Funcionarios Deus
Funcionarios Deus
Funcionarios Deus
e s t u d o d a s r e l i g i õ e s
os «Funcionários de Deus»:
a vocação religiosa a partir
da Psicologia profunda
de eugen drewermann
tatiene Ciribelli
santos almeida 1
Linn afirma que o tema frequente estudado por drewermann
Doutoranda e Mestre em é a questão do mal, focando primadamente a maldade humana. esta
Ciência da Religião, preferência parece ter sido influenciada diretamente por suas expe-
Universidade Federal de Juiz
de Fora, Minas Gerais (Brasil) riências dolorosas na segunda guerra Mundial. em função disso, sua
posição atual é de pacifista e anti-militarista.
Revista Lusófona de CiênCia das ReLigiões – ano X, 2013 / nn. 18-19 319
pp. 319-324_Tatiene Ciribelli Santos Almeida:RLCR 01-06-2014 23:00 Page 320
os «Funcionários de deus»
de acordo com a tradição da igreja Católica apostólica Romana, vocação religiosa
é um chamado especial onde o «eleito» é consagrado a deus de um modo novo, com-
prometendo-se a viver com três votos ou conselhos evangélicos: na castidade consa-
grada, mantendo-se solteiro e abstendo-se das relações sexuais; na pobreza evangé-
lica, já que o dom recebido é gratuito e deve ser doado desinteressadamente; e na obe-
diência apostólica, a qual exprime a vontade de deus que é manifestada ao presbí-
tero, através dos legítimos superiores (CongRegaÇÃo PaRa o CLeRo, 1994). «É
função própria da vocação religiosa ser sinal capaz de atrair e animar os cristãos, a
cumprir com alegria e dedicação os compromissos da vocação cristã» (CnBB, 1995).
a igreja Católica entende que «mediante a consagração sacramental, o sacerdote
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título original no alemão: Kleriker. Psychogramm eines Ideals.
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esta é a obra traduzida para o português de Portugal que será utilizada neste trabalho. o título no
original alemão é Kleriker. Psychogramm eines Ideal. na edição traduzida em Portugal, o título recebeu esta
denominação.
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iCaR: igreja Católica apostólica Romana.
tância no sentido de direcionar a vida do sujeito na escolha vocacional. Para aquele que
opta por tornar-se um clérigo, o caminho não é diferente. drewermann foca seu estudo
nos aspectos psicológicos, humanos, e não pretende levar em consideração, pelo menos
na obra principal utilizada para esta pesquisa, o fator «sobrenatural» (dReWeR-
Mann, 1998) responsável por nomear o vocacionado de um «eleito» de deus.
Para isso, o autor começa destrinchando a relação da criança, especialmente, com
sua mãe. será a partir dessa relação primária que drewermann tirará subsídios para
conceituar os termos-chave da sua teoria, que são, entre outros, a inseguridade
(termo apresentado na edição portuguesa de Funcionários de Deus, e que se optou por
manter neste trabalho) ontológica, o sacrifício e a responsabilidade que o futuro clé-
rigo acredita que possui em relação aos outros. esses aspectos, de acordo com o autor,
fazem com que o clérigo viva suas funções de forma somente exteriorizada, e, con-
sequentemente, a solidão torna-se a sua companheira inevitável.
Para drewermann, a Psicanálise teve o mérito de trazer o valor do inconsciente
na vida do ser humano, mostrando que o homem não consegue utilizar-se somente
da razão para fazer suas escolhas pessoais. estas são orientadas por conteúdos mui-
tas vezes desconhecidos, que são os conteúdos inconscientes. esses conteúdos são
elaborados desde os primeiros momentos de vida do ser humano e interferem dire-
tamente no decorrer da existência do indivíduo.
dessa forma, drewermann acredita que a margem de liberdade pessoal torna-se
muito pequena, tendo em vista a psicodinâmica do inconsciente. e essa conclusão
também se refere à escolha da vida religiosa. essa opção vocacional somente vai tor-
nar-se viável levando-se em conta as questões inconscientes da vida do vocacionado,
enfatiza o autor.
e é justamente nesse ponto que se deu a grande questão da vocação religiosa para
drewermann. o que leva um jovem a ser um clérigo, levando em consideração os
motivos psicológicos? a novidade dessa pergunta é a suspeita de que há conteúdos
inconscientes que influem nessa escolha.
a questão familiar é amplamente analisada por drewermann, pelo fato dele acre-
ditar que é nesse âmbito que se dão os primeiros passos para a vocação religiosa, le-
vando-se em consideração os conteúdos inconscientes que são «construídos» desde
a mais tenra idade. Portanto, a relação dos pais (principalmente da mãe) com o bebê
é de extrema valia. somente entendendo essa relação foi que drewermann chegou
a construir sua abordagem psicológica, acreditando que toda angústia causada por
uma mãe frágil, que por sua vez, foi condicionada pelo seu contexto social, irá dire-
cionar a vida do futuro clérigo.
esse jovem cresce acreditando que poderá salvar a sua mãe de toda a tristeza pro-
vocada por ele mesmo, já que ele se imagina um peso na vida dela. dessa forma, a
criança forma a ideia de ser o responsável no intuito de colaborar na salvação da mãe,
precisando ligar-se a uma missão para atingir êxito nesse seu objetivo.
a missão escolhida pelo jovem é vista como especial, entende drewermann, pois
já na infância essa criança viveu a experiência de ser uma exceção dentro do ambiente
familiar. dessa maneira, o autor cita que «para alguém assim totalmente se identifi-
car com a sua tarefa, terá que, no decorrer do seu processo de evolução psíquica, ter
sido já guiado para ela, como sendo a forma de identidade que a si mesmo lhe pa-
rece adequada» (dReWeRMann, 1998).
Conclusão
desde o início da obra Funcionários de Deus, drewermann deixa bem clara sua in-
tenção de ajudar e salvar aqueles que se sentem chamados. seu objetivo é dar voz
àqueles que, apesar de protegidos institucionalmente pela iCaR, sentem-se confu-
sos e sofridos em relação à sua própria vivência pessoal. drewermann consegue de-
monstrar que os dramas sacerdotais são os mesmos e equivalentes a qualquer sofri-
se por meio deste livro fosse possível ajudar a fazer falar o que está re-
calcado, ajudar a vencer o isolamento, a bater as barreiras da intransigência,
e a introduzir uma discussão urgente há muito, mas sempre impedida por
receios e sanções de toda a espécie, e se além de tudo isto fosse possível ainda
comunicar a um grande número de leitores a sensação de que, no meio das
suas dificuldades e conflitos, podem ter a certeza de que são compreendidos,
e não condenados e rejeitados, então sim, o nosso esforço e empenho teriam
valido a pena (dReWeRMann, 1998).
referências Bibliográficas
CnBB, Formação dos presbíteros no Brasil: diretrizes básicas, são Paulo, Paulinas, 1995, pp. 12-22.
CongRegaÇÃo PaRa o CLeRo, Diretório para o ministério e a vida do presbítero, são Paulo,
Loyola, 1994, pp. 57-71.
dReWeRMann, eugen, Funcionários de Deus: psicograma de um ideal, tradução M. C. L. da
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__________, Religião para quê?: buscando sentido numa época de ganância e sede de poder. Em diá-
logo com Jürgen Hoeren, tradução Walter shlupp, são Leopoldo, sinodal, 2004.
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cerdotes nas circunstâncias atuais. são Paulo, Paulinas, 1992, pp. 13-27.
Linn, victor Waldir, Entre o sonho e a palavra: um estudo sobre a relação da psicanálise e teologia
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MoReiRa, alberto, «eugen drewermann e a Psicanálise da igreja Clerical», in Revista Ecle-
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