História Do Direito: Henrique Abel
História Do Direito: Henrique Abel
História Do Direito: Henrique Abel
DO DIREITO
Henrique Abel
Revisão técnica:
Introdução
As contradições sociais e econômicas, surgidas como efeitos colaterais dos
processos de urbanização decorrentes da Revolução Industrial, levaram
ao esgotamento do velho modelo clássico de Estado Liberal, o que levou
à sua transformação — por meio de reforma política — em Estado Social
de Direito e, posteriormente, em Estado Democrático de Direito.
Neste capítulo, você vai ler a respeito de como as concepções raciona-
listas sobre jusnaturalismo influenciaram o surgimento e estabelecimento
do discurso contemporâneo dos direitos humanos — cujas noções atu-
almente se mostram inseparáveis do conceito vigente de democracia
por todo o mundo ocidental.
Além disso, estudará de que forma o antigo jusnaturalismo teológico,
de perfil religioso, sai de cena e abre espaço para o jusnaturalismo racio-
nalista. Depois, verá como surge e se desenvolve o discurso moderno
dos direitos humanos, bem como as suas relações com as concepções
racionalistas sobre a existência de direitos naturais.
Por fim, analisará os direitos humanos no contexto econômico e
político da democracia contemporânea, destacando os seus principais
desafios nos dias atuais e verificando as estratégias jurídicas encontradas
152 Jusnaturalismo racionalista: o humanismo e o discurso contemporâneo dos direitos humanos
De acordo com Bittar e Almeida (2012, p. 261), “[...] o jusnaturalismo tomista não vislumbra
na natureza um código imutável incondicionado e absoluto, mas uma justiça variável
e contingente como a razão humana”.
Para Kant, os seres humanos não têm acesso direto ao mundo para fins de
conhecimento das coisas. Isso ocorre porque compreendem o mundo não de
forma direta, mas sim por meio de um filtro, que vem a ser a mente.
Ao mesmo tempo, Kant rejeitava o relativismo, ceticismo, pragmatismo e
dogmatismo. Ele se mostrará profundamente comprometido com a possibilidade
de que sejam enunciadas verdades válidas sobre questões filosóficas e morais.
No entanto, para Kant, essas respostas não podem ser localizadas nos objetos
externos ao ser humano (o que nos levaria de volta ao velho essencialismo
próprio da filosofia clássica da Antiguidade) e nem no agir solipsista de um
indivíduo dotado de poder (o que nos levaria ao dogmatismo).
154 Jusnaturalismo racionalista: o humanismo e o discurso contemporâneo dos direitos humanos
Direitos humanos, direitos naturais e direitos fundamentais não são a mesma coisa,
embora, às vezes, estejam muito próximos e possam ser utilizados como sinônimos
em certas situações. Direitos naturais seriam direitos aos quais as pessoas fazem jus
independentemente da efetiva positivação desses direitos dentro de um determinado
ordenamento jurídico. Seriam direitos que não dependeriam de legislação para existir.
O conteúdo dos chamados direitos naturais, ao longo da história, frequentemente
esteve muito próximo àquilo que entendemos por direitos humanos atualmente (vida,
liberdade, integridade física, entre outros). Mas aquilo que uma determina concepção
jusnaturalista entende como sendo um direito natural pode muito bem ser algo fora
do rol contemporâneo tradicional dos direitos humanos. Por exemplo: na clássica
tragédia grega Antígona, escrita por Sófocles no século V a.C, a protagonista Antígona
se rebelava contra o rei Creonte porque este havia proibido que ela tivesse o direito
de dar um funeral adequado para o seu irmão morto em combate. Para Antígona, o
direito de um morto receber os ritos religiosos fúnebres, com estrita observância aos
costumes, tradições e crenças da época, era um direito natural que nenhum legislador
ou governante — nem mesmo o próprio rei de Tebas — poderia revogar. Um direito
natural, assim, pode ser qualquer direito subjetivo que uma determinada concepção
jusnaturalista entenda como pressuposto, autônomo e maior do que qualquer estatuto
criado por uma autoridade humana.
Direitos humanos, por outro lado, são entendidos modernamente como frutos não
necessariamente de legislação, mas, pelo menos, de convenções ou declarações
internacionais. Tratam-se de direitos que não devem ficar restritos a apenas alguns
grupos ou pessoas, mas sim serem aplicados a todo e qualquer indivíduo tão somente
em virtude do simples fato de que essa pessoa é parte da família humana, portanto,
portadora de dignidade. Já os chamados Direitos e garantias fundamentais são aqueles
que independem de discussões morais ou filosóficas a respeito de sua existência e
tampouco de debates sobre a sua universalidade, vigência ou eficácia em um dado
ordenamento jurídico. Isso porque os direitos fundamentais, dentro da principiologia
própria do constitucionalismo contemporâneo, são aqueles devidamente consagrados
dentro do Direito Constitucional Positivo do ordenamento. Ou seja, são aqueles que
decorrem de expressa previsão normativa constitucional.
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160 Jusnaturalismo racionalista: o humanismo e o discurso contemporâneo dos direitos humanos
A doutrina dos direitos humanos, nas últimas décadas, tem se confundido com a
própria noção contemporânea de democracia, além de ser inseparável daquilo que
hoje chamamos de constitucionalismo contemporâneo — ou seja, aquele construído
com base no constitucionalismo europeu pós-Segunda Guerra.
Uma das formas jurídicas adotadas para garantir a eficácia da proteção aos
direitos humanos reside justamente na construção de uma distinção técnica
entre direitos humanos e direitos e garantias fundamentais. Embora ambos
tenham muito em comum em termos de conteúdo e substância, os direitos
humanos possuem um alcance indefinido e uma subjetividade conceitual
muito ampla, que, na prática, poderia colocar em xeque a sua eficácia, validade
e vigência.
O mesmo não acontece com os chamados direitos fundamentais, que
operam estritamente dentro da ideia de Direito Positivo e, portanto, a salvo
Jusnaturalismo racionalista: o humanismo e o discurso contemporâneo dos direitos humanos 161
Figura 3. Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1989, foi uma
das figuras políticas cruciais das últimas décadas no sentido de — juntamente com a
ex-Primeira-Ministra britânica Margareth Thatcher — estabelecer as bases ideológicas,
políticas e discursivas daquilo que viria a ser popularmente denominado de neoliberalismo.
De forma sintética, o neoliberalismo pode ser entendido como uma espécie de descons-
trução dos postulados das políticas de Estado Social (ou Welfare State), muito populares na
Europa e nos Estados Unidos entre 1945 e 1973. O surgimento do neoliberalismo enquanto
discurso político e doutrina econômica, a partir de meados dos anos 1970, e sua posterior
popularização nos anos seguintes devem ser compreendidos no contexto das grandes
crises econômicas internacionais do período, que colocaram em dúvida a sustentabili-
dade e viabilidade do modelo anterior. Embora a retórica neoliberal geralmente milite
pela relativização e mitigação das obrigações sociais do Estado para com os cidadãos, é
digno de nota que o neoliberalismo, sobretudo nos anos 1980, encampava ativamente o
discurso dos direitos humanos — sobretudo como forma de criticar os países do chamado
socialismo real (como a antiga União Soviética), cujos regimes eram frequentes e contínuos
violadores de direitos humanos, bem como para ressaltar a superioridade moral das
democracias capitalistas ocidentais, lideradas internacionalmente pelos Estados Unidos,
na comparação com os países do bloco soviético.
Fonte: Anton_Ivanov/Shutterstock.com.
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164 Jusnaturalismo racionalista: o humanismo e o discurso contemporâneo dos direitos humanos
BARRETTO, V. de P. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. 2. ed. rev. e ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
BITTAR, E. C. B; ALMEIDA, G. A. de. Curso de filosofia do Direito. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CULLETON, A.; BRAGATO, F. F.; FAJARDO, S. P. Curso de direitos humanos. São Leopoldo:
Unisinos, 2009.
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.
Leitura recomendada
GILISSEN, J. Introdução histórica ao Direito. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gul-
benkian, 2013.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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