Estudo Das Palavras Gaguejadas - Unlocked
Estudo Das Palavras Gaguejadas - Unlocked
Estudo Das Palavras Gaguejadas - Unlocked
PORTO ALEGRE
2009
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PORTO ALEGRE
2009
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AGRADECIMENTOS
O que é importante? É aquilo que vai contribuir diretamente para os nossos objetivos.
O grau de importância dá-nos pistas para a quantidade de energia e dedicação a atribuir à
tarefa. Ao definir o que é mais importante: valores, ética, conhecimento, o que se deseja para
a vida inteira, fazemos escolhas.
O que é urgente? É aquilo que tem um prazo de finalização imediato. O grau de
urgência nos obriga a decidir sobre estratégias para atingir os objetivos de forma eficaz e pró-
ativa 1 .
Por isso, não há quantidade suficiente de muito obrigadas a dizer a todas as pessoas
que estiveram junto comigo nas várias prioridades, urgências e importâncias, ao longo de uma
história profissional de mais de 30 anos na Fonoaudiologia. Assim:
Agradeço muito aos que muitas vezes perguntaram "ainda não terminou essa tese?" Bem,
agora já.
Agradeço muito aos que não me deixaram descansar. Ainda bem, desafios são mesmo para
serem enfrentados.
Agradeço muito aos que (sem querer?) atrapalharam. Afinal, atrapalhações não ameaçam. Só
aumentam a lista dos desafios e afinam a percepção.
1
Baseado em Wagner, J. A Arte de Planejar o Tempo. Porto Alegre, Literalis, 2003.
4
Agradeço muito aos que não desistiram de esperar por tempos em que eu tivesse menos
urgências e importâncias. Vamos lá!
Agradeço muito aos que lá atrás perguntaram "doutorado a essa altura da vida?" E vida lá tem
altura? Como diz Guimarães, o Rosa, "a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem"...
Agradeço muitíssimo aos imprescindíveis Cladis e Carlos (in memorian); Heloisa, João
Carlos, Fernando Maurício e Eduardo Augusto (também in memorian).
Agradeço muito à Profa. Dra. Ana Maria Stahl Zilles que compreendeu as urgências e
importâncias e aceitou o meu desafio de desbravar áreas afins. Sua orientação ampliou a
minha compreensão dos fenômenos linguísticos nas suas relações com os fenômenos
fonoaudiológicos.
Agradeço muito à Profa. Dra. Maria Luíza Becker pelos valiosos insumos na Qualificação.
Agradeço muito à Profa. Dra. Luciene Juliano Simões por ter acompanhado a trajetória da
qualificação à defesa.
Agradeço muito à Fonoaudióloga Mestre Ignês da Silva Maia Ribeiro, do Instituto Brasileiro
de Fluência - IBF, pelo cuidado, pela sintonia, pelo que já foi e, principalmente, pelo que virá.
Agradeço muito à Dra. Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt pelas leituras críticas das idéias
iniciais, pelas indicações de literatura e preciosas sugestões ao longo do trabalho.
Agradeço muito aos Bibliotecários Mara Lúcia Alves Leitão Corrêa e Roberto Tadeu da Silva
por suas diligentes buscas para suprir as necessidades da literatura específica.
Agradeço muito à Fonoaudióloga Martha Motta Kessler pela trajetória e pelo auxílio em parte
das transcrições.
Agradeço muitíssimo à Dra. Cristiane Moço Canhetti de Oliveira pelo que seu trabalho
representa na interface entre a genética e os distúrbios de fluência no país. É uma honra tê-la
na Banca.
RESUMO
Gagueira usualmente inicia ao redor dos três anos de idade, durante o período da aquisição da
linguagem, quando as habilidades fonoarticulatórias são adquiridas e expandidas. Isso não é
uma simples coincidência. Há muitas conexões e interações entre o desenvolvimento da
linguagem e a emergência da gagueira na criança. Para verificar as características das palavras
gaguejadas por adultos e crianças falantes do Português Brasileiro, quatro hipóteses foram
levantadas e os objetivos para testá-las foram: 1) investigar a localização das gagueiras nas
palavras, a classificação silábica e a tonicidade, as tipologias mais frequentes, e a influência
do gênero e da faixa etária; 2) verificar o efeito do tempo nas características das palavras
gaguejadas (foram escolhidos quatro quinquênios: 1986-1990; 1991-1995; 1996-2000 e
2001-2005); 3) verificar as semelhanças e diferenças entre hesitações normais e gagueira, e
4) desenvolver uma metodologia facilitadora da transcrição e da análise de frequência das
palavras coletadas. Foram transcritas as primeiras 100 palavras faladas por sujeitos sem
tratamento prévio, na primeira entrevista, num total de 12000 palavras faladas por 60 adultos
e 60 crianças, das quais 1326 eram gaguejadas. Um programa de Semântica Eletrônica foi
criado para verificar a frequência das ocorrências. Nenhuma diferença significativa foi
revelada pela análise estatística entre todas as variáveis investigadas. Bloqueios e repetições
foram mais frequentes do que prolongamentos e as gagueiras localizaram-se em 97% das
primeiras sílabas das palavras. Extensão e tonicidade silábica não influenciaram a posição da
gagueira na palavra. Gênero e faixa etária, assim como o tempo também não mudaram as
características das palavras gaguejadas. As características das palavras gaguejadas em 2005
são as mesmas das palavras gaguejadas em 1986. Entre as hesitações normais e a gagueira, as
semelhanças foram menores que as diferenças. Hesitações ocorrem entre palavras e gagueiras
ocorrem dentro das palavras. O programa de Semântica Eletrônica se mostrou altamente
facilitador para a análise da frequência das palavras coletadas. A regularidade encontrada não
é das pessoas que gaguejam. A regularidade da gagueira é a regularidade da linguagem.
ABSTRACT
Stuttering usually begins around three years of age, during the language acquisition time,
when the speech-language skills are acquired and expanded. This is not a simple coincidence.
There are many connections and interactions between language development and the
emergence of stuttering in children. To check the characteristics of words stuttered by adults
and children speakers of Brazilian Portuguese, four hypotheses were developed and the goals
to test them were: 1) to investigate the stuttering location in words, the syllabic classification
and stress, the most common types, and the influence of gender and age group; 2) to
determine the effect of time on the characteristics of stuttered words (four year periods were
chosen: 1986-1990, 1991-1995, 1996-2000 and 2001-2005); 3) to verify the similarities and
differences between normal hesitation and stuttering, and 4) to develop a methodology to
facilitate the transcription and analysis of collected words, through a Semantic Web program.
The first 100 words spoken by not previously treated subjects, during their first interview,
were recorded and transcribed. From the 12,000 words spoken by 60 adults and 60 children,
1,326 were stuttered. An Electronic Semantics program was created to verify the frequency of
occurrences. Results: No significant differences were revealed by the statistical analysis for
all variables investigated. Blocks and repetitions were more frequent than prolongations;
stutterings were located 97% of the time on the first syllables of words. Extension and
syllabic stress did not influence the position of stuttering on the word. Gender and age, as well
as time, did not change the characteristics of stuttered words. The characteristics of the
stuttered words of 2005 are the same as the stuttered words of 1986. Among normal
hesitations and stuttering, there were more differences than similarities. The Electronic
Semantic program was highly efficient for transcription and analysis of frequency of the
collected words. The found regularity of results is not from the people who stutter. The
regularity of stuttering is the regularity of language.
SUMÁRIO
página
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1 SOBRE A FLUÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.a O que é mesmo fluência? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.b Componentes da fluência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3 SOBRE AS HESITAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.a Caracterização das hesitações no falante fluente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.b Comparação entre hesitações e gagueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
página
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................... 67
5.a Sobre a Hipótese 1 ....................................... 67
5.a1 Tipologia Geral e Tempo ............................... 67
5.a2 Gagueiras e Faixa Etária no Tempo ....................... 71
5.a3 Gênero e Tempo ..................................... 73
5.a4 Faixa Etária, Gênero e Tempo .......................... 76
5.a5 Faixa Etária e Tipologia Geral .......................... 78
5.a6 Tipologia Específica .................................. 82
5.a7 Discussão .......................................... 89
5.a.8 Conclusão da Hipótese 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
5.b Sobre a Hipótese 2 ....................................... 94
5.b1 Extensão da palavra em todo tempo de coleta . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
5.b2 Gagueira em cada quinquênio de acordo com a extensão da palavra 96
5.b3 Extensão da palavra e faixa etária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
5.b4 Extensão da palavra e gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
5.b5 Extensão da palavra, gênero e faixa etária . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
5.b6 Extensão da palavra e tipologia geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
5.b7 Extensão da palavra, faixa etária e tipologia geral . . . . . . . . . . . . 108
5.b8 Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
5.b9 Conclusão da Hipótese 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
5.c Sobre a hipótese 3 ........................................ 117
5.c1 Tonicidade .......................................... 117
5.c2 Tonicidade e número de sílabas na palavra . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
5.c3 Tonicidade e tipologia geral ............................ 124
5.c4 Tonicidade e faixa etária ............................... 127
5.c5 Tonicidade e gênero .................................. 129
5.c6 Discussão .......................................... 132
5.c7 Conclusão da Hipótese 3 ............................... 134
5.d Sobre a hipótese 4 ....................................... 135
5.d1 Posição silábica ...................................... 135
5.d2 Tonicidade silábica e gagueiras em primeira sílaba . . . . . . . . . . . 139
5.d3 Faixa etária e posição silábica ........................... 141
5.d4 Gênero e Posição silábica .............................. 143
5.d5 Posição silábica, faixa etária e gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
5.d6 Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
5.d7 Conclusão da Hipótese 4 ............................... 151
5.e O caso dos monossílabos .................................. 152
5.e1 Monossílabos e Faixa Etária ............................ 157
5.e2 Tonicidade dos Monossílabos ........................... 160
5.e3 Classe Morfológica dos Monossílabos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
5.e4 Discussão ........................................... 166
11
página
5.f Comparações entre hesitações e gagueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
INDÍCE DE TABELAS
página
Tabela 1 - Caracterização dos Sujeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
página
Tabela 15 - Frequência de ocorrência de tipologias específicas no
quinquênio 1986-1990 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
página
Tabela 29 - Extensão da palavra, número de ocorrências masculinas
e femininas analisados pelo Teste Mann-Whitney . . . . . . . . . . . . 102
página
Tabela 44 - Médias, intervalos de confiança e desvios-padrão
para tonicidade, tipologia geral e tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
página
Tabela 61 - Frequência de monossílabas átonas em adultos . . . . . . . . . . . . . . 154
ÍNDICE DE GRÁFICOS
página
Gráfico 1 - Síntese das coletas individuais da Tipologia Geral
nos quatro quinquênios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Gráfico 17 - Extensão das palavras gaguejadas x gênero x faixa etária ....... 105
18
página
Gráfico 18 - Extensão das palavras gaguejadas e tipologia geral ......... 106
página
Gráfico 37 - Posição silábica das gagueiras e gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
ÍNDICE DE QUADROS
página
Quadro 1 - Comparações entre a classificação das hesitações e disfluências
em duas linhas de pesquisa (in Merlo, 2006) . . . . . . . . . . . . . . . 55
ÍNDICE DE FIGURAS
página
Figura 1 - Núcleos da base no cérebro ............................. 39
INTRODUÇÃO
Discussão. Antes deste relato, porém, nos capítulos de 1 a 3 se faz uma incursão sobre os
referenciais teóricos que fundamentam o que é a fluência, a gagueira, as hesitações
consideradas normais e suas comparações com gagueiras. No capítulo 4 estão os
procedimentos metodológicos da investigação e da análise dos dados coletados e as
considerações finais resumem os achados e instigam possibilidades de novas pesquisas.
24
1 SOBRE A FLUÊNCIA
Starkweather (1987) diz que intuitivamente sente-se que o falante fluente pode falar
de uma maneira fluída e relaxada, em uma velocidade rápida e seguindo o ritmo. De fato, o
nível de habilidade necessária para falar sequenciadamente é bastante alto. Mas as pessoas
sequenciais, como tocar um instrumento musical. Isso deve significar que os seres humanos
são naturalmente capazes de adquirir esse alto nível. O falante “normal” nem sempre procede
de forma fluente, embora haja uma diferença distinta entre as não fluências encontradas na
respiratórias, pausas silenciosas, ahns e hums, cerca de 71% de repetições de palavras, 17%
(2000) pesquisaram os padrões de fluência em adultos brasileiros. Concluíram que uma fala
10% de descontinuidade de fala, de 0,2% a 0,7% de sílabas gaguejadas, de 219 a 257 sílabas
(Andrade et al., 2000). As rupturas do fluxo de fala avaliadas no teste são chamadas
segmentos.
De forma similar, de acordo com Ratner (1997), crianças que gaguejam têm
habilidades de linguagem levemente abaixo do esperado para suas faixas etárias. Quando
crianças que gaguejam produzem suas falas fluentes, o fazem com um número maior de erros
Como a gagueira, a fluência ainda é difícil de definir e, muitas vezes, uma só pode ser
entendida se em comparação com a outra. A fluência pode ser descrita como o "fluxo natural
linguisticamente distintas, mas seus substratos neurais são difíceis de distinguir em regiões
consistentes com propostas recentes de que a área de Broca não funciona exclusivamente para
de 400 milissegundos entre a apresentação de uma palavra e o tempo necessário para a sua
execução motora. Os sujeitos com gagueira usaram tempos diferentes dos controles que
27
Estes achados permitem a inferência de que a fluência, para ser adquirida e mantida,
sincronizados. A quebra dos padrões que resulta na ruptura da fluência parece ocorrer na área
produzem a quebra na fluência ainda não são plenamente conhecidos. Sabe-se que a gagueira
é uma falha da ativação normal do lobo temporal durante a fala. Essa falha pode contribuir
fonológico nas regiões pré-motoras. Também está associada com anomalias nas relações
inter-hemisféricas e nos mecanismos neurais do controle do ato motor da fala. Pode-se dizer,
por analogia, que a fluência é o resultado da sincronia das atividades neuronais necessárias
para a fala.
consensual. Parece que este tema é tangenciado em áreas que têm na linguagem o seu objeto
(1997) dizem que, para se tornar fluente em outra língua, é necessário falar repetidamente.
Quanto mais praticamos, mais a habilidade se aprimora. Também dizem que a fluência tende
a ser menos flexível do que o conhecimento sobre a outra língua, porque ser fluente em alguns
tipos de conversação, com amigos, pessoalmente, por exemplo, não significa necessariamente
Segundo Merlo (2006), Koch e Souza e Silva (1996), Souza e Silva e Koch (2002) e
a. Hesitações ou disfluências:
disfluências estão presentes na fala de todos os falantes. Não há falantes que sejam 100%
a.1 Comuns: estão presente na fala de todos os falantes. São pausas silenciosas hesitativas,
pausas preenchidas ("éh", "ãh", "mm"), prolongamentos finais, repetições de palavras e falsos
do texto.
a.2 Gaguejadas: estão presente mais tipicamente na fala de pessoas com gagueira, embora
ocasionalmente possam ser observadas em falantes que não gaguejam. São repetições de
b. Reformulações:
Sinalizam trechos considerados inadequados pelo falante e/ou pelo ouvinte e que são
pausa. Ao fazer a pausa, o falante também pode aproveitar para inspirar. Ao redor de 70%
das pausas silenciosas são fluentes, enquanto que os demais 30% são pausas silenciosas
hesitativas. Pessoas que fazem pausas em fronteiras sintáticas fortes com maior frequência,
A taxa de articulação refere-se à percepção do quanto uma pessoa fala lento, médio ou rápido.
pressão de língua. Os falantes considerados fluentes apresentam pouco esforço físico durante
f. Habilidade gramatical
palavras durante a fala espontânea. Trechos de fala que apresentam ausências de artigos,
preposições ou conjunções, por exemplo, são considerados trechos menos fluentes, porque
30
g. Complexidade semântica
"coisa", "negócio", "tipo assim" e "né?"), o maior número de conceitos e a adequada coesão
lógica entre os conceitos são fatores que interferem no julgamento de quanto a fala é
que o sotaque. Mesmo que este estudo seja sobre a aquisição de segunda língua, seus
resultados são semelhantes ao que ocorre com as pessoas que gaguejam. A ruptura na fluência
compreensão do ouvinte.
31
2 SOBRE A GAGUEIRA
incoordenação dos sistemas da fala não seria a causa da gagueira. Segundo o autor, esta é a
própria gagueira.
A etiologia da gagueira está relacionada com disfunções neurofisiológicas que
rompem a fina e precisa sincronia pneumofonoarticulatória necessária para a produção da
fala. Perkins et al. (1991) introduziram a abordagem da neuropsicolinguística e sugeriram que
na produção de uma fala fluente há a interrelação de processos como a determinação da
estrutura frasal, a seleção das palavras como unidades linguísticas e outros aspectos como
velocidade e entonação. As palavras são produzidas de forma fluente se há pouca pressão do
tempo. Quando estes processos são rompidos, a fala se tornará não fluente e, dependendo da
pressão do tempo, poderá se manifestar como gagueira. Os autores propõem que a gagueira
acontece quando as demandas forem maiores que a capacidade do falante em sincronizar os
processos linguísticos e paralinguísticos. As disfluências normais, em contraste, ocorrerão se
houver equilíbrio entre demandas e capacidades.
A gagueira é entendida de muitas maneiras e cada uma dessas formas tem sua
aplicação na organização de princípios de ensino, pesquisa, avaliação e terapia. Logan (1991,
1998) faz uma extensa revisão das bases que fundamentam as várias definições de gagueira
que vigiram até o início dos anos noventa. Para os teóricos das Bases Comportamentalistas, o
pressuposto é que a gagueira seja uma reação adquirida e, como tal, segue as leis da
aprendizagem, ou seja: todo o comportamento está sujeito à adaptação, extinção, punição e
recompensa. Webster (1979) e Sheehan (1958) acreditavam que o estado emocional era o
resultado da gagueira, não o fator que a precipitava.
sua vez, Logan (1991) estabeleceu as Bases Neurofisiológicas da Emoção e seus Efeitos no
Ato Sensório-Motor da Fala. O autor parte do princípio que o sistema límbico influencia na
produção da fala normal e pode romper os seus processos de decodificação. Smythies (1968)
e Livingstone (1978) também creditam ao sistema límbico a memória das experiências
biologicamente significativas. Joseph (1982) afirmou que o sistema límbico é responsável por
vocalizações e verbalizações, aspectos paralinguísticos e de inflexão através dos quais as
emoções e o pensamento são comunicados. Esses suprasegmentos linguísticos são de domínio
da área de Broca, onde o pensamento, as emoções e outros impulsos são organizados como
articulações motoras. Logan (1998) afirma que o sistema límbico está intimamente envolvido
com emoções, aprendizagens, memória, associações, fala e linguagem e vê a gagueira de
forma tridimensional: considera que os aspectos neurológicos, psicológicos e
comportamentais precisam ser considerados nas suas interrelações.
A partir da segunda metade dos anos 1990, a discussão sobre o que é gagueira
ultrapassou os limites de possíveis inferências de grupos teóricos. Com o advento das
tecnologias de neuroimageamento, começou-se a ter uma dimensão da complexidade desse
distúrbio. As informações sobre as dinâmicas interrelações entre os sistemas corticais e
subcorticais que envolvem o planejamento, a produção e o monitoramento da fala foram
intrigantes demais para serem ignoradas.
As neurociências indicam que há uma variedade de sistemas que são disfuncionais nos
sistemas de produção da linguagem dos que gaguejam. Nos adultos pode ser ainda difícil
distinguir o que é originário do distúrbio e o que foi determinado em seus sistemas
neurológicos pelas tentativas de compensação. Já os estudos em crianças que estão em fase de
aquisição de linguagem poderão revelar como essas disfunções emergem.
Os resultados das várias pesquisas e investigações estão nas próximas seções.
34
Estudos com gêmeos monozigóticos mostram gagueira presente entre 75% e 89% dos
casos estudados (Godai et al., 1976; Howie, 1981). Andrews et al. (1990) estudou 4000 pares
de gêmeos e concluiu que 71% tinham história familial positiva. Ambrose et al. (1993)
argumentaram que há um efeito genético tanto para desencadear uma gagueira quanto para
superá-la. Mais recentemente, Wittke-Thompson et al. (2007) conseguiram relacionar
gagueira com regiões dos cromossomas 2, 3, 5, 7, 9, 13 e 15 e concluíram que a gagueira é
um distúrbio poligênico, no qual vários genes de efeitos variados podem aumentar a
susceptibilidade para a gagueira. Yairi (2005) diz que crianças que gaguejam e que têm uma
história familial 2 de gagueira crônica tendem a seguir o mesmo padrão. E vice-versa, crianças
que têm uma história familial de recuperação espontânea, tendem a seguir este padrão.
2
De acordo com a terminologia da genética, o termo familial é o vocábulo usado para circunscrever histórias de
doenças, distúrbios e outras dificuldades que ocorrem em famílias. Familiar refere-se a algo conhecido.
35
para 1 mulher, e nos parentes de primeiro grau, em relação aos de segundo e terceiro graus.
Os familiares mais frequentemente afetados foram os pais, apresentando um risco de
recorrência de 29,4%. Há também, segundo Oliveira (2004), a existência de dois possíveis
subtipos de gagueira. Um composto por casos esporádicos (sem outros similares na família),
que podem ser advindos de danos cerebrais precoces, e o outro, que é primariamente de
origem genética. A análise de regressão realizada por Dworzynski et al. (2007), mostrou que
o relato dos pais de gêmeos com 2 anos não era preditivo de gagueira mais tarde. Já os relatos
de pais de gêmeos com 3 e 4 anos mostraram-se significativos preditivos para gagueira. As
taxas de concordância foram consistentemente mais altas entre gêmeos monozigóticos do que
entre dizigóticos (excetuando-se as meninas aos 3 anos). Aos 3, 4 e 7 anos, a vulnerabilidade
para a gagueira era altamente hereditária. A hereditariedade foi alta tanto para a recuperação
como para a persistência da gagueira, mas não houve diferença significativa entre uma e
outra. Concluíram que a gagueira é um distúrbio com alto grau de hereditariedade e com
baixa influência ambiental no início da infância.
A ideia de haver uma anomalia estrutural ou funcional no cérebro das pessoas que
gaguejam tem sido pesquisada ao longo dos anos. Até 1987, somente um estudo
morfométrico havia sido realizado em dois indivíduos com gagueira através de tomografia
computadorizada de crânio, apresentando uma assimetria atípica no lobo occipital como um
possível reflexo de uma atípica anatomia do plano temporal (Strub, Black e Naeser, 1987).
Posteriormente, Foundas et al. (2001) realizaram um estudo volumétrico que determinou que
adultos que gaguejam possuem uma pequena anomalia anatômica nas áreas corticais
responsáveis pela fala e linguagem. Sommer et al. (2002), comparando neuroimagens de
falantes fluentes e não fluentes, verificaram que a comunicação neuronal estaria prejudicada
possivelmente em razão do rompimento de fibras brancas no trato cerebral. O estudo mostrou
36
No caso das pessoas que gaguejam, parece haver uma disfunção maior nas áreas
cortical e subcortical do sistema de controle motor, verificando-se maior incidência de
movimentos involuntários associados (Salmelin et al., 2000; Mulligan et al., 2001;
Sommer et al., 2002). Foundas et al. (2001), Jancke et al. (2004), e Watkins et al. (2006),
entre tantos, indicam a existência de anomalias estruturais em uma região cortical envolvendo
a área sensório-motora esquerda relacionada à face e à laringe e o córtex pré-motor esquerdo
ventral, além de anomalias na substância branca logo abaixo dessas regiões corticais.
3
A gagueira tratada nesta tese é a do desenvolvimento ou persistente (inicia na infância e permanece ao longo da
vida) em oposição à pseudo-gagueira (reação de conversão) ou à gagueira neurogênica (causada por lesão
neurológica detectável).
38
A partir deste achado (excessiva atividade dopaminérgica), Alm (2005) discute o papel
dos núcleos da base do cérebro na gagueira. Os núcleos da base produzem o neurotransmissor
dopamina e são estruturas no centro do cérebro que estão envolvidas na automatização de
uma grande quantidade de funções, desde funções cognitivas e motivacionais, até o controle
motor. Eles recebem input da maioria das partes do córtex cerebral e do sistema límbico e
projetam-se principalmente para o córtex frontal (ver Figuras 1, 2 e 3) 4 . Dessa forma, os
núcleos da base modulam o estado das regiões do córtex frontal. Especialmente interessante
para a discussão sobre gagueira é que os núcleos da base têm um papel chave na
automatização de sequências motoras rápidas. A fala é uma sequência motora em que os
submovimentos precisam de sincronização exata, ou seja, são necessários sinais precisos de
temporalização e disparo para o surgimento dos elementos da fala. Há também forte indicação
de que a área motora suplementar (AMS) desempenha um papel fundamental nessa
sincronização dos elementos motores da fala e que os núcleos da base normalmente auxiliam
esse processo fornecendo pistas de temporalização para a área motora suplementar.
4
Os textos destas imagens foram traduzidos por Silva e Merlo e estão disponíveis em www.gagueira.or.br .
39
(Alm, 2005)
(Alm, 2005)
Alm (2005) enfatiza que as funções motoras dos núcleos da base são dependentes de
um sistema maior, o sistema pré-motor medial, incluindo o input a partir de regiões do córtex
motor lateral. A teoria do sistema pré-motor duplo explicaria a maioria das condições
indutoras de fluência (canto, leitura em coro, retorno auditivo atrasado, entre outros) como
40
(Alm, 2005)
Outra hipótese que tem sido testada é a de que as pessoas com gagueira severa
possuem mecanorreceptores excessivos nas estruturas da mandíbula, língua e lábios. A força
da mandíbula é transmitida para outras estruturas orofaciais, o excesso de input dos
mecanorreceptores para os motoneurônios da mandíbula podem contribuir para a
incoordenação das diferentes estruturas orofaciais da fala (Dworkin et al., 2002; Foundas et
al., 2001; Fernandes, 1999).
O estudo sobre as características laríngeas realizado por Bohnen e Recco (2006) teve
por objetivo geral verificar se as alterações anatômicas e/ou fisiológicas relatadas na
literatura, eram observáveis no aparelho fonador de portadores de gagueira. O estudo
preliminar foi feito através de exame de fibronasovideolaringoscopia realizado nas laringes de
seis sujeitos masculinos adultos portadores de gagueira, falantes da língua portuguesa,
moradores da cidade de Porto Alegre. As características anatomofisiológicas das laringes dos
sujeitos foram observadas em momentos de fala espontânea e de leitura de um texto de 100
palavras e analisadas por cinco juízes. As imagens mostraram que, além de pregas vocais
hígidas, os sujeitos apresentaram 18 características laríngeas diferentes do esperado em
falantes fluentes. Os movimentos observados na pré-fonação permitiram verificar o
envolvimento de estruturas cerebrais relatadas na literatura, tais como: 1) atividade excessiva
nas musculaturas das pregas vocais; 2) atividade excessiva na musculatura supraglótica; 3)
nível de contração muscular prolongado; 4) longos períodos de pré-ativação do movimento e
5) dissincronia entre os grupos dos músculos abdutores e adutores das pregas vocais,
compatíveis com as inferências de Freeman, Ushijima (1978), Conture, Schwartz e Brewer
(1985) e Perkins (1986).
42
Também observou-se que o lócus de ocorrência das sílabas está no início e no final da
fonação, requerendo precisão das pregas vocais como válvula de ajuste para iniciar e terminar
a fonação de sons vocálicos. Portanto, quando pessoas que gaguejam relataram sentir
bloqueios, e uma sensação de compressão na região das pregas vocais, esta percepção foi
confirmada por imagens. O aumento do nível de ativação da musculatura laríngea em pessoas
com gagueira pode induzir a um excessivo aumento do feedback no sistema cerebral, que por
sua vez pode aumentar a estimulação do grupo de neurônios motores laríngeos e hiperativar
o circuito de feedback da fonação (Peters et al., 2000).
Haynes & Hood (1978) encontraram mais disfluências na produção de sentenças com
construções gramaticais complexas. Bloodstein (1974) mostrou que os atributos de estruturas
sintáticas provocam um planejamento motor mais difícil. Nas gagueiras incipientes, as
hesitações em iniciar unidades sintáticas podem ocorrer como repetições de palavras inteiras.
Já nas gagueiras em fases avançadas, as hesitações são observadas como repetições de partes
de palavras ou prolongamentos acompanhados por alterações vocal e respiratória. Soderberg
(1967) diz que nas gagueiras iniciais as crianças pequenas apresentam uma “incerteza
gramatical” que se soma a uma “incerteza na escolha lexical” nas gagueiras avançadas.
Constatou que os prolongamentos ocorrem em palavras de classes abertas (verbos e
substantivos) e as repetições em palavras de classes fechadas (preposições e conjunções, entre
outras). Bloodstein (1974) concorda que as gagueiras em fases avançadas são influenciadas
pelas funções gramaticais e pelo teor da informação a ser usada. Bernstein (1981) acredita que
a ruptura da fluência pode ocorrer porque as crianças requerem mais tempo para integrar os
processos de planejamento das sentenças.
Hall, Yamashita & Aram (1993) entendem que o automatismo com que os que
gaguejam deveriam produzir morfologia e sintaxe não é tão eficiente quanto a sua capacidade
de manejar a semântica e o vocabulário. Adams (1990) e Starkweather (1987) são enfáticos
sobre a sincronização entre demandas e capacidades de usar linguagem. Quando não há uma
adequada sincronia, o resultado é uma gagueira, pois a demanda é maior do que o indivíduo
pode manejar. Perkins et al. (1991) dizem que a gagueira está ligada à escolha da forma da
sentença, da seleção das unidades linguísticas e paralinguísticas e que a integração desses
processos se dá de forma fluente e uniforme quando a pressão de tempo é pequena. Quando a
pressão do tempo aumenta, há a ruptura desses processos (dissincronia) e a fala varia desde
44
“disfluente” até “gaguejada”. Entende-se por pressão do tempo o tempo que o cérebro precisa
para disparar sincronizadamente todos os movimentos da fala. Quanto mais complexa for a
construção linguística pretendida, maior a exigência para a ativação neuronal se completar e
acionar os comandos neuromotores dentro do tempo desejado pelo falante, ou seja, aumenta a
demanda na circuitaria cerebral para executar a fala (Bohnen, 2000).
Cox, Seider e Kidd (1984), Kidd (1981; 1983), Smith (1990), Van Riper (1982), e
Yairi e Ambrose (1992), Gordon (2002) e Ambrose, Yairi e Cox (1997) apresentam o
seguinte perfil do contexto populacional da gagueira:
a) é uma patologia encontrada na maioria das culturas e línguas naturais;
b) é mais frequente no gênero masculino, numa razão de três a cinco homens para uma
mulher;
c) sua taxa de incidência na população mundial é de 4% e sua taxa de prevalência é de
1%;
d) existe um índice de recuperação espontânea elevado, principalmente durante a
infância;
e) 20% a 30% das crianças que apresentam disfluências passam a gaguejar;
f) sua distribuição por idade de surgimento é de 27% até 3 anos, 68% entre 3 e 7 anos e
5% acima de 7 anos.
F98.5 - Gagueira
2.h O que diz o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth
Edition, Text Revision - DSM IV-TR
Características Diagnósticas
A característica essencial da Gagueira é uma perturbação na fluência e padrão temporal
normais da fala, inapropriado à idade do indivíduo. Esta perturbação caracteriza-se por
repetições ou prolongamentos frequentes de sons ou sílabas. Vários outros tipos de
disfluências da fala também podem estar envolvidos, incluindo interjeições, palavras partidas
(por ex., pausas dentro de uma palavra), bloqueio audível ou silencioso (pausas preenchidas
47
Prevalência
A prevalência da Gagueira em crianças pré-puberais é de 1% e cai para 0,8% na
adolescência. A proporção entre homens e mulheres é de aproximadamente 4:1.
Curso
Os estudos retrospectivos de indivíduos com Gagueira relatam o aparecimento do transtorno
tipicamente entre os 2 e os 7 anos. O início ocorre antes dos 10 anos em 98% dos casos,
sendo geralmente insidioso, cobrindo muitos meses durante os quais disfluências episódicas e
despercebidas da fala tornam-se um problema crônico. A perturbação começa tipicamente de
48
uma forma gradual, com a repetição das consoantes iniciais, palavras (habitualmente as
primeiras de uma frase) ou palavras longas. A criança em geral não está consciente da
perturbação. À medida que o transtorno progride, ocorre um curso de exacerbações e
remissões.
As disfluências tornam-se mais frequentes, e a Gagueira ocorre em palavras ou frases mais
significativas. Na medida em que a criança conscientiza-se de sua dificuldade na fala, podem
ocorrer mecanismos para evitar disfluências e respostas emocionais.
Padrão Familial
Estudos de famílias e de gêmeos oferecem fortes evidências de um fator genético na etiologia
da Gagueira. A presença de um Transtorno Fonológico ou do tipo evolutivo de Transtorno da
Linguagem Expressiva, bem como uma história familiar destes transtornos aumentam a
probabilidade de Gagueira.
O risco entre os parentes biológicos em primeiro grau é mais de 3 vezes o da população em
geral. Cerca de 10% das filhas e 20% dos filhos de homens com história de Gagueira
também apresentarão o transtorno.
Diagnóstico Diferencial
As dificuldades na fala podem estar associadas com um prejuízo auditivo, outro déficit
sensorial ou um déficit motor da fala. Nos casos em que as dificuldades da fala excedem
aquelas habitualmente associadas com esses problemas, um diagnóstico concomitante de
Gagueira pode ser feito. Ela deve ser diferenciada das disfluências normais, frequentes em
crianças pequenas, que incluem repetições de palavras ou frases inteiras (por ex., "Eu quero-
eu quero sorvete"), frases incompletas, interjeições, pausas sem preenchimento e observações
parentéticas.
A gagueira afeta a fluência da fala. Começa na infância e, em alguns casos, dura toda a vida.
O distúrbio é caracterizado por perturbações na produção dos sons da fala, também
chamados "rupturas". A maioria das pessoas produz pequenas e curtas disfluências de
tempos em tempos. Por exemplo, algumas palavras são repetidas e outras são precedidas de
"um" ou "uh". Disfluências não são necessariamente um problema, no entanto, podem
dificultar a comunicação quando uma pessoa produz muitas delas.
Na maioria dos casos, a gagueira tem um impacto em pelo menos algumas atividades diárias.
As atividades específicas variam entre os indivíduos. Para algumas pessoas, as dificuldades
de comunicação só acontecem durante atividades específicas como, por exemplo, falar ao
telefone ou falar para grandes grupos. Para a maioria dos outros, no entanto, as dificuldades
de comunicação ocorrem em uma série de atividades em casa, na escola ou no trabalho.
Algumas pessoas podem limitar a sua participação em determinadas atividades. Tais
"restrições de participação" geralmente ocorrem porque a pessoa está preocupada com as
reações dos ouvintes a uma fala disfluente. Outras pessoas podem tentar esconder sua fala
disfluente das outras, reorganizando as palavras em sua sentença (circunlóquio), fingindo
esquecer o que eles queriam dizer, ou recusando-se a falar. Outras pessoas ainda, podem
achar que são excluídas da participação em determinadas atividades por causa da gagueira.
Claramente, o impacto da gagueira na vida diária das pessoas pode ser influenciado pela
maneira como a pessoa e os outros reagem ao distúrbio.
50
A fala gaguejada muitas vezes inclui repetições de palavras ou partes de palavras, bem como
prolongamentos dos sons da fala. Essas disfluências ocorrem mais frequentemente em
pessoas que gaguejam do que na população em geral. Algumas pessoas que gaguejam podem
estar muito tensas ou com falta de ar quando falam. A fala pode tornar-se completamente
interrompida ou bloqueada. Bloquear é quando a boca está paralisada na posição
articulatória de um fone, às vezes por vários segundos, com pouca ou nenhuma próxima de
som. Depois de algum esforço, a pessoa pode completar a palavra. Interjeições como "hum"
ou "como" também podem ocorrer, especialmente quando contêm repetições (u-um-um) ou
prolongamentos (uuuum) de sons da fala, ou quando são usadas intencionalmente para
atrasar o início de uma palavra em que o falante já sabe antecipadamente que ficará
"preso".
referem-se à gagueira de forma muito semelhante. E como se pode observar, nenhuma das
três instituições refere dificuldades psicológicas como causadoras deste distúrbio de fluência.
O DSM IV TR menciona que o estresse ou a ansiedade exacerbam a gagueira e que o
problema fica “mais severo quando existe uma pressão especial para se comunicar (por ex.,
relatar algo na escola, ser entrevistado para um emprego)”. Ao dizerem exacerbam e mais
severo, não estabelecem uma causa e sim esclarecem que a gagueira é um problema que pode
ficar aumentado frente a uma situação de maior demanda comunicativa.
Estes são os sinais que foram o alvo desta investigação. As palavras gaguejadas são a
síntese sonora de todas as atividades neuromusculares necessárias para a sua produção e são
facilmente identificáveis. Podem ser observadas, transcritas, analisadas e quantificadas sem
nenhum recurso tecnológico de altíssima complexidade e custo. Como unidades linguísticas,
podem ser analisadas sem a preocupação do conteúdo, da forma, do uso da língua e do
contexto social e comportamental em que estão inseridas. As palavras gaguejadas são a
manifestação observável da gagueira.
52
3 SOBRE AS HESITAÇÕES
Uma fala fluente é aquela produzida de forma contínua e suave, sem requerer do
falante uma atenção específica. Andrade (2006) diz que para que haja fluência, são
necessários dois sistemas operacionais neurais funcionando temporalmente equilibrados antes
que a mensagem gerada chegue ao córtex motor. O sistema simbólico integra os componentes
cognitivos, linguísticos e segmentais da fala, determinando a forma e o conteúdo da
mensagem e responde pela segmentação das saliências fonológicas pontuais (ritmo e
entonação) e fragmentais (começo, meio e fim). O sistema de sinais integra os componentes
prosódicos e paralinguísticos, determinando altura, intensidade, duração e qualidade das
sílabas. Este sistema determina a duração da sílaba na palavra e a ordem de sequencialização
dos espaços fonéticos.
a. Pausas não preenchidas: silêncios prolongados, que se dão como rupturas em lugares
não previstos pela sintaxe;
b. Pausas preenchidas: expressões hesitativas como éh, hm, ah, certos alongamentos
vocálicos em sílabas átonas que não são funcionais para efeitos expressivos;
c. Repetições hesitativas: geralmente repetições de itens formais como ele tá... ta
fazendo...;
d. Falsos inícios: todos os inícios de unidades sintáticas oracionais que são refeitos ou
retomados como itens lexicais e funcionais, por exemplo.
Já para Cruttenden (1994) e Winkworth, Davis, Adams & Ellis (1995), as pausas
fluentes ou naturais costumam estar em fronteiras sintáticas fortes (entre sentenças, orações
ou sujeito e predicado) e situam-se entre grupos acentuais, demarcando-os.
Como não há fala fluente sem interrupções, Wingate (1987) aborda duas linhas de
estudo que mostram as diferenças entre as disfluências que são consideradas comuns ou
típicas aos falantes e as pouco comuns ou atípicas. Uma linha estuda as “disfluências”
observadas nas pessoas que gaguejam. Tem um caráter mais descritivo e comparativo. A
outra, advinda da psicolinguística, estuda as “hesistações” observadas em pessoas sem
dificuldades de linguagem e fala. Chambers (1997) diz que ser fluente não significa só
falar com taxa de elocução alta, mas sim pausar o menos possível e quando pausar, fazê-lo
nas junções apropriadas do texto em elaboração. Apesar de existirem pausas em sua língua
nativa, nem todas as pausas produzidas são aceitáveis. Portanto, é importante diferenciar
entre o que é "natural" e o que é "não natural". Pausas naturais permitem espaço para
respirar, normalmente ocorrem em fronteiras sintagmáticas ou depois de um grupo de
palavras que formam uma unidade semântica. Pausas diferentes destas, que revelam incerteza
lexical ou morfológica, serão julgadas como hesitações. Estas hesitações podem ser
simplesmente uma lacuna silenciosa, não-marcada por bordões como "ãhn", prolongamentos
de fones ou preenchimentos lexicais sem informação semântica específica, como "sabe?",
"Eu quero dizer"... Nem todos estes diferentes preenchimentos contribuem igualmente para
uma impressão de não fluência. Alguns são percebidos pelos ouvintes nativos como
disfluências ou hesitações. Segundo Riggenbach (1991), a frequência de pausas não
preenchidas é um forte indicador de não fluência.
Prolongamentos de som
Falantes estão frequentemente disfluentes quando dizem, por exemplo, "a uh vela" em
vez de "a vela". Arnold et al. (2003) mostraram que disfluências ocorrem mais
frequentemente em referências a coisas que são novas no discurso ao invés de referências a
dados já conhecidos, sugerindo que as disfluências ou hesitações afetam o núcleo dos
processos de compreensão da linguagem.
significativos semanticamente
4. Falsos inícios 4. Falsos inícios
4.1 inícios de unidades sintáticas 4.1 chamados revisões, não foram pesquisados
oracionais neste trabalho
5. sem correspondência 5. Bloqueios em grupos consonantais
6. sem correspondência 6. Alongamentos do primeiro fone da sílaba
7. sem correspondência 7. Alongamentos do segundo fone da sílaba
8. sem correspondência 8. Repetições de partes de palavras,
predominantemente monossilábicas
9. sem correspondência 9. mais de um tipo de gagueira por palavra
Segundo Bolinger (1975), para se saber da estrutura da palavra de per si, alguém tem
que ser capaz de discriminá-la. E isso só pode acontecer se alguém tem pelo menos uma
noção do seu significado. Caso contrário, seria usualmente impossível dizer onde uma palavra
termina e a outra começa (p. 83). A palavra é o "signo linguístico cujos constituintes
imediatos não permitem a separação ou a troca de ordem, e não pertencem a paradigmas cujas
unidades o permutem" (Barrenechea, 1963).
Crystal (2008) fala dos vários critérios que têm sido sugeridos para a identificação de
palavras no discurso. "Um deles é que as palavras são a mais estável de todas as unidades
linguísticas, em relação à sua estrutura interna. Ou seja, os elementos constitutivos de uma
palavra complexa têm pouco potencial de rearranjo, em comparação com a relativa
mobilidade posicional dos constituintes das sentenças e de outras estruturas gramaticais.
Outro critério refere-se à relativa coesão da palavra, ou seja, novos elementos (incluindo
pausas) normalmente não podem ser inseridos dentro dela na fala normal. Pausas, ao
59
contrário, estão sempre potencialmente presentes nas fronteiras das palavras. Um critério
que tem influenciado a visão dos linguistas é a definição da palavra como uma "forma
mínima livre", ou seja, a menor unidade que pode constituir, por si só, um enunciado
completo (que contrasta aqui com a sentença, vista como a forma máxima livre reconhecida
pela maioria das gramáticas)" (p. 522).
4.a Objetivos
Para tal, os objetivos definidos foram:
1. Investigar as características das palavras gaguejadas por adultos e crianças falantes do
Português Brasileiro, quanto à:
1.1. localização da gagueira na palavra (início, meio ou final);
1.2. classificação silábica das palavras gaguejadas;
1.3. tonicidade
1.4. tipologia mais frequente
1.5. influência do gênero e da faixa etária
1.6. influência da passagem do tempo quanto ao aumento da severidade
2. Relacionar os achados entre si para estabelecer as diferenças e semelhanças
3. Verificar se a passagem do tempo influencia nas características das palavras gaguejadas.
O tempo foi dividido em quatro quinquênios: 1986 a 1990; 1991 a 1995; 1996 a 2000 e
60
2001 a 2005. Assim, potenciais mudanças linguísticas, sociais e ambientais poderão ser
eventualmente detectadas.
4. Relacionar as tipologias das hesitações e da gagueira para qualificar o diagnóstico
diferencial.
5. Desenvolver uma metodologia facilitadora da transcrição e da análise de frequência das
palavras coletadas.
4.b Metodologia
4.b1 Os sujeitos
Do banco de gravações da pesquisadora, foram escolhidos aleatoriamente 15
portadores adultos e 15 portadores infantis, sem tratamento fonoaudiológico prévio, para cada
um dos quinquênios, perfazendo um total de 120 sujeitos (Tabela 1).
Coincidentemente, a proporção foi de cinco homens para uma mulher, conforme a literatura
(p. 45). A média de idade dos homens foi de 28,7 anos e a dos meninos foi de 6,5 anos. A
média etária das mulheres foi de 31,5 anos e das meninas foi de 8,2 anos. A criança mais
velha tinha 13 anos e o adulto mais jovem tinha 18 anos.
homens 12 11 14 12 49
mulheres 3 4 1 3 11
meninos 13 13 14 12 52
meninas 2 2 1 3 8
TOTAL 30 30 30 30 120
61
GAGUEIRA TRANSCRIÇÃO
repetição de fone p-p-pato
repetição de sílaba pa-pa-pato
repetição de monossílabas eu-eu-eu
repetição de parte de monossílaba ma-ma-mas
repetição de grupo consonantal pra-pra-prato
prolongamento primeiro fone da sílaba ssssapo
prolongamento segundo fone da sílaba saaaapo
prolongamento em grupo consonantal ffffflor
bloqueio _pato
bloqueio em grupo consonantal _prato
62
Porque eu tava lá em cima, porque eu tinha bom conteúdo, sabia o que eu tava
t-t-transmitindo mas a minha dicção era _péssima. Se bem que no cursinho não tinha
_problema de dicção porque eu mais cantava do que dava aula. Então eu descobri um
artifício, de não g-g-gaguejar em sala de aula. Então eu caaantava as minhas aulas, né, bem
vvvagarosamente, e tal. Então, alguns percebiam, outros não. Mas o nosso diretor, uma
_pessoa muito sensível de ouvido e tal, um dia ele me chamou e perguntou: tu és gago, né?
Falei: sou, sou gago, pois é, sem problema.
separação de sílaba /
sílaba tônica ;
p, b, t, d, k, g, m, n, nh, f, v, s, z, x, j, tx, dj, l, lh,
r (fraco), rr (forte), a, e, i, o, u
fones
am/na = ã; em/em = ~e; im/in = ~i; om/on = õ;
um/um = ~u;
por tou, entre outros, foram computadas como monossílabas. Como no teclado normal de
computador não há til para /e/, /i/ e /u/, para a transcrição em SW, usou-se o til imediatamente
anterior a essas letras.
Os números para gênero são: 1 para masculino e 2 para feminino. As faixas etárias são
identificadas por: 1 para adultos e 3 para crianças. E os quinquênios são: 1 para 1986/1990; 2
para 1991/1995; 3 para 1996/2000 e 4 para 2001/2005. Assim, o sujeito analisado no
exemplo abaixo é o 27: masculino, adulto, com 38 anos e sua coleta foi do quinquênio 1991-
1995.
Exemplo 2
!;27;1;3;38;2
1trãs/mi/;tx~i/do
9;pe/si/ma Porque eu tava lá em cima, porque eu tinha bom conteúdo, sabia o que eu tava
0pro/;ble/ma t-t-transmitindo mas a minha dicção era _péssima. Se bem que no cursinho não tinha
1ga/;ge/jar _problema de dicção porque eu mais cantava do que dava aula. Então eu descobri um
7kã/;ta/va artifício, de não g-g-gaguejar em sala de aula. Então eu caaantava as minhas aulas, né,
6va/ga/ro/sa/;m~e/te bem vvvagarosamente, e tal. Então, alguns percebiam, outros não. Mas o nosso diretor,
9pe/;so/a uma _pessoa muito sensível de ouvido e tal, um dia ele me chamou e perguntou: tu és
gago, né? Falei: sou, sou gago, pois é, sem problema.
produções. Existem sinais evidentes que podem ser verificados na maior parte da fala das
pessoas que gaguejam, como os vários tipos de repetições, prolongamentos e bloqueios.
Outros são restritos à fala de um indivíduo e não são encontrados em número suficiente para
serem incluídos. Um exemplo é a existência de mais de um tipo de gagueira na mesma
palavra, como em [ p-p-paaato ]. Primeiro há uma repetição do fone /p/ seguida por um
prolongamento do segundo fone da sílaba /a/.
2. Também foram excluídas da transcrição as palavras gaguejadas que continham dificuldades
fonológicas não esperadas para a faixa etária. No caso das crianças ainda em processo de
aquisição de linguagem, as falhas fonético-fonológicas esperadas para a faixa etária foram
"corrigidas" para uniformizar a transcrição, já que o estudo fonológico não foi objetivo da
investigação. Por exemplo: /agola / foi transcrito como /agora/.
3. Foram excluídos da amostra sujeitos que haviam sido tratados fonoaudiologicamente em
momentos anteriores de suas vidas.
4. Foram excluídos da amostra adultos que não gaguejassem desde a infância.
teclado de computador, sem exigir nenhuma preparação específica, como a necessária para o
alfabeto fonético. Na SW, a criação de novos códigos para qualificar outras buscas é
facilmente executada, permitindo a inclusão de análises mais finas e detalhadas.
Mann-Whitney
O Mann-Whitney foi utilizado tanto como teste principal (no caso de haver somente dois
grupos sendo comparados, como em “faixa etária” ou “gênero”), como quanto teste post hoc.
Quando utilizado nesta última condição, o alpha foi ajustado para o número de comparações.
Assim, se havia 4 grupos (por exemplo, na associação faixa etária e gênero: mulheres,
homens, meninas, meninos), havia 6 comparações (mulheres x homens, mulheres x meninas,
mulheres x meninos, homens x meninas, homens x meninos, meninas x meninos). O alpha
inicial de 0,05 foi dividido pelo número de comparações (no caso, 6), resultando no alpha
66
Não foram utilizados testes paramétricos (por exemplo, ANOVA e Teste T), porque as
amostras não apresentaram distribuição gaussiana e igualdade de variâncias.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 12000 palavras transcritas, 1326 foram gaguejadas. Para testar a Hipótese 1,
investigou-se as tipologias gerais e específicas mais frequentes nas palavras gaguejadas da
amostra. As tipologias foram relacionadas entre si, com a faixa etária (adultos e crianças),
gênero (masculino e feminino), por quinquênio e no intervalo de tempo dos quatro
quinquênios.
Resultados
Nos testes estatísticos foram usados os seguintes critérios:
a. Decisão: α < 0,05
b. O resultado considerado significativo foi: valor de p for menor que 0,05.
c. Como há uma diferença entre o número de sujeitos masculinos e femininos (proporção de
5:1 neste trabalho), todas as amostras que contém cruzamentos com a variável gênero
foram homogeinizadas. Assim, estas diferenças desapareceram e os achados estatísticos
ficaram mais representativos.
Exemplo de bloqueio:
...a gente foi no _Corcovado, no _Pão de Açúcar...
Exemplo de repetição:
Eu-eu vi no site, né, aí eu entrei no site, aí eu peguei o número da-da vaga.
Exemplo de prolongamento:
...e que eu vejo que não ssse importa muito com isso, _pra mim é sssuper bom...
BLOQUEIOS 97 156
H = 0,80
1991-1995 PROLONGAMENTOS 56 195
p = 0,66
REPETIÇÕES 139 314
BLOQUEIOS 99 192
H = 3,26
1996-2000 PROLONGAMENTOS 48 185
p = 0,19
REPETIÇÕES 136 288
BLOQUEIOS 90 175
H = 4,42
2001-2005 PROLONGAMENTOS 61 160
p = 0,10
REPETIÇÕES 178 331
PROLONGAMENTO
1986-1990 0,56 0,18 0,94 0,60
1991-1995 1,14 -0,05 2,34 1,89
1996-2000 0,82 0,24 1,41 0,92
2001-2005 0,59 0,15 1,02 0,68
Intervalo total de tempo 0,78 0,45 1,11 1,13
REPETIÇÃO
1986-1990 1,88 0,98 2,78 1,68
1991-1995 1,04 0,59 1,50 0,85
1996-2000 1,12 0,58 1,67 1,02
2001-2005 1,41 0,81 2,00 1,12
Intervalo total de tempo 1,36 1,06 1,67 1,22
Hipótese 1: Conclusão 1
Houve diferença estatisticamente significativa apenas na comparação da tipologia geral no
primeiro quinquênio e no intervalo de tempo. Bloqueios e repetições ocorreram igualmente na
amostra. Bloqueios e repetições ocorreram mais do que prolongamentos.
INFANTIL
1986-1990 1,50 0,65 2,34 1,69
1991-1995 1,23 0,41 2,04 1,63
1996-2000 1,58 0,56 2,60 2,05
2001-2005 1,22 0,58 1,86 1,28
Intervalo total de tempo 1,38 0,99 1,77 1,66
72
O teste ANOVA forneceu resultados igualmente não significativos (F= 0,12, p= 0,72)
mas, como os dados não apresentaram distribuição gaussiana e igualdade de variâncias, o
resultado deste teste não deve ser tomado como principal referência.
Hipótese 1: Conclusão 2
Não houve diferenças estatisticamente significativas nesta comparação. A faixa etária parece
não ser importante na frequência de gagueiras produzidas pelos portadores ao longo do
tempo. Adultos e crianças gaguejaram em quantidade semelhante.
MASCULINO
1986-1990 1,56 0,69 2,42 1,74
1991-1995 1,06 0,49 1,62 1,13
1996-2000 0,98 0,47 1,50 1,03
2001-2005 1,22 0,67 1,77 1,10
Intervalo total de tempo 1,20 0,90 1,50 1,27
FEMININO MASCULINO
SOMA SOMA
MANN-WHITNEY
TEMPO N TOTAL DE N TOTAL DE
POSTOS POSTOS
U= 143, Z = 0,60
1986-1990 5 70 314 25 352 352
p = 0,54
U = 147, Z = 0,45
1991-1995 6 64 318 24 228 347
p = 0,64
U = 129, Z = 1,02
1996-2000 2 34 365 28 249 300
p = 0,30
U = 150, Z = 0,37
2001-2005 6 65 321 24 264 345
p = 0,70
Intervalo
U = 2527, Z = -0,25
total 19 233 5155 101 1093 5285
p = 0,79
de tempo
Observação: o total de ocorrências de gagueira foi dividido pelo seu respectivo N ao se fazer
o cálculo.
Hipótese 1: Conclusão 3
Não houve diferenças estatisticamente significativas quando se comparou a frequência de
gagueira entre os gêneros em cada quinquênio e em todo o tempo de coleta.
HOMENS
1986-1990 1,45 -0,06 2,96 1,97
1991-1995 1,16 0,16 2,16 1,30
1996-2000 1,03 0,11 1,94 1,19
2001-2005 1,02 0,38 1,67 0,84
Intervalo total de tempo 1,16 0,71 1,62 1,33
MENINAS
1986-1990 1,33 -0,10 2,77 1,87
1991-1995 1,50 -0,13 3,13 2,12
1996-2000 2,22 0,16 4,28 2,68
2001-2005 1,03 0,05 2,01 1,27
Intervalo total de tempo 1,52 0,84 2,20 2,00
MENINOS
1986-1990 1,66 0,43 2,89 1,60
1991-1995 0,96 0,18 1,74 1,01
1996-2000 0,94 0,23 1,65 0,92
2001-2005 1,41 0,38 2,44 1,34
Intervalo total de tempo 1,24 0,83 1,66 1,23
77
No Gráfico 7 estão os dados agrupados por gêneros, mais as médias e intervalos de confiança.
Na Tabela 11 estão os resultados do Teste Kruskal-Wallis. Não se encontrou nenhuma
diferença estatística nestes aspectos, mostrando que gagueira, embora seja mais frequente em
homens do que em mulheres, se comporta semelhante nos dois gêneros.
Gráfico 7 - dados agrupados por gêneros, faixa etárias, médias e intervalos de confiança
MULHERES 4 37 158
HOMENS 11 115 176 H = 0,22,
1991-1995
MENINAS 2 27 160 p = 0,97
MENINOS 13 113 171
MULHERES 1 14 154
HOMENS 14 130 150 H = 2,69,
1996-2000
MENINAS 1 20 211 p = 0,44
MENINOS 14 119 150
MULHERES 3 37 170
HOMENS 12 111 163 H = 0,50,
2001-2005
MENINAS 3 28 151 p = 0,91
MENINOS 12 153 182
Observação: o total de ocorrências de gagueira foi dividido pelo seu respectivo N ao se fazer
o cálculo. O teste ANOVA forneceu resultados igualmente não significativos (F = 0,002, p=
0,95) mas, como os dados não apresentam distribuição gaussiana e igualdade de variâncias, o
resultado deste teste não deve ser tomado como principal referência.
O Gráfico 8 mostra a comparação entre sujeitos femininos e masculinos.
Hipótese 1: Conclusão 4
Não houve diferença estatisticamente significativa quando se comparou a frequência da
gagueira entre mulheres, homens, meninas e meninos em cada quinquênio e em todo o
intervalo de coleta. Os resultados apontam para uma semelhança entre gêneros e faixa etária.
médias para bloqueios em adultos são mais altas em todos os quinquênios e no intervalo do
tempo, o que não se repete para repetições e prolongamentos.
BLOQUEIO
1986-1990 3,47 -1,96 8,92 3,42
1991-1995 2,01 -1,38 5,41 2,13
1996-2000 3,00 -1,80 7,80 3,02
2001-2005 1,83 -1,24 4,91 1,93
Intervalo total de
2,58 1,24 3,92 2,51
tempo
PROLONGAMENTO
1986-1990 0,44 -0,14 1,02 0,55
1991-1995 0,45 -0,09 1,00 0,52
ADULTO
1996-2000 0,76 -0,48 2,00 1,18
2001-2005 0,56 -0,07 1,21 0,61
Intervalo total de
0,55 0,24 0,86 0,72
tempo
REPETIÇÃO
1986-1990 1,47 0,43 2,52 1,25
1991-1995 1,11 0,44 1,78 0,79
1996-2000 0,83 0,10 1,57 0,87
2001-2005 1,35 0,64 2,06 0,84
Intervalo total de
1,19 0,85 1,53 0,94
tempo
BLOQUEIO
1986-1990 1,15 -1,47 3,78 1,65
1991-1995 0,84 -0,86 2,55 1,07
1996-2000 2,94 -3,54 9,44 4,08
2001-2005 1,66 -0,84 4,18 1,58
Intervalo total de
1,65 0,42 2,87 2,30
tempo
PROLONGAMENTO
1986-1990 0,67 -0,02 1,38 0,67
1991-1995 1,83 -0,83 4,50 2,54
INFANTIL 1996-2000 0,89 0,18 1,59 0,67
2001-2005 0,61 -0,22 1,44 0,79
Intervalo total de
1,00 0,40 1,60 1,41
tempo
REPETIÇÃO
1986-1990 2,28 0,58 3,99 2,03
1991-1995 0,97 0,17 1,77 0,95
1996-2000 1,41 0,47 2,36 1,12
2001-2005 1,46 0,29 2,64 1,40
Intervalo total de
1,53 1,01 2,06 1,45
tempo
80
Tabela 13 - Valores de p do teste Kruskal-Wallis para tempo, faixa etária e tipologia geral
bloqueio 64 90
ADULTO prolongamento 23 89
repetição 65 166 H = 1,91
1991-1995
bloqueio 33 65 p = 0,86
INFANTIL prolongamento 33 107
repetição 74 149
bloqueio 64 95
ADULTO prolongamento 25 88
repetição 55 132 H = 2,95
1996-2000
bloqueio 35 88 p = 0,70
INFANTIL prolongamento 23 99
repetição 81 162
prolongamento 26 81 p = 0,61
repetição 73 162
bloqueio 41 84
INFANTIL prolongamento 35 86
repetição 105 163
No Gráfico10 verifica-se a síntese dos achados da influência do tempo sobre a tipologia geral
de gagueiras apresentada por adultos e crianças, nos quinquênios e no intervalo de tempo.
Hipótese 1: Conclusão 5
BLOQUEIO GC
1986-1990 0,29 -0,55 1,13 0,53
1991-1995 0,11 -0,16 0,38 0,17
1996-2000 0,62 -0,07 1,32 0,44
2001-2005 0,37 -0,17 0,92 0,34
Intervalo total de tempo 0,35 0,13 0,56 0,40
REPETIÇÃO DE SÍLABA
1986-1990 1,64 1,03 2,24 0,38
1991-1995 1,59 0,82 2,36 0,48
1996-2000 1,12 0,30 1,94 0,51
2001-2005 1,91 0,53 3,29 0,86
Intervalo total de tempo 1,56 1,24 1,89 0,60
PROLONGAMENTO GC
1986-1990 0,00 0,00 0,00 0,00
1991-1995 0,00 0,00 0,00 0,00
1996-2000 0,25 -0,54 1,04 0,50
2001-2005 0,02 -0,04 0,08 0,04
Intervalo total de tempo 0,06 -0,06 0,20 0,24
83
REPETIÇÃO DE FONE
1986-1990 2,49 -1,31 6,30 2,39
1991-1995 0,91 -0,26 2,10 0,74
1996-2000 0,91 -0,39 2,22 0,82
2001-2005 0,97 0,11 1,84 0,54
Intervalo total de tempo 1,32 0,58 2,06 1,39
REPETIÇÃO DE MONOSSÍLABO
1986-1990 3,00 0,30 5,70 1,69
1991-1995 1,63 0,38 2,88 0,78
1996-2000 2,46 1,75 3,17 0,44
2001-2005 2,60 1,38 3,82 0,76
Intervalo total de tempo 2,42 1,86 2,99 1,05
REPETIÇÃO DE PARTE DE
MONOSSÍLABO
1986-1990 0,38 -0,33 1,11 0,45
1991-1995 0,03 -0,08 0,16 0,07
1996-2000 0,01 -0,03 0,07 0,03
2001-2005 0,14 -0,12 0,41 0,17
Intervalo total de tempo 0,14 0,00 0,28 0,26
O teste Mann-Whitney foi realizado para localizar as diferenças. Como são 36 comparações
dois a dois, o α ajustado é menor que 0,0014.
a. bloqueio ocorreu significativamente mais do que repetição de sílaba (U = 39; Z = 3,33,
p = 0,0008*), do que prolongamento 1º fone da sílaba (U = 37; Z = 3,41, p =
0,0006*), mais do que repetição de fone (U = 27; Z = 3,80, p = 0,0001*), do que
prolongamento 2º fone da sílaba (U = 13; Z = 4,33, p = 0,00015*), do que bloqueio
em grupo consonantal (U = 4; Z = 4,67, p = 0,000003*), do que repetição parte de
monossílabo (U = 1; Z = 4,78, p = 0,000002*) e do que prolongamento em grupo
consonantal (U = 1; Z = 4,78, p = 0,000002*).
Hipótese 1: Conclusão 6
Os resultados sugerem três grandes grupos de frequência no intervalo do tempo: bloqueios e
repetições de monossílabos; repetições de sílabas, prolongamentos do 1º fone da sílaba e
repetições de fones; e prolongamentos do 2º fone da sílaba, bloqueios em grupos
consonantais, repetições de parte de monossílabos e prolongamentos em grupos
consonantais.
5.a7 Discussão
Segundo a CID 10, o DSM IV TR e a ASHA, o que caracteriza a gagueira são
rupturas nas palavras faladas chamadas de bloqueios, repetições e prolongamentos. Nenhuma
das três descrições apresentadas no capítulo 2 oferece uma indicação de incidência ou
prevalência destes tipos nas falas dos portadores. A análise estatística das rupturas na amostra
coletada, no intervalo de tempo, permite consistência para sugerir que bloqueios e repetições
ocorrem em igual frequência e predominam sobre a quantidade de prolongamentos. A
observação dos resultados experimentais já apontava nesta direção.
Martins (2007) diz que nem a taxa total de rupturas nem as tipologias das disfluências
variam "ao longo da vida". Os estudos comparativos de neuroimagens têm mostrado que
fatores que interagem com o desenvolvimento do sistema motor estão em sua epigênesis.
Diferenças observadas no processamento da linguagem de adultos que gaguejam não refletem
os mesmos "event-related brain potentials (ERPs)" capturados nas neuroimagens de crianças
que gaguejam (Weber-Foz e Hampton, 2008; Weber-Fox et al., 2004). Esses achados podem
sugerir que a gagueira sofreria modificações ao longo do tempo.
Estudos sobre a memória talvez pudessem contribuir para explicar estes achados, já
que a área motora do cérebro aprende por repetição. Bloqueios e repetições são auditiva e
visualmente mais impactantes do que prolongamentos. As crianças vão aprendendo a detectar
esse impacto ao longo do tempo, por conta das reações dos ouvintes à gagueira. O impacto
dessas reações contribui para que as atitudes de comunicação das pessoas que gaguejam sejam
menos positivas do que as dos falantes fluentes, segundo Penfield e Roberts, 1959; Van Riper,
1982; Ross e Mesulam, 1979; Ross et al., 1981; Brady, 1993; Logan, 1991; Van Riper e
Emerick, 1997; Izquierdo, 2002; e Alm, 2004, 2006. Esses autores afirmam que atitudes
menos positivas são consideradas uma resposta racional à experiências anteriores mal
sucedidas. A anormalidade da fala, quando repetida ao longo do tempo, altera o nível de
certas substâncias neuroquímicas no cérebro, configurando uma memória.
Para testar esta hipótese, investigou-se a ocorrência de gagueiras por extensão das
palavras, comparando os resultados com faixa etária, gênero, com faixa etária e gênero, com
a tipologia geral, com a faixa etária e tipologia geral, em cada quinquênio e no total dos 4
quinquênios.
Resultados
Nos testes estatísticos foram usados os seguintes critérios:
a. Decisão: α < 0,05
b. O resultado considerado significativo foi: valor de p for menor que 0,05.
c. Como há uma diferença entre o número de sujeitos masculinos e femininos (proporção de
5:1 neste trabalho), todas as amostras que contém cruzamentos com a variável gênero
foram homogeinizadas. Assim, estas diferenças desapareceram e os achados estatísticos
ficaram mais representativos.
A síntese destas ocorrências está no Gráfico 13. Fica evidente que gagueiras ocorrem
mais em palavras de até 3 sílabas do que em palavras de 4 ou mais sílabas.
Hipótese 2: Conclusão 1
Número de
-95% do +95% do Desvio-
sílabas Média
IC IC padrão
na palavra
1 0,57 0,19 0,95 0,76
2 0,38 0,07 0,69 0,62
ADULTO 3 0,15 0,04 0,25 0,20
4 0,08 0,01 0,15 0,14
5 0,05 0,01 0,08 0,07
6 0,006 -0,003 0,01 0,01
7 0,01 -0,003 0,01 0,02
1 0,64 0,20 1,08 0,87
2 0,41 0,18 0,64 0,45
3 0,18 0,05 0,31 0,26
INFANTIL 4 0,04 -0,01 0,08 0,09
5 0,01 -0,002 0,03 0,03
6 0,00 0,00 0,00 0,00
7 0,00 0,00 0,00 0,00
Hipótese 2: Conclusão 2
Número de sílabas na
Média -95% do IC +95% do IC Desvio-padrão
palavra
1 0,63 0,26 1,00 0,74
2 0,48 0,15 0,80 0,65
FEMININO 3 0,16 0,03 0,28 0,25
4 0,05 -0,01 0,12 0,13
5 0,02 0,00 0,05 0,05
6 0,00 0,00 0,00 0,00
7 0,01 -0,01 0,01 0,02
Hipótese 2: Conclusão 3
Não houve diferença estatisticamente significativa na ocorrência de gagueira entre
sujeitos masculinos (homens e meninos) e femininos (mulheres e meninas) em relação a
palavras com diferentes extensões.
Hipótese 2: Conclusão 4
Número de
sílabas na Média -95% do IC +95% do IC Desvio-padrão
palavra
1 0,62 0,04 1,20 0,69
2 0,66 0,01 1,32 0,78
BLOQUEIO
3 0,32 0,11 0,52 0,24
4 0,19 0,02 0,37 0,20
5 0,10 0,03 0,17 0,08
6 0,01 -0,01 0,02 0,02
7 0,01 -0,01 0,04 0,03
É possível que haja tendência para bloqueios serem mais frequentes em palavras
polissílabas. Tendo em vista que testes não-paramétricos são muito sensíveis ao N, os
resultados com palavras de 6 e 7 sílabas podem não ter sido significativos em razão do
número reduzido de ocorrências dessas palavras na língua (e muito possivelmente no corpus).
O Gráfico 19 permite visualizar a incidência de bloqueios e repetições em palavras de uma
sílaba.
108
Hipótese 2: Conclusão 5
Repetições, bloqueios e prolongamentos são mais incidentes em palavras de uma até três
sílabas.
Para verificar se a extensão das palavras gaguejadas e as tipologias mudam por conta
da faixa etária, calculou-se as médias, intervalos de confiança e desvios-padrão através da
estatística descritiva. Os resultados estão na Tabela 34. Observar que as palavras gaguejadas
com mais de 4 sílabas têm poucas ocorrências, ao ponto de não ser possível gerar médias em
relação à faixa etária nem à tipologia geral.
Número de sílabas
Faixa etária Tipologia geral Soma de postos Kruskal-Wallis
na palavra
Bloqueios 78
Adulto Prolongamentos 88
Repetições 156 H = 1,39
1
Bloqueios 73 p = 0,92
Infantil Prolongamentos 103
Repetições 167
2 Bloqueios 93 H = 2,61
Adulto Prolongamentos 95 p = 0,75
Repetições 126
110
Bloqueios 90
Infantil Prolongamentos 119
Repetições 142
Bloqueios 102
Adulto Prolongamentos 96
Repetições 142 H = 4,76
3
Bloqueios 87 p = 0,44
Infantil Prolongamentos 126
Repetições 112
Bloqueios 111
Adulto Prolongamentos 113
Repetições 139 H = 7,76
4
Bloqueios 97 p = 0,16
Infantil Prolongamentos 88
Repetições 117
Bloqueios 126
Adulto Prolongamentos 108
Repetições 145 H = 11,83
5
Bloqueios 85 p = 0,06
Infantil Prolongamentos 86
Repetições 114
Bloqueios 88
Adulto Prolongamentos 123
Repetições 140 H = 5,66
6
Bloqueios 70 p = 0,34
Infantil Prolongamentos 105
Repetições 140
Bloqueios 104
Adulto Prolongamentos 120
Repetições 136 H = 11,66
7
Bloqueios 68 p = 0,06
Infantil Prolongamentos 102
Repetições 136
Hipótese 2: Conclusão 6
Não houve diferença estatisticamente significativa entre faixa etária e tipologia geral da
gagueira para palavras de diferentes extensões.
5.b8 Discussão
O que é inicialmente saliente na comparação da extensão das palavras gaguejadas com
o intervalo de tempo é que os dados não foram compatibilizados com a frequência de uso de
palavras semelhantes faladas na Língua. Fica-se na dúvida se as gagueiras ocorreram mais em
palavras de até três sílabas por ser esta uma característica específica do distúrbio, ou se,
havendo uma frequência maior de palavras de até três sílabas na língua, os resultados apenas
refletiriam esse fato.
Van Lieshout et al. (1995) referiram que fatores linguísticos conhecidos por sua
influência na gagueira são caracterizados por alterações acústicas específicas e alterações nas
medidas de eletromiografia. Para pessoas que gaguejam, o aumento do esforço articulatório
em posições iniciais de palavras e em palavras longas causou instabilidade ao sistema motor
da fala. Acredita-se que, de acordo com os resultados, quanto maior a complexidade cognitiva
e/ou linguística, maior o impacto no manejo do sistema motor da fala.
Alm (2004) considera que é importante associar faixa etária e gênero no estudo da
gagueira, principalmente porque este distúrbio tem um padrão típico na infância e que vai se
modificando com o avançar da idade. O autor levanta a possibilidade de que a gagueira no
adulto seja considerada um subtipo, no qual os fatores causais podem ser diferentes dos das
crianças. Isso porque a gagueira persistente envolve uma frequência mais alta de
anormalidades estruturais nas áreas da linguagem nos cérebros de adultos que gaguejam. A
criança, por outro lado, tem uma alta taxa de recuperação espontânea até a puberdade. Pode
ser que a plasticidade cerebral tenha um papel neste aspecto.
Segundo Weber-Fox et al. (2004) adultos que gaguejam são mais vulneráveis ao
aumento da carga cognitiva e mostram um maior envolvimento do hemisfério direito no final
de processos cognitivos. Suas pesquisas indicam que os sistemas neurais para alguns aspectos
do processamento da linguagem podem operar de maneira diferente nos adultos que
113
gaguejam, mesmo quando não há exigências da expressão oral. No geral, tanto nos estudos de
monitoramento do movimento como nos estudos de respostas cerebrais, o aumento da
complexidade ou de maior demanda no sistema de processamento de linguagem, reforçaram
as diferenças entre os adultos que gaguejam e adultos fluentes.
avançariam das palavras curtas na infância para palavras maiores na idade adulta, é uma
proposta inviável. Portanto, para efeito de estudo da influência do fator tempo, neste caso, se
faz da forma como a relatada aqui, comparando adultos e crianças ainda não tratados
fonoaudiologicamente. Outra forma de se fazer estas comparações é parear sujeitos fluentes
com não fluentes de faixas etárias semelhantes. Mas essas comparações não necessariamente
dão informações sobre o efeito do amadurecimento linguístico na gagueira das pessoas que
gaguejam.
Quanto ao fator gênero, Witelson (1991) mostrou que mulheres parecem apresentar
uma dominância cerebral menor à esquerda do que homens. Isso pode levar à idéia de que,
sendo gagueira associada à uma incompleta dominância hemisférica (Orton e Travis, 1929),
mulheres deveriam gaguejar mais que homens. E tal não acontece. A teoria da dominância
cerebral tem sido contestada (Ingham, 2001), já que a proporção de gagueira é de 4 homens
para uma mulher. Os resultados das análises estatísticas deste estudo não permitem que se
diga que a gagueira, em sendo crônica, fique pior com as demandas linguísticas nem em
homens e meninos, nem em mulheres e meninas. Se a gagueira é um distúrbio de linguagem,
no entanto, essa estabilidade na faixa etária e no gênero faz sentido.
Verificou-se que idade e gênero parecem não importar na relação com os tipos gerais
de gagueira. Há mais gagueiras em palavras curtas (de até 3 sílabas) onde a incidência
estatística é mesma, do que em longas (de 4 a 7 sílabas). Constatou-se que bloqueios são
mais frequentes do que repetições em palavras com 4 ou mais sílabas, assim como são mais
frequentes do que prolongamentos em palavras com 5 ou mais sílabas. Isso sinaliza que há
repetições e prolongamentos em palavras longas. Porém, a quantidade de palavras gaguejadas
com mais de 4 sílabas no corpus é menor do que nas palavras de 1 até 3 sílabas, tanto que
médias, intervalos de confiança e desvios-padrão não puderam ser calculados em boa parte
das palavras de 4 ou mais sílabas. Mesmo que em palavras de 4 sílabas bloqueios sejam mais
frequentes do que repetições e em palavras de 5 sílabas, bloqueios sejam mais frequentes do
que repetições e prolongamentos, isso não quer dizer que a extensão da palavra tenha
influência na gagueira. A ruptura vai ocorrer em palavras de qualquer tamanho,
predominantemente nas que têm de 1 até 3 sílabas, e assim é tanto em adultos quanto
crianças, e em masculinos e femininos.
Seria possível especular que o cérebro teria uma certa "programação" para essas
quebras na fluência de palavras destes tamanhos?
sílabas, bloqueios são mais frequentes do que repetições. Para palavras de 5 sílabas, bloqueios
são mais frequentes do que repetições e prolongamentos. No entanto, a faixa etária, o gênero,
e a relação entre estes parece não influir nestas produções, que ocorrem de forma semelhante
no intervalo de tempo.
117
Resultados
Nos testes estatísticos foram usados os seguintes critérios:
a. Decisão: α < 0,05
b. O resultado considerado significativo foi: valor de p for menor que 0,05.
c. Como há uma diferença entre o número de sujeitos masculinos e femininos (proporção de
5:1 neste trabalho), todas as amostras que contém cruzamentos com a variável gênero
foram homogeinizadas. Assim, estas diferenças desapareceram e os achados estatísticos
ficaram mais representativos.
5.c1 Tonicidade
DESVIO-
TONICIDADE TEMPO MÉDIA -95% DO IC +95% DO IC
PADRÃO
1986-1990 0,09 0,06 0,12 0,13
1991-1995 0,05 0,03 0,07 0,09
ÁTONAS 1996-2000 0,05 0,03 0,07 0,10
2001-2005 0,06 0,04 0,09 0,11
Intervalo total de tempo 0,06 0,05 0,08 0,11
Hipótese 3: Conclusão 1
O Gráfico 23 ilustra os dados agrupados para a extensão das palavras gaguejadas, refletindo a
diferença do número de átonas (108.509) e tônicas (74.200) no corpus.
1986-1990
Tonicidade silábica Número de sílabas na palavra Soma de postos Kruskal-Wallis
1 1695
Átona 2 1005
3 1186 H = 11,30,
1 1379 p = 0,04*
Tônica 2 1405
3 350
1991-1995
Tonicidade silábica Número de sílabas na palavra Soma de postos Kruskal-Wallis
1 1528
Átona 2 1017
3 1022
H = 10,99, p = 0,052
1 1617
Tônica 2 1530
3 305
1996-2000
Tonicidade silábica Número de sílabas na palavra Soma de postos Kruskal-Wallis
1 1527
Átona 2 997
3 1162
H = 13,84, p = 0,01*
1 1382
Tônica 2 1645
3 306
2001-2005
Tonicidade silábica Número de sílabas na palavra Soma de postos Kruskal-Wallis
1 1411
Átona 2 1056
3 1065
H = 4,43, p = 0,48
1 1571
Tônica 2 1507
3 409
2 1026
3 1167
1 1467
Tônica 2 1531
3 216
Como houve diferenças estatísticas significativas nos dados do intervalo de tempo, foi
utilizado o teste Mann-Whitney (15 comparações Æ α < 0,0033) para localizá-las.
Encontrou-se maior ocorrência de gagueira em monossílabos átonos em comparação com
trissílabos tônicos (U = 986, Z = 4,22, p = 0,00002*); maior ocorrência de gagueira em
trissílabos átonos em comparação com trissílabos tônicos (U = 874, Z = 3,43, p = 0,0005*);
maior ocorrência de gagueira em monossílabos tônicos em comparação com trissílabos
tônicos (U = 1291, Z = 3,27, p = 0,001*) e maior ocorrência de gagueira em dissílabos tônicos
em comparação com trissílabos tônicos (U = 903, Z = 4,63, p = 0,000004*). O Gráfico 24
mostra as distribuições entre átonas e tônicas nas palavras gaguejadas.
Hipótese 3: Conclusão 2
As correlações mostraram que a tonicidade não influi de forma significativa no
número de sílaba das palavras gaguejadas. As gagueiras ocorreram marcadamente em
palavras de 1 até 3 sílabas, sem preferência por tônicas ou as átonas, descontadas as
diferenças de número entre elas.
124
Uma vez que gagueiras não preferenciam sílabas tônicas ou átonas, relacionou-se a
tonicidade com os tipos de gagueira para verificar alguma preferência ou diferença. Os
resultados das médias, intervalos de confiança e desvios-padrão estão na Tabela 44.
Intervalo de tempo
Tonicidade silábica Tipologia geral Soma de postos Kruskal-Wallis
Bloqueio 37794
Átona Prolongamento 29310
H = 20,50,
Repetição 41405
Bloqueio 22079
p = 0,001*
Tônica Prolongamento 22473
Repetição 29647
Além disso, há tendência para que repetições sejam mais frequentes em sílabas átonas do que
prolongamentos (U = 6120, Z = -2,72, p = 0,006); bloqueios sejam mais frequentes em
sílabas átonas do que prolongamentos (U = 2986, Z = -2,74, p = 0,006) e repetições sejam
mais frequentes em sílabas tônicas do que prolongamentos (U = 2530, Z = -2,72, p = 0,006).
Hipótese 3: Conclusão 3
A possível relação entre a faixa etária sobre gagueira em sílabas átonas e tônicas
também foi investigada. As médias, intervalos de confiança e os desvios-padrão obtidos
através da estatística descritiva estão da Tabela 46. Observa-se a regularidade destes números.
O Gráfico 27 ilustra estes dados. Crianças são bastante consistentes, pois gaguejam
igualmente em átonas e tônicas. Os adultos têm uma leve preferência por tônicas, embora esta
não tenha gerado diferença estatística significativa.
128
1986 - 1990
Faixa etária Tonicidade silábica Soma de postos Kruskal-Wallis
Átona 4099
Adulto
Tônica 2000
H = 1,92, p = 0,58
Átona 3163
Infantil
Tônica 2213
1991 - 1995
Átona 3854
Adulto
Tônica 2323
H = 5,39, p = 0,14
Átona 2825
Infantil
Tônica 2473
1996 - 2000
Átona 4022
Adulto
Tônica 1883
H = 0,52, p = 0,91
Átona 2969
Infantil
Tônica 2601
2001 - 2005
Átona 3610
Adulto
Tônica 2130
H = 2,52, p = 0,47
Átona 3190
Infantil
Tônica 2545
Intervalo de tempo
Átona 61801
Adulto
Tônica 33498
H = 5,82, p = 0,12
Átona 46708
Infantil
Tônica 40702
129
O teste ANOVA forneceu resultados igualmente não significativos (F= 0,84, p= 0,49),
mas, como os dados não apresentam distribuição gaussiana e igualdade de variâncias, o
resultado deste teste não deve ser tomado como principal referência.
Hipótese 3: Conclusão 4
Ser adulto ou criança não interfere na produção de gagueiras em sílabas tônicas ou átonas. A
gagueira se mantém estável ao longo do tempo e nas faixas etárias.
O Gráfico 29 mostra que os intervalos de confiança para mulheres e meninas são um pouco
mais expandidos do que para homens e meninos.
Hipótese 3: Conclusão 5
Gênero igualmente não interfere na produção de gagueira em sílabas tônicas ou átonas.
5.c6 Discussão
A tonicidade não se mostrou um fato relevante nesta investigação. Isoladamente, não
pareceu ter influência. Só quando associada ao número de sílabas mostrou-se significativa. O
acento ou tonicidade de uma sílaba se caracteriza por um aumento do esforço articulatório
(Natke et al., 2002), isto é, do esforço realizado pelo aumento da duração, da intensidade, da
frequência fundamental e da acurácia da articulação das sílabas. Para Mattoso Câmara Jr.
(1964), o acento "é a maior intensidade ou a maior altura com que a emissão de uma sílaba se
opõe às que lhe ficam contíguas numa enunciação" (p.20).
O foco das atenções tem se voltado para as sílabas iniciais e mediais das palavras e na
duração da sílaba acentuada ou gaguejada. Segundo Bloodstein (1995), é indiscutível que a
ocorrência de gagueira em sílabas finais de palavras ou enunciados é muito rara,
especialmente ao final de palavras isoladas. Weiner (1984) demonstrou que eventos de
gagueira estão associados com a produção de sílabas iniciais num experimento somente com
palavras dissílabas, independentemente do local da tônica. A supremacia da posição inicial
sobre sílaba tônica para as ocorrências de gagueira foi demonstrada em uma situação
controlada e específica: sujeitos com gagueira produziam palavras dissílabas isoladas que
eram alternadamente acentuadas na primeira ou na segunda sílaba. É bom notar que Weiner
não contemplou a produção de palavras fora de um contexto controlado.
133
Wernicke, que é responsável pela percepção e compreensão da fala. A área de Broca também
recebe as integrações das áreas corticais sensoriais, da memória e dos centros emocionais do
cérebro. Recebidas as informações linguísticas (o signo e as combinações morfossintáticas,
semânticas, fonológicas e pragmáticas) pelo córtex motor, potencializa-se a programação
motora sequencial. O fluxo involuntário da fala pode ficar temporariamente rompido quando
ocorre um desequilíbrio dos sistemas operacionais neurais (segmentação e ordenação) antes
que a mensagem chegue ao córtex motor.
Parece não haver interação entre tonicidade e tipologia da gagueira. Mesmo que haja
algum tipo de "atração" entre tonicidade e tipologia, na forma desta pesquisa, esses fatores
não apresentaram interdependência.
Resultados
Nos testes estatísticos foram usados os seguintes critérios:
a. Decisão: α < 0,05
b. O resultado considerado significativo foi: valor de p for menor que 0,05.
c. Como há uma diferença entre o número de sujeitos masculinos e femininos (proporção de
5:1 neste trabalho), todas as amostras que contém cruzamentos com a variável gênero foram
homogeinizadas. Assim, estas diferenças desapareceram e os achados estatísticos ficaram
mais representativos.
Primeira 15462
Segunda 9111
1991-1995 H = 148,39, p = 0,001*
Terceira 8460
Quarta 8582
Primeira 14928
Segunda 9407
1996-2000 H = 129,40, p = 0,001*
Terceira 8640
Quarta 8640
Primeira 15896
Segunda 9186
2001-2005 H = 160,07, p = 0,001*
Terceira 8326
Quarta 8208
Primeira 245.746
Segunda 149.363
Intervalo total H = 566,57, p = 0,0001*
Terceira 134.747
Quarta 134.271
Hipótese 4: Conclusão 1
Houve alta significância estatística em todos os quinquênios e no intervalo total do tempo
quando as ocorrências de gagueira foram comparadas em relação à posição silábica.
139
Hipótese 4: Conclusão 2
Não houve diferenças estatisticamente significativas quando as ocorrências de
gagueira em primeira sílaba foram comparadas com a tonicidade silábica. A incidência de
gagueiras nas primeiras sílabas independe de estas serem tônicas ou átonas.
Para saber se a faixa etária influencia na posição silábica das palavras gaguejadas, a
análise estatística descritiva mostrada na Tabela 54 gerou médias, intervalos de confiança e
desvios-padrão para adultos e crianças usando apenas as primeiras e segundas sílabas, já que a
partir da terceira não se têm dados para comparar.
Adulto 1316
1991-1995 U = 645, Z = 0,02, p = 0,97
Infantil 1311
Adulto 1265
1996-2000 U = 599, Z = -0,54, p = 0,58
Infantil 1362
Adulto 1334
2001-2005 U = 627, Z = 0,23, p = 0,81
Infantil 1293
Adulto 20712
Intervalo total U = 10272, Z = -0,13, p = 0,89
Infantil 20903
Hipótese 4: Conclusão 3
A faixa etária não influencia a posição silábica das gagueiras. Adultos e crianças parecem
gaguejar da mesma forma.
O Gráfico 37 mostra a incidência de gagueira em primeiras sílabas na sua relação com gênero.
Feminino 1249
1991-1995 U = 583, Z = -0,72, p = 0,46
Masculino 1378
Feminino 1293
1996-2000 U = 627, Z = -0,23, p = 0,81
Masculino 1335
Feminino 1249
2001-2005 U = 583, Z = -0,72, p = 0,46
Masculino 1378
Feminino 19887
Intervalo total U = 9447, Z = -1,30, p = 0,19
Masculino 21728
O Gráfico 38 mostra que a gagueira de masculinos e femininos estão nas primeiras sílabas das
palavras em todos os quinquênios
Hipótese 4: Conclusão 4
Ser do gênero masculino ou feminino não interfere na incidência de gagueiras em primeiras
sílabas das palavras.
O Gráfico 39 mostra o agrupamento dos dados entre posição silábica, gênero e faixa etária.
147
Mulheres 618
Homens 698
1991-1995 H = 0,57, p = 0,90
Meninas 631
Meninos 680
Mulheres 599
Homens 666
1996-2000 H = 0,66, p = 0,88
Meninas 693
Meninos 669
Meninos 729
Mulheres 10203
Homens 10509
Intervalo total H = 2,57, p = 0,46
Meninas 9684
Meninos 11219
O Gráfico 40 mostra a posição silábica nas mulheres e meninas. Comparado ao Gráfico 39, as
diferenças são quase inexistentes.
Hipótese 4: Conclusão 4
Não parece haver relação entre gênero e faixa etária com a ocorrência de gagueira em
primeiras sílabas. Homens e meninos, mulheres e meninas gaguejam prioritariamente nas
primeiras sílabas das palavras.
5.d6 Discussão
Natke et al. (2002) sugerem que a análise do "word-initial effect" seja realizada através
da análise da frequência de gagueiras na primeira sílaba e nas subseqüentes, separadamente da
tonicidade, para isolar ou verificar se a tonicidade estaria em outras sílabas além das
primeiras. Seguiu-se a sugestão e realizou-se este estudo com esta variável.
Os resultados obtidos nesta hipótese, também concordam com o que Natke et al.
(2004) encontraram em suas investigações: 97,8% de momentos de gagueira em primeiras
sílabas das palavras e 76,5% de ocorrência nos primeiros fones das palavras. Os autores
investigaram gagueiras em Alemão, além de gagueiras em Inglês, no aspecto tonicidade e
posicionamento nas sílabas. Nestas línguas, tonicidade e posição da silaba se confundem
porque as primeiras sílabas são geralmente acentuadas e por isso encontraram um índice
elevado de gagueiras em primeiras sílabas. Hubbard (1998) encontrou em sua pesquisa uma
quantidade similar de gagueiras em sílabas tônicas e átonas.
O que parece claro é que há dificuldade para iniciar as palavras, e não para finalizá-las.
Essa característica pode apontar para os núcleos da base e a existência de pautas gestuais
"pré-fabricadas" para as palavras, porque, a partir do momento em que a via direta dos
núcleos da base consegue selecionar/ativar o início da palavra, o restante simplesmente "sai"
(Merlo, 2009, em comunicação pessoal).
Um dos achados igualmente relevantes desta investigação foi o caso das gagueiras em
palavras monossilábicas. Já se viu na hipótese 4 que, das 1.326 palavras gaguejadas, 1.286
tiveram gagueiras nas primeiras sílabas. Destas, 648 são em palavras monossilábicas. Esse
número representa 48,86% do total de palavras gaguejadas coletadas e 50,4% do total das que
apresentaram gagueira em primeiras sílabas. Por ser um número expressivo, e porque
representam quase a metade das palavras constituintes do corpus, resolveu-se dar uma atenção
especial a esta categoria. Há na literatura relatos sobre gagueira em palavras de classes abertas
e fechadas, ou em itens lexicais e funcionais, que na língua inglesa são geralmente
monossilábicas.
Como esse dado é um subproduto das hipóteses 3 e 4, não havia uma hipótese
específica formulada a priori para estes achados. Por isso, eles serão apresentados aqui
inicialmente com os resultados experimentais, sem tratamento estatístico. Ver quais foram as
palavras monossilábicas usadas pelos portadores e qual foi a sua distribuição por classes
morfológicas com a consistência das ocorrências, pode aprimorar o entendimento da gagueira
como um distúrbio de linguagem e a consequente qualificação dos processos de avaliação e
terapia para tal.
gagueira com os "eu" sem gagueira, dentro das 12.000 palavras. E finalmente se fez a análise
estatística.
Monossílabos Átonos 1986/1990 total 1991/1995 total 1996/2000 total 2001/2005 total TOTAIS TOTAIS CLASSE CLASSE
gagueiras falado gagueiras falado gagueiras falado gagueiras falado GAGUEIR FALADO GAGUEIR FALADO
A A
a 2 31 1 30 4 31 2 33 9 125
Artigo o 1 11 1 17 3 25 0 29 5 82
D fi id
Definido as 1 8 0 7 1 8 1 7 3 30 19 243
os 2 4 0 0 0 0 0 2 2 6
Artig um 5 18 2 19 2 15 0 21 9 73 10 81
Indefinido uns 1 5 0 0 0 2 0 1 1 8
Pron Pes me 2 18 0 15 1 14 3 11 6 58
Oblíquo te 0 0 0 2 0 0 1 1 1 3 7 61
das 2 2 0 0 0 0 0 1 2 3
pra 1 10 1 9 6 16 1 4 9 39
de 7 36 7 50 3 22 3 25 20 133
na 1 11 2 3 1 11 1 11 5 36
no 2 21 2 20 4 11 4 16 12 68
dos 0 0 1 1 0 1 0 0 1 2
Preposição com 4 27 5 15 2 14 2 14 13 70 81 479
em 3 19 0 12 1 2 1 14 5 47
da 1 3 1 3 2 6 1 10 5 22
do 0 7 0 2 2 12 1 14 3 35
sem 1 1 0 1 0 2 0 0 1 4
por 2 9 0 0 0 3 1 5 3 17
ao 0 0 0 0 0 0 2 2 2 2
Conjunção e 1 41 3 48 4 37 3 42 11 168
mas 1 15 0 10 1 11 2 16 4 52
que 9 75 2 69 11 89 5 70 27 303 54 572
se 2 9 0 10 5 12 4 10 11 41
nem 0 1 1 3 0 2 0 2 1 8
TOTAL 26 51 382 29 346 53 346 38 361 171 1435 171 1436
MonossílabosÁtonos 1986-1990 total 1991-1995 total 1996-2000 total 2001-2005 total TOTAIS TOTAIS CLASSE CLASSE
gagueiras falado gagueiras falado gagueiras falado gagueiras falado GAGUEIRAS FALADOS GAGUEIRAS FALADOS
a 7 33 3 41 3 33 2 26 15 133
Artigos o 6 38 4 35 3 43 4 38 17 154 35 321
Definidos as 1 6 0 5 0 1 0 4 1 16
os 0 5 1 4 0 3 1 6 2 18
Artigo um 5 31 4 23 3 30 2 18 14 102 14 102
Indefinido
PronObli Pess me 0 0 0 6 2 6 0 5 2 17 2 17
da 2 4 2 11 0 2 1 10 5 27
pra 9 17 3 17 1 10 6 22 19 66
de 5 44 3 33 1 36 3 41 12 154
Preposições na 1 15 6 12 0 9 0 16 7 52 68 466
no 1 16 1 14 1 17 2 13 5 60
do 5 19 3 11 1 1 3 11 12 42
com 0 3 1 8 5 18 0 11 6 40
em 0 2 2 6 0 7 0 6 2 25
Conjunções e 15 44 9 57 5 42 11 44 40 187
mas 10 13 1 6 3 6 3 8 17 33
que 3 41 5 51 5 54 5 41 18 187 80 440
ou 1 3 0 3 0 2 0 1 1 9
se 0 5 0 4 2 5 1 4 3 18
nem 0 2 0 1 1 2 0 1 1 6
total 20 71 341 48 348 36 327 44 326 199 1346 199 1346
Monossílabos Tônicos 1986-1990 total 1991-1995 total 1996-2000 total 2001-2005 total TOTAIS TOTAIS CLASSE CLASSE
gagueira falado gagueira falado gagueira falado gagueira falado GAGUEIRA FALADO GAGUEIRA FALADO
Substantivos pé 0 0 0 0 1 1 0 3 1 4 3 23
mãe 0 3 0 1 1 2 0 4 1 10
vez 0 1 0 2 1 3 0 3 1 9
Adjetivos só 4 13 5 14 1 13 0 5 10 45 10 45
bem 1 13 1 5 0 2 1 3 3 23
Advérbios já 1 1 0 6 2 4 2 5 5 16
não 8 41 1 27 2 45 3 29 14 142
lá 1 10 2 18 2 14 0 5 5 47 29 239
tão 1 2 0 0 0 0 0 1 1 3
sim 0 0 0 1 0 2 1 5 1 8
Pron Pes eu 19 37 10 65 6 45 7 44 42 191 42 191
Retos
Pron Pes Obli quem 0 2 1 2 0 0 0 1 1 5 1 5
U = 1008, Z = -0,02,
1996-2000 2136 1959
p = 0,98
U = 1072, Z = 0,40,
2001-2005 2263 2297
p = 0,68
Intervalo U = 1371, Z = 0,02,
2919 2646
total p = 0,97
U = 1095, Z = 0,20
2001-2005 2139 2421
p = 0,84
U = 1095, Z = -1,69
Intervalo total 2176 3389
p = 0,09
O Gráfico 44 ilustra o fator tonicidade ao longo do tempo, para as palavras faladas. Observa-
se que há regularidade entre os quinquênios.
Intervalo de tempo
Monossílabos falados - com e sem gagueira
Tonicidade Classe morfológica Soma de postos Kruskal-Wallis
Artigo definido 559 H = 30,57
Artigo indefinido 209
Átonos Pronome pessoal oblíquo 203 p = 0,006*
Preposição 1240
Conjunção 769
165
Substantivo 94
Adjetivo 255
Advérbio 516
Pronome pessoal reto 261
Pronome interrogativo 9
Tônicos
Pronome possessivo 115
Numeral 109
Pronome pessoal oblíquo 20
Interjeição 24
Verbo 1178
Para localizar as diferença, foi utilizado o teste Mann-Whitney. Como são 105
comparações dois a dois, o α ajustado é menor que 0,00048. Nenhum dos resultados a seguir
é significativo com o α ajustado. Então, os resultados com p menor que 0,05 serão
considerados como tendentes a significativos. O fato é indicativo de que a amostra precisa ser
ampliada. Encontrou-se:
a. Artigos definidos ocorreram com maior frequência no corpus do que substantivos (U =
2, Z = 2,63, p = 0,008) e do que numerais (U = 2, Z = 2,37, p = 0,01).
b. Pronomes pessoais retos ocorreram com maior frequência no corpus do que
substantivos (U = 0, Z = -2,23, p = 0,02) e do que numerais (U = 0, Z = 2,12, p =
0,03).
c. Preposições ocorreram com maior frequência no corpus do que substantivos (U =
12,5, Z = 2,54, p = 0,01) e do que verbos (U = 169, Z = 2,32, p = 0,02).
d. Conjunções ocorreram com maior frequência no corpus do que substantivos (U = 5,5,
Z = 2,49, p = 0,01).
e. Adjetivos ocorreram com maior frequência no corpus do que substantivos (U = 0, Z =
-2,44, p = 0,01).
f. Verbos ocorreram com maior frequência no corpus do que artigos definidos (U = 48,5,
Z = 2,41, p = 0,01), do que pronomes pessoais retos (U = 8,5, Z = 2,23, p = 0,02) e do
que conjunções (U = 74, Z = 2,49, p = 0,01).
Para análise das classes morfológicas dos monossílabos gaguejados, foram excluídos
os pronomes interrogativos, as interjeições e os pronomes pessoais oblíquos tônicos, porque
ocorreram apenas em uma das faixas etárias. Sendo assim, não havia comparação.
verbos. Embora não se tenha achado relevância estatística, na soma dos postos, as preposições
(1122) são a classe com maior quantidade de gagueira, seguidas de longe por conjunções
(479). Nos monossílabos tônicos, verbos (1577) são o destaque. Aqui os advérbios (423)
estão em um segundo lugar distante.
Observação: o teste ANOVA também foi aplicado e forneceu os mesmos resultados não-
significativos. Entretanto, os resultados deste teste não devem ser tomados como referência
principal, porque os dados não satisfazem os parâmetros de distribuição gaussiana e
homoscedasticidade.
5.e4 Discussão
Parece que este fato varia de acordo com a faixa etária. Howell, Au-Young e Sackin
(1999) testaram grupos de crianças de 2 a 6 anos, 7 a 9 anos, 10 a 12 anos, 13 a 18 anos, e
adultos de 20 a 40 anos. Houve um percentual maior de gagueiras em palavras de função no
grupo de 2 a 6 anos e uma gradual diminuição ao longo das faixas etárias. Estes achados
concordam com Hubbard (1998), Throneburg, Yairi e Paden (1994) e Bloodstein e Grossman
(1981), que dizem que as gagueiras geralmente ocorrem em palavras monossilábicas ou
palavras de função, como preposições, artigos, pronomes, entre outras.
168
Munte et al. (2001) testaram os efeitos da frequência nas classes das palavras abertas e
fechadas através de ERPs no Alemão e, embora tenham percebido algumas distinções
relativas às classes e às frequências destas palavras, concluíram que as atividades neurais nas
duas classes são semelhantes. Dworzynski et al. (2004), igualmente estudaram gagueiras em
palavras de conteúdo e função no Alemão, que contém substantivos compostos e longos, e são
mais complexas do que os do Inglês. Os resultados indicaram que as palavras que precedem a
palavra de conteúdo têm maiores taxas de disfluência que aquelas que seguem a palavra de
conteúdo. Os falantes jovens apresentam altos índices de disfluência em palavras de função,
mas estes caem com a idade e, correspondentemente, a taxa de disfluência aumenta nas
palavras de conteúdo. Sugerem que as categorias lexicais contêm alguma característica
comum que está associada com fluência nas duas línguas.
As cinco primeiras são classes que tipicamente iniciam sintagmas. Preposições têm a
função de estabelecer relações lógicas e tendem a iniciar sintagmas preposicionais (Ilari et al.,
2008). Conjunções têm a função de interligar proposições e tendem a iniciar orações (Ilari,
2008). Os verbos são centrais nas orações e, por causa deles, estabelecem-se papéis temáticos,
além de eles também iniciarem sintagmas verbais (Ilari e Basso, 2008). Os pronomes
estabelecem relações (muitas vezes dêiticas) e iniciam sintagmas (Neves, 2008). Os artigos
definidos iniciam sintagmas nominais, estabelecendo relações anafóricas (Braga, et al., 2008).
Substantivos monossilábicos foram pouco frequentes (crianças falaram 23 e gaguejaram em 3,
e adultos falaram e gaguejaram em 3). Os advérbios monossilábicos foram mais frequentes no
corpus do que os substantivos (adultos falaram 268 e gaguejaram em 22 [8%] e crianças
falaram 239 e gaguejaram em 29 [12%]). Na discussão com Merlo sobre a análise dos dados,
concluiu-se que parece que tanto o início quanto a complexidade do sintagma são importantes
para os adultos. Para as crianças, tem-se a impressão que os inícios dos sintagmas são mais
importantes.
É necessário fazer uma ressalva a respeito dos estudos citados. Falas coletadas em
laboratório, com listas de palavras construídas com objetivos específicos, certamente isolam e
controlam as variáveis de pesquisa, e isso é bom. Mas são palavras lidas. As prosódias das
leituras são diferentes das prosódias da fala espontânea.
O que prepondera nestas definições é a idéia de média. O que vem a ser baixa
quantidade, ou distribuição adequada, ou elocução confortável, nem muito lenta, nem muito
rápida? Comparados com o quê? Enquanto não quantificados, fica evidente que esses
conceitos são subjetivos porque estão diretamente ligados à percepção da comunidade
circundante, no geral, e no ouvido do ouvinte no particular. A taxa de elocução do Rio Grande
do Sul, por exemplo, é considerada alta na Bahia. Mesmo sem medições quantitativas, que
poderiam desdizer essa afirmativa, a avaliação perceptiva induz a essa conclusão. Da mesma
forma, estudiosos do tema dizem que boa parte da gagueira está nos ouvidos do interlocutor
que, ao ouvir uma fala gaguejada, tem dificuldades para fazer um ajuste rápido dos seus
processos auditivos para adequar-se à ruptura na fluência. Além desse aspecto, o
entendimento do quanto uma fala está ou é "adequada", ou a partir de quando se torna
"inadequada" para ser considerada uma dificuldade, advém do conhecimento empírico e
teórico que o ouvinte possa ter a esse respeito. Muitas vezes o senso comum prevalece,
inclusive entre profissionais de áreas confluentes que poderiam/deveriam estar mais
familiarizados com os avanços da ciência (Bohnen e Oliveira, 2004 a, 2004b; Bohnen e
Lisboa, 2006).
Yairi e Ambrose (2005) dizem que, dependendo dos conceitos do ouvinte sobre
gagueira - uma dificuldade de fala e linguagem, ou uma dinâmica de personalidade, por
exemplo - sua compreensão, ensino, pesquisa e referenciais teóricos influenciarão diretamente
na forma como o fenômeno é visto e ouvido. E no meio acadêmico essas influências são
172
facilmente detectadas. Quem entende que gagueira é uma manifestação externa de conflitos
internos, vai enfatizar a necessidade de aconselhamentos na área da psicoterapia. Quem
entende gagueira como uma manifestação de comportamentos adquiridos, vai enfatizar um
tratamento baseado em técnicas de condicionamento operante. E quem entende gagueira
como uma dificuldade de linguagem, irá buscar o entendimento fonoaudiológico sobre como
a linguagem é organizada, planejada e executada pelo cérebro e manifestada pelo portador.
Muitos eventos de fala podem ser percebidos como gagueira por uns e como uma fala
normal para outros. A forma da linguagem usada, a frequência e distribuição das ocorrências
das dificuldades percebidas como "adequadas" ou "não adequadas" pelo ouvinte, são
determinantes para influenciar a percepção do ouvinte, e seu consequente posicionamento
sobre a questão. Yairi e Ambrose (2005) estabelecem que o elo de ligação entre
comportamentos que parecem fluentes e os que parecem gagueira deveria ser feito através
daquilo que estatisticamente é mais provável, tanto na frequência de ocorrência dos eventos
nos que gaguejam, quanto naquilo que o ouvinte percebe como gagueira. Dessa forma, se
caminharia na direção de erradicar as noções (teorias sem fundamentação, senso comum,
preconceito, entre outros) sobre o que gagueira "deveria" ser.
HESITAÇÕES GAGUEIRAS
1. evidentes rupturas da fala 1. sim
2. rupturas na linearidade material 2. sim
3. rupturas em pontos sintática e 3. não
prosodicamente desmotivados
4. não são aleatórias 4. são involuntárias, individuais,
imprevistas, intermitentes,
incontroláveis e inesperadas.
Porém, em termos estruturais não
são aleatórias porque ocorrem em
maior frequência na primeira
sílaba das palavras.
5. preservam a fluência 5. rompem a fluência
6. fluência discursiva e 6. ruptura na fluência discursiva
descontinuidade sintática não provoca descontinuidade sintática
formam uma dicotomia
7. só detectáveis no decurso das 7. sim
atividades comunicativas
8. manifestação de atividades 8. neurociências afirmam que a
discursivas na superfície do texto gagueira está nos núcleos da base
falado do cérebro e se refletem no texto
falado; afeta a SINCRONIA de
todos os níveis: respiratório,
fonatório, articulatório, e de
organização sequencial do
pensamento, tanto na linguagem
oral quanto na leitura, em não
palavras, em sílabas e em
linguagem de sinais
9. mecanismo presente em todas as 9. distúrbio presente em todas as
línguas línguas
10. dizem respeito ao COMO e não 10. sim
ao QUE se fala
174
Nos aspectos formais (Quadro 4), as semelhanças entre hesitações e gagueira ainda
são menores (29,4%) do que as diferenças (70,6%). O autor notou em seu levantamento sobre
as hesitações uma "notável consistência quanto à frequência de fenômenos" (p.58). O mesmo
pode se dizer da investigação relatada aqui. "O percentual de itens funcionais é revelador e
sugere que as hesitações são de fato momentos de planejamento on-line que interferem no
processamento" (p.59).
1. FENÔMENOS PROSÓDICOS
1.1.a silêncios intraturnos com uma certa 1.1.a silêncios de durações variadas em
duração e no contexto de um padrão posições iniciais da elocução, sem padrão
entoacional característico entoacional característico
2.1 representam sons de alta frequência no 2.1 são de baixa frequência na fala das
Português pessoas que gaguejam
2.2 constituem-se de sons que não 2.2 constituem-se de sons que não
realizam palavras lexicalizadas realizam palavras lexicalizadas
2.3 são quase sempre alongados e 2.3 podem sofrer rupturas durante sua
preenchem pausas emissão ou ocorrem imediatamente antes
de uma ruptura
3. ITENS FUNCIONAIS
4.2 dentre estes, verbos de uma ou duas 4.2 em monossílabas gaguejadas, verbos
sílabas predominam respondem por 16,2% de ocorrência
6.1 operam como prenúncios de uma 6.1 operam como evitações de gagueiras
correção
6.2 produzidos em caráter prospectivo 6.2 sim, é a próxima sílaba que “não
sai”.
Marcuschi concluiu que os itens funcionais são as formas linguísticas mais frequentes
como material linguístico para constituir as hesitações. Como encontrou um predomínio de
palavras funcionais na construção das hesitações, considera-as um indicador de planejamento
sintático e cognitivo e não simplesmente uma estratégia de formulação textual. Embora esta
investigação não tenha objetivado analisar as palavras gaguejadas nos contextos sintáticos e
semânticos, a frequência significativa de suas ocorrências é nos inícios das palavras e em
classes que geralmente iniciam sintagmas.
Sobre a funcionalidade das hesitações, o autor surpreende-se com a sua falta de papel
sintático. Gagueiras igualmente não cumprem função sintática. Já no que concerne aos seus
possíveis papéis formais, as hesitações indicam tanto a orientação ou reorientação de seleções
sintagmáticas como uma atividade de busca/confirmação de seleções lexicais. As atividades
de construção de estrutura e de identificação de referentes são observadas na gagueira através
da estratégia de substituição de palavras. Como o intervalo de tempo entre o pensar e o falar
177
está ao redor de 450ms, a pessoa que gagueja geralmente antecipa as palavras que serão
gaguejadas. Para evitar que isso aconteça, imediatamente sai na busca de uma substituta
enquanto continua falando. Esse recurso nem sempre funciona por conta das concordâncias
nominais e verbais inerentes ao texto (Bohnen, 2005). O resultado não é bom, pois o texto
falado muitas vezes acaba confuso, o interlocutor nem sempre compreende o que está sendo
dito e, na sequência, o falante - ao perceber a confusão do ouvinte - distrai-se do controle. A
ruptura que acontece no processamento da sequência das palavras não consegue ser evitada e
quebra na fluência aparece.
O'Connell and Kowal (2004) acreditam que as pausas preenchidas devem ser
categorizadas como disfluências, e que é importante entendê-las como um evento da
linguagem oral que, quando transcritas, podem afetar o seu entendimento. Dizem que quem
transcreve o faz de forma profundamente influenciada pela exposição excessiva de formas
sintaticamente bem organizadas, advinda do uso da língua escrita. O discurso oral espontâneo
é impossível de ser transcrito em um jeito exclusivamente oral. As pausas preenchidas
incluem o anúncio de atraso, o anúncio de novas informações, e às vezes, o anúncio de
problemas de preparação.
Uma fala que sai natural requer controle rigoroso sobre a estrutura temporal do fluxo
da fala. Esse controle exige um esquema altamente preditivo sobre a estrutura temporal do
enunciado. O ouvido humano precisa fazer a conversão de segmentos fonêmicos
em eventos de fala audível, o discurso deve conter inflexão vocal "natural", ritmo e
tonicidade. Em outras palavras, a fala requer recursos prosódicos, regidos por fenômenos
178
Todos esses fatos, segundo Zellner, contribuem para que as pausas, ao serem produzidas,
ocorram em lugares regulares e previsíveis no texto falado.
Merlo e Barbosa (2009) em seu estudo sobre o fenômeno das hesitações, concluíram
que essas não são distribuídas aleatoriamente na produção da fala. As hesitações comportam-
180
se como fenômenos estáveis, que podem ser antecipados. Sugerem que as atividades de
macroplanejamento (seleção e ordenação da informação) para o processamento da linguagem
falada ocorrem em paralelo na memória de trabalho. As hesitações parecem ser um estratégia
para manter a fluência e não para diminuí-la.
Ao gaguejar, a pessoa usualmente perde seu turno na conversação.
Quando se trata de hesitação comum, Martins (2007) concluiu que a idade foi um fator
extremamente importante quando analisou a fluência em 600 sujeitos brasileiros, ao contrário
de fatores como gênero, taxa de elocução e escolaridade. Contrariando Martins, a faixa etária
não se mostrou um fator importante de acordo com os resultados estatísticos aqui
apresentados. Os dados deste estudo parecem apontar para comportamentos distintos entre
hesitações comuns e gaguejadas. Hesitações e gagueiras, apesar de algumas semelhanças
auditivas (principalmente para o ouvido leigo), parecem estar relacionadas a processos
linguísticos diferentes.
Clark e Wasow (1998) dizem que "...a repetição de palavras é geralmente vista como
um erro, mas não é um erro em si. É uma solução inteligente para dois problemas: como falar
de maneira adequada e como falar com fluência. A repetição de palavras merece nosso
respeito como um modo efetivo e eficiente de lidar com esses problemas". Não se sabe se
Marcuschi concordaria com essa frase. Mas para as pessoas que gaguejam, bloquear,
prolongar e repetir palavras, fones e sílabas, não é uma estratégia. É o próprio problema.
181
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.c Conclusão
“A variabilidade da gagueira é frequentemente desconcertante para o ouvinte e
misteriosa para a pessoa que gagueja” (Alm, 2006).
Ao final da investigação, conclui-se que, dentro da variabilidade há mais do que
suficiente estabilidade e regularidade nas palavras gaguejadas por crianças e adultos para
caracterizar a gagueira como um distúrbio de linguagem.
Uma vez que não há diferenças entre as palavras gaguejadas por adultos e crianças,
sugere-se que o foco seja a gagueira infantil, já que, atualmente, sua expectativa de superação
da gagueira é maior que a dos adultos.
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