Mra Cristina Kupfer SIM
Mra Cristina Kupfer SIM
Mra Cristina Kupfer SIM
PSICANÁLISE N O S
DISPOSITIVOS
INSTITUCIONAIS DE
TRATAMENTO DA PSICOSE
Abaria C r i s t i n a Kupfer
A l g u n s analistas d e c r i -
anças mais o r t o d o x o s , até há b e m
exemplo, o uso de u m
através d o qual
fantoche,
o analista l h e fala-
pouco tempo, alimentavam a va, p e r m i t i a - l h e r e s p o n d e r a ele, o
e s p e r a n ç a d e c o l o c a r t o d o s os seus q u e n ã o a c o n t e c e r a até o m o m e n -
p e q u e n o s — e quase sempre agita- to dessa i n t r o d u ç ã o . U m recurso
d o s — p a c i e n t e s n o d i v a . C o m isso, c o m o esse é, aliás, mais usual d o
s u p u n h a m que o setting analítico q u e se i m a g i n a e n t r e os p s i c a n a l i s -
estaria sendo recuperado em sua tas. Françoise Dolto (1981) usou
inteireza, ao m e s m o t e m p o e m que u m a vez, c o m u m paciente adulto,
estariam sendo afastadas certas uma boneca-flor; Alexandre Ste-
práticas p o u c o analíticas, c o m o o vens, q u a n d o esteve n o R i o de Ja-
uso do d e s e n h o , da argila ou o neiro e m n o v e m b r o de 1994, c o n -
deslocamento incessante do ana- tou também c o m o introduziu um
lista atrás d e u m p a c i e n t e b e m m a i s b o n e c o que funcionava c o m o uma
ágil q u e ele. espécie de " e g o auxiliar" para o
A p e s a r disso, n ã o h á n a d a m a i s p a c i e n t e q u e estava s e n d o t r a t a d o .
c o m u m , e n t r e os analistas d e c r i - E m b o r a n ã o seja n a d a e s t r a n h a
anças de hoje, d o q u e introduzir a p r e s e n ç a d e o b j e t o s n o s e t t i n g da
objetos m e d i a d o r e s na cena analíti- análise d e c r i a n ç a s , o analista que
ca. N a análise d e u m a c r i a n ç a , p o r não recebe c r i a n ç a s v ê isso com
O DISPOSITIVO PODE OU
DEVE MUDAR?
•
2
ancas psicóticas e autistas , estamos
s u p o n d o q u e , se q u i s e r m o s ir a l é m
da p a l a v r a d e o r d e m d e n ã o r e c u a r ,
o u seja, se q u i s e r m o s a v a n ç a r q u a n -
d o se t r a t a d e p s i c o s e , t e r e m o s d e
pesquisar e e x p e r i m e n t a r modifi-
cações no enquadre psicanalítico
clássico d e t r a t a m e n t o .
Esta suposição pede expli-
cações.
IMPASSES E LIMITES
POSTOS PELA PSICOSE
N o caso da p s i c o s e e d o a u t i s m o n a i n f â n c i a , as d i f i c u l d a d e s
aumentam.
H a v e r á q u e m d i s c o r d e dessa a f i r m a ç ã o : é o caso d o s a u t o r e s
q u e não p r o p õ e m u m a especificidade para a psicose infantil, o q u e
os faz t r a b a l h a r d e n t r o d e u m m o d e l o i d ê n t i c o a o d o a d u l t o . O
r e f e r i d o t e x t o d o III E n c o n t r o , p o r e x e m p l o , a f i r m o u a i n e s p e c i f i -
c i d a d e da p s i c o s e e da n e u r o s e i n f a n t i s , s e g u i n d o a e s t e i r a d e
R o s i n e e R o b e r t Lefort. H á , p o r é m , na atualidade, trabalhos q u e
t o m a r a m outra direção, ao b u s c a r e m o q u e há de p r ó p r i o ao sujeito
i n f a n t i l . J . A . M i l l e r ( 1 9 9 2 ) , n a a b e r t u r a das " J o r n a d a s s o b r e d e s e n -
v o l v i m e n t o e estrutura na direção do t r a t a m e n t o " , e m B u e n o s
A i r e s , a f i r m o u q u e a c r i a n ç a é o s u j e i t o cuja l i b i d o n ã o se d e s l o -
c o u d e seus o b j e t o s p r i m á r i o s . C o l e t t e S o l e r ( 1 9 9 4 ) t a m b é m p e n s a
ser n e c e s s á r i o levar e m c o n s i d e r a ç ã o o fato d e q u e e m a l g u m a s c r i -
anças p o d e não ter havido ainda a efetuação d o sujeito.
J e r u s a l i n s k y ( 1 9 9 4 ) a f i r m a t a m b é m q u e " n a s c r i a n ç a s , a i n d a q u e as
a r t i c u l a ç õ e s c o n s t i t u t i v a s desse s u j e i t o j á e s t e j a m p r e v i a m e n t e c o n -
figuradas n a o r d e m d o d i s c u r s o , elas p a d e c e m , n o e n t a n t o , da fra-
g i l i d a d e p r ó p r i a d o s a c o n t e c i m e n t o s q u e a i n d a são f u t u r o s e e s t ã o
e x p o s t a s , p o r t a n t o , às v i c i s s i t u d e s d e sua i n s c r i ç ã o . P o r isso,
p o d e m o s a f i r m a r , c o m c e r t a j u s t i ç a , q u e os t e r a p e u t a s d e c r i a n ç a s
t ê m u m a o b r i g a ç ã o a m a i s : o c u p a r - s e d o q u e a i n d a n ã o está c o n s -
t i t u í d o " (pp 1 1 - 1 2 ) .
D
A essa d i s c u s s ã o , a g r e g u e m - s e a i n d a a l g u n s fatos. O p r i m e i r o
d e l e s : o d e s t i n o d e u m a p e s s o a será c e r t a m e n t e d i f e r e n t e se u m a
crise psicótica eclodir na infância o u na adolescência. Caso ocorra
e m i d a d e p r e c o c e , é b e m p r o v á v e l q u e a c r i a n ç a a p r e s e n t e atrasos
significativos n o d e s e n v o l v i m e n t o , coisa q u e n ã o o c o r r e r i a c o m
u m a d u l t o . A c r i a n ç a q u e se a p r e s e n t a a n ó s n ã o é a p e n a s u m
sujeito e m m e i o a u m a crise, é t a m b é m u m a pessoa c o r r e n d o o
risco de n ã o crescer n u n c a mais. N ã o há c o m o negar, p o r t a n t o , q u e
a psicose infantil nos coloca diante de dificuldades q u e não e n c o n -
t r a m o s n o t r a t a m e n t o das p s i c o s e s n o a d u l t o .
O u t r a d i f i c u l d a d e n o t r a t a m e n t o a n a l í t i c o da p s i c o s e i n f a n t i l
está n o fato d e m u i t a s dessas c r i a n ç a s n ã o f a l a r e m . P o d e - s e , p o r
e x e m p l o , d e d u z i r q u e u m a c r i a n ç a esteja a l u c i n a n d o , q u a n d o se
abaixa para p e g a r n o c h ã o u m p e d a c i n h o d e a l g u m a c o i s a q u e n ã o
e s t a m o s v e n d o , o u q u a n d o seu o l h a r se d i r i g e a p a v o r a d o p a r a u m
c a n t o da sala. O s p s i c a n a l i s t a s e s t ã o h a b i t u a d o s a p e r s e g u i r s i g n i f i -
c a n t e s v e r b a i s e n ã o c o m p o r t a m e n t o s , e m b o r a isso n ã o i m p o s s i -
bilite o tratamento. Dificulta-o, p o r é m .
N o caso d o a u t i s m o , e s t a m o s q u a s e d i a n t e d e u m a i m p o s s i b i -
lidade. " A diferença c o m o a u t i s m o é q u e a a u s ê n c i a d e u m a
i n s c r i ç ã o c o l o c a a c r i a n ç a , a r e s p e i t o da d e m a n d a d o O u t r o , a r e c e -
b e r essa d e m a n d a n a p o s i ç ã o d e r e p e t i ç ã o da e x c l u s ã o . E p o r isso
q u e o a u t i s t a r e c e b e q u a l q u e r m a n i f e s t a ç ã o d o l a ç o s o c i a l , seja d e
m o d o d i r e t o , seja d e m o d o i n d i r e t o , c o m o u m a d e m a n d a d e a u s e n -
tificação. E p o r isso q u e ela v i r a as costas à q u e l e q u e a ela se
d i r i g e " , diz J e r u s a l i n s k y ( 1 9 9 3 , p . 6 4 ) .
E m vista desse t i p o d e d i f i c u l d a d e , M a r i e - C h r i s t i n e L a z n i k -
P e n o t ( 1 9 9 1 ) p r o p õ e m u d a n ç a s significativas n a a b o r d a g e m d e
t r a t a m e n t o da c r i a n ç a a u t i s t a . N e s s e s casos, " n o s s o t r a b a l h o c o n -
s i s t e " , a f i r m a ela, " e m p e r m i t i r o e s t a b e l e c i m e n t o d o eu c o m o
a l i e n a ç ã o f u n d a n t e n a i m a g e m e s p e c u l a r , f u n d a m e n t o das r e l a ç õ e s
i m a g i n á r i a s . Temos então que trabalhar de modo oposto ao da cura
psicanalítica clássica, q u e m a n i p u l a esse m e s m o e s p e l h o p l a n o p a r a
fazer a p a r e c e r a d i m e n s ã o d e a l i e n a ç ã o d e s t a c o n s t r u ç ã o d o eu" (p.
137).
N e s t e p o n t o , L a z n i k - P e n o t p a r e c e c o n c o r d a r c o m Soler.
" Q u a n d o a c r i a n ç a q u e se a p r e s e n t a é a q u e l a a q u e m c h a m e i d e
' c r i a n ç a - o b j e t o ' , c a b e a o analista e s t a b e l e c e r a o p e r a ç ã o d o s i g n i -
f i c a n t e ( . . . ) . E m o u t r a s p a l a v r a s , e n g e n d r a r , ali o n d e faltava, u m
e f e i t o - s u j e i t o q u e t e m o a l c a n c e d e u m a defesa c o n t r a o r e a l .
P o d e r í a m o s c h a m a r isso d e Psicanálise invertida no sentido positivo do
termo, p o i s é u m a o p e r a ç ã o q u e vai
do R e a l e m direção ao S i m b ó l i c o e
q u e c r i a as c o n d i ç õ e s da falta p a r a
ser, enquanto que no discurso
analítico, c o m o o entendemos, a
o p e r a ç ã o é inversa, visando a u m a
travessia d o S i m b ó l i c o e m direção
ao R e a l , para u m l e v a n t a m e n t o ao
m e n o s p a r c i a l das defesas." (p. 1 1 ) .
P o r t o d a s essas r a z õ e s , n ã o t e m
s i d o fácil analisar p s i c ó t i c o s — e
m e n o s a i n d a as c r i a n ç a s autistas e
psicóticas. Assim, algumas institui-
ç õ e s c o m e ç a r a m a ser p r o p o s t a s n a
tentativa de superar tantas dificul-
dades impostas por essa prática.
A i n d a q u e e m sua f o r m a l i z a ç ã o n ã o
esteja e v i d e n t e q u e se t r a t a s e m p r e
de visar ao discurso analítico, é
possível ver em tais instituições
uma c e r t a eficácia j u s t a m e n t e p o r
p r o p i c i a r e m esse g i r o , c o m o o b s e r -
va S o u z a L e i t e ( 1 9 8 8 ) a p r o p ó s i t o
do trabalho do acompanhante te-
rapêutico.
INSTITUIÇÕES?
S ã o b e m c o n h e c i d a s as o b j e -
ç õ e s q u e se l e v a n t a m a t o d a t e n t a -
tiva d e " a p l i c a r " a P s i c a n á l i s e a
qualquer outra instituição que não
seja a i n s t i t u i ç ã o c h a m a d a c l í n i c a
a n a l í t i c a . D i a n t e dessa i m p o s s i b i l i -
dade, busca-se, c o n t u d o , introduzir
a escuta analítica e m d e t e r m i n a d a s
s i t u a ç õ e s d e n t r o da i n s t i t u i ç ã o ,
c o m o p o r e x e m p l o nas r e u n i õ e s d e
equipe, ou então buscam-se intro-
d u z i r análises i n d i v i d u a i s d e n t r o
dos m u r o s de u m a instituição e m
que o d o m i n a n t e é o discurso do
m e s t r e o u da u n i v e r s i d a d e .
N o p r i m e i r o caso, t r a t a - s e d e
p r o d u z i r giros discursivos de m o d o
pontual. N o segundo, recomenda-
se introduzir o t r a t a m e n t o na
b o r d a da i n s t i t u i ç ã o . P a r a A l e x a n -
dre Stevens (1989), p o r exemplo, a
Psicanálise e n t e n d i d a c o m o trata-
m e n t o "strictu sensu" p o d e , s i m ,
estar p r e s e n t e e m u m a i n s t i t u i ç ã o .
De que modo? Ausente. " Q u a n d o
os t r a t a m e n t o s a n a l í t i c o s o c o r r e m
e m u m a i n s t i t u i ç ã o , o u n ã o são
analíticos o u a posição ética do
a n a l i s t a faz c o m q u e estejam
e s t r u t u r a l m e n t e fora, ainda q u e
t r a n s c o r r a m i n t r a - m u r o s " (p. 3 1 ) .
O u seja, n ã o é p r e c i s o sair fisica-
m e n t e , m a s é p r e c i s o estar fora. O
i m p o r t a n t e é q u e o analista p r e -
s e r v e as c o n d i ç õ e s n e c e s s á r i a s à
instalação do discurso analítico, o
q u e significa u m d i s c u r s o q u e n ã o
se c o n f u n d e c o m o d o m i n a n t e n a
instituição.
Essa é u m a p o s i ç ã o m u i t o
d i f e r e n t e da d e A l a i n V a n i e r e d e
Mannoni, que não recomendam a
c o n d u ç ã o d e análises n o i n t e r i o r
de Bonneuil, uma instituição
francesa p a r a p s i c ó t i c o s , autistas e
débeis voltada para o trabalho
e s c o l a r . T r a t a - s e , s e g u n d o eles, d e
s e p a r a r b e m os d o i s âmbitos,
p o r q u e u m a criança psicótica não
pode perceber claramente que o
discurso pedagógico e o analítico
3
são d i v e r s o s .
H á , p o r é m , i n s t i t u i ç õ e s q u e se
e s t r u t u r a m a p a r t i r da p s i c a n á l i s e . N ã o d o m o d o c o m o se faz na
escola de B e t t e l h e i m , e m q u e " q u a l q u e r e d u c a d o r o u c o z i n h e i r o
r e s p o n d e às p e r g u n t a s da c r i a n ç a d e m o d o p s i c a n a l í t i c o " , c o m o
c r i t i c a M a r t i n e F o u r r é ( 1 9 9 1 ) . E m a l g u m a s i n s t i t u i ç õ e s , o q u e se
busca é transpor o p e r a d o r e s de l e i t u r a c o n s t r u í d o s na e x p e r i ê n c i a
a n a l í t i c a p a r a o â m b i t o da i n s t i t u i ç ã o , seja n a e s c u t a d e seus g r u -
p o s , seja n a m o n t a g e m m e s m a da i n s t i t u i ç ã o . E o caso d e Bonneuil.
Para M a n n o n i (1976) u m a instituição para crianças psicóticas
p o d e ser d e s e n h a d a a p a r t i r da c o m p r e e n s ã o q u e se t e m da p s i c o s e
infantil.
P o r isso, a c i r c u l a ç ã o das c r i a n ç a s d e Bonneuil e n t r e os d i v e r -
sos e s p a ç o s q u e c o n s t i t u e m essa i n s t i t u i ç ã o - a p r ó p r i a escola, a
família s u b s t i t u t a n o c a m p o , o lar t e r a p ê u t i c o e m q u e v i v e m , a
p r ó p r i a família - p o d e p r o d u z i r efeitos d e c o r t e . E s t a n d o n o
p r i m e i r o e s p a ç o , p o d e a c o n t e c e r q u e o s e g u n d o se e s t a b e l e ç a p a r a
ela c o m o u m a u s e n t e . D a a l t e r n â n c i a d e e s p a ç o s , p o d e s u r g i r a
falta.
H á , f i n a l m e n t e , Le Courtil e L'Antenne, duas instituições b e l -
gas m o n t a d a s p a r a a c o l h e r c r i a n ç a s p s i c ó t i c a s e n e u r ó t i c a s , e q u e
utilizam a orientação teórica de Lacan.
P a r a V i r g i n i o B a i o ( 1 9 9 2 ) , n o Courtil b u s c a - s e n ã o c o n f u n d i r
a c o n d i ç ã o da P s i c a n á l i s e c o m as c o n d i ç õ e s d e sua a p l i c a ç ã o a u m
s u j e i t o p a r t i c u l a r . A c o n d i ç ã o da P s i c a n á l i s e é a d e q u e o i n c o n s -
c i e n t e seja e s t r u t u r a d o c o m o u m a l i n g u a g e m , e as c o n d i ç õ e s d e
sua a p l i c a ç ã o i n c l u e m a p r é - i n t e r p r e t a ç ã o q u e o s u j e i t o faz d e s e u
s i n t o m a . N ã o h á , n o p s i c ó t i c o , essa c o n d i ç ã o : ele n ã o p o d e p e r -
g u n t a r - s e s o b r e o q u e l h e a c o n t e c e , p o r q u e j á o sabe m u i t o b e m .
T r a t a - s e e n t ã o d e p r o c e d e r c o m ele a u m a " c o n t r a - a n á l i s e " , n a
q u a l o g o z o n ã o seria i n t e r p r e t a d o , m a s d o m e s t i c a d o .
A c o n d i ç ã o da P s i c a n á l i s e será, p o r é m , g a r a n t i d a a t r a v é s da
i n v e n ç ã o d o s a t e l i ê s , d i s p o s i t i v o s q u e f a z e m i n t e r v i r as leis da
m e t á f o r a e da m e t o n í m i a . P a r a a l c a n ç a r a d o m e s t i c a ç ã o d o g o z o ,
c o m p l e t a V i r g i n i o B a i o , p r o p õ e - s e à c r i a n ç a q u e se d e i x e s e d u z i r
p o r u m o u t r o O u t r o , q u e seria u m a a l t e r n a t i v a a o O u t r o d e s r e -
g r a d o d o q u a l está à m e r c ê .
R e s u m i n d o : n a h i s t ó r i a das i n s t i t u i ç õ e s , v á r i a s f o r a m as p r o -
p o s t a s d e casar P s i c a n á l i s e c o m I n s t i t u i ç ã o . P o d e - s e :
a) T r a n s p o r s i m p l e s m e n t e a i n t e r p r e t a ç ã o d o i n d i v i d u a l p a r a
o c o l e t i v o , e essa t e m s i d o u m a p r o p o s t a a m p l a m e n t e c r i t i c a d a ;
b) Provocar p o n t u a l m e n t e giros discursivos e m instituições
onde p r e d o m i n a o discurso médico;
c) C o n d u z i r análises d e n t r o das i n s t i t u i ç õ e s m é d i c a s ;
d) Organizar instituições a partir do saber teórico da
Psicanálise.
M a s a g o r a , o q u e está e m d i s c u s s ã o , p o s t o n o h o r i z o n t e , é n ã o
p e n s a r i n s t i t u i ç ã o e P s i c a n á l i s e c o m o coisas d i v e r s a s , e m d i s j u n ç ã o ,
mas e n t e n d e r a instituição c o m o u m dispositivo de t r a t a m e n t o n o
q u a l se visa a o d i s c u r s o a n a l í t i c o , e p o r t a n t o e m c o n j u n ç ã o c o m a
Psicanálise.
A p e r g u n t a q u e se s e g u e é e n t ã o , a s e g u i n t e : é p o s s í v e l p e n s a r
e m u m m o d e l o institucional de t r a t a m e n t o para crianças psicóticas
e autistas q u e a t e n d a a essa e x i g ê n c i a ?
E m instituições de tipo pré-escola terapêutica, c o m o é o Lugar
de Vida, p o d e m - s e b u s c a r r e s p o s t a s a essa p e r g u n t a , e x a m i n a n d o
sua p r o p o s t a d e m o n t a g e m i n s t i t u c i o n a l , seu e i x o e d u c a c i o n a l , a
f u n ç ã o d o s ateliês e o a t e n d i m e n t o d e pais.
A p a r t i r da e x p e r i ê n c i a de B o n n e u i l , transporta-se a idéia de
a l t e r n â n c i a e n t r e os v á r i o s e s p a ç o s da i n s t i t u i ç ã o e s t o u r a d a p a r a os
vários espaços de trabalho dentro da i n s t i t u i ç ã o . A alternância
^corre, por exemplo, quando as c r i a n ç a s s a e m d e u m ateliê e
e n t r a m n a sala das a t i v i d a d e s educacionais, para irem e m seguida a
o u t r o ateliê. A passagem de u m espaço a o u t r o é proposta como
u m a escansão q u e p o d e ou não ter valor de corte, mas q u e coloca
a c r i a n ç a f r e n t e à d e s c o n t i n u i d a d e . E se é v e r d a d e q u e a t e o r i a
o p e r a c o m o " u m t e r c e i r o " , a r e f e r ê n c i a a ela p e r m i t e a s u s t e n t a ç ã o
da e s c a n s ã o , e a i n s t i t u i ç ã o estará nesse caso c o l o c a d a n o l u g a r d o
Outro.
Ora, propor uma alternância e n t r e as a t i v i d a d e s n ã o seria
a l g o p r ó x i m o d e se b u s c a r o g i r o d i s c u r s i v o n a d i r e ç ã o d o d i s c u r -
so a n a l í t i c o ? N ã o e s t a r i a h a v e n d o aí a t e n t a t i v a d e se p r o v o c a r , p o r
u m a m a n o b r a da t r a n s f e r ê n c i a , u m a m u d a n ç a n a p o s i ç ã o de obje-
t o e m q u e se e n c o n t r a v a essa c r i a n ç a ?
O f a n t a s m a da d e b i l i d a d e r o n d a a p s i c o s e i n f a n t i l , p e r i g o d e
q u e j á p o d e t e r e s c a p a d o u m a d o l e s c e n t e q u e se d e s e n v o l v e u n o r -
•
m a l m e n t e e t e v e sua p r i m e i r a crise
d e p o i s d e t e r a p r e n d i d o a falar, a
ler e a escrever. Já tiveram t e m p o
de adquirir u m capital ideativo ,
c o m o d i r i a m os p s i q u i a t r a s , o u j á
terão adquirido recursos cogni-
tivos. Mas q u a n d o a crise eclode
e m idade precoce, q u a n d o ainda
n ã o h o u v e a c h a n c e d e essa c r i a n ç a
a p r e n d e r a falar, q u a n d o ela a i n d a
n ã o c o l h e u d o t e s o u r o de signifi-
cantes u m a quantidade razoável
d e l e s c o m os q u a i s se fazer r e p r e -
s e n t a r , é c e r t o q u e esse p s i c ó t i c o
será muito diferente de um
p s i c ó t i c o a d u l t o . C a s o essa c r i a n ç a
não entre em contacto com o
m u n d o escolar e c o m a cultura,
será n ã o a p e n a s u m p s i c ó t i c o n a
vida adulta, sofrerá t a m b é m de
u m a significativa d e b i l i d a d e m e n -
tal, o q u e r e d u z i r á , t a m b é m d e
m o d o s i g n i f i c a t i v o , suas c h a n c e s d e
recuperação social, ainda que
v e n h a a c o n h e c e r n a v i d a a d u l t a os
benefícios de u m tratamento ana-
lítico.
N o e n t a n t o , até h á b e m p o u c o
t e m p o , a e d u c a ç ã o das c r i a n ç a s
p s i c ó t i c a s era u m a tarefa q u e p e r -
manecia e m suspenso, aguardando
os b e n e f í c i o s d e u m t r a t a m e n t o
a n a l í t i c o , q u e s a b e m o s ser l o n g o e
difícil. H o j e , o p a n o r a m a está
' m u d a n d o : sabe-se q u e u m psicóti-
c o p o d e estar f u n c i o n a n d o c o m o
d e f i c i e n t e , m a s isto n ã o o i m p e d e
d e c o n s t r u i r ilhas d e i n t e l i g ê n c i a .
Propor, de o u t r o lado, u m a e d u -
cação tradicional, que busque ape-
nas a i n t r o d u ç ã o da l e i t u r a e da
e s c r i t a e m seu v a l o r p u r a m e n t e
instrumental e adaptativo, não
r e s o l v e o p r o b l e m a . C a s o isto fosse
s u f i c i e n t e , b a s t a r i a c o l o c a r as c r i -
anças psicóticas e m escolas, e a
r e v e r s ã o e s p o n t â n e a d e seu q u a d r o
estaria garantida.
P o r isso, o m o d e l o da p r é -
escola terapêutica p r o p õ e - s e a
p r e p a r a r as c r i a n ç a s p a r a a e s c o l a -
rização regular oferecendo edu-
cação e t r a t a m e n t o i n t e g r a d o s . Isto
significa q u e , n e s t a p r o p o s t a , as
palavras d o c ó d i g o e as p r o d u ç õ e s
da c u l t u r a e s t a r ã o s e n d o a p r e s e n -
tadas d e m o d o a p e r m i t i r q u e a
c r i a n ç a se a p r o p r i e s i n g u l a r m e n t e
d e s t e m a t e r i a l e faça a d v i r d a í
algo q u e adquira valor significante.
Transmitir o conhecimento,
desta perspectiva, abre u m a c h a n c e ,
p o r e x e m p l o , p a r a a s a í d a das
e s t e r e o t i p i a s , q u e são e m e r g ê n c i a s
d e fala d e c a í d a s p o r falta d e lastro
significante, ou, na expressão de
L a z n i k - P e n o t (1996), ruínas de
antigos castelos. Nesta perspectiva,
oferece-se o c o n h e c i m e n t o não
a p e n a s e m sua d i m e n s ã o i n s t r u -
mental, mas c o m o possibilidade de
q u e e s t e seja u t i l i z a d o p a r a s e p a r á -
lo d o g o z o intrusivo d o O u t r o . E,
sobretudo, u m instrumento aciona-
d o n a s u p o s i ç ã o d e q u e está ali u m
sujeito.
Nesse tipo de proposta e d u c a -
c i o n a l , é i n e q u í v o c a a p r e s e n ç a da
P s i c a n á l i s e . M a i s q u e isto, u m a n ã o
existiria sem a outra. A q u i , aban-
d o n a - s e a d i s c u s s ã o e m t o r n o da
impropriedade de levar a
P s i c a n á l i s e às e s c o l a s , b e m c o m o o
esforço de traçar fronteiras entre
atos q u e j á se s a b e m ser t ã o díspares c o m o o p e d a g ó g i c o e o
a n a l í t i c o . N ã o se p r e t e n d e d e m o d o a l g u m analisar u m a l u n o , e s i m
e n t e n d e r que, sem educação, não haverá tratamento, e vice-versa.
A m b o s são esforços q u e v i s a m a t i n g i r , a t r a v é s d e p r á t i c a s dife-
rentes, o m e s m o alvo: o sujeito.
Se q u i s e r m o s s e g u i r as i n d i c a ç õ e s d e L a z n i k ( 1 9 9 1 ) , n ã o será
p o s s í v e l d i s p e n s a r a m ã e n o t r a t a m e n t o d e seu filho a u t i s t a . P a r a
essa a u t o r a , o analista p r e c i s a o c u p a r , nesses t r a t a m e n t o s , o l u g a r
d o e s p e l h o p l a n o , " p a r a q u e possa v i r a se f o r m a r u m a i m a g e m real
n a b o r d a m e s m a d o c o r p o real da c r i a n ç a ; e q u e a esta n o v a
i m a g e m , a m ã e real possa a c e d e r , p o r i d e n t i f i c a ç ã o e s p e c u l a r c o m
o o l h a r d o a n a l i s t a " (p. 1 3 6 ) .
P o d e r - s e - i a d i z e r q u e , p a r a a m ã e d e u m a u t i s t a , o l h a r seu
filho p r o d u z o m e s m o e f e i t o q u e a c o n t e m p l a ç ã o d a c a b e ç a d e
M e d u s a — c o n f r o n t a ç ã o c o m a c a s t r a ç ã o , p a r a F r e u d , o u Com a
m o r t e , p a r a o m i t o . A o analista, e n t ã o , p o d e c a b e r a m e s m a f u n ç ã o
reservada na lenda ao espelho: a de m e d i a r o olhar, p e r m i t i n d o
q u e a m ã e veja seu filho a t r a v é s d o r e f l e x o d e sua i m a g e m n o o l h a r
d o analista.
O r a , n ã o está a i n s t i t u i ç ã o e m p o s i ç ã o d e O u t r o ? Isso é e x a t a -
m e n t e o q u e o c o r r e u e n t r e u m a m ã e , seu filho e a m e d i a ç ã o o p e -
r a d a n a i n s t i t u i ç ã o p e l o g r u p o d e m ã e s . Se a n t e s essa m ã e só v i a
n o filho p u r o c o r p o , passa a d e s c o n f i a r q u e h á ali u m p s i q u i s m o ,
o u u m s u j e i t o d o i n c o n s c i e n t e , se q u i s e r e m . N o i n í c i o d o t r a t a -
m e n t o , ela c o s t u m a v a r e p r e e n d ê - l o s e v e r a m e n t e q u a n d o ele c u s p i a
n o c h ã o . M a s u m dia, o b s e r v o u q u e ele c u s p i r a l o g o d e p o i s q u e
v i r a sair da sala d e a t e n d i m e n t o o seu analista c o m a c l i e n t e q u e o
h a v i a a n t e c e d i d o . A m ã e p e r g u n t o u e n t ã o : " C u s p i u (n)a m o ç a ,
m e u filho?" Podia agora escutá-lo, vê-lo e m outra posição, e supor
q u e p o r d e t r á s d e seu a t o n ã o h a v i a m a i s só c o r p o a d e s f a z e r - s e d e
(/em?) restos, mas u m sujeito.
O TRABALHO NOS ATELIÊS
O q u e se a f i r m a a r e s p e i t o d o l u g a r da P s i c a n á l i s e nas i n s t i t u -
i ç õ e s é q u e ela p o d e estar p r e s e n t e a p e n a s c o m o s a b e r t e ó r i c o .
A f i r m a - s e t a m b é m q u e o t r a t a m e n t o nas i n s t i t u i ç õ e s p o d e ser
e n t e n d i d o c o m o u m a p r e p a r a ç ã o p a r a a análise, j á q u e c o n d i ç õ e s d e
p o s s i b i l i d a d e p a r a a c o n d u ç ã o d e u m a análise n ã o e s t ã o c o l o c a d a s .
N o e n t a n t o , e s t a m o s n o m o m e n t o e m q u e se t r a t a d e p e r g u n t a r o
s e g u i n t e : se o alvo é o d i s c u r s o a n a l í t i c o , p o r q u e falar e n t ã o e m
p r é - a n a l í t i c o ? O d i s p o s i t i v o d e t r a t a m e n t o é o u t r o , m a s se o d i s -
c u r s o p s i c a n a l í t i c o p u d e r ser i n s t a l a d o , n ã o e s t a r í a m o s r e s p e i t a n d o
e m e s t r u t u r a o q u e é da o r d e m da P s i c a n á l i s e p r o p r i a m e n t e dita?
N ã o e s t a r í a m o s t o d o s n ó s , Le Courtil, L'Antenne, e t a l v e z o Lugar de
Vida, n o c a m p o a n a l í t i c o , n o q u a d r o q u e e q ü i v a l e r i a às e n t r e v i s t a s
preliminares situadas agora de m o d o a m p l i a d o n o t e m p o para
alguns t r a t a m e n t o s , q u e p o d e m d u r a r mais de dois anos, mas q u e
e m e s t r u t u r a c o r r e s p o n d e m a o q u e se p r a t i c a e m c e r t o s m o m e n t o s
4
das análises clássicas? P o r q u e falar e m p r é - a n a l í t i c o , se n ã o fala-
m o s assim a o n o s r e f e r i r m o s às e n t r e v i s t a s p r e l i m i n a r e s ?
M a i s d o q u e isso, n ã o e s t a r í a m o s n ó s e m u m c a m p o a m p l i a d o ,
n o q u a l se i n c l u i a i n d a a p o s s i b i l i d a d e d e m o v i m e n t a r o u t r o s d i s -
cursos além do analítico, o que representa u m a vantagem e m
r e l a ç ã o a o e n q u a d r e clássico? N ã o h a v e r i a b e n e f í c i o n o fato d e
c o n v i v e r e m o p e d a g ó g i c o e o a n a l í t i c o , p a r a q u e se o p e r e m j u s t a -
m e n t e as d i f e r e n ç a s e os c o r t e s e n t r e eles? M a n n o n i diz q u e n ã o faz
análise e m B o n n e u i l p a r a n ã o c o n f u n d i r as c r i a n ç a s , q u e n ã o
p o d e m s e p a r a r os d i s c u r s o s . N ã o seria j u s t a m e n t e o c o n t r á r i o ? N ã o
é essa separação que precisa ser
no desenho institucional?
Essas s ã o a g o r a as p e r g u n t a s . O
maior. •
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NOTAS