Criancas Vitimas Abuso Sexual GABEL Anna Christina Mello 27 0

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CRIANÇAS

VÍTIMAS DE
ABUSO SEXUAL
Marceline Gabel (org)
Profa Dra Anna Christina
Cardoso de Mello
Curso Preparatório para o Concurso de Psicólogos
Tribunal de Justiça de São Paulo 2022

Dezembro 2021
Tradução brasileira: Sonia Goldfeder
2a. Edição São Paulo: Summus, 1997.

Autores: Patrick ALVIN, Dominique AGOSTINI, Claude


BALIER, Bernard BOUHET, Jean-Pierre et Laeticia
CHARTIER, Albert CRIVILLÉ, Marceline GABEL, Hervé
HAMON, Martine LAMOUR, Serge LEBOVICI, Philippe
MAZET, Tobie NATHAN, Mireille NATHANSON, Dominique
PÉRARD, Joëlle ROSENFELD, Michelle ROUYER, Pierre
SABOURIN, Christiane THOUVENIN, Stanislaw
TOMKIEWICZ, Jean-Luc VIAUX et Michel ZORMAN.

Contribuições que refletem a experiência pessoal,


profissional e opiniões de autores psicanalistas franceses
em 1991 e 1992, 30 anos atrás.

Prefácio, apresentação e 19 capítulos.


NOTAS DA PROFESSORA
o Após este livro, muito já se avançou em termos de conceitos, identificação, tratamento e
prevenção dos abusos sexuais de crianças no Brasil e especialmente na França, embora muito se
possa aproveitar desta coletânea, sobretudo para os que ingressam no estudo e no trabalho sobre
o tema.
o No livro, há vários problemas de tradução de termos técnicos psicológicos, jurídicos e desta área,
provavelmente porque foi feita por alguém que não trabalha neste campo (ex.
vitimização/vitimação, laços/vínculos; dossiê/autos do processo, etc.)
o Palavras, termos e trechos foram copiados dos textos dos autores escolhidos, que são
anunciados à cada parte, justamente porque no concurso será solicitado o pensamento e a
experiência deles, e não a minha interpretação ou meus comentários.
o Assim, o que consta dos slides não refletem minha opinião técnica, nem minha experiência
profissional.
o Neste curso, cabe-me transmitir-lhes os aspectos de cada texto que podem ser indagados na
prova do concurso, mais do que comentá-los, criticá-los ou discuti-los.
oAnna Christina Cardoso de Mello
O QUE É ABUSO SEXUAL? (GABEL, 1997)
Termo vem do inglês sexual abuse;

Foi adotado na França no lugar de:


sevícias sexuais (do Código Penal francês),
violência sexual (porque nem sempre é feito com violência direta),
exploração sexual (porque conota pornografia e prostituição);

Etimologicamente significa: afastamento do uso normal, uso


errado, uso excessivo (sem significar que há um uso permitido),
ultrapassar limites ou transgressão.

Noção de poder: abuso de poder, astúcia, abuso de confiança;


uso abusivo da autoridade do adulto sobre a criança;
presença de intenção e premeditação.
Disfunção do poder do grande e forte contra o pequeno e fraco;

Disfunção da confiança que o pequeno (dependente) tem no


grande (protetor);

Uso delinquente da sexualidade: atentado à integridade corporal.

Uma das formas de maus-tratos que mais se oculta;

Criança tem medo de falar;


Quando criança fala, adulto tem medo de ouvir;

Coloca na criança o peso da culpa porque mexe com sua


sexualidade;

Abusos sexuais na família: incesto.


NATUREZA DOS ABUSOS
De dois tipos:

Tipo A – atos que agridem sensorialmente a criança / adolescente (conversas ou telefonemas


obscenos, apresentação forçada de imagens pornográficas, exibição de órgãos sexuais de adultos);

Tipo B – atos que utilizam o corpo (contatos sexuais ou masturbação forçada, participação em cenas
pornográficas; relações sexuais impostas – vaginais, anais ou orais).
(BOUHET, PÉRARD & ZORMAN, 1997)

• Não há sempre proporcionalidade entre gravidade dos abusos e consequências


psicoafetivas, como mostraram pediatras, psiquiatras infantis e psicoterapeutas.

• « Climas sexualizados » provocam no indivíduo um mal-estar que ele mesmo não compreende
nem distingue bem, dimensão de sedução mais ou menos mascarada ou de violência.

• Há práticas institucionais que também contribuem para isso: desnudar todas as crianças, duchas
coletivas etc.
ABUSO: ATO ACIDENTAL
OU SITUAÇÃO PROLONGADA?

 Diferença entre o abuso acidental e único (casual/episódico) da


situação de abusos repetidos, que se prolongam no tempo.

 Resultado pareceu indicar que meninas vivem mais situações de


abuso prolongado do que meninos, o que coincide com estudos
anglo-saxões.
IDADE DO PRIMEIRO ABUSO

 Metade: perpetrada antes dos 12 anos entre os meninos e


antes dos 11 anos entre as meninas.

 Número máximo de ocorrências: em torno da puberdade.

 A criança está mais exposta entre os 9 e os 12 anos de


idade.

 Pode ser que os abusos em idade precoce não apareçam


em razão de os entrevistados não se lembrarem deles (por
volta de ¼ dos abusos acontecem antes dos 8 anos de
idade).
OS AUTORES DOS ABUSOS
(DADOS DOS AUTORES FRANCESES E DE NORTE-AMERICANOS)
 Desconhecidos:1/3 ou 37%
 Conhecidos: 2/3 ou 63%
 Círculo familiar:17%

 Dados norte americanos:


 80 a 90% são pessoas conhecidas ou aparentadas.

 Sexo: quase sempre masculino.

 1/3 a 1/5 dos pais incestuosos: menor participação nos cuidados com a filha do que pais que
não abusam. (PARKER & PARKER, 1986).

 Homens que têm dificuldade de identificação masculina;

 Idade: homens jovens com idade entre 20 e 30 anos, conhecidos das crianças e que lhes
despertam simpatia. (FINKELHOR & HOTALING, 1983, 1984, 1987)
OS ABUSOS SEXUAIS EM CRIANÇAS PEQUENAS:
POR QUE O SILÊNCIO, O SEGREDO, A NEGAÇÃO?

 Síndrome de adaptação da criança vítima de abuso sexual


(Summit, 1983)
 Criança revela;
 Adulto não acredita na palavra da criança, a acusa de mentir;
 Criança se retrata, volta atrás...; sentimento de impotência a
leva ao segredo; ela se adapta;
 Fatos de uma primeira confissão, negados depois, eram reais;
 Criança duplamente vítima; dos abusos sexuais e da
incredulidade dos adultos.
SEGREDO:
 Criança não pode partilhar com outras pessoas o que acontece entre ela e
aquele adulto;
 Adulto a ameaça: de apanhar dos pais, de estes a odiarem, a matarem, a
enviarem para colégio interno;
 Revelar se torna mais grave do que o próprio abuso sexual para a criança;
 Perda do valor da palavra;
 Perda da confiança nos adultos;
 Na revelação: importante presença do advogado da criança, psiquiatra ou
psicólogo, que não incorram na síndrome de adaptação.
SUBMISSÃO DA CRIANÇA AO ADULTO:
 Lição ambivalente: criança deve desconfiar de estranhos, mas ao mesmo tempo ser
obediente, afetuosa, educada;

 Adulto estabelece relação de confiança com a criança para depois abusar desta
confiança;

 Crianças não mostram defesas, não se queixam e não resistem;

 Criança cai na armadilha e se adapta, aceita a situação para sobreviver; opõe pouca
resistência ao abusador;

 Sobrevive seja por meio de clivagem (várias personalidades), seja pela conversão da
experiência em seu oposto: o que era ruim será afirmado como bom; identificação
com agressor.
PALAVRA DA CRIANÇA

 Por isso é essencial dar sustentação à palavra da criança para que ela não se

feche, nem se retrate depois.

 Saber escutar a criança é fundamental e com tempo suficiente: primeiro

acreditar na criança, escutá-la a sós e depois revelar à família, conforme

proposto por Furniss (1990).


AGRESSORES
 Agressores identificam crianças vulneráveis (pequenas, não falam, não entendem
etc); se aproveitam disso para abusar delas;

 Coerção é inerente ao abuso sexual (uso de comptos manipuladores e coercitivos


frente aos quais a criança tem de aprender a escapar e pedir ajuda);

 Empenham-se em dessensibilizar as crianças aos contatos sexuais, progredindo


de pernas e/ou das costas aos genitais; a criança pode achar com isso que
consentiu.

 O abusador deve ser mantido à distância, mas também deve ser escutado, porque
já foi também criança e pode ter sofrido abusos, maus-tratos.
PROFISSIONAIS
o Dominados por sentimentos violentos muitas vezes;

o Inquietos, fascinados, perplexos, excitados; medos e culpas infantis podem surgir;

o Sentem forças internas ou externas que fazem com que a criança se cale, duvide, se
sinta culpada, perca a confiança nos outros;

o Por isso, não ficar isolado, empreender trabalho interdisciplinar e ter espaço para falar
disso;

o Planejar as intervenções;

o Na proteção da criança, somos sujeitos sociais, referência e garantia das leis que
estruturam tanto a organização social, quanto nossa vida psíquica.
SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO
SEXUAL, GABEL ASSINALOU:

 « Na criança e no adolescente, quando o abuso sexual é seguido de violência, há


sequelas visíveis: equimoses, lacerações, infecções. Mas as sevícias afetivas são,
provavelmente, as mais graves e difíceis de avaliar: sentimento de culpa, angústia,
depressão, dificuldades de relacionamento e sexuais na idade adulta etc.

 E, no entanto, não há certeza alguma de que os abusos sexuais deixem, em todas as


crianças, marcas tão profundas ou indeléveis: talvez sejam mais a vulnerabilidade, a
idade da criança, a repetição e o tipo de abuso ou o silêncio em torno da criança que
fundamentem a gravidade do traumatismo » (p.9)
CONSEQUÊNCIAS SEGUNDO PESQUISAS
EPIDEMIOLÓGICAS (ROUYER)

 reações psicossomáticas e distúrbios do comportamento:


pesadelos, terrores, angústia (2/3 de crianças);

 distúrbios do comportamento sexual: marturbação excessiva,


introdução de objetos na vagina e no ânus, comportamento de
sedução, demanda de estimulação sexual, conhecimento da
sexualidade adulta impróprio à idade (18%) – Canadá.
OUTROS ESTUDOS

 Comportamento sexual inapropriado (EUA);


 Estados depressivos, tentativas de suicídio, grandes dificuldades escolares,
fugas, anorexia, distúrbios inorgânicos incapacitantes, toxicomania (França);
 Na criança pré púbere há entrave na evolução psicoafetiva e sexual, atentado
às identificações e obstáculo a uma adolescência construtiva;
 No adolescente, pode haver passagens ao ato destrutivo;
 Reações podem ser distintas e se exprimem tardiamente por meio de distúrbios
da sexualidade e da parentalidade.
REAÇÕES IMEDIATAS, CONSEQUÊNCIAS E SEQUELAS NA VÍTIMA

• Sinais  Reações de terror e de incompreensão;


clínicos  Estado de estresse com agitação ou choque e recuo;
que  Comportamentos regredidos;
podem  Mal-estar difuso, dores nos ossos, dores abdominais, falta
indicar a de ar, desmaios, náuseas, vômitos;
existência  Reações psicossomáticas como: enurese, encoprese
de abusos noturna, distúrbios alimentares (anorexia, bulimia,
sexuais. obesidade);
 Estado de choque intenso acompanhado de mutismo;
 Distúrbios do sono: recusa de ir deitar-se, dormir vestida(o), insônia; rituais de
averiguação e prevenção ao dormir (levar objetos e animais que façam barulho
com a aproximação de alguém); pesadelos e despertar angustiado no meio da
noite;
 Lesões genitais e outros danos físicos como ferimentos e estrangulamento;
 Repugnância de si mesma, obsessão por se lavar, dermatoses e sangramento de
pele por coceiras constantes;
 Doenças sexualmente transmissíveis, interrupção da menstruação, gravidez;
 Na adolescência: sintomas de início mais ativos e intensos; anorexia grave, dores
abdominais agudas; fugas, tentativas de suicídio, manifestações psicóticas;
 Fobias: medo do escuro, da solidão, repulsa por pessoas do mesmo sexo que
o agressor com componente histérico às vezes exagerado;
 Sentimento de impotência: não consegue dizer “não”, incapaz de se proteger,
coloca-se em situação de perigo;
 Baixo rendimento escolar;
 Prejuízo das funções intelectuais e criadoras: criança pára de brincar, se
desinteressa dos estudos, se fecha em si mesma, se torna morosa ou inquieta;
 Desenhos estereotipados e precisos que mostram conhecimentos sexuais
inadequados para sua idade (atributos sexuais, cenas de coito, incomuns para
desenhos de adolescentes);
CAMPO SEXUAL

 Criança pequena = excitação sexual manifesta em comportamentos inadaptados de


voyeurismo e exibicionismo, exploração ou agressão sexual em relação a outras crianças;
expressão de cenas sexuais na brincadeira e/ou no desenho; masturbação compulsiva.

 Adolescentes = agressões sexuais de outras crianças (meninos em geral); ninfomania e


« prostituição » (meninas); toxicomania, delinquência; adolescentes abusados que não
apresentam sintomas, não tem conflitos e não se sentem culpados são objeto de grave
preocupação; às vezes conflitos em relação à orientação sexual (medo de se tornar
homossexual), queixa de frigidez; múltiplas relações homossexuais desprotegidas;
masturbação compulsiva.
 Gravidez: parto de mãe anônima (maioria das mães vítima de estupro ou incesto),
adoção da criança, bebê integrado na família como irmão da mãe, isto é, como filho
da avó e a mãe fica em situação de não-dito (segredo); infantilização que cria
situação psicótica.

 Incesto mãe-filho é devastador e em geral se manifesta na psicose do filho, que


deve superar o horror do sexo da mãe para se mostrar ativo no coito.

 Normalmente os abusos sexuais na família revelam as anomalias das primeiras


relações da criança com a mãe e com os dois pais.
ADOLESCENTES (POR PATRICK ALVIN)

• Também sofrem medo de revelar por vergonha, temor de represálias, de


julgamentos, de que duvidem.

• Muitas meninas são chamadas de fabuladoras ou mitômanas.

• Duas armadilhas: a falsa acusação (quando a acusação de abuso se refere a


algo que sofreu na infância e não na atualidade) e a retratação (sintoma trágico
da adaptação).
CONSEQUÊNCIAS A LONGO PRAZO
 Fobias persistentes;

 Acessos circunstanciais de angústia (flash backs);

 Sonhos sobre o mesmo tema;

 Sintomas recorrentes (qualificados de histéricos);

 Distúrbios alimentares; problemas de imagem corporal;

 Resistência a exames físicos, sobretudo ginecológicos;

 Problemas de ordem relacional e sexual.


CONSEQUÊNCIAS DO INCESTO

• As mesmas anteriores, mais...

• Tentativas de suicídio;

• Estados depressivos sérios;

• Vivência prolongada de climas incestuosos na família: sedução,


vulgaridade, exibicionimo, controle da vida privada e genital etc.
PERÍCIA PSICOLÓGICA DE CRIANÇAS
VÍTIMAS DE ABUSOS SEXUAIS

Jean-Luc VIAUX,
psicólogo perito no Tribunal de 2a.
Instância de Rouen, professor
Universidade de Rouen
QUESTÕES PRELIMINARES (VIAUX)
 Juiz precisa obter e compreender provas/fatos (realidade do abuso e suas
consequências são fatos);

 Adultos, família ou escola preocupam-se com a reparação: se a criança já


está bem e se já esqueceu;

 Perícia, às vezes dois anos depois do fato, rompe o silêncio vigente e pode
despertar os sofrimentos e questionar as ações feitas junto à criança;

 Adultos e criança precisam respeitar o estabelecido, mas esta última precisa


se proteger de seu sofrimento, compreender o que ocorre e que haja
reparação do que foi feito.
PERÍCIA (VIAUX)

 Não é de ordem terapêutica;


 Breve: circunscrita a questões do processo (credibilidade, consequência da
vitimização, prognóstico);
 Contexto: inserida em momento judiciário;
 Sem demanda direta da família ou da criança;
 Mais ligada aos autos do processo, do que à necessidade das vítimas.
PERITO EXAMINA A
VÍTIMA DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO

Não está engajado: É muito questionado:

• na constatação dos fatos; • A dizer se a criança vítima tem


tendência à fabulação;
• no processo de
responsabilização do autor do • A apontar se alguma declaração
abuso; dela deve ser ouvida com
prudência.
• na instrução do processo.

A credibilidade da vítima se faz tanto em função de um


contexto, quanto pela avaliação de sua personalidade.
OBJETIVOS DA PERÍCIA

Como • Descrever a personalidade de tal


exame clássico... pessoa...

 Fazer uma espécie de balanço da


Como investigação do fato,
repercussão que os fatos tiveram
do tempo de duração, das
no psiquismo de tal pessoa...
relações que a criança tinha
e tem com cada um dos  Ajudar a mencionar os dados
envolvidos... úteis à compreensão do fato...
TEMPO E INTERAÇÃO
Diferença entre depoimento de uma
e uma vítima de incesto:
vítima de abuso sexual perpetrado por
alguém de fora da família

• Perito (6m ou 1 ano após) chega para falar • A reiteração dos depoimentos é abundante
daquilo que se quis esquecer; porque em geral o incesto é difícil de ser
estabelecido judicialmente;

• em geral a criança é ouvida somente uma


vez na presença dos pais e se apressam • Transformação da vida da criança é imensa (pai
para que o silêncio a deixe viver como antes. preso, acolhimento institucional da criança).

processo que se repete diversas vezes


para se chegar a um resultado e a cada
vez gera um resultado parcial que será
usado na vez seguinte.
TEMPO

• Dimensão temporal não é a mesma para criança de cinco


anos, de 10 ou um adolescente;

• Questão complexa que deve ser, no mínimo, exposta e


discutida pelo perito;

• Porque quanto maior a criança, mais se demandará dela em


termos de detalhes sobre o ocorrido.
DIFERENÇA EPISÓDIO ÚNICO X SISTEMÁTICO

• Criança que sofreu um ato isolado de abuso

daquela que sofreu reiteradamente durante meses, anos, toda


uma vida em silêncio;

• No incesto prolongado, o perito pode ler na psicossomatização


da criança sinais de que ela falava sobre sua vitimização;

• Criança leva tempo relativamente longo para compreender que


deve falar fora da família a fim de que a revelação seja feita.
TEMPO DA REVELAÇÃO
Revelação Perícia
• Compreende o que permitiu essa ruptura (ex.:
• Coincide com tempo da iteração: há separação de pais, abuso sexual de irmão <);
um tempo em que a palavra é
• Verifica se criança fez relato espontâneo, a quem,
possível;
se respondeu perguntas;
• É um tempo de ruptura;
• Não tem o objetivo de avaliar credibilidade;
• A partir da revelação, o tempo se
• Avalia de que forma silêncio se restabeleceu, em
acelera e a criança reorganiza sua
nome do que, para proteger o que...;
palavra diante das perguntas dos
adultos (profissionais e pais); • Objetiva mostrar a diferença, a evolução da criança
entre esses dois tempos de silêncio (segredo/culpa);
• Após, tb há outro silêncio, o da culpa
pela revelação. • Revela o que não é visível nas reações da criança
e da família.
EVASIVAS DA FAMÍLIA E DA INSTITUIÇÃO

• Família: adulto, mesmo não sendo o agressor, reage como acusado;

• Maioria das mães, cujos filhos são vítimas de incesto, não prestam queixa ou a retiram
durante o inquérito;

• O mesmo ocorre com pais de filhos abusados por terceiros;

• Na perícia da criança, os pais tentam justificá-la, defendê-la, para que ela não fale
novamente.
FRENTE ÀS EVASIVAS – PERITO DEVE:

 levar em conta a lealdade da criança em relação aos adultos com os quais convive;
 evidenciar o silêncio pós-revelação e avaliar o impacto das reações do adulto sobre a criança: explicar
porque após um ano a criança não fala mais, o que ameaça invalidar seu testemunho, até mesmo limitar a
indenização e a reparação que pode haver no processo;
 para fazer a investigação em nome da lei deve-se abrir diálogo com família e criança sobre o processo judicial
e a necessidade de reparação.
 RESSALVA: em geral, a perícia no contexto de VIJ se dá próxima ao fato, enquanto aqui parece tratar-se
mais da perícia no período do processo criminal, que é o que se faz atualmente no SANCTVS, VARAS DE
Vdom e outras criminais, que trabalham com a criminalização do autor da VS, normalmente não
concomitante ao processo judicial da infância e juventude, que cuida das medidas de proteção à criança.
METODOLOGIA

• Breve: não se aprofunda nos movimentos do inconsciente como a


psicoterapia;

• esboça retrato psicológico da criança, indica sua evolução, traça as vias


de explicação de comportamentos manifestos ou interiores e suas
relações com o abuso sexual, avalia se psicoterapia é necessária;

• considera a concordância dos pais, suas evasivas e o projeto educativo


construído na análise e conclusão.
ASPECTOS IMPORTANTES DA PERÍCIA

1. Reconstituir parcialmente o ponto de desenvolvimento da


criança no período anterior aos fatos ou no período em que
eles foram repetidos;

2. Estudos dos elementos dos autos dos processos;

3. Entrevistas prévias com os que cercam a criança;


4. Entrevistas posteriores na presença e na ausência da criança:

Presença – para que fale de si no presente, diante dos pais, para que sua
história seja dita diante dela e também para que cada um expresse
seus limites; para expressar a razão de sua vinda;

Ausência – adulto pode fazer observações que não quer fazer na frente
da criança e falar da própria vivência, importante para compreender
os vínculos com a criança.
• É indispensável que a criança conte os fatos se ela se dispuser a
fazê-lo (com a ajuda de boneca sexuada), para se conhecer a
palavra dela.

• A palavra da criança é que faz existir o lugar dela de sujeito


psicológico e ao mesmo tempo seu lugar de sujeito de direito!
EXAME DA CRIANÇA POR TESTES PSICOLÓGICOS

• Para descrever quadro da personalidade, estruturas, elaborações


defensivas, modos de relações, sintomas, levando em conta o que se
passou desde os fatos e revelação;

• É difícil estabelecer prognóstico: a perícia dará apenas uma orientação


sobre esse aspecto – deve considerar o que ocorreu antes da perícia,
a estrutura da personalidade atual e as interações da criança com os
adultos que a cercam.
• Exame é acompanhado de análise de contexto, que permite ordenar dados
colhidos e inscrever as reações da criança, sua palavra e o balanço de seu estado
psicológico, levando em conta a complexidade de sua situação.

• É importante a perícia acontecer mais cedo no tempo para abreviar essa iteração
e passar à reparação, mas isso não é viável na França; só há reparação mesmo
após o fim do processo.
 Perícia não é substituto de tratamento, nem de procedimento judicial.

 Seu objeto é a avaliação, a vitimização, o contexto de desenvolvimento da


personalidade da criança e não esta em si;

 Perito deve fazer reunião de síntese para transmitir sua análise aos outros
profissionais;

 Não há retorno direto (devolutiva) para as famílias (salvo exceções): a perícia se


dirige ao juiz, não ao sujeito.
« A perícia da criança abusada sexualmente, se conseguir
reposicioná-la claramente como sujeito, produz um
ajustamento entre o procedimento judicial e o procedimento
psicológico, ambos necessários: a revelação não tem sentido
e nem funciona senão em relação à transgressão da lei; mas
a transgressão, em si mesma, tem sentido unicamente
psíquico » (Viaux, p.131)
CRIANÇA FALA... (THOUVENIN)

• Pouquíssimos casos em que não diz a verdade;

• Pessoa escolhida para partilhar essa confidência sofre grande embaraço;


tem obrigação de denunciar/notificar às autoridades; deverá escutar a
vítima, apoiá-la e pensar na proteção da criança ou adolescente que lhe
revelou o ocorrido;

• Terapeuta não escapa da obrigação de notificar.


DO ÍNTIMO AO SOCIAL: O QUE A CRIANÇA REVELA,
ALÉM DOS FATOS, QUANDO FALA?

• Revelação – momento crucial que pode por si só apresentar risco de trauma


suplementar à criança;

• Vêm de famílias fechadas, isoladas, coniventes, onde nada é verbalizado;

• Criança tentará chamar a atenção do adulto por sintomas discretos que serão
decifrados por adulto perspicaz ou então o fará com suas próprias palavras;

• A questão é saber ouvir a criança, adiantando-se só quando preciso e não


superpondo palavras do adulto e suas fantasias.
À PROCURA DE UMA TERCEIRA
PESSOA CONFIÁVEL E DA LEI

• A criança abusada sexualmente vive uma carência paterna e então procura


uma terceira pessoa digna de confiança;

• Quando fala de incesto, a criança fala de uma situação catastrófica a dois, da


qual ninguém a protegeu suficientemente, ninguém interveio para proibí-la;

• Em famílias incestuosas, o pai em vez de desempenhar o papel de terceiro, se


comporta como uma « mãe narcísica », combatendo efetivamente a
triangulação.
 Isso afeta o desenvolvimento natural da criança;
 Ela tenta apelar para terceiro de fora da família e aí vem a intervenção
educativa da sociedade e da lei;
 Muitas vezes o incesto da filha revela também o da mãe e o da avó, subindo
na genealogia;
 Crianças que sofreram incesto do pai ou padrasto descrevem a atitude da
mãe como de frieza e distância emocional; sem modelo interno para se
identificarem, sentem-se obrigadas a ser distantes com os próprios filhos,
conferindo-lhes excessiva autonomia cedo demais, o que aumenta a
demanda afetiva da criança em relação ao pai;
 Se o pai também sofreu carências na infância, terá dificuldade em
desempenhar esse papel de terceiro que ele próprio interiorizou mal.
A PALAVRA DA CRIANÇA COMO TESTEMUNHO

• Criança é ao mesmo tempo vítima e testemunha;

• Chamada a repetir sua versão dos fatos e confrontada com o autor, ela
está em situação de risco para si própria e para a validade de seu
testemunho;

• Criança tem a mesma capacidade de testemunhar que adulto (Yuille,


1986);

• A qualidade de seu testemunho depende de como ele é obtido;

• Por isso, quem é encarregado de colher esse testemunho deve ter


formação específica.
• A lembrança diminui progressivamente com o tempo;

• Memória e lembrança são contaminadas por informações pós-fato, efeito


que pode ser induzido por perguntas sugestivas;

• Percepção do tempo para a criança é diferente do adulto (ela não é


sequencial, mas se organiza em torno de detalhes significativos);

• Memória de fato pontual diminui progressivamente em prol de um enredo


que a criança recupera em vários depoimentos, o que pode suscitar dúvida
em quem pergunta.

CONFORME VAN GIJSEGHEN (APUD THOUVENIN, 1991)


ABORDAGEM SISTÊMICA DO
TRATAMENTO SOCIOJUDICIÁRIO
DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSOS
SEXUAIS INTRAFAMILIARES

HERVÉ HAMON
JUIZ DE CRIANÇAS
SISTEMA FAMILIAR DE FAMÍLIAS DE TRANSAÇÃO INCESTUOSA
APRESENTA VÁRIAS CARACTERÍSTICAS:

• grande confusão, no nível das fronteiras através das gerações, dos


papéis e das identidades no interior do próprio sistema;

• fronteira organizacional muito pouco permeável ao exterior;

• organização fundada em torno do segredo, às vezes por várias


gerações.
CONFUSÃO AO NÍVEL DAS FRONTEIRAS,
DE GERAÇÃO A GERAÇÃO

• Mãe se encontra na posição de mãe em relação ao marido: conflito de


lealdade – mãe tem de escolher entre dois filhos;

• Repetição mortífera da fatalidade e do destino nessas famílias, frente à


qual os profissionais se sentem inúteis e incapazes;

• A transgressão revela o segredo atuando no sistema familiar.


FRONTEIRA ORGANIZACIONAL POUCO PERMEÁVEL AO
EXTERIOR

• Famílias vivem com raros contatos exteriores; pouca relação com parentes e amigos;

• Universos familiares e profissionais clivados;

• Amigos da criança não têm acesso ao domicílio familiar;

• Único ponto de contato com exterior é escola;

• Incesto não é questão de classe social, mas de modo de funcionamento;

• Extrema rigidez, resistência à inclusão.


ORGANIZAÇÃO EM TORNO DO SEGREDO

• Segredo que implica violação da lei em nível triplo: simbólico, moral e


social (jurídico);

• Segredo forçosamente partilhado, pois a relação sexual implica duas


pessoas;

• Segredo imposto por um dos protagonistas (o pai), com relações sexuais


impostas pela violência ou não;

• Segredo = não-ditos; na família, mesmo quem não conhece o conteúdo do


segredo, sabe de sua existência.
ORGANIZAÇÃO EM TORNO DO SEGREDO

• Na família incestuosa, a lei moral e social é transgredida, mas não


anulada, e é substituída por uma lei familiar que se resume ao respeito
pelo segredo;

• Há uma ameaça: a revelação do segredo; pai estabelece controle para


evitar revelação, que se traduz em poder e até terror em alguns casos
(se vc falar, nós vamos para a cadeia; se vc falar, ninguém acreditará em
vc; se vc falar, sua mãe morrerá; se vc falar, eu mato vc »).
CAPÍTULOS UTILIZADOS

• ALVIN, P. Os adolescentes vítimas de abusos sexuais.

• BOUHET, B.; PÉRARD, D.; ZORMAN, M. Da importância dos abusos sexuais na França.
• GABEL, M. Prefácio. Algumas observações preliminares.
• HAMON, H. Abordagem sistêmica do tratamento sociojudiciário da criança vítima de abusos sexuais
intrafamiliares.
• LAMOUR, M. Os abusos sexuais em crianças pequenas: sedução, culpa, segredo
• ROUYER, M. Consequências a curto e a médio prazo.
• THOUVENIN, C. A palavra da criança: do íntimo ao social.
• VIAUX, J-L. Perícia psicológica de crianças vítimas de abusos sexuais.

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