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DUALISMO RELIGIOSO

Unidade III
A partir de agora, veremos o dualismo que aparece na filosofia grega e mais tarde na filosofia cristã
se transformar no cristianismo e na religião.

Começaremos a entender o papel importante de Martinho Lutero num momento em que a Igreja
Católica estava inebriada por seu poder e, com isso, subjugava seus fiéis e distorcia os conceitos de
verdade, Deus e alma.

Saiba mais

Sobre o papel de Martinho Lutero no período, leia:

KNOCH, M. Da liberdade cristã: um ensaio sobre a Reforma de Lutero.


Interações, n. 5, 2003.

7 DEZ SÉCULOS ENTRE AGOSTINHO E MARTINHO LUTERO

O início do século XVI foi um momento de grandes transformações na história e que desencadeou
novas perspectivas culturais, científicas, econômicas, políticas, geográficas e religiosas (VIEIRA, 2002).

A Idade Média foi a matriz da civilização ocidental cristã. Certo está que surgiu com seus pilares na
cultura greco-romana e na filosofia da Antiguidade, mas reformulou à luz do cristianismo muitos dos
conceitos até hoje aprimorados.

O período histórico que vimos anteriormente, que foi cenário do desenvolvimento de santo
Agostinho, foi um prelúdio para o que hoje chamamos de Idade Média. Datada entre os séculos V e XV,
tem como início a queda do Império Romano do Ocidente e como término uma sucessão de eventos,
como a Reforma Protestante, sobre a qual falaremos na sequência.

7.1 A Idade Média e suas épocas

A divisão tradicional dos períodos históricos situa a Idade Média no intervalo que se inicia com a
queda do Império Romano do Ocidente (o último imperador romano, Rômulo Augusto, foi deposto em
476 d.C.) e no qual a cultura latina se funde com aquela dos povos invasores, tendo o cristianismo como
elemento aglutinador. O fim da Idade Média depende da perspectiva, mas convencionou-se considerar
o ano de 1453, com a conquista de Constantinopla pelos turcos.

O problema com periodizações é que elas são arbitrárias e homogeneizadoras; não se deve considerar,
portanto, que o pensamento medieval foi único durante esse período de mais de mil anos – assim como não

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era homogêneo o pensamento da Idade Antiga, da Idade Moderna e não o é o da Idade Contemporânea.
Desse modo, devemos levar em conta que ocorreram diferentes “idades médias”; costuma-se estudar a
Alta Idade Média, que vai da queda do Império Romano até mais ou menos o ano 1000; uma Idade Média
de transição, com o Renascimento depois do ano 1000; e por fim uma Baixa Idade Média.

Saiba mais

O nome da rosa, filme dirigido por Jean-Jacques Annaud e baseado no


romance homônimo de Umberto Eco, é uma oportunidade para entender o
domínio da Igreja Romana na Idade Média.

O NOME da rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Itália; Alemanha


Ocidental; França: ZDF Zweites Deutsches Fernsehen, 1986.

Além da noção errônea de unidade cultural da Idade Média, existe também a ideia de que esse
período foi uma “idade das trevas” no sentido de obscurantismo cultural. O próprio adjetivo medieval
tem hoje uma conotação de atraso e conservadorismo. Essa perspectiva ocorre, segundo Burns, Lerner
e Meacham (1986), devido ao fato de o período subsequente à queda dos romanos representar, em
alguns aspectos, uma volta ao barbarismo, com um retrocesso na produção intelectual e nas atividades
econômicas, que retornaram a níveis primitivos de troca direta. As invasões bárbaras, que derrubaram o
império, destruíram também a própria civilização romana, despovoando cidades e destruindo plantações.

No entanto, a partir de Carlos Magno, no século IX, retoma-se o crescimento intelectual na literatura
e na filosofia. Cabe também notar que a Idade Média não é exclusivamente europeia, pois tanto uma
cultura árabe quanto uma hebraica circulam, e se conectam, na Europa; um exemplo claro disso está
no fato de que a civilização europeia da Idade Média tem contato com a cultura e filosofia grega por
meio da tradução dos árabes, que por séculos aprenderam com ela e desenvolveram sua cultura e
conhecimento, especialmente na medicina.

Figura 22 – Estátua de Carlos Magno na Alemanha

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Segundo Burns, Lerner e Meacham (1986), a civilização da Idade Média foi fruto da combinação
de três elementos, quais sejam: o cristianismo, a influência dos germânicos e a herança das culturas
clássicas. O principal fundamento da nova cultura foi a religião cristã, que já havia sido alçada à
posição de religião oficial do Império Romano antes de seu fim. Reflexo disso é a influência do
filósofo cristão santo Agostinho no pensamento medieval, ainda que tenha morrido pouco antes da
queda do Império Romano.

O pensamento de Agostinho derivava das teorias neoplatônicas – aqui, uma das influências do
pensamento clássico no período medieval –, afirmando a verdade absoluta e eterna, e o conhecimento
divino no espírito dos homens; ou seja, alguns pensamentos já existem no homem desde seu
nascimento, como reflexo da verdade divina.

Com as invasões bárbaras no Império Romano, fatores estruturais modificaram o sistema romano
de colonos, clientes e precários para o sistema de servidão e isolamento imposto pela insegurança das
invasões. Esses aspectos, associados à descentralização do poder, que estava nas mãos dos senhores de
cada feudo, contribuíram para que houvesse uma submissão dos servos ao seu senhor. Isso facilitou o
domínio político e religioso do período.

As bases germânicas, ou seja, bárbaras, são outra peça fundamental. Os germânicos eram tribos do
norte, inicialmente divididas em diversas nações: escandinavos, vândalos, godos, francos, germanos,
anglo-saxões, entre outros. Provinham da Ásia ocidental e, por falar línguas indo-europeias, tinham
certa afinidade com gregos e romanos. As invasões bárbaras no Império Romano foram lentamente
deixando influências nos romanos, absorvidas pelo exército ou pela administração.

A influência germânica foi importante para o estabelecimento do sistema feudal, que caracterizaria
boa parte da Idade Média. Dos germânicos, consolidou-se a noção da imposição da lei sobre a simples
vontade do soberano; a ideia de relação contratual entre soberanos e súditos; a teoria de relação
entre senhor e vassalo, pela qual os guerreiros juravam honra e lealdade aos senhores; e a ideia de
soberania eletiva.

Além desses elementos, Burns, Lerner e Meacham (1986) colocam o regime feudal – por sua vez
também fruto desses elementos – como a característica mais forte da estrutura social e política da Idade
Média. Desse modo, com a consolidação do feudalismo (um sistema de suserania e vassalagem, ou seja,
uma estrutura societária descentralizada), a partir dos anos 800, a civilização europeia passa a crescer
lentamente, tanto em termos populacionais quanto intelectuais.

O início desse crescimento ocorre com Carlos Magno, que, ao ser coroado imperador, traz para
sua corte diversos eruditos e intelectuais, a fim de estabelecer padrões de ortodoxia para seus
súditos – foi o chamado renascimento carolíngio. As monarquias nacionais e o Sacro Império
Romano-Germânico então começam a se desenvolver, assim como as universidades, que surgem
a partir do século XII.

Do ponto de vista econômico, a produção feudal era autossuficiente (o feudo produzia tudo o
que consumia) e baixa (devido à carência de inovações técnicas que pudessem aumentar a oferta de
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produtos), e o sistema jurídico social era comandado pela nobreza, assim como as relações de suserania
e vassalagem.

A Igreja Católica como cúpula da sociedade feudal influenciou sobremaneira a mentalidade dos
moradores dos feudos com seus dogmas e fundamentos religiosos, como a proibição do lucro e da usura
(juros), muito comuns na época, e foi responsável pela perpetuação das estruturas de exploração feudal.

Mas como e por que isso ocorreu?

A crença cristã entrou no Império Romano por meio dos apóstolos Paulo e Pedro, que difundiram os
ensinamentos de Cristo. As perseguições aos cristãos começaram dentro do império, uma vez que eles
eram contrários ao paganismo e à divindade atribuída ao imperador romano. As perseguições só pararam
com Constantino, que introduziu a liberdade religiosa com o Édito de Milão (313 d.C.) (ARRUDA, 1990).

Em Bizâncio, Constantinopla ou Império Romano do Oriente, Justiniano (395 d.C.) se transformou em


um imperador com poderes divinos (cesaropapismo): combateu as heresias e introduziu o monofisismo
em seu império.

Observação

O monofisismo é uma corrente que atribuía apenas a natureza divina –


e não humana – a Cristo.

A intromissão do poder político na vida monástica medieval, chamado de cesaropapismo, determinou


várias transformações na doutrina cristã. Esse acontecimento se iniciou com a proteção do império ao
cristianismo e teve grande influência do imperador de Bizâncio, Justiniano.

Apesar disso, a Igreja Cristã no Império Bizantino e no Império Romano do Ocidente era bem
diferente, uma vez que as transformações ocorridas na Europa com as invasões bárbaras proporcionaram
o êxodo urbano e o confinamento populacional em torno do feudo, ao contrário do mundo Oriental
(Constantinopla ou Império Bizantino), em que o cristianismo permaneceu livre e sua mentalidade
pautada no mundo clássico e no mundo helenístico.

Com o tempo, a Igreja Católica passou a dominar a vida social medieval na Europa, uma vez que era
protegida pelo Estado (que era descentralizado). O batismo de Clóvis (rei bárbaro) marca o relacionamento
entre o poder religioso e o poder temporal.

Foi no Sacro Império Romano-Germânico que o poder papal enfraquecido permitiu a dominação da
Igreja pelo Estado, uma vez que os imperadores controlavam o papado e o bispado, já que os religiosos
eram a base para o poder militar desses imperadores.

Na Querela das Investiduras (século XI), ocorreu a luta entre a Igreja e o império, principalmente
no que diz respeito à indicação dos bispos alemães. O papado começou a indicar os bispos, o imperador
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alemão teve seu poder reduzido e a força espiritual dos papas retornou à vida política na Europa.
De acordo com a Concordata de Worms, o cesaropapismo ficaria proibido, assim como a simonia
(venda de cargos eclesiásticos).

Ainda no século XI, houve o Cisma do Oriente, por volta de 1054, ou seja, a separação do cristianismo
em duas vertentes: Igreja Católica Apostólica Romana (capital Roma) e Igreja Ortodoxa (capital
Constantinopla). Houve a cisão dos princípios doutrinários cristãos, uma vez que os ortodoxos não
acreditavam nos santos e na Virgem Maria, não pregavam o celibato, como na Igreja Romana, e elegiam
seus próprios patriarcas.

Nesse período, o patriarca de Constantinopla (atual cidade de Istambul) rejeitou definitivamente a


hegemonia do papado romano e passou a se considerar chefe supremo da Igreja do Império Bizantino
(ARRUDA, 1990), provocando uma autonomia religiosa na região.

O sistema feudal era baseado em trocas – proteção e usufruto da terra por trabalho, mas era um
sistema desigual e ilusório, no qual as pessoas eram manipuladas pela Igreja Católica a perpetuarem
seus costumes e valores nessa condição. Apesar disso, esse sistema começou a apresentar sinais de
enfraquecimento com a introdução de novos elementos, que desmontaram a sua estrutura.

Gradativamente, foram introduzidas melhorias no sistema produtivo com o aperfeiçoamento das


técnicas agrícolas, pequenas novidades como o surgimento da charrua, tipo de arado de ferro que
facilitava o cultivo, além da rotação dos campos de produção, por exemplo. Dessa forma, a produção
aumentou e houve um significativo crescimento da população.

Outras novidades ocorreram, como a introdução de moinhos de vento, que substituíam a mão de obra
humana na fabricação da farinha, ingrediente fundamental para fazer pães, liberando os camponeses
para produzirem outros alimentos.

E, alimentando-se melhor, as pessoas passaram a viver mais, favorecendo o aumento demográfico,


que teve como consequência facilitar a fuga de parte dos camponeses para as cidades, já que estas
não apresentavam mais perigos de invasões. Ocorreu então um verdadeiro êxodo rural e, com ele,
formaram‑se as cidades.

Com o desenvolvimento das cidades medievais, a burguesia, habitante dos burgos, entrou em
ascensão devido à grande movimentação comercial, com a venda de mercadorias vindas do Oriente.
Formou-se uma classe de mercadores e de artesãos, que desenvolveram seus negócios e dentre os
quais muitos conseguiram abrir suas oficinas. As manufaturas produzidas por eles nessas oficinas eram
vendidas pelos comerciantes, que distribuíam o produto tanto local quanto internacionalmente.

Os mercadores e banqueiros (comerciantes que guardavam dinheiro) pressionavam os monarcas


para que tomassem providências em relação à proteção, segurança e organização das trocas comerciais,
o que resultou no fortalecimento do poder real – as monarquias nacionais. É o desmantelamento das
estruturas feudais, a partir do renascimento urbano e comercial, da acumulação de capital pela nova
classe de mercadores, comerciantes e banqueiros e da reintrodução da moeda como base de troca.
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A partir dos anos 1300, as instituições feudais passam a decair devido a essas várias transformações
ocorridas no campo. As novas instituições procuram se afastar das características feudais, imprimindo
novas feições à civilização europeia, no que se passa a denominar Renascença, dentro de um arco
temporal de 1300 até cerca de 1650. A ideia do termo busca apontar o renovado interesse pela cultura
clássica grega e romana, ao mesmo tempo que menospreza a cultura medieval, já iniciando a noção
negativa quanto ao período da Idade Média.

O senso comum também relaciona o Renascimento quase que somente com a Itália, mas houve na
verdade um conjunto de renascenças, ocorridas em diversos lugares. Autores clássicos foram revisitados,
como Cícero, Virgílio e Aristóteles, e houve grande desenvolvimento em vários campos, como na arte,
literatura, ciência, filosofia, política, educação e religião.

As transformações ocorridas nesse período determinarão o surgimento das novas estruturas sociais,
econômicas e políticas e trarão inovações nas formas de pensar, nos debates e no comportamento
humano como resultado de um novo ciclo.

Figura 23 – Reconstrução de uma aldeia medieval na Baviera

7.2 A filosofia na história

Do legado filosófico grego, destacamos a ideia de que o conhecimento verdadeiro deve ser
demonstrado por meio de provas e argumentos racionais, a ideia da não casualidade da natureza,
mas sim das leis naturais que a governam, a ideia das leis universais que podem ser conhecidas pelo
pensamento humano, a ideia de que a ação moral humana depende da sua vontade e liberdade, dentre
outros conhecimentos e silogismos.

Entretanto, com a dominação romana no Oriente e com a queda do império por volta do século V d.C.,
a filosofia ocidental conheceu transformações e adaptações que se relacionam com as indagações, os
problemas e as questões mais relevantes de acordo com as condições materiais de existência da nova
fase que estava surgindo: o período medieval.
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Ocorre que os saberes adquiridos em cada época são amálgamas dos saberes anteriores e podem
ser construídos de acordo com os novos problemas e questionamentos. Os filósofos medievais
empenharam‑se em estabelecer uma coerência que envolvia a fé e a razão, a teologia e a metafísica.

A busca metódica da verdade, inaugurada pelos filósofos gregos, foi substituída, com o surgimento
do cristianismo, pela procura da verdade interior proposta por santo Agostinho.

Esse filósofo representa o que hoje chamamos de filosofia patrística, a qual se relaciona com a
passagem do mundo antigo ao medieval. Tem esse nome porque foi obra não só dos apóstolos Paulo
e João e de suas epístolas e evangelhos, mas também dos Padres da Igreja, como eram conhecidos os
primeiros dirigentes espirituais e políticos do cristianismo:

A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais


(Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religião
– o cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois
somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova
verdade e convertê-los a ela. A filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa
religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques
teóricos e morais que recebia dos antigos (CHAUI, 2005, p. 46).

A patrística grega predominou na região de Bizâncio, uma vez que as indagações e dúvidas
humanas do pensamento grego associaram-se aos questionamentos cristãos e suas várias correntes
de pensamento sobre o cristianismo, quando as primeiras comunidades cristãs foram infiltradas por
ideias gnósticas, ou seja, o conhecimento místico das verdades divinas e transcendentes que se referem
à condição espiritual do ser humano.

A filosofia patrística latina introduziu ideias desconhecidas e até rejeitadas pelos filósofos greco‑romanos:
a ideia de criação do mundo a partir do nada, de pecado original do homem, de Deus como trindade una,
de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, entre outras.
Essa filosofia enfrentou um dos grandes problemas do dualismo filosófico na época: a explicação de como o
mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade (CHAUI, 2005).

A partir de Agostinho e Boécio, introduziu-se a discussão e a ideia de “homem interior”, ou seja, da


consciência moral e do livre-arbítrio da vontade (ou o poder da vontade para escolher entre alternativas
opostas igualmente possíveis). Dessa forma, eles tentam resolver o problema do conflito do bem e do
mal, pois o homem, por ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o mal, é o responsável pela
existência do mal no mundo (CHAUI, 2005).

Observação

Boécio (480-524) foi um filósofo romano, tradutor e comentador de


Aristóteles, cuja tradução foi amplamente utilizada durante o período
medieval. É considerado uma “ponte” entre a filosofia clássica e o
pensamento medieval.

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Os Padres da Igreja, ou seja, os primeiros dirigentes espirituais do cristianismo, transformaram as


ideias cristãs em verdades reveladas por Deus (por meio da Bíblia e dos santos). Essas verdades seriam
os dogmas da Igreja. Esses dogmas são verdades irrefutáveis e inquestionáveis. Com a introdução
dessas verdades surge uma distinção, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé
e verdades da razão ou humanas. Essa distinção separa verdades sobrenaturais de verdades naturais,
sendo que as primeiras introduzem a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior
ao simples conhecimento racional (CHAUI, 2005).

A filosofia patrística gira em torno do dualismo razão e fé e de como se podem conciliar essas duas
posições. Sobre isso, havia três posições principais:

• Os que julgavam fé e razão inconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque
é absurdo”).

• Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam: “Creio para
compreender”).

• Os que julgavam razão e fé inconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo
próprio de conhecimento e não devem se misturar (a razão diz respeito a tudo o que concerne
à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida
eterna futura) (CHAUI, 2005).

Os pensamentos filosóficos da patrística e a da escolástica, que conciliaram a tradição grega do


platonismo e do aristotelismo com a fé cristã, constituem o núcleo da filosofia medieval e se caracterizam
pelo fortalecimento da concepção cristã, uma vez que, ainda no século III, ela não estava completamente
difundida em razão das várias correntes míticas de interpretação do cristianismo.

7.3 A filosofia medieval

No período medieval, a Igreja Católica teve uma influência fundamental na cultura europeia, atuando
como mediadora nos costumes comuns e mantendo o monopólio da cultura.

A Idade Média compreendeu os séculos do V ao XV e abrangeu pensadores europeus, árabes e judeus.


Nesse período, a Igreja Romana dominava a Europa nas esferas políticas e sociais. Proclamava reis,
organizava Cruzadas à Terra Santa, mas também, ao mesmo tempo, criava em torno das catedrais as
primeiras universidades e escolas. A partir do século XII, por ser ensinada nas escolas, a filosofia medieval
também é conhecida como escolástica (CHAUI, 2005).

O período também sofreu influência de Platão e Aristóteles (que ainda não eram lidos a partir
dos originais, e sim a partir de Plotino – no caso de Platão – e em traduções árabes – no caso de
Aristóteles) (CHAUI, 2005). Além dos temas já tratados pela patrística, a filosofia medieval avança em
outros problemas, como o conhecido problema dos universais.

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Nesse período, nasce a filosofia cristã, que é representada pela teologia. Ela tinha como tema
principal as provas da existência de Deus e da imortalidade da alma (CHAUI, 2005). O raciocínio teológico
utilizava métodos e argumentos da metafísica para chegar ao conhecimento cristão, e vice-versa, ou
refutar uma tese com argumentos da Bíblia.

O problema da fé em contraponto à razão e a existência de Deus como princípio de tudo subsidiam


as discussões e os dualismos da época: a diferença e a separação entre o infinito (Deus) e o finito
(homem e mundo), a diferença e a separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), o universo como
uma hierarquia de seres, em que os superiores dominam e governam os inferiores, e a subordinação do
poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos (CHAUI, 2005).

A intensa atividade teórica e prática dessa época foi alimentada pelas


grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o conhecimento
de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes, permitindo-lhe
ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa efervescência cultural e
política levou a críticas profundas à Igreja Romana, culminando na Reforma
Protestante, baseada na ideia de liberdade de crença e de pensamento.
À Reforma, a Igreja Romana respondeu com a Contrarreforma e com o
aumento do violento poder da Inquisição (CHAUI, 2005, p. 48).

A filosofia medieval pode ser dividida da seguinte forma (ARRUDA, 1990):

a) Filosofia dos apóstolos: teve como expoente Paulo de Tarso (século I e II d.C.), que pretendeu
difundir o cristianismo mais primitivo.

b) Apologética: defesa das Escrituras Sagradas contra o paganismo (Discurso de são Cipriano).

c) Patrística: Igreja agostiniana, na qual surgia a possibilidade de se aprofundar nas questões


existenciais, mas a partir da inteligibilidade divina.

d) Escolástica: cisão entre a fé e a razão defendida por são Tomás de Aquino.

A filosofia medieval, no contexto da sua existência, procurou explorar temas religiosos e até mesmo
psicológicos averiguando a influência de Deus no indivíduo: a percepção do mundo só poderia ser
desvendada pela inteligência divina tendo seus pensadores e teólogos como intermediários. As coisas
mundanas eram explicadas através da providência divina.

Observação

Plotino (205-270) foi um filósofo neoplatônico, oriundo de família


romana. Ele nasceu no Egito, descobriu o neoplatonismo em Alexandria e
abriu sua própria escola em Roma.

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Figura 24 – Plotino, filósofo neoplatônico (205-270 d.C.)

8 A REFORMA PROTESTANTE

Novos tempos marcaram transformações profundas na Europa desde o século XII, assinalando a
crise do feudalismo e início do capitalismo. A inadequação da Igreja Católica frente ao poder nas mãos
dos reis, a centralização do poder político, o surgimento da burguesia, o crescimento do comércio, do
mercantilismo, da urbanização das cidades medievais e principalmente as novas correntes humanistas
antropocêntricas que estavam surgindo, dentre outras mudanças, caracterizaram a emergência do
mundo moderno.

O poder real foi se fortalecendo juntamente com a adoção de medidas para facilitar o desenvolvimento
do comércio e para obter e preservar riquezas em suas nações. Isso se deveu aos descobrimentos e
colonização de terras capazes de oferecer produtos primários através da sua exploração.

O capitalismo comercial que se desenvolveu com a prática mercantilista ajudou a avançar para a
etapa seguinte, a do capitalismo industrial e da conquista do poder político pela burguesia. Essa classe
social adquiriu prestígio mediante a conquista de riquezas provenientes do comércio.

O Renascimento foi uma verdadeira revolução cultural que caracterizou a emergência da burguesia
ao poder, uma vez que esse movimento rompeu com o monopólio intelectual imposto pela Igreja Católica.
O Renascimento teve início na Itália, justamente onde o pré-capitalismo estava se desenvolvendo com
o ativo comércio mediterrâneo.

O equilíbrio de poderes entre os Estados italianos e a influência de intelectuais vindos de Bizâncio


foram fundamentais para o surgimento do Renascimento italiano. As principais características
renascentistas são: antropocentrismo, humanismo e racionalismo, que se manifestaram a partir
da crítica dos valores cristãos medievais, principalmente porque o Renascimento voltou-se para a
observação e estudo da natureza e para sua comprovação científica.

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A filosofia da Renascença (século XIV ao século XV) procurou a leitura das obras de Platão, do
neoplatonismo e dos livros de magia natural. Nessa fase, os pensadores procuraram no Humanismo, isto
é, na valorização do homem e na visão crítica de sua própria sociedade, o pensamento que representasse
as mudanças que estavam ocorrendo (CHAUI, 2005).

Nesse período, cresceram as manifestações e críticas contra a Igreja Católica. Alguns filósofos, como
Thomas Morus e Erasmo de Roterdã, foram críticos contumazes da Igreja Católica, principalmente em
relação ao poder da Igreja e ao apego aos bens materiais.

Já as reformas religiosas do século XVI foram as grandes revoluções espirituais da época moderna,
uma vez que romperam com o cristianismo ocidental, encararam e transformaram os dogmas cristãos e
modificaram a doutrina da salvação. A Reforma Protestante regenerou os aspectos sombrios e mundanos
do cristianismo romano, quebrou alguns paradigmas católicos e modificou a forma de culto.

A Reforma Protestante é, desse modo, o resultado da nova realidade econômica que se estabeleceu
na Europa no século XVI com o desenvolvimento comercial e urbano. Ela estimulou a acumulação do
capital entre os fiéis, ao contrário das doutrinas católicas, que proibiam a usura e o lucro.

A mudança na consciência religiosa dos fiéis possibilitou o incremento do poder de crítica,


capacitando-os na defesa de seus interesses antes controlados e manipulados pela Igreja Católica.
As mudanças sociopolíticas e econômicas se constituíram em um cenário fundamental para que a
Reforma surgisse.

É importante salientar que a mentalidade do homem europeu dos séculos XV e XVI conservava
a crença em Deus e em Cristo, entretanto, com o surgimento da imprensa, criada por Gutenberg, e a
edição da Bíblia, os fiéis aumentaram seu poder de análise do mundo material e divino. Outros críticos
da Igreja medieval surgiram a partir do século XIV – como o inglês John Wycliffe, que pregava o confisco
dos bens da Igreja, e o pensador reformador boêmio John Huss, que inspirou o sentimento nacionalista
na região – e contribuíram para renovar as necessidades espirituais dos fiéis.

Os reformistas foram indivíduos que conseguiram furar o bloqueio imposto pela Igreja Católica,
pois outros movimentos que se iniciaram no século XII foram fervorosamente combatidos pela Igreja
medieval, através da Inquisição (tribunal eclesiástico), como é o caso dos cátaros franceses, que tinham
uma visão dualista de mundo (bem e mal), e os valdenses, que faziam voto de pobreza.

Apesar da evidente expansão da fé cristã na Europa medieval, as crises religiosas resultantes da


divergência entre as necessidades espirituais dos indivíduos e a organização clerical causaram vários
problemas aos fiéis e colaboraram para mudanças que ocorreriam na passagem do feudalismo para
o capitalismo.

A crise religiosa da Igreja Católica e os rápidos avanços da Reforma Protestante favoreceram


reformas internas que resultaram na chamada Contrarreforma. A solução encontrada foi a recuperação
de áreas sob a influência protestante na Itália e na Península Ibérica, colégios confessionais e a difusão
do catolicismo em regiões de povos não cristãos, como foi o caso brasileiro, com a vinda da Companhia
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de Jesus ao Brasil, no século XVI, para a evangelização dos indígenas. Outra solução para conter o
protestantismo foi reforçar os tribunais da Inquisição (ARRUDA, 1990).

Um dos pais dos reformistas foi Martinho Lutero. O monge agostiniano Martinho Lutero nasceu
em 1483 na cidade de Eisleben, na Alemanha. Foi criado no campo, mas como seu pai gostaria que se
tornasse funcionário público, foi levado para estudar em escolas na cidade. Com 17 anos, entrou
na Universidade de Erfurt, onde estudou filosofia e foi influenciado por Guilherme de Ockham. Esse
teólogo seguia a ideia de que as palavras designam as coisas como elas são e não os “universais”, a
ideia da coisa perfeita, por isso nada poderia ser conhecido com certeza pela razão humana, fora
a realidade como ela é.

Em 1502, Lutero graduou-se em filosofia; em 1505, terminou seu mestrado e se inscreveu no curso
de Direito, seguindo a vontade de sua mãe. Contudo, um dia, voltando para casa, sobreviveu a uma
tempestade de relâmpagos e então jurou se tornar um monge. Entrou para a Ordem dos Agostinianos
no mesmo ano.

Observação

Guilherme de Ockham, teólogo inglês, foi um frade franciscano que


afirmava que o indivíduo era capaz de escolher e saber o que é certo e
errado sem nenhuma intervenção exterior.

Por conta de sua dedicação ao mosteiro e à Ordem Agostiniana, recorria a muitas horas de oração,
autoflagelação e meditação. Por conta de sua cada vez maior consciência de seus pecados, foi sugerido
que ingressasse na carreira acadêmica. Em 1507, foi ordenado sacerdote e no ano seguinte começou a
lecionar Teologia na Universidade de Wittenberg (VIEIRA, 2002).

Figura 25 – Universidade de Halle-Wittenberg em 1836

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Em 1512, Martinho Lutero terminou seu doutorado em Teologia. Em 1515, foi nomeado vigário de
sua ordem, tendo sob sua autoridade onze monastérios. Foi durante esse período que estudou grego e
hebraico para conhecer e entender a Bíblia, e com isso era conhecido como Doutor da Bíblia.

Com 27 anos, já era pregador e confessor na Igreja Santa Maria. Foi nesse período de sacerdote que
se deu conta dos problemas do oferecimento das indulgências aos fiéis. A indulgência é a remissão do
castigo que uma pessoa deve receber por causa dos seus pecados e deve ser aplicada a uma pessoa que
esteja arrependida de todos eles (VIEIRA, 2002).

Nessa época, vinha como ordem papal de Roma conceder indulgência para quem doasse qualquer
quantia para a reforma da Basílica de São Pedro. Essa prática começou a incomodar Martinho Lutero.
Ele via isso como um abuso e considerava que tal prática poderia confundir as pessoas, que deixariam
de lado a confissão e o arrependimento verdadeiro, preferindo pagar pela indulgência.

Por conta desse processo interno de questionamento das indulgências, escreveu as famosas 95 Teses
e afixou esse documento na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg (cidade onde morava), convidando
as pessoas para a discussão acadêmica sobre o significado das indulgências.

As 95 Teses foram traduzidas para o alemão e divulgadas através da impressão não só por toda a
Alemanha, mas também por toda a Europa (VIEIRA, 2002).

Observação

A distribuição ampla das 95 Teses de Martinho Lutero foi o primeiro


episódio da história em que a imprensa foi utilizada em larga escala.

Em 1518, o papa Leão X tomou ciência da polêmica gerada a partir do documento de Martinho
Lutero e começou a debater academicamente com Lutero. Esse debate não chegou a um resultado que
a Igreja em Roma considerasse adequado e Lutero se firmava cada vez mais contrário às indulgências
e a outras atitudes da Igreja Católica.

Frente à resistência e oposição da Igreja, Lutero se colocou em posição perigosa e foi acolhido pela
nobreza culta da Alemanha, mesma nobreza que também estava cansada de enviar riquezas a Roma e,
de certa forma, apoiava o pensamento de Lutero.

Foi o imperador Carlos V que chamou Lutero para participar de sua primeira Dieta real em 1521.

Observação

Dieta era uma reunião de cúpula oficial, governamental e religiosa


chefiada pelos imperadores, pois nessa época não havia separação entre
Estado e Igreja Católica.
95
Unidade III

Nessa reunião, Lutero foi indagado sobre sua obra, que já era amplamente conhecida e que não só
questionava o papa, mas também argumentava que ele estava errado. Ele não retirou seus argumentos.
Antes do final da reunião, Lutero abandonou a cidade de Worms e, no seu regresso a Wittenberg,
desapareceu. Foi então declarado fugitivo e herege pelo imperador (VIEIRA, 2002).

Frederico, o Sábio, ordenou que Lutero fosse capturado. Este foi levado para o castelo de Wartburg,
em Eisenach, onde ficou por quase um ano e assumiu o pseudônimo de Jörg. Foi nesse período de
afastamento que Lutero trabalhou na tradução da Bíblia para o alemão. Até então, todas as Escrituras
e outros documentos da Igreja eram escritos em latim, o que fazia com que grande parte da população
cristã não conhecesse de fato a palavra de Deus.

Em setembro de 1522, o Novo Testamento foi impresso em alemão, tornando acessível a todos a
leitura e entendimento das Escrituras.

8.1 Martinho Lutero

Martinho Lutero enfrentou seus questionamentos importantes em relação à postura da Igreja


Romana no que se refere à condução ética da moral dos cristãos. Esses questionamentos eram fruto de
seus estudos e experiência na vida monástica.

Lembrete

Martinho Lutero foi um monge agostiniano e professor de teologia


germânico que se tornou uma das figuras centrais da Reforma Protestante.

Esses questionamentos em relação à Igreja, que culminaram na afixação das 95 Teses sobre
as indulgências papais, foram formulados para iniciar uma discussão acadêmica, a qual se referiu às
indulgências papais e à cobrança de indultos para comprar um lugar no céu ou para pagar os pecados.
Martinho Lutero via pessoas com delitos graves que pagavam pelos indultos, mas não estavam de fato
se arrependendo das suas atitudes.

Às vésperas da Reforma, os abusos vivenciados por Lutero tornaram-se escandalosos, e o


enfrentamento a esses abusos transformou a Alemanha e a Europa cristã (VIEIRA, 2002). Das angústias
de Lutero, a falta de sinceridade na confissão e no sentimento de arrependimento gerada pela simples
compra da indulgência foi o que impulsionou o monge para o enfrentamento da Igreja Romana.

Várias das pessoas atendidas no confessionário já haviam “pagado”, com a compra de indulgências,
as suas transgressões – às vezes, autênticos crimes – e não se sentiam motivadas para uma verdadeira
penitência, ou seja, para uma viragem das suas vidas (KNOCH, 2003).

Apesar de sua tentativa de discutir o assunto, a Igreja não deu importância imediata para suas
teses, e ele enviou uma cópia para muitos intelectuais e teólogos alemães, disparando, assim, o que é
conhecido hoje como a Reforma.
96
DUALISMO RELIGIOSO

Lembrete

Teologia é o estudo de uma doutrina ou sistema particular de crenças


religiosas. Um exemplo é a teologia cristã.

Figura 26 – As 95 Teses, de Martinho Lutero

É importante considerar que Lutero recebeu apoio da nobreza alemã porque ela também já estava
cansada de enviar para Roma uma quantidade grande de dinheiro, espoliando seu povo e suas cidades.

Com a publicação de suas teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, Lutero não pretendeu
desencadear uma divisão da Igreja ou mesmo um rompimento, mas simplesmente discutir teologicamente
o assunto (VIEIRA, 2002).

Lutero atacou as indulgências não como abuso, mas como algo de verdade, da religião. As teses
poderiam ter sido debatidas apenas na academia. Foram escritas em latim e de forma moderada,
questionando os poderes papais. Assim que os alemães entenderam o poder desse questionamento,
traduziram essas teses para o alemão e, através da imprensa, distribuíram-nas por todo o território.
O interesse que suscitaram foi geral, súbito e inesperado (VIEIRA, 2002).

Por outro lado, a Reforma abriu espaço para a liberdade existencial do indivíduo, influenciando mais
tarde os ideais do iluminismo. Lutero abre, então, a discussão da liberdade humana.

97
Unidade III

Figura 27 – A Alemanha, ou o Sacro Império Romano-Germânico, em 1400, durante a Idade Média

Ele recusava qualquer ética definida por forças externas, que seriam as “aparências romanas”
refutáveis. Considerava também uma ilusão que exercícios religiosos – e, em particular, a severa disciplina
monástica – pudessem criar um ser humano moral e perfeito (KNOCH, 2003).

Para Lutero, não é o hábito que faz o monge. Ou seja, não se pode chegar à dimensão interior a partir
de estímulos exteriores, porque é na interioridade, pensando de forma radical, que se decide a liberdade
e a bondade humana (KNOCH, 2003).

Na passagem do século XV para o XVI, os contemporâneos de Lutero viviam dominados e influenciados


pela Igreja Romana, considerados seres insuficientes ou em perigo de serem condenados pelo pecado
original. Para Lutero, entretanto, “não são os frutos que fazem a boa árvore, mas antes é a boa árvore
que leva aos bons frutos” (KNOCH, 2003, p. 39). Assim, Lutero privilegia a perspectiva relacional com
Deus e com o mundo: somente a partir dessa relação profunda e múltipla o ser humano pode construir
certezas espirituais e práticas éticas fundamentais, e não seguindo dogmas externos.

Considerava-se que Deus julgasse com severidade a insuficiência da vontade dos seres humanos, mas
Lutero não se deixou tranquilizar pelos méritos da disciplina eclesiástica. O ideal monástico tornou-se
98
DUALISMO RELIGIOSO

cada vez mais difícil de alcançar. A contradição que ele observou nesse tipo de espiritualidade rigorista e
na doutrina escolástica em geral é que, quando o ser humano falha face às exigências da justiça divina,
fica sozinho com a sua culpa e merece condenação (KNOCH, 2003).

Lutero não entendia como Deus poderia ser uma vez um Deus de amor e outra vez um Deus de
justiça implacável. Essa contradição da teologia escolástica o angustiava de tal modo que não se deixava
tranquilizar com soluções mediadas pela instituição eclesiástica. Precisava de uma relação pessoal com
Deus, algo contrário à imaginação escolástica medieval, que considerava Deus absoluto, onipotente e
distante, uma imagem de Deus fortemente desenhada nos termos ontológicos da filosofia aristotélica
(KNOCH, 2003).

Estudando a Bíblia de forma profunda, Lutero teve uma outra interpretação do termo “Justiça de
Deus”, interpretação essa diametralmente oposta à leitura da época. Concluiu que a justiça não é tanto
uma substância (propriedade) que pertence a Deus e que falta ao ser humano, mas sim uma relação
transformadora na aceitação incondicional do ser humano por Deus.

Para Lutero, a justiça de Deus não é exigência, mas dádiva, e não deveria ser entendida como uma
sentença judicial que declara o ser humano culpado conforme os seus pecados e a sua insuficiência
ontológica. Ela transformaria o ser humano culpado em inocente. Deus, desse modo, liberta o ser
humano que, apesar de não merecer, recebe a liberdade incondicionalmente (KNOCH, 2003).

Com essa nova leitura da Bíblia, Lutero afirma:

Foi, para mim, como se tivesse nascido de novo e tivesse entrado pelas portas
abertas do paraíso. Toda a Bíblia teve de repente um novo rosto. Percorri-a,
enquanto a recordei, recolhendo expressões análogas: a obra de Deus – a
obra que Deus faz em nós; a força de Deus – a força que nos fortifica [...].
Quanto mais odiava antes a palavra justiça, tanto mais amada e doce ela me
é agora (apud KNOCH, 2003, p. 41).

Dessa forma, Deus deixou de ser um Ele absoluto e distante para se tornar um Tu próximo, como
expressão de que o ser humano justificado tem, dentro de si, a possibilidade de toda a vontade e toda
a liberdade (KNOCH, 2003).

A visão transformativa na teologia de Lutero é que a justiça de Deus não é


uma justiça normativa que exige o impossível, mas sim um movimento onde
Deus não fica a uma distância abissal e absoluta do mundo temporal, mas
transmite aos seres humanos, que em si não são justos, a justiça divina; e o
ser humano recebe-a como uma dádiva e como uma transformação do seu
enquadramento relacional. [...] a mensagem cristã é uma boa mensagem
para o indivíduo que não está mais sob um julgo, mas que pode viver a
liberdade (KNOCH, 2003, p. 42).

99
Unidade III

Lutero então afirmou que a liberdade de escolha pertencia ao foro exterior, à liberdade de agir. Mas
a liberdade no sentido mais profundo está situada no foro interior. Dessa forma, ele traz o ser humano
espiritual, novo e interior em contraste com o ser humano somático, exterior e velho. Assim, o esforço
ético não se consegue pelo hábito nem pelo treino. A vontade do ser humano não pode ser resultado
do exercício (KNOCH, 2003).

A dualidade religiosa em Lutero

Lutero salienta que os conceitos de “carne” e “espírito” empregados pelo apóstolo Paulo para
referir‑se à natureza humana não correspondem a material e imaterial, mas ao ser humano que
deseja autossuficiência, ou seja, viver uma vida sem Deus (carnal), e ao ser humano que se submete
alegremente aos cuidados de Deus (espiritual) (ROSA, 2010).

O dualismo religioso de Lutero sofre influência da Paulo e, portanto, do cristianismo primitivo.


Entretanto, é possível que Lutero tenha tido uma formação escolástica, mesclando os seus conhecimentos
entre a fé e a razão, apesar de não ter absolutamente aceito a interferência da filosofia platônica em
muitos de seus diálogos.

Também Filipe Melanchthon, íntimo amigo de Lutero e seu principal colaborador, percebeu as
deformações sofridas pela teologia decorrentes da influência da teologia grega. “Porque assim como
nós nestes últimos tempos da Igreja temos abraçado Aristóteles ao invés de Cristo, assim imediatamente
após o início da Igreja a doutrina cristã foi enfraquecida pela filosofia platonista” (ROSA, 2010, p. 64).

Melanchthon resumiu o pensamento de Lutero no texto da Confissão de Augsburgo: “tal conceito,


como já foi sublinhado, é um bom antídoto contra uma visão dualista, uma vez que esta justificação
não depende de sacrifícios humanos (mortificação do corpo) mas, somente, da graça de Deus” (ROSA,
2010, p. 64).

O dualismo religioso prossegue com Lutero, com a ideia da soberania de Deus sobre todas as fases
da existência, incluindo a ordem política, uma vez que sua doutrina foi importante no desenvolvimento
do nacionalismo alemão. Ele cria o conceito de dois reinos – o de Deus e o do mundo, embora os dois
reinos estejam sujeitos à vontade de Deus.

É importante saber como a relação entre religião e trabalho se desenvolveu no pensamento de


Lutero, uma vez que esta questão se tornou o prelúdio da secularização da Igreja, isto é, a perda
de prestígio das organizações religiosas na vida do indivíduo e na vida coletiva, assim como de
influência nas instituições, como ocorria na era medieval.

Esse momento é crucial, porque representa uma ruptura com a romanização da Igreja, ruptura que
irá florescer com maior intensidade a partir do século XIX e nas formas modernas de secularização, isto
é, nas novas configurações de convívio entre os fiéis e a religião. O progresso científico e as verdades
políticas, culturais e filosóficas irão facilitar o desenvolvimento de um modo de vida não mais baseado
na religiosidade, como aquele vivenciado no mundo feudal. Conforme Camurça:

100
DUALISMO RELIGIOSO

O que se assiste na modernidade é a consolidação do “declínio da religião” de


sua condição estruturante da sociedade, não exercendo nenhuma influência
significativa na cultura contemporânea, eclipsada pela ciência, esta sim
responsável pelos “milagres” impactantes do nosso cotidiano (CAMURÇA,
2003, p. 59).

O desenvolvimento da secularização está absolutamente relacionado com o fenômeno moderno,


como resultado dos fatores que provocaram o seu surgimento. A Reforma Protestante foi precursora
nesse episódio. As ideias reformistas foram auxiliadas pela invenção da imprensa, que propiciou a
impressão dos textos reforçados pela circulação dessas ideias.

Evidentemente o fenômeno reformista provocou uma maior liberdade individual e de espírito como
resultado da nova ordem social que estava nascendo. Com a abertura do conhecimento devido ao
contato do fiel com as Escrituras Sagradas, quando a Bíblia foi traduzida para o alemão, tornou-se
possível garantir ao indivíduo uma maior subjetividade e criticidade, em contraponto com a manipulação
religiosa medieval.

A emancipação do indivíduo, isto é, libertá-lo das superstições medievais e do domínio político,


norteou o surgimento das “novas verdades”, ou as novas posições filosóficas surgidas com o Século das
Luzes ou o Iluminismo.

Pela sua trajetória, Lutero avança em termos da modernidade que o contexto exigia, se libertando
das amarras medievais quando defende a sua liberdade enquanto cristão, além de ter uma dimensão
crítica à tradição judaico-cristã. Todavia, Lutero apoiou os príncipes alemães na captura do líder dos
camponeses Thomas Müntzer e na condenação dos revoltosos.

Thomas Müntzer teve um papel muito mais importante no período do que se imagina, embora
não tenha tido a relevância merecida. A Reforma Protestante na Alemanha representou uma
revolução social e não apenas religiosa, em razão das transformações ocorridas no mundo feudal e do
surgimento da burguesia. Ocorre que a nobreza alemã pressionava os camponeses, o que provocava
muitos conflitos e revoltas sociais.

O teólogo Müntzer, nascido por volta de 1488, aproximou-se da doutrina de Lutero, mas logo se
afastou, principalmente por Lutero ter sido protegido pela nobreza. Além disso, Müntzer criticava a
riqueza da Igreja e da nobreza e pregava o milenarismo, ou seja, a eliminação de todos os não crentes
(cristianismo primitivo), assim como a divisão dos bens materiais entre todos.

Suas ideias reuniam princípios religiosos e políticos e colocavam Müntzer em uma postura bastante
radical. Ele representava os anabatistas, grupo que defendia o batismo na idade adulta. Compôs o grupo
para liderar as revoltas camponesas.

Os anabatistas eram um grupo heterogêneo, formado por camponeses e intelectuais humanistas,


que encontraram na nova Igreja reformada um meio para combater a situação social em que viviam.
101
Unidade III

Se esse grupo tivesse nascido no período da Alta Idade Média, seria perseguido e seus integrantes
mortos como hereges.

A revolta camponesa liderada por Müntzer por volta de 1523 pretendia a abolição da servidão
no campo. As revoltas camponesas na Alemanha foram veementemente condenadas por Lutero. Seus
líderes, incluindo Müntzer, foram decapitados.

De qualquer forma, Martinho Lutero teve uma importância incontestável nas transformações
ocorridas no século XVI, com sua doutrina da justificação pela fé, atuando, juntamente com outros
teólogos, nas mudanças estruturais do cristianismo medieval, principalmente na hierarquia eclesiástica,
que estava corroída devido a vários anos de dominação e poder. Lutero é um dos personagens principais
no movimento de regeneração da Igreja Católica.

O filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855) se manifestou sobre a questão da fé dizendo


que ela era fundamental para a solução dos problemas éticos que afligiam os seres humanos e que a
espiritualidade dava sentido à vida. Conhecido pelo seu existencialismo cristão, isto é, pela ideia que
vinculava a existência humana a Deus e segundo a qual o homem vive em consonância com o absoluto,
Kierkegaard foi um crítico ávido dos preceitos e da burocracia luterana (SAVIAN FILHO, 2016, p. 295).

Saiba mais

Para saber mais sobre Soren Kierkegaard, pesquise as seguintes obras


do autor:

KIERKEGAARD, S. O conceito de angústia. São Paulo: Hemus, 1968.

KIERKEGAARD, S. O desespero humano. São Paulo: Martin Claret, 2006.

KIERKEGAARD, S. Ponto de vista explicativo de minha obra como


escritor. Lisboa: Edições 70, 2002.

KIERKEGAARD, S. Temor e tremor. São Paulo: Livraria Exposição do


Livro, 1964.

Os pressupostos que separam as doutrinas de Agostinho e de Lutero podem ser encontrados


nos fatos históricos distintos e nas diferentes sociedades em que viveram. Ambos conheceram uma
sociedade em transformação e suas concepções foram influenciadas por essas mudanças.

Lutero provocou uma grande ruptura na Igreja medieval, principalmente na influência que
esta tinha na vida social. Além disso, promoveu uma revolução léxica ao traduzir a Bíblia para
o alemão, o que colaborou para a unificação da língua e consequentemente a unificação do
Império Alemão.

102
DUALISMO RELIGIOSO

As diferenças entre Agostinho e Lutero estão no desprezo desse último à filosofia aristotélica e
escolástica, apesar de Agostinho ter influenciado sobremaneira o pensamento de Lutero, e até mesmo de
Calvino. Esses reformadores instrumentalizaram os escritos de Agostinho. Por isso, os séculos que separam
Agostinho de Lutero são genuínos potencializadores para a aproximação entre os dois.

Figura 28 – Martinho Lutero, Lucas Cranach, o Velho, 1529

8.2 João Calvino

João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509 na cidade de Noyon, na região da Picardia, na França.
Calvino se converteu ao protestantismo original de Martinho Lutero quando estudava Direito na
Universidade de Orleans. Em 1536, ele publicou um estudo em latim sobre a religião cristã intitulado
Christianae religionis institutio, chamado em português de Institutas da religião cristã.

Originalmente, tratava-se de uma tentativa de organizar as diversas interpretações protestantes


da Bíblia, em suas diversas versões. Após a primeira tradução e interpretação da Bíblia por Martinho
Lutero, surgiram na Europa outras interpretações. Calvino reescreveu pelo menos três vezes essa obra,
completando-a para se tornar sua herança intelectual.

Figura 29 – João Calvino

103
Unidade III

Calvino desenvolveu um sistema da teologia cristã mais tarde conhecido como calvinismo, no
qual a doutrina cristã inclui as ideias de predestinação e de soberania absoluta de Deus na salvação
da alma humana da morte e da condenação eterna. Essas ideias desenvolvidas por Calvino estavam
fortemente ligadas às primeiras tradições cristãs, inspiradas por santo Agostinho.

Atualmente, na Igreja Protestante, várias manifestações, como a Igreja Congregacional, a


Reformada e a Presbiteriana, veem em Calvino o principal pensador de sua crença.

Aos vinte e quatro anos de idade, Calvino vivenciou sua conversão religiosa, e seus biógrafos
acreditam que tal conversão correspondeu à ruptura com a Igreja Católica Romana. Três anos
depois, ele publicou sua primeira edição das Institutas da religião cristã, um resumo de seus pontos
de vista sobre a teologia cristã.

Esse trabalho era um pequeno livro de seis capítulos quando publicado pela primeira vez, e em
sua última publicação, vinte e três anos mais tarde, tinha alcançado quatro grandes volumes com
oitenta capítulos. Mas sua teologia essencial e suas doutrinas permaneceram inalteradas. Calvino
simplesmente expandiu a demonstração de suas ideias enquanto aprofundava seu estudo da Bíblia.

Calvino tinha sido enviado à universidade por seu pai, que desejava ver o filho enriquecer como
advogado. Durante esse período de estudos, rompeu com a Igreja Católica Romana por volta do
ano de 1530. Quando as tensões religiosas na França se tornaram violência generalizada contra os
cristãos protestantes, Calvino fugiu para a Basileia, na Suíça, onde em 1536 publicou a primeira
edição das Institutas.

No mesmo ano, Calvino foi recrutado pelo francês William Farel para ajudar a reformar a Igreja
em outra cidade suíça, Genebra. Levou para lá suas ideias e tentou transformar sua forma de
pensar a religião cristã na interpretação hegemônica da cidade. Contudo, os católicos reagiram aos
seus sermões, fazendo o conselho de governo da cidade resistir à implementação de suas ideias,
até que Farel e Calvino fossem expulsos de lá.

Calvino encontrou refúgio na cidade francesa de Estrasburgo, onde se tornou ministro de


uma igreja que recebia franceses perseguidos por sua opção religiosa. Ele continuou a apoiar
o movimento de reforma em Genebra, e em 1541 foi convidado a voltar para assumir a igreja
daquela cidade. É necessário explicar que Calvino foi contemporâneo de Martinho Lutero, o padre
reformador da religião cristã que tinha rompido com a Igreja Católica Romana. Naquele tempo,
cada cidade assumia uma forma única de religião cristã, e aqueles que confessavam credos cristãos
diferentes eram muitas vezes obrigados a mudar de cidade.

Após seu retorno a Genebra, Calvino introduziu novas formas de condução da Igreja e da
liturgia, apesar da oposição de várias famílias poderosas na cidade, que tentaram refrear seu poder.
Contudo, com sua autoridade, e devido ao afluxo de refugiados religiosos e às novas eleições para
o conselho da cidade, os adversários de Calvino foram forçados a sair de lá. Ele então passou seus
últimos anos promovendo a Reforma tanto em Genebra como em toda a Europa.

104
DUALISMO RELIGIOSO

É importante ressaltar que o processo reformista na Suíça teve início com o teólogo Ulrico Zuínglio e
com a independência da Suíça do Sacro Império Romano-Germânico, no século XVI. Esse processo
histórico foi fundamental para a independência das várias cidades comerciais da região e para o
fortalecimento da burguesia ascendente.

A Suíça do século XVI vivia muitos problemas similares aos da Alemanha. Zuínglio (1484‑1531)
foi o teólogo iniciador da Reforma na Suíça e teve importante influência no protestantismo
primitivo no país. Ele foi influenciado pelo humanismo erasmiano (de Erasmo de Roterdã) e sua
doutrina era próxima à de Lutero, embora mais radical. A partir de Zurique, ganhou a simpatia
de outros cantões suíços do norte e pretendeu fundar um Estado teocrático cristão. Os católicos
levantaram-se contra ele, o que originou uma guerra civil. Foi derrotado na Batalha de Kappel, na
qual morreu em 1531, mas, mesmo após seu falecimento, vários focos de resistência protestante
permaneceram acesos.

Apesar da falta de unidade ideológica na região, Zuínglio colaborou para uma maior
independência de costumes, na medida em que rompeu com muitos preceitos, tanto da Igreja
Católica quanto dos teólogos reformistas. Ele se opôs às formas de eucaristia católica e protestante,
isto é, a transubstanciação na transformação do pão e vinho em corpo e sangue, como acreditavam
os católicos, e a consubstanciação, isto é, a presença de Jesus no pão e no vinho, conforme
consideravam os protestantes, como Lutero e Calvino (ARRUDA, 1990).

Zuínglio também foi contrário aos anabatistas, à predestinação e à confissão, embora


tenha se aproximado das ideias de Lutero, às quais não conseguia refutar.

8.3 As influências presentes no pensamento de João Calvino

O crescimento das ideias protestantes em Genebra, no século XVI, está relacionado com a situação
da cidade nesse período. A cidade estava sob o domínio do duque de Savoia, com o qual rivalizava. Do
ponto de vista político um Estado centralizado tenderia a controlar a Igreja e as terras.

Lembrete

No século XVI, as cidades europeias encontravam-se em um processo


de formação das monarquias nacionais, o que é a raiz da rivalidade de
Genebra com o domínio do duque.

A cidade de Genebra, na época medieval, se constituía em uma vila episcopal controlada pelo
ducado de Savoia, que constantemente entrava em choque com o representante da Igreja no lugar.
Entretanto, com a morte do religioso, o ducado tomou para si o poder local. Com o tempo, ocorreu
uma revolta contra o domínio do ducado, que terminou com a liberdade da cidade do protetorado ducal.

Genebra era uma cidade independente do Sacro Império Romano-Germânico e era habitada por
pequenos comerciantes e artesãos. O temor da existência de um Estado forte interessado em usurpar
105
Unidade III

o poder religioso local constituía uma ameaça a essa população de comerciantes independentes,
ansiosos por um sistema religioso e político independente.

As ideias de Lutero e Zuínglio já haviam surgido na região e vieram a coincidir com o modo de
vida dos habitantes da cidade e com suas crenças cristãs, que estavam abaladas pelos problemas
com as estruturas eclesiásticas e com a administração da Igreja. A cidade era dividida em católicos e
protestantes, mas, com o passar do tempo, a população passou a se identificar com as ideias calvinistas
(ARRUDA, 1990, p. 44-45).

A vinda de Calvino (francês), com apenas 27 anos, a Genebra, em 1536, combinou os interesses da
população com as ideias humanistas e luteranas recém-adquiridas por esse pensador, o qual viria a
transformar a localidade, que temia uma mudança radical. Lá, Calvino idealizou o projeto reformista
com o apoio das instâncias civis e implantou as ordenações eclesiásticas, conjunto de leis rígidas e
intolerantes (ARRUDA, 1990).

As ideias de Calvino, como a predestinação, a salvação pela fé e o hábito da poupança através


do trabalho moralmente edificado, receberam rápida adesão, uma vez que muitos comerciantes eram
ligados aos costumes morais cristãos.

A Igreja medieval combatia a obtenção de lucros excessivos em relação a todo tipo de preço adotado
com o comércio e outras formas de renda: isso era chamado de justo preço. Com efeito, essa prática
impedia o acúmulo de capital que estava em franca ascensão na Baixa Idade Média, quando parte dos
habitantes dos feudos foram morar nas cidades (burgos), estimulando o êxodo rural.

Os valores morais propagados pela Igreja estavam impedindo que as recém-criadas atividades
financeiras – como resultado do crescimento das cidades medievais e do ainda incipiente empréstimo
de dinheiro a juros – pudessem se desenvolver.

É preciso identificar o acúmulo de capital ocorrido na Idade Média. Os judeus europeus eram
os que emprestavam dinheiro aos indivíduos que precisassem sanar seus problemas relacionados
com a produção. Com o pré-capitalismo, os empréstimos bancários eram a tônica do momento.
A Igreja Católica condenava o lucro, principalmente os empréstimos a juros, porém, com o gradual
aumento do volume de negócios, no século XI, ela ficou menos rígida com as regras da usura e do
juro (ARRUDA, 1990).

Com o desenvolvimento do comércio, aprimorou-se a contabilidade comercial, mas algumas regiões


ainda conservavam os preceitos cristãos e isso as desestabilizava. As ideias calvinistas tomariam corpo
na Suíça e, apesar de rígidas, propagavam a libertação dos comerciantes do “pecado” do lucro e da
usura. Colocando as práticas burguesas comerciais fora das transgressões católicas, elas punham os
burgueses no caminho da predestinação, ou seja, na posição de escolhidos por Deus, devido à vida
próspera e sem ostentação.

Calvino estudou a história e as atas dos concílios da Igreja Católica como fontes do ensino teológico,
mas não adotou indiscriminadamente essas teses teológicas. Ele se opunha a qualquer coisa que
106
DUALISMO RELIGIOSO

considerasse estar contra as Escrituras. Desse modo, tudo que ele acreditava ser advindo da palavra de
Deus foi incorporado em seus escritos, mas ele rejeitou o que não parecia conhecimento teológico ou
era teologicamente impreciso.

Observação

Lendo as Institutas, parece surgir uma hierarquia de valores que Calvino


tenta preservar, como a leitura em grego, ou em latim, dos textos dos evangelhos.

Nesse sentido, é notável que ele aceite as escolhas da Igreja Católica de quais são os textos
válidos, pois sabemos que a escolha dos evangelhos foi motivo de discussão por pelo menos três
séculos. Embora Calvino tenha aceitado o Credo Niceno-constantinopolitano e o Credo de Atanásio,
o primeiro foi considerado por ele uma confissão de fé inadequada, escrita pelos Padres da Igreja no
Conselho de Niceia.

Para Calvino, a articulação teológica tinha de ser bíblica, apresentada de forma lúcida e clara. Calvino
acreditava que era necessário usar palavras que estivessem em conformidade com a verdade bíblica e
não ofendessem os ouvidos piedosos. Quando Calvino avaliava que os escritos da história da teologia
soavam bem para sua busca de Deus, ele os incorporava. Caso contrário, explicava detalhadamente por
que discordava deles.

Observação

O Credo Niceno-constantinopolitano é uma declaração de fé cristã


aceita pela Igreja Católica e pela maioria das denominações protestantes e
tem relação com o Primeiro Concílio de Niceia.

Aqui é necessário explicar quem eram os Padres da Igreja e o que foram os concílios. A partir do ano
180, os primeiros Padres da Igreja – que hoje em dia chamamos de bispos – pensaram e escreveram
normas sobre em que se deve acreditar para ser um bom cristão. A questão maior é a aceitação da
Trindade. Toda questão nasce porque na Bíblia não aparece escrito em nenhum lugar que Deus é
composto de três pessoas: Deus pai, Jesus Cristo, seu filho, e o Espírito Santo.

Essa forma de representar Deus é chamada de divina Trindade, e ela é necessária para explicar ao
cristão a natureza divina de Cristo e a possibilidade de qualquer ser humano poder se comportar da
forma correta, inspirado pelo Espírito Santo. Se Jesus fosse considerado apenas um ser humano, ele seria
apenas mais um profeta (que é aquilo em que acreditam os muçulmanos, por exemplo).

Ainda que se acreditasse que ele operava milagres, um ser humano milagreiro não seria nem homem
nem Deus. Se isso fosse considerado verdade, não haveria sentido nenhum no estabelecimento de uma
Igreja de Cristo, ela seria apenas mais uma seita judaica. Entretanto, em algumas passagens da Bíblia,
podemos interpretar que a existência do Espírito Santo está implícita, pois, se temos a ideia da religião
107
Unidade III

judaica do Deus criador de todas as coisas e sabemos que Jesus veio em nome do pai, o espírito da boa
vontade deveria também vir de Deus em sua sabedoria.

Observação

Conforme Hodges (1878), o Credo de Atanásio é “um majestoso e único


monumento da fé imutável de toda a Igreja quanto aos grandes mistérios
da divindade e da Trindade”.

Para isso, foi convocada a primeira reunião geral de todos os bispos daquela época, num evento
em 325 d.C. chamado Concílio de Niceia. Lá foi estabelecida uma reza mantida até hoje em todas as
religiões de origem cristã, que é o Credo.

O Credo, que significa “creio”, é uma síntese de pensamento que serve para comprovar que há uma
ligação entre Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo.

Vamos agora comparar o Credo Niceno-constantinopolitano do ano de 325 d.C., reescrito em 381 d.C.
na cidade de Constantinopla durante o Segundo Concílio, com o do bispo Atanásio de Alexandria,
supostamente escrito por volta do ano 500 d.C.:

Credo Niceno-constantinopolitano (381 d.C.)

Cremos em um só Deus, Pai, Onipotente, criador do céu e da terra, e de todas as coisas


visíveis e invisíveis.

E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos
os tempos:

Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, consubstancial com
o Pai, por quem todas as coisas foram feitas, o qual por nós homens e pela nossa salvação
desceu do céu, e encarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria, e foi feito homem.

Foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado.

E, ao terceiro dia, ressuscitou, segundo as Escrituras, e subiu ao céu, e está sentado à


mão direita do Pai, e virá outra vez com glória a julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino
não terá fim.

E cremos no Espírito Santo, Senhor, doador da vida, procedente do Pai.

O qual com o Pai e o Filho juntamente é adorado e glorificado, o qual falou pelos profetas.
108
DUALISMO RELIGIOSO

Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica.

Reconhecemos um só batismo para a remissão dos pecados.

E esperamos a ressurreição dos mortos, e a vida do mundo vindouro. Amém.

Credo de Atanásio

Todo aquele que quiser ser salvo, é necessário acima de tudo que sustente a fé
universal (católica).

A qual, a menos que cada um preserve perfeita e inviolável, certamente perecerá para sempre.

Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade.

Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância.

Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo outra.

Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divindade, igual em glória e
coeterna majestade.

O que o Pai é, o mesmo é o Filho, e o Espírito Santo.

O Pai é não criado, o Filho é não criado, o Espírito Santo é não criado.

O Pai é ilimitado, o Filho é ilimitado, o Espírito Santo é ilimitado.

O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno.

Contudo, não há três eternos, mas um eterno.

Portanto não há três (seres) não criados, nem três ilimitados, mas um não criado e
um ilimitado.

Do mesmo modo, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente.

Contudo, não há três onipotentes, mas um só onipotente.

Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus.

Contudo, não há três Deuses, mas um só Deus.

Portanto o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, e o Espírito Santo é Senhor. Contudo, não há
três Senhores, mas um só Senhor.

109
Unidade III

Porque, assim como compelidos pela verdade cristã a confessar cada pessoa
separadamente como Deus e Senhor; assim também somos proibidos pela religião universal
(católica) de dizer que há três Deuses ou Senhores.

O Pai não foi feito de ninguém, nem criado, nem gerado. O Filho procede do Pai somente,
nem feito, nem criado, mas gerado.

O Espírito Santo procede do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem gerado, mas procedente.

Portanto, há um só Pai, não três Pais, um Filho, não três Filhos, um Espírito Santo, não
três Espíritos Santos.

E nessa Trindade nenhum é primeiro ou último, nenhum é maior ou menor.

Mas todas as três pessoas coeternas são coiguais entre si; de modo que, em tudo o que foi
dito acima, tanto a unidade em trindade como a trindade em unidade devem ser cultuadas.

Logo, todo aquele que quiser ser salvo deve pensar desse modo com relação à Trindade.

Mas também é necessário para a salvação eterna que se creia fielmente na encarnação
do nosso Senhor Jesus Cristo.

É, portanto, fé verdadeira que creiamos e confessemos que nosso Senhor e Salvador


Jesus Cristo é tanto Deus como homem.

Ele é Deus eternamente gerado da substância do Pai; homem nascido no tempo da


substância da sua mãe.

Perfeito Deus, perfeito homem, subsistindo de uma alma racional e carne humana.

Igual ao Pai com relação à sua divindade, menor do que o Pai com relação à sua humanidade.

O qual, embora seja Deus e homem, não é dois, mas um só Cristo.

Mas um não pela conversão da sua divindade em carne, mas por sua divindade haver
assumido sua humanidade.

Um não, de modo algum, pela confusão de substância, mas pela unidade de pessoa.

Pois assim como uma alma racional e carne constituem um só homem, assim Deus e
homem constituem um só Cristo.

O qual sofreu por nossa salvação, desceu ao Hades, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia.

110
DUALISMO RELIGIOSO

Ascendeu ao céu, sentou à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os
vivos e os mortos.

Em cuja vinda, todo homem ressuscitará com seu corpo e prestará conta de suas obras.

E aqueles que houverem feito o bem irão para a vida eterna; aqueles que houverem feito
o mal, para o fogo eterno.

Esta é a fé universal, e quem não crer firmemente nela não poderá ser salvo.

Nota: A palavra universal é traduzida da palavra grega original, católica. Para os católicos
apostólicos romanos, este credo é dito substituindo a palavra universal, utilizada pelas
demais igrejas cristãs, pela palavra católica.

Fonte: Hodges (1878, p. 131, tradução nossa).

O que Calvino pensava é que o primeiro Credo era uma forma eficaz de ensinar a fé cristã, mas
não era exato. O segundo Credo explica com detalhes como e por que a Trindade existe; portanto,
Calvino acreditava que o segundo era mais preciso. De qualquer forma, nas Institutas ele faz um estudo
detalhado das palavras do Credo, no qual podemos perceber claramente a aceitação da influência de
santo Agostinho em seu pensamento. Vamos examinar alguns trechos:

5. Cristo consumou-nos a redenção mediante sua obediência e morte vicária

Agora, quando se pergunta como, cancelados os pecados, Cristo tenha removido o


antagonismo existente entre nós e Deus, e adquirido a justiça que no-lo fizesse favorável e
benévolo, pode-se responder, de modo geral, que isto ele nos conseguiu mediante todo o
curso de sua obediência. O que se prova do testemunho de Paulo:

“Como, pela transgressão de um, muitos foram constituídos pecadores, assim, pela
obediência de um, somos constituídos justos” [Rm 5.19]. E de fato, em outro lugar ele
estende a toda a vida de Cristo a causa do perdão que nos exime da maldição da lei: “Quando
veio a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, sujeito à lei, para que
redimisse aqueles que estavam debaixo da lei” [Gl 4.4, 5]. Assim também, em seu próprio
batismo, declarou estar ele cumprindo parte da justiça, porquanto estaria obedientemente
executando o mandado do Pai [Mt. 3.15]. Enfim, desde que se revestiu da pessoa de servo,
começou a pagar o preço de nossa libertação a fim de nos redimir.

Todavia, para definir mais precisamente o modo da salvação, a Escritura prescreve isto
como sendo peculiar e próprio à morte de Cristo. Ele próprio declara “dar a vida em resgate por
muitos” [Mt 20.28]. Paulo ensina que “Cristo morreu por nossos pecados” [Rm 4.25; 1Co 15.3].
João Batista proclamava que ele viera a fim de tirar os pecados do mundo, porquanto
era o Cordeiro de Deus [Jo 1.29]. Em outro lugar, Paulo declara que “fomos justificados
gratuitamente, mercê da redenção que há em Cristo, porque ele nos foi proposto como o
111
Unidade III

reconciliador em seu sangue” [Rm 3.24, 25]. Igualmente, “que fomos justificados em seu
sangue e reconciliados por sua morte” [Rm 5.9, 10]. De novo, “Aquele que não conhecia
pecado, fez-se pecado por nós, para que nele fôssemos justiça de Deus” [2Co 5.21]. Não
enumerarei todas as referências, porque a lista seria imensa e muitas serão citadas a seguir,
em sua devida ordem.

Razão por que, no símbolo de fé, que chamam Credo Apostólico, ocorre imediatamente,
na mais apropriada ordem, a transição do nascimento de Cristo à sua morte e ressurreição,
em que reside a suma da perfeita salvação. Contudo, nem se exclui a parte remanescente da
obediência que ele efetuou na vida, como Paulo a compreende toda, do começo ao fim, já
que ele “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, foi obediente ao Pai até a morte,
e morte de cruz” [Fp 2.7, 8]. E de fato também na própria morte de Cristo ocupa o primeiro
plano sua sujeição voluntária, porquanto seu sacrifício de nada teria servido à justiça, a não
ser que fosse oferecido de livre vontade. Portanto, quando o Senhor testificou que “dava
sua vida pelas ovelhas” [Jo 10.15], acrescenta, expressamente: “Ninguém a toma de mim
mesmo” [Jo 17.18]. Neste sentido diz Isaías que “ele ficou mudo como um cordeiro diante
do tosquiador” [Is 53.7]. E a história do evangelho afirma que ele se adiantou ao encontro
dos soldados [Jo 18.4] e diante de Pilatos, não recorrendo a qualquer defesa própria, firme
se postou para submeter-se a julgamento [Mt. 27.12, 14]. Isto, na verdade, não sem luta,
porquanto não apenas tomara sobre si nossas misérias, mas ainda se fez necessário ser,
desta maneira, testada a obediência que prestava a seu Pai. E foi isto evidência não comum
de seu incomparável amor para conosco: lutar com horrível espantalho, e por entre aqueles
duros tormentos afastar toda preocupação consigo mesmo, para que pudesse satisfazer‑nos
os interesses. Isto, por certo, se deve sustentar: que não se pôde de outra sorte propiciar
devidamente a Deus, senão, enquanto abdicando do afeto próprio, Cristo se lhe submeteu,
e se lhe entregou plenamente à vontade. Nesta matéria o Apóstolo cita, apropriadamente,
este testemunho do Salmo: “No livro da lei foi escrito sobre mim. Deleito-me em fazer tua
vontade, ó Deus. Quero que tua lei esteja em meu coração. Então, eu disse: Eis que venho”
[Sl 40.7 9; Hb. 10.7, 9].

Fonte: Calvino (1989, p. 261-262).

Percebemos que Calvino escreve uma tese detalhadamente anotada a partir de referências dos
escritos de Paulo, reconhecendo-se também como intérprete da mesma tradição religiosa. Nesse sentido
de estar escrevendo com legitimidade a respeito das interpretações da palavra divina, vemos também:

Prefiro explicar isto com palavras de Agostinho a explicá-lo com palavras


minhas: “Por sua morte”, diz ele, “Cristo haveria de ir para a destra de Deus,
donde haveria de vir para julgar vivos e mortos; de igual modo, em presença
corpórea, segundo a sã doutrina e a regra de fé. Pois, em presença espiritual,
com eles haveria de vir após sua ascensão.” E, em outro lugar, mais explícita
e claramente: “Segundo sua inefável e invisível graça, cumpre-se o que foi
dito por ele: ‘Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação do
mundo’” [Mt 28.20]. Ora, segundo a carne que assumiu como o Verbo, que
112
DUALISMO RELIGIOSO

nasceu da Virgem, que foi assenhoreado pelos judeus, que foi pregado no
madeiro, que foi retirado da cruz, que foi envolvido em panos de linho, que
foi segregado no sepulcro, que foi manifestado na ressurreição, cumprem‑se
estas palavras: ‘Nem sempre me tereis convosco’ [Mt 26.11; Mc 14.13; Jo 12.8].
Por que razão?

Porque, segundo a presença do corpo, conviveu quarenta dias com seus


discípulos e, deixando-o distanciar-se, vendo-o, não acompanhando-o,
subiu ao céu, e não está aqui, pois está lá, assentado à direita do Pai; e está
aqui, pois ele não retirou a presença da majestade. Portanto, sempre temos
Cristo segundo a presença de sua majestade; segundo a presença da carne,
porém, foi, com acerto, dito aos discípulos: ‘A mim, porém, nem sempre me
tereis.’ Pois, segundo a presença da carne, a Igreja o teve poucos dias; agora
o retém pela fé, não o vendo com os olhos” (CALVINO, 1989, p. 276).

Examinando detalhadamente aquilo que tinha sido escrito no passado e acreditando que o texto
bíblico contém a verdade ditada por Deus àqueles que escreveram as Escrituras, Calvino se insere
também no texto como comentador equivalente a Paulo, mas subordinado a Agostinho.

Podemos perceber que seu trajeto intelectual construiu uma novidade em relação àquilo que a Igreja
Católica denominava “o povo de Deus”. Segundo Haas (2002), todos os reformadores da Igreja (Martinho
Lutero, Zuínglio e Calvino, os principais) perceberam que a condução indistinta da comunidade dos fiéis,
principalmente com o instrumento proporcionado pelo perdão dos pecados através do sacramento da
confissão, criava para a Igreja um problema, que era a facilidade com que uma absolvição dos pecados
permitia ao pecador se afastar dos dez mandamentos.

A confissão era em princípio, até o século VI, um ato coletivo. Serviu bem para a conversão de
populações inteiras, principalmente a do Reino da França, que tinha sido unificado por Clóvis I e que, no
ano de 508, adotou a fé católica. No Concílio de Niceia, os Padres da Igreja decidiram que a confissão
deveria ser individual e que era um sacramento da Igreja.

O dualismo religioso em João Calvino envolve a questão da ética que provém da tradição cristã e das
ideias agostinianas. Para ele, Deus é absoluto sobre todas as coisas terrenas e universais e o ser humano foi
criado à sua imagem e semelhança. Essa concepção é percebida por Calvino por meio do sentido ético e
moral, ou seja, o ser humano tem o livre-arbítrio para fazer a vontade de Deus, dentro de seus limites naturais.

Quando Calvino foca a soberania divina e sua bondade infinita, surge a dúvida em relação ao mal.
Como e por que ele existe, já que Deus representa o bem, a onipotência? Para podermos refletir sobre essa
questão, devemos nos reportar ao dualismo zoroastrista ou maniqueísta, no qual o mundo é composto
por forças do bem e do mal.

Se o pensamento de Calvino está na onipotência de Deus, então de onde vem, para esse teólogo,
a essência do mal? Calvino diz que a salvação depende exclusivamente da soberania de Deus; a
predestinação depende da graça divina. Esse pensamento está no raciocínio agostiniano e é provável
113
Unidade III

que os reformistas calvinistas tenham no pensamento agostiniano a confirmação para suas indagações:
o conceito de dualidade fica determinado entre a imortalidade da alma – pensamento platônico – e
sua ressurreição – pensamento cristão. Dessa forma, percebe-se que o pensamento de Calvino não
suplantou o raciocínio de Agostinho.

Apesar de Calvino assimilar a princípio os ensinamentos luteranos, ele propôs reformas mais radicais
do que as de Lutero; simplificou o culto e apenas os sacramentos do Batismo e da Comunhão eram aceitos
segundo sua doutrina. As Sagradas Escrituras eram as bases de sua crença. Suas ideias difundiram-se
com rapidez com o teólogo Teodoro de Beza e logo alcançaram França, Holanda e Inglaterra, país onde
o calvinismo chamou-se de puritanismo (ARRUDA, 1990).

O calvinismo penetrou na França católica e seus adeptos receberam o nome de huguenotes, em


homenagem à Besançon Hugues, líder religioso suíço. Eles foram vítimas de perseguição em um momento
em que a França lutava contra o protestantismo no século XVI. Os huguenotes foram massacrados
na Noite de São Bartolomeu. Posteriormente, Henrique IV decretou o Édito de Nantes, concedendo
liberdade religiosa aos huguenotes.

8.4 O contexto histórico e religioso

O Humanismo foi difundido na Europa, entre os séculos XIV e XV, como parte das transformações
socioeconômicas que estavam se desenvolvendo com grande rapidez. É importante salientar que o
contexto histórico em que os reformadores apareceram era predominantemente humanista.

As ideias humanistas propagavam uma postura humana mais independente da visão religiosa, como
resultado das críticas que a Igreja Católica vinha recebendo. É fato que toda discordância em relação aos
preceitos católicos era severamente punida com prisões, julgamentos e fogueiras.

Os filósofos humanistas tinham uma postura antropocêntrica, ou seja, o homem como centro do
mundo, ao invés do comportamento teocêntrico defendido pela Igreja Católica, que colocava Deus
como o fundamento de tudo.

Na era medieval, havia uma separação nítida entre Deus (infinito) e homem (finito), entre corpo e
alma, realocando o ser humano a uma postura inferior à divindade. O pensamento humanista procurou
nos valores clássicos, incrementados com os avanços técnicos e científicos, a justificativa para tratar a
teoria antropocêntrica.

Os humanistas defendiam a valorização humana, seu poder criador e transformador, a utilização


da razão e o enaltecimento da natureza. Os humanistas foram os precursores de uma nova visão
humana, decorrente das descobertas, do contato com novas terras, indivíduos e mares e com um
novo olhar sobre o “outro” (CHAUI, 2005, p. 48).

Um dos pensadores humanistas mais marcantes foi Erasmo de Roterdã. Nascido em finais do século XV,
esse filósofo holandês se beneficiou da invenção da prensa de Gutenberg para difundir suas ideias.
Ele estava vinculado ao humanismo cristão, que pleiteava uma Igreja renovada, pois era clérigo.
114
DUALISMO RELIGIOSO

Em sua obra Elogio da loucura, Erasmo de Roterdã criticou as indulgências (perdão), a venda das
relíquias religiosas, a ganância, a imoralidade, dentre outros problemas encontrados na Igreja como
instituição (ARRUDA, 1990).

Martinho Lutero se aproximou das ideias de Erasmo em razão das suas críticas ao clero, pois ambos
dialogavam com o pensamento e as concepções reformistas e com a nova consciência religiosa que
estava surgindo, apesar de Erasmo combater a noção de predestinação defendida por Lutero, porque
acreditava no livre-arbítrio do ser humano.

É importante reforçar que Lutero sabia que a cobrança das indulgências realizada a partir de 1517
pelo papa Leão X tinha como principal motivo a construção da nova Igreja de São Pedro, que existe até
hoje, e que nós chamamos de Igreja do Vaticano. O motivo real da construção dessa igreja, no mesmo
local onde Pedro tinha sido martirizado e sepultado, era o pagamento dos demais sacerdotes das igrejas
situadas na cidade de Roma.

Todas as doações para a Igreja Católica naquela época serviam para pagar salários e obras de todas
as igrejas de Roma. O papa teve a ideia de separar o que era o lugar onde estava a sede da Igreja da
cidade de Roma, desobrigando-o, assim, de continuar a fazer esses pagamentos. Estimulou, portanto,
a venda de indulgências, permitindo que alguns escolhidos em toda a Europa recolhessem dinheiro em
nome da salvação na vida eterna, com o perdão de todos os pecados.

Lembrete

Como vimos anteriormente, esse foi o motivo pelo qual Lutero se


rebelou e protestou contra a Igreja de Roma, começando o movimento
da Reforma.

Haas (2002) nota que os reformadores perceberam que a questão moral e ética na formação do
indivíduo não pode ser coletiva. Ou a pessoa cumpre a observância aos dez mandamentos, ou está
pecando. Não pode haver meio-termo, muito menos uma absolvição coletiva, pois isso não impediria
ninguém de voltar a cometer pecados. Entretanto, pior do que alcançar a absolvição pela penitência e a
oração seria simplesmente comprar um certificado no qual estava escrito que qualquer pecado estava
absolvido, pois isso seria comprar a possibilidade de pecar.

É interessante notar que justamente essa percepção dos reformadores deu início à constituição
moderna do individualismo. Se durante a Idade Média todos tinham sido coletivamente tornados
pecadores pela Igreja Católica – pois, em grego, católica significa universal –, estava na hora de
responsabilizar cada ser humano por seus atos, isto é, pela falta de respeito aos dez mandamentos.

Calvino acreditava que isso só poderia ser alcançado à medida que a vida de Jesus e seus ensinamentos
fossem observados como um modelo ditado por Deus. Para isso, era necessário acreditar que Jesus era
de fato filho de Deus e que a presença de Deus na Terra se dá através do Espírito Santo; portanto, a
Trindade é necessária para a fé cristã.
115
Unidade III

Para Calvino (apud HAAS, 2002), Jesus é o único líder da Igreja, e todos os seres humanos precisam
servi-lo, obedecendo seus preceitos, pois é essa a única forma de remissão dos pecados, sendo necessário
viver uma vida pura e exemplar. Nenhum exemplo pode ser maior do que a abnegação, o sacrifício que
Jesus fez por todos os demais homens. Assim, na comunidade dos homens, não basta apenas respeitar
os mandamentos, mas também é preciso seguir o exemplo da abnegação em favor dos demais.

Lembrete

A doutrina cristã da Trindade define Deus como três pessoas


consubstanciadas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Essa tese de Calvino é a que constrói o sucesso de sua forma de ser cristão. Nesse sentido, ele afirma
que não há como ser perdoado, pois os destinados ao paraíso já teriam sido predestinados por Deus, e
não haveria como distingui-los dos não predestinados. Assim, todos deveriam participar da comunidade
da Igreja, no sentido de pelo menos diminuir sua culpa (CALVINO, 1989).

Tal participação se daria conforme o cristão entendesse a relação existente entre os quatro
mandamentos que falam do respeito a Deus e os demais, que dizem respeito à convivência com o próximo
na forma expressa por Mateus (BÍBLIA, Mateus, 22, 37-39). Essa ética é assumida como princípios da
vida cotidiana (CALVINO, 1989), pois cada pecado individual poderia ser absorvido pela congregação em
boa-fé (CALVINO, 1989), confirmando na comunidade a presença do Espírito Santo.

Apenas dois sacramentos foram mantidos na reforma de Calvino: o batismo, que é o símbolo
de nossa união com Cristo, e a Santa Ceia, que significa a união da comunidade de fiéis com Cristo
(CALVINO, 1989).

8.5 O calvinismo

O calvinismo foi amplamente estudado pelo sociólogo e economista alemão Max Weber (1864-1920).
Esse pensador viveu em um período de efervescência capitalista na Europa e se opôs às ideias de Karl
Marx e Friedrich Engels, cuja obra defendia a compreensão da história a partir do materialismo histórico
e materialismo dialético, isto é, método que compreende que qualquer fenômeno não pode ser explicado
ou dissociado dos outros fenômenos que o circundam.

Para Marx, a vida material determinava a vida social e política do indivíduo, ou seja, as forças de
produção, o modo de produzir em uma sociedade, determinam a vida do indivíduo nessa sociedade.
Portanto, para os materialistas dialéticos, o fator econômico seria predominante na vida do indivíduo,
inclusive o religioso.

Outros pensadores, como Wilhelm Dilthey e Ernst Troeltsch, haviam concluído que os fatores
determinantes para o surgimento do moderno capitalismo estavam na mudança da espiritualidade
ocorrida no final da Idade Média. Weber se ocupa dessa ideia e vai mais além: havia conexões entre
protestantismo e capitalismo (WEBER apud TRAGTENBERG, 1980, p. XVI).
116
DUALISMO RELIGIOSO

Weber recorre à explicação de que a essência do capitalismo está no racionalismo econômico da


classe dirigente e nas crenças religiosas da Baixa Idade Média: elas teriam exercido papel importante no
espírito capitalista.

Para elucidar o espírito capitalista, Weber buscou compreender uma ética peculiar que existia na
valorização da vocação e no cumprimento do dever, já encontrados nos escritos de Martinho Lutero. Segundo
Lutero, o conceito de vocação dependia da ordenação divina e cabia ao indivíduo se adaptar a isso.

A ideia de Lutero foi rechaçada por Weber, pois, para o primeiro, a hierarquia divina levava o indivíduo
à submissão e, portanto, não explicaria o espírito capitalista propriamente dito. Então Weber se voltou
para outras formas de protestantismo que explicassem a racionalização do trabalho como forma de se
chegar a Deus.

Weber encontrará no calvinismo os conceitos de que necessitava para explicar a sua tese: a
consideração de que o trabalho moralmente virtuoso levava o indivíduo à salvação. O trabalho era
um dever humano e sua prática austera levaria à realização dos desígnios divinos. Para Calvino, o ser
humano é apenas um instrumento de Deus e cabia ao indivíduo servir a ele por meio de um trabalho
digno – a salvação encontrava-se no sucesso econômico.

Essa ética calvinista e seu ascetismo, ou seja, o trabalho e a abstenção dos prazeres mundanos
para atingir o equilíbrio espiritual, foram considerados por Weber os pressupostos básicos para a
explicação do espírito capitalista, ou seja, “o etos protestante foi uma forma de racionalização da vida
que contribuiu para formar o que ele chama de ‘espírito capitalista’” (FREUND, 1980, p. 149).

Segundo Weber (2002, p. 46), apesar de todas as igrejas cristãs concordarem que fora delas não havia
salvação, a Igreja Católica dizia que ela aceitava condenados que não tinham aceitado os mandamentos
do Senhor. A doutrina calvinista acusava as igrejas, inclusive aquelas de origem luterana, de não serem
tão severas com os pecadores.

Figura 30 – Max Weber

117
Unidade III

Observação

Karl Emil Maximilian Weber foi um intelectual, jurista e economista


alemão nascido em 1864. Foi um dos fundadores da sociologia.

Conforme a descrição de Weber:

O puritano genuíno rejeitava até os sinais de cerimônia religiosa no enterro,


e sepultava seus entes mais queridos e próximos sem cânticos ou rituais para
que nenhuma superstição ou confiança nas forças mágicas e sacramentais
de salvação pudesse se insinuar.

Não só não havia meios mágicos de se obter a Graça de Deus para aqueles a
quem Ele a negara, como não havia meio algum. Juntamente com as rígidas
doutrinas da absoluta transcendência de Deus e da corrupção de qualquer
coisa que pertencesse à carne, este isolamento interior do indivíduo contém,
por um lado, o motivo da atitude completamente negativa do puritanismo
quanto a todos os elementos sensoriais e emocionais na cultura e na
religião, pois não tinham utilidade para a salvação e promoviam ilusões
sentimentais e superstições idólatras. Assim estava preparada uma base
para um antagonismo fundamental para com qualquer espécie de cultura
sensualista. Por outro lado, isto forma uma das raízes deste individualismo
desiludido e de inclinação pessimista que pode ainda hoje ser identificado
no caráter nacional e nas instituições dos povos com passado puritano,
em gritante contraste com o ponto de vista bem diferente sob o qual o
Iluminismo, mais tarde, encarou o homem (WEBER, 2002, p. 46).

O maior contraste com o luteranismo era uma postura contra a confissão, que Calvino acreditava
poder servir para mau uso por parte dos religiosos, e isso acabou sendo um estímulo psicológico para
o desenvolvimento de uma atitude ética pelos calvinistas (WEBER, 2002). Apenas a conduta cristã de
boa‑fé aumentaria a glória de Deus e estaria de acordo com a lei natural das coisas (WEBER, 2002).

Então, na prática, isso significava que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo. Era o próprio crente
calvinista quem criava a convicção da salvação. Mas esta não decorria, como no catolicismo, de um
gradual acúmulo de boas ações individuais para crédito pessoal, mas num autocontrole sistemático, que
a qualquer momento poderia estar se confrontando com uma escolha pessoal “difícil (como a de matar
ou não matar). Cada ação contava e não anulava outra” (WEBER, 2002, p. 51).

Weber acredita que essa crença calvinista deve ter sido uma das mais intensas valorizações religiosas
do agir ético. Assim, a salvação pelo trabalho acontecia pelo seu exercício ético. O católico daquele tempo
sentia-se feliz em cumprir seus deveres tradicionais com a Igreja, e suas boas ações não espelhavam
uma atitude na vida, mas um seguro futuro para o Juízo Final. A intenção de cada ato isolado acabava

118
DUALISMO RELIGIOSO

pesando na balança, pois havia sempre a possibilidade de redenção, num ciclo, muito humano, de
arrependimento, reparação e liberação, seguido de um novo pecado (WEBER, 2002).

Os descendentes religiosos do calvinismo excluíram qualquer magia, qualquer possiblidade


sobrenatural que pudesse perdoar algum pecado, e assim como os judeus antes deles, racionalizaram
suas atitudes no mundo conforme as regras religiosas. Isso significava que, enquanto um padre católico
podia perdoar um pecador, o pastor não tinha nenhum meio de interceder perante Deus em favor dele
(WEBER, 2002).

Para o calvinista, não existiam confortos humanos e amigáveis. Não havia perdão pelos momentos
de fraqueza ou de descuido, mesmo se ele aumentasse suas boas ações, como o católico e mesmo o
luterano. O Deus do calvinismo exigia de seus crentes não boas ações isoladas, mas uma vida de boas
ações combinadas em um sistema unificado.

Assim, a conduta moral da pessoa comum foi impedida de viver de forma errática, pois ficou
submetida, como um todo, a um método consistente de conduta. Não foi por acaso que o nome de
metodista foi colocado nos participantes do último grande reflorescimento das ideias puritanas no
século XVIII (WEBER, 2002).

Puritano era aquele que vivia uma vida racionalmente, escolhendo agir de forma ética, mesmo
quando isso fosse ameaçado pelas emoções que sentia. Essa forma de moldar as personalidades era
vista por eles como a forma de capacitar o cristão para uma vida alerta e inteligente, cuja tarefa mais
urgente era anular o contentamento espontâneo e impulsivo. Isso criou também a força da militância
moral das igrejas calvinistas.

Na Igreja Católica também havia lugar para condutas morais desse tipo. Todos esses pontos
importantes são enfatizados nas regras do monasticismo, e essa rigidez moral é utilizada mesmo entre
os católicos para restabelecer os princípios da religião. Contudo, enquanto para os católicos apenas os
religiosos seriam obrigados a essa conduta reta, o calvinismo obrigava todas as pessoas a seguirem tal
conduta moral (WEBER, 2002).

Surge aqui uma conclusão de Weber que explica como, a partir da conduta moral, a acumulação e a
riqueza eram entendidas entre os calvinistas:

Assim, a riqueza seria eticamente má apenas na medida em que venha


a ser uma tentação para um gozo da vida no ócio e no pecado, e sua
aquisição seria ruim só quando obtida com o propósito posterior de
uma vida folgada e despreocupada. Mas como desempenho do próprio
dever na vocação, não só é permissível moralmente, como realmente
recomendada (WEBER, 2002, p. 57).

Para os calvinistas, querer ser pobre era o mesmo que querer ser doente. Era uma atitude contra
a glória de Deus. A ênfase na vocação fixa dos homens sugerida pela predestinação forneceu uma
justificativa ética para a divisão do trabalho em especialidades. Da mesma forma, a conduta moral
119
Unidade III

justificou as atitudes dos homens de negócios. Portar-se de forma superior, como os nobres católicos,
ou praticar a ostentação do novo-rico eram igualmente detestáveis.

Apenas o homem que seguia as sugestões divinas conseguia que Deus abençoasse seus
negócios (WEBER, 2002). Assim, surgiu uma ética econômica especificamente burguesa. Escreve
Weber (2002, p. 84):

Com a consciência de estar na plenitude da graça de Deus e visivelmente por


Ele abençoado, o empreendedor burguês, desde que permanecesse dentro
dos limites da correção formal, que sua conduta moral estivesse intacta e
que não fosse questionável o uso que fazia da riqueza, poderia perseguir
seus interesses pecuniários o quanto quisesse, e sentir que estava cumprindo
um dever com isso. Além disso, o poder do ascetismo religioso punha-lhe
à disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente
ativos, que se agarravam ao seu trabalho como a um propósito de vida
desejado por Deus.

Finalmente, dava-lhe a confortável certeza de que a distribuição desigual


da riqueza do mundo era uma disposição especial da Divina Providência
que, com estas diferenças e com a graça particular, visava suas finalidades
secretas, desconhecidas dos homens.

Weber resolveu partir de uma questão que ele percebia clara na Alemanha para pesquisar como as
religiões influenciavam as escolhas das escolas e profissões para onde os filhos eram enviados:

[...] há uma grande diferença perceptível, em Baden, na Baviera e na Hungria,


no tipo de educação superior que católicos e protestantes proporcionam
a seus filhos. O fato de a porcentagem de católicos entre os estudantes
e os formados nas instituições de ensino superior ser proporcionalmente
inferior à população total pode, certamente, ser largamente explicado em
termos de riqueza herdada. Porém, entre os próprios formados católicos, a
porcentagem dos que receberam formação em instituições que preparam
especialmente para os estudos técnicos e ocupações comerciais e
industriais, e em geral para a vida de negócios de classe média, é muito
inferior à dos protestantes.

Por sua vez, os católicos preferem o tipo de aprendizagem oferecido


pelos ginásios humanísticos. Essa é uma circunstância à qual não se
aplica a explicação acima apontada, mas que, ao contrário, é uma das
razões do pequeno engajamento dos católicos nas empresas capitalistas
(WEBER, 2002, p. 13).

Ao examinar os Estados Unidos, Weber se deparou com uma afirmação de Benjamin Franklin, um
dos fundadores daquele país, que demonstrava que, apesar de não ser religioso, estava exprimindo
120
DUALISMO RELIGIOSO

ideias de seu pai, um calvinista: “Vês um homem diligente em seus afazeres? Ele estará acima dos reis”
(WEBER, 2002, p. 21).

Franklin considerava que ganhar dinheiro na moderna ordem econômica, desde que de forma
legal, seria a expressão da virtude e da eficiência, e isso é ético (WEBER, 2002, p. 21). Para Weber,
isso demonstra que o espírito do capitalismo moderno já estava presente quando do nascimento
de Benjamin Franklin no século XVIII, bem antes do próprio capitalismo se assumir enquanto forma
econômica. O autor inclusive identificou reclamações já a partir de 1632 sobre os nativos da Nova
Inglaterra, pois eles tinham “uma habilidade peculiar de cálculo para obtenção de lucro” (WEBER,
2002, p. 22).

Para se configurar como sistema produtivo, o capitalismo não podia aceitar um “livre-arbítrio”
indisciplinado, como os católicos estimulam desde que essa ideia foi criada por santo Agostinho. Também
não era possível permitir que os homens de negócio fossem inescrupulosos e agissem com ganância e
sem ética (WEBER, 2002).

Era necessária a construção de uma meritocracia ética, na qual cada um, empregado ou
patrão, ganhasse de acordo com a sua capacidade individual produtiva. Quem trabalha mais
deveria ganhar mais.

Mas, segundo Weber, nem sempre um aumento de produtividade é desejado pelo trabalhador, pois,
conforme ganhava o suficiente para viver, trabalhava menos. Nas suas palavras: “A oportunidade de
ganhar mais foi menos atraente do que trabalhar menos” (WEBER, 2002, p. 24).

Para ele, isso decorria de uma forma tradicionalista de se pensar no mundo: eu sempre fui assim, e
serei sempre assim, e meus filhos etc. Para Weber,

O homem não deseja “naturalmente” ganhar mais e mais dinheiro, mas viver
simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o necessário para isso.
Onde quer que o capitalismo moderno tenha começado sua ação de aumentar
a produtividade do trabalho humano aumentando sua intensidade, tem
encontrado a teimosíssima resistência desse traço orientador do trabalho
pré-capitalista. E ainda hoje a encontra, e por mais atrasadas que sejam as
forças de trabalho (do ponto de vista capitalista) com que tenha de lidar
(WEBER, 2002, p. 24).

Weber termina o livro explicando que, já no final do século XIX e início do século XX, esses
comportamentos puritanos tinham cumprido sua função de remodelar o mundo moderno, fazendo
dos Estados Unidos uma nação industrial e capitalista. Com a formação da indústria e do mercado, o
capitalismo seguiu em frente sem precisar mais do suporte da religião.

Podemos identificar hoje em dia nos Estados Unidos a herança de Calvino em diversas igrejas: Igreja
Batista, Igreja Batista Reformada, Igreja Presbiteriana, Igreja Reformada Americana, Igreja Reformada
Holandesa, Igreja Reformada Cristã, União das Igrejas Cristãs e Igrejas Protestantes Reformadas.
121
Unidade III

Para Weber, portanto, a doutrina calvinista foi fundamental para a explicação do espírito capitalista,
ou seja, a conduta ascética colaborava para uma lógica racional comandada pela vontade divina, e o
êxito profissional deveria ser monitorado para que o indivíduo não caísse em tentações da carne e
no ócio. E uma maior produtividade no trabalho, o controle de gastos, uma vida simples possibilitaram
o desenvolvimento capitalista.

Resumo

Vivendo um momento em que o domínio da Igreja Romana é absoluto


na esfera social, religiosa e política, Martinho Lutero passa a questionar
algumas atitudes da Igreja. Monge alemão, ele percebe e começa a repudiar
as indulgências da Igreja, ou seja, o ato de cobrar valores específicos para
perdoar um pecado do ser humano. Lutero percebe que, na prática, esse
pagamento não faz das pessoas seres perdoados nem altera suas atitudes.
O ser humano não se sentia de fato perdoado apenas pelo pagamento de
uma certa quantia. Além disso, algumas vezes se deparou com verdadeiros
crimes e notou que só o fato de o indivíduo pagar pelo perdão não
significava que mudaria seu comportamento.

Assim, começou a estudar e a questionar a Igreja, a partir de suas 95 teses.


E com toda a repercussão que teve em toda a Alemanha, com toda a crítica
que sofreu e com toda a possibilidade de discussão teórica sobre suas
teses, chegou ao entendimento (diferente do entendimento usual) de que
a justiça divina é transformadora do ser humano e não punidora. Ela dá a
liberdade ao ser humano de escolher o bem. Lutero traz Deus para perto do
ser humano, diminuindo a sua percepção de incompletude e incapacidade
de agir pelo bem divino. Com a sua liberdade dada direta e intimamente
por Deus, o ser humano justificado pode alcançar o bem.

A principal consequência dos ensinamentos de Calvino foi o desenvolvimento


do capitalismo. No famoso livro de Max Weber A ética protestante e o
espírito do capitalismo, publicado pela primeira vez em 1904, o autor dedicou
um estudo sociológico à ligação entre a fé cristã de Calvino e o espírito capitalista
e sugeriu que o desenvolvimento do capitalismo, especialmente nos Estados
Unidos, estaria relacionado com a ética protestante calvinista, que se infiltrou
naquele país através dos imigrantes calvinistas.

Segundo Weber (2002), quando o calvinismo se espalhou pelo norte


da Europa, na forma imposta no século XVI em Genebra e na Escócia, e em
seguida na Holanda, na América do Norte e na Inglaterra, acabou impondo
ao indivíduo um forte domínio religioso. Entretanto, a Igreja reformada
reclamava que justamente nesses lugares não havia nenhum controle
sobre as pessoas.
122
DUALISMO RELIGIOSO

Na medida em que houve o desenvolvimento das igrejas cristãs, muitas


delas acabaram apenas adaptando um ou outro ponto de fé e, assim, os
ensinamentos de Calvino foram adotados por diversas práticas religiosas.

Exercícios

Questão 1. (IF-SC 2015, adaptada) As transformações no modo de agir e pensar típicos da


transição do medievo para a modernidade caracterizam um período histórico marcado por rupturas
e permanências.

No que diz respeito às Reformas Religiosas ocorridas na Europa, todas as alternativas a seguir estão
corretas, exceto uma. Assinale-a. 

A) A Reforma é consequência das teorias iluministas antieclesiásticas que se basearam nas ideias de
Hegel de que a fé é um elemento individual.

B) O movimento reformista promoveu um abalo na estrutura do poder religioso do mundo


europeu ocidental.

C) As transformações decorridas do movimento da Reforma relacionam-se com aspectos relativos às


normas de conduta e concepções de valores.

D) O movimento reformista, além de propiciar mudanças institucionais, também está relacionado


com a crise moral e religiosa pela qual a Europa passava naquele período.

E) A crítica aos abusos cometidos pela Igreja Católica foi um ponto central para a ocorrência do
movimento reformista, entretanto, elementos relativos à economia devem ser considerados.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o Iluminismo e Hegel são posteriores à Reforma Religiosa.

B) Alternativa correta.

Justificativa: a Reforma Religiosa abalou o poder da Igreja Católica, que durou séculos na Idade Média.

C) Alternativa correta.

Justificativa: a Reforma apresentou críticas às práticas da Igreja.


123
Unidade III

D) Alternativa correta.

Justificativa: a Reforma deve ser compreendida no contexto sociocultural da Baixa Idade Média.

E) Alternativa correta.

Justificativa: a crise do modelo feudal e a ascensão do capitalismo comercial, com a formação da


burguesia, devem ser consideradas quando se pensa na Reforma.

Questão 2. Considere a charge:

Figura 31

Disponível em: http://jasielbotelho.blogspot.com.br/2013/10/. Acesso em: 22 maio 2017.

Agora, analise as afirmativas a seguir:

I – As 95 teses marcaram a ruptura de Lutero com a Igreja. Nelas, o religioso criticava condutas e
práticas da Igreja Católica, como a cobrança de indulgências.

II – Os cinco pontos calvinistas a que se refere a charge indicam os pecados predeterminados pelo
calvinismo, entre os quais encontra-se a acumulação de capital.

III – De acordo com a charge, a Reforma Religiosa, de Lutero e de Calvino, atingiu 100% dos fiéis da
Igreja Católica, que só se recuperou com a catequização dos indígenas.

124
DUALISMO RELIGIOSO

Está correto o que se afirma em:

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) I, apenas.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: Lutero publicou as 95 teses na sua paróquia, criticando condutas e práticas da


Igreja Católica.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: Calvino não condenava a prosperidade econômica. Os cinco pontos são doutrinas
básicas referentes à salvação.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a charge não afirma que a Reforma atingiu 100% dos fiéis (o que de fato não ocorreu).
A reação da Igreja veio com a Contrarreforma.

125
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

GREEK_COLONIZATION_ARCHAIC_PERIOD.PNG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/


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Figura 4

RAFFAELO SANZIO. Scuola di Atene. 1509-1511. Afresco, 500 x 700 cm. Vaticano, Palazzo Apostolico.
Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/31/La_scuola_di_Atene.jpg. Acesso
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Figura 5

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commons/7/78/Paris_2010_-_Le_Penseur.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 6

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Figura 8

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Figura 11

PLATO%27S_ACADEMY_MOSAIC_FROM_POMPEII.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/


wikipedia/commons/4/48/Plato%27s_Academy_mosaic_from_Pompeii.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 12

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Figura 13

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Figura 15

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Figura 16

ANCIENTLIBRARYALEX.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/64/


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saint_Augustin%2C_Charles-Antoine_Coypel_%281736%29.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 22

CHARLEMAGNE.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/


Charlemagne.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 23

FR%C3%BCHMITTELALTERLICHES_DORF.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/9/9a/Fr%C3%BChmittelalterliches_Dorf.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 24

PLOTINOS.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/Plotinos.jpg.


Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 25

UNI-HALLE-1836.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/77/Uni-


Halle-1836.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 26

95THESEN.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/81/95Thesen.jpg.


Acesso em: 4 maio 2017.

128
Figura 27

HRR_1400.PNG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a0/HRR_1400.


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Figura 28

CRANACH (THE ELDER), L. Portrait of Martin Luther. 1529. Óleo sobre painel. Berlim, Deutsches
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MartinLuther-workshopCranachElder.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 29

JOHN_CALVIN_-_BEST_LIKENESS.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/5/5b/John_Calvin_-_best_likeness.jpg. Acesso em: 4 maio 2017.

Figura 30

MAX_WEBER_1894.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/16/Max_


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wp_tm214.pdf. Acesso em: 5 dez. 2019.

SAVIAN FILHO, J. Filosofia e filosofias: existência e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

SOUZA, J. C. de et al. Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Abril Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).

STRATHERN, P. Santo Agostinho em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

THOMAS, D. Calvin’s teaching on Job. Fearn: Christian Focus, 2004.

TRAGTENBERG, M. (org.). Max Weber: textos selecionados. Tradução: Maurício Tragtenberg et al. 2. ed.
São Paulo: Abril Cultural, 1980.

VIEIRA, P. H. A filosofia política de Martinho Lutero. Estudos Teológicos, v. 42, n. 2, p. 58-80, 2002.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2002.

WEBER, M. Textos selecionados. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Exercícios

Unidade I – Questão 2: SAEB-BA. Concurso: Professor de Filosofia do Governo do Estado da Bahia.


Questão 42. Disponível em: https://docplayer.com.br/10343770-Conhecimentos-especificos.html.
Acesso em: 18 set. 2018.

Unidade II – Questão 2: SEDUC-RJ. Concurso: Professor de Filosofia do Estado do Rio de Janeiro. Questão 35.
Disponível em: http://www.filosofia.com.br/vi_prova.php?id=155. Acesso em: 18 set. 2018.

Unidade III – Questão 1: IF-SC. Concurso: Professor de História do Estado de Santa Catarina. Questão 33.
Disponível em: https://www.questoesestrategicas.com.br/questoes/ver/if-sc-professor-historia-2015-
if-sc/24. Acesso em: 18 set. 2018.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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