Texto 2 - LANGLOIS, Charles & SEIGNOBOS, Charles. Introdução Aos Estudos Históricos.

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I34 C H . V. LANGLOIS e C H .

SEIGNOBOS'

DCste mod0 preparados, abordamos o documento. A me-


dida que lemos, andisamo-lo mentalmente, deslruilldo tidas as
combinaq6er do autor, eliminando tddas as formas literhrias,
para chegarmos ao fato puro, que devemos forrnular em lin-
guagem absolutamente simples e precisa. Libertamo-nos, dgste DETEKMINA~AO DOS FATOS
modo, do respeito artistic0 e da subn1iss"a 3s idhias do autor
PARTICULARES
que tornariam a critica impossivel.
Assim analisado, o documento se reduz a urna longa sCrie
de concepq6es d o autor e de afirmaq6es de fatos.
A respeito de cada afirmaqzo indagamos se houve possibi- A analise critica resume-se exclusivamente em constatar
concepq6es e af irmas6es, fazendo-as acolnpanhar de notas sbbre
lidade de mentira ou de erro ou possibilidades excepcionais de
a probabilidade dos fatos afirmados. Rwta-nos exanlinar conlo
sinceridade ou de exatid%, atendo-nos ao questionhrio critico C possivel extrair delas os fatos hist6ricos particulares com os
elaborado para os casos particulares. Devemos ter sempre pre-
sente ao espirito Sste questionirio. A principio 5le 110s pare- quais. .se constitui
- a ciCncia. ConcepqBes e afirmac6es s5o duas
espkies de ,resultados que precisam ser t:ratados dois. Ilkto-
cer5 embaraqante, ou mesmo pedante; entretanto como seremcs do.s dif erentes;
obrigados a aplicA-lo mais de cem vezes em uma Gnica p5gina I - TBda concep~50,quer seja expressa por escrito, quer
de documento, acabaremos por ud-lo inconscientemente; ao por uma representas50 figurada, C um fato certo, definitiva-
lermos um tredho, todos os motivos de confianqa ou descon- mente adquirido. Se a concepq80 chegou a ser manifestada C
f ianqa nos aparecereo nun1 momento reunidos em uma impress20 porque foi realmente concebida (se nHo pelo autor, que talvez
global. haja reproduzido uma f6rmula sem a compreender, ao menos
Atingimos ao ponto em que a anAlise e as quest6es critkas pel0 criador da f6rmula). Um finico caso basta para dar a
se tornaram instintivas em n6s. Adquirimos, para sempre esia
conhecer a existhcia de urna concep~80,um h i c o documento
desenvoltura do espirito, metMica e analitica, desconfiada e C suficiente para provCla. A anilise e a interpretaqHo bas-
irreuerente, que, +om frequencia, 6 denominada "0 senso cri:ic~", tam, portanto, para levantar o inventArio dos fatos que formam
mas que n5o passa do hdbito inconsciente da critica. a matkria das hist6rias das artes, das cikncias, e das doutri-
nas. (10) - A critica externa incumbe localizar Cstes falos
determinando a Cpoca, o pais e o autor de cada concepq%o. -
A dura$io, a extensgo geogrifica, a origem e a filiaqgo das
concepc;6es cornpetem A sintese hist6rica. A critica interna
nHo cabe aqui; o fato C sempre extraido, diretamente, d o do-
cumento.
Podemos agora dar inais urn passo. As concepq6es, em si
mesmas, sHo meros fatos psicol6gicos ; mas a imaginaeo ngo cria
seus objetos; toma sempre da realidade os elementos que os
constituem. As descris6es de fatos imaginsrios sCo feitas corn
os fatos exteriores que o autor observou em t6mo de si. Po-
demos, pois, tentar separar esses materiais de conhecimento.
- (140) Tambem os fatos particulares de que se comp6em as his-

tdrias das formas (paleografia, linguistica) podem ser estabelecidos di-


letamente pefa anfifise do documento.
136 CH. V. LANGLOIS e CH. SEIGPT~GOS

J6 houve quem se utilizasse de obras literhrias, poemas Cpicos, relativa A sociedade em que =iiveu o autor, devemos figurar, por
romances e peqas de teatro (141), para esclarecer periodos e comparaq50, que valor teria para n6s uina informas50 da alleslna
fatos de documenta~50minguada, assim procedendo, tarnbem, espCcie, extraida de um de nossos romances contemporineos, se
em relaq6o Q antiguidade e Q determinaq50 de usos da vida quisCssemos esclarecer-nos a respeito de nossos costumes atuais.
privada. 0 processo niio C ilegitimo, desde que se subordine Como ocorre com as concepq6es, os fatos exteriores assim
a varias restriqfies, que, infelizmente, estamos sempre sujeitos obtidos podeni estabelecer-se com um iinico documento. Mas
a esquecer. apresentam-se de tal inodo vagos que s6 comparando-os com
1.0) N5o podenlos aplid-lo aos fatos sociais interiores, outros semelhantes podemos obter dtles informaq6es aproveitk-
Q inoraI, ao ideal artistic0 ; a concepq50 moral ou estCtica de um veis; das operaqfies desta espkie incumbe-se a sintese.
doct~mentoexprime, quando muito, o ideal pessoal do autor; Aos fatos resultantes de concepq6es podemos associar os
nfo temos o direito de estender a conclus5o Q moral ou ao gbsto fatos efieriores indiferentes ou muito gerais, que o autor expri-
estCtico de seu tempo. Para isso C precis0 no minimo com- miu quase sem neles pensar. hgicalnente n50 nos assis.te, -6
parar dif erentes autores do mesmo periodo. bem verdade, o dirleito de os declarar certos, porque sabemos
que hk homens que se enganam mesno em relaqfio a fatos cuja
2.O) Pode a descriq50 dos fatos materiais resultar de uma verdade se imp6e por si mesnla, ou mentem ao se referirem a
combinaqzo pessoal do autor, produzida em sua imaginaqfo fatos indiferentes. Mas Cstes casos s50 t50 raros que rnuito
com elementos tirados da realidade. Neste caso s6 nos C licito pouco risco correnlos ao admitirmos c m o certos os fatos desta
afirmar a existgncia separada de cada elemento irredutivel, natureza, e i n h r a firrinados por uin Gnico documento; ma prAtica
forma, matkria, car, niimero. Quando o poee nos fala de C 2ste o processo usado para as '6pocas ma1 conhecidas. E'
portas de ouro, ou de armaduras de prata, isso n b quer dizer pelo texto ~ n i c o ,d e Cesar, ou d e TBcito, que ttm sido descri-
que de se referisse a portas feitas de our0 ou a armaduras feitas tas as instimiqBes dos Gauleses ou dos Gerinanos. Bstes fatos,
de prata; devemos acreditar, isto sim, que se associam em sua t5o fkceis de conlstatar, impuseram-se aos autores de descriq6es
mente os conceitos de porta, armadura, our0 e prata. Temos do mesmo modo que as realidades se impfiein aos poetas.
que descer, portanto, pela anAlise, at6 o elemento que o autor.
-forgosamente, tirou da experisncia (o'bjetos, sua destinaqgo, I1 - Contrai-iamente, em nenhuma hip6tese a afirma-
q5o de um unico d ~ c ~ l l i ~relaiiva
i ~ t ~ ,a urn iato exterior, (142)
atos usuais, etc.).
bastar5 para estabelecer eaI fato. As condiq6es em que se pro-
3.0) A concepq6o de um objeto ou cle um ato prova que duziu a afirmaq50 s50 de tal modo ldesconhecidas e tantas as
Ele existiu, mas n5o que tenha sido frequente; talvez se trate passibilidades de mentira e de Srro que nunca podemos estar
de um objeto ou de um ato tinico, ou, pelo menos, adstrito a certos de terem sido evitadas tbdas estas pcrssibilidades. 0 exa-
um pequeno circulo; os poetas e romancistas tfm o hhbito de me critic0 n5o conduz a soluq6es definitivas ; indispenskvel para
servir-se de modelos tirados de um n~undoexcepcional. evitar erros, n5o nos leva, todavia, por si s6, a verdade.
4 . O s fatos conhecidos por fste processo n5o est5o loca- A critica n5o pode provar nenhum fato: mostra-nos, ape-
lizados, nem no tempo, nem no espaco: o autor pode have-10s nas, as probabilidades. 0 mhximo de auxilio que nos presta
tomado em outra Cpoca ou em pais que 1150 seja o seu. consiste em decompor os documentos - em afirmas6es, colando
TWas estas restriq6es podem ser assiln resumidas : antes em cada uma delas uina etiqueta reveladora do seu valor provh-
de colhermos, de uma obra literkria, uma informaq50 qualquer vel: afirmaq50 sein valor, afirmaq50 suspeita (fortemente ou
f racamente) , af irrnaq5o provAwl ou muito provfivel, af irrnaq5o
A de valor desco~~hecido.
(141) A Grecia Primitiva foj estudada nos poemas hombricos.
reconstitui~5.0 da vida privada da idade-m6dia teve como base, princi-
palmente, as cang6es de gesta (V. Ch. . 1 Langlois, les Travaztz s w 1'
' (142) Damos aqui o nome de fato exterior - em oposi~Zoa o ter-
histoire de la socie'tk franpise at6 moyen 6ge Caprks les sources litte'raires, mo concepc8o (que traduz um fato interno) - a todo fato que se passa
na Revile H i ~ t o r i ~marco-abril,
~~?, 1897). na realidade objetiva.
De todos Gstes resultados um finico C definitivo: E' ntdla jeita a probabibilidades de Crro que nHo poden30,s eliminar iMeira-
a afirmaca'o de urn autor qzLe na'o p6de bewt izformar-se d o fit. mente; mas se a maioria das observa~8ess%o ccmcordantes 06
to afirmado; devemos rejeitA-la, como rejeitamos urn documen- quase Lnposdvel que esta concor&ncia se opere pela incidhcia
to ap6crifo. (143) Limita-se a critica a destruir informac;6es no mesmr) Erro; a raz5o niuito ,mais provivel da concordkcia
ilus6rias, nunca Ihe C possivel criar outras, certas. 0 s tinicos deve residir no fato de terern os observado~esvisto a mesma
resultados firmes a que a critica pode chegar sHo negatiuos. realidade e haverern-na desmito todos com e m t i d b . 0,s e~-TOS
T d o s os resultados positives por ela apresentados s50 duvido- pessoais tendem a divergir.e as observaq6es exatas a concordar.
w s e nHo podem ir aIem dEste esclarecimento : "HB probzbili- Aplicado i histbria, .&ste prkcipio concluz hGltima sCrie
dades favaraveis, ou desfavor&veis, B veracidade desta afirma- de operaqdes, intermediiria entre a critica puramente analitica
$50.'' Mas fado isso n50 passa de rneras probabilidaidm : urna e as operaqaes d e sintese:, a -comparaq50 da afirmagio. .
afirbmaq50suspeita p d e ser exata, urna sfirmaqlo provAvel po- Comeqamos por classificar os resultados da anilise critica
de ser falsa; vemos isso cada dia, com ahundsnda de exemplos ; de m d o a reunir as afirmaq8es relativas. a utri mesiilo fato.
alem do mais, nunca chegamus a conhecer cornpletamenbe as Materialmente, a operag80 se torna .fBcil, corn o process.0 de
condiqbes da observaq50, para sabemos se ela foi bem feita. fichas (quer notemos uma, afirmaqgo em cada f icha, separada-
Para degarrnos a urn resultado definitivo. urna tiltima o- mente, quer destin,emos a todo um fato uma Gnica fizcha, na
peraqiio nos C necessaria. Depois de submetidas 4 critica. as qua1 notaremos tBdas as afirma~6esa Gle referentes, $ medida
afi~rmaq6esse apresentam cgmo prov5veis su improv5veis. Mas,' que as formos encontrando).
por mais prov5veis que sejam. qudndo tomadas i soladamente, A a m p a r a 6 0 pde em evidsncia o estado de n o s s r i o n h e -
nunca passario de simples probabilidades: nio temos o direito cimentos pertih?n:tes ao fato; a conclus5o definitiva depende
de dar passo decisivo que as transformar6 em proposiqbes cien- da relac50 entre as afirmag6es. Incumbe-nos, pois, estudar se-
ti£icas ; uma proposi$io cientif ica C urna af irmago indiscutivel paradamente os casos qae possam ocorrer.
e estas estlo muito Ionge de o serem. Constitui principio uni- I11 - 0 mais frequente, exceto para a hist6ria contempo-
versal em tbda cikcia de observaqzo que nunca nos C possivel rAnea, 6 os documentos relatives a ,um fato .conterem m a h i -
chegar a uma conclusio cientifica mediante urna rinica observa- ca afirmagio. Tddas as outras cisnciag em semelhante caso,
qCo : para afilrrnarmos uma [email protected] ter condatado suboi-dinam-se a uma regra invariivel : uma observaqzo isolada
o fato em muitas observaqbes independentes. A hist6ria, coin 1150 pode ser perfilhada pela d(6ncia; admite-se, quando muito,
seus processes imperfeitos de observaqzo, tern menos direito que que ela seja citada, mencionmdo-se neste caso, obrigatoria-
qualquer outra ciGncia a furtar-se a b t e principio. Mesmo mente, o nome do observador, mas nenhuma conclus5o C possi-
no caso rnais favor&vel, urna afirrnaqio hist6rica nunca deixar6 vel tirar dela. 0 s historiadores nZo tGm ne&u.m motivo con-
de ser fruto de urna observaqzo mediocremente feita; k indis- fessAvel -para procederem de outro modo. Quando, ao estuda-
pensive1 que outras observaq6es a confirmem. renl urn fato, ocorrer o easo de s6 disporem de urna afinnag50,
Qualquer cizncia se constitui pela comparaqHo de v5rias feita embora por penoa de honestidade indiscutivel, nada deve-
0bserva~6es:os fatos cientificos s i 0 pontos de concord2ncia de riam. afirmar, mas, como procedem os naturalistas, apenas men-
nmiatasobservaq6es diferentes. (144) Cada observaqHo esti su- cionar a afirmqSio (Tucidides afirma, Cesar diz que) ; nenhum
- direito lhes assiste de passar alem d6stes limit,es. Na realida-
(143) A maioria dos historiadores esperam que a falsidade de de, ~ ~ o d oconservam
s o habito, que remonta ii idade-media, de
uma lenda seja Drimeiramente demonstrada para, s6 entPo. rejeitarem- afirmar protegidos pela autoridode de Tucidides ou de Cesar;
na: quando niio se conservaram documentos que a contradigam, admi- nio raros chegam a traduzir a afirmag80' daqueles autores ern
tem-na pmvisoriamente; t assim que muitos procedem, ainda hoje,
principaImente em relaqzo m s cinso primeiros s6culos de Roma. Rste -

nrocesso, infelizmente ainda generalizado, contribui para impedir que cientffica completa s6 se obtem pda concordlncia de observac6es con:
a h i s ~ r i ase constitua em cicncia. seguidas por me'todos diferentes; encontrqse, exatamente, no ponto de
cruzamenk de duas vias diferentes de pesquisas.
(144) Para a justifica~Po 16gica deste principio em histbria, v.
Ch. Seignobos, Rcvlle philosophiq?.~,julho-agosto de 1587. A certeza
INT~ODUGO
AOS ESTUDOS ITIST~RICOS 141

express6es pr6prias, sen1 qualquer refertncia & fonte, como se tas concorxlam, ,mas estHo em contradiqHo com uma Gnica, n60
tles m e m o s f alasscln. Enttregues G s t e ~ ~ ~ o sde.1o11, ~lelillulll suspeita. (146)
freio cientifico, $ credulidade natural, chegam os historiadores V - Ainda que v6rias afirmaq6es conmdem, 6 pl-eciso
a admiti?; f;un,dad,os simples e in.su'ficiente presunqbo de uill resistii- & tendtncia natural d e crer que o fato est6 demonstra-
documento. linico, q ~ ~ a l q u eafir.maqbo
r que nbo vveha a ser con- do. 0 primeiro impulso 6 contar cada documento c-o uma
t.ra&tada por outro docu.mento. Kesplta, d2ste fator, a conse- fonte de informqbo. Sabemos bem que, n a vida real, ocorre
quincia absur.da de que a historia 6 mais afirmativa e parece frequentemente que urns copiem dos outras; que urna s6 narra-
mais bem co~l.sti:tuida,quando se refere a periodos descoi~heci- g5o sirva a muitos narradores, que vArios jornais publiquem a
dos em que urn s6 estritor aparece, do que em relaqHo aos fa- mesma correspond6ncia, que v6rios rep6rteres entrem em enten-
tos conhecidos por milhares de ,dowumentos contradit6rios. A s di~mentopara atrihuir a um, dentre tles, a redaqzo de ulna no-
guerras mCdicas, de que s6 Herbdoto nos d6 noticia, assim como ticia que cada qual far5 publicar, separadamente. Defrontamo-
as aventuras de Fredegonda, narradas unicamente por GrCgoire nos corn v6rios documentos, ou com v5rias afirmat$es, mas.. .
de Tours., est5,o .menos sujeitas a ~disc~ussbo do que 0s. aconteci- haver6 tantas observaq6es quantos s60 0s dm~mentose as ob-
mei1tos da Re~mluqbo,descritos por cent.enas d e contempor2neos. servaqijes? E' fora de dGvida que nHo. Uma afirmaqHo que
Para libertar a hist6ria'desta condiqHo vexathria, uma revoluqHo reproduz outra n'io constitui observaqbo nova. Ainda que uma
no espirito ,dos hi,storiadores C indispens6vel. obse~aqHofdsse reproduzida por cem autores diferentes, nem
IV - Q u a d o nos defron.tamos corn v6rias afirmaq6es i-e- por isso deixariam essas cein c6pias ~derepresentar urna linica
ferentes ao mesmo fato, duas 'hip6teses apenas sbo possiveis : dbservaqiio. Contk-las como c e n , equivaleria a contar coins
ou ~2.0cont.radit6rias ou coi~corda?tes. Para nos ~ e r ~ t i f i . c a r ~ ~ ~ o s cem documentos cem exemoplares impresses de urn lnesmo livro.
de que sHo realmente contradit6rias devemos verificar, ~ r e l i m i - Mas o respeito aos "documentos hist6ricos" 6, n50 ram, nlais
nal-inente e com absoluta segui-anga, e se referem ao llzesiilo forte clo que a evidincia. A mesma afirmq50 redigi~da em
fato; duas afirmaq6es aparentemente contradithrias podem ser virios documentos separacfos, por autores diferentes, d& a ilusPo
apenas paralelas ; p d e m 115.0 referir-se exatameilte aos nles- de vhrias afirmaqBes; urn mesmo fato relatado em dez documen-
inos momentos, aos mesmos lugares, Bs mesmas pessoas, aos tos diferentes parece firillado por dez ohser17a~6esconcordahttes.
rnesmos epis6dios de uin acontecimento : ~ o d e m diste
, modo, ser Devemo; desconfiar desta impresszo. Uma concordiincia s6 6
anbas exatas. (145) Todavia, se .tal a o r r e r , nbo devem6s concludente quando as afirmaq6es concordantes exprimem ob-
concluir c;ue uma confirme a ouhra; a d a qual participa d a cate- serva@es independentes umas das outras. Antes de chegarmos
a qualquer conclusHo, relativa~~~ente a uma concord2ncia, deve-
goria das af irlmaq6es Gnicas.
Se a contradiqHo 6 verdadei,ra, uma, pelo menfos, das duas mos examinar se o fato exprime, realm&nte, uma concordhcia
afirmaq6es, C falsa. Uma ten'dgncia natural $ conciliaglo nos entre ohservqi5es independentes; isto compor~taduas operaqces.
leva, entio, a procurar um meio termo. Bste espirito de conci-
liaqbo C contr5.rio ao espirito cientifico. Se um diz que 2 e 2 lo) Com2e$amos por investigar se a s afimaqBes s'io in-
dependentes ou se, ao contrArio, n% passam de re~rodt1r,6eqcle
sbc 4 e outro que 2 e 2 sHo 5, nHo devemos dizer que 2 e 2 uma observaqHo Gnica. Bste trabalho pertence, em parte, A-cri-
sso 4 e rneio; deveillos examinar qual dos dois tell1 razbo. tica externa das fontes. Mas a critica das fonte limita-se a
B esta a miss50 da critica. Quase sempre, destas afirmaq8es es,tudar as relaqces existentes entre os documentos escritos ; d6
contmra&t6.rias, Uma ao menos 6 suspeita; deveinos afast6-la, se por fi'ado o seu trabalho, a partir do momento ern que houver
a que esti em conflito com ela f6r prov5vel. Se a outra tam-
bem fbr suspeita, devemos abster-nos d e concluir; tarnbem de- (146) Devernos rejeitar, de inicio, o processo infantil, que consiste
vemos abster-noi de conduir qua'ddo v6rias afirmaq6es suspei- em contar os documentos de um lado e do outro e decidir pela maioria;
--Bste caso 6 estudado, corn urn horn exemplo, por Bernheim,
a afirrnaclo de urn Clnico autor, informado sBbre urn fato, C evidente-
(145) mente superior a cem afirmaq6es de pessoas que dtle nada sa$em. H i
0. c., p. 421 muito, ji, que a regra esti formulada : Nun numerentur, sed ponderentur.
I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS IIIST~RICOS 143

estabelecido que iais passagens de um autor foram tomadas de bante esta quanto mais completa f6r aquela; contrariando Gste
outros. As passagens copiadas ou reproduzidas devem sex- des- impulso devemos adotar a regra paradoxal de que a concor-
prezadas sem discussFio. Mas o mesmo trabalho deve ser feito dsncia prova muito mais quando se restringe a poucos pontos.
em relaqio 5s afirmaqBes nlo escritas. Devemos comparar as 4.,p 0 s pontos de concordiincia destas afirmaq6es divergentes C que
afirmaqbes relativas ao mesmo fato, para saber se provem de constituem os fatos hist6ricos cientificamente estabelecidos.
observadores diferel~tesou, ao menos, de observacBes diferentes.
0 principio 4 anilogo ao da critica das fontes. 0 s porme- 2") Antes d e ~oncluirdevemos certificar-nos de que as
nores de um fat0 social sHo tantos e t5o variados e hii tantas observa@es diferentes de urn mesano fato s60 completamente
maneiras diferentes de ver o mesmo fato que dois observadores independentes, pois pode dar-se o caso de ter agido uma s6bt-e
independentes n e h u m a possibilidade 6 m de verem do mesmo as outras, de modo que a primeira houvesse determinado as
modo todos os avpectos do fato observado; quando duas afir- seguintes e, neste caso, a concordsncia nCo mais seria conclu-
maqks apresentam os mesmos pormenores, na mesma ordem, dente. Devemos estar alerta em relaqio aos seguintes casos:
a conclusPo 6 que derivam de unla observaq50 comum; as obser- 1 . O cmo: As observaq6es diferentes foram feitas pel0
vaqBes diferentes divergem sempre em alguns pontos. FI-e- mesmo autor, que as consignou, quer em um Gnico documento,
quentemente podemos tirar partido de um principio a PGori: quer em virios ; cumpre-nos, neste caso, tomar as necessdrias
se urn fato era de natureza tal que n6o poderia ter side obser- cautelas para nos assegurarmos de que o autor refez, realmente,
vedo ou rdatado sen50 por um Gniw observador, somos forqa- as observaqBes, ao contrArio de li.n~i#tar-se
a repetir uma observa-
dos a inferir alue t6das as fontes defluem dessa observaqlo iini- qio zinica.
ca. (147)
2.O cmo: H d v5rios observadores, mas um s6, dentre hies,
&tes principios permitem reconhecer inGmeros casos de
observaqBes diferentes e mais ainda casos de observaq6es re- 'B foi incumbido de redigir um documento linico ; 6 o caso das atas
produzidas. de assembl&ias; devemos verif icar se o documento ' representa
Resta-nos examinar os a s b s duvidosos, que s'io em grande exclusivamente a afirrnaqso do redator ou se a redas50 foi con-
nfimero. A .tendencia natural C contA-10s como indepe'nfdentes. trolada pelos outros observadores.
Isto consiitui o inverso do que seria cientificameri'te correto: 3 . O caso : Vsrios observadores redigiram suas observaq6es

enquanto a independsncia das afirmaq6es n'io estiver provada, em documentos diferentes, mas em concIiq6es semelhantes ; de-
60temos o direito de admitir que sua concord2ncia seja con- ,--I
,,.-* vemos aplicar o questiodrio critic0 para saber se 60estiveram
cludente. todos sujeitos As mesmss causas de inentira ou de err0 (mesmo
Sb depois de termos estzibelecido a relacso existente entre interesse, mesma vaidade, mesmos preconceitos, etc.).
as afirmaq6es 6 que podemos contar as que G o verdadeiramen- S6 sPo indiscutivelmente indepenldentes as observar,6es con-
te diferentes e examinar se s i o concordantes. Ainda q u i C tidas em documentos diferentes, quando feitas por autores di-
precis0 desconfiar do primeiro impulso: na verdadZ a concor- Ierentes, pertencentes a grupos diferentes e que tenham ope-
dtncia concludente n5o 6, como poderiamos naturalmente supor, rado em condiqbes diferentes. Vemos, pois, que os casos de
uma semelhanqa completa entre duas narraqBes, mas urn ponto concordhcia plenamente concludente sio raros, exceto para os
de cruzamento entre duas narraqbes diferentes, que apenas em pesiodos modernos.
alguns pontos se assemelhan. A tendhcia natural C consi- A possibilidade de provar urn fato hist6rico depeisde do
derar a concordtncia como urna confirmaqio, tanto mais pro- nfimsro de dooumentos independentes conservados, relativos a
esse fato; ora, como depende do acaso que os documentos se
(147) NLo cabe aqui o estudo das dificuldades especiais que a tenham conservado, vemos, por ai, qua1 a parte do acaso na
aplicaq5o dCstes principios apresenta. Como exemplo, podemos citar .
-"+- constituiq50 da hist6~ia.
o fato de introduzir o autor variaqSes na afirmaeo que tomou de 3 0 s fatos que podem ser estabelrecidos s5.0, principaltnente,
outro e cuja origem ocultou, corn a finalidade de enganar o pfiblico ou os extensos e duradouros (denominados, 5s vezes, fates gerais),
o de haver combinado pormenores provenientes de duas observaqi5es.
I N T R O D U S ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 145

c h o os usos, doutrinas, instituig6es, grandes aconte.cimentos; dissipa; chegamos a urna espCcie de certeza produzida pelo enca-
isto porque s50 mais fAceis de ~ b s e r v a re de provar. Todavia, deainenLo dos fatos. D6ste #mode, p d a comparag"a de cohtlu-
o mCtodo hist6rico nHo & por si mesmo, importante para esta- s6es ainda duvidosas, estabelecemos urn conjunto moralmente
belecer fatos breves e limitados (shamados fatos particulares), certo. y o itinerhio de urn soberano, os dias e lugares d e pas-
como uma palavra, um ato momendneo. Basta que v6rias pes- sagan se conf irmam, quando se encadeiam de maneira a f ormar
soas hajam assistido ao fato, o tenham notado e que seus es- urn todo coerente. \Uma instituiggo ou umn costunle de urn povo
critos tenhamn chegado at6 n6s. Conlhece~losa frase que Lu- pode estabelecer-se pelo ac6rdo de informaq6es, cada urna apenas
tero proferiu na Dieta de Womms; sahemos que nZo disse o que provivel, 1z1as ref erentes a .lugares cxl .mmentos dif erentes.
a tradiqzo h e atribuiu haver dito. e s t e concurso de condi- Bste mCtodo C de aplicasfo dificil. 0 a&rdo C uma noqso
q6es favor6veis se torna dia a dia mais acentuado, merc6 da me- muito nzais vaga do que a comcord2ncia. Ngo ~odernosafirmar,
lhor ~rganizag50dus jornais, do traballho dm taquigrafos e dos em gerzl, quais os fatos ~uficientem~en~te ligados entre si de mod0
dq6sitos de documentos. a formnarem um conjunto, cujo acBrdo seja concludente, nem
Em relag50 A antiguidade e A idade-mCdia, o conheciinento determinar. antecipadamente a duraqgo e a extens50 do que
histbrico se restringe aos fatos gerais, pela penfiria d e documen- constitui urn conjunto. Fatos referentes a cinqiienta anos pas-
tos. Para o pel-iodo contemporiineo, pode 61e estender-se cada sados e a cem l6gvas de disfiacia poldergo confirmar-se de mod0
vez mais aos fatos particulares. 0, p6blico cr6 o contririo; a estabelecer um costume cle uizi povo (por exemp!~, o s Gerina-
desconfia dos fatos coatempor2.neos, em relaggo aos quais vE nos) ; nada provariam, todavia, em uma sociedade heterog6nea
ciroularem narragSes contradit6rias e acredita sem hesitasgo nos e de r&pi(da evolug5o (v.g. a sociedade francesa entre 1750 e
fatos an>tigos, que nenhu'ma contradiqgo apresentam. Sua con- 18001 na Als6cia e na Provenqa). Cumnpre-nos, neste passo,
.fianqa chega ao mkirno nos pontos da histt6ria em que nenhunia esttudai- as relaq6es entre os fatos. Isto j i constitui o coiiiEqo
possibilidade de conhecimento cede existe e seu cepticismo cres-
da consti-usso I1ist6rica : passamos, d6ste d o , das operagfies
ce A medida que os meios de sarber aumentam.
analiticas As operaq6es sintCticas.
V I - A concord4ncia entre os documentos conduz a con-
clus6es nem sempre definitivas. Resta-nos estudar o ac6rdo V I I - Falta-nos estudar, entretanto, o caso do desacBrdo
entre os fatos para completarmos ou retificarnlos as conclus6es. existente e ~ t r eo s fatos estahelecidos pelos documentos e os
VArios fatos que, considerados isoladamente, s6 podem ser estabelecidos por outrcls processes. Pode acontecer que uiii fato
imperfeitamente provacios, podem confirmar-se uns aos outros, --
@
obtitdo por co1iclus5o hist6rica esteja ,em contradiqh com um
de m o d ~a d a r uma certeza global. 0 s fatos que os documentos conjunto ~ d efatos historica~nentecoiihecidos, ou corp o conjun-
apresentam isoladarnente podem ter estado algumas vezes tgo to de nossos conhecimentos relativos A humaniclade, funclados
aproximados na realidade que nos C possivel ligar uns aos ou- na observas'io direta, ou, ainda, com uma lei cientifica firmada
tros. Pertencem a Gste g6nero os atos sucessivos de urn mesmo pelos rn6todos regdares bde unla ci6mia constituida. Nos dois
homem, ou de um mesmo grupo, os hibitos de um mesmo grupo primeiros casos, o fato s6 colide com a histbria, a psicologia ou
em Cporas vizinhas, ou de grupos semelhantes na mesma &ma. a sociologia, ci6ncias ainda .ma1 constituidas; dizemos d6le. por-
Cada urn d6stes fatos pode C :berm verdade, produzir-se sem o tanto, que C inve~ossivvcil; se, porem, est5 em conflito com a
outro; a certeza de que urn ocorreu n%o nos autoriza a afirmar cicncia, s6 poclemos admiti-lo como milagre. Como deveinos
proceder frente a fato inverossimil ou miraculoso? Admiti-lo-
o outro. Todavia, o ac6rdo entre v6rios dPsses fatos, cada qual
imperfeitamente provado, nos confere uma espccie d e cer-teza; -emos depois do exame dos documentos ou o rejeitaremos desde
em sentido estrito 6les nZio se provam uns aos outros, mas confir- logo como impossivel? A inverossivvcilhan,-a ngo 6 uma quest50
mam-s8e. (148) A dfivisda que pesava s6bre cada u m ,d6les se cientifica; varia com os individuos; cada qual acha inverossimil
aquilo que 'n6o est6 habituado a ver; para urn campon6s i p o -
rante o telefone 6 muito mais inverossimil do que uma aparigzo ;
(148) Indicamos, aqui, apenas o principio do metodo de confirma-
$50; suas aplicacbes exigiriam um longo estudo. rei do Si5o rec~~sou-se a acreditar na exist6i1cia d o gelo.
I N T R O D U ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 147

Deveinos determinar a quervc o fato parece inverossimil. Serj. rwursos imperfeitos, controlar, coatrditar ou retificar os resul-
a massa desprovida de cultura cientifica? Para ela a ciCncia tados dos outros mCtodos; deve, ao contrArio, empregar os re-
6 mais inverossimil do que o milagre, a fisiologia do que o sultados dsstes para retificar 0 s seus. 0 progresso das cibcias
espiritismo; sua noq'lo de inverossiinilhanqa nenhum valor
apresenta. Serh Q honlem cientificamente culto? Trata-se,
9
-
%
diretas -modifica, algumas vezes, a interprehq50 histbrica; ui11
fato estabelecido pela observa~Lodireta serve para compreender
ent50, de inverossiinilhanqa para um espirito cientifico, o que, e criticar docurnentos; os casos de estigmas e de anestesia ner-
com maior precislo, significa que o fato C contriirio aos dados vosa observados cientificamente permitiram adinitir narras6es
da ciencia, que 11i desacdrdo entre as obser.vaq6es diretas dos hist6ricas de fatos anilogos (estigmas de alguns santos, posses-
s5bios e as informaq6es indiretas dos doc~men~tos. sos de Loundun). Mas a hist6ria n5o pode servir ao progresso
Como dirimir Cste conflito? A quest50 n5o apresenta das ci6ncias diretas. Mantida, por seus meios indiretos de
grancle inter4sse pratico; quase todos os documentos que nari-aim informaGo, disttncia da realidade, limita-se a aceitar as leis
fatos miraculosos j i forain declarados suspeitos por fbrqa de estabelecidas pelas ci6ncias que tGm contact0 direto com a reali-
outras pesquisas e cada um deles seri invalidado por u n ~ acritica dade. Para que f6sse possivel recusar uma dessas leis, seriani
correta. ,Mas a quest50 do milagre inflainou tantas ~ a i x g e s necessirias novas observaqijes diretas. EJ uma revoluq'lo que
que convem indicar coino deve ser ela encarada pel0 historia- pode ser feita, 'mas unkamente no cen'tro; a histbria nlo tern
dor. (149) poderes para tomar tal iniciativa.
A crenqa geral no maravil~hosoreaheou de fatos miraculo- A soluqiio C menos ficil, para os fatos em desac6rdo unica-
sos os docuinentos de quase todos os povos. Historicamente mente com um conjunto de conhecimentos histbricos, ou com
o diabo esti muito mais solidamente provado do que Pisistrato: os embrides das ci4ncias do homem. Vai ela depender da opi-
nem uin s6 contemporineo de Pisistrato deixou o testeinunho ni2o que tenhamos do valor d6sses conhecimentos. Podemos, ao
de o haveruvisto ; milhares de "testemunhas oculares" declaram pi menos, -firmar como regra pritica que, para contraditar a histbria,
ter visto o diabo; muito poucos fatos histbricos foram estabele- a psicologia ou a sociologia, devemos apresentar documentos
cidos com tanta abundhcia de testeinqunhosindepentdentes. Con- . muito &lidos.
tudo, nLo hestamos em rejeitar o diabo e em admitir Pisistrato.
I3 que a existencia do diabo C inconciliivel com as leis de tbdas
as ci4ncias constituidas.
Para o historiador, a soluq2o do conftlito C evidente. (150)
As observaqBes contidas nos documentos hist6ricos nunca podem
contrabalai~qar a s dos shbios contei~~poi-keos ( j i mostramos
porque). 0 m6todo hist6rico indireto nunca podera valer tanto
quanto os mGtodos diretos das ciencias de observaqBo. Se os
seus resultados est5o em desacdrdo com os destas C o mNCtodo
histcirico que deve ceder; 1150 pode 2le pretender, cam seus

(149) 0 P. de Smedt consagrou a ,esta quest50 uma parte de


srus "Principes de la critique historique" (Paris, 1888, in-12)
(150) A solu~Pode cada caso C diferente para as ciEncias de obser-
v a ~ P odireta, principalmente as ci6.ncias biol6gicas. A cikcia nPo co-
nhece o possivel o u o impossivel; conhece, apenas, fatos correta ou in-
corretamente observados; fatos declarados impossiveis, como 0s aer6-
litos, foram reconhecidos como exatos. A pr6pria n q I o de milagre
C metafisica; pressup8e -uma concepgio global do mundo, que supera os
limites da observac;Zo. V. Wallace, Les nziracles et le moderne spiri-
trfolisme, trad; do inglCs, Paris, 1887, i n 4 .
I N T R O D U ~ ~ OAOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S 1$2-
@$
.
+d"-'
L.
LIVRO I11 cescrita e falada), de ,estilo, d e doutrina, de costumes, de ac&z
teci~~lenios.A inscriqgo de Mesha nos revela fatos da lingua
moabita, a crenqa no deus Kamos, as prhticas de seu culto, epi-
sbdios da guerra dos Moabitas contra Israel. Todos Sstes fatos
.5
' est5o mesclados, sern se distinguirem sequer.pela sua natureza.
d t a nlistura de fatos heterogSneos C um dos caracteres que
diferenqan~a hist6ria das outras ciEncias. As ciincias de obser-
vaq'io direta escolheln os fatos que pretendem estudar e, sistema-
ticamente, limitam-se a observar fatos de uma s6 espCcie. As
ciincias.documentkias recebm os fatos observados apenas pelos
autores dos documentos, que os apresenrtam em, desordem. Para
eliminar esta desordem C preciso proceder a uma triagem e agru-
CONDICOES GERAIS DA CONSTRUCK0 par os fatos por espkies. Mas para realizar a triagenz seria
13IST6RICA necessSrio saber. coln precisgo, o que em hist6ria deve consti-
tuimr uma espkcie de fatos ; para agrupar tais fatos haveria neces-
sidade d e urn principio d e classifica~a"~ apropriado aos fatos
A critica dos documentos nos d5, apenas, fatos isolados. hist6ricos. Ora, em relaq5.o a istes dois assuntos capitais, n5.o
Para or-gani::i-10s em unl corpo de citncia, devemos proceder a chegaranl ainda 0s ,historiadores a forlnular regras precisas.
uma s6rie de operaq6es sintkticaa 0 estudo d&es processes
de construq50 hist6rica forlna a segunda metade da Metodologia. 2.O) 0 s fatos hist6ricos se apresentam em graus muito di-
A constru=50 n'io deve ser dirigida pel0 plano ideal da versos de generalidade, desde os muito gerais, colnuns a unl povo
ciincia, que dc jariainos seguil-; depende dos materiais reais inteiro e coln sCculos de duraq'io (instituiqSes, costumes, crenqas)
de que dispomos. Seria quimCrico propormo-nos um plano, at6 os mais fugitivos atos de urn hoinem (urna palavra ou urna
cujos materiais nZio se prestassem a realizi-lo; isto equivaleria atitude). Constitui isto uma diferenqa a mais, em relaq'io 5s
a pretenderrnos construir a torre Eiffel com pedras tbscas. 0 ci2ncias 9de observaGo direta, que partem regularmente de fatos
vicio fundamental das fi,losofias d a hist6ria C esquecerem esta particulares e trabalhanz nletodicamente por condensClos em
necessidade pritica. fatos gerais. Para formar grupos C preciso reduzir os fatos ao
I - Encarernos, primeiramente, os materiais da hist6ria. mesmo grau de generalidade, o que nos obriga a procurar o
Qua1 6 sua f o m a e sua natureza? E m que s5.o eles diferentes grau de generalidade a que podemos ou devemos reduzir as
dos materiais das outras cihcias? diferentes espkies de fatos. E 6 Este, exatamente, urn dos
O s fatos hist6ricos provcm d a an5lise critica clos documen- pontos s6bre o qual. n5.o se enkendem os historiadores.
tos. (Eles dai saem cortados aos bocadinhos, em afirmaq6es
elementares; porque ulna Gnica frase contem virias afi~maq6es 3 O ) 0 s fatos hist6ricos est'io localizados: ocorreram em
unla Cpoca e um pais dados; se lhe retiramos a mew50 d o tem-
e, n5o raro, aceitamos umas e rejeitamos as outras; cada uma
destas afirmal8es constitui um fato. po e do lugar em que se produziram, perdem o cariter hist6rico
0 s fatos histhricos apresentam o car5ter comuin de serem e s6 podem ser utilizados para o conhecimento d a humanidade
todos tirados de d o m e n t o s ; todavia, s'io acentuadamente dis- ,
universal (como acontece com os fatos do folclore, cuja proce-
pares. d&ncii ignorarnos] . Esta necessidade de localizar C tambem
l o ) Representam Eles fea8menos de nahreza muito dife- ' ignorada, pdas ciEncias gerais; limita-se i s ci6ncias descritivas
rente. De um mesmo documento extraimos fatos de linguagem que estudam a distribuiq5.0 geogrifica e a evo!uc5o dos fen8me-
nos. B ela que imp6e A hist6ria a obrigaq50 de estudar separa- por meio de perguntas, como ocorre qas demais cihcias. (152)
damente os fatos dos diferentes paises e das diferentes Cpocas. Mas, qua1 seri a maneira de for8mularestas perguntas em urna
cienria t5o diferente das outras? E' este o problema funda-
4.O) 0 s fatos extraidos dos docurnentos pela anilisc cri- mental do mktodo. S6 o poderemos resolver comeqando poi-
tics se apresentam acompanhados de urna indicaq5o critica s6bre determinar o cariter essential doa fatos hist6ricos7 que os difk-
a sua proibalidade. Em todos os casos em que n5o cheganlos A rensa dos fatos das outras ci&ncias.
cer;teza completa, t 6 1 h sas vezes em que o fato C simplesnlci~te
As ciencias de observaqzo direta operam stibre objetos
provivel - corn mais forte raz5o quando 6 suvpeito - o tra-
reais e completos. A ciencia mais vizinha d a histbria, por seu
ba1,ho da critica o entrega ao historiaclor com uma etiqueia que
objeto, a zoologia descritiva, procede examinando um animal
n5o temos o direito de retirar e que o impede de entrar para a real e inteiro. Ohservamo-lo, realmente, em seu conjunto, dis- '

cicncia definitiva. At6 os fatos que, comparados a outmros, aca-


secamo-lo, de forma a clecompBlo em suas partes; ora, a dis-
barn por ser estabelecidos, passam por esta mndiq50 transitbria,
secq8o C urna ancilise, em sentido pr6prio (avahvel~r, significa
como os casos clinicos que se acumulam nas revistas medicas
antes de serem suficientemente provados e, assim, tornarem-se dissolver). Podemos, depois, reunir novamente as partes, re-
f atos cientificos. constituindo o todo, de mod0 a observarmos a estrutnra do con-
junto; isto C urna sintese real. Podemos ver os rnovimelltos
D b t e mod0 a construq50 hist6rica deve fazer-se corn urna reais que constitvem o fuacionamento dos 6rg5os, de mod0 a
massa incoerer~tede pequeninos fatos, urna espkie de poeira de verificarmos a reaq5o reciproca das partes do organisrno. Po-
conhecimentos pormenorizados. Esta massa se constitui de demos comparar os conjuntos reais e ver em que pantes iles se
materiais heterogi?neos, que diferem por seu objeto, sua situaqzo, assemelham, de maneira a classifici-10s segundo suas semelhan-
seu grau de generalidade ou de certeza. Para classifici-los, a qas reais. A ciencia C u'm mnhecimento objetivo fundado na
pritica dos historiadores nEo conseguiu estabelecer urn mCtodo anAlise, na sintese e na comparaq50 reais; a vista direta dos
pr6prio; a hist6ria, nascicia de um gEnero IiterArio, continua a objetos guia o cientista e Ihe dita as perguntas a formular.
ser a menos met6dica das cicncias. ~m-hist6rianlada hA de semelhaite. - Costumamos dizer
I1 - Em qualquer ciei~cia,depois de termos encarado os que a hist6ria C a "visZo" dos fatos passados e que procede
fatos, for~nulamossistematicamente perguntas (151) ; t6da ci6n- por "anilise"; s5o agenas duas -metiforas, perigosas se a res-
cia 6 formacla de urna sCrie de ~espostasa uma sCrie de pergun- peito delas nos iludimos.(l53) Em hist6ria. nada vetnos de
tas met6dicas. Em t6das as cicncias de observaq5o direta, real, a nZo ser papel escrito e, algvmas vezes, monumentos ou
embora nisso n5o hsuvessemos pensado antecipadamente, os produtas fabricados. 0 historiador nenhum ~ b j e t otem para
fatos dbservados sugerem perguntas e nos obrigam a precisi-las. analisar realmente, nenhum objeto que possa destruir ou re-
Mas os historiadores, n5o se subordinam a esta disciplina; ha-
bituados a imitar os artistas, muitos nem pensam, sequer, em
esclarecer o que procuram: apanham nos documentos as pas- (152) Fustel de Coulanges en:rnviu esta necessidade. No prefkcio ,

de seu trabalho Recherches sur quelques probldmes d'histoire (Paris,


sagens que mais os impressionaram, quase sempre impelidos 1885, in-B), declara que vai apresentar suas pesquisas ''sob a forma
por um motivo pessoal, reproduzem-nas alterando-lhes a lin- primeira que assumem todos os meus trabalhos, isto C, sob a forma de
guagem e acrescentando-lhes reflex6es de t6da sorte, tal como perguntas que a mim mesmo proponho e que me empenho em
lhes surgiram desordenadamente no espirito. esclarecer".
(153) 0 pr6prio Fustel de Coulanges parece ter-se enganado nes-
A bist~jria,sob pena de perder-se na confus50 de seus mate- te ponto. " A histbria 6 urna ci6ncia; nada imagina, tudo ve" (Monar-
riais, deve estabelecer como regra indeclin5vel proceder sempre clzie franque, p. I). " A histhria, como qualquer cisncia, consiste em
constatar fat@ analid-los, compari-los, estabelecer nexos entre tles.. .
.
0 historiador.. procura e acha os fatos pela observa~Zominuciosa dos
(151) A hipbtese, nas cicncias experime~tais, 6 urna forma de textos, como o quimico encontra os seus nas expericncias pormenoriza-
pergunta, acompanhada de uma resposta provis6ria. 1%
damente feitas". (Ib., p. 39).
Ay.
;.I\
I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 153

construir. "A anhlise hist6rica9' ngo C mais real que o ato de para sermos rnais exatos, simples inzagens representativas das
ver os fatos-llist6ricos; C um sinlples process0 abstrato, urna hpress6es do autor, imagens que em n6s se produzem por ana-
operaqfio purainente intelectual. A anhlise de um documentto logia com as dele. O Templo d e Jerusalem foi um dbjeto ma-
consiste em procurar mentalrvtsnte as informaq6es nele contidas, terial visto por rnuitos, mas ngo, ? podemos mais ver; podemos,
para critic&-las urna por uma. - A anhlise de um fato consiste , isto sim, e apenas isto, formar dGle urna imagem aniloga A for-
em distinguir mentulmente us diferentes pormenores dssse fato
'%
mada na mente das pessoas que o viram e descreyeram.
(epis6dios de um acontecimento, caracteristicos de urna insti- 2.O) Atos dos homens. 0 s documentos nos dHo noticia de
tuiq5o) para fixar sucessivamentte a a t e n 6 0 em dada uin dss- atos (e palavras) dos homens de outrora, os quais, por sua vez,
tes pormenores; dizemos que esta operas50 consiste em exami- constituiram fatos materiais vistos e observados pelos autores,
nar os diversos "aspectos" de urn fato; ainda m a metbfora. mas que, para n6s. n5o passam de lembranqas dos autores, re-
- 0 espii-ito hwnano, naturalmente confuso, espontaneamente presentadas unicamente p r imawens subjetivas. As punha-
9
s6 pode ter confusas impress6es de conjunto; para esclarecs- ladas vibradas em Cesar foram vistas, a s palavras dos assas-
las, devemos indagar quais as impress6es particz~laresque for- sinos ouvidas quandu pronunciadas, mas, para n6s, isto tudo
inam urna impress50 de conjunto, a fim de precisi-las, estudan- n5o passa de rneras imagens. - Todos os atos ou palavras apre-
do-as m a por uma. Esta operaq5o C indispenshel, mas C pre- sentain o caracteristico comum de provirem de um individuo;
ciso n5o exagerar-lhe a importincia. N5o constitui ela uim mC- a imaginqZio s6 o s pode representar come atos individuais, se-
todo objetivo, que nos permita descobi-ir objetos reais, inas a- gundo a imagern daqueles que a observaq50 direta nos revela.
penas um metodo subjetivo, que nos faculta apreendei-mos os Sgo, porern, fatos que abrangein os homens em sociedade e,
elementos abstratos que formam nossas impressijes. (154) - e m sua maior parte, sgo realizados por vbrios individuos, ao
Pela pr6pria natureza de seus materiais, a hist6ria C imperiosa- mesmo tempo; nZo raro s50 o resultado dos esfor~oscornbi-
mente subjetiva. Seria ilegitimo estendermos a esta anilise nados de vbrios individuos, para realizarem urn fim cornum;
intelectual de irnpress6es subjetivas a s regi-as da anA1ise real deno'minam-se, neste caso, atos coletivos. Todavia, quer para
de objetos reais. a imaginaqfio, quer para a observaqgo direta, reduzem-se sempre
A hist6ria deve, portanto, fugir A tentaq5o de imitar o a unla m a d e atos individuais. 0 "fato social", tal como
admitem vbrios soci6logos, C urna construq20 filoshfica, n2o urn
mCtodo das ci6ncias biol6gicas. 1 0 s fatos hist6ricos sko t%o
fato hist6rico.
diferentes dos das outras cigncias que, para estud6-los, C indis-
3.O) Motivos e concep@es. 0 s atos humanos nHo t s m sua
pensbvel um mCtodo diferente de todos os outros.
causa em si mesmos; hb, sempre, um motivo que os deterrnina.
I11 - 0 s documentos, fonte finica do conheciinento hist6- Esta palavra vaga designa, ao mesmo tempo, o impulso, que nos
rico, nos informarain em relac50 a trss categorias de fatos, leva a realizar urn ato e a representaga'o consciente que temos
dsste ato, no momento de realizh-lo. S 6 podemos imaginar
1.0) S i i e s vivos e objetos materiais. 0 s documentos rnotivos no cCrebro do homem, sob a forma de representaq6es
nos d2o a conhecer a existtncia de s2res huinanos, de condiqaes interiores va'ps, anilogas As que temos de nossos pr6prios esta-
inateriais e de o.hjetos fabricados. Todos 2stes fatos forarn dos interiores. P a r a exprimi-las, temos forqosamente de ser-
fen6menos materiais que o autoi- do doc&rnento apreendeu ma- vir-nos de palavras, quase sempre metaf6ricas. Estamos, em
terialmente. Mas para n6s s % ~agora, , fen8menos puramente tal caso, diante de fatos psiquicos (vdgarmente chamados, sen-
_q_

inteleduais, lfatos vistos "ati-avCs da iinag,inaq50 do autoi-", ou, timentos e idCias). Nos documentos sles se revelam sob trGs
aspectos, constituindo tr& espkies: lo - motivos e concep-
4
'% qBes dos autores que os exprimiram; Z' - rnotivos e id&as que
(154) 0 car&ter subjetivo da hist6ria foi nitidamente acentuado os autores atribuiram a seus conteinporiineos, a cujos atos assis-
por urn fil6sof0, G. Simmel, Die Probleme der Geschichtsfihilosophie, tiram; 3O - motivos que n6s mesmos supomos existirem nos
Leipzig, 1892, in-8.
. ..
. . . ; . . .

154 CH. V. LANGLOIs e CH. SEIGNOBOS I NTRODUGAO


AOS EsTUDOS HIST~RICOS 155 . ,

atos relatados nos documentos e que ribs repres&tamos se,aun- .ma.da '&or mttodo de observaqlo e de abstraglo que precisOu
do a imagem dos nossos.. . e descreveu todos os caractetes COmuns desta no~go.
Fates materiais,. atos hu,manos in.&viduais e coletivos, fates s, que um conhecimento se aproxima de fates
psiquicos,- cis t ~ d o s0s objetos d o conhecimen~t~
histbrico; nio es invisiveis, as no~Bes tornam-se mais confusas e a
se observam diretamente; slo, todos, imaginados. os historia- lingua menos precis&. S6 podemos exprimir 0s fates humanos,
dares -- quase t0d0.S sem disso, terem consci-ia e acredi.tando ,)@ , inclusive os rnais vulgares, coma condiqbes sociais, mdivos
que observam realidades - operam eempre e apenas s&rbre e sentimentos, par meio de termos vagos (re;, guerreiro, coW'Lbb-
imagens. ter, eleger). Para 0s fenbmenos mais ~0.mplexosa lingua 6
de tal modo indecisa que n5o nos & possivel chegar a um ac6rdo
IV - Gomo, pois, supor f a t o s que nzo sejam inteiramen- ,equer em rela,-% aos elanentos necessMos do fen8meno.
- . te imaginsrios? 0 s fatos imaginados pel0 historiador szo, for- Q~~ 6 uma tribe, um ex&rcit~, uma inddstria; um mercado, uma
sosamente, subjetivos; isto constitui uma das raz6es para que revolu+o? - A histbfia, neste passo, participa do vago d e thdas
se negue h hist6ria o carAter d e cihcia. Mas subjetivo n5o C
as ci&n.cias da humanidade, psicolbgicas OU s ~ i a i s . Mas seu
sin6nimo de irreal. Uma lernbranqa 6 apenas uma imagem, mas proeesso indireto de representag50 por h a g e n s toina este vago
,de ser uma quimera, pois c a representaqgio de uma
longe c s t ~ ainda mais perigo~o - Nossas imaqens bist6rieas deveriam,
realidade passada. fi verdade que o historiador, trahalhando a. menos, reprcduzir 0s traqos essenciais. das imagens clue se
corn documentos, nlo tem I& sua disposi@o lembranSas pessoais ; produziram no espirito dos observadores diretos dos fates Pas-
mas pode - e 6 0 qUe redmente w o r m - conskruir imagens sados : era, os termos em que $les vazaram Suss imagens. nl"
pel0 odelo lo d,e suas lembranqas. Pode supor que os fatos: nos podergo dar, nunca corn a exafidio desejada, 0s elementos
desaparecidos (,o,bjetos; atos, .motives ) , observados outrors pdos essenciais constitutivos dessas imagens.
autores dos docu,mentos, sgio semlhantes aos fatos contempo-.
rAne0s7 a que ele .,Pr&rio assistiu e cuja lembranp que n i o descrfios em termOS que nHo nos
representp-los watamente, eis os dados da histbria-
E' 0 postulado de tbdas as cicncias ,documentkias. se
a
Ora, historiador, &rigado a construir representq6es.de
atual, na,da seria possivel entender dos documentos. Partindo gens de fates., deve preucupar-se, sempre, s6 f m n ~ a rsuss
desta semelhanca, o historiador constroi uma imagem d o s fa- imagens corn element~sexatos, de mod0 a imaginar 0s fates
tos histbricos antigos, parecida .corn a lembfanla dos fatos a. corno os teria vjsto, se a e p r 6 p r i ~pudesse observ&-10s. (155)
que pessoalmente assistiu. ara criar u- imageml, tern Gle necessidade d e mais
trabalho, que se processa inconscientemente, 6 para a: do ,que lhe podem fornecer 0s docwnenkos. ExPerimen-
hisf6ria uma das principais fontes de Crro. temos figurar, a n6s mesmos, urn :cormbate Ou uma cerim6nia,
coisas passa- s e r v i n d o ~ ~ odos
s dados de uma narraqgo, pOr 'mais minuciosa
das, que temos de imaanar, n l o - s50 completamente semelhan-
que seja, e veremos quanta €oisa 6 i n d i s ~ s A v e 1acrescelltar-
tes As coisas presentes, que assistimos ; nunca vimos um hornem
semelhante a Cesar OU Clevis, nem passamos pelos mesmos es- lhe. Esta necessidade 6 materialmente sensivel naS restaura-
tados interiores que eles passaram. Nas ciencias constituidas F-es de monumentos fundados em descri~6es(par exem~lo,a
trabalhamos tambem com fatos vistos par outros observadores do .teemplo de Jerusalem), nos quadros que pretendem
,
,
sentar cenas histbricas, desenho,~dos j0rnai.S ilustrados.
e cuja representac50 deve ser por n6s construida por .analogria;
mas sstes fat0s Se definem em terinos precisos, que indicam os T6da .imagem histbrica contern, portanto,. Urns f ~ dme ~ e
'elementos invarihveis que devem .entrar na imagem. E~ fisio-. de fantasia. 0 historiador 1-150 pode dimin&-la, mas pode cal-
logia, v. g., aS'n0~6es6 t 5 0 firmadas corn niti.dez bastante para.
que a mesma palavra desperte em todos os naturalistas uma. (155) $ a mesma afirmaQo feita por Carlyle e Michelet, em
imagem semelhante de um 6rgio ou de um movimento. A ra- cloquente. Sste, tarnbem, o sentido da famosa frase de' .,
: c E~ quero lnostrar coma isso ocorreu na realidade" ( f v i - ~es
250. esth em que cada no@o, designada por um nome, . .
INTRODUCAO AOS ESTUDOS HIST~RICOS 157
cular os elemeritos reais que entram nas imagens e, sbbre Qtes,.
erigir a sua obra; estes elementos s5o os que 6le conseguiu nos conjunto, de uma sociedade e de uma evoluq50; devernos, tam-
documentos. Se, por exemplo, para comprender a batalha de bem, figurar ;.s relaqBes entre os homens e os atos (riaq6es,
Cesar e de Ariovisto, tiver necessidade de reconstituir .mental- governos, leis, p e r r a ) .
mente os -dok exkrcitos, dever6 ter o mn&&no cuidado de nada
concluir e_m relac50 ao a s p d o geral com que istes se apresen-
tam ao seu e s ~ i r i t o ;seu raciocinio deve operar, ex.clusivamen-
;.* junto.
Mas, .para imalginarmos relaq6es, devenlos conceber u,m con-
Ora, os documentos s6 nos apresentam fatos iwlados.
0 historiador C, p i s , forqado, tam%en~aqui, a recorrer a um
te, com os pormenores reais que figuram nos documentos. process0 &jetivo. Imagyua 6le ulna sociedade ou uma evolu-
V - 0 problema do mCtodo hist6rico estii, pois esclareci- q5o e, nesse quadro imaginado, .sirtua 0s elementos fornecidos
do. Com os traqos esparsos nos documentos, formamos imagens. pelos documentos. Portanto, enquanto a classificaq50 biol6-
Alguma-s destas, de cariter ,material, apresentadas pelos , m n u - gica se processa em urn conjunto real, observado obj etivamente,
mento,s fjgurados, repi-esentirn direta-~nent,eurn dos aspectos a cl~ssificaq50hist6rica s6 se pode realizar em um conjdnto -
reais das coisas passadas. A maioria - e t%as as imagens subjetiyamente imaginado.
de fatos psiquicos se incluem neste caso - siio formadas i se- S6 podemos observar e conhecer a realidade passada, com-
melhanqa de figuras desenhadas outrora e, prin~ipa~mente, de parando-a com a atual. Para termos. uma id&a das cond.iq6es
fato{ atuais, que observamos. Ora, a ve~dadeC que as ,coisas em que se produziram os fatos ,passados, devemos procurar co-
passadas s6 em parte se assemelham As atuais e que o .interSsse mhecer, pels observa@o da humanidade presente, as condiq6es
da jhistbria esid exatamente na;s diferenqas e n5o nas semelhan- em que se produzem os fatos anAlogos do presente. A !hist&
qas. .Corn0 pod'emos, pois, representar nentalmlente Cstes dife- ria se I-esumiria, dCste inodo, ern ulna aplics~5odas ciCncias des-
renies traqos., se nenhum mod@!o temos que nos fadlite repro- critivas d a humanidade (psicologia descritiva, sociologia, ou
duzi-10s ? Nunca pudemos ver nenhuma horda semelhante aos ciincia sociai) ; .mas t6,clas estas, tamben1, sso ciencias ainda ma1
guerreiros francos? nem experimentamos, pessoalmente, senti- & constituidas e a falta de seouranqa
b em suas afirnlaq6es retarda
meiltos que empolgaram Clovis ao partir para a guerra contra os a constituiq50 de uma cihcia h.ist6rica.
visigodos. Como nos ser5 possivel imaginar tais fatos, de ma- Todavia h& condiq6es da vida hurnana t5o necessirias e evi-
neira a conform&-10s A realidade? dentes que a mais rudimentar observaqgo bastaria para fixar:
N:a pritica, as coisas se passam. do seguinte modo.: logo S5o as que .dizem respeito a tbda a humanidade; derivam da
que urna frase de um .documento C lida, uma imagem se f o r c ~ a organizac50 fisiol6gica que criou as necessidades materiais dos
em nosso espirito, por uma operaqgo espontihea, s6bre a qua1 4 homens ou da organizaq50 psicol6gica diste que Ihe criou hibi-
1-150 temos 'domnjnio ; esta imagem, produzida por u,ma andogia
'
tos e conduta. Tais condiq6es podem ser previstas em um ques-
superficial, de 01-di'&r.io grosseiramente falsa; cada um de n6s tionirio geral que servir6 para todos os casos. Do mesmo
pode achar. nas ~ r 6 p r i a slembranqas a maneira absurda por que mod0 que a critica hist6rica e pela mesma razCo - a impossi-
concebeu, ao primeiro contacto corn a histhria, 0s personagens bilidade de observar diretamente - a construqCo hist6rica C
e as cenas do passado. 0 traba1.h~da histbria consiste em re- forqada a empregar o mktodo do questiodrio.
tifitcar gradualinente nossas imagens, substituindo, unl por um 0 s atos humanos, que forrnam a histbria, diferem de uma
os traqos falsos pelos exatos. JB vimos pessoas de cabelos &oca ou de um pais para outro, como diferem os homens e
cuivos, escudos, franciscas (ou desenhos dgstes objetos) ; apro- as sociedades; o objeto pr6prio da hist6ria consiste exatamente
ximamos EsQes elementos, para corrigir nossa primeira . imagem em estudar essas diferenqas; se os hornens tivessem tido sem-
dos gue,rreiros f rancos. A imagem hist6rica, d36stemodo, aca- pre o mesmo gov&rno, ou houvessem falado a mesma lingua,
ba por ser uma combinaq50 de dementos tirados d e experien-
nCo haveria 1natCria com que construir a hist6ria dos governos
cias diferentes. ou das linguas. Mas estas diferenqas est50 situadas entre os
NCo nos -basta, kodavia, a .representa@o mental dos Gres
e dos atos isolados. 9 s atos e os homens participam de um ,,+*
,.
limites das condic6es gerais da vida humana, s5o simples varieda-
des de certas formas de agir o u de ser, comuns a t6da a humani-
160 CH. V. LANGLOIS e CH. SEIGNDBOS

fatos conhecidos. $ (ou deve,ria ser) a terceira operaGo; corn saber se foram obtidos por processos dignos de confianqa. 0 s
ela se avolulna par unl trabalho Ibgico, a massa dos conhed- mais escrupulosos negam-se a admitir qualquer trabalho refe-
mentos hist6ricos. rente a documentos que nHo tenha sido refeito por 6les mcsmos ;
Ainda agora n5o ten~os mais, em nossa frente, que urn 6 a atitude de Fustel de Coulanges. (158) Esta exigencia s6
aiervo d e fatos justapostos em quadros. Devemos condens'a-10s
em fo'rtnulas e tentar .destacar-lhes os caracteres. gerais e as re-
4 pode ser satisfeita para os periodos mal, conhecidos, cujos do-
cumentos, atualmente conservados, se encerram em alguns vo-
laq6efs.. I3 a quarta operaqLo; ela nos conduz i s conclus6es 61- lumes; contudo, 0 pensainento duminante, que chegou a erigir-
fimas da hist6ria e coroa a construq5o hist6rica do ponto de se em dogma, 6 que um historiador n5o deve nunca trabalhar
vista cientif.ico. com material de segunda m5o. Quase todos trabalham com
Mas como o conhecimento histbrico, complexo e embmso- material de segunda mbo, por necessidade, quando os do-
so p6r n a t ~ ~ r e z aapreseilta
, dificuldades excepcionais para ser curnentos sbo demasiado numerosos para que possam ser lidos,
transmitido, resta-nos ainda estabeleaer o s processos para expor mas ninguem confessa que assim procede, por temor do es-
os resu1,tados da kistbria. ciindalo.
VH - Zsta d r i e de operaqijes, f k i l de conceber, tern si- Seria preferivel confessar desabusadanlente a realidade.
do senlpre executada de modo imperfeito. Tem-na entravado Uma ciencia t5o complexa quanto a histbria, onde C precis0
dificuldades materiais, c;ue as teorias metodol6gicas nbo tonla- acumular ordinariamente milh3es de fatos, antes que uma cop-
rain em conside~aq50, mas que C preferivel encararmos de clus5o possa ser formulada, n50 pode edificar-se s6bre Este per-
frente, para concluirmos se devem ser tidas como insuper5veis. pCtuo recomqar. N5a fazemos a constru@o hist6rica com do-
As operac6es hist6ricas sPo t5o numerosas, desde a desco- . cumentos, do mesmo mod0 que n5o "escrevemos a hist6ria com
berta do documento at6 A. f6rmula final de conclusbo, r d a q a m manustri.tos", pela meslma e simples razbo, que se resume em
precauq6es t60 minuciosas, aptidijes naturais e hkbitos t5o dife- uma razgo de tempo. Para conseguir o process0 da ci6ncia
rentes, que em nenhum d e seus aspectos urn Grnico homem pode deveinos combinar os resultados de milhares d e trabalhos de
executar, por si mesmo, fodo o trabalho. A histbria, menos que pormenor.
qualquer outra ciincia, pode dispensar a ,divisLo do trabalho;
Co-no dev-emos, pois, agir, visto que a maioria dos traba-
ora, menos que qualquer outra, ela a pratica. Eruditos ha, que lhos sZo feitos por m6todos suspeitos, sen50 mesnlo incorretos?
se especializaraln em escrever hist6rias gerais, em que constroem
A confianqa universal nos levaria ao S r o , do mesmo modo que
os fatos ao sabor da ~ r 6 p r i aimaginaqgo (156) ; tais "constru- a desconfianq universal h ~ reduzirk
s i impotincia. E s , pois,
tores" trabalham con1 materiais, cuja validade n5o se deram uma regra que ao menos nos servirb de guia: Devemos ler o s
ao tra.ba1h.o dLeprovar. (157) I? que a divis5o do trabalho im- trabalhos dos historiadores com as mesmas precauqijes criticas
plim uma cooperaq50 entre os trabalhadores e em hist6ria esta 3 de que nos cercamos quando ~lemosdwumentos. 0 instinto na-
cwoperaqZio p6o exi,ste. Cada qua1, a nZo ser 'nas operaq6es
preparat6rias de cftica externa, procede sob o influx0 da ins-
piraqk pessoal, s u n m&todo com,um, sem a preocupaq5.o do cun-
11.
I :.
I
1 :?
tural nos impele a procurar conclusBes em tais trabakos e a
adoti-las como verdades indiscutiveis; devemos reagir contra
tste impulso e buscar, mediante uma an2ise continua dos tra-
junto .em que seu trabalho .deve, afinal, in,tegrar-se. l3% a con-
siderar, tambem, o fato de qu.e nenhum hi.storiad'or p d , corn 11;, :/ balhos que exarnin~mos, simplesmente 0s fatm, as provas, os
fra,gnectos, em resumo, 0s materiais. Devemos 1-efaza o tra-
segxranp. utiiizar-se (dos resultados do trabalho .do outro,' ca- j: balho do autor, mas isto polder& ser feiQ depressa, pois o que
mo acontecc nas ciencias. constituidas, pois n5o Ihe C possivel
(156) Curtius, em sua " HistSria Grega"; Mommsen, em sua
" Hist6ria Romana " (antes do Impkrio) ; Lamprecht, , e m sua
ria da Alemanha".
" Hist6-
,'
i..
Ji

4, :f::
. 9-.,
exige muito tempo C retlnir os materiais; finalmente, s6 aceita-
remos as conclus6es que estiverem demonstradas.

(158) V. no P. Guiraud, Fzlstel dc Coz~lan.gcs (Paris, 1896, in-


(157) Basta citar, aqui, Augustin Thierry, Michelet e Carlyle. 12) p. 164, observa~6esmuito judiciosas a respeito desta preten~so.
..,
IN TROD US^^ AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S 165 I..

liLrio. 2.O) Vida privoda: A. Einprego do tempo (higiene, sentar os fatos uns depois dos outros torna ebrigat6rio o us0
cuidados com o corpo e vestuSrio, refeiq6es). B. Cerimonial de uma regra met6dica ' de sucess50. Podemos expor, segundo
social ( f unerais e casame'ntos, f estas, protocolo). C. Diverti- urn critCrio de continuidade, quer todos os fatos que ocorreram
mentos (exercicios e caqa, espetScu!os e jogos, reuniBes, via- em urna s6 Cpoca, quer todos os fatos de L ~ nlesino
I pais, quer
gem). todos os fatos de urna s6 espkie. Tbda mat6ria hist6rica podc
ser distri~buidaFor tr6.s eepkies dle ordein diferentes: 0rdel-l:
I V - COSTUMES ECONOMIC~S. 1.O) Produgiio: cronoldgica (ordem dos tempos), - ordem geog7~bfifica(ordem
A. Cultivo do solo e. criaqio de aninlais dom6sticos. $3. Ex- dos lugares, que quase sempre coincide com a ordem das na-
ploraqio de minerais. 2.O) Transformqdo. Transportes e q k s ) , - ordem das espkies de atos, denominada ordinaria-
ilzdzistrias (161) : processos tknicos, divisio do trabalho, vias mente ordem lbgica. $ impossivel seguir exclusivamente urna
de comunicaq50. 3.O) Couute'rcio : troca e venda, crCdito. 4.O) destas ordens: em t6da exposiqio cronol6gica C preciso dis-
RepurtigZo : regime da propriedade, trammissio, contratm, re- cernir as questBes geogrificas das 16gicas, passar de um pais
partiqiio dos produtos. a outro, ou de urna espCcie de fatos a outra e inversamente.
V - INSTITUICOES SOCIAIS. 1.O) Fauvcilia: A. Mas 4 imperioso, sempre, decidir qual ser5 a ordem dominante,
ConstjtuiqBo, autoridade, condiqiio da mulhei- e dos filhos. B. a que as outras se subordinario, como subdivis6es.
OrganizaqZio econ6mich. ( 162) Propriedade familial, suces- Entre estas tres ordens a esr-olha 6 delicada; diferentes
s6es. 2.O) EducagZo e inst~ztgiio (fins, processos, agentes), motivas podem ,deternlinar a decisso por urna delas, sendo ne-
3.O) Clusses sociais (principio de divisHo, regras das relaqBes) , cessBrio niio esquecer nunca qual a es&ie de pi~blicopara o
qual o historiador trabalha. Esta matCria diz respeito ao mC-
V I - INSTITUICOES POBLICAS (obrigat6rias) : todo de exposiqio, cujo desenvolviinento nio cabe aqui, pois
1.O) Institzticbes politicas : A. Soberano (pessoal a seu serviqo, 'seria muito longa a apresentaqio de sua teoria.
meios de atuaq5o da sua autoridade). B. Administra@, ser- I1 - Logo que comeqamos a triar os fatos hist6ricos, pn-
viqos (guerra, justiqa, f inanqas, etc.) . C. Poderes de eleiqio, ra classificfi-los, deparamos urna quest50 que tem provocado
assembliias, corpos eleitorais (poderes, modos de atuaqio) .
- 2.O) Instituigbes eclesicisticns (mesmas quest6es). 3.O) Insti=
: -4. Diplomacia. B. Guerra (usos de
fzriro"es i7al.e?-?zucio?tnis
ardentes debates.
Todo ato ,human0 6 , por natureza, urn fato individual, pas-
sageiro, que s6 pode ser pr,oduzido em um Gnico momento e
g u e n a e artes militares). C . Direito privado e comkrcio. um Gnico lugar. Em sentido real, todo fato C Gnico. Mas to-
0 grupamento dos fatos, em razz0 de sua natureza, se coni- do ato de um homem estS de tal mod0 ligado a ou>tros atos
bina corn o grupamento em razio do tempo e d o lugar em que disse mesmo homem, ou a atos de outros homens pertmcen-
se pi-oduzirain, de mod0 a permitir, em cada ramo, a criaqHo de tes ao mesmo grupo que, ki15o raro, acontece ser o conjunto d e
seqces cronol6gicas, geograficas ou nacionais. A hist6ria d e tais atos designado por ui- 56 nome; Gstes atos semelhantes, que
urna espkie de atos (a lingua, a pintura, o govCrno) se sub- se agrupam irresistivelmente no espirito humano, denominam-
divide em hist6ria de ~eriodos,de paises e de naq6es (histbria -se hAbitos, usos, instituiq6es. N l o passam de construqdes do
da lingua grega na antipidade, hist6ria do govGrno francb no espirito, mas impBem-se com tal f6rqa A inteligencia dos homens
sCculo X I X ) . que muitos dEles se tornam regras obrigat6rias; fstes hibitos
0 s mesmos principios servem para decidir a ordem em sio fatos coletivos, durSveis no tempo, extensos no espaqo. -
que os fatos devem ser classificados. A necessidade de aprel Podemos, pois, considerar os fatos hist6ricos sob dois aspectos
opostos: ou naquilo que t2n1 de individual, de particular, de pas-
(161) 0 s transportes, frequentemente classificados no comkrcio, sageiro, ou no que d m de coletivo, de geral, de duradouro. No
constituem m a espkcie da indcstria. primeiro caso, a hist6ria se apresenta como a narraqio continua
(162) A propriedade C urna instituicZo mista: econ6mica, social dos acidentes que ocorreram com os homens do passado; n o
e plitica.
C H . SEIGNOBOS INTRODUSHO AOS ESTUDOS HIST~RICOS 167

segundo, ela constitui um quadro dos hAbitos sucessivos da hu- e urna narrago de aventuras. A dificuldade de classificar tste
manidade. hibridismo em urna dcs categorias do pensamento human0
Neste campo travou-se, na Alemanha principalmente, a t frequentemente q r e s s a por urna pergunta pueril: a hist'ri-
batalha entre os partidirios da hist6ria da civilizaq5o (Cultur- ria C urna arte-ou urna cii?pcia?
geschichte) (163) e os historiadores de profiss50, que perma-
aeceram fiCis A tratliqio da antiguidade; hti Franfa, houve luta 'b I11 - 0 quadro geral que apresentamos aciina pode ser-
entre a hist6ria das instituiq6es, dos costumes e das idbias e a vir de questioniirio para determinarmos t&s as esp6cies de hi-
histbria politica, apelidada com desdem pelos seus adverdrios bitos (usos ou institui~6es)cmn que pdemos tentar construir
"a hist6ria-batalha". a Mst6ria. Mas antes de aplicarmos k t e quadro geral ao es-
Esta oposiqio se explica pela diferen~ados documentos que tudo de um grupo qualquer de h&bitos histbricos, como a lin-
os trabalhadores dos dois partidos tinham o hibito de consultar. gua, a religiio, os usos privados ou as" instituiq6es politicas,
0 s historiadores, que se ocupavam principalmente da hist6ria cumpre-nos, sempre, resolver urna quest50 p&via: A quem de-
politica, s6 enxergavam os atos individuais e passageiros dos vem ser atribuidos os Gbitos que vamos estudar? Sem dGvi-
governos, em que C muito dificil perceber um traqo geral. - da, eram comuns a um grande n h e r o de individuosl e 6, exa-
Nas hist6rias especiais, ao contixirio (exceto a das literaturas) tarnente, A cole~5odos individuos de hAbitos iguais que darnos
os documentos s6 apresentam fatos ~gerais,como urna forma de o nome de grupo. A primeira condiq50, pois, para estudar um
linguagem, um rito religioso, ou ulna regra de direito; s6 por hibito, consiste em deternzinar o grupo que o ~raticou. A ts-
um esfbrqo de imaginal50 C possivel representar o homem que te respeito devemos, desde logo, resistir ao primeiro impulso,
empregou tal fwma grainatical, realizou tal rito, ou praticou tal pois, quase sempre, tle nos leva a um estado de negligtncia que
regra. pode arruinar t6da a constru<@ohist6rica.
NZo ltelnos que tomar partido aesta controvCrsia. A cons- Niossa tendencia natural nos conduz a representar o grupo
truq5o histbrica completa pressup6e o estudo dos fatos sob os '@ em funs50 do modtlo da q & i e animal, como um conjunto de
. homens, todos semelhantes. Tomamos urn grupo ligado por
dois aspectos. 0 quadro dos hhbitos de pensamento, de vida e
de as50 dos homens 6, evidenbemente, urna parte capital da his- um carAter aparen.temente nitido, uma naq50 subordinada a um
m s m o govtrno of ilcial (romanos, ingleses, ,f ranceses) , um po-
t6ria. Contudo, depois de havermos reunido todos os atos de
todos os individuos, para dtles extrair o que t6n1 de comum, s6 vo que se exprime na mesma ,lingua (gregos, gerrnanos) e pro- -
ficaremos com urn residuo, que n5o temos o direito de despre- cedemos como se todos os rriembros dtsses grupos s'e asserne-
zar, porque Gste residuo C que constitui o elemento propriamen- z@ lhassem e m todos os pontos e tivessern os mesmos usos.
te histbrico; isto porque a maioria dos atos C formada pelos atos Ein verdade, nenhum grupo real, nem mlesmo uma socie-
de um Q o m m ou de um grupo d1ehornens em um momento da- dade centralizada, constitui um conjunto homogEneo. Em re-
do. Em um quadro reduzido aos fatos gerais d a vida politica laq5o a uma grande parte da atividade humana - a lingua. a
n50 haveria lugar para a vit6ria da Farsdia ou a tomada da arte, a ciencia, a religiio, a vida econbmica - o grupo C flu-
Bastilha, fatos acidentais e passageiros, mas sem os quais a tuante. Que C o grupo das pessoas que falam grego, o grupo
hist6ria das instituiq6es de R m a ou da Franqa n5o seria inte- crist50, o grupo da citncia moderna? Att os grupos dernar-
ligivel. cados por uma organizaq50 oficial, os Estados e as Igrejas,
,4 hist6ria C, portanto, ~brigadaa combinar o estudo de constituem unidades supe~ficiaisfonnadas por elementos hete-
certos fatos particulares com o dos fates gerais. Tem, .par isso, rogtneos.
um cariter misto, indeciso entre urna ci2ncia de generalidades A naq5o inglesa compreende escoceses e irlandeses; a igre-
ja cat6lica comp6e-se de fiCis esparsos por todo o mundo e em
(163) Para a hist6ria e a bibliografia d&ste movimento v. Ber- iudo diferentes exceto na religi50. N,enhum grupo existe, cujos
nheim, o. c., p. 45-55. -3' membros tenham os mesmos hSbitos, sob todos os aspectos.
INTRODUCAO AOS ESTUDOS HIST~RICOS 169
.0 meSnlQ llomem 6, ao mesmo tempo, membro de. vkrios gru- - Inversamente, um q u p o se assemelha a outros, de mado a
pos e em cada grupo tem~compa~lrheiros diferentes. Urn cana- poder a Gles seT comparado; em urna classificaq~ode conjunto,
d.ense franc& C nleixbro d c Estado brithico, da Igreja catblica podemos reconhecer "familias" de linguas, de artes, de povos.
e do grupo de lingua francesa. 0 s gm~posmisturam-se, assim, Cumpre-nos, pois, formular estas perguntas: Como se sub-
uns aos outros, de mod0 tal que C inlpossivel dividir a huma- .
32
dividia o grupo que estudamos? Em que conjunto poderia
nidade em sociedades nitidamente distintas e justapostas. 6le ser incluido?
Encontramos, nos documentus histhricos, nomes de grupos Torna-se agora possivel estudarmos metodicamente um
empr-egados por conte:mpor~neos,mn,uitos dos quais tirades de hAbito, ou at6 urn conjunto de hAbitos,ern t& tempo e urn lugar
circunstAnc.ias superficiais. Em vez de adotar estas fioq6es su- da,dos, baseando-nos no quadro que a c k a demos. Nenhuma
penf i,ciais, devemos . s~bor~dinar-nos Q regra be as criticar, de pre- dificuldade de m6todo apresenta a operaqLo, para t6das as es-
cisar a natureza e a extensilo do grupo, fonnulando as seguin- pkies ,de fatos que se revestem de for.mas de hkbitos indivi-
tes perguntas: De que hcvmens se compunha o grupo que es- duais e voluntirios: lingua, arte, ci&ncias, concepq6es, usos pri-
tudamos? que ,el0 0,s unia? quais os seus hsbitos comuns? por vados; basta constatar em que consi.stia cada hAbito. C,umpre,
que eslp6ci.e~.de atividade diferiam des? S 6 ,depois de haver- apenas, distinguir o pessoal que criava ou mantinha os h6bitos
mos revondido a estas pel-guntas estaremos em :condiqBes de (artistas, sdbios, filbofos, criadores d a moda) .da massa que
saber quais os h6bitos do grupo que - pelas vantagens quc os recebia.
apresentam em relaqbo ao nosso objetivo - podem figurar em Mas quando chegamos aos h6bitos sociais ou politicos (a
nosso quadro ,de lestudos, cuja elabora@o dever5 nortear-se pel0 que chamamos instituiq6es), deparainos contdiq6es novas, que
principio de que a cada esp+ie de f a t o deveri corresponder gerain urna inevitivel ilusLo. 0 s nlembros de um mesino grupo
urna espCcie de gntpo. social e politico nHo t&n apenas o h6bito de atos semelhantes,
Para e s t ~ ~ d 0s
a r hibitos intdectuais (lingua, religiLo, arte, . I ,
mas agem uns stsbre os outros por atos reciprocos.
ci6ncia) tomaremos, nLo urna n a e o politics, mas o grupo das 01s h&bitos tornam-se relq6es entre si; quando sLo h6bitos
pessoas que tiveram em comum Zsses habitos, para estudar os antigos, foi-mulados em regras ofi.ciais e impostos obrigatotria-
fatos ecoi~dmicostoinaremos um grupo ligado por interesses eco- nlente poi- uma autoridade matei-:ial, mantidos por !pessoal espe-
n6micos; reservaremos o grupo politico para o estudo dos fatos cializado, assuinem urna tal iinport%mia na vi!da que d60, aos
sociais e politicos; eliininaremos, completa e definitivamente, a que os pr.aticam, a iilzpress50 d'e realidades exteriores. 0 s ho-
id6ia d e raga coino elemento de classificaqHo. (164) ,. .....
> mena, que .se ;especializararn ,em uma ocupaq90, ou funqLo, que
0 grupo, ainda em relaqLo aos pontos em que C homog2ne0, se tornou o %bit0 doininante de suas vidas, d5o a impressdo de
nLo o C inteiramente; divide-se em subgrupos, cujos membros agruparem-se :em categorias distintas-(classes, corporaq6es, igre-
dif erem por alguns hibitos secundirios ; urna lingua se divide jas, governos) ,e estas categorias' parecem s6res reais ou, pelo
em dialetos, urna religi5o em seitas, urna naqso em provincias. menos, 6rgLos incumbidos, cada um, de uma funq5o em um ser
real, que C a s0ciedad.e. For analogia corn o corpo de um ani-
mal ch,eganzos a descrever a "estrutura" e o "funcionamento"-
(164) Nso 6 mais necesshio demonstrar a inanidade da noqPo de de urna sociedade + e at6 sua ('anatoinia" e. sua "fisiologia".
raqa. Este nome servia para designar grupos vagos, formados pela
naqfio OII pela lingua; as raws dos historiadores (grega, romana, ger- Tudo is'to nLo passa de simples metsfora. Constituem a estru-
msnica, ck!tica, eslava) sb o nome tinham de cornum corn a raqa, entendi- tura os costumes e as regras que repartem as ocupaqBes, os
da em seu sentido antropol6gic0, isto 6, considerada como urn grupo de lazeres e as func6es entre os Ihamens: formam o funciona-
homens dotados hereditariamente dos mesmos caracteres. A noq50 de mento as atos habituais, pelos quais cada homem se p6e em
ray4 corn a acep~soque Ihe davam os historiadores chegou ao absurdo,
con1 o abuso que dela fez Taine. Uma boa critica a respeito d&ste as- relaqso com os outros. Se acharmos cbmodo empregar tais
sunto encontranios em Lacomte, o. c., capitulo XVIII, e em Robertson, termos, nso devemos esquecer que servem para designar sim-
The Sa-rolz and the Celt, Londres, 1897, in-8. ples hibiltos.
INTRODUGXO AOS ESTUDOS HIST~RTCOS 171

Todavia, o estudo das instituiq6es nos obriga a formular suas condiq6es materiais altei-am-se de uma C p c a para outra.
problemas especiais, relatives As pessoas e 5s funq6es que Ainda quando parecem conservar-se, nLo permanecem exata-
exercem. E m rela@o As instituis6es econ6micas e sociais, mente os mesmos. I3 preciso, p i s , -deter estas transfor-
devemos procurar saber como se fazia a divis5o do trabalho maq6es; nisto se resume o estudo dos fatos sucessivos.
e das classes, quais eram as profissBes e as classes, camo se re- ~DestasalteraqBes, as que mais i n t e r k e apresentam para
crutavam c quais as relaq6es que anirnavam a vida das diferen- a construq50 histbrica s%o as que se produzem em um mesmo
tes profisdes e classes. - Para as instituiq6es politicas, con- sentido (165), de tal mod0 que, por uma d r i e d e diferenqas
sagradas por normas obrigat6rias e sujeitas a urna autoridade graduais, um uso ou uin estado de sociedade se transforma
material, estabelecem-se duas series novas de indagaq6es : l o ) em um use ou um estado diferente, ou, para falar sem met5-
Qual era o pessoal dotado d e autoridade? Quanldo a autori- foras, quando os homens d e determinada &poca praticam urn
dade e s t i dividida C indispensiivel estudar a repartis50 das fun- hfibito muito diferente d e outro seguido por seus ancestrais,
q6es, analisar o pessoal em seus diferentes grupos (principal sem haverem atravessado mutaq6es violentas. B a evolug6o.
e subordinado, central e local) e distinguir cada um dos cor- A evolu@o se produz em todos os hibitos humanos.
pos especiais. Para cada esp0cie de governantes devemos Basta, portanto, para estudQ-la, retomar o questionbrio aue
perguntar: como eram recrutados os detentores do poder? Em serviu para levantar o quadro da sociedade. Para cada um
que consistia sua autoridade oficial? Quais os meios reais de dos fatos, condiqBes, usos, pessoal investido de autoridade, re-
aqio de que dispunham? - 2.O) Quais eram as regras oficiais? gras oficiais, imp&-se a indagaqso: Qual tem sido a evoluqio
Qual a forlna de que se revestiam (costumes, ordens, leis, pre- dEste fato?
cedentes) ? Qual o seu conteGdo (regras de direito)? Qual
a forma por que se a~licavam(processo)? E, principalmente, 0 estudo comportar5 vArias operaq6es : 1.O) determinar
em que as regras diferiam d a priitica (abusos do poder, explo- o fato, cuja evoluq%o queremos estudar; 2O) fixar a duraqio
do tempo em que ela se realizou; devemos escolher o p d o d o
raqio, conflitos entre os agentes, regras nCo observadas).
de .tempo, tendo em conta que, hele, a transformaq50 deve
Depois de haverrnos determinado todos os fatos que ser evidente, sem prejuizo do liame que deve existir entre o
constituem uma sociedade, resta-nos repor esta sociedade no ponto d e partida e o de uhegada; 3O) estabelecer as etapas
a n j u n t o das sociedades do m e m o tempo. ' Nisto consiste o sucessivas Ida evoluqCo; 4O) procurar saber por que meio ela
estudo .das instituiq6es internacidncais, intelectuais, econ6micas se operou.
e politicas (diplomacia e usos de guerra) ; seus probiemas
sHo os mesmos que os d o estudo das instituiqties politicas. V - Uma sCrie, ainda que completa, dos estados de
tirdas as sociedades e d'e t8das as suas evoluq6es, n i o (bastaria
A isto deveriamos acrescentar o estudo dos h5biltos comuns a para esgotar a matQia da hinsit6ria. Ficariam perdidos muitos
vQrias sociedades e das relaq6es que nio assumem urn carbter fatos rinicos, de que absolutamente n5o pphderiamos pescin-
oficial. B esta, todavia, uma das partes menos avanqadas da dir, por serem indispenshveis para explicar a formaqLo d m
construqio hist6rica. estados e o comep das evoluq6as. G m o estudar as institui-
IV - Bste trabalho permite t r a p r o quadro da vida q 6 s ou a evoluqZo da Franqa, sem falar da conquista das GB-
huma,na em dado momento; confere o conihscimento de um lias por ,Cesar e da invasdo dos BQrbaros?
estado d a sociedade (em alem50, Zzcstand). Mas a histdria Esta necessidade de estudar os fatos Gnicos gerou a a-
n i o qs& limita a estudar os fatos simultiineos tornados em re- firmativa ,de que a histbria h6o pode ser uma citncia, y r q u e
pouso (isto .&, no seu estado estdtko). Estuda tambem os
estados .da mciedade em xno~men.tosdiferehtes e constata as (165) HB desaccrdo quanto ao fato de caber no dominio da his-
, difrenqas kxistentes - entre Ues. 0 s hfibitos dos homens e t6ria o estudo das transformaq5es em sentido inverso, isto 6, das osci-
lac6es suscetheis de fazer as coisas retornarem ao ponto de partida.
12

INTRODUSAO AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S 173


ltbda ciGncia tern por objeto o geral. A hist6ria esth, a tste
respeito, em igualdade de condiq6es corn a cosmografia, a geo- fora, pois uin uso C uina abstraq50; uina abstraq5o n5o evolve.
logia, a citncia das espkies aninlais; a hist6ria n5o visa ao Bg sentido pr6prio, s6 os sDres evolvem. (167)
conhecimento abstraio das relaq6es gerais entre os fatas, mas Quando ocorre ulna transformaGo em unl uso, C que os
ao estu~do explicntivo da realidade; ora, a realidade s6 existe homens que o praticam inudaram. Owa, os homens 1150 est5o
uma vez. IHA u a a s6 evoluqEio da terra, da vida animal d a divididos ein compartimentos estanques (religidsos, juridicos,
humanidade. Ell1 cada uma destas evoluqges os fatos que se econ6micos) em .que se processam fen6menos interioses iso-
sucede'ram foram o produto, n5o de leis abstratas, mas do lados ; u m acidente que lhes modif ica o2 estado, tambem lhes
concurso, a cada momento, de vhrios fatos de diferente espC- akera os hAbitos, embora diversos em sua natureza. A inva-
cie. Bste concurso, a que nos habituamos a dar o nome de s5o dos BQrbaros agiu ao mesmo tempo s6bre as linguas, a
acaso, t5 que produz uma sCrie d e acidentes que determinam vida privada e as instituiq6es politicas. N5o nos C possivel,
a marclla particular d a evoluq50. (166) A evolu$io s6 s e pois, compreender a evoluq50, se nos encerrarmos em um ra-
torna inteligivel pel0 estudo dos acidentes; a hist6ria esth, sob mo especial da hist6ria; o especialista, para aprofundar real-
este aspecto, no meslllo grau de progress0 que a geologia ou a mente a histbria, mesmo quando age dentro do setor a que
paleontologia. particularmente se dedica, deve ol~har bem d o alto o campo
Dtste inodo a histbria cientifica pode retomar, para utili- dos acontecimentos conluns, sobrepondo-se aos muros que lhe
A-10s no estudo &a evoluq'ao, os acidentes que a hiut6ria tra- confinam a especididade. UIII dos principais rn6rito.s de
dilcional ramlheu poi- simples raz5o literhria, apenas porque Taine consiste em haver declarado, a prq6sito da literatura
feriam a iinaginaqgo. Poderemos, ent50, procurar os fatos inglesa, que a evoluq5o IiterAria depende nso de acontecimentos
que agiram sbbre a evoluc50 de cada um dos h5bitos da hu- literkrios, mas de fatos gerais.
manidade; cada acidente serh classificado na data em que
ocorreu e na evoluc5o sbbre a qua1 tiver exercido influtncia.
-9 A hist6ria geral dos fatos Gnicos se constituiu antes que as
hist6rias especiais. Formou-se d o residuo de todos os fatos
Bastar&, a seguir, reunir os acidentes de todo gtnero e clmifi-
c&los pol- ordeln cronol6gica e de pais, para obterinos o qua- que n5o puderam ser incluidos nas histbrias especiais e se foi
dro de cdntjunto da evoIuq5o histbrica. reduzindo A medida qua os ram'os especiais se foram formando
e adquirindo autoriomia. Como o s fatos gerais s5o principal-
Jh entgo, acima das hist6rias especiais, em que os fatos mente d e natureza politica e porque C dificil organizh-10s em
sso classif icados por categorias puramente abstratas (arte,
religigo, vida privada, instituiq6es politicas), teremos cons-
- um ramo especial, a hist6ria ~geral esteve sempre confundida
con1 a histbria politica (Stnntengeschichte). (168) Dtste modo,
truido uma hist6ria concreta comum, a hist6ria geral, que liga-
l-5 as diferentes hist6rias especiais, mostrando a evoluqEio de os historiadores politicos foram arrastados pelas circunstiincias,
a ponto de se transformarem, tambem, em campe6es da h i s t 6
conjunto que domitlou t6das as evoluq6es especiais.
ria geral, referindo e conservando em suas construq6es todos
Cada urna das espCcies de fatos que estudamos separada- os fatos gerais (inigraq6es de povots, reforrnas religiosas, in-
mente (religigo, arte, direito, constituiqzo) n5o forma um
mundo feuhado, em que os fatos terianl evolvi,do por uma
espCcie d e f6rqa interna, como os especialistas est5o inclinados (167) Lamprecht, em um longo artigo, W a s ist Kzdtzwgeschich-
a imaginar. A evoluq50 de unl uso ou de uma infstituiq50 te, publicado na Deutsche Zeitschrift fur Geschichtswissensclmft, nova
siric, t6mo I, 1896, pretendeu fundar a hist6ria da civilizaq5o s6bre a
(lingua, religizo, Igreja, mstado) n5o passa de simples met6- teoria de uma alma coletiva da sociedade, capaz de produzir fen6menos
" social-psiquicos " comuns a t6da a sociedade e diferentes em cada pe-
riod~. I3 uma hip6tese metafisica.
- . (166) A teoria do acaso foi construida de mod0 decisivo por Cour- a
not, no seu trabalho Colzsidkrations s w la ~nmche des idkes et des (168) 0 nome de hist6ria national, introduzido por prcocupaq6es
tvknements duns les temps nzoderlzes, Paris, 1872, 2 vols. in-8. patribticas, designa a mesma coisa; a hist6ria da nac%o se confunde
de fato corn a histbria d o Estado.
INTRODUCAO AOS ESTUDOS HIST~RICOS 175

venq6es e descobertas) necessBrios para compreentder a evolu- ~ C r c i t oou da Igreja. 0 s episcklios da vida de um homem
Go. 0 tornam-se, ent50, fatos importantes.
Para construir a Gst6ria geral, devemos buscar todos os Devemos, portanto, no quadro da histbria, atribuir- urn Iu-
fatos capazes de explicar, tanto o estado de uma sociedade como gar aos personagens e outro aos sco'htecimentos.
uma de suas*~evoluq6es,porque b t e s fat6res hist6ricos foram V I - B uma necessidade, em todo estudo de fatos suces-
influenciados , p r tais fatos. Devemos buscar os fatos de t8- sivos, fixar certos pontos d e destaque, alguns como que limites
das as ordens como o deslocamento de populaq6es, inovaq6es de principio e de fim que constituem verdadeiros marcos crono-
artisticas, cientificas, religiosas e tknicas, renovaq'io do pessoal 16gicos. Dentro destes marcos situam-se os periodos; C antigo,
dirigente, revoluqCies, guerras, descobrimentos d e paises, etc. na histbria, o emprzgo destas medidas d c tempo. Delas temos
0 que importa C que o fato tenha tido uma a550 decisiva. neces~sidade, 1-450 apenas quando tratamus de hisitbria, geral,
Cumpre-nos, pois, resistir A tentas50 natural de distinguir os mas ainda quando nos preolcupamos cam hist6rias particulares,
fatos em gra!nfdes e pequenos. Repugna-nos adinitir que desde que os fatos estudados sejam durheis a ponto de tornar
grandes efeitos possam ter pequenas causas, que o nariz de sensivel a evoluq50. 0 s elementos preponderantes C que ser-
Cle6patra tenha podido agir s6bre o hpCrio romano. Esta vem d e limites aos periodos.
repugnsncia 6 metafisica e nasce de urna idCia preconcebida Erm relac50 $s hist6rias especiais verificamo's, pnimeira-
da direq5o do mundo. E m t6das as ci6ncias de evoluq'io en- mente, a s aIteraq6es de h&bitos que devem ser considerados
conti-am-se fatos individuaie que sgo o ponto de partida de um como mais ~ r o f u n d a s ;cada uma ciestas alteraqbes passarB a
conjunto de granldes transformaq6es. A l p & cavalos trazidos ser considerada com,o data, no process0 de evoluq'io; a seguir,
pelos espanh6is geraram rebanhos enormes que se cspalharam procurarmnos saber quais us acontecimentos que as produziram.
por t6da a AmCrica do Sul. fEm uma inundaq50, u n tronco 0 acont&imento que produziu a forma550 ou a modificaqzo
de grvore pode barrar a corrente e transformar o aspecto de de um hAbito passa a ser o com6qo ou o fim de urn periodo.
um vale. estes acontecimentos preponderantes s'io, por vezes, da mesma
Na evoluq50 humana deparamos grandes transformaq6es espCcie que os fatos, cuja evoluq5o estudamos, isto 6, fatos li-
que n5o tiveram outra causa inteligivel a 1-150 ser um acidente terQios na histbria IiterBria, politicos na hist6ria politi'. Mas
individual. (169) A Inglaterra, no dculo XVI, mudou trEs quase seinpre s5o de espCcie diferente e, neste caso, deve a
fezes de religi5o pela morte de seus principes (Henrique, Edu- hist6nia especial socorrer-se da gerql.
ardo, Mania). A impordncia deve medir-se n50 pel0 fato ini- Em relaq5o A hist6ria geral, 0s. periodos devem ser defini-
cial, mas pelos fatos que d d e resultam. NZo devemos, dos tendo-se em conta a evoluq5o de vBrias espBcies de fatos:
a priori, negar a a ~ Q dos
o individuos e repudiar os fatos indivi- encontramos acontecimentos que, ao mesmo tempo, marcam
duais. Ao cont&rio, cumpre-nos examinar se o individuo esta- um periodo em Grios ramos (invas5o dos BBrbaros, Reforma,
va .em situago de agir fortemente. Isto pode ocorrer em dois Revoluq'io Francesa) . Podemos, entgo, construir periodos
casos r 1.0) quando a a550 de' alguem agiu como exemplo s8bre comuns a vBrios ramos d a evoluq'io, todos com o principio e o
uma considerAve1 massa de homens e criou uma tradiqzo, o fim deliinitados pelos mesmos acontecimentos que produziram
que ocorre com frequhcia no dominio da arte, da cizncia, da modif icaq6es secun,dBrias.
religigo e da tknica; ZO) quando alpem, estanldo de posse do 0 s periodos construidos d$ste modo, isto 15, em razZio dos
poder, tinha capacidade para dar ordens e imprirnir dir&o na acontecimentos, tern duraq50 desigual. N5o nos devemos im-
massa dos homens, comlo acontece com os chefes de govtrno, do pressionar corn esta falta de simetria; um periodo nfio deve
constituir-se de urn nhmero fixo de anos, mas d o tempo em
(169) V. Cournot, o. c., I, p. IV. que se processou uma parte distinta da evoluqso. Ora, a evo-
luqlo n l o atua em movimento regular; ela desliza durante uma
longa shrie de anos sem modificaqlo apreriivel, para depois
sofrer, em curto prazo, transformaqbes r5pidas. Desta ,dife-
renqa tirou Saint Simon a distinqlo entre periodos org6nicos
(de modif icaqbes lentas) e criticos (de modificaq6es rkpidas) ,
RACIOCf NIO 'CONSTRUTIVO

I - 0 s fatos hist6ricos contidos nos docunlentos nlo bas-


tam nunca para responder inteiramente i s nossas indagaqbes;
muitos problemas ficam sem soluqlo direta e sentimos, n5o raro,
a falta de dados necessdrios A loorn~sliqlodo quadro completo
dos estados da sociedade, das evoluqBes ou dos acontecimentos.
Domina-nos a necessidade irresistivel de -preencher lacunas.
Quando, nas ciCncias de observaqlo direta, conlstatamos a
falta de um fato, no decurso de u.ma skrie, buscamo-lo por meio
de uma nova observaqlo. Em hist6ria, onde Cste recurso n50
, existe, tentamos descobrir a verdade pelo exercicio do racio-
cinio. Partimos dos fatos conhecidos pelos documentos para
dcles inferir fatos novos.
Bste processo d e conhecimento C absolutamente legitimo,
desde que o rxiocinio seja correto.
A experihcia, todavia, demonstra que de todos os proces-
sos de conhecimento hist6rico o raciocinio C o de mais dificil
aplics@o e o responsdvel pelos mais graves erros. Para utili-
zi-lo, imp6e-se-nos o dever de cercarmo-nos ,de severas pre-
cauq6es a fim de evitarmos o perigo constante que ele oferece.
1.O) Nunca devemos misturar um raciocinio com a ani-
lise de um documento; sempre que nos permitimos introduzir
em um texto qualquer coisa qu,e o autor ai n l o haja g s t o ex-
pressamente, arriscamo-nos a completi-lo vic.iosamente, atri-
buindo ao autor aquilo que 6le nfio qui,s dizer.
20) Nunca devemos confundir os fatos extraidos direta-
mente do exame dos documentos com os remltados de um ra-
ciocinio. Quando afirmarmos um dato, conhecido exclusivamen-
te pel0 raciocinio, nlo devemos deixar a mais remota poasiibili-
dade de que se creia que a afirmaqlo est5 expressa no documen-
to, mas cabe-nos a obrigaqlo ddc declarar por que processo foi
ela obtida.
17'8 CH. V. LANGLOIS e CH; S E I G ~ B O S INTRODUC;~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 179

30) Nunca devemos deixar-nos' conduzir p r um racioci-


nio inconsciente ; sLo infimeras as possibilidades de q u e seja in-
correto. !Basta bztbituarmomos a p6r o raciocinio em forma;
[
3.2.
.,+.
*.
,-
.Ti.

-.-
-'c.
portanto, atermo-nos aos casos em que as condiq6es de um born
miocinio se acham realizados.
10) N5o basta que n5o existam documentos mencionando
t

em um raciocinio fal,so, a proposiq5o geral C de tal mod0 mons- .. o fato; C imperioso que tais documentos nunca tenham existi-
truosa que a, sua si.mpl,es apr,eseflta$io nos causa horror. g@ ; !!;+.
. ' <,.
.:.:.
,
do. 1Na hip6tese de se haverem perdido os documentos, h ~ d a
4 O ) Se o raciocinio 6 sucetivel de d&ar qualquer sombra ,~.. . podemos concluir. 0 argumento do sil&cio deve, pois, ser em-
de dutida, por mais remota que seja, devemos- abster-nos de pregado com tanto menos frequbcia quanto maior f6r o nGme-
concluir ; a operaqfo deve ficar s& a forma de mera conjectura, ro de d m m e n t m perdidos ; sua utilidade 6, portanto, muito me-
nitidamente distinta dos. resultados definitivamente adquiridos. nor para a antiguidade do que para o s6culo XIX. - Sornos
-muitas vezes tentados, para iulgirmos a esta restriq50, a admitir
50) lNunca devemos tomar uma conjectu~ae tentar trans- que os documentos perdidos nada continham de interessarite; se
formbla em certeza. A primeIra impress50 sempre maiores
se perderam, dizemos, C que n50 valiam a pena de serem conser-
probabilidades de ser exata; refletindo s a r e uma conjectura,
vados. Na realidade, todos os documentos manuscritos estZo
familiarizamo-nos com ela e acabamos por achi-la bem funda-
merci? de acidentes, vultosos ou de pouca monta, e .s6 o acaso
mentada; ora, o que na realidade ocorreu C que com ela nos ha-
pode determinar que se percam ou conservem.
bituamos. 0 mali5gro C comum aos homens que mditam lon-
gamente sBbre poucos textos. 20) fi indispens&vel que o fato tenha sido de natureza a
duas formas de nos servirrnos do raciocinio: uma nega- ser forqosamente observado e iuotado. Da verifica~50 de que
tiva e outra positiva; vamos examid-las separadamente. urn fato n5o foi notado nLo e possivel concluir que nZio tenha
sido visto. A partir do manento e m que organizarmos um ser-
I1 - rxiocinio negative, tambem uhamado "argumen- viqo para colecionar uma determinada espkie de fatos, constata-
to do siIEncio", parte da auskcia de indicaq6es s6bre urn fato. r m o s como b s e tipo de fatos C mais frequente do que sup&
(170) Da verificq50 cle que um fato :fro foi mencionado em nhamos e quantos casos passaram despercebidos ou, pel0 menos,
nenhum documento, inferimos que tie n5o existiu; tste argu- nenhum traqo escrito deixaram,. o que acontece corn os ter-
mento s e aplica a qualquer esgcic d e , fatos, uses .de todo g6- remotos, os casos de raiva, ou de baleias arremessadas A costa.
nero, evolu<6es e acontecimentos e tern como fundamento uma - Por outro lado, ialimeros fatos, embora sobejante conheci-
impress50 que na vida se exprime por uma b c u ~ 5 ofamiliar: dos dos contempor&neos, nZo foram notados, pelo simples mo-
,se isto houvesse acontecido, forqosamente que. o saberiamos.
tivo de lhaver sua divdgaq50 sido impedida pela autoridade lo-
Esta frase sup& uma proposiq50 que deveria ser assim f ormu- cal. 33 o que acontece em relac50 aos atos secretos dos gover-
lada: "se o fato tivesse existido, deveria forqosamente haver
nos e aos reclamos das classes inferiores. Bste silgncio, que
urn documento que dele falasse". nada prova, causa forte impress20 1-3s historiadores irrefletidos
Para tennos o direito de raciwinar d b t e modo, seria pre-
e C a origem do sofisma t5o difundido "dos bons velhos tempos".
c i s ~que todo fato houvesse sido observado e notado por escri-
Nenhurn documento relata os ~ b u s o sdos funcionirios ou as la-
to e que t6das as notaq6es tivessem sido co?.sservadas; ora, a
maionia dos documentos esicritos .estA perdida e a maioria dos mentaq8es ou protestos do povo: a aparEncia C de que tudo cor-
fatos que se passam n5o 6 objeto de notago escrita. Para a reu nornlalmenke e que ningueln sofreu. - Antes de adinitir-
maioria dos casos, pois, o raciocinio seria falso. A regxi 6, mos o sil2ncio como prova, deveriamos indagar: Este fato
1150 poderia ter deixado de figurar, propositadamente, em um
dos documentos que possuimos? N%o C a ausCncia absoluta de
(170) A' discuss50 dCste argumento, muito empregado outrora em documentos s6bre urn fato que deve servir de prova, mas o
hist6ria religiosa, preocupou bastante os antigos autores que escreveram
sbbre metodologia e ainda agora tern um lugar de relCvo nos Principes silcncio s6bre 6ste fato em urn documento em que deveria ser
de la Critique Historique, do P . de Smedt. mencionado.
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182 CH. V. LANGLOIS e CH. S E I G ~ B O S
*.
i., + INTRODUS~~OAOS ESTUDOS HIST~RICOS 183
I

hacionalidade dos fundadores. Por isto, somos forqados a ser- q k c i e de fatos, isdada d e t6das as demais (lingua, a r t s , direi-
vir-nos de uma proposiq50 minudente. to privado, religizo), estiio expostos ao mesmo perigo, porque
sb se interessam por fragmentos d a vida humana e nio pel0
2.O) P a r a que uma proposiq50 geral seja minudente, C in- cdwjunto. Ora, s6 podem eer sblidas as conclusdes que repou-
dispelldvel que o fato hist6rico particular seja corhecido em sam no conjunto dos fatos. N5o basta urn sintorna para fazer
seus pormemres; porque sb depois de o liavermos conhecida C :.* urn diagn6stic0, mas muitos d6les s5o necess6rios. A precauGo
que devemos buscar uma lei empixica geral que nos perrriita sB- deve consistir em evitar o estudo de urn fato isolado, ou de um
bre Cle raciocinar . Cumpr e-nos, p*to9 comeqar por estuda~ fato abstrato. 0 s hornens devem ser considerados em relac50
as condiq6es particulares do caso (a ~ i h a < i i ode Salam?m, os i s principais condiqBes de suas vidas.
hibitos dos gregos e dos fenicios) ; n5o devernos examinar urn Devemos convencer-nos d e que puquissimas vezes se rea-
pormenor, mas urn conjunto. lizam t6das as condiqbes d e um raciocinio certo; conhecernos
No raciocinio hist6ric0, portanto, dois elementos s5o ne- muito ma1 as leis da vida social e sb muito raramente os porme-
cessirios: 1.0) uma proposiqio geral exata; 2.O) um conheci- nores precisos de um fato hist6rico. Quase sempre os racio-
cinios nos conferem u m a simples presun60 e n5o a certeza.
mento pormenorizado de um fato passado. - Agiremos mal, Todavia, ocorre com os raciocinios o mesmo que com os docu-
se aclmitirnlos uma proposiq50 geral falsa, se acreditarmos, por
exemplo, como Augustin Thierry, que t6da aristocracia tern por mentos. Quando v6rias presunq6es se reunem no mesmo sen-
origem m a concpista. Agiremos mal, tambem, se pretender- tido, confirmam-se e acabam por produzir a c e ~ e z alegitima.
A hist6ria preenhe urna parte de suas lacunas por uma acumu-
mos raciocinar p a r t i d o de um pormenor isoladz (um nome de IaqPo de raciochios. VArias diurdas subsistem quanto i ori-
cidade). A natureza dCstes erros indica as precauq6es a to-
mar : 1) Espontaneamente, tomamos por base de raciocinio gem fenicia de v5rias cidades gregas, mas nenhuma ha em rela-
"verdades d e senso cornurn", que formam ainda quase todo @o presenqa dos fenicios na G&ia.
Z
nosso conhecimento da vida social; ora, em sua maioria, tais
"verdades de senso comum" s5o parcialmente falsas, uma vez
que a citpcia da vida social n5o estii inteiramente construida. E
o que as torna principalmente perigosas 6 o fato de que as em-
pregamos sem termos consci&ncia do que acima ficou dito. A
mais segura precauqiio a tomar consiste, sem dGvida, em formu-
lar sempre a pretensa lei que serviri de base ao nosso raciocinio:
Estamos certos de que t6das as vezes que tal fato se produzir,
tal outro, inevitavelmente, tam'bem se produzir6. S e a proposi-
q50, traduzida em t e m o s aplic.&veisao fato concrete, £81-eviden-
temente falsa, logo disso nos certificaremos; se f6r muito geral,
veremos quais as cmdiq6es novas que devem ser acrescentadas,
para #to;-&-la exata. 2) Espontaaearnente, procuramos tirar
consqutncias do mais simples fato isolado (ou melhor, a id6ia
de cada fato desperta logo em nbs, por associaq50, a id4ia de ou-
tros fatos). 33 o prncesso natural da hist6ria 1iterLria. Cada
epis6dio d a vida de urn autor fornece mat6ria para raciocinios;
construimos, por conjectura, t6das as influtncias que tenham
d i d o agir sbbre Ue e acabamos por admitir que elas assim te-
nham agido. Todos os ramos da hist6ria que estudarn uma s6
INTRODUCAO AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S 185

. ' A cicncia C uma economia de tempo e de esforqos, obtida


p r um processo que torna os fatos sapidamente cognosciveis
c inteligiveis; consiste, principalmente, em recolher lentamente
CAP~TULO IV
urna qualidade mde fatos de pormenor e em conden&-10s em fbrl
'mulas facilrnente utilizAvei~ e incontestAveis. A histbria, .,mais
CONSTRUCAO DAS FORMULAS GERAIS atravancada de pr,m.enmes do que qudquer outra cihcia, deve
escolher entre duas soluq6es: ser completa. e incognoscivel, ou
ser cognoscivel e incompleta. T a a s as outras ciencias esco-
I - Se houvessemos classificado em inn quadro metbdico lheram a segunda, abreviando e conden~samlo,preferindo o ris-
todos os fatos hist6ricos estabe1,ecidospela anblise dos .documen- EO de mutilar e de, cornbinar anbitrariamente o s fatos, ii .certeza
tos e pel0 raciocinio, teriamos abtido urna descriq5o racional de de nZm poder, nern compreendblos, nem comunich-10s. 0 s eru-
t6da hist6ria; o trabalho de constataGo estaria acabado. Deve ditos preferiram encerrar-se nos periodos antigos, nos quais o
a histbria, com isto, dar por finda a sua tarefa? A quest50 acasso, que destruiu quase t6dss as fontes de infornlaqBes, lhes
tem .side vivamente debatida e n5o C possivel fugir a ulna so- tirou a responsabilidade de escolher os fatos, privando-os, ao
1uq50, poiS trata-se de urna quest50 prbtica. rnesmo tempo, de quase todos os meios de comhecer.
O s eruditos, habituados a coligir todos os fatos sem qual- A histhria, para constituir-se como ci&ncia, deve elaborar
quer preizr2.11cin pessoal, tendem a exigir, principalmente, urna fatos ,brutes. Deve condensb-10s sob forma rnanzlse6ve1, em
c01,eqPo de fatos completa, exata e objetiva. 0 direito de par- f6rmulas descritivas, qualitativas e quantitativas. Deve ;buscar,
ticipaq50 na histbria 6 igual para todos os fatos 11ist6ricos ; con- entre os fatos os liames que forrnam a conclus5o &ltima de
servar uns cop0 mais importantes e afastar outros c m o m.enos qualquer cicncia. .
iwortantes, seria fazer uma eswlha subjetiva, varisvel ao sa-
bor .da fantasia individual; a hiutbria n5o deve sacrificar ne- I1 - 0 s fatos .humanos, complexes e variados, n5o-podem
nhum fato. reduzir-se a algumasl f 6rmulas simples, . como os fatos quimicos.
A esta concepq5o muito racional n5o podemos opor sen50 A histbria, como ,t6das as cicncias da vida, tem necessidade de
uma difi.culdade material; mas s6 ela C suficiente, porque cons- f 6rmulas descritivas para exprimir o cariiter dos dif erentes f e-
titui o rnotivo priitico .de tSdas as cihcias: & a impossibilidade nbmenos.
.de construir e de comunicar um .saber cmpleto. Urna :histhria, A f6rmula deve ser curta e precisa; curta, para ser facil-
em que nenhq.lm fato f 6smsesacrificado, deveria conter todos os mente utilizhvel e precisa, para dar urna idCia exata do fato.
atos, todos os pensarnentos, t6das as aventui-as de todos os Ora, a precis50 do conhecimento em mat4ria humdm s6 pode
hornens em todos os diferentes momentos. Isto constituiria ser o'btida pdos pormenores caraderisticos, porque s6 6les fazem
u m conhecimento c m p l e t o que a ninguern seria dado atingir, compreender os motivos pelos quais urn fato difere dos outros,
sento por falta de materia1,ao rnenos por falta de tempo.. %em corno os elementos que d5o a cada fato urna fisionomia
13 o que ji acontece con1 as cdeq6es miito volurnosas de peculiar e inconfundivel. Existe, .pois, oposiqZo entre a neces-
documentos: as coleq6es de debates parlamentares contgm t6da ~sidadede abreviar. que nos leva a procurar f6rtnulas concretas.
a histbria das assemblCias, mas, para conhec6-las t&das, seria e a - necessidade de precisso, que nos dbriga a criar fbrmulas
precis0 tempo muito maior que o da vida de urn hornerri pormenorizadas. As f6rmdas rnuito curtas tornam a ci&ncia
T6da cigncia deve dar-se c o d a das condiqzes .pr5ticas da vaga e iludria, ao passo que as muito longas cornplicam-nn e a
vida, ao menos na medida em qoe se destina a ser urna ciC.ncia tornam inctil.
.real, uma cihcia suscetivel de ser aprendida. Tbda concepqZio S6 podemos evitar esta alternafiva por um compromisso
c a p . de impedir que uma cicncia seja aprendida impede tam- continuo, cujo principio dorninante C comprimir os fatos pela
b e m que ela se constitua. supress5o de tudo que n50 seja esbitamente necessirio ii sua
perfeita compreensZ.o, deixando, todavia, uma equilibrada mar- lidar com fatos t5o fugidios e flutuantes como os sociais, uma
gem de elasticidade para inclus5o dos pormenores caraderisti; lingua fiime e precisa constitui valioso e indispensivel instru-
cos, que definam afisionomia do fato principal. mento ; nenhum Gstoriador ser& completo se n5o tiver uma lin-
Esta o p e r q ~ o dificil
, em si mesma, tortla-se m&s cmpli-
cada ainda pel0 estado em que s5o encontradob os fatos que de-
vem ser condemados em fbrmulas. Em razHo da natuleza dos~
,,*, +-
guagen~precisa.
Devemos ,empregar termos concretos e descritivos, +rque
apresentam xmpre um sentido daro. A prudhcia 'ms acon-
documentos de que s i o extraidos, apesentam os mais vari+ios. seha a s6 designar 0s grupm caletivos por nomes cdetivos (rea-
graus de precis50 : desde a narraC;o pormenorizada dos meno- leza, Estado, democracia, Reforma, RevoluqTio) e a evitar per-
res episMios (batalha de Waterloo) at6 simples menq5o d e sonificar abstrsq6es. * Muitas vezes julgamos estar utilizando
.
ulna palavra (vittjria dos austrasia~osem Testry) Possuimos uma simples metifma e deixamo-nos arrastar pela f6rqa das pa-
uma ,quantidade . de pormenorcs infinitamente variadm s6bre lavras. 0 s ter.mos abstratos exercem grande fascinio, e con-
e SHO ti-
fatos da meGma natureza, segundo os d ~ u , m e n t o s d que ferem B proposi~50urn aspect0 cientifico. Mas isto MO passa
rados, dos quais uns nos & uma descri$o completa dos Son-, de aparcncia, sob a qua1 vislurnbramos os m4todos escolisticos ;
tecirnentos e outros limitam-se a faza. simples men@O. Como, a palavra, sem urn sentido concrete, torna-se uma n0qH0 pura-
pois, organizar em urn memo conjunto, conhecimentos de t50 menrte verbaI (como a virtude dormitiva, de que nos fala Molii-
difel-ente precis'no? - Quanto aos fatos cotuhecidos unicamente re). Enquanto as noq8es sdbre os fen6menos sociais n5o fo-
por uma palavra geral e vaga, nHo nos 6 licit0 tentar lerji-10,s r m reduzidas a f6rmulas verdadeiramente cientificas, seri maie
a urn grau menos geral ou menos preciso, a n5o ser que descam-. cientifico exprimi-las em termos de experiencia vulgar.
bemos para o romance histbrico, em que nq6es vagas s5o com- Para construir a f6rmula, cumpre-nos saber, preliminar-
$etadas com pormenores puramente conjecturais. Foi o que mente, quais 0s elementos que nela devem entrar. B preciso, a
fez Augustin Thierry ao cscrever Rdcits mkrovingiens. - E' a %
-., - %
k t e respeito, distinguir os fatos gerais (:h&bitos e evolu~6es)
sempre f & i l reduzir 0s fatos conhecidos pormenoriiadamente a dos fato~s6h6cos (.acontecimentos).
-
B

m grau rnais geral, mutilando-lhes as minGcias caracteristicas.


M,, 0 resultado reria reduzir tBda a histbria a uma vaga e amor-. 111 0 s fatos gerais consistem em atos frequentemente
f a massa de geQeralidades, uniformes para todos os tempos, repetidos e a m u n s a muitos bornens. Convem determinar-lhes
mm exceqlo, wenas, d m nomes pr6prios e das datas. Cons- o cqhter, a extens50 e a dura~a'o.
< ..
tituiTia,,,!em duvida, uma perigosa simetria, reduzir todm OS 4% <
Para formular o car&ter, reunimos todos os traqos que
fatos go mesm.0 grau de generalidade, para apiesentg-10s no constituerm o fato (Gbito, institui~50)e o tornam distinto de
mesmo estado em que se encontram os mal conhecidos. E' im- qualquer outro. Reduzimos a uma s6 fbrmula todos 0,s casos
perioso, pois, nos caaos em que os documentos contenham por- individuais muito semelhantes e desprezamas. as variaqijes indi-
menores, que as fbrmulas descritivas conservem sempre o s tra- viduai,~.
qos .caracteristicos dos f atos. Esta concentraq5o se faz sem esfbrqo, tdnto para o s hibitos
,Para construir estas f6rmulas, devemos retorllar ao ques- de forma (lingua, escrita) como para todos os h69itos intelec-
tionirio d e grupamento, responder a cada uma das perguntas. tuais. Ji foram todos expressos em f6rmulas, pelos homens
e a seguir comparar as respostas. Depois, cumpre-nos resumi-, que os praticaram,, cumprindo-nos apenas recolht-las. 0 mes-
-1as em uma f6rrnula tHo &nsa e t5o precisa quafito possivel, mo acontece em rela~5oa t6das as instituiqss consagradas em
tendo sempre a cautela de dar a cada palavra urn sentido rig& regras expressamente formuladas (regulamentm, leis, estatutos
rosamente. fixo e imutAve1. Trabalho de estilo, dirS alguem. privados). As hist6rias especiais foram as primeiras a ela-
Todavia, n5.o se trata de urn simples process0 de exposi@o, ne- borar fdrmulas met6dicas. Todavia, ativeram-se aos fatos
cessirio .A boa compr:eens50 dos leitores, mas de uma precaugZoh .-A superficiais e convencionais, n5o ehegardo a atingir os atos riais
s k i a q u e o autor deve komar em rela@o a si pr6prio. Para ou. os pemsamentos reais: na lingua buscaram as palavras escri-
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b @ INTRODU~~O
ADS ESTUDOS HIST~RICOS
191

fuadadores, apbstolos), quer como dirigentes d e movimentos, N5o devemos transpor para o dominio dos homens reais esta
chefev d e Estado, de partid~s,de exkrcitos. - Sfio os akonte- prwura de urn carkter coerente. Assim procedendo, estaremos
cimentos que produziram transformaq6es nos .hibitos ou nos menos expostos ao i r r o ; o que nos compete, ao contr6n0, C
estados das sociedades. proceder em conformidade com o que observanzos na vid4 m d e
Para con~truir a fbrmula descritiva der .urn personagem vemos frequentelnente i-numeros traqos que n50 podem ser en-
histbrico, devemos buscar-lhe os traqos dominantes na pr6pria cerrados em uma f6rmula coermte. Mas a austncia de docu-
biografia e nos pr&prios hlibitos. Na biografia, acharemos os mentos, por suprimir os t r a p s capazes d e nos causar embaraqos,
fatos que lhe determinaram a carreira, que lhe formaram os nos incita a par em ordem os que permanecem em forma de
vhibitos, que Ihe determinaram os atos pelos quais agiu sabre a carhter de teatro. E i s porque os grandes ho~nensda antigui-
swiedade. S&o suas condiq6es fisial6gicas (corpo, t e m ~ a - dade nos parecenz bem mais 16gicos que nossos contempo&-
mento, estado d e saude) (172), as aq6es educativas que sofreu, neos.
as condiq6es sociais em que viveu. A histbria da literat~lra Como construir a f6rmuIa d e um acontecimento? Uma
habituou-nos a pevquisas dsste gtnero. 8 necessidade irresistivel d e simplificaqiio nos leva a r m i r , sob
Entre os hhbitos de um homem, C precis0 per em rel&vo um nome Gnico, uma enorme massa de pequenos fatos apanha-
suas ccmcq~$es fundammtais na ordem doa fatos lem que dos em bloco e entre os quais sentimos confusamente urn liame
atuou, sua. concepq5o d a vida e seus conl~ecimentos,seus gostos (uma batalha, urna guerra, uma reforma). 0 material assim
dominantes, suas oct1paq6es habituais, sua maneira de conduta. reunido contp6e-se de todos os atos que concorreram para urn
Corn tstes pormenores infinitamente vari6veis fixamos o "ca- mesmo resultado. Eis como se forma a noq50 vulgar de acon-
r4ter" do personagem; o conjunto d e seus traqos caracteristicos tecimento; infelizmente, porern, n5o dispomos de procedimen-
forrna 0 seu "retrato" ou, usando uma express50 em moda, a to maJs cientifico. 0' que nos compete fazer, portanto, C gru-
sua "psicologia". Bste exercicio, ainda hoje muito prestigiado, par os fatos pelo; seus resultados: os que n5o deixaram resul-
data do tempo em que a histbria era um gZnero literhrio; C tad0 visivel desaparecem e os outros se integram em alguns
muito duvidoso que possa tornar-se urn process0 cientifico. conjuntos, que sso os acontecimentos.
N5o dispomos de um mCtodo seguro para resumir o cariite~d e Para descrever um acontecimento, devemos precisar: '1.O)
um homem, enquanto vivo, corn muito rnais raz5o nLo podemos seu cara.ter; 2.O) sua extensso.
traqar o de urn personagem morto e d o qua1 s6 ternos infor-
maq6es indiretas, tiradas de documentos. As controvCrsias 1.O) SZo traqos caracteristicos e peculiarissimos que dis-
s6b,bre a interpretaqzo d a conduta de Alexandi-e s5o urn bom tinguem urn carhter de outro; um carhter se afirma n5o apenas
exemplo desta incerteza. pelas condiq6es exteriores de data e d e lugar, mas principalmen-
S e quisermos, todavia, arriscar-nos a procurar a - f6rmula te pelas causas diretas que o produziram e pela forma que o
de um cariiter, cumpre-nos fugir a duas tentaq6es naturais: 1) traduz. Eis as indicaq6es que a fbrtnula deverh conter: um
Nuilca devemos construir o mrster c m as deolaraq6es d o ou viirios homens, corn tais disposiq6es interiores ( c o n c e ~ 6 e s
pr6prio personagem; 2) 0 estudo de personagens imaginlirios e nlotivos do ato), operando em tais condiq6es materiais (local,
(drama e romante) nos habituou a procurar urn liame Mgico instrument?), praticaram tais atos, que tiveram como efeito
entre 09 diversos sentimentos e os diverqsos atos de um ~hoinem; tal modificaq50. - P a r a determinar os motivos dos atos n%o
urn mrliter, em literatura, C sempre fabricado de mod0 lbgico. temos outro process0 sen50 comparar os atos, de um lado, com
as declara~o'esde seus autores e, de outro, com as das pessoas
que d6les participaram. Contudo, uma d6vida quase sempre
(172) Miohdet desacreditou estudo das influtncias fisiol6gicas perdura: 6 o terreno d a polCmica entre os partidos; cada qua1
pel0 abuso que delas fez na 6ltima parte de sua obra Histoire de France;
todavia, tal estudo 6 indispens6vel para compreender a direqPo da vida considera nobres 0s atos de seu partido e vis os do adverdrio.
de urn personagem. Mas atos dexritos sem justificaq50 seriam ininteligvcis.
*
INTRODUS~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 193
J

2O) A extensso do acontecimento deve ser indicada n o necessdria para construir a f6rmula de um grupo. Mas 6le se
lugar ( a regi5o em que se produziu, 'bem como aquela em que restringe aos casos em que nos 4 possivel conhecer t6das as uni-
seus efeitos se fizeram sentir) e no tempo (o momento em que dades de uma espkcie contidas e m limites dados. Antes de
comeqou a realizar-se e aquele em que o resultado foi atin- iniciarmos um censo retrospective, cumpi-e-nos certificar-nos
gido) . de que 0s docwnentos s5o suficientemente completes, isto 4, se
V - As f6rrnulas descritivas de caracteres, por serem ex- d e s est5o incluidas as unidades a recensear. En-i relaq5o a o s
clusivamente qualitati~ras, s6 podern dar uma idCia abstrata nGmeros lllencioilados nos documentos, devemos manter uina
dos fatos; a quantidade 15 dement0 necessirio para fixar a atitude de descollf ianw.
importiincia que tais fatos tiveram na realidade. N5o C indi- 3.0) A estinzativa C um censo incomplete, realizado e m
ferente que um uso tenha sido praticado por centenas ou por uma porqHo restrita do campo, n a suposiq5o de que as propor-
milhdes de homeas. q6es ser5o as nlesmas no resto do c a m p . I3 um expediente
Para formular a quantidade, dispomos de virios processes, que se imp6e com frequencia em histbria, quando os documen-
cada qua1 mais imperfeito, que preenehem os fins a que se des- tos s50 desigualmente abundantes. 0 resultado serB duvidoso,
tinam d e maneira cada vez menos precisa. Ei-los, na ordem sempre que ii60 estivermos certos de que a porq5o recenseada
de precis50 decrescente. 6 exatamente semelhante as outras.
1.O) A medida constitui processo absolutamente cientifi- 4.O) A conzparagiio C um censo restrito a algumas unida-
co, porque algarismos iguais designam valoras rigorosamente des tomadas em diferentes lugares do campo; calculams a
exatos. Mas para isso precisamos d e uma unidade comum e s6 proporq'io dos casos em que o rarhter dado se encontra (diga-
a temos para o tempo e para os fatos materiais (comprimentos, mos 9070) e admitimes que a proporq50 serB a mesma para o
superficies, pesos). A indicaq5o de algarismos de produqz'ao y- conjunto; quando houver vArias categorias, estabelecemos a
e de somas de dinheiro constitui a parte essencial dos fatos proporq50 entre elas. Este processo C aplicivel, em histhria,
econ6micos e f inanceiros. Mas os fatos psicol6gicos f ogem para os fatos de qualquer esplkcie, quer para estabelecer a pro-
a qualquer medida. porq5o das diferentes formas, o u dos diferentes usos, em urn
' ZO) 0 censo, que C o processo da estatistica, aplica-se a period0 ou uma regi50 dados, quer para determinar nos grupos
todos os fatos que tern em a m u m um carher definido e de que heterogeneos a proporq50 dos inembros de espkies diferentes,
nos servimos para conti-10s. 0 s fatos, dtste modo reunidos 2- DB-nos a impress50 aproximada d a frequ2ncia dos fatos e a
em um mesmo nfimero, n5o s5o d a mesma ap6cie; pudem ter proporq50 dos elementos de uma sociedade; pode at6 mostrar
de comum, apenas, um s6 carAter, abstrato (crime, processo), ou quais as espCcies de fatos que se encontram con1 mais frequ6ncia
convencional (trabalhador, a p s e n t o ) ; o nfimero indica, ex- reunidas e que, por conseguinte, parecem ligsdas. Mas para
clusivamente, em quantos casos urn cariter foi encontrado ;
?> que possa ser aplicado corretamente C necessirio que os elemen-
n50 designa, de mod0 nenhum, um total homogeneo. - fi uma tos de comparaq5o representem o conjunto e n5o apenas uma
tendkncia natural confundirmos o nGmero e a medida e imagi- parte dUe, pois neste caso haveria o risco de defrontarmos uma
narmos que conhecemos os fatos con1 precis50 cientifica porque exceq5o. I3 nosso dever, postanto, escdhC-10s em pontos inuito
pudemos encerrklos em urn nlimero; devemos acautelar-nos -9diferenttes e em condiq6es tam!bem muito diferentes, de modo
conpa esta ilus5o e n5o tomar o nGmero correspondente ao cen- que as exceqdes possam contrabalanqar-se. N5o basta tomi-
so de uma popula@o, ou de urn extrcito, como medida de sua 10s e m pontos afastados, por exemplo, nas diferentes frontei-
impor&ncia.(l73) - 0 cenm nos dH entretanto, uma indicaq'io ras de urn pais, porque' o pr6prio fato de ser fronteira constitui
-- uma condi@o exceptional.
(173) Neste .&ro i.ncidiu Bordeau (Z'Histoire et les Historiens,
Paris, 1888, in-8) que pretendeu reduzir t6da a hist6ria a uma sCrie d e 5O) A generalizagiio reduz-se a um processo instintivo de
+a dados estatisticos. simplificaqzo. Uma vez que tenhamos notado um certo cari-
ier em um objeto, estendemo-lo a todos os outros objetos mais \
que nHo sejam exce.pciontais, gresumindo-se a exceq5~para to-
ou menos semelhantes. Em q a l q u e r mat6ria humana em que I. dos os casos produzidos. ell1 condiq8es excepcionais ; os autores
os fatos se apresentem sempre complexos, generalizamos incons- de documentos tendem a notar, mde prefertncia, aquilo que os ;. , . .

cientemente, estendemos a urn povo inteiro os habitos de alguns . , surpreende; por consequhcia, os casos excepcionais ocupam,
individuos; do mesmo mod0 atribuimos a um longo period0 os !&, nos documentos, um lugar desproporcionado ao seu nlimero real ;
j, isto constitui ulna das principais fontes de irro. 4.0) 0
h6bitos constatados em um momento dado. A generalizaqso 1'.
I
6, em histbria, a mais ativa de t6das as causas de trro e atua nGmero de espkimes necess6rios j. generalizaqbo deve ser tanto
s6bre qualquer rnatkria, tanto 110 estudo dos usos e das institui-
1. . maior, quanto menores forem os motivos de semelhanqa entre
@es, como na apreciaq50 da anoralidade d e urn pova(174)
1: todos os casos tornados no campo. Tal nGmero poderi ser
Seu fundamento 6 a idCia confusa de que todos 0s fatos conti- pequeno em rela@o aos pontos em que os homens tendem a as-
guos, ou semelhantes em algum ponto, s5o semel~hanttesem to- semeljhr+e fortemente, quer por [email protected] ou conven~50
dcs os pontw. N a verdade, n'io passa de uma comparaq'io in- ,,
(linguas, ritos, cerimbnias), quer por efeito dos costumes ou d e
~onscientee ma1 feita. Podemos, portanto, tornbla correta, regulamentos obrigat6rios (instituiqijes sociais, ou politicas,
fazendo-a preencher a s condiqbes d e uma comparaq50 bem fei- nos paises em que a autoridade 6 obedeci,da). DeverA, contudo,
ta. Devemos exanzinar os casos, coin base nos quais queremos ser maior em relaqbo aos fatos en1 que a iniciativa individual
generalizar, e formular a pwgunta: Que direito temos de ge- tern predominio (arte, citncia, moral) ; para a conduta privada
neralizar? ou mell~or, que razSo temos para presumir que o . . t6da gene~alizaq50 sera ordinariamente impossivel. . ,

carkter constatado neste caso serA encontrado em milhares de VI - E m citncia alguma as f h u l a s descritivas consti-
outros? Qua1 o rnotivo que nos leva a crer que Cstes casos se- tuem o termo liltimo do trabalho. Falta-nos, ainda, classifi-
jam semelhantes A m a i a geral? A linica razbo admissivel car os fatos d e rnodo a enfeixk-10s num todo, em que se paten-
s e r i a de que os casos sejam representativos do conjuato.
teiem as relaqbes que entre .si mant@m; - chegamos, assim,
Dtste modo encontramo-nos em face do process0 met6dico d e 5 s conclus~esgerais. A hist6ria, por f 6 r p da imperfeilc5.0 da
comparaq5o. sua rnaneira d e conhecer, tern necessidade, tambem, de uma
Eis como nos cumpre operar: l o ) devemos precisar o opera@o preliminar, para determinar a seguranqa dos conheci-
campo em que acreditamos poder generalizar (0-que impli- mentos obtidos. ( 175)
ca admitirmos a semelhanqa de todos os casos), delimitando o
pais, o grupo, a classe, ou a +oca objeto da generalizag50. 0 trabalho critic0 limitou-se a dar-nos uma massa d e no-
A prudcncia nos ac~nsel~ha a n60 alargarmos o campo a ponto tas isdadas, relatims ao valor do conhecimento que obtivemos
d e confundirmos uma seqbo com o conjunto (um povo grego pelos documentos. Compete-nos, agora, reuni-las. Para isso,
ou germinico com o conjunto dos Gregos ou dos Germanos). tomaremos urn grupo completo d e fatos classificados em um s6
2O) Devemos certificar-nos de que os fatos abrangidos pelo
campo sbo semelhantes nus pontos que pretendemos generali- (175) Parece-nos inGtil discutir aqui se a hist6ria deve, segundo
zar; portanto, temos que desconrfiar dos nomes vagos que desig- a -tradi@o antiga, exercer ainda uma outra .fun~50,qua1 seja a de julgar
os acontecimentos e os homens, isto 6 , se deve, depois da descri~zodos
nam grupos muito diferentes (Cristbos, Franceses, Romanos). fatos, emitir um_ juizo de aprova@io ou desaprovac50, quer em nome
3 O ) Devemos certificar-nos de que os casos ~quev50 servir d e e de um ideal moral, geral ou particular (ideal de seita, de partido, de
base A generalizaq50 sbo padr6es representativos. B indispen- n a ~ z o ) ,quer do ponto de vista pritico, examinando, como Polibio, se a
sivel que ties estejam verdadeiramente contidos no campo, pois os atos hist6ricos foram bem ou ma1 combinados em razz0 do desfecho
pode dar-se o caso de tomarmos, com~oesp6cime de um grupo, que tiveram. Esta adiq5o poderia ser feita em qualquer estudo descri-
tivo: o naturalists poderia exprimir sua simpatia ou sua admira~50por
homens ou fatos pertencmtes a outro grupo. indispens5vel urn animal, clamar contra a ferocidade do tigre, ou elogiar o devota-
mento da galinha aos seus pintinhos. Mas C evidenteque em histbria,
como em qudquer outra materia, Cste juizo- C estranho a ciCncia.
(174) V. um bom exemplo em Lacombe, o. c., p. 146.
196 CH. V. LANGLOIS e CH. SEIGWBOS . INTRODUSLO
AOS ESTUWS H I S T ~ R I C O S 197
quadro - urna esp&ie de fatos, um pais, urn periodo, um acon- Instintivamente, aquilatamos da importiincia de um fato pela
tecimento - e resumiremos o resultado da critica dos fatos par- qualidade de documentos que dEle falam. Deslembrarnos a na-
ticulares, para olbtermos urna f6rmula de conjunto. $ nosso tureza particular dos documentos; quando sPo todos da mesma
dever considerar : 1 ) a extensgo ; 2 ) o valor de nosso conheci- procedS,ncia, nHo nos apercebemos de que, nUes, os fatos de-
mento. vem ter sofrido as mesmas deformaqbes e que por terem urna
o,rigem comum 1150 podem ser controlados; conservamos, com
1) Procuraremos determinar as lacunas existentes nos docilidade, a c6r da tradiqHo (romfia, ortodoxa, aristocr6tica) .
documentos. $ ficil, swindo o questionhi0 geral de grupa- Para fugirmos a estas tendincias naturais, basta que nos
mento, constatar as esp5cies de fatos em rela@o As quais niio impon,ha.mos a regra de passar ern revista o conjunto dos fatos,
temos inforrnaqbes. Para as evoluqbes, n5o nos ser5 dificil
bem, corn0 o conjunto da tradiqPo, antes de p-ocedermos a qual-
saber quais os elos que faltam na cadeia das transfomaqbes quer ensaio de mndusio geral.
sucessivas ; para os acontecimentos, cumpre-nos determinar os
episbdios, grupos de atores ou rnotivos que fogem ao nosso co- V I I - As f6rrnulas descritivas traqam o car6ter de cada
nhecimento; procuraremos esclarecer-nos tambem, em relaq5o urn dos pequenos grupos de fatos. Para chegarrnos a uma
aos fatos, cujo aparecimento, ou cujo terino nHo podemos de- conclus5o de conjunto, devemos reunir todos Gstes resultados de
'terminar bern. Devemos traqar, ao menos mentalmente, o pormenor em urna f6rnlula de conjunto. Devemos comparar,
quadro daquilo que ignoramos, para aquilatarlnos da distsncia nzo minikias isoladas ou caracteres secunddrios (176) mas gru-
entre nosso co'ntl~ecimentoreal e o conhecimento cornpleto do pos de fatos que se assemelhem por urn conjunto de caracteres.
assunto. F o r m q o s , d2ste modo, um conjunto (de instituiqbes, de
grupos humanos, de acontecimentos) . Determinamos-lhe - em p

2) 0 valor de nosso conhecirnento depende do valor conformidade com o mQodo acirna indicado - os caracteres
dos documentos que p~ssuimos. A critica atribuiu um valor prbprios, a extensso, a duraqHo, a quantidade ou a imporacia.
para cada caso de pormennr; agora, 4 necesGrio resumir-lhes Ao forrnar grupos cada vez mais gerais, desprezamos, em
os resultados, em traqos /breves, para operarrnos corn o con- cada novo grau de generalidade, os caracteres diferentes e con-
junto dos fatos. De ~ n d eprovem nosso conhecimento? & servamos apenas os coinuns. Devemos parar no ponto em que
observacgo direta? da tradiqHo ascnta? da tradiqHo oral? Pos- s6 hajz de c o m m os caracteres universais d a hurnanidade. 0
suirnos vii-ias tradiqBes diversamente coloridas, ou apenas resultado consiste em condensar em urna f6rmula o car6ter ge-
uma? Temos dccurnentos de espkie diversa, ou de urna s6? ral de urna ardem de fatos, come o de urna lingua, de urna re-
As informacbes sHo vagas ou precisas, minudentes ou sumirias, IigiHo, de urna arte, de urna organizaqgo :oon6mica, de uma so-
literhias ou positivas, of iciais ou conf idenciais ? ciedade, de um govcrno ou de um acontecimento complexo (co-
Uma tend6ncia natural 110s leva a desprezar, na confstru- mo a InvaGo ou a Reforma).
qHo, os resultados da critica e a esquecer o que h6 de incomplete Enquanto estas f6rmulas de conjunto estiverem Goladas, a
ou duvidoso em nosso conhecirnento. Um forte desejo de au- conclusHo n5o poderd ser completa. E como 1150 podemos apro-
mentarmos o mais possivel a massa de nossas informaqbes e ximii-las mais, para fundi-las, somos levados a compar6-las,
de nossas conclusbes nos impele a libertar-nos de t6das as res- numa tentativa de classificaq50. Essa classificaqHo pode
triqbes negativas. Arriscamo-nos, portanto, a formar corn .ser tentada poid dois processos.
impress6es fragrnentQrias e suspeitas urna impress50 de con- 1.O) Podemos comparar as categorias semelhantes de fa-
junto, como se possuissemos urrl quadro cornpleto de dados. tos especiais, como a lingua, as religibes, as artes ou os gover-
Esquecerno-nos facilmente da exist6ncia de fatos, que os do-
c u m e n t ~ngo
~ descrevem (0s fatos econ6micos, os escravos na (176) A compara~kentre dois fatos de pormenor pertencentes a
conjuntos muito diferentes (Abd-el-Kader e Jugurtha, Nap0160 e Sforza)
antiguidade) ; exageramos o valor dos fatos conhecidos (a arte constitui um process0 de exposi~Lo sedutor, mas nunca urn meio de
grega, as inscriq6es romanas, os mosteiros da idade-mCdia) . chegar a uma conclusZo cientifica.
200 CH. V. LANGLOIS e C H . SEIGNOBOS INTRODUCXO
AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

A o historiador. tanto quanto ao quimico, ou ao naturalists, n i o por !Cousin e Michelet, esta teoria passou de moda ate na Alema-
compete investigar a causa primeira ou as causas finais. Na nlha; mas mnseguiu prolongar-se, principalmente na Alem'anha,
realidade, nenhum verdadeiro historiador perde h o j tempo ~ para sob a fforma de miss50 hist6rica (Beruf) atribuida a povos ou
discutir, sob forma teolhgica, a teoria da Providencia na hist6ria. a personagens. Bastarb esclarecer aqui que as metiiforas
"idCia" e "miss50" implicam urna causa antropom6rfica trans-
Mas, a tendcncia para explicar os fatos histbricos, median- -xi b' +- cendente.
t e causas tmhscendentais, persiste nas mais modernas teorias
em que a metafisica se disfarqou sob formas cientificas. 0 s Da mesma concepqgo otimista de urna direqio racional do
historiadores do s&ulo XIX sofreram t i o fortemente o inrfluxo mundo deflui a teoria do progresso continuo e neoesGrio da
da e d u q 5 o filosbfica que a maior parte d6les, a l p m a s vezes humanidade. Embora gerfilhada pelos positivistas, n50 passa
sem disso terem consciGncia, trouxe para a construqio hist6rica de mera hip6tese metafisica. No sentido vulgar, "progresso"
v6rias f6rmulas metafisicas. Passaremos, pois, a enumerar tais C urna express50 subjetiva que serve para designar as transfor-
sistemas e a mostrar o c a r b t a metafisico d'e que se revestem, maq6es que se processam no sentido de nossas preferincias.
como advertGncia aos historiadores refletidos, para que deles Mas - embora tomando o termo no sentido objetivo que Spen-
descon f iem. cer Ihe atribuiu (um acrescer de variedade e de coordenac50 nos
fe'n8nlenos sociais) - o estudo dos fatos hist6ricus n k revela
A teoria do car&ter racional da hist6ria repousa Gbre a urn progresso universal e continuo d a humanidade, e sim vcirios
idCia de que todo fato thistjrico real 13 tambem "racional", isto progressos parciais e intermitentes; ademais nenhuma nz5u nos
6, conforme a um plano de conjunto inteligivel; ordimriamente, alssiste para atribuirmos 2sses progressos parciais e intermiten-
admitimos como subentendido que todo fato social tem sua ra- tes a uma causa permanente, inerente ao conjunto da humani-
z i o de ser no desenvolvimento da sociedade, isto 6, que aca'ba dade, mas, ao revCs, tudo nos leva a convencer-nos de que s5o
sempre por trazer beneficio para a sociedade; isto nos leva a
fruto de urna &rie d e acidentes locais. (179)
.
procurar, como causa d e qualquer instituiqio, a necesidade so- ,

cial, sob o influx0 e para satisfaq50 da qua1 a instituieo sur- VQrias tentativas d e explicaqio, vazadas em moldes mais
giu. (178) $ a idCia fundamental do Hegelianismo, senlo no cientificos tiveram origem em hist6rias especiais (de linguas,
prbprio Hegel, ao menos em seus discipulos historiadores (Ran- de religiGes, do direita).
ke, Mommsen, Droysen, 'Cousin, Taine e Michelet). fi nem Estudando separaaamente a sucessio dos fatos da mesma
mais nem menos. sob um disfarce laico, a velha teoria teolbgica esptkie, os especialistast verificaram a volta regular das mesinas
das causas finais, que pressup8e urna P r o i i d h c i a empenhada sequincias de fatos e exprimiram W e fen8meno em f6rmulas,
em diriyir a humanidade segundo o mdhor de seus intercsses. muitas das qaais foram tidas como leis (por exemplo, a lei da
Sem dhvida C um a prior; consolador, mas nada tem de cienti- persistencia do acento t6nico) ; C fora de dlivida que nio se trata
fico; a observaq50 dos fatos hist6ricos n6o nos demonstra que de leis, no sentido verdadeiro, mas de simples leis empiricas,
as coisas se hajam sempre passado pela forma mais vantajosa pois mostram a squencia dos fatos sem explicii-la, urna vez que
para os homens, nem pela maneira mais racional, nern que a s f oram f ormuladas sem o conhecimento das causas determinan-
instruq8es tenham tido outra causa alem dos interesses dos que tes dos fen8menos que traduzem. Todavia, impressionados pe-
as criaram; a impress50 que nos fica 6. sem diivida, bem outra. la regularidade de tais sequ&ncias,oos especialistas comeqaram
Da mesma fonte metafisica procede, tambem, a teoria he- a considerar a evolu@o d m usos (de urna palavra, de um rito,
geliana das idkias que se redizam sucessivamente na histbria, de urn dogma, de urna norma juridica) como um desenvolvimen-
por intermCdio de povos sucessivos. Popularizada na Franqa to or&nico andogo a o crescimento d e urna planta e, servindo-
(175) Dtste mod0 explica Taine, em Les origitres de la France
cozztemporaine, a formaqk de privilegios no antigo regime, como com-
pensaq%oa servicos que teriam tornado possiveis tais privilkgios.
sf. IT
, I-
(179) Encontramos uma boa critica
citada de Lacombe.
$
---
teoria do progresso na abra
I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS -HIST~BICOS

-se de metdforas, passaram a falar da "vida das palavras", d a Tal hip6tese acabou, pois, por tornar-se insuficiente, uma vez
"morte dos dogmas", do "crescimento dos mitos". D'epois, es- que, para explicar como a m e m a sociedade mudou de cariter
quecendo-se de que t8das estas coisas niio passavam de puras de uma Cpoca para outra (0s gregos entre o VII e o IV skulo,
abstraqGes, admitiram - sem urna afirmaqiio explicita - urna 0s ioxleses entre o X V e o X I X ) era precis0 fazer intervir a ,
f6rqa inerente & palavra, ao rito, B norma, responsdvel pela evo- a@o d e -usas exteriores. Por 'outro lado, tomou-se absoluta-
+:,!
luq2o de cada um d&tes elementos. 33 a teoria do desenvolvimen- mente caduca depois que se v e r i f i m que t6das as sociedades
to (Entwickelu9zg) dos usos e das instituiq6es; l a q a d a na Ale- hist6ricas s2o grupos de homens sem unidade antropol6gica e
manha pela escola "hist6rica", dominou t6das as hist6rias es-
sem carectei-es comuns hereditirios.
peciais. Somente a hist6ria .das linguas conseguiu libertar-se
dela. (180) - Ao mesmo tempo que se consideravam os usos Ao lado destas explicaqks metafisicas ou metafbricas, sur-
com seres dotados de vida p r b r i a , personificava-se a sucess20 giram teiltativas para aplicar, A pesquisa das causas, em hist6-
ria, o process0 cldssico das citncias naturais: comparar sCries
de individuos que cornpunham os corpos &a sociedade (,realeza,
igreja, senado, parlamento), atr2buintdo-lhe urna vontade conti- paralelas de fatos sucessivos para averiguar os que se apresen-
nua, tida como causa atuante. - U m mundo de d r e s irnagi- tam sempre conexw. 0 ''m6todo comparative" foi tentado de
narios se originou assim por detris dos fatos 1hist6rias e subs- vsrios modos. - Alguns pesquisadores tOn-~aramcomo olbjeto
tituiu a Providencia na explicaqgo dos fatos. Para nos preser- de estudo um porrnenor da vida social (um uso, urna instituiqzo,
varmos desta rnitologia ilusbria, urna regra nos basta: s6 ,deve- urna crenqa, urna norma) abstratamente definido e, a seguir,
inos buscar as causas de um fato hist6rico depois de havermos compararaq as evoluqbes nele processadas nas diferentes socie-
figurado este fato de maneira concreta, sob a fobma de indivi- dades para deternlinar a evoluq5.o comum, que deveria subor-
duos que agem e pensam. Se formos forqados a empregar dinar-se a urna causa geral. D b t e mod0 formaram-se a linguis-
substantivos abstratos, curnpre-nos evitar qualquer metifora ca- tics, a mitologia e o direito cornparado. - Outros se propuseram
paz de confundi-10s com os seres vivos. 'f
, (na Inglaterra) a tornar mais precisa a comparaq50, aplicando-
Comparando as evoluq6es das diferentes espkcies de fat* -1he o mCtodo estatistico; a sua maneira de trabalhar consistia
em urna sociedade, a escola "hist6rica" chegou a constatar a so- em comparar sistematicamente tddas as sociedades conhecidas e
lidariedade (Zusa~wmenhang). Mas, em lugar de se determina- elaborar a estatistica de todos os caws em que dois usas se en-
rem as causas desta pela anilise, o que se fez foi supor uma contrassem juntos. EJ o principio das tibuas de concordbcia,
causa geral permanente que deveria residir na pr6pria socieda- de Bacon. - 0 vicio de todos 6stes processos reside em que a
de. @a, camo era ,+&bit0 permnificar a sociedade, o resultado % operaqiio se faz sabre noq6es abstratas, em parte arbitrsrias, al-
foi atribuir-se a esta um temperamento especial, ~ r mg6nio pr6- gumas vezes por simples comparaqiio de palavras sem o conheci-
prio da naqso ou da raqa, que se manifestava 'ms diferentes ati- mento d o conjunto das confdiq6es em. que os fatos se produzi-
vidades sociais e que lhes explicava a sdidariedade. (181) ram.
Tudo isto a50 passava de urna hip6tese sugerida pel0 mun- Poderiamos imaginar um mhtodo mais comreto que, em
do animal, onde cada espkie apresenta caraderes permmentes. lugar d e fragmmtos, comparasse conjuntos, isto & sociedades
inteiras, quer tomando a m e m a ,socidade em dois momentos
(180) V. as insofism5veis declaraeBes de um dos principais 're- de sua evoluqiio (a Inglaterra no sCculo XIX), quer conside-
presentantes da ci&ncia de linguagem, em Francs, v. Henry, in - An-
rando as e.voluqtks de conjunto .de viirias sociedades, contem-
tinomies lingzbistiques, Paris, 1896 - in-8.
(181) Lamprecht, no artigo citado, .depois de haver cornparado a s porineas umas das outras (rnglaterra e Franqa) ou pertencen-
evolu~6e.sartistica, religiosa e econ6mica, na Alemanha da idade-mhdia, tes a Cpocas diferentes ( R m a e Inglaterra). Tal m 6 t d o po-
e de haver constatado que C possivel dividir c@a uma delas em perio-
dos de igual dura~50, explica as transforma~6es simultPneas de urna deria dar-nos c e ~ e z a snegativas, -patenteando que
- um fato n5o
<.,.
sociedade, pelas transforma~bes da "alma social" coletiva. -Ei$, pois, . .
.
: .2 o efeito necesdrio de outro, pois nem sempre aparecem am-
outra forma da mesma hipbtese. ,;&.,
bos Egados (por exemplo a emancipaqk das mulheres e o crist
&",::(

. .
INTRODUCBO
AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S 205

i
tianismo). Nunca, porem, poderiamos por Ue chegar a resul- cumento (dogma, regra, rito, instituigio) e remontar aos cen-
tados psitivos porque a concomitiincia de dois fatos em vdrias tros reais e concretos, que d o sernpre os hornens, que pensam
sCriss a50 indica, com seguranp, que eles sejam causa um do ou agern. S6 Cstes condensam as diversas espkies de atividade
outre, nem que sejam ambos efeitos da mesma causa. que a lingua separa pela ahtra@o. Portanto, a solidariedade,
Q
A pesquisa metbdica das causas de urn fato exige uma a&- q que procuraxnos esclarecer, a que se manifesta entre os hkbitols
lise das cm-diq6es em que tle se produziu de modo a perditir- diferentes de uma sociedade, deve ser buscada nos t r a p s domi-
-nos isolar a condiq5.0 necesskia, que C a causa do fato estudado. nantes da natureza, ou da condiq'io, dos homens, porque tstes
Tal pesquisa pressupbe, portanto, o c d e c i m e n t o completo des- traqos se imp6em em t6das as manifestaqbes das diferentes ati-
sas condiqges. Ora, em hist6ria, C impossivel chegar a tste co- vidades que aqueles exercein. - Devemos dar atenq'io ao fato
nhecimento. 0 que nos cump-e fazer, pois, C renunciar a atin- de que a solidariedade n'io se manifesta com igual intensidade
gir as causas por um m6todo direto, como nas outras citncias. ern t6das as espkcies de atividade: 2le serd mais forte naquelas
Na realidade, todavia, os historiadores servem-se frequen- em que cada individuo depende estreitamente dos atos da massa
temente d a nos50 de causa, hdispen&vel, w m o jA demonstra- (vida econhmica, social, politics) e mais fraca nas intelectuais
mos, para formular os acontecimentos e construir os periodos. (artes, ciencias), onde a iniciativa dos individuos se exerce mais
0 con~hecimentoque Cles t&m das causas prevem, quer dos au- livremente. (182) 0 s documentos mencionam a maioria dos hd-
tores de ~docurnentosq u l abservaram 0s fatos, quer por analo- bitos (crenqas, costumes, instituiqbes) em bloco, sern distingui-
gia com a s causas atuais, que cada um de n6s pode obdervar. rem os individuos ; contudo, na mesma sociedade, os hAbitos dife-
T6da a histbria dos acontecimentos 6 um encadeainento eviden- rem muito de um homem para outro. I3 imperioso distinguir estas
te e incontestAve1 de acidentes, cada urn dos quais C causa deter- diferenqas, sob pena de explicanmos os atos dos artistas e dos
ainante de outro: 0 golpe de lanqa de Montgomery foi a causa s&bios pelas crenqas e hdbitos de seu principio ou de seus forne-
da morte de Henrique 11, e esta morte foi a causa da ascenq5o cedores.
dos Guises ao poder, que, por sua vez, foi a causa da rebeli6o $8
2) Para atingirmos as causas da evoluq6o devemos remon-
do partido protestante. tar aos Gnicos s k e s capazes de evolver: os homens. T d a evo-
A observaq60 das causas, pelos autores de documentos. res- luq5o tem por causa uma transformago nas condiqbes materiais
tringe-se ao encadeamento dos fatos acidentais por eles obser- ou nos h5bitos de certos homens. A observaq50 nos revela
vados; a rigor, 60estas as causas conhecidas com mais segu- duas esecies de transformaqfio: ou os homens s'io os mesmos,
ranqa. Por isso, a histhria, ao contrkio das outras ciencias, I$ mas mudam a maneira de agir ou de pensar, quer voluntaria-
conhece melhor as causas dos acidentes particulares que as das mente, por imitaq60, quer coativamente; ou os homens que pra-
transformaq6es gerais, porque jb encontra, nos documentos, o ticavarn o antigo uso desaparecerarn e foram substituidos por
trabalho f eito. outros que n6o mais o praticam, quer por serem alienigenas, quer
Para hvestigar as causas dos fatos gerais, a constru@o por haverem sido educados de maneira diversa.
hist6rica s6 disp6e da analogia entre o passado e o presente. Esta renovaq60 de geraqbes parece ser, atualmente, a lnais
0 h i c o meio que ~ o s s u ipara deterrninar as causas que expli- ativa causa da evoluq5o. Somos propensos a acreditar que o
cam a evoluq'io das sociedades. passadas C a observaqgo direta znesrno aconteceu no passado: a evolu@o se processou na me-
das transformaq6es das sociedades atuais. di'da ern que as pessoas da geraq5o seguinte se deixa~ainou n60
Como tste ,gtnero de estudos ainda n5o estd constituido, influenciar na sua Eormaq50, pelas geraq6es anteriores, irnitan-
s6 podernos indicar aqui os principios que o regem: do-as com a maior ou menor intensidade.
1 ) Para atingir a s causas da solidariedade entre os h&bitos
diferentes de uma sociedade, C precis0 ultrapassar a forma abs- 7 I' (182) 0 debate da mais dificil quest50 da hist6ria foi iniciado
(&&' pelos historiadores da literatura, ao procurarem descobrir um liame entre
trata e conventional que os fatos assumem na li'nguagem do do- as artes e o resto da vida social.
HZ, ainda, uin problema a oonsiderar. Dar-se-5. o caso de
serem os ~homens,e assim t e r m sido, sempre, dotados dos mes-
mos elementos naturais de a @ ~ diferindo
, uns dos outros, ex-
clusivamente, par suas condico'es d e vida (educargio, recursos,
govirno) ? Neste cam o fundamento da evoluqso seria a exis-
t k i a de transformaq6es qeradas nestas condico'es. Ou, pelo
contdrio, o que h i s5o grupos de homens hereslitariamente di-
ferentes, que nascem c m tendincias para atividades diferen-
tes e com aptid8es para evolver dif erentemente, de tal sorte que Falta-nos estudar uma questso de evidente interisse pri-
a evoluq5o seria produzida, ao menos em parte, por acrCscimos, tico. Sob que forma se apresentam as obras histbricas? Estas
diminuiq8es ou deslocamentos df sses grupos ? - E m relaqso formas s50, na realidade, muito numerosas; virias j i se reve-
aos -0s extremos, como a diversidade exis~tenteentre a s raqas lam obsoletas, nem t6das sso legitimas e at4 as rnelhores encer-
branca, amarela e negra, as diferenqas de aptidso parecem evi- ram inconvenientes. Devemos averiguar, pois, n5o apenas sob
dentes; nenhum p v o negro conseguiu civilizar-se. a, E,ois, que forma as obras h.istbricas se apresentam, mas, ainda, entre
provgvel que diferenqas heredit5.rias de mmor imporGncia te- os tipos de exposiqso existentes, quais os verdadeiramente ra-
nham contribuido para determinar os acontecimentos. A evo- cionais.
h@o Ihistbrica seria, em parte, produzida por causas fisid6gi- Por "o'bras hist6ricas" designamos, aqui, tbdas as que se
cas e antropol6gicas'. Mas a histbria n5o disp6e de nenahum destinam a expor os resultados de qualquer trabalho de cons-
processo seguro para determinar a aq5o destas daiferenps here- truqso hist6rica, seja qua1 f 6 r a sua importiincia ou extensso.
ditSrias entre os homens e nHo pode ir alem da fixas50 das Excluem-se, naturalmente, os trabalhos de critica de documentos,
suas condiq6es de exist4ncia. Bste problelna da hist6ria n5o simplesmente preparatbrios da construq5o histbrica, de que fala-
pode ser resdvido pelos processes histbricos. mos no livro 11.
0 s historiadores ,podem diferir, como at6 agora t4m dife-
rido, em rela@o a &os pontos essenciais. Hoje, como sem-
pre, nso d o capazes de conceber do mesmo mod^ o fim da obra
hist6rica e, portanto, n5o s5o concordantes, nem quanto A natu-
reza dos fatos que escolhem, nem quanto & maneira de dividi-
-10s e orden&-los, ou de apresentslos e provi-10s. - Seria aqui
0 lugar de mostrar como "a maneira de escrever .hist6ria2'
evolveu desde suas origens. @$retanto, como a histbria da
maneira de escrever hist6ria ain,da nHo atingiu um grau satis-
fatbrio ( 183), teremos de contentar-nos com indicaq6es muito

(183) Para as Cpocas antigas, consultar as boas hist6rias da li-


feratura grega, romana e da idade-mCdia, que contkm capitulos consa-
grados aos "historiadores". Para o period0 moderno, consultar a In-
trodus50 de G. Monod, ao t. I da Revzce historique; a obra de I?. X.
v. Wegele, Gcschichte L r dezctschen Historiographic ( 1885), alem de
restringir-se $ Alemanha C mediocre; algumas "Notas sBbre a hist6ria
da F r a n ~ ano sCculo XM" foram publicadas por C . Julliam, como In-
trodus50 aos seus "Extibits des historiens frangais du X I X " sihcle"
(Paris, 1897, in-12). A hist6ria da historiografia moderna ainda esti
por fazer. V. o ensaio parcial de E Bernheim, o. c., p. 13 e segs.
gerais, relativas A segunda metade do &ulo XIX, cujo conhe-
Entretanto, na literatura histbrica do Renascimento, me-
cimento reputamos indispensivel .para urn claro entendimento
recern aten@o especial duas novidades, de espirito incontras-
do estado de coisas contemporHneo. tavelmente medieval. De urn- lado, vemos persistirem as van-
I - A hist6ria foi concedida, primeiramente, como a nar- tagens de um quadro, desconhecido na antiguidade e que deve
raqZo de acontecimentos memoriveis. Guardar a lembranqa, ' ter sido criado pelos historiadores cat6licos d a baixa idade-m6
'ou propagar o conhecimento de fatos gloriosos, ou irnportantes, dia (~usCbio,Osbrio), muito ao sabor dessa Cpoca, e no qual,
quer se refiram a um homem, a uma familia ou a um povo, tal em lugar da hist6ria de um homem, de uma familia, ou de um
era o objeto da hist6ria no tempo de Tucidides e de Tito Livio. povo, vernos desenhar-se a histbia de tBda a humanidade at6
Paralelamente, a hist6ria foi desde cedo considerada como uma ent5o conhccida. - De outro, deparamos urn artificio material
coletgnea de precedentes e o seu codecimento foi tido como de exposisgo, que deve ter tido origern em uma pr5tica vigente
uma preparaqgo priitica para a vida, principalmente para a vida nas escolas da idade-m&ia (as glosas) e cujas consequ6ncias
politica (inilitar e civil). Polibio e Plutarco escreveram para foram de suma importiincia. D b t e modo, nasceu o hibito de
instruir ; animou-os o desejo de tracpr normas de aqgo. - Por- acrescentar notas aos textos, nos livros de hist6ria impressos.
tanto, a mathria da hist6ria na antiguidade cl6ssica se constituia, (184) As notas permitiram distinguir a narra@o histbrica dos
principalmente, de acidentes politicos, fatos de guerra e revolu- docunlentos que a conf irmavam, f acilitaram a remiss50 As f on-
q8es. 0 quadro ordinArio da exposiq50 hist6rica (em que os tes e o esclarecimento do texto. 0 artificio d a anotaqgo come-
fatos se ordenavam cronologicamente) era formado pela vida qou a ser praticado nas coleq6es de documentos e nas disserta-
de urn personagem, pelo conjunto ou por um period0 da vida de q8es criticas; a seguir estendeu-se, lentamente, As outras obras
um povo; houve, na antiguidade, rarissimos ensaios de his- hist6ricas.
t6ria gerat Coma o historiador tinha em mira, agradar ou Um segundo #period0 se inaugura no sCculo XVIII. 0 s
instruir, ou agradar e instruir, ao mesmo tempo, a hiskbia; "fil6sofos~~ deixaram
- de concaber a hist6ria como o estudo dos
era um g-bero liter6rio; ninguhm manifestava grande escrfi- acontecimentos considerados em si mesmos, para encari-la como
pulo em relaqzo As provas; os que trabalhavam con1 documen- a investigaqzo dos hibitos dos homens. DGste modo, passaram
tos escritos nZo tinham o cuidado de distinguir, no $exto, o que a interessar-se, ngo apenas pelos fatos de ordem politica, mas,
'
havia de original e o que nile f6ra acrescido; reproduziarn principalmente, ,pela evoluq8o das citncias, das artes, dos cos-
as narraq8es de seus antecessores, ornando-as de pormenores tumes, das industrias, etc. . . Montesquieu e Voltaire personi-
e, nZo raro (sob o pretext0 de tornii-las precisas), de algaris- ficaram estas tendibcias. 0 "Essai sur les moeurs", C o pri-
rnos, de discursos, de reflexBes e de torneios de linguagem. meiro esMqo e, sob alguns aspectos, a obra-prima da hist6ria as-
Podemos bem aprender o process0 de que se serviam, sempre que sim compreendida. A narraqgo pormenorizada dos acontecimen-
tivermos oportunidade de comparar a obra dos historiadores tos politicos e militares continuou a ser tida como o fundamento
gregos e romanos, Sforo e Tito Livio, por exemplo, com a s da hist6ria; entretanto, gerou-se o hibito de fazi-la acompanhar,
quase sempre sob a forma de complemento ou de a@ndice, de
fontes de que se utilizaram. um resumo dos "progressos do espirito humano". A express50
0 s escritores do ~ e ~ a s c i m e n timitaram
o diretamente 0s. . . "hist6ria da civilizaqgo" apareceu antes do fim do skulo XVIII.
antigos. Para Ues, tam%&, a histbria se resutnia numa arte Ao mesmo tempo, os professores universitArios criaram, na
literiria corn tendincias apologCticas ou com pt.etens6es didi- Alemanha, principalmente em Gottingen, para as necessidades
ticas, quando niio, como ocorreu. com frequincia na Ltilia, em do ensino, a forma nova do manual de histe~ia, compilaqiio
um meio'para obter favores do principe ou, 'ainda, em urn sim-
pIes tema para declamaqgo. E isto durou muito. Em pleno (184) Seria interessante determinar quais os mais antigos livros
sCculo X V I I a obra de M,Czeray se apresentava vazada nos pu- impressos, onde se observam notas 2 maneira moderna. Alguns biblib-
4, filos, que oonsultamos, nada nos souberam dizer a iste respeito, por
ros lnoldes da antiguidade cliissica. nu,nca lhes haver ocorrido a idCia aqui sugerida.
metbdica de fatos, cuidadosamente justificados, sem preten- pas50 cientifica. Alguns historiadores resvalaram neste plano
s6es 1iterBrias nem outras de qualquer esp6cie. inclinado a 6 o ."romance hist6rico". Sabemos bem em que
JB desde a antiguidade existiam colq6es mde fatos hist6ri- consiste k t e .&ero, que, do abade Ba&61emy e de Chateau-
cosy formadas, quer com o intuit0 de servirem interpretasso briand at6 M6rimCe e Eroers, se mostrou tLo pr6spero e que
de textos literkrios, quer pela simples curiosidade em relago muitos tentam, presentemente, mas em v'ao, reavivar. Seu
i s coisas antigas; mas as misceliineas de Atenea e de Aulo G- escopo 6 "reviver o passado", em quadros dramiiticos, artis-
lio, as compilaq6es mais vastas e mais bem ordenadas, que ticamente fabricados com cores e pormenores "verdadeir~s'~.
datarn d a idade-media e do Renascimento, de modo algum 0 vicio evidente do process0 estB no fato de nHo possuir o leitor
podem ser comparadas aos "Manuais cientificos", cujos mo- um rheio de distinguir entre as partes tiradas dos documentos
delos foram elaborados pelos professores alemiies. Por outro e as imaginadas, cumprindo tam;bem levar em conta que a maior
lado, Cstes professores contribuiram para esclarecer a idkia ge- parte dos documentos utilizados n'ao s'ao exatamente da mesma
ral e confusa que os fil6sofos tinham de "civiliza$io ", organi- procedkcia, o que nos leva a concluir que, embora seja cada
zando urn rarno especial de estudos para cada grupo de fatos pedra verdadeira, o mosaic0 6 falso. "Rome au sikcle 6 A w
homogeneos: d b t e mod0 constituiu-se a hist6ria das linguas, a guste, de Dezobry, "Rkcits nzeroviqiem", #Augustin Thierry,
das Iiteraturas, a das artes, a das religities, a do direito, a da bem como outros quadros esboqados na mesma & p a , s'ao tra-
vi,da econ6mica, etc. Corn &tes novos processos ampliou-se bathos elaborados segundo o figurino do ~rincipioque acaba-
muito o dominio da hist6ria e a exposiq50 cientifica - objetiva mos de expor e apresentam os inconvenientes dos romances his-
e simples, passou a fazer concorr6ncia As formas antigas -- t6ricos propriamente ditos (185).
orat6rias ou sentenciosas, patri6ticas ou filosbficas. Pademos dizer, em resumo, que at6 o ano de 1850, aproxi-
Concorrhcia a principio timida e obscura, porque o co- madamente, a hist6ria n5o passou, tanto para os historiadores
mCqo do seculo XIX se caracterizou por um renascimento lite- como para o pliblico, de um g6nero 1iterBrio. Uma excelente
@ prova do que afirmamos reside no fato de que era hAbito dos
rsrio, que contagiou a literatura histbrica. Sdb o influxo do
movimento romiintico, os historiadores procuraram processos historiadores reeditarem suas obras com v5rios anos de per-
de exposi@o mais vivos que os de seus predecessores, destinados meio entre uma e outra edi@o, sem nada lhes acrescentarem e
a entusiasmar, a "comover" o pfiblico, a dar-lhe urna impress50 sern que o pfiblico condenasse essa prBtica. Ora, qualquer obra
poQica d e realidades desaparecidas. Alguns, fazendo embora cientifica deve ser constantemente refundida, revista e atualiza-
adaptaqGes, esforqaram-se por conservar o colorido dos & da. Os, sBbios propriamente ditos n5o tGm a pretens'ao de da-
documentos originais. "Encantado com as narraq6es conternpo- ran 4s suas abras uma forma ne varietur, nem de serem lidos
riineas, escreveu Barante, deliberei compor uma histrjria sequen- a
pela posteridade; n5o visam 5 imortalidade pessoal; basta-lhes
te, onde impere o mesmo intertsse que as anima": tal atitude que os resultados de suas pesquisas, retificados ou mesmo trans-
implica na supress'ao de qualquer critica e na conserva@o do que forrnados por pesquisas ulteriores, sejam incorporados ao con-
foi esteticamente dito. Outros acharam que a descrisLo dos fa- junto dos conhecimentos que constituern o patrimhio cientifico
tos passados dweria produzir, em quem a lesse, emos'ao idktica da humanidade. Nfinguem I t Newton ou Lavoisier; basta ?i
A experimentada pelos espectadores reais dos acontecimentos gl6ria de Newton ou de Lavoisier que sua obra tenha contribui-
narrados. "'Thierry, diz Midielet, louvando-o, quando nos fala do para determinar a rnassa enorme dos trabdhos que swbstitui-
de Klodowig, traduz o espirito rec6ndit0, a emosLo da Franqa ram os seus e que, cedo ou tarde, ser'ao por sua vez substituidos.
recentemente invadida.. . " Michelet definiu o problema hist6- - -

rico como "a ressurreiq50 da vida integral nos organismos inte- (185) fi evidente que os processos romkticos destinados a produ-
riores e profundos". A escolha do assunto, do plano, das pro- zir efeitos de c8r local e de " ressurrei~50'', quase sempre pueris nas
vas e do estilo t dominada, em todos os historiadores romiinticos, m'aos dos mais hPbeis escritores, tornam-se absolutamente intoleriveis
pela preocupaqiio do efeito, que certarnente 1-150 6 uma preocu- ,,& quando empregados pelos mediocres. V. um born exemplo (critica' de
urn livro de Mourin, por 7Monad) na Revue critique, 1874, p. 163 e segs.
INTRODUSAO AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

Sb as obras de arte ostenrtam eterna juventude. E o pfiblico sempre a desperdicio de trabalho. (187) As pessoas de espi-
sabe muito bem disso; a nenhum espirito ocorrerS estudar his- rito mediocre e sem penetragso, frequentemente denominadas
66
t6ria natural em Buffon, sejam quais forem os m6ritos do esti- curiosas" empenham-se corn fervor na soluq5o de quest6es in-
lista. Mas o m s m o phblico estuda histbria, com agrado, em signif icantes ( 188) ; por isso, parwe-nos um Cltimo crit6ri0, para
Augustin Thierry, em Macaulay, em Carlyle e em Michelet e os formularmos urn priineiro juizo do valor intelectual de um his-
livros dos grandes escritores que versaram assuntos hist6ricos toriador, ler a lista dos titulos das monografias por 61e produ-
se reimprimem, sempre os mesmos, cinqiienta anos depois da zidas. (189) (0dom de descobrir os problemas importantes, o
morte .de seus autores, como se nenhum conhecimento novo ti- pendor para com iles se preocupar, assim como a capacidade de
vesse a humanidade adquirido em ti50 longo tempo. Estd pa- resolv6-los, SHO os elementos que, em t6das as ciencias, caracte-
tente que, para muitos, a forma, e m Gstbria, sabreleva o fundo. rizam os homens de primeira orclem.
e que a obra histhrica C sempre, n6o exclzlsivarnente, mas prin- Admitamlos, contudo, que o assunto tenha sido escolhido
cipalmente, uma obra d'arte. (186) de maneira rational. T6da monografia, para ser Gtil, isto C,
plenarnente utilizgvel, deve submeter-se a t r i s regras: 1 . O ) ne-
I1 - HA cinqiienta anos, mais ou menos, C que se desem- nhuni fatq histbrico extraido de bcumentos deve ser apresen-
baragaram e constituiram as formas cientificas de exposig5.0 his- tado sem estar acolmpanhado da indicaqso dos documentos de
thrica, em harmonia con1 a conce#io geral de que a finalida- que proveio, bem como de urn. julgamenrto do valor de tails do-
de d a hist6ria 1150 6 agradar nem estabelecer normas prAticas cumentos (190) ; 2 . O ) C indispensbel seguir, tanto quanto pos-
de conduta nem comover. mas silnplesmente saber.
Distinguirernos desde logo: 1) as monografias; 2) os tra- (187) 0 s estudiosos d e questBes hist6ricas tentam, em vlo, iludir-
se a tste respeiot : " nada, no passado, h interessante ". - " E se n6s es-
balhos de cargter geral. crevZssemos a vida do duque d'AngoulCme, disse Phcuchet. - Mas, era
um imbecil! - Que importal 0 s personagens de segundo plano ttm,
1 ) Servirmo-nos da monografia, quando nos propomos elu- algumas vezes, enorme influcncia ". ( G . Flaubert, o. c., p. 157).
cidar urn ponto especial, um fato ou um conjunto limritadode fa- (188) Como as pessoas de espirito mediocre tendem a preferir ?s
tos, por exemplo, um trecho da vida ou Qbda a vida de alLguem, assuntos i n ~ i ~ i f i c a n t e sexiste,
, em relaclo a tstes, urna concorrCncla
um acontecimento ou uma s6rie de acontecimentos situados entre ativa. Notamos, com frequtncia, a apari~50 simultAnea de virias mo-
nografias referentes a o mesmo assunto e constatamos, quase-sempre,
duas datas aproxirnadas, etc.. . impossivel enumerar os v&- em tais casos, que os assuntos preferidos sPo absolutamente sem im-
rios tipos de assuntos que podem ser versados em monografias, port5ncia.
porque a matCria histbrica pode seccionar-se indefinidamente e (189) Nem todos os assuntos capazes de constituir interessante
ser tratada por um nGmero infinito de maneiras. Mas todos os objeto de monografia podem ser satisfatoriamente versados; alguns hi,
em que nem podemos pensar, pela precariedade das fontes. B por isto
seccionamentos nSo s5o igualmente judiciosos e, embora haja que os bisonhos, at6 os mais inteligentes, se mostram tlo desnorteados
quem afirme o contrkio, hh, em histbria, assuntos de monogra- ao escolherem os assuntos de suas primeiras monografias, sempre que
fizs que s5o estGpidos e monografias que, feitas, reduzem-se n%o tenham sido bem aconselhados, nem favorecidos pela fortuna. Mui-
tos se embaracam num cipoal de dfividas e dificuldades, a ponto de desa-
nimarem. Seria levar o rigor a o extremo e praticar ao mesmo tempo
(186) B um lugar comum, mas nem por isso deixa de ser trro, uma injustica, pretender julgar alguem pela lista dos assuntos de suas
afirmar, em sentido contririo, que as obr= dos eruditos perduram, a o priwzeiras monografias.
passo que os trabalhos dos historiadores envelhecem, de modo que os (190) Na pritica, convem dar, no principio do trabalho, a lista
eruditos conseguem lograr uma reputacPo mais s6lida do que a dos his- das fontes que servirb para a elaboraGo completa da monografia (com
toriadores: " j i nPo lemos o padre Daniel, mas sempre lemos o padre as necessirias indicacces mbibliogrificas referentes aos editores, 5 natu-
Anselmo". Mas as obras dos eruditos envelhecem, tambem, e 0 fato d e reza dos documentos e, quando se tratar de manuscritos, Q cota de cada
nem tbdas as partes da obra do padre Anselmo terem. sido substituidas um) ; alem disso, cada a f i r m a ~ l oespecial deve ser provada; o pr6prio
texto do documento deve ser transcrito, quando possivel, a fim de que
(por isso ainda nos servimos delas) nPo deve iludir ninguem: a imensa
maioria das obras dos eruditos, como a dos sibios propriamente ditos, o leitor possa controlar a interpretaGo ( p e p s justificativas) ; isto
sfo provis6rias e estHo condenadas ao esquecimento. sendo possivel, 6 aconselhivel fazer, em nota, a anilise do texto ou,
214 CII. V. LANGLOIS e CH. S E I G N ~ B O S INTRODUS~O AOS ESTUDOs HIST~RICOS 215

sivel, a ordem cronoltigica, p i s foi nela que os fatos se pro- sejo de coroar, como frequentemente acontece, com conclusBes
duziram e por ela podemos estabelecer as causas e efeitos; 3 O ) subjetivas, ambiciosas e vagas, uma monografia que absoiuta-
C necessSrio que o titulo da monografia de a conhecer, corn mente ngo comporta resultados categGricos. (192) A conclu-
precisfio, a natureza do assunto nela tratado; devmos reagir SZO regular de m a boa rnonografia traduz-se no balanqo dos
contra o emprego de titulos incompletos ou de fantasia, que s6 E resultados por ela abtidos e do residuo que permaneceu na
servem para estabelmecer confu&o nas pesquisas bibliogr3icas. abxuridade. Uma mmografia conduzida dCste modo pode
uma outra regra deve tambem ser lembrada; h i quem repita, envelhecer, mas n5o se corrompeA, e seu autor liunca t e r i
com f requencia, a afirmaglo : "uma monografia s6 6 Gtil quan- que envergonhar-se da obra que produziu.
do esgota o assuneo ", entretanto ninguem pode contestar -a le-
gitimidade de um trabalho provis6ri0, f e i b com os documentos 2) ,Os trabalhos de carAter geral podem destinar-se aos
especialistas, ou ao ptiblico.
mais A m50, desde que se declare, com rigorosa precisso, qua1
A. As obras gerais destinadas principalmente aos especia-
o materbl utilizado. Basta-nos, por outro lado, um pouco de
li~stasse apresentam boje em dia sob a forma de "repert6rios",
bom senso, para nos convencermos de que, em uma monogra-
de "manuais", e de "hist6rias cientificas". Em um repertd-
fia, o aparelho da demonstraglo deve ser a um s6 tempo, com-
rio acham-se r e ~ n i ~ d omuiros
s f atos j& verif icados, pertencen-
pleto e simples, isto 6 , reduzido ao estritamente n&es&rio.
tes a urn certo g k e r o e fdispostosem ordem cbmodz, de manei-
A sobriedade imp6e-se: t6,da a pompa de erudig50, cuja eco-
nomia ~possa fazer-se sem inconvenientes, deve ser tida como ra a serem facilmente encontrados, Quando se trata de fatos
datados com precisgo, a ordem indicada C a cronol6gica: assim
odiosa. (191) As mdhores m~nografias,em histbria, chegam
muitas vezes, como resultado de um exaustivo trabalho, A cons- se procedeu para a elaboraGo dos "Anais" da histbria da Ale-
tataqlo d a impossibilidade de saber. Devemos resistir ao de- manha, onde urna breve menqgo dos acontecimentos, dispostos
pelas datas em que ocorreram, vem acompanhada dos textos
pelo menos, dar o titulo do documento, com sua cota, ou com a indica- que 0s explicam, seguidos de criteriusas remissdes 2s fontes e
so precisa do lugar em que foi publicado. A regra geral 6 dar a o aos trab&os de critica; a coleqgo intitulada Jahrbiicher der
leitor meios com que possa saber, exatamente, as razSes que levaram deutschen Geschichte tem por fim elucidar t50 completamente
o autor a adotar tais conclusBes para cada ponto da anllise. quanto possivel os fatos da hist6ria da Alemanha, em todos os
0 s netifitos, neste ponto semelhantes aos antigos autores, n%o obser-
vam, naturalmente, t6das estas regras. B muito ,frequente, em lugar p n t o a em que poss'arn aer abjeto de discusslo e de prova cien-
de citarem o texto, ou o t i t d o do documento, limitarem-se a aludir va- tifica, com exclus50 das consideragijes gerais, bem como de
gamente a urna cota, ou a dar urna indicac50 geral da colet5nea em tudo que seja do dominio da apreciqlo. Quando se trata de
que se encontram os textos, o que nada adianta ao leitor para verificar fatos m d datados, ou simultAnes, que n l o podem ser dispos-
a natureza e exatidgo dtstes. Eis, ainda, am desleixo dos mais gros-
seiros e que se observa constantemente': os nehfitos, ou as pessoas pouco
tos em limha aequente no tempo, a ordem alfabhtica imptie-se.
experimentadas, nso compreendem bem porque se firmou o hlbito de Temos, entlo, os dicionirios; h i os de v5rias especies: dicio-
colocar notas na parte inferior das plginas; nos livros que l&em obser- nSrios de instituiges, dicionirios biogxificos, enciclopedias his-
vam urna enfiada de notas; crtem-se obrigados a fazer tambem, nos que tbricas, como a Reale Eucyklopredie, de Pauly-Wissowa. Tan-
escrevem, a mesma coisa; suas notas, porem, sgo posticas e puramente to estes repert6rios alfaGticos, como os Jahrbiicher slo, em
ornamentais; n%o servem nem para produzir provas, nem para permitir
ao leitor o contrhle das afirmac6es. - Todos tstes processos sZo inad- principio, cole~ijesd e fatos acompanhados das respectivas pro-
missiveis e devem ser vigorosamente combatidos.
(191) Quase todos os ne6fitos tendem a perder-se em fastidiosas
e superfluas digressSes, acumulando clados e comentirios, que nada t t m (192) I3 comum lermos expressSes como estas: " Vivi muito entre
de comum com o assanto principal; se meditassem um pouco a &ste res- os documentos dtste tempo e desta es&ie. Tenho a impress50 de que
peito, n%o lhes seria diiicil reconhecer que tal defeito provem, princi- tais conclus6es, que n50 posso demonstrar, s50 exatas." De duas, uma:
palmate, ou de urna tendsncia ao mau gosto, contra a qua1 n%o rea- ou o autor pqie indicar os motivos de sua impress50 e, neste caso, po-
gem, ou de urna ingkua, sen50 ridicula vaidade; tudo isto, em Gltima demos apreciClos, ou nPo os pode indicar e, neste outro caso, seu tra-
anklise, significa falta de disciplina mental. balho de nada vale.
I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 217

vas; se, na pstica, nem sempre aparece completo o conjunto dos - terrompida simetricamente segundo as necessidades de urn sis-
textos que devem corroborar as afinnaqdes, ou se as refer&- tema e ~oloridapela fantasia, se 110s apresenta sob um aspect0
cias aos fatos G o trazem o cunho de rigorosa exatidso, s6 te- de fisfarce, onde o autor nos intercepta, a cada passo. . . o es-
mos a lamentar tal desarmonia entre a doutrina e a realidade. petiiwlo que nos quer fazer compreender, mas que ago nos
(193) 0 s nza~zuaiscie?ztificos tambem podem ser considerados permite, sequer, ver." 0 s grandes "manuais" histbricos, simC-
repertbrios, visto que consistem em livros onde os fatos consa- 'P
,- trims aos tratados e aos manuais das outras cihcias (mas corn
grados sLo expostos em ordem metbdica, sob forma objetiva, a complicaqLo das provas) devem ser e sLo constantemente me-
seguidos sempre das respectivas provas, sem qualquer orna- lhorados, retificados, corrigidos, e postos em dia: isto porque
mento literbrio. 0 s autores distes "Manuais", - cujos es- constituem, por definiqfio, obras cientificas e nso obras de arte.
pkimes mais numerosos e mais perfeitos foram compostos nas 0 s primeiros repert6rios e os primeiros manuais foram com-
Universidades alan'is - t6m como objetivo Grrico o levantal postos por individuos isolados. Cedo, porem, reconheceram
rnento de urn minucioso invengrio dos conhecimentos at6 agora todos que um k&o homem 1150 pode compor corretamente e
obtidos, a fim de tornar mais fbcil e mais rbpida aos estudio- menos ainda dominar, como C necessArio, enormes coleqBes de
sos a assimilaqso dos resultados da critica e de propiciar-lhes, fatos. A tarefa foi dividida. 0 s repert6rios sHo executados,
ao mesmo tempo, um ponto de partida para novas pesquisas. atualrnente, por colaboradores associados (0s quais, nem sem-
Jb existem manuais desta esp6cie para a maioria dos ramos es- pre, pertencem ao mes'mo pais, ou falam a nlesma lingua). 0 s
pxiais da hist6ria da civilizaq50 (linguas, literaharas, religiso, grandes manuais (de I. v. Miiller, de G. Grober, de H. Paul,
direito, AlterthG7mer, etc.), para a hist6ria das instituiqbes e etc.) compkm-se de coleqbes de tratados especiais, cada qua1
para as diversas partes da hist6ria eclesiktica. Basta citar 0s redigido por urn especialista. 0 principio da colaboraq50 C
nomes de Schoemann, Marquardt e Mommsen, de Gilbert, de excelente, desde que se realizem as seguintes condiqbes: 1.O) a
Krumbacher, de Harnack, de Moller. Estas obras nada tirn obra coletiva deve ser de natureza tal que possa resolver-se em
d a aridez da lnaioria dos "manuais" primitivos, publicados na grandes monografias independentes, embora coordenadas ; 2.O) a
Alemanha h i mais ou mems urn skulo e que nLo passavam seq5o confiada a cada colaborador deve ter uma certa extensso;
de indices com a menqbo dos documentos e dos livros a consul- se o nfimero de colaboradores f6r inuito grande e a parte de
t a r ; nelas, a exposiqLo e a d i p s s 5 o devem, necessariamente, cada um muito reduzida, fica muito atenuada ou se anula a li-
ser concisas, mas nem por isso deixam de ter amplitude sufi- berdade ou a responsabilidade de cada urn.
ciente para atrair e mesmo interessar vivamente os leitores cul- Nern poi- se terem multiplicado os manuais metbdicos, per-
tos. Bstes preferem-nas a qnaisquer outros trabalhos con&- k derain a sua raz5o de ser as hirthrias destinadas a apresmtar a
meres, afinnou G. Paris. (194) "Depois de termos saboreado narraqso dos aco-vtecimentos que se produziram uma sQ vez, ou
pAginas tso suEstanciais e tfo densas de fatos, na aparhtia dos fatos gerais que dorninam o conjuntd das evoluqbes cspe-
absolutamente despersonalizados, mas que tan& pensamentos ciais. ,Par imitaqLo do que jb ocorrera com as monografias e
sugerem, nLo nos sentimos bem ao k m o s outros livros. saidos os manuais, introduziram-se tambem neste ginero de pesquisas
em;bora da pena de ilustres escritores, mas onde a matCria, in- os novos processos cientificos. A reforma consistiu, predomi-
nanternente, na rencncia aos ornalnentos literbrios e $s afirma-
(193) Tal disparidade tende a desaparecer. As mais recentes co- q6es sem provas. Foi Gmte qvem criou o primeiro modelo
1e~Sesalfabeticas de fatos hist6ricos (Reale Encyklopedie der classis-
chen Alterthumswissenschaft, de Pauly-Wissowa, Dictionmire des anti- da "histbria" assiin concebida. Ao mesmo tempo, certos qua-
quite's, de Daremberg e Saglio, Dictionary of national biography, de dros, outrora bem aceitos, cairam em desuso: assim aconteceu
Leslie Stephen e Sidney Lee), s%odotadas de urn amplo aparelhamento com as "Hist6rias Universais" de narraqLo continua, tLo con-
de provas. E, principalmente, nos dicionirios biogrPficos que o uso de ceituados, por diferentes motivos, d a idade-m6dia at6 o s6culo
n%o apresentar provas tende a persistir; v. A.Zlgemeine Dezltsche Bio-
graphie, etc.
(194) Revue critique, 1874, I, p. 327. ' XVIII. Schlosser e Weber, na Alemanha, e Canth, na Itblia,
deram-nos, no s4culo XIX, os filtimoi espkimes de tais obras.
INTRODUG~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS 219

Bste quadro foi abandonado, de urn lado, p o r motivos' histbri- A explicaqQo'6 f k i l . 0 s defeitos das obras histbricas des-
.
cos, pois deixou-se de considerar a humanida.decomo urn con-. tinadas ao pGblico incompetente - def'eitos algumas vezes encrr-
junto subordinado a uma iinica evolut$io e, por outro, por mo- mes, que desacreditaram, para grande nGmero de bons espiritos,
tivos prAticos, pois reconheceu-se a irnpossibilidade de reunir ,. o prbprio g k e r o da vulgarizaq50 - s5o consequi5ncias da pre-
em uma iinica obra t5o esmagadora massa de fatos. As hist6- paraq5o insufi'ciente ou da mb educaq5o litelaria dos "vulga-
rias universai.~que ainda ee publicam em colaborq5o (cujo
tipa mais representativo C a cole@o Oncken) -seresolvem, comr,
rizadores ".
os 'grandes manuais, ein sgbes independentes, cada quai trata- Urn vulgarizador estb dispensado' de pesquisas originais;
da por um autor dif erente. 0 s historiadores, porem, acorda- deve, entretanto, conhecer tudo o que de importante foi pu-
ram atualrnente em adotar. a divisgo por Estados chistbrias blicado s6bre o assunto que pretende versar; deve, como se
nacionais) e por C,pocas. (195) diz geralmente, "estar ao corrente" da matCria e repensar
B. N5o h5 raz5o te6rica para que as obras dgstinadas por si mesmo as conclus6es dos especialistas. Se n5o fez,
pri,ncipalmmte ao piiblico sejam concebidas com espirito diver- pessoalmente, estudos especiais d b r e o tema que vai desen-
so do que anima a s destinadas aos especialistas, nem redigidas volver, C precis0 que trate de infonnar-se bern e ista leva
dif.erentemente, urna vez que se faqam algumas simplificaqbes tempo. Para o vulgarizador profissional, C forte a tentagio
e supress.k, que por si memas se impbem. E. reailmente, j5 de estudar superficialmente umas poucas monografias recentes,
vArios resumes existem, claros, substanciais e agradiveis, onde
nada -C afirmado sem apoio t k i t o em sblidas referkcias e on-
,
cosblas apressadamente ou combinar a troche
excertos, adornando, tanto quanto possivel, essa
. de os pontos firmados pela ci4ncia se evidenciarn com preci- para torni-la mais atraente, com "idCias gerais" e atrativos es-
s50, ~discretanente iluqtrados. 0 : s %ranceses, -graqas a s sluais tranhos,. A tentaq.50 se torna ainda rnais forte pelo fato de
qualidades naturai,~de sutileza de espirito e de exatidso, mos- os especialistas se d~esinteressaremdos trabalhos de mlgariza-
tram-ee insuperAveis nos tr8baIhos deste g k e r o . Certos arti- q.50, quase sempre re'ndoms e de o grande pGblico 1150 distin-
gos de revista, certos livros de vulgGizaq5.0 superior, entre n6s guir bem o vulgarizador honesto do cabotino. Em resumo, h&
publicados, em que se acharn habilmente condensados os resulta- pessoas, por mais absurdo que isto pareqa, que n50 hesitarn em
dos d e enorrne quantidade de trabalhos originais, causarn admi- resurnir para outrem o que G o chegaram a entmder, bem co-
raq5o aos prbprios especialistas, que, com suas pesadas mono- mo em ensinar o que ignoram. - Assim se explica a existen-
grafias, os tornararn possiveis. Nada C mais perigoso, eritre- cia, nas obras de vulgarizacgio ~histhica,de nwnerosos e inevi-
tanto, do que a vulgarizaqFio. Realmente, a maioria dos livros t&veis defeitos, que as pessoas instruidas notam sempre com
lde vulgarizaF5o n5o se conformam ao ideal modern0 de ex- urn prazer mesclado de piedosa ironia, porque sb elas os podem
posieo histbrica ; ao contrsrio, exibem corn f requencia, sobre- descobrir : pligios, refer6ncias inexatas, nomes e textos estro-
vivencias dos ideah antigos, como o da antiguidade, o do Re-
piados, citaqbes de segunda m50, hiptrteses sem valor, compa-
bascimento e 0 dos romsnticos.
r a q k s superficiais, afirmaqbes imprudentes, generalizaqbes pue-
(195) 0 hibito de acrescentar As "histbrias ", isto 6, 5 narracPo ris; e tudo isto C dito, bem como as mais falsas e contestbveis
dos acontecimentos politicos, urn resumo dos resultados obtidos pelos opiniijes, nurn tom de serena autoridade. (196)
historiadores especiais da arte, da literatura, etc., ainda persiste. A
idCia dominante C a de que urna "Hist6ria da Francan nPo seria com-
pleta, se r15o incluisse ca~itulos.re?.ativos?I hist6ria da arte, da litera- (196) E dificil imaginar como podem transformar-se, em m%os
tura, dos costumes, etc., na Franca Entretanto n%o 6 a exposicPo, de vulgarizadores negligentes e canhestros, os mais interessantes e se-
sumaria das evolucScs especiais reveladas pelos especialistas - fato d e guros resultados da critica .moderna. Mais do que ninguem sabem disso
segunda mPo - que cabe numa " Hist6riaV cientifica; ao contririo, a o s que tiveram oportunidade de ler as "composi~Bes" improvisadas dos
que aqui cabe C o estudo dos fatos gerais, que dominaram o conjunto candidatos aos exames de hist6ria: os defeitos mais comuns da vulga-
das evolu~Bes~ especiais.
'
rizaclo de mau quilate atingem ai os lindes do absurdo.
, Por outro lado, homem abdutamente rbern informaclos, au-
tores de excelentes monografias destinadas aos especizlistas,
atentam visivelmente contra o m4todo cientifico, quando es-
crevem para o fiblico. 0 s alem5es s5o contumazes nesta fal-
ta. Citemos Mommsen, Droysen, Curtius e Lamprecht. que
Cstes autores, ao dirigirem-se ao pcblico, pretendem influenciL
-lo. 0 desejo, que os anima, de produzirem urna impress50 I - Ao historiador incumbe reunir e dispor os do-
forte, leva-os a afrouxarem, de certo modo, o rigor cientifico curnentos, ,de maneira a to&-10s utiliziveis. Ora, urna quan-
e a incidirem nos inesmos e condena1do.s Wbitos da antiga his- tidade enorme de acidentes fortuitos contribui para que os
Mriografia. Minuciosos e escrupulosus quando se trata de fixar documentos se conservem ou se percam. Na constituiq50 da
porrrlenores, mudam de atitude ao tratarem de quest6es gerais histbria o acaso tern, portanto, um papel predominante.
e, como o coinum dus homens, abandonam-se a m seus pendores A quantidade "'$2;- ~8ocumentosexistentes n5o pode ser
naturais. Tonlam partido, condenam, aprovam,; dCo colorido 2 aumentada; o tempo, apesar de t6das as prxauq6es que hoje
nnrra@o, af ormoseiam-na de &ios m o b s . Permitenz-se, rigorosamente se tomam, a diminui cada vez mais; nunca po-
nzemo, o lux0 e a liberdade de emitirem consideraq6es pessoais, der6 ser ela aumentada. A hist6ria dispGe, pois, de urn estoque
patribticas, morais e metafisicas. E, como coroamento de tudo limitado de documentos, o que limita, por, sua vez, os progressos
isto, empenham-se, cada qua1 com o talent0 de que dispdem, em da cikncia histbrica. Quando todos os documentos forem CO-
construir obras de arte; 0s pouco talentosos, quando assim nhecidos e houverem passado pel0 crivo das operaq6es que OS
agenz, s5o sempre ridicules, ao psso que os ibem dotados per- tornam utilizAveis, a o'bra da erudiq5o estarh concluida. Para
dem muito de seu mkrito, deixando-se arrastar pela prewupa-
alguns periodos antigos, onde os docum~entoss5o raros, j6 C
G o do efeito.
possivel prever que, dentro de urna ou duas geraq6es, nada
Isto a50 significa, C evidente, que a "forma" n5o tenha
mais haverA a fazer. 0 s historiadores ser5o obrigados a con-
impodncia e que o historiador, desde que se faqa entender,
tenha o direito de usar de urna linguagem incorreta, vulgar, centrar-se cada vez mais nos periodos modernos. A hist-&;a
n5o poder5, pois, tornar realidade o sonho que, no sCculo XIX,
crua e frouxa. 1 0 devdem da retbrica, dos fatos brilhantes e
levou os romdnticos a se absorverem: com t5o grande entusias-
das flores d e papel n5o exclui o g6sto de urn estilo puro, firme
mo, nos estudos histbricos: ela n5o revelarh o mistCrio das ori-
e sadio. Fustel de Coulanges foi um autor de mCrito, muito
ernbora tivesse, durante tbda a vida, recomendado e praticado gens das sociedades; e, por falta de documentos, os prim8rdios
da evoluq5o da humanidade permanecer50 para sempre obscuros.
a caqa 5 methfora. Ao contrkio, havemos sempre de repetir
que o historiador, dada a extrema complexidade dos fenamenos 0 historiador n5o recolhe por m5os prbprias os materiais
que deve tratar, n5o tem o direito de escrever mal. Deve necess6rios A histbria, pela observaq50, como ocorre no dorninio
sevlzpre escrever bern, sem, contudo, usar de linguagem domin- das outras cikncias: o seu trabalho se faz com fatos transmi-
gueira. tidos por observadores de outros tempos. Em histhria, o conhe-
ciinento n5o C obtido, portanto, por processos diretos, como nas
outras ciCncias, inas indiretos. A hist6ria n5o C urna ciCncia
de observaq50, mas urna ci&ncia de raciocinio.
Para utilizar os fatos con1 que deve operar, abservados
em condiq6es desconhecidas, deve a hist6ria submetC-10s a rigo-
rosa critica; ora, a crit<ca consiste em urna sCrie de raciocinios
por analogia. Mas os fatos fornecidos pela critica apresen-
tam-se esparsos e isolados; para organiz&-10s em urn todo inte-

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