Elementos para Compreensão de Uma Astrologia Cristã - II

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Elementos para compreensão de

uma astrologia cristã – II


ψ

A Educação Medieval e a Filosofia em Tomás de Aquino

José Aparecido Celório


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

A Astrologia Cristã em Tomás de Aquino

Conheces as leis do céus, determinas o seu mapa na terra?

Livro de Jó, 38: 33

No capítulos anteriores, foi apresentado como, ao longo da Idade Média, especialmente


a partir dos séculos XII e XIII, deu o desenvolvimento crescente do saber, do
conhecimento, por conseguinte, a utilização da Astrologia como uma ciência voltada
para a investigação das coisas da natureza. Neste capítulo, estudaremos, em linhas
gerais, de que forma esse desenvolvimento e, em particular a Astrologia, influenciou o
pensamento de Tomás de Aquino. Também será analisada a forma como esse autor
estudou e apresentou sua teoria sobre a influência dos corpos celestes nos corpos
inferiores, ou seja, até onde ele considera que essas influências eram possíveis na vida
humana e na natureza. Por conseguinte, será abordada também a importância de seus
estudos para a formação educacional e científica do homem medieval do século XIII.
Cabe apontar que Tomás de Aquino fez comentários acerca da Astrologia e das
influências celestes porque estes assuntos faziam parte dos temas abordados pela sétima
disciplina do Quadrivium, principalmente, na Universidade de Paris, local
onde Aquino se formou em artes e foi mestre. Seus estudos eram, de certa forma,
importantes para a vida dos homens, pois tratavam de questões referentes à sociedade.
§

Astrologia – Astronomia

A Astrologia como Compreensão da Influência do Mundo Supralunar sobre o Mundo


Sublunar

Na concepção teórica da Astrologia, existia uma estreita relação entre o Macrocosmo e


o Microcosmo. Isto implicava conceber também que o homem participava da totalidade
do universo. Partindo dessa visão cosmológica, a Astrologia não foi apenas um
conhecimento, cuja função era estudar as influências celestes, muito mais do que isto,
ela foi uma visão de mundo que, desde a Antiguidade, foi importante para os homens
encontrarem respostas para o mundo que os cercava.

A Astrologia preconizava uma relação estreita entre o homem, os animais, a sociedade,


a natureza e o mundo superior, sem fragmentação alguma. As análises de Tomás de
Aquino sobre a influência dos corpos celestes foram muito importantes, porque
revelavam que, para se compreender o mundo natural e seus fenômenos, era necessário
estudar a natureza celeste. Os corpos celestes eram considerados por Aquino como
meios para que o homem compreendesse os movimentos das coisas corporais. Por
exemplo, por meio deles era possível saber por que uma pessoa podia ter uma
recuperação na saúde mais rápida do que outra, ou o que ocasionaria os inchaços do
corpo e as manchas da pele. Foram vários os pensadores que aceitaram essa teoria. Não
foram poucos os cientistas que se mantiveram vinculados a essa concepção de mundo.

A ideia aristotélica de corpos terrestres e celestes interligados foi, aos poucos, sendo
desnecessária. A observação dos fenômenos físicos como explicação da existência
passou a ser substituída pelo método experimental. No entanto, não se pode deixar de
mencionar que a observação de um fenômeno da natureza, feita pelos estudiosos
medievais, era considerada como um “método experimental”, mas não como na
modernidade, em que os fenômenos são provocados para que o cientista verifique sua
hipótese. A diferença entre a experiência na ciência aristotélica – medieval – e a
experiência na ciência moderna consiste na própria atitude experimental. Enquanto a
primeira não necessitava criar um experimento que provocasse o fenômeno a ser
explicado, a segunda necessita desse experimento. Desse modo, não se pode dizer que a
ciência medieval não produziu coisas significativas, mas, sim, que seu desenvolvimento
limitava-se à própria necessidade dos homens daquele momento histórico.

O novo homem que estava nascendo no século XIII correspondia a um momento que
exigia a aquisição de mais conhecimentos e, por conseguinte, ele tinha condições de
lidar com os novos desafios da época. Assim, a educação sofreu mudanças
significativas para preparar este homem para o novo saber, o qual estava associado às
universidades, ao crescimento urbano e ao conhecimento greco-árabe que se
disseminava no Ocidente Cristão.

Nesse processo, Tomás de Aquino foi fundamental: seus comentários sobre Aristóteles
mantiveram o diálogo entre as obras cristãs e os ensinamentos do último, o qual chamou
de o Filósofo. Aquino principiou a romper com a ideia de Iluminação e passou a falar
numa correspondência entre Deus e as coisas humanas. Ou seja, a partir de uma lei de
analogia, ele considerava que as ideias humanas poderiam ser imitadas da Ideia
primeira, do Intelecto original, ou seja, de Deus. Todavia, Aquino não acreditava que o
homem pudesse ligar-se diretamente às ideias superiores; ele apenas poderia imitá-las.

Percebe-se que, nesse período, a lei de analogia estava baseada na universalidade das
coisas. O mundo de Aquino não era fragmentado como o atual e a razão humana era,
para ele, o caminho para que o homem buscasse explicações para seus problemas,
angústias, dúvidas do mundo real. Iniciava-se, assim, um processo de rompimento com
a visão de mundo neoplatônica que ainda permanecia viva e servia para explicar as
ações humanas. Dessa forma, a analogia valia para toda a realidade, sem separação
alguma, ou seja, todos os elementos da natureza possuíam uma conexão, por exemplo, o
corpo humano era análogo a um corpo celeste e, da mesma forma que este se movia, o
corpo também se movia.

Tomás de Aquino conferiu ao homem de seu tempo a capacidade intelectual de


apreender as coisas criadas por Deus. A tentativa era formular um conceito de ser
humano, diferente da primeira fase da Idade Média, que fosse capaz de lidar com as
transformações sociais daquele período e estivesse aberto a uma forma diferente de ver,
viver e interpretar o mundo e, por conseguinte, tivesse uma educação que fornecesse a
base para o entendimento dessas mudanças. Para isso, os alunos eram educados pelas
disciplinas do Trivium e do Quadrivium, as quais foram se abrindo à novas ideias e
necessidades, como se viu com Hugo de São Vítor, e também pelo contato com as obras
gregas que eram traduzidas para o latim, especialmente os livros de ciências naturais.
Astronomia – Francesco Primaticcio (1504 – 1570)

A Astronomia, nesse processo de mudanças e de introdução de novos conhecimentos,


foi responsável, por exemplo, pelo cálculo de posições planetárias para firmar as datas
religiosas e fazer toda a demarcação do tempo. Era um instrumento de medição das
posições dos astros e não continha, em suas premissas, uma concepção de influência dos
corpos celestes na Terra, porque seu papel não era este, mas o de servir de base para o
entendimento do movimento das esferas celestes e para o cálculo do Cômputo
Eclesiástico, que era o calendário religioso. Todo o mapeamento do céu era feito através
da Astronomia, bem como a explicação de toda a estrutura das esferas celestes. É
necessário frisar que as posições das estrelas eram fundamentais para que os
navegadores pudessem se orientar. A Astrologia era ensinada juntamente com a
Astronomia para que o estudo do céu pudesse ser estudado como um todo. O céu
medieval, com suas estrelas e planetas, não tinha como fim apenas demarcar os pontos
cardeais, mas foi importante para dar um sentido à vida humana. Como foi dito
anteriormente, a inserção do homem na natureza era uma prática que refletia sua
dimensão divina e isto tornava-se fundamental no processo educacional. Não bastava
apenas saber se orientar pelas estrelas e planetas, mas saber que ele fazia parte de todo
aquele universo que o cercava, ficando próximo do poder e da criação de Deus.

Com este pressuposto, a Astrologia estava diretamente ligada à concepção de Macro e


Microcosmo e supunha, desta forma, que havia uma influência da Natureza Celeste na
vida humana. Assim sendo, pode-se dizer que a Astrologia teve como teoria básica o
fato de que os astros podiam influenciar a vida humana, especificamente, como aponta
Tomás de Aquino, os corpos inferiores. A crença de que as forças do mundo supralunar
poderiam interferir no mundo dos homens corroborava a crença na influência dos
corpos celestes sobre os corpos inferiores, não como poder particular, mas como uma
força que se originava no primeiro motor, ou seja, a primeira esfera responsável pelos
movimentos das outras esferas, passando pelas esferas celestes e chegava até o homem.

Para Tomás de Aquino, as coisas criadas não eram desligadas de sua origem após a
criação, mas estariam sempre vinculadas à sua fonte original e sob sua influência. No
entanto, o homem não era um ser dirigido apenas pela natureza celeste. Foi-lhe dada
razão para que ele pudesse agir livremente no mundo, caso contrário, não haveria razão
de ser criado como homem. Deus poderia nortear a Alma humana como sua criação,
mas cada homem nortearia sua vida pela razão recebida no ato da criação, donde se
depreende que, para Tomás de Aquino, a finalidade era conhecer o mundo real, por
meio da observação e da experiência.

Ao se analisar a concepção de Aquino sobre a influência dos corpos celestes, observa-


se que ele considerava possível e viável explicar as alterações que os corpos inferiores
sofriam pelo estudo da Astrologia. A Astrologia, como um conhecimento das leis da
natureza (vindo da Natureza; uma lei natural) que estudava apenas estas influências, não
obstaculizava o exercício do livre-arbítrio. Assim sendo, Tomás de Aquino aceitava os
princípios dessa disciplina, porque seriam coerentes com os pressupostos cristãos.

Abside de San Angelo in Formis

A Astrologia, em Aquino, tornou-se um instrumento para que o homem pudesse


desenvolver e compreender seus próprios experimentos com os corpos inferiores. Como
os astros, na opinião dele, influenciavam diretamente os corpos inferiores, seu estudo
estava estreitamente ligado ao estudo da natureza e de seus elementos, como a Água, o
Ar, a Luz, o Calor, etc.

Essa ciência, de acordo com as concepções de Aquino, era fundamentalmente cristã e


estava de acordo com os pressupostos teológicos e filosóficos, pois permitia um estudo
pormenorizado das forças celestes no mundo natural. Tomás de Aquino considerava
que os movimentos dos corpos celestes pertenciam à ordem das virtudes e, por
procederem de causas universais, “resultavam em efeitos particulares na natureza”.
Assim, a virtude ou vício não eram dados ao homem no ato da criação, mas se
apresentavam a ele durante sua existência e, neste caso, caberia a ele escolher praticá-
los ou não.

Mas o homem podia estar envolvido com problemas que transcendiam sua vida pessoal,
como a miséria, os problemas econômicos, as guerras, enfim, várias situações coletivas
que estavam além do poder de escolha do indivíduo. Os estudiosos buscavam uma
explicação para esses fenômenos analisando a posição dos corpos celestes ou a
disposição dos ventos.

Para que se garantisse uma melhor formação humana, era importante estabelecer qual
era o papel do homem na sociedade. Tomás de Aquino preocupou-se com esta questão
e colocou o homem como um ser que imitava a inteligência de Deus, mas não poderia
deixar de se orientar por sua própria razão, procurando mantê-la atenta a qualquer
instinto ou paixão que ameaçasse o seu lado humano.

Não só a Terra era o centro do universo, mas, em especial, as questões humanas. Diante
dessa ideia cosmológica, tornava-se importante que o homem conhecesse as condições
em que poderia exercer sua racionalidade e sua livre escolha e sua capacidade de viver
em sociedade. Com o poder de desenvolvimento de sua memória, ele não se esqueceria
do conteúdo dos assuntos estudados, mantendo-se como ser racional.

Os atos humanos, bons ou maus, poderiam ser explicados por algumas disposições
corpóreas do homem às quais ele ficava submetido. Desse modo, a Astrologia era um
dos instrumentos que lhe permitiam esquivar-se de tais disposições, caracterizando,
certa moralidade sua. Ele percebia-se como parte de uma unidade cósmica, tendo uma
concepção universalista da realidade.

Influência Celeste e a Filosofia de Tomás de Aquino

Arithmetica

De acordo com a filosofia aristotélica, tudo o que era movido, isto é, que passasse da
potência ao ato, era necessariamente movido por um movente ou motor. Com base
nela, Tomás de Aquino procurou fundamentar a tese de que havia uma influência dos
corpos celestes na vida humana; não em toda a sua instância, mas apenas no que se
referia ao corpo humano. Ele ateve-se ao caráter estritamente prático da Astrologia, ou
seja, à sua utilidade para a compreensão do homem e do mundo ao seu redor, enquanto
formas corporais.

Partindo da ideia cosmológica de que o mundo inferior estava submetido ao mundo


superior, o conhecimento acerca da influência dos corpos celestes deveria se adaptar à
concepção de homem livre e racional, capaz de escolher entre os vários caminhos
dispostos pelos ditames superiores. Os astros, sinais da ordem natural, eram capazes de
influenciar qualquer forma corporal. Seguindo o princípio da ordem natural, um ser
superior exercia influência sobre o ser inferior. Para Aquino, havia duas classes de
seres: os dotados de corpo e movimento e os dotados de intelecto e sem movimento. O
que estabelecia estar em movimento ou estar parado era o princípio de potência e ato,
presente em toda a criação. Daí sua conclusão de que os astros não podiam interferir no
intelecto humano, pois este não era dotado de movimento. Além disso, um corpo só
poderia ser movido por um outro corpo, estando o intelecto inferior – que não é forma
corporal – submetido à influência direta do intelecto superior, ou seja, o intelecto das
almas superiores, como os anjos, e o Logos divino, que é Deus. Percebe-se aqui a
valorização que Aquino dava à razão humana. A alma, não sendo corporal, só poderia
ser influenciada diretamente por algo que não fosse corporal. Qualquer coisa que se
movimentasse no mundo inferior era considerada como imperfeição. Cabia ao homem,
portanto, a função de se aperfeiçoar e foi, por isso que, na sua opinião, ele tinha sido
dotado de razão.

As referências de Tomás de Aquino sobre as influências celestes revelam a


importância que a Astrologia cristã exercia nos meios acadêmicos. A visão
de Aquino era de que o mundo era um todo ordenado e perfeito, e o curso regular dos
corpos celestes era uma prova dessa perfeição. Isto leva a pensar que não havia a ideia
de acaso, mas, ao contrário, uma ideia de ordem nas coisas inferiores como reflexo da
ordem superior. Não se pode esquecer que o estudo da Astrologia, inserido no programa
das artes liberais, constituía-se numa disciplina importante para o avanço do
conhecimento medieval acerca da natureza porque suas bases teóricas davam condições
para se interpretar o efeito dos corpos celestes nos elementos e nos corpos inferiores e
assim explicar determinados fenômenos naturais. A emanação de forças vinda da ordem
natural só poderia ser verificada por uma disciplina que pudesse ter, no seu bojo, a ideia
de uma correspondência entre o mundo supralunar e o mundo sublunar. Assim, o
estudante, ao entrar em contato com o estudo da Astrologia, poderia compreender a
ordem do cosmo, a forma com que corpos inferiores poderiam ser afetados pelos corpos
superiores, como o clima poderia ser afetado pelo movimento dos astros, enfim, seu
estudo servia de base para compreender, por exemplo, de que maneira um corpo poderia
ficar debilitado devido ao aumento de calor vindo do sol.

Embora a maioria dos textos de história e filosofia, ao tratar do Trivium e


do Quadrivium, refira-se à Astronomia como sendo a sétima arte liberal, isto é
entendido neste trabalho como uma verdade parcial, pois a Astronomia e a Astrologia
foram ensinadas e estudadas praticamente sem distinção até a Idade Moderna. O
próprio Tomás de Aquino utilizou indistintamente a palavra Astrologia para designar
tanto a Astronomia como a Astrologia.

Pode-se entender, dessa forma, que, no saber astrológico, implicitamente havia uma
teoria cristã que terminava por levar o homem a uma visão teológica e cosmológica do
mundo, pois permitia ver, por meio do estudo do céu, que o mundo natural fora
organizado, primeiramente, pelo primeiro motor, que Tomás de Aquino chamava de
Deus. Para entender esse todo ordenado, era preciso que o homem analisasse a realidade
com o uso de sua razão. Isto implica a necessidade de um homem livre, para que suas
escolhas fossem as mais adequadas e de acordo com a sua vontade.
Dialectica

A Liberdade Humana e a Influência dos Corpos Celestes

Um tema que muitos autores medievais fizeram questão de discutir, com profundidade,
foi a liberdade humana. Como se viu, Santo Agostinho discorreu sobre a importância
do livre-arbítrio para que o homem alcançasse, mediante suas escolhas, o caminho da
salvação por meio da revelação cristã. Praticamente, todas as doutrinas teológicas dos
séculos posteriores seguiram a doutrina agostiniana sobre a liberdade do homem.
Qualquer teoria que afirmasse o contrário disso, ou seja, que negasse o livre-arbítrio,
seria condenada pela Igreja Cristã. Foi pelo fato de prever o futuro com certo
determinismo e, assim, anular o direito de escolha das pessoas, que a Astrologia
judiciária foi julgada, por alguns teólogos, como imprópria para a sociedade. Por isso, a
Astrologia será, na visão de Aquino, uma forma de estudar o efeito dos astros apenas
nos corpos e não no intelecto.

Tomás de Aquino valorizava, como teólogo, a importância de Deus na vida dos


homens e procurava orientá-los, da melhor forma possível, sobre como atingir o
conhecimento de Deus por intermédio do intelecto, da vontade e da razão. Em meio a
tantas transformações sociais, como se disse anteriormente, fazia-se necessário que o
homem tivesse um sentido norteador e não se deixasse levar pelas suas paixões, caso
contrário, estaria próximo dos animais irracionais, os quais são movidos apenas por seus
instintos. Os corpos celestes, dizia Tomás de Aquino, podiam agir nos corpos
inferiores, mas apenas deixavam o homem disposto ou não para determinada atitude.
Uma gripe, por exemplo, não permitiria que o homem pudesse trabalhar, porém sua
vontade ou sua escolha por trabalhar permaneceriam, não sendo determinadas pelos
corpos celestes diretamente, mas apenas indiretamente. Ou seja, a vontade humana
estava livre de qualquer influência celeste e apenas o corpo poderia ser atingido
diretamente. Desta forma, a liberdade humana ficava protegida de qualquer ação celeste.

Pode-se dizer que, ao tratar do livre-arbítrio, Aquino não se referia ao homem como um
todo, mas somente à sua Alma.

Além disso, é livre o que é causa de si mesmo. Logo, o que não é causa da sua ação é
livre no agir. Ora, o que não se move nem age a não ser movido por outrem não é causa
de si mesmo para agir. E tal coisa só move mediante o juízo, pois o que se move a si
mesmo se divide em movente e movido, sendo movente o apetite que é movido pelo
intelecto, pela fantasia ou pelos sentidos, aos quais pertence julgar. Destes, porém,
somente julgam livremente os que ao julgar determinam. Ora, nenhuma potência que se
julga a si mesma se determina, a não ser que reflita sobre seu ato. Logo, é necessário, se
age para julgar a si mesma, que conheça o seu juízo. Mas isso só ao intelecto pertence.
Por isso, os animais irracionais, são, de certo modo, livres no movimento ou na ação,
mas não o são no juízo. Os entes inanimados, porém, que só são movidos por outro,
nem têm liberdade de ação, nem de movimento. Mas os entes intelectuais não só são
livres na ação, como também no juízo, e isto é ter livre-arbítrio.
(TOMÁS DE AQUINO)

O homem, enquanto ser racional, possuía o intelecto livre para agir e escolher os
caminhos que se apresentavam em sua vida. Para que um homem fosse considerado
livre precisaria estar consciente de seus atos e isto só se daria com o uso contínuo da
razão e do intelecto, o que o levava a manter a ordem na sua vida. O fato de exigir
reflexão não significava ficar horas num mosteiro, mas analisar, observar e pesquisar os
mistérios em que a realidade estava envolta. Um intelecto determinado pelos corpos
celestes, por exemplo, não poderia fazer tal experiência, porque estaria condicionado a
apenas uma parte do todo (o que não é o caso da concepção de Aquino sobre o ato de
ser homem). O corpo e a alma não poderiam existir separados no homem, e para que o
homem pudesse adquirir conhecimento era preciso ser dotado de intelecto e dos
sentidos.

De acordo com a cosmologia aristotélica, o mundo de baixo estaria ligado, de uma


maneira necessária, ao movimento dos corpos do mundo superior, porque toda a
potência que residia no mundo seria governada por estes movimentos. Porém esta
doutrina pressupunha a ideia de um mundo eterno. Contrapondo-se a ela, Tomás de
Aquino procurou defender um mundo criado por Deus, cujo conhecimento seria
possível através da visão “materialista” de que o homem, mediante o intelecto, teria do
mundo sensível.

Assim, os corpos celestes eram causas universais e símbolos da própria ordem cósmica.
Como afirma Alain De Libera, o mundo do astrólogo e do filósofo era o mesmo e,
assim, ambos podiam partilhar a ideia de que o mundo inferior sofria, direta ou
indiretamente, influência do mundo superior.

Aquino sempre considerou o mundo superior como natureza imutável, sem


possibilidade alguma de mudanças. Somente a Terra sofria as alterações, sem jamais
interferir no mundo superior. Dessa forma, o homem também estava à mercê de certas
alterações e, como ser racional, tinha condições de entender e, por conseguinte, lidar
com a inconstância do tempo e do espaço. Estas mudanças revelavam a possibilidade
que o homem tinha de se aperfeiçoar, de conhecer, de aprender, de agir, de eleger, de
raciocinar, enfim, faziam com que, entrando em contato com o mundo corpóreo, o ser
humano adquirisse conhecimentos. A razão passou a ser a única segurança de
integridade que o homem tinha para lidar com a diversidade e a mutabilidade da
realidade.

Assim, o livre-arbítrio explicava o fato de o homem tomar caminhos diversos e incorrer


em erros. Se assim não fosse, ele seria correto e perfeito como a natureza, mas isto não
era possível, devido às imperfeições humanas que ainda existiam. Tratar, enfaticamente,
do livre-arbítrio e valorizá-lo como direito do homem garantiria ao ser humano a
capacidade de se redimir de seus erros.

Obviamente, esta mesma condição de liberdade implicava a possibilidade de o homem


fazer escolhas errôneas, distanciando-se de sua função como ser social e deixando de
lado seu compromisso moral com as pessoas ao seu redor. Por exemplo, uma pessoa
podia escolher entre o caminho do vício ou da virtude. Se um homem se sentisse atraído
por uma mulher, cabia a ele decidir se a ligação com ela seria para o bem ou para o mal.
Quer dizer, se mantivesse relações sexuais para fins de procriação não estaria errando,
mas se fosse um ato de adultério, estaria cometendo um erro gravíssimo. Esta atração
física podia ser influenciada pelos corpos celestes, mas a escolha dependia do intelecto e
nisto rende a principal importância do estudo dessas influências. Se um homem ou
mulher soubesse de suas disposições corporais, poderia educar-se e, de acordo com sua
vontade, optar por um ato que não fosse considerado errado pela sociedade.

O século XIII, movido por uma fusão das culturas – grega e islâmica – e de
conhecimentos, deparava-se com os mais diversos problemas humanos. Esta situação
histórica explica porque Tomás de Aquino retomou os pecados capitais e considerou
importante tratar o homem como um ser racional, errante, social e político. Era
necessário que o homem aceitasse as leis e as ordens superiores como uma necessidade.
Na sociedade, não haveria a necessidade de leis para um homem que não fosse racional
e perfeito e, talvez, nem haveria homem. As leis eram uma consequência dos anseios do
ser humano, porque suas escolhas implicavam a necessidade de um ordenador. A razão
não deixava de ser uma lei interna do homem, mas também era uma forma particular de
julgar e apreender os elementos do mundo sensível.

Neste sentido, a Astrologia era um saber que permitia ao estudante entender de que
maneira esta ordem celeste manifestava-se e, assim, compreender como o mundo era
constituído. A análise realizada neste trabalho permitiu concluir que, quando se
estudava uma ordem superior, era possível compreender, por analogia, como se dava a
ordem inferior. Como foi visto no segundo capítulo, a razão, por exemplo, era
relacionada ao planeta Saturno, porque este estava mais próximo do primeiro motor e,
portanto, seria a melhor posição para se conhecer o criador. Baseado nessa visão
cosmológica, Dante Alighieri, influenciado pelo pensamento de Aquino, colocou os
sábios nesta esfera. Assim, vê-se a importância do procedimento analógico: neste caso,
o movimento dos astros serve como referência e não como uma determinação para a
vida humana.

Portanto, pode-se dizer que a Astrologia cristã poderia conviver com a doutrina da
Igreja e ser útil para compreender os períodos de boa ou má disposição dos corpos
inferiores para determinadas ações. Seria possível mensurar que tipo de predisposição
corporal um homem teria, por exemplo, para ganhar uma batalha ou mesmo para ter um
filho e até para cometer um crime devido às suas paixões. Caberia, porém, ao homem
fazer suas escolhas diante de suas predisposições corporais. O fato de não ter talento
para a música não impediria que um homem estudasse música, por exemplo. Assim, vê-
se que o corpo pode ser determinado, mas não a alma, que é livre para escolher.

No período medieval, acreditava-se que os corpos celestes podiam influenciar o corpo


humano de forma que estivesse mais disposto para a ação, para a cólera, para a ira, etc.
Os corpos inferiores possuíam qualidades humorais que podiam variar segundo a
interferência dos astros. A educação favorecia ao homem diferenciar suas sensações
diante das disposições corporais. Se ele soubesse que determinada disposição era contra
os princípios da sociedade, então, ele faria o possível para não ceder aos instintos
corporais ligados ao vício. Da mesma forma, uma boa disposição corporal favorecia o
exercício da virtude, por exemplo, praticar a justiça. Todavia, vale lembrar que nem
todas as escolhas dependiam do indivíduo; diante de alguns fenômenos sociais do
século XIII, como a miséria, por exemplo, o indivíduo sozinho nada podia fazer.

Geometria

As Paixões Humanas e o Instinto Natural

O homem do qual Tomás de Aquino falava não era simplesmente um ser animal, mas
possuía alma, intelecto e vontade livre, o que o diferenciava dos outros animais.
Para Aquino, todas as coisas corpóreas, inclusive o corpo humano, poderiam ser
influenciadas pelo influxo dos astros. No entanto, se o intelecto humano também
estivesse à mercê destes influxos, o homem ficaria no mesmo nível dos outros animais,
o que contrariava o ideal cristão de Aquino. Por outro lado, quando as paixões
dominavam o homem, este passava a seguir seu instinto natural, ficando sob total
influência de corpos superiores.

Para Tomás de Aquino, o homem educado, conhecedor da moral, da ética e das leis, de
uma forma geral conseguia dominar as paixões, evitando que sua vontade fosse
influenciada pelos corpos celestes. Isto não significava que os astros fossem um
problema para os homens, ao contrário, por meio do estudo e do conhecimento dos
corpos celestes o homem poderia direcionar sua atenção e, exercendo sua razão, fazer
suas escolhas.

A razão, quando colocada em prática constantemente, através da busca de


conhecimento, permitia que o homem pudesse avaliar as condições em que estava
envolvido, ou melhor, que condições corporais ele teria para a prática de determinado
ato, fosse de ordem física ou intelectual, fosse para o estudo ou para o trabalho.
Ressalta-se que, para Tomás de Aquino, a razão era uma noção de ordem. Não
significava simplesmente o ato de pensar sobre algo, mas uma direção para a ação.
Das ideias de Tomás de Aquino sobre as paixões, depreende-se que o ser humano
podia incorrer em erros e, a partir daí, deixaria que sua animalidade o dominasse. A
animalidade no homem coexistia com a humanidade e optar por uma ou outra, sob o
domínio de sua vontade e de sua alma, dependeria muito do conhecimento adquirido. A
educação, neste sentido, era de vital importância, pois, quanto mais conhecimento
(inclusive sobre as leis morais) fosse adquirido, mais integrado se tornava e mais
humano seria capaz de ser, estando, desta forma, mais próximo de atingir o
conhecimento pela plenitude da razão . Para afirmar isto, Aquino retomou Ptolomeu:

Como já se disse, o apetite sensitivo sendo ato do órgão corpóreo, nada impede que, por
impressão dos corpos celestes, uns sejam inclinados, como por compleição natural, à
ira, à concupiscência ou a qualquer paixão semelhante. Pois a maior parte dos homens
seguem as paixões, às quais só os sapientes resistem. Donde vem que, na mór parte dos
casos, verifica-se o que é prenunciado dos atos humanos, pela consideração dos corpos
celestes. Porém, como diz Ptolomeu, o sapiente domina os astros, porque, resistindo às
paixões, impede, por vontade livre e de nenhum modo sujeita ao movimento celeste,
tais efeitos desses corpos. Ou, como diz Agostinho, devemos confessar que por um
certo instinto ocultista por que as mentes humanas são levadas, sem o saberem, é que às
vezes os astrólogos dizem a verdade. E isso é obra dos espíritos sedutores, quando feito
para enganar os homens.
(TOMÁS DE AQUINO)

Percebe-se, em Aquino, a necessidade de assegurar ao homem uma liberdade intrínseca,


que faria com que este pudesse se responsabilizar pelos seus atos na sociedade.
A sapiência era uma das virtudes intelectuais que dava ao homem capacidade para
julgar as coisas baseadas em princípios supremos. Assim, nem todo o homem dominaria
suas paixões. Para que o homem desempenhasse essa tarefa tão laboriosa, ele ponderava
sobre a necessidade de aperfeiçoar constantemente o intelecto e apreender o máximo
sobre o mundo das coisas sensíveis. Desta forma, o homem conseguiria seguir os
ditames estabelecidos pela causa primeira, Deus.

Grammatica

Os Corpos Celestes como Causas Secundárias dos Corpos Inferiores


Todas as coisas que estavam no mundo superior, seja corpo ou alma, conforme Tomás
de Aquino, eram superiores ao mundo inferior. Esta concepção cosmológica
pressupunha que o mundo inferior estivesse à mercê dos movimentos do mundo
superior. Aqui, Tomás de Aquino baseia-se na visão do universo de Aristóteles,
segunda a qual o mundo superior estaria ligado ao mundo inferior ou, numa linguagem
mais própria para a época, o mundo sublunar – Terra – estaria susceptível às
transformações que ocorriam no mundo supralunar – Céu das Esferas e Deus.

Dessa forma, é visível a analogia, utilizada por Aquino, para analisar os vários
elementos que compõem o universo, a natureza, a sociedade, o homem e Deus. Todos
estes elementos estavam dispostos de forma hierárquica, de modo que um elemento
superior influenciava o inferior, e assim acontecia em todas as esferas do Todo, sem
separação alguma.

Ora, as substâncias espirituais são governadas pelas superiores de modo que a


disposição da providência divina se estende proporcionalmente até as últimas, como já
foi dito. Logo, por motivos idênticos, os corpos inferiores são dirigidos pelos corpos
superiores.
(TOMÁS DE AQUINO)

Nota-se que, nesta analogia, ele introduz sua ideia de um mundo criado por Deus,
principalmente quando afirmava que havia uma extensão da providência divina até as
últimas substâncias. A visão aristotélica de um mundo eterno foi adaptada ao sentido
cristão de mundo criado. Ou seja, Aquino manteve a ideia de um primeiro motor, como
fora proposto por Aristóteles, porém considerou Deus como um ser em contato
permanente com a criatura. Percebe-se, dessa forma, que Deus sendo o primeiro motor –
imóvel –, os corpos celestes seriam os motores seguintes, responsáveis pelo movimento
dos corpos no mundo sublunar. Pelo estudo das substâncias corporais superiores, o
homem poderia compreender as causas dos movimentos e das alterações do mundo
natural inferior. O mundo medieval movia-se sob esse olhar cosmológico em que o Céu
e a Terra estavam intrinsecamente ligados, e o homem deveria compreender essa visão
de mundo para que pudesse integrar-se melhor ao seu meio social e à natureza. Assim,
como o homem aparecia como um ser cósmico, a educação medieval tinha, como um de
seus papéis, que inseri-lo nessa totalidade, a fim de que ele pudesse estar mais próximo
da imagem e semelhança de Deus.

Esta ideia punha o homem em contato com um elemento ordenador de sua vida. Ele
poderia, assim, basear-se na ordem superior e em sua constância para dirigir sua razão
em busca de uma ordem inferior e uma constância semelhantes. Deve-se ressaltar que a
possibilidade de Tomás de Aquino aceitar a não participação do mundo superior na
vida humana e na natureza era impossível, porque, se assim o fizesse, estaria admitindo
um mundo eterno e, dessa forma, afirmando a não necessidade de Deus. Assim, o
homem, os animais e a natureza eram considerados um reflexo do mundo superior, mas
dispostos às corrupções do mundo inferior.

Tomás de Aquino via no homem a capacidade de se aperfeiçoar, de se educar para


entender as coisas sensíveis e lidar com as corrupções, com suas falhas e incapacidades.
O objetivo maior do homem seria garantir que suas escolhas fossem feitas com base na
razão. Esta concepção educacional implicava que o homem deveria estar em
convivência com a sociedade, observando os fatos que nela ocorriam e, com base em
seu entendimento, ter um domínio relativo sobre seu corpo.
À medida que Aquino pensava sobre a ordem superior e o mundo inferior, destacava
uma noção de contradição ou contrariedade. A contrariedade fazia-se necessária para
que as substâncias inferiores – incluindo o homem – pudessem se aperfeiçoar. Isto não
se dava no mundo natural – mundo superior – visto que os corpos e as almas superiores
não possuíam contrariedade. Não havia homem sem as contrariedades inerentes ao seu
ser ou, pelo menos, não existiria mundo inferior se este não tivesse contrariedade. Esta
contradição representava a própria instabilidade do homem, ora triste ora alegre, em
alguns momentos sentia empatia por alguém e em outros sentia cólera. Esta
inconstância não existia no mundo superior.

Com efeito, ao movimento circular dos corpos celestes nada há de contrário, razão por
que neles não pode haver violência. Mas o movimento dos corpos inferiores tem
contrário, a saber, o movimento de subida e descida. Por isso, a potência dos corpos
celestes é mais universal que a dos corpos inferiores. Ora, as potências universais dão
movimento às particulares, como se depreende do que acima foi dito. Logo, os corpos
celestes movem e dirigem os corpos inferiores.
(TOMÁS DE AQUINO)

O movimento de ascensão e queda, mencionado por Aquino, podia ocorrer no sentido


de fazer calor ou fazer frio. Os elementos da natureza, de acordo com o
próprio Aristóteles, era originado de quatro qualidades básicas da matéria, sendo o
Quente, o Seco, o Frio e o Úmido. Ora, Aquino, ao afirmar que os corpos se movem
para cima e para baixo, falava da possibilidade da inconstância de humor do próprio ser
humano, não devido à sua alma, mas devido à disposição de seu corpo. Assim, o
movimento, a geração e a corrupção das coisas tinham uma explicação natural. Segundo
ele, ao se analisar e estudar os corpos celestes, era possível verificar os porquês de tais
movimentos e de tais alterações e, de certa forma, compreender o porquê da
inconstância e da variedade de caminhos que o homem e seu meio social seguiam.

Além disso, assim como o imóvel absoluto está para o momento absoluto, também o
imóvel relativamente a determinado movimento, para este movimento. Ora, o que é
simplesmente imóvel é princípio de todos os movimentos, como acima foi provado.
Consequentemente, o que é imóvel, relativamente à alteração, é o princípio da alteração.
Ora, os corpos celestes são os únicos inalteráveis entre os corpos, o que se verifica na
disposição deles, que é sempre a mesma. Logo, os corpos celestes são causa da
alteração dos corpos a ela sujeitos. Ora, a alteração, nos corpos inferiores, é o princípio
de todo movimento, pois, por ela, chega-se ao aumento e à geração, e o que gera é por si
mesmo agente dos movimentos que o céu seja causa de todos os movimentos
encontrados nos corpos inferiores.
(TOMÁS DE AQUINO)

Aquino expôs a imutabilidade do mundo supralunar e, por conseguinte, apontou para a


perfeição de Deus, como ser imutável. De acordo com o pensamento cosmológico
de Aquino, os corpos celestes eram sinais de imutabilidade, fato que se provava pela
própria observação da natureza, fundamental para a maioria das afirmações
que Aquino fez acerca do movimento dos corpos superiores e inferiores. Assim, viu-se
que os corpos superiores eram causa dos corpos inferiores, porque os primeiros estavam
mais próximos do primeiro motor.
Música

Os Corpos Celestes e a Faculdade Intelectual da Alma Humana

Tem-se reiterado neste trabalho que Aquino não afirmou que o homem como um todo –
alma e corpo – sofreria influências dos corpos celestes, mas somente seu corpo e as
demais substâncias corporais que compunham o mundo inferior. A ideia de mundo
superior (sede das almas e dos corpos superiores) correspondente ao mundo inferior
(sede das almas inferiores e dos corpos inferiores) era uma base recorrente em seu
pensamento cosmológico. Nesta ideia de hierarquia a ser seguida, sempre existiria um
ordenador das coisas, e esta ordem estava no mundo da natureza incorruptível e
imutável.

É possível presumir que, quando Aquino discorreu sobre o movimento dos corpos,
expondo, de forma implícita, sua visão de desordem nos corpos, ele estaria fazendo uma
alusão à própria desordem na sociedade, ou seja, aos conflitos existentes entre as
comunas e os senhores, entre a nobreza e a Igreja. Isto não significa que a sociedade em
que viveu Tomás de Aquino fosse completamente desajustada, mas que, em algumas
instâncias, havia a necessidade de ordem e, em outras, havia a necessidade de manter a
ordem. Ele poderia estar, assim, referindo-se à fragilidade a que a sociedade medieval
estava exposta, ou seja, ao fato de que, diante de várias culturas, a ordem social corria o
risco de desaparecer, caso não houvesse uma adaptação à nova situação social e
histórica.

É neste contexto de fragilidade, principalmente humana, que ele vai defender a


necessidade da ordem e da preservação do intelecto humano. Uma vez que os corpos
celestes não podiam agir no intelecto humano, posto que este era privado de
movimento, ele, sendo superior à ordem dos corpos e estando livre de tais influências,
poderia ser dirigido por algo não corpóreo e sem movimento. Apesar disso, o estudo dos
corpos celestes era importante, porque o homem agia com seu intelecto, conforme as
disposições corporais.

Além disso, nenhum corpo opera senão por movimento, como prova o filósofo. Ora, as
coisas imóveis não são causadas por movimento, pois nenhuma coisa é causada pelo
movimento de um agente senão enquanto este, ao ser movido, move outro. Logo, as
coisas que estão totalmente fora do movimento não podem ser causadas por corpos
celestes. Ora, as coisas ligadas ao intelecto estão propriamente fora de movimento,
como se depreende do que diz o Filósofo, até porque, como ele escreveu: Na ausência
de movimento torna-se a alma prudente e sábia. Logo, é impossível que os corpos
celestes sejam por si causa das coisas ligadas ao intelecto. (Tomás de Aquino)

Ao dizer, baseado em Aristóteles, que o intelecto estava livre de movimento, Tomás de


Aquino colocou uma questão muito importante, a de que os corpos podiam ser movidos
pelos corpos celestes porque possuíam movimento. Pois bem, abria, assim, uma
possibilidade para que o intelecto pudesse agir livremente e não oscilar para cima ou
para baixo como os corpos oscilavam. Isto define que a alma era sábia, sem movimento
e, como ser racional, o homem sempre procuraria o conhecimento, estando preparado
para enfrentar as alterações e as corrupções do mundo inferior. Todavia, mesmo a alma
não se movendo, o homem não estaria livre de fazer escolhas erradas, pois ele tinha o
livre-arbítrio, decorrendo disso as próprias desordens sociais. A alma era, em sua
essência, sábia por ser criatura divina, mas podia sofrer, indiretamente, as mudanças do
mundo inferior, porque ela não se manifestava senão através do corpo.

Depreende-se que o exercício da memória, durante as famosas questões disputadas –


quaestio disputata –, não tinha somente o objetivo de guardar as informações contidas
nos escassos livros, mas, principalmente, manter o aluno atento a toda e qualquer
alteração corporal, porque a memória era corporal, estando totalmente à mercê dos
corpos superiores. Sem isso, a alma ou o intelecto ficariam impossibilitados de exercer
seu propósito, que era atingir, através do mundo natural, o entendimento do homem e de
sua criação, o mundo.

Além disso, toda a coisa movida por outra é por esta reduzida de potência a ato.
Nenhuma coisa, porém, é reduzida de potência ao ato a não ser por algo que já está em
ato. Por isso, é necessário que todo agente movente esteja de algum modo em ato em
relação a uma coisa que, estando submetida e movida, esteja em potência. Ora, os
corpos celestes não são inteligíveis em ato, porque alguns são singulares sensíveis. Ora,
como o nosso intelecto não está em potência senão para os inteligíveis em ato, é
impossível que os corpos celestes tenham ação direta sobre ele. (Tomás de Aquino)

A alma recebia influência diretamente de Deus, por meio das coisas inteligíveis em ato,
que eram as almas superiores. Aquino afirmava que esta influência não poderia existir
de forma direta e deixou uma possibilidade para uma influência indireta, porque, como
se viu anteriormente, o intelecto ou a alma necessitavam da forma corporal para poder
se expressar.

Aquino apontou que o intelecto e a alma estavam livres do tempo e por isso invocou
sua liberdade diante das coisas corpóreas. Afirmava que o homem possuía liberdade,
independente de suas condições corpóreas, inclusive os bens, e que ele poderia atingir o
conhecimento das coisas sensíveis, porque a alma e o intelecto não estavam submetidos
à corrupção e à alteração das coisas do mundo inferior. A alma não era corporal e
somente as coisas corporais podiam sofrer com o tempo. O intelecto diferia dos sentidos
e por isso os corpos celestes não poderiam agir diretamente sobre ele, porque o
conhecimento adquirido por meio das coisas corporais dependia de uma razão imaterial,
“como Platão que lhe deu como causa as idéias, e Aristóteles, o intelecto agente.

Entretanto, os corpos celestes agiriam indiretamente no intelecto humano, visto que ele
necessitava de condições corporais para poder agir e, consequentemente,
conhecer. Aquino, baseado em Santo Agostinho e Ptolomeu, afirmou que o intelecto
sofria, indiretamente, influência dos corpos superiores, fazendo com que o homem
exercesse, totalmente ou parcialmente, as potencialidades de sua alma.

No entanto, deve-se saber que embora os corpos celestes não possam ser causa dos
nossos conhecimentos, indiretamente podem operar neste sentido. Apesar do intelecto
não ser potência corpórea, em nós ele não atua sem operação das potências corpóreas,
que são a imaginação, a estimativa e a memória, como anteriormente vimos. E daí
acontecer que quando estão impedidas as operações destas potências, por alguma
indisposição corporal, fica também impedida a operação do intelecto, como, por
exemplo, se observa nos loucos, nos letárgicos e em outros assim indispostos. Por essa
razão, também a boa disposição corpórea do homem torna-o apto para um bom
conhecimento intelectivo, porque, por ela, as potências supra-mencionadas tornam-se
mais fortes, tendo por isso escrito o Filósofo: Vemos serem os de composição delicada
mais aptos para a ordem intelectual. (Tomás de Aquino)

Aquino deixou explícito que os corpos celestes podiam impedir a ação da vontade, por
isto era fundamental para que o homem pudesse perceber suas aptidões e sua disposição
corporal, as quais eram temporárias e não permanentes. Aquino pressupunha que o
homem teria certos talentos ao nascer, principalmente quando citava Aristóteles.
Acreditava que, dependendo das condições corporais, o homem poderia ou não exercer
determinadas qualidades da alma. Então, o estudo da astrologia apresentava-se como
fundamental para a escola e para o ensino medieval, porque tornava possível descobrir a
aptidão de uma pessoa, baseada em talentos corporais, para determinada tarefa. Esta
idéia poderia explicar porque se faziam os horóscopos dos alunos da Universidade de
Paris. Talvez esta prática fosse uma forma de conhecer o aluno, permitindo avaliar as
aptidões que ele teria para determinadas disciplinas, de forma que pudesse estar usando
sua faculdade intelectiva da melhor maneira possível.

Rhetorica

Os Corpos Celestes e sua Influência na Volição e na Eleição do Homem

Como se viu anteriormente, por meio das passagens de Tomás de Aquino, a alma
poderia expressar sua vontade e o homem poderia buscar seu conhecimento por meio da
boa disposição corporal. Isto estabelecia a importância da manutenção do corpo para
que o homem permitisse que seu intelecto adquirisse o máximo de conhecimento
possível, por meio do estudo, da memorização, da reflexão, da observação e da
experiência do mundo sensível.

Segundo Tomás de Aquino, o intelecto agente era responsável pela apreensão do


sensível e o intelecto paciente era responsável pelo ato de conhecer determinada
substância sensível. Mas isto só seria possível mediante uma boa disposição do corpo,
caso contrário, esta operação não se daria totalmente, permitindo que o seu instinto ou a
paixão tomassem conta do ser humano e o jogasse numa condição muito próxima da
dos outros animais. Portanto, o intelecto deveria ser preservado e, através dele, o
homem teria condições de adquirir o conhecimento das coisas inteligíveis. Para tanto,
era preciso estar ciente de suas volições e suas eleições, ou seja, era fundamental para o
homem saber o que ele escolheria dentre os vários caminhos postos em sua vida e em
que momento ele faria algo que estivesse de acordo com sua vontade e em que
momento ele se lançaria na vida apenas pelo instinto ou paixão.

Além disso, toda eleição e toda atual volição são causadas em nós pela apreensão
inteligível, pois o bem conhecido pelo intelecto é o objeto da vontade, como disse o
Filósofo. Por isso, não pode haver perversidade na eleição, se o intelecto não falhar no
juízo sobre o singular e elegível, o que se torna evidente pelo que também disse o
filósofo. Ora, os corpos celestes não são causa das nossas intelecções.
Consequentemente, não podem ser causa da nossa volição.
(TOMÁS DE AQUINO)

Aquino admitiu que o intelecto podia incorrer em erros, daí a necessidade de o homem
sempre estar buscando seu aperfeiçoamento. No entanto, a vontade partia do intelecto e
não podia ser diretamente influenciada pelos corpos superiores. Havendo a
possibilidade do intelecto errar, por conseguinte, a vontade humana também estaria
sendo mal direcionada ou mal compreendida pelo próprio ente que a possuía, o próprio
homem. Aquino, ao mesmo tempo que remetia à posição do homem como ser racional,
colocava-o numa posição de sujeito imperfeito, necessitando de muito esforço para ter
domínio sobre sua razão e ter confiança plena em seu intelecto. Tratava-se, neste caso,
de confirmar que o homem tinha um propósito inerente ao seu ser e que não era
simplesmente uma obra do acaso, como se fosse lançado na natureza sem função
alguma. Nada na natureza era sem propósito, visto que tudo procedia de uma causa e
nada existia sem causa. Como ele próprio exemplificava, ninguém acharia um tesouro
sem que outrem tivesse enterrado ou escondido.

De acordo com seu pensamento, os corpos superiores eram causa das alterações que
aconteciam nos corpos inferiores, isto é, os corpos inferiores agiam por causa natural.
Entretanto, o intelecto – a volição e a eleição – não estavam sujeitos a causas naturais. O
homem, enquanto homem, tinha a possibilidade de aprimoramento e, se dependesse
somente de causas naturais, não precisaria de nenhuma espécie de formação, nem
moral, nem religiosa, nem política, enfim, estaria tão condicionado às influências dos
corpos superiores quanto os animais irracionais.

As coisas que acontecem naturalmente são conduzidas ao fim por meios determinados
e, por isso, acontecem sempre de modo invariável, porque a natureza está determinada
só para o seu fim. Ora, as eleições humanas tendem para o fim por caminhos diversos,
quer nas questões morais, quer nas operativas. Logo, as eleições humanas não se
realizam naturalmente.
Além disso, as coisas que acontecem naturalmente, na maioria das vezes, acontecem de
modo correto, porque a natureza só falha poucas vezes. Se o homem escolhesse
naturalmente, as suas eleições seriam corretas na maioria das vezes. O que é
evidentemente falso. Logo, o homem não elege naturalmente, o que aconteceria se ele
elegesse por influxo dos corpos celestes.
(TOMÁS DE AQUINO)

Aquino analisou duas coisas muito pertinentes em relação ao homem. Primeiro, que
suas ações tendiam para caminhos diversos; segundo, que suas eleições não
necessariamente seriam corretas. Ora, isto revelava a necessidade, posta por ele em
pleno século XIII, de se verificar como e por que os homens cometiam determinados
erros e, sobretudo, o modo como o homem seria orientado para não perder o sentido da
vida. Na medida em que os motivos dos erros humanos fossem explicados, tornava-se
possível manter a ordem social. Deve-se ressaltar que, como filho de seu
tempo, Tomás de Aquino não poderia admitir que a vontade de uma pessoa fosse
determinada pelos corpos celestes, porque, se assim fosse, estaria negando sua crença
no livre-arbítrio. Assim, ele encontrou uma forma de inserir a Astrologia no seio cristão,
incorporando-a ao processo educacional, pois ela informava aos homens a qualidade e a
disposição dos corpos inferiores, incluindo também o corpo humano. Além disso, o
estudo da Astrologia permitiria a compreensão da dimensão divina do homem e da
natureza e, de que forma, a alma poderia se aperfeiçoar e cumprir seu papel no mundo
como forma espiritual.

Percebe-se, nestes comentários, que Aquino considerava a inconstância nas questões


que tangiam ao ser humano e, consequentemente, à sociedade que o englobava, além
dos erros que o homem ainda cometia diante das suas próprias imperfeições. Ele não
submetia os homens totalmente às coisas superiores porque estas eram perfeitas, assim
como era perfeita a Providência Divina. Fazia-se necessário, portanto, chamar a atenção
para os erros humanos e para seus possíveis reparos. Para imitar a alma divina, o
homem deveria estar o mais próximo possível da perfeição divina e, para isso, deveria
conter seus vícios e alimentar suas virtudes, por meio de sua razão.

As virtudes e os vícios são os princípios das eleições, pois o virtuoso se diferencia do


viciado pela escolha de objetos contrários. Ora, as virtudes e os vícios não provêm da
natureza, mas são adquiridos pela repetição, como prova o filósofo, pois nos
acostumamos àquelas ações, sobretudo se desde a infância adquirimo-lhes os hábitos.
Por isso, as nossas eleições não procedem da natureza, logo, não são causadas pelo
influxo dos corpos celestes, do qual naturalmente as coisas procedem.
(TOMÁS DE AQUINO)

Depreende-se, do que Aquino afirmou acima, algo fundamental para a educação do


homem. Como se comentou em passagens anteriores deste texto, havia necessidade de o
homem conhecer suas inclinações corporais para que pudesse aproveitar da melhor
forma possível seus talentos ou não assumir tarefas para as quais não tivesse condições
físicas. Por exemplo, a memória treinada para o estudo oferecia condições para que o
homem, enquanto criança e depois enquanto adulto, aprendesse o exercício das virtudes
e as praticasse o tempo todo, sem riscos de esquecê-las. Portanto, a memorização tinha
também a finalidade de evitar que o homem se esquecesse de suas virtudes básicas e,
assim, pudesse se livrar ou se distanciar dos vícios existentes na sociedade. Assim, as
virtudes não procediam de causas naturais, não sendo influenciadas pelos corpos
celestes, mas o homem, sim, podia escolher entre a virtude e o vício; entretanto,
somente conseguiria atingir seu fim mediante a prática e o aprendizado das virtudes, que
eram consideradas essenciais para a vida, sobretudo para que o homem pudesse
conviver com outros homens. A moralidade, para Aquino, era algo intrínseco ao
homem, ligado à sua auto realização enquanto homem. Ele possuía responsabilidades
inerentes a seu ser e a moral era justamente realizar o ato de ser com responsabilidade.
Por meio do estudo da Astrologia, o homem poderia conhecer melhor seu próprio
temperamento – que era algo corpóreo – e direcionar seu intelecto sem ser impedido por
uma má disposição corporal.

Além disso, nenhuma potência é dada inutilmente a alguma coisa. Ora, o homem tem a
potência de julgar e de consultar sobre tudo o que é por ele realizável, quer quanto ao
uso das coisas exteriores, quer quanto ao combate das paixões internas. No entanto, isto
seria debalde se a eleição fosse causada pelos corpos celestes, ficando fora do nosso
domínio. Logo, os corpos celestes não são causa das nossas eleições.
(TOMÁS DE AQUINO)

A responsabilidade era dada ao homem mediante sua capacidade de eleger as coisas à


sua volta. Caso ele não fosse responsável pelos seus atos e os corpos celestes
determinassem sua eleição, seriam eles os responsáveis pelos atos errôneos do ser
humano. Assim, por que o homem seria dotado de razão? Pode-se inferir, pelas leituras
feitas, que a racionalidade humana, para Tomás de Aquino, era um sinal de
comprometimento com a melhora, o aperfeiçoamento e o entendimento das relações
sociais, ou seja, com a ordem social, com a convivência harmônica com as demais
pessoas. Segundo Aquino, era impossível que o que provinha das potências universais –
corpos celestes – fosse ruim, donde se concluiu que o homem é que deveria ser
responsabilizado pelos seus atos, fossem bons ou maus, porque ele é que poderia
incorrer em erros, elegendo bem ou mal as coisas que surgissem na sua vida.

Mesmo que os corpos celestes possuíssem a capacidade de apresentar formas corporais


ao homem, como uma comida – no exemplo de Aquino –, somente o que não possuísse
temperança é que faria a escolha, caso a comida não fosse boa. Desta forma, as
influências dos corpos celestes, seriam apenas indiretas, cabendo ao homem o ato de
eleger. É explícito, nos comentários de Aquino, que o livre-arbítrio era o único
responsável pelas suas escolhas, mesmo quando o homem se deparava com algumas
paixões que poderiam persuadi-lo.

Nessa concepção, o estudo dos corpos celestes apresentava-se importante porque,


quanto mais o homem buscava compreender as causas de seus impulsos, mais controle
teria sobre eles. Aquino, assim como Aristóteles, considerava o homem um ser
naturalmente político e social, o que fazia dele dependente de um contexto maior. Nesta
situação, ele não conseguiria satisfazer muitas necessidades sozinho; precisava da ajuda
de outros membros da sociedade para adquirir comida, vestes e demais coisas
necessárias à sua vida. O homem era, assim, um ser que caminhava por vias diversas,
mas possuía a razão, que consistia na capacidade de lidar com a realidade das situações.
Cabia a ele direcionar, da melhor forma, suas atitudes, para que esses caminhos diversos
não o levassem à hostilidade e à rebeldia com as demais pessoas de seu convívio social.
Ábside de Berze-La-Ville (Francia)

O homem, de acordo com as premissas acima, não podia ser excluído de uma vida
social. Percebe-se aqui um reflexo da própria situação que Aquino vivia. Durante o
século XIII, houve a criação das ordens mendicantes, os dominicanos e franciscanos, os
quais não ficavam mais somente nos mosteiros, mas começaram a levar a educação
religiosa para outras regiões, respondendo, assim, às mudanças socais, políticas,
econômicas que ocorriam.

A criação das universidades era sinal da existência de um intercâmbio entre pessoas de


várias regiões e de uma reunião de saberes com a finalidade de lidar com os novos
desafios sociais, principalmente, a expansão das cidades, que remontava ao século XII,
e o rompimento dos feudos. Não cabia mais, naquela sociedade, o homem viver no seu
universo fechado, limitado, impondo-se a necessidade de uma abertura cada vez maior
para o mundo. Aquino, deixou clara a ideia de um universalismo, segundo o qual nada
existia fora da totalidade das coisas. Com isso, ele mostrava-se sensível ao processo de
surgimento de um novo homem, no qual se fizeram necessárias novas leis, para que a
ordem natural permanecesse. Ordem não no sentido de algo imutável, rígido, mas no
sentido original, de que as coisas estavam caminhando com ordem, com uma direção, de
acordo com a própria natureza celeste.

A crescente valorização do direito de escolha correspondia à necessidade cada vez


maior de manter a ordem social. Coerente com sua idéia hierárquica, um único rei
conduziria a esta ordem, conforme Aquino argumentou em seus escritos políticos, já
que a distribuição dos governos seguiria a ordem das esferas. Ou seja, se o primeiro
motor movia o segundo e assim sucessivamente, um único governante poderia mover os
demais governos, tendo o primeiro governante, uma posição hierarquicamente superior.
A existência de um rei não contrariava, entretanto, sua noção de livre-arbítrio.

Seria, ademais, inútil o estabelecimento das leis e dos preceitos do viver se o homem
não fosse senhor das suas eleições. Também inúteis seriam as penalidades aos maus e os
prêmios aos bons, se não estivesse em nosso poder escolher isto ou aquilo. Faltando, no
entanto, tais coisas, desapareceria a vida social, imediatamente. Logo, segundo a ordem
da providência divina o homem não foi de tal modo constituído que as suas eleições
sejam provenientes dos corpos celestes.
(TOMÁS DE AQUINO)
Embora atribuísse ao rei único a responsabilidade pela condução da ordem, para que
esta fosse mantida, o homem comum continuaria responsável pelos seus atos. Somente
ele, por meio de sua vontade e de suas escolhas, conseguiria conquistar a bondade ou a
ordem social. Não haveria aprimoramento do ser se a ação de buscar o bem fosse
dirigida pelos corpos celestes. Estaria encerrado o papel do homem no mundo natural e
talvez sua existência não teria nenhuma finalidade. Era isto que diferia o homem dos
animais. Aquino não afirmava que os animais não possuíssem sentido algum, pelo
contrário, tudo o que possuía uma causa natural tinha sentido, mas o homem tinha sido
designado para buscar a compreensão da realidade, ou seja, utilizar a razão para
aquisição de conhecimento sobre o mundo em que vivia, seus problemas e as soluções.

Alem disso, as coisas que se inclinam para um fim proporcionadas a ele. Ora, as
eleições humanas estão dirigidas para a felicidade como seu último fim. Ora, este não
consiste em bens corpóreos, mas em unir-se a alma, mediante o intelecto, com as coisas
divinas, como acima foi demonstrado, quer segundo a fé quer segundo as sentenças dos
filósofos. Logo, os corpos celestes não podem ser causa das nossas eleições.
(TOMÁS DE AQUINO)

Ora, se o objetivo era o entendimento do real, o homem deveria fazer suas escolhas de
acordo com seu intelecto e sua razão. Ele poderia eleger algo que lhe fosse apresentado
não somente pelos influxos celestes, mas pelos problemas sociais, as crises, as guerras,
etc. Sua escolha não seria pecado caso estivesse de acordo com sua razão, como no caso
da união corporal para a procriação. Se o homem agisse apenas por influxos corporais
provenientes dos corpos celestes – somente poderia fazer escolhas referentes às coisas
corporais, ficando impossibilitado de atingir algo intelectual e espiritual.

Entretanto, como o homem era dotado de uma alma e de um corpo, ou seja, de intelecto
e de matéria, estaria propenso a ser influenciado pelos corpos celestes apenas de forma
indireta.

Ora, há muitos que seguem os impulsos naturais, mas poucos há, só os sábios, que
resistem às ocasiões de fazer o mal e aos impulsos naturais. Por esse motivo disse
Ptolomeu que o trabalho das estrelas ajuda os sábios, e que o astrólogo não pode julgar
do influxo dos astros se não conhece bem a capacidade da alma e o temperamento
natural, e que o astrólogo não pode dizer coisas particulares, mas só de um modo geral.
Com efeito, o influxo das estrelas produz efeitos em muitos que não resistem à
inclinação corpórea. No entanto, isto não acontece neste ou naquele que resiste à
inclinação natural.
(TOMÁS DE AQUINO)

Aquino admitiu a importância do estudo das influências astrais, porque isto permitia ao
homem um domínio maior de suas inclinações naturais. Entretanto, a Astrologia não
poderia ser aplicada ao estudo da vontade, mas apenas às influências às quais o homem
estaria disposto pela condição corporal. Conhecê-la era uma forma de se educar para
lidar com os instintos naturais. Os astros, por meio das disposições corporais,
apresentariam ao homem duas portas: uma que levaria à humildade, à bondade, à
dedicação ao semelhante e a outra que levaria ao crime, ao roubo, aos vícios. Estas
últimas atitudes eram consideradas impulsos, orientadas não pelo intelecto, mas pelas
paixões. A vontade do homem ficaria à mercê das paixões à medida que ele não
compreendesse seus próprios sentimentos e essas escolhas refletiam-se indiretamente
nas relações sociais. O caso do homem que não tivesse noção dessas atitudes seria um
sinal de desordem social.

A ideia de que os corpos celestes não interferiam, diretamente, nas escolhas e vontade
pessoais, reforçava a liberdade do homem e o instigava a praticá-la o tempo todo,
evitando ser movido pelos seus instintos como faziam os animais.

Além disso, a causa agente particular na sua operação assemelha-se à causa agente
universal e a imita. Ora, se a alma humana por meio da operação do corpo tivesse
influxo em outra alma humana, como, por exemplo, quando ela comunica o seu
pensamento mediante uma voz significativa, a ação corpórea de uma alma não atingiria
outra alma senão mediante o corpo, pois a voz pronunciada traz mudança ao órgão
auditivo e, desse modo percebida pelo sentido, o seu significado atinge o intelecto. Ora,
se a alma do corpo celeste tivesse influxo em nossas almas, mediante movimento
corpóreo, esta operação não atingiria nossa alma senão mediante uma mudança em
nosso corpo. Ora, isto não será causa de nossas eleições, mas tão somente ocasião,
como se depreende do que foi dito. Logo, o movimento do corpo celeste não seria a
causa de nossa eleição senão ocasionalmente.
(TOMÁS DE AQUINO)

A afirmação de que um corpo só era movido por outro corpo e a alma era somente
movida por outra alma encerrava os comentários de Tomás de Aquino. Mas não se
pode desconsiderar que o intelecto, conforme discussões anteriores, podia sofrer uma
influência indireta dos corpos celestes e daí a eleição ser uma ocasião, boa ou má, de
ordem ou de desordem.

É possível concluir que a Astrologia permitiu o estudo aprofundado de determinadas


influências e ofereceu ao homem medieval condições para conhecer suas disposições e
aptidões físicas, corporais. Este conhecimento completava as disciplinas
do Quadrivium, em que eram analisadas as particularidades do céu, ou seja, o estudo
pormenorizado da esfera celeste, do posicionamento dos planetas e das estrelas e do
surgimento de fenômenos, como cometas e meteoros.

Para Tomás de Aquino, o céu não era algo distante como se apresenta nos dias atuais e
as esferas não ficavam a anos-luz da Terra, mas a poucos quilômetros de distância.
Estudar os efeitos que o céu, como forma corporal, desencadeava no mundo sublunar
era a função da Astrologia. Isso transparece em seu ideal de Astrologia, ou seja, em sua
análise das boas ou más ocasiões com as quais o intelecto humano iria se deparar pela
frente. Ele compartilha, de certa forma, de uma visão materialista e naturalista que
concebia que o conhecimento racional também poderia ser alcançado pelo estudo da
Astrologia. O mundo materialista era muito real e palpável, diferente do mundo das
ideias, que muitas vezes podia ser idílico.
O Mistério das Catedrais

O fato de a Astrologia ser considerada como uma visão de mundo e como conhecimento
– a do Macro e do Microcosmo – não nega a existência de outras maneiras de praticá-la.
Sua utilização para prever acontecimentos futuros na vida de uma pessoa, por exemplo,
foi condenada pelos teólogos medievais, inclusive por Tomás de Aquino. Em seu
caso, Aquino aceitou a validade de estudos que não interferissem diretamente no livre-
arbítrio humano e, além disso, reconheceu sua importância, principalmente aqueles que
poderiam ser aplicados à medicina e à alquimia dais quais Aquino era partidário. O
mundo de Aquino era o universo de relações humanas, animais, vegetais e cósmicas e a
Astrologia possibilitava que o homem tivesse esta compreensão, uma vez que sua teoria
apresentava a existência de harmonia entre todos os elementos do universo.

Tomás de Aquino, ao aceitar uma teoria astrológica, adaptando-a aos preceitos


cristãos, aceitou também a ideia de que os corpos celestes poderiam servir de explicação
para muitas questões da natureza física e da natureza humana. Assim sendo, fortaleceu o
estudo da Astrologia no que se refere às influências celestes no mundo natural,
contribuindo para o desenvolvimento da ciência astronômica. Os estudos astrológicos
voltados para o corpo humano desempenharam um papel significativo no
desenvolvimento da Medicina. Além disso, na medida em que se procuravam as causas
para determinadas disposições corpóreas, cresciam as possibilidades de se encontrar
outras explicações para os mesmos fatos, o que conferia a ela o caráter de ciência. Um
grande médico da modernidade, Paracelso, dizia que uma doença de causa celeste
deveria ser curada com uma planta que tivesse a mesma propriedade de um planeta.
§

THE GEOMETRY OF THE ORLOJ’S ASTROLABE

ASTRONOMICAL CLOCK BUILDING

THE ASTRONOMICAL CLOCK

OLOMOUC ASTRONOMICAL CLOCK

CATHÉDRALE NOTRE DAME DE STRASBOURG “HORLOGE ASTRONOMIQUE”

ASTRONOMICAL CLOCK ON THE FAÇADE OF THE DEUTSCHES MUSEUM

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