experiment o das associações ut ilizado
no diagnóst ico e que pode ser de grande proveit o quando o pacient e não pode ou não quer
dizer nada.
[ 297] É nos est ados pat ológicos que podemos encont rar os exemplos clássicos da
at ividade psíquica inconscient e. Quase t oda a sint omat ologia da hist eria, das neuroses
compulsivas, das f obias e, em grande part e, t ambém da d ement i a pr aecox ou esquizof renia, a
doença ment al mais comum, t em suas raízes na at ividade psíquica inconscient e. Por ist o
est amos aut orizados a f alar da exist ência de uma alma inconscient e. Todavia, est a alma não
é diret ament e acessível à nossa observação — do cont rário não seria inconscient e! — mas só
pode ser deduzi da. E nossa conclusão pode apenas dizer: "é como se. . . ".
[ 298] O inconscient e t ambém f az part e da alma. Podemos agora f alar de cont eúdos do
i nconsci ent e, em analogia com os dif erent es cont eúdos da consciência? Ist o equivaleria a
post ular, por assim dizer, um out ro est ado de consciência dent ro do inconscient e. Não quero
ent rar aqui nest a delicada quest ão que t rat ei em out ro cont ext o, mas quero me limit ar à
quest ão se podemos dif erenciar ou não o que quer que sej a no inconscient e. Est a quest ão só
pode ser respondida empiricament e, ou sej a, com a cont rapergunt a se há element os
plausíveis ou não para uma t al dif erenciação.
[ 299] Para mim não há a menor dúvida de que t odas as at ividades que se ef et uam na
consciência podem processar-se t ambém no inconscient e. Há inúmeros exemplos em que um
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problema int elect ual sem solução no est ado de vigília f oi resolvido durant e em sonhos
Conheço um cont abilist a, por ex. , que durant e vários dias t ent ou, em vão, esclarecer uma
f alência f raudulent a. Cert o dia t rabalhou at é meia-noit e, sem encont rar a solução, e em
seguida f oi dormir. Às t rês horas da madrugada, sua mulher o viu levant ar-se e dirigir-se ao
seu gabinet e de t rabalho. Ela o seguiu e o viu t omando not as af anosament e em sua mesa de
t rabalho. Mais ou menos após um quart o de hora ele volt ou ao leit o. Na manhã seguint e ele
não se lembrava de nada. Pôs-se de novo a t rabalhar e descobriu uma série de not as, escrit as
de próprio punho, que esclareciam t ot al e def init ivament e t odo o emaranhado do caso.
[ 300] Em minha at ividade prát ica t enho me ocupado de sonhos há mais de vint e anos.
Vezes e mais vezes t enho vist o como idéias que não f oram pensadas durant e o dia,
sent iment os que não f oram experiment ados, depois emergiam nos sonhos e dest e modo
at ingiam a consciência. Mas o sonho como t al é um cont eúdo da consciência, pois do cont rário
não poderia ser obj et o da experiência imediat a. Mas vist o que ele t raz à t ona mat eriais que
ant es eram inconscient es, somos f orçados a admit ir que est es cont eúdos j á possuíam uma
exist ência psíquica qualquer em um est ado inconscient e e soment e durant e o sonho é que
apareceram à consciência rest rit a, ao chamado “ remanescent e da consciência” . O sonho
pert ence aos cont eúdos normais da psique e poderia ser considerado como uma result ant e de
processos inconscient es, a irromper na consciência.
[ 301] Se, porém, com base na experiência, somos levados a admit ir que t odas as
cat egorias de cont eúdos da consciência podem, ocasionalment e, ser t ambém inconscient es e
at uar sobre a consciência como processos inconscient es, deparamo-nos com a pergunt a,
t alvez inesperada, se o inconscient e t em sonhos t ambém. Em out ras palavras: há result ant es
de processos ainda mais prof undos e — se possível — ainda mais inconscient es que penet ram
nas regiões obscuras da alma! Eu deveria repelir est a pergunt a paradoxal como demasiado
avent urosa, se não houvesse realment e mot ivos que conduzem semelhant e hipót ese ao
domínio do possível.
[ 302] Devemos primeirament e t er diant e dos olhos os element os necessários para
provar que o inconscient e t em sonhos t ambém Se queremos provar que os sonhos ocorrem
como cont eúdos da consciência, devemos simplesment e demonst rar que há cert os cont eúdos
que, pelo carát er e pelo sent ido, são est ranhos e não podem ser comparados aos out ros
cont eúdos racionalment e explicáveis e compreensíveis. Se pret endemos most rar que o
inconscient e t em sonhos t ambém, devemos f azer a mesma coisa com os seus cont eúdos. O
mais simples t alvez sej a apresent ar um exemplo prát ico:
[ 303] Trat a-se de um of icial, de 27 anos de idade Ele sof ria de violent os at aques de
dores na região do coração, como se dent ro houvesse um bolo, e de dores penet rant es no
calcanhar esquerdo. Organicament e não se descobriu nada. Os at aques haviam começado
cerca de dois meses ant es e o pacient e f ora licenciado do serviço milit ar, em vist a de sua
incapacidade t emporária para andar. Várias est ações de cura de nada adiant aram. Uma
invest igação acurada sobre o passado de sua doença não me proporcionou nenhum pont o de
ref erência, e o próprio pacient e não t inha a mínima idéia do que poderia ser a causa de seu
mal. Ele me dava a impressão de ser um t ipo saudável, um t ant o leviano e t eat ralment e meio
"valent ão", como se quisesse, . dizer: "Nest a ni nguém me apanha". Como a anamnese nada
revelasse, eu lhe f iz pergunt as a respeit o de seus sonhos. Imediat ament e t ornou-se evident e a
causa de seus males. Pouco ant es da neurose se manif est ar, a moça que ele namorava
rompeu com ele e noivara com out ro. Ele me cont ou essa hist ória, considerando-a sem
import ância — "uma mul her est úpi da: se el a não me quer , eu ar r anj o out r a — um homem
como eu não se dei xa abat er por uma coi sa dest as". Est a era a maneira pela qual ele t rat ava
sua decepção e sua verdadeira dor. Mas agora seus af et os vêm à t ona. E a dor do coração
desaparece e o bolo que ele sent ia na gargant a desaparece depois de alguns dias de lágrimas.
A "dor no coração" é uma expressão poét ica que aqui se t ornou realidade, porque o orgulho de
meu pacient e não lhe permit ia que ele sof resse sua dor como sendo uma dor da alma. O bolo
que ele sent ia na gargant a, o chamado gl obus hyst er i cus, provém, como t odos sabemos, de
lágrimas engolidas. Sua consciência simplesment e se ret irou dos cont eúdos que lhe eram
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penosos, e est es, ent regues a si mesmos, só podiam alcançar a consciência indiret ament e sob
a f orma de sint omas. Trat a-se de processos int eirament e compreensíveis por via racional e,
conseqüent ement e, de evidência imediat a, os quais — se não t ivesse sido o seu orgulho —
poderiam igualment e t ranscorrer no plano da consciência.
[ 304] E agora quant o ao t erceiro sint oma: as dores que ele sent ia no calcanhar não
desapareceram. Elas não se enquadram na imagem que acabamos de esboçar. O coração não
est á ligado diret ament e ao calcanhar e ninguém exprime sua dor por meio do calcanhar . Do
pont o de vist a racional não se vê a razão pela qual as duas out ras síndromes não sat isf aziam.
Mesmo t eoricament e , est aríamos int eirament e sat isf eit os, se a t omada de consciência do
sof riment o psíquico result asse em dor normal e, conseqüent ement e, em cura.
[ 305] Como a consciência não podia me of erecer nenhum pont o de ref erência para o
sint oma do calcanhar, recorri mais uma vez ao ant igo mét odo dos sonhos. O pacient e t eve um
sonho em que se vira mordido por uma serpent e e imediat ament e f icara paralít ico. Est e
sonho, evident ement e, t razia a int erpret ação do sint oma do calcanhar. O calcanhar lhe doía
porque f ora mordido por uma serpent e. Trat ava-se de um cont eúdo est ranho, com o qual a
consciência racional nada sabia o que f azer. Pudemos ent ender, de imediat o, a razão pela
qual o coração lhe doía, mas o f at o de o calcanhar t ambém doer, ult rapassava qualquer
expect at iva racional. O pacient e f icou complet ament e perplexo diant e do caso.
[ 306] Aqui, port ant o, t eríamos um cont eúdo que irrompe na zona inconscient e, de
maneira est ranha, e provavelment e provém de uma camada mais prof unda que j á não pode
ser esquadrinhada por via racional. A analogia mais próxima dest e sonho é, evident ement e, a
própria neurose. Ao rej eit á-lo, a moça provocou-lhe uma f erida que o paralisou e o pôs
doent e. Uma análise post erior do sonho revelou um novo pedaço de seu passado que ent ão se
t ornou claro ao nosso pacient e, pela primeira vez: ele f ora o f ilho querido de uma mãe um
t ant o hist érica. Ela t inha pena dele, admirava-o e paparicava-o em excesso, razão pela qual
ele se criou com modos de mocinha. Mais t arde, de repent e assume um port e viril e abraça a
carreira milit ar, onde poderia encobrir sua moleza int erior com suas exibições de "valent ia".
Em cert o sent ido, a mãe t ambém o paralisara.
[ 307] Trat a-se manif est ament e daquela mesma ant iga serpent e que f oi sempre amiga
especial de Eva, "El a t e esmagar á a cabeça, e t u (a ser pent e) l he f er i r ás o cal canhar ", diz o
Gênesi s a respeit o da descendência de Eva, f azendo eco a um hino egípcio muit o mais ant igo,
que se cost umava recit ar ou cant ar para curar mordidas de serpent e:

A i dade do deus f ez sua boca se mover ,


E j ogou sua l ança por t er r a,
E o que el a cuspi a, caía no chão.
Isi s amassou-o, ent ão, com suas mãos
Junt ament e com a t er r a que havi a aí;
E com t udo i st o f or mou um ver me nobr e,
E o f ez semel hant e a um dar do.
El a não o enr ol ou sem vi da em t or no de seu r ost o,
Mas o at i r ou enr ol ado sobr e o cami nho
Pel o qual o Gr ande Deus cost umava andar
À vont ade, at r avés de seus doi s r ei nos.
O nobr e deus avançava r espl endent e,
Os deuses que ser vi am o f ar aó acompanhavam-no,
E el e segui a em f r ent e, como acont eci a t odos os di as.
Ent ão o nobr e ver me pi cou-o.
Suas maxi l as começar am a bat er
E t odos os seus membr os t r emi am.
E o veneno i nvadi u sua car ne,
Como o Ni l o i nvade seu t er r i t ór i o.
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[ 308] Os conheciment os bíblicos conscient es de meu pacient e consist iam em um
mínimo lament ável. Provavelment e um dia ele ouvira dist raidament e f alar de uma serpent e
que mordia o calcanhar e, em seguida, a esqueceu. Mas algo de prof undo em seu inconscient e
o ouviu e não o esqueceu, mas na ocasião oport una o recordou: um pedaço de seu
inconscient e, que evident ement e gost ava de se expressar mit ologicament e, porque est e
modo de expressão est ava em consonância com sua nat ureza.
[ 309] Mas a que t ipo de ment alidade corresponde a maneira de expressar simbólica ou
met af órica? El a cor r esponde a ment al i dade do homem pr i mi t i vo, cuj a l i nguagem não possui
t er mos abst r at os, mas apenas analogias nat urais e "não-nat urais". Est a ment alidade da
venerável ant iguidade é t ão est ranha àquela psique que produz dores do coração e o bolo na
gargant a quant o um bront ossauro a um cavalo de corrida. O sonho da serpent e nos revela um
f ragment o daquela at ividade psíquica, que não t em mais nada a ver com a moderna
individualidade do sonhador. Ela se processa, por assim dizer, como que "numa camada mais
prof unda, e soment e suas result ant es emergem em uma camada superior onde j azem os
af et os reprimidos, t ão est ranhos para elas quant o um sonho para a consciência. E da mesma
f orma como precisamos de empregar uma cert a t écnica analít ica para ent ender um sonho,
assim t ambém necessit amos de conheciment o da mit ologia para apreender o sent ido de um
f ragment o que surge de uma camada mais prof unda.
[ 310] O t ema da serpent e, por cert o, não era uma aquisição individual do sonhador,
pois os sonhos com serpent es são muit o comuns, mesmo ent re os habit ant es das grandes
cidades, dos quais muit os provavelment e nunca viram uma serpent e verdadeira.
[ 311] Mas poder-se-ia obj et ar que a serpent e no sonho nada mais é do que uma f i gur a
de l i nguagem concret izada. Ora, a respeit o de cert as mulheres dizemos que são f alsas como
serpent es; f alamos da serpent e da t ent ação, et c. Est a obj eção me parece quase inaceit ável
no present e caso, mas é dif ícil encont rar uma prova mais rigorosa, porque a serpent e é
realment e uma f igura de linguagem muit o comum, mas só seria possível uma prova mais
precisa, se pudéssemos encont rar um caso em que o simbolismo mit ológico não f osse uma
f igura de linguagem comum ou uma cript omnésia, ist o é, um caso em que o sonhador nunca
t ivesse lido, vist o ou ouvido, em qualquer part e ou de algum modo, acerca do t ema em
quest ão, e depois o t ivesse esquecido e de novo o t ivesse lembrado inconscient ement e. Est a
prova me parece de grande import ância, pois ela nos most raria que o inconscient e racional
seria uma at ividade psíquica que é independent e da alma conscient e e at é mesmo da camada
superior inconscient e, e cont inua não t ocada — e t alvez int ocável — pela experiência pessoal,
uma espécie de at ividade psíquica supra-individual, um i nconsci ent e col et i vo, como o
chamei, para dist ingui-lo de um i nconsci ent e superf icial, relat ivo ou pessoal .
[ 312] Mas ant es de sairmos a procura dest a prova, eu gost aria, para sermos complet os,
de f azer ainda algumas observações complement ares ao sonho com a serpent e. A impressão
que se t em é de que essas camadas hipot ét icas mais prof undas do inconscient e — o
inconscient e colet ivo — t raduzem as experiências com mulheres em mordida de serpent e no
sonho, t ransf ormando-as, assim, em t emas mit ológicos. O mot ivo — ou melhor, o obj et ivo
dist o — nos parece obscuro à primeira vist a, mas se nos recordarmos do princípio f undament al
segundo o qual a sint omat ologia de uma doença, é, ao mesmo t empo, uma t ent at iva nat ural
de cura — as dores do coração por exemplo, são uma t ent at iva de produzir uma explosão
emocional — ent ão devemos considerar o sint oma do calcanhar, t ambém como uma espécie
de t ent at iva de cura. Como nos most ra o sonho, não é soment e a decepção recent e no amor,
mas t ambém t odas as out ras decepções na escola e em out ras sit uações que est e sint oma
eleva ao mesmo t empo ao nível de um acont eciment o mít ico, como se ist o de algum modo
pudesse aj udar o pacient e.
[ 313] Ist o t alvez nos pareça simplesment e inacredit ável, mas os sacerdot es-médicos do
ant igo Egit o que ent oavam o hino da serpent e de Isis sobre a mordida da serpent e,
acredit avam nest a, t eoria; e não soment e eles, mas t odo o mundo ant igo acredit ava, como o
primit ivo ainda hoj e acredit a na magi a por anal ogi a - pois t rat a-se aqui do f enômeno psíquico
que est á na raiz da magia por analogia.
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[ 314] Não devemos pensar que ist o sej a uma ant iga superst ição que f icou bem para t rás
no t empo. Se lermos at ent ament e os t ext os lat inos do missal, t oparemos const ant ement e com
o f amoso si cut que int roduz sempre uma analogia mediant e a qual se deve produzir uma
mudança. Exemplo impressionant e de analogia era a produção do f ogo sagrado no Sabbat um
sanct um [ Vigília pascal] . Ant igament e, como se sabe, obt inha-se o f ogo, nest a ocasião,
golpeando-se uma pedr a — e, mais ant igament e ainda, perf urando-se uma peça de madeira, o
que era uma prerrogat iva da Igrej a. Por ist o, o sacerdot e pronunciava a seguint e oração:
"Deus, qui per Fi l i um t uum, angul ar em sci l i cet l api dem, cl ar i t at i s t uae i gnem f i del i bus
cont ul i st i : pr oduct um e si l i ce, nost r i s pr of ut ur um usi bus, novum hunc i gnem sanct i f i ca": "Ó
Deus, que por vosso Filho, Pedr a angul ar da Igrej a, acendest es nos corações de vossos f iéis o
f ogo de vossa claridade, sant if icai est e f ogo novo, que da pedra ret iramos para nosso uso".
Pela analogia com o Crist o como pedra angular, o f ogo ret irado da pedra é de cert o modo
elevado ao nível de Crist o, que, por sua vez, acende um novo f ogo.
[ 315] O racionalist a pode rir-se dest as coisas. Mas há algo de prof undo que f oi t ocado
dent ro de mim, e não soment e dent ro de mim, mas dent ro de milhões de crist ãos, chamemos
a ist o de beleza ou não. Mas o que f oi t ocado dent ro de nós f oram aqueles element os de
f undo, aquelas f ormas imemoriais do espírit o humano que nós próprios não adquirimos, mas
herdamos desde épocas que se perdem nas brumas do passado.
[ 316] Se exist isse est a alma supra-individual, t udo o que é t raduzido em sua linguagem
f igurada perderia o carát er pessoal, e se se t ornasse conscient e, vê-lo-íamos sub speci e
aet er ni t at i s [ sob a f igura da et ernidade] , não mais como o meu sof riment o, mas como o
sof riment o do mundo, não mais como uma dor pessoal e isoladora, mas como uma dor sem
amargura, unindo-nos a t odos os homens. Não precisamos de procurar provas para demonst rar
que ist o t eria ef eit o curat ivo.
[ 317] Mas quant o a saber se, de f at o, exist e est a alma supra-individual, at é agora não
apresent ei nenhuma prova que sat isf aça a t odas as exigências. Eu gost aria de o f azer, mais
uma vez, sob a f orma de um exemplo: Trat a-se de um doent e ment al de seus t rint a anos de
idade, que sof ria de uma f orma paranóide de dement i a pr aecox (esquizof renia). Adoeceu
desde cedo, quando mal ent rava na casa de seus vint e anos. Apresent ou sempre uma est ranha
mist ura de int eligência, obst inação e idéias f ant asist as. Fora simples escrit urário, empregado
de um consulado. Evident ement e, como compensação para sua exist ência ext remament e
modest a, adoeceu de megalomania e acredit ava que era o Salvador. Sof ria de f reqüent es
alucinações por cert os períodos f icava muit o agit ado. Nos períodos de calma, podia circular
livrement e pelo corredor do hospit al, Cert o dia o encont rei aí, piscando as pálpebras para o
sol at ravés da j anela e movendo curiosament e a cabeça para um lado e para out ro. Logo me
pegou pelo braço, querendo me most rar alguma coisa. Dizia-me que eu devia piscar as
pálpebras, olhando para o sol; que eu ent ão poderia ver o pênis do sol. Se eu movesse a
cabeça de um lado para o out ro, eu t ambém veria o pênis do sol, e est a era a or i gem do
vent o.
[ 318] Eu f iz est a observação cerca do ano de 1906. No decorrer de 1910, quando eu
est ava absorvido nos est udos mit ológicos, caiu-me nas mãos um livro de Diet erich, t radução
de uma part e do chamado Papi r o Mági co de Par i s. Diet erich considerava o t ext o est udado e
t raduzido por ele como uma lit urgia do cult o de Mit ra. Consist e o mesmo em uma série de
prescrições, de invocações e visões. Uma dest as visões é descrit a com as seguint es palavras:
"Da mesma manei r a, ver -se-á t ambém, o chamado t ubo, or i gem do vent o de ser vi ço. Tu
ver ás, com ef ei t o, uma espéci e de t ubo pendendo do di sco sol ar , e de t al modo que, em
di r eção às r egi ões do oci dent e sopr a um vent o i nf i ni t o; mas quando é o out r o vent o que
sopr a na di r eção das r egi ões do l est e, obser var ás, da mesma manei r a, que a vi são vol t ar -se-á
nest a mesma di r eção". O t ermo grego para t ubo, αυλοζ, signif ica inst rument o de sopro, e na
combinação αυλοζ παχυζ, em Homero, signif ica "f ort e j orro de sangue". Evident ement e
uma cor r ent e de vent o sopra at ravés do t ubo que sai do sol.
[ 319] A visão de meu pacient e, no ano de 1906, e o t ext o grego edit ado soment e em
1910 se achavam suf icient ement e separados no t empo, de modo a excluir a possibilidade de
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uma cript omnésia de sua part e e uma t ransmissão de pensament o, da minha. Não se pode
negar o paralelismo evident e ent re as duas visões, mas poderíamos af irmar que se t rat a de
uma semelhança merament e casual. Nest e caso, não poderíamos esperar nem conexões com
idéias análogas nem um sent ido ínt imo da visão. Est a expect at iva, porém, não se concret izou,
porque em cert as pint uras da Idade Média est e t ubo é represent ado, inclusive, sob a f orma de
mangueira de regar que pende do céu e penet ra por baixo das vest es de Maria, no moment o
da Anunciação, e o Espírit o Sant o aparece descendo por ele, sob a f orma de pomba, para
f ecundar a Virgem. Como sabemos pelo milagre de Pent ecost es, o Espírit o Sant o é
represent ado, desde os t empos ant igos, como um vent o impet uoso, o πνευμα — "o vent o
sopra onde quer — το πνευμα οπου θελει πνει" [ Jó 3, 8] . "Ani mo descensus per or bem sol i s
t r i bui t ur ": diz-se que o Espírit o desce pelo círculo do sol. Est a concepção é comum a t oda a
f ilosof ia clássica t ardia e medieval.
[ 320] Não consigo, port ant o, descobrir nada de casual nest as visões, mas simplesment e
o ressurgiment o de possibilidades, de idéias que sempre exist iram e que podem ser
descobert as de novo nas mais diversas ment es e épocas, não sendo, port ant o, idéias
herdadas!
[ 321] Ent rei proposit adament e nas part icularidades dest e caso, para of erecer uma
visão concret a daquela at ividade psíquica mais prof unda qual sej a o inconscient e colet ivo.
Resumindo, gost aria, port ant o, de observar que devemos dist inguir, por assim dizer, t rês
níveis psíquicos, a saber: 1) a consci ênci a; 2) o i nconsci ent e pessoal que se compõe,
primeirament e, daqueles cont eúdos que se t ornam inconscient es, sej a porque perderam sua
int ensidade e, por ist o, caíram no esqueciment o, sej a porque a consciência se ret irou deles (é
a chamada repressão) e, depois, daqueles cont eúdos, alguns dos quais percepções sensoriais,
que nunca at ingiram a consciência, por causa de sua f raquíssima int ensidade, embora t enham
penet rado de algum modo na consciência e 3) o i nconsci ent e col et i vo, que, como herança
imemorial de possibilidades de represent ação, não é individual, mas comum a t odos os
homens e mesmo a t odos os animais, e const it ui a verdadeira base do psiquismo . individual.
[ 322] Todo est e organismo psíquico corresponde perf eit ament e ao corpo que, embora
varie sempre de indivíduo para indivíduo, é, ao mesmo t empo e em seus t raços essenciais
básicos, o corpo especif icament e humano que t odos t emos e que em seu desenvolviment o e
em sua est rut ura conserva vivos aqueles element os que o ligam aos invert ebrados e, por
últ imo, at é mesmo aos prot ozoários. Teoricament e deveria ser possível ext rair, de novo, das
camadas do inconscient e colet ivo não só a psicologia do verme, mas at é mesmo a da ameba.
[ 323] Todos est amos convencidos de que seria t ot alment e impossível ent ender o
organismo vivo sem considerar sua relação com as condições ambient ais. Há um sem-número
de f at os biológicos que só podemos explicar como reações ao meio ambient e; assim, por ex. ,
a cegueira do pr ot eus angui nus [ espécime dos prot eídos] , as peculiaridades dos parasit as
int est inais, a anat omia específ ica dos vert ebrados que revert eram à vida aquát ica.
[ 324] O mesmo se pode dizer a respeit o da alma. A sua organização peculiar deve est ar
int imament e ligada às condições ambient ais. Esperaríamos que a consciência reaj a e se
adapt e ao present e, porque a consciência é, por assim dizer, aquela part e da alma que t em a
ver, sobret udo, com f at os do moment o, ao passo que do inconscient e colet ivo, como psique
at emporal e universal, esperaríamos reações às condições mais universais e permanent es, de
carát er psicológico, f isiológico e f ísico.
[ 325] O inconscient e colet ivo— at é onde nos é possível j ulgar parece ser const it uído de
algo semelhant e a t emas ou imagens de nat ureza mit ológica, e, por est a razão, os mit os dos
povos são os verdadeiros expoent es do inconscient e colet ivo. Toda a mit ologia seria uma
espécie de proj eção do inconscient e colet ivo. É no céu est relado cuj as f ormas caót icas f oram
organizadas mediant e a proj eção de imagens, que vemos ist o o mais clarament e possível. Ist o
explica as inf luências dos ast ros, af irmadas pela Ast rologia: est as inf luências mais não seriam
do que percepções int rospect ivas inconscient es da at ividade do inconscient e colet ivo. Do
mesmo modo como as const elações f oram proj et adas no céu, assim, t ambém out ras f iguras
semelhant es f oram proj et adas nas lendas e nos cont os de f adas ou em personagens hist óricas.
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Por isso, podemos est udar o inconscient e colet ivo de duas maneiras: na mit ologia ou na
análise do indivíduo. Como não posso colocar est e últ imo mat erial ao alcance dos leit ores,
devo limit ar-me à mit ologia. Mas a mit ologia, por sua vez, é um campo t ão vast o, que só
posso dest acar apenas alguns casos mais represent at ivos. Da mesma f orma, as condições
ambient ais são t ão numerosas e variadas, que aqui t ambém só podemos t omar apenas alguns
exemplos mais ilust rat ivos.
[ 326] Da mesma f orma que o organismo vivo com suas caract eríst icas especiais
const it ui um sist ema de f unções de adapt ação às condições ambient ais, assim t ambém a alma
deve apresent ar aqueles órgãos ou sist emas de f unções que correspondem a acont eciment os
f ísicos regulares. Não me ref iro às f unções sensoriais que dependem de órgãos, mas, ant es, a
uma espécie de f enômenos psíquicos paralelos aos f at os f ísicos regulares. Para t omarmos um
exemplo: o curso diário do sol e o alt ernar-se regular dos dias e das noit es deveriam ref let ir-
se na psique sob a f orma de imagem gravada aí desde t empos imemoriais. Não podemos
demonst rar a exist ência de uma t al imagem, mas, em compensação, descobrimos analogias
mais ou menos f ant ást icas do processo f ísico: cada manhã um herói divino nasce do mar e
sobe no carro do Sol. No ocident e, espera-o uma Grande Mãe, que o devora, assim que
anoit ece. No vent re de um dragão o herói at ravessa o f undo do mar da meia-noit e . Depois de
um combat e t errível com a serpent e not urna, ele renasce na manhã seguint e.
[ 327] Est e conglomerado mít ico cont ém, sem dúvida, um ref lexo do processo f ísico, e
ist o é t ão óbvio, que muit os pesquisadores, como se sabe, admit em que os primit ivos
invent aram t ais mit os para explicar globalment e os processos f ísicos. Pelo menos é f ora de
dúvida que as Ciências e a Filosof ia Nat ural nasceram dest e solo nat ivo, mas que o primit ivo
t enha imaginado est as coisas apenas por necessidade de explicação, como uma espécie de
t eoria f ísica ou ast ronômica, me parece sumament e improvável.
[ 328] O que podemos dizer sobre as imagens mít icas é, em primeiro lugar, que o
processo f ísico penet rou na psique clarament e sob est a f orma f ant ást ica e dist orcida e aí se
conservou, de sort e que o inconscient e ainda hoj e reproduz imagens semelhant es.
Nat uralment e nest e pont o surge a pergunt a: por que a psique não regist ra o processo nat ural,
mas unicament e as f ant asias em t orno do processo f ísico?
[ 329] Se nos t ransport armos para a ment e do primit ivo, imediat ament e
compreenderemos a razão pela qual ist o acont ece. Com ef eit o, ele vive num t al est ado de
par t i ci pat i on myst i que, como Lévy-Bruhl chamou est e f at o psicológico, que ent re o suj eit o e
o obj et o não há aquela dist inção absolut a que se encont ra em nossa ment e racional. O que
acont ece f ora, acont ece t ambém dent ro dele, e o que acont ece dent ro dele, acont ece
t ambém f ora. Presenciei um belo exemplo dest e f at o quando est ive ent re os Elgônis, uma
t ribo primit iva de Mont e Elgon, na Áf rica orient al. Eles cost umam cuspir nas mãos, ao nascer
do Sol, e volt am as palmas em direção a est e, quando se ergue sobre o horizont e. Como a
palavra at híst a signif ica, ao mesmo t empo, Deus e Sol, eu lhes pergunt ei: "O Sol é Deus?" Eles
me responderam: "não", com uma gargalhada, como se eu t ivesse pergunt ado alguma coisa
part icularment e est úpida. Como nest e preciso moment o o Sol se achava a pino no céu,
apont ei para ele e pergunt ei: "Quando o Sol est á aqui , vós di zei s que el e não é Deus, mas
quando est á no poent e, di zei s que é Deus". Fez-se um silêncio embaraçoso, at é que um velho
chef e t omou a palavra e disse: "É i st o mesmo. É ver dade: quando o Sol est á aqui em ci ma,
não é Deus, mas quando se põe, é Deus (ou ent ão ser á Deus)". Para a ment e do primit ivo é
indif erent e qual das duas versões sej a a corret a. O nascer do Sol e o sent iment o da própria
libert ação const it uem para ele um só e mesmo event o divino, da mesma f orma que a noit e e
seus t emores são uma só e mesma coisa. Sua emoção lhe diz muit o mais do que a Física, por
ist o ele regist ra suas f ant asias emocionais. Para ele, port ant o, a noit e signif ica a serpent e e o
sopro f rio dos espírit os, enquant o a manhã é o nasciment o de um belo deus.
[ 330] Da mesma f orma como exist em t eorias mit ológicas que pret endem explicar t odas
as coisas como t endo provindo do Sol, assim t ambém exist em t eorias lunares que f azem o
mesmo em relação à Lua. Ist o se deve simplesment e ao f at o de que exist em realment e
inúmeros mit os lunares ent re os quais t oda uma série em que a Lua é a mulher do Sol. A Lua é
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a experiência mut ável da noit e. Por ist o ela coincide com a experiência sexual do primit ivo,
coincide com a mulher que é para ele t ambém a experiência da noit e. Mas a Lua pode
t ambém ser a irmã inf eriorizada do Sol, pois durant e a noit e os pensament os maus e
emocionais de poder e vingança pert urbam o sono. A Lua é pert urbadora do sono; e é t ambém
um recept áculo das almas separadas, pois os mort os volt am de noit e, durant e os sonhos, e os
f ant asmas do passado aparecem t errif icant es durant e a insônia. Assim, a Lua signif ica
t ambém a loucura (l unacy). São experiências dest a nat ureza que se gravaram na alma, em
lugar da imagem mut ável da Lua.
[ 331] Não são as t empest ades, não são os t rovões e os relâmpagos, nem a chuva e as
nuvens que se f ixam como imagens na alma, mas as f ant asias causadas pelos af et os. Cert a vez
assist ia a um violent o t erremot o, e minha primeira e imediat a sensação era a de que eu não
est ava mais na t erra sólida e f amiliar, mas sobre a pele de um gigant esco animal que
sacolej ava sob meus pés. Foi est a a imagem que se gravou e não o f at o f ísico. As maldições do
homem cont ra os t emporais, seu medo perant e os element os desencadeados ant ropomorf izam
a paixão da nat ureza, e o element o purament e f ísico se t ransf orma em um deus f urioso.
[ 332] Da mesma maneira que as condições do meio ambient e, as condições f isiológicas,
t ambém as pulsões glandulares provocam f ant asias carregadas de af et os. A sexualidade
aparece como um deus da f ert ilidade, como um demônio f eminino f erozment e sensual, como
o próprio diabo, com pernas caprinas dionisíacas e gest os obscenos, ou como uma serpent e
t errif icant e que procura suf ocar suas vít imas at é a mort e.
[ 333] A f ome t ransf orma os aliment os em deuses, e cert as t ribos de índios do México
chegam mesmo a dar f érias anualment e a seus deuses para se recuperarem, privando-os dos
aliment os cost umeiros por um cert o t empo. Os ant igos f araós eram venerados como
comedores dos deuses. Osíris era o t rigo, o f ilho da t erra, e por ist o as hóst ias at é o present e
devem ser f eit as de f arinha de t rigo, ist o é, represent am um deus que será comido, como o
f ora laços, o mist erioso deus dos mist érios eleusinos. O t ouro de Mit ra represent a a
f ert ilidade aliment ar da t erra.
[ 334] As condições psicológicas do meio ambient e nat uralment e deixam t raços mít icos
semelhant es at rás de si. Sit uações perigosas, sej am elas perigos para o corpo ou ameaças
para a alma, provocam f ant asias carregadas de af et o, e na medida em que t ais sit uações se
repet em de f orma t ípica, dão origem a. ar quét i pos, nome que eu dei aos t emas mít icos
similares em geral.
[ 335] Dragões habit am j unt o aos cursos de água, de pref erência nos baixios ou out ras
passagens perigosas; dj i nns e out ros demônios moram em desert os áridos ou em desf iladeiros
perigosos; os espírit os dos mort os vivem nas moit as sinist ras das f lorest as de bambu; ondinas
t raiçoeiras e serpent es aquát icas habit am nas prof undezas do mar ou nos sorvedouros das
águas. Poderosos espírit os dos ancest rais ou deuses moram em pessoas import ant es, e os
poderes mort ais dos f et iches residem em qualquer coisa est ranha ou ext raordinária. A doença
e a mort e nunca são devidas a causas nat urais, mas são invariavelment e produzidas por
espírit os ou bruxas. Mesmo a arma que mat ou alguma pessoa é mana, ist o é, dot ada de f orça
ext raordinária.
[ 336] E agora pergunt ar-me-ão: O que dizer dos event os mais corriqueiros, das
realidades mais imediat as e mais próximas de nós, como o marido, a mulher, o pai, a mãe, os
f ilhos? Os f at os mais comuns da vida quot idiana, que se repet em et ernament e, produzem os
arquét ipos mais poderosos, cuj a at ividade incessant e é imediat ament e reconhecível em t oda
part e, mesmo em nossa época racionalist a. Tomemos como exemplos os dogmas crist ãos: a
Trindade é const it uída por Deus Pai, Filho e Espírit o Sant o que era represent ado pela ave de
Ast art e, a pomba, e t ambém se chamava Sof ia e possuía nat ureza f eminina nos primeiros
t empos do Crist ianismo. O cult o a Maria na Igrej a post erior é um sucedâneo evident e dessa
prát ica. Temos aqui o arquét ipo da f amília εν ουρανιω τοπω "num lugar celest e" — como o
expressou Plat ão — ent ronizado como f ormulação do últ imo mist ério. Crist o é o esposo, a
Igrej a é a esposa; a piscina bat ismal é o ut ar um eccl esi ae [ o út ero da Igrej a] , como ainda é
chamada no t ext o da benedi ct i o f ont i s [ bênção da f ont e] . A água é bent a com sal, dando-nos
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uma idéia de líquido amniót ico ou água do mar. Celebra-se um hierógamos, um casament o
sagrado, na bênção do Sabbat um sanct um acima mencionado, onde se mergulha por t rês
vezes uma vela ou círio aceso, na f ont e bat ismal, como símbolo f álico, para f ecundar a água e
lhe conf erir o poder de gerar de novo o neóf it o (quasi modo geni t us), A personalidade mana, o
curandeiro [ medi ci ne-man] é o pont i f ex maxi mus, o Papa; a Igrej a é a mat er eccl esi a, a
magna mat er dot ada de poderes mágicos; os homens são f ilhos carent es de aj uda e de graça.
A sediment ação de t odas as poderosas experiências ancest rais de t oda a humanidade — ricas
de af et os e de imagens — com o pai, a mãe, os f ilhos, o marido e a mulher, com a
personalidade mágica, com os perigos do corpo e da alma, erigiu est e grupo de arquét ipos em
princípios f ormuladores e reguladores supremos da vida religiosa e at é mesmo da vida
polít ica, num reconheciment o inconscient e de suas t remendas f orças psíquicas.
[ 338] Eu descobri que uma compreensão racional dest as coisas de modo nenhum as
priva de seu valor; pelo cont rário, aj uda-nos não soment e a sent ir, mas a ent ender sua
imensa import ância. Est a poderosa proj eção permit e ao cat ólico experiment ar uma part e
considerável do seu inconscient e colet ivo em uma realidade t angível. Assim, ele não precisa
procurar uma aut oridade, uma inst ância superior, uma revelação, alguma coisa que o una ao
et erno e int emporal. Est as coisas est ão sempre present es, e ao seu alcance: no Sant íssimo
Sacrament o de cada alt ar ele t em a presença real de Deus. É o prot est ant e e o j udeu que
devem procurar: um, porque, por assim dizer, dest ruiu o corpo da divindade, e o out ro,
porque nunca o at ingiu. Para ambos, os arquét ipos que se t ornaram uma realidade viva e
visível para os cat ólicos j azem mergulhados no inconscient e. Aqui, inf elizment e, não posso
ent rar mais prof undament e nas dif erenças not áveis da at it ude de nossa consciência de
civilizados f ace ao inconscient e. Eu gost aria, ent ret ant o, de most rar que est a quest ão da
at it ude é cont rovert ida e evident ement e um dos maiores problemas com que se def ront a a
humanidade.
[ 339] Ist o t ambém é f ácil de compreender, t ão logo se perceba que o inconscient e,
enquant o t ot alidade de t odos os arquét ipos, é o reposit ório de t odas as experiências humanas
desde os seus mais remot os-inícios: não um reposit ório mort o — por. assim dizer um campo de
dest roços abandonados — mas sist emas vivos de reação e apt idões, que det erminam a vida
individual por caminhos invisíveis e, por ist o mesmo, são t ant o mais ef icazes. Mas o
inconscient e não é, por assim dizer, apenas um preconceit o hist órico gigant esco; é t ambém a
f ont e dos inst int os, vist o que os arquét ipos mais não são do que f ormas at ravés das quais os
inst int os se expressam. Mas é t ambém da f ont e viva dos inst int os que brot a t udo o que é
criat ivo; por ist o, o inconscient e não é só det erminado hist oricament e, mas gera t ambém o
impulso criador — à semelhança da nat ureza que é t remendament e conservadora e anula seus
próprios condicionament os hist óricos com seus at os criadores. Por ist o, não admira que t enha
sido sempre uma quest ão candent e para os homens de t odas as épocas e t odas as regiões
saber qual a melhor maneira de se posicionar diant e dest as det erminant es invisíveis. Se a
consciência nunca se t ivesse dissociado do inconscient e — acont eciment o que se repet e
et ernament e e que é simbolizado como queda dos anj os e desobediência de nossos primeiros
pais — est e problema nunca t eria surgido, nem t ampouco a quest ão da adapt ação às
condições ambient ais.
[ 340] É j ust ament e a exist ência de uma consciência individual que t orna o homem
conscient e não só de sua vida ext erior mas t ambém de sua vida int erior. Da. mesma f orma
que o meio ambient e assume um aspect o amigável ou host il para o homem primit ivo, assim
t ambém as inf luências do inconscient e lhe parecem um poder cont rário com o qual ele deve
conviver, como convive com o mundo visível. Suas inumeráveis prát icas mágicas servem a
esse obj et ivo. No nível mais alt o da civilização as religiões e as f ilosof ias preenchem est a
mesma f inalidade, e sempre que um t al sist ema de adapt ação começa a f alt ar, surge um
est ado geral de inquiet ação e f azem-se t ent at ivas de encont rar novas f ormas adequadas de
convivência com o inconscient e.
[ 341] Mas t ais coisas parecem muit o dist ant es para nossa moderna concepção
iluminist a. Deparo-me muit as vezes com um riso incrédulo, quando f alo dos poderes dest e
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pano de f undo da psique que é o inconscient e e comparo sua realidade com o mundo visível;
mas ent ão eu devo pergunt ar: Quant as pessoas não exist em, em nosso mundo civilizado, que
ainda prof essam sua crença em mana e espírit os? Em out ras palavras: Quant os milhões não há
de Chr i st i an Sci ent i st s [ part idários da Ci ênci a Cr i st ã] e de espírit as? Não quero mult iplicar o
número dest as pergunt as. Elas pret endem apenas ilust rar o f at o de que o problema das
det erminant es invisíveis da psique cont inua t ão vivo quant o ant es,
[ 342] O inconscient e colet ivo é a f ormidável herança espirit ual do desenvolviment o da
humanidade que nasce de novo na est rut ura cerebral de t odo ser humano. A consciência, ao
invés, é um f enômeno ef êmero, responsável por t odas as adapt ações e orient ações de cada
moment o, e por isso seu desempenho pode ser comparado muit íssimo bem com a orient ação
no espaço. O inconscient e, pelo cont rário, é a f ont e de t odas as f orças inst int ivas da psique e
encerra as f ormas ou cat egorias que as regulam, quais sej am precisament e os arquét ipos.
Todas as idéias e represent ações mais poderosas da humanidade remont am aos arquét ipos
Ist o acont ece especialment e com as idéias religiosas. Mas os conceit os cent rais da Ciência, da
Filosof ia e da Moral t ambém não f ogem a est a regra. Na sua f orma at ual eles são variant es
das idéias primordiais, geradas pela aplicação e adapt ação conscient es dessas idéias à
realidade, pois a f unção da consciência é não só a de reconhecer e assumir o mundo ext erior
at ravés da port a dos sent idos, mas t raduzir criat ivament e o mundo ext erior para a realidade
visível.

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