CP 105322
CP 105322
CP 105322
Francis Sodré
Orientador: Ruben Araújo de Mattos
Área de Concentração:
Política, Planejamento e Administração de Serviços e Saúde
2007
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL - IMS
Francis Sodré
1
Francis Sodré
BANCA EXAMINADORA:
2
C A T A L O G A Ç Ã O N A F O N T E
U E R J / R E D E S I R I U S / C B C
S729 Sodré, Francis.
Políticas globais de saúde: a constituição de novas lutas sociais no
campo de saúde coletiva / Francis Sodré. – 2007.
274f.
Orientador: Ruben Araújo de Mattos.
Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Medicina Social.
1. Política de saúde – América do Sul – Teses. 2. Acordos internacionais – Teses. 3.
Mercosul – Acordos – Teses. 4. Saúde pública – Teses. I.Mattos, Ruben
Araújo de, 1957- II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto
de Medicina Social. III. Título.
CDU 614:341.24(8)
____________________________________________________________________________
3
A Fábio e Pedro
4
“Nós temos uma necessidade muito grande de 'autoria'.
Mas em política pública não precisamos ter a autoria das
coisas. Quanto mais ela for difusa e dividida, mais ela
será duradoura e conseqüente”.
Marina Silva
5
RESUMO
A Saúde Global é um campo repleto de nuances e muitas vezes entendida como uma
mera preocupação pelos cuidados com imigrantes ou populações fronteiriças. O campo
abarca as relações de poder entre as instituições nacionais e supranacionais no capitalis-
mo pós-industrial. Os movimentos globais de luta pela saúde hoje marcam um impor-
tante referencial de transição dos paradigmas da Saúde Pública. Políticas de Saúde coo-
perativas trazem um perfil de busca pela interdependência das ações na América do Sul,
entre blocos mundiais, como o caso do Subgrupo de Trabalho 11 dentro do acordo Mer-
cosul. Parte deste estudo apresentado busca as pistas deixadas por essas transições de
soberania trazidas pelo capitalismo atual. O objeto desta pesquisa então se delimita pelo
estudo das políticas globais de saúde, tendo como foco de análise as novas lutas sociais
no campo da Saúde Coletiva. Dentro deste objeto inserem-se as discussões sobre a har-
monização de políticas de saúde entre blocos mundiais; o debate sobre a formação dos
novos movimentos sociais globais pela saúde; a discussão atual sobre o trabalho em
saúde e como este trabalho se tornou imaterial e biopolítico em suas ações. Para isso
partimos do referencial teórico produzido pelos autores operaístas e pós-operaístas que
afirmam a constituição de uma forma de soberania imperial que aponta para a crise do
Estado moderno com a condição política de formação do Império. Nesta pesquisa op-
tou-se pela realização de um levantamento documental em fontes oficiais do acordo
Mercosul, Ministérios da Saúde de vários países que compõem o acordo aduaneiro e
também dos movimentos sociais constituídos de forma global para analisar as tentativas
de harmonização das políticas de saúde na América do Sul. Neste levantamento inclu-
em-se os relatórios das comissões temáticas de saúde do Mercosul e as atas das reuniões
ministeriais do pacto aduaneiro. Além disso, foram também analisados os documentos
produzidos pelos movimentos globais da saúde que foram constatados nesta tese. Os da-
dos foram estudados concomitantemente ao debate conceitual, quando então concluí-
mos um deslocamento dos poderes de Estado e das instituições supranacionais sobre a
Saúde em políticas geridas na América do Sul, além da implantação de políticas de in-
terdependência através da Saúde. A chave de resposta foi encontrada no novo ciclo de
lutas que se abriu para o campo da saúde nos movimentos globais dos anos 2000.
6
ABSTRACT
The Global Health is a field with many sides and is understood as a mere concern for
the cares with bordering immigrants or populations. The field accumulates of stocks the
relations of being able between the national and supranational institutions in the
postindustrial capitalism. The global movements for the health today mark an important
referencial of transistion of the paradigms of the Public Health. Cooperative politics of
Health bring a profile of search for the interdependence of the actions in the South
America, between world-wide blocks, as the case of the Sub-group of Work 11 inside of
the Mercosul agreement. Part of this presented study searchs the tracks left for these
transistions of sovereignty brought by the current capitalism. The object of this research
then is delimited for the study of the global politics of health, having as focus of
analysis the new social movements in the field of the Collective Health. Inside of this
object the quarrels are inserted on the harmonization of politics of health between
world-wide blocks; the discussion on the formation of the new global social movements
for the health; the current quarrel on the work in health and as this work if became
incorporeal and biopolitc in its action. For this we leave of the theoretical referencial
produced by the operaism authors that they affirm the constitution of a form of imperial
sovereignty that points with respect to the crisis of the modern State with the condition
politics of formation of the Empire. In this research it was opted to the accomplishment
of a documentary survey in official sources of the Mercosul agreement, social
movement and Health department of some countries that compose the customs
agreement also constituted of global form to analyze the attempts of harmonization of
the politics of health in the South America. In this survey the reports of the thematic
commissions of health of Mercosul and the acts of the ministerial meetings of the
customs pact are included. Moreover, also the documents produced for the global
movements of the health had been analyzed that had been evidenced in this thesis. The
data had been studied concomitantly to the conceptual debate, when then we conclude a
displacement of being able them of State and the supranational institutions on the
Health in politics managed in the South America, beyond the implantation of politics of
interdependence through the Health. The reply key was found in the new cycle of
movements that if opened for the field of the health in the global movements in 2000´s.
7
SIGLAS E ABREVIATURAS
8
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................... 11
CAPÍTULO I
O DESLOCAMENTO DO TRABALHO E OS MOVIMENTOS
GLOBAIS DA SAÚDE
CAPÍTULO II
POLÍTICAS DE SAÚDE SUPRANACIONAIS E A LIVRE CIRCULAÇÃO
DO TRABALHO: O CASO DA UNIÃO EUROPÉIA E DO MERCOSUL
9
CAPÍTULO III
A DESESTATIZAÇÃO DA POLÍTICA: A MÁQUINA CONCEITUAL
OPERAÍSTA E A ANÁLISE DA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
INTERVALO
CAPÍTULO IV
SAÚDE COLETIVA: DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO?............. 214
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................260
10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta tese que o leitor agora tem em mãos faz parte de um percurso muito
Social, tinha o objetivo de estudar a política estadual de saúde nos anos 90, no Espírito
do campo da ciência política, fez-me despertar para uma mudança de objeto da tese. Ao
macro para iniciar à velha maneira “primeiro o macro, depois o micro” e notei que a
de saúde, mesmo que para isso fossem necessárias inúmeras pactuações normativas de
variados acordos. Ao passar por uma disciplina específica dentro deste percurso do
blocos econômicos mundiais e notei que o debate em questão era o mesmo. Apenas
Verifiquei as lacunas dos estudos produzidos sobre o tema e então optei por
harmonização das políticas de saúde entre blocos mundiais. Como unidade de análise, o
Mercosul. Em meio a isto, a discussão que circunda o tema atualmente acusava como
11
saúde europeus. Então entendemos que esta era uma demanda “provocada” por estes
livre circulação de profissionais da saúde? No caso do Mercosul, por que não permitir o
simbolismos em prol da defesa da vida, além de se tratar de um acordo feito por países
considerados pobres? A busca por literatura sobre a “livre circulação” em sites de busca
globais”. Tudo isso se misturou de tal forma que uma discussão não se desprendia da
serviço social também passei pelas mesmas afirmações dessa história sempre contada
sob o ponto de vista do Estado (responsável pela proteção social). Após deparar-me
com estudos produzidos por Antonio Negri, optei por mostrar este percurso em seu
caminho inverso. Através deste autor consegui argumentos e aportes conceituais para
afirmar que as lutas, no seu formato mais difuso, determinam as políticas democráticas
volta. Mesmo em se tratando de uma pactuação entre Estados (uma macro política), era
para o Cone Sul. Ao iniciar o estudo verifiquei que os acordos aduaneiros mais
12
rascunhava algumas ações. Algo que é no mínimo curioso em se tratando de uma
articulação maior no campo da Saúde. Mas foi no governo Lula que o campo recebeu
formação de uma pauta que ganhou regularidade para ser debatida, com sistematização
constante de informações produzidas. A descoberta dessas ações como uma brecha para
acordos transversais em outras áreas da política econômica dos países aduaneiros foi o
partes do mundo que trabalham com acordos para mercados comuns entre blocos
mundiais.
Gerir a Saúde significa ter controle sobre as formas de vida. Aos poucos
fomos percebendo o quanto a América Latina se tornava global dentro de suas formas
acordo Mercosul o debate tornou-se plural, ao mesmo tempo forte sob o ponto vista das
discussões não estava nos produtos que poderiam vir a circular, mas no debate político
mesmo dentro da ironia de vê-la sendo discutida a partir do pacto Mercosul. Ainda
assim apostei no objeto para estudá-lo, colocando-me aberta para eventuais surpresas
que esse estudo poderia proporcionar. E cheguei a uma conclusão rasa que o mais
surpreendente disso tudo não foram os resultados dessa política, visto que seus impactos
debate, que se tornou interesse mundial, era pautado por nós: os países do Sul perante a
13
União Européia ou os Estados Unidos, tão observados em nossos passos rumo a uma
política de cooperação.
pensamento conseguimos enxergar esse fenômeno como algo que se alastra por todo o
processo.
Por outro lado, notei que as relações políticas da Saúde caminharam para a
agenda do SGT 11 chega de forma paralisante; pois todas as discussões políticas mais
os países são “congeladas” em prol de uma agenda mundial retrógrada que veio
somente a reforçar antigos ditames que erguem “barreiras sanitárias” como medidas
protetoras. O segundo momento deste estudo, portanto, aborda esse déficit democrático
a partir das lutas sociais estabelecidas após a “virada à esquerda” dos governos eleitos
resistência a este poder global. A produção de Antonio Negri sobre a categoria trabalho
imaterial cruza-se com os estudos sobre a categoria teórica trabalho vivo de Marx. Isso
14
foi necessário para que percebêssemos que a chave da questão estava neste trabalho
estudos sobre este processo de trabalho que não tinha fórmulas e que se mostrava
variável em cada realidade vivida pelos serviços de saúde. O entendimento que a força
Mercosul como uma estratégia política de publicizar essa pauta mundial que se refere a
função de planejar, coordenar e gerir as ações propostas nas reuniões entre os ministros
da saúde dos países que compõem o bloco. A leitura de mais de 30 atas extraídas do site
de pesquisa documental; abrindo ata por ata, separando fragmento por fragmento para
retirar extratos que compusessem um cenário amplo das discussões que acontecem de
harmonização das ações dos países do cone sul também foram levantados, pois eles
15
Após esta fase, continuamos com a pesquisa em base de dados virtuais a
análise dos dados encontrados até então mostrou-me que a agenda Mercosul tinha sua
pauta determinada por estes novos movimentos; então decidi buscar os antecedentes
vindos através das lutas sociais da década de 90. Todos os movimentos continham uma
coordenadas, pautas de reuniões etc. Posso afirmar que a riqueza desses movimentos
ter idéia, no site do Fórum Social Mundial da Saúde procurei por informações sobre a
áudio, imagem fotográfica e vídeos. Era preciso somente escolher, em meio a muitas
movimentos multitudinários das novas lutas sociais globais da saúde. Ao tomar este
objeto como foco de investigação, percebi que a leitura do objeto se completava através
discussão sobre a Saúde em âmbito global – desde suas lutas a partir do trabalho à
global à luta pela Saúde em âmbito mundial. O conceito de Multidão elaborado por
16
Negri & Hardt (2005) forneceu instrumentos importantes para explorarmos esses
Mundial da Saúde e a Assembléia Mundial de Saúde dos Povos. Movimentos que não
aparecem nos noticiários, que não são valorizados pela agenda econômica mundial, mas
mesmo período. Por isso mostrou-se importante desenvolver um estudo sobre esse
campo através da ótica dos movimentos e tentar explicá-lo como algo novo que surge
uma década, então por eles comecei. No Capítulo I abordo de forma descritiva a
chegada desses movimentos à década de 90 até os anos 2000. Este era o novo ciclo de
subgrupo de trabalho e das reuniões ministeriais que aconteciam no cone sul. Após
estudo que aborda o método do pensamento de Negri através das principais categorias
relação “público x privado” vivenciada pelos movimentos de luta pela saúde e pelas
políticas estatais. Essa relação permeou a formação do campo conceitual que vai da
17
Medicina Social à Saúde Coletiva e teve no Brasil o movimento multitudinário da saúde
como um divisor de águas: a reforma sanitária. De tal forma, que a linha de raciocínio
construída nesta tese é cíclica, pois tentamos seguir a análise que um novo ciclo de lutas
18
CAPÍTULO I
O DESLOCAMENTO DO TRABALHO E
OS MOVIMENTOS GLOBAIS DA SAÚDE
19
1.1 - Globalização e Migrações
mudou muito ao longo do século XX. Não é mais uma coleção de países agrários ou
debate sobre essa lógica binária da modernidade nas ciências sociais ao longo da década
de 90. Seus argumentos nortearam várias correntes de pensamento que apontaram para
capitalismo global visto por Ianni (2005) transbordou as fronteiras das bases nacionais.
p.38).
para autores como Fiori (1997), que a única globalização que realmente existiu foi a
autor, é tão antigo que já beira os trezentos anos, “desde que os fisiocratas elegeram que
20
globalização se resume a uma espécie de “fascismo do mercado” – uma combinação
capitalismo. Para Fiori (1997) é esta transição estrutural que demarca o surgimento dos
para Fiori a globalização atual se dá pela porta unicamente financeira, ou seja, falamos
de “um mundo financeiramente globalizado” (Fiori, 1997, p.133) onde vários países do
privatizações, etc.
tornaram-se agências da economia política mundial” (p.92, 2005). Para o autor, nem o
1
Sob a ótica keynesiana, uma análise conjuntural deve centrar sua atenção de forma a impedir ou
postergar a crise. “Trata-se de reunir, sempre que necessário e de forma deliberada, informações que
reduzam o grau de incerteza, orientando a ação do Estado, único agente capaz de, em substituição aos
inoperantes mecanismos de mercado, administrar sabiamente o movimento expansivo da economia
capitalista. E é à sombra desta intervenção estatal que a ciência econômica desenvolverá, a partir dos anos
30, de forma cada vez mais sistemática, seu método de análise conjuntural, aperfeiçoando cada vez mais
seus indicadores, medidas e dados, quantificados de forma permanente e confiável. (...) Neste caso,
trabalha-se com um conflito regulado entre múltiplos atores, em igualdade de condições e com objetivos
comuns, ainda que competitivos. (...) Surgiriam, a partir daí, regularidades e constâncias na ação coletiva,
dissolvendo-se o problema posto pela multiplicidade dos atores” (Fiori, 2003, p52/53).
21
BIRD, Banco Mundial ou mesmo a CEPAL, interferem na internacionalização da
colaboração aos países que transitaram da economia planificada para uma economia de
mercado.
político sem uma localização nítida. Parece flutuar sobre os Estados, fronteiras, nações,
povos, riquezas e territórios, que por sua vez, tem alterado a base de muitas interações
que demonstra uma transição de soberania dos Estados. A essa fórmula atribui-se a
da “nova crise” é que ela pode vir a se deflagrar em qualquer lugar 2. A partir do
2
A década de 90 está repleta de exemplos das crises mundiais. Os tigres asiáticos podem bem representar
um desses aspectos. Não se poderia imaginar que esses países utilizariam de isenções fiscais, redução do
custo de sua mão-de-obra e isenção de impostos para atrair a instalação de empresas estrangeiras com o
intuito de se tornarem empresas multinacionais exportadoras em território asiático.
22
momento em que o capital assumiu padrões mais especulativos e o mercado se
Cocco (2000) acrescenta um outro ponto de vista e nos diz que o novo modo
que seja uma guinada antiprodutiva do capital, mas sim que este é o único meio que lhe
restou para tentar retomar o controle sobre o trabalho. Um trabalho que atualmente
“trabalho que tende, cada vez mais, a tornar-se imaterial: intelectual, afetivo, tecno-
economia quanto pelo seu crescimento” (Cocco, 2000, p.39). Aquilo que o
23
uma integração cidadã, ou seja, de distribuição de renda e universalização dos direitos.
denomina no seu método como “história das lutas sociais” a crise do paradigma fabril
taylorista e da integração fordista (pelo salário e pelo Welfare) deve ser explicada pela
cada vez mais o trabalho é feito por “ciborgues”, à medida que o uso das novas
Assim, todo bem, todo produto é permeado por uma enorme carga de
consumo. A esfera do consumo, então, não se apresenta mais como a parte final da
cadeia produtiva, mas como a esfera em que a subjetividade também se reproduz (Negri
& Lazzarato, 2001). No lugar das forças de trabalho que se constituíam como uma
24
A característica dessa produção que hoje se estrutura em rede “não é mais
& Lazzaratto, p.59, 2001). Ou seja, a transição que hoje presenciamos nas formas de
gerir o trabalho leva-nos a verificar na afirmação dos autores que “o capitalismo não é
produção”.
troca, as quais se tecem relações políticas de inovação. Poderíamos talvez por meio
disto inferir que as migrações, parte deste processo de desenraizamento fabril, são
25
de novas possibilidades de vida e de inserção produtiva; e a
resistência por via da migração constitui historicamente uma
linha de fuga para pessoas em todos os tempos e lugares, em um
fluxo contínuo, nunca unidirecional, que reflete a
incomensurabilidade, a irredutibilidade e a potência da atividade
humana (Corsini, 2004, p.185).
Hoje, o tempo de trabalho confunde-se com o tempo da vida e isto faz com
que a separação entre as fronteiras de criação, consumo e produção sejam tão próximas
quanto porosas; pois a produção do trabalho também tornou-se produção da vida. Algo
que Virno3 denominou por “virtuosístico”, pois neste trabalho contém a capacidade de
formas de resistência?
estranho em outro território. Sabemos que muitas vezes os trabalhadores que migram
viajam em condição de pobreza, mas não significa que não possuam conhecimento,
3
Virno, Paolo. “Virtuosismo y revolución: notas sobre el concepto de acción política”. Disponível na
internet: <http://biblioweb.sindominio.net/pensamiento/virno.html>. Acesso em 03/05/2007.
26
trabalhar em situações diversas. As migrações se transferem para as regiões mais ricas
ou pobreza4; mas nisso pode estar contido o desejo de riqueza, de produção, alegria, paz
e liberdade.
um jeito tão forte como a potência que está implantada na pobreza. “A pobreza de fato
não é simples miséria, mas é a possibilidade de muitíssimas coisas, que o desejo indica
O imigrante é sempre aquele que chega para viver em outro lugar e decide
romper com o seu lugar. Assim, “toda migração representa uma ruptura (saída), ruptura
com um território e com uma população, uma ordem social, uma ordem econômica,
uma ordem política, uma ordem cultural e moral” (Corsini, 2004, p.194). Essa dimensão
4
“As lutas dos pobres contra suas condições de pobreza não constituem apenas uma poderosa forma de
protesto, mas também afirmações do poder biopolítico – a revelação de um “ser” que é mais poderoso que
seu miserável “ter” (Hardt & Negri, p.183, 2005). A luta dos pobres assume um caráter mais geral e
biopolítico e tende a ser global. Projetos como os da renda mínima no Brasil demonstram essa luta para
tentar resguardar minimamente a sobrevivência. Na África do Sul, os movimentos sociais recentemente
lançaram mão do slogan: “Não somos africanos, nós somos os pobres” (idem, 2005).
27
culturas, modos de vida. Está no movimento das populações e aponta para uma maior
capacidade de integração cultural. Daí que Corsini (2004) a aponta como uma forma
também de resistência.
compreender a fundo essa plasticidade da nova força de trabalho” (Negri, 2001, p.47).
Ainda que a financeirização da ordem global seja a última cartada dada pelo capitalismo
atual, ela agora se defronta com a possibilidade de ser derrubada por esses novos
28
1.2 - A livre circulação do trabalho: o caso da União Européia
ultrapassem os limites geográficos e legais das instituições de cada país e passem a ser
supranacional até então nunca vista na história mundial. O marco inicial da unificação
regiões e grupos fosse fortalecida através de uma moeda unificada para toda a região,
29
revisão dos Tratados levaram à formulação de políticas públicas para além dos limites
sociais.
que propunha a adoção de medidas de proteção social em cada um dos países onde
longos anos de pressão política dos trabalhadores europeus junto ao Estado. Isso
salvaguardas jurídicas, como por exemplo, o direito à procura por emprego em cidade
fronteiriça de outro país membro; o direito ao exercício do trabalho fora de seu país de
da Comunidade Européia. Mas vale à pena ressaltar que, mesmo se essas categorias
6
Retirado do documento produzido pela UE: Free Movement of Workers and the Principle of Equal
Treatment. Disponível em: <http://ec.europa.eu/employment_social/ free_movement/index_en.htm>.
Acesso em 02/03/2007.
30
privilegiadas pelo tratado, se deslocassem de forma constante, indo e voltando ao seu
partir da década de 90, com a emergência da União Européia, que se abarcou o desejo
universitárias, por exemplo, foi uma das dificuldades encontradas para que as migrações
pudessem ocorrer de forma mais intensa no interior do bloco. Isso só foi sendo superado
enfermeiro de Portugal só poderia atuar na Inglaterra depois que passasse por um curso
competências dos imigrantes por meio de cursos e treinamentos oferecidos. Além disso,
31
complementar as iniciativas dos Estados membros para a cooperação transnacional de
formação profissional”7.
garantias estão efetivamente em vigor: o familiar pode habitar junto com o trabalhador
que se deslocou e, pode obter prerrogativas para também trabalhar no território onde
está atualmente acompanhando seu outro familiar. O não acesso a todas as políticas
pelo Estado que o recebe, gerando assim uma barreira concreta para que o imigrante
caso das políticas de saúde, então o objeto dessa tese, esse fluxo imigratório pressionou
7
Sobre isso ler o documento produzido pela UE: Reconocimiento y transparencia de las cualificaciones.
Disponível na Internet: <http://ec.europa.eu/education/policies/rec_qual/ rec_qual_es.html>. (Recuperado
em 02/03/2007).
8
O documento Providing safeguards and guarantees limiting the power of Member States to restrict the
fundamental right to free movement within the EU foi produzido pela União Européia e está disponível na
internet em seu site: Recuperado em 02/03/2007:
<http://ec.europa.eu/justice_home/fsj/citizenship/public/fsj_citizenship_public_en.htm>.
9
O cuidado ao imigrante será melhor debatido no Capítulo II.
32
circulação dos trabalhadores. O curioso é que esses cuidados passaram a ser elaborados
marcos legais da União Européia atestam para esse grupo de trabalhadores o status de
saúde que obtiveram esse título foi medicina, odontologia e enfermagem. Mas esse
Européia exige aos seus Estados-membros que receba o profissional que curse cinco
anos de graduação com 5.500 horas, além de elaborar treinamento e capacitação para
10
O documento produzido pela União Européia: Recognition of diplomas in the European Union está
disponível em: <http://ec.europa.eu/education/policies/rec_qual/recognition/in_en.html> (Recuperado em
02/03/2007).
33
qualificações profissionais consideradas como insatisfatórias, o país que o recebe tem a
certas condições que são impostas. Mesmo assim, nem todos os diplomas são avaliados,
pois, até 2004, somente os que pertencem aos países membros da União ou que
necessita recrutar teriam suas solicitações avaliadas. Após o ano de 2005 o Parlamento
Saúde) como necessárias para serem arregimentadas entre os imigrantes que por ventura
profissionais.
para o surgimento do movimento são variadas. Pelo lado do trabalho, a luta gira em
baixo valor” que passam muitos imigrantes, como os do Leste Europeu, quase sempre
qualificados por conter uma formação acadêmica inferior. E ter uma qualificação
11
A medicina teve seu reconhecimento considerado automático no ano de 1983, desde que obedecesse
aos critérios de tempo de graduação e origem européia da diplomação. Outra característica comum entre
os países para os médicos era a validação de um país para o outro: se o imigrante europeu obteve o
reconhecimento de seu diploma em um país europeu, ele deve ser reconhecido por outro país europeu
caso o médico em questão venha a imigrar novamente (Gerlinger, 2006).
34
conhecimentos técnicos e carga horária excessiva com salários baixos. Um enfermeiro
polonês trabalha muito mais horas por um salário inferior ao de um enfermeiro alemão
diplomas se justifica pelo temor da perda da qualidade de seus serviços ao ser invadidos
saúde.
concreta; como analisa Frommel (2002) a imigração não foi causada apenas pela
pobreza, pelos imperativos de sobrevivência ou, até mesmo pela evolução dos
vida familiar representam muitas vezes fatores mais decisivos que a atração por
vantagens materiais.
Frommel (2002) aponta que o que faz um médico exercer suas funções em
Essa visão, freqüentemente ocultada, afeta tanto o norte, quanto o sul do planeta, e
meios materiais falham. Não diagnosticar com o auxílio de alguns exames laboratoriais,
não poder receitar o medicamento apropriado, não poder seguir as regras indispensáveis
12
Frommel, Dominique. O mercado da saúde e roubo de cérebros. Publicado no Le Monde Diplomatique
Brasil. Disponível na internet: <http://diplo.uol.com.br/2002-04,a275> (Recuperada em 03/05/2007).
35
de higiene é o destino de uma grande parte dos profissionais de saúde que trabalham nos
se com o dilema de permanecer em seu território ou fiel à sua função de curar. O êxodo
Por último, o autor ainda destaca que os profissionais da saúde que estão
fora de seus países de origem ainda assim estão contribuindo para o desenvolvimento de
desafios em curto e longo prazo. Alguns países formam mais profissionais do que
satisfatória. Por isso, a migração dos profissionais da saúde não reside unicamente na
pronunciou13 alegando não ter nenhum controle sobre o número de profissionais que
abandonam seus países de origem, e também afirmando que não possuem nenhum
“estão trabalhando em condições de trabalho piores, com baixos salários e com grande
para onde migraram. Entretanto, a própria Associação afirma ser a migração necessária,
13
Retirado do documento: Free movement of professionals: opening up opportunities or perpetuating
problems? Disponível em: <http://www.epha.org/a/521?var_recherche=nurse>. Acesso em 03/05/2007.
14
A Associação dos Enfermeiros Europeus representa hoje cerca de 750.000 profissionais da
enfermagem.
36
pois a Europa não tem reproduzido sua força de trabalho de forma suficiente a suprir a
Para isso, a alternativa mais rápida e mais barata seria a captura desses profissionais nos
países do Sul, onde os trabalhadores são flexíveis pelas condições adversas que o
africano tem sua rentabilidade mais inferior ainda. Na perspectiva de um bom emprego,
Atualmente essas alternativas são substituídas por “premiações” aos profissionais que
15
Sobre isso ler Karl Blanchet e Regina Keith no Le Monde Diplomatique Brasil. A África enfrenta o
êxodo de médicos. Disponível na internet: <http://diplo.uol.com.br/2006-12,a1454> (Recuperado em
03/05/2007).
37
permanecem, como acréscimos em salário, auxílio moradia, pagamento de despesas
Européia havia o receio de que uma forte imigração dos trabalhadores do leste para os
países mais desenvolvidos do continente. No caso da saúde, essa expectativa era ainda
maior porque a União Européia decretou estado de alerta em toda região por causa de
340 mil médicos atuando em território alemão, e destes, apenas 2.500 eram médicos de
profissionais da saúde não gerou uma imigração massiva dos países emergentes
posição cultural ou barreira linguística não é menos racista do que a teoria biológica que
38
O argumento que se diz anti-racista aparece escamoteado pela defesa da
igualdade cultural para permitir o exercício profissional de técnicos que trabalham com
a vida – como o caso dos trabalhadores da saúde. A transição para o “racismo pós-
dominante para uma teoria baseada na cultura. Sangue e gene aparecem como uma
condição de igualdade para toda a raça humana; agora o que se torna uma barreira da
importante do ódio e do medo raciais” (Hardt & Negri, p.211, 2001). Assim, quando
embasa a decisão não é uma barreira de sangue, mas algo relativista e culturalista. E a
anti-racista.
A segunda razão para conter a livre circulação deriva das características das
políticas de trabalho dos Estados. Alguns países, após a absorção da circulação dos
para após cinco anos de pactuação da União Européia. A barreira aos vizinhos foi uma
medida tomada por países como a Áustria. Este período ainda podia ser estendido por
mais dois anos. Pela regulação da União Européia, cabe ao país dizer se aceita ou não a
exemplo, optaram por limitar seus números de médicos e enfermeiros, pois alegam
possuir um grande contingente das categorias profissionais com alta qualificação, porém
sem empregos.
39
passado, os profissionais da saúde na Inglaterra eram recrutados da África do Sul,
Filipinas ou Austrália. Em 2002, cerca de 50% dos profissionais da saúde ingleses eram
estrangeiros, destes, 13% dos enfermeiros vinham de outros países também europeus.
salário fixo para trabalhar com uma carga horária pré determinada. Logo, temia-se a
imigração para a Alemanha, pois além de ser considerado um país central, o médico
requisitar tratamento em qualquer país que esteja na União Européia; ou mesmo poderá
atestado de permissão emitido pelo país de origem do trabalhador para que ele se
A norma se sustenta no discurso de que é preciso proteger os serviços locais para evitar
a competição com serviços estrangeiros. Porém, essa parece ser uma norma que tende a
40
mudar. A Comissão do Parlamento Europeu providenciou a apresentação de um projeto
de lei para o ano de 2007 que contém uma proposta para a proibição de requerimentos
estabelecer barreiras definitivas nos serviços de saúde. O projeto de lei deve prever o
respeito aos acordos entre os países na área da Saúde, dependendo da pactuação (ou
41
1.4 – Por um Sistema de Proteção Social Global: dos movimentos de Seattle
ao Fórum Social Mundial
concreto sistema de proteção social supranacional, neste mesmo período histórico, abre-
se um novo ciclo de lutas sociais caracterizado pela atuação global de militantes em prol
torno dos efeitos locais de um processo global de privatização da vida instituído por um
16
“A mudança do sistema intervencionista "keynesiano"-"desenvolvimentista", que vigorava
anteriormente na maior parte do mundo capitalista, para esse "novo sistema" neoliberal não era inevitável;
ao contrário, a globalização neoliberal foi um processo escolhido pelas elites político-econômicas
mundiais, especialmente as dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, por estas acreditarem que esse processo
melhor atenderia a seus interesses econômicos do momento turbulento que atravessam (Crotty, 2002).
[14] Os defensores da globalização neoliberal usaram em seu discurso "globalista-liberalizante" a teoria
econômica "neoclássica", que reza que, em não havendo intervenção econômica governamental
excessiva, tanto as economias nacionais quanto a economia mundial operará de forma eficiente, conforme
os modelos dos mercados "perfeitamente competitivos" constantes dos livros-texto escolares de
economia”. Sobre a definição básica do neoliberalismo, ler Neoliberalismo. Disponível na internet em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo>.
42
Essas lutas globais contra o neoliberalismo têm como marco inicial17 a
contestação radical que ocorre nas ruas de Seattle em 30 de novembro de 1999, quando
fosse cancelada. Cerca de 50 mil pessoas, de 144 países diferentes, ocuparam a cidade
43
campesinato e dos índios, religiosos ou ainda militantes pelos direitos humanos.21 A
ocupação da cidade provocou uma onda de conflitos entre militantes e polícia, fazendo
com que o governo local decretasse estado de emergência e toque de recolher na cidade.
“Quem são essas pessoas?” Foi a pergunta feita por vários americanos que nunca
ou vários pontos por meio de uma pulsação sustentável de força ou de fogo mantida a
Arquila e Ronfeldt (2001) decretaram essa nova forma de ação como uma
similaridades que as tornassem capazes de trabalhar bem juntos. Cada grupo decidia por
si quais ações seus membros iriam responsabilizar-se, abrangendo teatro de rua (na
21
La OMC decide supender la inauguración y comenzar precariamente las deliberaciones. La ciudad se ha
vuelto un completo caos. La violencia en las calles se ha descontrolado y los gases lacrimógenos inundan
la ciudad llegando hasta 10 kilómetros del centro. Esa noche las autoridades locales declaran el estado de
emergencia y el toque de queda. El martes 1 de diciembre el Presidente Clinton llega a Seattle y declara
públicamente que está de acuerdo con los manifestantes. El gobierno estatal envía a la Guardia Nacional
y grupos SWAT. Se declara ilegal la posesión, venta o transferencia de máscaras de gas en la ciudad y se
prohíben todos los actos y marchas. El centro es cercado y se establece un área de seguridad al que los
manifestantes no pueden acceder (a partir de entonces la "zona de exclusión" se volverá una práctica
habitual en las reuniones de ciertos organismos internacionales). Las batallas campales durarán tres días
más con una extensión que EEUU no veía desde la década de los 1960 con las acciones contra la Guerra
de Vietnam. (Wikpedia. N-30. Disponível na internet: http://es.wikipedia.org/wiki/
Disturbios_en_Seattle_de_1999).
22
Esse conceito, dos mesmos autores, foi praticado na ocupação do Iraque, quando pequenos grupos de
soldados atacaram de várias posições, sincronizados, o mesmo alvo mas em várias posições no espaço.
Além disso, desenvolveu-se todo um método de como quebrar uma rede (no caso do terrorismo),
concretizada na lógica matemática em que uma rede é eliminada se cerca de 30 a 40% de seus nós forem
desativados e desconectados.
44
época, muitos militantes fantasiavam-se de tartarugas) ao risco de serem presos.
Diferentes pessoas em cada grupo assumiam diferentes funções mas todo o esforço era
feito para acentuar o fato de que nenhum grupo tinha um líder único. Tudo isto era
grupos e indivíduos operam independentemente uns dos outros sem nunca se remeter a
tradicional formado pela luta a partir de uma identidade, uma unidade organizada sob
uma liderança central – como a de um partido. A história política das lutas operárias
está repleta de modelos que aconteceram desta forma. O segundo modelo, de forma
conduzir de maneira autônoma sua própria luta – esse modelo da diferença baseou-se
nas lutas de raça, gênero e sexualidade. Ambos representavam duas alternativas: a luta
unida, debaixo de uma identidade central ou lutas separadas que afirmam nossas
23
Curiosamente elaborada pelo extremista de direita Louis Beam. Sobre isso ler Antoun, 2004, p.219.
45
O modelo em rede atual não nega e nem suprime o antigo, mas lhe confere
uma forma diferente. A Batalha de Seattle foi o berço de uma contestação antes nunca
vista pelos mais radicais ativistas. Em torno da reunião contra a OMC, formou-se ainda
uma arma poderosa contra a estrutura vigente de poder. Provocam no plano simbólico
nocivos da globalização com protestos sem nenhuma violência fez com que ganhassem
primeiros movimentos globais auto-organizados (Berardi, 2005). Neste caso, a rede que
cientificizada e tecnologizada – de tal forma que a rede não é meramente uma peça
24
É fundado o Centro de Mídia Independente (CMI), o Indymedia, cujo propósito era divulgar as
informações das manifestações a partir de relatos dos ativistas e de reportagens de jornalistas
independentes. Durante as manifestações, a sede do CMI foi invadida por policiais, que levaram
servidores que armazenavam fotos de abusos policiais.
25
Após Seattle, todas as prefeituras dos Estados Unidos passaram a assinar as listas de discussão por
email dos movimentos que seguem as reuniões do G-8. Elas possuem a função de alimentar o banco de
dados da polícia americana, tentando prever as estratégias que serão utilizadas nos próximos protestos
(Klein, 2003).
26
No livro O homem sem fundamentos Márcio Tavares D’Amaral escreve: “Toda tecnologia traz em si o
desejo de agir”.
46
multinacionais produtoras de bens de consumo – uma luta contra as corporações,
opondo-se à lógica em que o que é bom para os negócios é bom para todo o mundo.
em Seattle é o fato de que grupos que até então tinham atuações tão diferenciadas e às
tanto a meta dos movimentos quanto sua atividade” (Hardt & Negri, p.125, 2005).
O fato é que esse novo ciclo que funciona no formato de uma rede aberta,
globalização desafiam o corpo político global para criar um mundo global ainda mais
(Berardi, 2005).
47
bloquear o encontro do Grupo dos Oito países mais ricos do mundo, o G8. “O
partiu para o ataque contra a reunião de cúpula do G-8”, apontou Toni Negri28.
jovem manifestante, foi morto com um tiro no rosto dado por um policial que tinha a
sua idade. Vinte e quatro horas depois, durante a noite, uma centena de manifestantes
mobilizações contra a Ocupação do Iraque até a reunião dos militantes nos Fóruns
p.220) afirmam que esses movimentos tiveram sua curva ascendente em Seattle e sua
Iraque. Isto fez nascer um processo de crise nos movimentos no-global. Mas uma crise
que fez nascer um novo ciclo de lutas, “protagonizadas por lutas sociais de novo tipo,
28
Sobre a análise negriana sobre o acontecimento em Gênova, ler Por uma democracia absoluta,
publicado no jornal eletrônico Le Monde Diplomatique: <http://diplo.uol.com.br/2002-08,a384> Acesso
em 13/02/2006.
29
Boa parte das manifestações foram pacificadas pelos chamados carabineiros, a polícia política italiana,
então herdeira da cultura do fascismo do país.
30
Negri, idem, online.
48
o emprego, benefício somente pra quem tem salário. No
Primeiro de Maio o precariado foi às ruas também contra os
sindicatos que não mais o representa. É só dentro desse quadro
geral de crise que podemos resolver os problemas". (Negri,
2005, online)31
apenas, mas de uma resistência coletiva ao poder – “uma coletividade que luta em
esses movimentos globais aparecem em sua obra permeado por muito ceticismo, ao
ponto do autor quase não acreditar na existência de um movimento sem líder, o qual
ninguém está autorizado a falar por ele. Boaventura (2005, p.37) considera que tais
movimentos são dotados de uma concepção muito ampla de poder e opressão, por isso
concretas de um dado momento histórico. A isso atribui o fato dos movimentos globais
uma teoria única para guiar estrategicamente estes movimentos, pois o objetivo não é
democracia radical.
Canadá ou nos desertos do Qatar. Agora o movimento deve tornar-se força política que
31
Negri, idem, on line.
49
possibilite a autonomia da inteligência coletiva” (Berardi in Cocco & Hopstein, p112,
2002).
50
1.5 - A Saúde como uma agenda global
desses movimentos deram o tom de vários debates sobre a pobreza e a exclusão social
populações findaram por formar uma discussão denominada Saúde Global em várias
seja, questões que permeiam não somente os países emergentes, mas a todos os países e
de governo específico à Saúde Global, seguido pelo Canadá. O discurso era o mesmo
dos movimentos sociais: a atenção às populações pobres e o acesso aos serviços básicos
Humanos do governo americano tratavam saúde global como ajudas humanitárias aos
32
O termo Saúde Global é oriundo da própria práxis política, antes mesmo de definições mais
acadêmicas.
51
O termo Saúde Global chegou por um tempo a ser denominado por Saúde
realizados entre dois ou mais países. Ou mesmo para designar parcerias entre
e vigilância. Muitas vezes, o termo Saúde Internacional foi utilizado pelos Estados
fronteiras nacionais. Alguns países nesta mesma época tornaram obrigatório o exame de
adoecimento foram se tornando parte das “políticas de saúde globais”. Por exemplo, a
Contudo, essa política de saúde global não coincidia com aquela que o Povo
provinham de uma mesma causa: uma concertação global que tornavam mundial a
nacionalidades.
52
suas populações. Ou seja, a visão que hoje a OMS possui sobre a Saúde Global refere-se
da saúde, mas direcionados à lutas políticas contra ações de caráter neoliberais advindas
campo da Saúde Global como um fruto das ações da ONU, OMS, Banco Mundial, FMI,
ou de países ricos que ainda são super potências em seu próprio território; pois a
movimentos sociais em rede de algo regido pela vontade de uma única liderança; um
a Saúde Global pelos movimentos políticos globais: contra uma ordem única de
comando.
53
O Movimento Global pela Saúde dos Povos
1978. Seu slogan “Saúde para todos Agora” traduz o descrédito à reunião que se auto
definiu como “Saúde para todos no ano 2000”, prevendo o acesso à saúde para todos os
Possui uma agenda esboçada em uma carta princípio que endossa a saúde
estimula ações para que as populações pobres negociem com suas autoridades locais
diretamente. A carta com os princípios criados por este movimento traz a visão de
54
Para isso dispõe de uma série de argumentos que legitimam o
as condições de miséria entre as populações são fatores que agregam a agenda deste
fórum.
nas ações de privatização da saúde em todo o mundo. Para isso, conclama a uma
reforma das instituições financeiras internacionais, entendendo que somente desta forma
fome e da morte por desnutrição em vários países do sul global. A defesa à produção de
medicamentos genéricos para todos os países emergentes e, também, uma política local
também como agenda que desenha o perfil do trabalhador imigrante sem acesso à saúde
55
como fatores que incentivam o desenraizamento de seus territórios e o incentivo à
contra a Monsanto, mas também pequenos agricultores que defendem privilégios locais.
Por fim, sua agenda propõe a atenção aos países em guerra, tanto entre os
território americano. Chamam por “epidemia silenciosa” a violência que assola todos os
países, em guerra declarada ou não, pois entendem que a violência somente se manifesta
outros movimentos pela saúde que se interligam diretamente pela causa da saúde global.
movimentos em prol de causas de luta pela vida, ou talvez, pela qualidade de vida.
Dentre as ferramentas criadas pelo próprio movimento, duas estão atualmente expostas
em seu site:
como uma chamada a todos os trabalhadores da saúde para formular novos indicadores,
56
dados, relatórios ou pesquisas sobre a saúde mundial em que muitos governos elegem
como agenda de seus países. Por princípio existe uma inadequação sobre os dados
centrada no indivíduo em suas mais diversas formas de cuidar para iniciar, também, o
determinam diretamente a Saúde das populações. Esse instrumento serviria para abrir
Todos os estudos de caso ou mesmo os “testemunhos” podem ser enviados por um site
discussão dos dados obtidos através das pesquisas sobre populações vulneráveis e
57
Observatório, além de narrativas orais realizadas por seus protagonistas. A
diferentes fontes alternativas para gerar um saber comum sobre a saúde mundial. Hoje a
“universidade popular” foi usada não tanto para evocar as universidades operárias que
transmitir a idéia que após um século de educação superior elitista, uma universidade
processo. Sua meta é partilhar o máximo de saberes – tão globais e diversos como o
tempo em que a Declaração conclama o controle da saúde por suas próprias populações,
atenção primária à saúde aparece como direito prioritário a ser garantido, juntamente
58
populações miseráveis; assim como o pedido por igualdade tecnológica e também de
mundial).
movimento não possui nenhuma ligação com o Department of Health and Human
Services dos Estados Unidos, que criou um setor denominado “Global Health” dentro
deste órgão de governo ou mesmo com o Global Health Council. Ambos foram
Ata. Com agenda definida a partir de então, o PHM teve seu segundo encontro
33
É interessante passear pela página do Departamento de Saúde Global americano e também pelo seu
Conselho de Saúde Global. Levados apenas pela nomenclatura vê-se o fenômeno do surgimento de um
poder imperial evidenciar-se. Os assuntos tratados nas páginas de seus sites são praticamente os mesmos
abordados pelo Fórum Social Mundial. O Departamento de Saúde Global americano
(http://www.globalhealth.gov) possui links sobre a situação do Afeganistão, da Aids na África, pesquisas
produzidas (e premiadas) pela OMS, e até um longo conteúdo produzido sobre a malária nos países
pobres. Mas a diferença está na condução dos debates, nas parcerias feitas, nas formas promovidas para
proporcionar participação e na abertura para a composição da agenda. No Império, a pauta política torna-
se harmonizada, única, ainda que permeada por diferentes clivagens.
34
O termo “Global Health” traz em si a ampliação do conjunto de instituições, agências, organizações
nacionais e internacionais em disputa política. Tudo isso aparece como demanda para a OMS conjugar as
forças em confronto, realizar pactos e estabelecer parcerias para manter-se atenta ao jogo da saúde na
ordem mundial (Matta, 2005).
59
Com o nome de II Assembléia Mundial de Saúde dos Povos, para expressar
que era uma outra Assembléia alternativa à que acontece coordenada pela OMS, o
evento passou a ser adaptado à realidade latina dos povos do Sul com a participação de
representantes das mais diversas atuações da área da saúde de todo o mundo. O Equador
causas daquele país, onde de forma imediata, foi incorporado ao documento de relatoria
que também deveriam constar na luta pela saúde. A saúde do indígena e da população
que vive da terra nos Andes foram pontos de discussão na cidade de Cuenca. Parte desta
uma crítica à produção de saber das universidades que não é socializada entre as
produzia saberes voltado somente para ela mesma. Assim, chamavam a população
35
“A Universidade pertence a quem nela estuda” – uma das faixas do Movimento Zapatista.
60
A discussão mostrava-se pertinente à medida que essas mesmas
de saúde integral. A saúde pensada pela população campesina resgatava a oralidade para
a troca de conhecimento e se resguardava sob a afirmação que descrevia: “Os que têm
título guardam seu saber, nós que somos pobres compartilhamos tudo”. O relato
detalhado sobre práticas que envolvem o cuidado em saúde era parte da história que
científico ou baseado no resgate de saberes populares era o que se pleiteava na luta pela
capital era o senso comum em todos os pontos de discussão dos movimentos que
informações e de acesso ao saber como forma de tornar também equânime a saúde. Por
outro lado, o lema que diz “todos sabemos, não dependemos” também é uma evidência
observação do Comum dentre essas mesmas populações mais vulneráveis. Desta forma,
61
todo o mundo. Na Declaração de Cuenca ratificaram o fim do neoliberalismo, do
luta por ampliação dos direitos dos trabalhadores da saúde. O Movimento pela Saúde
dos Povos apenas recuperou sua agenda composta em Bangladesh no segundo encontro;
no entanto a inovação ficou por conta dos novos atores que compuseram a arena.
pelo direito aos cuidados em saúde em nível global, algo que estaria diretamente
relacionado à luta por equidade aos serviços de saúde e à não privatização da saúde
pública. Após sua “entrada” para a OMS, o Movimento pela Saúde dos Povos declarou
sobre os Determinantes Sociais da Saúde da OMS. Alegavam que somente desta forma
determinante das condições encontradas nos serviços públicos de saúde. Para isso,
justo para o movimento. O acesso à informação foi algo colocado como necessidade. E
o cuidado aos povos indígenas foi relatado como essencial ao Equador. Segundo a
62
sobre os recursos naturais que poluíam e patenteavam bens públicos. A Declaração de
Saúde Coletiva. A questão tecnológica apontada por inúmeros movimentos que apóiam
a causa da saúde tem sido uma constante. A segunda Assembléia Mundial de Saúde dos
Povos não conseguia pensar a saúde atual sem a igualdade sobre os meios de produção
um bem público foram planejadas neste encontro, tanto que sua manifestação final se
deu dentro da Universidade de Cuenca como forma de demonstrar que sua busca era
guerra, militarização e violência foi apontado como uma causa que acomete
36
“De acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio, os países são livres para quebrar
patentes de medicamentos essenciais quando há uma emergência nacional. Todavia, quando a África do
Sul tentou fazer isso com medicamentos contra a AIDS, enfrentou um processo judiciário dos grandes
laboratórios farmacêuticos. Quando o Brasil tentou fazer o mesmo, foi arrastado para os tribunais da
OMC. Milhões que vivem com AIDS ouviram que suas vidas importava menos que as patentes de drogas,
menos que o repagamento da dívida, ouvia que simplesmente não havia dinheiro para salvá-los. O Banco
Mundial disse que era hora de focalizar na prevenção, e não na cura, o que foi o equivalente a uma
sentença de morte para milhões” (Klein, 127/128, 2003).
63
principalmente os países do Sul. Entretanto, uma nota de repúdio aos ataques terroristas
acontecidos em Londres, Madrid e Nova York foram apontados como algo não
justificável. A situação de violência nos países emergentes aparece como algo pautado
de forma transversal ao fato que esses países não possuem o controle dos seus recursos
ratificou uma saudação aos governos da Venezuela e de Cuba, como governos que
exemplo, o terreno, arrendado pela Universidade de Cuenca, para sediar a IPHU – uma
dos países emergentes pelos próximos dez anos. Conta também com recursos de
propostos pelo movimento, são eles: estratégias de luta, economia política da saúde,
atenção primária, trabalho com comunidades, gênero, exclusão social, direito à saúde,
(www.phmovement.org).
movimento. Sem dúvidas um dos maiores avanços deste movimento a partir de então
foi a comunicação através da produção de conteúdo para suas páginas na internet, além
64
como uma das faces da formação de redes multitudinárias. Atreves do site próprio,
Declaração de Cuenca conclamou a todos os povos para que essa produção de conteúdo
mundo. A partir de Cuenca, este movimento teve contato com militantes da causa da
terra, defesa aos povos andinos, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,
37
O encontro do People´s Health Movement permanece até hoje em rodadas internacionais. Em março de
2007 o encontro aconteceu na cidade de Bhopal, na Índia com o título: “Defendendo a Saúde dos Povos
na Era da Globalização”. A Índia hoje possui um dos sistemas de saúde mais privatizados do mundo e
sem mínimas condições de atenção básica à saúde sofre com um dos maiores índices de desnutrição
infantil planetário; 12% de sua população morta por falta de medicamentos e 25% dos seus distritos não
possuem profissionais de saúde com especialidades para o atendimento necessário à população. Quase
40% dos indianos hospitalizados contraem dívidas com empréstimos para cobrir despesas hospitalares. A
listagem indiana de medicamentos essenciais em 1977 era composta por 347 medicamentos e em 2002
essa listagem passou para 30 medicamentos. As campanhas de vacinação dos últimos anos não
contemplaram a imunização contra a poliomielite, uma doença que assume um dos maiores índices na
Índia há décadas. Retirado de: <http://www.phmovement.org/en/node/331> Em: 20/05/2007.
65
Rumo a Porto Alegre
Naomi Klein
assim foi aberto o Fórum Social Mundial em Porto Alegre pela primeira vez no Rio
Grande do Sul. Lá, na Europa, Boaventura de Sousa Santos assim abre seu livro: “O
Fórum Social Mundial é um fenômeno social e político novo” (2005, p.11). Esse “outro
mundo possível” manifesta uma nova existência e também novas formas de expressão.
ter respostas prontas para novos problemas”, diz Lazzarato (2006, p.23/24).
O mundo possível existe, mas não existe mais fora daquilo que o
exprime: os slogans, as imagens capturadas por dezenas de
câmeras, as palavras que fazem circular aquilo que “acaba de
acontecer” nos jornais, na internet, nos laptops, como um
contágio de vírus por todo o planeta. O acontecimento se
expressa nas almas, no sentido em que produz uma mudança de
sensibilidade (transformação incorporal) que cria uma nova
avaliação: a distribuição dos desejos mudou. Vemos agora tudo
aquilo que nosso presente tem de intolerável, ao mesmo tempo
que vislumbramos novas possibilidades de vida (são esses dois
sentidos da globalização que a luta fez aparecer). (Lazzarato,
2006, p.21/22).
66
Consideramos estar diante de um movimento novo como fenômeno social e
líderes mundiais passou a se reunir em Davos, uma cidade congelada por seu clima de
pico de montanha suíço, para discutir como a economia global deve ser governada.
potência expressa-se no poder que possuem para falar em nome da economia mundial.
nome dele, temático e constituído por partes que não tem tanta importância como o todo
que o compõe.
nenhuma das vias de transformação social sonhada pela modernidade. Nele não cabe a
sabe-se bem, viriam dos países que experimentam de forma aguda os efeitos negativos
67
A sociologia contemporânea não consegue responder como os movimentos
novidade organizacional do Fórum está exatamente neste movimento sem líderes, com
com uma congregação de instituições com interesses muito diversos; sem uma
estratégia definida a partir de um centro; sem uma política originada na parte norte do
em algo único nos seus direcionamentos e sem trajetórias de vidas comuns ou culturas
semelhantes.
Este movimento não subscreve nenhum fim estratégico e sua luta se recusa
a ser armada. As diferenças culturais são suas maiores potências e “torna-se uma força
política capacitante e não paralisante”, na análise de Santos (2005). Nasce potente pela
continente que se quer tornar interdependente (idem, 2005). Com ele o Sul torna-se
global, não pelo simples fato de estar na parte mais extrema dos trópicos, mas porque
planeta disseminou-se como uma imagem impotente por ser pobre, dizimado,
Seatlle, Gênova; foi parar em Mumbai, na Índia e no pico das montanhas suíças de
Davos. Sua legitimação social está exatamente no poder que tem em fazer-se
68
representar em qualquer parte do mundo, pois atualmente todo o mundo possui um
pouco de Mumbai, da Índia, de Porto Alegre ou de Davos. “Mas o que parecia surgir
organicamente [...] não era um movimento por um governo global, mas a visão de uma
rede internacional conectada de iniciativas locais, cada uma formada com base na
passar do tempo muitos que se fizeram presentes em Davos passaram também por Porto
Alegre; ou vice versa, alguns saíram de Porto Alegre com viagem marcada para Davos
na mesma época. Algo que somente é possível nestes novos movimentos. Militantes,
formas alternativas de atuar dentro dela. O que Negri & Hardt (2005) enfatizam é que as
forças mobilizadas nesse novo ciclo global têm em comum não é apenas um inimigo
futuro melhor.
imagem dos encontros “amenos” é útil do ponto de vista da observação para entender o
69
sistema. Os líderes corporativos não podem fazê-lo por si só; nem as organizações,
A mobilização global do comum nesse novo ciclo de lutas que se abre não
entre elas, ao contrário, reforça a capacidade de cada uma delas. Vejamos, por exemplo,
alimentos. No entanto, não era das plantações brasileiras que se tratava somente, mas de
alimentar sem ser enganado por rótulos de produtos que passaram por longas pesquisas
de transgenia. É do Comum que esses movimentos tratam; por isso o global é mais visto
e percebido em suas diferenças, não em suas similitudes. Algo comum a todos aqueles
Outra questão em jogo é que o FSM ainda é complementado por uma série
de fóruns regionais ao longo do ano e na realidade o Fórum não pretende ter poderes
conjunto de atores sociais não-estatais, como as ONG´s, podem convergir para debates
concretizar um organismo político global. Entretanto, temos em mente que todas essas
39
“O Estado-nação está em crise, afirma ele, enfraquecido diante dos poderes globais e corrupto diante
dos poderes corporativos”. Beppe Caccia, membro do movimento Tute Bianche, citado por Klein (2003,
p.291).
70
Mas o que reforçamos é a crise de representação que se manifesta como fenômeno que
religião, civilizações ou povos podem dizer-se representativas (Negi & Hardt, 2005). A
desta tese, torna impossível a velha forma de representação e também torna possível que
político que não teme a diversidade e não tende a formatar o movimento político em um
único modelo. A economia travou uma guerra contra a diversidade (Klein, 2003).
71
O Fórum Social Mundial da Saúde
no Fórum Social Mundial. Paralelo a este grande fórum iniciou-se um encontro voltado
para a saúde denominado Fórum Social Mundial da Saúde40, que integrou, no ano de
2005, cerca de 800 pessoas com os mais diversos interesses. Dentre estes estavam os
integral e eqüitativo à saúde. Cabe ressaltar que nos anos de 2002, 2003 e 2004 as
reuniões do fórum social mundial tiveram vários momentos em prol da defesa da saúde
dos povos, algo que antecedeu a criação de um fórum específico voltado para a saúde.
dentro do movimento, algo que somou cerca de 400 pessoas interessadas nessa
exclusivo para a saúde. E a Assembléia Mundial de Saúde dos Povos foi planejada
40
No site encontramos a seguinte definição: “O Fórum Social Mundial da Saúde é um espaço integrado
ao Fórum Social Mundial orientando-se pelos princípios da pluralidade, diversidade e singularidade,
tendo caráter não confessional, não governamental e não partidário. Tem o propósito de dialogar com a
sociedade civil mundial comprometida com a luta pelo direito humano à saúde, opondo-se ao discurso e
prática neoliberal que a situam no campo dos serviços, transformando-a numa mercadoria geradora do
lucro” (www.fsms.org.br, recuperado em 01 de março de 2007).
72
dentro do âmbito do fórum, como estratégia alternativa às assembléias mundiais da
OMS.
para a Saúde Global. A intenção inicial era formular uma agenda internacional com o
Logo na carta convocatória visava-se construir uma agenda social dedicada a saúde no
(www.fsms.org.br).
integrar as ações que o encontro afirmava. O fórum social mundial é um movimento que
41
Um painel curioso que aconteceu no I Fórum Social Mundial da Saúde foi denominado por “Medicina
da Libertação”, visava debater a promoção da dignidade e da justiça social na saúde. Era composto por
membros do MST e universitários, com uma metodologia de trabalho que se dizia com base
epistemológica da Pedagogia da Autonomia e da Pedagogia do Oprimido criada pelo educador Paulo
Freire. A “medicina da libertação” interessava-se em reunir “comunidades socialmente oprimidas”, tendo
como princípio “a solidariedade, a compaixão e a humildade”. A metodologia do painel utilizava
sociodramas, psicodramas e dramatizações para discutir a saúde das populações mais pobres (Medicina
da Libertação, www.fsms.org.br).
73
questões de saúde. A discussão do fórum da saúde apontava para a precarização dos
mais pobres, ou mesmo os serviços voltados para as populações migrantes nos países
ricos. Algo que se mostrava como uma questão global, baseada na contribuição
saúde para todos é possível e necessária” destacava a luta principal que era a não
doenças epidêmicas como a malária. Todas essas questões eram debatidas sobre um
mundo, o debate sobre a saúde viajou junto com ele. O II Fórum Social Mundial da
representou uma alternativa ousada, mas ao mesmo tempo coerente com a proposta do
74
movimento. Na África falou-se do direito à vida, em meio a uma população que vive a
Foi também em Nairobi/Kenia que tocou-se pela primeira vez no assunto denominado
militares foram mencionados como aqueles que destroem grande parte dos hospitais e
cortam o fornecimento de água potável nas cidades como medida essencial de guerra
dos mais pobres foi o principal dado estatístico utilizado para dar evidência ao
adoecimento.
75
ambiente por corporações multinacionais desaguavam em um continente que simboliza
por doenças tratáveis como a tuberculose, malária ou desnutrição. E a maior parte dos
governos africanos não gasta mais que 3% do orçamento geral com proteção social à
saúde42.
das políticas de saúde e demonstrou que vários problemas dos países do Sul são também
legislação que não contempla este trabalhador em território estrangeiro, a negação dos
Junto com este fórum, o movimento pela saúde das populações também se
descentralizou com ações previstas para várias cidades africanas, Índia, Europa e
também países andinos. O Uruguai criou um fórum social da saúde uruguaio e para o
Brasil ficou agendada uma conferência mundial para discutir os “Sistemas Universais,
indicado para a realização desta conferência, em julho de 2008, com o intuito de marcar
Social Mundial da Saúde é a representação que o campo da Saúde Coletiva terá a Saúde
aniversários do SUS.
42
Dados retirados do site do Fórum Social Mundial, disponível na internet: www.fsms.org.br.
76
CAPÍTULO II
77
2.1 - A livre circulação do trabalho e as imigrações
permanecem mais tempo nos seus “cargos”. Em boa parte porque é a mulher imigrante
que ocupa os cargos ligados à saúde, ao cuidado e ao afeto. Há alguns casos de países
que têm trabalhado com um visto provisório para quem for atuar nessa ocupação
profissional. No Canadá este visto tem nome de “cidadão residente”, válido por 24
meses. Neste país, a grande maioria dos estrangeiros empregados são denominados
seus países de origem) ou chegaram muito próximo a tê-la ou concluí-la. Muitos destes
como residência fixa, são atendidos nos serviços de saúde por portarem o visto de
“cidadão residente” e mantém sua legalidade por 24 meses, praticamente como parte de
uma família que o tenha recebido. Se for comprovado ao final deste período um
renovação, o cuidador pode permanecer por mais dois anos no mesmo trabalho.
para a realização do trabalho de cuidador em países ricos. Essa é uma imigração que em
alguns lugares vem se “legalizando”, de forma lícita (ou ilícita). Alguns países
simplesmente fecham os olhos para o que vem acontecendo; outros, como o exemplo do
43
Sobre isso ler Giddens, Antonio; Hutton, Will. No limite da racionalidade: convivendo com o
capitalismo global. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004, p.55
78
Canadá, apontam para alternativas temporárias de fixar esse cuidador enquanto ele for
atenção dispensada a crianças nem sempre é bem sucedida pela diferença de idiomas
que possa vir a confundir a formação vocabular de alguns. Mas no caso de idosos
formam essas cadeias que podem ser locais, nacionais ou globais. A rede começa com
uma mãe que migra para um outro país enquanto um filho mais velho cuida dos irmãos
na terra natal. Essa mãe trabalha como babá ou cuidadora e, por sua vez, conta com o
trabalho dos filhos também como babás dos irmãos mais novos, que, ao crescerem,
ajuda do familiar mais velho que já se estabeleceu no outro país para onde imigrou.
44
“Cuidado é uma dimensão da vida humana. Dimensão que frequentemente se dá no plano da
intersubjetividade. Portanto, há sempre várias formas de cuidar, e há vários conhecimentos sobre esse
cuidar” (Mattos in Mattos e Pinheiro, p.120, 2004).
45
“O cuidado só é possível se há condições para a concretização de um diálogo [...] o diálogo funciona
para evidenciar interesses, respeito, aceitação, definir diferenças e não tanto para expressar idéias ou
informações”(Guizardi e Pinheiro in Mattos e Pinheiro, p.45, 2004).
46
Recentemente o Banco Mundial publicou o seguinte dado: os emigrantes brasileiros remeteram para o
Brasil 7 bilhões de dólares (16 a 18 bilhões de reais) no ano de 2006 – quase o dobro do que o governo
disponibiliza para o Programa Bolsa Família.
79
O exemplo pode ser caricato, pois cada tipo de família pode manifestar uma
história diferente. Mas essa ecologia humana torna invisível essa rede de assistência.
Em 1996 mais da metade dos imigrantes que foram legalmente para os Estados Unidos
eram mulheres com média de idade de 29 anos. A rede local não é diferente também. A
maior parte dos que trabalham como “cuidadores” no Brasil tem o mesmo perfil
sorriso no rosto, é paciente para lidar com as adversidades dos adoecimentos, atento aos
O cuidado é uma atividade profissional que não é mediada somente pela rendimento
financeiro, mas pela vinculação com o outro que é construído. Um cuidador de idoso,
e o tempo da vida. Muitas poderiam receber melhores salários em outras casas, mas a
segurança que o hábito do cuidado a uma determinada família traz se torna também
determinante para manter-se em um trabalho que receba menos, mas que possua
separadas durante décadas mas não estão “rompidas”; tornam-se famílias que as
obrigações vergam mas não se quebram (Hoschschild, 2004). Assim, verificamos que
estas relações encontram no dinheiro uma resposta óbvia para a formação desta cadeia
47
Retiramos a expressão “cuidado científico” do livro de Mattos e Pinheiro (2004) quando é afirmada a
diferença entre autocuidado como algo autônomo, parte do cuidado de si e cuidado científico, como
aquele baseado na ciência, profissionalizado (p.63).
80
de trabalho e assistência. Mas será que também a assistência não tem sido distribuída de
mundo e este trabalho muitas vezes aparece como algo “voluntário”49 - ceder atenção,
cuidado e afeto parece ser algo nato, com imensa facilidade de ser produzido; mostra-se
outra mercadoria, desde que no pacote venha afeto. Alguém está recebendo mais
mais pobres cuidam dos que precisam de cuidados entre as pessoas mais ricas. A
situação centra-se nos cuidados que são meramente “clínicos” sendo tratados por
profissionais de saúde e os outros casos são tratados como “sociais” – ficando a cargo
os negros exercem as funções de cuidado e, seus próprios filhos, crescem sem a atenção
também uma divisão racial do país de destino e do país de origem. Ou seja, uma ordem
mundial. No passado, o profissional liberal era o homem e o “alguém que cuida” era a
48
O termo pode ser entendido como um neologismo nosso na forma de uma paráfrase ao termo “mais-
valia” da obra de Marx.
49
“É particularmente enunciativo que as profissões de saúde sejam historicamente marcadas pelo signo da
beneficência, pelo ideal da doação [...] São referências que só adquirem sentido se materializadas no
vínculo de uma relação social, por meio da qual a intenção do cuidado pode materializar-se [...] o cuidado
pode efetivar-se num contexto em que se dá, recebe e retribui, sem que se distingam claramente esses
momentos, ainda que toda satisfação do trabalho seja a eles reportada. Oferece-se assistência, mas se
recebe gratidão e respeito” (Guizardi e Pinheiro in Mattos e Pinheiro, p.46/47, 2004).
81
determinados papéis faz com que os homens entendam muito mais das tarefas
ajuda “descendo” a cadeia global – inicia-se pela mulher, em seguida a mulher negra,
por causa de uma identidade nacional que somente os países que os recebem insistem
em imputar.50
própria definição do que seja pobreza. Na teoria clássica, os pobres são considerados
esfarrapado, surge para explicar um resíduo, um refugo da história das sociedades pós-
50
Sobre isso, Bauman (2005, p.33) retrata um texto de um cartaz espalhado pela cidade de Berlim que
ridiculariza a lealdade a estruturas que não são capazes de conter as realidades do mundo. O texto é o
seguinte: “Seu Cristo é judeu. Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café,
brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só o seu vizinho é
estrangeiro”.
82
Hoje, é equivocado pensar nos pobres como um “exército industrial”
reservado para ser inserido a qualquer momento no circuito produtivo fabril, na medida
em que operários industriais já não se constituem mais como uma unidade compacta e
coerente. Mas uma forma de trabalho entre muitas outras das redes definidas pelo
paradigma do trabalho imaterial. Já não existe uma divisão clara entre o emprego e o
desemprego, mas sim uma argumentação precisa que nenhum emprego é seguro. Assim,
não existe mais uma “reserva”, na medida em que nenhuma força de trabalho está fora
dos processos da produção social. Ou seja, “o proletariado hoje são todos aqueles que
trabalham e produzem sobre o domínio do capital” (Hardt & Negri, p.148, 2005).
uma multidão sem rosto, algo que não aparece nos números oficiais sobre a realidade de
operária, pois eram apenas um grupo de reserva aguardando a decadência de outros para
chegar sua vez na empregabilidade. Contudo, o equívoco é tentar afirmar que os pobres
estão fora da história. Os pobres cumprem um papel de realizar atividades gerais, são
seus trabalhos em um território que também precisaria “ser iniciado”. Hoje o caminho é
pertencente das “classes perigosas”, chega de mãos vazias na sua condição de pobreza,
mas detentor de conhecimentos, habilidades, capacidades criativas que leva consigo por
83
poder contar, unicamente, com seu próprio corpo para produzir. É exatamente por conta
serão objeto de políticas supranacionais, que dêem conta de organizar esses fluxos de
Blocos Regionais estabelecidos, em boa parte no mundo, a partir da década de 90. Essa
às políticas sociais desses pactos não avançam no mesmo ritmo que aqueles ligados ao
campo do comércio internacional. Com a abertura dos conflitos globais contra o regime
supranacionais, como o Mercosul e a União Européia, fazendo com que temas como a
políticas sociais comuns passem a fazer parte da agenda desses blocos. A Batalha de
Seattle introduziu essas novas exigências sociais e passou, principalmente nos países em
desenvolvimento, a pôr a saúde como uma das pautas mais importantes para construção
84
2.2 – A Saúde e a Proteção à Livre Circulação do Trabalho na União
Européia
tentativas de desenvolver uma política de saúde comum aos países que compõem o
bloco.
fiscais. Existe certo predomínio do primeiro modelo na maior parte dos países. Por isso,
foram criados para atender aqueles que estivessem trabalhando em outro país e
51
O modelo alemão bismarckiano foi um dos primeiros passos dados à implantação da seguridade social,
no século XIX, baseada na contribuição dos trabalhadores para a criação de mecanismos de pensão com
jubilação obrigatória dos dependentes maiores de idade considerados aptos a iniciar a carreira no
trabalho. Em 1880 Oto Von Bismarck instituiu a lei do acidente de trabalho, o seguro doença, acidente e
invalidez e reconheceu como legítimo os sindicatos no Estado alemão. O nacionalismo e o militarismo da
época bismarckiana criou o regime autoritário que garantiu a unificação alemã.
52
Data-se de 1942 o “Relatório Beveridge” produzido por Willian Henry Beveridge na Inglaterra. O
economista britânico criou os planos sociais avançados que sedimentaram as bases teóricas de reflexão
para a instauração do Welfare State pelo Partido Trabalhista como modelo de reconstrução inglesa através
da seguridade social. O Estado inglês pressupunha que a partir do momento que compartilhasse os gastos
com doenças, acidentes e pensões poderia beneficiar-se com o aumento da produtividade industrial
diretamente associada à recuperação dos trabalhadores doentes em épocas de pós-guerra.
85
possuíssem pré-autorização para situação de deslocamento53. Nesses casos o usuário
necessidade de busca por atendimento em outro país. Segundo Giovanella & Guimarães
deslocamento, correspondendo a 53% dos atendimentos. Isso equivale a 16% dos gastos
de cuidados entre os países, os custos e preços dos serviços, os registros dos casos de
criação de um sistema em forma de banco de dados previsto para ser implantado com a
O fato da União Européia hoje possuir variados acordos entre países para a
proteção à saúde de pessoas em deslocamento fez com que a saúde pública de cada país
86
saúde dos Estados-membros implicaram em restrições importantes às políticas de
da saúde.
55
O envelhecimento populacional europeu é apontado por alguns como o fator determinante a atual
“aceitação” à imigração. Alguns estudos prospectivos retratam que assistiremos a mudanças
consideráveis nos próximos 20 anos na Europa: durante o período de 1995-2015, o grupo etário dos 20-29
anos perderá 11 milhões de pessoas (-20%), enquanto o grupo etário dos 50-64 aumentará em 16,5
milhões (+ 25%). Os dados foram retirados do site da União Européia, intitulado “Uma Europa para
todas as idades”. O documento foi recuperado em 15/05/2007 da fonte
<http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c11308.htm>.
87
controle de substâncias perigosas e radioativas e padrões
Estados-Membros.
políticas de saúde. Alguns autores que estudam as ações na UE acreditam ser esta uma
88
Contudo, sabe-se que os impactos financeiros são baixos, mesmo com as informações
membro sem autorização prévia. São quatro os tipos de cuidados à saúde previstos para
são tão claros a ponto de ser encaminhados pela comissão ao Conselho Europeu. Em
2007 essa mesma comissão elaborou um documento (anuário)57 contendo o debate sobre
as estratégias políticas que possam vir a garantir a cooperação entre serviços de saúde
livre circulação dos profissionais da saúde para poderem funcionar e; também, que os
89
os imigrantes ainda ficam à margem dos serviços de proteção social à saúde. E as
demandas ainda são tratadas por instituições e serviços isolados, de forma transversal e
58
O protagonismo brasileiro, em especial pela liderança do Governo Lula, é inegável. Foi a partir da
diplomacia brasileira que se organizou o G-20, grupo de vinte países – que inclui a China, Índia, África
do Sul, Argentina, Venezuela etc – que passou a bloquear as rodadas da Organização Mundial do
Comércio, quando esta – sob a tutela dos Estados Unidos e União Européia – propunha medidas de
aprofundamento das desigualdades globais. Em boa parte, os sujeitos políticos do G-20 são filhos da
Batalha de Seattle, por se tratar de lideranças que organizaram e apoiaram os protestos nos EUA, em
defesa de um comércio mais equilibrado entre as nações. Essa nova realidade internacional fez surgir uma
novidade no cenário político: a dinâmica política dos países do Sul tornou-se mais avançada, no que tange
a constituição de novas lutas por conquistas sociais globais. Enquanto isso, a Europa e Estados Unidos
(vide os acontecimentos da crise social da periferia francesa e do miséria norte-americana revelada com a
passagem do Katrina por Nova Orleans), vêem nascer em seu próprio território os conflitos sociais
tipicamente do Sul. São esses conflitos sociais na Europa e nos Estados Unidos que vão fundar nesses
territórios um ciclo de lutas mais orientado na defesa da ampliação da proteção social que incorpore
àqueles que sempre estiveram excluídos do nacionalismo: os imigrantes e seus filhos já nascido em solo
europeu ou americano.
90
2.3 – A Saúde no Mercosul: da política de Estado à política dos movimentos
partir das mudanças do capitalismo que estruturou suas bases sob dimensões financeiras
econômico para a América do Sul foi desenhada por Campos Sales e, só em 1935,
Brasil e Chile) para demonstrar a força econômica desses países e a expressão que
Escola Nacional de Guerra, em 1953, dado por Juan Domingos Perón, quando declarou
certa vez que a única forma de resistir à exploração que estávamos submetidos era não
59
Os países que hoje compõem a CEPAL como Estados-membros são: Antígua e Barbuda, Argentina,
Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica,
República Dominicana, Equador, El Salvador, França, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras,
Itália, Jamaica, Japão, México, Holanda, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Saint Kitts e
Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Espanha, Suriname, Trinidad e Tobago, Grã-Bretanha e
Irlanda do Norte, Estados Unidos da América, Uruguai e Venezuela. Como Estados associados são:
Anguilla, Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Montserrat, Antilhas Holandesas, Porto Rico, Ilhas Virgens,
dos Estados Unidos da América, Ilhas Turcas e Caicos (http://www.wikipedia.com).
91
Latino-Americano. Como é sabido, a CEPAL é um órgão subordinado ao Conselho
regimes democráticos. A volta dos regimes democráticos nos países deu um novo
60
A ALALC inicialmente foi formada pela Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
Este projeto enfrentou algumas dificuldades: pouca flexibilidade na disposição dos Tratados; a oposição
do setor privado e os problemas políticos surgidos com a instalação de regimes políticos autoritários em
quase todos os países participantes. Com vários insucessos, a ALALC contribuiu para a formação do
Pacto Andino (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru). Em 1973 houve a adesão da Venezuela, e em
1976, o Chile retirou-se do subgrupo (Mariano, 2000).
92
Na década de 70, os países da América Latina estavam mais voltados para
uma não pactuação de prazos para a constituição do mercado comum regional (Mariano,
incontroláveis para países como Argentina e Brasil, com governos despreparados, sem
frustradas.
de integração regional; visto que se tornou prioridade a busca por soluções para
61
A década de 80 não começou favoravelmente para os projetos de integração, onde as principais
preocupações centravam-se na emergência dos governos civis (eleição democrática), com uma conjuntura
antiintegracionista, quando 30% das exportações iam para a dívida, a geração de megasuperávits atingida
principalmente por contração das importações, a queda na taxa de investimentos, a desordem
macroeconômica, a instabilidade de preços, a flutuação da taxa cambial e a perda de competitividade por
atraso tecnológico (Mariano, 2000).
93
Entretanto, os acordos bilaterais entre Brasil e Argentina mantiveram uma
constante durante a década de 70 e 80. Mais de vinte acordos bilaterais foram firmados
durante este período; que vão desde parcerias culturais para intercâmbio de dados
científicos até acordos de livre comércio para produtos agrícolas. Somente em 1988 o
Tratado de Integração entre Brasil e Argentina foi assinado na cidade de Buenos Aires –
o maior passo de integração bilateral dado entre países da América do Sul visando a
cooperação e o desenvolvimento. Ele previa que os territórios dos dois países formariam
comum.
Estados. Contudo, neste momento, todo o desenho institucional foi iniciado com a
exigência de uma ação própria. O alcance das medidas adotadas pelos governos, no que
Comum Binacional, nela foram criados vários subgrupos técnicos que se encarregariam
normas técnicas, transporte terrestre e marítimo (Kunzier, 2002). Nas últimas reuniões
94
pertencimento no acordo eram preocupantes, visto que os primeiros países vinham de
mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O acordo assinado entrou
constituição plena do mercado comum entre os signatários. Teve sua qualificação como
95
“Tratado” visto que não estabelecia a constituição do Mercado Comum do Sul, mas
uma política comercial comum em relação aos outros países; a coordenação de política
representantes que compartilham o mesmo tipo de interesse dos atores iniciais. Ou seja,
as decisões do Mercosul iniciaram-se por caminhos onde o poder efetivo dos atores não-
do processo, têm-se uma decisão que atendia muito mais às expectativas dos Estados
que as dos grupos envolvidos ou afetados por esta decisão, mesmo que setores
96
concebia determinava a sua natureza jurídica comum, incorporando-se definitivamente
irreparáveis.
que já estava previsto desde o Tratado de Assunção. A fixação de uma tarifa comum
97
integrantes ao sistema financeiro dos países-membros, estabelecendo parâmetros
informação das entidades captadoras de recursos tem amparo no decreto 13/94, que
dos fatores produtivos” que, naturalmente, incluem a mão-de-obra. O fato é que não se
tem nenhum controle rigoroso sobre a circulação de pessoas entre os países, a rigidez da
àqueles que atravessaram a zona fronteiriça. Do trabalhador que migra entre esses
países, pressupõe-se que irá exercer atividades ilegais, trabalhos com baixa
assalariada. Estão excluídas todas as atividades que não podem ser consideradas dentro
62
A circulação de profissionais liberais no Mercosul foi apoiada na década de 50 pela CEPAL, em 60
pela ALALC e ALADI e chegou à década de 80 junto à dissolução das relações bilaterais, continuando
seu debate em âmbito do Mercosul. Diante da inexistência de qualquer acordo entre os Estados-membros
sobre critérios comuns para solucionar o problema de deslocamentos intracomunitários, se impôs uma
reestruturação interna das normatizações sobre imigração. No entanto, problemas com o deslocamento de
mão-de-obra subcontratada e clandestina entre países pobres, encontram-se em crescimento, produzindo
98
A Transição do Acordo Mercosul
institucional do acordo econômico, suas instâncias de poder e a divisão das tarefas entre
que atuasse com independência dos governos e com capacidade de iniciativa foi
sempre a frente das principais negociações, o Protocolo de Assunção foi mantido como
principal parâmetro, entretanto o fim da transição foi marcado pela reunião acontecida
99
do Mercosul teve seu debate definitivo. Assim, em janeiro de 1995 o Protocolo de Ouro
determinados.
Mercosul.
100
autoridade no que se refere às disputas comerciais. O Foro
mercadorias, serviços, bens e capitais. O interesse por tecnologia que envolvia a compra
64
As regras básicas de funcionamento começaram com 26 artigos do Tratado de Assunção e se
aperfeiçoaram com os 53 artigos do Protocolo de Ouro Preto e hoje conta com uma densa legislação
básica.
101
de medicamentos e também a produção de conhecimento foi uma solução encontrada
para abrir a pactuação de políticas sociais como as da saúde. Uma alternativa dentro do
avaliar os objetivos e os trabalhos das Comissões do seu subgrupo, bem como promover
à doenças como parte de uma política entre Estados. A sua percepção como um capital
102
de barganha deu passos iniciais para o surgimento de um campo de discussões baseado
na promoção de ações de proteção, inclusive sanitárias, como era planejado pelo antigo
bases integradas a uma perspectiva territorial. Pensar uma sociedade e suas condições
politizar a saúde era dotá-la de um perfil social analítico que privilegiava os estudos
sobre as classes sociais, o ambiente (território), o Estado e a nação. Desta forma foram
para a Saúde. Susan Sontag (1984) em seu livro “A doença como metáfora”
epidemiológicos da época.
à Saúde. Na época os governos da Argentina e Brasil eram os que tinham interesse para
103
sangue e hemoderivados. Na área da vigilância o controle sanitário de portos,
humanos tendia a ser adaptada a um padrão único de formação profissional com intuito
articulação das ações para o discurso da não fronteiridade entre os países. A política dos
medicamentos genéricos retirou das mãos dos seguros privados a negociação com a
eliminando, totalmente, o ministério da fazenda de cena, criando para este fim agências
ele atribuiu-se o poder de ditar parâmetros para a atuação dos agentes privados na
104
regulação de medicamentos e de planos de saúde. Acrescenta-se a isto, ainda, a política
que quebrou as patentes dos antiretrovirais. Uma das contradições que pretendemos
analisar.
Estados Unidos crescesse em um ritmo mais acelerado que seu país e isso tenha levado,
área (SGT 11). A criação de uma agenda comum para a Saúde era a função estabelecida
para o SGT 11 dentro do GMC. Articular os ministros da saúde de cada país era parte
da estratégia montada para agregar capital político e legitimar uma ação de integração
grupos Ad Hoc. São nas reuniões ministeriais que os acordos são aprovados e tornam-se
associados.
105
Somente no ano de 1998 a agenda do SGT 11 iniciou seus trabalhos, ainda
era o momento de afirmação do Subgrupo e suas atribuições, além da divisão das tarefas
entre os Estados. O controle de doenças como a dengue, chagas e febre amarela dava o
tom das discussões. O comércio dos produtos e o controle de alimentos passariam a ser
países; pois já tinham se erradicado em muitos países ricos e ainda assolavam o cone sul
todos os países do Cone Sul. A tentativa visava facilitar o controle das doenças em
do Brasil são os únicos do cone sul que possuem sua estrutura de funcionamento
106
SUS deu subsídios para o amadurecimento de muitas discussões sobre sistemas e
linearidade às ações propostas. Na leitura das atas da época ficou explícita a percepção
que padronizar a descentralização das ações representava para os países envolvidos uma
fronteiriço70, mas como uma estratégia de Estados, harmonizando uma política. O Brasil
pobres. Além disso, o modelo de controle social da Saúde era parte da tecnologia que
visava-se aplicar aos demais países. Um “certo otimismo” constava na ata da reunião,
ponto de discussão nas pautas ministeriais. A política dos anti-retrovirais foi debatida
com a agenda política dos movimentos globais pós-Seattle, pois que envolvia a quebra
patentes para produzi-los e comercializá-los com custos mais baixos para todos os
países do Mercosul (Ata 01/00; Mercosulsalud, 2006). Para tal, a presidência pro
tempore da Argentina criou um grupo de trabalho para que analisasse uma metodologia
dos diversos estados nacionais em seu compromisso com a Saúde” (Dain in OPAS, 2004).
70
Somente o Brasil tem um sistema unificado público de saúde na América Latina, além disso, o
Mercosul conta com aproximadamente 850 a 1000 municípios em fronteiridade. O Paraguai, por estar no
centro da América do Sul, tem 85% de seus municípios fronteiriços. Entretanto, países como Chile e
Uruguai gastam 10% de seu PIB com a Saúde, enquanto o Brasil 8,3%.
107
os Estados-associados. Esse sistema estava diretamente relacionado ao interesse pela
marca laboratorial teve repercussão mundial, pois os lobbies eram muitos para que isso
não acontecesse. Toda a indústria farmacêutica tinha olhos direcionados para o Brasil. O
comunidades carentes. Uma forte política de Estado foi travada para resguardar as ações
que o governo brasileiro aplicava em prol dos genéricos. Contudo, a produção desses
“enfrentamento” do governo brasileiro aos grandes laboratórios teve o apoio dos outros
países do Mercosul, pois todos ganhariam com a ação brasileira, facilitando o comércio
a custos baixos entre os países aduaneiros. Somente uma política supranacional viria a
enviariam uma análise conjuntural de cada região. Isso para fortalecer a troca de
cada país receberia pelo serviço prestado ao imigrante (Ata 01/00; Mercosulsalud,
108
utiliza-se a expressão “cuidados transfronteiriços” como um termo genérico que
proximidade (Dain in OPAS, 2004). A burocracia estatal, no entanto, não é fácil de ser
programa de controle ao tabagismo e com apenas R$5 milhões em gastos com materiais
com todo o Mercosul (Ata 02/00; Mercosulsalud, 2006). Pela primeira vez a reunião
semestral teve temáticas tão específicas. Para isso reforçou-se em ata a necessidade de
via web.
negociadora entre ministros da Saúde no Cone Sul. O primeiro por ser uma epidemia,
ou melhor, pandemia que assola diversos países pobres e ricos, mas com grande
109
países aduaneiros. Os medicamentos antiretrovirais são produzidos no Brasil após a
quebra das patentes internacionais. Antes, o “coquetel”, tinha sua fórmula sob sigilo
parte nos países pobres, e o enfrentamento foi algo padronizado, iniciado por países
produtos relacionados ao fumo. A atitude se alastrou por vários outros lugares, obtendo
do Mercosul que afirmavam uma política de controle do uso do tabaco71 tiveram custos
O ano de 2001 foi marcado por um retrocesso nas discussões do SGT 11.
1969, com o objetivo de formar uma rede de alerta e controle entre os países que
Os 192 países membros que deveriam ratificar o Regulamento têm a missão de notificar
aos demais países membros da OMS quando houver uma ocorrência dessas doenças em
seus territórios.
71
O Programa de Controle do Tabaco tinha financiamento e recomendação da OMS/OPAS para que
avançasse no debate. Foram selecionados alguns estados/províncias de cada país do Mercosul para iniciar
a capacitação dos seus recursos humanos de forma conjunta.
110
Pela primeira vez, o RSI surgiu como pauta de uma reunião de ministros de
saúde do Mercosul, uma pauta determinada e obrigatória pela OMS. A medida pode ser
caminhavam de forma mais autônoma no que se refere aos acordos mundiais dos
demais países. As pautas eram livres. O Mercosul da Saúde sempre moderou suas
atenção à saúde como parte de seus acordos mais evolutivos. A agenda ditada pela OMS
fazia brotar um debate fronteiriço, trazendo à tona discussões que re-afirmavam o poder
estatal, a segurança nacional de cada país e reforçava a zona de fronteira como o lugar
que a medicina tropical não morreu. A agenda era mundial. Considerando ser a OMS
um órgão da ONU, sabemos que a pauta ditada pela mesma torna-se uma pauta
afetava o Cone Sul e fragmentava as ações de um grupo que ganhava força, tendo sua
Sanitário Internacional se relaciona com isso? A medicina tropical existe até hoje como
ciência. E como ciência viva que estuda as doenças dos territórios. Parte do pressuposto
afirmam que “as doenças vem dos trópicos”. O “lugar” da pobreza e da miséria sem
111
dúvidas representa o lugar do adoecimento 72. Afinal, politizar a saúde pública pelos
olhos da medicina tropical era dotá-la de um perfil social analítico que verificava a
conceituais.
situação africana, sabemos que é o continente que se mostra como o “lugar” da doença
aos olhos das instituições de apoio financeiros supranacionais (Hardt & Negri, 2001).
apenas dois: o primeiro e o terceiro mundo73. Esse parâmetro não é confortável aos olhos
72
Podemos afirmar que a medicina tropical é a “ciência dos valores”. Para ela os costumes dependem do
clima, da ambiência, do território quente dos trópicos. É preciso relembrar Montesquieu (1772) quando
afirmava: “Não devemos, pois, espantar que a covardia dos povos de clima quente os tenha, quase
sempre, tornado escravos, e que a coragem dos povos de clima frio os tenha mantido livres. É uma
conseqüência que deriva de sua causa natural”. A doença atribuída aos “trópicos” aflige a “civilização”.
Os trópicos guardam a pobreza, a vida sem controle sobre a natureza, onde as pessoas não usam da
racionalidade científica como ferramenta evolutiva rumo à civilização. Os problemas das fronteiras
mundiais são os mesmos atribuídos a toda população fronteiriça de qualquer região. Internamente, o
sertanejo nordestino brasileiro é o viajante, inferior pelo seu porte físico, pelo número de doenças que se
encontra suscetível na sua condição de pobreza, de estatura baixa pela sua desnutrição, pelas parasitoses
que já viveu ou mesmo infecções. É um mutante socialmente pelo seu eterno nomadismo e também um
mutante geneticamente pela ambiência climática castigante do calor e pela sua saúde constantemente
abalada. Estão em todos os lugares, das pequenas cidades às metrópoles; por não suportarem o seu
“lugar” espalham-se de forma viral por todos os territórios.
73
Negri nos lembra que nada foge ao Império, não há “dentro” (capitalismo) e “fora” (socialismo), o local
de pobreza ou da riqueza. O Império está em todo lugar e em lugar nenhum. Em recente entrevista ao
jornal Estado de São Paulo (09/09/2005) disse: “Nos EUA, por exemplo, New Orleans passou a ser um
país em desenvolvimento.[...] O terceiro mundo está em qualquer lugar. Você pode encontrá-lo em Los
Angeles, em New Orleans, na periferia parisiense e em todos os países desenvolvidos”.
112
troca, do contágio, da miscigenação e da vida sem limites 74. “A higiene requer barreiras
protetoras” (Hardt & Negri, p.152, 2001). Pensar o contexto da globalização atual nos
pesquisas para o mapeamento de suas origens, onde descobriu-se que seria na África ou
fronteiriça, certamente mais vulnerável, torna-se o alvo das discussões por ser a
Ainda em 2001 o RSI passava por uma revisão textual e também conceitual
amarela e cólera. A reunião daquele ano se iniciou com o debate para a elaboração de
74
“A doença da selva é o fato de que a vida brota em toda parte, tudo cresce sem limites. Que horror para
um higienista! A doença que a colônia libera é a falta de fronteiras na vida, um contágio ilimitado. Se
olharmos para trás a Europa parece tranquilizadoramente estéril” (Hardt & Negri, p.152, 2001).
113
produção de medicamentos antiretrovirais e a distribuição de medicamentos essenciais
foram pela primeira vez discutidas também entre os países associados como a Bolívia e
temáticas relevantes aos países membros e associados. O ano de 2002 foi marcado pela
proposto como ação conjunta. E a pauta sobre o Aedes Egypt se manteve. No entanto, a
as ações dos ministros da saúde dos países do Mercosul e onde as ações do SGT 11
tiveram destaque. O Brasil foi o país escolhido para se responsabilizar pela manutenção
das informações que seriam colocadas na web (Ata 01/02; Mercosulsalud, 2006).
medicina urbana descrita por Foucault. A doença viria das águas, dos animais, do ar,
controle dos portos e aeroportos foi determinante neste momento. Estava em jogo a
114
Sanitário Internacional. A doença carregava consigo o “não lugar”. Poderia estar nas
aves que viajam e migram em qualquer território; poderia ser “levada” por pessoas em
deslocamento de um continente para outro; poderia ser trazida em aviões; poderia estar
patológico; não se fala da cura, nem da doença; o debate gira em torno do “portador”.
Carregamos conosco, portamos. O conceito cria uma idéia durável de quase doença, que
No caso da saúde nunca é cedo demais para começar a cuidar de si, nem
tarde demais que nada possa ser feito. A antiga definição de normal e patológico foi
substituída por um estranho estado de “quase doença”, que nos obriga ao cuidado
cotidiano e que dura enquanto houver a crença que algo pode ser feito. A não ser no
estado terminal do adoecimento, onde nada se pode fazer senão aceitar a morte. A
SARS trouxe uma discussão para a arena política do Mercosul: a possibilidade do fim
115
No que se refere à saúde sexual e reprodutiva, neste mesmo contexto iniciou
sua inserção na arena dos debates ministeriais. A inserção do assunto se constituiu por
uma demanda dos ativistas das políticas por igualdade de direitos nas questões de
notificadas nas fronteiras dos países. O RSI trazia contrapontos aos debates de forma
retrógrada e que deveriam ser administrados pelo SGT 11 para que fossem
imunoderivados da América Latina, doou aos países do cone sul 300 mil doses de
vacinas que foram transportadas pelo Unicef para que a imunização funcionasse de
concepção territorial.
erradicação de várias doenças em todo o mundo é algo reconhecido por sua eficácia. O
RSI trazia como hipótese as mesmas teses do discurso da imunologia como ciência: o
países para o uso do “ataque” à doenças como uma estratégia de “defesa” de suas
forma mais antiga de imunização de massa como política de Estado. Imunizar sempre
116
representou proteger as populações, garantir a reprodução dos corpos saudáveis,
Menen e FHC, pois ambos priorizaram uma área de livre-comércio com o objetivo de
abrir o mercado a qualquer custo – não tinha por princípio a busca por integração ou
cooperação. Em curto prazo isso gerou uma crise no Mercosul, agravada pela crise
Argentina76.
técnico nas suas reuniões ministeriais. No ano de 2004, as atas coletadas demonstravam
até uma mudança no vocabulário de suas redações textuais. Falava-se em “luta política”,
ativistas, órgãos públicos77 dos governos dos países envolvidos (banco central,
76
O ápice da crise argentina aconteceu em dezembro de 2001 quando a população iniciou o movimento
denominado “panelaço” contra as medidas fiscais adotadas por Fernando De La Rua. O presidente
almejava deter o déficit fiscal, após uma seqüência de privatizações, através de novos empréstimos
solicitados ao FMI. Vários comércios em regiões empobrecidas das províncias argentinas sofreram
saques por parte de populações que saíam às ruas batendo panelas e reivindicando o fim da recessão. Em
dois dias de conflitos, com a morte de várias pessoas nas ruas, o presidente declarou estado de sítio e, em
seguida, renunciou seu mandato juntamente com o seu ministro da economia (Domingo Cavallo).
77
A transição para os governos de esquerda na América Latina influenciou diretamente na formação
dessa agenda de discussões para a Saúde. O número de técnicos envolvidos aumentou significativamente
através do Ministério da Saúde brasileiro, além disso, o fórum abriu espaço para todos os movimentos
organizados que pleiteavam a inserção de seus debates na agenda aduaneira. Isso gerou uma demanda
ainda maior aos técnicos, que conseqüentemente, inseriram mais atores para a moderação das reuniões
ministeriais e também do SGT 11. Este foi posicionamento comum a todos os outros países do Mercosul
nesta época.
117
instituições trabalhistas...), sindicatos, grupos de estudos universitários, OPAS etc.
Então, o fórum se abriu. Havia uma percepção da integração regional como um capital
para serviços de medicina comunitária78 foi também proposta (Argentina). Uma política
quadros do governo para compor o SGT 11. Segundo, porque possibilitou a abertura do
Mercosul. Isto é, a partir do ano de 2003 o espaço para as discussões da Saúde tornou-se
Além disso, algumas pautas de discussão que até então caminhavam lentamente foram
chagas).
78
A Estratégia de Saúde da Família brasileira foi “exportada” para dois países como modelo de gestão da
atenção à saúde: Argentina e Bolívia. O interesse em gerar programas com essa formação fez com que o
Brasil enviasse técnicos do ministério da saúde para a capacitação em medicina comunitária e também
para a criação de formas de financiamento de gestão descentralizada dos serviços de saúde (como o caso
do SUS).
118
preparatórias das comissões, além das semestrais ministeriais. A contribuição chilena
importantes nas pautas sobre gênero e saúde reprodutiva. Iniciava-se a virada à esquerda
na América Latina.
pelos Estados-partes com poucas alterações das propostas que vinham sendo debatidas
nos anos anteriores e também redigidas pela OMS. O ano se iniciou com novos Estados
2006). Foi também em 2005 que surgiu a proposta de um debate ampliado sobre a saúde
Ainda em 2005 foi criado pelo SUS o Sistema Integrado de Saúde das
organizar e fortalecer os sistemas de saúde locais entre tais municípios79. O Brasil tem
121 municípios fronteiriços80 entre o norte e o sul do país. O projeto conta com o auxílio
projeto já recebeu inúmeras críticas, pois foi pensado somente para áreas brasileiras
quando deveria ser algo articulado com os países que compõem o acordo Mercosul. Por
79
Ao total estava previsto: 12 municípios do Mato Grosso do Sul, 18 do Paraná, 29 do Rio Grande do Sul,
17 do Acre, 08 do Amazonas, 02 do Amapá, 04 do Mato Grosso, 09 de Rondônia e 09 municípios de
Roraima. Totalizando 108 municípios em duas fases de seis meses de execução do projeto (CONASS,
2006).
80
Segundo o IBGE, município fronteiriço é aquele que está na linha de fronteira ou que sua sede se
localiza até 10 km da linha de fronteira. Em recente pesquisa realizada por Paulo Peiter da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, essa questão fronteiriça da Saúde entre os Estados mostra-se como uma balela.
Os problemas encontrados nas fronteiras municipais do Brasil, com seu sistema unificado de saúde, são
os mesmos encontrados entre as fronteiras nacionais. As fronteiras se constituem como uma “zona de
transição”, por isso são flexíveis. Possuem um conceito que na realidade se operacionaliza pela ótica da
geografia humana mais que uma geografia física. O espaço é social e o território é um processo.
119
isso, mostra-se um projeto fraco, sem sustentação política e sem base constitutiva entre
do SGT 11 aos diversos fóruns ampliados e grupos sociais, a OMS e a OPAS passaram
Brasil ficou estabelecido ser o país responsável pela composição das linhas de
investigação sobre fitoterápicos81 e também pelo estudo sobre o perfil dos sistemas de
financiaria uma outra linha de pesquisa ao Brasil que não fosse relacionada às plantas
OMS. O Brasil deveria “globalizar” conhecimentos sobre sua potência maior: a (bio)
diversidade. Este pacto da saúde iniciado pelo cone sul tornou claro o interesse de
outros países na produção aduaneira. Para se ter idéia, dentre o número de pessoas que
67% dos acessos advinham dos Estados Unidos, 19% do Brasil, 10% dos Estados parte
ministerial deste ano, a OPAS elaborou e apresentou uma “Política para nível sub-
81
Podemos talvez inferir que o interesse pelo nosso potencial fitoterápico esteja voltado para a guerra das
patentes sobre produtos medicinais e cosméticos baseados em princípios-ativos que só se extraem de
plantas retiradas da região amazônica e da mata atlântica; ou mesmo pelo nosso baixo controle à
biopirataria.
120
regional Mercosul” que disponibilizava US$400.000,00 para pesquisas que viessem a
percebe-se uma narrativa interessante das reuniões sobre o tema. O discurso veiculado
pelos países em ata trazia uma bandeira de luta contra a indústria farmacêutica. A
proposta da Comissão de medicamentos era formar uma ação que unificasse a produção
Mercosul, desta forma, a política serviria como uma estratégia de mercado contra a
funcionar naquele mesmo ano. Havia um discurso homogêneo entre Chaves, Bachelet,
das reuniões ministeriais de cada um dos países envolvidos. Em 2006 não somente os
governos82 estavam a frente do direcionamento das ações do SGT 11. ONG´s, empresas
82
Em recente pesquisa coordenada por Lígia Giovanella da Escola Nacional de Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz percebeu-se que nas regiões de fronteira já existem vários acordos para ações
conjuntas entre os municípios. As pessoas são atendidas, quando necessário, em qualquer um dos “lados”
dos países limítrofes. Os “acordos” ficam à cargo dos gestores, e quase sempre geram respostas positivas
à população. Por iniciativas próprias, algumas cidades já realizaram imunizações conjuntas, campanhas
contra a dengue e outras possuem até carteira de vacinação única para os cidadãos da fronteira. Em
recente entrevista, a professora disse que uma das maiores dificuldades que encontrou para definir entre
os gestores entrevistados é o conceito do que é ser estrangeiro!
Sobre o atendimento a população fronteiriça, a professora Vera Nogueira da Faculdade de Serviço Social
da UFSC coordenou uma pesquisa sobre a demanda atendida nos serviços de saúde brasileiros à
população de fronteira e traz dados interessantes sobre nossa “porta de entrada”: em primeiro lugar as
121
e grupos de interesse como os da igualdade de gênero, luta antimanicomial, defesa aos
direitos dos homossexuais e outros, inseriam suas propostas nas agendas discutidas.
saúde, que iniciaram uma tímida discussão sobre a “harmonização de diplomas”; algo
que poderia vir a estabelecer uma livre circulação de profissionais da saúde pelo acordo
aduaneiro.
Unidades de Saúde (23,82%), seguidos dos Serviços de Emergência (21,8%), Equipes da Estratégia de
Saúde da Família (15,1%), Centro Especializado (12%), Plantão Social (13,9%) e Outras (10,1%). Ocorre
devido a encaminhamentos realizados em ordem prioritária pelos médicos (34,6%), seguidos dos agentes
de saúde (29%), conselho tutelar (16%), voluntariado (6%), políticos (5%), Organizações da Sociedade
Civil-ONGs (1,6%) e outros (4,4%). Quando se analisam os outros encaminhamentos destacam-se as
inter-relações entre demandas em saúde e exclusão social, na medida em que as menções reiteradas são
Presídios, Penitenciárias, Assistentes Sociais, Ministério Público, Vara da Infância e Juventude, APAE,
Corpo de Bombeiros, padres e pastores. Dois insólitos encaminhamentos são mencionados no relatório –
um realizado pelo Cônsul paraguaio e outro por curandeiros e benzedeiras. Na pesquisa de Nogueira
aponta-se para as “facilidades” que a Estratégia da Saúde da Família tem proporcionado para gerar a
demanda estrangeira ao SUS brasileiro e também para “encontrar” brasileiros que precisam de
atendimento do outro lado das fronteiras (Nogueira, Vera. Fronteira Mercosul: um estudo sobre o
direito à saúde. Relatório Técnico de Pesquisa. DSS/UFSC: Florianópolis, 2005).
122
CAPÍTULO III
A DESESTATIZAÇÃO DA POLÍTICA:
A MÁQUINA CONCEITUAL OPERAÍSTA
E A ANÁLISE DA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
123
3.1 - Sobre o método histórico do pensamento operaísta
das manifestações em Seattle, que abriram uma agenda global de defesa de uma
trabalho e do conhecimento. Como vimos, no caso da saúde, tal agenda dos movimentos
para além das pressões mais nacionalistas dos Estados e mais privatista do Mercado.83
Nesse sentido, os dias de Seattle, como bem salientou Lazzarato 84 (2006, p.20),
Estes já não deviam somente resistir e se defender, mas “afirmar-se como forças
criadoras”.
83
Também como descrevemos, as lutas pela livre circulação do trabalho e pela rede de amparo ao
emigrante são apenas a ponta de um grande iceberg, consubstanciado nas lutas pela democratização
absoluta das sociedades, através de dispositivos de defesa do conhecimento livre (quebra de patentes etc),
defesa do meio ambiente, ampliação de mídias livres, constituição de uma proteção social que integre
uma vasta gama de trabalhadores precários (nesse caso, a defesa da chamada renda básica garantida), a
adoção de medidas justas de comércio entre os países etc. Sobre isso, de forma mais estruturada,
Lazzarato (2006, p.21) estruturou no seguinte pensamento: “Os dias de Seattle foram, antes de mais nada,
um agenciamento corporal, uma mistura de corpos (com suas ações e paixões), composta de
singularidades individuais e coletivas (multiplicidades de indivíduos, de organizações – marxistas,
ecologistas, trotskistas, ativistas da mídia, esotéricos, black blocs) que praticam relações específicas de
'co-funcionamento' corporal (diversas maneiras de estar junto, de militar: os sindicalistas não funcionam
da mesma maneira que os ativistas de mídia ou os esotéricos). Os dois agenciamentos são, dessa maneira,
construídos a partir de relações de poder e de desejo já atualizadas”.
84
Na bela introdução do seu último livro publicado no Brasil, As Revoluções do Capitalismo (Record,
2006). Nesta parte da publicação, o autor se remete fortemente aos trabalhos de Foucault e Deleuze.
124
Todo mundo que chegou a Seattle com suas máquinas corporais
e suas máquinas de expressão voltou para casa precisando
redefinir estas máquinas a partir do que fizeram e disseram
enquanto estavam lá. As formas de organização política (de co-
funcionamento dos corpos) e as formas de enunciação (teorias e
enunciados sobre capitalismo, sobre os sujeitos revolucionários,
formas de exploração) precisam ser medidas, reavaliadas,
reinterpretadas à luz do acontecimento (Lazzarato, 2006, p.21).
parte, a priori, do próprio método teórico que Lazzarato está imerso, o operaísmo, que
se posiciona dentro da premissa que a resistência vem antes do poder, a luta antes do
operaísmo como uma corrente teórica do marxismo renovado cujo ponto de partida é a
concepção básica do operaísmo (a classe 'existe enquanto luta', e não 'luta enquanto
capital. “Na tradição marxista, era portanto impossível tornar o movimento da classe
operária uma variável independente da relação de capital. [...] A classe operária era,
p.54). 88
85
Daí que esta tese começa exatamente por um conjunto de lutas sociais, protagonizadas pelo Batalha de
Seattle, em 1999. E que se desdobra nos capítulos sobre as interpretações teóricas da política
contemporânea e os rebatimentos disso na forma de produção de políticas de saúde.
86
A partir do operaísmo, a idéia de revolução passa a ser “a acumulação de um conjunto de processos
subjetivos de massa”.
87
No primeiro caso, classe é uma construção histórica, ativa e mutante, estruturada nas contínuas lutas
contra a exploração social. No segundo caso, a classe é já um dado, ou seja, todos que estão no interior do
proletariado são imediatamente classe. A primeira noção é dinâmica e demarca a existência de uma
mutação constante na composição de classe. A segunda, estática e presa às determinações dialéticas de
uma certa ortodoxia do pensamento marxista. Sobre isso ler TRONTI, Mario. Operário e Capital.
88
No livro Cinco Lições sobre o Império (2004), há um conjunto vasto de textos de Antonio Negri
(alguns em parceria com Michael Hardt) que mostra o método de análise social do autor e, mais
especificamente, do pensamento operaísta. Sua tese maior – os desenvolvimentos do capital estão
determinados por (e seguem a) lutas da classe operária – faz com que a política seja considerada como
produto da atividade social – ou para ser exato – das lutas sociais. Essa posição operaísta entrou em rota
de colisão com o movimento operário oficial e o marxismo ortodoxo, pois que não era necessário atuar
através do parlamento para se obter reformas sociais.
125
Dentro de uma perspectiva operaísta, portanto, todos os movimentos
políticos derivados de Seattle fazem parte de um ciclo de lutas que atualiza a própria
noção de classe, estacionada nos anos finais da década de 90 ainda na noção de classe
nenhuma maneira, mas depende sempre da ação dos sujeitos dentro do processo”
(Negri, 2004, 57-8). O operaísmo carrega ainda dois importantes fundamentos dentro
dos sujeitos resulta sempre em uma ação desmedida, visto que há uma incapacidade de
porque cada período histórico é formado pela relação de capital que se determina em
relação às lutas, aos choques, aos conflitos que ocorrem em seus âmbitos. Negri formula
esquema busca identificar “as diferenças (as transformações) que qualificam o sujeito
89
O deslocamento da classe para multidão será uma operação trazida por Antonio Negri a partir de seu
livro A anomalia selvagem, quando recupera esse termo do filósofo Spinosa. Mais tarde na trilogia – feita
com o professor Michael Hardt – O Trabalho de Dionísio, Império e Multidão, efetua esse deslocamento
no interior da análise da realidade política de antagonismos no final do século XX. Sobre isso, veremos
mais à frente, na seção 3.5 desse capítulo.
90
O conceito de devir, trabalhado de forma persistente na obra de Deleuze e Guattari, será utilizado pelos
autores ligados à filosofia política de Negri como um aparelho conceitual que aprofunda essa noção de
desmedida, apesar de o próprio Toni Negri preferir o termo porvir no lugar de devir, porém, ele não abre
nenhuma polêmica mais árdua com os colegas que utilizam o termo devir. Sobre essa relação entre devir
e porvir, ler Kairós, Alma Venus, Multitudo (Ed. DP&A, 2004), de Antonio Negri.
91
Negri, 2004, p.57.
126
reprodução social; c) os modelos de regulação econômica e política; d) a transformação
las às regras de ação, de práxis coletiva. Assim, das sabotagens fabris do século XIX,
passando pelas lutas de recusa ao fordismo no século XX, até chegar às lutas dos
respondem à dinâmica dessas lutas. Toda a história das políticas, no sentido operaísta,
captura do social. Assim, a Batalha de Seattle está dentro (se é possível falar assim) de
conformação das políticas de saúde, é preciso ir a história de luta dos movimentos, tão
que vão desde a políticas públicas democratizantes a novos valores éticos e sociais. O
periodização histórica das lutas que vai de 1870 (do operário profissional) aos dias
127
3.2 – Do ciclo de lutas do operário profissional ao new deal
o ciclo de lutas sociais em três grandes momentos. O primeiro vai dos acontecimentos
Guerra Mundial a 1968. E a terceira, de 1968 ao tempo atual. Essas três fases são
do operário social.
movimento operário toma o poder na França e governa por poucos dias a capital
fazer com que o socialismo passe de utopia à realidade. Segundo Negri (1972, p.184),
128
contemporâneo, visto que há uma modificação completa das relações de forças no
interior das relações políticas e institucionais desse Estado. Há um novo sujeito político:
o operariado.
complexa, assim, a indústria se torna um espaço social que separa o trabalhador dos
meios de produção do seu próprio trabalho, caracterizado cada vez mais como uma
atividade abstrata.
A partir disto, esse operário profissional, inserido no meio do processo laboral que
95
Negri, Antonio. John Maynard Keynes y la teoria capitalista del Estado em 1929. La forma-Estado.
Madrid: Akal, 2003, p.184
96
Até o século XVII, a fábrica era um espaço de trabalho que se confundia com o próprio ambiente da
vida. Com os avanços da industrialização, a fábrica tornou-se o espaço onde se remunera a vida. Vida e
Trabalho são separados pela primeira vez. É o que Max Weber denominou, no seu ensaio sobre a Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, de fundação da racionalidade econômica: “o homem econômico
escolhe, de agora em diante, existir em função de seu trabalho, de sua empresa, e não o contrário”(Weber,
1987, p.44).
129
controla plenamente, quer também o controle da produção. Estamos então na época das
sabotagens, dos sindicatos, das vanguardas de massa, das fortes e longas greves, e no
Ao mesmo tempo em que o Estado Capitalista se depara com uma profunda crise,
massa, então unicamente regulada pela capacidade salarial de consumo. Por ser
volume de mercadorias posta a circular, o que faz do ciclo econômico da época ser
cabo pelos movimentos dos trabalhadores, a resposta capitalista foi iniciar a produção
97
Trata-se do texto Ocho tesis preliminares para uma teoria del poder constituynte.
130
imediata: retirar o partido bolchevique da classe, através da massificação do modo de
intercambiáveis para que a tarefa possa ser realizada por qualquer um, independente de
consumo passa fundamentalmente pelo salário. Como bem analisou Gorz (2003), coube
sujeito a acreditar que “ele se basta a si mesmo”, sendo desnecessário atuação militante
131
em universos coletivos de solidariedade para alcançar melhores condições de vida. Para
invés de ser coletivo. O indivíduo cuida de si, e o Estado – agora tornado de Bem Estar
organização das elites empresariais dentro desse Estado. Por outro lado, fez organizar
um novo modelo de sindicato. O novo pacto (new deal), nos Estados Unidos após a
grade depressão de 29, foi uma engenharia política, conceituada pelo economista inglês
planejador que integrou dentro de si o conflito social, fazendo com que o fordismo se
98
Negri insiste na autovalorização do trabalho como uma condição de ampliar o valor-trabalho e reduzir
as formas de captura de exploração pelo capital.
99
Na fábrica, o taylorismo radicaliza “cientificamente” a redução do corpo a organismo (sua redução aos
esquemas sensores-motores). O welfare articula e dispersa a “população” em processos de reprodução,
multiplicando as figuras da “sujeição” (controle e instituição da família, das mulheres e das crianças, da
saúde, da informação, da velhice etc). O espetáculo articula e multiplica o público em uma relação cada
vez mais estreita entre comunicação e consumo, requalificando também o “político”. No fordismo, corpo,
população e público são técnicas disciplinares, de regulação e de controle, centradas na constituição da
multiplicidade em força-trabalho” (Lazzarato, 1998, p.87).
132
Pois o cerne do mecanismo fordista encontra-se na dinâmica dos
ganhos de produtividade, da qual depende o crescimento,
simultâneo e interdependente, da acumulação e dos salários
reais. São, portanto, as formas institucionais de regulação da
relação salarial que qualificam as tarefas do Estado regulador-
intervencionista (Cocco, 2000, p.64-5).
operária através dos altos salários – algo que criava e garantia o público consumidor do
maneiras nas economias centrais: diretamente, pelos salários reais; e indiretamente, pelo
sistema de Welfare State.100 “A forma-Estado que se afirmou nos países centrais nessa
100
Sobre o impacto do Estado Social na composição de classe, Tronti (1976, p.340) destaca por exemplo
o que veio a se tornar a contratação coletiva. Esta passou a ser uma forma de controle de classe, uma
tentativa de institucionalização, não da luta operária de uma forma geral, mas de sua forma específica que
liga e unifica os interesses materiais imediatos de um núcleo compacto de categorias operárias dentro do
setor correspondente da produção capitalista.
133
época está, portanto, intimamente ligada à passagem da ‘economia-política’ as
estatal. Assim, ocultava-se a violência101 necessária para manter esse “equilíbrio” entre a
risco em que a sociedade pudesse se configurar integralmente como uma fábrica (Negri,
2003a).
101
“Um dos pilares da soberania do moderno Estado-nação é o seu monopólio da violência legítima, tanto
no espaço nacional como frente a outros países [...] A violência legítima exercida pelo Estado-nação
baseia-se essencialmente em estruturas legais nacionais e, posteriormente, internacionais” (Hardt &
Negri, 2005, p.49).
134
instrumental da produção sobre as dinâmicas de reprodução e consumo de massas de
desenvolvimento” (Cocco, 2000, p.77). Isso significava, entretanto, que para Keynes a
uma tarefa científica por parte do Estado para prever sua recaptura e manter a correlação
de forças.
135
autonomia da classe operária e no simultâneo incremento de composição orgânica do
romper com sua forma estatal, que organiza o desenvolvimento global ao mesmo tempo
de Estado. Isso garante a convenção que une o presente e o futuro, pois o Estado
continua atendendo à ordem capitalista porque não supera as condições estruturais que
136
3.3 – Os ciclos de lutas abertos pelo Maio de 68
A democracia é subversiva.
(Antonio Negri)
Tudo é possível.
(Lema do Maio de 68)
disciplinar, o movimento estudantil; contra a arte de museu, a arte das ruas; contra o
102
“Em Maio de 1968 (neste contexto usualmente se diz Maio de '68) uma greve geral aconteceu na
França. Rapidamente ela adquiriu significado e proporções revolucionárias, mas em seguida foi
desencorajada pelo Partido Comunista Francês, de orientação Stalinista, e finalmente foi suprimida pelo
governo, que acusou os Comunistas de tramarem contra a República. Alguns filósofos e historiadores
afirmaram que essa rebelião foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX, por que
não se deveu a uma camada restrita da população, como trabalhadores ou minorias, mas a uma
insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe. Começou como uma
série de greves estudantis que irromperam em algumas universidades e escolas de ensino secundário em
Paris, após confrontos com a administração e a polícia. À tentativa do governo de Gaulle de esmagar
essas greves com mais ações policiais no Quartier Latin levou a uma escalada do conflito que culminou
numa greve geral de estudantes e em greves com ocupações de fábricas em toda a França, às quais
aderiram dez milhões de trabalhadores, aproximadamente dois terços dos trabalhadores franceses. Os
protestos chegaram ao ponto de levar de Gaulle a criar um quartel general de operações militares para
lidar com a insurreição, dissolver a Assembléia Nacional e marcar eleições parlamentares para 23 de
Junho de 1968. O governo estava próximo ao colapso naquele momento (de Gaulle chegou a se refugiar
temporariamente numa base da força aérea na Alemanha), mas a situação revolucionária evaporou quase
tão rapidamente quanto havia surgido. Os trabalhadores voltaram ao trabalho, seguindo a direção da
Confédération Générale du Travail, a federação sindical de esquerda, e do Partido Comunista Francês
(PCF). Quando as eleições foram finalmente realizadas em Junho, o partido Gaullista emergiu ainda mais
poderoso do que antes. A maioria dos insurretos eram adeptos de idéias esquerdistas, comunistas ou
anarquistas. Muitos viram os eventos como uma oportunidade para sacudir os valores da "velha
sociedade", dentre os quais suas idéias sobre educação, sexualidade e prazer. Uma pequena minoria dos
insurretos, como o Occident, professava idéias de direita” (Wikipedia. Verbete Maio de 68. Disponível na
Internet: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Maio_de_68> acesso em 05/05/2007.
137
salientou Negri & Guattari (1999, p.29)103, a “força essencial da revolução de 1968
residia no fato de que, pela primeira vez na história das rebeliões humanas contra a
exploração, seu objetivo não foi uma simples emancipação, mas sim uma autêntica e
verdadeira liberação”.
Para esses autores (1999, p.33), o Maio de 68 abriu um novo ciclo de lutas
iniciou uma requalificação das lutas. Estas passam a ser dirigidas à conquista contínua
estudantes e dos jovens, aos movimentos das mulheres, aos movimentos de defesa e
tradicionais da luta social, começando pela dos trabalhadores, que passam intensamente
a realizar, mais nos anos 70, greves, sabotagens e ação direta em recusa ao trabalho
passiva ao arcaísmo moral da família, do Estado, do ensino etc, um devir social passou
produção. O que se pretendia com o levante desses novos movimentos sociais era que as
103
Ver Negri, Antonio, Guattari, Felix. La veritá nomadi. Per nuovi spazi di libertá. Roma: Antonio
Pellicani Editore, 1989. A tradução lida, por mim, é a espanhola: Las verdades nómadas & General
Intellecti, poder constituyente, comunismo, editada pela Akal Ediciones em 1999.
138
produção: liberar-se do adestramento e da docilização para encontrar desejos que
formação dos processos de cooperação social das forças produtivas, que antes, na
capitalista, industrial e política, mas que a partir de agora a cooperação se situava antes
sua importância, pois que “o trabalho produtivo já não é de fato o que produz
diretamente capital, mas sim o que reproduz o social; deste ponto de vista a separação
cuidado, qualidade, atenção, informação, cultura ou ainda tudo aquilo que humaniza,
para usar um sentido aplicado na saúde, torna condição sine qua non para dar vida às
139
novas formas de mercadoria capitalista, mas também para autovalorizar a sociedade
paradigma que orienta a produção, ou como bem traçou Marazzi (2002, p. 130), a
biopolítica (o trabalho daqueles que têm um emprego, mas também o trabalho dos
social, visto que este passa a reivindicar sua própria autonomia de massa, sua própria
que trabalha esse operário, na qual ele estabelece suas formas de cooperação laboral é a
140
A passagem do fordismo ao pós-fordismo: lutas e contra-reforma capitalista
de que produzir significa, antes, produção de subjetividade. Como aponta Negri (1998),
subjetividade cada vez mais da reprodução social de processos vitais ricos em relações
tempo de trabalho aplicada à produção. É por isso que, desde dos anos 70, todo o
emergência das lutas dos trabalhadores precários (os sem contrato de trabalho ou os
intelectuais do Welfare como parasitas, por querer ter acesso ao sistema de proteção
104
Trata-se do livro La gramatica de la Multitude, online.
141
que já tinha chegado a níveis de enraizamento social
desconhecidos pelos outros grandes países europeus,
experimentou, de março a outubro de 1977, uma nova explosão
generalizada. Ponto culminante de um ciclo de lutas iniciado no
final dos anos 60 e, também, ponto de ruptura e antecipação
social das novas condições das lutas na crise do fordismo, o
movimento de 1977 tanto superou efetivamente nossos
instrumentos teóricos de análise quanto desdobrou a crise do
“político” que o havia precedido. Com efeito, a interpretação das
características do movimento de 1977, não como protesto dos
“marginalizados” e dos excluídos, mas como de sujeitos centrais
no novo modo de produção, representou uma antecipação
teórica considerável (Virno, online).
capital fez acelerar ainda mais sua contra-reforma iniciada desde meados dos 70,
quando começa a construir um novo conceito de capital. Até porque era necessário,
greves do ABC ou nas lutas democráticas pela queda da ditadura. Nos anos 70 e 80, a
sobraram.
estável”, evidenciada, na Europa, por setores inteiros das forças de trabalho que saíam
142
forçava a proletarização ainda maior dos desempregados ao mesmo tempo que retirava
produziu um deslocamento das indústrias (ou de vários pedaços delas) para países
que possibilitou a integração produtiva no que tange à aceleração das relação entre
Por um outro lado, essa reestruturação produtiva acabou também por provar
uma dupla crise do Welfare. A primeira residia no fato de que, se a própria relação
salarial passa a ser abandonada como principal fator de regulação para produção da
produtividade social, o Welfare perde o seu papel de regulador e se torna alvo também
das novas subjetividades políticas, à medida que essa forma-Estado protegia somente
aqueles que se mantinham na relação salarial. Todo uma gama de precários (aqueles
nos EUA) que vão interpretar a crise política como crise do Estado, o que vai provocar a
emergência de projetos neoliberais dos anos 80 na Europa e nos EUA, e nos anos 90 nos
países do Sul. Nesse sentido, o capital traduz muito cedo aquilo que se tornou o
epicentro das lutas sociais, principalmente, na Itália, nos finais dos anos 70 e no início
dos 80105. Em síntese, o capital interpreta que para ser produtivo é determinante o acesso
105
Segundo Virno (online), a figura do precário (sem-contrato ou com contratos temporários) emerge
como novo sujeito do trabalho, pela primeira vez, na Itália, no chamado Movimento de 77, quando o
143
a mínimos sociais – como acesso incondicional à serviços e infraestrutura básica, como
Nesse sentido, acusa o Welfare de ser uma máquina pesada que não protege
todo o tecido social ao mesmo tempo e passa a propor o Estado Neoliberal como
estrutura alternativa para a aceleração da oferta desses mínimos sociais. Isto através de
empresas privatizadas – flexíveis e leves. Telefone para todo mundo, Saúde para todo
mundo, Educação para todo mundo, mas através do pagamento por esses serviços. Este
144
forças residem exatamente no poder de captura de um conjunto de valores que se
Uma primeira novidade desse modelo foi a inversão do dispositivo lucrativo fordista:
em vez de produzir para depois vender, passa a vender primeiro para depois produzir.
Isso faz exigir, é claro, uma profunda integração da produção ao consumo, o que o
uma nova figura do trabalho, cuja qualidade reside na polivalência (para adaptar-se às
145
na cooperação e no relacionamento (para expressar opiniões, gostos e informações sobre
trabalho cujo aspecto manual é uma aplicação material de um atividade cada vez mais
principalmente. Mas essa vitória do poder fez modificar profundamente todo o velho
sistema de poder. Daí que a emergência dessa novo capital fez abrir uma série de linhas
107
Acrescenta-se ao toyotismo, os modelos da especialização flexível, os enfoques neoshumpterianos e a
escola da regulação, ver Cocco e Vercellone (1998).
146
incompleta, porque a nova qualidade do trabalho (relacional, cooperativa, expressiva,
processo de expropriação nunca visto (já que é a alma do trabalhador que é posta a
trabalho pois que, pela primeira vez, o valor não é produzido dentro de um comando
dos estilos, das modas, dos gostos, das preferências) e empurra a produção para uma
economia da informação.
108
Uso abusivo de tecnologias informáticas e tratamento cada vez mais sofisticados de informação
proveniente do mercado.
147
os avanços das telecomunicações e das tecnologias da informação,109 todo o controle e
para a rede como estrutura principal da organização da produção. O advento das redes
empresas dos EUA numa estrutura de redes ligadas por computadores, fibra ótica e rede
sociedade, então conectada, que é posta a produzir. As redes são, portanto, tanto o lugar
109
Já no final da década de 80, já havia sido instalado mais de 5000 servidores de rede, um embrião
daquilo que mais tarde se chamaria Internet, conectando empresas, instituições públicas e universidades.
O próprio mercado via aparecer uma convergência das indústrias eletrônica, informática, de
telecomunicações e de mídia. Isto possibilitou um rápido avanço das chamadas tecnologias virtuais e das
redes telemáticas em todos os campos do tecido social. A marca dessas tecnologias era de servirem como
dispositivos de promoção da interatividade entre produção e consumo, fazendo com que ambos fossem
um único processo.
110
Além de Antonio Negri, Maurizio Lazzarato, Antonela Corsani, Franco Bifo, Manuel Castells entre
outros.
111
Cocco (1995) divide em três constatações que constituem a emergência das superinfovias: 1)
investimento em pesquisa e desenvolvimento norte-americano na indústria da informática pelo
Departamento de Defesa, após o fim do socialismo real; 2) ao fim dos anos 80, o setor de
telecomunicações busca novos mercados e “reservatórios” de valor; 3) a integração das mídias.
148
espaço de circulação de produtos produzidos pela indústria ou
pelo setor terciário, mas elas são o próprio espaço de produção
de relações de serviços, isto é, de bens imateriais nos quais
produção e reprodução coincidem (Cocco, 1995, p.04).
A produção em rede então será cada vez mais determinada pelo paradigma
houver nele criação de usos e interatividades entre seus sujeitos, não há como ativar
vivo que se apresenta como trabalho imediatamente cooperativo” (Corsani, 2002, p.22).
Acrescenta-se a isso o fato das redes (cuja Internet se tornou a mais utilizada) ter sido
uma criação não somente do governo dos EUA, mas de uma multiplicidades de sujeitos
que produziram invenções que as torna até hoje um lugar democrático, não hierárquico
captura do valor de dentro da fábrica para todo o tecido social, numa gigantesca
112
Sobre isso ver Corsani (2002, p.22).
113
A própria Internet possui uma história bastante peculiar. A princípio, um projeto do governo militar
dos EUA para proteger as informações do inimigo invisível russo. Para isso, criou a Arpanet, em 1969,
como uma rede não-hierárquica e descentralizada, onde as informações se distribuíam em diferentes
pontos. Contudo, como as primeiras redes se localizam em várias universidades, um conjunto de
cientistas e hackers tratam de ampliar essa redes dando novos usos a elas, principalmente, como espaço
de inovação e criação de comunicação e conhecimento. Foram esses movimentos que fizeram da rede um
ambiente formidável de comunicação e trabalho e, mais tarde, com o projeto das Information
Superhighways como um lugar de produção econômica.
149
3.4 - O trabalho imaterial, redes e produção de subjetividade
remete às teses marxistas sobre General Intellect. A partir da leitura dos Grundisses, de
Karl Marx, essas teses sustentam que o fato do trabalho vivo ter sido objetivado nas
cessaria de ser a base da produção da riqueza, dependente cada vez mais da ciência e
produção realizada através das atitudes mais genéricas da mente, como a faculdade de
114
Trata-se da tradução minha para o texto Fragmento sobre as Máquinas, contido nos Grundisse.
115
Virno, Paolo. La gramatica de la multitude, online
150
Estas competências, ou faculdades, fazem com que as
obrigações do indivíduo estejam sempre marcadas por uma
elevada taxa de sociabilidade e inteligência. (...) O que não é
redutível a trabalho simples é a qualidade cooperativa das
operações concretas executadas pela intelectualidade de massas
(Virno, online, p.37).
coletiva, visto que o produto deste trabalho não é mais individual, nem isolado. Ao
“o produtor”, algo que está colocado nos Grundrisse por Marx (idem, 2001). O fim da
grande indústria faz com que se dependa menos do tempo de trabalho e mais da
aplicação desta ciência à produção. Isto é, não é o trabalho imediato calculado pelo
uma produção que não resulta em bens duráveis e materiais, mas em informação
O trabalho imaterial é então, como afirma Cocco (1997), uma recomposição do trabalho
151
Trabalho e valor
independente do tempo empregado a ela. O que faz dessa relação não mais simples
trabalho imposto pelo capital. Por outro lado, torna-se impossível distinguir o tempo
que constituem-se como fonte de inovação. O que é produtivo, então, é o jogo das
e este excedente é o que gera novas formas e estilos de vida. E, até mesmo a capacidade
Podemos ainda afirmar que talvez rompemos com a divisão entre trabalho material e
Existe um conceito de método por trás dessa discussão, pois revela que “a
116
“(...) os processos de trabalho ultrapassaram os muros da fábrica e atingiram toda a sociedade. [...] A
sociedade como um todo é agora permeada pelo regime de fábrica, ou seja, pelas regras específicas das
relações de produção capitalistas. Sob essa luz, toda uma série de distinções marxianas deve ser revista e
reconsiderada. Por exemplo, na sociedade fábrica, a distinção conceitual tradicional entre trabalho
produtivo e improdutivo e a distinção entre produção e reprodução, que em outros períodos possuíam
uma validade dúbia, deveriam, hoje ser consideradas definitivamente ultrapassadas” (Negri & Hardt,
p.22, 2004).
152
conhecimento – uma fórmula que se aplica a muitos campos de saber da sociedade
de mais valor em rede, pois o trabalho torna-se mais cognitivo por ser mais coletivo e
pelo afeto, pelas relações que podem ser livres ou servis, mas que se jogam de forma
tempo conhece. O trabalho imaterial é trabalho abstrato em sua mais alta expressão
(Negri, 2003b).
(2001) nos diz que o corpo pode ser colocado a trabalhar, mas desta vez é alma do
trabalhador que é posta a trabalhar, o corpo e a máquina são apenas seus suportes. E a
153
A vida como produção do valor e como valor da produção
de comunicação da vida. Uma vida individual não poderia ser produtiva, pois a
através das potências de viver, o que poderia chamar-se de afeto. O afeto torna-se uma
das expressões da ferramenta de trabalho, em linguagens que são tanto racionais quanto
afetivas. Tudo isso tem importante conseqüência na definição dos sujeitos. Todos os
que possuem potências vitais estão no interior deste processo. Essas potências
realidade que se tornou impossível ser imaginada sem passar pela produção de
capitalismo é algo restrito somente às mulheres ou que somente elas viverão este
assistem a uma mudança conceitual e prática do trabalho que requer a feminização dos
154
A possibilidade de medir a exploração desapareceu definitivamente até
mesmo porque a medida de valor se tornou ineficaz; “quanto mais a economia política
se cala sobre o valor da força de trabalho, mais o valor da força de trabalho aumenta e
paradoxal, a medida que o trabalho encontra seu valor no afeto, definido como
“potência de agir”. O valor reside ainda mais no afeto, no trabalho vivo que se
Assim, a teoria do valor marxista perde sua referência ao sujeito, mesmo como base de
uma forma social de manifestação baseada na colaboração de relações afetivas; por isso
só pode ser realizado em comum, cada vez mais inventando redes de cooperação através
do qual possa produzir. Nesse sentido, o afeto ocupa posição central para o trabalho
apresenta na forma desse devir mulher envolve a produção de afetos, relações, formas
autoridade e é menos bem pago. A forma de cuidado expresso nas profissões da escuta,
155
Expressa-se no trabalho de todos os profissionais da saúde, é claro, mas
parte do trabalho assalariado pode ser vivida de forma extremamente alienante: “estou
íntimo” (Hardt & Negri, p.153, 2005). Por isso o conceito de alienação marxista nunca
foi um bom conceito a ser empregado para entender a exploração entre os trabalhadores
trabalhadores que produzem produtos imateriais. Aqui o trabalho não é visto como
trabalho, pois produz afeto, assim como produz conhecimento e simbolismos. Aqui a
alienação se constitui como um fator conceitual útil para entender a exploração (idem,
2005).
mas prevê que sua hegemonia tende a efetivamente mudar as condições de trabalho. Por
exemplo, qual o tempo necessário para a realização deste trabalho? Não se sabe, pois
não se consegue mensurar. Qual o local de produção? Também não se sabe, pois nunca
se conseguirá mensurar algo que se estende por todo o tempo vida. Na fábrica, assim
a produção objetiva resolver um problema, criar uma idéia, uma relação, uma
linguagem, o tempo de trabalho tende a se expandir por todo o tempo da vida. As idéias
modelo que sustenta relações de trabalho flexíveis, móveis e precárias. Flexíveis porque
156
os trabalhadores devem se adaptar a diferentes tarefas, que raramente se repetem, o
novo sempre está por vir; móveis porque mudam constantemente de empregos; e
precárias pois não existem novas formas de contratação em massa que assegure a
117
“A política é aquilo que nos separa do Estado” (Negri, 2003b).
157
Existe um diferencial entre biopoder e biopolítica nos formatos como
todas as direções” (Negri, 2003b, p.107). Dentro desses processos incia-se a discussão
Por biopoder “entende-se quando o Estado exerce comando sobre a vida por
meio de suas tecnologias e por meio de seus dispositivos de poder. O biopoder é a mais
2003b). Fala-se em biopoder pensando nas fontes do poder estatal e nas tecnologias
testou suas teorias, os liberais passaram a detestar essa inclinação dos pobres para se
capital. “É esta talvez a forma mais primária do biopoder: se, como se costumava dizer,
158
quantidade é poder, a reprodução de todas as populações deve ser controlada” (Hardt &
nosso tempo conhece (Negri, 2003b). Podemos afirmar que “a produção biopolítica é
também, por outro lado, é sempre excessiva na produção de valor que o capital pode e
consegue extrair. Seu excedente é também incomensurável, “pois o capital não pode
categoria trabalho vivo. O trabalho, diria Negri e Hardt (2004), é o animal feroz que
destrói todo o limite disciplinar. Para o capitalismo é necessário então domá-lo. Nunca a
logo existe uma centralidade do Trabalho de forma acentuada nos tempos atuais.
central nessa busca por estilos de vida para tornar sua intervenção cada vez mais eficaz
nas relações biopolíticas estabelecidas e torná-la objeto de ação de seu biopoder. Sob o
ponto de vista dos usuários, suas vidas, no sentido mais sublime, nunca foram tão
159
interessantes como objeto de intervenção. Essa relação estabelece uma referência de
análise das mudanças nos processos de trabalho também na Saúde. A eficiência estatal
em ato.
de Saúde Pública veio a se modificar também por uma mudança ocorrida no trabalho da
Saúde, dando vez a uma mudança conceitual para a Saúde Coletiva. A transição
paradigmática da Saúde Pública reflete uma mudança ocorrida nas formas de trabalho
trabalho, mais micropolítica do ponto de vista das ações, que apontou para uma
transição conceitual da Saúde. O Estado, então, apenas ratificou uma nova forma de
reprodução social, trazida pelas mudanças ocorridas nos processos de trabalho dos
trabalho (Negri & Hardt, 2004). Isso também se aplica a Saúde. Algumas medidas de
160
doenças que se manifestam em forma de epidemias, entretanto, é na produção do
reestruturação produtiva no setor saúde, essa reestruturação é marcada pelo lugar central
operacionais que regulam sua implementação iniciada há mais de quinze anos tornam-se
sempre normas mais políticas, que se adaptam ou não a uma dinâmica territorial. Ainda
duro central de comando, as normas não conseguem obter o êxito de sua aplicação se
não respeitarem a dinâmica dos territórios e o poder das relações biopolíticas que
161
O que vem a reforçar que certos “jogos” sejam estabelecidos com a norma. É
comum ouvir de um gestor “aqui essa norma não pegou”, obedecendo a gíria da
dos “gestores” durante toda uma década que passou foi tomada em torno de debates
sobre os novos paradigmas gerenciais para o setor saúde. Ou seja, o trabalho vivo é
118
A expressão foi extraída da obra de Camargo Jr. (2003), quando caracteriza um conceito de saúde que
tudo pode resolver e a tudo pode explicar. A frase mostra-se irônica e precisa em sua definição. Aqui a
utilizo para caracterizar um poder desenvolvido pelos gestores das secretarias de saúde, que, de uma
forma geral, vêem-se diante de uma imensidade de demandas e múltiplas necessidades; de uma gama de
inovações acontecendo durante todo o tempo em variados processos de trabalho de variadas instituições
de seus territórios e respondem com o uso de algumas técnicas de gerência retiradas de manuais e
cartilhas da administração científica com alto poder conservador.
162
saúde coletiva tem demonstrado o quanto as novas formas de produção do cuidado, do
do modo de produzir atual parece consistir no fato de que a principal força produtiva é o
do trabalho social. Isso significa que o trabalho vivo se manifesta, sobretudo como
potência dessa nova subjetividade política; é a única fonte de geração de riqueza, única
Estado pode controlá-lo apenas de fora, já que não é permitido permeá-lo de forma
disciplinar.
163
por um lado, incomensurável, pois não pode ser quantificada em
unidades fixas de tempo, e, por outro lado, sempre excessiva no
que diz respeito ao valor que o capital pode dela extrair, pois o
capital não pode nunca capturar toda a vida (Hardt & Negri,
2005, p.194/195).
demonstração que o trabalho vivo é a tecnologia do tempo presente, algo que se produz
As tecnologias criadas a partir deste trabalho são denominadas por “tecnologias leves”,
talvez por serem “tecnologias” que fazem parte da vida em si. São tecnologias extraídas
para este objeto. Características que trazem evidências do trabalho imaterial da Saúde.
uma certa forma de pensamento o trabalho afetivo manipula afetos como a sensação de
164
tarefas afetivas, cognitivas e lingüísticas a par de tarefas materiais, como trocar
curativos ou despejar o conteúdo das comadres” (Hardt & Negri, 2005, p.150).
fazer essa produção. Assim, todos os trabalhadores, usuários, gestores dos serviços,
também sabem que, para atingir essas finalidades, o conjunto desses atos formatam um
certo modo de cuidar, que se apresenta de formas distintas: como ações individuais ou
(Merhy, 2005).
saúde. O que aponta para uma contradição do próprio trabalho vivo: “a obtenção da
privatização dos processos decisórios e dos interesses em jogo” (idem, 2005, p.157).
singulares a esse campo de práticas sociais. “A saúde então constitui-se como produtora
165
como objeto de intervenção sobre a gestão em saúde – considerando que toda essa
perspectiva está sedimentada em uma alta concentração de poder, e por isso, um alto
no cotidiano dos modelos de atenção, uma lógica que desmonta a ação centrada nos
Desta forma, a ação regulatória sobre o sistema é uma ação que se apresenta
de trabalho, que sempre rompe com a possibilidade de captura do trabalho vivo em ato
usuário, mesmo que ele não esteja no momento do processo decisório. Esse “nó crítico”
apresentado por Merhy nos traz argumentos que vem a reforçar que a dimensão ocupada
imaterial do ponto de vista das suas ações e mais biopolítico em sua concretude. É a
negocia sua força de trabalho. Esse tipo de afeto contido no trabalho não cria apenas
bens materiais ou serviços, mas também relações e, em última análise, recria a própria
vida.
166
3.5 – A Multidão como novo sujeito antagonista
anterior à Spinoza, no entanto, surgia como algo negativo, que precisava ser contido;
Traduzia uma falta de ordem talvez. Em Spinoza119 Multidão aparece como uma idéia
equiparação e na releitura do conceito feita por Negri em tempos atuais. Em sua obra,
como autor spinozista, multidão é uma definição de classe. Na sua forma mais geral e
torna-a unificada, por isso, algo que pode ser governado por um soberano apenas. A
singularidades queremos nos referir a um sujeito social cuja diferença não pode ser
reduzida à uniformidade; uma diferença que se mantém diferente” (Hardt & Negri,
119
Spinoza escreve se direcionando diretamente à Maquiavel, pois o pensamento republicano nasce na
Renascença, através da concepção crítica de crise da república florentina. Maquiavel descreve a
democracia de Florença tendo como base os movimentos das classes proletárias (o povo) que se
organizam para reapropriar-se da liberdade (a República). Spinoza então se pauta à Maquiavel e
desenvolve o dispositivo da Multidão como democracia absoluta, única capaz de reapropriar-se da
liberdade (Negri, 2003b).
167
2005, p.139). O desenvolvimento do capitalismo traz a afirmação de uma sociedade
como massa. Neste caso, aparece como um conjunto massificado, confuso; porém com
faz dela uma unidade, escamoteada de identidade que nega e apaga as diferenças. “As
um conceito que não pode ser confundido com entidades coletivas ou plurais, de massa;
pois a massa não é capaz de agir por si mesma, precisa ser conduzida. Por isso são
A filosofia política moderna ensinou-nos que somente aquilo que é uno pode
governar: o partido, o povo, o monarca, o indivíduo. Sujeitos sociais que não são
unificados, mas múltiplos, devem então ser governados. Era a idéia que “todo soberano
deve ser dotado de um corpo político onde há uma cabeça que comanda e membros que
Negri e Hardt (2005) nos dizem que a multidão embora seja múltipla e
168
capital quer tornar a multidão uma unidade orgânica, assim como o Estado precisa
transformá-la em um povo.
e diferenças de sexualidade e, muito do que foi formulado sobre o conceito está dentro
no qual a raça e o gênero não importem, ou seja, um mundo no qual não determinem
estamos exprimindo um desejo de multidão” (Hardt & Negri, 2005, p.141). Acabar com
o caráter limitador, negativo e destrutivo das diferenças diz respeito à utilização das
transformadora.
caímos na armadilha impotente de imaginar que ela está periférica, ao lado dos sujeitos
(idem, 2004, p.192). Mas o conceito é central na dinâmica de produção social e, ocupa
uma posição de poder. Este poder, porém, é algo diferente do poder do Estado. Um
poder que se afirma contra o outro, pois a singularidade da multidão é uma comunidade
irrepresentável. Logo, essa relação de poder contra o outro, pode ser demonstrada pelo
poder constituinte da multidão contra o poder constituído do Estado (Hardt & Negri,
2004).
figura biopolítica, pois sua forma de produção é baseada no Comum, e tudo o que
169
“lado de fora” do capital e nem um “lado de fora” do biopoder. Eles funcionam
espacial. Isso se mostra importante para entender onde se manifesta os atos de êxodo,
que atuam em comum significa dizer que não existe uma contradição conceitual ou real
identidade120; não precisa optar entre a unidade e a pluralidade. Mostra-se como algo
120
“A identidade pode ser definida como o complexo de reações psíquicas ao ambiente que tornam
possível a um organismo consciente reconhecer a própria continuidade experiencial desde um momento
no tempo até o seguinte. Em si, a identidade não é certamente uma patologia, mas quando o organismo
consciente, por causa da desterritorialização, não reconhece o próprio território psíquico e geográfico,
pode desencadear reações de reterritorialização desesperada e agressiva, e procurar segurança na ilusória
pureza da comunidade de pertença. A reação identitária se difunde hoje principalmente nas áreas sociais
marginalizadas pelo fluxo da virtualidade e da riqueza econômica gerada pela new economy, isto é, no sul
do planeta e nas periferias das metrópoles ocidentais” (Berardi, 2005, p.138/139).
170
Neste caso o Comum se traduz num elemento de solidariedade de todos que
se revoltam contra a exploração; é formado por todos aqueles que trabalham sob o
domínio do capital. Que estão sob as condições em que vários tipos de trabalho se
existe uma prioridade política entre as formas de trabalho: todas as formas de trabalho
um potencial de resistir à dominação do capital” (Hardt & Negri, 2005, p.147). Isto
é determinada pela luta de classes, aquelas que são definidas pelos lineamentos das lutas
coletivas. Nas palavras de Tronti, “a classe existe porque luta, e não luta porque é
classe”. Em um sugestivo exemplo dado por Negri e Hardt, a raça, não é determinada
pela etnia, nem pela cor da pele; a raça é determinada politicamente pela luta coletiva.
Há quem sustente que a raça é criada pela opressão racial, mas essa lógica pode ser
levada mais longe: “a raça se manifesta através da resistência coletiva à opressão racial”
(Hardt & Negri, 2005, p.144). O que esses autores argumentam é que a classe
pois não reflete somente as atuais linhas de luta de classe, mas também porque propõe
171
algumas conduções futuras. “Nesse sentido, a função de uma teoria de classes é
transformando até mesmo os setores mais minoritários numa lógica fabril, como o caso
trabalho industrial perdeu sua hegemonia e cedeu seu lugar ao trabalho imaterial. E esse
trabalho biopolítico que não cria apenas produtos materiais, mas também formas de vida
passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do controle, como forma de
sujeitos; uma multiplicidade irredutível que não pode ser reduzida à idéia de povo. O
172
classe de singularidades produtivas, dos operadores do trabalho imaterial. É o conjunto
capitalista através do Estado. O controle político desta classe que produz, dizem Hardt
& Negri, é o que faz proteger e expandir a propriedade privada. Além disso, é também o
controle político que atenua e derrota todas as lutas do trabalho contra o capital. Não
queremos com isso afirmar que chegaremos a um patamar em que não teremos
nenhuma regulação sobre o trabalho, mas sim que as instituições, tanto públicas quanto
privadas, tem se assemelhado cada vez mais umas às outras nos seus mecanismos de
controle sobre as relações de produção. E desta forma, as empresas privadas ficam cada
São essas relações que criam uma uniformidade global entre os defensores
do mercado livre; o qual somente o trabalho que sofre alta regulação jurídica do
& Negri (2005) apontam que a OMC, por exemplo, mesmo com todo o desnível e
mesma forma que o Fórum Econômico Mundial de Davos é o espaço onde as elites
173
Desta forma que se abrem verdadeiros ciclos internacionais de luta. Depois
numerosas revoltas locais não divulgadas que envolviam populações oprimidas (Hardt
torno das questões da globalização, algo que é inaugurado com os protestos contra a
movimentos”. É na década de 90 que se inicia nossa procura por esses rastros deixados
por movimentos que simbolizam o devir da multidão. E é por isso que um novo
ordenamento do poder será montado, agora ele precisa assumir o mesmo diagrama da
174
3.6 - As novas formas de poder: a soberania imperial
concepção em que o Estado rege a ordem e que não deve sua validade a nenhuma outra
ordem superior é um dos pontos de discussão nos atuais estudos sobre o capitalismo. A
visão dos estatalistas é que a soberania compreende um complexo de poderes que torna
uma “nação” politicamente organizada na era moderna. Esta soberania estatal relaciona-
se ao direito exclusivo de uma autoridade suprema sobre uma área geográfica, grupo de
entre 1500 e 1900, nos coloca diante de conceitos que são estáticos pela tradição
cidadania ou sujeito político. Interpretados da maneira nos quais foram definidos, hoje
significam muito pouco. A soberania era um conceito que tinha seu caráter absoluto.
absoluta, já que tinha a capacidade de fazer a guerra, de cunhar moeda de maneira quase
independente ou de construir cultura de maneira isolada. Hoje estes elementos são cada
vez menos importantes. Atualmente, vivemos dentro de um mundo no qual, com todas
175
Entende-se por soberania estatal a qualidade máxima de poder social através
um “Deus na terra”. Como a relação entre os súditos e seu governante nunca seria
pacífica, pressupondo situações como uma guerra civil, o ideal seria uma pactuação
lei aos seus súditos, mesmo sem o seu consentimento. O contrato social é o que
construção de uma “vontade geral” proveniente da alienação das vontades isoladas para
conceito de “nação” fez parte de uma hipótese que pressupunha ser a “vontade geral”,
ou seja, a alienação total dos direitos dos súditos ao soberano em nome da paz da
comunidade.
capitalismo. O poder que era transferido ao soberano estatal deveria coincidir com o
interesse público. Como essa hipótese não se aplicou de fato, mesmo na modernidade,
176
individualidade e universalidade na formação de um Estado capitalista em
desenvolvimento.
de todas as pluralidades.
122
Na análise Hobbes, o corpo do soberano é o corpo social como um todo. “Há apenas uma cabeça, e os
diferentes membros e órgãos devem obedecer a suas decisões e ordens. Assim é que a fisiologia e a
psicologia reforçam a verdade óbvia da teoria da soberania. Existe em cada corpo uma única
subjetividade e uma mente racional que devem exercer seu controle sobre as paixões do corpo” (Hardt &
Negri, 2005, p.413).
177
“Não é, portanto, a unidade que é o contrário da multiplicidade, mas o Uno.
É o Uno que é o princípio de toda alienação e que se dá como negação. A negação não é
Negri e Hardt (2005) afirmam que uma das verdades recorrentes da filosofia
política é que só aquilo que é uno pode governar, seja o monarca, o partido, o povo ou o
indivíduo. Sujeitos sociais que não são unificados, mas múltiplos, que não podem
governar, devendo, pelo contrário, serem governados. “Em outras palavras, todo
soberano forma necessariamente um corpo político dotado de uma cabeça que comanda,
monarca”; pois essa era a forma política exigida para governar as relações sociais
monarca, assim como [...] o corpo monárquico soberano era parte do corpo de Deus”
178
território físico e a população como extensão transcendental em um conceito – nação
p.114).
feudal cedeu sua vez a ordem disciplinar do cidadão. Algo que trazia uma modificação
de um papel passivo para um papel ativo, pois a nação sempre precisa se apresentar
conflito (idem, 2001). A “nação” é o coletivo uno, livre de contradições, pois tudo
deverá ser contemplado pela força do Estado. Pois o Estado é a representação da nação.
sustentava o conceito de soberania, alegando que o precede. Na França, diz Negri &
179
relacionava a uma noção democrática de comunidade. O precário poder de soberania foi
aplicado à idéia de “povo” – o que foi uma inovação para a época, pois constituía o
ideológico específico” (idem, 2001, p. 120). O rei é o povo, por mais paradoxal que
autoridade era livre, mas que também era livre de qualquer limite. Na monarquia, o
povo aparece na modernidade como uma produção do Estado. “Povo’ entendido como o
que abdicou de sua liberdade tendo como compensação a garantia da propriedade. Sua
liberdade, após ter sido um direito natural absoluto, torna-se agora um direito público
próprios nativos. Nação, povo e raça perderam suas distinções, pois a imigração e o
180
Mas o que é que se pode então conceber por “povo”? Hardt e Negri
entendem que o “povo” não é uma entidade natural ou empírica; não se pode chegar a
uma representação que faz da população uma unidade. “A chave para a construção do
política quanto estética do termo “representar”, que está embasado em uma posição e
condição de medida – e por “medida” deve-se entender nem tanto uma condição
representada como uma unidade, mas o não mensurável, o não delimitado, não pode ser
relacionado ao espaço nacional delimitado. Em suma, o povo não é uma identidade nem
imediata, nem eterna, mas é o resultado de um processo complexo que é próprio de uma
não é mais possível. “A soberania hoje não pode, mesmo à custa de esforços externos,
chegar a unidade: sua natureza dupla sempre emerge. A instabilidade do poder soberano
no Império é assim parte de sua definição” (Negri, 2003b, p.82/83). A segunda forma de
capaz de ser interlocutor do soberano. Também essa elaboração hoje não é mais
possível. Não existem mais povos, mas somente multidões que seguem dinâmicas
181
moleculares, reivindicam diferenças, experimentam cruzamentos e hibridações (Negri,
2003b).
Negri (2005) nos diz que uma das condições fundamentais da soberania é a
transformação da soberania nacional” (idem, p.77). Para o autor, a soberania não é uma
substância autônoma, mas uma relação entre soberano e súdito. O poder soberano nunca
súdito. “Assim, quem obedece não é menos essencial para funcionalidade, e a própria
modernos, é claro, não abriu de fato uma era de liberdade absoluta, antes submeteu-se a
novas formas de mando que operam em escala global. Aqui temos um primeiro
vislumbre real da transição para o Império” (Hardt & Negri, 2001, p.151).
a produção escrava colonial de larga escala nas Américas entre os séculos XVII e XIX,
123
A produção escrava na América e o tráfico de escravos africanos foi um sustentáculo estável sob o
qual se reergueu o capitalismo europeu. “Não há contradição aqui: o trabalho escravo nas colônias tornou
possível o capitalismo na Europa, e o capital europeu não tinha interesse em desistir dele” (idem, 2001,
p.139). A escravidão produzida no continente americano funcionou como uma espécie de “capital de
giro” para o desenvolvimento do capitalismo, mesmo que o sistema capitalista represente a antítese do
trabalho escravo.
182
pessoas nativas que morreram por armas ou doenças européias. “Na prática o capital
não apenas submeteu e reforçou sistemas de produção escrava em todo o mundo, mas
a nação passa a ser a única maneira de imaginar uma comunidade. Da mesma forma que
comunidade não é uma criação coletiva dinâmica, mas um mito. Uma noção originária
Negri, 2001).
183
campo das relações internacionais. Aqui o paradigma
‘modernista’ [se fixa] no poder dos Estados-nação, do emprego
legítimo da violência estatal e da integridade territorial. De uma
perspectiva pós-modernista, tais relações internacionais
‘modernistas’, por aceitarem essas fronteiras e nela se basearem,
tendem a apoiar o poder dominante e a soberania dos Estados-
nação (...). Teóricos pós-modernistas das relações internacionais
empenham-se em desafiar a soberania dos Estados pela
desconstrução das fronteiras dos poderes dominantes,
ressaltando movimentos e fluxos internacionais irregulares e não
controlados e, com isso fraturando unidades e oposições estáveis
(Hardt & Negri, 2001, p.159/160).
relação próxima com a subordinação racial e a colonização. Hardt (1997) afirma que o
colono que faz o colonizado para poder criar-se a si mesmo”. O sujeito europeu da
quando se opõe ao colonizado que o sujeito metropolitano toma consciência daquilo que
é” (idem, p.57).
primitivismo que a antropologia do século XIX narrou sobre as culturas não européias
184
Mesmo assim, existe potência na definição conceitual de soberania. Por ter
dois lados, significa que a soberania é uma luta constante e essa luta é sempre um
vontades dos que estão no poder. Essa relação conflituosa é o ponto central em que a
soberania é uma relação e a recusa é e sempre será uma ameaça ao poder. “Sem a
participação ativa dos subordinados a soberania se desmorona” (Hardt & Negri, 2005,
p.418).
fluxo desterritorializado, num mundo livre da rigidez das teorias estatais baseadas nas
124
Alguns autores utilizam a terminologia “pós-moderno” por se recusarem a aceitar o fim das categorias
do moderno (Estado-nação, direito internacional...), diz Negri. E acrescenta: “insistimos em uma
concepção das causas históricas que encontra na dinâmica das lutas a razão da modificação da realidade
histórica, da ruptura conceitual e, portanto, a necessidade de estabelecer um novo léxico” (Negri, p.68,
2003b).
185
Dos Estados-nação ao Império
pensamento que afirma uma transição geral do paradigma de soberania moderna para o
confundem-se sobre quem é o inimigo hoje. Hardt & Negri apenas apontam que
O “Império” é uma categoria criada pelos autores para definir uma nova
contrário, representa exatamente a sua negação e sua superação como base analítica.
125
“Como discurso político o pós-modernismo tem uma certa aceitação na Europa, Japão e América
Latina, mas seu sítio básico de aplicação é dentro de um segmento da elite da intelligentsia americana. Do
mesmo modo, a teoria pós-colonialista que compartilha certas tendências pós-modernistas foi
desenvolvida principalmente entre metrópoles e grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos.
Essa especificidade não invalida as perspectivas teóricas, mas deve nos fazer parar um pouco para refletir
sobre suas implicações políticas e seus efeitos práticos. Numerosos discursos genuinamente progressistas
e libertadores aparecem ao longo da história entre grupos de elite [...]. mais importante do que a
especificidade desses teóricos são as ressonâncias que seus conceitos estimulam em diferentes posições
geográficas e de classe” (Hardt & Negri, 2001, p. 172).
186
O “Império” não é um Estado-nação expandido e nem se revela como o
nação para uma entidade superior. Para Negri (2006), a categoria Império insiste que as
categoria criada pelos autores para definir uma nova forma de produção desse novo
biopoder126, algo existente somente na nova ordem global do capitalismo. Uma relação
de sua ordem é sempre renovada e sua expansão é também sempre recriada. O Império é
precisa sempre superar barreiras e limites dentro de seus domínios e suas fronteiras.
Essa superação contínua é que faz o espaço imperial ser sempre um espaço aberto.
“Como teria soado vazia a retórica dos federalistas, e como seria inadequada sua ‘nova
ciência política’ se eles não tivessem pressuposto esse vasto e móvel limiar da fronteira”
126
“O biopoder é a sujeição da vida e dos infinitos entrelaçamentos das populações a uma hierarquia
soberana de comando”. Se o biopoder é uma condição de dominação no Império, na América Latina essa
condição aparece escamoteada no discurso da não diferença racial. (Cocco & Negri, 2005, p.201).
127
“Marx prevê, no longo prazo, um império do capital, sem Estados nem fronteiras. ‘(...) uma unidade
econômica que não se baste a si mesma e que estenda infinitamente sua força imensa até transformar o
mundo num império universal, tal é o ideal sonhado pelo capital financeiro” (Fiori, 2004, p.43/44).
187
festeja-as, administra-as dentro de uma economia geral de
comando. O triplo imperativo do Império é incorporar,
diferenciar e administrar (Hardt & Negri, 2001, p.220).
poder da ordem capitalista. A crise da modernidade está situada no limiar. O que mudou
na passagem para a ordem imperial, entretanto, é que esse lugar fronteiriço já não
completamente” (Hardt & Negri, 2005, p.419). Foucault incita em seus estudos sobre
da esfera pública. Para Foucault a crítica à racionalidade moderna era separar o “dentro”
atualmente, produz riqueza mesmo fora dela. Por isso, o Estado não governa mais com
força de mecanismos disciplinares, mas com redes de controle. Essa transição da teoria
188
Isso significa dizer que o espaço social não foi totalmente esvaziado de
controle. As resistências que surgiam nas estriagens da sociedade civil não encontram
repetitiva. Seria aquela que cobre todo o tecido social, em uma determinada época, por
“controle” entende-se o governo das populações por meio de dispositivos que abarcam
fordismo. “A vida, então, passa a fazer parte do campo de poder” (Negri, 2003b,
p.104/105).
Dizer que a soberania dos Estados-nação está em crise, significa dizer que
essa mesma soberania se transferiu para algum lugar. Mas isso é um problema que está
em aberto na obra dos autores utilizados. Por isso afirmam que a soberania dos Estados-
nação situa-se em um ‘não-lugar’. O que se tem certeza é que esta transição se deslocou
para diferentes formas das tradicionais – o que não é revelado pelo direito
189
internacional128 pelo fato do mesmo ser fundado na relação entre potências estatais
nacionais que estabelecem entre si uma série de acordos, pactos, contratos e prevêem
uma série de sanções sempre que o pacto seja ameaçado de rompimento ou ofensa
(Negri, 2003b).
Nas linhas divisórias da superfície global temos formas que não apresentam
mesmo a distinção clássica entre Primeiro, Segundo129 e Terceiro Mundo precisa ser
revista em sua hierarquia. Não há dúvida que essa divisão se torna cada vez menos
nova capacidade de governo e de poderes cada vez mais ligados aos do Primeiro
novas” (Negri, 2003b, p.15). As divisões geográficas se tornam cada vez mais
continuação.
128
“Império e direito internacional negam-se mutuamente. Essa era a constatação da qual havíamos
partido. Esta é uma condição irreversível” (Negri, 2003a, p.40).
129
O fim do Segundo Mundo é um elemento importante para entender a constituição do Império. O fim
do mundo do socialismo real ou realizado representa uma passagem essencial da forma de produção. A
crise do sistema soviético relaciona-se à passagem do fordismo ao pós-fordismo. As novas formas de
produção, a passagem ao trabalho imaterial e o grau de liberdade que ele implica colocam em crise o
modelo soviético (Negri, 2003a).
190
A característica do pensamento operaísta130 determina a categorização do
como condição fundamental que organiza e serve de base para a sustentação do modo
capitalista – por isso a centralidade da classe operária; pois, é determinante aos partidos
da corrente que defende a formação central dessa ordem imperialista se resume nas
palavras de Fiori (p.57/58, 2004): “O que existe são Estados que, em determinados
130
O operaísmo possui uma seqüência de trabalhos teóricos intimamente ligados ao neomarxismo italiano
da década de 50 a 1970. Não se limita a uma escola de pensamento, uma vez que contou com um
importante envolvimento social e político dos operaístas nas décadas de 60 e 70 na Itália. Após mais de
10 anos de contribuições teóricas e de pesquisas diretamente envolvidas com a construção das instâncias
organizacionais dos novos sujeitos operários massificados pelo taylorismo, os militantes intelectuais
operaístas se dividiram ao final da década de 70 quanto à questão da “nova organização” de classe. Um
grupo, o qual fazia parte Mario Tronti, separou a “autonomia de classe” da “autonomia do político”. Na
sua visão as dinâmicas da composição de classe não coincidiriam com as do político. O outro grupo, o
qual fazia parte Antonio Negri, recusava a volta das problemáticas da representação e apontava as
transformações da própria composição de classe, definindo formas de organização de classe não-
representativas. O primeiro grupo compôs o Partido Comunista Italiano e construiu o operaísmo do
sindicato; o segundo definiu ao longo da década de 70 uma experiência político-organizacional
denominada por autonomia operária (Cocco in Lazzarato & Negri, 2001).
191
comportamento de um mesmo Estado, dependendo do momento e da posição que
algum tipo de formação cosmopolita, são utopias, com toda dignidade das utopias que
ordenamento global temporário — uma forma de soberania ilimitada que não conhece
projeção imperialista do poder de um estado nacional. Fiori (2004) diz que “Hardt &
Negri incorrem no mesmo erro de vários outros marxistas que não conseguem entender
que a globalização do capitalismo não foi uma obra do capital em geral; foi obra de
Estados e economias nacionais que tentaram impor ao resto dos estados e economias
nacionais, a sua moeda, a sua ‘dívida pública’ e o seu sistema de ‘tributação’ como
estatal. Nesta análise, existe uma hierarquização dos Estados entre aqueles que foram
determinação acontece à medida que uma potência mundial sempre será um país
192
Essa expansão direciona a geopolítica e a geoeconomia mundial de todo o sistema,
não deixam de ser poderosos, mas sim que seus poderes e funções estão sendo
transformados num novo arcabouço global. Nos debates sobre globalização, a maioria
dos autores parte do princípio que se trata de uma alternativa exclusiva: ou o Estado-
autoridade. Mas o que o Império demonstra é que ambas as coisas são verdadeiras: os
soberania. Para Hardt & Negri (2001), os Estados-nação não podem mais pretender o
193
papel soberano de autoridade suprema, como na era moderna. Agora o Império se põe
acima dos Estados-nação como autoridade suprema e, assim, de fato, constitui uma
nova forma de soberania. O que se aponta é que esta é uma mudança histórica relevante
nação foi o começo de relações de subordinação e política que acabava com qualquer
fato é que os países libertos vêem-se cada vez mais subordinados à ordem econômica
apregoa a ONU, não pode ser vista como uma concertação de países igualmente
131
“Entre 1945 e 1990, foram criados cerca de 100 novos Estados e, portanto, a maior parte dos Estados
que compõem hoje o sistema estatal mundial foi criada depois da II Guerra Mundial e foram quase todas
colônias das grandes potências européias” (Fiori, 2004, p.40).
194
Esse movimento de extinção do colonialismo leva Hardt e Negri (2001) a
da ordem jurídica e econômica, mas suas ações se orientam cada vez mais para a
perspectiva não existe uma contradição entre Estado-nação e globalização. “Os Estados
transformados pelo poder global emergente que tendem cada vez mais a servir” (Hardt
impostas pela globalização não levaram apenas à diminuição de poder dos Estados-
nação, mas a uma forma global de soberania que tornou-se mais complexa. Em um
mediar os conflitos com a classe operária e com isso expandiam a demanda social de
produção. “As formas de soberania que conhecemos hoje, pelo contrário, encontram-se
negociar sua relação conflituosa com o trabalho” (Hardt & Negri, 2005, p.231).
Após o “11 de Setembro” Hardt & Negri (2005) chegam a afirmar que o
Estado forte está de volta, não o Estado-nação, mas o Estado em seu sentido lato; pois a
crise vivida serviu para lembrar o quanto o capital precisa de uma autoridade soberana
195
atrás de si, algo que sempre vem à tona quando sérias rachaduras aparecem na ordem e
na hierarquia do mercado. O Estado forte, marcado pelo poder militar, pode ser
evidência de um novo êxito capitalista: uma das principais tarefas do Estado forte é a
Unidos também fazem parte do mundo, ou seja, não é uma fonte única e autônoma de
relações que definem a forma atual de comando – a soberania imperial. “No mundo
supostos inimigos são eles próprios Estados-nação (...) Hoje, a imagem do inimigo
política em crise do capitalismo fabril, a qual dominar outras “nações” era necessário
maiores no século XX, de tal forma que não gerou nele mesmo o público que
132
Após o “11 de Setembro” o país que é a maior potência mundial declarou guerra a um indivíduo. O
exemplo trazido por Negri é interessante para entender essa transição e crise de soberania.
196
baseados em participações nos lucros e o domínio do Estado sob a organização do
197
INTERVALO
198
O Estado antes da Democracia: do Welfare periférico às relações de
interdependência global133
nacional. No Brasil, essa trajetória se inicia no governo Vargas e tem continuidade com
apresentou-se como ocasião para enfrentar a queda da capacidade de importar (Negri &
Cocco, 2005).
efeito paradoxal: nos anos 70, ao invés de fazer decolar as economias latino-americanas
como economias nacionais, fez explodir a dívida externa, a inflação que assolou toda a
“ilusão cepalina” se arrastam até a década de 90. Uma ilusão que se refere ao “milagre”
133
O texto foi produzido a partir da leitura de Antonio Negri e Giuseppe Cocco em 2005: “Glob(AL):
biopoder e luta em uma América Latina globalizada”.
199
do crescimento puxado pela industrialização endógena e financiado pelo endividamento
(Negri & Cocco, 2005, p.48). Para os autores, neste sentido, existe uma relação direta
Sob o ponto de vista do trabalho, por exemplo, para a teoria “cepalina”, isto
p.66). Algo que na análise dos autores pode ser considerado como um efeito da
200
fenômeno conhecido como êxodo rural, para os desenvolvimentistas também explicava
alternativa encontrada para conter o êxodo rural foi então mandar estes trabalhadores
2005, p.68).
complexidade das forças produtivas que surgiam e o determinavam acabou por decretar
economicistas de um capitalismo que não existe mais: fechado num esquema disciplinar
industrial (idem, 2005). Por isso é recorrente o discurso da “economia que não cresce”,
não porque o poder econômico dos Estados não se amplia, mas porque os índices,
escalas e parâmetros devem ser revistos. “Na realidade, a produtividade não cresce
porque seu indicador não muda. Ou seja, medida pelos tradicionais padrões de cunho
201
O modelo nacional-desenvolvimentista dos países do Sul, através do
discurso feito pelos “cepalinos”, defendia que a cultura e os valores na “nação” fraca 134
diante das “nações” fortes e do capital apátrida e cosmopolita seriam capazes de gerar
desenvolvimento135 – algo que Negri & Cocco (2005) apontam como uma “retomada
das formas oitocentistas do mais puro nacionalismo europeu” (idem, 2005, p.45/46).
atribuído à falta de ambos, como parte de um Estado-nação que não foi construído
porque os sujeitos políticos, ligado às lutas sociais, não estiveram dentro das políticas de
uma elite fundiária e tecnocrata e, por outro lado, estratificações sócio-econômicas neo-
134
Para reforçar alguns conceitos acrescentamos as definições feitas por Negri & Cocco (2005): “quando
dizemos Estado, nos referimos àquela forma de soberania constituída na modernidade européia a partir
do século XVII, sobre a qual refletimos ainda hoje para estabelecer sua força ou debilidade, sempre
relativas à evolução de sua estrutura autoritária, que vai do domínio ao controle, do imperialismo à
inserção na ordem imperial. Quando dizemos forma-Estado, estamos nos referindo à forma com que o
capital dominou as relações, sofrendo no interior dessa relação, as resistências e as pressões que as classes
subalternas determinavam.[...] Quando falamos de Estado nacional estamos nos referindo a forma típica
a qual a modernidade européia e norte-americana (além da exceção japonesa) desenvolveu o domínio
capitalista sobre as relações sociais dentro de um determinado território. À tudo isso contrapõe-se as
formas de Estado fraco, ou seja, as formas-Estado que nunca conheceram a autonomia, a não ser
subordinada às relações imperialistas, ou interimperialistas: trata-se de formas-Estado cuja consistência
jamais atingiu a autonomia e, que, ao contrário, se desenvovleu sobre estruturas evolutivas de biopoder,
mas sempre na tradição colonial e/ou racista. O Estado desenvolvimentista é uma subcategoria do Estado
fraco” (2005, p.115/116).
135
“Na realidade, o Estado-nação “fraco” não foi de modo algum um motor de desenvolvimento social
(eventualmente de crescimento econômico...), mas antes o principal obstáculo ao desenvolvimento”
(Negri & Cocco, 2005, p.105).
202
escravagistas. Desta forma, o racismo e as migrações internas atuaram densamente na
um Estado de proteção social. O fato da América Latina ter sua história atrelada ao
consequentemente, de democracia (e não o inverso)” (Negri & Cocco, 2005, p.117). Por
exemplo:
Welfare State nos países do Sul – algo que veio de cima sob a forma de “integração
ditadura militar. A pressão sofrida para obter aumento de salários e aumento dos gastos
sociais no capitalismo do terceiro mundo, fez com que o Estado forte (o Estado
203
sociais; abaixando os gastos com seu “Estado de bem estar”, reduzindo os impostos
global. Essa competição entre os Estados-nação, gera uma concorrência para ver quem
primeiro lugar, que a crise do emprego apenas constituía o fenômeno mais superficial
204
Os programas de privatização136 das empresas nacionais foram uma realidade
neoliberal se expressava também entre os partidos políticos, com difícil rotulação entre
aconteceu em prol dos mais ricos; mas mesmo assim ainda foi chamada de
ditadura chilena (que fez o país crescer) ou mesmo situações como a Bolívia (onde os
80. “Na teoria liberal e na prática neoliberal, gostaríamos de reafirmar, busca-se, através
2004, p.85).
conflito dentro do regime da ordem estatal. O Estado, agora enxuto, evita esse ônus. A
palavras, não pressupõe a mediação dos conflitos sociais e das diferenças, mas consiste
136
“O espaço público tem sido a tal ponto privatizado que já não faz mas sentido entender a organização
social em termos de uma dialética entre os espaços públicos e privados, entre o dentro e o fora” (Negri &
Hardt, 2001, p.208).
205
O quebra-cabeça montado na América Latina iniciava a demonstração de
suas pistas com a globalização das oligarquias, do capital, da classe operária fordista e
das novas formas difusas de marginalidade social. O Estado neoliberal teve a missão,
Estado (...) que mais facilita os movimentos globais e o lucro do capital” (Hardt &
– não somente do “centro para a periferia”, mas também entre a “periferia e a periferia”.
aponta para “uma brecha potencial no âmbito das relações de força 'Norte-Sul'
tradicionais” (Negri & Cocco, 2005, p.34). Muitos apregoam que a crise vivenciada na
206
(...) é a transformação da dependência em interdependência que
coloca em evidência a nova situação, que mostra –
eventualmente – suas possibilidades de deslocamento e que
identifica (de forma não secundária) a nova figura dos conflitos
com a nova qualidade dos temas. O mercado mundial não tem
mais um lado de fora e os conflitos o atravessam em todos os
seus níveis: entre o centro e a periferia, é certo, mas também no
centro e na periferia (idem, 2005, p.34).
sociedade pós-industrial, percebemos que somente quando nos abrimos para o centro e
forma autônoma, não viram a recomposição política da classe operária e não valorizou
137
Do ponto de vista do Império, Hardt e Negri deixam uma questão para ainda ser pensada: “Na era da
globalização, torna-se cada vez mais claro que passou o momento histórico do liberalismo. O léxico
político do liberalismo moderno é um cadáver frio e sem sangue” (2005, p.345). Em tempos de Império, o
liberalismo não foi capaz de representar as minorias (as mulheres, os pobres, as minorias raciais...), nem
sequer representar adequadamente as elites no capitalismo global. Isto é, à medida que os mercados vão
se tornando cada vez mais globais e as políticas neoliberais determinam o recuo da regulação política, o
poder dos mercados e das finanças tornam-se ainda mais fortes (idem, 2005).
207
disciplinador através do poder de controle138. O horizonte do desenvolvimentismo foi
Uma estratégia a esta condição seria afirmar o que Negri & Cocco (2005)
denominam em sua obra por um “novo pacto”, algo que se definiria como a organização
138
Muito mais do que empresas de transportes, ferrovias ou companhias elétricas foram privatizadas. As
esferas mais comuns da vida também foram: a água, a terra, as rodovias e ferrovias, o mar e até produtos
naturais através do regime de propriedade (“patentes”) sobre as descobertas da natureza, como por
exemplo a mudança genética de sementes (Hardt & Negri, 2005).
208
CAPÍTULO IV
SAÚDE COLETIVA:
DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO?
209
4.1 - Matizes teóricas da Saúde Coletiva: a medicina social
século XVIII, local onde se deu a formação da primeira “ciência de Estado”, o que
desenvolveu somente no início do século XIX. Antes disso, a Alemanha era uma
p.81). Essa reunião justaposta de pequenos territórios organizados como Estado deu
Estado. Era o unitário que estava em questão. Vários métodos e várias tecnologias
foram criados para dotar o território alemão de um único exército, uma única polícia,
uma única economia para operar como todos os grandes Estados da época, como a
França ou a Inglaterra.
139
Foucault, M. Microfísica do Poder. 15ª Edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2000.
210
A saúde era uma das ramificações necessárias para o controle das
82). A saúde, desta forma, cumpria o papel subsidiador à formação de uma consciência
cálculo da força ativa de suas populações, produzindo estatísticas para o controle desde
alemã, por meio da identificação das doenças. Porém, pela primeira vez ouvia-se falar
polícia adaptadas para: observação dos perfis de nascimento e morte das populações, a
Estado (normalização das práticas médicas). Em uma das mais caricatas construções
urbana. A medicina urbana surgiu na França ao final do século XVIII, quando a cidade
formação de uma classe proletária. Era preciso “esquadrinhar o espaço urbano” para
211
Surge o medo do espaço urbano, das casas amontoadas, das epidemias
vindas dos esgotos adquiridas nas cidades, dos imigrantes que chegavam para trabalhar
inspetores deviam percorrer as ruas em busca dos que saíam de casa adoecidos, ou
entravam nas residências com o poder de intervir sobre algum familiar doente. A
vigilância foi então criada para percorrer as ruas dos bairros e encontrar a doença que
vinha das cidades. Para cada visita domiciliar era necessário um relatório que
informasse tudo o que tinha sido observado. Depois disso, os registros eram unificados
gestão das cidades: o leprosário, o manicômio... medicar era mandar para longe, fora
purificação das cidades. Não mais os espaços coletivos, mas o isolamento, o exílio, o
esquadrinhado (Foucault, 2000, 92). Tudo no meio urbano poderia provocar a doença,
abertura das cidades através das ruas largas, das grandes praças para o ar livrar-se dos
regulação hidráulica. Paris foi uma das cidades que primeiro teve um plano hidrográfico
212
urbana (2000, p.94). Por fazerem parte da paisagem das metrópoles não podiam ser
vistos como perigosos. Entretanto, a classe pobre descobriu-se com poder para revoltar-
espaço urbano passou a ser considerada necessária pela classe mais rica, pois a
mesclagem das populações nas cidades representava um perigo sanitário – fato que
para isso surgiram os primeiros serviços gratuitos de saúde, os quais poderiam ser
utilizados somente pelos pobres sem proporcioná-los nenhuma despesa. Esses serviços
classes através das medidas sanitárias evidenciava uma medicina para os pobres, a
Pública, nos traz alguns aportes conceituais para iniciar um debate: em todos os
contextos históricos analisados pelo autor, algumas pistas ganham mais densidade que
outras. Uma delas é a ação do Estado. Para Foucault, o Estado sempre se manifesta de
Primeiro. Sob a ótica das lutas sociais, Foucault desenvolveu uma de suas
mais importantes análises: “O Estado moderno nasceu onde não havia potência política
213
Esse território considerado “impotente” economicamente demandou a unificação estatal
“ofereceu seus homens, seus recursos, sua capacidade, etc... à organização do Estado”
(Foucault, 2000, p.82). Isto é, a formação do Estado alemão é considerada por Foucault
uma criação elitista e o Estado criado precisava dar respostas à esta classe que o
constituiu140.
Segundo. Também sob a ótica das lutas sociais, Foucault recupera a história
nascente. Foucault narra diversos conflitos entre ricos e pobres, proletários e artesãos,
poder político capaz de esquadrinhar esta população urbana” (Idem, 2000, 86). A
ruas deveria ser controlada através do primeiro aparelho de “vigilância” criado por meio
140
A Europa vivenciou momentos como a histórica Comuna de Paris e também a Revolução Russa, que
influenciaram diretamente na concepção sobre a “medicina social” na Alemanha. O conceito ganhou
dimensões mais evolutivas a ponto de tornar-se amplamente politizado na metade do século XIX. “Vários
dos seus defensores lutaram pessoalmente nas barricadas de 1848 pela liberdade e pelo socialismo, como
Newman e Virchow, tendo as associações camponesas lutado por assistência médica e fornecimento
gratuito de medicamentos” (Arouca, 2003, p. 111).
214
da regulamentação do médico como polícia com autoridade para entrar nas casas e
coibir pessoas doentes nas ruas. “A medicina urbana tem um novo objeto: o controle da
circulação” (Foucault, 2000, p.90). O deslocamento, sob o ponto de vista das ações
tanto de pessoas, como de alguns elementos (ar e água). O contágio começa a ser
percebido não somente pelo contato biológico, mas por relações sociais. São das
afetações produzidas pelas relações sociais que Foucault fala quando aponta a vigilância
sobre o deslocamento.
controle do espaço das cidades, desde que não comprometesse suas propriedades. É a
defesa da propriedade privada burguesa que entrava em debate. “Daí, portanto, o caráter
relação à propriedade privada” (Foucault, 2000, p.92). Mesmo que se justificasse uma
intervenção sobre os indivíduos nas ruas, dentro de locais privados isso não seria
possível. O Estado era representado pela medicina urbana à serviço de uma classe.
Estado para a medicina das cidades, apontava para um novo perfil produtivo dos
territórios; não mais centrado somente no poder unitário dos Estados, mas ramificado e
difuso em muitos territórios com um aspecto industrial nascente. Não era intenção de
Foucault descrever a história das lutas sociais na Europa do século XVIII e XIX, mas ao
mesmo tempo, torna-se necessário para o autor apontar que o surgimento do capitalismo
europeu aconteceu devido a uma forte intervenção de Estado que reprimisse os conflitos
215
cidades representava as microconflitualidades que surgiam, onde o macro poder do
Estado deveria ser tão difuso quanto as dinâmicas produtivas que se irradiavam.
Lá, diz o autor, “os pobres foram o último objeto da medicalização” (2000, p. 93).
Talvez possamos inferir que a percepção de Foucault sobre as lutas sociais apontam
classificar a medicina da força de trabalho como a “medicina dos pobres” Foucault traz
vida. “A população pobre tornou-se força política capaz de se revoltar ou pelo menos,
Inglaterra: “um controle pelo qual as classes ricas ou seus representantes no governo
asseguram a saúde das populações pobres e, por conseguinte, a proteção das classes
não uma forma de reprodução, (e não produção), do trabalho? A atuação do Estado para
corpos produtivos e saudáveis. Isto é, Foucault chega por último à medicina dos corpos
metodologicamente pelo autor para uma generalização. A partir dela Foucault afirma
que não mais existiam serviços autoritários de controle médico, mas sim um controle
216
médico-estatal da população (Foucault, 2000, p.96). Quando se institucionalizou uma
política de saúde não mais o médico se destinava ao pobre enquanto tal, e sim o poder
esta razão pela qual o controle médico inglês, garantido [pelo Estado] suscitou, desde
pela política de saúde não eram pelo seu desconhecimento sobre a medicina científica
trazida pela Saúde, nem mesmo pela aversão ao trabalho dos médicos que a
representavam, mas sim uma resistência ao excessivo poder que o Estado lançava sobre
elas através da Saúde. Esse movimento entre o poder e as lutas só se tornou claro
alemã ou da medicina urbana francesa, é baseado numa medicina que direciona suas
ações essencialmente para “o controle da saúde das classes mais pobres para torná-las
mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais ricas” (idem, 2000, p.97). O
217
A medicina social inglesa, esta é sua originalidade, permitiu a
realização de três sistemas médicos superpostos e coexistentes;
uma medicina assistencial destinada aos mais pobres, uma
medicina administrativa encarregada de problemas gerais como a
vacinação, as epidemias, etc., e uma medicina privada que
beneficiava quem tinha meios para pagá-la (Foucault, 2000,
p.97).
“trabalhadores da saúde” poderíamos talvez iniciar uma nova análise seguindo os passos
do autor. À medida que o trabalho tornou-se difuso, ramificado e invadiu todo o tempo
da vida, cada vez mais a Saúde tem se tornado uma intervenção sobre esta vida posta a
criadoras.
142
O que dizer sobre os sistemas criados parta mensurar a “qualidade de vida” individual? Dos ditames
sobre “estilos de vida saudáveis”? Dos estudos que apregoam um novo “sujeito cerebral”?
218
4.2 - A proteção social à saúde no Brasil: a Saúde Pública
Brasil” é, sem dúvidas, o estudo que traz uma das melhores reconstruções históricas da
saúde pública brasileira. Neste livro, produzido por Roberto Machado, entre outros
autores, observa-se uma virada histórica para o Brasil República que apontou para a
descoberta da saúde como “novo objeto” da medicina e não somente a cura de doenças.
Este trabalho foi um dos primeiros a mostrar o poder médico-disciplinar e como isso
recaia sobre a realidade da vida social urbana da época. A defesa da saúde compunha o
chegando à república. Arouca (2003, p.111) nos diz, que no seu sentido mais geral e
XIX, por uma ligação com as ideologias liberais que afirmavam as responsabilidades
individuais perante a saúde”. A ordem moral era alcançada através de suas condutas. As
medidas higienistas eram acompanhadas de juízos de valor sobre o caráter dos homens e
219
O perfil dos conflitos populacionais no Brasi,l descrito por Machado (1978),
“de risco” que habitavam próximas a pântanos e rios, além da ausência de cemitérios
demonstrada pela enorme concentração que já acontecia nos cemitérios das igrejas. A
poder dos pobres e miseráveis em revoltar-se foi algo que demarcou as primeiras noções
Janeiro, São Paulo e Recife, por serem estratégicos do ponto vista econômico e militar,
noção da doença que circulava pelas avenidas; desde o “louco” que vagava pelos
políticas de saúde pública propunham a ordem urbana, uma ordem moral que buscava
silenciar os pequenos grupos sociais para manter o poder estatal que a república
necessitava.
Machado (1978) relata que foi no século XIX que o Brasil vivenciou a
médica no país, de uma maneira não muito diferenciada das outras experiências
220
mundiais, a começar pela defesa das ciências médicas baseadas na clínica e também
Um outro olhar é defendido por Jurandir Freire Costa que mostrou como a
moralização através do poder estatal era alcançada. “Ordem Médica e Norma Familiar”
é uma literatura clássica sobre a história da Saúde Pública brasileira. Nela, Costa (1999)
afirma que desde o Brasil colônia existiam intenções de Estado em medicalizar suas
ações políticas, reconhecendo o valor político das ações médicas. No Brasil, não foi
através dos pobres que as primeiras demandas por “higiene urbana” surgiam, diz Costa
(1999), mas sim pela pequena aristocracia (burguesia rural) que demandava uma
militarização, suscitou-se o interesse do indivíduo por sua própria saúde. Ou seja, como
social143. Quando a assistência passou das mãos da igreja para os médicos do Estado, a
população se inseria em uma política estatal que previa a atuação médica desde a
Para Jurandir Freire Costa (1999) isso aconteceu de forma processual por
meio da atenção normatizadora às famílias através de um forte controle das ações que,
adultos e crianças, homens e mulheres, pais e filhos, adolescentes...” (Costa, 1999, p.31)
colonial, mostrava-se, ao contrário, os ganhos que podiam ser extraídos das práticas de
143
Os estudos de Foucault em Microfísica do Poder (2000) mostram que através das coletividades, das
relações sociais que a medicina científica se socializou porque a ciência, o saber científico, se socializou.
O Estado teve papel determinante nessa disseminação a medida que capturou o saber comum, vindo do
conhecimento adquirido pela observação e o somou ao discurso científico bélico sistematizado através de
uma racionalidade. A centralização por meio da captura desse saber difundiu um conhecimento – fato que
demarcou um modelo de saúde na modernidade (o nascimento da medicina social). A medicina se tornou
social através de um olhar mais atento ao indivíduo.
221
sujeição ao Estado; c) não mais era cultivado o medo da morte como faziam os
religiosos, mas o fundamental era que a política de saúde disseminasse o gosto pela vida
último, d) não tornou a família uma inimiga, mas sim uma rede composta por diferentes
aliados e, também, por pessoas vulneráveis que deveriam ser convertidas (idem, 1999,
p.31).
Sob o ponto de vista das ações estatais, o Brasil passa a ter como marco
222
A contenção do espaço urbano aparece nesta época através das medidas de
portuárias como Rio de Janeiro, Belém, Santos e Manaus. Por isso, as obras de
saneamento mais antigas do país estão nos centros comerciais dessas cidades (Oliveira,
2005).
sofrida com adoecimentos que deveriam ser combatidos por ações governamentais.
Hochman (2000) ressalta que datam-se desta época os romances sobre o sertanejo
pobre, doente, abandonado, isolado, que desconhece o uso da moeda e que usa
Brasil.
importações tecnológicas para o setor. Oliveira (2005, p.130) relata que a contratação
privada dos serviços foi incentivada na década de 30, visto que a carência por
nascente nos centros urbanos, mas também as oligarquias cafeeiras e outras culturas de
exportação como a borracha e o açúcar. Além disso, nos anos 30 o saneamento passou a
223
ser disputado por duas frações urbanas: a imobiliária e a industrial. A formação do
climáticas tão apregoadas pela medicina tropical que já havia se instalado em território
brasileiro. Uma das primeiras tentativas de integração nacional pela Saúde foi dada por
brasileira em relação à mão-de-obra européia gerou uma falsa justificativa para que as
144
Hochman (2000) relata com o requinte do detalhamento o personagem de Monteiro Lobato, Jeca Tatu,
tão pitoresco e tão representativo sobre o pensamento da época, O personagem era marcado pela
ociosidade, pela ignorância, pelo isolamento. Era o sertanejo que não tinha a posse de terras, nem
condições para o seu próprio trabalho, mas que vivia em comunhão com a natureza. Nele, o homem rural
brasileiro mostrava-se como analfabeto, preguiçoso, nômade, rústico, porém apegado à crenças religiosas.
O caboclo indolente que não se adaptava à civilização assistia o progresso chegar através da valorização
das terras, das ferrovias que eram construídas e dos italianos que vinham para o trabalho.
224
elites políticas incentivassem um programa intenso de imigração como uma saída “mais
Hochman (2000) diz que essa foi uma das alternativas encontradas para que
o Brasil fosse “merecedor” dos recursos estrangeiros que haviam sido solicitados para o
mesmo tempo: a) a solicitação brasileira por recursos financeiros à outros países para o
saneamento das suas cidades, visto que essa atitude preparava o território brasileiro para
Brasil, pois que o país serviu como ponto de fuga para esta população em êxodo após
145
Negri & Cocco (2005) constroem uma importante análise sobre o assunto balizando-se pela ótica do
“êxodo”. “(...) a transição para a industrialização e para o desenvolvimento não se reduz ao deslocamento
das bases da acumulação dos setores agro-exportadores mais dinâmicos em direção à acumulação
industrial, portanto, à busca de uma mão-de-obra moderna (assalariada). A libertação vem (ou acontece)
antes, através das mil formas de êxodo: êxodo dos escravos e dos camponeses pobres (em condições
servis e/ou semi-servis) e êxodo dos imigrantes europeus. O impacto da imigração foi crucial para o
desenvolvimento do trabalho assalariado no Brasil. Assim, a população imigrante formou o primeiro
contingente importante de trabalhadores livres e móveis, na medida em que a formação de um verdadeiro
campesinato não pode acontecer” (Negri & Cocco, 2005, 82). Com o decorrer do tempo, ao chegar ao
governo de Vargas, a Lei de Nacionalização do Trabalho, exigia a entrada de 2/3 de empregados
brasileiros nas indústrias, algo que conteve os fluxos de trabalhadores imigrantes, principalmente após
sua importante atuação na formação dos primeiros sindicatos brasileiros. “Antes de nacionalizar a
produção industrial, nacionaliza-se o processo de proletarização” (idem, 2005, p.91). Muitos desses
trabalhadores foram então mandados para o interior do país, com o intuito de descongestionar os centros
urbanos (idem, p.91).
225
A emergência do discurso sanitarista
denominado por “substituição de importações” pode ser entendido como um dos efeitos
produzidos mundialmente pela “grande depressão” dos anos 30. Através deste modelo,
industrialização destinadas somente a produzir bens que não deveriam ser comprados
saneamento nas zonas agro-exportadoras. O ideal que na época entra em voga, diz
Nunes (1994), era a idéia do círculo vicioso que entendia “pobreza = doença”. Na fase
as populações pobres. Desta forma, abria-se o período de contenção das doenças através
as ações de saúde à medida que a elas atribuiam uma nova racionalidade, isto é, à
pode ser balizado pela chegada do fordismo periférico, o qual o Estado intervencionista
146
Nunes (1994, p.12) caracteriza este período como o da “Saúde Pública desenvolvimentista”, pois o
desenvolvimentismo havia postulado que um dos efeitos do crescimento econômico seria a melhoria nas
condições de saúde.
226
assistência social. Essa característica nacional teve repercussões diretas sobre o aparato
saúde no Brasil surge no ano de 1808, mas foi somente no ano de 1953 que passou a
existir um ministério único voltado para a saúde, com estrutura de órgão governamental
não diretamente relacionada às práticas médicas. O grande saldo deste momento foi a
conjuntura que permeava a quase todos os países da América Latina. Este foi o
difundido entre os países da América Latina através dos órgãos internacionais como a
147
Três anos depois, 1956, surgiu o Departamento de Endemias Rurais. A estrutura de Estado ainda
tentava avançar para o campo e produzir o “desenvolvimento da nação”, isso porque em muitos estados
brasileiros a população rural era maior que a população urbana.
227
OPAS. Esse campo conceitual exigia que a formação do clínico o possibilitasse fornecer
respostas não somente à cura de doenças, mas também à prevenção das mesmas. O
surge como debate porque a higiene como disciplina se instaura na dinâmica da vida.
na sociedade como idéia e conceito (p.115). A função da OPAS foi somente apontar que
uma ordem global. A medicina sobre a vida proporcionaria mais repercussões positivas
aos Estados que a medicina da cura de doenças ou somente a intervenção sobre a morte.
A partir dos estudos de Arouca, Nunes (1994) retoma esta análise e alega
fechava-se em uma visão economicista que se resumia à idéia que planejar era cortar
custos.
228
A primeira formação acadêmica aos profissionais de saúde voltada para o
da época, diz Onocko (2001), traduzida nas literaturas produzidas sobre o planejamento
bem comum e administrador, deveriam acatar as decisões trazidas pelos seus técnicos.
Algo que originou o plano de estruturação dos estados em secretarias de saúde – uma
ter sobre eles produções acadêmicas vindas destes núcleos. Por isso surge a constituição
públicos. Onocko (2001) relata que a OPAS (1965) produziu neste momento um
en salud" que discutia essa transição. Este documento circulou entre os ambientes
229
(que subdividia as decisões entre “técnicas” e “políticas”) e instaurou o modelo de
afirmava como aparelho político responsável pelo fomento para a atuação com grupos
vulneráveis e também como aquele que irá conter os gastos com produtividade, à
230
medida que as ações “em massa” e não somente individuais serão estimuladas148. “A
atenção comunitária tinha um duplo caráter” (Nunes, 1994, p.18). Por trás de uma crise
que surgia no setor saúde, criou-se a imagem que o poder estatal oferecia maior
corporativas. Isto porque o “controle” estatal fechou os olhos para as empresas médicas
era acionado justamente pelo campo da “proteção social”, quando a previdência deixava
de recolher parte da contribuição prevista com gastos para a saúde dos trabalhadores e
que não proporcionou a efetivação do ideal que o crescimento econômico traria uma
148
Alguns autores chegam a afirmar que a “saúde comunitária” era uma nova polícia médica, não nos
moldes daquela que havia sido desenvolvida no século XVIII, mas uma nova modalidade de trabalho
policial mais refinada e menos manifesta (Nunes, 1994).
149
Para entender melhor sobre o assunto ler: Possas, Cristina. Saúde e Trabalho – a crise da previdência
social. SãoPaulo, Editora Hucitec.
231
novos problemas: a desnutrição infantil, os altíssimos índices de analfabetismo, as
como a sua inserção nos debates sobre as instituições estatais. Os primeiros textos com
adaptado à América Latina e traduzido para a Saúde através dos textos de Asa Cristina
Laurell. Ou seja, a transição dos últimos anos da década de 60 são tempos fecundos para
232
O público e o privado
industrial da saúde atende a duas realidades da época: uma delas diz respeito à medicina
moderna, que passa a funcionar amparada pelo amplo uso de recursos tecnológicos e
terapêutica de muitas doenças também representavam uma grande conquista que não
233
(...) não só a velocidade e a taxa de renovação de novos produtos
tiveram grande inflexão, como também existiu a necessidade de
se criar novas especialidades e especialistas, que pudessem
utilizar os novos equipamentos e atender à demanda dos usuários
de forma eficiente (Vianna, 1993, p.02).
consideradas eficazes. Com isso, os custos sobre os serviços cresceram de forma tão
veloz quanto o ritmo das inovações. Esta realidade perpassou a todos os países do
mundo que viveram a industrialização dos seus sistemas de saúde, de tal forma que o
complexo médico industrial tornou-se uma ordem global. Isto é, a mundialização das
Essa composição de um cenário global apontava para o fato que a industrialização havia
setores que o objetivo do lucro não é colocado como finalidade, as relações passam pela
da produção ampliada, mais precisamente, através das políticas públicas, que esse ideal
234
tecnologia; assim como; também é neste âmbito que surgem as inovações150 – tanto
ascensão através das primeiras pistas deixadas pela crise da previdência e da assistência
consigo a crise das políticas sociais de um país que nunca vivenciou um Estado de
população sem acesso aos serviços de saúde. Algo que Wandeley Guilherme dos Santos
então individualizados, centrados na clínica, visto que privados, reforça uma cultura da
poder aquisitivo.
150
Carlos Gadelha (2003) em um artigo intitulado “O complexo industrial da saúde e a necessidade de
um enfoque dinâmico na economia da saúde” mostra que em vários países com industrialização avançada
é comum que hospitais, universidades e empresas criem parcerias para dinamizar a produção de ciência e
tecnologia na saúde, envolvendo financiamentos e incentivos que estabelecem verdadeiras políticas
comerciais de propriedade intelectual.
151
Pode-se resumir, a grosso modo, que a Previdência inicia sua história com as Caixas de
Aposentadorias e Pensões por categorias profissionais (1923) e foi unificada pelo Estado através dos
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP´s) na década de 30 (“minando” todas as formas de
solidariedade de classe). Somente a expansão progressiva da indústria farmacêutica e das atividades da
medicina permitiram que os IAP´s se tornassem uma indústria da medicina de massa. Os Institutos foram
sendo agrupados até a criação do Instituto Nacional de Previdência Social e, em seguida, o Ministério da
Previdência e Assistência Social na década de 70.
235
todas as políticas referentes à saúde em um só ministério. O Instituto, pertencente ao
INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que sustentou durante muitos anos a
rede hospitalar privada e também a rede periférica que surgia de pequenas clínicas
formadas por pequenos grupos de médicos, visto que tinham a previdência social como
forma muito semelhante; pois que os serviços privados se introduziam com facilidade
dentro do sistema público e o próprio modo de gestão da Saúde começa a apontar para
uma transição nos seus sistemas de gestão. Nas instituições públicas era preciso saber
transitar pelas diferentes formas de contratos de trabalho e por serviços que passariam,
de uma só vez, a tornarem-se privados. A previdência 153 ministrava toda essa rede
152
Cristina Possas (1989) construiu uma análise estruturada sob a ótica do trabalho para este movimento
do Estado rumo a completa privatização das ações. Para a autora, a privatização dos serviços de saúde em
massa só se tornou possível porque a “medicina de grupo” se responsabilizou pela prestação de serviços
médicos às empresas, garantindo uma rápida recuperação do trabalhador doente para o retorno ao
trabalho. Os “convênios médicos” objetivavam evitar que essa gama de trabalhadores procurasse a
previdência, pois seriam alvo de medidas “benevolentes”. Por meio desses convênios o controle da mão-
de-obra seria muito maior, pois garantia-se a rápida re-inserção desse trabalhador ao trabalho, mesmo
doente ou acidentado, através de exames que previam um controle periódico (p.267). No entanto, de
qualquer forma, com a privatização dos serviços ou sob a “guarda” das ações estatais, é sobre o controle
da força produtiva que se direcionam as ações. Também não seria o Estado aquele que resguardaria os
trabalhadores de uma industrialização adoecedora e causadora de inúmeras mortes no trabalho durante a
década de 70. Ao contrário, o Estado precisava que esta força de trabalho retornasse ao emprego, mesmo
doente, para movimentar o setor produtivo industrial, tornando o operário massa mantenedor do pleno
emprego, e, só por isso permitiu a privatização das ações. A assistência, desta forma, cumpria a sua
função de ampliação da capacidade produtiva.
153
Ao final da década de 70 a Previdência Social era composta pelos seguintes órgãos: INPS - Instituto
Nacional da Previdência Social, responsável pela concessão e pagamento de benefícios aos segurados;
IAPAS - Instituto de Administração Financeira da Previdência Social, responsável pela administração
financeira e patrimonial; INAMPS - Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social fazia
a assistência médico-odontológica dos segurados e da população em geral. E o DATAPREV - Empresa
de Processamento de Dados da Previdência Social.
236
Se por um lado a criação de um sistema que unificou os Institutos de
verdadeiros “viadutos” para a formação dos principais canais de corrupção nas políticas
instituições tão grandes e com tanto poder de controle sobre os trabalhadores passou a
“direito”.
saúde pública, medicina preventiva e social deu origem a um paradigma que postulava
237
hierarquização dos serviços. Além disso, o movimento apregoava a necessidade de
(Paim, 1997).
qualquer figura de delegação e reapropriação do poder. Isto porque compunha uma luta
maior, precedida por Maio de 68, quando todas as formas de disciplinamento foram
155
Nunes (1994) afirma que a sociologia funcionalista foi uma das primeiras correntes a compor os
aportes conceituais da Saúde Coletiva, através do entendimento que a sociedade deveria ser harmônica.
Na mesma década, o estudo sobre a literatura marxista embasou os “sanitaristas” a afirmarem que as
doenças eram socialmente determinadas. Para lançar mão da metodologia marxista a primeira
compreensão era que a dinâmica social precisava ser historicizada, portanto, um objeto de análise estava
em constante construção.
156
Em 1988, o CEBES juntamente com a Editora Hucitec lançou uma coletânea para melhor debater
sobre o assunto: “Reforma Sanitária: Itália e Brasil” foi organizada por Berlinguer, G.; Teixeira, S.F; e
Campos, G.W.S.
238
estruturava a partir da crise deste sistema produtivo; e essa crise deu origem a um novo
mostra que o comando capitalista, portanto, não conseguiria capturar toda a dinâmica da
vida, mesmo que a dimensão social dela seja totalmente incorporada e determinante às
então pôde contar com a participação de novos sujeitos sociais na discussão, visto que
suas exigências eram por democracia e por melhores condições de vida para a
um produto das relações sociais. “As práticas de saúde se dão sobre e no coletivo ao
mesmo tempo em que passam a se configurar como práticas coletivas de saúde” (Cohn
formação do campo da Saúde Coletiva como aquele que entende que “ao se submeterem
239
nesta nova dimensão social não era a visão de um sujeito autômato, disciplinado,
que estudavam o trabalho dos próprios trabalhadores da saúde, não somente sobre o
aspecto das suas condições laborativas, mas também pela inserção política nas
realidade. O debate teórico sobre a dimensão que o Trabalho ocupava sobre a Saúde foi
recuperado nas obras de Asa Cristina Laurell (México) e Giovani Berlinguer (Itália), o
campo da saúde, momento em que se apropriavam dos estudos feitos sobre Marx.
exemplo, é vista sob a dimensão do trabalho vivo, algo que se constitui em ato. Por isso
o autor desenvolveu o conceito que todo processo de trabalho em saúde é algo coletivo,
para o setor sob o título de “Reforma Psiquiátrica”, introduzindo como principal luta a
157
A expressão é retirada do artigo de Merhy (1997) no livro “Saúde e Democracia – a luta do CEBES”.
240
denunciava as condições precárias que eram submetidos os pacientes dos hospitais
eram submetidos quando asilados dentro dos hospícios (Amarante, 1997). O movimento
que eram centrais para os sanitaristas: a primeira era a inversão da política nacional de
saúde mental, que não deveria ficar somente sob o âmbito das clínicas e hospitais
privados – como era reforçado pelo Estado na época; a segunda pleiteava alternativas
Visto a partir desses dois aspectos, o que entrava em questão, portanto, era a
privatização dos serviços de saúde pública e que defendessem a saúde no sentido amplo
da vida.
sanitarista marcou a transição democrática da saúde pública vivida na década de 80. Dos
atores que entraram em cena neste contexto, pode-se destacar: os profissionais de saúde,
de sujeitos que não estavam ligados a uma dimensão da “classe produtiva”, mas dentro
241
Dois momentos históricos distinguem o cenário que iniciou a abertura
(1979) que permitiu o retorno dos exilados ao país e a recuperação dos direitos políticos
totalmente por bases sindicais (1981). Na época, o partido ganhou adesão imediata de
intelectuais e legitimou-se após as greves dos trabalhadores160 do ABC paulista nos anos
rurais e urbanas, além das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) (Bravo, 1996, p.50).
(1979) organizada pelos sindicatos; “Movimento de Saúde da Zona Leste de São Paulo”
Deputados em Brasília e que contou com cerca de 800 participantes, dentre eles
que deu novo significado para a Saúde dentro do âmbito do Legislativo. O “I Encontro
com três mil pessoas que vinham de associações de moradores. Por último, a
(CNBB) em 1981. O encontro aconteceu na PUC-SP e foi apoiado pelo sindicato dos
160
O movimento sindical se consolidou neste período. A dinâmica do ABC se espalhou para outras
regiões do país e também para fora do setor fabril; pois que na mesma época desencadeiam-se greves
entre os trabalhadores da construção civil, agroindústria, professores e médicos dos serviços públicos. Em
1981 realizou-se a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), que havia sido
proposta desde 1977. A conferência trouxe a proposta de criação da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) (Bravo, 1996, p.53).
242
médicos, associação dos médicos residentes de São Paulo, CEBES e vários sindicatos
englobavam-se muitas lutas e isso deu legitimidade para que enviassem um documento
Saúde.
proposta de implantação de ações integradas de saúde, mas para isso seria necessário a
movimento de reforma sanitária. Essa transição democrática deu início a uma reforma
161
A VIII Conferência Nacional de Saúde aconteceu em março de 1986 em Brasília e contou com a
participação de quatro mil e quinhentas pessoas, destas, 50% eram usuários da saúde. No mesmo ano,
pela primeira vez ouviu-se o termo “Movimento da Reforma Sanitária” em substituição ao habitual
termo “movimento sanitarista”, nascido dentro das faculdades de medicina preventiva e social ou de
saúde pública. Ao final do período ditatorial as conferências nacionais de saúde voltaram a ser um espaço
de debates. Informação retirada do site: <http://bvsarouca.cict.fiocruz.br/sanitarista05.html>. No seu
relatório final constava que a saúde era “resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a
serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as
quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-
se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento,
devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas” (Relatório final in Bravo, 1996, p.77).
243
A VIII Conferência, devido seu grande valor histórico, até hoje é chamada
pela “constituinte da saúde”. No texto de seu relatório final continha a síntese do que
texto que futuramente entraria quase por completo na Constituição Federal de 1988.
244
4.4 - Democratização da Saúde, produção do Comum
Único de Saúde fechou um ciclo de lutas sociais comprovando que a saúde coletiva não
era uma política de Estado, mas sim dos movimentos. A democratização dos serviços
por meio da descentralização das ações somente fez por radicalizar o movimento que
pública. Pode-se afirmar que o SUS162 não foi uma vitória das políticas de proteção
social estatais, mas sim uma vitória dos movimentos pela democratização da saúde
pública, expresso através da rede de lutas sociais que se denominou por “movimento da
tornar a saúde uma política dos movimentos, o SUS tornou-se um sistema respeitado
pelos seus técnicos e reverenciado pela sua constituição democrática. A luta da reforma
sanitária não era por mais intervenção do Estado na Saúde Pública, mas sim por mais
participação dos atores sociais para a construção de uma saúde pública democrática. A
política não deveria ser constituída primeiro pelo Estado e depois pelos movimentos. Ao
162
“O avanço dos debates sobre a saúde consolida a proposta da descentralização como única alternativa
para a constituição de um sistema de saúde adequado Às reais necessidades da população, viabilizando
sua universalização e equidade [...] a proposta de unificar o sistema de saúde sob a égide do setor público,
com comando único em cada esfera de poder (federal, estadual, municipal) é contemplado na
Constituição Federal de 88. Dentre suas diretrizes gerais, destacam-se: a descentralização, a
universalização, a equidade e a garantia do controle social através dos conselhos de saúde” (Cohn &
Elias, 1988, p.49).
245
e teve continuidade no período ditatorial. A Saúde no Brasil passou pela verdadeira
década de 90. O neoliberalismo gerou uma falsa interpretação sobre a falência das
políticas públicas que deveriam então ser compensadas pelo mercado. Se a questão
estrutural era a dificuldade do acesso aos direitos, instaurou-se uma dinâmica em que ter
acesso significava ser consumidor. “Nos anos 90 tem a transição de uma ditadura para
que não mais teriam o Estado corporativo e tecnocrático como único inimigo a ser
combatido. Nem mesmo o Estado seria o espaço ideal para as mobilizações, pois este
não seria um objetivo alcançável pelos movimentos a partir das lutas. O neoliberalismo
se instaurou como uma ordem global, que na saúde se expressava pelo crescimento
exorbitante dos planos de saúde, o aumento dos preços dos medicamentos devido a
246
social difusa” (Negri & Cocco, 2005, p.34). Isso evidencia que novos processos
Isto é, um novo ciclo de lutas sociais se abre para a saúde. Lutas que se
Coletiva passam a ser demarcados por categorias que se propõem a discutir a produção
seja, o Sanitarismo está para a Saúde assim como o Fordismo está para o Trabalho. A
novo lugar ocupado pela “Saúde Coletiva”. As ferramentas criadas funcionam cada vez
mais como próteses humanas integradas ao corpo dos trabalhadores da saúde como uma
que geram o contato e a interação. A primeira condição para que essa ruptura
seja, a natureza humana não se separa da natureza como um todo; não existe uma
fronteira fixa entre o homem e a máquina, entre o homem e o animal, entre o masculino
afetos que produzem são apesar disso, imateriais” (Hardt & Negri, 2001, p.314). Por
247
isso, as relações não foram empobrecidas pela compreensão do indivíduo social como
humana, pela ação instrumental que une a economia às diversas formas de manifestação
poder de agir.
práticas terapêuticas integrais seja o resultado de uma inteligência coletiva, de algo que
mais amplo como vida. É no trabalho vivo produzido que se fundamenta a produção do
“Comum”.
mais sublimes de produção da vida que entram em ação no trabalho em saúde; do toque
por uma atitude. A própria vida tende a ser completamente investida por atos de
163
“O cuidado no campo as saúde é sua própria razão de ser. É o meio e o fim das ações desenvolvidas
pelos profissionais que atuam no campo” (Alves in Mattos e Pinheiro, 2005).
248
O campo da Saúde Coletiva reforça que a valorização deste trabalho se dá
familiar, o amigo ou outro responsável que passa pelo treinamento científico para
de saúde, a Saúde Coletiva tomou para si uma política de execução da estratégia voltada
hospitais e torná-las próximas aos serviços de saúde regionalizados. Não que o território
a grupos sociais vulneráveis, mas sim um modelo de território inclusivo a partir dos
serviços de saúde.
164
O hospital atual é um lugar repleto de “cuidadores profissionalizados”. Os familiares são “treinados” a
serem cuidadores. Já os voluntários cumprem funções de cuidado seja no trabalho de recreação ou até
mesmo de cuidados espirituais como já é previsto pelo Ministério da Saúde ao campo dos “Cuidados
Paliativos”. As Doulas fazem o trabalho das antigas parteiras, baseado em conhecimentos práticos
aprendidos na vivência familiar ou mesmo comunitária – acompanham mulheres no momento do parto
com a função de “facilitadoras” para obter um parto mais “humanizado”. Toda a tecnologia do cuidado
que vem sendo gerada é a tentativa de gerar o “humano”, a “vida”, ou o “afeto”.
249
partir do seu pertencimento à dinâmica da região. Da sua rotina de “morador” e
comunidade”, mais especificamente, sobre a sua comunidade. Ele deve transitar pelo
território, ser conhecido para ter permissão ao entrar com a “grife” da Saúde na casa das
comum e então a casa é passível de ser mapeada pela Saúde. Para o agente não é
necessário um saber científico normalizado pela universidade, basta a ele ser comum.
Ter o domínio sobre o tempo da vida naquele espaço; conhecer a realidade do trabalho
desenvolvido por aquele território, ser parte dos costumes, dos hábitos regionais e
familiares. O agente comunitário sai das Unidades de Saúde todos os dias em busca da
captura ao “Comum”.
serem usados como ferramentas numa caixa; são bases comuns à criação de práticas
de suas expressões. Assim, o produto produzido pela Saúde é o próprio ato em si. A
250
capacidade do trabalhador da saúde em fazer ou produzir vincula-se às suas próprias
comum é uma produção social biopolítica (Hardt & Negri, p.266/267, 2005). Esse é o
principal traço que marca a passagem da Saúde Pública à Saúde Coletiva. O comum é
social, portanto, coletivo – tornou-se então aquilo que dá nome ao campo: Saúde
Coletiva. Constituiu-se uma transição das lutas sociais na saúde que se desloca “do
gerado pelos sanitaristas foi a crise de seus próprios referenciais e assim, a Saúde
concepção formulada pela Saúde Coletiva reflete um movimento que dialoga com o
novo e ao mesmo tempo com práticas tradicionais; traduzem hábitos, estilos, sonhos,
são se trata de uma crítica a toda tecnologia produzida pelos sanitaristas, ao contrário.
Somente o acúmulo técnico produzido pelo movimento de reforma sanitária pode servir
de sustentação para o entendimento que a biopolítica da saúde é a luta para não deixar
conhecimento produzido, pois as dimensões mais comuns da vida tem se tornado cada
251
vez mais uma propriedade privada. Na década de noventa, uma das principais lutas
indústria farmacêutica passou por embates mundiais em torno da luta por quebra de
patentes. Esses embates se dão de maneira difusa, visto que também é difusa a
escala mundial. No Brasil, tornou-se uma das principais agendas de governo em prol de
mundial da saúde. A luta dos movimentos sociais globais somada ao trabalho de ONG´s
internacionais gera um impasse entre os países ricos com alto poder de questionamento
à “Rodada de Doha”, defendendo que o valor atribuído à patente é revertido para que os
Fronteiras” constatou-se que apenas 10% dos gastos com pesquisas em saúde destinam-
se para as doenças que representam 90% das enfermidades mundiais, a maioria delas
são doenças típicas dos países pobres. A produção africana, por exemplo, representa
população dizimada por doenças as quais a cura já é sabida165. Com custos altíssimos
165
A informação foi retirada do site: <http://www.msf.org.br/informativos/>.
252
para os países pobres, medicamentos essenciais passam a ser considerados inatingíveis
políticas de saúde para os países do sul. Após o processo constituinte vivenciado pela
que visam a democratização das políticas de saúde na América do Sul. A alternativa tem
sociais. E, com isto, o hemisfério sul virou uma “tendência”, não mais a velha
civilização européia.
que compõem o Mercosul, através do SGT-11, por outro lado, confirmam que não
existe mais “um lado de fora” no mercado mundial, visto que os conflitos sociais e
econômicos atravessam todos os níveis dos países e blocos mundiais (entre o centro e a
periferia, mas também no centro e na periferia) (Negri & Cocco, 2005, p.34). Perde-se o
necessárias.
vem sendo puxado pela própria Organização Mundial da Saúde. As questões que
253
demarcam a saúde nas fronteiras foram retomadas com afinco nesta última década,
evidenciando que as barreiras nacionais precisavam ser retomadas como espaço de lutas
surgiu na década de 90 como algo novo, apresentando falsas respostas para uma questão
que a América do sul está apenas re-iniciando com um novo aspecto: os fluxos
problemas como resposta à novas questões. Certamente não seria pela criação de novas
barreiras sanitárias que fariam brotar soluções ao “contágio universal” das doenças em
épocas de Império. Por isso, deve-se atentar para o campo das novas lutas sociais, pois
que demonstram, diante das novas tecnologias do poder, que esse outro ciclo de lutas
aberto em Seattle e aportado em Porto Alegre indicam diversos caminhos, mas um deles
254
CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais uma forma de entender que esses deslocamentos formam as evidências de uma
favorável para a virada à esquerda em quase todos os países do Sul, que vivenciaram a
tão pouco tempo uma ditadura militar em série. O novo ciclo de lutas globais que se
abre demonstra que as alternativas para a criação de mais espaços democráticos estão
nos movimentos vindos da Multidão. O Mercosul, apesar de ser um acordo com quase
20 anos, começa a dar seus passos integradores somente agora, com um momento
democrático favorável à formação de relações de cooperação. Como nos diz Negri &
movimento que sustente em todo o mundo a ação autônoma dos movimentos e dos
movimentos que se formam na América Latina. Novos atores entram em cena através
por exemplo a Índia, a África do Sul ou os países asiáticos. O cone sul desperta para o
255
outro lado do planeta, como alternativa política e fuga de um comando único. Estamos
solução para os nossos antigos problemas sociais não virá do capital externo americano,
da defesa do Estado nacional e nem mesmo das preocupações européias com nossos
produtos em circulação pelo livre comércio do sul; mas sim através de acordos que nos
tornam mais ativos no fornecimento de respostas vindas de nossas próprias redes sociais
Mercosul é o entendimento que esta pactuação deve zelar pela sua interdependência e
ceticismo armazenado que não permite a alguns acreditar plenamente nos acordos feitos
entre os vizinhos “periféricos”, isso porque ainda se apregoa uma “perda de soberania”
sentimento que o Estado deve ser mais ofensivo em suas ações, visando principalmente
a competição e não a cooperação de suas forças produtivas 166. No Brasil, é sabido que os
seus dispositivos estatais sempre funcionaram como instrumento das elites para a
além da relação de capital nacional e além da relação de dependência, mas sim uma
166
“As velhas ideologias segundo e terceiro-mundistas da reforma e da revolução são varridas. Os
dogmáticos, a esse respeito, só sabem se lamentar e denunciar traições ou ilusões (Negri & Cocco, p.209,
2005).
256
Mercosul tem se tornado a teoria e a prática de uma base política autônoma dos
Para a constituição dessa base política, uma alternativa foi compor a pauta
nacionais referentes à atenção à saúde mostra-se como uma saída mais protecionista
mais reduzidos entre os países do cone sul. A atenção à saúde de pessoas que circulam
serviram para acumular capital político e demonstrar atitudes de resistência aos grandes
A partir dela a arena se abriu para vários outros pontos de discussão: o acesso aos
257
trabalhadores da saúde reivindicando o direito a deslocar-se. A livre circulação de
demanda por direitos trabalhistas iguais em qualquer parte do cone sul, fizeram dos
trabalhadores da saúde porta-vozes de algo muito maior: o direito a livre circulação, que
financiamento para pesquisas que capturavam a cada uma das potências de qualquer
uma série de outras discussões mais políticas no campo da saúde – estes eram os ativos
sociais.
pelos novos ciclos de lutas globais. É preciso estar atento à estes novos movimentos
258
comprovações para indicar que é preciso lutar duplamente em tempos de Império. As
novas lutas são compostas por uma rede de movimentos que trazem peculiaridades tão
locais, mas ao mesmo tempo atuam conectadas mundialmente. Nesta rede está a
o poder tornou-se difuso e sem rosto. Que o primeiro e o terceiro mundo estão juntos
em todos os lugares. Que lutar pela saúde é defender a vida de muitas populações.
conhecidos. A indústria farmacêutica e suas inovações são tão globais quanto o ato de
dizimar territórios pobres por falta de água, medicamento, alimentos, ou por não ter a
posse sobre o conhecimento produzido e privatizado por meio das patentes. Seattle
esquerda que chegou em bloco ao cone sul. Representados pelas causas ligadas à terra, à
de suas contestações, demonstrando que suas causas não são únicas por movimento,
mas são múltiplas e estão dentro de muitos movimentos. O devir desta transição
ponto de vista de suas ações e mais imaterial nos seus produtos torna-se a chave da
259
questão que precisava ser desvendada. No trabalho da saúde estão imbuídas relações
mais abstrata traz dentro dele a potência de agir, pois tece relações de cooperação
produção biopolítica nele não pode ser medida. Pensar a circulação de profissionais da
Algo que não é tão simples e que certamente não se pactuaria no Mercosul neste
momento, mas demonstrou que muitas alternativas de cooperação podem ser apontadas,
acontecido no Brasil gerou um por vir que produziu o campo da Saúde Coletiva repleto
sustentar o crescimento de mais espaços democráticos para a Saúde. A resposta está nos
movimentos: as lutas são por mais democracia. É a democracia que deve vir antes do
Estado, fundamentalmente.
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